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ficha técnica
Direcção . Jorge Augusto Paulus Bruno
Patrocínios
Design Gráfico . DallDesign
Tiragem . 1000 exemplares
Depósito legal . 174164/01
ISSN . 1645-6815
Apoios
Esta revista é propriedade de . Instituto Açoriano de Cultura
Alto das Covas - Apartado 67
9700-220 Angra do Heroísmo
T. F. 295 214 442
[email protected]
www.iac-azores.org
Instituição de Utilidade Pública por Resolução nº 45/86,
do Conselho do Governo Regional dos Açores,
de 5 de Março de 1986
Preço. 20,00 euros
Sócios Patronos
Câmara Municipal da Calheta
Câmara Municipal da Praia da Vitória
Junta de Freguesia dos Altares, Angra do Heroísmo
Junta de Freguesia da Conceição, Angra do Heroísmo
Junta de Freguesia da Fajã de Baixo, Ponta Delgada
Junta de Freguesia do Porto Judeu, Angra do Heroísmo
Pedro Bicudo
Teles Travel Agency
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sumário
DOSSIÊ
TEMÁTICO
ESTUDOS E CRIAÇÃO
ARTÍSTICA
ESTUDOS E CRIAÇÃO
LITERÁRIA
9. SESSÃO EVOCATIVA
DE HOMENAGEM A
MONSENHOR
JOSÉ MACHADO LOURENÇO
37. A ARQUITECTURA DOS
IMPÉRIOS DO ESPÍRITO SANTO
NO BRASIL MEREDIONAL:
UMA CONTRIBUIÇÃO AÇORIANA
63. A ILHA PERDIDA
Fabiano Teixeira dos Santos
O Instituto não é de cultura
açoriana mas açoriano de cultura
Jorge Augusto Paulus Bruno
No primeiro centenário do
nascimento de Monsenhor José
Machado Lourenço
53. MÚSICA ELECTRÓNICA
DOCUMENTA
Artur Cunha de Oliveira
João Marques Carrilho
Onésimo Teotónio de Almeida
73. CONTOS VII-XI DA CANÇÃO
“VOZES EM UNÍSSONO”
António de Névada
49. ENERGIA MUSICAL
IRREALIZADA
Jorge Lima Barreto
O verbo e a verve de Monsenhor
José Machado Lourenço:
aulas que o vento não levou
Maria Alice Borba
81. GABRIELA SILVA NA
ESSÊNCIA DO ILHEUNISMO
Nuno A. Vieira
87. DOR DE DENTES
Manuel Machado
93. UMA LEITURA POSSÍVEL:
OS TRABALHOS E OS DIAS
António de Névada
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sumário (cont.)
CIÊNCIAS
HUMANAS
OUTROS
SABERES
105. CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS DE NATURAIS E/OU
RELACIONADOS COM OS
AÇORES
235. 2009, “ANO DARWIN”
SOBRE CHARLES DARWIN
E O EVOLUCIONISMO
Luís M. Arruda
Sérgio Avelar Duarte
[6]
175. PRODUÇÃO E CONSUMO
DE CEREAIS NA ILHA DE SÃO
JORGE DURANTE A SEGUNDA
METADE DO SÉCULO XIX
Paulo Silveira e Sousa
193. A DIFÍCIL NOMEAÇÃO
DO CARDEAL COSTA NUNES
Maria Guiomar Lima
207. A BATERIA DA
CASTANHEIRA:
DA II GUERRA À ACTUALIDADE
Sérgio Alberto Fontes Rezendes
223. FERREIRA DEUSDADO:
UM TRANSMONTANO
NOS AÇORES
Filipe Pinheiro de Campos
245. A ESCASSA DIFUSÃO,
NOS AÇORES, DAS NOTÍCIAS
EUROPEIAS
João Aranda e Silva
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DOSSIÊ TEMÁTICO
PEDRO MADEIRA PINTO
Saudade, 2008
técnica mista sobre papel
medida 100x70 cm
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Jorge Augusto Paulus Bruno
Artur Cunha de Oliveira
Onésimo Teotónio de Almeida
SESSÃO EVOCATIVA
DE HOMENAGEM A
MONSENHOR
JOSÉ MACHADO
LOURENÇO
[9]
1.OS.CunhaOliveira (cor/pb)
1.OS.CunhaOliveira (cor/pb)
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O INSTITUTO NÃO É
DE CULTURA AÇORIANA
MAS AÇORIANO
DE CULTURA.
NÃO QUEREMOS FAZER
AÇORIANISMO,
MAS AÇORIANIDADE.
O NOSSO ESPÍRITO É UNIVERSAL
E UNIVERSALISTA.
[10]
TUDO O QUE É AÇORIANO
É NOSSO, MAS TUDO O
QUE É HUMANO É AÇORIANO.
Jorge Augusto Paulus Bruno
Estas significativas palavras foram escritas pelo nosso homenageado, o Monsenhor José Machado Lourenço, e publicadas na
revista Atlântida. Elas atestam bem o lúcido pensamento deste
homem, a quem devemos a direcção e a condução dos destinos deste Instituto ao longo dos seus primeiros vinte anos de
actividade.
Este, porém – volvidos que são mais de cinquenta anos –, é um
pensamento actual e por isso também continua norteando, ainda hoje, o projecto cultural desta instituição. É, sobretudo, uma
visão que não perde actualidade nem sentido com o passar do
tempo; antes pelo contrário, ganha cada vez mais substância,
fundamento e justificação neste limiar do século XXI.
Cerca de cinquenta anos atrás, quando José Machado Lourenço escreve estas palavras, o Instituto Açoriano de Cultura
estava a dar os seus primeiros passos.
As circunstâncias que rodearam a sua fundação em 1955 estão
no essencial apuradas, e são conhecidas, no contexto das dinâmicas culturais que se faziam sentir na sociedade açoriana nos
meados do século passado.
Tenhamos por agora apenas presente que o aparecimento do
IAC não pode ser entendido sem termos em conta que, uns
anos antes da sua fundação, em cada uma das três capitais de
distrito foi sendo criado um instituto cultural (Instituto Histórico
da Ilha Terceira, Instituto Cultural de Ponta Delgada e Núcleo
Cultural da Horta). Os agentes culturais da época alinhados com
o regime encontram nestas instituições o bom porto para as
suas aspirações intelectuais, enquanto o regime, através das Juntas Gerais, empenhava, por um lado, um contido apoio financeiro nas suas actividades e colhia, por outro, um oportuno entusiasmo no campo dos estudos históricos, com alguma predominância para a problemática do descobrimento e povoamento
das ilhas, o que, de resto, se conjugava bem com a política do
Estado Novo de exaltação dos feitos dos portugueses no período das descobertas.
Mas ao Instituto Açoriano de Cultura estava reservado num
outro contexto cultural, mais distante desta sociedade civil. É
outra visão da sociedade e um outro género de preocupações
que sustentam o seu aparecimento no seio do Seminário Maior
de Angra. É aqui que um grupo de sacerdotes, alguns deles
formados no estrangeiro e por consequência varridos pela visão
moderna e renovadora da sociedade do pós-guerra, ao regressarem à sua actividade neste estabelecimento de ensino, congregam os objectivos que estão na base da sua fundação, cuja
presidência do órgão directivo é entregue a José Machado Lourenço, figura decana e do maior prestígio no meio.
Logo nos primeiros anos verificou-se uma verdadeira dinâmica
de inovação e modernidade, coincidente com a presença activa,
na direcção ou muito próximo dela, dos dois nomes de proa
desta geração de jovens professores, José Enes Pereira Cardoso
e Artur Cunha de Oliveira (que aqui hoje se encontra connosco), em especial manifestada através da realização das celebradas Semanas de Estudos, de que estes foram os mentores.
Estes encontros, que marcaram decisivamente a memória desta
instituição, foram autênticas pedradas nos charcos que eram os
deprimidos meios sócio-culturais açorianos de então.
1.OS.CunhaOliveira (cor/pb)
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O INSTITUTO NÃO É
DE CULTURA AÇORIANA
MAS AÇORIANO
DE CULTURA
É, pois, a memória e a obra deste grande homem de cultura e
de saber – que muito bem conciliou o seu entendimento conservador da sociedade com a vontade de acção de uma geração
mais nova e portadora de uma visão adjiornada, mantendo-se ao
longo de duas décadas como timoneiro desta instituição – que a
actual direcção deste Instituto pretende hoje, quando decorrem
cem anos sobre o seu nascimento no dia 12 de Agosto de 1898,
prestar-lhe um ajusta e devida homenagem.
E para este efeito resolveu convidar a dar um testemunho duas
personalidades que com ele tiveram a grata oportunidade de
conviver:
• o Dr. Artur Cunha de Oliveira, que, como trás referi, foi um
dos ideólogos das Semanas de Estudos e membro da equipa
de José Machado Lourenço, que justamente nos trará um
valioso contributo para o nosso conhecimento do que foram
esses primeiros anos e do papel interventor e dinamizador
do homenageado;
• por seu lado, o Prof. Onésimo Teotónio e Almeida, a quem
formulámos o outro convite, que na sua condição de antigo
aluno do Seminário de Angra, teve a felicidade também de
conhecer José Machado Lourenço como mestre, e disso nos
dará relatos e testemunhos.
Quer ao Dr. Artur Cunha de Oliveira – a quem a história desta
instituição também tanto deve – que ao Prof. Onésimo Teotónio de Almeida – incansável colaborador de décadas deste
Instituto, que só por muito boa vontade e empenho consegue
estar aqui hoje para este efeito – a direcção do Instituto Açoriano de Cultura está muito grata. Tranquiliza-nos a consciência
a nossa certeza de que são as pessoas que melhor poderiam
contribuir para esta homenagem, que todos nós aqui presentes
prestamos ao Monsenhor José Machado Lourenço.
Mas esta homenagem ganha – permitam-me que o diga a título
pessoal – particular significado quando estamos a pouco mais de
dois meses de terminarmos o nosso último mandato à frente
desta instituição, à qual também procurámos dar o melhor das
nossas capacidades.
Em grande parte o que fizemos foi norteado pelo pensamento
de José Machado Lourenço com que comecei estas palavras.
Ao longo destes anos tive sempre presente que este Instituto
não é de cultura açoriana mas sim açoriano de cultura e de
que o seu espírito é universal e universalista.
Hoje, no quadro de um projecto cultural coerente e sobretudo
de acordo com as dinâmicas culturais do seu tempo, o Instituto
Açoriano de Cultura continua, tal como ontem, a assumir-se
como um agente no processo da construção da identidade cultural açoriana e um participante activo no progresso e desenvolvimento desta Região,
O Instituto Açoriano de Cultura, com cinquenta e três anos de
actividade regular, declarado Pessoa Colectiva de Utilidade Pública, dispõe hoje uma sede adequada e tem mais de quatrocentos associados.
Mas acima de tudo tem um património experiencial de apreciável dinâmica cultural, onde pontifica a sua capacidade de regeneração e adaptação a cada momento que passa, nunca aceitando modelos fixos nem perfeitos.
José Machado Lourenço foi um homem que dotou esta instituição de um rumo claro e comprometido com a contemporaneidade. Resta-nos saber entende-lo a cada momento.
A todos vós, quero também agradecer
o facto de se terem associado
a esta homenagem, singela certamente
face à dimensão do homenageado,
mas sincera e sentida
como se presta homenagem aos mestres.
[11]
Mas o território do presidente Monsenhor José Machado Lourenço foi a revista Atlântida – a outra imagem de marca deste
Instituto, fundadora da sua actividade, assegurada e projectada
desde os primeiros tempos, em 1956 –, onde ele imprimiu, sem
quaisquer rodeios, a sua orientação. Ao longo dos seus números, o presidente da direcção, e simultaneamente director da revista, assina editoriais que expressam bem o seu entendimento
sobre o papel que cabia a este Instituto e ao seu órgão no
âmbito da sociedade açoriana.
1.OS.CunhaOliveira (cor/pb)
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NO PRIMEIRO
CENTENÁRIO DO
NASCIMENTO DE
MONSENHOR
JOSÉ MACHADO
LOURENÇO
Artur Cunha de Oliveira
INTRODUÇÃO
[12]
Em boa hora decidiu a Direcção do Instituto Açoriano de
Cultura realizar uma sessão evocativa da figura e acção cultural
de Monsenhor José Machado Lourenço, no ano do I Centenário do seu nascimento1.
Para tanto tive a honra de ser convidado a testemunhar “a
acção cívica de José Machado Lourenço, especialmente no que
respeita à fundação e orientação do Instituto Açoriano de Cultura, ao longo do período em que foi presidente da sua Direcção”, o que faço com muito gosto e por múltiplas razões.
Hoje em dia – e, até certo ponto, ainda bem que assim é –, vivemos um momento do processo evolutivo da humanização
em que tudo, ou quase tudo, é imagem e som, é presente em
tempo real, não havendo por isso lugar, pouco ou mesmo nenhum lugar, para a memória, para o espelho do passado que é
a memória3. Daí que se faça cada vez menos “memória” das
pessoas e dos feitos do passado.
Uma segunda razão é a da solidariedade que nos une a todos
neste mundo, desde o princípio das gerações.
A bem dizer, o que cada um de nós é em cada momento da
existência senão fruto e resultado do concurso de múltiplas
(possivelmente milhões) de acções das mais diversas origens e
naturezas? Dou-vos um exemplo tirado do meu mundo físico: O
que aqui sou, neste momento, aos meus 84 anos de idade, é,
fisicamente, resultado de quê? De um inumerável, de um
inimaginável concurso de acções de agentes os mais diversos,
alguns dos quais das mais remotas gerações, que, de diversíssimo modo, concorreram, com o alimento, com o agasalho,
com os cuidados de saúde e de defesa, com tudo o mais que foi
necessário e tornou possível estar aqui hoje, diante de vós, em
carne e osso. Sem esses outros, que jamais saberei quem foram,
e quem são – a não ser que haja uma justiça Imanente e aquilo
a que os cristãos chamam Céu onde todos nos encontraremos,
nos conheceremos, nos entrecomunicaremos e saberemos o
1 José Machado Lourenço nasceu a 12 de Agosto de 1908, na freguesia
A primeira razão por que o faço com muito gosto é justamente
por se tratar de um acto de memória.
A memória, que foi o que, unicamente,
alimentou durante dezenas (se não mesmo
centenas) de milhar de anos as conquistas
culturais no processo evolutivo da
humanização da espécie, quase se não usa
hoje. Caiu em desuso.
Nesse tempo, nesse longínquo tempo
que perdurou em alguns dos nossos
ambientes rurais quase até aos nossos dias2,
tudo foi memória e só memória.
das Cinco Ribeiras, Concelho de Angra do Heroísmo, Ilha Terceira, onde
viria a falecer na tarde do Domingo, dia 15 de Janeiro de 1984, aos 75
anos e 5 meses de idade.
2 Lembro-me, no meu tempo de criança, e no lugar da Vitória onde cresci,
freguesia de Guadalupe, Concelho de Santa Cruz da Graciosa, ouvir contar histórias do passado, tornando-o presente, aos homens idosos do
lugar: principalmente aos “tios” Picanço, Cumprido, Genrinho e, sobretudo, ao “tio” Cosminho, que andara na caça à baleia e trazia na garganta
os sinais de uma tentativa de assassinato para o roubarem. É que ele navegara pelos mares das “Uastinjas” (West Indies), isto é, pelas Antilhas, e
conseguira um pecúlio invejável. Lugar da Vitória. Antes de conhecer dos
livros a razão destes designação, soube-a da boca desses sábios: lembrava
a vitória dos habitantes da ilha sobre a investida, nesse lugar, de corsários
argelinos no ano de 1643.
3 Veja-se que já pouco há quem faça “contas de cabeça”, quem saiba de
cor a tabuada. As calculadoras resolvem tudo!...
1.OS.CunhaOliveira (cor/pb)
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NO PRIMEIRO
CENTENÁRIO DO
NASCIMENTO DE
MONSENHOR
JOSÉ MACHADO
LOURENÇO
A minha segunda razão de ter aceite estar aqui hoje é esta: a da
solidariedade. Não a solidariedade no mundo físico. Mas a solidariedade no mundo do espírito, a solidariedade cultural.
Com efeito, aquilo que, quanto à solidariedade, e resumidamente, acabo de aplicar ao mundo físico com o caso do trigo
(sem referir a repercussão que ainda hoje tem na minha vida o
tímido gesto desse meu antepassado asiático, quando, há muitos
e muitos milhares de anos!, experimentou se tal grão lhe serviria
de alimento), isso mesmo podemos aplicar ao mundo cultural.
O que não devemos, em termos de progresso, a uma simples
ideia, que um dia brotou do cérebro de um pobre mortal e foi
aproveitada por alguém que a pôs por escrito, assim passando-a de geração em geração? O que não devemos, já não direi aos
sábios de todos os tempos, aos mentores de todas as idades,
aos cientistas de agora e de sempre, mas a esse Gutenberg4
que inventou a imprensa, que assim tornou fácil o acesso ao
livro, aos jornais, às revistas, a todas as formas de linguagem impressa, dando asas ao pensamento, às ciências, à arte poética, à
ficção literária, a tudo quanto pode, melhor que outro qualquer
meio, concorrer para a humanização do ser humano e a civilização dos povos?
O que não devo eu, o que não deve cada um de nós, no que
sabemos e no que conhecemos, a Gutenberg? Não pelos livros
que escreveu, mas pelo facto de ter inventado o modo de nos
tornar acessível o pensamento e o saber alheio por meio da
imprensa?
Nós, que somos pessoas do livro, podemos compreender melhor que ninguém a repercussão que a criação literária de seja
que género for, seja sobre que assunto for, tem tido e terá pelas
gerações e séculos fora, só pela razão de haver imprensa. E –
tenhamo-lo bem presente – há e haverá livros e imprensa porque houve um Gutenberg. O que não deve, pois, o mundo da
literatura, das ciências, das artes e da história por ter havido um
Gutenberg? O que não devemos; o que não deve cada um de
nós a esse, para nós desconhecido e quase nunca lembrado e
nomeado, Johannes Gensfleisch zur Laden zum Gutenberg? O
que não deve a Cultura e, consequentemente, a humanização
da nossa espécie animal a Gutenberg?
Chegados a este ponto, creio que não será demasiada ousadia
aplicar à criação do Instituto Açoriano de Cultura e a cada um
dos seus fundadores, nomeadamente a Monsenhor José
Machado Lourenço, que foi um deles; à revista “Atlântida”; e a
tudo quanto, em termos culturais, lhes devemos (ao Instituto e
à Revista), aquilo que, como segunda razão desta minha fala,
deixei dito mais acima. Entramos, deste modo, numa terceira e
última razão – a da justiça, que esta iniciativa da actual Direcção
do Instituto cumpre para com Monsenhor Machado Lourenço.
MONSENHOR JOSÉ MACHADO LOURENÇO
Do convite que o exmo. Senhor Presidente, encarregado pela
Direcção do Instituto Açoriano de Cultura, me dirigiu para
participar nesta sessão evocativa “com um testemunho sobre a
acção cívica de José Machado Lourenço, especialmente no que
respeita à fundação e orientação desta instituição ao longo do
período em que foi presidente da sua Direcção”, é lógico que
me não possa desembaraçar do encargo sem antes vos dar a
conhecer o essencial da biografia do cidadão José Machado
Lourenço. É que o presente de cada ser humano, como de
cada um de nós, deve muito ao seu passado.
4 Johannes Gensfleisch zur Laden zum Gutenberg, de seu nome completo,
natural da Mogúncia (Alemanha), onde faleceu a 3 de Fevereiro de 1468.
Não teve vida fácil. As corporações de ourives conseguiram que fosse
exilado em 1448 em Estrasburgo. Mas voltou pouco depois a Mogúncia,
continuando as suas experiências de tipografia, e acabando por imprimir
em 1455 a Bíblia em latim. Estava lançada a arte tipográfica!
[13]
que devemos uns aos outros –, não seríamos nunca aquilo que
somos hoje. Penso só no trigo que consumi durante toda a
minha vida até hoje: quem o semeou? Quem o colheu? Quem o
preparou para com ele fazer pão? Quem me trouxe esse pão?
Quem me proporcionou o dinheiro com que foi possível
comprar tal pão? Quem mo pôs na mesa? Etc., Etc., Etc.. Meu
Deus! O que aí vai de gente e de gestos que me fizeram o que,
fisicamente, sou hoje! O que devo a essa gente! Como não me
sentir solidário com esse mundo ignoto, mas real?
1.OS.CunhaOliveira (cor/pb)
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José Machado Lourenço nasceu a 12 de Agosto de 1908 ali, na
freguesia das Cinco Ribeiras, onde viria a falecer na tarde de Domingo, 15 de Janeiro de 1984, aos 75 anos e 5 meses de idade.
Aos 12 anos foi levado para Macau com mais 7 jovens terceirenses, 1 faialense e 2 picoenses5, por mão do Padre João Machado de Lima, também natural das Cinco Ribeiras, mas missionário em Macau, que cá viera em licença graciosa6.
Ordenado de presbítero em 16 de Agosto de 1931, missionou
em Singapura e em Malaca, foi anos e anos secretário particular
de D. José da Costa Nunes, primeiro em Macau e a partir de
1941 em Goa, aposentando-se em 1947 e fixando residência na
sua freguesia e ilha natais.
[14]
Desde então foi professor de Português, de Latim e de Inglês
no Seminário Episcopal de Angra, de Inglês e de Francês no
Liceu Nacional de Angra do Heroísmo, assistente do capelão
católico do Destacamento Militar norte-americano na Base
Aérea nº4, nas Lajes, e director do diário “A União”, propriedade da Diocese de Angra, de Junho de 1973 a Maio de 1978.
Em Abril de 1947, o Papa Pio XII conferiu-lhe a dignidade de
Prelado Doméstico (com direito ao título de Monsenhor) e em
1956 foi nomeado cónego da Sé de Angra por D. Manuel
Afonso de Carvalho. O Presidente da República Portuguesa,
General Ramalho Eanes, agraciou-o nesse ano com a Comenda
da Ordem de Santiago da Espada.
Entretanto, e durante todo o tempo da sua vida activa, manifestou-se intelectual curioso e cultor dos mais diversos géneros
literários: desde a poesia à história, passando pela ficção, hagiografia, etnografia, ensaio, jornalismo e, até, pela didáctica7.
Pelo facto de toda a formação intelectual, religiosa e sacerdotal,
assim como a maturidade cultural e humana de Monsenhor
Machado Lourenço se terem feito no Seminário de S. José, em
Macau, e através da missionização por, praticamente, todo o
antigo império português do Oriente: Macau – a pérola do
Oriente, Singapura, Malaca e, nomeadamente, Goa – a Roma
do Oriente, não admira que a personalidade de José Machado
Lourenço possa ter tido, bem vincados, os traços de uma
religiosidade e teologia católica tradicionais e, sob o ponta de
vista cívico, os de um acendrado patriotismo, apoiado nas glórias do passado e concorde com a situação política de então,
marcada pelo nacionalismo, pela estabilidade social e, não menos importante no caso, pela concórdia Estado-Igreja, Igreja-Estado, se não mesmo pela protecção do Estado à Igreja Católica, nomeadamente no que dizia respeito às missões católicas
5 Um destes foi Jaime Goulart, que viria a ser o primeiro bispo de Timor e
cujo I Centenário do nascimento tem vindo este ano a ser celebrado na
Diocese de Angra.
6 Este Padre João Machado de Lima frequentava o Seminário de Angra ao
tempo em que era seu reitor o Dr. João Paulino de Azevedo e Castro (o
primeiro picoense a ser bispo no Oriente) que, feito bispo de Macau, o levou para lá como seu fâmulo. Aí continuou estudos, tomou ordens sacras,
missionou e veio a acabar na Cartuxa “Aula Dei”, em Saragoça. Era, então,
hábito dos missionários açorianos no Oriente, quando cá vinham em licença graciosa, arrebanharem jovens para o Seminário de S. José, em Macau.
O mesmo fez o Padre José Machado Lourenço, quando veio na sua primeira licença graciosa em 1938: levou consigo quatro adolescentes, entre
os quais o futuro Padre José Barcelos Mendes, natural das Cinco Ribeiras, e
o picoense Arquiminio Rodrigues da Costa, que viria a ser bispo de Macau,
felizmente ainda vivo, residindo na sua freguesia natal, S. Mateus do Pico.
7 Na Poesia temos: A Mãe do Amor (versos), Macau, 1934, 137 pags.; Aleluias da Alma (sonetos), Macau, 1937, 111 pags.; Lusa Estrela (tercetos),
Singapura, 1940, 109 pags.; Benedicite, Angra do Heroísmo, 1968, 160
pags.; Poetas do Povo, Angra do Heroísmo, 1969, 80 pags.; Três Poetisas
angrenses, Angra do Heroísmo, s.d.. No que diz respeito à História: A
Malásia e os Malaios, Macau, 1934; Pelo Oriente: Odisseia de um Missionário
(acerca de D. José da Costa Nunes), Angra do Heroísmo, Jornal “A
União”, de 20 a 27 de Janeiro de 1943; O Padroado Português do Oriente
(Oração de Sapiência no Seminário Episcopal de Angra), 1950, 19 pags.;
Macau, Portugal na China, Angra do Heroísmo, “Atlântida”, 1957, 14 pags.;
Cinco Ribeiras: A Freguesia Branca, Angra do Heroísmo, 1979, 320 pags..
Quanto a Ficção: O Romance dum Malaio, Macau, 1934; O Romance dum
Malaio (Novela Folclórica), Angra do Heroísmo, 1954, 227 pags.; Vitória!
(Novela Folclórica), Angra do Heroísmo, 200 pags.; Contos Semi-Históricos, Angra do Heroísmo, 1980, 132 pags.. Hagiografia: Mensagem Cristã
à Índia, Bastorá, 1945, 119 pags.; Vida Divina, Angra do Heroísmo, 1954,
143 pags.; Beato João Baptista Machado de Távora (Mártir do Japão), Angra
do Heroísmo, 1965, 311 pags.; Por Terras do Sagrado Ganges, s.d.. Sob a
rubrica Etnografia, aponto: Cantigas que se cantavam nos “terços” e festas
das Cinco Ribeiras, Angra do Heroísmo, 1983, 40 pags.. Como Ensaios,
registo: Goa e a Nossa Politica Ultramarina, Angra do Heroísmo, “Atlântida”, 1957, 11 pags.; Os Lusíadas – Poema Barroco, Angra do Heroísmo,
“Atlântida”,1959, 14 pags.; Dívida ao Infante Dom Henrique, Angra do Heroísmo, “Atlântida”, 1960, 13 pags.; De Camões, do Seu Poema e do Espírito
Lusíada, Angra do Heroísmo, 1982, 249 pags.; Finalmente, a Didáctica:
Regras da Gramática da Língua Inglesa, Angra do Heroísmo, 1ª edição em
1952, 78 pags.; 2ª edição, em 1962, 82 pags..
1.OS.CunhaOliveira (cor/pb)
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NO PRIMEIRO
CENTENÁRIO DO
NASCIMENTO DE
MONSENHOR
JOSÉ MACHADO
LOURENÇO
Em resumo: sob o ponto de vista religioso, Monsenhor Machado Lourenço era um católico tradicionalista e conservador. Sob
o ponto de vista cívico, um homem do Estado Novo e admirador inconcusso de Salazar. A comprová-lo, permita-se-me
que transcreva o que Monsenhor Machado Lourenço, então
director da revista “Atlântida”, escreveu, em Nota Editoral, por
ocasião do 70º aniversário de Salazar:
“No dia 28 de Abril último Portugal celebrou o 70º aniversário
de um dos seus Filhos mais ilustres – o Senhor Doutor António
de Oliveira Salazar […] Verdadeiro criador do Portugal moderno, ele salvou-nos da bancarrota, que ameaçava a própria independência da Pátria! […] Em pleno século 20, Portugal era a
terra das revoluções […] E em poucos anos ele impôs a ordem
nas ruas como a impusera nas finanças! Em pleno século 20, não
tínhamos estradas nem portos; não tínhamos Exército nem Marinha; não tínhamos moeda aceitável para além fronteiras nem
crédito sequer para um simples fornecimento de carvão aos navios do Estado […] E ele mudou esse estado de coisas tão profundamente, que nos apontaram depois como exemplo a seguir
[…]. Deus, Pátria e Família – eis a triologia que esteve sempre
na base da nossa Tradição e que fez a glória deste País através da
nossa incomparável História. Deus, Pátria e Família – eis a base
em que assenta a ideologia com que o grande Timoneiro dotou
a Constituição Portuguesa, de inspiração nitidamente cristã! …”
grama IAC, cujo primeiro Estatuto, preparado por uma Comissão Organizadora9, apoiada pelo restante corpo docente, inclusivamente pelo reitor de então10, viria a ser aprovado por
Despacho ministerial de 28 de Janeiro de 1956, Do número 4
do artigo 5º do Estatuto já constava o nome de Monsenhor
Machado Lourenço como presidente da Direcção, o que deve
ser coisa rara em texto original de estatutos de fundação, mas
se compreende perfeitamente dadas as circunstâncias sociais e,
sobretudo, políticas da altura, que esclarecei melhor depois.
Uma das coisas que importa deixar bem clara desde já, é não
ter sido nossa primeira intenção criar um instituto, mas sim
uma revista. E porquê uma revista?
Os poucos (aqueles poucos) tínhamos plena consciência de ser
necessário renovar a “face da terra” açoriana principiando justamente pelo pensamento11, pela criação da autonomia pessoal e crítica do pensamento, sobretudo pela maneira de pensar das classes dirigentes e de quantos exerciam alguma influência na sociedade. Até porque, como servidores oficiais da Mensagem Evangélica que nós éramos, mensagem que, na sua essência, é mensagem de libertação, de liberdade, de autonomia
pessoal, não podíamos nem devíamos proceder de outro modo. A Palavra de Ordem desses poucos (muito poucos) era
então: “Primeiro, o Homem. Depois, o Cristão”. “Primeiro, a
Natureza. Depois, a Graça”, o que não deixou, na altura, de
causar algum engulho e escândalo farisaico em muito boa e
8 Atlântida, vol.III, nº 3, Maio-Junho, 1959, 126-128.
9 Compunham-na, por ordem alfabética: Artur da Cunha Oliveira, José de
E assim por diante, até ao voto de que – e cito – “Salazar
continue para ser a garantia da Ordem, da Paz, do Progresso,
do Bem-estar de todos nós, a garantia da continuação de
Portugal cristão, de Portugal português!”8
O INSTITUTO AÇORIANO DE CULTURA
Em Maio de 1955 foi criado no Seminário Episcopal de Angra o
Instituto Açoriano de Cultura, que passo a designar pelo mono-
Oliveira Lopes, José Enes Pereira Cardoso, José Machado Lourenço, José
Pedro da Silva.
10 Padre Dr. José de Oliveira Lopes, membro da Comissão Organizadora.
11 Não deixa de ser oportuno lembrar que uma das primeira preocupações
desses poucos, através de alguns dos seus alunos, foi criar no diário
diocesano “A União” um suplemento literário quinzenal, com, precisamente, o título de “Pensamento”, por onde principiou, não direi a
revolução, mas a desejada renovação. Durou de 5 de Dezembro de
1953 a 16 de Junho de 1956. A par, foram sendo publicados os “Cadernos do Pensamento”, assinados por alunos do Seminário e por professores, a par de outras pessoas de fora desse estabelecimento de ensino e
de formação eclesiástica, como Cândido Forjaz e Tomás da Rosa.
[15]
no Ultramar e ao Padroado Português do Oriente, à sombra do
qual Monsenhor Machado Lourenço, como aliás os restantes
missionários (leigos e padres), gozavam de regalias semelhantes
às de funcionários do Estado.
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santa gente, nem de trazer a uns dos protagonistas da mudança
e do progresso reveses de toda a sorte e epítetos nada abonatórios12.
Mas quanto à origem quer da revista quer, sobretudo, do
instituto só nessa altura, isto é, em Maio de 1955, e porque nos
encontramos numa “sessão de evocação em memória” de
Monsenhor Machado Lourenço, nada como recordar, em primeiro lugar, palavras dele a respeito.
Foi no discurso de abertura da V Semana de Estudo dos Açores, em Angra do Heroísmo e a 24 de Abril de 1966, que Monsenhor Machado Lourenço, na qualidade de presidente do IAC,
afirmou o seguinte:
“Foi há dez anos… e um pouco de mistério dar-nos-ia a razão
deste nosso encontro, notável em toda a linha, na capital do
Espírito Açoriano que é Angra do Heroísmo.
[16]
Um grupo de jovens professores do Seminário Episcopal (eu
era o único de cabelos grisalhos) reuniu-se numa sala daquele
estabelecimento, animados todos dum generoso pensamento:
a publicação duma revista de cultura geral, à luz da doutrina
católica13. Reconhecíamos, porém, que financeiramente a
iniciativa era inviável sem um subsídio.
Dirigimo-nos, assim, à Junta Geral, cujo secretário (actualmente
dinâmico governador deste distrito) nos informou ser, legalmente, impossível tal subsídio.
Providencial dificuldade, que nos descortinou mais vastos horizontes, quando o Sr. Dr. Teotónio Machado Pires nos sugeriu a
fundação dum instituto, que a Lei permitiria subsidiar. Presidia ao
nosso primeiro organismo administrativo o sr. dr. José Leal Armas, que não só nos prometeu o auxílio pecuniário, mas até nos
animou com palavras de entusiasmo, que jamais esqueceremos.
Nasceu, destarte, o Instituto Açoriano de Cultura. Note-se o
nome: Instituto Açoriano de Cultura e não de Cultura Açoriana”.
De facto, isto explica a razão de ser da seguinte afirmação inicial
da Nota Preambular do Estatuto do Instituto Açoriano de Cul-
tura: “Atendendo à falta, no Distrito de Angra do Heroísmo,
duma instituição que vise, fomente e oriente a cultura geral das
classes superiores da nossa sociedade, alguns professores do
Seminário Episcopal de Angra tomaram a iniciativa de fundar,
com sede no mesmo estabelecimento, um instituo cultural…”.
Isto porque já havia no Distrito de Angra do Heroísmo, com
sede na Junta Geral e subsidiado por ela, um instituto, não de
cultura geral, mas dedicado particularmente à história e à etnografia, como acentuou o presidente da primeira direcção, Dr.
Luís da Silva Ribeiro, na sessão inaugural do Instituto Histórico
da Ilha Terceira, no dia 25 de Março do ano de 194314.
Eis, pois, como e porque teve origem o Instituto Açoriano de
Cultura e, consequentemente, o seu órgão oficial – a revista
“Atlântida”. Eis também por que não podemos dissociar da fundação do IAC as pessoas de três distintos leigos terceirenses: o
Dr. Teotónio Machado Pires, que nos abriu o caminho jurídico da
fundação; o Dr. José Leal Armas, que no-lo pavimentou com um
subsídio da Junta Geral, e o tenente-coronel José Agostinho, o
cientista, que nos animou e assistiu desde o primeiro momento.
12 Um desses epítetos, o mais injusto e caricato de todos, com origem em
bem conhecidas eminências intelectuais, naturalmente incomodadas
com a novidade, foi sem dúvida o de serem (esses tais) “Peixinhos
vermelhos nadando em pias de água benta”, para não lhe chamarem,
abertamente, comunistas – o horribile dictu da altura. O estupor do
epíteto até nem deixava de ter sua piada! Mas, só isso…
13 Este mesmo acto de justiça aos colegas mais novos do corpo docente
do Seminário já o fizera Monsenhor Machado Lourenço no discurso de
abertura da I Semana de Estudos, em Ponta Delgada e em Abril de
1961. V Livro da I Semana de Estudos dos Açores, edição do Instituto
Cultural de Ponta Delgada, 1964, 1.
14 Veja-se o órgão oficial do novo instituto, o Boletim do Instituto Histórico
da Ilha Terceira, Vol. I, nº1, 1943, 1-6. À semelhança deste, assim o Instituto Cultural de Ponta Delgada, que embora com sede no Museu de
Santo André daquela cidade, era subsidiado pela Junta Geral do Distrito
Autónomo de Ponta Delgada e cujo órgão oficial é a “Insulana”, que se
publica desde 1945, como também o Núcleo Cultural da Horta, criado
em 1960, já depois do Instituto Açoriano de Cultura, com sede na Junta
Geral do Distrito Autónomo da Horta e por ela subsidiado. Na contracapa do Boletim, órgão do Núcleo Cultural, lê-se que é seu objecto: “Promover ou patrocinar estudos históricos, etnográficos, linguísticos e
científicos, relativos ao Arquipélago dos Açores e, em especial, às ilhas do
Distrito da Horta…”.
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NO PRIMEIRO
CENTENÁRIO DO
NASCIMENTO DE
MONSENHOR
JOSÉ MACHADO
LOURENÇO
Embora com certo pudor, não poderei deixar de lembrar que
faziam igualmente parte da Comissão Organizadora do IAC outros dois nomes de jovens professores, que tinham tido a sorte
de fazerem toda a sua formação universitária em Roma no imediato pós-guerra; quer dizer: de 1945 a 1951. Haviam, portanto, sofrido a influência das correntes de pensamento que sempre se formam de novo nos pós-guerra; assistido, inclusivamente, à mudança de regime (de monarquia para república), à difícil
implantação do regime democrático na Itália e aos primeiros
passos na regionalização do país com a criação da Região Autónoma da Sicília.
E do mesmo passo que a mentalidade e personalidade de Monsenhor Machado Lourenço se haviam formado no ambiente
religioso e patriótico do Padroado Português do Oriente, assim
o dos restantes elementos da Comissão Organizadora do IAC,
ora “no cadinho da guerra”15, ora no “do imediato pós-guerra”16, para usar expressões do Preâmbulo da primeira revisão
dos Estatutos do IAC em 197817.
Do que acima deixo dito, é fácil inferir que pudessem existir –
e existiam, de facto – no seio da Comissão Organizadora do
IAC e nos sócios mais activos, como que três grupos distintos:
um mais conservador, outro mais progressista e outro
intermédio.
Em abono da verdade, porém, é bom que se diga: nunca
ninguém ocultou o que pensava nem nunca houve acesas
discussões e, muito menos, discussões irreconciliáveis. Sempre
se honrou a liberdade de opinião e fez prevalecer o bem-comum, o que parecia melhor e mais cordato.
Ademais, estávamos em plena ditadura. E era permanente, se
não a vigilância, pelo menos a desconfiança sobre tudo o que
não trazia a chancela oficial e pudesse contribuir para a
formação de mentalidades e opiniões contrárias, ou apenas
divergentes das da “situação”.
Neste aspecto, e com plena consciência do que fazia, Monsenhor Machado Lourenço foi, sob múltiplos aspectos, o pára-raios do IAC e das suas actividades. Era o mais velho, o mais
sábio e o mais experiente de todos nós. Benemérito e virtuoso
missionário do Padroado Português do Oriente, intelectual
ilustre e ilustrado, já havia concitado a admiração e o respeito
dos seus pares, quer na ilha quer fora dela. Quem melhor do
que ele para presidir ao IAC? Daí que, logo no Estatuto
fundador do IAC, apareça como presidente da sua Direcção, e
no mesmo Estatuto se faça referência a ilustres “membros
originários”: da Igreja, do Estado e da Sociedade Civil18.
Enfim, Monsenhor Machado Lourenço foi a pessoa mais capaz
e mais digna de encabeçar a primeira Direcção do IAC não só
pela sua envergadura intelectual e cultural, pela sua grandeza de
alma e lúcida compreensão da situação, como pelo conhecimento que dele tinham e respeito que por ele nutriam as autoridades governativas e os presidentes e membros dos institutos
15 José Pedro da Silva e José de Oliveira Lopes.
16 José Enes Pereira Cardoso e Artur da Cunha Oliveira.
17 Uma outra revisão, embora sem esse nome expresso nem qualquer
Nota Preambular, Preâmbulo ou fosse o que fosse que precedesse a
leitura dos Estatutos do IAC, “aprovados em reunião da Assembleia
Geral de 24 de Janeiro de 2002”, dá ideia de que o mesmo nasceu de
geração espontânea, sem história nem ascendência, o que não deixa de
ser estranho, além de tremendamente injusto.
18 Respectivamente, parágrafo 4 do artigo 5º, e parágrafo 5 do artigo 3º
do Estatuto.
[17]
A história da origem do IAC e a evocação da memória de Monsenhor Machado Lourenço a ela ligado não ficariam inteiramente esclarecidas se não procurasse responder a uma pergunta que porventura baila no espírito de alguns de vós. E a
pergunta é a seguinte: Se Monsenhor Machado Lourenço fazia
parte do corpo docente do Seminário Episcopal de Angra desde 1947, e se, já antes dele, cá estavam leccionando e preparando jovens açorianos para o sacerdócio dois dos mais ilustres
membros da Comissão Organizadora do IAC: o Dr. Padre José
Pedro da Silva, futuro bispo de Tiava e depois bispo residencial
de Viseu, e o Dr. Padre José de Oliveira Lopes, reitor do Seminário, como se explica que, só passados 10 anos, tenha surgido
no corpo docente daquele estabelecimento de ensino, não só a
ideia da fundação de uma revista de cultura geral como a
criação de um instituto açoriano de cultura?
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culturais já existentes nos Açores, com os quais o IAC se propunha colaborar e mancomunar. Ademais, pela idade, pela
disponibilidade, pela experiência de vida, pela autoridade moral
e riqueza cultural, ninguém melhor que Monsenhor Machado
Lourenço, do corpo docente do Seminário, podia e devia ser o
primeiro presidente da Direcção do IAC.
[18]
Ainda bem que o foi durante vinte e dois anos (quase o tempo
de uma geração), até que em 1978 tivemos de proceder à
revitalização e a uma maior abertura do Instituto. Se assim não
fora, se o primeiro presidente da Direcção do IAC não tivesse
sido Monsenhor Machado Lourenço, e por tanto tempo, talvez
o IAC tivesse soçobrado bastante cedo. Ainda conservo o original de uma convocatória dos sócios do IAC residentes no
Seminário para uma reunião deliberativa e cujo 1º ponto era,
justamente, a “possível fusão do IAC com o I.H.I.T., caso este a
isso não se oponha”, e 5º, deliberar sobre a continuação das Semanas de Estudo dos Açores (já se tinham realizado três), “por
iniciativa do Instituto ou por meio dum Secretariado Permanente”, que foi criado na altura. Isto em 29 de Outubro de 1964.
Termino. E termino com um pensamento de Frei Bento Domingues na sua crónica dominical no jornal “Público” do dia 2
do passado mês de Novembro – Dia dos Fieis Defuntos:
“Quando morre uma personalidade célebre,
faz-se o elogio da sua obra, mas o autor
parece que já não conta. Só há futuro para
o património. Destaca-se a obra e as pessoas
são reduzidas à categoria de cinzas,
de estrume. Nos cemitérios, as lápides
e os jazigos podem evocar um itinerário,
mas a obra mais digna de nota,
de cada ser humano, é ele próprio”.
Agora, e a propósito dela, permitam-me que transcreva parte
do que deixei escrito no jornal “A União”, no dia do I Centenário do nascimento de Monsenhor Machado Lourenço:
“Monsenhor Machado Lourenço e eu, quer num campo (a
Igreja do Vaticano II) quer noutro (o Estado Novo), sempre
militámos em lados opostos: ele era um convicto conservador;
eu, um inquieto progressista. Mas nunca, por nunca ser, nos
desrespeitámos nas nossas opções; sempre transigimos com a
conveniência ou a oportunidade da prevalência de uma sobre a
outra; jamais alterámos a voz ou cerrámos o cenho; sempre
nos respeitámos na liberdade da diferença; e, mais que tudo,
nunca guardamos qualquer tipo de malquerença, antes pelo
contrário. Não sei o que se passou com ele a meu respeito,
mas posso garantir que sempre “bebi os fôlegos” por Monsenhor Machado Lourenço: pela sua bondade, pela sua bonomia,
pela sua mansidão, pela sua pacatez, pela sua humildade, pelo
seu desprendimento, pelo seu exemplo de sacerdote e de
intelectual. E também – porque não dizê-lo? – pela graça das
suas anedotas, pelo divertimento das suas partidas de cartas e,
até, pela cumplicidade no cigarrinho que fumávamos no quarto
dele entre uma e outra aula.
Ah! Monsenhor Machado Lourenço, como tenho saudades de
si e de ver e conviver com colegas como Você! Ah! Como a sua
prática da tolerância fraterna (na religião e na politica) faz tanta
falta hoje em dia! Obrigado, sempre Muito Obrigado, Monsenhor. E até breve”.
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O VERBO E A VERVE DE
MONSENHOR
JOSÉ MACHADO
LOURENÇO:
AULAS QUE O VENTO
NÃO LEVOU
Onésimo Teotónio de Almeida
Começarei esta minha intervenção expressando o prazer
muito especial que para mim foi receber este convite. Poderá
parecer estranho se lhes disser que não gosto muito de escrever. Costumo mesmo dizer que gosto sim é de ter coisas escritas. Mas quando me chegou este convite do IAC aceitei-o com
júbilo. Na verdade, há muito que pensara registar por escrito as
estórias do Monsenhor Lourenço fazendo-lhe assim a minha
homenagem de antigo aluno perpetuando-lhe a memória em
registo de ficar. Palavras leva-as o vento, como todos bem sabemos. Nas suas aulas ele lançou muitas ao vento, mas não
poucas ficaram na memória dos alunos. Eu queria fazer a minha
parte: pô-las no papel. Daí o júbilo ao surgir-me esta ocasião.
Fica implícito neste meu parágrafo introdutório que não venho
fazer qualquer balanço nem biográfico do saudoso Monsenhor
Lourenço, nem sequer um balanço literário da sua vasta obra,
que aqui apenas referirei de passagem. Pura e simplesmente
procurarei servir de intermediário, mero gravador que ouviu
da sua boca estórias e apartes, comentários irónicos fora-de-página que me parece não se dever perder. Marginália pura.
Obviamente que não esconderei a intenção ou a tentativa de
procurar revelar uma faceta não-transparente para quem não
conheceu o Monsenhor Lourenço de perto e que dele tem
agora apenas os seus escritos. Destas minhas recolecções sairá
naturalmente um retrato, que reconheço parcial. Antecipo-me
a frisar que não pretende ser mais. Direi mesmo: é um retrato
captado da oralidade das aulas, já que me sentei muitos anos
nos bancos de aluno com ele como professor tanto de Inglês
como de História Eclesiástica.
Aliás, um magnífico e sintético retrato do Monsenhor foi elaborado com mestria por um outro aluno seu, meu antigo colega
e hoje companheiro de diáspora, o florentino Nuno Álvares
Vieira. Quando lhe disse que viria a Angra com esta missão,
respondeu-me com o seguinte e-mail:
“Encheu-me de emoção saber que tu ias ou vais falar numa homenagem ao Mons. Lourenço. Ainda mais emocionado fiquei
por saber que tal homenagem estaria nas tuas mãos, pois sei
através dos teus escritos que tu és um admirador do velho sábio
– intelectual diversificado, historiador, teólogo sem ser de grandes beatices – batia uma só vez, de mão leve no peito, para dizer
“mea culpa”, escritor, poeta (até as musas o inspiraram a escrever versos bonitos à rainha das festas da cidade), bom terceirense (amigo da sua terra), humorista, calmo, observador, bom medidor das proporções, compreensivo, altamente humano, etc.
etc. Mais do que alguém poderia pensar – nada lhe passava desapercebido. Nada! Não te esqueças de quando dizia que os
ministros do antigo governo asseguravam o povo de manter as
suas petições debaixo de olho: sentavam-se sobre elas.”1
Tivesse eu o talento de James Boswell e escreveria, aposto,
uma versão moderna de The Life of Samuel Johnson, tantas são
as estórias que ao longo dos anos os seus alunos foram acumulando na memória. Não fiz qualquer pesquisa entre os colegas
para esta ocasião. Socorro-me apenas da minha memória e,
nalguns casos, das minhas sebentas, pois fosse eu pesquisar
entre todos os seus antigos alunos e veriam que não exagero
comparando-o com Johnson.
O Monsenhor Lourenço repetia, aliás com muita frequência: As
minhas aulas são de cultura geral. E tanto assim era que delas foi
o que melhor se me colou na mente: os seus ditos, as suas
estórias tão cheias de sabedoria, a que ao longo dos anos tenho
1 E-mail de 20 de Setembro de 2008.
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recorrido para ilustrar as mais diversas ideias. Há um livro
americano intitulado Everything I Needed to Know in Life I
Learned in Kindergarden, pois sem desprimor para o magnífico
corpo docente que tive a sorte de me acompanhar no
Seminário de Angra, poderia também eu dizer que muito do
que necessitava na vida aprendi nas aulas do Monsenhor. Na
verdade, os seus ensinamentos eram, mais do que dados,
factos, ou peças epistémicas (para usar o jargão corrente),
autênticas pérolas de sabedoria – e por sabedoria aqui eu
refiro-me à mais clássica sofia dos gregos. Assim o avaliámos
desde cedo e, por isso, quando a propósito do Centenário do
Seminário em 1962 eu escrevi uma paródia parcial d’Os
Lusíadas em que figuravam como deuses do olimpo todos os
professores do Seminário, escolhi para o Monsenhor Lourenço
a figura de Saturno. No final do panfleto, numa “Tábua dos
Deuses”, eu explicava: “Saturno: Monsenhor Lourenço – Paz e
abundância na idade de ouro”.2
[20]
Era assim que o entendíamos, uma espécie de avô livre e
magnânimo que ensina os netos sobre a sua experiência com
uma atitude livre, uma dose de candura e uma certa bonomia
que se fixam indelevelmente na memória deles, colando-se-lhes também ao coração.
Aludi à obra literária do Monsenhor Lourenço e adverti que
não me iria debruçar sobre ela. Não é de facto essa a minha
intenção. Conheço-a e posso dizer que a li toda nos anos
sessenta. Mas ela é do domínio público e prefiro aproveitar esta
oportunidade para complementá-la com uma faceta da obra
não escrita. No entanto, constato que não posso deixar
completamente de referir também a escrita, cujos títulos
recordo na íntegra quase por ordem de publicação, porque
cada livro trazia a lista das obras publicadas e eu, que sempre
tive, não sei porquê, uma pecha para os livros (escrevi sobre
isso uma crónica intitulada “O meu último fetichismo”3),
admirava a produtividade do meu professor, mesmo se já
naquela altura os versos de À Mãe do Amor, Aleluias da Alma, ou
Lusa Estrela e, mais tarde, de Benedicite, me pareciam demasiado datados no mundo clássico em que o Monsenhor sempre
gostou de viver, e o fez assumidamente, nunca escondendo as
suas preferências políticas de católico, apostólico, português
(para mais monárquico) e, em literatura, poeta da velha escola.
Nunca isso, porém, deu azo a que fosse ostracizado ou hostilizado por uma juventude que vivia fascinada com o novo e
voltada toda para o mágico e revolucionário futuro.
A sua novela Vitória era assim como que um rito de passagem
obrigatório. Lia-o quem começava a entrar nos dilemas da idade
de se descobrir o outro sexo. Conta a vida de um seminarista do
Seminário de S. José de Macau, com estórias muito parecidas às
nossas de Angra. Por lá os seminaristas não eram conhecidos por
“melros pretos”, como em Angra, mas a sua situação era semelhante. De uma vez, num jornal local, apareceu um comentário
de um anticlerical referindo o facto de num jardim da cidade só
ter visto suínos e seminaristas. Reagindo em verso, alguém que
parece ser o próprio Machado Lourenço, pergunta: se àquele
jardim só iam suínos e seminaristas e o autor daquele comentário
não era seminarista, então era o quê? Mas nessa novela o clímax
era a descrição de uma ida do protagonista (o autor? seria
autobiográfico esse livro? nunca o pudemos apurar) a Hong Kong
para consultar um dentista especializado e que na viagem de barco se reencontra com uma jovem que por ele vivia apaixonada
mas até ali sem ele saber. A tensão dramática adensa-se e, perto
do final, há uma castíssima cena de beijo, na altura de tão explosivo efeito que os mais velhos e sabidos, os que nos recomendavam a leitura, esperavam pela nossa reacção: – Já chegaste à
página… não sei qual agora, que para aqui trago tudo do saco da
memória dos anos sessenta sem consulta aos livros que
infelizmente perdi nas múltiplas andanças da vida4.
2 É breve a referência que na paródia lhe faço. Marte (o Dr. Valentim Borges de Freitas) ia falar em defesa dos alunos. Antes de começar a narrar
essa sua intervenção, na estância 22, os primeiros quatro versos referem-se assim a Saturno:
Muito perto e um pouco mais adiante
Estava o velho e ridente Saturno
Que o fizera rir havia um instante,
Mas já estava agora sério e seguro.
Onésimo Teotónio Pereira de Almeida, O Centenário (Paródia). Edição do
Autor, 1963).
3 Que Nome É Esse, ó Nézimo? – e outros advérbios de dúvida (Lisboa:
Salamandra, 1994), pp. 43-47.
4 Nos anos sessenta eu tinha todas os livros do Monsenhor, mas deixei-os
nos Açores, juntamente com muitos outros, quando primeiro fui para
Lisboa. Não poucos deles levaram descaminho. É, por isso, com imensa
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O VERBO E A VERVE DE
MONSENHOR
JOSÉ MACHADO
LOURENÇO:
AULAS QUE O VENTO
NÃO LEVOU
Os seus apartes eram lendários. Saíam-lhe com uma naturalidade assombrosa. De certa vez, numa prova oral do primeiro ano
de Inglês, perguntou ao António Filomeno Maia qual era o
presente do indicativo do verbo to be. Nervosíssimo, o Filomeno gaguejou: I bee, you bee, he bees… E o Monsenhor: Pois,
pois… Eu abelha, tu abelhas, ele abelha.
Noutra ocasião, ouviu-se na aula o ruído de um avião. Os alunos mais próximos da porta para o jardim, que estava sempre
aberta, esticaram o pescoço para ver melhor. O Monsenhor:
Ok, não distraiam o aviador.
Tinha uma predilecção por estórias que envolviam incongruências lógicas. Uma das suas clássicas era a dos grilos do padre
Patagónia. Guardava-os o padre numa caixa de fósforos e todos
os dias ia alimentá-los. Uma manhã, ao abrir a caixa, não os
encontrou. Conclusão do padre Patagónia: Comeram-se um ao
outro.
Entre essas predilectas incongruências lógicas figuravam os
famosos silogismos que não apresentava como seus. Aliás, não
reclamava nunca originalidade nas estórias que contava:
Tudo o que é raro é caro
Um cavalo bom e barato é raro.
Logo um cavalo bom e barato é caro.
Outro exemplo de incongruência era o silogismo:
Quanto mais se estuda, mais se sabe;
Quanto mais se sabe, mais se esquece;
Quanto mais se esquece, menos se sabe;
Quanto menos se sabe, menos se esquece;
Quanto menos se esquece, mais se sabe;
Logo, não vale a pena estudar.
O inglês era, segundo ele, uma língua estranha sem lógica correspondente na nossa gramática portuguesa. Uma palavra lê-se
Roma, escreve-se Jerusalém e significa Jericó.
satisfação que registo aqui o facto de agora voltar a possuir um exemplar
de Vitória. Foi-me oferecido pelo meu amigo e antigo colega (um ano
mais novo no curso) Heriberto Herculino Silveira Brasil, patrício do
Monsenhor, pois é também natural das Cinco Ribeiras. Hoje meu @migo
internético, convidou-me a almoçar no dia da homenagem do IAC e
surpreendeu-me com essa bela oferta desfazendo-se do seu único
exemplar. Cabe aqui um agradecimento muito sincero à sua
generosidade. Nesse almoço, que teve lugar em S. Mateus à vista de bela
água, e a que se juntou o Doutor Cipriano Franco Pacheco, ouvi aos dois
várias novas estórias que no final deste meu texto serão reproduzidas.
Pus-me, entretanto, imediatamente a reler essa “novela folclórica”, como
o autor lhe chama em subtítulo, e foi com imenso prazer que facilmente
recordei inúmeras passagens da primeira e única leitura que do livro fiz
há 45 anos. A título de exemplo, menciono os versos do Palito Métrico,
do folclore académico coimbrão, que um colega do protagonista de
Vitória tentou verter para português, também em verso. Assim, Filius ille
putae, qui primus carmina fecit saiu: Aquele filho da mãe / Que primeiro
versos fez, / Merecia na cabeça / O que tem bovina rez! (Angra do
Heroísmo: União Gráfica Angrense, 1958), p.p. 136s. O Monsenhor
contava esta estória nas aulas.
[21]
Li também as obras de etnografia: O Romance de um Malaio e
Por Terras do Sagrado Ganges, bem como o Beato João Baptista
Machado – Mártir do Japão, Prémio João de Barros, da Agência
Geral do Ultramar, que na altura me encheu de orgulho. Era o
reconhecimento de um autor dos Açores, para mais meu
professor. E o prémio não era desprezível: 15 mil escudos, se
bem me lembro. Havia um capítulo sobre “Goa Dourada”, o
quarto creio eu, com uma descrição romantizada, altamente
idealizada e mítica mesmo, da Roma do Oriente. Teria irritado
Edward Said – se o autor de Orientalism lhe conhecesse a existência, talvez o citasse como exemplo da mitificação ocidental
do Oriente. Mas o dito capítulo terá afinal tido alguma razão de
ser por razões que adiante aduzirei. Orgulhei-me igualmente
quando descobri que a Enciclopédia Luso-Brasileira (que eu
consultava amiúde na velha biblioteca do seminário quando com
um pequeno grupo de colegas lá trabalhava como voluntário sob
a orientação do dr. José Enes) incluíra uma entrada com o nome
do Monsenhor, ainda que lhe dedicasse apenas umas linhas.
Ainda esse mesmo orgulho interior eu senti ao saber que as suas
Regras de Gramática da Língua Inglesa, por onde nas suas aulas
aprendemos inglês, eram também usadas no liceu. E, se não li o
livro Os Lusíadas – Poema Católico, foi simplesmente porque o
havia lido em artigos à medida que iam saindo na revista
Atlântida, que ele dirigia. Mas voltemos ao tema de que prometi
ocupar-me.
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Em determinadas matérias controversas comentava: Sobre esta
questão, as opiniões dividem-se. Há os que dizem que sim e os que
dizem que não. Os que dizem que sim afirmam, os que dizem que
não, negam. Eu não digo nem uma coisa nem outra, antes pelo contrário.
As estatísticas, como as demais modernices, mereciam-lhe gracejos. Não acreditem nas estatísticas! Um homem come dois pães
e outro não come nenhum, e vai as estatísticas dizem que cada um
comeu um pão. Emparceirava, pelo menos aqui e não só, com
Benjamin Disraeli, segundo quem havia lies, damn lies and
statistics.
Ainda como exemplo de incongruências paradoxais, contava
aquela história de um homem que quis habituar o seu cavalo a
viver sem comer, mas teve pouca sorte. Foi aos poucos
cortando mais e mais a ração do animal e, quando o cavalo já
estava mesmo quase habituado a viver sem comer, morreu.
[22]
Nesta ordem de ideias, contava a do homem que foi votar e
encontrou um amigo:
– Para onde vais?
– Vou votar.
– Em quem?
– Em Fulano.
– Então vamos para casa. Não vale a pena perdermos tempo.
Eu ia votar por Sicrano! – que era da oposição.
Não era nenhum exemplo de pedagogo aggiornado, o Monsenhor Lourenço. Usava nas aulas os antigos métodos, que lhe
pareciam mais eficientes do que as novidades pedagógicas, e
advogava-os igualmente para a religião. Queixava-se dos métodos modernos de missionação que faziam apenas pesca à linha,
obtendo uma conversão de cada vez, ao contrário dos antigos
que pescavam cristãos à rede, em massa.
Muitas vezes lia monotonamente do compêndio e eu confesso
que foi nas suas aulas de História Eclesiástica que devorei todos
os quatro volumes de Un Periodista en el Concilio, do padre
jornalista espanhol José Luís Martín Descalzo, que admirava
muito como repórter do Vaticano II. Fazia-o alegando juvenil e
parvamente que a história contemporânea da igreja relatada
por Martín Descalzo era mais importante que a do Manual de
História Eclesiástica, de Bernardino Llorca S. J.. Para tal, tive
sempre a cumplicidade de colegas que me encobriam e, com
as suas costas, me ajudavam a esconder dos olhares do
Monsenhor. Ou julgava esconder, porque afinal não era possível
iludi-lo. Olho de rato, era muito sabido e conhecia a psicologia
humana muitíssimo bem. Não raras vezes atirava a sua piada,
mas nunca protestou.
Não gostava de chamar os alunos a exporem a lição. Como que
tinha rebuço em apanhar alguém em flagrante impreparação.
Contava a história de um professor que tinha idêntico problema e acabava chamando à lição quem acontecia cruzar
olhares com ele. Os alunos, tendo-se apercebido disso, um dia
ficaram na aula todos de cabeça baixa deitada sobre os braços
cruzados em cima das carteiras. Ele ficou quieto e em silêncio,
como a aula inteira. Passados vinte minutos de desconforto da
rapaziada, um aluno espreitou pelo canto do olho e o professor
captou-lhe o olhar: Exponha você a lição. O Monsenhor resolvia
o seu problema usando uma latinha, e chamava um aluno para
ir tirar um número à sorte.
Havia algo dele mesmo na história que contava do professor
que estava a examinar um aluno que não sabia nada.
Perguntava-lhe por exemplo qual a capital da França. O aluno,
moita. O examinador dizia: Paris. E pedia: Repita lá! E o moço
repetia. E por aí fora. A cada pergunta sem resposta, o
examinador acabava dando-a ele próprio, mas exigia que o
examinando a repetisse de seguida. No final, deu-lhe um dez, a
nota tangente da altura.
Como? – atalhou o examinador assistente. – O rapaz não sabia
nada.
– Não sabia, mas ficou a saber.
– Mas ele não sabe mais nada!
E da bonomia do homem veio a sentença salvadora:
– Sobre o que não lhe perguntei não posso ajuizar.
Era muito parco nas notas. Dizia que só dava notas de porco –
9/10. Explicava que 20 era para Deus, que sabe tudo. 19 para
o professor. 18 seria para um aluno que soubesse tanto como
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MONSENHOR
JOSÉ MACHADO
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AULAS QUE O VENTO
NÃO LEVOU
A propósito da atribuição de notas, há uma história que uso com
frequência aplicando-a a situações diversas da vida. Às vezes o
Monsenhor corrigia testes na aula. Estava um dia a fazê-lo e ia
comentando em voz alta. Chegou ao fim de um a que deu um 9.
Começámos a torcer para que desse um 10: Monsenhor, quem dá
nove dá 10. E o Monsenhor: Pronto. Lá vai 10.
Entusiasmados com o bom sucesso, começámos a pedir: Quem
dá 10, dá 11! – e o Monsenhor cedeu e subiu a nota. E fomos
prosseguindo a ponto de a classe entrar em delírio quando se atingiu o 17. Ainda assim, continuámos a incitá-lo a ir mais longe:
Quem dá 17, dá 18. O Monsenhor achava que isso era ultrapassar
a sua proverbial escala e parou. Bom, vamos lá a ver: que nota é que
eu tinha dado no início? E todos em coro: 9! Ele, sempre muito
sereno: Ah! De 9 para 18 a diferença é muito grande. Fica o 9.
Achei sempre espantosa esta estória como exemplo de se esticar demasiado a corda das normas e princípios. É sempre possível argumentar em favor de um pequeno jeito ou ajustamento
a uma situação, mas isso só pode fazer-se até um certo ponto.
Há que draw the line, como se diz em inglês. Em questões de
ética, tanto em aulas como na vida real, tenho recorrido
inúmeras vezes a esta sapientíssima e pedagógica – diria mesmo
salomónica – decisão do Monsenhor Lourenço. O meu grande
amigo Eduíno de Jesus lembrou-me que na antiga Retórica a
memoratio não significava “decorar”, mas sim reunir coisas de
memória para ilustrar. Nesse capítulo, o Monsenhor Lourenço
tem sido para mim uma verdadeira Fonte de Hipocrene.
Logicamente incongruentes eram as histórias do ingénuo Caldas
Aulette, autor de um famoso dicionário, de que contava muitas,
mas que – confesso – confundo por vezes com as que contava
do famoso Dr. Assis, celebrada ingénua figura coimbrã da viragem para o século XX5. Um dia ofereceram (creio que ao Dr.
Assis) uma bonita bengala. Na rua alguém a elogia e ele reage:
– Sim, muito bonita. Só é pena ser muito grande.
– Por que não a corta?
– Porque, se cortar, vou eliminar a parte mais bonita, que é este
belo castão.
– Pois corte-a por baixo.
– Não, que ela fica grande é em cima!
Eram muitas as estórias que contava do Dr. Assis. Recordo uma
das suas charadas: Contrário do princípio em francês; muito apreciado na mulher, com cedilha. Dá a primeira cadeira na Universidade: Finanças. Isto é, a cadeira que ele, Dr. Assis, leccionava.
Havia nele um sentido pragmático algo inglês. E muito humor
nessa cultura cultivado. Na cultura popular da sua Terceira
também abunda o humor6, mas deve tê-lo alimentado sob a
influência da cultura inglesa que conhecia muito bem. Privilegiava o raciocínio pragmático e era avesso a elucubrações abstrusas. A gente lê uma frase e não entende, conclui: – Burro eu!
Lê-se outra vez. Não entende? Burro eu ou burro tu! Lê-se uma
terceira vez e, se ainda não se entende, Burro tu!
Uso inúmeras vezes esta estória nas minhas tiradas contra o
uso pedante do jargão académico. Servi-me dela como fundo
num conto do meu livro (Sapa)teia Americana a que dei mesmo
o título de “Burro Eu!”
5 Ver Alberto Costa, O Livro do Doutor Assis. Possuo a 10ª edição (Lisboa:
Livraria Clássica Editora, 1951), que não indica a data da primeira edição.
6 Sobre essa faceta da personalidade do Monsenhor, o Heriberto envioume uma achega biográfica preciosa e que transcrevo na íntegra: “O
humor do Monsenhor Lourenço não nasceu, propriamente, por geração
espontânea. Ele pertence a uma família (em sentido genérico) conhecida,
aqui nas Cinco Ribeiras, pelos “Bilhanas”. Trata-se duma família célebre
pelo seu sentido de humor. Um dos seus irmãos, o Marcial “Bilhana”, que
era casado com uma prima de minha mãe, era um exemplo disso.
Naquilo que dizia, nas partidas que armava. Ainda hoje, quem dele se
lembra, recorda a alegria que ele espalhava à sua volta, com ditos e
brincadeiras. Uma prima do Monsenhor, já em 2º ou 3º grau, por acaso
também casada com um primo de minha mãe, ainda hoje é um excelente
exemplar do humor dos “Bilhanas”. Acontecimento ou situação que
aquela boca comente dá para partir a rir. E até o filho dela, com nome de
Mago, Belchior, é hoje em dia uma das principais figuras dos terceirenses
bailinhos de Carnaval. E sobressai (para além de ser um actor nato)
imagina em quê: exactamente no humor. De há uns anos a esta parte,
quando as pessoas, pelo Carnaval, aglomeradas em salões de sociedades
recreativas esperam que passe um bailinho, é frequente ouvir-se a
pergunta “quando é que chega o bailinho do Belchior?”. (E-mail de 2 de
Janeiro de 2009).
[23]
o professor mas não pode ter a mesma nota por ser aluno. 17
era para o melhor aluno da aula, que aliás rarissimamente dava
a alguém.
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Outra:
Um homem vai a uma corrida de cavalos e o cavalo X ganha a
corrida. O apostador conclui: - Foi sorte. O cavalo ganha nova
corrida e ele concluiu: – Coincidência. O cavalo ganha a terceira
corrida e ele aposta no cavalo.
europeus que se conservaram até hoje com sangue europeu
puro” – e o aparte: … a não ser um ou outro que se tingiu, mas
por… contrabando.
Sobre uma passagem que referia camelos, comentou: No Oriente, camelos são aqueles que se casam.
Eram muitas as suas máximas:
Tinha o que se chama a resposta sempre na ponta da língua. As
O bom soldado nunca deve perder a cabeça. Se não, onde é que
há-de pôr o capacete? E as suas observações do género: A maior
invenção da História diz-se que foi a roda. Não. Foi o botão.
Imaginem o que lhes aconteceria nas calças se não fosse o botão!
Como fechariam a braguilha?
Ou esta outra: O bom soldado deve dar o sangue pela pátria até
à penúltima gota; a última é para fugir.
[24]
Entre nós, vários dos seus ditos transformaram-se em expressão corrente, como aconteceu com uma saída sua. Explicava-nos:
saídas surgiam-lhe com frequência em trocas com os alunos.
Sirva de exemplo uma sobre bastardos, a que chamava “filhos
de trás da porta” (bastardos):
– D. Afonso IV é talvez o único rei de quem não se conhecem
filhos bastardos.
O Carlos Fagundes interrompe:
– E D. Pedro V?
