Sustentabilidade, Economia Verde e Mudança do Clima Ronaldo Seroa da Motta [email protected] 24ª REUNIÃO DO COMITÊ MUNICIPAL DE MUDANÇA DO CLIMA E ECOECONOMIA São Paulo, 17 de novembro de 2011 Roteiro Limites do crescimento e as questões globais Conceituação de sustentabilidade Crescimento econômico e degradação ambiental Aquecimento global: acordos, economia política e papel do Brasil Conclusões Os Limites do Crescimento Criação do EPA - Environmental Protection Agency (1970) Resultou na leis pioneiras nos EUA do Ar Limpo de 1970 e da Água Limpa de 1977 e o modelo EPA orientou a criação de agências similares no mundo todo, inclusive Brasil (FEEMA-RJ, FEAM-MG e CETESB-SP), para tratar da poluição local e seus efeitos na saúde humana Relatório Os Limites do Crescimento (Relatório do Clube de Roma ou Relatório Meadows) (1972) Mesmo considerando o avanço tecnológico, o Relatório advoga que o Planeta não suportaria o crescimento populacional devido à pressão gerada sobre os recursos naturais, Primeira Conferência Mundial da ONU sobre o Homem e o Meio Ambiente/Conferência de Estocolmo (1972) Criou uma base de princípios e ações para a regulação ambiental em proteção a saúde humana, mas falhou nas questões globais pela disputa do “desenvolvimento zero”, defendido pelos países desenvolvidos e o “desenvolvimento a qualquer custo”, defendido pelas nações subdesenvolvidas. Desenvolvimento Sustentável Relatório Brundtland – Nosso Futuro Comum (1987) O Relatório, elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU coloca uma visão crítica ao modelo de desenvolvimento adotado pelos países industrializados, e reproduzido pelas nações em desenvolvimento, baseado no uso excessivo de recursos naturais O conceito de Desenvolvimento Sustentável é o tema central do Relatório que postula que o desenvolvimento econômico de hoje deve se realizar sem comprometer a base dos recursos naturais que vai gerar o desenvolvimento econômico de gerações futuras Destaca a preocupação com problemas globais (Nosso Futuro Comum) que necessitaria a cooperação de todos os países Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento/Rio 92 (1992) O evento destaca formas de cooperação para a solução dos problemas globais considerando a defasagem de grau de desenvolvimento entre as nações Para tal, foram criadas as Convenção do Clima, a Convenção da Diversidade Biológica e a do Combate à Desertificação onde se procura destacar princípios que garantam que todos os países colaborem de forma diferenciada pela sua capacidade econômica Desenvolvimento Sustentável Relatório "Rumo a uma Economia Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza", PNUMA, 2011 Relatório produzido pelo Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas que procura mostrar os efeitos macroeconômicos (renda, emprego e consumo) de investimentos em capital natural. Economia verde = setores/tecnologias limpas substituindo setores/tecnologias sujas via investimentos em capital natural. Resultados dos modelos adotados estimam que a médio prazo (a partir de seis anos) investimentos em capital natural (2% do PIB mundial entre 2011-2050) geram um crescimento de setores limpos que mais que compensariam as perdas de renda e emprego dos setores marrons que se contraem. E que se esses investimentos aliviam a pobreza dos pobres que dependem diretamente de serviços ambientais. Financiar esses investimentos de forma sustentada exigirá regulação e metas, corte de subsídios perversos, precificação do bens e serviços ambientais, apoio de bancos oficiais e multilaterais e engajamento do setor financeiro. Como definir sustentabilidade? • Premissa: capital material pode ser reproduzido via crescimento do produto, já capital natural tende a decrescer impondo restrições ao crescimento futuro • Objetivo: alocar eficientemente os recursos de modo a maximizar o bem-estar das gerações presentes e futuras Do ponto de vista da teoria econômica convencional: A sustentabilidade de uma economia ocorre na medida que seu estoque de capital, que define o fluxo de bens e serviços futuros, seja mantido pelo menos constante A escassez de recursos naturais se precificada adequadamente seria resolvida via substituição e desenvolvimento tecnológico Taxonomia da sustentabilidade A hipótese básica para caracterizar o desenvolvimento sustentável consiste no grau de substituição entre o capital natural e o capital material (essencialidade do recurso) Três hipóteses: ◦ Sustentabilidade muito fraca substituição perfeita entre capital natural e capital material ◦ Sustentabilidade fraca substituição limitada entre capital natural e material ◦ Sustentabilidade forte não é mais possível qualquer tipo de substituição entre capital natural e material Sustentabilidade muito fraca ◦ O nível de estoque de capital natural poderá ser reduzido desde que investimentos compensatórios e equivalentes em capital material sejam realizados ◦ Importante é manter o estoque de “capital total” constante ao longo do