PACOTE TRIBUTÁRIO, UM PALIATIVO INÚTIL E NOCIVO
(www.haradaadvogados.com.br, 21/09/2015)
Kiyoshi Harada
O fantasma do pacote tributário já se incorporou na rotina da
administração pública federal. Não mais estava assustando a ninguém e a
sociedade já vinha digerindo essa linguagem direta e clara, antes camuflada
sob a bandeira da “reforma tributária”, um mito que soava como música aos
ouvidos da população leiga, em sua maioria, ordeira e trabalhadora alimentada
pela frase cuidadosamente cunhada por astutos políticos: O Brasil é o país do
futuro. E assim ficavam esperançosamente esperando pelo futuro.
Só que agora a sociedade percebeu que esse futuro jamais chegará
com esse governo que fez da mentira uma regra de ouro e plantou a semente
da corrupção regada e alimentada ao longo desses últimos 13 anos. A
operação Lava Jato desmontou o castelo de mentiras e desnudou a triste
realidade de um país quebrado, sem rumo, sem ética e sem comando.
As raízes da corrupção foram aos poucos alcançando as instituições e
órgãos públicos e ao cabo de 13 anos a sua árvore matriz cresceu de tal forma
que se tornou visível à distância aos olhos da população em geral, não
bastassem os efeitos devastadores sobre a economia do país, com imediato
reflexo no bolso do contribuinte que não mais consegue manter o ritmo de sua
produção, além de ter que pagar tudo mais caro pelo pouco que consome, em
virtude do retorno do processo inflacionário que havia sido debelado com
imensos sacrifícios.
Em um cenário como esse, em que o bom-senso está a indicar a
necessidade de devolução parcial do oxigênio que o governo sugou, pretender,
a todo custo, retirar mais oxigênio da combalida sociedade seguindo a
orientação de duas autoridades econômicas que não conseguem elaborar nem
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a programação orçamentária anual segundo as normas de regência da matéria,
é o mesmo que tentar debelar o incêndio jogando mais gasolina do que água.
Antes
de
elevar
tributos
e
cortar
os
benefícios
trabalhistas,
previdenciários e sociais, tudo ao arrepio das normas legais e constitucionais, o
governo deveria cortar de imediato as despesas inúteis e improdutivas que
resultaram em um Estado paquidérmico que não mais cabe dentro do PIB .
Fala-se, agora, em desviar os recursos do sistema S para o Tesouro, passando
por cima da Constituição.
No início de setembro, em entrevista à TV Aberta, no programa Questão
de Justiça, fiz referência aos 39 Ministérios e outras tantas Secretarias que só
contribuem para emperrar a administração pública. Grande parte desses
Ministérios e Secretarias, algumas delas com status de Ministério, têm seus
fabulosos recursos direcionados mais para as atividades-meios. Eu disse que o
Ministério da Pesca, por exemplo, sequer tinha a definição de sua atividadefim, pelo que era razoável presumir que ele foi criado para fomentar a pesca
do lambari, coisa que poderia ter sido deixado a cargo de um dos
departamentos ou divisões que proliferam no Ministério da Agricultura.
Feitos os cortes das despesas inúteis, senão nocivas, para cobrir com
relativa facilidade o rombo de 35,5 bilhões, o governo deveria fazer uma pausa
para pensar, para descobrir a causa do tamanho desequilíbrio orçamentário.
Difícil sustentar que o governo foi pego de surpresa, que a terra cedeu e abriu
um buraco repentinamente, nem é possível alegar fatores externos que
provocaram uma conjuntura econômica recessiva. Temos mecanismos de
controle e fiscalização na LRF que permitem ao administrador público agir
preventivamente, acompanhando de perto o comportamento da receita e da
despesa a cada bimestre, para ir fazendo os ajustes necessários ao longo do
exercício.
Se isso não foi feito, faltou responsabilidade, faltou vontade política,
faltou competência, faltou o mínimo de visão indispensável para gerir as
finanças públicas. Por isso, a governante perdeu a credibilidade e a
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legitimidade para permanecer no comando do País. É bom lembrar que a
legitimidade sempre precede a legalidade. Sem ela o País caminha para a
ingovernabilidade, como na época do Presidente Collor que acabou sofrendo o
impcheament após a sua tardia renúncia.
Com a perda da legitimidade e conseqüente deflagração da crise política
sem precedentes na história, de dificílima reversão, a governante não sabe
mais o que fazer. Suas palavras tornaram-se confusas, contraditórias e
incompreensíveis. Só para ilustrar, falou-se em dobrar as metas depois de
alcançar as metas que não foram fixadas; tentou justificar o projeto de LOA
com déficit de 35,5 bilhões em nome da transparência orçamentária, uma coisa
de endoidar qualquer administrador. Agora, no episódio da CPMF, ora é contra
porque no passado essa contribuição criada para suprir os recursos do setor da
saúde nada contribuiu para melhorar a saúde, por conta dos desvios
sistemáticos dos recursos arrecadados; ora é a favor de sua recriação, mas
com a alíquota de 0,20% e por 4 anos apenas. Dias após, a CPMF deveria ser
recriada para custear em parte a Previdência com 0,20% sendo a diferença de
0,18% dividida entre os Estados e Municípios para ajudar os seus sistemas
previdenciários. Cada dia, um discurso diferente.