– Esse não teve tempo, coitado.
Na última aula do período pedíamos-lhe uma vez que nos desse
um feriado:
– Não pode ser – disse ele e apontou para as salas ao lado.
O Sr. Reitor veio dizer-me que esta aula é secundária e acaba a
18 de Março. Devo dizer-vos que recebi a notícia não só com
resignação mas até com entusiasmo.
Uma dos seus conselhos irónicos era supostamente o de um
lente de Coimbra que recomendava aos alunos a lavagem
frequente dos pés. Não calculam o prazer, o alívio que se sente
nos primeiros quinze dias depois de lavados.
Havia ainda os seus apartes quando ia lendo o compêndio em
voz alta. De uma vez, era o referido Manual de História Eclesiástica: “Porém, ao querer pôr-lhe a coroa, Napoleão tomou-a em
suas mãos e pô-la em si mesmo, coroando logo a seguir a sua
esposa.”
Comentário do Monsenhor: Hoje as esposas é que coroam os
maridos!
Estamos rodeados de graúdos: o reitor, o prefeito de estudos… É perigoso.
Eu intervim:
– Ó Monsenhor, na aula anterior o dr. José Nunes, que foi
reitor no ano passado, deu só um quarto de hora de aula.
E o Monsenhor:
– Por essas e por outras é que ele saiu.
De outra vez estávamos à procura de uma dispensa de um
exercício escrito (ou tema, como chamávamos os pontos).
– Monsenhor, esta semana já temos quatro!
– Tudo de História?
– Não, senhor: um de Direito, outro de Moral e outro de
Dogma, mais agora este.
– Bom, se os outros decidirem não fazer o seu, eu sou capaz
de fazer o mesmo.
A ler um texto sobre a Índia portuguesa: “O grosso das tropas
que até há pouco havia na Índia é descendente dos antigos
Noutra aula, lê:
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MONSENHOR
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De uma vez, na aula número 10 entra um aluno vindo de outra
sala. Pede autorização para procurar um ponteiro que faltava na
sua sala. O Monsenhor autoriza-o. O aluno percorre os cantos
da sala e, sem êxito, desiste:
– Não encontro ponteiro nenhum – e saiu.
E o Monsenhor:
Eu cá tenho o meu comigo.
Outros ditos famosos eram: Há dois tipos de profetas: os maiores
e os menores. Os maiores são os que acertam sempre; os menores, são os que nem sempre acertam.
De vez em quando, na sequência de qualquer referência à França, acrescentava: … a filha mais velhaca, perdão, mais velha da
Igreja…
Eram várias as suas estórias parlamentares:
Um padre-deputado falava no Parlamento e entra uma pomba
na sala. Um deputado, conhecido por aparecer frequentemente bêbado, comenta alto: – Lá vem a inspiração do Espírito Santo!
O padre deputado riposta: – Não. É a pomba que vem à procura
do borracho!7
Outro deputado afirma de punho cerrado e com veemência:
– Eu cá só tenho um partido!
Da bancada da Oposição respondem-lhe:
– Esteja calado, se não parto-lhe o outro!
Mais uma ainda da sua série sobre o Parlamento:
Um deputado: V. Ex.cia dá uma no cravo, outra na ferradura!
Outro deputado: Porque V. Ex.cia não pára quieto com o pé.8
Ainda outra figura política preparava uma intervenção para ler
no Parlamento anotando na margem do seu discurso: Argumento fraco. Ler mais alto.
Eram inúmeras as estórias locais.
Contou, por exemplo, a propósito de uma famosa gralha num
anúncio de venda de colchões em frente ao Paço Episcopal, a
do visconde que telefonou ao director de A União, Dr. Cardoso
do Couto, por causa de uma notícia que saíra, por sinal da
mesma forma que tinha entrado na redacção: Fulano [ele, o visconde], vende uma égua e os arreios por lhe não servirem.
O Dr. Brasil, conhecido agnóstico de Angra, dava consulta
gratuita aos pobres. Era comum agradecerem-lhe com a popular expressão Nosso Senhor lhe pague! O médico respondia: Não
quero contas com ele, que é muito caloteiro!
O dr. Valadão (“Velho”) estava a aprender a conduzir. Nervoso,
viu ao longe uma vaca e avisou o instrutor: Eu vou dar na vaquinha, eu vou dar na vaquinha! E deu mesmo. Vira-se para o
instrutor: Eu não disse?
A mesma figura, na aprendizagem de condução com o instrutor
a avisá-lo: Páre! Páre! O Dr. Valadão bate com o carro contra a
parede. E o instrutor: Assim também pára; sai é mais caro!
Numa freguesia da ilha havia uma rapariga que não era das
melhores coisas que tinham vindo a este mundo. Um dia o ma-
7 O meu amigo e colega, Professor António Cirurgião, aposentado da
Universidade de Connecticut, natural do Continente, também
frequentou um seminário e diz que um seu professor contava essa
estória e dizia que o deputado com fama de alcoólico era Brito
Camacho. (E-mail de 11 de Dezembro de 2008).
8 António Cirurgião informa-me que esta resposta foi também de Brito
Camacho. (Idem)
[25]
– O rei podia depor um bispo-conde. Ou um arcebispo-bispo-conde.
Interrompi:
– Monsenhor, li num livro que o antigo arcebispo, bispo-conde
de Coimbra chamava-se D. Ernesto e os estudantes chamavam-no o ABCDE.
O Octávio atalhou:
– Ele já morreu!
E o Monsenhor:
– Ah! Então tem mais uma letra: F – Falecido.
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rido parece que deu uma cabeçada e partiu os cornos. Diz-lhe
ela: Calma! Daqui a dias nascem outros. Antes tê-los inteiros do
que tê-los partidos.
Conservador assumido9, não se poupava a emitir os seus
comentários críticos ao que à sua volta ia vendo. Um dia,
referindo-se a um nosso colega de curso que encontrou sem
colarinho na rua, disse:
– Há dias encontrei na rua o José Manuel Franco. Fiquei sem
saber se ele tinha desistido, ou se aquilo era o Concílio.
O Varão pediu dispensa no início da aula, prática comum
quando um aluno por qualquer motivo não tinha podido
preparar a lição do dia.
O Monsenhor: – Então vai ser chamado o vizinho do lado, o sr.
Moules, porque se o senhor não estudou não vai poder ajudar
o seu colega.
[26]
Terminarei com uma história que costumo contar quando se me
oferece a oportunidade de dar um exemplo da finura de espírito
e do sentido de humor do Monsenhor Lourenço. Era um dia
cinzento de Fevereiro. Estávamos na sala número 4 (dizíamos
“aula nº…”) junto ao jardim. Aula de História Eclesiástica e o
capítulo daquele dia era sobre “A expansão da Igreja primitiva”.
Como sempre, o Monsenhor hesitava quanto a quem chamar à
lição. Na carteira mesmo em frente da sua secretária, o Manuel
Faria de Castro esfregava as mãos para se aquecer: Está frio,
Monsenhor. E este:
– Pois. Faz frio, faria frio, porque é que o Faria não expõe a
lição?
O Faria estava completamente in albis e, ainda não refeito da
surpresa, começou a papejar sem conseguir arrancar frase que
se ouvisse.
O Monsenhor, com mal-disfarçada ironia, ajuda-o:
– Com que então, a Igreja… estendeu-se muito, não foi?
A classe estala às gargalhadas menos o Faria que, nervoso, não
se apercebeu do trocadilho, ou não se riu porque o riso geral
era à sua custa. O Monsenhor prossegue então num tom ainda
irónico mas agora também malicioso:
… e logo no princípio, não foi?
Há muitas mais estórias do Monsenhor e os colegas de outros
cursos foram de certeza testemunhas de inúmeras outras que
poderão também contar. Deveriam fazê-lo para se completar
tanto quanto possível este retrato de uma personalidade
brilhante e de mente tão rica.
Nestes dias li o livro Plato and a Platypus Walk Into a Bar.
Understanding Philosophy Through Jokes, de Thomas Caathcart &
Daniel Klein10, um autêntico compêndio de Filosofia urdido
com anedotas e ditos de humor. Com as de Monsenhor
Lourenço poderíamos do mesmo modo compor uma espécie
Livro da Sabedoria Segundo Monsenhor Lourenço. Na verdade,
lembro-me de o meu antigo e estimado professor se ter uma
vez referido a um livro dizendo que o pobre autor nele tinha
posto tudo quanto sabia. Com ele, isso não foi possível. Os seus
muitos livros são apenas uma pequena amostra de tudo o que
ele sabia e o seu espírito criou. Incito, por isso, os meus colegas
a colaborarem enquanto a memória lhes permite.
Nunca o seu humor foi por qualquer um de nós tomado como
agressivo ou ofensivo. Havia na sua personalidade uma bonomia sábia da vida, compreensiva das fragilidades humanas que,
no enquadramento do seu aspecto físico algo curvado, frágil e,
para nós jovens, já avançado em anos, lhe davam um estatuto
ou auréola de avozinho querido dos netos porque a autoridade
já não residia nas suas mãos e não lhe cabia impor disciplina
ideológica ou vigiar os nossos pequenos desvarios de jovens.
Em troca, de todos só recebia carinho, respeito e admiração.
9 Não contarei aqui uma estória que reflecte bem o patriotismo português
do Monsenhor, bem expresso na letra que, a pedido do Dr. Edmundo
Oliveira, escreveu para o “Coro dos Soldados”, da ópera Fausto, de
Gounod, que cantámos no orfeão. O excessivo passadismo nacionalista
desses versos fez-me escrever uma paródia anti-salazarista. Mas essa
narrativa ficará para um outro escrito, em outro contexto.
10 (Abrams Image, New York, 2007).
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No início mencionei Edward Said e o orientalismo que ele
abominava, mas acho que faria mais sentido evocar aqui a
resposta indirecta de Ian Buruma e Avishai Margalit sobre o
correspondente ocidentalismo que no Oriente encontraram11.
Só que o caso de Monsenhor Lourenço é diferente tanto de Said
como de Buruma & Margalit, pois tendo a visão que transmitia
sido forjada no próprio Oriente, fora depois complexa e duplamente mitizada no seu regresso, ao deparar com um Ocidente
que se afastava a passos largos dessa dourada visão do mundo.
Nessa minha primeira viagem ao Oriente, em 1982, senti-me
impulsionado a escrever umas linhas ao Monsenhor Lourenço,
com quem nunca mais contactara desde que do Seminário
saíra, em 1969. Lembro-me de ter adquirido vários postais das
ruínas da Igreja de S. Paulo, em Macau, e de os ter enviado a
alguns amigos com a seguinte nota referindo-me à presença
portuguesa naquelas paragens: “De pé ainda, mas os restos.”
Não foi isso que escrevi ao Monsenhor. Não retive o texto
verbatim, mas seguiu algo assim: “Vim aqui verificar in loco tudo
o que já sabia por lho ter ouvido nas suas aulas.” Cerca de seis
meses depois, eu recebia a notícia da sua morte. Mas um amigo
próximo dele garantiu-me que ele recebeu o meu postal e o leu
com lágrimas nos olhos comentando: “Nunca sabemos aquilo
que ensinamos onde vai cair”.
Foi a última lição que do Monsenhor Lourenço recebi e é agora
mais um dito que dele – com verdadeira saudade e carinho –
conto, sempre que a ocasião se me oferece. Só tenho pena de
não ter estado mais atento nas suas aulas para ter podido
arquivar na memória muito do que de certeza irremediavelmente perdi. Mas dessas imbecilidades juvenis não vale a pena
vir aqui lamentar-me. O Monsenhor Lourenço sabia dosear a
nostalgia com sal irónico e não se comprazia em lamentações.
ADDENDUM
Não era preciso ser adivinho para prever o que iria acontecer
com esta homenagem. Decidi enviar o texto a três dúzias de
amigos e antigos colegas, hoje espalhados pelo mundo, e ele
despoletou uma cadeia de reacções carregadas de afecto por
esse nosso antigo professor, e trazendo-me estórias adicionais.
Outras foram-me contadas na minha passagem por Angra,
aquando da sessão de homenagem do IAC, bem como no dia
seguinte, em Ponta Delgada, num encontro de colegas do meu
curso que resolveram assinalar com um convívio os cinquenta
anos da nossa entrada para o Seminário Menor naquela cidade,
em 1958. Tendo sabido da sessão em Angra, pediram-me que
relatasse o que ali se passara e recontasse algumas das estórias
que contara na minha intervenção. Obviamente que choveram
as lembranças de cada um e o carinho pela pessoa do Monse-
11 Occidentalism. The West in the Eyes of Its Enemies (New York: The
Penguin Press, 2002).
[27]
Não deixa de ser deveras curiosa a diferença entre uma obra
escrita conservadora e a personalidade no fundo aberta e compreensiva de alguém reconhecendo que, sendo embora de
outro tempo, que considerava bem melhor do que o novo,
admitia ter esse seu tempo já vivido a sua época. Fora educado
no Oriente, por onde circulou numa rede de baluartes da
civilização ocidental e cristã – Singapura, Malaca, Goa, Macau.
Repetia-nos com frequência: Quem não foi ao Oriente não
conhecerá nunca a obra que os portugueses lá fizeram. Só anos
mais tarde, quando tive oportunidade de visitar o Oriente, pude
aperceber-me do prestígio que ali gozava ainda o Portugal de
outrora (até nos táxis ouvi elogios rasgados a Portugal) e de
como a Igreja católica, apostólica, portuguesa/goesa, era de facto uma realidade voltada para um passado de ouro que, mesmo
se largamente mítico, se pressentia como realidade prestigiada
e prestigiante. Os últimos exemplos que conheci foram os de
um descendente de goeses, Miguel Rodrigues-Kamat, meu
aluno na Brown, que me falava da Goa Dourada com a mesma
letra e música ouvida ao Monsenhor Lourenço, como se tivesse
lido o tal capítulo quarto da biografia do seu Beato João Baptista
Machado. Fez mesmo uma tese de licenciatura em História
sobre “The Golden Goa”. Hoje médico, ainda não alterou a sua
visão romântica. E mais recentemente, tenho outro aluno, este
chinês, o Yi Liu, de Beijing, que me chegou à Brown com uma
também altamente positiva ideia de Portugal, como se o nosso
país de hoje mantivesse o fulgor imperial de há quinhentos anos.
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nhor Lourenço ficou refrão na corrente de sentimento dessa
noite de nostálgica alegria.12
De Lisboa, onde trabalha na comunicação social, um e-mail do
cónego António Rego como que deu o mote: “Fui transportado
a um mundo fantástico”, revelando o quanto aqueles idos anos
sessenta pertencem a um passado que não só é de outro século
como de outro milénio. Optei por, além das estórias novas,
reproduzir as passagens que ao Monsenhor se referem pois isso
dará uma dimensão mais representativa e alargada da justeza
desta homenagem do IAC.13
Da sua actuante livraria Culsete, em Setúbal, Manuel Pereira de
Medeiros enviou-me um e-mail que, não sendo exactamente
sobre o Monsenhor Lourenço, ajuda a criar um enquadramento importante, desenhando uma espécie de contexto temporalizado que permitirá ao leitor compreender melhor a auréola
mítica que envolve estes anos 60 (no caso, também ainda fim da
década de 50) nuns Açores remotamente isolados do mundo:
[28]
Marcou muito o meu curso. O tal curso que marcou muita
coisa, como ainda agora foi possível perceber na reunião de
15 de Junho p.p.. Regressado à Terceira estávamos no 5.º
ano, fôramos os primeiros alunos de Coelho de Sousa em
Português no 3.º e 4.º. No 5.º Português, Inglês e História
com Mons. Lourenço. Antes de no 6.º a Literatura com o
Cónego José Augusto Pereira. E também no 6.º Filosofia
com José Enes e Grego com Cunha de Oliveira. Vês a sequência e a sorte? Percebes o que de mim veio a mim desta sequência? Há mais. Especialmente Simão Bettencourt,
de difícil intimidade mas comigo desde o primeiro ano até à
sua morte uma grande e riquíssima amizade.
Tenho que ter mão em mim para não encher a tua caixa
de correio!!
Vê lá se não há na tua memória atribuída a Mons.
Lourenço alguma piada que já andava no ar das aulas n.º
4, 3 ou 10 antes de lá ele entrar...14
Do Carlos Sousa, antigo Chefe dos Serviços de Emprego nos
Açores e director do muito conhecido grupo musical Belaurora:
Mal recebi o teu e-mail, abri imediatamente o texto e li-o
com sofreguidão. Acabei com lágrimas nos olhos. De
alegria e de comoção. Bendita a hora em que se
lembraram de Monsenhor Lourenço, para o homenagear.
[…] Também em mim, Monsenhor deixou gravados
indelevelmente pedaços de sabedoria, (a pouquinha que
tenho foi somatório do tanto que daquele tempo ficou). E,
como “a memória é a faculdade de esquecer”, espero que
em mim só se apaguem no ponto final da vida.15
O Januário Pacheco, que durante muitos anos leccionou no
Luxemburgo, reagiu num e-mail, enviado creio que de Lisboa:
[…] Tenho muitas saudades do Mons. Lourenço e tenho
muita pena de não ter fixado muitos dos seus ditos e
anedotas cheias de humor e de sabedoria, como dizes.
Nas férias ia muito a casa dele. Era muito simples,
acolhedor para todos os vizinhos e familiares. Estou a vêlo sentado, a saborear o seu cachimbo, entre os seus livros
desarrumados. Depois, os afazeres e a revolução fizeram
esquecer o muito que o Monsenhor dizia e sabia. Foi pena.
[…] O seu modo de estar com todos, e os pequenos
factos que contas no texto definem a sua personalidade
melhor do que tudo. E era uma pena as novas gerações
ficarem sem os conhecer. Depois de assim escritas e
relembradas, vão perdurar.
12 Era minha intenção ler, na sessão do IAC, passagens dos e-mails
entretanto recebidos, mas o facto de na sala um bom grupo de pessoas
estar a assistir de pé levou-me a não querer prolongar a minha leitura.
13 Eliminei das citações as referências ao texto em si.
14 E-mail de 4 de Dezembro de 2008.
15 E-mail de 5 de Dezembro de 2008. Num e-mail após a leitura deste
texto na sua versão completa, o Carlos Sousa enviou o seguinte
contributo: “Vê se consegues incluir aquela máxima fantástica: ‘A filosofia
é a ciência com a qual e sem a qual nós ficamos tal e qual’. E aquela
outra: Estávamos nos 10 minutos de tolerância na aula à espera do
Monsenhor. Vai não vai e, mesmo em cima da hora, cortámos por outro
caminho, para ir para o Salão e, consequentemente, não termos aula. O
Monsenhor deve ter desconfiado, pois o que escreveu no Livro do Ponto
foi o seguinte: ‘Os alunos fugiram da aula’. (Talvez assim não tenha
perdido os 10$00 que era o que recebia um professor por cada aula
dada).” (E-mail de 2 de Janeiro de 2009).
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MONSENHOR
JOSÉ MACHADO
LOURENÇO:
AULAS QUE O VENTO
NÃO LEVOU
De um e-mail do Nuno Álvares Vieira, que na sua aposentação
lecciona no Stonehill College em Massachusetts, e de quem já
citara no meu texto um e-mail anterior, retiro a seguinte
passagem:
Ainda a respeito do Monsenhor, uma coisa que aprendi
dele foi “a arte de se poder falar positivamente de
alguém, mesmo quando não haja muito de positivo para
se dizer”. Sabes onde aprendi isso? Através das recensões
que ele fazia de livros na Atlântida. Sem escrever nada de
negativo, dava margem suficiente para o leitor se
aperceber do calibre de obras de menos qualidade. Assim
era a índole bondosa e carinhosa do velho Monsenhor.17
O José Luis da Costa Rodrigues, antigo professor de música e
maestro de coro num Liceu de Genebra, Suiça, conta:
No refeitório dos “superiores” não sei se o Padre Coelho,
o Dr. Cunha, ou o Dr. Enes, um deles, tinha feito um
poema que só falava em cruzes. O autor pergunta ao
Monsenhor: O que pensa do meu poema? – Penso que
estamos diante de um cemitério...
[…] temos todos muitas recordações do Mons. Lourenço
cujo humor era contínuo mas sem ofender.19
Artur Goulart, antigo Director do Museu de Évora, bem como
antigo Chefe de Redacção de A União, partilhou comigo um
importante dado para se conhecer melhor o que se passou
num período particularmente duro da vida cultural angrense:
[…] uma bela homenagem [a uma pessoa] de quem tenho
óptimas recordações, embora o não tenha querido acom-
16 E-mail de 4 de Dezembro de 2008.
17 E-mail de 6 de Dezembro de 2008.
18 Em benefício dos que não sabem latim (ou dos que já o esqueceram):
O Mons. Lourenço interrogava um aluno. Como este não
soubesse nada, a chamada consistia em perguntas do
Monsenhor. O aluno levantava a cabeça para ouvir a
questão, olhava para o livro, levantava a cabeça e saía com
o que tinha lido. Nova pergunta mesmo procedimento. A
todas as interrogações era um mergulho no livro e uma
cabeça que se levantava com uma resposta ao lado. Para
acabar com o manejo o Mons. pergunta ao aluno: – Sabe
o que tem de comum uma galinha e um aluno que não
estuda as suas lições? – Mmm... – Os dois aplicam a palavra
do Salmo: De torrente in via bibet, propterea exaltabit caput.
Consulta feita: último versículo do Salmo 109.18
Na sua gramática inglesa o Monsenhor Lourenço alternava
regras em português e regras em inglês. As primeiras
destinadas aos alunos do primeiro ano de inglês eram ditas
as regras para os “menores de 18 anos” (alusão à
proibição de certos filmes aos menores de 18 anos). No
segundo ano era abolida essa proibição; daqui em diante
tínhamos acesso às regras em inglês como quem pode ver
todos os filmes graúdos...
Beberá da torrente no recto caminho, / por isso conservará erguida a
cabeça. (Segundo a versão traduzida do original e dirigida pelo Pontifício
Instituto Bíblico, de Roma, edição das Edições Paulinas, São Paulo,
1967). Na novela Vitória uma estória parecida vem assim contada: “Era
bondoso o Cónego Clímaco, mas não permitia o livro aberto, para o
aluno se não transformar em galinha: De torrente in via bibet, propterea
exaltabit caput. (P. 171) Obviamente que muitas das estórias que o
Monsenhor Lourenço contava inseriam-se numa tradição que ele
próprio alimentava recriando-a com adaptações.
19 E-mail de 9 de Dezembro de 2008. Em e-mail posterior, o José Luís
acrescentava esta estória: “O Mons. tinha um quarto no corredor dos
professores que ele nunca fechava à chave. Para mais ele não dormia
nesse quarto, preferindo a sua casa nas Cinco Ribeiras. O Piques, (mais
tarde Dr.) na hora de estudo da manhã e após uma chamada, quis saber
a nota que tinha tido e nada era mais fácil do que entrar no quarto e
consultar a caderneta das notas. Sem mais cerimónias, abre a porta e...
defronta-se com o Mons. Lourenço que, excepcionalmente, tinha
dormido no Seminário. “Monsenhor, vinha aqui para me confessar!”
disse todo atrapalhado. O Virgínio (meu primo), que seguia de longe a
cena, quis pregar uma partida ao Piques. Abre por sua vez a porta e diz:
“Oh Piques. despacha-te que o Monsenhor está a chegar...” Vira-se o
Monsenhor: “Monsenhor só há um e para confissão é um de cada vez.
Espere um momento”. Falámos desta brincadeira (eu, o Rego e o
Piques e este riu-se muito) na última vez que na Ribeira Grande vi o
Piques, já doente mas ainda lúcido. Guardo desse encontro uma
lembrança luminosa.” (E-mail de 1 de Janeiro de 2009).
[29]
Até pensei ir à Terceira também para assistir as essas homenagens. Ainda não sei se vou. Vamos ver.16
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panhar n’ A União quando ele foi nomeado director. Achei
que me devia solidarizar com o dr. Cunha de Oliveira e,
pese embora o pendor humanístico e honesto do Monsenhor, a abertura a outros ventos não se compadecia.
Apesar disso, sempre tivemos excelentes relações, como
professor, como colega (?), grande companheiro de
bridge, de humor fino e inteligente, de inúmeras histórias
dos orientes. […] Julgo que também é dele a dos “quatro
reis de Israel, que eram três, Esaú e Jacob”. E aquela
belíssima em latim, que procurei ontem nos meus papéis
e não encontrei, referente aos cónegos, e que ele contava
mesmo depois de ter sido nomeado tal, que deves
conhecer e que acaba por afirmar, uma vez que basta um
cónego para constituir um Cabido, que “quanto menor é
o número, maior é a besta”. Tem piada é em latim.20
Do Urbano Bettencourt, poeta e professor na Universidade
dos Açores, chegou-me o seguinte:
[30]
[… o teu] contributo para o perfil de JMLourenço, uma
espécie de retrato em composição avulsa ou fragmentária,
que dá conta de um homem cujo mundo, aparentemente,
não era daquele reino sorumbático e pesadão do
Seminário. O teu elenco é bastante vasto, afinal tiveste-o
como professor em três disciplinas. Só o tive em Inglês,
para mais naquela idade idiota dos 13-15 anos, mas lendo
o teu texto lembrei-me de dois comentários dele. O
primeiro possivelmente terá ocorrido também contigo,
pois deves ter estudado Inglês pelo mesmo livro ...azul :
quando estudávamos o humor de Three men in a boat, de
Jerome K. Jerome, ele “dava-se ao trabalho” de traduzir
para português... o nome do autor, Jerónimo Kapa
Jerónimo, acrescentando logo: quem capa um capa dois.
Numa aula em que andávamos a contas com o “My
bonnie is over the ocean / My bonnie is over the sea”, um
dos meus colegas, já não sei qual, foi encarregado de ler
e talvez levado pela pronúncia de “ocean” foi no balanço
e, em vez de “over the sea”, leu “over the she”.
Comentário imediato de Monsenhor Lourenço: “Ora,
ora, em cima dela não!”
Tanto um como outro comentário eram coisas altamente
improváveis de serem ditas numa aula “eclesiástica”
naquela primeira metade dos anos 60. Mas acho que me
têm servido também de modelo para algumas “quebras”
inesperadas no ambiente das aulas.21
João Esaú Dinis, que foi Director da Escola Superior de
Tecnologia de Saúde de Lisboa, acrescentou esta estória:
Dele retive o caso de, no Concílio de Mâcon, se ter
discutido, duvidado ou, pior, afirmado que as mulheres
não teriam alma. Face ao desconforto da história, lá foi [o
Monsenhor] explicando: “Pois, os padres da Igreja, num
intervalo das sessões, enquanto passeavam para trás e
para a frente, pelos corredores, terão comentado entre si
do seguinte modo: “Pela maneira como tentam o homem,
até parece que as mulheres não têm alma como nós”.
E com tal amenidade, parecia incólume a infalibilidade
conciliar.22
De Brampton, Canadá, o trota-mundos Eduardo San-Bento
Couto, depois de um e-mail apressado, enviou-me no dia seguinte um outro, comovente, em que acrescenta mais algumas
estórias pessoais, de diálogos tidos com o Monsenhor
Lourenço:
Ontem, a compreensão foi resultado de velocidade de
leitura; hoje, foi de meditação. Chorei sem querer, tal a
realidade presente dos ditos e situações. Embora tu e eu
não compartilhássemos da maioria das aulas com Mons.
Lourenço, revi-me em quase tudo o que testemunhaste.
Mas, porque penso que este é o tempo oportuno, ou
nunca o será, aqui vão alguns aspectos do Monsenhor, os
quais me tocaram e sobre os quais, como tu, ainda
reflicto frequentemente:
O seu pasmo perante a pluralidade e relatividade das
religiões.
20 E-mail de 6 de Dezembro de 2008.
21 E-mail de 5 de Dezembro de 2008.
22 E-mail de 4 de Dezembro de 2008.
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O VERBO E A VERVE DE
MONSENHOR
JOSÉ MACHADO
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AULAS QUE O VENTO
NÃO LEVOU
2. O seu entendimento profundo dos símbolos religiosos.
Repara nesta:
«Senhor Couto, o que é mais fácil de aceitar? Comer e
beber Deus ou lavar-me na urina de uma vaca? A última é
muito mais simples e menos horripilante».
3. O cuidado com que lidava com excepções. (Método
científico aplicado à pedagogia).
Como eu nunca senti que tivesse liberdade de ter notas
baixas, lá ia tentando também exceder-me no inglês.
Nota frequente do Mons. no papel dos ‘exercícios’: «17
valores. Tudo certo. Deves ter copiado.»
No princípio, eu ripostava; mas Mons. respondia-me:
«Não ligues a isso; 17 significa tudo certo; e se copiaste,
tanto melhor para ti».
Outros teriam aberto um inquérito...
Onésimo, desculpa-me o arrazoado. Mas és o culpado
porque me fizeste reviver coisas bonitas em fim de
ano.24
Vários outros e-mails me chegaram dos mais diversos pontos do
globo. Recordo, com receio de esquecer nomes, os de Manuel
Quaresma (professor na Catholic University of America,
Washington, DC25), Olegário Paz (que durante décadas
leccionou em Lisboa), António da Silva Cordeiro (antigo
professor no Seminário, há décadas residente em New Jersey,
EUA), Octávio Ribeiro de Medeiros (Vigário Episcopal e
professor na Universidade dos Açores), Gualter Dâmaso (da
Açortravel), José Gabriel Ávila26 (ex-RTP-Açores e bloguista),
todos em Ponta Delgada, e Afonso Carlos Rocha (Reims,
França)27. O jorgense José Manuel Melo (gerente bancário
aposentado, também em Ponta Delgada), evocou o seu “antigo
e sempre recordado professor”, acrescentando que numa festa
de S. Tomás de Aquino foi declamador de um poema de Mons.
Machado Lourenço – “’Ao Anjo das Escolas’ – escrito de pronto
para o acontecimento”28. De Toronto, o José Carlos Rodrigues,
advogado e antigo maestro do Orfeão Edmundo Oliveira, de
Ponta Delgada, fez também uma emocionada evocação de J.
Machado Lourenço num e-mail que por acidente perdi. De
Oakland, Califórnia, uma carta do Fr. Joe Ferreira refere:
23 Num subsequente e-mail, o Eduardo San-Bento acrescentava: “[…] eu
nunca entendi o significado real de «refeição nirvânica da última hora».
Mais tarde investiguei e cheguei à conclusão de que a expressão se
referia à refeição final durante a qual, no processo de reincarnação, uma
equipa multidisciplinar decide sobre a salvação final ou entrada no
nirvana. Fim do ciclo reincarnativo.” (E-mail de 28-12-2008).
24 E-mail de 27 de Dezembro de 2008.
25 Após a leitura da versão final deste texto, o Manuel Quaresma escreveu:
“Senti-me de novo transportado a um mundo que recordo com saudade. Esse mundo seria muito mais pobre sem a figura única do Mons.
Lourenço.” Refere depois a “personalidade inesquecível” dele, “que excedia os horizontes desse mundo. Ele era na verdade um homem universal. […] Então, como agora, são raros esses exemplos de abertura de
espírito.” (E-mail de 2 de Janeiro de 2009).
26 Cabe aqui nesta maré de evocações memorialistas, e até de confissões,
evocar a saudosa memória da mãe do José Gabriel, a Dª Olga Ávila. Nos
nossos anos de aprendizagem de inglês, ela alimentava-nos a preguiça
enviando pelo correio ao filho envelopes acuculados de traduções dos
textos do compêndio que usávamos e que o Zé acamaradamente
partilhava connosco. Nascida e educada em New Bedford,
Massachusetts, ainda estou a ver-lhe a caligrafia americana e a limpeza
daquelas páginas escritas sem hesitações. Foi um De torrente in via bibet
de que o Monsenhor nunca suspeitou. Mas anos mais tarde, ainda
mesmo em Angra, paguei a cabulice quando me apercebi da importância
do inglês (éramos todos francófilos) e comecei a estudar pelo livrinho da
Assimil cinco minutos de inglês todas as noites, antes de me deitar.
27 Também natural das Cinco Ribeiras, pretende incluir este texto num
dos seus blogues.
28 E-mail de 30 de Dezembro de 2008.
[31]
Visitei o Oriente pela primeira vez em 1972; ainda estava
bem viva em mim a experiência das vivências de Mons.
por aquelas paragens. E então percebi o significado da sua
luta romana monolítica perante o monolitismo hindu e
budista, e respectivo pragmatismo.
Assim me respondera Mons. com seu algo de sarcasmo
perante a minha procura gélida da veracidade:
«Senhor Couto, o baptismo não faz mal a ninguém do
mesmo modo como não faz mal o banho da vaca santa ou
a refeição nirvânica da última hora»23; respeitar as três
visões é um investimento seguro sem consequências
negativas».
Aquilo escandalizou-me, embora no fundo tivesse
gostado muito da resposta.
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a memória benquista do saudoso Mons. Lourenço, de
quem guardo as melhores recordações, sobretudo pelo
incentivo que me dispensou nas minhas inclinações
jornalísticas.
Um autêntico gentleman, bondoso e com um fino senso
de humor. Tive sempre por ele a mais profunda
admiração.29
Na sequência da longa conversa com o Heriberto Brasil, pedi-lhe que passasse à escrita as estórias que me contou. Fez o
favor de aceder ao meu pedido e, de um e-mail seu, seu extraio
as que se seguem:
[32]
Quando Monsenhor Lourenço chegava à sala de aula,
após a oração inicial (Hail Mary, full of grace…), ia-se
sentando vagarosamente. Era o momento esperado
ansiosamente pela turma porque, geralmente, saía estória
ou dito humorístico.
As estórias ou ditos que se se seguem foram contados
por ele no início de algumas aulas.
Certa vez, estavam Monsenhor Lourenço e o Sr. Cónego
Jeremias Simões a pescar no porto das Cinco Ribeiras.
Nisto, o Sr. Cónego Jeremias sente uma “ferrada” no
anzol e levanta o caniço com tanta violência que o
peixinho, que vinha mal preso, desprendeu-se e caiu ao
mar.
O Sr. Cónego Jeremias, entre o entusiasmo e a frustração,
volta-se para o Monsenhor Lourenço e exclama:
– Viu! Viu!
Ao que o Monsenhor respondeu:
– Vi, vi, o seu caniço vir sem nada para cima!
O Cónego Jeremias não achou piada nenhuma, enquanto
o Monsenhor se fartava de rir.
Depois que o Senhor Padre Roberto, pároco de Santa
Bárbara, herdou (de forma considerada um tanto ou
quanto manhosa) os bens do Senhor Padre Joaquim,
pároco de São Bartolomeu – caso que estava sendo
muito comentado – Monsenhor Lourenço despeja esta,
com um sorrisinho de malícia:
– Ora, ora. O Pe. Roberto herdou o Pe. Joaquim. Mas a
mim na’m’herda [nada]!
Certo dia, após o momento de humor inicial, levámos
muito tempo para serenar e estávamos a pisar o risco.
Logo o Monsenhor Lourenço admoestou:
– Ora, ora. Eu gosto de contar estas coisas para criar um
ambiente alegre. Mas depois quero toda a gente em
silêncio e com atenção. Porque eu já tenho dito que dou
um nove a rir, um oito a rir muito e um sete a chorar de
rir.
Numa certa aula, dissertando sobre o comportamento
que devíamos ter quando fôssemos padres, afirmou:
– Sim, porque havia um indivíduo que costumava dizer:
“Há uma classe de pessoas que só merece pancadas. É a
classe que usa saias – mulheres e padres”.
E acrescentou:
– E olhem que tinha certa razão!
Uma das estórias que contou, do seu inesquecível
Oriente, foi esta:
Eu fui acompanhar o Dom José da Costa Nunes, como
secretário dele, numa das suas visitas a uma diocese
sufragânea de Goa. Como estava um calor insuportável, o
Dom José não levava calças por debaixo da batina. Íamos
numa carroça. De repente, o cavalo dá uma guinada e o
Dom José cai de costas, no fundo da carroça, ficando a
espernear, sem calças.
E ria muito, recordando o ridículo da situação.30
O Padre Cipriano Franco lembrava-se de uma narrativa que o
Monsenhor fizera do naufrágio de um barco em que viajava. A
grande maioria dos passageiros saltou para a água, mas José
Machado Lourenço não. E justificava-se:
Se hei-de ir acabar na água, ela que venha ter comigo!
O Carlos Joaquim Fagundes, há décadas a leccionar no Norte
de Portugal (Parede), enviou-me um longo e-mail com estórias
adicionais, que alguma delas indesculpavelmente eu omitira. Ele
escreve:
Recordo-me praticamente de tudo o que referes na tua
alocução, excepto daquele do D. Pedro V, em que sou
29 Carta de 13 de Dezembro de 2008.
30 E-mail de 29 de Dezembro de 2008.
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NÃO LEVOU
oportunidade, com voz indecisa como quem não sabia
ler: – “… mascando… mascaaaaannnnnndo… Ah! Mas
quando….” (e continuou serenamente a leitura).
Certo dia saiu-se com esta: – O sacristão da minha
freguesia tem ideias muito avançadas sobre a Eucaristia.”
Alguém lhe perguntou “porquê” e o Monsenhor
respondeu: – Então não é que o outro dia eu ia celebrar
missa e tinha-se acabado o vinho. Eu perguntei-lhe: –
Então e agora? Como vai ser? Ao que ele respondeu: –
Não há problema. Vou ali ao botequim do Mendes e
trago-lhe um copo de bagaço.”
Era de facto uma simpatia e confesso que tive sempre
uma enorme admiração por ele, sobretudo pela sua
cultura e pelos seus dotes literários.32
No final da sessão no IAC, o Padre João de Brito Carmo, que
tem dedicado tanto do seu tempo ao estudo do folclore
terceirense, lembrou-me uma história que se tornara, aliás,
proverbial entre nós. Numa aula de inglês, o Monsenhor fazia
exercícios de retroversão com os alunos do seu curso. Pediu
então ao hoje Padre José Constância que traduzisse para inglês
a frase: Eu amo-o. O Constância avançou: I love… mas, titubeante, estacou. O Monsenhor insistiu no complemento directo: Eu amo-O! E o Constância: I love… you.
O Monsenhor: – A mim não que já estou muito velho!
No referido encontro em Ponta Delgada, o José Adriano Borges
Carvalho, advogado na Praia da Vitória, recordou uma que
31 Tenho uma versão diferente deste episódio e registo-o para
exemplificar como muitos dos factos aqui relatados serão naturalmente
recordados de forma diferente por outros colegas que os
testemunharam. Mas basta lembrar que os próprios Evangelhos nos dão
quatro versões dos factos: No final da Ave Maria, às vezes o Monsenhor
usava a jaculatória Seat of Wisdom (Sede da Sabedoria), em vez de
Mother of God. Um dia ele invocou Seat of Wisdom e respondemos
normalmente Pray for Us. Quando ele disse a seguir Sit down, please!, o
Gastão, que estava completamente distraído, disse bem alto: Pray for us!
A gargalhada foi geral. Não tinha incluído esta estória por não ser
propriamente uma do Monsenhor, mas da rapaziada.
32 E-mail de 2 de Janeiro de 2009.
[33]
protagonista. Lembro-me sim uma aula de História da
Igreja, em que ele abordou o papado de Alexandre VI. Eu
lera na Biblioteca (infelizmente ia lá poucas vezes, mas
para tal também não era motivado), algo sobre esse
período, e perguntei-lhe: – Monsenhor, não nos vai falar
do “Baile das Castanhas”? Ele sorriu muito
simpaticamente, como era seu hábito e respondeu: –
Bem, isso fica para a aula de Ballet. – e continuou a lição.
Entre os célebres silogismos dele, lembro-me de um
outro que não referes: “A água mata a sede; o peixe
salgado tem água, logo… o peixe salgado mata a sede.”
Era também muito frequente nele, perante qualquer
postulado não aceitável, a expressão “ou isto ou aquilo é
assim ou então a lógica é uma batata”. Frequentemente,
perante uma negativa que alguém tinha ou por outra
qualquer contrariedade que lhe era referida, ele tentava
acalmar o sofredor com este dito: – “A meu pai nunca
morreu nenhuma vaca. Ele não as tinha.”
Uma questão de “alta metafísica”, que ele levantava
muitas vezes, era a do “ovo”: – “Uma galinha põe um
ovo no Pico. O ovo vem para a Terceira onde nasce o
pinto. Donde é natural o pinto? Do Pico ou da Terceira?
Creio que se referia a isto porque ele próprio ou alguém
da família dele fora concebido no Pico e nascera na
Terceira.
Deves recordar-te de um outro episódio muito
interessante. Antes da aula começar, ficávamos todos em
pé. Ele rezava, em Inglês, a Ave Maria e nós, em coro,
retorquíamos com a Santa Maria, também em Inglês. No
fim ele dizia: Mother of God. Nós respondíamos: – Pray for
us. Só então o Monsenhor dizia: Sit down, please! e nós
sentávamo-nos de imediato. Certo dia, o Monsenhor
esqueceu-se da invocação à Mãe de Deus e, a seguir à
Ave-Maria, disse Sit down, please! Todos nós permanecemos em silêncio, excepto o José Maria Bettencourt,
que estava distraído e muito convicto, retorquiu: – Pray
for us. – Amen. – respondeu Monsenhor com uma
tranquilidade e uma simpatia desusadas.31
Também me lembro que contava muitas histórias do padre Himalaia, das suas experiências e invenções. Numa
outra aula alguém estava a mascar chiclet. O Monsenhor
muito sério e sempre a olhar para o livro assim que teve
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também se tornou famosa. Era comum o Monsenhor pedir que
enunciássemos os verbos, sobretudo os irregulares: – To be? –
To be – was - been. – To do? – To do – did – done. – To go? – To
go – went – gone. – To set? – To set – set – set. De uma vez,
voltou-se para um aluno e pediu-lhe a enunciação do verbo to
put. O aluno, reflectindo a nossa dificuldade em pronunciar o u
suave, exagerou e pronunciou algo como To pât – pât –pât.
O Monsenhor corrigiu: – Não tenha medo de dizer put, que
em inglês não quer dizer nada!
[34]
O José Francisco Costa, professor no Bristol Community
College, em Fall River, onde dirige o LusoCentro, recordou a
hilariante cena do Monsenhor Lourenço numa aula em que lhe
vimos sair fumo do peito. Tinha posto na algibeira do casaco o
cachimbo, seu companheiro habitual, mas sem estar completamente apagado. O José Costa fez entretanto acompanhar a
evocação desse divertido episódio de um poema que aproveitarei para fechar este memorial como mandam as regras – isto
é, com chave de ouro –, se bem que naturalmente ainda
muitas outras lembranças e estórias vão surgir à medida que
esta homenagem for chegando ao conhecimento de outros
antigos alunos33. Eis então o poema:
Naquele meu tempo, “Monsenhor”
só rimava com “Lourenço”.
Sábio. Terno. Avô universal,
a mim em tanto tão igual
que até fumava de um cachimbo que,um dia,
em plena aula, se reacendeu por dentro
do casaco…
E ficou-me, indelével imagem,
um rosto de serenidade,
perfil de natureza humilde,
olhar inclinado entre a terra e o céu.
Sem pressa para viver mais,
ou acabar os dias mais cedo.
Monsenhor Lourenço, mestre
de quem aprendi a maior lição:
saborear a memória dos que me ensinam
a vida.
(Em “Matinas”, depois de ler as “Laudes” do Onésimo).34
33 Peço, por isso, aos antigos alunos e colegas do Monsenhor Lourenço
que queiram colaborar acrescentando depoimentos e estórias o favor
de o fazerem contactando o autor ([email protected]), de modo a
que elas possam ser incorporadas numa futura reedição deste texto.
34 E-mail de 6 de Dezembro de 2008.
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ESTUDOS E CRIAÇÃO ARTÍSTICA
PEDRO MADEIRA PINTO
Início II, 2008
técnica mista sobre papel
medida 40x50 cm
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Fabiano Teixeira dos Santos
A ARQUITETURA
DOS IMPÉRIOS
DO ESPÍRITO SANTO
NO BRASIL
MERIDIONAL:
UMA CONTRIBUIÇÃO
*
AÇORIANA
1. INTRODUÇÃO
A Festa do Divino Espírito Santo é,
nos estados do Rio Grande do Sul e
Santa Catarina, a celebração religiosa
mais representativa da contribuição
dos colonizadores açorianos à sua
formação histórico-cultural,
quer pelo significado que ainda possui na
maioria das comunidades onde se realiza,
quer pelas suas semelhanças
com as festividades realizadas nas ilhas
do arquipélago português, onde, assumindo
um caráter fortemente popular,
é um dos mais importantes eventos
do calendário.
* Tema apresentado como comunicação na 5ª Semana de Estudos Açorianos
da Universidade Federal de Santa Catarina (Florianópolis, novembro/2004),
no II Congresso Internacional sobre as Festas do Espírito Santo (Porto
Alegre, outubro/2006), e no III Congresso Internacional sobre as Festas do
Espírito Santo (Angra do Heroísmo, maio/2008).
[37]
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Instituído pela rainha Isabel de Aragão ainda na Idade Média, o
culto ao Espírito Santo desenvolveu-se consideravelmente nos
Açores, chegando do Continente com os primeiros povoadores, ainda no século XV, e transformando-se na mais importante festa religiosa, que através de irmandades, acontece em
praticamente todos os aglomerados populacionais, fortalecendo, muito além da religiosidade, os laços comunitários. A
antropóloga Helena Ormonde, ao abordar a ocorrência da
Festa do Espírito Santo na ilha Terceira, afirma que “Com algumas variações, este cerimonial ocorre ciclicamente em toda a
ilha, reforçando deste modo, em associação ao sagrado, posições sociais, sentidos e sentimentos de comunidade”1.
Desconsiderando características particulares que assume em
cada lugar, a Festa do Divino consiste fundamentalmente num
ciclo de atividades que se inicia após a Páscoa, seguindo o
calendário litúrgico da Igreja Católica e culminando no
Domingo de Pentecostes, data em que se celebra a descida do
Espírito Santo sobre os apóstolos.
[38]
Antecedem à festa novenas, tríduos e a passagem da Bandeira
do Divino, quando um grupo de foliões portando as insígnias
visita as casas da comunidade a fim de arrecadar donativos para
sua realização. Os três dias da festa ocorrem de sexta-feira a
domingo e incluem procissões, banquetes e a missa de coroação de um casal de “imperadores” eleitos pela irmandade, que
acompanhados de sua corte, conduzem o evento2.
Por estar sob o comando de um “imperador”, o conjunto de
ritos acaba sendo definido como “Império”, denominação que
por sua vez também é empregada para o edifício, em geral de
pequenas dimensões e semelhante a uma ermida, quase sempre localizado nas proximidades da igreja paroquial, que nos
dias da festa se torna o centro de todo o cerimonial em louvor
do Divino Espírito Santo.
Vista parcial da praça da antiga vila da Conceição do Arroio, atual cidade de
Osório, por volta de 1900. A presença do edifício do império do Espírito Santo
(à esquerda da foto), erguido na praça principal, junto à igreja matriz, evidencia,
apesar da singeleza arquitetônica, a importância que essas construções
possuíam no contexto urbano dos núcleos de origem açoriana do Sul do Brasil
(Fonte: Enciclopédia Rio-Grandense/Ed. Sulina, 1968).
para a veneração à coroa e ao cetro imperiais, objetos de grande significado espiritual para os devotos, que são aí depositados
pelo imperador, após sua coroação. Anexa ou nas imediações
localiza-se a despensa ou copeira, que serve como depósito e
local de preparo para os materiais e alimentos empregados nos
festejos3.
No Sul do Brasil, em boa parte das vilas e cidades em que ocorria desde o século XVIII, a Festa do Divino acabou sofrendo ao
longo do século XX uma gradual decadência e simplificação, inclusive com o abandono do uso dos impérios, dos quais restaram poucos exemplares.
Com o objetivo de identificar e analisar histórica e arquitetonicamente tanto as construções remanescentes como aquelas
cuja existência só se pôde averiguar através da escassa docu-
1 OS Impérios da Ilha Terceira. Angra do Heroísmo: BLU Edições, 2002, p. 3.
Essa construção, que nos exemplares mais primitivos apresenta-se sob a forma de um simples alpendre, mais conhecido
como “teatro” do Espírito Santo – por ser o local em que ocorre a “teatralização”, ou seja, a representação do imperador e
sua corte – constitui-se de sala de planta retangular ou quadrada, dotada por vezes de um altar e utilizada principalmente
2 JACHEMET, Célia Silva. “As festas do Espírito Santo em Portugal – Açores
e sua transmigração para o Brasil e Rio Grande do Sul”. In: BARROSO,
Vera Lucia Maciel (org.). Presença açoriana em Santo Antônio da Patrulha e
no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Edições EST, 1993.
3 MARTINS, Francisco Ernesto de Oliveira. Em louvor do Divino Espírito
Santo – Fotomemória. Maia: Região Antónoma dos Açores/Imprensa
Nacional/Casa da Moeda, 1983.
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DOS IMPÉRIOS
DO ESPÍRITO SANTO
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Propõem-se assim, a partir do resgate e da reunião de informações até então dispersas, proporcionar uma compreensão que,
ainda que sucinta, possa revelar a importância e a singularidade
dos impérios do Espírito Santo no quadro da arquitetura dos
antigos núcleos urbanos coloniais da porção meridional do território brasileiro.
2. OS IMPÉRIOS NOS AÇORES E SUA
INTRODUÇÃO NO SUL DO BRASIL
Nos Açores, os impérios devem remontar aos anos que se seguiram à ocupação do arquipélago, a partir do século XV, quando o
culto ao Espírito Santo evoluiu em relação ao Continente e
adquiriu características singulares, inclusive variando de ilha para
ilha e com os próprios impérios adotando particularidades4.
Nas ilhas de Santa Maria e São Miguel, especialmente na primeira, são ainda conhecidos em sua forma mais primitiva, a dos
“teatros”, ou “triatos” (esta segunda expressão costuma ser
aceite como corruptela da primeira ou uma referência à Santíssima Trindade)5. Acredita-se que sua origem formal e tipológica
seja proveniente dos alpendres frontais comuns em ermidas de
algumas regiões portuguesas, como Minho e Trás-os-Montes, e
que nas ilhas foram adaptados para a encenação do império do
Espírito Santo6. De planta quadrada, apresentam na maioria dos
casos telhado de quatro águas sustentado por pilares, lembrando claramente os alpendres dos quais teriam se originado.
No restante do arquipélago predominam os “impérios-capela”,
que como o nome sugere, são semelhantes a ermidas, de planta
retangular, cobertos por telhado de duas águas e tendo a fachada frontal encimada por frontão. Bastante singelos e de dimensões reduzidas, são o modelo mais difundido no Faial e no Pico.
Na Ilha Terceira, esta tipologia é bastante peculiar, apresentando
sempre três vãos frontais, que consistem numa porta central
ladeada por janelas, em geral elevada em relação ao nível da rua,
à qual se tem acesso por escada fixa em alvenaria, ou desmontável, em madeira. Numa tentativa de interpretação, esta característica poderia ter influenciado os impérios construídos no Rio
Grande do Sul, que em quase sua totalidade apresentavam três
vãos na fachada frontal, diferindo-se pelo fato de todas as
aberturas serem portas.
Os impérios da Terceira teriam evoluído de construções provisórias muito rudimentares, em madeira, montadas apenas para os
dias de festa, e que a partir do final do século XVIII começaram
a ser construídos em alvenaria de pedra. Conservando ao longo
do século seguinte um aspecto austero e simples, à semelhança
dos teatros, no começo do século XX, após sucessivas reconstruções devido aos terremotos, passaram a apresentar em suas
fachadas profusão de ornatos e pinturas, destacando-se em seus
vistosos frontões a coroa ou a pomba alusivas ao Espírito Santo7.
Pesquisas recentes, com destaque para o trabalho de Victor
Alves, vêm revelando que não apenas os sismos foram responsáveis pela evolução do aspecto fachadístico dos impérios. Nos
Açores, como também ocorreu no Sul do Brasil, a reação da
autoridade eclesiástica diante da dificuldade de aceitar o lado
julgado profano ou mesmo independente do culto ao Divino foi
responsável, entre outras mudanças e proibições8, pela transformação dos antigos teatros em impérios-capela, seguindo o
propósito de conferir-lhes o aspecto de templo católico.
4 ARQUITECTURA Popular dos Açores. Lisboa: Ordem dos Arquitectos,
1998.
5 ADAMS, Betina; ARAÚJO, Suzane Albers. “Notas para o estudo da
contribuição portuguesa na ocupação do território”. In: FARIAS, Vilson
Francisco de. De Portugal ao Sul do Brasil – 500 Anos – História, Cultura e
Turismo. Florianópolis: ed. Do autor, 2001, p. 693.
6 ALVES, Victor. “The “Theatros” of the Holy Spirit”. In: FUNK, Gabriela
(org.). Azorean popular culture today. Ponta Delgada: Universidade dos
Açores, 2003.
7 FERNANDES, José Manoel. Angra do Heroísmo. Lisboa: Editorial
Presença, 1989, p. 68.
8 MENDES, Hélder Manuel Fonseca. Do Espírito Santo à Trindade. Um
programa social de cristianismo inculturado – Extrato de tese apresentada
para a obtenção de grau de doutor. Salamanca: Universidade Pontifícia de
Salamanca, 2004.
[39]
mentação escrita e iconográfica, encontrada, sobretudo, na bibliografia referente às localidades e em acervos de fotografia
antiga e história eclesiástica, este trabalho lança um enfoque sobre a presença dos impérios do Espírito Santo nessa região e
sua intrínseca relação com a colonização açoriana.
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Por fim, há os “impérios-casa”, presentes nas ilhas das Flores e
do Corvo, e cuja denominação adotou-se pela forte semelhança que possuem com as habitações lineares comuns às vilas,
das quais diferem apenas pelo baixo-relevo pintado ao meio da
fachada, representando a coroa do Espírito Santo.
No século XVIII, a festa do Divino foi levada aos estados de
Santa Catarina e Rio Grande do Sul pelos colonizadores açorianos, aí instalados, atendendo ao propósito da Coroa Portuguesa de formar núcleos de povoamento, a fim de, estrategicamente, garantir o domínio sobre o território disputado com os
espanhóis9.
[40]
Por sua vez, os impérios passaram a integrar os festejos no momento em que os povoados se desenvolviam e as irmandades
se organizavam, construindo-os sempre próximos das igrejas
paroquiais, nas praças centrais, que consistiam no mais
importante espaço cívico das comunidades. Isso se deu a partir
da primeira metade do século XIX, embora confrarias como as
de Florianópolis10 e Santo Antônio da Patrulha11 já existissem
desde o século anterior (1773 e 1778, respectivamente).
Porém, no início do século XX, a Festa do Divino entrou em
decadência em boa parte dessas localidades, o que ocorreu principalmente, embora assunto pouco estudado, por influência de
clérigos de origem alemã e italiana contrários à devoção popular
ao Espírito Santo, na medida em que estes religiosos assumiam o
comando da estrutura eclesiástica. Partindo de um posicionamento adverso às manifestações católicas populares, percebiam os ritos e elementos profanos dos festejos como prejudiciais e mesmo contrários aos dogmas da Igreja, o que resultou, entre outras ações, na destituição das irmandades existentes
e na desativação ou demolição de quase todos os impérios.
Perderam-se com isso alguns dos melhores exemplares da tipologia construtiva que pode seguramente ser considerada uma
contribuição do açoriano à arquitetura das comunidades luso-brasileiras que ajudou a formar, já que as construções civis e
demais edifícios religiosos destes núcleos – igrejas e capelas –
estão muito mais vinculados à arquitetura portuguesa tradicional, aí adaptada como no restante do território brasileiro12.
localidades, a presença da cultura açoriana deixou como marca
significativa no contexto urbano os impérios:
“Naquelas edificações, localizadas em geral próximas das
igrejas matrizes, eram guardadas as coroas dos “imperadores”
das festas do Divino Espírito Santo, que dali saíam rumo às
igrejas para o culto solene”13.
Sobre a ocorrência dos impérios no Sul do Brasil como uma
arquitetura de origem açoriana e seu desaparecimento,
comenta o arquiteto Günter Weimer:
“Talvez a influência mais marcante tenha sido a da
documentação – muito rara, por sinal – dos assim chamados
impérios. Dizemos documentos históricos posto que os mesmos
foram desaparecendo no mais completo desleixo e descaso”14.
2.1 EM SANTA CATARINA
Em Santa Catarina, acredita-se que, como nos Açores, os atuais
impérios tenham substituído construções primitivas, rudimentares, já que foram erguidos durante o século XIX, enquanto é
sabido que as Festas do Espírito Santo acontecem desde a centúria anterior.
O império de Florianópolis, demolido no início do século XX
quando da reforma da Catedral de Nossa Senhora do Desterro,
9 SOUZA, Sara Regina Silveira de. “Açorianos em Santa Catarina: povoamento e herança cultural”. In: CADERNOS da Cultura Catarinense. Florianópolis: Edição da Fundação Catarinense de Cultura – FCC, Ano I, N.º 1,
outubro a dezembro de 1984, p. 7/9.
10 CLETISON, Joi. “Festas do Espírito Santo”. In: www.nea.ufsc.br/artigos.
11 BEMFICA, Coralia Ramos e outros (org.). Santo Antônio da Patrulha: reconhecendo a sua história. Porto Alegre: Edições EST, 2000, p. 404.
12 VEIGA, Eliane Veras da. “Mitos e Realidades das Arquiteturas Açoriana e
Colonial Catarinense”. In: REVISTA do Instituto Histórico e Geográfico de
Santa Catarina, 2001.
13 RHODEN, Luiz Fernando. Urbanismo no Rio Grande do Sul: origens e
evolução. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999.
14 WEIMER, Günter. “A arquitetura popular dos Açores e o Rio Grande do
Ao analisar o desenvolvimento das cidades de base açoriana no
Rio Grande do Sul, Luiz Fernando Rhoden afirma que nestas
Sul”. In: BEMFICA, Coralia Ramos e outros (org.). Santo Antônio da Patrulha: re-conhecendo sua história. Porto Alegre: Edições EST, 2000, p. 60.
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foi dos mais primitivos construídos em Santa Catarina. Indício de
sua antiguidade é o fato da atual rua Padre Miguelinho, que passa
pelo lado da catedral onde estava situado, ter sido denominada
desde tempos remotos como rua do Espírito Santo. Pesquisando a história das ruas centrais de Florianópolis, o professor
Oswaldo Rodrigues Cabral descreve:
“Ficava, assim, a Matriz flanqueada por duas ruas, a que
acabei de nomear (...) e a do Espírito Santo, (...) para a qual
dava o Império do Espírito Santo”15.
empregada em muitos impérios dos Açores, onde há uma
escada móvel em madeira, utilizada apenas durante a realização
da festa.
Os impérios semelhantes a capelas foram os mais difundidos,
sendo que as construções desta tipologia ainda existentes encontram-se, na Ilha de Santa Catarina, nas antigas freguesias da Trindade (atual bairro de Florianópolis), Ribeirão da Ilha, Rio Vermelho e na Praia do Campeche, e no Continente, em Garopaba.
Sua singularidade residia principalmente no fato de ter sido
construído como anexo da matriz, contíguo à parede lateral
direita da nave do templo, sendo limitado na parte de trás pela
capela de Nossa Senhora das Dores. Na fachada frontal,
apresentava curiosamente não uma ou três, mas duas portas de
acesso, com vergas em arco abatido, encimadas por frontão
triangular que exibia ao centro ornamento representando a
pomba do Divino. À sua frente, no adro da catedral, por
ocasião dos festejos do Espírito Santo, erguia-se a barraca onde
acontecia o concorrido leilão de “promessas”, pitorescamente
descrito por Virgílio Várzea em sua obra Santa Catarina – A Ilha,
publicada em 190016.
Desativado em 1909, foi demolido durante a grande reforma
por que passou a catedral em 1922, sendo a Irmandade do
Divino transferida para junto do Asilo de Órfãs, na Praça
Getúlio Vargas. Neste novo local a confraria ergueu ampla
capela dedicada a seu orago, porém já configurada como uma
igreja, sem vínculo com a tipologia arquitetônica dos impérios.
Em São José, o império, demolido por volta de 1920, situava-se
em meio ao casario de uma das laterais da praça central,
posicionando-se perpendicularmente em relação à igreja
matriz, que fica ao alto, num dos extremos da praça. Construção do século XIX, consistia num característico “teatro”, de
planta quadrada, complementada por pequeno anexo aos
fundos, cobertura de quatro águas e três portas de acesso na
fachada frontal. Uma coroa do Espírito Santo arrematava-lhe a
cumeeira do telhado. Como o terreno em que se situava possui
declividade, foi construído elevado em relação à rua, porém
sem escada permanente, o que leva a crer que nos dias festivos,
ocasião em que abria suas portas, adotava-se a mesma solução
O império de Florianópolis fora construído junto à parede lateral direita da
igreja matriz de Nossa Senhora do Desterro, tendo aos fundos a capela de
Nossa Senhora das Dores, conforme se observa neste cartão postal do início
do século XX (Coleção do autor).
O império da Trindade, hoje desativado, tendo sido adaptado
para uso da Universidade Federal de Santa Catarina, era palco
até o início do século XX de uma das mais importantes e populares festividades religiosas da capital catarinense, a Romaria
da Santíssima Trindade, hoje equivocadamente transformada na
“Festa da Laranja”. Tendo como cenário a pitoresca praça, a
15 CABRAL, Oswaldo Rodrigues. Nossa Senhora do Desterro – Notícia/1.
Florianópolis: Lunardelli, 1979, p. 138.
16 VÁRZEA, Virgílio. Santa Catarina – A Ilha. Florianópolis: Lunardelli, 1985,
2ª Edição, p. 70.
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Sequência de imagens da Festa do Divino do Ribeirão da Ilha, em Florianópolis,
registrando o momento em que o cortejo imperial, após a coroação, deixa a
igreja matriz de Nossa Senhora da Lapa e se dirige ao império para a veneração
das insígnias pelos devotos (Fotos do autor, 2007).
capela e o império da antiga freguesia de Trás do Morro, esta
romaria tinha como ponto culminante a coroação do Imperador e o cortejo à casa do Império, onde, conforme Virgílio
Várzea, “irrompia” o leilão de massas e frutas17.
Embora tenha sofrido algumas adaptações para sua nova utilidade, percebe-se, através da distribuição de suas aberturas e
divisórias internas, que a frente destinava-se às celebrações,
sendo outrora dotada de um altar, ficando a parte posterior reservada à despensa. Na fachada principal destaca-se a pomba
símbolo do Espírito Santo, posicionada ao centro do frontão
triangular que possui ainda uma cruz ao alto e pináculos nas
laterais. No topo do frontão, abaixo da cruz, existe a data 1911,
que deve indicar o ano em que a construção recebeu o aspecto
que conserva até hoje.
No Ribeirão da Ilha, o império, um dos maiores encontrados no
litoral catarinense, está implantado ao lado da igreja local, com
frente para a praça, e lamentavelmente já teve seu interior e
entorno descaracterizado por reformas e ampliações realizadas
nos últimos anos. Como o império da Trindade, encontra-se
elevado em relação à rua, tendo uma escada em alvenaria para
acesso da porta da fachada frontal. Esta é arrematada por frontão triangular, encimada por uma cruz e ornada por pináculos.
Em Garopaba, o império construído no século XIX e hoje
desativado está localizado em esquina junto à praça da igreja
17 VÁRZEA, op. cit. p. 68.
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matriz. A fachada frontal enquadrada por cunhais e encimada
por uma cruz apresenta sobre a porta interessante óculo de
formato triangular, possível alusão à Santíssima Trindade. Na
fachada lateral voltada para a rua, existem duas aberturas seguindo este mesmo desenho, que se repete no vão do lado
oposto. Neste lado, abre-se um pequeno pátio murado que
envolve um anexo com telhado de duas águas perpendicular à
construção principal, destinado à despensa.
Na Vila de São Miguel, atual município de Biguaçu, a presença
do já desaparecido “teatro” do Espírito Santo, construção singela com telhado de duas águas que ficava ao lado da matriz, foi
destacada por Maria Simas Siqueira, antiga moradora do lugar:
“No adro da igreja ficava a sineira, tinha dois sinos, um
pequeno e um grande. Entre a sineira e o sobrado situava-se a
casa dos padres. À direita da igreja, um pouco à frente, o
“teatro”, uma sala onde se realizavam as festas do Divino
Espírito Santo. Na frente do teatro havia um morro gramado
que era cortado por uma ruazinha conhecida como “Rua de
Cima (...)”18.
Registro da Festa do Divino da Lagoa da Conceição, em Florianópolis,
mostrando a entrada do cortejo imperial no edifício do império, após a missa de
coroação. Esta edificação trata-se do último exemplar da tipologia dos “teatros”
do Espírito Santo no Sul do Brasil (Foto do autor, 2007).
[43]
Dos primitivos “teatros”, há em Santa Catarina um último
exemplar localizado na Lagoa da Conceição, em Florianópolis,
e que embora não tenha sua data de origem conhecida, trata-se certamente de edifício bastante antigo. Voltado para a igreja
local, tem a frente enquadrada por cunhais e apresentando um
único vão que se estende por toda a fachada, com o acesso
centralizado, configurando-se como uma porta ladeada por janelas. Possui notadamente semelhança com o teatro de Almagreira, na ilha de Santa Maria.
O império de Santo Antônio de Lisboa foi construído no século
XIX e situava-se onde hoje se encontra uma capela mortuária,
próximo à igreja de Nossa Senhora das Necessidades. Em
1942, já em ruínas, acabou sendo demolido. Referência a seu
respeito é fornecida pelo bispo de Curitiba, Dom José de Camargo Barros, que em visita à localidade em 1895 registrou no
livro tombo da paróquia seu patrimônio eclesiástico, constituído pela igreja matriz, um terreno, a residência do pároco e um
“Teatro do Espírito Santo”23.
18 SIQUEIRA, Maria Simas. “Revivendo o São Miguel de outrora”. In:
Ainda são encontradas referências sobre os impérios nas freguesias de Canasvieiras e Santo Antônio de Lisboa, na Ilha de
Santa Catarina, e em Laguna, Jaguaruna19, Tubarão20, na Enseada do Brito (município de Palhoça) – demolido para dar
lugar ao atual salão paroquial21 – e em São Francisco do Sul.
Em 1900, Virgílio Várzea, ao reportar-se a Canasvieiras, sua freguesia natal, destaca entre os prédios do lugar, construídos em
pedra e cal e envidraçados, a “casa do Império destinada às festas do Espírito Santo” 22. Não foram encontradas maiores informações sobre sua origem e desaparecimento, nem localizada imagem que permitisse uma descrição mais precisa.
COUTINHO, Ana Lúcia (org.). São Miguel da “Terra Firme”: 250 Anos
1747 – 1997. Biguaçu: EDEME, 1997, p. 152.
19 NUNES, Lélia Pereira da Silva. Caminhos do Divino – Um olhar sobre a
Festa do Espírito Santo em Santa Catarina. Florianópolis: Insular, 2007, p.
59. Fotografia da Festa do Espírito Santo em Jaguaruna no ano de 1900,
acervo de Antônio Reinaldo e Gentil Reinaldo – Foto Regina.
20 FREITAS JÚNIOR, José. Conheça Tubarão – documentário histórico e
outros fatos 1605-1972. Tubarão: Edição do autor, 1972, p. 241.
21 NUNES, op. cit. p. 81.
22 VÁRZEA, op. cit. p. 102.
23 SOARES, Iaponan (org.). Santo Antônio de Lisboa – vida e memória.
Florianópolis: Fundação Franklin Cascaes, 1993, p. 104.
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Sobre o império de São Francisco do Sul, desaparecido por volta de 1930, se localizava em meio às casas da atual praça Getúlio Vargas, alinhado com os telhados das construções que o
delimitavam lateralmente. Analisando-o em antigas fotografias,
nota-se uma analogia com os impérios da Ilha Terceira, uma vez
que sua fachada era composta por três vãos de arcos ogivais,
consistindo numa porta central ladeada por janelas e sendo
arrematada por platibanda.
Semelhante a uma pequena
capela, o império de
Garopaba aparece nesta
fotografia da década de
1950, estando voltado para a
igreja matriz de São Joaquim
(Fonte: Prefeitura Municipal
de Garopaba).
Flagrante da Festa do Divino
em Laguna no início do
século XX, vendo-se à
direita uma multidão de fiéis
em frente ao imponente
edifício do império (Fonte:
Prefeitura Municipal de
Laguna).