tempo ◦ Questões ambientais não são relevantes para o crescimento, desde que precificadas corretamente e que parte da receita gerada pelo uso de recursos naturais seja transformada em investimentos ◦ Hipótese de progresso tecnológico ilimitado Sustentabilidade fraca ◦ Capital material depende do capital natural logo a possibilidade de substituição entre capital natural e material é limitada ◦ Requer identificar os níveis críticos do capital natural ◦ A manutenção do estoque de capital natural no seu nível crítico deve ser garantida Sustentabilidade forte ◦ Maioria dos recursos naturais já está no seu nível crítico ◦ Crescimento econômico, portanto, limitado ◦ Requer identificar regras de redistribuição da renda atual entre contemporâneos ◦ O atual estoque de capital natural deve ser apreciado Como ser sustentável? Seja qual for a hipótese de sustentabilidade, as atividades econômicas têm que ser valoradas e precificadas corretamente para serem ambientalmente mais eficientes Isto resultará em: mudanças nos processos de produção; mudanças na estrutura de produção e consumo; e/ou reduções no nível de produção e consumo Crescimento Econômico e Degradação Ambiental (1)| Uma hipótese alternativa é que a degradação ambiental tem a forma de uma curva U invertida em relação a renda, tal que a degradação cresce até um certo nível de renda e depois decresce, i.e., uma relação quadrática com a renda Environmental Kuznets Curve Crescimento Econômico e Degradação Ambiental (2) Essa possibilidade seria possível por que a medida que a renda aumenta: 1. Há mudanças na composição dos setores produtivos na direção dos mais intensivos em tecnologia e serviços e menos em recursos naturais; 2. Aumenta o nível de comércio internacional que permite a introdução de tecnologias novas; e 3. O consumo de qualidade ambiental aumenta, pois ele é elástico a renda e há modificações na estrutura de preferências dos indivíduos com acesso a educação e a informação ambiental Crescimento Econômico e Degradação Ambiental (3) Estudos dessa correlação renda e meio ambiente não são conclusivos com divergências em metodologias e resultados Evidências mostram que muitas formas de degradação, por exemplo: poluição atmosférica nos grandes centros urbanos, saneamento e desmatamento, têm essa forma U invertida. Mas essa reversão acontece a níveis muito altos de renda (US$ 8-12 mil per capita) Outras evidências indicam que essa relação não acontece para emissões de gases de efeito estufa Ademais, outros estudos indicam que a relação pode ser cúbica, isto é, voltando a crescer de novo após certo nível de renda Exemplo: aquecimento global Tragédia dos comuns : ações individuais racionais com resultados sociais irracionais por falta de incentivos a cooperação Cooperação para combate ao aquecimento global falha porque: ◦ Requer ação global: o efeito é igual em qualquer parte do planeta onde estiver a fonte de emissão ◦ Incerteza quanto ao custos e benefícios e ao progresso tecnológico ◦ Custos de mitigação competem com custos de adaptação O combate ao aquecimento global exige uma economia de baixo carbono com uma radical transformação nas atividades de produção e consumo em toda a economia Destruição de estoque de capital antigo e altos investimentos e um novo estoque que geram impactos negativos no crescimento de curto prazo Incentivos a Cooperação Como incentivar a transição para uma economia de baixo carbono: ◦ aumentar preço do carbono ◦ subsidiar desenvolvimento tecnológico em energias limpas O esforço tem que ser global para evitar vazamento (se a redução não é agregada a redução unilateral não garante que a emissão em outro lugar cresça) Como distribuir os esforço entre os países? Qual o critério da alocação do orçamento do carbono? Eficiência x equidade: dividir por emissão acumulada, por emissão atual, per capita, por renda per capita? A Convenção do Clima Convenção do Clima da Rio 92 coordena as ações no combate ao aquecimento global: impedir uma interferência antrópica no equilíbrio climático Princípio das responsabilidades “Comuns Mas Diferenciadas” (CBD) “respeitadas as capacidades” (art. 3.1) “Países mais desenvolvidos agem primeiro” (art. 4.2) 192 países são signatários da UNFCCC Protocolo de Quioto (PQ) – 1997 - definiu obrigações de METAS de emissão (TETOS) para países desenvolvidos (PDs), (Anexo I da UNFCCC) para serem alcançados até 2012. Meta > 5,2% abaixo dos níveis de 1990, no período 2008-2012 (UE –8%, EUA –7% (não ratificou), Japão – 6%, Rússia 0%, Austrália +8% Mecanismos de mercado : mercado de carbono e MDL para países fora do PQ para reduzir custo de controle (offset) que movimentam mais de 140 bi US$ por ano. Copenhagen e Cancun Acordos de Copenhague e Cancun que não tem status de tratado (resolução das COP 15 e COP 16) Acordos objetivam um aumento máximo de temperatura de 2o C ao longo do século o que requer redução das emissões globais de 40 % em relação a1990 em 2020, 60 % em 2030 e 80 % em 2050. Ou orçamento