A ÁFRICA PELAS LENTES GEOGRÁFICAS DOS ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL Autor: Tiago Dionísio da Silva; Coautora: Tatiane Pacheco de Matos Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC/RJ) e Programa de Estudo sobre o Negro na Sociedade Brasileira (PENESB) da Universidade Federal Fluminense (UFF), e-mail: [email protected]; Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC/RJ) e Laboratório de Estudos Afro-brasileiros (Leafro) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), e-mail: [email protected] RESUMO: A formação educacional das crianças e jovens da rede pública, em sua maioria preta e parda, faz-se essencial para o exercício pleno da cidadania e do desenvolvimento social da Nação desde que seja uma Educação voltada para a problematização do que está posto, ou melhor, está construído pelo Mito da Democracia Racial, ou seja, de uma desigualdade racial não discutida, não percebida. Lembramos também que uma educação para as relações étnico-raciais, destinase a todos os brasileiros, independente do seu pertencimento racial, porém a população negra envolve as nossas atenções de modo particular. Então, seguindo nesta perspectiva o presente trabalho discutir a Questão Racial dentro da Geografia Escolar trabalhada no 6º ano do Ensino Fundamental. Para tanto foram aplicados 168 questionários em turmas do 6º ano do ensino regular de 5 Instituições Educacionais da Rede Pública Estadual localizadas na Baixada Fluminense a fim de levantarmos informações sobre a cor de pele dos alunos, conhecimentos sobre a África bem como da sua relação entre o referido continente e o nosso País. A análise dos questionários revela que muitas das crianças estão alheias à geo-afrobrasilidade. Logo ressaltamos a urgência de reconstruir a visão do negro no mundo, com o fim de resgatar a autoestima das crianças, pois temos a segunda maior população negra do mundo, mas que pelo processo histórico da colonização que o Brasil sofreu estão à margem da sociedade brasileira. Palavras-chave: Geografia, África, Prática Pedagógica, Ensino Fundamental. INTRODUÇÃO Este artigo nasce de inúmeras inquietações comuns surgidas em nossas atuações em sala de aula, sendo a referida situação fruto da trajetória acadêmica e profissional semelhantes, somos profissionais da rede pública estadual e do Rio de Janeiro e especialistas em Educação e Relações Étnico Raciais. Essas semelhanças afinaram os nossos olhares para questões que estavam presas no senso comum, mas que transitavam da nossa subjetividade e desaguavam em nossas práticas pedagógicas. Então inúmeras observações foram se ratificando a medida que íamos conversando a respeito do nosso exercício profissional: 1º o número de turmas do 6º ano é maior do que dos outros anos; 2º o número de alunos nas turmas do 6º é bem superior do que nas demais turmas dos anos acima; 3º o número de alunos afro-brasileiros em escolas localizadas em espaços populares é bem maior do que em outros espaços; principalmente em se tratando da Baixada Fluminense. 4º não existem ações pedagógicas que contemplem as questões étnico-raciais de forma contínua/processual no cotidiano escolar, com exceção do mês de novembro. 5º para um grande número de estudantes, praticamente o único espaço de socialização é a o ambiente escolar, visto que há uma grande ausência dos referidos espaços nos bairros de vivência da população financeiramente desprivilegiada. 6º ainda que a Lei 10.639/03 remeta especialmente para as áreas de conhecimento de História, Arte e Literatura o conteúdo programático relacionado aos africanos e seus descendentes, o livro didático de Geografia, em nenhuma unidade, capítulo e/ou texto complementar faz referências à questão racial. Ao contrário apresenta uma Geografia desumanizada. Entretanto, ainda que dando destaque às três áreas de conhecimento anteriormente citadas, a legislação em vigor sobre o assunto, anuncia que os conhecimentos sobre a questão étnico racial, perpassam todas as áreas de conhecimento e deve ser conteúdo a ser incluído nos currículos escolares. Então, entendendo a Educação como um processo histórico de construção e criação do homem para a sociedade e, simultaneamente, de modificação da sociedade para