[44]
Em Laguna, os festejos do Espírito Santo ocorriam já no século
XVIII, sendo que a irmandade do Divino local passou a atuar a
partir de 1815, ano em que teve aprovado e confirmado seu
compromisso, quando da visita a Santa Catarina do Bispo do
Rio de Janeiro, Dom José Caetano da Silva Coutinho24. Quanto
ao império, fotografia do início do século XX flagra uma
multidão de fiéis junto à imponente construção que abria suas
três grandes portas frontais para o largo da igreja matriz (hoje
praça Vidal Ramos) e para a apropriadamente denominada “rua
do Império” (atual rua 15 de Novembro)25. A partir desta imagem, e considerando os demais edifícios congêneres encontrados no Estado, pode-se afirmar com segurança que foi este o
maior de sua tipologia que existiu em Santa Catarina. A fachada
frontal, elegantemente emoldurada por cunhais e cimalha, era
encimada por frontão triangular ornado por pináculos e apresentava, à semelhança do império de São José, platibanda, uma
vez que o telhado possuía quatro águas. Saul Ulysséa dá informações a seu respeito:
“Ao lado direito da Matriz, um cemitério, cercado de táboas
sobre um alicerce de pouco menos de um metro de altura, que
ía até o edifício da Irmandade do Divino Espírito Santo,
denominado “Império”, de boa construção, onde é hoje a casa
paroquial”26.
2.2 NO RIO GRANDE DO SUL
Analisando as semelhanças e particularidades dos impérios que
existiram no Rio Grande do Sul com as construções encontradas nos Açores, é provável que tenha ocorrido o que pode
ser entendido não apenas como uma adaptação, mas evolução,
dado o fato de suas dimensões serem em geral muito maiores
que as dos exemplares existentes em Santa Catarina, onde a
exceção, conforme visto, era o império de Laguna.
O fato de apresentarem em sua maioria absoluta três vãos
frontais pode indicar uma herança direta dos teatros da Ilha
Terceira, cujos exemplares mais antigos, datados de fins do
século XVIII e meados do século XIX, muito se assemelham
aos do Rio Grande do Sul. No entanto, enquanto nos edifícios
terceirenses as três aberturas consistem em uma porta central
ladeada por janelas, nesses eram todas portas, sendo por vezes
a porta central maior, de forma a ressaltar, em composição com
o frontão triangular, o eixo de simetria da fachada.
Este modelo existiu pelo menos em Porto Alegre, Viamão,
Gravataí, Taquari, Cachoeira do Sul, São Jerônimo e Santa
Maria, cidades em que somente o registro fotográfico e alguns
poucos relatos salvaram do esquecimento a memória destas
construções. Com a demolição do império de Taquari, ocorrida há alguns anos, um último exemplar localiza-se em Triunfo,
na praça da igreja matriz. Tendo enfrentado anos de abandono
24 NUNES, op. cit. p. 49.
25 ULYSSÉA, Saul. A Laguna de 1880. 1943, p. 57.
26 ULYSSÉA, op. cit. p. 57.
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Em Porto Alegre, o primeiro império de que se tem notícia foi
inaugurado ao lado da matriz de Nossa Senhora da Madre de
Deus em 1821, mesmo ano em que foi organizada a Irmandade
do Espírito Santo. Provável precursor do modelo que acabou
se espalhando pelas demais vilas da província, o singelo edifício
aparece em fotografia de 1880, de frente, com suas três portas
de dimensões iguais e um óculo ao centro do frontão triangular.
Aí permaneceu até 1882, quando foi demolido para dar lugar a
uma nova construção, mais ampla e em estilo neo-gótico, cujo
principal elemento era a torre pontiaguda que se projetava ao
centro do telhado. Concluído em maio de 1883, por ocasião da
Festa do Divino, esse segundo império tornou-se peculiar por
suas características arquitetônicas, resultado do trabalho
conjunto do mestre-construtor Antônio do Canto e do
cenógrafo Orestes Coliva. O porte e a grande semelhança com
uma capela levaram o jornal “O Mercantil” a referir-se sobre
ele da seguinte forma:
“O templo está primorosamente acabado com gosto e solidez.
Já tivemos ocasião de dizer que a pintura é devida ao
inteligente cenógrafo Coliva que mais uma vez confirma sua
reputação de notável artista. A construção do templo foi
devida aos esforços do Dr. Domingos dos Santos que, a
despeito das dificuldades que os inimigos lhe opuseram, levou
a bom termo sua iniciativa” 27.
Sua demolição ocorreu juntamente com a da matriz, em 1923,
para dar lugar à atual catedral. Em 1932 foi inaugurada, na esquina das avenidas José Bonifácio com Osvaldo Aranha, a capela
do Espírito Santo, que, como no edifício congênere construído
em Florianópolis, já não possui relação com a tipologia dos
impérios.
Embora não se tenha podido descrever o edifício de Caçapava
em função da ausência de maiores informações, o de Viamão,
que estava situado ao lado da matriz de Nossa Senhora da
Conceição, foi registrado em algumas fotografias do início do
século XX. Elevado em relação à rua, tinha acesso através de
uma escada que se estendia ao longo das três portas de arcos
plenos da fachada principal, em composição que lembrava
muito o império de Faial da Terra, na ilha de São Miguel. Foi
demolido em 1928, após ruir devido a um vendaval29.
Na cidade de Gravataí, o império, também situado ao lado da
igreja, era muito semelhante ao edifício congênere pioneiro
que existiu junto à catedral de Porto Alegre e tão antigo quanto
este. Foi construído entre 1825 e 1830, quando mudou o nome
da atual avenida José Loureiro da Silva, à sua frente, de rua da
Ferraria para rua do Império, sendo derrubado por volta de
1930 para dar lugar ao colégio Dom Feliciano30.
Em alguns exemplares dotados de três portas frontais, as
dimensões eram tão avantajadas quanto de uma igreja.
Foi o caso do império de Cachoeira do Sul, certamente o maior
construído no Rio Grande do Sul, que recebeu destaque na narrativa de Luiz Alves Leite de Oliveira Bello. Este viajante, ao percorrer o interior do Rio Grande do Sul, assim o descreve em seu
Diário de Uma Viagem no Interior da Província de São Pedro em 1855:
“O império do Divino Espírito Santo, que está próximo da
Igreja, é um belo edifício no seu gênero, que depois de concluído
será o maior e melhor da Província”31.
27 DAMASCENO, Athos. Artes Plásticas no Rio Grande do Sul 1755 – 1900
(Contribuição para o estudo do processo cultural sul-rio-grandense). Porto
Alegre: Globo, 1971, p. 43.
28 SPALDING, Walter. A Epopéia Farroupilha (Pequena História da Grande
Revolução, acompanhada de farta documentação da época – 1835-1845).
Rio de janeiro: Biblioteca do Exército, 1963.
29 SANTOS, Adonis dos. Viamão. Porto Alegre: Gráfica Rogilma, s/d, p.
Primitivos também foram os impérios de Viamão, Caçapava do
Sul e Gravataí, sendo que os dois primeiros já apareciam em
plantas urbanas elaboradas durante da Revolução Farroupilha
(1835-1845)28.
30/91.
30 ROSA, Jorge. História de Gravataí. Gravataí: Prefeitura Municipal, 1987.
31 DAMASCENO, op. cit. p.47.
[45]
e sofrendo inclusive o desabamento de seu telhado, só não
corre mais o risco de também desaparecer porque oportunamente a comunidade local teve a iniciativa de viabilizar sua restauração, o que vem ocorrendo.
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A edificação, demolida em começos do século passado, possuía
um primoroso acabamento de sua fachada frontal, sendo encimada por frontão triangular que exibia pináculos e uma coroa
ao alto. Em cada uma das laterais, portas davam acesso às
despensas, ficando a fachada composta por cinco vãos ao todo.
Em Santa Maria, o império foi construído entre 1882 e 1883, na
esquina da rua dos Andradas com a avenida Rio Branco, onde
permaneceu até sua demolição, em 1937. Não fugindo à regra,
estava situado nas imediações da igreja paroquial, tendo inclusive abrigado os fiéis como matriz provisória, até a conclusão das
obras da catedral da cidade, em 190932. Suas três portas frontais com arcos ogivais provavelmente foram resultado do ecletismo experimentado pela arquitetura brasileira neste período,
e que, especialmente nesta região, sofreu influência de uma
estética de gosto neo-gótico introduzida pelo numeroso contingente de imigrantes alemães e italianos aí estabelecidos.
[46]
Os impérios de menores dimensões ocorreram na Freguesia
do Menino Deus, atual bairro de mesmo nome, em Porto Alegre, e na antiga vila da Conceição do Arroio, hoje cidade de
Osório. À semelhança dos impérios encontrados em Santa
Catarina, consistiam em edificação de planta retangular e cobertura de duas águas, tendo na fachada principal uma única
porta encimada por frontão triangular. No império do bairro
Menino Deus, fotografias antigas mostram aos fundos um pequeno pátio murado que deveria dar acesso à despensa, situada
na parte posterior do edifício.
Em Santo Antônio da Patrulha, onde a festa do Espírito Santo
ocorre desde 1778, o império estava localizado em meio ao
casario da antiga rua Direita, atual Borges de Medeiros33. Na
década de 1930, já em desuso, foi vendido pela paróquia,
estando atualmente completamente descaracterizado e
adaptado para comércio e moradia.
Construído ao lado da igreja matriz, originalmente em 1821, o império de Porto
Alegre foi substituído por uma segunda construção, de arquitetura neo-gótica, em
1883, como se vê neste cartão postal do início do século XX (Coleção do autor).
Na foto do início do século XX, o império de Taquari, com suas três portas
frontais, voltado para a praça central da cidade (Fonte: Monographia do Município
de Taquary, Octavio Augusto de Faria, 1912).
32 MARCHIORI, José Newton Cardoso; NOAL FILHO, Valter Antonio
(org.). Santa Maria – relatos e impressões de viagem. Santa Maria: Editora
da UFSM, 1997.
33 BEMFICA, op. cit. p. 282.
34 “RIO Pardo: Festa do Divino retoma a tradição açoriana”. Jornal Correio
do Povo, Porto Alegre, 08 de junho de 2003.
35 BUNSE, Heinrich A. W. Aspectos lingüístico-etnográficos do município de
Os impérios do Divino também existiram nas cidades de Rio
Pardo34, Mostardas, São José do Norte35, Santo Amaro (atual
município de General Câmara)36 e São Gabriel, sendo que
nesta última deu à pequena rua que fazia esquina com a praça
da matriz, onde estava situado, o nome de “Beco do
Império”37.
São José do Norte. Porto Alegre: Globo, 1959, p. 30/33.
36 RODRIGUES, Francisco Pereira. Uma página da história rio-grandense:
Santo Amaro – General Câmara. Porto Alegre: Martins Livreiro Editor,
1989, p. 53.
37 SILVA, Aristóteles Vaz de Carvalho e. São Gabriel na História. Porto
Alegre: CITAL, 1963, p. 65.
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A ARQUITETURA
DOS IMPÉRIOS
DO ESPÍRITO SANTO
NO BRASIL
MERIDIONAL:
UMA CONTRIBUIÇÃO AÇORIANA
No entanto, num primeiro momento, surpreende a constatação da ocorrência de um império do Espírito Santo em São
Francisco do Sul, cidade fundada ainda no século XVII, por vicentistas, e que está situada no extremo setentrional do litoral
de Santa Catarina, ou seja, fora da área conhecidamente abrangida pela colonização açoriana.
[47]
Mais interessante é constatar a existência de impérios na cidade
de Lages, no Planalto Serrano catarinense, conforme fotografia
pertencente ao acervo do Museu Thiago de Castro. Esta imagem registra momento da festa do Divino de 1890, vendo-se
em frente da casa do imperador, à antiga rua do Lajeadinho
(atual rua Coronel Córdova), um singelo império desmontável,
à semelhança do que ocorria primitivamente nos Açores, em
freguesias cujas irmandades não possuíam império fixo e sim
construções dotadas de estrutura de madeira e fechamento de
tecidos, de pequenas dimensões, que eram desmontadas assim
que os festejos encerravam.
O império de Viamão aparece nesta fotografia do início do século XX, ao lado
da igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição (Fonte: Prefeitura Municipal de
Viamão).
O império de Gravataí, erguido no início do século XIX – à direita da foto, por
volta de 1900 – foi contemporâneo do edifício congênere da cidade de Porto
Alegre, sendo ambos praticamente idênticos (Fonte: Paróquia Nossa Senhora
dos Anjos, Gravataí).
3. CONCLUSÕES
Não há dúvidas de que a tipologia construtiva dos impérios e
sua presença em vilas e cidades dos estados de Santa Catarina
e Rio Grande do Sul relaciona-se com a epopéia açoriana, sobretudo quando se considera a origem destas localidades.
Reportando-se à historiografia que trata da questão açoriana no
Sul do Brasil, é unânime a afirmação de que este contingente
populacional radicou-se na faixa litorânea que se estende entre
a Ilha de Santa Catarina e arredores e a Barra do Rio Grande,
fixando-se também ao longo do rio Jacuí, no Rio Grande do
Sul38 .
Aliás, importa ressaltar que a devoção ao Espírito Santo no
Planalto de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul foi bastante
popular até o início do século XX. Em recente visita que se realizou à casa-sede da centenária fazenda do Caraúno, no município de Bom Jesus (Rio Grande do Sul), foi encontrado o
“Diploma de aggregação à devoção do Divino Espírito Santo e
Nossa Senhora da Oliveira”, conferido pela paróquia de Vacaria
(Rio Grande do Sul) a Luiz Ignácio Dutra, abastado fazendeiro e
líder político da região, bisneto de açorianos da Ilha do Faial que
se estabeleceram em Santo Antônio da Patrulha no século
XVIII39. Já na capela da também muito antiga fazenda Cajuru, em
Lages (Santa Catarina), originalmente propriedade da família
Andrade, encontra-se uma bandeira do Divino de confecção
bastante remota. Ainda em Lages, é possível apreciar na catedral
da cidade um ostensório do Espírito Santo, peça em madeira
policromada de excepcional qualidade artística, presumivelmente de fins do século XVIII ou início do século XIX.
38 FORTES, João Borges Fortes. Os casais açorianos. Porto Alegre:
Martins Livreiro Editor, 1978 e PIAZZA, Walter Fernando. A epopéia
açórico-madeirense – 1747-1756. Florianópolis: Lunardelli, 1992.
39 OLIVEIRA, Sebastião Fonseca de. Aurorescer das sesmarias serranas –
História e Genealogia. Porto Alegre: EST, 1996, p. 143/146 .
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Na fotografia de 1890, flagrante
da Festa do Divino em Lages
(Santa Catarina), vendo-se, junto
à casa do imperador, a concentração de fiéis em torno do
singelo império montado em
madeira e tecidos (Coleção do
Museu Thiago de Castro, Lages).
Detalhe da fachada do império
da Trindade, em Florianópolis,
em cujo frontão se destaca a
figura da pomba do Espírito
Santo (Foto do autor, 2007).
[48]
As festas que se realizavam em Lages e Vacaria eram muito
concorridas, especialmente porque, acontecendo no início do
período invernal (maio/junho), coincidiam com a época em que
as fazendas de criação de gado – principal atividade econômica
da região – paralisavam suas atividades, fazendo com que as
famílias se dirigissem para suas casas nas vilas, onde permaneciam até a primavera. Era a Festa do Divino, desta forma,
o evento mais aguardado pela população, conforme descreveu
Otacílio Costa em 1938, relembrando o caso de Lages:
“E que entusiasmo e que alegria se irradiavam das
physionomias daquella gente boa, que fazia um grande empenho
em dar à Festa do ‘Divino’ todo o realce, à altura da sinceridade e da pureza e ardor da sua fé. E no dia em que a ‘Bandeira
do Divino’ saía à rua, a fazer coletas, ao som da banda do
“Justino” ou do “Gaspar” (...). E a música alegre e os rojões
alvissareiros espoucando nos ares e toda a gente em trajes
domingueiros (...).
E as novenas enchiam a velha matriz literalmente e à noite o
leilão corria com o maior entusiasmo” 40.
Os fatos citados demonstram que os açorianos que se fixaram
no Brasil Meridional difundiram seus costumes e características
culturais muito mais amplamente do que se costuma registrar.
Essa influência é verificada ainda em regiões como a Fronteira
e a Campanha, no Rio Grande do Sul, áreas que foram ocupadas, dentre outros contingentes lusos, por descendentes de
açorianos entre o final do século XVIII e a primeira metade do
século XIX, e que desta forma podem ser entendidas como
áreas de expansão da população pioneira.
Portanto, não se deve estranhar o fato de serem encontrados,
ao menos através de registros, dada a inexistência de remanescentes, impérios do Divino em cidades como Caçapava do Sul,
Santa Maria e São Gabriel, esta última já quase na fronteira com
o Uruguai. Em todos esses lugares, a ocorrência da Festa do
Espírito Santo e especialmente dos impérios, para além das
corriqueiras telhas recortadas em formato de pombinha a arrematar o cunhal das antigas moradias urbanas e rurais, aparecem
como indicadores dessa presença, atestando o relevante papel
do contingente ilhéu na formação do Sul do Brasil.
Torna-se necessário um aprofundamento da pesquisa, ampliando-se as reflexões e questionamentos a respeito dos impérios:
a contextualização de suas origens e a inserção nas comunidades meridionais brasileiras, a compreensão de suas características arquitetônicas formais e tipológicas, sua provável ocorrência em outras localidades da região, os determinantes sociais
e religiosos envolvidos na sua configuração e utilização, o
destaque que possuíam nas praças urbanas, os porquês de sua
evolução e decadência e, por fim, as formas que viabilizem a
valorização das construções remanescentes em suas comunidades, de forma a serem reapropriadas e preservadas.
40 COSTA, Licurgo. O Continente das Lagens: sua história e influência no
sertão da Terra Firme. V. 1. Florianópolis: FCC, 1982, p. 354.
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Jorge Lima Barreto
"PIANO DENTELLE"
concepção: Joana Vasconcelos/Jorge Lima Barreto
Neste breve texto vamos, fundados
numa teoria das ciências cognitivas da
“energia irrealizada”, procurar explicar
o que está por trás duma realização musical,
o que antecede a sua concretização,
o que potencia a consubstanciação
do acto criativo do improvisador.
Todos nós catarolámos mentalmentalmente uma melodia, até
repetidas vezes, numa espécie de autoencantamento com a
invenção, e depois, perdê-mo-la… podendo desaparecer da
nossa vida, ou como que espontânea e miraculosamente reaparecer numa ocasião futura, por acaso ou deliberada por
lúdico esforço para a recuperar.
Essa melodia, que nos serve de paradigma, é uma forma de
energia sonora, não explícita, voz interior, irrealizada exteriormente como substância sonora; podendo ser audível por nós
mesmos… trata-se de um fenómeno de energia musical irrealizada; o nosso exemplo do sintagma cantabile, tem paralelo em
ENERGIA MUSICAL
IRREALIZADA
ideias musicográficas, partituras jamais escritas, imaginário poético sem efectivação literária e artística e, podemos estender a
congeminação a todos os gastos de energia criativa musical do
irrealizado (composição e execução improvisatória; distinguindo-se esta do fenómeno da interpretação que realiza sonoramente uma matéria escrita ou fixada pelo compositor; tendo
em conta que Arte não é Ciência e que no acto de compor está
a invenção, o imprevisto, o imaginário, a inspiração, a emocionalidade, e outros factores indeterminados exteriores ao pensamento algorítmico (algoritmo: em matemática, sequência não
ambígua de instruções, constitui o conjunto de processos e
símbolos que os representam para efectuar um cálculo).
Atitude conceptual radicalista, a teoria da “energia musical
irrealizada” aborda um investimento puramente mental da
memória e da vontade – entidade inaudível – aspecto musical
secreto, não expresso, desejo do insubstancial, força
parapsíquica que não gera matéria, conceito antecipatório
abandonado, formulação virtual como num sonho; nesta
perspectiva a improvisação musical é uma força viva que induz
um potencial de acção e mantem, num estado momentâneo
do corpo, os seus estados ulteriores, neste sentido na improvisação importa mais o seu lado conceptual.
Para o platonismo a essência da Música estaria nela própria, a
Música precederia a criação musical como nas forças imateriais
ou mónadas de Leibnitz.
[49]
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Procuremos, em traços vagos, definir o trinómio: energia, música e irrealização.
Em Física, a energia é a capacidade de criar trabalho, pode ser
potencial, cinética, eléctrica, entre outras formas… na Física
quântica considera-se a energia do ponto zero – o estado
original é o irrealizado e o devir, como na improvisação musical,
é a nova articulação dos momentos irrealizados do Passado.
A Música, na sua vontade estética espontânea, cumpre a teoria
da “energia irrealizada” do taoísmo; o mestre indiano Sri
Aurobindo considerava a força universal da Música como a
energia mental do espírito irrealizado; a obra nihilista 0’00’’ (de
John Cage, 1962, inspirada no pensamento zen), as longas
pausas, o som inexpresso na performance musical do teatro
nipónico kabuki, e.a., fundam-se no princípio da “energia irrealizada”.
[50]
O vórtice da energia são os desejos irrelizados do caminhante,
sem rumo definido, que a cada passo se deixa levar para
qualquer intinerário-destino de horizontes virtuais…
No misterioso Livro de Urantia, nome dado ao nosso Planeta
e ao primeiro humano que se adivinhou a si mesmo, a Música,
entendida como vida, evoluiu da vasta diversificação da energia-matéria ao reino do irrealizado.
O trabalho criativo musical consome uma espantosa energia
irrealizada.
A Música é energia sonora combinada em relações temporais
e espaciais, sucessão de sons e silêncios; manifesta os afectos
da alma através dos sons, é troca de signos, logo fenómeno
semiótico que inspira a acção instrumental ou a voz ritualizada.
De Pitágoras, filósofo que terá descoberto um princípio da
energia da vibração dos sinos, a perturbação da quietude original é perpetrada pelo gesto do músico; a Kuthumi, que nas
montanhas da Caxemira guardadava o Templo da Sabedoria,
como professor universal, e considerava a Música a sua tarefa
primeira para o estudo da potência mental.
Na improvisação, que é uma forma de vida, despontamos do
sono; como no mito védico... onde o amor finito escondido
nesta vida se redescobre... é o mesmo desejo inconsciente
referido por Italo Calvino, uma forma esquizo de alguém
superar a sua própria tragédia...
O mundo musical, na sua amplitude afectiva, é o que resta do
amor acabado, da melodia encantatória que habita as grutas da
invenção silenciosa, é o eco de angústia do irrealizado, a
memória dessa paixão...
Para a Escola de Praga, à qual pertenceu Roman Jakobson, na
Música o importante não são os sons realizados mas antes
como eles são intencionados. A Música seria irradiação de sons
ideoplásticos, plasmada pelo espírito, a projecção de formas
puramente mentais.
O pensamento constrói, cria, mesmo que não concretize ou
realize: engendra o gesto-tecla/corda/pele/metal, pleno-vazio,
profundidade-superfície, inércia psíquica, acto desperdiçado
no ensaio pela sua formulação em tentativas e erros, evasão de
conjecturas como na futurologia do tarot, latência obscura da
experimentação ou replicação biopolítica na filosofia de Michel
Foucault.
A Irrealização é o não conhecido e o insuspeito, a não-actualização do feito real, sem conexões e expressões sonoras
discerníveis.
O irrealizado não é o irrealizável; se o irrealizável é a impossibilidade do ser, o irrealizado é o ser em potência, talvez uma
hipótese de vida, projecto inefável da metafísica.
Pela observação dos sonhos e na sua extenção na vida, preconiza-se o sentido cabalístico em que a energia é um potencial
irrealizado.
Segundo Acácio Piedade, no seu estudo sobre a música yé-pâmasa na Amazónia, Alto Rio Negro, a tradição é uma permanente improvisação alicerçada no imaginário irrealizado dos
sonhos por sonhar…
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A Música, como o sonho,
é feita de frequências energéticas que
são anseios irrealizados, processo
infinito de sistemas
que se esgotam, dissipam
ou desaparecem na entropia;
e se ordenam em sucessões
na neguentropia; desgaste e
regeneração – do inconsciente
ao subconsciente. A subconsciência é
um termo utilizado em Psicologia
para designar aquilo
que está situado abaixo do nível
da consciência ou que é inacessível à
mesma. Na Psicanálise,
o subconsciente é
uma “consciência passiva”,
capaz de tornar-se plenamente
consciente (ao contrário do
“inconsciente”, cujo conteúdo
só pode ser inferido indiretamente
através de técnicas
de interpretação).
"ZUL ZELUB"
Jorge Lima Barreto/
Jonas Runa
[51]
ENERGIA MUSICAL
IRREALIZADA
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Vasos comunicantes na rede telepática de sons que são átomos
de energia irrealizada. O lado conceptual da Música baseia-se na
teoria ideoplástica da Parapsicologia onde o pensamento
sobredetermina a matéria, a sugestão provoca um impulso, e a
telergia é a sua força material; espécie de precognição, conhecer
antes do acontecer ou, opostamente, rasgo de xenoglossia que
é a aparente compreensão dum idioma prévio e desconhecido.
O pensamento não é inconsciente, é criador, energia que
processa estímulos organo-sensoriais; de mim mesmo para
mim mesmo através do tempo; como assinala a Dromologia,
uma ciência da velocidade, proposta por Paul Virilio, o comportamento automático do improvisador é então apenas
veloz, não é inconsciente.
[52]
A improvisação musical é metaesquisofrenia (étimo da teoria
da ficção científica de Brian Aldiss) porque se ausenta num
enredo de fluxos patológicos; metanóia, quando a mudança de
ideia propõe acções eminentemente revogáveis.
Na função do orgasmo de Willem Reich, os desejos irrealizados são problemas económico-sexuais da energia biológica.
Shakti é energia criadora, traço de desejo irrealizado pela invenção premonitória (do músico).
Natum facere hoc – nascido para fazer isto, inscrição no código
genético do músico, o improvisador está entregue a uma
acção espontânea patológica; a espontaneidade parte da tabula
rasa, não é sinónimo de originalidade ou resposta à situação
circundante.
No “síndrome de Estocolmo”, o raptado entrega-se ao sequestrador, assim o músico fica cúmplice-apologeta do instrumento ou da voz; todavia, sendo improvisador não me conformo, submeto ou obedeço – sempre procuro alguma coisa,
uma energia que nunca acaba e é irrealizada.
Vivendo no desconhecido, à mercê da energia criadora e da
forma aberta; na sua postura estética, a improvisação é
possibilidade e performance (actuação corporal), é um estado
efémero e alusivo do irrealizado.
Delírio à deriva do corpo sem órgãos no teatro da crueldade
de Artaud.
A improvisação é trabalho, rito produtivo de passagem,
representação criativa do irrealizado; é energia que vive no
corpo, que é o lugar dos sonhos musicais irrealizados.
I have a musical dream…
"LUZ-MÚSICA"
António Palolo
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João Marques Carrilho
A filosofia de Henri Bergson é apresentada por Bertrand Russell
como altamente poética, e no entanto longínqua de qualquer
verdade verificável (História da Filosofia Ocidental). Para
Bergson, o universo é muito mais rico do que a forma como o
concebemos usualmente. O possível é muito mais vasto que o
real. A problemática de Bergson foi recentemente retomada
por Ilya Prigogine. Em La Nasciata del Tempo e Le fin des
certitudes, Prigogine argumenta que a questão do tempo foi
absolutamente ignorada pela ciência desde Newton e mais
ainda desde Einstein e que foram apenas a filosofia e as artes a
tomar interesse sério pelo assunto. Uma das ideias fundamentais é a de que o tempo não é redutível a equações matemáticas
e que está certamente presente na evolução das espécies e das
civilizações, na organização dos sons em música...
MÚSICA ELECTRÓNICA
DOCUMENTA
MÚSICA CONCRETA (Musique Concrète)
É necessário encontrar uma espécie de linguagem única,
a meio caminho entre o gesto e o pensamento.
(Antonin Artaud, Pour un théatre magique)
Ao invés da Poesia Concreta, que foi desde o início um
movimento internacional, a música concreta foi um fenómeno
completamente sediado na rádio de Paris sob a direcção de
Pierre Schaeffer (1948). As suas bases teóricas/estéticas
fundamentais são expostas no Traité de Objects Musicaux (1966),
Para Bergson, evolução não significa outra coisa senão
erupção da Novo, da Criatividade.
Estúdio Music Concrète
[53]
4.ECA.JoãoMCarrilho (pb)
4.ECA.JoãoMCarrilho (pb)
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da autoria de Schaeffer. Para o concretismo sonoro foi
fundamental a invenção do microfone (por exemplo o de
Thomas Edison em 1876), que foi explorado por inúmeros
poetas sonoros, como por exemplo Henri Chopin, ou pelas
recitações de John Cage. O microfone como instrumento musical foi utilizado pela primeira vez apenas em Mikrophonie I
1964-65, de Karlheinz Stockhausen.
Foi no entanto com Pierre Schaeffer que o concretismo assumiu uma dimensão estética fundamental no desenvolvimento
da música do século XX.
Os métodos composicionais desta nova música foram revolucionários e podem ser melhor apreciados seguindo as fases
internas de uma composição.
[54]
A música concreta parte do material (Schaeffer refere um
regresso às fontes acústicas). Após um primeiro contacto com o
material, que se encontra agora respeitante a qualquer som que
possa ser capturado por um microfone, não contando apenas
com instrumentos tradicionais, segue-se uma fase de intensa
experimentação, que significa sobretudo a trasformação do
material através de meios electrónicos. Finalmente a
composição consiste na selecção, organização e montagem do
material obtido. Este método é oposto ao tradicional que parte,
segundo Schaeffer, de uma qualquer concepção (que é necessariamente abstracta), passando da notação à interpretação por
parte de músicos. Para a música concreta, não há qualquer
necessidade de músicos uma vez que só pode ser ouvida através
de altifalantes. Toda e qualquer notação foi igualmente posta em
questão, e apesar da maioria dos compositores a ter abandonado completamente, alguns, como Stockhausen, iniciaram um
processo que se torna cada vez mais vital hoje em dia: a notação
musical do timbre. Apesar da oposição entre os métodos
tradicionais e concretos, Schaeffer aponta imediatamente para a
relação entre as duas abordagens: a imaginação de um
compositor que utiliza instrumentos tradicionais pode ser alargada enormemente pelo contacto com a música concreta e as
suas metodologias, enquanto que o estudo do som de instrumentos orquestrais pode levar o compositor de musica concreta a uma nova compreensão do fenómeno sonoro e musical.
Schaeffer clarifica que o Tratado dos Objectos Musicais lida
exclusivamente com o material (objectos), e não com a sua
organização em estruturas ou formas (trabalho que requeriria
a elaboração de um outro tratado). Mas o seu pensamento não
parte indefeso relativamente ao material. Revela, pelo
contrário, grande influência de Husserl e da fenomenologia em
geral. A própria noção de objecto (ponto de aplicação no
mundo físico) é oposta à de objectos idealizados, como
categorias abstractas, linguagens ou mesmo à música em si,
quando considerada independente da sua realização concreta.
A consciência que tenho do mundo objectivo implica a consciência de outro diferente de mim como sujeito. Um objecto
apresenta-se como o polo de identidade de experiências
particulares, e assim transcendente à identidade que ultrapassa
as experiências particulares (Husserl, Formal and Transcendental
Logic). Schaeffer dá grande ênfase à transcendência de um
objecto devido à atitude comum de declará-lo completamente
subjectivo. Note-se igualmente a sua vontade em unir mundo
exterior e mundo composicional, enquanto justificava uma
fusão entre som social e som musical.
A argumentação de Schaeffer foca-se sobretudo no fenómeno
auditivo, e partindo, entre outros, de binómios como
objectivo/subjectivo, abstracto/concreto, permanente/variável,
sonoro/musical, chega a quatro tipos fundamentais de escuta:
Écouter (escutar) significa a actividade que não podemos evitar,
uma imersão permanente no fenómeno acústico. Ouir (ouvir)
refere-se a uma participação mais activa relativamente ao som
por parte de que ouve. Entendre (entender, ou escuta direccional) significa que o auditor se foca em certas características
sonoras, ou seja, que sabe a priori aquilo em que se quer
concentrar enquanto ouve. Comprendre (compreender) é uma
combinação da escuta direccional com um desejo de “compreensão” da mensagem acústica.
Além dos quatro tipos de escuta, a música concreta serve-se de
três postulados fundamentais.
O primeiro é a primazia do ouvido. Qualquer limite ou evolução da nova música deve ligar-se à forma como captamos o
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MÚSICA ELECTRÓNICA
DOCUMENTA
som (através dos ouvidos). Preconiza assim inúmeras
investigações sobre a percepção auditiva e o funcionamento do
ouvido como um “microfone” complexo, tal como as recentes
perquisas sobre a cognição e interpretação do fenómeno
musical que ocorre no cérebro.
O segundo postulado é uma preferência pelas fontes acústicas,
às quais os nosssos ouvidos estão expostos desde que a humanidade surgiu e que condicionaram seguramente as nossas
formas de percepção.
No solfège de l’object sonore procede-se a uma escuta
sistemática e repetida de diferentes tipos de objectos. Em cada
repetição a nossa percepção é confrontada com novos
elementos que não teríamos notado até então. O objectivo não
é a simples repetição, mas uma compreensão cada vez maior
da estrutura interna do som em si. É esta experiência que nos
permite compreender qual o caminho a seguir na elaboração
das transformações com vista a uma composição musical.
As bases de uma nova problemática são claras: se todo e
qualquer som possui já uma uma estrutura interna, quais as
diferenças e relações entre essa estrutura e uma estrutura
musical que foi pensada composicionalmente?
Diversos compositores tiveram acesso ao estúdio de Schaeffer,
como Pierre Henry (seu colaborador mais próximo),
Stockhausen, Boulez, Parmegiani ou Luc Ferrari. Ferrari tivera já
contacto com Edgar Varèse, e tinha uma estética própria que
pode considerar-se diferente da pretendida por Schaeffer; por
exemplo, em Musique Promenade (1969) ou Presque Rien No.2
(1977) utiliza gravações não só de simples objectos musicais mas
de ambientes ou paisagens sonoras completas, antecedendo o
estudo da Ecologia Acústica introduzida no Canadá por Murray
Schafer. Desenvolvida por compositores como Chion ou Bayle,
a Música Acusmática (cuja fonte sonora é inidentificável) surge
como uma estética interior ao contexto da música concreta.
Stockhausen
MÚSICA ELECTRÓNICA (Elektronische Musik)
[55]
O terceiro implica a pesquisa de uma linguagem. Este é um dos
pontos mais incidentes da exposição de Schaeffer e significa a
criação de um novo solfejo.
Foram os estúdios radiofónicos que abriram as portas à música
electrónica. Pierre Schaeffer, além de compositor e teórico, era
técnico de rádio. A musique concrète desenvolveu-se em Paris a
partir do final dos anos quarenta, e foi seguida imediatamente
pela criação, em Colónia, do estúdio da WDR (pertencente à
rádio alemã ocidental) e mais tarde pelo Studio di Fonologia
Musicale (rádio italiana) em Milão (1954), da responsabilidade de
Luciano Berio e Bruno Maderna. O estúdio alemão foi fundado
pelo musicólogo Herbert Eimert em colaboração com Robert
Beyer (o engenheiro de som que trabalhava na rádio) no Outono de 1951. A estética associada a este estúdio era tão diferente
da francesa que para a compreender é necessário recuar até um
dos maiores pilares da história da música do século XX, Arnold
Schoenberg.
As motivações de Eimert fundavam-se absolutamente na
concepção dodecafónica de Schoenberg, que tinha colocado em
questão toda a hierarquização do sistema tonal procedendo à
democratização dos materiais musicais. Eimert, que tinha já
escrito um livro sobre a composição dodecafónica, pensava que
o meio electrónico seria o contexto indicado para o
desenvolvimento das ideias provenientes de Schoenberg (mais
indicado ainda que o meio instrumental).
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Messiaen provinha de um pensamento modal, de grande complexidade que o liga a Debussy, por exemplo. Messiaen desenvolveu todo um sistema de modos a que chamou Modos de
Transposição Limitada. Possivelmente estaria a utilizar uma
abordagem modal para o ritmo (ele próprio fala aliás da relação
entre ritmos não-retrogradáveis e os modos de transposição
limitada no seu importante livro: Technique de mon Language
Musical). A interpretação de Boulez e outros jovens compositores foi então diversa: Messiaen aplicava os princípios seriais
de Schoenberg a todos os parâmetros musicais, e assim nascia o
serialismo integral.
No domínio electrónico, um pensamento por parâmetros é
comum ainda nos dias de hoje, mas a sua ligação ao serialismo
integral é geralmente ignorada.
tinha já estudado,em Paris, com Meyer-Eppler. Stockhausen é
um caso extraordinário, pois tinha igualmente estudado com
Messiean e teria mesmo trabalhado no estúdio de Pierre
Schaeffer.
No entanto Stockhausen desejava compôr o som em si, e
Schaeffer, que aparentemente não via qualquer interesse nisso
(devido à sua dedicação total a fontes acústicas), dispensou
Stockhausen. Foi então que este jovem compositor se mudou
para Colónia, e por esta altura afirmava: para um trabalho X são
necessários apenas sons com carácter X, pois esses sons são o
resultado de um processo composicional.
Após uma análise detalhada de inumeros instrumentos do
Musée de L’Homme, Stockhausen procedeu à composição dos
seus próprios timbres, as primeiras experiências consistindo
sobretudo na adição de sons sinusoidais afinados a uma gama
de frequências pré-determinada (Studie I, 1953).
[56]
A fundação do estúdio de Colónia visava desenvolver os
procedimentos quer de Schoenberg, quer de Anton Webern
(no caso da sua aplicação do dodecafonismo à composição de
micro-estruturas). Um dos atractivos fundamentais era a possibilidade de compor o som em si mesmo, (ou seja a síntese do
som), e levou à criação do termo que caracterizou a estética
de estúdio de Colónia: Elektronische Musik, provavelmente
proposto por Robert Beyer. A ideia de compôr espectros
sonoros baseava-se nos príncipios de Fourier desenvolvidos
em acústica por Helmholtz: qualquer som pode ser
decomposto num conjunto de ondas sinusoidais. Através da
utilização de equipamento extremamente simples, como o
Melochord (inventado por Harold Bojé), produziam-se esses
sons sinusoidais, que era seguidamente gravados em banda
magnética. Existiam igualmente filtros, que permitiam
selecionar apenas uma parte do espectro de qualquer som
previamente gravado (removendo algumas ondas sinusoidais
do som original).
Outra propriedade do Espectralismo é a união da harmonia ao
timbre, que implica uma expansão das noções tradicionais de
consonância e dissonância.
Werner Meyer-Eppler trabalhara já vários anos (durante a
década de 1940) com o Melochord na universidade de Bona
antes de se juntar a Eimert e Beyer na criação do estúdio da
WDR. O seu conhecimento incluía acústica, fonética e teoria
da informação. Um dos mais importantes compositores a
trabalhar no estúdio de Colónia foi Karheinz Stockhausen, que
No entanto, ainda antes do aparecimento da música electrónica
a própria noção de altura (conceito dominante na música ocidental) tinha já sido aberta ao timbre, através da Música
Microtonal. Em La Loi de la Pansonorité, Wyschnegradsky sonhava
um continuum sonoro infinito, ou seja, um Espaço Pansónico
ilimitado relativamente ao detalhe (microinterválico) e fronteiras
Um dos problemas mais evidentes foi o de que os sons concretos possuem uma variação constante, enquanto que na Música
Electrónica se procede à criação de sons de natureza essencialmente estática. A síntese do timbre era sobretudo um procedimento vertical (por oposição ao contraponto, por exemplo,
que é horizontal). Essa abertura ao vertical (ou seja, à composição tímbrica) que provinha já de Edgar Varèse foi levada a
novas fronteiras com a chamada Música Espectral (de Grisey ou
Murail entre outros), em que a composição musical é estruturada com referência a espectros sonoros definidos (em geral
acústicos, como o de uma nota de violoncelo).
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MÚSICA ELECTRÓNICA
DOCUMENTA
É importante compreender que tal como um antigo gira-discos
permitia alterar a velocidade de reprodução de uma gravação,
as técnicas de estúdio permitiam realizar esta operação de
forma contínua, e isto tornou-se internacionalmente uma das
metodologias basilares de toda a música electrónica.
Como argumenta Stockhausen, se acelerarmos uma gravação
de uma sinfonia de Beethoven de tal forma que esta dure
somente um único segundo, obtemos um som com um timbre
característico, cuja estrutura interna foi composta por
Beethoven.
Da mesma forma poderíamos reproduzir um som captado por
microfone (com duração original de alguns segundos) de tal
forma que este teria agora a duração de uma hora, e obtemos
assim uma “música“ cuja forma é gerada pela estrutura interna
do som original. Stockhausen une assim todo o tempo musical,
da forma (longas durações), ao ritmo (durações médias) e ao
timbre (durações extremamente pequenas). Para a realização
dos sons electrónicos de Kontakte, vários ritmos foram gravados
em banda magnética, os quais consistiam apenas de impulsos
eléctricos. Esses impulsos, quando acelerados, deixam de ser
ouvidos como ritmo e passam a ser percepcionados como
timbre, cuja evolução era controlada detalhadamente através
dos ritmos que lhe deram origem. Este procedimento mostra
que a música electrónica permite mudar entre as diversas àreas
da percepção sonora.
Na composição Gesang der Jünglinge (1955-56), Stockhausen
faz coexistir abordagens da Musique Concrète e Elektronische
Musik, mostrando afinal que a Música não se submete a
qualquer metodologia particular.
Muitos outros compositores seminais trabalharam no estúdio
de Colónia, como Pousseur, Kagel ou Ligeti.
MÚSICA CIBERNÉTICA (Computer Music)
Na América do Norte surgiram experiências síncronas às dos
estúdios europeus, particularmente com Otto Leuning e
Ussachevsky que se deslocaram para investigar o que se passava
em Paris e em Colónia. Tinham já realizado uma apresentação
pública da sua música em banda magnética (designada Tape
Music por Ussachevsky) no Museum of Modern Art em Nova
Iorque (1952). Com essas experiências nascia o Columbia-Princeton Electronic Music Center.
Outros americanos foram seminais para a música electrónica,
como por exemplo Pauline Oliveros em Bye Bye Butterfly (anos
1960), ou Gordon Mumma, quer individualmente quer em
colaboração com John Cage e David Tudor. Mumma participou
igualmente no Sonic Arts Union, com outros compositores interessados no meio electrónico: a brain music de David Behrman
e Alvin Lucier entre outros.
Note-se igualmente que um movimento como o Minimalismo
esteve no início intimamente ligado às técnicas da Tape Music,
como no caso de It’s Gonna Rain (1965) ou Come Out (1966) de
Steve Reich. Outros como Terry Riley desenvolveram sistemas
electrónicos próprios que permitiam ao compositor a improvisação e transformação electrónica em tempo-real (no caso de
Riley um sistema de acumulação de diversos delays).
Uma das maiores contribuições americanas para o desenvolvimento da música electrónica foi um estudo aprofundado da
utilização musical do computador. Qualquer dos instrumentos
electrónicos de até então, por exemplo o Theremin (1920),
Trautonium (1928), Ondes Martenot (1928), Órgão Hammond
(1935).
Todos os procedimentos da geração de sons electrónicos são
denominados de síntese sonora. Até então utilizava-se o método
de adição de ondas sinusoidais já mencionado (Síntese Aditiva) ou
o método que utiliza filtros, e que parte geralmente de ruído
(Síntese Subtractiva).
O computador permitiu a generalização de todos esses métodos pois estamos perante um instrumento que é absolutamente
[57]
(agudas ou graves). A sensibilidade ao timbre é igualmente
visível no microtonalista Julián Carrillo, que se apercebeu
auditivamente de irregularidades nas fórmulas de Pitágoras para
o som das cordas.
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programável. Isso significa que a complexidade do seu comportamento depende da nossa imaginação, das regras pré-determinadas para um funcionamento adequado e dos limites de
velocidade de computação impostos pela máquina. O computador permite assim não só qualquer tipo de síntese sonora
imaginável como veio substituir todo o equipamento de estúdio,
realizando em segundos operações de montagem (por
exemplo), que demoravam meses a realizar nos estúdios analógicos (cortar e colar milimetricamente fita magnética)
dade. Desenvolveram-se igualmente sistemas capazes de lidar
simultaneamente com um grande número de parâmetros, um
avanço importante pois a ideia serial de que as variáveis musicais
são absolutamente independentes é hoje em dia uma ideia do
passado (utilização de técnicas provenientes da Inteligência
Artificial, por exemplo). A verdade é que todas as variáveis
interagem, como no caso das experiências em psicoacústica de
S. Stevens: quando fazemos variar o volume de um som, a nossa
percepção de altura é igualmente afectada.
Outra funcionalidade fundamental do computador foi introduzida sobretudo por Iannis Xenakis e Koenig: computador
como assistente à composição musical. Neste caso o computador lida simbolicamente com todos os parâmetros musicais
desejados (alturas, intensidades, instrumentação, etc...) que
serão submetidos a processos algorítmicos de complexidade
variável e eventualmente imprimidos para a realização de uma
partitura musical.
As primeiras experiências musicais com computadores focavam-se sobretudo na síntese sonora e tiveram lugar nos Laboratórios Bell em 1957. Edgar Varèse visitou esses laboratórios
entre 1959-60, e organizou audições públicas dessas primeiras
experiências auditivas. Uma das composições mais famosas
produzida nos laboriatórios Bell é a Suite Iliac (1957), que se
inicia com as regras do cantus firmus como as estipuladas por
Fux e foram previamente inseridas no programa de computador. Apesar do grande interesse por síntese, nesta obra o computador foi utilizado para gerar uma partitura musical para
quarteto de cordas.
Do serialismo integral tinha já sido desenvolvida a ideia de controlar todas as variáveis musicais individualmente. Na música
electrónica, isso significou um interesse acrescido pelo controlo
de parâmetros individuais.
Alguns desses parâmetros fundamentais num som electrónico
são o seu envelope temporal (a variação dinâmica de volume) e o
seu envelope espectral (variação dinâmica do timbre). Máximos
no envelope temporal significam sons de grande intensidade,
enquanto que zonas máximas no envelope espectral correspondem a certas ressonâncias características. Essas resonâncias
são denominadas formantes e são de grande importância no
estudo da voz humana. Recentemente a sua aplicação estendeu-se de forma espectacular ao estudo de instrumentos musicais.
Outra das possibilidades fulcrais do computador foi a controlo
rigoroso da automação. No domínio electrónico, cada parâmetro
(por exemplo a intensidade sonora), pode ser controlado quer
manual quer algoritmicamente e reproduzido e/ou alterado em
qualquer detalhe. Esse procedimento pode ser estendido a um
grande número de parâmetros, e essa é uma das metodologias
principais em música electrónica que mantém toda a actuali-
Em 1968, Max Mathews e John Pierce, nos Laboratórios Bell,
chegaram a um paradigma que viria a influenciar a maioria dos
procediementos posteriores de síntese sonora (Music V). Com
qualquer programa deste tipo, o compositor é confrontado com
dois aspectos essenciais. A composição electrónica é separada
nos aspectos ligados à síntese e outros ligados ao que pode ser
designado de “partitura”, que em nada se assemelha a uma partitura convencional, e representa simplesmente os procedimentos necessários para controlar os sons sintetizados. Nos aspectos relacionados com a síntese, o sistema é aberto e permite
uma arquitectura modular em que o compositor se transforma
ao mesmo tempo num construtor de instrumentos electrónicos
partindo de módulos muito simples. James Tenney é um dos
compositores convidados a experimentar o sistema e algumas
experiências de Ferreti (1965) antecipam outro aspecto
fundamental da utilização futura do computador: a interacção
em “tempo-real” entre músicos e computadores. (tempo-real
significa que a computação ocorre ao mesmo tempo que o
músico está a tocar).
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MÚSICA ELECTRÓNICA
DOCUMENTA
Na peça Mutations I (1969), Risset explora a relação entre
harmonia e timbre: quando soam simultaneamente, diversas
notas fundem-se num único timbre (sino, por exemplo).
Quando ouvidas em sequência, essas notas tomam um carácter
essencialmente melódico.
Uma das grande inovações em termos de síntese sonora foi a
utilização da modelação de frequência: Síntese FM, por John
Chowning em 1973. A grande vantagem é que esta técnica
permitia uma rápida elaboração de timbre complexos, quer
harmónicos (aproximadamente como um instrumento de
corda) quer inharmónicos (por exemplo o som de um gongo),
e mesmo uma passagem contínua entre os dois estados. Isto
revelou-se bem mais eficiente que o laborioso processo de adição de ondas sinusoidais (Síntese Aditiva), e utilizado desde
então em sintetizadores distribuidos à escala mundial como o
Yamaha DX7; recorrendo a este método, entre outros,
Chowning realizou Turenas, em 1972.
utilização altamente intuitiva. Muito semelhante a uma mesa
de um arquitecto, este sistema permite ao compositor
desenhar linhas ou quaisquer figuras que são transformadas
em som através de um sistema informático.
Outra das concepções do prolífero Xenakis foi a noção de
Síntese Granular. Gabor tinha já introduzido a noção de grão,
que Xenakis tomou num sentido estatístico, tanto em música
instrumental como electrónica. Por oposição ao sentido
“vertical” da síntese que tinhamos encontrado nos princípios
da música electrónica de Colónia, uma noção como a síntese
granular é sobretudo “horizontal”, o que significa que o mais
importante é o controlo dinâmico do som; no entanto é de
mencionar que esta questão relaciona problemas fundamentais. Para o próprio Xenakis, a composição musical consiste
em saber como chegar de A a B, numa negação completa da
noção de timbre “com qualidade de estúdio” que
caracterizou tantas estéticas posteriores mais preocupadas
com a produção do som (pelo aspecto puramente exterior da
música). Por outro lado desafia a noção do mais pequeno
elemento sonoro, questão fundamental em música electrónica. Outra das ideias de Xenakis era a formalização da
música, na qual o computador seria uma ferramenta de
grande utilidade (ver por exemplo, Musique/Architecture ou
Musiques Formelles).
Um dos maiores expoentes da síntese por computador foi
Iannis Xenakis.
Xenakis introduziu métodos matemáticos avançados na mais
diversas áreas da composição musical, no domínio da geração
de novos sons criou a Síntese Estocástica, um procedimento
em que o compositor lida com distribuições de probabilidade
na criação dos timbres de uma composição electrónica.
Xenakis realizou importante trabalho em arquitectura em
colaboração com Le Corbusier, por exemplo no Pavilhão
Phillips 1958. Inspirado por essa experiência criou o sistema
UPIC, que é ainda hoje um dos mais avançados sistemas de
composição electrónica, sobretudo pela sua forma de
Iannis Xenakis
[59]
Um dos mais importantes compositores a trabalhar extensivamente nos laboratórios Bell foi Jean-Claude Risset, que
desenvolveu a análise sonora, interessando-se também por
psicoacústica. Iniciando um trabalho sobre os sons de trompete,
estudados em computador (1966), compilou um catálogo de
sons sintetizados por computador (1969), que apesar da sua
evidente ligação ao sistema que lhes deu origem mantém-se
ainda hoje como uma das únicas tentativas do género.
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No domínio da voz e electrónica, Berio e Maderna haviam já
realizado, em colaboração com Cathy Berberian, obras da
maior importância para voz e electrónica, como Thema
(Ommagio a Joyce) (1958), de Berio. Relativamente à síntese
electrónica da voz humana, os maiores desenvolvimentos
surgiram com a aplicação dos métodos LPC (uma espécie de
filtro que tenta prever o futuro imediato de um som), por
Charles Dodge e sobretudo a Síntese de Formantes, que
permitiu a criação do sistema Chant no IRCAM em Paris, no final
dos anos oitenta (a peça Vers le Blanc, 1982 de Kaija Saariaho,
utiliza exclusivamente o programa chant). As bases deste
sistema implicam também um conhecimento cientifico avançado, o conceito mais simples é a separação do som numa parte
ressoante (o som do corpo de um violino, por exemplo) e um
sinal de excitação (como a acção de um arco deslizando sobre
as cordas de um violino). Outro exemplo: identificamos vogais
pois cada uma possui uma área de resonância característica
(independentemente da voz ser aguda ou grave).
[60]
Finalmente vale a pena mencionar os métodos de Análise/Ressíntese obtida por um vocoder de fase, que decompõe o som
num grande número de ondas sinusoidais, e permite uma
combinação e mutação do timbres completamente nova. Uma
das ideias recentes mais importantes é a de Síntese Cruzada
(Cross-Synthesis), a qual se baseia nas técnicas do vocoder. Através dele é possível, como exemplo elementar, “falar” através do
timbre de um sintetizador, ou mesmo do som do oceano, o que
significa que certas características vocais são combinadas com o
timbre característico das ondas do oceano. A ideia do vocoder
de fase foi ulteriormente levada a novos limites com o
compositor Trevor Wishart e todo o projecto informático do
Composers Desktop Project.
Hoje em dia uma das mais importante aplicações do computador é precisamente o seu aspecto interactivo, utilizando o
“tempo-real”. Esta utilização tem as suas raízes em obras que
utilizam a transformação electrónica através de meios analógicos, como Mantra (1970), para 2 pianos, 2 ring-modulators,
crótalos e blocos de madeira, de Stockhausen, ou Con Luigi
Dallapiccola (1979), de Luigi Nono.
A presença de Varèse e Schoenberg nos EUA deixou marcas
importantes.
John Cage, que tinha sido aluno de Schoenberg, declarara já o
ruído como musical e adivinha a sua importância futura (tal
como a da música electrónica em geral) em The Future of Music:
Credo, 1937. A utilização do ruído em música remonta a Varèse,
aos Futuristas Russos e Italianos...
Com uma estética absolutamente própria, Cage abordou a
electrónica tanto do ponto de vista de sons gravados em fita
magnética, como da amplificação ao vivo de situações acústicas
(por exemplo: amplificação interior de pessoas ou tráfego
exterior ao concerto em si) e sons “pequenos” ou inaudíveis
(por exemplo: amplificação da sua garganta enquanto bebia um
sumo). Entre 1967-69 colaborou com Lejaren Hiller na composição de HPSCHD, para cravos e sons gerados por computador.
A sua dedicação a Schoenberg era total, e conta que uma dos
maiores pensamentos que obteve dele foi o seguinte: durante
uma aula foi pedido para apresentar diversas soluções para o
mesmo problema musical. No fim Schoenberg perguntou:
Qual é o principio em que assentam todas as soluções?
Cage apenas encontrou a resposta após a morte do seu
professor:
As questões que colocamos a nós próprios são os
princípios na base de todas as soluções.
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ESTUDOS E CRIAÇÃO LITERÁRIA
PEDRO MADEIRA PINTO
Distância II, 2008
técnica tinta sobre papel
medida 100x70 cm
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Maria Alice Borba
O MITO DE VITORINO NEMÉSIO,
O PONTO FULCRAL DA SUA OBRA
É A ILHA,
A “ILHA PERDIDA”:
“Ave que fui na Ilha,
Não voltarei ao ninho:
Perdi a asa e anilha
Pelo caminho.”
(Vitorino Nemésio, “Nem toda a noite a vida”)
Da Ilha emergiu
e dela fez emergir os mais belos textos
da literatura portuguesa contemporânea,
sejam eles modelos de eruditismo literário
ou recriação, no estilo e nos conteúdos,
da tradição poética
dos poetas populares da Ilha.
A ILHA PERDIDA
Com a Ilha mantém um vínculo indissolúvel. Ela não é apenas a
nostalgia da distância espacial e da distância temporal do torrão
que deixou no meio de Atlântico, mas o mito que o persegue e
consome no vão desejo de alcançar “um lugar neste mundo”.
Vivendo este perturbante e nublado estado de uma visão apetecida do “ser” na ilha real, sofredor face ao abismo infinito que o
separa do mundo da “ilha perdida” que, pelo facto de o ser, se
torna, em toda a sua obra, intemporal e omnipresente, perfeita
e adversa. Ultrapassado o sonho liberta-se do real e atinge a
categoria mítica que o sobrepõe às tentações e lhe permite
numa “simbiose da vida com a morte” alcançar a meta desejada
da sublime dimensão a que todo o ser parece predestinado.
A marca deste mórbido e inquietante estado deixou traços
evidentes na obra do escritor, bifurcando-o, particularmente,
na poesia. Ora se deixa ir por uma via cujo ritual é marcado
pela sensorialidade ou mais comummente, por uma outra via
cujo trajecto poético de renúncia ao mundo é profundamente
intimista, procurando, através do diálogo com Deus, resposta
para as suas dúvidas, luz para fortalecer e iluminar a sua fé e
esperança para o perdão. Perdão para as suas crises religiosas,
para as suas motivações criadoras, para as suas próprias culpas.
A obra de Nemésio poder-se-á sintetizar numa espécie de jogo
dialéctico de carácter erudito ou “popularizante” aonde, para
além das suas angústias, uma preocupação parece demarcar-se:
“A edificação do Bem e a eliminação do Mal”.
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A ILHA PERDIDA
Deixada esta nota preambular sobre a inquietação da alma
nemesiana, encaminharemos o nosso estudo para a sua poesia.
Poesia. Para a poesia que Pavão Júnior denomina de “popularizante” com vista a definir como nela se conjugam as vertentes
estéticas e etnográficas. Pese embora o seu desejo de unificação com a alma do seu povo, Nemésio demarca-se pelo seu
estilo, amplidão das formas empregues e a complexidade na
abordagem dos temas, peculiaridade que sempre o identifica.
seu EU, tantas vezes alargada à sua Viola, Nemésio emprega
nas dedicatórias dos livros que lhe ofereceu, como nas quadras
que lhe dedicou, termos que, mesmo por afinidade, ultrapassam o real e abrem caminho para o irreal.
Em Vesperais, Angra, Outubro 66: “A Maria do Carmo, que
cantou comigo e à minha viola, com muito afecto e estima o seu
“padrinho”.
Nesta sua poesia “o poeta expressa metapoeticamente as
vibrações que a sua lira lhe impõe, numa comunhão exemplar
entre o Ser e a poesia feita música vocal e instrumental”.
[65]
Não é de Festa Redonda ou de outras quadras afins que nos
debruçaremos. Apresentaremos as que dedica a Carminha
São dezanove quadras.
É nosso objectivo apresentá-las e interpretá-las à luz desse seu
carisma pleno de sentimentos amorosos, ideais, confissões de
pendor pueril com projecções passionais nas quais encontramos igualmente a dimensão desse mundo em que permanentemente quer viver qual tentação materializada no amor, na
beleza, na vitalidade ou noutros atributos. Mundo este que,
uma vez sujeito a metamorfoses inerentes ao seu “ser”, deixa
de ser real para se tornar irreal, miragem, ilusão, ironia, sofrimento, dor e uma profusão de sentimentos amorosos ou de
culpa.
É, consequentemente, no âmbito da sua poesia “popularizante”
visando os princípios referidos que seguirá este estudo. Foi
inspiradora dessas quadras Maria do Carmo Soares Vitorino.
Curioso será, antecipadamente, referir algumas das dedicatórias
que, em seus livros, escreveu ao oferecê-los a essa terceirense
que, não esqueçamos, ficou para sempre lembrada como a
“grande cantadeira” que foi e é pela sua magnífica voz e
interpretação das nossas modas e, por outro lado, para sempre
citada através dos versos que Vitorino Nemésio lhe dedicou.
Como que numa necessidade simbiótica de uma maior aproximação, identificação, parentesco dessa jovem e da sua voz ao
Igualmente em “Vesperais – 1916-1918”, em Angra e nesse
Outubro de 1966: “A Maria do Carmo Vitorino, a minha
afilhada e grande cantadeira à minha viola no Outono de 1966,
na nossa Ilha, uma grata lembrança do seu amigo”, Vitorino
Nemésio.
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[66]
Em Festa Redonda, em Setembro do mesmo ano, apresenta
a quadra que figurará como início das outras que lhe dedicou.
Aqui a apresento, tal como foi escrita à mão por Nemésio,
seguida da data e da sua assinatura:
“Quis um milaigre de esmola
E Nosso-Senhor quis dar-mo:
Que ao som da minha viola
Cantou Maria do Carmo”
Angra, Set. 1966
(Assina) Vitorino Nemésio
Não posso deixar de me orgulhar de ter sido uma das primeiras
pessoas a ter em meu poder esse conjunto de “Cantigas de
Nemésio”.
Ao ler em Gávea-Brown, vols V-VIII, Jan. 1987, um artigo do
ilustre terceirense João Afonso aonde as apresenta e refere de
como as mesmas lhe vieram parar às mãos e a razão pelas quais
as publica, sensibilizei-me. Quisera eu tê-las apresentado algum
tempo antes quando cheguei de Toronto e Maria do Carmo –
hoje conhecida pelo acréscimo de Barcelos por parte do
marido – tudo me entregou.
Fiz então algumas diligências junto de entidades conhecidas mas
fui logo alertada para os direitos de autor aliados a outros
factores que me fizeram tristemente guardar na gaveta para
mim tão interessante e valioso espólio.
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A ILHA PERDIDA
Tudo se passou em casa de meus pais, em Angra do Heroísmo,
e a tudo assisti.
Amante dos nossos cantares e estudioso profundo das nossas
melodias, meu pai tinha um ouvido atento como que pré-escutando em todos os recantos uma aliciante voz para as
cantar. Foi assim que em São João de Deus ouviu algures uma
voz feminina projectando-se num canto – quem sabe da Lira ou
da Tirana – que o encantou. Tinha que conhecer quem cantava
tão bem e conseguiu descobrir a jovem-rouxinol.
[67]
Nemésio, colega do liceu e amigo de meu pai, correspondia-se
de quando em quando com ele. Uma das principais razões
dessa comunicação prendia-se com uma próxima visita à Ilha e
a necessidade do poeta e da sua “viola” encontrarem as delícias
de uns serões passados a tocar as nossas modas na companhia
de outro tocador e de uma voz que as interpretasse.
Não era difícil. Logo meu pai contactava para acompanhante o
sempre lembrado tocador Laureano Correia dos Reis e, desta
vez, como voz, convidou Maria do Carmo. Foi na sala da casa
de meus pais que Nemésio e Laureano dedilharam as cordas
que dias a fio acompanharam a jovem cantadeira da Canada do
Farroco.
Maria do Carmo com Vitorino Nemésio e Laureano Correia dos Reis
cantando em casa de Henrique Borba.
Bonita, desenvolta, “menina”, como é chamada numa outra
dedicatória, Maria do Carmo logo fez os encantos do poeta.
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Achei elucidativo apresentar onde, como e quando Nemésio
conheceu a que chamará de “Carminha”, aquela que lhe inspirou a força comunicativa dos versos que lhe dedicou.
À boa maneira de “Festa Redonda” o nosso poeta logo encontra
na quadra a forma de assumir pragmaticamente a voz de Carminha, “a voz do povo”, do seu “seu povo”, trabalhando habilmente a poética da oralidade, conferindo-lhe a sua própria estética “popularizante” e transpondo paulatinamente a melodia, o
ambiente envolvente, o saudoso passado unificado com a vivência do presente.
Já tornadas públicas as quadras de Nemésio a Maria do Carmo
e, consequentemente, ultrapassadas as dificuldades da sua
divulgação, retomo-as por possuir cópia do original que inclui a
assinatura do escritor e por me sentir ligada a um compromisso
feito à inspiradora dessas quadras que gostaria que sobre elas
me debruçasse dado que, como referi, ter sido uma presença
desses momentos vividos em casa de meus pais.
[68]
Nas quadras de Nemésio a Maria do Carmo deparamos com
uma técnica de raíz insular/tradicional em consciente e voluntário prazer pelo genuíno. De lado deixa o tipo de poesia culta
que tão superiormente tratou e situa-se no mundo envolvente
da oralidade onde surge o jogo verbal, as possibilidades estéticas, o simbolismo espiritual bem como o misticismo e o erotismo do seu sentir e do sentir da sua gente.
Segue o texto como o original:
Quis um milaigre de esmola
E Nosso Senhor quis dar-mo,
Que ao som da minha viola
Cantou Maria do Carmo.
Oh, que voz seria esta
Que eu agora oivi cantar?
Tem o oiro da giesta
E a cor do Carmo a chorar.
Afinei as três toeiras,
Que os três bordães eram pouco
Para a grande cantadeira
Da Canada do Farroco.
Oivi Carminho cantar
Aos meus toques de poeta:
Era eu a acompanhar
A minha primeira neta.
Compondo a saia de folhos
Cantaste tão triste e bem,
Que vi láigrimas nos olhos
De tê pai e tua mãe.
David Mourão Ferreira, a este propósito, afirma que Nemésio
“comungava autênticamente com a vida do povo da sua ilha e
como era capaz de afinar a própria viola pelo diapasão dos
verdadeiros cantadores populares”.
Cantando, Carmo, choravas;
Cantando, Carmo, sorrias:
Encantando as pombas bravas
Tornaste as pedras macias.
Afirma ainda este estudioso que Nemésio conseguiu uma
superior articulação do “popular” com o “erudito” e destaca a
“frescura e a contínua invenção das suas quadras em Festa
Redonda”.
Nunca oivi cantar tão certo
Nem ua voz tão de dentro,
Como as ondas do deserto
Que morrem todas ao centro.
É nesta frescura e, não diria “invenção”, que são escritas estas
quadras a Maria do Carmo dado que tudo se desenrola numa
visão cíclica do tempo vivido, na apropriação lúdica do vocábulo, no carácter enunciativo que lhes é inerente.
A tua voz chama o povo
Como o sino da sineira:
Nã carece de clara de ovo
A melhor voz da Terceira.
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Sã João de Deus valia
Por toiros de muita fama:
Hoje é por Santa Maria
Do Carmo que lá se chama.
Fomos noivos ua hora
Por milaigre de cantiga:
Faltou-me o juízo agora
Que sou velho, rapariga!
No nosso bailo dei brado
C’ua viola na mão;
Ao teu cantar recatado
Batia o meu coração.
Chamas avô a um amigo:
Vai pedir a tua mãe
Que me aparente contigo
Chamando-me pai também.
Qualquer dia vou-me à vela
Por esses mares sem fim,
Mas tu ficas à janela,
Que eu sei, à espera de mim.
C’os nossos nomes, Maria,
Deixa brincar o destino:
Eu sou Vitorino da pia,
Tu és Maria Vitorino.
Pode ser (disse eu gemendo)
Que ela não tenha derriço:
Mas se, cantando-a, eu o ofendo
Pouco me ralo com isso.
Quando há quarenta anos via
Toiros em Sã João de Deus
Nem sequer em flor havia
Um sinal dos lhos teus!
Carminha, quando m’eu for
Vou deixar o mar enxuto:
Não cantes penas de amor,
Guarda-me respeito e luto.
Ter ciumes dos meus versos
Não é prò noivo de Carmo:
Namora-a lá pelos terços
Que eu cá por mim não desarmo.
Se Carminho tem namoro,
Ele que me venha bater,
Mas não tome por desdouro
Cantiguinhas de entreter.
“Aprendo com ela a aprender-me”, é assim que Vitorino
Nemésio define a sua poesia. Efectivamente a interioridade do
poeta nestas quadras como nas muitas outras que nos deixou
elogiando a sua Ilha, o seu povo numa cronologia emocional e
cognitiva de toda a sua vivência, demonstra a necessidade de
reflectir, de exteriorizar o seu apego à terra, ao mar e ao fogo
(não são os Açores um mundo telúrico?) que o envolvem bem
como ao contínuo mundo de sentimentos amorosos, saudosos
e sofredores que, impertinentemente, de forma cruel mas aliciante, permitiram que motivos clássicos interpenetrassem na
sua poesia oral-tradicional.
As quadras agora apresentadas, elas também, alicerçam-se na
autêntica mitificação do vivido a que Almeida Pavão Júnior, chamou de “correlação poesia/vida”. Justamente nestas quadras
temos Nemésio o poeta-tocador de viola: “afinei as três toeiras,/
Que os três bordães eram pouco”; o apreciador que não poupa
elogios a Carminha e ao seu cantar: “nunca oivi cantar tã certo/
Nem uma voz tão de dentro”, uma voz que, continua: “tem o oiro
da giesta/E a cor do Carmo ao chorar” ou que é: “Como as ondas
do deserto/Que morrem todas no centro”. Essa voz que: “... chama
o povo/Como o sino da sineira”, tão cristalina que: “Nã carece de
clara de ovo”, e que tem o poder irreal de alterar o real, bem
patente neste verso: “tornaste as pedras macias”.
Deixado, em parte, este mundo sensorial do seu EU, da sua
Viola, da melodia, deparamos com o mundo de recordações do
passado, de um saudosismo da sua juventude. Assim, num
cruzamento entre um real longínquo: “Sã João de Deus valia /
Por toiros de muita fama” e um irreal presente: “Hoje é por Santa
Maria/Do Carmo que lá se chama”, Nemésio evidência as motivações ontem e hoje vividas.
[69]
A ILHA PERDIDA
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E, como se uma sequência cronológica de toda a sua vivência
se operasse, Nemésio sente-se impelido por um sentimento
amoroso, tal jovem, agora em idade madura, surgindo já não
unicamente como admirador da “VOZ” mas enamorado por
quem a emite, por aquela que o acompanha e à sua viola: “Ao
teu cantar recatado/Batia o meu coração”; “Fomos noivos uma
hora/Por milaigre de cantiga”. Ousa mesmo acarinhar a ideia de
uma predestinação dos seus destinos bem patente na seguinte
quadra: “C’os nossos nomes, Maria,/Deixa brincar o destino/Eu
sou Vitorino da pia/Tu és Maria Vitorino”.