A astúcia para atrair os governadores e prefeitos não levou em conta o
fato de que a divisão do produto da arrecadação da CPMF transformaria essa
contribuição social em um imposto de finalidade vinculada, vedado pela
Constituição. Se a Previdência Social está precisando da injeção de recursos,
pergunta-se, por que o governo está retirando mensalmente 20% da receita
previdenciária por meio da famigerada DRU, sucessora do FEF e do FSE? Por
que vem patrocinando a cada 4 anos a PEC para tornar permanente algo que o
governo Fernando Henrique criou em uma situação emergencial para durar
apenas nos exercícios de 1994 e 1995? Vinte e um anos se passaram a partir
do episódio que paralisou o Congresso Nacional, impedindo a votação da LOA
por causa o processo de impcheament do Presidente Collor, mas,
a
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governanta continua valendo-se de uma situação emergencial que não mais
existe.
Sempre afirmei e repito, a DRU é o grande ralo por onde desaparecem
os recursos públicos insuscetíveis de controle e fiscalização por ausência de
elementos de despesas que a LOA manda fixar. A DRU é sinônimo de verba
fora do orçamento, vale dizer, fora de controle para que o Presidente possa
gastar à sua discrição e não segundo a lei. É um gravíssimo atentado ao
princípio da legalidade das despesas, um corolário do princípio da legalidade
tributária. Afinal, são cerca de 233 bilhões que ficam fora dos mecanismos de
controle e fiscalização da execução orçamentária nos moldes preconizados
pela Constituição e LRF. É por isso, que as empreiteiras de obras públicas
jamais precisam cumprir o prazo contratual e de quebra conseguem, por conta
dos atrasos programados, quintuplicar o valor de uma obra contratada. É por
isso que o governo consegue enviar vultosos recursos a países onde impera a
ditadura, e socorrer generosamente países de economia fragilizada, enquanto
o povo brasileiro em sua maioria não tem o mínimo de atendimento público
indispensável.
Ao invés de seguir os palpites de dois ministros que não falam a mesma
linguagem, salvo quando se sentam lado a lado para anunciar remédios
amargos representados pelo aumento da carga tributária além do suportável,
deveria estar cuidando de agilizar instrumentos normativos como o PLS nº 280,
relativo à repatriação de bens externados que segundo a exposição de motivos
poderia trazer de volta algo em torno de 100 a 150 bilhões, mais do que o
suficiente para cobrir a cratera aberta por conta dos desmandos financeiros.
Deveria legalizar os cassinos responsáveis pela perda de divisas, além de
estarem funcionando clandestinamente no País sem pagamento de tributos, a
exemplo dos bingos.
Ficar remediando os efeitos sem combater as causas do déficit
orçamentário é o mesmo que querer combater a corrupção sem atacar as
causas, como fez a Lei nº 12.846/13, formalmente
denominada de lei
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anticorrupção. Se a lei, por si só, banisse a corrupção, o Brasil não deveria ter
nem vestígios de corrupção, tantas são as leis que punem a conduta do
corrupto. Aliás, há um ditado que diz que quanto maior a corrupção maior o
número de leis. E nós já temos milhões de instrumentos normativos de
variadas espécies. Somos o campeão mundial absoluto em termos de
produção legislativa que além das Casas Legislativas das três esferas políticas
(União, Estados e Municípios) temos a ação permanente do legislador
palaciano que não para de disparar as intermináveis medidas provisórias em
matérias urgentes ou não, relevantes ou não, pouco importa, na certeza de
contar com a costumeira compreensão do Legislativo.
A Lei nº 12.846/13 preserva cuidadosamente a causa da corrupção: o
vínculo permanente entre as empreiteiras, invariavelmente formadas por
grupos familiares, e os agentes públicos ou o governo.
Esse laço de
consanguinidade, que conduz à total promiscuidade entre o público e o privado,
continua firme como rocha, unindo os donos das empreiteiras e os agentes
públicos como se fossem irmãos siameses.
Tanto isso é verdade que essa lei no tocante a crimes contra a
administração pública só cuida da corrupção ativa (art. 333 do CP)
sem
dedicar uma única palavra sobre a concussão (art. 316 do CP), ou sobre o
crime de corrupção passiva (art. 317 do CP).
Em outras palavras, a lei
somente regula o combate à prática da corrupção ativa unilateral em que não
há aceitação pelo agente público da vantagem oferecida, hipótese rara, senão
inexistente em se tratando de crimes praticados pelos donos das empreiteiras.