beneficio do homem. Logo a formação educacional das crianças e jovens da rede pública, em sua maioria afro-brasileira e mestiça, faz-se essencial para o exercício pleno da cidadania e do desenvolvimento social da Nação desde que seja uma Educação voltada para a problematização do que está posto, ou melhor, está construído pelo Mito da Democracia Racial, ou seja, de uma desigualdade racial não discutida, não percebida. Lembramos também que uma educação para as relações étnico raciais, destinase a todos os brasileiros, independente do seu pertencimento racial, porém a população negra envolve as nossas atenções de modo particular. Então, seguindo nesta perspectiva o presente trabalho discutir a Questão Racial dentro da Geografia Escolar trabalhada no 6º ano do Ensino Fundamental. Para tanto foram aplicados 168 questionários em turmas do 6º ano do ensino regular de 5 Instituições Educacionais da Rede Pública Estadual localizadas na Baixada Fluminense a fim de levantarmos informações sobre a cor de pele dos alunos, conhecimentos sobre a África bem como da sua relação entre o referido continente e o nosso País. AS CRIANÇAS E A GEO-AFROBRASILIDADE: O QUE OS QUESTIONÁRIOS NOS REVELAM? Os questionários foram utilizados levando em conta a premissa que os docentes precisam discutir os conteúdos disciplinares a partir dos conhecimentos dos seus alunos. Ressaltamos que a África possui uma historia construída no viés socioeconômico e racial discriminatório que subalterniza o referido continente e os povos que ali vivem a fim de negar, de tornar invisível ou depreciar a participação dos povos africanos na construção do mundo e do Brasil. As crianças e os jovens são pessoas imbuídas de uma vivência educacional, política, econômica, social, cultural e familiar que na prática pedagógica precisa ser levada em conta. Por outro lado o referido questionário nos auxiliou a problematizar algumas questões sobre África e os afro-brasileiros que estavam solidificadas sob uma construção da burguesia branca deste país. A nossa intenção foi mapear como o continente era visto por esses alunos e se eles viam alguma relação entre o continente africano e a nossa sociedade. Questão 1: qual é a sua cor? 1 amarelo preto pardo branco índio outros1 6 46 54 26 14 12 Cinco (5) morenos e um (1) azul. A análise dos dados aponta que 65% (110) dos alunos de um universo de 168 se declaram pretos e/ou pardos, portanto fica claro, através do dados que há uma parcela considerável dentro das instituições educacionais públicas de afro-brasileiros, portanto a Lei 10.639/03 precisa ser efetivada a fim de que os referidos discentes ser reconheçam como tais, compreendam a riqueza da sua cultura e a participação positiva do negro na construção da sociedade brasileira. Esses alunos pretos e pardos estão, em sua maioria nos sistema educacional público, logo se precisa urgente problematizar a questão racial a fim de desconstruirmos o mito da democracia racial, pois não adianta somente colocar os afrobrasileiros nas escolas, precisa construir uma educação dialógica, ou seja, que dialogue com todos os âmbitos que envolve a vida dos referidos discentes, entre elas a sociorracial. Puxando esse tema da classificação étnico-racial para o campo da Geografia da População, os estudos da classificação ética do Brasil é importante e por conseguinte discuti isso com os nossos alunos também o é: Na América Latina, de um modo geral, desenvolveu-se um conceito de raça mais baseado nas características fenotípicas e socioeconômicas do indivíduo, em vez da definição genética implícita na regra de hipodescendência norteamericana. Ao sul do Rio Grande, raça seria melhor definida como “raça social, dado que se refere a um grupo de pessoas que é julgada como similar em sua natureza essencial socialmente definida, do que resulta as relações raciais serem mis relações a de estrutura social do que de raça geneticamente concebida (WALGLEY, 1965). Daí, resulta também que a definição racial latina se fundamenta num espectro de categorias, distinguindo-se diversas gradações de cor, tonalidade e forma de aparência física das pessoas. E, nesse contexto, o caso provavelmente mais estudado e discutido é o brasileiro, que vem despertando o