[70]
É porém pouco duradoura a veemência desta efusão enamorada. Logo, Nemésio acabrunhado pela efemeridade da vida,
já então gasta pelos anos, nessa angústia da presença pouco
distante da morte, lança um comovente pedido: “Carminha,
quando m’eu for/... Guarda-me respeito e luto”. Num alento, logo
afasta este abismal percurso inerente à vida proclamando num
fôlego juvenil: “não desarmo”. Mas a realidade vence a emoção,
compenetra-se, aceita, confessa-se. Paulatina e lucidamente,
num jogo dialéctico de “atracção/retracção” de uma realidade
evidente entre a jovialidade de Maria do Carmo e o interior de
si mesmo, o autor acaba por se auto-criticar: “Faltou-me o juízo
agora/Que sou velho, rapariga”.
Se a noção do percurso temporal que, impiedosa e paulatinamente, o arrasta para o fim é aqui dolorosamente referida,
não é menos sentida a noção da angústia da distância geográfica
que o separa da Ilha perdida evidenciada pela dimensão do mar
imenso que, de novo, o separará da sua terra e das suas gentes:
“Qualquer dias vou-me à vela/Por esses mares sem fim”.
De uma forma surpreendente mas pensada, dita com humor
jocoso e dorido, termina este percurso deambulante por um
pedido que, de novo, é a expressão já referida da mistificação
de uma união, não do jovem admirador eterno que desejaria
ainda ser nem tão pouco do “avô” a que se refere na quarta
quadra. Sábia e ardilosamente minimiza o grande afastamento
AVÔ-NETA por uma solicitação que o interpõe entre o jovem
e o velho ao mesmo tempo que reforça o desejo de com
Carminha adquirir vínculo familiar: “Vai pedir a tua mãe/Que me
aparente contigo/Chamando-me pai também”.
A açorianidade da poesia nemesiana não se restringe nas suas
quadras apenas ao desejo de partilhar o mundo “popularizante”
dos cantadores da Ilha Terceira. A sua Ilha tem o povo, o seu
povo de Angra do Heroísmo à Praia da Vitória, da Serreta ao
Porto Martins, do pescador ao pastor, do estudante ao
vendedor. Tem o povo que nela vive e os da Diáspora que para
a sua ilha em visita de saudade, por carta ou pelo telefone, utilizam novos termos aprendidos na terra de acolhimento e que
na Ilha se implantam, a maioria da vezes, deturpados.
Nemésio preocupa-se também em empregar não apenas nas
suas quadras a Carminho mas em grande parte da sua obra
regionalismos, arcaísmos, hoje ainda de uso corrente, registos
de hábitos e costumes, estrangeirismos.
Há versos onde predominam as comparações quer com a
natureza envolvente: “Tem o oiro da giesta” quer com referências aos costumes, tradições ou religiosidade do povo da “ilha
perdida”:
“E a cor do Carmo ao chorar”.
Os regionalismos não são descurados: “derriço” (namorado):
“Pode ser (disse eu gemendo)
Que ela não tenha derriço”.
“Terços” (prática religiosa) bem característicos na devoção ao
Senhor Espírito Santo nos dias que antecedem a coroação e a
função:
“Namora-a lá pelos terços”.
As tradições surgem. Agora é a presença do sino ao amanhecer
ou ao entardecer à hora das trindades:
“A tua voz chama o povo
Como o sino na sineira”.
A “tentação foneticista” é também tentada. Empreguei a expressão “tentada” dado que as peculiaridades fonéticas, na grafia
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A ILHA PERDIDA
Como é sabido, caracteriza-se o falar terceirense pela influência das semi vogais i e u em posição intravocabular ou intervocabular, isto é, pela palatalização e velarização das consoantes
quando precedidas respectivamente de um som palatal ou
velar que modifica foneticamente a palavra. Nestas quadras,
como nas demais que encontramos na sua poesia “popularizante”, deparamos várias vezes com a tendência de uma demarcação dos sons em / i / em desfavor dos sons em / u /.
Exemplificando: Logo no 1º verso temos a palavra “milaigre”. A
palatalização é aqui tentada mas não há sequência dessa pertinência fonética logo demonstrada na palavra que se segue. Está
escrito “esmola”, quando, pela mesma razão, devia estar
escrita “ismiola” por influência da semi vogal / i / que inicia foneticamente a palavra. Temos ainda a insistência dos sons em / oi /
em vez de / ou /: oivi, pidir, laigrimas, bailo.
A velarização, regra geral, é omitida. Apresenta sem qualquer
preocupação de imitação dialectal as palavras “sino” e não “o
suino”; mar e não “o muar”; choravas e não “choruavas”.
Com frequência se aproxima de outras características fonéticas
do falante afastando-se consequentemente da correcção
gráfica ( nã, tê, ua...) procurando transmitir sons que permitam
a um nativo saborear um longínquo eco do que lhe é comum
dizer ou ouvir.
Refere outras características: as formas meu, teu, seu perdendo, em posição proclítica o segundo elemento do
ditongo, reduzindo-as a mê, tê, sê; apresenta fenómenos tais
como a alteração de ãu em ã como observamos em: “nã
carece”, “sã” João.
A formação do plural dos substantivos terminados em “ão” é
apresentada como o povo normalmente a ela procede: bordães
por bordões.
Se a obra literária permite interpretação é pelo facto desta
possuir toda uma série de pressupostos existenciais, ideológicos e culturais perante os quais o leitor, a partir da sua experiência existencial e cultural, pode formular sentidos vários.
Consequentemente, e pelo facto de toda a obra permitir uma
problemática e não uma solução indiscutível, apoiando-me em
poetas como Verlaine para quem a poesia era essencialmente
música ou em Proust: “Le style n’est pas une question de
technique, mais de vision”, creio que é consciente e cuidadosamente elaborada a construção fónica particularmente escolhida
por Vitorino Nemésio. Esta construção terá permitido ao poeta
recriar outros valores para além da pura imitação fonética e
evocar, quiçá um significado, a musicalidade pretendida.
Creio assim que Nemésio preferiu, propositadamente, salientar os fonemas em / i /. A estética verbal do seu povo ficava
assim mais próxima das cadências orais/tradicionais faladas ou
cantadas.
E, nesta óptica, de certo a magnitude lírica emitida pela predominância do som “preferido” pelo poeta seria a que mais iria ao
encontro desse mundo onde a voz de Carminho tinha o dom de
tudo amenizar bem como de tudo cativar.
Nemésio nestas e noutras quadras opta, parece evidente, pela
musicalidade, pela melodia suave. Manobrando a sua própria
estética, afasta-se aqui de sons evocativos do telúrico, do fogo –
sem esquecer a importância que este elemento teve na maior
parte da sua obra –. Procura, antes, sons evocativos do mar
causticando as rochas, das ondas debilmente espraiando-se pela
areia, do Atlântico que envolve a Ilha, da água que, em
refrescantes nascentes, nela brota aqui e além. Aquela água que,
citando Lúcia Cechin: “Água que espelha a mãe, o ego do Poeta,
sua imagem, sua vida, seu ideal”.
[71]
usual, esbarram com um número ilimitado de dificuldades. Não
sendo possível usar sinais diacríticos ou o alfabeto fonético, o
único meio de que dispõe o escritor é o dos conjuntos gráficos
que, de per si, não conseguem registar as mais diversas realizações fónicas. Obtêm-se assim algumas características que nem
sempre correspondem inteiramente à fala ou não são persistentes no decorrer do discurso. Poder-se-á dever a uma sentida
consciência da dificuldade na transcrição fonética ou a um
cuidado em não apresentar consistentemente uma fuga à norma
ortográfica do português padrão.
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É esta a minha interpretação. A interpretação de quem igualmente se sente embalada pela saudade da Ilha, pela suavidade
dos seus campos verdejantes por onde o gado desfila pacificamente entre o azulado róseo das hortenses, a policromia dos
verdes e o negro da pedra queimada onde o “mofedo” teima
em instalar-se como que banindo lembranças ou receios de um
vulcanismo de ontem, de hoje e de sempre.
É o parecer de quem jamais
quer esquecer as doces lembranças
das Avé-Marias quando na Ilha viveu,
agora, longe dela,
longe da sua Ilha
nas Trindades da Vida.
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António de Névada
CANTOS VII-XI
DA CANÇÃO
“VOZES
EM UNÍSSONO”
(PERTENCENTES AO POEMA “CÂNONE SILÁBICO
OU UMA CANÇÃO DE AMOR”)
VII
E nada nos é dado
No instante da verdade.
Visionários quânticos
Perdemos os dias
No momento em que o dia hesita
Entre o brilho e as trevas
Para que as estrelas cintilem
Uma luz longínqua e já morta.
A água das chuvas faz poças
E lamas pela cidade
E não há sereias
Nem gemidos
Que perduram pela tarde fria
E deslizam à noitinha pelas ruas desertas,
Náufragos há mil anos
Procurando inutilmente
O mar convulso
Onde afogar a dor,
Onde afagar o que geme
Sem forças
Quase um gemido.
Perdura a neblina
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Que mancha a vidraça e o olhar,
E não partilhamos
A Solitude
Contrabajísimo
Para Além da Noite
Kind of Blues
De Profundis
Kanon Pokajanen,
E a beleza de existir onde a terra termina
A sua firmeza sólida de terra rija
O mosto que sobrenada
E a pancada que mutila o meu peito.
[74]
Pelo cais de abrigo não encontramos
Vivalma que nos afagasse o cansaço,
Nem o sabor do incenso
Nem o unguento encontramos.
Ensurdecidos ouvimos o comboio
Que pela noite desliza sonâmbulo
E velho cargueiro,
Auscultamos o esquecimento
O desejo e o vidro baço,
Sob o peso da solidão
A alma esmaga a madrugada e o medo.
Perdura a neblina
As águas turvas turvando o olhar,
E não se vislumbra o firmamento
Nem a ponta dos mastros nem as velas já rotas,
E as Ninfas calaram o encanto
E não há música nos seus lábios nem silêncios,
Nos seus seios adormecidos
Nem um rumor se ouve
Que pudesse servir de canto
Ou de âncora
Para este navegante sem rumo
(se ao menos houvesse a bússola?).
Nem sombras nem pegadas de gente,
Ninguém há que nos sirva água fresca.
Sem o tumulto ou a ambivalência,
Nem mesmo o jarro que contém flores murchas
E raízes apodrecidas,
Se percorrêssemos os palmos da distância,
Da amnésia à in-finitude,
Encontraríamos ainda assim o caminho
Sem ninguém que nos sirva a água benta
E a alma horrorizada,
Depois de não ter sinais nem sonhos,
Engolidos pela morte e pela vida,
Ousaríamos ainda assim quebrar o silêncio
Num estrondo,
Depois de rasgar os jornais
E partir as chávenas de café
E repartir os cacos,
Depois de dilacerar a amargura
E ter atravessado a rua num atropelo
De passos,
Sem lágrimas e sem sorrisos
Sem deus sem divindades,
Ó labirinto ó vigília sem nada,
Que tempestade
Viço verde ou grão maduro,
Que fúria nos levará aos mares da alma
Ou à areia da praia?
Ó mastro despido,
Pálida existência pelos dias!
O amor não nos levou a outras paragens:
Deixou-nos aqui?
Órfãos e plenos
Na sua presença,
Um fruto maduro
Que se esmaga como um cacho
Sob o peso das uvas.
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CANTOS VII-XI
DA CANÇÃO
“VOZES
EM UNÍSSONO”
Assim
A noite e o dia
Não pressentem o pulsar do meu peito,
Nem a insónia que não durmo
Nem a vida que sobrevivo.
E quando o sol se põe
Por detrás desta canção
E a voz do vento
Canta nos rostos incrédulos,
No cálido timbre de um cutelo
Afiado até aos dentes como um felino
E caído de quatro feito uma cerejeira,
Quando a lua discreta ilumina
A face oculta das estrelas
E um fedelho vê-se ao espelho
Fugindo da imagem,
E as notícias noticiam
Mais um melodrama,
Uma tragédia que não chega a ser grega
Mas burguesa e mesquinha,
Quando os sonhos morrem à nascença
E o teu perfume os teus gestos
E o tempo parafraseando o tempo
Se revelam ontologicamente indivisíveis,
O olvido e o passado
O destino e o auguro da cigana
Se diluem na imensidão do presente.
Assim
Sem páscoas sem renascimentos,
Ciente do irreversível
De morrer uma morte real,
A tarde vai entardecendo
Nas roupagens do poente.
E deus
Vestindo as nossas vestes
Invoca os poderes de não conter
A arrogância numa taça
De hóstias mal servida.
Ó árvore da vida
Ó tinto murcho
Ó videira podada
Ano após ano
Ofertando o fruto ao festim!
Quando tudo pára
Em frente à igreja em ruínas
E o semáforo intermitente
É um piscar de olhos nesta cidade muda,
Quando ao balcão da esquina
Uma mulher envolta numa teia de fumos
Pede uma bebida quente,
E nos seus olhos
Cintilam a beleza invulgar
Que só o belo consente,
Quando numa brecha entre as nuvens
Os reflexos da lua
Teimam brilhando
Assemelhando-se
Ao brilho desse olhar,
A dimensão humana
Se dilui na imensidão do presente,
E de novo o signo
Dos campos sem trigo,
A mesa onde me sento
Em silêncio com os amigos,
A tarde entardecendo
Nas roupagens do poente.
Viajamos pela metáfora da memória
E pelos bairros da memória
Como se a Cidade de Deus
Coubesse na fronte dos homens,
Sem sermos santos de coisa alguma,
E nos presenteasse Horácio
Pois a vasilha que se impregnou
De perfume
Largo tempo o conservará,
Assim nos campos de trigo
[75]
VIII
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As ceifeiras cantam!
E apascentamos a existência
Cultivando o vento e a voz do vento
Como se bebêssemos a transcendência
No primeiro cálice da noite,
E cálidas foram as mulheres
Que geraram os nossos filhos
E as mulheres que amamos
E as ruelas por onde morremos
Há milhares de anos,
Assim nos campos de trigo
As ceifeiras dançam.
[76]
Nada cabe no meu peito
Morto sem sepultura,
Para me recordar que pertenço
Ao deserto que me viu nascer
Assim nos campos de trigo
As ceifeiras cantam!
Sejam
Benedictus Os Cantus
Milonga Loca Milonga Triste
Entre a rapsódia e o mundo,
Maldizemos o silêncio entre dentes
Malditos sejam as horas
No seio de cada instante.
Não vos falarei
Da tristeza.
Decerto
Além do sorriso
Estampado no rosto
E das contorções sob a pele
Fica o sofrimento.
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Inconcebível à guisa
Da estética
As ondas cospem o mar
Terra adentro.
Como calar
O vendaval?
Que se abate
Em tempestade
Sobre esta canção…
IX
A morte
A in-condição humana,
Pertencem-nos.
Na sombra atroz
Que se revela
No corpo bailando,
Na hipérbole do A-deus
Que não escutamos,
Na celebração da vida
De sol a sol e aos olhos da lua.
Os alísios e as lestadas
Repovoam as nossas casas e os campos
E partilhamos a viagem e a calmaria.
Conquanto duvidamos das horas
Impróprias ou propícias
Os rumores do mar
Afrontam-nos as têmporas
E a fronte,
Numa cadeia inaudível
De sons
Sobreposições
E polifonias decafónicas.
A verosimilhança
Edifica a sua balança de razões
E sustenta
O fio o fiel e o prumo
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CANTOS VII-XI
DA CANÇÃO
“VOZES
EM UNÍSSONO”
Sim,
Porque o que resta
Bebemo-lo sob o quotidiano das coisas!
E a memória
É o som que perdura
Na mente dos homens.
A cidade
O abandono noite dentro,
Os jardins as flores murchas
E as árvores redondas,
A esmagadora mordaça da lembrança,
Zoada ou reza
Bocados de pão
Abandonados na praça.
[77]
Como coisas nossas.
Paramos demoradamente
Em silêncio
Observando um bêbado
Pé ante pé equilibrista,
A direito escrevendo por linhas tortas
Caído de quatro feito uma cerejeira.
Testemunhamos a luz sobre as colinas
Impregnadas de magia,
O véu do crepúsculo ao sabor da crença,
Chegas de bois testosterona de bichos,
A corda bamba e o pêndulo do tempo
Sem pompa nem circunstância
Designam a incerteza
Como coisa permanente e nossa.
Todo o silêncio
Está contido neste instante.
São sete horas em ponto
Conto até quarenta e quatro
Rasgo as folhas onde rabisquei
Versos mil
E olho em frente o horizonte:
A sombra de bronze moribunda
É um bisonte esmagado
Sem versos e sem credo
Numa sucessão de pontes
Mar adentro.
And the clown is dancing
To invite the bright moon,
Não sou Ulisses nem sou de Ítaca,
Não vislumbro os mastros
Nem quem me amarre,
Como hei de escutar
O canto das sereias?
Ó minha alma
Ó sombra dançando
Ó horizonte sob a neblina,
A rosa-dos-ventos
Defronte ao norte
Aponta-nos os dias que restam
E a viagem sem regresso.
Num simulacro
As migalhas que ofertamos
À vida
(e aos pássaros)
Zoada ou reza
O mundo que habito
O barro que amasso
No chão que piso
In-finitamente
O pão que como
Do pão da alma.
X
Que o espírito lapida a memória,
Que o formão e o mogno
Rememoram os signos,
E que as mãos que empunham
São utensílios que destilam os dias.
Assim vamos dizendo
O que ontem não olvidamos!
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E se no limiar do cansaço
Os vultos agasalham-se
Na luz trémula
E os corpos
Adormecidos sob a terra
Fertilizam os campos
O homem é ungido homem
Para lá do limite de ser homem.
Que o olvido
É uma flor madura
Que semeia o seu sémen,
Tal é o modo
Como o vento ilude
Inusitadamente
O diapasão e o sentido
Ou a sensatez das palavras.
[78]
E se a precariedade
Tacteia timidamente
O caminho
Ou uma espécie de lida fictícia
Frágil metáfora tão súbita e incrédula,
Que não sirva o perdão
Para lavar o descuido nauseabundo
Que deambula pelas parábolas
E este lagar do azeite.
Diremos o que ontem não foi dito!
E dizendo-o
Temperamos o espírito:
Pois não nos compete
Contradizer a vida
Mas apenas inventariar
O que a alma consente
E a usura não afasta;
O que a alma interroga
Amiúde nos indaga;
O que a nudez e a solidão
Descobrem de si mesmo.
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Momentos sem pasmos
As folhas perfumadas
Sem vida ao relento.
Se estão húmidas
Aceita-as,
São apenas gotas do orvalho,
Se sabem a lágrimas
É do salitre do meu rosto.
E como um mastro
Num mar de lavas
Os ramos despidos
E o tronco nu
À mercê do vento
Num último suspiro.
Habitamos
Onde nada existe
Além do silêncio.
E
Na sua plenitude
O homem questiona
A existência.
Mas quem é ele
Para saber da verdade?
Quem somos,
Homens,
Para questionarmos
A verosimilhança?
Tanto quanto sabemos
A virtude e a modéstia
A in-finidade
O mérito e a coragem
Ou a generosidade,
Não transcendem a vida:
Colhem aqui a faina dos dias!
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CANTOS VII-XI
DA CANÇÃO
“VOZES
EM UNÍSSONO”
Nos campos em pousio
A morte é uma história
Perene que se repete.
Será a vida
A via da devolução do encanto?
E o que ascende para o fim
O seu fruto na estação própria?
Ó atalhos intermináveis
A mão direita e a esquerda
Meridianos inconsequentes
Que se apossam das margens
Que ladeiam este lugar!
Se procuramos uma medida
Para quantificar a dor,
O sofrimento,
Porque nos comovemos
Com o júbilo e a alegria
Sob o axioma da vida,
Se procuramos
O valor quântico
E a memória
É um abismo na noite estrelada,
E nos comovemos
Com o belo
Sobre a terra crua,
Eis
A dádiva de nos erguermos
À semelhança das árvores
Longe dos ribeiros de águas
Onde nada existe
Além do mundo
E da desconstrução do mundo.
Pois que o tempo
Não detém
Mais do que o tempo necessário
Para instaurar
O turbilhão
E a serenidade.
A mais ínfima
Vibração do mundo,
O labirinto que a vida,
Defronte, nos coloca,
Não tem o propósito de nos apoquentar,
Tampouco reclama o tributo à existência
Mas apenas aguça a vocação
E o sentido da humildade:
Que a alma reaprenda
O amor.
XI
Caminhei
Até à língua de água
Por entre docas sombrias
E gruas enferrujadas,
A velha cidade
Como um enigma
Ferindo a ensolarada manhã.
Da margem sul
Sentado na ponte suspensa
Fiz a travessia imaginária
Da Babel ainda adormecida.
[79]
Eis o tom sustenido
Pelo timbre vibrante
Estremecendo o som
Que se lhe assemelha.
A mente
Segue o movimento
Indelével da música,
Auscultando além do mundo
E da espiritualidade.
6.ECL.António Neves(pb) poesia
6/17/09
12:30 AM
O tempo
É escasso
Para memorizar
Os queixumes da alma.
A vida destila a perenidade
Ofertando o silêncio
Desolador e comovente.
Decassílabas originalmente
Pronunciadas, umas atrás
Das outras, arrebatadoras,
Decantando as dissonâncias
Do tempo.
[80]
Caminho pela dúvida
Com a devida lentidão
De quem sabe
Os encargos da alma,
E Setembro
Segue o seu curso
Por Outono dourado
Esguio e esquivo
Já sem folhas.
A lua translúcida
Contempla impotente
A própria imagem irreflectida
E servida cegamente
Como arma de arremesso
Ferindo o coração da noite.
De nada nos serve
Dissecar a parábola
O sentido ou a poeira da vida.
Íamos
Em silêncio amor
Quando a lua surpreendeu
As nossas almas pasmas
Plantadas na paisagem,
Como se as coisas e a alusão das coisas
Pudessem conter o brilho do sol
E fosse verosímil
Que em meu peito
Tivéssemos semeado a dor.
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Nuno A. Vieira
GABRIELA SILVA
O ar de Outono já se fazia sentir num céu tipicamente azul da
Nova Inglaterra, quando eu acabava de almoçar e senti o abrir
da caixa do correio na rua. Era o carteiro que me a acabava de
abarrotar com livros que eu havia encomendado sobre a
civilização romana, e vinha um outro que me chegava às mãos
de oferta. As letras brancas, projectadas sobre a capa negra do
livro, soletravam a palavra “Ilha”. Em fotografia, ainda se via a
espuma branca da raiva do mar a esbater-se contra a rocha
aprumada da ilha. Será o homem que revolta o mar? – A poetisa
escreve: “No mar alto / os homens perdem a raiva / e ficam de
novo à espera”.
Voltei para a mesa, para comer a sobremesa, e foi então que,
num fôlego, me deliciei com a leitura do livro de poemas – Ilha
– de Gabriela Silva e Kristie Mclean, em tradução para o inglês
de Katharine F. Baker. As mãos amaciaram-se-me ao folhear
papel de textura tão fina e rica. O conteúdo emocional de cada
poema absorveu-me ao ponto de esquecer a fotografia
correspondente. Mais tarde, apercebi-me de que a poesia era
uma fotografia da alma do ilhéu e as fotografias eram poesia da
mesma realidade, mas sem palavras.
Quando peguei no livro, notei imediatamente que o título era
apenas “Ilha”, sem o artigo definido. Bastou-me ler alguns poemas para me aperceber que a autora não quis particularizar
nenhuma ilha, neste caso a sua ilha, mas apenas preferiu falar da
sua experiência vivencial de ilhoa em termos universais. Prefe-
riu o universal ao particular. Gabriela Silva optou por ligar o
concreto ao abstracto, o particular ao universal, e o finito ao
infinito. Nem uma só vez menciona a ilha da sua residência e
vivência – as Flores.
A verdade é que, no mar de um mundo de ilhas, talvez não seja
fora de contexto salientar a ilha das Flores como uma em que
a insularidade se faz sentir em toda a extensão da palavra. Ilha
incógnita para muitos, longe de terra firma, a boiar no meio do
Oceano Atlântico, debaixo do olho vigilante do diminuto Corvo
que constantemente lhe lembra a fragilidade da pequenez da
terra ilhoa.
Gabriela Silva, agora, junta-se a três outros grandes poetas
florentinos – Roberto de Mesquita, Alfred Lewis e Pedro da Silveira – que, com semelhantes mas também diferentes perspectivas, caracterizam o viver e a alma do ilhéu. Um estudo comparativo destes quatro poetas, além de interessante, parece ser
imprescindível para a compreensão e apreço do homem ilhéu
e para uma definição mais inclusiva de insularidade.
Antes de prosseguir, queria referir-me ao pormenor de que
Roberto de Mesquita e Gabriela Silva saíram da ilha por um
período de tempo relativamente curto, mas continuando a sua
experiência ilhoa noutra ilha. Ao contrário, Alfred Lewis e Pedro
da Silveira saíram da sua ilha para fixarem residência respectivamente nos EUA e Lisboa. Interessante será verificar-se, se
[81]
NA ESSÊNCIA
DO ILHEUNISMO
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aqueles que transpuseram a linha do horizonte, para viver
noutra localidade, alteraram, de alguma maneira, a sua percepção e experiência de ilhéus e ainda se estas se alteraram segundo a cronologia do tempo no caso especifico dos quatro poetas.
Uma coisa parece ser certa – que o isolamento, em tonalidades
diferentes, coloca estes poetas no limite da solidão, conduzindo-os, no seu sofrimento, a zonas bem recônditas da alma ilhoa.
[82]
O Dr. Luís Ribeiro, em Subsídios para um Ensaio sobre a
Açorianidade, escreve: “De longa data os historiadores, os geólogos
e os filósofos têm procurado determinar as mútuas relações entre o
homem e o meio em que ele habita, isto é, ver até que ponto o
homem age sobre a natureza que o cerca e esta, por seu turno, reage
sobre ele, condicionando a sua vida e moldando-lhe o tipo e o
carácter.” Continua: “Nesta ordem de ideias procurei fixar aquilo
que se me afigurou mais característico no meio açoriano – o vulcanismo, a presença constante do mar, a insularidade ou isolamento do
resto do mundo, a humidade do ar, a nebulosidade do céu, a temperatura oscilante entre estreitos limites, a pressão atmosférica, os
vendavais e tempestades, a diferença entre as ilhas e o continente
pelo que respeita às condições geográficas e da paisagem, verificar ao
mesmo tempo quais as qualidades morais comuns a todos os ilhéus,
a sua religiosidade profunda, espírito de submissão, indolência,
imaginação criadora, sentido da perfeição e do pormenor, espírito
satírico, certo grau de saudosismo, talvez mais acentuado do que no
continente, etc., e ver até que ponto estas qualidades morais e a sua
feição própria eram consequência das condições mesológicas, ou,
pelo menos, quais as possíveis relações entre umas e outras”.
O livro Ilha, da autoria de Gabriela Silva, regista a maioria das
variantes de insularidade, acima mencionadas por Luís Ribeiro.
É o meio-ambiente ilhéu que plasma e sensibiliza a alma da
poetisa já sensível desde o berço. Os seus poemas são uma
expressão sincera, natural e espontânea do viver ilhéu nas suas
mais diferentes cambiantes. A sua poesia é uma porta aberta
aos estados psíquicos do ilhéu.
Através da obra de Gabriela Silva, o leitor não terá dificuldade
em encontrar uma terminologia toda referente “àquilo que se
me afigurou mais característico no meio açoriano”, acima mencionado por Luís Ribeiro. A linguagem da poetisa desenha um
mapa todo ilhéu: mar, mar alto, mar enfurecido, onda do mar,
vento, rocha, baleeiros, arpão, a baleia enfurecida, barcos, rampas de varagem, pescadores, tempestades, trindades no sino da
aldeia, preces à divindade, verde dos campos, fraga, cascata,
limitação espacial, isolamento, solidão, medo, chegadas e partidas, saudade. Veja-se como a poetisa codifica certos elementos
da natureza como parte integrante do viver ilhéu na sua estrutura corporal e psíquica:
Já sei. Tens saudades da ilha.
Não sabes viver sem mar e sem fragas
não sabes sonhar sem verde em cascata
não sabes estar sem cabelos ao vento
não sabes andar sem ser sobre a rocha
não sabes amar
Sem a cabeça ao relento.
Neste artigo, procurarei centrar-me no impacto da ilha nos
diferentes estados psíquicos da autora. Ver-se-á que a sua obra
está carregada de um conteúdo emocional de óbvia
palpabilidade. Há poetas que dizem sofrer na produção dos
seus versos. Gabriela Silva, ao contrário, produz o sofrido, num
verso espontâneo e estruturado segundo os cânones da beleza
linguística. Façamos uma análise:
Em Ilha, num ritual absolutamente único e rico, a poetisa usa
diferentes métodos para estabelecer as dimensões da sua ilha.
Não importa o método usado, a conclusão é sempre a mesma
– a ilha é pequena. Daqui, a poetisa entra num processo indagador de avaliação pessoal, procurando de alguma maneira
determinar a sua identidade questionando o seu tamanho pessoal, o tamanho da sua ilha e o tamanho do seu pensamento. A
dúvida fica estabelecida: será que o tamanho das minhas ideias
se equaciona com o tamanho da ilha? Escutemos a poetiza:
Deito a minha cabeça sonolenta
em várias pedras desta ilha
e estendo-me ao comprido...
Fico sempre com os pés de fora
chapinhando na água salgada
deste mar encapelado.
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GABRIELA SILVA
NA ESSÊNCIA
DO
Já outro poeta ilhéu, Emanuel Félix, havia seguido um ritual, de
alguma forma, semelhante:
O rosto rente ao chão escuto o indefinido
caminhar das estacões
o bater distante do coração
da terra.
No poema “Contradição”, esculpido numa forma literariamente deleitosa, a autora é apanhada no emaranhado de uma cadeia
de emoções que vão do amor ao ódio, da aceitação à negação,
do ficar ou partir da ilha, do amá-la ou odiá-la:
Amo-te e odeio-te.
Quero-te e detesto-te.
Minha ilha.
Meu amor, minha ira
minha deusa, meu demónio
minha força com tanta fraqueza
minha garra com tanto medo
minha fúria com tanta ternura
minha verdade com tanta mentira
minha mentira com tanta certeza
minha loucura tão lúcida
minha lucidez tão louca.
Como gostava de estar longe de aqui
para te poder amar
sem estas contradições...
A poesia de Gabriela Silva é um reflexo da ilha na sua alma de
poeta. A ilha aparece como uma vivência fatalista na sua limitação espacial, isolamento prisional, rotina paisagística, medo e
saudade. Leia-se o poema “Fico na Ilha”:
Estou na ilha ciosa de espaço para correr e de mar para navegar...
Estou na ilha, acorrentada ao silêncio deste verde incómodo à espera do
azul de um outro olhar.
Fico na ilha, na demarcação absurda do medo e da saudade de Velhos do
Restelo e de Adamastores.
Fico na ilha porque resistir também é ficar.
Fico na ilha. À espera do barco da carreira que me leve de volta a um
outro lugar.
Fico na ilha, para saber se é ficando que se aprende a cá estar.
Fico na ilha. Hei-de apanhar um dia a baleeira em que saltaste para além
do mar.
(Sou como tu, avô, uma gaivota sempre a voar.)
Fico na ilha, onde fechaste os olhos na paz do teu lar.
Fico na ilha, para morrer como tu, na serenidade que tiveste ao partir
para nunca mais voltar.
Fico na ilha para devolver o meu corpo à terra ou a mar!
O ilhéu percorre estados psíquicos de natureza tão diferente
que passa a não se reconhecer, chegando a ponto de ter saudades de si próprio:
Tenho saudades de mim.
Há dias que não me encontro.
Na ilha, a tempestade amedronta a segurança do homem e
coloca-o em prece perante a divindade:
Os barcos subiram as rampas de varagem
E os pescadores voltaram do mar.
Fecham-se as portas com trancas de madeira.
Rezam-se preces
que Deus nos proteja
vem por aí tempestade a matar.
Passa-se a noite a dormir e a acordar
com medo que o mar galgue a terra ferida
para a devorar.
[83]
Os meus cabelos
agitados pelo vento rebelde
também se molham.
Ponho-me de pé.
Procuro outra pedra.
Deito-me de novo.
Volta a acontecer o mesmo.
Afinal que tamanho tenho eu?
Que tamanho tem a minha ilha?
Qual é o tamanho do meu pensamento
E a dimensão das minha ideias?
ILHEUNISMO
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O temperamento do ilhéu é forjado na bigorna das forças do
seu universo. A sua alma, feita de contradição, sobrevive a
todas as intempéries por ser da consistência da larva vulcânica:
Sou mentira e verdade
Sou amor, sou saudade
Sou loucura e sou dor
Sou suave e sou louca
Sou perversa e suave
Sou contradição e amor
Sou baleia arpoada
Que não morre no arpão
Sobrevivo à desgraça
Porque eu sou um vulcão.
Outras vezes, esta mesma alma de têmpera vulcânica sucumbe
às forças do desânimo e da insuficiência pessoal:
[84]
... Se eu tivesse a força do baleeiro que julguei ser
arpoava a esperança e a alegria, para tas devolver.
Se eu fosse o vento ciclónico da minha utopia
varria a dor da tua vida vazia.
Vezes há em que a poetiza, entregue aos vendavais da ilha pequena, julga-se diminuída e perde a independência do seu espírito, procurando reencontrar-se, à toa, no meio do mar:
... A tia é da ilha pequena
a tia só sabe de mar e de vento
a tia está triste no meio do mar.
A tia já foi como tu, sonhadora
mas agora anda aqui, sempre à toa
à procura de si
porque se quer encontrar.
A partida da ilha é inevitável para quem quer sair da rotina imutável do dia-a-dia. Em poema dedicado ao poeta conterrâneo,
Alfredo Luís, emigrante nos Estados Unidos, Gabriela Silva escreve:
... Sonhavas que outros mundos, outra vidas, outras gentes
Podiam estar à espera na margem de lá dessa ânsia de infinito.
E tinhas a certeza absoluta
Que no Pico Redondo da Fajãzinha
Tudo ficaria exacta, tristemente igual para sempre.
E que se um dia voltasses ainda lá estaria, todos os dias
O mesmo pôr de sol da tua infância
A mesma rocha inerte e verde à tua frente.
Vai, Alfredo, vai que a América é teu destino
Vai Alfredo, vai vencer na distância.
Apodrecendo a alma de saudades da infância.
Mas vai.
A linguiça e os inhames têm ainda o cheiro e o gosto desse tempo
E os porcos matam-se ainda no Natal com os mesmos rituais
Que marcam as rotinas e a morte lenta desta nossa terra intacta...
Contudo, a partida não é feita sem dor:
... Foi muito triste dizer-te adeus
No espaço de partidas e chegadas
Num adeus que soube a lágrimas salgadas...
Por muito que o horizonte da ilha desafie a alma do ilhéu, ele é
também desafiado a ficar. A luta entre o partir e ficar surge de
cores veementes no seguinte poema:
Desejo
beber o néctar da tua boca gulosa
e apertar-me contra o rochedo agreste
que é o teu peito.
Há nos teus olhos
húmidos e luminosos,
passados de glória
combates sem armas
vidas sem razão.
Deixa-te ficar.
Olha-me de frente.
Abraça-me forte.
E não digas NÃO
NUNCA!
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GABRIELA SILVA
NA ESSÊNCIA
DO
És o meu baleeiro
Arpão da minha fuga
Horizonte da minha esperança
Meu medo de partir.
Sem ti.
Deixa-te abraçar amor.
Desta vez é verdade
Juro que vim
... talvez para ficar!
A autora dá-se conta de que não é só partir. É que também há
laços de afecto que se foram semeando durante a vida e que
nos prendem à ilha:
Deixa-te ficar
Não digas nada.
Não invadas os limites do horizonte
nem lutes contra a força corajosa
deste mar.
Luta contra nós
se assim quiseres
porque a semente de afectos
que um dia plantamos
floresce intacta
e resistente a todas as tempestades.
Numa luta entre “o partir e o ficar”, a autora tenta convencer-se das razões que a podem levar a ficar. A ilha é parte integral
do temperamento, carácter e personalidade do indivíduo:
Despojada de ti
sou fragmento, sou nada
sou rasto invisível
sou água parada.
Estou perdida, encontrada
Numa esquina da vida
Onde a saudade e a angústia
São a minha morada.
Ninguém sai totalmente da ilha. Vive-se num “misto de guerra e
paz”. Ouça-se a voz da poetiza no poema “Vazei a Alma de Ti”:
... Senti o teu cheiro na almofada
e a casa está impregnada do teu silêncio.
Há um misto de guerra e paz na minha vida
a torneira pinga ainda a gota de água
que deixaste a vazar no último dia.
A tua toalha ficou no toalheiro
manchada do sangue da tua perda....
Há que experimentar e viver todas as experiências da ilha, por
muito amargas que elas possam ser. Nada será fácil. O ilhéu é
quem terá que orientar o barco do seu destino. Nas palavras da
poetisa: “Como se pode gostar de sal sem beber do mar?”
É na ilha, rodeada de mar por todos os lados, que o homem
pode mergulhar nas zonas mais profundas do seu ser para captar, ouvir e sentir, a voz da solidão numa infinita policromia de
sons. Assim se expressa Gabriela Silva:
Nada é melhor que perder tudo
para recuperar uma parte
para sentir a espuma desfeita das nossas ilusões
na essencialidade da solidão.
A poetisa antecipa a sua morte na ilha no meio de múltiplas
emoções. O diagnóstico último será o cancro fatal do tédio das
esperas com diversas metástases. Assim se lê no poema “Morrer
Nos Teu Braços”:
Sinto que um dia destes
Morro nos teus braços.
Quero que seja numa manhã de sol
E quero que sorrias.
Não, não morro de dor.
Tão pouco de prazer...
Morrerei do tédio das esperas
De desencontros passados
do fel das palavras
[85]
Ao grande desejo de partir contrapõe-se a dificuldade de dizer
adeus à ilha. Duas forças opostas numa mesma alma. Escreve a
poetiza:
ILHEUNISMO
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da dúvida e da ausência
da dor e da alegria
de te ter nos meus braços
apenas às vezes...
João Bosco Mota Amaral, em conferência proferida no Simpósio
Internacional das Ilhas, em Hiroshima, a 2 de Outubro de 1989,
escreveu: “Tudo o que é belo, é frágil. A ilha atrai e repele, ao mesmo tempo, apaixona e mete medo: tem mistério! A mentalidade do
homem insular reflecte esta marca, traduzindo-a em manifestações
de grande riqueza espiritual.” Gabriela Silva, no seu livro Ilha, ao
mesmo tempo que no vazar da sua alma, expõe as relações
existentes no binómio “ilha – homem”, de acordo com a inquietude de Luís Ribeiro, também expressa o mistério insular a que
se refere Mota Amaral.
[86]
No livro de poesia Ilha, de Gabriela Silva, o leitor poderá ver
como a ilha afecta e molda os seus habitantes. Gabriela não faz
descrições da ilha nas suas belezas naturais, usos e costumes,
mas somente expressa diferentes estados psíquicos da alma do
ilhéu perante a sua ilha. A alma do ilhéu é desafiada pelo
horizonte, intimidada pelo mar, enfastiada pelo tédio, aliciada
por aventuras e riquezas de outras terras, hesitante entre o
deixar a sua ilha e partir para o desconhecido. Finalmente, a
alma do ilhéu é atormentada pela saudade dos que vão e dos
que ficam. A ilha acompanha o ilhéu onde quer que ele vá ou
esteja. É lugar comum dizer-se “one can leave his country, but his
country can not leave him.” – Podemos deixar a nossa terra, mas a
nossa terra nunca nos deixará.
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Manuel Machado
I
Quando bati à porta da Catherine, já eu
sabia que atrás daquela porta não estava
ninguém. Evidentemente. Não se bate a
uma porta sabendo-se de antecedência que
atrás dela está alguém – pois se se quer
que a porta se abra é necessário que atrás
dela não esteja ninguém.
– C’est comme ça!
Embora não seja fácil recordar o dia exacto, pode-se dizer
que pelo andamento da carroça fácil é de adivinhar quem vai
dentro e que portanto talvez fosse domingo, quase domingo.
No dia seguinte, sábado gordo, alguns amigos vieram dizerme que se espantavam do meu comportamento.
Todos eles tinham ar de cansados – cansados do ar de Paris.
Pensando que talvez aliviasse o ar de desgraça que traziam,
limitei-me a responder-lhes que eu próprio me espantava do
seu espantamento.
– Espantamento!, mas não é nada normal que um homem
bata a uma porta quando sabe que atrás dela não há ninguém.
DOR DE DENTES
Apesar do ar de poucos amigos com que o disseram, ainda
pensei que gracejavam, e pus-me então a rir como se ri quando se sente que o que se diz é risível. Mas não! Não gracejavam. Tinham mesmo ar de não estar para graças e até aragem
de zangados. Estranho! E assim se entupiram as válvulas do
sorriso humano – as minhas, por eu ficar de repente muito
sério; as suas porque além de chegarem já fechados estavam
eles mesmo à beira de querer berrar. Ao todo tudo e todos
bem contados nós éramos exactamente 7. Recordo-me bem
que éramos 7 porque esse é também o número dos dias da
semana. E as semanas essas conheço-as perfeitamente! É
talvez a única coisa que AINDA conheço perfeitamente! Cada
uma tem l dia, por vezes 2. Quando várias pessoas estão
sentadas à volta de uma mesa, há sempre uma delas que é mais
nova que as outras. Mesmo que no grupo haja gémeos, pois é
bem conhecido que os gémeos não nascem lado a lado. E
mesmo que isso aconteça, coisa rara na vida, a força dos elementos femininos cerra-os tão intensamente que acabam por
ficar colados para sempre, e nesse caso chamam-se então siameses. Se houvesse entre nós siameses, de preferência só um
vezes dois para também não se criar mais dificuldades que as
muitas que já tínhamos, continuaria a haver alguém mais novo
que os outros. Mesmo que a qualidade de mais novo recaísse
sobre o siamês ou meses, pois a nossa inteligência, grande e
mutuamente reconhecida no interior do grupo, dava para
resolver o assunto a rir e a brincar;
– Levante-se o mais novo!
[87]
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Há sempre alguém que é mais novo. E o nosso grupo de 7 não
podia portanto afastar-se dessa regra, mesmo se escapava à
normalidade quotidiana pela forma curiosa de cada cabeça e
até por um certo nevoeiro mental. Apenas certo, mas CERTO!
– se é que a verdade merece ser pelo menos sugerida. De
repente ou enquanto o diabo ri, o mais novo de nós levantouse. Não por ser o mais novo, mas simplesmente porque se
levantou. Chamava-se Jacques e creio que contínua a channarse Jacques porque ainda não morreu. Não ter morrido ainda
não significa que continue vivo, mas simplesmente que ainda
não foi enterrado. Avistei-o há dias rastejando pela praça do
deserto à procura de pedaços de madeira para fazer malas.
[88]
Se digo que Jacques se levantou, não é porque o tivesse visto
levantar-se mas apenas porque no momento em que olhei para
ele vi-o de pé, pelo menos da mesa para cima. Certamente por
distracção não tinha reparado no seu levantamento; no entanto, como ele estava de pé depois de ter estado sentado – será
porventura asneira dizer que Jacques se levantou! Levantou-se
sem nada dizer. Nem mesmo adeus. Naturalmente, pensei que
ele não dizia adeus por estar ainda zangado e os outros não sei
se também naturalmente pensaram que ele teria mais que
fazer. Na realidade todos nós nos enganávamos pois Jacques
tinha-se levantado apenas para voltar a sentar-se. Sempre sem
nada dizer. – Ainda hoje me pergunto porque razão se levantou
ele nesse dia! Talvez mesmo da cama!
pouco que contar, pois ela andava mais à volta do seu próprio
caroço do que em frente. Para aliviar pelo menos uma esquina
do corpo, pus a minha mão esquerda sobre a mesa e o olhar fixo
sobre a caixa de fósforos que estava mesmo próxima dos meus
dedos. Um dos companheiros do grupo teve a mesma ideia e os
cinco dedos da sua mão direita, que pareciam estar há dias
sobre a mesa, tinham o ar angustiado de querer saltar sobre a
caixa de fósforos. Exactamente a mesma que eu fixava! Acontece que ele estava mesmo à minha esquerda e recordo-me que
por essa altura da nossa existência não tinha nome. Ele dizia
sempre EU. EU, quer dizer ele. Ele porque é ele quem dizia EU.
A sua mão teve um pequeno movimento. A minha também. E
nós olhámo-nos quase instintivamente como se um simples SE
planasse entre ambos. Compreendemos logo que tínhamos
qualquer coisa a dizer, mas não ousávamos dizê-lo um ao outro:
– Porque mexes a tua?
Trocámos então um pequeno sorriso, cada um de nós dois
vendo distintamente que o sorriso do outro era feito de
borracha rugosa em vez de reflectir a alegria natural de viver.
A cada soluço dos ponteiros do relógio qne se desenrolam à
nossa frente, mesmo que se esteja de costas, pode sempre
acontecer qualquer coisa que não estava prevista:
– Tenho Dor de Dentes!
A dificuldade de comunicação nos seres humanos parece-se
terrivelmente com o acto sexual na raça canina: depois de
tudo feito, já não sabe como sair do beco. Não propriamente
sem saída, mas donde só se sai recuando. E nós estávamos
salvo seja! nessa situação: 7 pessoas à volta de uma mesa
olhando-se entrelaçadas pelos arames trémulos da incomunicabilidade. Mesmo assim o silêncio não era total, sempre
havia caixas de fósforos sobre a mesa e de longe em longe o
ruído de alguém que se assoava. Não eu!, que me assoara
semanas antes num corredor do metro.
Embora o silêncio não fosse totalmente total, sentia-se saltar
dos poros da pele e era sobejamente ruidoso para tornar urgente a necessidade de o quebrar. Com a nossa imaginação havia
Aqui está um exemplo de imprevisto que um de nós atirou
para cima da mesa arrebentando desastrosamente os arames
trémulos da nossa incomunicabilidade que aliás começava a
saber bem porque já havia caixas de fósforos para todos!
Deviam ser umas dez horas, quase dez ou já nove. Há vários
anos que todos nós tínhamos “un velo dans Ia tête”1 e dele
fazíamos maravilhas. Apenas a Dor de Dentes não tinha bicicleta. Chatice! Tivemos de a acompanhar até ao metro e só
1 “Uma paulada na cabeça”; “meio desarranjado”.
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DOR DE DENTES
Quando chegámos à beira da casa e arrumámos as bicicletas,
subimos até à porta do segundo andar e vimos imediatamente
que a Dor de Dentes já lá estava – sentada contra a porta e
muito contente de ter sido a primeira a chegar. Pareceu-me
impossível compreender como é que uma Dor de Dentes
podia estar contente. Talvez por nunca ter sido psicanalizada!
Se o inconsciente é explicação decente para o contentamento
da Dor de Dentes, só pode tratar-se do de Freud, pois a ideia
sartriana de inconsciente nunca permite a uma Dor de Dentes
mostrar-se contente. Nem mesmo aos dentistas, que nestas
coisas têm a faca e o queijo na mão e são frequentemente
privilegiados com um chalèzito no campo ou na praia construído em dente, não de baleia mas de gente. Seja lá como for
ou tenha sido, a Dor de Dentes estava muito contente e
certamente nas tintas para as psicanálises.
II
Em casa de nosso amigo, na verdade amigogas pois que se
tratava de casal e ambos membros honorários do grupo, havia
cadeiras que embora não sobejassem para dar e vender davam
para nos sentarmos todos e ainda restava uma mal tratada mas
aproveitável apesar do que sofrera num antigo serão nosso do
qual evitávamos sempre falar! Abandonado o conforto do
cadeirame, preferimos sentarmo-nos no chão de tapete sobre
soalho para ficarmos mais perto dos vizinhos do andar inferior.
Maneira simpática de querermos comunicar com eles. E se
eles tinham tido a mesma ideia de desejar verdadeiramente
comunicar connosco, sabíamos já que não podiam estar
sentados sobre cadeiras, muito menos no chão de tapete ou
soalho visto que isso afastá-los-ia ainda mais de nós. Estariam
portanto sentados no tecto.
Estávamos todos sentados no tapete. Sim. A Dor de Dentes,
não! Tinha preferido sentar-se no sofá-cama existente no
canto inferior esquerdo quando se entra ou superior direito
quando se sai. Esta ideia de desnível do apartamento que
parece saltar da oposição inferior/superior não é permanente,
trata-se apenas da inclinação progressiva que as formas circundantes costumam adquirir à medida frequentemente desmedida das sedes insaciáveis. E quando isso acontece é
evidente que a inclinação se dá para dentro, ficando o lado da
porta a um nível superior... que nem sempre é possível atingir!
O nosso serão começou por um pequeno copo de tinto a
transbordar e em seguida entrou num estreito corredor político escavado por dois de nós – pequenina discussão de
carácter interminável felizmente interrompida pela Dor de
Dentes que saltou do seu sofã-cama e deu a sua opinião:
[89]
depois partimos em fila indiana portuguesa sobre as nossas 7
bicicletas para casa de um dos nossos amigos que não estava
em casa. Já sabíamos que ele não estava em casa, mas logo
que chegássemos à sua porta ele também lá estaria. E
tínhamos a certeza que ele não podia estar Iá uma vez que
éramos 7 e que sem ele não seríamos mais que seis.
– Porque é que estão para ai a berrar?! espécie de tipos de
bestas de gajos e cachorros de esquerdismo barato imbecil
de esquina de café e perna cruzada noite e dia sem fazer
nenhum nem nada de proveito próprio ou alheio!
Boa intervenção política. Os dois bravos colaram o bico e
assim pudemos começar a falar. Era aliás para isso que estávamos ali reunidos.
Falou-se muito. De copito em copito foi-se despejando garrafas e DE LONGE EM LONGE um de nós dizia qualquer
coisa ou um simples monossílabo enquanto brincava com o
copo – maravilhoso substituto da caixa de fósforos usada nas
mesas de café. Era já tarde quando nos lembrámos que a Dor
de Dentes estava enrolada no sofá-cama em vez de sentada
no tapete como toda a gente:
– Onde está ela?!
A Dor de Dentes tinha desaparecido. E saltámos à janela traseira que dava para baixo sobre o jardim relvado comum a todo
o prédio. Lá estava ela! estendida sobre a relva e olhando-nos
de um sorriso estranho. Michele perguntou-lhe se não gostava
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da noite, mas a Dor de Dentes não respondeu. Nem mesmo
NÃO! Pensamos que ela não dizia NÃO por preferir dizer SIM
e que apenas aguardava oportunidade, tanto mais que estava
estendida na noite por decisão própria. Sendo assim, e estando
a oportunidade presente, perguntámo-nos então porque razão
a Dor de Dentes não respondeu SIM à pergunta de Michele.
– A Dor de Dentes não pode responder porque é noite cerrada!
Para evitar discussões, decidimos compreender que ela não
respondia NÃO por preferir dizer SIM, e que se não dizia
SIM era apenas por ser noite cerrada e quando é noite não
se vê nada – nem mesmo a noite. O seu silêncio era portanto
lógico. De resto a lógica era o nosso forte. O único fraco era
não sabermos porque ponta lhe pegar.
[90]
Cada um se servindo JÁ de mão oposta à mão guardadora de
rebanhos de copos, descemos a dúzia de degraus entrando
pela noite dentro até sentir os pés verdes. E os 7 à volta da
Dor de Dentes tentámos reanima-la com algumas graças
dentárias que pareciam de nada servir porque ela continuava
calada e nem um dente mexia.
– Vamos mas é dar-lhe um safanão.
Richard nem esperou pelo acordo de todos, agarrou-a pelas
gengivas e safanou-a à sua rica vontade. A Dor de Dentes
torceu-se rolando e todos os dentes ficaram espalhados sobre
a relva. – Não há dúvida, o imprevisto pode surgir a cada soluço
do tempo. Assim terá acontecido também com a criação do
Mundo – quem é que esperava por tal coisa!
Não foi difícil encontrar todos os dentes, difícil foi subir a dúzia
de degraus que pareciam mais altos e até mais estreitos que no
momento da descida. Mesmo assim não houve acidentes.
Regressámos todos à sala e colocámos os dentes sobre o tapete. Os dentes que trazíamos! Quer dizer, os dentes da Dor
de Dentes. Bem contados, havia trinta e dois, estavam portanto todos visto não haver dor de dentes humana que
aguente mais.
– Que vamos fazer agora de todos estes dentes?!
– Reparti-Ios entre nós.
Resposta imediata de um dos dois companheiros que no início
do serão nos tinham enfiado no estreito corredor político.
Naturalmente ninguém se espantou – política e partilha, seja
de bens terras ou gentes, são palavras que SEMPRE
passearam de braço dado. E ninguém protestou até porque
cinco de nós tinham falta de dentes e aqueles que desejassem
ir ao dentista poderiam lá chegar já armados.
Motivados pelo nosso grau de honestidade, incluindo os dois
políticos!, já que éramos um grupo de 7 amigos e os amigos são
para as ocasiões, tratámos de encontrar um critério de partilha
que não lesasse ninguém. Com os nossos catorze olhos mergulhados em livros de metodologia – daqueles que saudáveis!
gentes de ciências sociais utilizam dia e noite – concluímos que
estávamos a perder tempo. E quando a ciência se torna OU É
impotente para resolver problemas que no fundo e até a olhos
vistos são tão simples, as pessoas voltam-lhe as costas e enchem mais um copito.
Quer se trate de congressos de petróleo quer dos nossos
trinta e dois dentes. Nossos! Da Dor de Dentes. A hipótese de
partilhar cientificamente o marfim estava portanto arrumada
sem deixar saudades e para avançar na vida decidimos utilizar
um trabalho manual: cada um servir-se de uma das suas mãos
para recolher honestamente o seu quinhão. 7 vezes 4 sendo o
que são, sabíamos já de antecedência que ficariam 4 dentes
sobre o tapete. De antecedência!, e portanto cientificamente.
Como foi possível com tão pouco trabalho! – A dificuldade de
partilha ficaria portanto reduzida a 4 que quantitativamente é
coisa de se resolver com uma perna às costas. De alguém! Iniciámos a operação, cada um retirou o seu quinhão honestamente, o tapete ficou completamente limpo. Nem um dente
restava!
O espantamento foi ENORME, Teríamos resolvido o que a
ciência não conseguira em milhares de anos, repartir trinta e
dois por sete e ficar a zero sem partir um dente! Sem dúvida.
Embora o espantamento, ainda sem dúvida ENORME, não
tivesse ferido todo o grupo. A serenidade da dona da casa e dos
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DOR DE DENTES
– Não há razão para espantamento, nós somos 7 e eu cacei
distintamente 9 braços mergulhados no marfim.
E Jacqueline acrescentou que os dois braços invisíveis só
podiam ser dos políticos visto provado e confirmado que
quando um político não se espanta de coisa que no Mundo
provoca grande espantamento é porque conhece de antecedência!, e portanto cientificamente o que se passa dentro e
fora do happening. Naturalmente (naturalmente!), os dois
simpáticos políticos lançaram-se a berrar a torto e a direito
para apanhar votos dos dois lados: no princípio do serão, defendiam os seus caiaços políticos, agora tratava-se de provar
por pó + li x tico tico que sete vezes quatro são trinta e dois.
Para fugir ao berreiro ou talvez para ver se AINDA restava
alguma garrafinha cheia, a dona da casa foi-se arredando em
surdina até se enfiar na cozinha. Quando voltou, trazia as
mãos atrás das costas e deixou-se ficar de pé atrás dos dois
políticos cujos berros já chegavam ao quartel geral da política
através dos cinquenta telefones do prédio. Jacqueline não esteve com meias medidas até porque já vinha bem intencionada: levantou o martelo bem afiado que trazia atrás das costas
e TRÁS-TRÁS – Silêncio total.
O nosso grupo de 7 que MUITAS horas antes brincara com
caixas de fósforos à mesa do café estava agora reduzido a 5.
Cinco e dois cadáveres. Como os cadáveres só servem para
fazer funerais e entre nós não havia nenhum coveiro porque
nessa noite o Eduardo não fazia parte do grupo, decidimos
arrumar a história através do autoclismo. Richard habituado
a agir enquanto é tempo, não fosse a política aparecer apesar
do silêncio recuperado, ocupou-se do negócio enquanto nós
ficámos entretidos a ler Edgard Põe.
Edgard Põe começava a chatear quando Richard voltou ao
centro do mundo a esfregar as mãos de contente. E ficámos
os cinco sentados colados à volta da “Casa Usher” fechada e
caída no centro do tapete. De repente, o mais novo dos
vivos pôs-se de pé. Não por ser o mais novo nem por estar
vivo, mas simplesmente porque se levantou:
– Impossível! esquecemos de retirar os 12 dentes que os
cadáveres tinham nos bolsos.
– Impossível nunca vi cadáveres com bolsos.
Mireille tinha sempre resposta escrita na ponta da língua, e mais
não foi necessário para iniciarmos uma discussão interessante
sobre problemas de linguística artesanal. Tornava-se IMPORTANTE saber se se podia dizer bolsos de um cadáver sem cair
em ambiguidades semânticas que levassem a falsos entendimentos sobre o género e as dimensões dos bolsos. Jacques saltou
logo: Podia-se dizer afoitamente bolsos de um cadáver, mas era
indispensável não esquecer que os únicos bolsos existentes num
cadáver são os orifícios do corpo que receberam da sociedade
humana outros nomes bem diferentes, E acrescentou que
quando se fala de bolsos de um cadáver é igualmente indispensável considerar o género do cadáver COM quem se fala,
visto que o número e dimensão dos bolsos são necessariamente diferentes segundo o sexo. Com essa informação de base,
podia-se então avançar até ao fundo da questão e dos bolsos.
Felizmente não se foi mais longe. A presença de duas
mulheres – e já sem contar que a Dor de Dentes também é
feminina – aconselhava a tratar o assunto apenas pela rama.
Na vida tudo tem fim e só ela própria é infindável. Quer dizer
que na vida afinal nem tudo tem fim! A verdade crua, ou assada
por incêndio, é que as pessoas e as coisas vão ficando por terra
nem sempre lavrada apenas como semente dessa saborosa
infindabilidade. Deve haver uma razão para que assim seja, mas
não quer dizer que seja uma razão razoável – a não ser no caso
do nosso serão que até teria sido mais razoável se tivesse
acabado mais cedo! Seja como for e foi: o nosso serão não
podia afastar-se da regra da vida, mesmo se escapava à normalidade pelo peso descomunal das cabeças que restavam à hora
madrugadora da partida.
[91]
dois políticos deixava os quatro feridos a pensar. A dona da
casa, Jacqueline de seu nome e membro honorário do seu grande merecimento que aliás lhe dá a honra de ser o único nome
real do grupo, era mulher de olhar pensamental certeiro: um
dedo que se curva, um braço trémulo por dentro da manga
opaca ou um olhai alheio que se torce em silêncio são elementos do comportamento humano que nunca lhe escapavam;
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Das cinco que ainda éramos, sem saber por quantos anos
mais!, o casal de amigogas já começava a ressonar de pé quando decidiu abrir a porta. Que trancou apressadamente – não
fossem os três últimos perder o norte e voltar a entrar!
Catherine – Voilá! qualquer coisa que não é entrar em casa
nem ficar fora – ainda uma verdade que anula o principio
catanho do “terceiro excluído”.
Quando bati à porte da Catherine, era ainda muito cedo. Ou
DISPERSÁMO-NOS.
Cambaleando cada um ao seu destino das mansardas de Paris.
E fiquei só, só comigo mesmo. Os outros também. Porque
estávamos TODOS sós, sós há já muito tempo. Víamo-nos
frequentemente, é verdade, mas apenas para nos vermos,
para cada um de nós poder dizer-se intimamente: NÃO
ESTOU SÓ! – mesmo sabendo que estava sempre só. Fiquei
portanto só. E quando se está só, não se tem vontade de
entrar em casa nem de ficar fora. Assim fui bater à porta da
[92]
NOTA:
Paris, 1970, escrito em francês.
Oslo,1990, traduzido para norueguês, por Halfdan W.
Freihow (publicado em antologia. Editora “Aventura”).
1990, traduzido do francês para português pelo autor.
muito tarde. Para mim era muito cedo: eu via as pessoas que
tinham acabado de se levantar e corriam na rua como se
estivessem com pressa de se deitar. Para eles era muito
tarde: viam um homem que AINDA não se tinha deitado
enquanto elas já estavam de pé e a caminho de fábricas
andaimes e caves. Recordo-me que era princípio de semana.
Porque as semanas, essas conheço-as perfeitamente! É talvez
a única coisa que ainda conheço perfeitamente: cada um tem
1 dia, por vezes 2. – Excepcionalmente 3!
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António de Névada
UMA LEITURA POSSÍVEL:
Os efeitos sociais da arte são à primeira vista,
coisa tão extrínseca, tão afastada da essência estética,
que não se vê como a partir deles se pode penetrar
na intimidade dos estilos.
J. Ortega y Gasset
PROPOSIÇÃO
Em tenra idade, descobri a música, a poesia, a literatura… Terá
sido um privilégio! E a dada altura questionava-me de que
servia, qual o interesse em entregar e consumir o meu tempo
à volta dos livros, com as questões literárias, ou com a arte.
Não tive respostas imediatas. Com o passar dos anos, acabei
por assumir que essa paixão nunca me seria útil como a enxada
para o agricultor. Ou talvez se assemelhasse à faina do homem
do mar, quando este enfrenta as tormentas na tentativa (vã tentativa?) de resgatar a alma. Aprendi, humildemente, a estruturar
o pensamento à medida que absorvia o ímpeto arrebatador de
cada verso, à medida que descobria o mundo imenso, para
além do extraquotidiano que nos rodeia, nos apura os sentidos.
Continuo sem obter respostas absolutas, é certo. Continuo
vislumbrando, em cada instante, um instante de quietude.
Nessa medida, não é como o critico à procura da decomposição de enigmas, nem como o filósofo no seu papel de media-
[93]
OS TRABALHOS
E OS DIAS
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dor, aferindo segundo uma escala de valores, que aqui venho.
Tampouco serei o leitor interessado apenas na compreensão
da obra. Venho aqui como poeta. Não afugento as dúvidas nem
as incertezas, antes reflicto entre elas. E de certa forma, aquilo
que assumi ingenuamente não é de todo descabido. Sulcando
os mares, transfigurando-se no rumor das águas, mais do que
uma ferramenta que doma a rebeldia, desbravando para
encontrar terra arável, a poética (e a literatura) é irreparavelmente o chão que o poeta amassa (o pão que como?): seja
aqui, então, o cultivo, a faina, o lugar onde o corpo impregnado pela vida fermenta a alma inquieta! (Pois o que desgasta e
esmaga, será eventualmente o que nos fica para cá do cultivo,
e que a alma interroga, amiúde nos indaga…)
[94]
Vivi a infância no n.º 54 da rua Senador Vera-Cruz (ou Kuame
Nkrumah). A menos de cem metros, no sentido norte, ficava,
e lá continua, o Canalim de Mateus Tchaina, e um pouco mais
à frente, já no cruzamento que corta para a Praça Nova (Praça
Amílcar Cabral) viria a nascer a Galeria Nhô Djunga, na mesma
casa que pertencia aos Cleofas Martins e onde viveu Nhô
Djunga. A escassos metros de casa, dobrando a esquina da
padaria de Nhô Antero, estamos na rua paralela, então rua 1.º
de Maio (mais conhecida por rua de Papa Fria). O quintal do n.º
31/33 fazia paredes-meias com o meu quintal, e era onde vivia
Nhô Roque, o Dr. António Aurélio Gonçalves, figura de vulto,
que hoje dá nome à própria rua. E é nesta rua, mais acima, a caminho da editora Nazarena, no 107, a dois passos da residência
dos Lopes (onde viveu o poeta José Lopes, tio avô do Nhô
Baltas), que vivi depois os anos mais importantes da minha
adolescência, na casa onde ainda vivem os meus pais, a minha
casa… Do lado nascente, paralela à rua de Papa Fria, fica a rua
Machado (rua “do Palácio”). Em direcção ao Alto Mira Mar,
como quem ia para o cinema Tuta, duas paralelas seguintes, e
virando à direita, vamos desembocar num largo ou praceta sem
saída, eis onde morava o Dr. Baltazar Lopes.
de todos”1… rematando que “isso hoje não existe no mesmo
grau”2. Mas é a mesma cidade, nos seus defeitos e nas suas virtudes, que me proporcionou, também, o privilégio de conhecer
alguns dos homens que aqui homenageamos, nomeadamente o
Nhô Roque e o Nhô Baltas que no quinquagésimo aniversário
da revista Claridade assumia que “… do nosso posto menor de
observação, que era a cidade de Mindelo, nós do Grupo tomávamos
perfeitamente nota da situação geral”3 desastrosa. Permitam-me
pois que homenageie hoje, também, como um bom m’nine
d’Soncente (nascid e criód), a cidade de Mindelo.
Falo eu, Fala também tu… Mas não separes o Não do Sim/ Dá à
tua sentença igualmente o sentido:/ dá-lhe a sombra4, é o que nos
diz Paul Celan, poeta de origem judaica, que não cito aqui
acidentalmente, e que pertence, como alguém terá considerado,
a uma condição existencial sem saída, no beco da história do
século XX. Assim, abordarei os trabalhos e os dias de um dos
fundadores da Claridade, e ideólogo do movimento enquanto
projecto, que, a dada altura, se assumiu (ou com-fluiu) como
programa tematizável de uma identidade. Tratar-se-á de uma
proposta de análise à poética e ao complexo discursivo do Dr.
Baltazar Lopes da Silva (e Osvaldo Alcântara), como se fosse
possível recolher o imperceptível, ler e partilhar convosco, o
resultado da transformação profunda, ao encontro da concepção
da modernidade. Se entre parêntesis me arroja lembrar que as
obras existem e permanecem, tudo aquilo que a alma criativa
derrama na sua arte, deve ser indagado tendo por base que o
eco, o uso e o significado de certas palavras, de certos símbolos,
as reminiscências literárias e (o que percute) as afinidades do
autor, no seu justo valor (averiguável) e no seu exacto alcance,
quando se conhece, permitem a compreensão da obra e da
pessoa, sua formação e envolvimento, no seu tempo e na sua
1 in Retratos Falados de Fernando Assis Pacheco – O Mago Baltasar
(entrevista cedida a 06.05.1988), pág. 293; edições ASA, Maio 2001.
É uma breve fotografia de uma pequena zona no centro de Mindelo, nos anos setenta e oitenta do passado século. Comparado
com os anos trinta, Baltazar Lopes confessa: “Já não há o cocktail
social. E também já não se vê o grande sentido de solidariedade que
havia nesse tempo, quando os problemas de um eram os problemas
2 Idem.
3 in Edição ALAC fac-similada da Revista Claridade – Depoimento de
Baltasar Lopes.
4 in Sprich Auch Du (Fala também Tu), da obra Von Schwelle Zu Schwelle
(De Limiar em Limiar) de Paul Celan.
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UMA LEITURA POSSÍVEL:
OS TRABALHOS
E OS DIAS
Tenho uma saudade funda da tua eternidade futura
quando a tua decantação deixar na alma
o colóquio inevitável dos que vão morrer5.
Nesta saudade pura da poesia, não nos podemos esquecer que
B.L., à semelhança dos outros fundadores da Claridade,
acolheu os ecos da Semana de Arte Moderna de São Paulo de
1922, e foi confrontado pela Poética de Manuel Bandeira: (…)
Abaixo os puristas/…/ Quero antes o lirismo dos loucos/…/ O
lirismo dos clowns de Shakespeare/ - Não quero mais saber do
lirismo que não é libertação.
ENQUADRAMENTO
Tendo por base a ética epistemológica, é importante abordar
aquilo que terá sido o propósito da Claridade, ou o que se terá
transformado no propósito como tal, segundo a leitura que hoje dela fazemos. Muito daquilo que se aceita como vinculativo
nesta matéria, e que é transmitido de forma quase prescritiva,
não esclarece convenientemente o evento da modernidade literária e cultural destas ilhas. E Manuel Lopes, outro dos
fundadores, terá dito que «não se pode chamar programa ao
simples acto de fincar os pés na terra». Isto sugere que deveremos repensar os propósitos, reelaborar a leitura dos dados
averiguáveis, de modo a reter o essencial (e rejeitar, se necessário, o condicionalismo epocal) no legado que a Claridade nos
oferece (a nós e às gerações vindouras). “…como ler um passado
que não conseguimos delimitar? O século XX durou apenas 75 anos
como propõe Eric Hobsbawm (entre a 1ª Grande Guerra e a queda
do Muro de Berlim)”6, caracterização que é válida dentro do
contexto da história política. Mas que, como considera Osvaldo
Silvestre, para o historiador de literatura “no caso português
tenderá a escolher 1915, ano da edição do n.º 1 de Orpheu, para
abrir o século; mas que escolherá o ano de 1922, ano da Semana
de Arte Moderna, se for brasileiro; e talvez o de 1936, ano do início
da publicação de Claridade, se for caboverdiano”7.