E mais, o art. 1º da lei sob análise consagrou o princípio da
responsabilidade objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática
de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira na contramão
do que dispõe expressamente o texto constitucional. A Constituição Federal no
capítulo concernente à Administração Pública, Capítulo VII, dispõe no § 6º, do
art. 37:
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“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes,
nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra
o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Esse parágrafo 6º, à toda evidência, representa uma exceção à regra
geral que não permite a responsabilização civil de pessoa jurídica de direito
privado sem culpa subjetiva. Ora, as empreiteiras de obras públicas não são
concessionárias, nem permissionários de serviço público, como a Eletropaulo,
por exemplo.
É certo que existem vozes autorizadas no campo do direito
administrativo distinguindo a teoria do risco integral, não agasalhado pelo
nosso ordenamento jurídico, com a teoria do risco administrativo que encontra
sua matriz no parágrafo 6º retro transcrito, para justificar a aplicação do art. 1º
da lei sob comento. Nesta última hipótese, basta o nexo causal entre a ação do
agente e o resultado danoso verificado para a responsabilização do Estado ou
da concessionária de serviço público que faz as vezes do Estado. Basta tão só
o ato lesivo e injusto imputável à administração pública, sem indagação de
culpa ou dolo. Essa teoria se funda na substituição da responsabilidade
individual do agente público pela responsabilidade genérica da administração
pública. Entretanto, a administração pública não fica proibida de comprovar a
culpa total ou parcial da vítima para excluir ou atenuar a indenização. Na teoria
do risco integral, o Estado responde sempre pelo dano verificado, ainda que a
vítima tenha agido com culpa ou dolo. Só que essa discussão não tem
pertinência no exame da responsabilidade objetiva tratada na Lei nº 12.846/13,
conhecida como lei anticorrupção, porque a punição recai
sobre pessoa
jurídica que não é concessionária, nem permissionária de serviço público, isto
é, sobre empresas que não atuam em nome do Estado.
Finalmente, essa lei atabalhoada repete as infrações que estão no
Código Penal, na Lei de Improbidade Administrativa
e no Estatuto das
Licitações e Contratos Administrativos, conferindo-lhes uma redação piorada,
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como se pode verificar do seu art. 5º que versa sobre a lesão ao patrimônio
público nacional ou estrangeiro, definindo as várias infrações mencionadas em
seus incisos I a V. Cumpre lembrar de início que a conduta consistente na
ilegalidade do ato e lesão ao patrimônio público pode ser reprimida pela ação
popular constitucional (art. 5º, LXXIII da CF). Mas, examinemos a
impropriedade da definição de tipos previstos nos incisos II e III do art. 5º:
“II – comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer
modo subvencionar a prática dos atos ilícitos prevista nesta Lei”;
“III – comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica
para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos
beneficiários dos atos praticados”.
À toda evidência, confundiu-se o plano abstrato da definição dos tipos
com o plano concreto de aplicação das normas, um erro crasso imperdoável.
Já imaginou se o Código Penal para definir o crime de homicídio prescrevesse
“comprovadamente matar alguém”? Enquanto não houver a comprovação da
prática do crime por alguém devidamente identificado a autoridade policial não
poderia abrir inquérito policial para a investigação do crime.
Pergunto, é fruto de incompetência do setor jurídico do Planalto? Creio
que não!
Concluindo, assim como não iremos acabar com a corrupção, ou
diminuir a níveis toleráveis a exemplo de outros países, não iremos debelar a
crise financeira com emprego de paliativos que somente servem para impor
encargos à sociedade além do suportável. Aliás, em última análise, a causa
desse rombo orçamentário é a corrupção institucionalizada, apesar da
existência de inúmeros instrumentos normativos que dão combate às práticas
corruptivas.
Por tais razões, o Congresso não pode pactuar com a pretensão do
Executivo de mais uma vez jogar nas costas do contribuinte o ônus de
consertar o estrago decorrente dos desmandos da administração pública. E na
hipótese de o governo lançar mão do aumento de tributos regulatórios – II, IE,
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IPI e IOF – por Decreto , deve sustar os respectivos atos por meio de decreto
legislativo por manifesta extrapolação dos limites da delegação legislativa,
implicando claro
desvio de finalidade que caracteriza ato de improbidade
administrativa, nos exatos termos do inciso I, do art. 11 da Lei nº 8.429/92.
Enfim, esse pacotão tributário que a sociedade em geral está repudiando
por incabível, inadmissível, injusto e pernicioso à saúde financeira dos agentes
econômicos, só servirá para o governo continuar agindo de forma irresponsável
e à margem da ordem jurídica positivada. Quanto menor a facilidade de
arrecadação, maior o desperdício de recursos financeiros públicos. O que é
urgente é trocar o curioso por um estadista.
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