interesse dos estudiosos na área de relações raciais há várias décadas. (SILVA, 1994, p.69) No entanto, o que queremos não é realizar simplesmente um minicenso das raças ou cordos nossos alunos, mas queremos ir além, queremos através desse exercício problematizar essa questão complexa do ser branco ou do ser negro no Brasil, de como isso está posto na sociedade e como foi construído ao longo do tempo e seus reflexos no cotidiano dos nossos alunos. Lembramos que em 2010 ocorreu o Censo do IBGE e 53% da população brasileira se declararam pretos ou pardos, ou seja, os afro-brasileiros são maioria em nosso território, portanto este dado tem que está prática da sala de aula, pois tal estatística demonstra uma particular posição social e postura cultural. Contudo, mais importante para nosso propósito aqui é o fato de que a identidade racial no Brasil não parece depender apenas da aparência física da pessoa ou das definições que cada informante tem a respeito de cada termo racial. De fato, a identificação racial brasileira e, em certa medida, influenciada pela posição socioeconômica tanto do informante quanto da pessoa que está sendo classificada. De um modo geral, dada uma certa combinação fenotípica, quanto maior a posição socioeconômica do indivíduo no momento da classificação, mais próximo do branco será a categoria utilizada para classificá-lo. Ou seja, em concordância com as expressões populares “o dinheiro embranquece” ou negro rico é branco, branco pobre é negro”. (SILVA, 1994, p. 70): Portanto o que queremos é construir com as nossas crianças e jovens uma consciência crítica das questões raciais e como estão inseridos os afro-brasileiros em nossa sociedade a partir de um instrumento criada pela própria sociedade que poderá ou não estar a serviço de um grupo dependendo de como é utilizado. Questão 2: A África é um continente ou um país? Continente País Não souber responder 91 76 1 Segundo os dados, 44% dos alunos identificam a África como um país. Não reconhecêla como um continente é negar a grande e rica diversidade do referido continente também com o objetivo de que ele é único não sendo assim necessário respeitá-lo em suas subjetividades e assim, justificar a dominação total como foi o imperialismo europeu. É torna invisíveis dezenas de países que abrigam centenas de culturais, tecnologias, formas de vida, religião, línguas, é negar parte da nossa própria história, já que: Fundamentalmente, a sua grande e enriquecedora diversidade (grifo da autora). E esta diversidade nas paisagens e nas muitas línguas é acompanhada pela diversidade em opções religiosas, costumes, modos de vida. Isto acontece não apenas entre países, mas dentro dos mesmos – na Nigéria, por exemplo, se falam cerca de 200 línguas – entre idiomas e suas variações dialetais. Normalmente, num país como estas características, seus habitantes falam mais de um idioma no seu dia-a-dia, no contato uns com os outros. Para nós, brasileiros, pode até parecer muito complicado, mas é surpreendente como esta diversidade no cotidiano se torna algo vivido com naturalidade. (LIMA, 2004, p.80) Essa visão homogeneizada sobre o continente africano foi algo construído no Brasil desde os primórdios da nossa história: (...) Mas a paisagem em que insiste Castro Alves é outra: é a do deserto, como se todos os escravos viessem do Saara ou de suas franjas. No próprio “O navio negreiro”, depois de perguntar-se quem eram aqueles desgraçados, responde que eram “os filhos do deserto”, nascidos “nas areias” infindas” e que, capturados, haviam sido levados pelas caravanas por um “areal extenso”, um “oceano de pó”. (SILVA, s/a, p.119). Aqui não queremos produzir Geografia Tradicional, decoreba, mas sim criar uma situação que possibilite um equilíbrio a fim de resgatar o continente africano e o coloque em pé de igualdade as demais nações desenvolvidas como Estados Unidos, Japão entre outras que sempre estão na mídia e portanto na “ponta da língua” de nossos alunos. Logo nosso objetivo é minimamente fazer com que os educandos saibam os nomes de alguns países africanos e também discutir como se deu o processo da construção das fronteiras na África e as especificidades socioculturais existentes ali. Por que assim também