Em 1936 a revista Claridade, é inquestionavelmente, uma publicação modernista que inscrevia Cabo Verde na vanguarda literária, no contexto da língua portuguesa e dos movimentos da
arte moderna.
O séc. XX para a literatura caboverdiana inicia-se, efectivamente, com a Claridade. Não haverá grandes equívocos nesta
afirmação, que por sua vez, nos deixa outra questão pertinente:
e o século XXI? Já se iniciou, para a Literatura Caboverdiana?
PRIMEIRO ARGUMENTO
O espaço e o tempo dessa exposição é limitado, e para não
alongar, continuando o que vos proponho, os meus argumentos
farão referência à Grécia Antiga. Sabemos que é grandioso o
contributo dos gregos para várias conquistas da humanidade.
Também sabemos, e é importante salientá-lo, até para des-mistificar o peso ou aparato Greco-Latino, que os laços intelectuais
(e mesmo afectivos) entre os gregos e outras civilizações antigas, a leste e a sul (Médio Oriente, Ásia e África), se revelaram
fundamentais para a construção (formação) das civilizações modernas. E se analisarmos as conquistas, conscientes de que constituem um património que não pertence, em particular, a esta
ou àquela civilização, constatamos que a interdependência entre
elas é extraordinária (desde os antigos, sejam eles gregos, egípcios, persas, fenícios, indianos ou chineses) nos mais diversos
domínios da ciência, da tecnologia, das ideias políticas, da matemática ou da literatura. E o objecto fundamental da meditação
das civilizações antigas foi a alma humana: o rigor geométrico, as
ideias de limite, de medida, de equilíbrio que deveriam determinar a condução da vida. Assim, só seremos geómetras perante a matéria e perante a ciência, e fundamentalmente peran-
5 in Pura Saudade da Poesia, poema de Osvaldo Alcântara, inserido no n.º
5 da revista Claridade (Set. 1947), e posteriormente in Cântico da
Manhã Futura (1986), volume de poesia do autor, edição Banco de
Cabo Verde / Instituto Caboverdiano do Livro.
6 in Século de Ouro: Antologia Crítica da Poesia Portuguesa do Século XX –
Introdução, pág. 17; Organização O. M. Silvestre e P. Serra, edições
Angelus Novus & Cotovia 2002.
7 Idem.
[95]
génese. Goethe considerava a poética de um homem das letras
como elemento de uma grande confissão. É neste tom, de uma
profunda sinceridade, os versos de Osvaldo Alcântara:
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PEDRO MADEIRA PINTO
Nascer a cada dia,
2007
técnica mista sobre papel
medida 100x70 cm
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UMA LEITURA POSSÍVEL:
OS TRABALHOS
E OS DIAS
A par das épicas homéricas (Ilíada, Odisseia) que narram aventuras heróicas (onde o poeta é, de algum modo, o eco das palavras de deus), (e embora) usando a mesma língua e a mesma
métrica, e sendo contemporâneo de Homéro, a poesia de Hesíodo, a quem se atribui a autoria de duas obras que chegaram
até nós (Teogonia e Os Trabalhos e os Dias), codifica tradições
que ao mesmo tempo se pretendia ancestrais e mitológicas.
Acabou-se o poeta anónimo! Em Os Trabalhos e os Dias, o
poeta grego fala-nos de si, é talvez o primeiro poeta que o faz,
e evoca a sua querela com o irmão (Perses), e a figura do pai
que se esforça a cultivar uma terra ingrata ao mesmo tempo
que apascenta os seus rebanhos. Os heróis ganham uma nova
dimensão humana, do homem enquanto indivíduo, exaltando a
justiça como uma doutrina sistemática dos deuses e da vida:
Ó Perses, escuta a Justiça, não deixes crescer a insolência.
A insolência é uma desgraça para o mísero mortal8
Aos homens deu ele a Justiça, em muito
o maior dos bens9.
No conto Os Trabalhos e os Dias que dá nome à edição de 1987
da ALAC (África, Literatura, Arte e Cultura, Lda.) que reúne os
seus contos dispersos, Baltazar Lopes (re)cria figuras e personagens que, no apelo à justiça, se assemelham (com o devido distanciamento, de milénios) aos do poeta grego Hesíodo. Eis o que
nos diz Nhô Manuel Antoninho um dos personagens de B.L.:
Só Deus é dono do seu juízo (…)10.
Há pouco, na proposição, dizia que a condição que me arrastou a
estar aqui convosco é o vislumbrar da quietude. Pois bem, estas
breves transcrições permitem-me dar visibilidade ao facto de não
aceitar o vinculativo, de que a veia criativa deste autor foi dominado, ou amarfanhado, por motivos sócio-culturais. Em toda a
obra de B.L. a inquietação da vida, muito mais profunda e abrangente, transcende o social. E o sustento estético e ideológico
com que transcreve tal inquietude tem bases extremamente
sólidas no princípio e na vocação do geómetra. Que a vida, ela
própria, passa, inevitavelmente, por questões de ordem estética:
a angústia, o sofrimento, a dor, o amor, o silêncio, o caos e o belo,
revelam-se na alma e no que ela intenta como miragem, e nos
transcende, para legitimar os sonhos e a amálgama indecifrável
da aprendizagem da virtude. Eis o que me interessa na arte, e
que podemos ler nos versos de Osvaldo Alcântara do poema Só:
E eu te agradeço, ó pequena voz humilde,
que me ensinaste a virtude de saber renunciar às aristocracias que vêm nos livros de linhagens
e nunca consentiste que quem quer que seja
afaste a minha sombra do meu corpo13.
Do Trabalho e dos Dias, o Prefácio14 (Nov. de 1986) de Arménio
Vieira, como o próprio admite, deixa muitos aspectos na sombra,
não por incúria mas por defeito. O defeito de Arménio, que é
intrínseco à alma de um poeta, reside na particularidade de não
8 Hesíodo (meados do séc.VII a.C.) in Os Trabalhos e os Dias (Justiça e
insolência, 213-214) – tradução de Maria H. da Rocha Pereira (hélade:
Antologia da Cultura Grega), edições ASA.
9 Idem, Hesíodo in Os Trabalhos e os Dias (Justiça é a lei dos homens,
279-280).
Mas quem sabe se amanhã, quando deus se cansasse de
experimentar as suas criaturas, não viria finalmente um
tempo assim…, que não seja desmesuradamente coberto
pelo preço do litro de milho branco (…)11.
10 Baltasar Lopes in Os Trabalhos e os Dias (um vapor encalhou nesse sul),
pag. 78; conto que dá nome à colectânea editada pela ALAC (África,
Literatura, Arte e Cultura), 1987.
11 Idem, Baltazar Lopes in Os Trabalhos e os Dias (caminho), pág. 80.
12 Idem, Baltazar Lopes in Os Trabalhos e os Dias (em nome da lei),
Estou a defender o que eu e estes companheiros recebemos da misericórdia divina.
pág. 83.
13 in Só, poema inserido no volume Cântico da Manhã Futura, edição do
BCV / ICL.
E …Vossemecê nada pode fazer contra a justiça de Nosso
Senhor12…
14 Idem, in Prefácio de Arménio Vieira, pág. 7, da colectânea de contos
Os Trabalhos e os Dias.
[97]
te a vida, se antes formos geómetras na aprendizagem da virtude. Eis a condição humana imprescindível. E aproveito para
colocar aqui todo o acento tónico desta breve exposição.
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[98]
reconhecer a literatura realista. Também eu não a reconheço, e
talvez sofra do mesmo defeito, embora aceite que não existem
temas poéticos. Todos os temas podem sê-lo. E a literatura não
reclama nenhum acesso privilegiado à realidade, ela apenas nos
permite mais um registo plausível. Para Jorge Luís Borges, a
realidade só se torna coerente numa perspectiva literária. Não
terá sido o que Baltazar Lopes fez ao longo da vida? Encontrar
coerência da vida, e da dimensão desmesurada do mundo, no
sustentáculo e na criação literária? A unidade de uma época poderá ser uma grande ilusão, e pensamos que Arménio, também,
admite que as mesmas pressões sociais, económicas ou culturais
possam produzir, simultaneamente, obras datadas e obras plenas
de perenidade. Mas a breve leitura que nos apresenta no prefácio, aflora duma forma muito plana os contos, e embora distinguindo na essência, não consegue libertar-se do historicismo por
demais datado, e acaba por não ultrapassar os estudos de Manuel
Ferreira, que cristalizaram muitas análises feitas à volta da
Claridade e da literatura caboverdiana. É certo que também
convém esclarecer, as duvidas que uma leitura mais aprofundada
levanta, no sentido de apurar, até que ponto as teorias de M.F.
estão em conformidade com a concepção da Claridade e da
Literatura Caboverdiana que o próprio B.L. vincula. Pois tudo
indica que há uma dissemelhança que não deve ser ignorada.
Vejamos o que nos diz B.L. a dada altura:
E como Ferreira é bom conhecedor da terra e das gentes, os
pontos de vista que tem apresentado ao longo de um debruçar, que não vem de ontem, sobre estes temas, apresentam sempre valorações pertinentes; mesmo quando não
concordemos totalmente, a nossa discórdia nunca deixa de
ser acompanhada de respeito por este escritor, digo por este
homem profundamente sincero15.
Há dados, perfeitamente averiguáveis, que indiciam que Baltazar
Lopes, sendo um homem de convicções, soube, entanto,
admitir e fomentar a discussão de ideias e de ideais, como um
pressuposto ao mesmo tempo ético e cultural (e penso que essa
atitude não é uma excepção isolada no seio dos mentores da
Claridade). A inclusão do prefácio de Arménio Vieira, um poeta
suficientemente distinto do movimento Claridoso, na abertura
da colectânea de contos referido acima, é disso um exemplo. A
inclusão e a menção, com dignidade, de elementos jovens saídos
do liceu, geração do Suplemento Cultural, donos também duma
voz colectiva, (Capitão… esta voz somos nós16), como sendo
Gabriel Mariano, Onésimo Silveira, Ovídio Martins, nos últimos
números da Claridade poderá ser outro exemplo.
Gabriel Mariano, que em 1959, ao escrever sobre a inquietação
e a serenidade na poesia caboverdiana, refere o seguinte:
Este poeta (Eugénio Tavares), como tantos outros em Cabo
Verde, escreveu nas duas línguas de que o caboverdiano
normalmente se serve: a língua portuguesa e a língua caboverdiana, mas só a sua obra de expressão crioula tem utilidade para a cultura viva de Cabo Verde17.
Repare-se que há aqui uma abordagem que exclui categoricamente, por suposta inutilidade, não deixando sequer lugar para
a dúvida, ou contra-argumentação.
É mais ou menos nessa toada, ou binómio exclusão versus inclusão, que assenta (década e meia depois!) as leituras de Manuel
Ferreira, e as teorias e os estudos apresentados no Reino de
Caliban. Mas se apontarmos que, no contexto da diferença como
tragédia18, Próspero não pode dispensar Caliban, nem Caliban,
Próspero. Porque será que no reino de Caliban organizado por
M.F. não houvera lugar para incluir abertamente os Antecessores
(Guilherme Dantas, Eugénio Tavares, José Lopes, Pedro Monteiro, Januário Leite, António Corsino Lopes, e demais parceiros)? E não bastaria segregar os ageográficos, Poetas das Sete
Partidas, como seria necessário afirmar, peremptoriamente, que,
um partidário da poesia pura, João Varela, inseria-se numa linha de
completo desenraizamento crioulo19, ou perfilha uma atitude
poética de desenraizamento cabo-verdiano20?
15 Baltasar Lopes In Prefácio (1967) da Aventura Crioula de Manuel
Ferreira, obra que já conhece 3 edições.
16 Gabriel Mariano, Capitão Ambrósio.
17 in Cultura Caboverdeana – Ensaios, Gabriel Mariano; edições Vega, pag. 99,
Inquietação e Serenidade, Aspectos da Insularidade na Poesia de C.V..
18 Referência os texto de Eduardo Lourenco, Otelo ou a diferença como
tragédia in Destroços – O Gibão de Mestre Gil e Outros Ensaios, gradiva
edições, Março 2000.
19 Manuel Ferreira in No Reino de Caliban, 1975 edição Será Nova.
20 Idem.
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UMA LEITURA POSSÍVEL:
Voltaremos (mais adiante) a esta questão da exclusão vs inclusão
(ou se preferirem do Próspero vs Caliban). Mas para não perder
o fio à meada, dizia, que deveremos confrontar tais estudos, e o
projecto teórico resultante, que designamos atrás de cristalizador, mas que não perde o mérito do seu pioneirismo e entrega,
com aquelas que não estão em sua sintonia. E lembro-me, de
Aurélio Gonçalves, que munido de outro entendimento, e de
uma desenvoltura assinalável, propôs outra leitura, aquela que se
esconde atrás dos actos aparentes… (e que nos elucida) que a vida
é sempre mistério, mesmo quando se revela por factos de banalidade quotidiana21. Mais uma vez o B.L. apresenta-nos com discrição o seu gosto pelo diálogo (com toda a abrangência filosófica
que o termo possa carregar) ao dar a voz a Aurélio Gonçalves,
este seu condiscípulo de sempre, que nos apresenta na abertura
da Antologia da Ficção Cabo-verdiana Contemporânea, e estamos
no ano de 1960, uma das leituras mais agudas (pela clarividência)
e quiçá a mais assaz consciência, dentro do seio da própria Claridade, que a literatura, em especial a literatura dum país emergente, se faz da inevitável capacidade talentosa dos seus autores:
Venham todas as vozes, todos os ruídos e todos os gritos;
venham os silêncios compadecidos e também os silêncios
satisfeitos;
venham todas as coisas que não consigo ver na superfície
da sociedade dos homens;
venham todas as areias, lodos, fragmentos de rocha
que a sonda recolhe nos sermões daqueles que não têm
medo do destino das suas palavras;
(…)
volve tudo ao ponto de partida,
e venham as odes dos poetas,
(…)
que as criaturas se façam criadores;
venha tudo o que sinto que é verdade
além do círculo embaciado da minha vidraça…
Eu estarei de mãos postas, à espera do tesouro que me vem
Que destino espera esta actividade literária…? Conseguirá ela vingar…? (…) O seu futuro está nas mãos da natureza e do escritor caboverdiano. Os talentos, só a fecundidade da madre-natura no-los poderá oferecer. Sintoma
tranquilizador é o de que novos vão aparecendo. Se o
escritor caboverdiano se resolver a ser um verdadeiro intelectual, trabalhador insatisfeito, místico, se se impregnar
da dignidade que lhe confere a sua missão de criador…
teremos literatura22.
Os meus joelhos doridos,
mas todos os que vierem me encontrarão agitando a minha
É interessante como essa perspectiva, ainda antes da nossa
soberania política, assumia este facto como se consumado, e
num olhar soberbo e absolutamente vanguardista, lançava o
desafio literário na sua plenitude. Na verdade se projecto
houve do movimento claridoso, ou se o tempo vocacionou a
sua elaboração, ao longo dos seus largos anos de publicação
intermitente (9 números em 3 décadas), tal projecto daria por
concluída a sua tarefa, os seus objectivos. É um pouco isso que
nos diz A. Gonçalves, na medida que pressupõe a importância
da responsabilização das novas gerações, cabendo a estas a
continuidade e a dignificação das rotas.
Na onda do mar…
A minha principal certeza é o chão em que se amachucam
lanterna de todas as cores
na linha de todas as batalhas.
(Ressaca)23.
Posto isto, seria escusado dizer que aprecio, por defeito, a criação literária seja qual for a sua manifestação, e aceito a inspiração
quando e donde quer que ela venha: da imaginação ou da reflexão, da natureza ou do estudo. É estoutro defeito que equilibra
21 Aurélio Gonçalves in Problemas da literatura Romanesca em Cabo Verde,
comentário que antecede a Antologia da Ficção Cabo-verdiana
Contemporânea, organizada por Baltazar Lopes, 1960, edições Henriquinas; e incluída também in Ensaios e Outros Escritos (de A. Gonçalves),
organização e apresentação de Arnaldo França, edições do Instituto
Camões, Centro Cultural Português Praia-Mindelo 1998.
22 Idem.
23 Osvaldo Alcântara in Ressaca, inserido no volume Cântico da Manhã
Futura, ed. BCV / ICL.
[99]
OS TRABALHOS
E OS DIAS
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[100]
PEDRO MADEIRA PINTO
Sonho simples, 2007
tinta sobre papel
medida 50x40 cm
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UMA LEITURA POSSÍVEL:
OS TRABALHOS
E OS DIAS
Se B.L., como tenho argumentado, foi, enquanto criador literário, um ser dialéctico, que fomentou o diálogo, e se em 1960,
com a Antologia de Ficção Caboverdiana Contemporânea,
implicitamente, aceitou que o programa Claridoso tinha chegado a bom porto, o que lhe terá movido, em 1986, volvidos 26
anos (ou seja, uma geração), o seguinte dito:
Essa caboverdianização da temática fizemo-la. E continuou. Mesmo os que vêm posteriormente preocupam-se
com ela e realizam uma temática caboverdiana. Eles são
claridosos digamos malgré eux25.
música, a pintura, a escultura, a dança, o teatro, enfim… também
ela, a poesia, a literatura), familiarizado que esteja com a poeticidade da linguagem, o autor, reconhece num autêntico cataclismo,
que o momento aonde não permanecemos, que não nos atinge,
ou nada nos diz, resume-se a um pensamento sem fundamento,
a um momento sem pasmo, que não alcança a essência de ser.
A identidade é uma das verdades inultrapassáveis para o nosso
pensamento contemporâneo. Homem de suprema inteligência
teórica, e prática (como o constata Osvaldo Silvestre no seu
estudo, A aventura Crioula Revisitada27) Baltazar Lopes sabia-o,
quando nos deixou o dito referido acima: (…) Eles são claridososos… malgré eux». Seremos, então, todos claridosos por
sermos caboverdianos? É certo que o desdito é um apelo
interior ao dito que ao dizer se abdica. Partimos de um dito que
será (de)pois necessário (des)dizer? Raios partam a Claridade (!):
é o que apetece dizer se não apetece desdizer coisa alguma.
Buscando a nossa identidade, ou participando dela, sereis então,
inevitavelmente, apanhados pelas teias da Claridade? É óbvio
que não. E garantidamente não terá sido este o alcance contido
nas palavras de Nhô Baltas. Palavras que ditas em 1986, nos possam saber a conservadoras, mas que acima de tudo espelham a
grande honestidade intelectual do homem que as diz.
SEGUNDO ARGUMENTO
Para Baltazar Lopes as preocupações da Claridade «tinham a sua
fonte principal na situação desastrosa…» que «ignorava ou violava
os mais elementares princípios que regem a vida do homem e do
cidadão e salvaguardam a liberdade individual»26. Passemos ao
segundo argumento da minha leitura, com a questão seguinte:
Estas preocupações, intrínsecas à humanidade, em qualquer latitude, assumem, necessariamente, a caboverdianização da temática?
O pensamento razoável é temático (os Claridosos sabiam-no!), e
pensar é posicionar. Aquando da realização de um movimento, a
pausa, o pousio, fundamental, assume a posição suspensa no espaço, como referência necessária ao movimento. Posicionar é a
experiência ontológica da firmeza do ser que se repete na tematização e na síntese. Qualquer autor que lida com a criatividade
artística (incluindo todas as artes com vigor nos nossos dias: a
Há duas atitudes, extremas e antagónicas, que por vezes se levantam à volta da Claridade, idolatria e repulsa, ambas gratuitas
e contraproducentes. Pois a primeira acaba por matar à nascença
a missão de criar. E a segunda transmite uma imagem de que a
Claridade se assemelha a uma teia, ou areia movediça, com o
condão de não deixar a literatura caboverdiana sair da cepa torta,
24 Lao Zi in Tao Te Ching (o Livro de Tao).
25 Afirmações do Baltazar Lopes (06.05.1988) in Retratos Falados,
entrevistas conduzidas por F. Assis Pacheco; edições ASA 2001.
26 Depoimento de Baltazar Lopes, in edição fac-similada da revista
Claridade (edição da ALAC, 1986).
27 Osvaldo Silvestre in A Aventura Crioula Revisitada – Versões do
Atlântico Negro em Gilberto Freyre, Baltasar Lopes e Manuel Ferreira,
publicado no ACT 6 – Literatura e Viagens Pós Coloniais, Org. Helena
C. Buescu e Manuela R. Sanches; edições Colibri, Centro de Estudos
Comparatistas da FLUL.
[101]
a amplitude da minha visão sobre a obra de Baltazar Lopes. E
me alerta da necessidade de avaliarmos com a mesma isenção
tanto a sua criação artística como a sua concepção ideológica ou
teórica. Tudo isso será possível se deixarmos de lado o imediato
e óbvio, e concentrarmo-nos no substancial e por vezes recôndito. Para colher a expressão de uma obra, na sua plenitude,
seria quase necessário que a mente conhecedora pudesse
abster-se de todo o saber cumulativo, para o início da viagem
surpreendente onde o Não-Ser se torna realmente decisivo24.
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ou encontrar novos rumos. Penso que as duas atitudes mais não
espelham que limitações ou incapacidades criativas.
Como ideólogo o B.L. assume, a dada altura, que a Claridade
tem um programa, da qual fazem parte o levantamento, a elaboração e por último a definição duma identidade, uma
caboverdianização. Uma incursão nessa vertente, deve ser feita
a par da caracterização (que está feita!) da época, e de um certo
modo como, neste caso, o ideólogo se mostra perante o seu
tempo. A época e o ser num parentesco indissociável, mas tendo presente que a identidade é uma entidade viva que merece
ser vigiada e reelaborada. Por outro lado não faz sentido avaliarmos a literatura (valorizando ou desvalorizando-a) pelo carácter
programático e operativo em duelo com o filosófico e especulativo. Pois uma valoração baseada nessa distinção pode transvestir-se, em algo absolutamente estéril.
[102]
Ninguém, hoje, poderá negar a validade do programa da arte
abstracta. Mas será possível desvalorizarmos a arte figurativa do
passado (ou do futuro), considerando o intento representativo
como irrelevante, colocando a não-figurativa como condição
indispensável da arte?
Neste ponto, do programático e da caboverdianização, como
parâmetros de inclusão ou exclusão, e se William Shakespeare é
dono dum universalismo inegável, interessa-me voltar à questão
de Caliban, que tragicamente se expulsa a si próprio ao banir
Próspero. Não pretendo esquecer que em relação à separação
ou segregação feita no Reino, Manuel Ferreira, avisa que tal
arrumação não se fundamenta em qualquer juízo de valor. E o
eventual descuido, que se espreita no Reino de Caliban, não terá
sido a organização de uma Antologia, de acordo com um
programa, que legitima uma pretensão doutrinal. Na arte tudo
aquilo que é legítimo como sustentabilidade de um programa,
torna-se ilegítimo quando se tem a pretensão de considerar
inválido outras vivências ou espiritualidades, que não se encaixam no nosso ideal. Mesmo quando observamos o mesmo objecto, a contemplação resultante sobre a tela, no ofício ou impressa na folha em branco, poderá ser distinta na forma e no
conteúdo. É inválido julgar o passado ou estabelecer o futuro
não admitindo outra proposta ou resolução, que aquela que
sustentamos e nos sustenta. Tem havido um silêncio à volta
desse descuido. E mesmo Baltazar Lopes, que se demarca das
teorias de M. F., não se pronunciou em relação a tal descuido,
que persiste, inclusive, na actualidade, e perante outros paradigmas. A geração mais nova, geração à qual eu pertenço, ademais assombrada pela dramaturgia do ego, por vezes ao pretender reelaborar concepções estéticas, limita-se ao que está prescrito, não cuidando da responsabilidade que lhe cabe em reler,
hoje e devidamente, o passado.
A arte literária e arte a caboverdiana, nas mais diversas manifestações, conheceram ou sofreram as transmutações suficientes,
e atingiram uma densidade tal, que não é descabido questionarmos da sua entrada no novo milénio. Há desafios que se
colocam à alma caboverdiana, que pela sua natureza múltipla,
intentará soluções estéticas distintas daquela proposta pela Claridade. E na tarefa de cada geração de refazer de novo, temos
a lição da Claridade que não aceitou acriticamente o que quer
que fosse. E se a tragédia da diferença, foi uma fatalidade, a
definição da nossa identidade, hoje, permite-nos reconhecer no
nosso rosto um outro igual e livre com pleno desejo de reconhecimento.
E para terminar, não posso deixar de partilhar convosco a leitura de dois ou três versos que para um poeta não têm passado
nem futuro:
O rei espera por nós no caminho da ilha dos Mais Belos
Poemas.
Vamos! Bendize a tua dor na Rua da Amargura!
Além é o horizonte.
E está nos teus passos ir até lá e ver a Ilha Prometida,
para que o teu coração não tenha um limite e uma distância diferente!28
28 O. Alcantâra in Balada dos Companheiros para Pasárgada, inserido no
volume Cântico da Manhã, ed. BCV/ICL.
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CIÊNCIAS HUMANAS
PEDRO MADEIRA PINTO
Ramos dos sonhos, 2008
técnica mista sobre papel
medida 100x70 cm
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Sérgio Avelar Duarte
CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE
NATURAIS E/OU RELACIONADOS
COM OS
AÇORES
N
a sequência de frequentes visitas aos Açores, surgiu a oportunidade de, no âmbito de um estudo
mais vasto que tenho em preparação, fazer o levantamento das pedras de armas, armas tumulares, cartas de brasão de armas, talha, faiança, porcelana e
azulejos brasonados e outros espécimes heráldicos
existentes no arquipélago.
osteriormente, decorria o ano de 2005, dei início
a este trabalho de inventariação das Cartas de
Brasão de Armas de pessoas nascidas ou de alguma forma relacionadas com os Açores, a fim de
facilitar a identificação dos espécimes heráldicos que ia
inventariando.
P
publicação deste artigo visa reunir, num só documento, um conjunto muito vasto de informação dispersa por um sem número de livros e
revistas da especialidade, publicado ao longo de
várias décadas, permitindo assim que o investigador da
heráldica tenha a sua pesquisa condensada e muito mais
simplificada. Em complemento da recolha efectuada, tentei
relacionar as CBA com as pedras de armas e outros suportes
heráldicos que fui encontrando, adicionando em notas de
rodapé comentários e outras justificações de interesse.
A
[105]
10.CH.SergioAvelar (cor+pb)
10.CH.SergioAvelar (cor+pb)
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N
a elaboração deste estudo tive a grata surpresa
de encontrar em Ponta Delgada três CBA de extremo interesse. Como é sabido, durante a
estadia da corte portuguesa no Rio de Janeiro,
de 1808 a 1821, D. João VI mandou ai criar o Cartório da
Nobreza, conferindo-lhe os mesmos poderes que o de Lisboa possuía, isto é, os de emitir cartas de brasão de armas.
Após o regresso da corte a Portugal os livros dos registos
permaneceram no Rio de Janeiro e continuaram a ser
usados. Anos mais tarde, em 1848 e já demente, morre o
Escrivão da Nobreza e Fidalguia do Império do Brasil, frei
Possidónio da Fonseca Costa, e os cinco copiadores que
existiam desapareceram, o que faz com que as CBA emitidas no Rio de Janeiro sejam desconhecidas, pois não se
sabe nem quantas nem para quem foram emitidas.
[106]
Como vinha dizendo, encontrei três dessas CBA, que não
posso deixar de salientar por serem inéditas e cuja transcrição e reprodução fotográfica apresento na íntegra. São
elas:
António da Cunha da Silveira Bettencourt – 1818,
Bartolomeu Álvaro de Bettencourt – 1811 e
João Soares de Albergaria de Souza – 1819.
ão queria concluir este estudo da heráldica açoriana sem arrolar também alguns Alvarás do
Conselho de Nobreza que me foram sendo dados a conhecer, ciente de que faltarão muitos,
pois estes documentos não fazem menção ao local de nascimento do armigerado, o que dificulta o seu reconhecimento.
N
Foram também elaborados índices ordenados por armas,
pelo nome próprio e por título nobiliárquico, para uma
melhor consulta.
Todas as fotografias são minhas e fazem parte do meu
arquivo particular, com excepção da fotografia 32 que foi
gentilmente oferecida pelo Prof. José Pereira da Cunha, a
quem agradeço.
Q
uero ainda deixar uma palavra de agradecimento a Álvaro Manuel de Lacerda e Melo,
amigo de há mais de três décadas, a Francisco
da Silveira e Pedro Pacheco de Medeiros, respectivamente Bibliotecário e Arquivista da Biblioteca
Pública e Arquivo de Ponta Delgada, a Jácome de Bruges
Bettencourt, delegado da Academia Portuguesa de Ex-Líbris nos Açores e grande amigo, a Maria João Mota Melo,
directora do Serviço de Documentação da Universidade
dos Açores, ao heraldista e grande amigo Segismundo
Pinto, ao meu primeiro cicerone e bom amigo na ilha
Terceira, Tristão Manuel Freire de Andrade e, para finalizar,
a José Maria Bonifácio, conhecedor profundo da sua terra
e das suas gentes.
Junto de cada carta de brasão de armas reproduzida agradecerei de forma pessoal aos detentores das mesmas.
ermino com uma palavra muito especial de reconhecimento e agradecimento ao incansável
amigo e sempre disponível para ajudar, nomeadamente no estabelecimento dos contactos
necessários para se fotografarem as cartas de brasão de armas (de S. Miguel) que aqui se apresentam e que, roubando horas ao seu descanso, comigo percorreu as estradas e
canadas de S. Miguel, para fotografar sempre mais uma
pedra d’armas que se descobria ou chegava por interposta
pessoa ao seu conhecimento – refiro-me a António Manuel de Oliveira, muito distinto ex-Director do Museu
Carlos Machado em Ponta Delgada, a quem fico também
devedor duma franca e sincera amizade.
T
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11:14 AM
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CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
COM OS
AÇORES
I
EXTRAÍDAS
DO
ARCHIVO HERÁLDICO-GENEALÓGICO (AHG)
(ORDENADAS PELA PRIMEIRA ARMA)
ALMEIDA – 56, 2146
BARBOSA – 1844
ALMEIDA / ANDRADE – 1535
ALPOÍM – 57, 2246
BETTENCOURT / MEDEIROS – 1969
BORGES – 118, 9751
ÁVILA / PEIXOTO / SILVEIRA / BETTENCOURT – 335
BOTELHO / CABRAL – 11032
CABRAL / MELO / SOUSA / MACHADO – 1105
[107]
CABRAL / TAVARES / SOUSA (do Prado) / FARIA – 1753
1 No Palácio dos Capitães Generais em Angra do Heroísmo, há um escudo em
talha dourada com vestígios de policromia com armas de Borges (mal representadas), proveniente do arco da capela absidal do lado da Epístola da Igreja de
Santo António dos Capuchos, arruinada pelo sismo de 1980 (Foto 1), e em
Ponta Delgada, no Museu Carlos Machado, existe uma pedra de armas
proveniente do portal da casa de Nª. Senhora do Egipto na Fajã de Baixo, onde
estão esculpidas estas mesmas armas (Foto 2).
1
2
2 AHG nº. 1767. Na rua Dr. Guilherme Poças Falcão 14, em Ponta Delgada, o
escudo aí colocado tem por diferença: uma brica de …... com um trifólio de
…… (Foto 3).
3 Diferença: brica de azul com um farpão de ouro; Nobiliário da Ilha Terceira, II vol.,
pág. 45. Estas armas estão pintadas no portão de ferro forjado da Quinta dos
Fournier no Caminho do Meio a S. Carlos, 50 em Angra do Heroísmo (Foto 4).
3
4
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CACENA – 17424
CORREIA / MELO/ MENDONÇA/ CUNHA – 1226
CÂMARA / ORNELAS – 2148
CORREIA / MELO/ SOUSA / SILVA – 1250
CAMELO – 1267
CORREIA / RAPOSO / BRUM / BETTENCOURT – 814
CANTO - 2152
CORREIA / RODRIGUES / VALE / NOGUEIRA - 1865
CARREIRO – 583
CORREIA / SILVEIRA / BOTELHO / SAMPAIO – 17675
COELHO – 2252
COSTA – 507, 1985, 2143
CORONEL – 1448
COSTA / HOMEM – 381, 1874
CUNHA – 15476
CORREIA / CARVALHAL / ALMEIDA / MENDONÇA – 1776
CUNHA / BOTELHO / MELO / COSTA – 6797
CORREIA / MELO / MELO / CORREIA – 5
ESPÍNOLA – 189
[108]
4 Para além destas, António Villas-Boas e Sampayo na sua obra “Nobiliarchia
Portugueza” descreve as armas de Cacena do seguinte modo: “em campo de
prata, um leão rompente de azul, armado de vermelho” sendo estas
armas, as que Lucas Cacena registou em Julho de 1530 por mercê de El Rei D.
João III. Estas mesmas armas encontram-se no fecho de abóbada da antiga
capela do S. S. da Igreja Matriz de S. Sebastião – S. Sebastião – Angra do
Heroísmo (Foto 5).
5 AHG nº.1103. Pedra d’armas policromada no Solar do Morgado da Estrela
(Mafona) – Rua Hermínio Silva Horta, 137 – Ribeira Seca da Ribeira Grande
(Foto 6); na Quinta Pico do Refugio em Rabo de Peixe (Foto 7) e Convento
de Belém na Fajã de Baixo em Ponta Delgada (Foto 8). As pedras de armas das
fotografias 6 e 8 apresentam uma diferença: brica de …….… com um farpão
de ...........
5
6
7
6 CBA de 2.9.1820 a favor de José João da Cunha e Vasconcelos. Esta carta faz
parte do espólio do Museu de Angra do Heroísmo (Doc. 0).
7 A CBA de Filipe António Brum Botelho que se reproduz parcialmente é propriedade da EXMA. SENHORA DONA JORGINA LEITE VELHO DE MELO
CABRAL TAVARES NETTO DE VASCONCELOS FRANCO a quem
agradecemos reconhecidos a autorização para a sua publicação (Doc. 1). No
Solar das Necessidades, à calçada das Necessidades, no Livramento, a pedra de
armas aí existente tem por diferença uma brica de (vermelho) com uma estrela
de oito pontas de (ouro). É a mais bela pedra d’ armas dos Açores (Foto 9).
8
9
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CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
COM OS
AÇORES
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Doc. 0
Doc. 1
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FEIJÓ / GOUVEIA / MEDEIROS / FEIJÓ – 1929
FERREIRA / TEIVE – 959, 1150
GOES / MEDEIROS / BETTENCOURT / BORGES – 1198
HOMEM – 917, 1168, 21749
11
IMPERIAL – 17
JÁCOME / CORREIA / ATOUGUIA / RAPOSO – 117810
LEMOS / SOUSA / FREIRE / CALDEIRA – 1186
12
[110]
8 Archivo dos Açores, 10º. vol., pág. 446. Diferença: brica de prata com um trifólio
de verde.
9 No Museu de Angra do Heroísmo (nº. inv. R96.601), existe uma pedra
d’armas – em traquito – quinhentista, com estas armas mas sem a
diferença. Deu entrada no museu vinda da Igreja de Nª. Sª. de
Guadalupe em Agualva (Foto 10).
10
14
13
10 Diferença: brica de prata com um “J” de negro, (A.N.T.T. Cartório da
Nobreza, Livro III, fl.24v). No palácio de Sant’Anna na Rua de Sant’Anna, 19 em
Ponta Delgada, existem várias peças policromadas onde se pode ver esta
diferença (Fotos 11, 12 e 13), assim bem como uma pedra d’ armas no Museu
Carlos Machado, (Foto 14). O 1º. Marquês de Jácome Correia, Aires de
Jácome Correia fez figurar erradamente, esta diferença no seu ex-líbris (Foto
15) e também erradamente o proprietário da casa sita à Canada Nova de S.
Carlos, 36 em Angra do Heroísmo, fez figurar a mesma diferença na pedra
d’armas que aí colocou, recentemente (Foto 16).
15
16
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CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
COM OS
AÇORES
MACHADO – 53811, 928, 1846, 2158
MACIEL – 9
MEDEIROS / COSTA / ALMEIDA / PONTE – 1196
MELO / VELHO / CABRAL / TRAVASSOS – XXXII Suplemento
MENDONÇA / FURTADO / ROCHA / ALBORNOZ – 343
MENDONÇA / PEREIRA – 1026
MENESES / PAMPLONA – 130012
MIRANDA / ÁLVARES – 1659
MONIZ / AMARAL – 131
MONIZ / CAMELO / PEREIRA / BETTENCOURT – 1230
Doc. 2
11 Está sepultado na Igreja da Misericórdia da Praia da Vitória; laje tumular em
pedra da região, com moldura e tendo no eixo o escudo de armas. A inscrição
(com letras inclusas), em quatro regras reza: S / DE Dº DE BRASE / LOS
AVANGELHO/ E SEUS ERDEROS (Foto 17).
17
18
12 Diferença: brica de azul com um besante de prata, vê-se na pedra d’ armas
policromada da Rua da Sé, 103 em Angra do Heroísmo (Foto 18). A CBA que
é propriedade da EXMA. SENHORA DONA MARIA LETÍCIA
MOURATO a quem agradecemos reconhecidos na pessoa de sua nora a Drª.
Dona Margarida Leiria Gomes Vasconcelos da Ponte a autorização para
a sua publicação (Doc. 2).
Doc. 2
[111]
OLIVEIRA / PEREIRA – 633
10.CH.SergioAvelar (cor+pb)
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PACHECO – Documento 1313, 952, 953, 1989, 219214, 2295
PACHECO / MELO / BETTENCOURT / CABRAL – 115715
PAMPLONA – 115, 308, 106016, 1911, 2211
PEIXOTO / PEREIRA / BETTENCOURT / SILVEIRA – 84217
PEREIRA – 843
PEREIRA / FURTADO / FERREIRA / MELO – 2238
PEREIRA / MACHADO – 124918
21
[112]
13 Ver nota 14.
14 Nesta obra, na página XXIX, documento 13 a carta de brasão de armas passada a Pedro Pacheco em 1535 é transcrita na íntegra. Na mesma obra, pág.
550 sob o nº 2192, menciona-se em extracto uma CBA concedida a Pedro
Pacheco. Na primeira, Pedro Pacheco é dado como morador na ilha de S.
Miguel, filho legítimo de António Pacheco e neto de Pedro Pacheco “que
mataram os mouros em Ceuta”. Na segunda, Pedro Pacheco é dado como morador na ilha da Madeira, filho de Antão Pacheco e neto de Pero Pacheco “que
mataram os mouros em Ceuta”. Ambos os documentos foram emitidos em
Évora a 22 de Maio de 1535, acrescentando-se na segunda referência estar
registada na Chancelaria de D. João III, Livro X folha 79. Indubitavelmente que
se está perante o mesmo documento, embora a grafia dos nomes não seja a
mesma, nem o local de residência o mesmo. Como tantas vezes aconteceu a
Sanches de Baêna, as referências em extracto pecam por enganos, dos quais os
mais significativos são o do local de residência do armigerado.
15 Diferença: brica de …. com um farpão de …… No portal do carro da
Quinta Velha das Amoreiras, na Rua das Amoreiras, 22 – Ribeira das Tainhas
em Vila Franca do Campo, está colocada uma pedra d’armas onde figura
esta diferença. (Foto 19) Também em Vila Franca do Campo, na Rua Engº
Artur do Canto Resende, 23 está colocada outra pedra d’armas com a
mesma diferença (Foto 20).
16 Esta CBA é pertença da Bibliotéca Pública e Arquivo de Angra do
Heroísmo. AHG nº. 1060.
17 AHG nº. 1245. Pedra de armas na Rua dos Mercadores, 88 / 90, em Ponta
Delgada (Foto 21).
18 AHG nº. 2088.
19
20
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CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
COM OS
AÇORES
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Doc. 13
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PEREIRA / MACHADO / BORGES / FARIA – 208819
PEREIRA / MELO / RAPOSO / AMARAL – 212220
PIMENTEL / MESQUITA / FURTADO/ PIMENTEL – 812, 1219
PIMENTEL / ORTIZ / BRITO / RIO – 219621
PIMENTEL / SILVEIRA / PEIXOTO / BETTENCOURT – 124522
REBELO – 2298
REGO – 93823
REGO / BALDAIA / CABRAL / MELO – 1263
24a
[114]
19 AHG nº. 1249. Vêem-se na Rua do Rosário 32, às Capelas, Ponta Delgada
(Foto 22).
21 No portal do solar Brito do Rio à Canada da Luz – S. Mateus em Angra do
Heroísmo, está uma pedra de armas policromada com este ordenamento
heráldico (Foto 24a).
20 A CBA de Nicolau Maria Raposo do Amaral (Doc.3) é pertença dos
SERVIÇOS DE DOCUMENTAÇÃO DA UNIVERSIDADE DOS
AÇORES – cota RESERVADOS ES-2. No Museu Carlos Machado (inv.nº
1313) em Ponta Delgada existe uma pedra d’armas, (Foto 23) e uma laje
tumular (inv. nº. 1312) com estas armas (Foto 24). Vide nota 33.
22
23
22 AHG nº. 842.
23 No Museu Carlos Machado em Ponta Delgada sob o nº. de inventário 1306
existe a testeira (ou pés) de uma arca tumular (?) em pedra de lioz com estas
armas e tendo por diferença uma merleta de …….. (Foto 25).
24
25
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CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
COM OS
AÇORES
REGO / BOTELHO / BETTENCOURT / CORTE-REAL – 121324
SERRÃO – 616
SILVEIRA / BETTENCOURT / CARVALHAL / SOARES – 1078
SILVEIRA / MIRANDA – 103625
SODRÉ / PEREIRA / CORDEIRO / CAMELO – 848
SOUSA (do Prado) / BETTENCOURT / CABRAL / REGO – 1765
SOUSA / COSTA / MELO/ CORREIA – 1868
SOUSA / MACHADO / UTRA / LACERDA – 1520
SOUSA (do Prado) / TEIXEIRA / PEREIRA / SOARES (de Albergaria) – 167426
[115]
28
24 Diferença: brica de vermelho com um farpão de.……. na pedra d’armas
colocada numa casa da Rua do Palácio 27, (Foto 26) e no Cemitério de Nª.
Senhora do Livramento, ambas em Angra do Heroísmo (Foto 27).
25 Armas do 1º. Barão de Fonte Bela pintadas na moldura central do tecto do
salão nobre do Palácio Fonte Bela, no Largo dos Mártires da Pátria, em Ponta
Delgada (Foto 28) e nos botões das fardas de libré dos criados (Foto 29).
26
27
26 Por amável deferência do Exmo. Senhor Prof. JOSÉ PEREIRA DA CUNHA,
agradecemos o envio para publicação da cópia tabelionica desta Carta de Brasão
de Armas, que reza: José Pereira da Costa, Licenciado em Filologia Clássica pela
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e Director do Arquivo
Nacional da Torre do Tombo certifico que a folhas trezentos e cinquenta e oito
a trezentos e cinquenta e nove verso do Livro número sete do Registos de
Brasões de Armas do Cartório da Nobreza incorporado neste Arquivo Nacional
existe uma carta de brasão de armas do teor seguinte:
TEXTO: Dom João por Graça de Deos Rey do Reyno unido de Portugal, do
Brazil, e Algarves daquem, e dallem mar, em África senhor de Guiné e da
Conquista navegação, e Commercio da Ethiopia, Arábia, Percia e da Índia etc.
Faço saber aos que esta minha Carta de Brazão de Armas de Nobreza e
Fidalguia virem que José Soares de Sousa, natural da Villa das Vellas na ilha
de S. Jorge, e na mesma Sargento Mor das Ordenanças, me fés petição
dizendo que pella sentença de justificação de sua nobreza, a ella junta
profferida e assignada pello meu Dezembargador, Corregedor do Civel da
Corte, e Caza da Suplicação o doutor Victorino da Silva Freire subscripta por
Matheus Gonçalves da Costa Escrivão do mesmo juízo, se mostrava que elle
he filho ligitimo de Miguel Teixeira de Bitencourt, e de sua mulher Donna
Catharina da Silveira e Mello. E que por huma dilatada série de avós de huma
conhecida nobreza he o suplicante descendente das illustres famillias dos
Souzas, Teixeiras, Pereiras e Soares, e como taes se tratarão sempre á Ley da
Nobreza com criados, e cavallos, sem que em tempo algum cometecem crime
de Leza Magestade Divina ou Humana: pello que me pedia elle suplicante por
mercê que para a memoria de seus progenitores se não perder, e clareza de
sua antiga nobreza lhe mandace dar minha Carta de Brazão de Armas das dittas
famillias para dellas tão bem usar na forma que as trouxerão, e forão
concedidas aos dittos seus progenitores. E vista por mim a ditta sua petição,
sentença, e constar de tudo o refferido e que a elle como descendente das
mensionadas famillias lhe pretene usar, e gosar de suas armas; segundo o meu
Regimento, e Ordenação da Armaria, lhe mandei passar esta minha Carta de
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TAVARES – 970, 999, 224827
TAVARES / GAMA – 1681
TEIVE – 1287
TEIXEIRA / SAMPAIO / AMARAL / GUEDES – 80328, 875, 100029
WITON – 1664, 1665
29
[116]
Brazão dellas; na forma que aqui vão brazonadas, divizadas, e illuminadas com
cores, e metaes, segundo se achão registadas no Livro do Registadas no Livro
do Registo, digo, (sic) segundo se achão registadas no Livro do Registo das
Armas da Nobreza e Fidalguia destas meus Reynos; que tem o meu Rey de
Armas Portugal; a saber: Hum escudo esquartelado, no primeiro quartel as
armas dos Souzas, que são esquarteladas, no primeiro em campo de prata
cinco quinas de Portugal, no segundo taobem em campo de prata hum leão
sanguinho, e assim os contrários; no segundo quartel as dos Teixeiras, que são
em campo azul huma cruz de ouro potentea e vazia; no terceiro as dos
Pereiras, que são em campo vermelho, huma cruz de prata florida, e vazia; e
no quarto as dos Soares, que são em campo de prata huma crus sanguinha,
florida e vazia; orla do mesmo metal cozida, e carregada de oito escudetes das
quinas do Reyno. Elmo de prata aberto, guarnecido de ouro. Paquife dos metis,
e cores das aemas. Timbre dos Souzas, qu he hum dos leoens das armas, e por
differença huma brica verde com hum farpão de ouro. O qual escudo, e armas
poderá trazer, e uzar tão somente o dito José Soares de Souza assim como as
trouxerão, e uzarão os ditos nobres, e antigos fidalgos seus antepassados em
tempo dos Senhores Reys meus antecessores, e com ellas poderá entrar em
batalhas, campos reptos, escaramuças e exercitar todos os mais actos lícitos da
guerra, e da paz. E assim mesmo as poderá trazer em seus firmais, anéis,
sinetes, e divizas, pollas em suas cazas, capellas, e mais edeficios, e deixa llas
sobre sua propria sepultura; e finalmente se poderá servir, honrar, gozar e
aproveitar dellas em tudo e por tudo como á sua nobreza convem. Com o que
quero e me praz que haja elle todas as honras, previlegios, liberdades, graças,
mercês, izençoens e franquezas que hão e devem haver os fidalgos e nobres de
antiga linhagem, e como sempre de tudo uzarão e gozarão os dittos seus
antepassados. Pello que mando aos meus Dezembargadores, Corregedores,
Provedores, Ouvidores, Juízes e mais Justiças de meus Reynos, e em especial
aos meus Reys de Armas, Arautos, e Passavantes, e a quaesquer outros
offeciaes e pessoas a quem esta minha Carta for mostrada, e o conhecimento
della pretencer, que em tudo lha cumprão e guardem, e fação inteiramente
cumprir, e guardar como nella se contam, sem duvida, nem embargo algum que
a ella seja posto porque assim he minha mercê. El Rey Nosso Senhor o mandou
por José Theodoro de Seixas; Cavalleiro de sua Caza Real, e seu Rey de Armas
Portugal, Francisco de Paula Campos Escrivão da Nobreza destes Reynos e seus
Diminios a fes em Lisboa aos dois dias do mez de Outubro do anno do
Nassimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil oitocentos e dezaseis. E eu
Francisco de Paula Campos a fis e subscrevy. O Rey de Armas Portugal, José
Theodoro de Seixas. E eu Francisco de Paula Campos a registei e assigney
Francisco de Paula Campos. Por ser verdade e me ser pedido, mandei passar a
presente que foi conferida com o original.
27 Ao Exmo. Senhor DUARTE MIGUEL DO CANTO TAVARES agradeço
sensibilizado a sua amabilidade e pronta disponibilidade em estabelecer
contactos a fim de se reunir um maior número possível de Cartas de Brasão
de Armas e a imediata autorização para a publicação da CBA de seus
avoengos.
TEXTO: DOM: IOHAM: PER : GRACA de deos, Rey de purtugal, e dos
algarues daquem, e dallem mar em, afryca, Senhor de Guyne e da comquista
naue /gaçam, comercyo de hetyopya, arabia persya, e da Jmdya, a quantos,
esta mynha carta virem faço saber que Ruy /tauares morador na Jlha de Sam
myguel, me fez prtyçam como elle descemdya, por lynha dereyta, mascolyna,
da /Jeraçam, e lynhagem, dos tauares, que nestes Reynos sam fydalgos, de
cotta darmas // e que as suas armas lhe pertece de dereyto, pedimdome por
merce que por a memorya / de seus antecesores senam perder, e elle gouuyr
e usar da homra, das armas que poll //os. merecymentos de seus seruyços,
ganharã, e lhes foram dadas, e asy dos preuyllegy / os, homras, graças e
merçes q. por dereyto por bem dellas, lhe pertemce, lhe mamdasse // dar
mynha, carta das dytas, armas, que estauã, Regystadas, em os lyuros, dos Regy
/stos, das armas dos nobres, e fydalgos, de meus Reynos, que tem purtugal,
meu princypal Rey darm //as, a qual, petyçam vista por my mandey sobre ella
tirar Jmquiryçam de testemunhas, a qual foy tyrada / pollo doutor, xpouam.
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D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
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AÇORES
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Doc. 4
esteues. da espargossa, do meu comselho, e dessembargador das mynhas
petyções do, // paço, e por belchyor louremço, escriuam em mynha, corte,
polla qual elle, supricante, descemder, por /lynha, dereyta, mascolyna, da dyta
lynhagem dos tauares, como fylho legitymo que he de fernam de anes, //
tauares, e netto de fernam tauares, de portalegre que foy do tromco desta
Jeraçã, dos tauares e fydalgo honr /ado, e que de dereyto as suas armas lhe
pertemce, as quaes, lhe mandey dar em esta minha carta, com seu b //rasam,
elmo e tymbre, como aquy sam deuysadas, e assy como fyell, e
verdadeyramente, se acharam deuiss /adas, e Regystadas em os lyuros, dos
Regystos, do dyto, purtugal, meu Rey darmas, as quaes armas sam //as
seguintes, ss. o campo douro, com cinquo estrelas de vermelho, em aspa, e
por deferença hua frol de lyz az /ul, elmo de prata, aberto guarnydo douro,
paquyfe douro, e de vermelho, e por tymbre, huu pescoco de cauallo,
//vermelho, com abrida, e guarnydo douro, com falssas redees, o qual escudo
armas e synaes possa trazer e traga, /o dyto Ruy tauares, assy como as
trouxerã e dellas usaram seus antecesores em todos os lugares de homra,
//em que os ditos seus antecessores e os nobres e antygos, fydalgos sempre
custumã as trazer em tempo d /os, muy esclareçydos Reys meus antecesores,
e com ellas possa emtrar em batalhas, campos, duelos, reptos escarmuças e
desafyos /e exercytar com ellas todos outros autos lycytos de guerra, e de
paz, e assy as possa trazer, em seus fyrmaes, aneis, sinetes e deuysas, e as /per
em suas cassas e edefycyos, e leyxalas, sobre sua propya sepultura, e
fynalmente, se seruir e homrar, gouuir e aproueytar dellas /em todo e per
todo como a sua nobreza comuem. Porem mando a todos meus
corregedores, dessembargadores, Juyzes, Justyças e al /caydes, e em especyal
aos meus, Reys darmas, arautos, e passauantes, e a quaesqr outros, offycyaes,
e pessoas, a que esta mynha car /ta, for mostrada e o conhecymeto della
pertecer que em todo lha cumpram e guardem e façam comprir e guardar
como em ella- /he comteudo, sem duuyda nem embargo alguu, que em ello
lhe seya posto, por que assy he mynha mercee. Dada, em a mynha muy
/nobre, e sempre, leal, cydade, deuora, aos dous dyas, do mês, de desembro.
El Rey o mandou pollo bacharel antonyo Royz purtug /al, seu Rey darmas
pryncypal, Pero deuora, Rey darmas algarue, e escryuam da nobreza, a fez
anno de nosso senhor Jhu xpo de /myll, e quynhemtos, e trynta e quatro
annos. A folha de pergaminho mede 535 x 322 mm (Doc. 4).
28 Diferença: brica de ouro com um “F” de negro. Vidé “Os Teixeira de Sampaio
da Ilha Terceira”, pág. 65.
29 AHG nº. 875.
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II
EXTRAÍDAS
DAS
CARTAS DE BRASÃO MODERNAS
ALBERGARIA / ANDRADE / CÂMARA / BETTENCOURT
//ALBUQUERQUE – 4230
ÁVILA (outros) / BETTENCOURT / PEREIRA / CUNHA – 10731
Doc. 5
[118]
30 A Duarte de Andrade Albuquerque Bettencourt 1º. Conde de Albuquerque
foi emitida a última CBA do Reino de Portugal – 7.7.1910 – tendo a
particularidade de ter sido assinada pelo Rei D. Manuel II, três meses antes da
queda da monarquia. Por este motivo a reproduzimos na íntegra. (Doc.5).
Estas armas foram também usadas pelo 2º. Conde, Duarte Dinis de Andrade
Albuquerque Bettencourt conforme se pode ver pelo ex-líbris que usou na
sua biblioteca (Foto 30).
30
31
31 Nos Cemitérios de Nº. Sª. do Livramento em Angra (Foto 31) e Velas de S.
Jorge (Foto 32).
32
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DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
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Doc. 5
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DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
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GAGO – 8, 8 A32
MEDEIROS / ALBUQUERQUE – 13933
36
35
[122]
32 As duas CBA de Amâncio Silveira Gago da Câmara (Doc. 6 e 7) são
actualmente pertença da Biblioteca Pública e Arquivo de Ponta Delgada
com a cota RE nº. 784. Estas armas podem ser vistas na Rua de Lisboa, 32
(Foto 33) e Rua do Calço da Má Cara, 2 (Foto 34) em Ponta Delgada. No
solar do Conde na Rua do Rosário, 36 às Capelas, (Foto 35). Na capela de
Nª. Sª. da Penha de França, na Rua Direita do Botelho – Livramento. (Foto
36); Casa dos Castanheiros, EN 1 nº. 3, Lombinho da Maia – Ribeira Grande
(Foto 37); no Monte Simplício – Lomba do Loução, Povoação (Foto 37a),
todos na ilha de S. Miguel, entre outros.
33
34
37
33 Em Ponta Delgada, entre duas portas da varanda alpendrada do Solar das
Laranjeiras, à Estrada das Laranjeiras, (Foto 38) e na Igreja do Convento de
Nª. Sª. da Conceição (Carmo), aí tendo por diferença uma flor-de-lis de ouro
(Foto 39).
37a
38
39
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DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
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Doc. 6
Doc. 7
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MERCÊ NOVA – 12334, 12535, 14136
PEREIRA / MELO/ RAPOSO/ AMARAL – 10337
Doc. 8
[124]
34 MANUEL JACINTO LOPES, Visconde de Palmeira – CBA de 10.11.1893.
Descrevem-se: Escudo partido: I – de ouro uma palmeira de verde; II – de
vermelho um caduceu de ouro e prata. Coronel de visconde. Timbre: um
açor. Suportes: dois grifos de ouro.
35 MANUEL JOSÉ CONDE, Visconde do Rosário - CBA 20.4.1876 – Escudo
esquartelado: I. de vermelho uma cruz doble e bordadura de ouro e dentro
nos vãos seis bezantes de prata II. de azul, uma estrella de cinco raios de prata
entre nuvens do mesmo metal e em contra-chefe o mar, também de prata, um
navio de sua cor navegando a vela, tendo na popa em letras de ouro a palavra
– Conde III. de azul carregado de estrellas de prata, tendo em abismo a cruz
da redempção e encostado a ella, um pelicano com quatro filhos bebendo o
sangue do mesmo, que se está ferindo no peito, tudo de ouro IV. de prata um
leão de púrpura, rompente, armado de azul, orla verde carregada de quatro
vieiras de prata e quatro cruzes pateas de ouro, collocadas alternadamente. O
escudo cercado de sete bandeiras em haste de ouro com lanças de prata,
sendo três vermelhas, duas brancas e duas azues, repartidas quatro à direita e
três à esquerda. Coroa de visconde. Timbre uma águia negra estendida
abezanteada de prata, tendo no bico uma fita também de prata com a divisa
em letras vermelhas: “Omnibus Caritas”.
36 SEBASTIÃO DEIRÓ, Barão de Sousa Deiró – CBA de 9.4.1905. Descrevemse do seguinte modo: Escudo esquartelado: I – de prata, cinco quinas azuis
postas em aspa; II – de vermelho uma serpente de prata manchada de verde
com duas setas de oiro na boca; III – de ouro três pombas com o peito de
branco e asas castanhas; IV – de prata leão sanguíneo. Timbre: três plumas,
sendo duas de vermelho e a do meio branca. Suportes: dois açores de sua cor.
Divisa: DEO ET PATRIA.
37 Em anexo reproduz-se a CBA de Sucessão de José Maria Raposo do Amaral
(Doc.8) que é actualmente pertença dos SERVIÇOS DE DOCUMENTAÇÃO DA UNIVERSIDADE DOS AÇORES com a cota RES-1.Vidé nota 17.
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D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
COM OS
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Doc. 8
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III
EXTRAÍDAS
DOS
BRASÕES INÉDITOS
ÁVILA – 26338
CORDEIRO – 80,351
CORDEIRO / ESPINOSA – 97
BETTENCOURT / NOGUEIRA / PACHECO/ FONSECA – 25
CORONEL – 267,420
BOTELHO / CABRAL – 12
CORREIA / MELO – 4
BOTELHO / MENDONÇA – 369
CORREIA / RODOVALHO – 222
CABRAL / CORDEIRO / ESPINOSA / MELO – 34739
COSTA / BORGES / BORGES / COSTA – 105
COSTA / COLUMBREIRO – 3041
CARVÃO / FONSECA / FONSECA / CARVÃO – 36
COELHO – 118, 179, 271, 367, 41440, 483
ESPINOSA – 274
[126]
38 Uma representação iconográfica destas armas sem a diferença (no texto: uma
muleta de azul; na iluminura da carta de armas: brica de …… com uma muleta
de ……) podem ser vistas pintadas no tecto da Ermida de Nª. Senhora do
Parto na Rua S. João de Deus em Angra do Heroísmo (Foto 40). Esta CBA do
capitão João de Ávila é pertença da Biblioteca Pública e Arquivo de Angra do
Heroísmo. Após pedido ao Exmo. Senhor Director da instituição foi-nos
facultado o acesso aos reservados para fazer as fotografias das três CBA aí
depositadas. Após várias horas de busca, só foi possível localizar a de José Leal
(nota 39). No dia seguinte, compareceu um antigo funcionário (já reformado)
que deveria saber do seu paradeiro, mas mesmo assim não se encontrou nada!
A outra CBA em falta é a de António Borges da Silva do Canto (nota 108). As
suas reproduções enriqueceriam este trabalho, mas tal não foi possível apesar
dos esforços feitos nesse sentido. Lamentamos o sucedido, mas a bem da cultura e da heráldica em particular esperamos que entretanto já tenham sido lo-
40
41
42
calizadas e repostas em seu devido lugar. Apesar destas contrariedades, damos
a reprodução da página da iluminura da carta d’armas de António Borges da Silva
do Canto, gentilmente cedida pelo Arq. Segismundo Pinto (Foto 56A).
39 A revista Tabardo nº.1/143 transcreve e analisa esta CBA de MANUEL
CABRAL DE MELO (Doc. 8A).
40 CBA de 23.8.1620. Vide Elucidário Nobiliárquico 1º. Vol. pág. 236 onde está
reproduzida.
41 Sobre a porta da Capela de Nª. Senhora da Salvação, na rua do mesmo nome
na Ribeira Grande. (Foto 41). No Museu Carlos Machado está outra pedra
de armas, em basalto, séc. XVII (nº. inv. 1318, Foto 42).
Doc. 8A
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D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
COM OS
AÇORES
FURTADO (de Mendonça) – 486 complemento
LEAL – 30942
MELO / VELHO / CABRAL – 428
MENDONÇA – 401,412
PACHECO / MELO – 374
PEREIRA / ÁVILA / SARMENTO / ORTIZ – 378
PRIVADO / BRANDÃO – 381
SILVEIRA / LACERDA / PEREIRA / SARMENTO – 6943
TEIXEIRA – 29344
Doc. 9
VELHO/ AZEVEDO / REBELO – 408
VELHO/ CABRAL / TRAVASSOS / MELO – 410
42 JOSÉ LEAL. Esta Carta de Brasão de Armas encontra-se nos reservados da
Biblioteca Pública e Arquivo de Angra do Heroísmo. A folha de pergaminho
mede 507x 494 mm (Doc. 9).
43 Estas armas podem ser vistas na lage tumular de António da Silveira de Lacerda na Igreja de S. Francisco da Horta. A diferença é: um cardo verde, florido
de vermelho. “Memória Genealógica das Famílias Faialenses, pág. 110” (Foto
43), e ainda na Rua da Conceição, 24 também na Horta. Esta pedra foi
mandada fazer para ser colocada nesta casa, mas tal não aconteceu até aos
dias de hoje. Encontra-se guardada na arrecadação (Foto 43A).
44 AHG nº. 940.
43
43a
[127]
UTRA – 254
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IV
EXTRAÍDAS
DO
ARCHIVO DOS AÇORES
ARAÚJO – 10º.vol., pág. 45745
BORGES – 3º. vol., pág. 454 e 10º. vol., pág. 44646
BOTELHO – 10º. vol., pág. 47247
BOTELHO – 10º. vol., pág., 43948
BOTELHO / CABRAL – 10º. vol., pág. 46149
[128]
45 FRANCISCO DE ARAÚJO, Padre - CBA 3.11.1632 – Timbre de Araújo –
Diferença: trifólio verde. No Museu Carlos Machado em Ponta Delgada está
guardada uma pedra de armas que lhe é atribuída (nº. inv. 1319, Foto 44).
46 ANTÓNIO BORGES SOUSA – CBA 23.10.1550 – Timbre de Borges –
Diferença: crescente de prata. O armigerado é o mesmo que se regista no
AHG nº.118, sendo aqui a CBA de 13.4.1535.
47 JORGE NUNES BOTELHO – CBA 20.2.1533 – Timbre de Botelho –
Diferença: flor-de-lis de prata.
48 ANTÓNIO BOTELHO DE SAMPAIO E ARRUDA – CBA 20.6.1747 –
Timbre de Botelho – Diferença: brica de azul com um farpão de prata.
44
CORREIA / RAPOSO/ RAPOSO / CORREIA – 11º.vol., pág. 45950
CORREIA / SPÍNOLA / CUNHA / SILVEIRA – 10º. vol., pág., 44351
COSTA / CORREIA / REBELO / SILVEIRA – 10º. vol., pág. 47452
FAGUNDES / SOUSA (de Arronches) / MACHADO / AZEVEDO
(dos Senhores de S. João de Rei) – 10º. vol., pág. 47653
FARIA / MACHADO / CABRAL / MELO – 10º. vol., pág. 45854
49 FRANCISCO PEREIRA DE BETTENCOURT – CBA 12.12.1738 – Timbre
de Botelho – Diferença: brica de azul com um trifólio de ouro.
50 AIRES JÁCOME CORRÊA – CBA 9.7.1586 – Timbre de Correia –
Diferença: muleta de negro.
51 ANTÓNIO DA CUNHA E SILVEIRA – CBA 25.1.1719 – Timbre de
Correia – Diferença: estrela de prata.
52 JOSÉ CAETANO DA COSTA CORREIA – CBA 5.12.1740 – Timbre de
Costa – Diferença: brica de ouro com um trifólio de azul.
53 LOPO GIL FAGUNDES DE SOUSA – CBA 6.8.1624 – Timbre de Fagundes
– Diferença: um trifólio de verde.
54 Ao Exmo. Senhor Engº. FRANCISCO MACHADO DE FARIA E MAIA
agradeço muito sensibilizado a forma cordial como acedeu ao nosso pedido para
a publicação da CBA de Francisco Machado de Faria e Maia, seu antepassado.
TEXTO: Portugal / Rey Darmas principal, nestes Rey / nos & Senhorios de
Portugal, do m / uyto alto & poderozo Rey D. Jo / aõ o V nosso Senhor por graça
de / Deos Rey de Portugal, & dos Al / garves, daquém & dalém mar em África,
Senhor / de Guiné, & da Conquista, Navegação do co / comercio da Ethiopia,
Arabia, Percia, & India &tc / Faço saber aquantos esta minha carta & certidão de
/ Brazaõ Darmas fidalguia & nobreza digna de fé / & crença virem que por parte
de Francisco Macha / do de Faria & Maya Cappitaõ mor da Villa da La / Goa,
natural da Ilha de São Miguel, me foi feita / petiçaõ dizendo que pella sentença
junta que / oferecia pasada em nome de sua Magestade & / pella Chancelaria da
Corte, pello Doutor Mano / el Alvres Pereyra do seu dezembargo, & seu De /
zembargador em esta sua Corte & caza da suppli / caçaõ, corregedor com
alçada dos feitos & cau / zás siveis em ella, constava ser o supplicante dês /
cendente das nobres & illustres famillias dos: / Farias, Machados, Cabraes, &
Mellos, que neste / Reyno saõ fifalgos antigos de cota darmas por / ser filho
legitimo de, / F Rancisco Machado de Faria, & de / Marianna Cabral de Mello das
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CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
COM OS
AÇORES
pri / cipaes pessoas da dita Ilha, neto / de Antonio Faria Maya, & de sua / mulher
Margarida Monis filha / de Francisco Lopes Monis, & de / sua Mulher Catherina
Luis. Bisneto pella par / te paterna de Antonio Lopes de Faria, & de / sua mulher
Anna Pimentel & de Izabel Ca / bral, terceiro neto de Joaõ Machado Carmena
/ natural da Villa de Barcellos, & de sua mulher / Catherina de Faria, quarto neto
de Gaspar Ma / chado, & de sua mulher Ignes de Barros digo / & de sua mulher
Catherina de Faria, quinto / neto de Gaspar Machado & de sua mulher Ig / Ignes
de Barros. Sexto neto de Joaõ Carmena, & de / sua mulher Leonor Machado
filha de Lopo Macha / do de Goes, & de sua mulher Brites Vasques Gonçal / ves
da Maya, & neta de Fernão Alves da Maya, / senhor de Trofa, & de sua mulher
D. Guiomar de / Sá, & que o dito Lopo Machado de Goes he filho / de Diogo
Pires Machado que viveo em Barcellos, e / tempo dos senhores Reys D. Joaõ o
I. D. Duarte & / D. Affonço o V & neto de Percial Machado; bisneto / de
Gonçallo Machado que teve o Castello de Lanho / zo, o qual Gonçallo Machado
he também progeni / tor dos senhores da Louza entre homem & cava / do, que
hoje saõ Marquezes de Montebello, & ter / ceiro neto de Alvaro Pires Machado.
Quarto neto / de Lourenço Pires Machado Alcayde mor de Vi / zeu, & de huma
neta do Conde D. Mendo Souzaõ / & quinto neto de Diogo Pires Machado em
bai / xador a Casella pello senhor Rey D. Denis, & sex / to neto de Álvaro Pires
Machado que teve o / Castello de Rodrigo & Prellino de Almandra; se / timo
neto de Pedro Martins Machado que viveu / em tempo do senhor Rey D.