de carbono global caindo de 56 para quase 8 GtCO2e em 2050 Em Copenhagen países se comprometeram voluntariamente a cortar entre 4-7 GtCO2e até 2020 que ainda significa déficit de 5 a 9 GtCO2e para a trajetória de 2oC Em Cancun avança o fundo de 100 bi US$ necessários até 2020 para financiar as reduções voluntárias dos países em desenvolvimento e os seus custos de adaptação e a possibilidade do Protocolo de Quioto ser renovado em 2012 Economia Política dos Acordos PDs (G8): maior e declinante responsabilidade histórica, maior custo de mitigação e menor custo de oportunidade (impactos no crescimento) Diferenças acentuadas entre os PDs: (efeito competitividade) com custo marginal de mitigação nos EUA/JAPÃO >> Comunidade Européia PEDs (G77): com menor e crescente responsabilidade histórica, menor custo de mitigação e maior custo de oportunidade Diferenças acentuadas entre PEDs: impactos da mudanças climáticas são maiores nos mais pobres (LDCs) e insulares (AOSIS) e custo marginal de mitigação maiores nos emergentes com base energética intensiva em carbono (China e Índia) As Divergências Atuais Crescimento acelerado dos BRIC/BASIC leva à convergência histórica no futuro e o papel da China é crucial, pois tem uma participação muito grande nas emissões globais atuais Projeções AIE: em 2030, 26 b t CO2 de não OECD contra 15 b t CO2 de OECD (hoje 18 contra 13) Retorno EUA as discussões reduz divergências entre PDs, mas aumenta pressão nos PEDs Pressão da opinião pública cresceu e atravessou plataformas eleitorais, embora ainda sensível a ciclos econômicos e controversa em alguns países (por ex: EUA e China) Iniciativas de políticas nacionais unilaterais ou mesmo imposições voluntárias de segmentos na cadeia produtiva já incluem restrições as importações ou compras como salvaguardas a vazamentos (Kerry&Lieberman e WaxmanMarkey bills nos EUA e padrões voluntários de certificação ambiental) Efeitos no Comércio Internacional Estudos identificam que as sanções comerciais de cunho climático, como tarifas sobre as importações por conteúdo de carbono, afetarão mais as economias emergentes de maior intensidade de carbono e com viés exportador, como a da China. Já o Brasil perde menos na indústria, embora com grande impacto nas exportações agrícolas. A tabela abaixo reproduz resultados do estudo do Banco Mundial (Mattoo, A., et. al. Reconciling climate change and trade policy,The World Bank, Policy Research Working Paper 5123,Washington, novembro 2009) Impactos nas Exportações (% BAU) com imposto ambiental US$ 60 / t CO2 Setores Brasil Agricultura -10.8 Energia -4.1 Indústria agregada 1.9 Indústria energia-intensiva -2.2 Outras indústrias de processamento 3.7 Outras indústrias -8.1 Serviços 9.4 Total -2.4 China 31.0 -1.0 -20.8 -16.6 -21.6 -2.1 46.3 -15.8 India 25.7 13.8 -16.0 -9.7 -18.3 -3.2 25.3 -6.5 Russia 20.7 -7.2 -14.3 -19.7 -6.9 3.6 35.1 -6.7 Mundo -16.3 -11.9 -12.9 -14.6 -12.4 -9.0 3.9 -10.2 A Contribuição do Brasil (1) Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), Lei 12187/2009, e seu Decreto Regulamentador 7390/2010 definem metas para o país e voluntárias para a Convenção do Clima, conforme mostra a tabela abaixo Metas de mitigação para 2020 Total a ser mitigado em 2020 (mi tCO2eq) Total de emissões em 2020 após mitigação (mi tCO2eq) % Mitigado em 2020 Relação a 2005 36,1% 1168 2068 6% 38,9% 1259 1977 10% A Contribuição do Brasil (2) Planos Setoriais irão definir metas articuladas com instrumentos econômicos e financeiros (incentivos fiscais e creditícios, mercado de carbono e Fundo Nacional sobre Mudança do Clima) A ênfase nas metas nacionais é claramente no controle do desmatamento e na agricultura, conforme mostra a tabela abaixo com dados do Decreto Regulamentador Depois de 2020 esforço de mitigação deve recair no setores energético e industrial. Como criar as bases tecnológicas para essa transição pós -2020? Uso da Terra Agropecuária Energia Outros Total 2005 observado 1268 487 362 86 2203 2020 projeção 1404 730 868 234 3236 Variação 2020-2005 11% 50% 140% 172% 47% Emissões (mi tCO2eq) Conclusões Sustentabilidade exige: Radical transformação na base produtiva e de consumo Regulação para estimular a eficiência ambiental e incentivos a cooperação Uso de instrumentos de mercado que reduzam os custos de controle ambiental e incentivem o desenvolvimento tecnológico Avançar no conhecimento ecológico (riscos e danos físicos e biológicos, criticabilidade) Inserir risco e incerteza climática em todo planejamento setorial Referências Seroa da Motta, R. Economia Ambiental, Editora FGV, Rio de Janeiro, 2009 Seroa da Motta, R. et. al. (Eds.) Mudança do Clima no Brasil: Aspectos Econômicos, Socais e Regulatórios, IPEA, Brasília, 2011 Seroa da Motta, R. Valoração e precificação dos recursos ambientais para uma economia verde, Política Ambiental 8, p.179-190, junho 2011 Seroa da Motta, R. e Dubeux, C. Mensuração nas políticas de transição rumo à economia verde, Política Ambiental 8, p.197-207, junho 2011