se desconstrói a ideia de homogeneização africana. Além do que a “África tem uma História2”, essa história foi escrita e se materializou em determinado Espaço Geográfico , pois “o estudo do território africano confunde-se com o tempo como produto histórico, evidenciando-se uma íntima relação entre o espaço geográfico e os eventos da História” (ANJOS, 2008, p. 171). Portanto, o que se propõe aqui é que se estenda esse debate às outras áreas de conhecimento, como por exemplo, a Geografia, porque “somente assim poderemos conhecer melhor as ‘áfricas’ que levamos dentro de nós, como brasileiros e cidadãos do mundo (LIMA, 2006, p.103)”. Questão 3: Escrava 5 palavras sobre a África. Palavras positivas: Cultura (1); história de vida (1); arte (1); africanos (11); homens (2); países (2); crianças (2); dança (1); Copa do Mundo (6); estádios (3); amor (3); comida (1); amizade (1); futebol (8); capoeira (1); carro (1); pessoas (3); barco (1); raça (1); união (1); luta (1); linda (1); beleza (1); muito grande (1); muitos estados (1); bonito (1); legal (2) interessante (1); importante (1); nagô (1); orixás (1) Palavras negativas: Nada (12); tragédia (1); fome (11); cabanas (1); pobre/pobreza (29); índios (7); humildade (1); Necessidade (1); dificuldade (1); perseguição (1); morte (1); ruim (1); feia (1); suja (1); fedorenta (1); guerras (2); tristezas (2); lixo (2); áreas de riscos (1); seca (3); magro (1); tribos (1); sofrimento (1); doença (1); não tem quase roupa (1); falta de trabalho (2) 2 Com esta frase, o grande historiador Joseph Ki-Zerbo, nascido em Burkina Fasso (África Ocidental), abriu a sua introdução à Coleção História Geral da África, organizada e patrocinada pela UNESCO nas décadas de setenta e oitenta do século XX (LIMA, 2006, p. 80) Palavras naturais: Animais (23); árvores (10); escravos (4); água (5); rios (3), frutas (1); matos (5); pássaros (1); natureza (3); vulcão (1); peixe (2); sol (1); plantas (2); flores (2) Observação: Negro (73), Zumbir (4), baianos (5) e macumba (1) arco (1), flecha (1) Apareceram 31 palavras positivas contra 26 negativas, porém dentro dessa última categoria pobre/pobreza apareceu 29 vezes, ou seja, o continente africano ainda é viso como lócus, se analisarmos superficialmente essa questão é uma verdade, pois o que os nossos alunos veem nos livros didáticos e em reportagens da televisão brasileira sempre os levam a associarem á África a um território miserável, quando não muito a imagens de animais e selvagens e povos tribais, como se estivessem parado no tempo. No entanto, o que não é problematizado o que levou o referido continente a essa situação. Não vemos, em nenhum momento, críticas à exploração desses povos pela civilização europeia que saquearam as riquezas, e raptaram homens e mulheres e fomentaram brigas entre as etnias até hoje sem resoluções, tudo isso em prol do desenvolvimento das suas indústrias recém criadas através da Revolução Industrial no século XVIII. Pra não irmos ao século XV e XVI quando cerca de 4 milhões de africanos foram trazidos a força para trabalharem no Brasil. Além do mais se cria uma visão homogeneizadora, ou seja, como se todos os países os africanos sofressem desses males construídos pelos povos europeus, tudo isso a fim de negar a grande importância dos africanos na história da humanidade e, por conseguinte brasileira, fazendo assim com que esquecesse suas origens e criasse uma ideia de que o importante é sermos brasileiros, porém já foi mais do que provado quando analisamos dados socioeconômicos com recortes raciais vemos o quanto é desigual racialmente o Brasil. Além do que se os demais povos que ajudaram a construir este País, como os japoneses, portugueses, espanhóis e italianos, entre outros, lutam para preservarem suas culturais, porque não o fazem também os povos africanos? Negar a grande e rica diversidade do referido continente tem o objetivo de que ele é único não sendo assim necessário respeitá-lo em suas subjetividades e assim, justificar a dominação total como foi o imperialismo europeu e de que como é uma terra de miséria , destruição e com um pseudo-atraso tecnológico, é uma forma de querer que o negros se integrem a sociedade brasileira, pois assim ele estará