Sancho Capello, & / e de sua mulher D. Filipa Leytaõ irman do mestre / de Avis
D. Joaõ Affonço Mendes de Penadarga, & / de sua mulher Joanna Gonçalves
Leytaõ, filhos / de Gonçallo Leytaõ, & de sua mulher D. Maria / Esteves
Facacheira, os ques todos erao fidalgos / muyto honrados, & das milhores
famillias que / havia neste Reyno, dos quaes todos descende elle / suplicante, &
que sempre se trataraõ a ley da No / breza com cavallos & criados, sem que
nelles ou / veçe raça de Judeo, Mouro, Mullato, ou de outra / infecta naçaõ, &
por tal lhe estava julgado na dita sen / tença, & por senaõ perder a memória de
seus proge / nitores, & de sua antiga fidalguia & nobreza, que / ria elle para
concervaçaõ della hum Brazaõ Dar / mas pertencente as ditas famillias dos
[129]
Doc. 10
Farias, Ma / chados, Cabraes, & Mellos. / PEllo que me pedia lhe mandaçe pas /
sar sua carta de Brazaõ Darmas em / forma assim como elle as havia de / trazer
& dellas uzar. E vista a dita / sua petiçaõ, & sentença que fica no / Cartorio da
Nobreza, & por ella com / sta estar o supplicante julgado por legitimo descen /
te das ditas famillias, pello aver assim provado, & / justificado largamente na dita
sentença, da qual / achei deduzido todo o contheudo na dita petiçaõ / em
virtude da qual provi o livro da fidalguia & / nobreza do Reyno que em meu
poder tenho, & nelle acheiregistadas as armas que as ditas linha / gens
pertencem, que saõ as que nesta lhe dou, de / vizadas & illuminadas, a saber.
Hum escudo esquartellado, no primei / ro quartel, as armas dos Farias, que /
saõ: em campo vermelho huma tor / re de prata, laurada de preto, entre / duas
flores de Lis de prata, & três / em chefe. No segundo quartel as / armas dos
Machados que saõ em campo vermelho / sinco Machados de prata em aspa,
coureabos douro / No terceiro quartel as armas dos Cabraes que saõ / em
campo de prata duas Cabras de púrpura pas / savantes em faxa. No quarto
quartel, as armas dos / Mellos que saõ em campo vermelho seis bazante de /
prata entre huma crus dobre de ouro & huma bor / dadura do mesmo. Elmo de
prata aberto guarneci / do de ouro. Paquife dos metaes & cores das ar / mas.
Timbre o dos Farias, que a mesma torre as / armas com huma flor de Lis sobre
as ameyas, & por / diferença huma brica de ouro, & nella hum trifolio / preto.
E porque estas saõ as armas que as ditas linha / gens pertencem eu Manoel Leal
Rey Darmas Por / tugal & principal com o poder do meu muyto no / bre & Real
officio lhas dou, & asino, assim como / vaõ no dito escudo as quaes armas poderá
usar co / mo acto & perrogativa de sua nobreza & fidalguia / & com ellas gozar
de todas as graças, merçes, honras / & previlegios que pellos senhores Reys
deste Reyno / foraõ concedidos aos fidalgos & nobres delle, & com ellas poderá
em batalhas, justas, & torneios, & em to / dos, & quaes quer actos assim da pax
como da guer / ra, & em tudo que licito & honesto for, & as poderá / trazer em
suas baixellas, resposteiros, anéis, & senetes / & nos portaes de suas cazas &
quintas & deixallas / sobre sua própria sepultura, & finalmente servindoçe / &
honrandoçe dellas como a sua nobreza & fidal / guia convem, & como fazem os
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FRANCO / CARDOSO / COSTA / PINTO – 10º. vol., pág. 48355
MELO / CABRAL / RESENDE / VELHO – 10º. vol., pág. 45056
MELO / CABRAL / RESENDE / VELHO – 10º. vol., pág. 45557
MENDONÇA – 10º.vol., pág. 48158
PEREIRA – 10º. vol., pág. 47959
SODRÉ – 10º. vol., pág. 44960
SOUSA (do Prado) / MACHADO / FAGUNDES / FONSECA –
10º.vol., pág. 46361
SOUSA (do Prado) / SOARES (de Albergaria) / VELHO /
CABRAL – 10º.vol., pág. 44862
45
46
VELHO / SOUSA (de Arronches) / SOUSA (de Arronches) /
VELHO – 10º.vol., pág. 47163
[130]
mais fidalgos & / nobres deste Reyno./ PEllo q requeiro a todos os Dazebargado
/ res, Corregedores, Ouvidores, Juizes & / mais Justiças de sua Mag. Da parte
do dito / senhor & da minha por bem do officio / q tenho, & em especial mado
aos offi / ciaes da nobreza como Juis q sou della / Reys Darmas, Arautos &
Passavantes, a cupraõ, & façaõ in / teiramente cumprir & guardar, assim como
por mim / he determinado & julgado, & por firmeza de tudo vai / por mim
asinada com o sinal publico do nome do / meu officio. Dada nesta Corte &
Cidade de Lisboa / Occidental, aos vinte dias do mês de Dezembro do / anno
do nascimento de nosso senhor Jezu Christo / de mil & setecentos & vinte
quatro. / Frey Jozeph da Crus da ordem de saõ Paulo Refor / mador do Cartorio
da nobreza a fés, por especial / prouvizaõ de sua Mag. Que Deos guarde, & vai
sob / escrita por Simaõ da Silva Lamberto, escrivaõ / da nobreza nestes Reynos
& senhorios de Portu / gal & suas Conquistas. Fica registado este Brazaõ no livro
… de Registo dos Brazões da Nobreza de Por / tugal a fl.347 Lisboa Occidental
aos / 22 dias do mês de Dezembro de 1724. / Joseph da Cruz Principal / Rey.
Registe-se. Governo Civil do / Districto de Ponta Delgada 9 de / Março de
1874 / O Governador Civil / Conde da Praia da Victoria / Reg.da no Livro res/ pectivo de f.s 1 a 4. - / Secretaria do Governo / Civil do Districto de / Ponta
Delgada 9 de Mar- / ço de 1874 / O Amanuense / Antonio do Canto e Vas.os
da Camara Falcão /. (Doc.10)
55 TOMÁS FRANCO DA COSTA – CBA 7.11.1719 – Timbre de Franco –
Diferença: estrela de azul. Escudo d’armas que se pode ver a decorar a almofada frontal de uma cadeirinha existente no Museu de Angra do Heroísmo
(Foto 45).
56 BELCHIOR DE RESENDES E MOURA – CBA 13.11.1721 – Timbre de
Melo – Diferença: brica de azul com um trifólio de prata.
57 FERNANDO DE LOURA BETTENCOURT – CBA 13.4.1707 – Timbre de
Melo – Diferença: uma flor-de-lis de ouro.
58 MUNDOS FURTADO DE MENDONÇA – CBA 1519 – Timbre de Mendonça – Diferença: merleta de negro. Veja-se com proveito o trabalho de Manuel Lamas de Mendonça “Os Furtado de Mendonça Portugueses”.
59 LUÍS PEREIRA DE ORTA – CBA 27.4.1630 – Timbre de Pereira – Diferença: estrela de ouro.
60 BARTOLOMEU CORDEIRO – CBA 23.9.1619 – Timbre: não indica –
Diferença: flor-de-lis de ouro.
61 FRANCISCO DE SOUSA MACHADO – CBA 10.10.1687 – Timbre de
Sousa (do Prado) – Diferença: trifólio verde.
62 ANTÓNIO SOARES DE SOUSA FERREIRA BORGES E MEDEIROS –
CBA 8.4.1739 – Timbre de Soares – Diferença: brica de vermelho com um
farpão de ouro (Doc.11). e pode ser também vista uma representação
heráldica destas armas na Rua Dr. Augusto Arruda, 16 na Fajã de Baixo em
Ponta Delgada (Foto 46).
63 JOÃO SOARES DE SOUSA – CBA 18.6.1527 – Timbre de Velho –
Diferença: flor-de-lis de ouro.
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CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
COM OS
AÇORES
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CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
COM OS
AÇORES
V
EXTRAÍDAS
DE
NOBREZA DE PORTUGAL E BRASIL
ALBUQUERQUE / MEDEIROS / ARAÚJO / ALBUQUERQUE –
II / 67664 – III / 21965
ÁVILA – II / 348 66-67
BETTENCOURT – II / 41968
BORGES / MEDEIROS / CÂMARA / DIAS – III / 17769 (Praia)
BOTELHO – II / 43170
[133]
CÂMARA – III / 15571, III / 21972
64 MANUEL MEDEIROS DA COSTA CANTO E ALBUQUERQUE, Barão
e Visconde de Laranjeiras.
65 FRANCISCO DE MEDEIROS COSTA E ALBUQUERQUE, Visconde da
Ribeira do Paço.
66 ANTÓNIO JOSÉ DE ÁVILA, Conde de Ávila – CBA 9.10.1860.
67 ANTÓNIO JOSÉ DE ÁVILA, Marquês e Duque de Ávila e Bolama. No Ce-
69 ANTÓNIO BORGES DE MEDEIROS DIAS DA CÂMARA E SOUSA,
Conde e Marquês de Praia e Monforte. No jazigo nº. 2901 da Rua 14 do Cemitério dos Prazeres em Lisboa, dos dois escudos aí representados o da direita
reproduz o aqui mencionado. O da esquerda é da Casa Monforte (Foto 48).
70 NUNO GONÇALVES BOTELHO ARRUDA SOARES DE ALBERGARIA
COUTINHO DE GUSMÃO, Visconde e Conde do Botelho – CBA 20.2.1533.
71 Dª. LEONOR DA CÂMARA, Marquesa de Ponta Delgada.
mitério dos Prazeres em Lisboa – Rua 11 jazigo nº. 1860 estão representadas
estas armas (Foto 47).
72 D. MANUEL BALTAZAR LUIS DA CÂMARA, Conde e Marquês da Ribei-
68 JOÃO DE BETTENCOURT DE VASCONCELOS E ÁVILA, Visconde de
ra Grande. No Cemitério do Alto de Sº. João em Lisboa, Rua 4, jazigo nº. 596
estão representadas estas armas (Foto 49).
Bettencourt.
47
48
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CARREIRO / CASTRO (de seis arruelas) / CÂMARA /
COUTINHO – III / 5673
CARVÃO / CÂMARA / FONSECA / PAIM – III / 18674
CASTRO (de seis arruelas) / MEIRELES / TÁVORA / CANTO (de
Pero Anes) // CASTRO (de seis arruelas) – II / 72975
GAGO – II / 58777
GUERRA (das Astúrias) / RIBEIRO / PEREIRA / RIBEIRO – III / 29978
HOMEM – III / 5479
JÁCOME / CORREIA / ATOUGUIA / RAPOSO – II / 65980
FREIRE / ALBERGARIA / GALHARDO / PEGADO //
COUTINHO – III / 17776 (Monforte)
[134]
73 JOSÉ MARIA DA CÂMARA COUTINHO CARREIRO DE CASTRO,
Barão de Nossa Sª. da Saúde. A representação heráldica destas armas existe
no Cemitério dos Prazeres em Lisboa – rua 13, jazigo nº. 1964 (Foto 50).
74 ANTÓNIO DA FONSECA CARVÃO PAIM DA CÂMARA, Barão de Ramalho. Timbre de Carvão. Estas armas podem ver-se na Quinta de São Tomás
de Vila Nova – Caminho de Baixo, São Mateus em Angra do Heroísmo (Foto 51).
75 FRANCISCO DE MENESES MEIRELES DO CANTO E CASTRO, Visconde de Meireles. Timbre de Meireles. Divisa: “Auspicium meliores aevi”. No
Cemitério dos Prazeres em Lisboa na Rua 1A, jazigo nº. 5761 vê-se a representação destas armas. (Foto 52). O sobre-o-todo é por vezes carregado com
armas de Melo, e com esta particularidade também existe no mesmo cemitério
na rua 33, jazigo nº. 3231 uma representação heráldica (Foto 53).
50
51
76 ANTÓNIO BORGES DE MEDEIROS DIAS DA CÂMARA E SOUSA,
Conde e Marquês de Praia e Monforte.
77 AMÂNCIO DA SILVEIRA GAGO DA CÂMARA, Conde de Fenais – CBA
27.12.1902.
78 MANUEL ALVES GUERRA, Barão e Visconde de Santana.
79 PEDRO HOMEM DA COSTA NORONHA PONCE DE LEÃO, Barão e
Visconde de Noronha.
80 PEDRO JÁCOME CORREIA, Conde e Marquês de Jácome Correia.
52
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CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
COM OS
MASCARENHAS – III / 29281
MERCÊ NOVA – III / 31882
AÇORES
PERRY – II / 68687
MIRANDA / SILVEIRA – II / 61183, III / 5584
PORTUGAL / MANUEL (antigo) / MELO / CÂMARA //
FIGUEIREDO – III / 38588
PEREIRA / SÁ / SÁ / PEREIRA – II / 29485
REGO / BOTELHO / BETTENCOURT / CORTE-REAL – III / 20289
[135]
PEREIRA / SOARES (de Albergaria) / CASTRO (de seis arruelas)
/ LACERDA – III / 5686
81 D. FRANCISCO DE MASCARENHAS, Conde e Marquês de Santa Cruz.
No Museu das Flores encontra-se uma pedra com armas de Mascarenhas
encimada por um coronel de conde. É proveniente da desaparecida Igreja dos
Cedros e está cronografada na base: 1698. Estas armas serão muito provavelmente as usadas pelo capitão do Donatário das Flores e Conde de Santa
Cruz (Foto 53A).
82 TEOTÓNIO BORGES DINIS, Barão de São Dinis – CBA 15.5.1874.
Descreve-se: escudo esquartelado: I e IV. de azul, leão de ouro rompante; II. de
ouro, banda de azul; III. de prata, cruz azul firmada no escudo; orla vermelha
com dez flores-de-lis de ouro. Timbre: o leão. Existiu no Cemitério dos
Prazeres em Lisboa até ser demolido em 1959 um jazigo – rua 2 nº. 1739 – com
um escudo destas armas sotoposto a um manto de Par do Reino rematado por
coronel de barão e respectivo timbre.
85 ANTÓNIO GARCIA DA ROSA, Barão de Areia Larga – CBA 12.3.1857 –
Timbre de Pereira. No Cemitério do Alto de Sº. João em Lisboa – rua 17,
jazigo 3096 – estão figuradas estas armas (Foto 54).
86 CÂNDIDO PACHECO DE MELO MENESES FORJAZ DE LACERDA,
Barão e Visconde de Nossa Senhora das Mercês.
87 JOSÉ BRESSANE LEITE PERRY, Visconde de Leite Perry.
88 D. JOÃO DE MELO MANOEL DA CÂMARA, 1º. Conde da Silvã.
89 ANTÓNIO MARIA HOLTREMAN DO REGO BOTELHO DE FARIA,
Conde de Rego Botelho.
83 JACINTO INÁCIO RODRIGUES DA SILVEIRA, Barão e Conde de Fonte
Bela.
84 MANUEL INÁCIO DA SILVEIRA, Barão de Nossa Senhora da Oliveira.
53a
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VI
EXTRAÍDAS
DE
PUBLICAÇÕES VÁRIAS
AMARAL /CASTELO-BRANCO/CASTELO-BRANCO/AMARAL Instituto Histórico da Ilha Terceira, nº.37 (1979), pág. 8790
ESPINOLA – Nobreza da Ilha Terceira, II vol., pág. 1394
ÁVILA (outros) / BETTENCOURT/ PEIXOTO/ CARVALHO – Os
Morgados das Lajes, pág. 1991
FERNANDES / BALIEIRO / VIEGAS / ATAÍDE – Nobiliário da Ilha
Terceira, II vol., pág. 1495
CARVALHO/ REZENDE/ CORREIA/ PEREIRA – Armas & Troféus,
1977 - nº. 2, pág. 15892
CORREIA / MELO – Nobiliário da Ilha Terceira, I vol., pág. 33293
[136]
90 BERNARDO DO AMARAL DE CASTELO-BRANCO – CBA 9.4.1590 –
Timbre de Amaral – Diferença: cardo florido de prata. Esta CBA encontra-se
na Biblioteca de Angra do Heroísmo.
91 FRANCISCO BRUM DA SILVEIRA – CBA 4.4.1718 – Timbre de Ávila –
Diferença: trifólio de púrpura.
92 HILÁRIO DE CARVALHO RESENDE – CBA 6.10.1795. Não indica o
timbre nem a diferença.
93 ANTÓNIO CORREIA – CBA 1544. Não indica o timbre nem a diferença.
94 JOÃO ESPINOLA DA VEIGA – CBA 1617 – Diferença: brica quadrada de
verde.
95 Muito reconhecido agradeço à Exma. Senhora Dona LUÍSA MARGARIDA
GAGO DA CÂMARA a forma aberta e cordial com que nos franqueou as
portas de sua casa, e a imediata autorização para a publicação de três CBA
de seus antepassados: MANOEL FERNANDES BALLIEIRO, BARTOLOMEU ÁLVARO DE BETTENCOURT e ANTÓNIO DA CUNHA DA
SILVEIRA BETTENCOURT.
MANUEL FERNANDES BALIEIRO – TEXTO: PORTUGAL REY / DE
Armas Principal, nestes / Reynos de Portugal, do / muynto alto & poderozo /
Rey D. João o V. nosso senhor, por / graça de Deos Rey de Portugal & dos Al/ garves, da quem & dalem mar em Africa / Senhor de Guiné & da Comquista
nave- / gação Comercio da Ethyopia, Arabia, Per- / cia & India; &C. / Faço saber
aquantos esta minha / carta & certidão de Brazão de / Armas fidalguia, &
nobreza, / digna de fé & crença virem / que por parte de Manoel Fernandes
/ Ballieiro fidalgo da caza de sua Mag. / natural da Villa de Santa Crus da Ilha /
Gracioza huma dos Assores me foy / feita petiçaõ dizendo que pella sentença /
junta que offerecia passada em nome / de sua Magestade & pella Chancella- /
ria da corte pello doutor Pedro de Al- / meida do Amaral, so seu dezembargo
/ & seu dezembargador em esta sua cor / te & caza da suplicação corregedor /
com alçada dos feitos & cauzas siveis / em ella, constava ser o suplicante desce/ dente das nobres & illustres familias / dos Fernandes, Ballieiros, Viegas, & Ata/ ides, Correias, Espinolas, Cunhas, & / Silveiras, que neste Reyno são fidalgos /
antigos de Cota de Armas, por ser filho / legitimo do Capitão Manoel Fernan- /
des Balieiro fidalgo da Caza de sua Mag. / Ouvidor Geral das Justiças seculares
em / toda a dita Ilha Gracioza, & de sua mu- / lher D. Maria de Souza & Ataide,
/ dos quais tambem nacerão Felix Cor- / reia Picanço fidalgo da Caza de sua /
Mag. Que foi cazado com D. Maria / Ribeira Seca, filha de Manoel de Vas- /
concellos de Mendonça Sargento- / mor que foi em toda a dita Ilha, oP. Fra /
cisco Gil da Silveira beneficiado com- / firmado na Matris da dita Villa, & o- /
doutor Antonio da Cunha & Silvei / ra, do dezembargo de sua Mag. & Ju / is de
fora que foi da Ilha de S. Miguel / & Corregedor da de S. Maria, todos cõ / o foro
de fidalgos da Caza de sua Mag. / Neto pella parte paterna de Francisco /
Fernandes Ballieiro & de sua mulher / D. Pal, digo D. Paula Espinola Bisne- / to
de Pedro Fernandes Ballieiro, & de sua mulher, D. Maria Picança Cor / reia dos
quais nacerão o P. Manoel / Fernandes Ballieiro & o P. Pedro- / Correia Picanço
Ouvidor do Eclesiastico, / em toda a dita Ilha & nella vezitador Ge- / ral &
comissario do Santo Officio; Terceiro / neto de Sebastião Vas das Figueiras, que
/ ocupou o lugar Tenente do donatário, / & Alcaide mor da dita Ilha, & de sua /
mulher Maria Correia Picanço. Quarto / neto de Antonio Zuzarte & de sua um/ lher Concordia Correia Picanço; Quin / to neto de Bertholameu Dias Picanço
/ & de sua mulher Margarida Affonço / de Lira; Sexto neto de Diogo Affon- / ço
Picanço & de sua mulher Maria Af / fonço de Mideiros; Setimo neto de / Martim
Affonço Picanço, & de sua mu / lher Margarida Correia, naturais que / forão do
Reyno do Algarve, & que o / dito seu sétimo avo Martim Affonco, / he
descendente de D. Paio Pires Corre / ia, que ajudou a conquistar o dito Rey- /
no do Algarve, do poder dos mouros, / em tempo da Mag. do senhor D. Affon
/ ço terceiro, & que por parte de sua avó / paterna D. Paula Espinola he bisneto
/ de Antonio Lobaõ da Foncequa & de / sua mulher Beatris da Costa Espinola /
Terceiro neto do Capitão Pedro Espino- / lla da Veiga, & de sua mulher Leonor
/ Vas de Mendonça. Quarto neto de / Manoel Pires Figueiroa, natural & Cidadão
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CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
COM OS
AÇORES
da Cidade do Porto; & capi- / taõ mor da ditta Ilha Gracioza, & de / sua mulher
Paula Espinola da Veiga / a qual foi irmã de Reynaldo Espino / la & Leão Espinola
que tambem foi / Capitão mor na mesma Ilha & de Fa- / bricio Espinola de
quem nasceu João / Espinola o qual teve Brazão de Ar / mas passado no anno
de 1617. os qua / is todos tiverão o foro de fidalgos da / caza de sua M. Quinto
neto de Pedro / Espinola Doria fidalgo da caza de sua / M. & de sua molher D.
Catherina / da Veiga. Sexto neto de Antonio / Espinola Doria fidalgo genoves,
na- / tural & morador que foi na dita Ilha da / Madeira; Setimo neto de Marcelino
/ Espinola, tambem genoves sendo / todos fidalgos de grande calidade & / caza
na Republica; & pella parte / digo, na Republica de Genova & / pella parte
materna, neto de Pedro / Machado Paralta, & de D. Catherina / da Cunha
Silveyra; Bisneto de Fran- / cisco Vellozo Paralta; Terceiro neto / de Gaspar
Vellozo Paralta, irmão in- / teiro de Anna Vellozo mulher que / foi de Manoel de
Quadros Macha- / do Capitão mor na Villa de S. Crus / da dita Ilha Gracioza, &
por parte / da avó materna D. Catherina da Cu- / nha & Silveyra he bisneto de
Sebas / tião Viegas de Athaide, & de sua mu- / lher D. Maria Alves da Cunha.
Ter / ceiro neto de Diogo Viegas de Atai- / de Capitão mor que foi na dita Ilha
/ Gracioza & Provedor dos Rezidos, / na Comarqua das Ilhas de baixo- / Quarto
neto de Gallas Viegas de / Ataide; Quinto neto de Pedro Vas / Viegas de Ataide,
o qual teve o Bra- / zão das ditas Armas passado no anno / de 1542 & foi fidalgo
da Caza de sua / Mag. Cavaleiro profeço da Ordem de / Christo, & de sua
mulher Leonor Gil / da Silveira; & que Ruy Viegas de Ata / ide irmão de seu
quarto avo teve o / Brazão das ditas Armas passado no / Anno de 1585. Sexto
neto de Ruy Vie / gas de Ataide & do doutor Gil Rodri / gues da Silveira, que foi
do dezembargo de S.M./ Dos quais todos descendia elle / suplicante & q
sempre se tra / tarão a ley da nobreza com / cavallos, & armas & criados / sem
que nelles ouvecçe raça de judeo, / mouro, ou mullato, ou de outra infec- / ta
naçaõ, & por tal lhe estava julgado / na dita sentença & por se não perder / a
memoria de seus progenitores, & de / sua antiga fidalguia & nobreza que / ria
elle para concervação della hum / Brazão de Armas pertencente as ditas /
familias, dos Fernandes Ballieiro, / Viegas, Ataides, Correias, Espinollas, /
[137]
Doc. 12
Cunhas & Silveiras: pello que me pe- / dia lhe mandace passar carta de Brazão /
de Armas em forma assim como elle, / as havia de trazer & dellas usar. / E vista
a dita sua petição & sentença / & mais documentos nella incertos, / q. ficao no
Cartorio da nobreza & / por ella consta estar o suplicante jul- / gado por legitimo
descendente das ditas / familias pello haver asim provado & justi / ficado
largamente na dita sentença da / qual achei deduzido todo o contheudo / na dita
petição em verdade da qual pro- / vi o livro da fidalguia & nobreza do / Reyno
q. em meu poder tenho, & nelle / achei rezistadas as Armas que as ditas /
linhagens pertencem das quais tinhaõ / tirado brazões dellas os ditos seus ascen/ dentes, que são as que nesta lhe dou de / vizadas & illuminadas; a saber / Hum
escudo posto ao balon es- / quartelado, no primeiro quar- / tel as Armas dos
Fernandes, / que são, em campo azul hu- / ma torre de ouro lavrada de preto
com / coatro pessas de artelharia; no segudo / quartel as Armas dos Ballieiros
q. são / em campo azul huma banda de ouro / & nella tres rozas vermelhas,
entre / dois Castellos de prata & no fim do / escudo humas hondas de agoas de
pra / ta & azul, no terceiro quartel as Ar- / mas dos Viegas q. são escudo esquar/ tellado, no primeiro & quarto quar- / tel, em campo vermelho huma Aguia / de
ouro, no segundo & terceiro quar- / tel em campo de prata tres flores de / lis
azuis postas em roquete, no quarto / quartel as Armas dos Ataides, que são /
em campo azul quatro barras de prata. / Elmo de prata aberto guarnecido de
ouro. / Paquife dos metais & cores das Armas. / Timbre o dos Fernandes, que
he a mês / ma torre das Armas & por diferença, / hum trifólio de prata. / E
porque estas são as Armas que /as ditas linhagens pertencem / eu Manoel Leal
Rey de Ar- / mas Portugal, & principal, / com o poder do meu muito nobre & /
Real Officio, lhas dou & asino, para elle / & todos seus descendentes, assim
como / vão no dito escudo; as quais armas po- / dera usar como acto &
perrogativa de / sua nobreza, & fidalguia, & com ellas / gozar de todas as graças,
merces, hon- / ras previllegios que pellos senhores / Reys deste Reyno forão
concedidos a / os fidalgos & nobres dlle, & em es- / pecial, aos das ditas
geraçoens, & / com ellas podera entrar em batalhas, jus- / tas, & torneios, & em
todos & quais / quer actos assim da paz, como da guer- / ra, & em tudo que licito
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LOBO – Genealogia & Heráldica, 5/6 Tomo I, pág. 24596
PAÍM – Atlântida, Órgão do Instituto Açoriano de Cultura nº. 23,
pág. 147101
MACHADO – Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, nº. 34
(1976), pág. 7897 e nº.37 ( 1979 ), pág. 8598
PEIXOTO/ PEREIRA/ BETTENCOURT/SILVEIRA – Nobiliário da
Ilha Terceira, I vol., pág. 191102
MACHADO – Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, nº. 34
(1976), pág. 8099
PESTANA / BETTENCOURT/ CORREIA / VASCONCELOS –
MACHADO / TELES – Cerâmica Brazonada, 2º. vol., pág. 96100
Boletim do Museu de Etnografia da Ilha Graciosa, nº. 2 pág. 18 e 19
– Dezembro 1987103
PICANÇO – Atlântida – Órgão do Instituto Açoriano de Cultura
nº.21, (1977), pág. 189104
[138]
& honesto for / & as podera trazer em suas baixellas, / resposteiros, Aneis, &
senetes, & nos / portais de suas cazas & quintas, & deixalas sobre sua propia
sepultura. / & finalmente servindoce & honran- / doce dellas, como a sua
nobreza & fi / dalguia convem & como fazem os / mais fidalgos & nobres deste
Reyno / Pello que requeiro a todos os Deze- / bargadores, Corregedores,
Ouvidores, / Juizes & mais justiças de S. M. da par- / te do dito senhor, & da
minha por be / do Officio que tenho, & em especial / mando aos officiais da
nobreza, como / juis que sou della Reys de Armas, / Arautos, & Passavantes, a
cumprão / & fação inteiramente comprir & / guardar assim como por mim he /
determinado & julgado. / E por firmeza de tudo vai por mim / asinada, com o
sinal publico do no- / me do meu Officio. Dada nesta Corte / & Cidade de
Lisboa Occidental em / dezasete de Janeiro de 1720. Fr. Jozeph / da Crus
Paulino, a fes por Joseph Du- / arte Salvado ,Cavaleiro da Caza Real, / escrivão
da nobreza nestes Reynos, / & Senhorios de Portugal. Eu Joseph Du / arte Salvado
a fis escrever e sobescrevi. / Fica Registado este Brazão no Livro / Quinto do
Registo dos Brazoenz da No- / breza de Portugal, a fol. 1. Lisboa Occi- / dental
em 17 de Janeiro de 1720. / Joseph Duarte Salvado (Doc. 12).
101 DIOGO PAÍM – CBA 20.3.1533 – Timbre de Paim. Está sepultado na capela de Nª. Senhora da Conceição da Igreja Matriz da Praia da Vitória onde
no fecho do arco da referida capela se vêem as suas armas (Foto 55).
102 VICENTE ANTÓNIO DA SILVEIRA PEIXOTO PEREIRA – CBA
10.11.1749 – Timbre de Peixoto – Diferença: brica de vermelho com uma
estrela de negro.
103 PEDRO CORREIA DE VASCONCELOS – CBA 4.6.1613 – Timbre de
Pestana.
104 SEBASTIÃO DIAS (PICANÇO) – CBA 22.2.1506 – Não indica o timbre
nem a diferença.
96 ANDRÉ LOPES LOBO – CBA 12.8.1505 – Não indica o timbre nem a
diferença.
97 PEDRO DE ANDRADE MACHADO – CBA 3.8.1631 – Timbre de
Machado – Diferença: meia brica de ouro carregada de um cardo de verde.
98 ANTÓNIO FERREIRA MACHADO – CBA 9.11.1612 – Timbre de Machado – Diferença: brica de prata, com um “I” de negro.
99 SIMÃO DE ANDRADE MACHADO – CBA 1549. Não indica o timbre
nem a diferença.
100 ANTÓNIO TELES MACHADO – CBA 4.7.1763 – Timbre de Machado –
Diferença: brica de ouro com um “M” de negro.
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CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
COM OS
SÁ / SILVEIRA / BORGES / CORTE-REAL - Nobiliário da Ilha
Terceira, II vol., pág. 344105
SAMPAIO – Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, nº.36,
(1978), pág. 393.106
AÇORES
TEIVE / VASCONCELOS – Boletim do Instituto Histórico da Ilha
Terceira, nº.35, (1977), pág. 5112
VASCONCELOS - Nobiliário da Ilha Terceira, II vol., pág. 438113
SILVEIRA / BETTENCOURT / HOMEM / COSTA – Cartas de
Brasão de Armas, II vol, pág. 260107
SILVEIRA / MEDEIROS / MEDEIROS/ SILVEIRA - Armas &
Troféus, 1998, pág. 71108
SOUSA (de Arronches) /COELHO/COSTA/FERREIRA – Cartas
de Brasão de Armas, II vol, pág. 46109
SOUSA (de Arronches) /CORTE-REAL/ SILVA/ MELO –
Nobiliário da Ilha Terceira, II vol., pág. 78110
SOUSA (de Arronches) /PICANÇO/MELO/ CORREIA – Cartas
de Brasão de Armas, II vol, pág. 310111
[139]
56
105 FRANCISCO INÁCIO DE SÁ E SILVEIRA BORGES CORTE-REAL –
CBA 12.4.1725 – Timbre de Sá – Diferença: trifólio de negro.
106 RUI DIAS DE SAMPAIO – CBA 18.2.1560 – Diferença: cardo verde
florido de azul.
107 LUIS HOMEM DA COSTA E SILVEIRA – CBA sem data.
108 JOSÉ RODRIGUES DA SILVA – CBA 11.8.1764. Não indica o timbre
nem a diferença.
109 ANTÓNIO COELHO DA COSTA – CBA sem data. Na pedra de armas
existente nos “reservados” do Museu de Angra, a diferença é: brica de …..
com uma flor-de-lis de …….. (Foto 56).
110 ANTÓNIO BORGES DA SILVA DO CANTO – CBA 20.11.1724 –
Timbre de Sousa (de Arronches) – Diferença: brica de ouro carregada de
uma merleta de negro. O original desta CBA encontra-se na BPAAH –
Arquivo do Conde da Vila da Praia da Vitória (vide nota 35 e Foto 56A).
111 Ver Estudos Heráldicos III.
112 JOÃO JOSÉ DE TEIVE E VASCONCELOS DA GAMA – CBA
15.9.1749 – Timbre de Teive – Diferença: brica de azul com um farpão de
ouro.
113 GONÇALO MENDES DE VASCONCELOS – CBA 1511. Não indica o
timbre nem a diferença.
56a
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VII
INÉDITAS
BETTENCOURT 114
BETTENCOURT / CUNHA / SILVEIRA – António da Cunha da
Silveira Bettencourt115
SOARES (de Albergaria) / SOUSA (do Prado) / PEREIRA /
SILVEIRA – João Soares de Albergaria116
[140]
114 BARTOLOMEU ÁLVARO DE BETTENCOURT – TEXTO: D JOAÕ /
Por Graça de Deos Pricipe Re / gente de Portugal, e dos Algarves / da quem,
e dalém Mar em Afri / ca Senhor de Guinè da Conquis / ta Navegaçaõ do
Commercio da / Ethiopia Arábia Pérsia, e da Índia () Faço saber aos / q’ esta
Minha Carta de Brazão de Armas de Nobre / za , e Fidalguia virem q’ o
Capitão Mor, e Comman / dante da Villa da Praya da Ilha Gracioza Bartholo
/ meu Álvaro de Bitancort natural da dita Ilha, Me / fez Petição dizendo
q’ pela Sentença de Justifi / cação de sua Nobreza a ella junta proferida pelo
/ Meu Dezembargador Corregedor do Cível da Cor / te e Caza da
Suplicação Antonio Xavier da Costa / Sameiro, Cavalleiro Proffeço na
Ordem de Christo, / sobscripta por Matheus Gonçalves da Costa, Escrivão
/ do mesmo Juízo, e pelos Documentos a ella também jun / os, se mostrava
q elle he descendente das principaes / famílias da dita Ilha, e q tanto seu Pai
como seus Avós / Paternos e Maternos se tratarão à Lei da Nobreza / com
Armas Cavalos, e Creados e toda a mais ostenta / cão pertencente á mesma
Nobreza, servindo no Po / lítico, e no Militar os Postos mais destintos do Go
/ verno, sem q em tempo algum cometessem Crime / de Leza Magestade
Devina ou Humana, tendo al / guns delles seus Brazoens de Armas, assim
como seu / quarto Avo Pedro Espinola Dória o Foro de Fidalgo / Escudeiro
da Caza Real, e por taes havidos, e reputados: Pelo / q me pedia elle
suplicante por Mercê q para a memoria de / seus Progenitores se não
perder, e clareza de sua antiga / Nobreza lhe mandasse dar Minha Carta de
Brazão de Ar / mas da dita família de Betancourt, para dellas também / uzar
na forma q as trouxerão, e forão concedidas aos ditos se / us Progenitores.
E vista por Mim a dita sua Petiçaõ Senten / ça, e Documentos, e constar de
tudo o referido, o referido, e que / a elle como descendente da mencionada
família lhe pertence / uzar, e gozar de suas Armas segundo o meu
Regimento, e Orde / naçaõ da Armaria lhe Mandei passar esta Minha Carta
de Bra / zaõ dellas na forma que aqui vão Brazonadas, e illuminadas com /
Cores e Metaes segundo se achaõ Registadas no Livro do Registo das /
Armas da Nobreza e Fidalguia dos Meus Reinos q tem Portu / gal Meu
Principal Rei de Armas. A saber hum Escudo com as / Armas dos
Betancoures que saõ em Campo de prata hum Leaõ / de preto rompente,
armado de Vermilho. Elmo de prata aberto / guarnecido de ouro Paquife dos
Metaes, e Cores das Armas. Tim / bre o mesmo Leaõ das Armas, e por
diferença huma brica ver / melha com hum farpaõ de ouro. O qual Escudo,
e Armas pode / rá trazer, e usar o dito Bartholomeu Álvaro de Betancourt,
as / sim como as troxeraõ, e uzaraõ, e uzaraõ os ditos Nobres, e antigos Fidal
/ gos seus Antepassados em tempo dos Senhores reys Meus / Antecessores,
e com ellas poderá entrar em Batalhas, Campos, / Reptos, Escaramuças, e
exercitar todos os mais actos licios / da guerra, e da Paz. E assim mesmo as
poderá trazer em seus Fir / mães Anéis Sinetes, e Devizas, pollas em suas
Cazas Capellas, / e mais Edifícios, e deixalas sobre sua própria Sepultura, e
final / mente se poderá servir, honrar, gozar aproveitar dellas em to / do, e
por todo como a sua Nobreza convem. Com o que Quero / e me Prás que
haja elle todas as Honras, Privilégios, Liberdades / Graças Mercês Izençoes,
e Franquezas que hão, e devem ha / ver os Fidalgos, e nobres de Antiga
Linhagem, e como sempre / de todo uzarão, e gozarão os ditos seus
Antepassados pelo que / Mando aos Meus Dezembargadores,
Corregedores, Provedores, / Ouvidores, Juízes, e mais Justiças de Meus
Reinos, e Senhorios, e / em especial aos Meus Reys de Armas Arautos, e
Passavantes, e a / quaisquer outros Officiais, e pessoas a quem esta Minha
Carta / for mostrada, e o conhecimento della pertencer lha cumprão, e guar
/ dem como nella se contem sem duvida nem embargo algum q / em ella lhe
seja posto porque assim he Minha Mercê. O Príncipe / Regente Nosso
Senhor o Mandou por Izidoro da Costa e Olivei / ra Proffeço na Ordem de
Christo Escudeiro Cavalleiro de sua Caza / Real, e seu Rey de Armas Portugal
Antonio Bernardo Cardozo / Peçanha de Castel branco Cavalleiro Proffeço
na Ordem de Sant / iago da Espada, e Escrivão da Nobreza a fez em a Corte
do Rio / de Janeiro aos Vinte dias do mez de Abril do Anno do Nasci / mento
de Nosso Senhor JEZUS CHRISTO de mil outo / centos e onze. Registada
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CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
Doc. 13
no livro 1º. do Registo dos Brazões / de Armas da Nobreza e Fidalguia /do
Reino e suas Conquistas a fl. 1 /Rio de Janeiro 26 de Abril de / 1811./ Antº.
Berdº. Cardº. Peçª. d Castel Branco (Doc. 13). No momento da revisão
tivemos conhecimento de que esta CBA já tinha sido publicada por Nuno
Borrego no 2º. volume da sua obra Cartas de Brasão de Armas, sob o nº. 78.
Aproveito esta oportunidade para publicamente agradecer a Nuno Borrego
o seu inestimável contributo para a divulgação e sistemática inventariação das
Cartas de Brasão d’ Armas.
115 Ver Estudos Heráldicos I.
116 Ver Estudos Heráldicos II.
AÇORES
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COM OS
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VIII
ALVARÁS
DO
CONSELHO DE NOBREZA
ALBUQUERQUE117-118-119-120
BORGES / FARIA / MACHADO / BETTENCOURT130
ALBUQUERQUE / PEREIRA / ATAÍDE / ANDRADE121
ATAÍDE / CORTE-REAL / CORTE-REAL / ATAÍDE122-123-124
CÂMARA / ORNELAS131-132-133
CÂMARA / ORNELAS / ORNELAS / CÂMARA134
BETTENCOURT / CORREIA / VASCONCELOS / ÁVILA125
BETTENCOURT / HOMEM / ORNELAS / PAÍM126
COSTA / BORGES / CANTO / SILVEIRA (de Willelm van der
Haegen)135-136
BETTENCOURT / NORONHA / PERESTRELO / CÂMARA127
[142]
BORGES / COSTA / MELO / CANTO (de Pedro Anes do
Canto)128-129
FARIA / MACHADO / CABRAL / MELO137
117 DUARTE DINIS DE ANDRADE DE ALBUQUERQUE BETTENCOURT, 2º Conde de Albuquerque – Alvará de 28.6.1971 – Timbre de
Albuquerque – Diferença: mosqueta de arminho.
127 ALDINA BETTENCOURT DE ABREU ARRIMAR – Alvará de 8.7.1997
118 MARIA BEATRIZ BARBOSA DE ANDRADE ALBUQUERQE,
Condessa de Subserra – Alvará de 4.5.1979 – Sem timbre nem diferença por
a titular ser senhora.
119 MARIA MARGARIDA BARBOSA DE ANDRADE ALBUQUERQUE –
Alvará de 4.5.1979. Sem timbre nem diferença por a titular ser senhora.
– Sem timbre nem diferença por a titular ser senhora.
128 JOÃO MARIA DE SOUSA MENDES – Alvará de 15.12.1986 - Timbre de
Borges – Diferença: manilha de prata. Nobiliário da Ilha Terceira, I vol., pág. 153.
129 ANTÓNIO FIRMINO DE SOUSA MENDES – Alvará de 25.2.1988 –
Timbre de Borges – Diferença: uma estrela de prata.
130 DUARTE MANUEL BARBOSA DE FARIA E MAIA – Alvará de 8.4.1983
– Timbre de Borges – Diferença: merleta de prata.
120 MARIA VIOLANTE BARBOSA DE ANDRADE ALBUQUERQUE –
Alvará de 17.10.1973. Sem timbre nem diferença por a titular ser senhora.
131 D. FRANCISCA IN S DE ORNELAS PIRES MOTA DE AZEVEDO –
Alvará de 8.5.1987 – Sem timbre nem diferença por a titular ser senhora.
121 DUARTE MATEUS DE ANDRADE ALBUQUERQUE BETTENCOURT DE ATAÍDE – Alvará de 16.5.1988 – Timbre de Pereira –
Diferença: cardo florido de azul.
132 D. SOFIA DE ORNELAS PIRES DA MOTA DE AZEVEDO – Alvará de
122 LUÍS BERNARDO LEITE DE ATAÍDE – Alvará de 12.4.1947 – Timbre de
Ataíde – Diferença: estrela de ouro de seis pontas.
123 LUÍSA CONSTANTINA ATAÍDE DA COSTA GOMES – Alvará de
4.5.1979 – Sem timbre nem diferença por a titular ser senhora.
124 ANTÓNIO DE ATAÍDE COSTA GOMES – Alvará de 21.10.1992 –
Timbre de Ataíde – Diferença: brica de prata carregada com uma flor
florida de vermelho e vazia do campo.
125 JOÃO DE BETTENCOURT DE VASCONCELOS E ÁVILA – Alvará de
30.4.1994 – Timbre de Bettencourt – Diferença: espiga de verde.
126 GUILHERME JÁCOME SOARES PAÍM DE BRUGES BETTENCOURT – Alvará de 15.4.1993 – Timbre de Bettencourt – Diferença: uma
âncora de vermelho posta em pala.
11.3.2002 – Sem timbre nem diferença por a titular ser senhora.
133 MIGUEL DE ORNELAS PIRES DA MOTA DE AZEVEDO – Alvará de
11.3.2002 – Timbre de Câmara – Diferença: brica de ouro carregada de
uma flor-de-lis de negro.
134 VALDEMAR MOTA DE ORNELAS DA SILVA GONÇALVES – Alvará
de 15.12.1986 – Timbre de Câmara – Diferença: brica de prata carregada
de um girão de púrpura.
135 JOAQUIM MANUEL ESPARTEIRO LOPES DA COSTA – Alvará de
11.3.1998 – Timbre de Costa – Diferença: meia brica de ouro carregada
de uma pala de vermelho.
136 MÁRIO NUNO CANTO LOPES DA COSTA – Alvará de 11.3.1998 –
Timbre de Costa – Diferença: brica de ouro carregada com uma caldeira
de negro.
137 MARIA TERESA DE FARIA E MAIA DE AGUIAR – Alvará de 8.4.1983
– Sem timbre nem diferença por a titular ser senhora.
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CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
COM OS
AÇORES
GAGO / CÂMARA138
SILVEIRA / BETTENCOURT / CARVALHAL / SOARES150
GAGO / CÂMARA / TRAVASSOS / CABRAL139
SILVEIRA (de Willelm van der Haegen) / CUNHA / GAMA /
BETTENCOURT151
HOMEM / PAÍM / ORNELAS / CÂMARA140
SOARES (de Albergaria) / ANDRADE / CÂMARA /
BETTENCOURT / ALBUQUERQUE152
MACHADO / FARIA / CANTO (de Pêro Anes) / MEDEIROS141
MACHADO / MAIA / FARIA / VASCONCELOS142
MENESES / MACHADO / LEMOS / BORGES143
MONIZ / BARRETO / COUTO / BETTENCOURT144
MONIZ / BARRETO / MENESES / BORGES145
SOUSA (do Prado) / MENESES / MACHADO / BORGES153
SOUSA (do Prado) / VASCONCELOS / CÂMARA /
MACHADO154
TRAVASSOS / CABRAL / MELO / CÂMARA155
TRAVASSOS / VELHO / CABRAL / BOTELHO156
ORNELAS / PAÍM / CÂMARA / CARVÃO146
PEREIRA / ATAÍDE / ATAÍDE / PEREIRA147
VASCONCELOS / CÂMARA / MELO / CABRAL157
VELHO158
[143]
PEREIRA / BOTELHO / BOTELHO / PEREIRA148-149
138 ANTÓNIO JACINTO GAGO DA CÂMARA – Alvará de 11.3.2002 –
Timbre de Gago – Diferença: flôr-de-lis de ouro.
139 MARIA JOSÉ GAGO DA CÂMARA CALAÍNHO TEIXEIRA DUARTE
– Alvará de 11.3.2002 – Sem timbre nem diferença por a requerente ser senhora.
140 JÁCOME AUGUSTO PAÍM DE BRUGES BETTENCOURT – Alvará de
5.6.1987 – Timbre de Homem – Diferença: brica de prata carregada de uma
merleta de negro.
141 BEATRIZ DO CANTO FARIA E MAIA – Alvará de 24.2.1973 – Sem
timbre nem diferença por a titular ser senhora.
142 FRANCISCO MACHADO DE FARIA E MAIA – Alvará de 17.6.1987 –
Timbre de Machado – Diferença: flor de cardo de prata.
143 DUARTE MANUEL SIEUVE DE MENESES DA ROCHA ALVES –
Alvará de 21.2.1994 – Timbre de Meneses – Diferença: brica de verde com
uma estrela de seis pontas de prata.
144 DUARTE RAFAEL COTA BETTENCOURT MONIZ – Alvará de
15.5.1990 – Timbre de Moniz – Diferença: memória de prata.
145 MARIA DE LURDES DOS SANTOS MONIZ VIEIRA DE AREIA –
Alvará de 15.4.1998 – Sem timbre nem diferença por a requerente ser senhora.
146 JOÃO SAAVEDRA ORNELAS DE BRUGES DA CRUZ – Alvará de
26.10.1996 – Timbre de Ornelas – Diferença: brica de ouro carregada de
uma estrela de sete pontas de vermelho.
147 AUGUSTO DE ATAÍDE SOARES DE ALBERGARIA – Alvará de
26.1.1974 – Timbre de Pereira – Diferença: cardo de ouro florido de azul.
148 JOSÉ HONORATO GAGO DA CÂMARA BOTELHO DE MEDEIROS
– Alvará de 14.5.1970 – Timbre de Pereira – Diferença: vieira de ouro.
149 NUNO GONÇALO DA CÂMARA BOTELHO DE MEDEIROS, Conde
do Botelho – Alvará de 28.6.1971 – Timbre de Pereira – Diferença: besante
de ouro com três gotas de negro unidas em cima.
150 MANUEL LINHARES DE ANDRADE – Alvará de 26.4.1990 – Timbre de
Silveira – Diferença: brica de arminhos com uma memória de vermelho.
151 JOSÉ LEITE PEREIRA DA CUNHA – Alvará de 15.1.1992 – Timbre de Silveira (de Willelm van der Haegen) – Diferença: memória de prata.
152 AUGUSTO DUARTE DE ANDRADE ALBUQUERQUE BETTENCOURT DE ATAÍDE – 4º. Conde de Albuquerque – Alvará de 15.4.1993 –
Timbre de Albuquerque – Sem diferença por ser chefe do nome e armas dos
Condes de Albuquerque.
153 ANA RAIMUNDO DA CUNHA SIEUVE DE MENESES LEMOS E
CARVALHO DA CÂMARA SÁ COUTINHO DA ROCHA ALVES –
Alvará de 25.5.1994 – Sem timbre nem diferença por a requerente ser senhora.
154 ANTÓNIO JOSÉ DE VASCONCELOS RIEFF – Alvará de 15.7.1982 –
Timbre de Vasconcelos – Diferença: brica de vermelho, carregada de um farpão de ouro.
155 EUGÉNIO ATAÍDE DA CÂMARA VELHO DE MELO CABRAL – Alvará
de 24.2 1973 – Timbre de Travassos – Diferença: vieira de ouro.
156 CARLOS ALBERTO VELHO FALCÃO CANÁRIO MELO – Alvará de
22.3.1998 – Timbre de Travassos - Diferença: brica de prata carregada com
um cochim de azul.
157 ANA MARIA DA CÂMARA E VASCONCELOS DE FARIA E MAIA –
Alvará de 6.9.1994 – Sem timbre nem diferença por a requerente ser senhora.
158 JOSÉ ANTÓNIO BAPTISTA VELHO ARRUDA – Alvará de 12.5.1979 –
Timbre de Velho – Diferença: meia brica de ouro carregada de uma banda de
azul.
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IX
COMPOSIÇÕES HERÁLDICAS
MENCIONADAS
NO
NOBILIÁRIO DA ILHA TERCEIRA
(Águia bicéfala) / LEITE (moderno, invertido) / BRUM /
SILVEIRA – I / 190159
BETTENCOURT / FONSECA / ORNELAS / VASCONCELOS – I
/ 128160
BORGES / COSTA / MELO / CANTO (de Pero Anes) – I / 153161
CANTO – I / 259163
CARVALHO / LEMOS – II / 140164
CASTRO (de seis arruelas) / CASTELO BRANCO (Vasconcelos)
/ AGUIAR / PACHECO – I / 286
CHAVES / SÁ – I / 292165
BORGES / SOUSA / SILVEIRA / CANTO – I / 153
FIGUEIREDO / FREITAS – III / 108
CAMPOS (de Arras - de prata, três faixas de vermelho, e três
palas do mesmo brocantes sobre tudo) – I / 227162
LEITE / VASCONCELOS / BOTELHO / AZEVEDO (por MAIA)
– II / 87166
[144]
159 Estas armas estão representadas num escudo em talha policromada no
fecho do altar de Santa Filomena do lado do Evangelho na Igreja do Carmo
da cidade da Horta (Foto 57).
Tavares mulher de Henrique Bettencourt, e que os Tavares da Terceira são
descendentes de Ruy Tavares da ilha de São Miguel, que teve CBA a 2 de Dezembro de 1534 é admissível que as armas figuradas sejam de Tavares e não
de Fonseca, até porque as estrelas representadas tem um número muito variável de raios indo de 5 a 8; na representação heráldica deste mesmo ordenamento existente no cemitério de Nª. Sª. do Livramento em Angra do Heroísmo, no jazigo nº.421 as estrelas estão representadas uniformemente com 6
raios a que corresponde de facto o apelido Tavares (Foto 59).
160 Esta pedra de armas está colocada sobre a porta principal do Solar da Madre
de Deus, na rua do mesmo nome em Angra do Heroísmo (Foto 58); na obra
em análise, a leitura do 1º. quartel e do timbre – Bettencourt – estão incompletas, pois deve-se acrescentar que o leão empunha na garra direita uma
flor-de-lis que não consta de nenhum dos armoriais portugueses conhecidos
desde o século XVI. Não é certamente uma diferença pois repete-se no timbre. Será uma alusão a um vínculo de Borges? Deixamos a questão. O 2º
quartel diz ser Fonseca, mas, atendendo a que Francisco de Bettencourt o
primeiro que do apelido passou à ilha Terceira, era neto de Isabel Fernandes
57
161 Timbre: meio leopardo de ouro carregado de uma flor de lis de vermelho
na testa.
162 Armas de Guilherme Rouze. AHG 983 e Revista Raízes & Memórias nº 14,
pág. 47.
59
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CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
AÇORES
[145]
COM OS
58
166 Pedra de armas no portal da casa à Rua de Sant’ Ana, 19 em Ponta Delgada.
163 Belchior do Canto Velho teve CBA em 30 de Janeiro de 1589 – vide Brasões
Terá sido Diogo Leite de Vasconcelos, falecido a 3 de Agosto de 1658 o
primeiro a fazer uso deste ordenamento heráldico? (Foto 61).
Inéditos nº. 84.
164 Este ordenamento heráldico tem sido usado pelos descendentes de José de
Sousa de Meneses de Lemos e Carvalho.
165 Rua de São Pedro, 200 em Angra do Heroísmo. Na fachada desta casa e
entre duas janelas de sacada podem ser vistas estas armas. Provavelmente
terá sido António Francisco de Sá da Rocha e Câmara a primeira pessoa a
usar estas armas (Foto 60).
60
61
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LEITE PEREIRA / BOTELHO / AZEVEDO / VASCONCELOS – II
PAIM / ORNELAS / SOUSA / CÂMARA – II / 235170
/ 87
PEREIRA / PACHECO / LACERDA / MELO – II / 276
LEMOS / CARVALHO / SÁ / CHAVES – II / 140
RIBEIRO / ROCHA / FONSECA / CARVALHO – II /321
MERCÊ NOVA – II / 304167
MONIZ / GUEDES / BETTENCOURT (?) / CORTE-REAL – II /
170168
SIEUVE / SÉGUIERS – II / 367
MUNHOZ / CASTELO BRANCO / CASTRO (de treze arruelas)
SOUSA (de Arronches) / COELHO / COSTA / FERREIRA – I
/ MARTINS – I / 286
/310 e Cartas de Brasão de Armas, II /46.
ORNELAS / BANDEIRA – II / 235169
SOUSA (do Prado) / SIEUVE / MACHADO / BORGES – II /
367172
[146]
167 JOSÉ TOMAZ DA SILVA QUINTANILHA – 1º. Barão de Paquetá –
CBA 29.1.1872. As armas atribuídas foram: escudo esquartelado: I e IV. de
ouro, leão de púrpura rompente, armado de azul, tendo na garra dextra um
compasso de vermelho, e na espádua uma folha de independência de negro,
nervada e orlada de ouro, e sobre a cabeça uma estrela de vermelho; II e III.
De negro, seis seixas de prata postas em aspa.
168 Sebastião Moniz Barreto, O Velho deverá ter sido o primeiro a fazer uso
deste ordenamento heráldico. Estas armas podem ser vistas na Igreja e
Convento de S. Francisco, actualmente Museu de Angra do Heroísmo
(Foto 62) e também no cemitério de Nª. Senhora do Livramento em
Angra do Heroísmo, diferindo apenas no timbre, que no primeiro é de
Guedes e no segundo de Moniz (Foto 63).
62
63
SILVA (?) / CARVALHO (?) / COSTA / MACHADO – I / 348171
169 António Infante da Câmara e Ornelas – CBA de 30 de Janeiro de 1792.
170 Manuel Paim de Sousa (?) nascido em 1649 poderá ter sido a primeira pessoa
a usar este ordenamento heráldico.
171 Em Angra do Heroísmo, há uma representação destas armas na Igreja do
Convento de S. Francisco, na capela de Stº. Antão e Nª. Sª. da Consolação,
instituída por Gonçalo Vaz de Sousa e sua mulher Iria Cotta da Malha (Foto
64).
172 No jazigo dos Condes de Sieuve de Meneses no cemitério de Nª. Senhora
do Livramento em Angra do Heroísmo (Foto 65).
64
65
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CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
COM OS
CARTAS D’A
ARMAS INÉDITAS
AÇORES
e a elle como des- / cendente das mencionadas familias lhe per- /
tence usar, e gozar de suas Armas, segundo / o Meu Regimento, e
ESTUDOS HERÁLDICOS
I
Ordenação da Armaria / lhe Mandei passar esta Minha Carta de
Bra- / zão dellas, na forma que aqui vão Brazona- / das, Divizadas,
e Illuminadas com Cores, e- / Metaes, segundo se achão Registadas
no Li- / vro do Registo das Armas da Nobreza, e- / Fidalguia de
Carta de Brasão de Armas de António da Cunha da
Silveira Bettencourt – 1818
Meus Reinos, que tem Portugal / Meu Principal Rey de Armas. A
saber, Hum / Escudo partido em palla. Na primeira as / Armas dos
Bitancourts, que são em Cam- / po de Prata hum Leão de preto
D.
faxa na primeira as Armas dos / Cunhas que são em campo de
de Portugal, e do Bra / zil, e Algarves, d’a- / quem,
ouronove / cunhas de azul de ferro firmadas e postas / em três
e d’alem, Mar / em Africa, Senhor de Guiné, e da /
pallas. Na segunda as dos Silveiras / em campo de prata tres faxas
Conquista Navegação, Commer- / cio da Ethiopia,
vermelhas, e / por orla huma Silva verde. Elmo de prata / aberto
Arabia, Persia, / e da India &c. Faço saber aos que / esta Minha Carta
guarnecido de ouro. Paquife dos Me- / taes, e Cores das Armas.
de Brazão de- / Armas de Nobreza, e Fidalguia / virem que o
Timbre dos Bi- / tancourts, que he o Leão das Armas, e por /
Sargento Mór An- / tonio da Cunha Silveira, e Bitan- / court,
diferença huma Brica de ouro, com huma / banda azul. O qual
natural da Villa da Praya da / Ilha Gracioza Me fez petição dizen /
Escudo, e Armas pode- / rá trazer, e usar tão somente o dito
do, que pela Sentença de Justefi- / cação de sua Nobreza, E fidalg-
Antonio / da Cunha Silveira, e Bitancourt, assim como as- /
/uia, aella junta, proferida, e asig- / nada pelo Meu Dezembargador
trouxerão, e uzarão os ditos Nobres, e antigos / Fidalgos seus
/ da Caza da Suplicação, que serve / de Corregedor do Civel da
Antecessores; e com ellas / poderá entrar em Batalhas, Campos,
Corte o / Doutor Joze Freire Gameiro, sobs- / cripta por Diziderio
Reptos, / Escaramuças, e exercitar todos os mais actos / licitos da
Joze do Ama / ral, Escrivão do mesmo Juizo, e- / pellos documentos
Guerra, e da Pax. E assim mesmo as po- / dera trazer em seus
a ella tão bem / juntos se mostrava que elle he filho legitimo / do
Firmaes, Aneis, Sinetes, / e Divizas, pollas em suas Cazas, Capellas,
Capitão Mòr Bartholomeu Alvaro Bitan- / court, e de sua mulher
e / mais Edificios, e deixallas sobre sua propria / Sepultura, e
Dona Joaquina Pampo / lana da Corte Celeste. Os quaes seus Pays
finalmente se podera servir, hon- / rar, gozar, aproveitar dellas em
forão / pessoas muito Nobres das Famillias de seus Ap- / pellidos,
todo, e por / todo como a sua Nobreza convem. Com o que /
que no Reyno de Portugal são Fidalgos / de Linhagem, Cotta de
Quero, e me Praz, que haja elle, e todos seus / Descendentes todas
Armas, e de Solar conhe- / cido, e ao Pay do Suplicante se passou
as Honras, Privilegios, Li- / berdades, Graças, Mercês, Izençõns, e
Brazão / de Armas em 20 de Abril de 1811, e como taes / se tratarão
Fran- / quezas, que hão, e devem haver os Fidalgos, / e Nobres de
sempre á Ley da Nobreza, com Ar- / mas,Creados, Cavallos, e toda
Antiga Linhagem, e como sem- / pre de todo uzarão, e gozarão os
a mais ostentação / pertencente á sua qualidade servindo no Po /
ditos seus / Antepassados, e seus Sucessores não poderão / uzar
litico, e no Militar os Lugares, e Postos mais / distintos do Governo,
deste Brazão, e Privilegios, sem que no- / vamente lhe seja a cada
sem que em tempo al- / gum commetessem Crime de Leza
hum delles confirma- / do.Pelo que, Mando aos Meus Dezembar-
Magesta- / de Divina ou Humana. Pelo que Me pedia / elle
/ gadores, Corregedores, Provedores, Ouvi- / dores, Juizes, e mais
Suplicante por Merce que para a memo- / ria de seus Progenitores
Justiças de Meus Rei- / nos, e Senhorios, e em especial aos Meus /
se não perder, e clare- / za de sua antiga Nobreza, e Fidalguia lhe ma
Reys de Armas, Arautos, e Passavantes, e / aquaes quer outros
/ ndace dar Minha Carta de Brazão de Armas / das ditas Familias
Officiais, e Pessoas a- / quem esta Minha Carta for mostrada, e o- /
para dellas tão bem usar / na forma que as trouxerão, e forao
conhecimento della pertencer, que em tu- / do lha cumprão, e
concedidas / aos ditos seus Progenitores. E vista por Mim / a dita
guardem, e fação intei- / ramente cumprir, e guardar como nella /
sua petiçao, Sentença, e documentos, e / constar de tudo o referido,
se contem, sem embargo, ou duvida, algu- / ma, que em ella lhe
[147]
rompente, / armado de vermelho. Na segunda palla / partida em
JOAO / Por Graça de Deos / Rey do Reino Unido /
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seja posto por que assim / he Minha Mercê, Pagou de Novos
Os oficiais de armas que intervêm na elaboração desta carta de
Direitos / cinco mil reis, que se carregarão ao Tezourei- / ro delles a
armas – Izidoro da Costa e Oliveira, Principal Rei de Armas
f. 25, do Lº. 6º, de sua Receita, co- / mo consta do Conhecimento
Portugal e António Bernardo Cardoso Peçanha de Castel Branco,
em forma Regis- / tado a f. 164, v. do Lº. 13, do Registo Geral dos
Escrivão da Nobreza Fidalguia do Reino Unido e suas Conquistas,
/ mesmos. EL REY Nosso Senhor o mandou / por Izidoro da Costa,
são conhecidos e estavam em funções à data.
e Oliveira, Cavalleiro / Proffeço na Ordem de Christo, e da Torre, e
/ Espada, Cavalleiro Fidalgo de Sua Caza Re- / al , Seu Creado
Os elementos genealógicos contidos na carta de armas são
Particular, e Seu Rey de Armas / Portugal. Antonio Bernardo
praticamente inexistentes, mencionando apenas os pais do
armígero174:
Cardozo Peça- / nha de Castel Branco, Cavalleiro Proffeço na /
Ordem Militar de Sant Iago da Espada, Fi- / dalgo de Linhagem, e
Cotta de Armas, Escri- / vão da Nobreza, e Fidalguia do Reino
1. António da Cunha da Silveira Bettencourt,
Unido, / e suas Conquistas a fez em a Corte, e Cidade de / São
2. Bartolomeu Álvaro Bettencourt,
Sebastião do Rio de Janeiro aos vinte, e / quatro dias do mez de
3. Joaquina Pampolana da Corte Celeste
Dezembro do Anno do Na- / scimento de Nosso Senhor JESUS
Christo de mil / oito centos, e dezoito. Eu António Bernardo /
e não fazendo qualquer entronque em família conhecida. O pai
Cardozo Peçanha de Castel Branco, a fiz, e / subscrevy / Nr 323
era Capitão-Mór e teve carta de Brasão de Armas em 20 de Abril de
1811175 , vivendo com sua mulher à lei da nobreza.
Portugal Rey de Armas Principal / Izidoro da Costa e Oliveira.
Registada no livro 1º. do Regto. dos / Brazões de Armas da No
[148]
/ breza e Fidalguia do Reino / Unido e suas conquistas a fl. 88 /
A descrição das armas concedidas é:
Rio 30 de Dezembro de 1818. / António Bernardo Cardozo
Peçanha de Castel Branco (Doc. 14)
Escudo partido: I. Bettencourt – “em campo de prata um leão de
Esta carta de brasão de armas emitida em 1818 no Rio de Janeiro,
prata, com um leão de negro, armado e lampassado de vermelho”; II.
preto rompente, armado de vermelho” correctamente ler-se-ia “de
faz parte do arquivo particular da Exma. Senhora Dona Luísa
Cortado: 1º. Cunha – “em campo de ouro, nove cunhas de azul
Margarida Gago da Câmara a quem reiteramos o nosso
em ferro firmadas, e postas em três palas” correctamente ler-se-ia “de
agradecimento.
ouro, com nove cunhas de azul, abatidas e alinhadas 3, 3 e 3”.; 2º.
Silveira – “em campo de prata três faxas vermelhas e por orla uma
Além de ser inédita, esta carta de armas é particularmente
silva verde” correctamente ler-se-ia “de prata, com três faixas de
interessante por ter sido emitida no Brasil durante a estadia de D.
vermelho e em orla um ramo de silvas de verde”.
João VI e cujos copiadores desapareceram todos em 1848 após a
morte de Frei Possidónio da Fonseca e Costa, Escrivão da Nobreza
O elmo, o paquife e o timbre são descritos com sobriedade e de
e Fidalguia do Império do Brasil, o que faz com que se desconheça
acordo com a linguagem da armaria. Na iluminura das armas
o número e para quem foram emitidas Cartas de Brasão de Armas
figuram ainda o virol – de vermelho e ouro, azul e prata - e as correias
durante 40 anos.
– de vermelho - que não são descritas no texto.
Na leitura paleográfica o critério de transcrição usado foi o da
fidelidade ao original.
173 Marquês de São Payo, Cartas de Brasão de Armas (um ensaio de
diplomática). Separata da revista Armas & Troféus 2ª. série, nº. 3
Braga, 1960.
Trata-se de uma carta de brasão de armas de nobreza e fidalguia de
acordo com a classificação proposta pelo Marquês de São Payo
173 e cujo texto segue o das suas congéneres da época.
174 Usa-se o método de numeração Sosa-Stradonitiz.
175 Ver nota 111.
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CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
COM OS
AÇORES
Quanto à diferença nada se pode concluir pois não são conhecidos
brasão tem apenas uma cercadura de dois riscos finos; a primeira
outros familiares para além dos pais. Contudo, de acordo com o
página tem uma letra capitular a ocupar a altura correspondente a
Regimento de Armaria a brica atribuída não seria correcta visto que
nove linhas de texto, com cercadura dupla de folhas de acanto,
as armas mais chegadas à varonia – Bettencourt – lhe vinham por
sendo mais larga que as outras.
seu Pai.
A análise da iluminura revela metais oxidados particularmente a
O material de suporte desta carta de armas é o pergaminho,
prata, acontecendo o mesmo ao verde da “silva”. No geral está em
uniforme nas suas dimensões, e ao longo de todo o caderno que é
bom estado de conservação e não foi ainda sujeita a qualquer
formado por quatro bifólios não numerados. Quatro das páginas
restauro, mas apresenta já algumas marcas de uso.
[149]
tem cercadura dupla com elementos vegetalistas; a de rosto e a do
Doc. 14
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[150]
Doc. 14
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5:06 PM
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CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
COM OS
ESTUDOS HERÁLDICOS
II
Carta de Brasão de Armas de João Soares de Albergaria
de Souza – 1819
AÇORES
Cotta de Armas e de Solar conhecido, e / como taes se tratarão
sempre a Ley da Nobreza com / Armas, Creados, Cavallos, e toda a
mais ostentação / pertencente a sua qualidade servindo no Politico,
e / no Militar os Lugares, e Postos mais distinctos do / Governo,
sem que em tempo algum commetessem Cri- / me de Leza
Magestade Divina, ou Humana. Pelo que / Me pedia elle
Supplicante por Mercê que para a / memória de seus Progenitores
JOAO~ / Por Graça de Deos Rey / do Reino Unido
Minha Carta de Brazão de Armas das ditas Fami- / lias, para dellas
de Por / tugal, e do Brazil, e Al- / Garves, daquem,
tãobem usar, na forma que as trou- / xerão, e forão concedidas aos
e da- / lem mar em Affrica, se- / nhor de Guiné, e
ditos seus Progenito- / res. E vista por Mim a dita sua petição,
da Conquista Nave- / gação, Commercio da
Sentença / e mais documentos, e constar de tudo o referido, e que
Ethiopia, Ara- / bia,Persia, e da India &º. Faço saber / aos que esta
a / elle como descendente das mencionadas Famílias lhe / pertence
Minha Carta de Brazão / de Armas da Nobreza, e Fidalgia vi- / rem
usar, e gozar de suas Armas, segundo o Meu / Regimento, e
que o Alferes João Soares de Al- / bergaria de Souza, natural da
Ordenação da Armaria, lhe mandei passar / esta Minha Carta de
Villa / das Vellas Ilha de São Jorge Me fez / petição dizendo que pela
Brazão dellas, na forma que aqui / vão Brazonadas, Divizadas, e
Sentença de / Justeficação de sua Nobreza a ella tão / bem junta,
Illuminadas com Cores, / e Metaes, segundo se achão Registadas no
proferida, e assignada pe- / lo Meu Dezembargador da Casa da Sup-
Livro do Re- / gisto das Armas da Nobreza, e Fidalguia de Meus
/ licação, que serve de Corregedor do Ci- / vel da Corte o Doutor
Reinos, / que tem Portugal Meu Principal Rey de Armas, A saber, /
Jozé Freire Ga- / meiro, sobscripta por Deziderio Jozé do / Amaral
Hum Escudo, esquartelado. No primeiro quartel as Ar- / mas dos
Escrivão do mesmo, e pelos do- / cumentos a ella tão bem juntos
Soares de Albergaria, que são em campo de pra- / ta huma Cruz
D.
se mos- / trava que elle he filho legitimo do Sar- / gento Mór
vermelha, florida, e vazia, com hum perfil pre- / to, e huma
Ignacio Soares de Alberga- / ria e Souza, e de sua mulher D. Izabel
bordadura com sete Escudinhos das Quinas Rea- / es. No segundo
/ Delfina da Silveira, naturaes da dita Vil- / la. Neto paterno do
as dos Souzas, em campo de prata no pri- / meiro, e quarto quartel
Capitão Jozé Ignacio de Sou- / za Soares, Cavalleiro Fidalgo de
as Quinas de Portugal, e no segun- / do, e terceiro hum Leão
Minha Caza na- / turaes da Ilha do Fayal, e de sua mulher D. Joa- /
rompante de vermelho. No ter- / ceiro as dos Pereiras que são em
quina Genoveva de Bitancourt, natural da Ilha / do Pico, e pela
campo vermelho huma / Cruz de prata florida, e vazia do campo.
materna do Capitão António André / da Silveira, e de D. Izabel
No quarto quar- / tel as Armas dos Silveiras em campo de prata tres
Maria da Silveira, natu- / ral da Ilha de São Jorge. Bisneto paterno
fa- / xas vermelhas, e por orla huma Silva. Elmo de prata a- / berto
do Ca- / pitão Ignacio Soares de Souza, Cavalleiro Fidalgo / de
goarnecido de ouro. Paquife dos Metaes, e Cores / das Armas.