melhor. Essa visão homogeneizada sobre o continente africano foi algo construído no Brasil desde os primórdios da nossa história: (...) Mas a paisagem em que insiste Castro Alves é outra: é a do deserto, como se todos os escravos viessem do Saara ou de suas franjas. No próprio “O navio negreiro”, depois de perguntar-se quem eram aqueles desgraçados, responde que eram “os filhos do deserto”, nascidos “nas areias” infindas” e que, capturados, haviam sido levados pelas caravanas por um “areal extenso”, um “oceano de pó”. (SILVA, s/a, p.119). Portanto a África tem uma rica e diversa construção cultural e cientifica que precisa se problematizada a fim de colocá-la em pede igualdade com os demais povos construídores deste País, pois só resgatando e valorizando de forma a positiva o continente africano conseguiremos destruir o nefasto Mito da Democracia racial e assim contribuir para a elevação da autoestima das nossas crianças e jovens, principalmente das escolas públicas, onde os afro-brasileiros são a maioria. Questão 4: O Brasil tem alguma coisa da África? O quê? Sim Não Não souberem responder 143 7 18 Em relação a esta pergunta, cerca de15% dos alunos não souberem somando aos que disseram não, então há um desconhecimento de cerce de 20 % dos educandos sobre se existe ou não uma relação entre o nosso País e o continente africano, portanto esses dados por si só demonstram a necessidade de discutir a África em todos os seus âmbitos na Educação Básica, visto eu o Brasil possui a segunda maior população negra no mundo e a nossa formação enquanto sociedade enação soberana esta intimamente ligada aos africanos que foram trazidos a força da sua terra natal e debaixo de uma exploração nefasta, pela sociedade branca, foram às mãos e os braços que ergueram o Brasil ao longo desses cinco séculos. É preciso que os discentes tenham uma consciência crítica dessa questão que ficou encoberta e/ou distorcida por muitos anos e criou em nosso território a equivocada aceitação do convívio harmonioso entre as raças, quando as cadeias estão lotadas de pessoas negras, as universidades têm um pequeno número de afro-brasileiros, os empregos mais bem remunerados são ocupados majoritariamente pro brancos entre outros exemplos desse racismo silenciosos que corrói e destrói a autoestima das nossas crianças, quando não constroem a incoerente ideia de que os negros estão assim por querem como se fosse algo intrínseco a sua cor de pele. [...] uma sociedade que constitui suas relações por meio do racismo, [...] [tem] em sua Geografia lugares e espaços com as marcas dessa distinção social: no caso brasileiro, a população negra é francamente majoritária nos presídios e absolutamente minoritária nas universidades; [..] essas diferentes configurações espaciais se constituem em espaços de conformação das subjetividades de cada qual. Enfim, há toda uma série de sujeitos sociais cuja compreensão da sua própria natureza sociológica implica considerar o espaço e a natureza – os camponeses, os indígenas, os afrodescendentes (com seus palenques, na Colômbia e na Venezuela, e seus quilombos no Brasil), os ecologistas, os moradores, os jovens-da-periferia (hip-hop), pra não dizer do próprio operariado. (PORTO-GONÇALVES, 2002, p.4) Os 143 alunos que disseram sim a questão anterior informarem que o que existe da África no Brasil são: Negros (30), animais (21), pobreza (16), a cor (14), árvores (8), pessoas (7), futebol (6), comida (5), cultura (4), casas (4), indígenas (3), música (3), capoeira (3), capoeira (3), fome (3), água (2), picareta (2), danças (2), cidades (1), os desenhos na rua (1), camdoblé (1), crianças (1), caramujo (1), orixás (1), lixo (1), africanos (1), vaso de barro (1), objetos (1), macumba (1), discriminação (1), dificuldade (1), necessidade (1), morte (1), terra (1), avião (1), sexo (1), sofrimento (1), tambor (1) Essa visão negativa sobre a África-Brasil foi fruto de uma construção ao longo da História do Brasil a fim de negar o negro na participação da sociedade brasileira, portanto tudo que se relacionava aos negros era encoberto, destruído a fim de que a contribuição afrobrasileira fosse esquecida, porque a educação e Geografia hegemônica eram baseadas em um cientificismo eurocêntrica em que colocava como nível de cultural e desenvolvimento o branco europeu., logo o saber o saber científico e culturais das demais sociedades que compõem o planeta Terra eram tidos como inferiores e/ou com não ciência/cultura quando muito desprezados. E especificamente em relação ao colonialismo sofrido pelo Brasil os portugueses nunca se preocuparam em se relacionar com os escravos africanos com sujeitos autores de uma sociedade rica, diversa, complexa e sábia. Se algum dia conversou por mais tempo com um escravo, Castro Alves, por pudor, prudência ou receio de parecer bisbilhoteiro, não lhe pôs perguntas sobre o passado. Nem sobre sua vida e sues valores, que provavelmente teria dificuldade de entender. Bastava-lhe saber que os negros sofriam violência e degradação. Se tivesse ouvido um escravo falar de sua terra natal, ou do que dela contaram seus pais, certamente não teria descrito a África sem qualquer amparo na realidade, a repetir as imagens tiradas do orientalismo romântico francês e a estender para o sul do Saara as paisagens do deserto. (SILVA, s/a, p.118) No entanto, em janeiro de 2003, foi promulgada a Lei 10.639, fruto de lutas históricas do Movimento Negro Brasileiro. Sua aprovação visa alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, assumido o papel do mundo da educação como fundamental na reprodução e na reversão do quadro de desigualdade raciais no Brasil: Segundo Santos (2007) “a Lei é um instrumento para reposicionar o negro no mundo da Educação” [...], ou seja, é uma das formas de construir “outras visões de mundo alternativas à eurocêntrica que domina a nossa formação – ou, instrumentos para a construção de visões plurais [...]” (p.23), baseada no seguinte argumento: [...] à luta histórica dos movimentos sociais negros por uma educação antiracista; à demonstração de manifestações do racismo no cotidiano escolar; a conceitos necessários à compreensão da questão racial no Brasil; ao poder das linguagens escolares na e para a reprodução de preconceitos raciais, bem como à história orientação eurocêntrica da educação brasileira; à ausência da história do continente africanos no Brasil e/ou da produção historiográfica sobre esse continente produzida por brilhantes intelectuais africanos; a aspectos fundamentais da Geografia africana; e à concepção de mundo africano. (HENRIQUES, 2005, p. 8) Um dos primeiros passos para ser construir uma educação antirracista é compreender a enorme e estreita relação entre a África e o Brasil. Nós, brasileiros, e principalmente os alunos afro-brasileiros, precisam compreender que eles têm uma origem positiva e complexa dentro da formação da sociedade deste País. E a Geografia pode em muito contribuir para essa discussão, pois se queremos problematizar e resgatar a autoestima dos discentes negros e sabemos que isso se dá através da discussão de raça precisamos convocar a Geografia para esse campo. A relação Brasil-África vem sendo construída há 500 anos, na medida que os africanos escravizados e seus descendentes, ao participar da construção desta Nação, foram deixando nos demais grupos étnicos com que convivem suas influências e, ao mesmo tempo, também as incorporaram. Portanto estudar a relação entre o nosso País e o referido continente significar compreender e analisar um jeito distinto de ver a vida, o mundo, o trabalho, de conviver e lutar por uma cidadania plena, bem como pela de todos os descendentes de africanos. “Significa também conhecer e compreender os trabalhos e a criatividade dos africanos e de seus descendentes no Brasil, e de situar tais produções na construção da Nação brasileira” (GONÇALVES E SILVA, 2005, p. 152). Compreender a referida relação vai além de uma questão escolar, de conteúdos, é algo de direito, “diz respeito ao direito dos descendentes de africanos, assim como de todos os cidadãos brasileiros, a valorização de sua identidade étnica-histórica-cultural, de sua identidade de classe, de gênero, de faixa etária, de escolha sexual” (GONÇALVES E SILVA, 2005, p. 152153). Entretanto para se construir uma pedagogia anti-racista, segundo Gonçalves e Silva, (2005, p. 156) existem algumas exigências: Diálogo, em que seres humanos distintos miram-se e procedem