Minha Caza, e de D. Ignez Antonia da Silveira na- / turaes da Ilha
Timbre dos Soares de Albergaria, que he / huma serpente vermelha,
do Fayal, e pela materna do Capitão / Jozé Francisco de Bitancourt,
e por diferença huma brica ver- / melha, com huma Estrella de
e de D. Maria There- / za da Ilha do Pico, e do Capitão Amaro
ouro. O qual Escudo, e / Armas poderá trazer, e usar tão somente o
Teixeira de / Souza Pereira, e de D. Maria de Lemos de Souza, e / do
dito João / Soares de Albergaria de Souza, assim como as trou- /
Capitão Antonio Pereira Cabral, e de D. Maria de / Stº. António,
xerão, e uzarão os ditos Nobres, e antigos Fidalgos se / us
naturaes da Ilha de São Jorge. Terceiro neto / paterno do Capitão
Antepassados em tempo dos Senhores Reys Meus / Antecessores e
Bernardo Soares, Cavalleiro / Fidalgo de Minha Caza Real, e
com ellas poderá entrar em Ba- / talhas, Campos Reptos,
materno do Capitão / Antonio Pereira de Lemos, e de Dª. Anna da
Escaramuças, e exer- / citar todos os mais actos licitos da Guerra, e
Silveira e / Souza, naturaes da Ilha de São Jorge. Os quaes seus /
/ da Paz, E assim mesmo as poderá trazer em / seus Firmaes, Aneis,
Pays, e Avós fora pessoas muito distinctas, e das prin- / cipaes
Sinetes, e Divizas, pol- / las em suas cazas, Capellas, e mais
Familias da dita Ilha, e de todas as mais dos Asso- / res, e da
Edificios, e / deixallas sobre sua propria Sepultura, e finalmen- te /
Madeira, que no Reino de Portugal são Fidalgos / de Linhagem
se poderá servir honrar, gozar aproveitar dellas em / todo, e por
[151]
se não perder, e / clareza de sua antiga Nobreza lhe mandace dar /
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todo como a sua Nobreza convem. Com / o que Quero, e Me Praz,
Além de ser inédita, esta carta de armas é particularmente
que haja elle, e todos os / seus Descendentes todas as Honras,
interessante por ter sido emitida no Brasil durante a estadia de D.
Privilégios, / Liberdades, Graças, Mercês, Isenções, e Franque- / zas,
João VI e cujos copiadores desapareceram em 1848 após a morte
que hão, e devem os Fidalgos, e Nobres / de antiga Linhagem; e
de Frei Possidónio da Fonseca e Costa, Escrivão da Nobreza e
como sempre de todo uza- / rão, e gozarão os ditos seus
Fidalguia do Império do Brasil, o que faz com que se desconheça
Antepassados, e seus / Sucessores não poderão usar deste Brazão, e
o número e para quem foram emitidas Cartas de Brasão de Armas
Pri- / vilegios, sem que novamente lhe seja a cada hum / delles
durante 40 anos.
confirmado. Pelo que, Mando aos Meus / Dezembargadores,
Corregedores, Provedores, / Ouvidores, Juízes, e mais Justiças de
Na leitura paleográfica o critério de transcrição usado foi o da
Meus Rei- / nos, e Senhorios, e em expecial aos Meus Reys de /
fidelidade ao original.
Armas, Arautos, e Passavantes, e a quaes quer / outros Officiaes, e
Pessoas a quem esta Minha Car- / ta for mostrada, e o
conhecimento dellas perten- / cer, que em tudo lha cumprão, e
guardem, e fa- / ção inteiramente cumprir, e goardar como nella /
se contem, sem duvida ou embargo algum, que / em ella lhe seja
posto por que assim he Minha Mer- / cê. Pagou de Novos Direitos
cinco mil reis, que / se carregarão ao Thezoureiro delles a fol. 36vº
do / Livro VI. De sua Receita, como consta do Conhe- / cimento em
forma Registado a fol. 1 ves. Do Livro / XIV do Registo Geral dos
[152]
mesmo. EL REY Nos- / so Senhor o mandou por Izidoro da Costa,
e / Oliveira, Cavalleiro Proffeço na Ordem de Chris- / to, e da Torre,
Trata-se de uma carta de brasão de armas de nobreza e fidalguia de
acordo com a classificação proposta pelo Marquês de São Payo176
e cujo texto segue o das suas congéneres da época.
Os oficiais de armas que intervêm na elaboração desta carta de
armas – Izidoro da Costa e Oliveira, Principal Rei de Armas
Portugal e António Bernardo Cardoso Peçanha de Castel Branco,
Escrivão da Nobreza e Fidalguia do Reino Unido e suas
Conquistas, são conhecidos e estavam em funções à data.
e Espada, Cavalleiro Fidalgo de / Sua Caza Real, Seu Creado
Particular, e Seu / Rey de Armas Portugal António Bernardo Car- /
dozo Peçanha de Castel Branco, Cavalleiro Prof- / feço na Ordem
Os elementos genealógicos contidos na carta de armas permitem
elaborar a seguinte árvore de costados177:
Militar de SantIago da Espada, / Fidalgo de Linhagem, e Cotta de
Armas, Escri- / vão da Nobreza, e Fidalguia do Reino Unido, e / suas
1. João Soares de Albergaria Sousa, alferes
Conquistas a fez em a Corte, e Cidade de São Sebastião do Rio de
2. Inácio Soares de Albergaria e Sousa, Sargento-Mor da
Janeiro aos cinco dias / do Mez de Janeiro do Anno do Nascimento
vila das Velas – S. Jorge
de / Nosso Senhor JESUS Christo de mil oito cen- / tos e dezanove.
3. Isabel Delfina da Silveira
Eu Antonio Bernardo Cardo- / zo Peçanha de Castel Branco, a fiz, a sob-
4. José Inácio de Sousa Soares
/ escrevi. / Portugal Rey de Armas Principal / Izidoro da Costa e Oliveira
5. Joaquina Genoveva de Bettencourt
Registada no livro1º. Do Regto. dos / Brazões de Armas da No /
6. António André da Silveira, capitão
breza e Fidalguia do Reino / Unido e suas conquistas a fl. 52 / Rio
7. Isabel Maria da Silveira
30 de Janeiro de 1819. / António Bernardo Cardozo Peçanha de
8. Inácio Soares de Sousa, capitão
Castel Branco (DOC. 15).
9. Inês Antónia da Silveira
10. José Francisco de Bettencourt, capitão
Esta carta de brasão de armas emitida em 1819 no Rio de Janeiro,
faz parte do arquivo particular da casa da Exma. Senhora Dona
Eduarda Soares de Albergaria Machado, descendente do
armigerado, a quem o autor agradece muito reconhecido a forma
franca e hospitaleira como foi recebido em sua casa e a imediata
anuência à publicação desta CBA.
176 Marquês de São Payo, Cartas de Brasão de Armas (um ensaio de
diplomática). Separata da revista Armas & Troféus 2ª série, nº. 3
Braga, 1960.
177 Usa-se o método de numeração Sosa-Stradonitiz.
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CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
COM OS
AÇORES
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Doc. 15
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CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
COM OS
AÇORES
11. Maria Teresa
O elmo, o paquife e o timbre são descritos com sobriedade e de
12. Amaro Teixeira de Sousa Pereira, capitão
acordo com a linguagem da armaria. Na iluminura das armas
13. Maria de Lemos de Sousa
figuram ainda o virol – a oxidação já não permite ver as suas cores –
14. António Pereira Cabral, capitão
e as correias – de carmim – que não são descritas no texto.
15. Maria de Santo António
16. Bernardo Soares, capitão
Da escolha da diferença nada se pode concluir, sabendo nós que
18. António Pereira de Lemos
utilização indiscriminada da brica ainda era vulgar na época.
19. Ana da Silveira e Sousa
Todavia, segundo o Regimento de Armaria e tendo em conta a
deveria ser uma peça solta.
Escudo esquartelado: I. Soares de Albergaria178 “campo de prata
O material de suporte desta carta de armas é o pergaminho,
uma cruz vermelha, florida e vazia, com um perfil preto, e uma
uniforme nas suas dimensões, e ao longo de todo o caderno que é
bordadura com sete escudinhos das quinas reais” – correctamente
formado por quatro bifólios não numerados. Quatro páginas tem
ler-se-ia “de prata, com uma cruz florida de vermelho, vazia do campo;
cercadura dupla com elementos vegetalistas; a de rosto e a do brasão
bordadura de vermelho carregada de sete escudetes das quinas” II. Sousa
armas tem apenas uma cercadura fina de dois riscos; a primeira
“em campo de prata no primeiro e quarto quarteis as Quinas de
página tem uma letra capitular a ocupar a altura correspondente a
Portugal e no segundo e terceiro um leão rompente de vermelho”
oito linhas de texto, com cercadura dupla e mais larga que as outras;
– correctamente ler-se-ia “esquartelado: I e IV. Portugal (antigo) II e III.
De prata, com um leão de púrpura, armado e lampassado de azul”179
a última não tem qualquer cercadura; o segundo e o quarto fólio
apresentam vestígios de reclamo.
III. Pereira “em campo vermelho uma cruz de prata florida e vazia
do campo” IV. Silveira “em campo de prata três faxas vermelhas e
A análise da iluminura revela metais oxidados particularmente a
por orla uma silva” – correctamente ler-se-ia “de prata, com três faixas
prata, acontecendo o mesmo ao verde da “silva”. No geral está em
de vermelho e em orla um ramo de silvas de verde”.
bom estado de conservação.
178 Soares (de António Soares de Albergaria).
179 De azul e não de vermelho como indica o texto e mostra o
desenho.
[155]
dedução genealógica feita na carta, está completamente errada pois
A descrição das armas concedidas é:
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ESTUDOS HERÁLDICOS
III
pesoas nobres, / e se trataraõ sempre a ley da nobreza, sem raça de
in- / fecta naçaõ, e que de direito as suas armas lhe perten- / cem.
As quaes lhe mandei dar em esta minha carta, / assim como se
acharaõ registas em os livros do registo / do dito Portugal meu Rey
Carta de Brasão de Armas de Pedro Correa Picanço – 1735
darmas. A saber: Hum es- / cudo esquartellado, no primeiro
quartel, as armas dos / Souzas que saõ esquartelladas, no primeiro
e quarto / as armas do Reyno com seu filete preto, no segundo / e
D.
om ioam / Prograça de Deos, Rey de Portugal, e
terceiro em campo vermelho quatro quardenas de / lua de prata,
dos / Algarves, da quem, e dalém, Mar em Africa,
no segundo as dos Picanços, em campo / de prata huma azinheira
/ Senhor de Guiné, e da Conquista, navega- / çao,
verde com raízes do mesmo, / no terceiro a dos Mellos, em campo
do comercio da Ethiopia, Arabia, / Percia, e India.
vermelho seis baza- /ntes de prata entre huma Crus dobre de ouro
[156]
&tc. Aquantos esta mi / nha carta virem, faço saber que Pedro
com / huma bordadura do mesmo, no quarto as dos / Correas,
Correa Picanço na- / tural da Ilha Gracioza, e morador na Villa de
cmpo de ouro humas correas verme- / lhas repasadas humas por
Santa Crus / da dita ilha, me fés petição em como descendia e
outras. Elmo de prata / aberto guarnecido de ouro. Paquife de
vinha da / geração dos Correas, Picanços, Souzas, e Mellos, e suas
ouro, e / prata, e vermelho e verde. Timbre o dos Pican / ços, que
/ armas lhe pertencião, e pedindome por merçe, que para / __ zar,
he huma Azinheira verde, com rai- / zés do mesmo, e sobre ella
e gozar, da honra das armas que seus antecessores / ganharaõ, e lhe
hum picanço preto, / e por diferença que lhe pertence segundo
foraõ dadas, lhe mandace dar minha / carta das ditas armas, que
arma / ria, huma brica de prata com hum trifolio preto. / O Qual
estavaõ registadas em os li- / vros dos registos das armas dos
e sendo, armas, e sinais posa / trazer e traga o dito Pedro Cor- / rea
nobres, e fidalgos de me- / us Reynos, que tem Portugal meu Rey
Picanço, a sim como as tro / uceraõ e dellas uzaraõ seus antece /
darmas. A qual petiçaõ vista por mim mandei tirar inqueriçaõ
ssores, em todos os lugares de honra / em que os ditos seus
detes / temunho pello Doutor Joaõ da Silva Rodarte, do meu
antecessores, e os nobres, e antigos fidalgos sempre as custuma- /
dezembargo, e meu Dezembargador, Corregedor do Ci- / vel em
raõ trazer, em tempo dos muy esclarecidos Reys / meus
esta minha Corte, e por Manol Ignacio de Mou- / ra, e
antecessores, e com ellas posa entrar em bata- / lhas, campos,
Albuquerque, escrivaõ do dito juízo, e fui serto q / elle procede das
escaramuças, e exercitar com ellas to-/ dos, os outros actos lícitos
ditas gerações; Como filho legítimo / de Antonio Vas Picanço, e de
da guerra, e da pax, e a- / sim as posa trzer em seus firmaes, anéis,
sua legitima mulher Maria / de Souza de Mello, pesoas nobres e da
sinetes, e divizas, e as por em suas cazas, e edifícios, e deixa- / llas
governança da / dita Ilha Gracioza, que em toda ella servira os
sobre sua própria sepultura, e finalmente secer / vir e honrar, gozar
nobres - / cargos da Republica, assim na Villa da Praia, como na de
e aproveitar dellas em todo, e / por todo, como a sua nobreza
/ Santa Crus, e principal della de Illeytor, Vereador, e Almo- / taçel,
convem. Com o / que quero e me praz, que Haia elle e todos seus
o que sérvio com sastifaçaõ. Neto pella parte pater- / na de Joaõ
/ descendentes, todas as honras, previllegios, liber- / dades, graças,
Rodrigues de Mendonça, e de sua mulher An- / na Picanço Correa,
mercês, inzençois, e franquezas, que / haõ e devem haver os
pesoa nobre da governança da Republi / ca da Villa da Praia em a
fidalgos nobres, e de anti- / ga linhagem, e como sempre de todo
dita Ilha, Neto pella materna / de Manoel de Souza de Mello, e de
uziraõ, e / gozaraõ seus antecessores. Porem mando a to /dos os
sua mulher Agueda - / Rodrigues pesoa nobre que sérvio os cargos
meus Dezembargadores, Corregedores, / Juizes, Justiças, Alcaides,
honrozos da / governança da dita Ilha de Santa Crus, e que pella
e em especial, a os / meus, Reys darmas, Arautos, e Passavantes, / e
parte / paterna he legitimo descendente dos Correas, e Pican / ços,
a quaesquer outros officiais, e pesoas, a que / esta minha carta for
e pella materna dos Souzas e Mellos, deste meu / Reyno de
mostrada, e o conheci- / mento della pertencer que em todo lho
Portugal, e foraõ fidalgos muyto honrados / e Antonio Correa da
cum- / praõ, e guardem, e façaõ comprir, e guardar, co- / mo nella
Fonçeca teve brazaõ de armas e / o mesmo teve Affonço Correa,
he contheudo, sem duvida, nem em / bargo algum, que em ella
fidalgo da minha caza, / seus ascendentes, os quaes todos foraõ
lhe Seia posto, por / que assim he minha merçe; El Rey nosso se-
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CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
COM OS
AÇORES
endereçou para a realização do estudo e inventariação de todo o
conjunto de peças heráldicas existentes no museu.
Na leitura paleográfica o critério de transcrição usado foi o da total
fidelidade ao original.
Trata-se de uma carta de armas de nobreza e fidalguia, de acordo
com a classificação proposta pelo Marquês de São Payo180, cujo
texto segue o das suas congéneres da época.
Os oficiais de armas que intervêm na feitura desta carta de armas –
Manoel Leal, Principal Rei de Armas Portugal e António Francisco,
Escrivão da Nobreza nestes Reynos e Senhorios de Portugal e suas
Conquistas, são conhecidos e estavam em funções à data.
Doc. 16
Pedro Correa Picanço, natural da Gracioza, vila de Santa Crus;
António Vas Picanço, vereador e almoçatel;
Maria de Souza de Mello;
João Rodrigues de Mendonça;
Anna Picanço Correa;
Manoel de Souza de Mello;
Agueda Rodrigues
/ nhor o mandou por Manoel Leal seu Rey Darmas / Portugal. Frey
fés, anno / do nascimento de nosso senhor Jezu christo de- / mil e
Sem fazer menção ao grau de parentesco existente, menciona
Affonço Correa182 e António Correa da Fonseca183, seus ascendentes como pessoas nobres e portadoras de cartas de brasão de armas.
setecentos e trinta e sinco; aos vinte de Se- / tembro. E vai sobscrita
A descrição das armas concedidas é:
Jozeph da Crus da ordem de saõ pau- / lo, Reformador do Cartorio
da Nobreza do Reyno / por especial Prouvizaõ do dito senhor, a
por Antonio Francisco / escrivaõ da Nobreza nestes Reynos e
senhorios / de Portugal, e suas Conquistas. Eu Antonio / Francisco
Escudo esquartelado: I. Souzas – “esquartelado, no primeiro e
sobscrevy Rey darmas Pal.
quarto quartel as armas do Reyno com seu filete negro, no
Fica registado este Brazão no Lº. 8./ do Registo dos Brazões da Nobreza
/ de Portugal a fl. 506. Lisboa Occi- / dental aos 22 dias do mes de
Setembro / do anno de 1735. / Antº. Francisco. (Doc. 16)
180 Marquês de São Payo, Cartas de Brasão de Armas (um ensaio de diplomática). Separata da revista Armas & Troféus 2ª série, nº. 3 Braga, 1960.
181 Usa-se o método de numeração Sosa-Stradonitiz.
Esta carta de brasão de armas faz parte do acervo do Museu de
Angra do Heroísmo, ao qual reiteramos o nosso agradecimento,
na pessoa do seu distinto director, Dr. Jorge Paulus Bruno, pelas
facilidades concedidas e pelo muito honroso convite que nos
182 CBA de 23 de Abril de 1544. Archivo Heráldico-Genealógico, pág. 2
nº. 5.
183 Será o mesmo que António Correa da Fonseca Ávila? Se for teve
CBA em 28 de Julho de 1632. Brasões Inéditos, pág. 8 nº. 25.
[157]
Os elementos genealógicos contidos na carta de armas permitem
deduzir a seguinte árvore de costados181:
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[158]
Doc. 16
segundo e terceiro em campo vermelho quatro quadernas de lua
armas figuram ainda o virol – “de prata e vermelho” e as correias –
de prata” são as armas de Sousa (de Arronches) que correctamente
“de vermelho com pontas de ouro” que não são descritas no texto.
ler-se-iam: I e IV. as do Reino, com quebra II e III. de vermelho uma
O formato do escudo é “francês” e sobre isso também nada se diz.
caderna de prata. As anomalias verificadas estão na bordadura que
deveria ser de oito castelos e não de sete, e deveria indicar a
Quanto à diferença, tendo em conta a dedução genealógica feita
posição do filete negro (banda ou barra). II. Picanço – “ em
na carta d’armas e segundo o Regimento de Armaria, esta deveria
campo de prata huma azinheir(a) verde, com raízes do mesmo”
ser “meia brica” e não uma brica, pois a varonia Picanço vem ao
que correctamente se diria, “arrancadas do mesmo” III. Mello – “ em
armigerado por pai e avó paterna.
campo vermelho seis bezantes de prata entre huma Crus dobre de
ouro com huma bordadura do mesmo” correctamente seria “ de
Embora lhe venham por mãe e avô materno, as armas de Sousa
vermelho, com uma dobre-cruz de ouro, entre seis besantes de prata;
(de Arronches) ocupam e bem o primeiro quartel, por privilégio.
bordadura de ouro. IV. Correa – “c(a)mpo de ouro humas correas
vermelhas repasadas humas por outras”. Correctamente ler-se-ia “ de
O material de suporte desta Carta de Brasão de Armas é o pergami-
ouro, fretado de vermelho”.
nho, uniforme nas suas dimensões e ao longo de todo o caderno,
que é formado por quatro bifólios não numerados. Com excepção
O elmo, o paquife e o timbre são descritos com sobriedade,
da última página, todas tem dupla cercadura, com motivos diversos
contudo com algumas lacunas, a saber: no caso do elmo não
e diferentes em cada folha. A análise do conjunto da decoração re-
indica que o forro é verde (geralmente é vermelho); no timbre
vela metais oxidados, particularmente da prata. Pode considerar-se
deveria dizer “raízes arrancadas do mesmo”. Na iluminura das
em bom estado de conservação, mas a precisar de alguns cuidados.
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CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
AÇORES
ORDENAMENTO HERÁLDICO
ARMIGERADOS
CASTRO (de seis arruelas) / CASTELO BRANCO (ou Vasconcelos) /
AGUIAR / PACHECO
? vidé, Nobiliario da Ilha Terceira, I vol, pág. 286 - Titulo XXV - Castelo Branco
BORGES / SOUSA / SILVEIRA / CANTO
? vidé, Nobiliario da Ilha Terceira, I vol. pág. 153 - Título XII - Borges
BORGES / COSTA / MELO / CANTO (de Pedro Anes do Canto)
? vidé, Nobiliario da Ilha Terceira, I vol. pág. 153 - Título XII - Borges
MUNHOZ / CASTELO BRANCO / CASTRO (de treze arruelas) / MARTINS
? vidé, Nobiliario da Ilha Terceira, I vol. pág. 283 - Título XXV - Castelo Branco
BETTENCOURT (diferençadas) / FONSECA / ORNELAS / VASCONCELOS
? vidé, Nobiliario da Ilha Terceira, I vol., pág. 128 - Titulo IX - Bettencourt
"(Águia bicéfala) / LEITE (moderno, invertido) / BRUM / SILVEIRA"
? vidé, Nobiliario da Ilha Terceira, I vol., pág. 163 - Titulo XV - Brun
CARVALHO / LEMOS
? vidé, Nobiliário da Ilha Terceira, II vol, pág. 140 - Titulo LVIII - Menezes
RIBEIRO (de Damião Dias) / ROCHA / FONSECA / CARVALHO
? vidé, Nobiliário da Ilha Terceira, II vol, pág. 317 - Titulo LXXXII - Ribeiro
LEMOS / CARVALHO / SÁ / CHAVES
? vidé, Nobiliario da Ilha Terceira, II vol. pág. 140 - Título LVIII - Meneses
SIEUVE / SÉGUIERS
? vidé, Nobiliario da Ilha Terceira, II vol. Pág. 351 - Titulo LXXXIX - Sieuve
SOUSA (do Prado) / SIEUVE / MACHADO / BORGES
? vidé, Nobiliario da Ilha Terceira, II vol. pág. 367 - Titulo LXXXIX - Sieuve
LEITE PEREIRA / BOTELHO / AZEVEDO / VASCONCELOS
? vidé, Nobiliario da Ilha Terceira, II vol. pág. 79 - Título LI - Leite
CORREIA / MELO / MELO / CORREIA
Afonso Correia
CORREIA / MELO
Afonso de Melo
MACIEL
Afonso de Ponte Maciel
IMPERIAL
Agostinho Imperial
CORREIA / RAPOSO/ RAPOSO / CORREIA
Aires Jácome Correia
BETTENCOURT / NORONHA / PERESTRELO / CÂMARA
Aldina Bettencourt de Abreu Arrimar
ALMEIDA
Amador de Almeida
ALPOÍM
Amador de Alpoím
GAGO
Amancio da Silveira Gago da Câmara
VASCONCELOS / CÂMARA / MELO / CABRAL
Ana Maria da Câmara e Vasconcelos de Faria e Maia
SOUSA (do Prado) / MENESES / MACHADO / BORGES
Ana Raimundo da Cunha Sieuve de Meneses Lemos e Carvalho da Câmara Sá
Coutinho da Rocha Alves
BOTELHO / CABRAL
André Gonçalves de Sampaio
LOBO
André Lopes Lobo
PAMPLONA
António Bernardo Pamplona
BORGES
António Borges
SOUSA (de Arronches) / CORTE-REAL / SILVA / MELO
António Borges da Silva do Canto
GOES / MEDEIROS / BETTENCOURT / BORGES
António Borges de Bettencourt
BORGES / MEDEIROS / CÂMARA / DIAS
António Borges de Medeiros Dias da Câmara e Sousa
FREIRE / ALBERGARIA / GALHARDO / PEGADO // COUTINHO
António Borges de Medeiros Dias da Câmara e Sousa
BORGES
António Borges Sousa
BOTELHO
António Botelho de Sampaio e Arruda
MONIZ / AMARAL
António Casimiro da Silveira Moniz
SOUSA (de Arronches) / COELHO / COSTA / FERREIRA
António Coelho da Costa
CORREIA / MELO
António Correia
BETTENCOURT / NOGUEIRA / PACHECO / FONSECA
António Correia da Fonseca Ávila
BETTENCOURT / CUNHA / SILVEIRA
António da Cunha da Silveira Bettencourt
CORREIA / SPÍNOLA / CUNHA / SILVEIRA
António da Cunha e Silveira
[159]
COM OS
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ORDENAMENTO HERÁLDICO
ARMIGERADOS
CARVÃO / FONSECA / FONSECA / CARVÃO
António da Fonseca Carvão
CARVÃO / CÂMARA / FONSECA / PAIM
António da Fonseca Carvão Paim da Câmara
SILVEIRA / LACERDA / PEREIRA / SARMENTO
António da Silveira de Lacerda
ÁVILA / PEIXOTO / SILVEIRA / BETTENCOURT
António da Silveira Peixoto
FIGUEIREDO / FREITAS
António de Figueiredo d'Utra
MENDONÇA / FURTADO / ROCHA / ALBORNOZ
António de Sousa e Silva
COSTA / COLUMBREIRO
António Fernandes Columbreiro
MACHADO
António Ferreira Machado
BORGES / COSTA / MELO / CANTO (de Pedro Anes do Canto)
António Firmino de Sousa Mendes
CABRAL / TAVARES / SOUSA (do Prado) / FARIA
António Fournier Tavares Lemos Borges Cabral
CHAVES / SÁ
António Francisco de Sá da Rocha e Câmara (possível atribuição)
PEREIRA / SÁ / SÁ / PEREIRA
António Garcia da Rosa - 1º. Barão da Areia Larga
ESPÍNOLA
António Homem Espinola da Silva Sodré
ORNELAS / BANDEIRA
António Infante da Câmara e Ornelas
GAGO / CÂMARA
António Jacinto Gago da Câmara
ÁVILA
António José de Ávila
SOUSA (do Prado) / VASCONCELOS / CÂMARA / MACHADO
António José de Vasconcelos Rieff
PAMPLONA
António Pamplona
SOUSA (do Prado) / SOARES (de Albergaria) / VELHO / CABRAL
António Soares de Sousa Ferreira Borges e Medeiros
[160]
MACHADO / TELES
António Teles Machado
PEREIRA / ATAÍDE / ATAÍDE / PEREIRA
Augusto de Ataíde Soares de Albergaria
SOARES (de Albergaria) / ANDRADE / CÂMARA / BETTENCOURT // ALBUQUERQUE
Augusto Duarte de Andrade Albuquerque Bettencourt de Ataíde
COSTA / HOMEM
Baltasar da Costa
BETTENCOURT
Bartolomeu Álvaro de Bettencourt
SODRÉ
Bartolomeu Cordeiro
CORDEIRO
Bartolomeu Dias Cordeiro
MACHADO / FARIA / CANTO (de Pêro Anes do Canto) / MEDEIROS
Beatriz do Canto Faria e Maia
MELO / CABRAL / RESENDE / VELHO
Belchior de Resendes e Moura
CANTO
Belchior do Canto Velho
CORDEIRO / ESPINOSA
Bernardo Cordeiro de Espinosa
AMARAL / CASTELO-BRANCO / CASTELO-BRANCO / AMARAL
Bernardo do Amaral de Castelo Branco
PEREIRA / SOARES (de Albergaria) / CASTRO (de treze arruelas) / LACERDA
Cândido Pacheco de Melo Forjaz de Lacerda – 1º. Barão de
Nª. Srª. Das Mercês
TRAVASSOS / VELHO / CABRAL / BOTELHO
Carlos Alberto Velho Falcão Canário Melo
COSTA
Cogumbreiro da Costa
SOUSA (de Arronches) / COSTA / MACHADO
Constantino Machado de Barcelos (?)
COSTA / BORGES / BORGES / COSTA
Cristóvão Borges da Costa
COELHO
Diogo Coelho Sodré
MACHADO
Diogo de Barcelos Machado
LEITE / VASCONCELOS / BOTELHO / AZEVEDO
Diogo Leite de Vasconcelos
PAÍM
Diogo Paím
CARREIRO
Diogo Vaz Carreiro
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CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
AÇORES
ORDENAMENTO HERÁLDICO
ARMIGERADOS
ALBERGARIA / ANDRADE / CÂMARA / BETTENCOURT // ALBUQUERQUE
Duarte de Andrade Albuquerque de Bettencourt
SOARES (de Albergaria) / ANDRADE / CÂMARA / BETTENCOURT // ALBUQUERQUE
Duarte de Andrade Albuquerque de Bettencourt
ALBUQUERQUE
Duarte Dinis de Andrade de Albuquerque Bettencourt
SERRÃO
Duarte Gomes Serrão
BORGES / FARIA / MACHADO / BETTENCOURT
Duarte Manuel Barbosa de Faria e Maia
MENESES / MACHADO / LEMOS / BORGES
Duarte Manuel Sieuve de Meneses da Rocha Alves
ALBUQUERQUE / PEREIRA / ATAÍDE / ANDRADE
Duarte Mateus de Andrade Albuquerque Bettencourt de Ataíde
MONIZ / BARRETO / COUTO / BETTENCOURT
Duarte Rafael Cota Bettencourt Moniz
OLIVEIRA / PEREIRA
Estolano Inácio de Oliveira Pereira
TRAVASSOS / CABRAL / MELO / CÂMARA
Eugénio Ataíde da Câmara Velho de Melo Cabral
MELO / CABRAL / RESENDE / VELHO
Fernando de Loura Bettencourt
FURTADO ( de Mendonça)
Fernão Furtado de Mendonça
CUNHA / BOTELHO / MELO / COSTA
Filipe António Brum Botelho
CÂMARA / ORNELAS
Francisca Inês de Ornelas Pires Mota de Azevedo
ÁVILA (outros) / BETTENCOURT/ PEIXOTO / CARVALHO
Francisco Brum da Silveira
COELHO
Francisco Coelho de Melo
ARAÚJO
Francisco de Araújo
ALBUQUERQUE / MEDEIROS / ARAÚJO / ALBUQUERQUE
Francisco de Medeiros Costa e Albuquerque
CASTRO (de seis arruelas) / MEIRELES / TÁVORA / CANTO ( de Pero Anes) // CASTRO
Francisco de Meneses Meireles do Canto e Castro
SOUSA (do Prado) / MACHADO / FAGUNDES / FONSECA
Francisco de Sousa Machado
SÁ / SILVEIRA / BORGES / CORTE-REAL
Francisco Inácio de Sá e Silveira Borges Corte-Real
TEIXEIRA / SAMPAIO / AMARAL / GUEDES
Francisco José Teixeira de Sampaio
FARIA / MACHADO / CABRAL / MELO
Francisco Machado de Faria e Maia
MACHADO / MAIA / FARIA / VASCONCELOS
Francisco Machado de Faria e Maia
CORREIA / RAPOSO / BRUM / BETTENCOURT
Francisco Manuel de Mesquita Pimentel Furtado de Mendonça
PIMENTEL / MESQUITA / FURTADO / PIMENTEL
Francisco Manuel de Mesquita Pimentel Furtado de Mendonça
MASCARENHAS
Francisco Mascarenhas, D.
PEIXOTO / PEREIRA / BETTENCOURT / SILVEIRA
Francisco Peixoto Bettencourt da Silveira
BOTELHO / CABRAL
Francisco Pereira de Bettencourt
PEREIRA
Francisco Pereira de Bettencourt Lopes
SODRÉ / PEREIRA / CORDEIRO / CAMELO
Francisco Pereira Sodré
TEIXEIRA / SAMPAIO / AMARAL / GUEDES
Francisco Teixeira de Sampaio
CORREIA / RODOVALHO
Gaspar Correia Rodovalho
HOMEM
Gaspar da Costa Homem
MELO / VELHO / CABRAL / TRAVASSOS
Gaspar de Andrade Columbreiro
REGO
Gaspar do Rego
MACHADO
Gaspar Machado
PACHECO
Gomes Pacheco
FERREIRA / TEIVE
Gonçalo Ferreira de Teive
VASCONCELOS
Gonçalo Mendes de Vasconcelos
TAVARES
Gonçalo Tavares
[161]
COM OS
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ORDENAMENTO HERÁLDICO
ARMIGERADOS
BORGES
Gregório Borges
BETTENCOURT / HOMEM / ORNELAS / PAÍM
Guilherme Jácome Soares Paím de Bruges Bettencourt
CAMPOS (de Arras)
Guilherme Rouze
TAVARES
Henrique Tavares
TEIXEIRA / SAMPAIO / AMARAL / GUEDES
Henrique Teixeira de Sampaio
CARVALHO / REZENDE / CORREIA / PEREIRA
Hilário de Carvalho Resende
MENDONÇA / PEREIRA
Inácio Xavierde Mendonça Furtado
MIRANDA / SILVEIRA
Jacinto Inácio Rodrigues da Silveira - 1º. Barão de Fonte Bela
SILVEIRA / MIRANDA
Jacinto Inácio Rodrigues Silveira
HOMEM / PAÍM / ORNELAS / CÂMARA
Jácome Augusto Paím de Bruges Bettencourt
UTRA
Jerónimo Dutra Corte-Real
PAMPLONA
Jerónimo Pamplona
SILVEIRA / BETTENCOURT / CARVALHAL / SOARES
João António da Silveira Linhares Carvalhal Costa Falcão e Noronha
BOTELHO / CABRAL
João Botelho de Carvalho
CABRAL / MELO / SOUSA / MACHADO
João Cabral de Melo
COELHO
João Coelho de Melo
CORONEL
João Cordeiro Teles
[162]
ÁVILA
João de Ávila
BETTENCOURT
João de Bettencourt de Vasconcelos e Ávila
BETTENCOURT / CORREIA / VASCONCELOS / ÁVILA
João de Bettencourt de Vasconcelos e Ávila
ESPÍNOLA
João de Espinola Genovez
LEMOS / SOUSA / FREIRE / CALDEIRA
João de Lemos Caldeira
PORTUGAL / MANUEL (antigo) / MELO / CÂMARA // FIGUEIREDO
João de Melo Manuel da Câmara - 1º. Conde da Silvã
CORREIA / MELO / MENDONÇA / CUNHA
João de Mendonça Pacheco e Melo Ribeira
TEIVE
João de Teive
REGO / BALDAIA / CABRAL / MELO
João do Rego Baldaia
ESPÍNOLA
João Espinola da Veiga
FERREIRA / TEIVE
João Ferreira de Teive
PACHECO / MELO / BETTENCOURT / CABRAL
João Francisco Pacheco de Bettencourt
HOMEM
João Homem
TEIVE / VASCONCELOS
João José de Teive e Vasconcelos da Gama
JÁCOME / CORREIA / ATOUGUIA / RAPOSO
João José Jácome Correia de Atouguia
MEDEIROS / COSTA / ALMEIDA / PONTE
João Luís de Medeiros da Costa Almeida Ponte
REGO / BOTELHO / BETTENCOURT / CORTE-REAL
João Manuel do Rego Botelho de Faria Corte-Real da Silveira
PIMENTEL / MESQUITA / FURTADO / PIMENTEL
João Marcelino de Mesquita Pimentel
BORGES / COSTA / MELO / CANTO (de Pedro Anes do Canto)
João Maria de Sousa Mendes
MONIZ / CAMELO / PEREIRA / BETTENCOURT
João Moniz Pereira Camelo Bettencourt
PIMENTEL / SILVEIRA / PEIXOTO / BETTENCOURT
João Peixoto da Silveira Bettencourt e Lacerda
CORREIA / MELO/ SOUSA / SILVA
João Pereira de Melo Pacheco e Sousa
PEREIRA / PACHECO / LACERDA / MELO
João Pereira Forjaz Pacheco de Melo (?)
PEREIRA / MACHADO
João Pereira Machado da Luz
10.CH.SergioAvelar (cor+pb)
6/17/09
11:23 AM
Page 163
CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
AÇORES
ORDENAMENTO HERÁLDICO
ARMIGERADOS
CAMELO
João Rodrigues Camelo
TEIXEIRA
João Rodrigues Teixeira
ORNELAS / PAÍM / CÂMARA / CARVÃO
João Saavedra Ornelas Bruges da Cruz
SOARES (de Albergaria) / SOUSA (do Prado) / PEREIRA / SILVEIRA
João Soares de Albergaria de Sousa
VELHO / SOUSA (de Arronches) / SOUSA (de Arronches) / VELHO
João Soares de Sousa
MENESES / PAMPLONA
Joaquim António de Mendonça e Menezes
COSTA / BORGES / CANTO / SILVEIRA (de Willelm van der Haegen)
Joaquim Manuel Esparteiro Lopes da Costa
BOTELHO
Jorge Nunes Botelho
VELHO
José António Baptista Velho Arruda
CORONEL
José António Teles Pamplona Coronel
PERRY
José Bressane Leite Perry - 1º. Visconde de Leite Perry
COSTA / CORREIA / REBELO / SILVEIRA
José Caetano da Costa Correia
SOUSA / MACHADO / UTRA / LACERDA
José Frederico Elerpek de Lacerda
PEREIRA / BOTELHO / BOTELHO / PEREIRA
José Honorato Gago da Câmara Botelho de Medeiros
ALMEIDA / ANDRADE
José Ignácio de Almeida Monjardino
CUNHA
José João da Cunha e Vasconcelos
LEAL
José Leal
SILVEIRA (de Willelm van der Haegen) / CUNHA / GAMA / BETTENCOURT
José Leite Pereira da Cunha
CARREIRO / CASTRO (de seis arruelas) / CÂMARA / COUTINHO
José Maria da Câmara Coutinho Carreira de Castro
PEREIRA / MELO / RAPOSO / AMARAL
José Maria Raposo do Amaral
ÁVILA (outros) / BETTENCOURT / PEREIRA / CUNHA
José Pereira da Cunha da Silveira e Sousa
MIRANDA / ÁLVARES
José Roberto Pires Alvares de Miranda
SILVEIRA / MEDEIROS / MEDEIROS / SILVEIRA
José Rodrigues da Silva
WITON
José Rodrigues Golarte Whitton
SOUSA (do Prado) / TEIXEIRA / PEREIRA / SOARES (de Albergaria)
José Soares de Sousa
TAVARES / GAMA
José Tavares da Gama
MERCÊ NOVA
José Tomás da Silva Quintanilha - 1º. Barão de Paquetá
CÂMARA
Leonor da Câmara
FAGUNDES / SOUSA (de Arronches) / MACHADO / AZEVEDO (de São João de Rei)
Lopo Gil Fagundes de Sousa
CACENA
Lucas de Cacena
SOUSA (do Prado) / BETTENCOURT / CABRAL / REGO
Luís Bento de Bettencourt e Sousa
CORREIA / SILVEIRA / BOTELHO / SAMPAIO
Luís Bernardo de Sousa Estrela
ATAÍDE / CORTE-REAL / CORTE-REAL / ATAÍDE
Luís Bernardo Leite de Ataíde
CORREIA / CARVALHAL / ALMEIDA / MENDONÇA
Luís Correia de Almeida Carvalhaes
SILVEIRA / BETTENCOURT / HOMEM / COSTA
Luis Homem da Costa e Silveira
PEREIRA
Luís Pereira de Orta
ATAÍDE / CORTE-REAL / CORTE-REAL / ATAÍDE
Luísa Constantina Ataíde da Costa Gomes
GUERRA (das Astúrias) / RIBEIRO / PEREIRA / RIBEIRO
Manuel Alves da Guerra – 1º. Barão de Santana
CÂMARA
Manuel Baltazar Luís da Câmara, D.
BARBOSA
Manuel Barbosa
[163]
COM OS
10.CH.SergioAvelar (cor+pb)
6/17/09
11:23 AM
Page 164
ORDENAMENTO HERÁLDICO
ARMIGERADOS
CABRAL / CORDEIRO / ESPINOSA / MELO
Manuel Cabral de Melo
CORDEIRO
Manuel Cordeiro Moutoso
CORREIA / RODRIGUES / VALE / NOGUEIRA
Manuel Correia Branco
SOUSA / COSTA / MELO / CORREIA
Manuel Correia de Melo Pacheco
COSTA / HOMEM
Manuel da Costa Homem
MACHADO
Manuel de Barcelos Machado
BETTENCOURT / MEDEIROS
Manuel de Medeiros Galvão
COELHO
Manuel de Melo Coelho
BOTELHO / MENDONÇA
Manuel de Mendonça Pereira
COSTA
Manuel do Nascimento Costa
FERNANDES / BALIEIRO / VIEGAS / ATAÍDE
Manuel Fernandes Balieiro
MIRANDA / SILVEIRA
Manuel Inácio da Silveira - 1º. Barão de Nª. Sª. da Oliveira
PAMPLONA
Manuel Inácio Pamplona
MERCÊ NOVA
Manuel Jacinto Lopes - 1º. Visconde da Palmeira
MERCÊ NOVA
Manuel José Conde - 1º. Visconde do Rosário
[164]
FEIJÓ / GOUVEIA / MEDEIROS / FEIJÓ
Manuel José de Gouveia
SILVEIRA / BETTENCOURT / CARVALHAL / SOARES
Manuel Linhares de Andrade
ALBUQUERQUE / MEDEIROS / ARAÚJO / ALBUQUERQUE
Manuel Medeiros da Costa Canto e Albuquerque
PACHECO
Manuel Pacheco de Lima
PACHECO / MELO
Manuel Pacheco de Melo
PAIM / ORNELAS / SOUSA / CÂMARA
Manuel Paim de Sousa (?)
PEREIRA / ÁVILA / SARMENTO / ORTIZ
Manuel Pereira de Avila
PRIVADO / BRANDÃO
Manuel Privado Brandão
MENDONÇA
Marcus Furtado de Mendonça
ALBUQUERQUE
Maria Beatriz Barbosa de Andrade Albuquerque
MONIZ / BARRETO / MENESES / BORGES
Maria de Lurdes dos Santos Moniz Vieira de Areia
GAGO / CÂMARA / TRAVASSOS / CABRAL
Maria José Gago da Câmara Calaínho Teixeira Duarte
ALBUQUERQUE
Maria Margarida Barbosa de Andrade Albuquerque
FARIA / MACHADO / CABRAL / MELO
Maria Teresa de Faria e Maia de Aguiar
ALBUQUERQUE
Maria Violante Barbosa de Andrade Albuquerque
COSTA / BORGES / CANTO / SILVEIRA (de Willelm van der Haegen)
Mário Nuno Canto Lopes da Costa
PEREIRA / MACHADO / BORGES / FARIA
Mateus Machado Hasse e Faria
VELHO / AZEVEDO / REBELO
Mateus Velho de Azevedo
VELHO / CABRAL / TRAVASSOS / MELO
Matias Nunes Velho Cabral
MENDONÇA
Mendo Furtado de Mendonça
COELHO
Miguel Coelho de Melo
CÂMARA / ORNELAS
Miguel de Ornelas Pires da Mota de Azevedo
CORONEL
Miguel Pereira da Costa Coronel
MENDONÇA
Mundos Furtado de Mendonça
PEREIRA / MELO / RAPOSO / AMARAL
Nicolau Maria Raposo
10.CH.SergioAvelar (cor+pb)
6/17/09
11:23 AM
Page 165
CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
COM OS
ARMIGERADOS
MELO / VELHO / CABRAL
Nuno de Melo Cabral
PEREIRA / BOTELHO / BOTELHO / PEREIRA
Nuno Gonçalo da Câmara Botelho de Medeiros
BOTELHO
Nuno Gonçalves Botelho Arruda Soares de Albergaria Coutinho de Gusmão
COSTA
Pedro Afonso Cogumbreiro da Costa
CÂMARA / ORNELAS
Pedro Alvares da Fonseca
CANTO
Pedro Annes do Canto
PESTANA / BETTENCOURT / CORREIA / VASCONCELOS
Pedro Correia de Vasconcelos
SOUSA (de Arronches) / PICANÇO / MELO / CORREIA
Pedro Correia Picanço
ALMEIDA
Pedro de Almeida
MACHADO
Pedro de Andrade Machado
MACHADO
Pedro de Barcelos Machado
HOMEM
Pedro Homem
HOMEM
Pedro Homem da Costa Noronha Ponce de Leão
JÁCOME / CORREIA / ATOUGUIA / RAPOSO
Pedro Jácome Correia
PIMENTEL / ORTIZ / BRITO / RIO
Pedro Pimentel Ortiz de Melo de Brito do Rio, D.
PAMPLONA
Plácido José Pamplona
PEREIRA / FURTADO / FERREIRA / MELO
Roque Francisco Furtado de Melo
ALPOÍM
Rui de Alpoím
SAMPAIO
Rui Dias de Sampaio
TAVARES
Rui Tavares
MEDEIROS / ALBUQUERQUE
Rui Vaz de Medeiros e Albuquerque
COELHO
Salvador Coelho
MERCÊ NOVA
Sebastião Deiró – 1º. Barão de Sousa Deiró
PICANÇO
Sebastião Dias (Picanço)
MONIZ / BARRETO / BETTENCOURT / CORTE-REAL
Sebastião Moniz Barreto, o velho (?)
PACHECO
Simão Pacheco
REBELO
Simão Rodrigues Rebelo
CÂMARA / ORNELAS
Sofia de Ornelas Pires da Mota Azevedo
MERCÊ NOVA
Teotónio Borges Dinis – 1º. Barão de São Dinis
FRANCO / CARDOSO / COSTA / PINTO
Tomás Franco da Costa
CÂMARA / ORNELAS / ORNELAS / CÂMARA
Valdemar Mota de Ornelas da Silva Gonçalves
COELHO
Vasco Figueira Raposo Coelho
PEIXOTO / PEREIRA / BETTENCOURT / SILVEIRA
Vicente António da Silveira Peixoto Pereira
[165]
ORDENAMENTO HERÁLDICO
AÇORES
10.CH.SergioAvelar (cor+pb)
6/17/09
11:23 AM
Page 166
ORDENAMENTO HERÁLDICO
ARMIGERADOS
(Águia bicéfala) / LEITE (moderno, invertido) / BRUM / SILVEIRA
? vidé, Nobiliario da Ilha Terceira, I vol., pág. 163 - Titulo XV - Brun
ALBERGARIA / ANDRADE / CÂMARA / BETTENCOURT // ALBUQUERQUE
Duarte de Andrade Albuquerque de Bettencourt
ALBUQUERQUE
Duarte Dinis de Andrade de Albuquerque Bettencourt
ALBUQUERQUE
Maria Beatriz Barbosa de Andrade Albuquerque
ALBUQUERQUE
Maria Margarida Barbosa de Andrade Albuquerque
ALBUQUERQUE
Maria Violante Barbosa de Andrade Albuquerque
ALBUQUERQUE / MEDEIROS / ARAÚJO / ALBUQUERQUE
Francisco de Medeiros Costa e Albuquerque
ALBUQUERQUE / MEDEIROS / ARAÚJO / ALBUQUERQUE
Manuel Medeiros da Costa Canto e Albuquerque
ALBUQUERQUE / PEREIRA / ATAÍDE / ANDRADE
Duarte Mateus de Andrade Albuquerque Bettencourt de Ataíde
ALMEIDA
Amador de Almeida
ALMEIDA
Pedro de Almeida
ALMEIDA / ANDRADE
José Ignácio de Almeida Monjardino
ALPOÍM
Amador de Alpoím
ALPOÍM
Rui de Alpoím
AMARAL / CASTELO-BRANCO / CASTELO-BRANCO / AMARAL
Bernardo do Amaral de Castelo Branco
ARAÚJO
Francisco de Araújo
[166]
ATAÍDE / CORTE-REAL / CORTE-REAL / ATAÍDE
Luís Bernardo Leite de Ataíde
ATAÍDE / CORTE-REAL / CORTE-REAL / ATAÍDE
Luísa Constantina Ataíde da Costa Gomes
ÁVILA
António José de Ávila
ÁVILA
João de Ávila
ÁVILA (outros) / BETTENCOURT / PEREIRA / CUNHA
José Pereira da Cunha da Silveira e Sousa
ÁVILA (outros) / BETTENCOURT/ PEIXOTO / CARVALHO
Francisco Brum da Silveira
ÁVILA / PEIXOTO / SILVEIRA / BETTENCOURT
António da Silveira Peixoto
BARBOSA
Manuel Barbosa
BETTENCOURT
Bartolomeu Álvaro de Bettencourt
BETTENCOURT
João de Bettencourt de Vasconcelos e Ávila
BETTENCOURT (diferençadas) / FONSECA / ORNELAS / VASCONCELOS
? vidé, Nobiliario da Ilha Terceira, I vol., pág. 128 - Titulo IX - Bettencourt
BETTENCOURT / CORREIA / VASCONCELOS / ÁVILA
João de Bettencourt de Vasconcelos e Ávila
BETTENCOURT / CUNHA / SILVEIRA
António da Cunha da Silveira Bettencourt
BETTENCOURT / HOMEM / ORNELAS / PAÍM
Guilherme Jácome Soares Paím de Bruges Bettencourt
BETTENCOURT / MEDEIROS
Manuel de Medeiros Galvão
BETTENCOURT / NOGUEIRA / PACHECO / FONSECA
António Correia da Fonseca Ávila
BETTENCOURT / NORONHA / PERESTRELO / CÂMARA
Aldina Bettencourt de Abreu Arrimar
BORGES
António Borges
BORGES
António Borges Sousa
BORGES
Gregório Borges
BORGES / COSTA / MELO / CANTO (de Pedro Anes do Canto)
? vidé, Nobiliario da Ilha Terceira, I vol. pág. 153 - Título XII - Borges
BORGES / COSTA / MELO / CANTO (de Pedro Anes do Canto)
António Firmino de Sousa Mendes
BORGES / COSTA / MELO / CANTO (de Pedro Anes do Canto)
João Maria de Sousa Mendes
BORGES / FARIA / MACHADO / BETTENCOURT
Duarte Manuel Barbosa de Faria e Maia
BORGES / MEDEIROS / CÂMARA / DIAS
António Borges de Medeiros Dias da Câmara e Sousa
10.CH.SergioAvelar (cor+pb)
6/17/09
11:23 AM
Page 167
CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
AÇORES
ORDENAMENTO HERÁLDICO
ARMIGERADOS
BORGES / SOUSA / SILVEIRA / CANTO
? vidé, Nobiliario da Ilha Terceira, I vol. pág. 153 - Título XII - Borges
BOTELHO
António Botelho de Sampaio e Arruda
BOTELHO
Jorge Nunes Botelho
BOTELHO
Nuno Gonçalves Botelho Arruda Soares de Albergaria Coutinho de Gusmão
BOTELHO / CABRAL
André Gonçalves de Sampaio
BOTELHO / CABRAL
Francisco Pereira de Bettencourt
BOTELHO / CABRAL
João Botelho de Carvalho
BOTELHO / MENDONÇA
Manuel de Mendonça Pereira
CABRAL / CORDEIRO / ESPINOSA / MELO
Manuel Cabral de Melo
CABRAL / MELO / SOUSA / MACHADO
João Cabral de Melo
CABRAL / TAVARES / SOUSA (do Prado) / FARIA
António Fournier Tavares Lemos Borges Cabral
CACENA
Lucas de Cacena
CÂMARA
Leonor da Câmara
CÂMARA
"Manuel Baltazar Luís da Câmara,D."
CÂMARA / ORNELAS
Francisca Inês de Ornelas Pires Mota de Azevedo
CÂMARA / ORNELAS
Miguel de Ornelas Pires da Mota de Azevedo
CÂMARA / ORNELAS
Pedro Alvares da Fonseca
CÂMARA / ORNELAS
Sofia de Ornelas Pires da Mota Azevedo
CÂMARA / ORNELAS / ORNELAS / CÂMARA
Valdemar Mota de Ornelas da Silva Gonçalves
CAMELO
João Rodrigues Camelo
CAMPOS (de Arras)
Guilherme Rouze
CANTO
Belchior do Canto Velho
CANTO
Pedro Annes do Canto
CARREIRO
Diogo Vaz Carreiro
CARREIRO / CASTRO (de seis arruelas) / CÂMARA / COUTINHO
José Maria da Câmara Coutinho Carreira de Castro
CARVALHO / LEMOS
? vidé, Nobiliário da Ilha Terceira, II vol, pág. 140 - Titulo LVIII - Menezes
CARVALHO / REZENDE / CORREIA / PEREIRA
Hilário de Carvalho Resende
CARVÃO / CÂMARA / FONSECA / PAIM
António da Fonseca Carvão Paim da Câmara
CARVÃO / FONSECA / FONSECA / CARVÃO
António da Fonseca Carvão
CASTRO (de seis arruelas) / CASTELO BRANCO (ou Vasconcelos) / AGUIAR / PACHECO
? vidé, Nobiliario da Ilha Terceira, I vol, pág. 286 - Titulo XXV - Castelo Branco
CASTRO (de seis arruelas) / MEIRELES / TÁVORA / CANTO ( de Pero Anes) // CASTRO
Francisco de Meneses Meireles do Canto e Castro
CHAVES / SÁ
António Francisco de Sá da Rocha e Câmara (possível atribuição)
COELHO
Diogo Coelho Sodré
COELHO
Francisco Coelho de Melo
COELHO
João Coelho de Melo
COELHO
Manuel de Melo Coelho
COELHO
Miguel Coelho de Melo
COELHO
Salvador Coelho
COELHO
Vasco Figueira Raposo Coelho
CORDEIRO
Bartolomeu Dias Cordeiro
CORDEIRO
Manuel Cordeiro Moutoso
[167]
COM OS
10.CH.SergioAvelar (cor+pb)
6/17/09
11:23 AM
Page 168
ORDENAMENTO HERÁLDICO
ARMIGERADOS
CORDEIRO / ESPINOSA
Bernardo Cordeiro de Espinosa
CORONEL
João Cordeiro Teles
CORONEL
José António Teles Pamplona Coronel
CORONEL
Miguel Pereira da Costa Coronel
CORREIA / CARVALHAL / ALMEIDA / MENDONÇA
Luís Correia de Almeida Carvalhaes
CORREIA / MELO
Afonso de Melo
CORREIA / MELO
António Correia
CORREIA / MELO / MELO / CORREIA
Afonso Correia
CORREIA / MELO / MENDONÇA / CUNHA
João de Mendonça Pacheco e Melo Ribeira
CORREIA / MELO/ SOUSA / SILVA
João Pereira de Melo Pacheco e Sousa
CORREIA / RAPOSO / BRUM / BETTENCOURT
Francisco Manuel de Mesquita Pimentel Furtado de Mendonça
CORREIA / RAPOSO/ RAPOSO / CORREIA
Aires Jácome Correia
CORREIA / RODOVALHO
Gaspar Correia Rodovalho
CORREIA / RODRIGUES / VALE / NOGUEIRA
Manuel Correia Branco
CORREIA / SILVEIRA / BOTELHO / SAMPAIO
Luís Bernardo de Sousa Estrela
CORREIA / SPÍNOLA / CUNHA / SILVEIRA
António da Cunha e Silveira
COSTA
Cogumbreiro da Costa
COSTA
Manuel do Nascimento Costa
[168]
COSTA
Pedro Afonso Cogumbreiro da Costa
COSTA / BORGES / BORGES / COSTA
Cristóvão Borges da Costa
COSTA / BORGES / CANTO / SILVEIRA (de Willelm van der Haegen)
Joaquim Manuel Esparteiro Lopes da Costa
COSTA / BORGES / CANTO / SILVEIRA (de Willelm van der Haegen)
Mário Nuno Canto Lopes da Costa
COSTA / COLUMBREIRO
António Fernandes Columbreiro
COSTA / CORREIA / REBELO / SILVEIRA
José Caetano da Costa Correia
COSTA / HOMEM
Baltasar da Costa
COSTA / HOMEM
Manuel da Costa Homem
CUNHA
José João da Cunha e Vasconcelos
CUNHA / BOTELHO / MELO / COSTA
Filipe António Brum Botelho
ESPÍNOLA
António Homem Espinola da Silva Sodré
ESPÍNOLA
João de Espinola Genovez
ESPÍNOLA
João Espinola da Veiga
FAGUNDES / SOUSA (de Arronches) / MACHADO / AZEVEDO (de São João de Rei)
Lopo Gil Fagundes de Sousa
FARIA / MACHADO / CABRAL / MELO
Francisco Machado de Faria e Maia
FARIA / MACHADO / CABRAL / MELO
Maria Teresa de Faria e Maia de Aguiar
FEIJÓ / GOUVEIA / MEDEIROS / FEIJÓ
Manuel José de Gouveia
FERNANDES / BALIEIRO / VIEGAS / ATAÍDE
Manuel Fernandes Balieiro
FERREIRA / TEIVE
Gonçalo Ferreira de Teive
FERREIRA / TEIVE
João Ferreira de Teive
FIGUEIREDO / FREITAS
António de Figueiredo d'Utra
FRANCO / CARDOSO / COSTA / PINTO
Tomás Franco da Costa
FREIRE / ALBERGARIA / GALHARDO / PEGADO // COUTINHO
António Borges de Medeiros Dias da Câmara e Sousa
10.CH.SergioAvelar (cor+pb)
6/17/09
11:23 AM
Page 169
CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
AÇORES
ORDENAMENTO HERÁLDICO
ARMIGERADOS
FURTADO ( de Mendonça)
Fernão Furtado de Mendonça
GAGO
Amancio da Silveira Gago da Câmara
GAGO / CÂMARA
António Jacinto Gago da Câmara
GAGO / CÂMARA / TRAVASSOS / CABRAL
Maria José Gago da Câmara Calaínho Teixeira Duarte
GOES / MEDEIROS / BETTENCOURT / BORGES
António Borges de Bettencourt
GUERRA (das Astúrias) / RIBEIRO / PEREIRA / RIBEIRO
Manuel Alves da Guerra - 1º. Barão de Santana
HOMEM
Gaspar da Costa Homem
HOMEM
João Homem
HOMEM
Pedro Homem
HOMEM
Pedro Homem da Costa Noronha Ponce de Leão
HOMEM / PAÍM / ORNELAS / CÂMARA
Jácome Augusto Paím de Bruges Bettencourt
IMPERIAL
Agostinho Imperial
JÁCOME / CORREIA / ATOUGUIA / RAPOSO
João José Jácome Correia de Atouguia
JÁCOME / CORREIA / ATOUGUIA / RAPOSO
Pedro Jácome Correia
LEAL
José Leal
LEITE / VASCONCELOS / BOTELHO / AZEVEDO
Diogo Leite de Vasconcelos
LEITE PEREIRA / BOTELHO / AZEVEDO / VASCONCELOS
? vidé, Nobiliario da Ilha Terceira, II vol. pág. 79 - Título LI - Leite
LEMOS / CARVALHO / SÁ / CHAVES
? vidé, Nobiliario da Ilha Terceira, II vol. pág. 140 - Título LVIII - Meneses
LEMOS / SOUSA / FREIRE / CALDEIRA
João de Lemos Caldeira
LOBO
André Lopes Lobo
MACHADO
António Ferreira Machado
MACHADO
Diogo de Barcelos Machado
MACHADO
Gaspar Machado
MACHADO
Manuel de Barcelos Machado
MACHADO
Pedro de Andrade Machado
MACHADO
Pedro de Barcelos Machado
MACHADO / FARIA / CANTO (de Pêro Anes do Canto) / MEDEIROS
Beatriz do Canto Faria e Maia
MACHADO / MAIA / FARIA / VASCONCELOS
Francisco Machado de Faria e Maia
MACHADO / TELES
António Teles Machado
MACIEL
Afonso de Ponte Maciel
MASCARENHAS
Francisco Mascarenhas, D.
MEDEIROS / ALBUQUERQUE
Rui Vaz de Medeiros e Albuquerque
MEDEIROS / COSTA / ALMEIDA / PONTE
João Luís de Medeiros da Costa Almeida Ponte
MELO / CABRAL / RESENDE / VELHO
Belchior de Resendes e Moura
MELO / CABRAL / RESENDE / VELHO
Fernando de Loura Bettencourt
MELO / VELHO / CABRAL
Nuno de Melo Cabral
MELO / VELHO / CABRAL / TRAVASSOS
Gaspar de Andrade Columbreiro
MENDONÇA
Marcus Furtado de Mendonça
MENDONÇA
Mendo Furtado de Mendonça
MENDONÇA
Mundos Furtado de Mendonça
MENDONÇA / FURTADO / ROCHA / ALBORNOZ
António de Sousa e Silva
[169]
COM OS
10.CH.SergioAvelar (cor+pb)
6/17/09
11:23 AM
Page 170
ORDENAMENTO HERÁLDICO
ARMIGERADOS
MENDONÇA / PEREIRA
Inácio Xavierde Mendonça Furtado
MENESES / MACHADO / LEMOS / BORGES
Duarte Manuel Sieuve de Meneses da Rocha Alves
MENESES / PAMPLONA
Joaquim António de Mendonça e Menezes
MERCÊ NOVA
José Tomás da Silva Quintanilha - 1º. Barão de Paquetá
MERCÊ NOVA
Manuel Jacinto Lopes - 1º. Visconde da Palmeira
MERCÊ NOVA
Manuel José Conde - 1º. Visconde do Rosário
MERCÊ NOVA
Sebastião Deiró - 1º. Barão de Sousa Deiró
MERCÊ NOVA
Teotónio Borges Dinis - 1º. Barão de São Dinis
MIRANDA / ÁLVARES
José Roberto Pires Alvares de Miranda
MIRANDA / SILVEIRA
Jacinto Inácio Rodrigues da Silveira - 1º. Barão de Fonte Bela
MIRANDA / SILVEIRA
Manuel Inácio da Silveira - 1º. Barão de Nª. Sª. da Oliveira
MONIZ / AMARAL
António Casimiro da Silveira Moniz
MONIZ / BARRETO / BETTENCOURT / CORTE-REAL
"Sebastião Moniz Barreto, o velho (?)"
MONIZ / BARRETO / COUTO / BETTENCOURT
Duarte Rafael Cota Bettencourt Moniz
MONIZ / BARRETO / MENESES / BORGES
Maria de Lurdes dos Santos Moniz Vieira de Areia
MONIZ / CAMELO / PEREIRA / BETTENCOURT
João Moniz Pereira Camelo Bettencourt
MUNHOZ / CASTELO BRANCO / CASTRO (de treze arruelas) / MARTINS
? vidé, Nobiliario da Ilha Terceira, I vol. pág. 283 - Título XXV - Castelo Branco
[170]
OLIVEIRA / PEREIRA
Estolano Inácio de Oliveira Pereira
ORNELAS / BANDEIRA
António Infante da Câmara e Ornelas
ORNELAS / PAÍM / CÂMARA / CARVÃO
João Saavedra Ornelas Bruges da Cruz
PACHECO
Gomes Pacheco
PACHECO
Manuel Pacheco de Lima
PACHECO
Simão Pacheco
PACHECO / MELO
Manuel Pacheco de Melo
PACHECO / MELO / BETTENCOURT / CABRAL
João Francisco Pacheco de Bettencourt
PAÍM
Diogo Paím
PAIM / ORNELAS / SOUSA / CÂMARA
Manuel Paim de Sousa (?)
PAMPLONA
António Bernardo Pamplona
PAMPLONA
António Pamplona
PAMPLONA
Jerónimo Pamplona
PAMPLONA
Manuel Inácio Pamplona
PAMPLONA
Plácido José Pamplona
PEIXOTO / PEREIRA / BETTENCOURT / SILVEIRA
Francisco Peixoto Bettencourt da Silveira
PEIXOTO / PEREIRA / BETTENCOURT / SILVEIRA
Vicente António da Silveira Peixoto Pereira
PEREIRA
Luís Pereira de Orta
PEREIRA
Francisco Pereira de Bettencourt Lopes
PEREIRA / ATAÍDE / ATAÍDE / PEREIRA
Augusto de Ataíde Soares de Albergaria
PEREIRA / ÁVILA / SARMENTO / ORTIZ
Manuel Pereira de Avila
PEREIRA / BOTELHO / BOTELHO / PEREIRA
José Honorato Gago da Câmara Botelho de Medeiros
PEREIRA / BOTELHO / BOTELHO / PEREIRA
Nuno Gonçalo da Câmara Botelho de Medeiros
PEREIRA / FURTADO / FERREIRA / MELO
Roque Francisco Furtado de Melo
10.CH.SergioAvelar (cor+pb)
6/17/09
11:23 AM
Page 171
CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
COM OS
ARMIGERADOS
PEREIRA / MACHADO
João Pereira Machado da Luz
PEREIRA / MACHADO / BORGES / FARIA
Mateus Machado Hasse e Faria
PEREIRA / MELO / RAPOSO / AMARAL
José Maria Raposo do Amaral
PEREIRA / MELO / RAPOSO / AMARAL
Nicolau Maria Raposo
PEREIRA / PACHECO / LACERDA / MELO
João Pereira Forjaz Pacheco de Melo (?)