intercâmbios, sem sentimentos de superioridade ou de inferioridade; Reconstrução do discurso e da ação pedagógica, no sentido de que participem do processo de resistência dos grupos e classes postas á margem, bem como contribuam para afirmação da sua identidade e da sua cidadania. (ENSLIN, 1990). Estudo da recriação das diferentes raízes da cultura brasileira, que nos encontros e desencontros de uma com as outras se refizeram e, hoje, não são mais gegês, nagôs, bantos, portugueses, japoneses, italianos, alemãs, mas brasileiras de origem africana, europeia, asiática. Porque Lima (2006, p. 74) ressalta que: Não são unicamente os aspectos legais que nos colocam frente à história da África. Muito antes e além deles, sabíamos que não se pode entender a história do Brasil sem compreender suas relações com o continente africano. A África está em nós, em nossa cultura, em nossa vida, independentemente de nossa origem familiar pessoal. Portanto, conhecer a história da África é um caminho para entendermos melhor a nós mesmos. (2006, p. 74) CONCLUSÃO A análise dos questionários revelam que muitas das crianças estão alheias à geoafrobrasilidade. Há discentes que não reconhecem a importância da África, dos seus povos e de sua história na construção da sociedade brasileira. Negar a importância dos africanos na história da humanidade, e, por conseguinte brasileira, é ratificar uma sociedade desigual e que apenas valoriza e reconhece a visão eurocêntrica. Além do problema da homogeneização africana, visto que ainda há a visão da África como um país e não como continente, sua associação direta com pessoas pobres, pobreza e miséria precisa ser superada. Apesar dos discentes relacionarem palavras positivas ao continente, predomina a visão negativa sobre a relação África-Brasil. E há um relevante desconhecimento ou não reconhecimento da existência de qualquer relação entre o Brasil e o continente Africano. Logo cabe ressaltar a urgência de reconstruir a visão do negro no mundo, haja visto que temos a segunda maior população negra do mundo e, a escola tem uma papel nessa reconstrução. Portanto, é preciso colocar a questão racial efetivamente dentro das instituições escolares, pois Santos (2006, p.24) diz que a “educação escolar tem um papel fundamental na superação das desigualdades raciais e do racismo”. A Educação Pública é um dos caminhos mais frutífero a essa demanda, pois é a maneira que o nosso País se faz presente, devido à universalização da Política Pública de Educação, sem questionarmos a qualidade neste trabalho, além de que é na Rede Pública de Ensino que se observa o maior número de afro-brasileiros e outras raças, ou seja, é o lócus que possibilitará a interação com os pares e o diferente, possibilitando reconstrução de uma Geografia, uma História e demais Ciências realmente pautadas nas questões humanas e brasileiras. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANJOS, Rafael Sanzio Araújo dos. Territórios étnicos: o espaço dos quilombos no Brasil. In: Diversidade, espaço e relações étnico-raciais O negro na Geografia do Brasil. SANTOS, Renato Emerson dos (org). Rio de Janeiro: Autêntica, 2007. HENRIQUES, R. Educação e desigualdade racial. In: PANTOJA, S.; org. Rompendo silêncios: história da África nos currículos da educação básica. Brasília: DP Comunicações Ltda, 2004. LIMA, Mônica. História da África: temas e questões para a sala de aula. IN.:Caderno PENESB &. População Negra e Educação Escolar. OLIVEIRA, Iolanda de e SISS, Ahyas (orgs). 1ª ed., Niterói, Editora EdUFF, 2006. SILVA, Alberto Costa. As imagens da África. Mimeo SANTOS, Genivalda e SILVA, Maria Palmira da (orgs). Racismo no Brasil: percepções da discriminação e do preconceito racial no século XXI. 1º ed., São Paulo. Editora Fundação Abreu Abramo, 2005. SANTOS, Renato Emerson. O ensino de Geografia do Brasil e as relações raciais: reflexões a partir da lei 10.639. In: Diversidade, espaço e relações étnico-raciais O negro na Geografia do Brasil. SANTOS, Renato Emerson dos (org). Rio de Janeiro: Autêntica, 2007. SILVA, Nelson do Valle. Uma nota sobre “raça social” no Brasil. In.: Estudos Afroasiáticos. Centro de Estudos Afro-asiáticos. Conjunto Universitário Candido Mendes, Rio de Janeiro, 1994.