PEREIRA / SÁ / SÁ / PEREIRA
António Garcia da Rosa - 1º. Barão da Areia Larga
PEREIRA / SOARES (de Albergaria) / CASTRO (de treze arruelas) / LACERDA
Cândido Pacheco de Melo Forjaz de Lacerda - 1º.Barão de Nª. Srª. Das Mercês
PERRY
José Bressane Leite Perry - 1º. Visconde de Leite Perry
PESTANA / BETTENCOURT / CORREIA / VASCONCELOS
Pedro Correia de Vasconcelos
PICANÇO
Sebastião Dias (Picanço)
PIMENTEL / MESQUITA / FURTADO / PIMENTEL
Francisco Manuel de Mesquita Pimentel Furtado de Mendonça
PIMENTEL / MESQUITA / FURTADO / PIMENTEL
João Marcelino de Mesquita Pimentel
PIMENTEL / ORTIZ / BRITO / RIO
D. Pedro Pimentel Ortiz de Melo de Brito do Rio
PIMENTEL / SILVEIRA / PEIXOTO / BETTENCOURT
João Peixoto da Silveira Bettencourt e Lacerda
PORTUGAL / MANUEL (antigo) / MELO / CÂMARA // FIGUEIREDO
João de Melo Manuel da Câmara - 1º. Conde da Silvã
PRIVADO / BRANDÃO
Manuel Privado Brandão
REBELO
Simão Rodrigues Rebelo
REGO
Gaspar do Rego
REGO / BALDAIA / CABRAL / MELO
João do Rego Baldaia
REGO / BOTELHO / BETTENCOURT / CORTE-REAL
João Manuel do Rego Botelho de Faria Corte-Real da Silveira
RIBEIRO (de Damião Dias) / ROCHA / FONSECA / CARVALHO
? vidé, Nobiliário da Ilha Terceira, II vol, pág. 317 - Titulo LXXXII - Ribeiro
SÁ / SILVEIRA / BORGES / CORTE-REAL
Francisco Inácio de Sá e Silveira Borges Corte-Real
SAMPAIO
Rui Dias de Sampaio
SERRÃO
Duarte Gomes Serrão
SIEUVE / SÉGUIERS
? vidé, Nobiliario da Ilha Terceira, II vol. Pág. 351 - Titulo LXXXIX - Sieuve
SILVEIRA (de Willelm van der Haegen) / CUNHA / GAMA / BETTENCOURT
José Leite Pereira da Cunha
SILVEIRA / BETTENCOURT / CARVALHAL / SOARES
João António da Silveira Linhares Carvalhal Costa Falcão e Noronha
SILVEIRA / BETTENCOURT / CARVALHAL / SOARES
Manuel Linhares de Andrade
SILVEIRA / BETTENCOURT / HOMEM / COSTA
Luis Homem da Costa e Silveira
SILVEIRA / LACERDA / PEREIRA / SARMENTO
António da Silveira de Lacerda
SILVEIRA / MEDEIROS / MEDEIROS / SILVEIRA
José Rodrigues da Silva
SILVEIRA / MIRANDA
Jacinto Inácio Rodrigues Silveira
SOARES (de Albergaria) / ANDRADE / CÂMARA / BETTENCOURT // ALBUQUERQUE
Augusto Duarte de Andrade Albuquerque Bettencourt de Ataíde
SOARES (de Albergaria) / ANDRADE / CÂMARA / BETTENCOURT // ALBUQUERQUE
Duarte de Andrade Albuquerque de Bettencourt
SOARES (de Albergaria) / SOUSA (do Prado) / PEREIRA / SILVEIRA
João Soares de Albergaria de Sousa
SODRÉ
Bartolomeu Cordeiro
SODRÉ / PEREIRA / CORDEIRO / CAMELO
Francisco Pereira Sodré
SOUSA (de Arronches) / COELHO / COSTA / FERREIRA
António Coelho da Costa
SOUSA (de Arronches) / CORTE-REAL / SILVA / MELO
António Borges da Silva do Canto
SOUSA (de Arronches) / COSTA / MACHADO
Constantino Machado de Barcelos (?)
SOUSA (de Arronches) / PICANÇO / MELO / CORREIA
Pedro Correia Picanço
[171]
ORDENAMENTO HERÁLDICO
AÇORES
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ORDENAMENTO HERÁLDICO
ARMIGERADOS
SOUSA (do Prado) / BETTENCOURT / CABRAL / REGO
Luís Bento de Bettencourt e Sousa
SOUSA (do Prado) / MACHADO / FAGUNDES / FONSECA
Francisco de Sousa Machado
SOUSA (do Prado) / MENESES / MACHADO / BORGES
Coutinho da Rocha Alves
Ana Raimundo da Cunha Sieuve de Meneses Lemos e Carvalho da Câmara Sá
SOUSA (do Prado) / SIEUVE / MACHADO / BORGES
? vidé, Nobiliario da Ilha Terceira, II vol. pág. 367 - Titulo LXXXIX - Sieuve
SOUSA (do Prado) / SOARES (de Albergaria) / VELHO / CABRAL
António Soares de Sousa Ferreira Borges e Medeiros
SOUSA (do Prado) / TEIXEIRA / PEREIRA / SOARES (de Albergaria)
José Soares de Sousa
SOUSA (do Prado) / VASCONCELOS / CÂMARA / MACHADO
António José de Vasconcelos Rieff
SOUSA / COSTA / MELO / CORREIA
Manuel Correia de Melo Pacheco
SOUSA / MACHADO / UTRA / LACERDA
José Frederico Elerpek de Lacerda
TAVARES
Gonçalo Tavares
TAVARES
Henrique Tavares
TAVARES
Rui Tavares
TAVARES / GAMA
José Tavares da Gama
TEIVE
João de Teive
TEIVE / VASCONCELOS
João José de Teive e Vasconcelos da Gama
TEIXEIRA
João Rodrigues Teixeira
TEIXEIRA / SAMPAIO / AMARAL / GUEDES
Francisco José Teixeira de Sampaio
TEIXEIRA / SAMPAIO / AMARAL / GUEDES
Francisco Teixeira de Sampaio
[172]
TEIXEIRA / SAMPAIO / AMARAL / GUEDES
Henrique Teixeira de Sampaio
TRAVASSOS / CABRAL / MELO / CÂMARA
Eugénio Ataíde da Câmara Velho de Melo Cabral
TRAVASSOS / VELHO / CABRAL / BOTELHO
Carlos Alberto Velho Falcão Canário Melo
UTRA
Jerónimo Dutra Corte-Real
VASCONCELOS
Gonçalo Mendes de Vasconcelos
VASCONCELOS / CÂMARA / MELO / CABRAL
Ana Maria da Câmara e Vasconcelos de Faria e Maia
VELHO
José António Baptista Velho Arruda
VELHO / AZEVEDO / REBELO
Mateus Velho de Azevedo
VELHO / CABRAL / TRAVASSOS / MELO
Matias Nunes Velho Cabral
VELHO / SOUSA (de Arronches) / SOUSA (de Arronches) / VELHO
João Soares de Sousa
WITON
José Rodrigues Golarte Whitton
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CARTAS DE BRASÃO
D’ARMAS
DE NATURAIS E/OU RELACIONADOS
COM OS
AÇORES
TITULARES AÇOREANOS
TÍTULO
TITULAR
DECRETO* ARMAS
AGUALVA
Visconde de
Jacinto Carlos da Silva
29.8.1901
ALAGOA
Barão de
José Francisco da Terra Brum
22.12.1841
ALBUQUERQUE
Conde de
Duarte de Andrade Albuquerque
de Bettencourt
3.5.1909
ANGRA
Marquês de
Charles Stuart
1.5.1826
AREIA LARGA
Barão de
António Garcia da Rosa
22.2.1854
CBA
PEREIRA / SÁ / SÁ / PEREIRA
12.3.1857
9.10.1860
ÁVILA
Conde de
António José de Ávila
15.2.1864
ÁVILA (dos Açores)
ÁVILA E BOLAMA
Marquês e Duque de
António José de Ávila
31.5.1870
ÁVILA (dos Açores)
BETTENCOURT
Visconde de
João de Bettencourt de
Vasconcelos e Ávila
13.11.1873
BETTENCOURT
BORGES DA SILVA
Visconde de
Alfredo Borges da Silva
1897
BOTELHO
Visconde e Conde de
Nuno Gonçalves Botelho Arruda
Soares de Albergaria Coutinho
de Gusmão
20.3.1873
BRUGES
Visconde de
Teotónio de Ornelas Bruges
de Ávila Paim……Saavedra
8.12.1832
CARTAXO
Visconde de
Luís Teixeira de Sampaio
12.6.1860
COSTA NORONHA
Barão de
Heitor Homem da Costa Noronha
14.4.1898
FARIA E MAIA
Visconde de
Francisco Machado de Faria e Maia
16.4.1891
FENAIS
Conde de
Amâncio da Silveira Gago da Câmara
FONTE BELA
Barão e Conde de
FONTE DO MATO
Barão e Visconde de
FREITAS HENRIQUES
Barão de
Frederico Augusto Cristiano
de Freitas Henriques
D.Carlos
GUADALUPE
Barão de
João Inácio de Simas e Cunha
15.5.1874
JÁCOME CORREIA
Conde e Marquês de
Pedro Jácome Correia
3.5.1890
JÁCOME / CORREIA /
ATOUGUIA / RAPOSO
LARANJEIRAS
Barão e Visconde de
Manuel Medeiros da Costa
Canto e Albuquerque
27.5.1836
ALBUQUERQUE / MEDEIROS/
ARAÚJO/ ALBUQUERQUE
BOTELHO
20.2.1533
TEIXEIRA / SAMPAIO /
AMARAL / GUEDES
2.9.1789
10.4.1902
GAGO
27.12.1902
Jacinto Inácio Rodrigues da Silveira
12.3.1836
MIRANDA / SILVEIRA
António da Cunha Silveira
de Bettencourt
2.7.1860
LEITE PERRY
Visconde de
José Bressane Leite Perry
24.10.1895
PERRY
MEIRELES
Visconde de
Francisco de Meneses Meireles
do Canto e Castro
9.5.1902
CASTRO (de seis arruelas)/
MEIRELES / TÁVORA / CANTO //
CASTRO (de seis arruelas)
NORONHA
Barão e Visconde de
Pedro Homem da Costa
Noronha Ponce de Leão
8.12.1832
HOMEM
NOSSA SENHORA DA OLIVEIRA
Barão de
Manuel Inácio da Silveira
22.8.1870
MIRANDA / SILVEIRA
NOSSA SENHORA DA SAÚDE
Barão de
José Mª.Câmara Coutinho
Carreiro de Castro
12.9.1866
CARREIRO/CASTRO (de seis
arruelas) /CÂMARA /COUTINHO
NOSSA SENHORA DAS MERCÊS
Barão e Visconde de
Cândido Pacheco de Melo
Meneses Forjaz de Lacerda
22.6.1874
PEREIRA / SOARES (de Albergaria) /
CASTRO (de treze arruelas) /
LACERDA
PALMEIRA
Visconde de
Manuel Jacinto Lopes
15.6.1893
ARMAS DE MERCÊ NOVA
10.11.1893
[173]
ALBERGARIA / ANDRADE /
CÂMARA / BETTENCOURT//
ALBUQUERQUE
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TÍTULO
TITULAR
DECRETO* ARMAS
CBA
PONTA DELGADA
Marquesa de
D. Leonor da Câmara
25.1.1835
CÂMARA
PÓVOA
Conde da
Henrique Teixeira de Sampaio
3.7.1823
TEIXEIRA / SAMPAIO /
AMARAL /GUEDES
PRAIA E MONFORTE
Conde e Marquês de
António Borges de Medeiros
Dias da Câmara e Sousa
9.1.1881
Casa da Praia: BORGES /
MEDEIROS /CÂMARA / DIAS
Casa de Monforte: FREIRE /
ALBERGARIA / GALHARDO /
PEGADO // COUTINHO
RAMALHO
Barão de
António da Fonseca Carvão
Paim da Câmara
13.5.1836
CARVÃO / CÂMARA /
FONSECA / PAIM
REGO BOTELHO
Conde de
António Maria Holtreman do
Rego Botelho de Faria
4.1.1894
REGO / BOTELHO /
BETTENCOURT / CORTE-REAL
RIBEIRA DO PAÇO
Visconde da
Francisco de Medeiros Costa e
Albuquerque
16.2.1882
ALBUQUERQUE / MEDEIROS /
ARAÚJO / ALBUQUERQUE
RIBEIRA GRANDE
Conde e Marquês de
D. Manuel Baltazar Luís da Câmara
15.9.1662
CÂMARA ( do 1º. Conde de Vila Franca )
RIBEIRINHA
Barão de
Vitoriano da Rosa Martins
27.9.1901
[174]
RIBEIRO
Barão de
Francisco José de Bettencourt e Ávila
3.6.1888
ROCHES
Barão de
Simão de Roches da Cunha Brum
4.2.1871
CUNHA
ROSÁRIO
Visconde do
Manuel José Conde
16.12.1875
ARMAS DE MERCÊ NOVA
SANTA CATARINA
Visconde e Conde de
Baltasar Rebelo Borges de Castro
15.7.1887
SANTA CRUZ
Barão de
António Vicente Peixoto de
Mendonça e Costa
28.7.1864
SANTA CRUZ
Conde e Marquêsa
D. Francisco de Mascarenhas
3.10.1593
MASCARENHAS
SANTANA
Barão e Visconde de
Manuel Alves Guerra
20.7.1863
GUERRA ( das Astúrias ) /
RIBEIRO / PEREIRA / RIBEIRO
SÃO DINIS
Barão de
Teotónio Borges Dinis
23.12.1869
ARMAS DE MERCÊ NOVA
SIEUVE DE MENESES
Visconde e Conde de
José Maria Sieuve de Meneses
4.3.1873
SILVÃ
Conde da
D. João de Melo Manuel da Câmara
3.11.1852
PORTUGAL / MANUEL (antigo) /
MELO/ CÂMARA // FIGUEIREDO
ARMAS DE MERCÊ NOVA
SOUSA DEIRÓ
Barão de
Sebastião Clemente de Sousa Deiró
10.3.1904
SUBSERRA
Conde de
Manuel Inácio Martins Pamplona
Corte-Real
2.7.1823
TEIXEIRA
Barão de
Henrique Teixeira de Sampaio
16.3.1818
VALE DA COSTA
Visconde de
Manuel Pedro Furtado de Almeida
16.7.1891
VILA DA PRAIA
Visconde de
Duarte Borges da Câmara e Medeiros
7.5.1845
VILA DA PRAIA DA VITÓRIA
Conde de
Teotónio de Ornelas Bruges
de Ávila Paim……Saavedra
28.7.1863
VILA FRANCA
Conde de
D. Rui Gonçalves da Câmara
7.6.1583
VINHA BRAVA
Visconde da
Joaquim Pacheco de Utra
29.4.1893
* datas de criação do 1º. Título
2.9.1789
20.4.1876
15.5.1874
17.12.1902
TEIXEIRA / SAMPAIO / AMARAL /GUEDES
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Paulo Silveira e Sousa
PRODUÇÃO
1. INTRODUÇÃO
O trigo, o milho e o centeio constituíam a base da alimentação
da população portuguesa, numa geografia irregular que apresentava áreas próprias, dotadas de características ecológicas
específicas. O pão e os cereais eram o símbolo e o instrumento
da própria existência camponesa, ultrapassando a sua mera
função nutritiva. Para além da produção de alimento forneciam
forragem para o gado, entravam na composição dos adubos
naturais e constituíam matéria-prima na cobertura das
construções rurais, quer estas fossem as casas dos mais humildes, palheiros e estábulos, granéis, moinhos e atafonas, ou
outros apoios. Embora seja hoje difícil tentar medir o peso e a
importância destas utilizações secundárias, os cereais ocupavam um lugar central em todos os sistemas agrícolas do país, de
norte a sul e do litoral ao interior, entrelaçando-se directamente com as explorações agrícolas e com a prosperidade e
nível de vida das populações rurais (PEREIRA 1900). A sua
distribuição geográfica constituía um dos mapas mais preciosos
para definir o território nacional, os seus sistemas produtivos e
de propriedade (RIBEIRO 1947).
Tal como no continente, também nos Açores grande parte da
existência material do camponês girava à volta do conjunto de
actividades construído em torno da cerealicultura. Contudo,
não possuímos ainda estudos específicos e detalhados sobre a
evolução histórica dos sistemas agrícolas do arquipélago ou dos
seus diferentes sectores. Desde o povoamento, as tradições
alimentares das populações e a necessidade de auxiliar o abastecimento do Reino construíram um modelo de ocupação do
solo arável onde predominavam os cereais. Porém, a evolução
das distintas formas de combinação entre cultura agrícola
intensiva em áreas restritas com a pecuária e o aproveitamento
da fauna e da flora naturais (dos matos e incultos) permanece
por estabelecer, bem como as várias modulações que se verificaram nas diferentes ilhas. Estas temáticas têm sido, infelizmente, estudadas de acordo com um calendário de eventuais
ciclos produtivos que somente toma em atenção as principais
produções para exportação, esquecendo quer a importância
dos mercados internos quer o abastecimento das populações
(SOUSA 2004). Apesar de interessantes capítulos nos trabalhos
de Machado (1994), Meneses (1994) e Costa (1997 e 1998)
muito ainda há por fazer quanto à história da agricultura nos
Açores.
Este artigo pretende ajudar a reduzir esta lacuna, procurando
estabelecer uma leitura da evolução da produção e consumo
dos dois principais cereais cultivados no arquipélago, o trigo e
o milho, durante a segunda metade do século XIX, tomando
como estudo de caso a pequena ilha de São Jorge. Ao acrescentar dados para um período mais contemporâneo estaremos
também a reforçar a articulação e o debate com as investigações já realizadas para períodos da História Moderna. O
enfoque detalhado em São Jorge será tanto mais interessante
[175]
E CONSUMO DE CEREAIS
NA ILHA DE SÃO JORGE
DURANTE A SEGUNDA
METADE DO SÉCULO XIX
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quanto constitui um território onde o cultivo de cereais enfrentou sempre condicionantes ecológicas; simultaneamente, é a
ilha onde mais cedo as pastagens e a pecuária se transformaram
na ocupação maioritária do solo e na principal área da economia agrícola, um traço que só mais tarde, e mais lentamente,
se tornou dominante no restante arquipélago. Finalmente,
articulando os constrangimentos ecológicos, a economia agrícola e a sua evolução, com a sociedade local, os seus grupos sociais e agentes colocamo-nos mais próximos do que pensamos
ser uma História Social global.
2. A CONSTRUÇÃO DO AGROS
E A CULTURA DO TRIGO
[176]
Em todas as ilhas a preocupação em garantir a segurança
alimentar levava a que as terras mais férteis fossem reservadas
para a produção de cereais que eram um dos produtos mais
valorizados nos circuitos mercantis. Em São Jorge esta faixa de
terras aráveis era relativamente estreita, tendo antes, grande
parte do seu território, melhor aptidão para pastagem. Porém,
foi o trigo que constituiu, sozinho nos primeiros séculos, depois
em conjunto com o milho, a base da alimentação da população
da ilha. Os outros cereais como a aveia, a cevada e o centeio
manteriam sempre uma importância bem mais reduzida. A
aveia era minoritária e usada sobretudo como grão ou como
forragem. O centeio tinha um cultivo bastante limitado e era
utilizado principalmente para alimento do gado, dada a fraca
aptidão dos terrenos para esta sementeira. Quanto à cevada o
panorama era semelhante. Muito diferente do que se podia
encontrar na Graciosa, onde este cereal era cultivado em
grande escala, constituindo um dos principais produtos de
auto-subsistência e mesmo de exportação.
Apesar de ter sido, entre o século XV e o inicio do século XVIII,
o cereal mais importante, é de reconhecer que o trigo não
encontrava no clima húmido e na precipitação contínua mas,
por vezes, irregular dos Açores as melhores condições de
cultivo. Até ao mês de Junho as searas corriam o risco de se
verem gravemente afectadas. Invernos secos e frios, Primave-
ras demasiado húmidas e Verões muito chuvosos faziam
perigar as colheitas e podiam reduzir os homens à escassez e à
fome (SANTOS 1989: 62-63). Em ilhas como São Miguel,
Terceira, Faial e Graciosa a produção de grão teve mesmo
assim um bom arranque e ganhou raízes. Contudo, em São
Jorge, desde o século XVI os cereais começaram a escassear,
sem que a produção de trigo tivesse subido em altitude e
ocupado parte dos terrenos utilizados nas actividades de
pecuária e pastoreio. O relevo e os solos jorgenses impediam
pois, um desenvolvimento continuado das culturas de cereal,
que começaram a ser importados logo nos finais do século XVI,
numa escassez que se revelará endémica nesta ilha.
Este traço registou-se igualmente nas Flores e noutra ilha do
grupo central, o Pico. Aqui as condições naturais também eram
pouco favoráveis ao cultivo do trigo. O binómio gado (nem
sempre vacum, neste caso, com importante contingente de
cabras e ovelhas) e vinho iria assegurar a maior parte das suas
exportações. Boa parte da terra era controlada pelas elites locais
e por um número razoável de senhorios de fora (morgados e
proprietários residentes no Faial ou em outras ilhas), que dirigiam
os seus interesses para as culturas de exportação, já que eram as
únicas que permitiam a este grupo social elevados rendimentos
e a inserção nos circuitos de economia monetarizados. Para
assegurar níveis aceitáveis de subsistência os camponeses do Pico
iriam desenvolver, articuladamente, a cultura do inhame e mais
tarde, a partir de finais do século XVIII, a da batata. Tal como em
São Jorge, a chegada do milho viria a provocar uma grande
viragem no aproveitamento agrícola e, muito provavelmente, no
crescimento demográfico (COSTA 1998).
Em São Jorge a escassez podia acentuar-se dado que às constantes necessidades do consumo interno acresciam os foros dos
arrendamentos dos grandes senhorios que eram pagos a trigo.
Até ao final do século XIX uma boa parte da superfície agrícola
da ponta oeste (zona de Santo Amaro-Rosais) permaneceria
maioritariamente ocupada com esta cultura. Para melhor
compreender o paradoxo escassez/abundância de cereais ao
longo da história desta ilha não chegam, pois, os factores de
ordem ecológica. Este terá que ser equacionado “tendo em
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PRODUÇÃO
E CONSUMO DE CEREAIS
NA ILHA DE SÃO JORGE
DURANTE A SEGUNDA
METADE DO SÉCULO XIX
3. O TRIGO NO SÉCULO XIX
A fome de terra e a real escassez de trigo, tendo em conta a
relação de força dos grupos sociais e a orientação produtiva da
ilha levou, logo nos séculos XVI e XVII, à introdução de “técnicas
para aumentar a produtividade (...) e evitar os danos causados
por gados e pragas. O sistema de cercado impôs-se,” e marcou
definitivamente as paisagens da ponta oeste de São Jorge. Foram
levantadas paredes, aproveitando as pedras retiradas do solo
lavrado e plantadas sebes vivas em torno dalgumas propriedades.
Procurou-se orientar as águas excedentárias para as ribeiras e
grotas e alternaram-se cereais e leguminosas de modo a fornecer
ao solo um complemento de azoto; secundariamente os cereais
produziam alimento para o gado que foi desde o povoamento
uma das principais riquezas da ilha (PEREIRA 1987: 165).
No século XIX, os cereais continuavam a ser cultivados nas
terras mais secas, principalmente nas freguesias das extremidades da ilha. Da ponta de Rosais estendia-se uma área relativamente plana, pelas Figueiras, Levadas, São Pedro e Relvas, que
era considerada o principal celeiro. No concelho da Calheta as
terras de pão, menos abundantes e produtivas, além de afectadas
pela maior humidade desta zona de São Jorge, espalhavam-se
pela Ribeira Seca, Santo Antão e Topo, embora não atingissem o
grau de especialização da ponta oeste. A produção destes locais
tinha, pois, que complementar a de outras freguesias, como as da
parte leste do concelho das Velas (Urzelina e Manadas), as quais
não produziam cereal suficiente para o seu próprio consumo,
algumas nem mesmo em anos de boas colheitas (MACIEL 2001:
97-102).
O grosso da produção de trigo da ilha destinava-se nestes anos
do século XIX ao abastecimento das necessidades locais e ao
pagamento de rendas e foros aos senhorios locais e de fora,
havendo, em anos de boa colheita, razoável exportação para o
mercado continental, através da Terceira.
Apesar da permanente oscilação das suas colheitas, o trigo era
uma cultura essencial para a auto-subsistência das populações e
muito importante nos circuitos de mercado e de exportação
onde tinha uma elevada valorização, estando a par do vinho e
do gado. O carácter oscilante das suas colheitas (que lutavam
sempre com um relevo e um clima hostil) ajudava a tornar o
grão um produto escasso, mas fazia com que a sua posse possibilitasse algumas mais valias nos mercados. Uma boa colheita
de cereal dava origem a rendimentos importantes para os
grandes proprietários e morgados locais.
Para que tudo corresse bem era necessário que a exportação
fosse livre, ficando a auto-suficiência alimentar das populações
em segundo plano e que, entre as pastagens e as terras
cultivadas com cereal, se estabelecesse um equilíbrio muito
estreito. Localmente, esta importância do trigo nas subsistências
e o preço alto que atingia nos mercados faziam com que
houvesse um cultivo razoável e com que as rendas de muitas
terras lavradias fossem elevadas e pagas frequentemente em
géneros, tornado a apropriação do grão ainda mais desigual.
Mesmo no século XIX, quando o milho era já o principal cereal
de subsistência, muitos dos foros das terras lavradias e de pão,
continuavam a ser pagos a trigo, por Santa Maria de Agosto,
quase nunca a milho. Os cereais acumulados acabavam por
servir como moeda de troca no pagamento de trabalhos agrícolas ou como uma reserva gerida cuidadosamente nas ocasiões
de escassez e de fome.
A irregularidade da produção de trigo trazia enormes dificuldades ao trabalho agrícola e obrigava a gastos suplementares
em mão-de-obra, que a maior produtividade do milho, também
muito exigente em cuidados e mão-de-obra, acabava por
compensar. Normalmente os anos de piores colheitas davam
origem a pequenos motins ou à recusa em pagar as rendas,
recorrendo-se nestas alturas à importação do exterior ou à
proibição, nem sempre apoiada pelo governador civil e pelas
elites locais, da exportação destes dois cereais.
[177]
conta a quem pertencia a terra e quem fazia a sua exploração,
considerando os encargos acrescidos que pesavam sobre esta.
Deve considerar-se ainda a distribuição das várias culturas pelas
superfícies aráveis da ilha e o equilíbrio entre estas e a criação de
gado” (PEREIRA 1987: 166-167).
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QUADRO 1 - PRODUÇÃO DE CEREAIS NAS ILHAS DOS AÇORES EM 1873 (HECTOLITROS)
Distritos
Ilhas
ANGRA
Terceira
HORTA
P. DELGADA
TOTAIS
Trigo
Milho
Centeio
Cevada
86.764
97.188
243
704
Graciosa
3.500
5.000
12
7.600
São Jorge
3.833
16.705
105
107
Faial
12.005
48.851
124
303
Pico
2.210
28.739
42
3
Flores
1.835
5.903
34
31
Corvo
330
1.340
75
–
São Miguel
57.764
363.431
262
190
Santa Maria
9.000
7.200
250
345
177.241
574.357
1.147
9.283
[178]
Fonte: Gerardo Pery (1875), Geografia Estatística de Portugal e Colónias..., Lisboa: Imprensa Nacional, p. 157.
O quadro 1, que deve corresponder a um ano de boas colheitas,
mostra bem a enorme disparidade de produções entre as ilhas,
com São Miguel à frente no milho e a Terceira no trigo. Em
1873, o milho é claramente dominante no arquipélago, à
excepção de ilhas mais secas como Santa Maria, e, em menor
escala, a Terceira, onde a vantagem do milho sobre o trigo é
reduzida. No Pico a produção de trigo é apenas cerca de um
quatorze avos da de milho, em São Miguel cerca de um sexto,
em São Jorge cerca de um quinto, no Corvo e no Faial ela é
cerca de um quarto, para se equilibrar em pouco mais de um
terço nas Flores. A produção de milho atribuída a São Jorge é
relativamente pequena, ficando em quinto lugar entre as ilhas do
arquipélago; no caso do trigo a sua posição está marcada em
quarto. Tal como o Pico e as Flores era uma ilha sujeita desde há
séculos a regulares crises de abastecimento de cereais.
Comparando o volume da produção de trigo das ilhas do distrito
de Angra em 1873 com o dos anos que medeiam entre 1880 e
1887, o que nos chama, desde logo, a atenção é a quebra da
produção terceirense, o que terá forçosamente que ver com a
crescente concorrência externa e com a sua depreciação nos
mercados continentais. Aqui, o trigo americano tinha começado
a invadir o mercado a partir da década de 1870, levantando logo
um imenso coro de protestos por parte dos produtores do sul
do país. No entanto, as políticas acentuadamente proteccionistas
só viriam em 1889 e depois em 1899 (REIS 1981).
Nos Açores os reflexos destes acontecimentos foram importantes. A 28 de Fevereiro de 1885 o jornal A Terceira publicava
uma representação dos povos da ilha dirigida à Câmara dos
Deputados, pedindo o aumento dos direitos sobre os cereais
estrangeiros. O mercado importador dos cereais locais tinha
sido sempre o de Lisboa. E desde que se extinguira a exportação de laranja a economia da ilha ficara refém desta produção. Se o mercado de Lisboa não a conseguia absorver, a
economia da ilha via-se a braços com uma crise. A saída seria
encontrada nas décadas seguintes quando o jogo dos interesses se passou a organizar em torno da produção de álcool
industrial, dos lacticínios e da exploração da fileira pecuária.
Na ilha de São Jorge apesar de alguns bons anos agrícolas no
início da década de 1880, a produção de trigo começaria,
igualmente, a declinar a partir de 1887.
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PRODUÇÃO
E CONSUMO DE CEREAIS
NA ILHA DE SÃO JORGE
DURANTE A SEGUNDA
METADE DO SÉCULO XIX
QUADRO 2 - PRODUÇÃO DE TRIGO DO DISTRITO DE ANGRA DO HEROÍSMO EM 1866, 1868-1870, 1873-1876,
1880-1887 (HECTOLITROS)
Angra
Praia
Ilha
Terceira
Velas
Calheta
Ilha de
S. Jorge
Sta Cruz
(Graciosa)
Total
distrital
1866
14.507
37.673
52.180
2.984
1.964
4.948
5.861
62.989
1868
26.397
34.359
60.757
3.123
1.961
5.084
4.923
70.764
1869
14.098
60.921
75.019
3.227
700
3.927
5.673
84.619
1870
25.770
35.322
61.092
2.870
1.400
4.270
5.000
70.363
1873
38.383
48.381
86.764
2.574
1.260
3.824
3.500
94.098
1874
37.296
52.943
90.239
2.886
1.260
4.146
3.800
98.184
1876
25.390
32.580
57.970
2.345
1.134
3.479
2.800
64.249
1880
13.726
27.693
41.419
2.710
1.888
4.598
3.260
49.227
1881
12.916
32.580
45.496
2.695
1.500
4.195
3.000
52.692
1882
19.380
37.467
56.847
6.805
1.229
8.034
2.000
66.881
1883
27.820
32.417
60.237
6.310
810
7.120
3.600
70.957
1884
26.667
33.314
59.981
6.800
1.300
8.100
4.000
72.161
1885
26.565
30.951
57.516
6.200
900
7.100
4.000
68.616
1886
26.536
32.580
59.116
4.100
1.000
5.100
3.500
67.716
1887
22.810
24.445
47.255
2.640
900
3.540
3.000
53.785
Fonte: Dados 1864, Almanaque do Arquipélago dos Açores para 1868, p. 26. Dados 1866, Relatório Apresentado à Junta Geral do Distrito de Angra do Heroísmo na sua Sessão
Ordinária de 1867, pelo Secretário Geral servindo de Governador Civil, Joaquim Taibner de Morais, Angra: Tip. do Governo Civil, 1867 (os alqueires foram convertidos em litros
pelas medidas dos concelhos). Dados 1868 Relatório Apresentado à Junta Geral do Distrito de Angra do Heroísmo na sua Sessão Ordinária de 1870, pelo Governador Civil Félix
Borges de Medeiros, Angra: Tip. do Governo Civil, 1870; Dados 1869, AHMOP, DGCI, RA-1S, 20. Dados 1873 Relatório Apresentado à Junta Geral do Distrito de Angra do
Heroísmo na sua Sessão Ordinária de 1874, pelo Governador Civil Francisco de Albuquerque Mesquita e Castro, Angra: Tip. do Governo Civil, 1874, mapa nº 3. Dados 1874,
Relatório Apresentado à Junta Geral do Distrito de Angra do Heroísmo na sua Sessão Ordinária de 1875, pelo Secretário Geral servindo de Governador Civil Gualdino Alfredo Lobo
de Gouveia Valadares, Angra: Tip. do Governo Civil, 1875, p. 133. Dados 1880-1887, João Nogueira de Freitas (1890), p. 95.
Os sinais de crise já se manifestavam, portanto. No início da
década de 1880, escrevia-se no Velense: “a quantidade de trigo
produzida é consumida aqui mesmo e nem chega para o
consumo. Ainda não há muitos anos que algum trigo daqui se
exportava. A cultura não diminuiu ao menos de modo
perceptível. Hoje recebe-se trigo da Terceira e por vezes
alguma farinha nos vem dos EUA. Decididamente tem
aumentado o consumo, em consequência dos muitos
empregados públicos que agora aqui residem, e da melhor
alimentação que exigem os nossos patrícios repatriados da sua
peregrinação à América” (“Crónica Agrícola” in O Velense, nº
19 de 8.9.1880). É muito provável que o consumo de trigo
tenha aumentado paulatinamente, acompanhando a melhoria
das condições de vida e de alimentação dos jorgenses.
Contudo, este comentador não assinalava a baixa do preço
devido à concorrência das farinhas estrangeiras, os impactos da
crescente ocupação do solo por pastagens e, mais importante
ainda, o crescimento da cultura do milho. Este último cereal via
a sua área de cultivo reforçada perante a diminuição do
interesse económico do trigo, incapaz de concorrer nos
mercados exteriores. O milho reforçava no meio camponês a
sua centralidade como principal cereal de subsistência. Por
[179]
Anos
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exemplo, em 1885 a área cultivada com trigo no concelho da
Calheta era avaliada em 145 hectares. A área cultivada com
milho no mesmo concelho era avaliada em 1225 hectares1.
[180]
Durante séculos a ponta oeste de São Jorge tinha sido a principal
zona de produção de grão. Porém, em finais do século XIX, a
cultura do trigo tornava-se pouco rentável, mesmo nestas áreas.
À constante depreciação dos cereais e à maior produtividade do
milho, juntava-se o fim do monopólio relativo da terra por parte
dos arrendamentos dos senhorios de fora e dos grandes proprietários locais, com a remissão de muitos dos foros e censos que
eram pagos neste género agrícola (SOUSA 2007). Para a vizinha
ilha da Graciosa, António de Brum Ferreira (1968), seguindo a
monografia de António Borges do Canto Moniz (1887), diz-nos
que foi também o lento desaparecimento dos foros (através das
sucessivas leis de remissão), que marcou a decadência definitiva
da cultura do trigo, estando, pois, na origem da grande difusão
do milho registada no último quartel do século XIX. Porém, tal
como foi referido para São Jorge, este não foi o único factor. A
mudança registada prendeu-se, sobretudo, com a queda dos
preços dos cereais açorianos e com a crescente concorrência
dos produtos oriundos das economias agrícolas emergentes no
mercado mundial. Contudo, parece-nos lógico que esta viragem
para o milho tenha sido mais tardia na Graciosa, dada a sua enorme especialização na produção de cereais de sequeiro (trigo, e
principalmente cevada) e dadas as aptidões naturais propícias
que o seu território oferecia.
A depreciação, a concorrência local do milho e dos cereais
americanos nos mercados exteriores, assim como a emigração e
a diminuição dos elevados contingentes de mão-de-obra disponível e barata fizeram, portanto, declinar esta produção. E não só
em São Jorge. Se a economia das três ilhas que compunham o
distrito de Angra se ancorava na exportação de cereais, a partir da
década de 80 a derrocada seria relativamente geral. Mesmo a
economia da ilha Terceira começaria a orientar-se, de forma
crescente, para a criação e exportação de gado e de lacticínios e,
mais tarde, para a indústria do álcool.
Escrevendo em 1897, João Duarte de Sousa referia que “hoje
a cultura do trigo, porque é ruinosa, apenas se pratica na gene-
ralidade em alguns terrenos que já se mostram incompetentes
para a cultura do milho, para descanso das terras, como dizem,
pelo esgotamento dos milheirais” (SOUSA 1897: 106). Sendo já
a supremacia do milho e findo o interesse especulativo na
exportação de cereais, instalava-se, numa boa parte dos
terrenos destas zonas, uma espécie de sistema de rotação
entre trigo e milho que vai durar até depois da primeira metade
do século XX (MENDONÇA 1966: 57-60).
Na correspondência da 2ª quinzena de Agosto de 1870 com o
MOPCI, o intendente de pecuária do distrito de Angra referia
que os sistemas de afolhamento eram muito pouco usados na
Terceira: “o lavrador semeia ordinariamente o género que mais
precisa e deixa de pousio a terra quando vê que os produtos lhe
escasseiam”. No caso dos cereais, a uma sementeira de trigo
sucedia-se outra de milho, sendo este último plantado sobre o
restolho do primeiro. Nas terras lavradias do interior, vulgarmente denominadas pastos, os lavradores logo depois da ceifa
costumavam dar uma primeira lavra, juntar o restolho e outras
ervas e queimá-los, espalhando as cinzas e misturando-as com a
terra, através de uma outra lavra, podendo estas operações ser
repetidas várias vezes. A partir de Outubro começavam então as
sementeiras de trigo nas terras assim preparadas (AHMOP,
DGCI, RA-1S, 3, Maço de ANGRA, 1870).
Os processos de cultivo rotineiros e tradicionais poderão também ter tido alguma influência em toda esta lenta decadência do
trigo, mas, neste caso, pensamos que a maior parte dos comen-
1 Dados retirados de BPAAH, “Produção Cerealífera 1885”, fundo do
concelho da Calheta (por catalogar). Agradeço ao Paulo Lopes de Matos
ter-me, generosamente, disponibilizado estes dados. Actualmente é difícil
estudar a História do concelho da Calheta. Na década de 1990, durante a
presidência do senhor José Leovegildo de Azevedo, sendo vereador da
cultura, o senhor Aires Reis, actual deputado à Assembleia Legislativa
Regional, deu-se o ainda inexplicado desaparecimento de todo o Arquivo
Municipal da Câmara da Calheta, do qual nem os livros de Actas das
Vereações se salvaram. Existe, contudo, um inventário deste acervo (cujo
paradeiro continua incerto, mesmo para os funcionários da autarquia),
efectuado por uma equipa da Universidade dos Açores, coordenada pelo
Professor Doutor Artur Teodoro de Matos, na década de 1980. Se este é
um caso de incúria ou de polícia deveria ser responsabilidade dos
munícipes proceder à respectiva denúncia, cabendo às autoridades
competentes (Direcção Regional da Cultura) averiguar os factos.
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PRODUÇÃO
E CONSUMO DE CEREAIS
NA ILHA DE SÃO JORGE
DURANTE A SEGUNDA
METADE DO SÉCULO XIX
4. O MILHO E A TRANSFORMAÇÃO
DA AGRICULTURA DE SÃO JORGE
Supõe-se que o milho tenha sido introduzido nos Açores mais
tarde que em Portugal continental (BRITO 1955: 95-96). As
primeiras notícias datam dos finais do século XVI, embora não
saibamos se elas se reportavam ao milho maís ou ao milho
painço (MATOS 1987: 12). No diário de bordo de Francisco
Faria Severim, datado de 1598, refere-se que a ilha Terceira “é
muito abundante de trigo e muita cevada e algum milho e
centeio...” (MATOS 1987: 25). Quanto a outras ilhas, F. de Faria
Severim apenas iria mencionar o trigo e outros cereais de
sequeiro. Sabendo do papel central da cidade de Angra nas
rotas marítimas, pode-se levantar a hipótese do milho ter sido
introduzido nos Açores por esta ilha, espalhando-se mais tarde
pelos outros territórios. O padre Maldonado, na Fénix Angrense,
refere o pouco uso que em 1647 se fazia dos “milhos grossos”,
nome porque era normalmente mais conhecido o milho painço.
Escrevendo em 1710 o padre António Cordeiro iria adiantar
que o milho fora introduzido para substituir o pastel, sendo
ainda no final do século XVII mal aceite pelas populações
(CORDEIRO 1717: 276). A sua expansão e generalização teria
lugar já no século XVIII, tornando-se progressivamente o
principal cereal de consumo (MACHADO 1995: 180).
E, por exemplo, José Cândido da Silveira Avelar, apoiado pelas
actas das vereações da Câmara das Velas, avança a hipótese
muito plausível dele ter sido introduzido em São Jorge entre o
terceiro e o quarto quartel do século XVII (AVELAR 1902:
140). Porém, podemos também supor que, embora a
introdução tenha sido anterior, só nestes anos a sua produção
começou a ter um peso importante, passando a fazer parte dos
registos oficiais. De qualquer forma, no século XVIII, e um
pouco por todo o arquipélago a concorrência que fazia aos
cereais de sequeiro era já um facto, como o prova um recente
estudo sobre a ilha de São Miguel (MACHADO 1994).
Talvez devido à sua adequação ao clima temperado e húmido
das ilhas, este cereal foi gradualmente substituindo o trigo, o
centeio e a cevada, provocando uma alteração bastante ampla
nas estruturas do quotidiano rural. Nas actas da Câmara Municipal da Calheta vai acompanhando o trigo como os dois principais
cereais de subsistência, pelo menos a partir da segunda metade
do século XVIII. Nas Velas, de acordo com o Manifesto da
produção de cereais, em 1806 o milho era já o cereal dominante
ao nível da quantidade produzida2. As colheitas nas freguesias
de Rosais e das Velas cifraram-se nesse ano em 486,8 moios de
milho (ou seja 416.214 litros) e, somente, 163,73 moios de trigo
(140.006 litros)3. No entanto, é difícil extrapolar a partir destes
dados qual dos dois ocupava uma maior área de cultivo, dado
que a produtividade do milho é, como já referimos, bastante
superior. Em termos da globalidade da ilha, parece-nos que a
completa e esmagadora supremacia do milho só se terá
alcançado durante a segunda metade do século XIX, sendo
então dominante, até na principal zona produtora de trigo. No
entanto, esta afirmação deveria ser testada em várias freguesias.
2 Manifesto da Produção de Cereais neste Concelho (1806), Arquivo
Para o continente estudos recentes apontam o reinado de D.
João III como data provável das primeiras experiências de
cultivo, tendo-se somente começado a vulgarizar a partir do
século XVII (BORGES 1991). Mesmo que levantemos a
hipótese do milho não ter sido durante os primeiros séculos
muito utilizado na alimentação humana nas ilhas dos Açores, a
maior parte das fontes aponta para uma introdução mais tardia.
Municipal das Velas (reservados), maço 19. Este documento, elaborado a
fim de prevenir as crises de subsistências, apresenta um mapa de todos
os produtores e respectiva produção de milho, trigo e batata, divididas
pelas diferentes povoações. Por limitações de tempo, só pude fazer as
contas para as freguesias da ponta oeste.
3 Um moio é igual a 60 alqueires (um alqueire = 14,25 litros), ou seja um
moio são 855 litros. Medidas de acordo com as conversões feitas no
Almanaque do Arquipélago dos Açores, 1864, 118.
[181]
tadores da época reflectem sobretudo uma imagem muito típica
do século XIX: a do camponês rotineiro, ignorante e avesso à
mudança. Este tipo de imagens oblitera quase sempre as lógicas
internas à produção económica e as eventuais formas de
economia de escala em que assentavam as estruturas
camponesas tradicionais e a racionalidade das suas práticas
(SOUSA 2005).
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A ponta oeste pode ter ficado, por razões que se prendem com
os preços, mais especializada neste cereal, enquanto que nas
outras áreas de São Jorge o milho já seria dominante há bastante
mais tempo. Mas trata-se por agora de levantar hipóteses.
[182]
Estes factos permitem-nos pensar que se pode estabelecer
uma ligação próxima entre, por um lado, a efectiva expansão
do milho durante o século XVIII e a introdução e o cultivo em
grande escala da batata a partir das últimas décadas deste
mesmo século, e, por outro, o aumento constante da população açoriana, até aos primeiros anos da década de 1880. As
melhores condições de subsistência e alimentação, garantidas
pela combinação destes dois produtos a partir do final do
século XVIII, poderão, tal como sucedeu com o milho no
noroeste português, estar na origem da grande expansão da
população do arquipélago (MEDEIROS 1987 e FEIJÓ 1993:
158-160). Se pelas evidências demográficas a hipótese parece
confirmar-se, falta um estudo aturado da história agrária do
arquipélago para podermos ter mais garantias.
Parece ficar claro que, pelo menos, no princípio do século XIX o
milho constituía já a base da alimentação camponesa, sendo ainda
utilizadas as suas folhas e bandeiras na alimentação do gado vacum.
Contudo, mesmo depois de introduzido e assimilado como cereal
de subsistência, ele continuou a sofrer a concorrência do trigo que
tinha uma maior cotação económica nos mercados exteriores.
Com isto, não queremos afirmar que não se exportasse milho,
bem pelo contrário, São Jorge exporta estes dois cereais pelo
menos ao longo do século XIX. E, pelas notícias que temos, a
exportação de milho era significativamente mais volumosa que a
de trigo, ao contrário das outras duas ilhas do distrito. Por um
lado, estamos perante culturas com produtividades e preços
diferentes, por outro, a necessidade e os interesses de quem monopolizava uma parte importante da terra impunham que se
aproveitasse o território da ilha de modo a produzir estas duas
culturas e a conseguir excedentes para os mercados exteriores.
A revolução do milho que transformou as paisagens do norte
atlântico do continente, admiravelmente descrita por Orlando
Ribeiro, teve como grandes consequências o arranque de vastas
arroteias, a supressão dos pousios; o aumento da área regada pela
construção de socalcos; uma agricultura intensiva, variada, minuciosa; o declínio do pastoreio por falta de espaços abertos à
deambulação dos rebanhos; a separação definitiva do campo e do
bosque; uma maior iniciativa no trabalho familiar; uma decadência
irremissível do espírito de comunidade, individualismo que se
traduziu no parcelamento da terra, na multiplicação de sebes,
muros e divisórias, e na disseminação das habitações. Tudo isto o
milho favoreceu, permitiu ou provocou (RIBEIRO 1945: 122).
Sem querer fazer aqui um inventário tão exaustivo, refiro somente que o cultivo e a expansão do milho provocaram uma ampla
mudança no quotidiano rural de São Jorge. Não só competia com
o trigo pelo mesmo andar de cultivo, numa ilha onde as terras
aráveis são escassas, como também se adaptava a terrenos e a
pequenos prédios cujas colheitas o trigo nunca poderia tornar
compensatórias. A possibilidade de plantar o milho em pequenos
socalcos húmidos deve ter levado à ocupação de muitas encostas
e os seus diferentes tempos alteraram o ritmo de vida do
camponês. O elevado rendimento, a resistência às condições
climáticas desfavoráveis para os cereais de sequeiro e o facto de
fornecer ainda forragem para os gados (as bandeiras, as espigas,
os milheiros, tudo era aproveitado e guardado para alimentar o
gado durante o Inverno), tornaram o milho incontornável no
quotidiano camponês. A estrutura da propriedade, com um peso
elevado do arrendamento e do aforamento, dividida em
pequenas parcelas, ajudava também à dominação crescente
deste cereal, típico de sistemas agrários intensivos.
O milho, apesar de se adaptar ao clima húmido e temperado
das ilhas, é bastante exigente em termos de cuidados e de
trabalho humano. Muito mais do que alguma vez o foi o trigo,
ao longo da História de São Jorge. Já no final do século XIX, a
emigração e o recuo continuado da população iriam encarecer
o jornal, tornando difícil encontrar trabalhadores para realizar
as sachas. Nestas alturas do ano, os proprietários protestavam
e surgiam recorrentemente os debates em torno dos malefícios
da emigração (SOUSA 1897: 77).
Nestes últimos anos do século XIX, a cultura do milho fazia-se
em larga escala, sendo de longe a principal da ilha: “só são apli-
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PRODUÇÃO
E CONSUMO DE CEREAIS
NA ILHA DE SÃO JORGE
DURANTE A SEGUNDA
METADE DO SÉCULO XIX
cados a outra espécie cultural os terrenos que de todo em todo
se não prestam à produção d’aquele cereal” (SOUSA 1897: 77).
E, em anos regulares, chegava-se mesmo a exportar para o
mercado continental.
ção entre as duas culturas. No quotidiano, o pão de milho foi-se
tornando o pão de consumo corrente, enquanto que o pão e a
farinha de trigo se tornavam produtos dirigidos, principalmente,
para as ocasiões festivas. A sua farinha entrava na composição
das refeições especiais: na forma de pão alvo; ou como bolo: na
forma de biscoito ou massa sovada.
O crescente acesso à propriedade por parte dos camponeses e
a ligação do milho à produção de forragem, numa época de notável incremento pecuário, foram outros factores que ajudaram
à ocupação definitiva por este cereal da grande parte das terras
aráveis da ilha, instalando-se aqui o já referido sistema de rota-
Estas posições relativas da importância do trigo e do milho eram
então semelhantes às que encontraríamos, um pouco mais
tarde, em algumas áreas do norte atlântico de Portugal conti-
Anos
Angra
Praia
Ilha
Terceira
Velas
Calheta
Ilha de
S. Jorge
Sta Cruz
(Graciosa)
Total
distrital
1866
50.318
46.904
97.222
1868
30.782
31.271
62.053
15.216
34.623
17.883
10.971
49.839
16.300
163.362
28.863
5.742
96.659
1869
35.685
87.120
1870
58.458
71.122
122.805
16.635
129.579
15.570
8.443
25.078
8.448
156.331
5.000
20.570
7.200
157.150
1873
44.246
1874
77.354
52.942
97.188
10.704
6.000
16.704
5.000
118.892
89.595
166.949
11.129
6.000
17.129
6.000
190.078
1876
54.820
44.798
99.618
12.175
5.400
17.575
4.800
121.992
1880
53.852
86.337
140.189
15.585
9.925
25.510
16.200
181.899
1881
34.190
48.870
83.060
16.895
6.610
23.505
3.000
109.565
1882
37.540
58.644
96.184
16.157
6.620
22.777
5.000
123.961
1883
71.000
86.400
157.400
17.600
12.000
29.600
9.800
196.800
1884
65.330
67.500
132.830
18.100
16.000
34.100
9.600
176.530
1885
66.700
58.800
125.500
19.520
19.000
38.520
8.000
172.020
1886
67.030
90.000
157.030
19.300
22.500
41.800
14.000
212.830
1887
72.550
108.000
180.550
18.460
15.000
33.460
19.000
233.010
1888
74.000
90.000
164.000
14.900
15.000
29.900
14.000
207.900
Fonte: Dados 1864, Almanaque do Arquipélago dos Açores para 1868, p. 26. Dados 1866, Relatório Apresentado à Junta Geral do Distrito de Angra do Heroísmo na sua Sessão
Ordinária de 1867, pelo Secretário Geral servindo de Governador Civil, Joaquim Taibner de Morais, Angra: Tip. do Governo Civil, 1867 (os alqueires foram convertidos em litros
pelas medidas dos concelhos). Dados 1868 Relatório Apresentado à Junta Geral do Distrito de Angra do Heroísmo na sua Sessão Ordinária de 1870, pelo Governador Civil Félix Borges
de Medeiros, Angra: Tip. do Governo Civil, 1870. Dados 1869, AHMOP, DGCI, RA-1S, 20. Dados 1873 Relatório Apresentado à Junta Geral do Distrito de Angra do Heroísmo na
sua Sessão Ordinária de 1874, pelo Governador Civil Francisco de Albuquerque Mesquita e Castro, Angra: Tip. do Governo Civil, 1874, mapa nº 3. Graciosa, 1872, Almanaque
Insulano para 1874, pp. 85-86. Dados 1874, Relatório Apresentado à Junta Geral do Distrito de Angra do Heroísmo na sua Sessão Ordinária de 1875, pelo Secretário Geral servindo de
Governador Civil Gualdino Alfredo Lobo de Gouveia Valadares, Angra: Tip. do Governo Civil, 1875, p. 133. Dados 1880-1887, João Nogueira de Freitas (1890), p. 95.
[183]
QUADRO 3 - PRODUÇÃO DE MILHO DO DISTRITO DE ANGRA DO HEROÍSMO EM1866, 1868-1870, 1873-1876
E 1880-1888 (HECTOLITROS)
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nental. Em 1900 a alimentação com pão de trigo rondava os
12% em Viana, Viseu e Guarda; subia para 18% em Aveiro,
Braga, Bragança e Vila Real; alcançava 36% no Porto, Leiria e
Santarém; em Faro atingia os 80% e em Lisboa, Portalegre,
Évora e Beja chegava aos 95%. No Norte litoral o pão era ainda
o milho e no interior o centeio. Contudo, num movimento que
não foi uniforme, durante as primeiras décadas do século XX,
o consumo de pão de trigo iria aumentar, associado agora à expansão da panificação industrial e da cada vez mais poderosa
indústria das moagens (MATOS 1935: 12).
Apesar das flutuações a produção de milho registaria um acréscimo consolidado desde 1883, em todo o distrito. A Terceira e
São Jorge foram as ilhas que mais contribuiram para esse aumento. Porém, dados estatísticos que estamos actualmente a
trabalhar permitem confirmar que o seu crescimento foi igualmente importante na Graciosa nos finais do século XIX.
[184]
Na década de 1890 registar-se-iam algumas colheitas excepcionais. No caso de São Miguel seria mesmo realizada uma grande
exportação para Lisboa e para a Madeira (“Relatório dos
Serviços Agrícolas da 11ª Região Agronómica”, in BDGA, nº 11
de 1892, pp. 1133-1134). Nesta ilha os cereais tinham já um
papel secundário nas exportações, centradas agora na indústria
do álcool. Mas o milho continuava decisivo para a subsistência
camponesa, ocupando ainda cerca de metade dos terrenos
cultivados. Apesar de igualmente afectada pela concorrência do
milho americano, a produção micaelense conseguia ainda assim
lutar com vantagem, podendo, segundo o agrónomo da região
açoriana oriental, vir a beneficiar das medidas proteccionistas
que já se previam no horizonte legislativo (“Relatório do agrónomo chefe da 11ª Região Agronómica, sobre serviços agrícolas
e filoxéricos no ano de 1891”, BDGA, nº 12, 1892, p. 1220). No
entanto, a nova legislação proteccionista estaria sobretudo dirigida para a intensificação da produção cerealífera do sul do país
com a qual, provavelmente, a produção açoriana passou a ter
que concorrer, em condições de franca desvantagem nos
preços.
Até 1766 os fornos de pão eram monopólio dos capitães-donatários das ilhas. Porém, a lenta dissolução deste sistema de admi-
nistração política e civil fez com que os fornos se começassem a
vulgarizar mais cedo nos territórios em que o seu fim foi mais
precoce. Quando chegamos à segunda metade do século XIX,
em todo o arquipélago, as casas camponesas mais abastadas
estavam já providas com estes equipamentos num movimento
que se acentuou com a predominância da cultura do milho.
Em São Jorge, tal como noutras parte do arquipélago, a
excessiva humidade do clima exigia que o milho fosse seco no
forno antes de debulhado, sendo depois guardado em arcas
(barricas ou caixões). Para moer os cereais, apenas as casas
camponesas mais ricas, com maiores produções, teriam
igualmente eiras, atafonas ou moinhos de água ou de vento
próprios. A quantidade produzida deveria ser assim capaz de
tornar viáveis estes equipamentos. Contudo, até à primeira
metade do século XIX este era um cenário raro dado que uma
parte significativa da população permanecia relativamente
dependente do trigo. Para os mais pobres restavam os velhos
moinhos de mão, as lajes de pedra e os tijolos de barro, onde
se coziam os denominados bolos, pães de pouca altura e de
forma circular. Quer uns quer outros, sendo uma constante em
todas as ilhas do arquipélago, encontram modelos comuns na
cultura material mediterrânica e mesmo na Europa Atlântica
durante a Época Moderna (MARTINS 1997: 119-170).
Durante boa parte do Antigo Regime os moinhos hidráulicos,
de vento e atafonas eram monopólio dos capitães-donatários
que controlavam, assim, a montante e a jusante, o processo de
transformação dos cereais (MARTINS 1997: 121). Desde a
criação das capitanias-gerais e da legislação reformista que
surge associada ao Pombalismo que estes equipamentos se vão
progressivamente vulgarizando. A redistribuição da propriedade e a definitiva implantação do milho como o principal cereal
ajudariam a aumentar o aproveitamento dos sistemas de moagem movidos a água e a vento. Sobretudo estes últimos teriam
a vantagem, tal como as atafonas, de não depender dos caudais
oscilantes das ribeiras, em ilhas onde, pelo menos no período
de Verão, grande parte da costa sul se via confrontada com a
carência de água. No entanto, em relação aos moinhos de vento as fontes são pouco esclarecedoras. A maior quantidade de
referências dada às atafonas e aos moinhos de água fazem-nos
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E CONSUMO DE CEREAIS
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pensar que a sua construção, em larga escala, poderá ser mais
recente do que à primeira vista se pode supor. Ela estará
relacionada com esta expansão do milho e com a transformação em produtores autónomos de uma fracção considerável
dos habitantes das ilhas, num processo muito auxiliado pela
emigração e pelos novos recursos que esta permitiu. Mas trata-se, aqui, novamente de uma hipótese que deveria ser
desenvolvida ou refutada no quadro de outras investigações,
com um cunho etnográfico mais intenso.
De acordo com dados oficiais, existentes para 1911, o concelho
das Velas possuía nesse ano 29 moinhos de vento, não havendo
referência a nenhum engenho hidráulico, de explosão ou a
vapor. No vizinho concelho da Calheta os moinhos de vento
eram 12, estando igualmente recenseado um moinho de água
(Boletim do Trabalho Industrial, nº 76). Porém, no caso dos
engenhos hidráulicos estes dados parecem-nos claramente
subavaliados, dado existirem vários cursos de água, na Fajã da
Caldeira, de São João, na Ribeira Seca, ou na Ribeira das Lixívias, próximo do Cruzal, com caudal suficiente para alimentar
pequenas moagens. A este propósito podem bem servir de
exemplo muitos dos engenhos hidráulicos ainda hoje existentes
nas margens destas ribeiras.
Porém, a modernidade e a máquina também chegaram. Em
1862, uma sociedade liderada por José Pereira da Cunha da
Silveira e composta pelo seu irmão João Pereira da Cunha
Pacheco, padre António de Lacerda Pereira, João Silveira de
Bettencourt e Carvalho, entre outros notáveis locais, montou
uma máquina de moagem a vapor na vila das Velas. A máquina,
construída na Fundição Portuguesa de Colares, tinha a força de 6
cavalos (O Jorgense nº 13 de 15.8.1871). Esta iniciativa iria apenas
durar três escassos anos. Por um lado, a capacidade do
equipamento ultrapassava as necessidades locais de moagem,
por outro, os custos com o combustível revelavam-se demasiado dispendiosos para se conseguir obter algum lucro. Com a
produção de trigo e de milho destinada à exportação ou integrada na autosubsistência familiar, com fracas colocações nos circuitos de mercado, era impossível pôr em funcionamento uma
moagem industrial, por maior que fosse a boa vontade dos
investidores. Em 1871 o grupo de sócios a quem pertencia a
máquina tentaria, sem grande êxito, vendê-la.
Nesse mesmo ano, a imprensa local afirmava já que a cultura
dos cereais estava sendo, em grande parte, anti-económica,
defendendo uma grande alteração na economia agrícola da ilha,
através da restrição da produção de milho e trigo em favor da
criação de gado (O Jorgense, 15.3.1871 e 1.8.1872). Em Março
de 1885 várias câmaras do distrito de Angra, entre as quais a
das Velas, enviavam representações ao governo pedindo
medidas legislativas de protecção para os cereais açorianos
(AMV, Registo das Representações ao Governo de Sua Majestade
(1870-1902), fls. 35). Em 1897, tornariam a levantar-se vozes
em São Jorge a defender limitações à cultura dos cereais, que
se tornava anti-remuneradora, perguntando-se para quê tanta
insistência se a escassez de braços devido à emigração e o
próprio clima a contrariavam: “Para quê lavrar outeiros,
proceder a ceifas e debulhas, afrontar os frios de Janeiro e os
calores de Julho, olhando em final o trigo no granel, mercê da
concorrência americana?” (SOUSA 1897: 65-81).
Em Junho de 1891, numa representação feita ao governo
central, declarava-se que “a cultura cerealífera que tem sido a
principal riqueza da ilha depois do completo aniquilamento da
viticultura pela invasão do Oidium em 1854, vai numa decadência (...) progressiva e assombrosa”, referindo-se que “num futuro pouco remoto”, com a escassez de braços devido à emigração ela “deixará por certo de se fazer” (AMV, Registo das Representações ao Governo de Sua Majestade (1870-1902), fls. 52-54).
Aqui parece-nos que era a cultura cerealífera como grande
exportação que estava definitivamente a desaparecer. As arcas,
o granel, mesmo os tirantes das casas de muitos camponeses,
não deixavam, por isso, de estar razoavelmente preenchidos,
só que desta vez de maçarocas de milho.
Porém, fica uma pergunta no ar a aguardar futuras investigações: se o milho é introduzido tão cedo, no final do século XVI,
porque é que só viria a afirmar o seu peso definitivo depois dos
anos de 1800, em que começa, igualmente, a ocupar a zona
tradicional de produção do trigo?
Podemos tentar responder, referindo que, durante o Antigo
Regime, o poder e o controle dos grandes proprietários e
morgados seriam tão grandes nas terras lavradias e de pão, e o
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preço do trigo nos mercados tão apelativo, que a sua produção
se manteve, apesar de declinante, dentro da esfera principal
dos interesses das elites locais nas poucas zonas favoráveis a
esta cultura. Apenas a abertura do mercado de cereais açorianos ao exterior e a descida de preço do trigo regional a partir
de inícios da década de 1880 viriam a alterar definitivamente o
que ainda restava.
5. AS CRISES DE SUBSISTÊNCIA:
RELAÇÕES DE PODER E GESTÃO SOCIAL
DOS RECURSOS NATURAIS
[186]
As crises de subsistências constituíam acontecimentos recorrentes na História açoriana. Parte substancial do grão produzido
não entrava nos circuitos de mercado. Era um bem de
subsistência escasso e fundamental na alimentação camponesa,
vivendo a sua produção num equilíbrio precário que, em
situações de ruptura, ocasionava crises generalizadas, sendo aí
necessário o recurso à sua importação. No caso de São Jorge,
desde o final do século XVI que a ilha era ciclicamente afectada
por períodos de carestia e escassez. Estes problemas de
abastecimento tornavam-se difíceis de resolver numa estrutura
produtiva orientada para a exportação de cereais, a criação de
gado e a produção de vinho (pelo menos até à primeira metade
do século XIX). As vilas, com uma razoável população de
trabalhadores rurais e indiferenciados, pescadores e artesãos,
acabavam por ser os lugares mais afectados por estas carências.
Fazendo parte do quotidiano da população, ao longo do século
XIX, as crises de subsistência afectariam diversas vezes a ilha:
em 1812, 1846-1847, 1857-1858-1859, 1877 e 1893-1894.
Para explicar estas crises alimentícias recorrentes temos que
recordar que São Jorge, Pico e Flores são as ilhas do arquipélago onde a produção de trigo é mais problemática, por
motivos orográficos e de solos. Como vimos atrás, a terra
lavradia era um bem escasso em São Jorge, desigualmente
distribuído quer em termos sociais, quer em termos espaciais
entre as várias freguesias. Por outro lado, a população atingia
neste século (segundo os dados do Censo de 1878) um pico
demográfico: pouco mais de 18.000 habitantes. Daí, podermos
também supor que se verificava um desequilíbrio entre
recursos e população, uma relação precária entre produção e
demografia, entre homens e recursos, entre terra e população.
Na segunda metade do século XIX, parte dos terrenos
marginais susceptíveis de serem cultivados com cereais e de
aumentarem, mesmo com custos muito elevados, a produção
eram utilizados como pastagem, dado que a criação de gado
era uma actividade bastante rentável. Esta tentativa de
equilíbrio entre as duas actividades provocava uma competição
entre cereal e pastagem, sendo que, de um lado, estavam os
proprietários e morgados e, do outro, os camponeses. Estas
terras marginais, onde a produtividade do trigo e do milho
seriam menores e os custos em trabalho e factores mais
intensivos, terras que dariam origem a rendimentos decrescentes, mas permitiriam melhorar a autosubsistência dos agregados humanos, estavam ocupadas por produções que beneficiavam a elite terratenente local. E esta é que detinha fatias
importantes da propriedade ou influenciava a sua gestão
através do controle das instituições locais de poder, como as
câmaras, as misericórdias ou mesmo as confrarias. No fundo,
eram aqueles que tinham uma palavra decisiva no onde e no
que produzir em grande escala.
Após as colheitas e no fim do Inverno os oficiais da câmara procuravam saber as disponibilidades de cereais que o concelho
apresentava. Caso as quantidades fossem diminutas recorria-se
à proibição de exportar estes produtos, pedindo-se, se a
situação o justificasse, autorização ao Governador Civil para
importar cereais de outras ilhas, da Terceira, Graciosa ou São
Miguel. A regulamentação do funcionamento dos mercados
era, pois, uma tarefa ingrata e de certo risco.
Em alturas de carestia e de escassez os povos revoltavam-se e
surgiam vários pequenos motins contra a exportação de cereais,
permanentemente condicionada ou proibida durante estes
períodos. Mas estas revoltas não eram somente devidas a uma
reacção contra a perspectiva da fome e da carestia dos alimentos, ameaçando todo o grupo doméstico camponês nas suas
hipóteses de reprodução social. Elas estavam, igualmente,
ligadas a uma “ética de subsistência”, e a noções de justiça e de
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E CONSUMO DE CEREAIS
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O comércio livre de cereais só podia ser uma questão complicada. Os grandes proprietários, morgados e negociantes de
grosso trato, ou seja, a elite que dominava o poder nas ilhas,
defendiam a livre exportação deste produto, embora os últimos
não estivessem sempre de acordo com a livre importação, dado
que fazia depreciar no mercado local os cereais açorianos.
Porém, para os meios populares, a livre exportação de cereais
não só aumentava o preço deste produto indispensável à autosubsistência das famílias, como podia, em certos anos, provocar
carências graves, açambarcamento e inflação.
Conhecendo-se o controle que exerciam sobre as instituições
locais e a gestão social dos recursos naturais, não é de estranhar
que as elites tentassem ter sempre aberta a exportação. Estas
tentativas de racionalizar e de atenuar os efeitos das crises de
subsistência regulares tinham lugar nas câmaras municipais,
onde a elite terratenente e os grandes negociantes formavam
normalmente um bloco relativamente homogéneo em defesa
dos seus interesses.
Como contrapartida, estes períodos eram também a altura
ideal para os principais notáveis intervirem activamente, demonstrando uma ampla generosidade e largueza de mãos,
movendo influências junto do governador civil, importando
cereais para a ilha com dinheiro do seu próprio bolso, abrindo
as portas das suas cozinhas à caridade e à esmola. Estas eram,
claramente, formas de controle social, de exercerem politicamente a sua influência, de arrecadar em clientes e fornecer em
favores a rendeiros, ao mesmo tempo que se enquadravam e
geriam eficazmente situações potencialmente explosivas,
deixando o campesinato dependente das autoridades locais e
regionais e da caridade dos elementos mais abastados.
Todavia, muitas vezes, mesmo com a importação de cereais, o seu
elevado preço de venda não garantia aos camponeses, assalariados agrícolas e artesãos mais pobres uma dieta alimentar normal,
e o espectro da fome pairava, então, sobre as ilhas. O consumo
do cereal guardado para semente era uma das últimas, mas mais
tenebrosas, soluções que se punham ao camponês nesta situação:
se utilizasse o grão estava em causa a colheita do ano seguinte, se
não o fizesse assistiria à chegada da fome a sua casa.
No meio de toda esta situação achavam-se governadores civis
e autoridades locais, como os administradores dos concelhos,
que tentavam agir sem quebrar os equilíbrios de interesses dos
vários actores, autorizando ou proibindo as exportações de
acordo com as circunstâncias e sem quaisquer medidas regulamentadoras que pudessem dar mais peso a um grupo em
detrimento de outro (JOÃO 1991: 46-47).
Já nos primeiros meses de 1812, alguns membros da vereação
das Velas fazem uma proposta para importar trigo da cidade
de Angra, a fim de satisfazer a extrema penúria de cereais em
que vivia a população do concelho dada a fraquíssima colheita
do ano anterior. Na Calheta o problema também foi discutido
em sessão da câmara, não se tendo, no entanto, recorrido à
importação, mas tão somente à proibição de exportar trigo
(CUNHA 1981: II vol, 772; AVELAR 1902: 441-442; SOUSA
1897: 182-186).
Em Abril de 1829 chegava ao município das Velas um ofício da
Câmara do Topo pedindo ajuda no combater à fome e à falta de
[187]
relacionamento ideais entre os vários grupos sociais. Tal como
refere James C. Scott (1976), uma “ética de subsistência” orientava o trabalho e a gestão da produção das comunidades
camponesas, procurando arredar os seus membros de situações
de fome e de carência. Um igualitarismo conservador defendia
ao nível da comunidade que todos os seus membros tinham
direito a sobreviver através dos recursos existentes localmente,
mas não que todos devessem ser iguais. Mais do que um simples
comportamento conservador, o tradicionalismo e uma certa
resistência à mudança constituíam uma posição defensiva, onde
se pretendia a todo o custo garantir a sobrevivência da casa
camponesa, ou seja do conjunto família e exploração. Nesta
atitude era mais importante manter a certeza de uma produção
constante do que aumentar o rendimento das suas colheitas
sem garantia de continuidade. A reciprocidade, o direito à subsistência e a maior segurança possível na gestão da reprodução
do grupo doméstico marcavam uma boa parte das relações
mantidas com o exterior, com a comunidade de vizinhos e com
os poderes externos controlados pelos notáveis locais. As
revoltas, os conflitos e as formas de resistência só podem ser
compreendidas à luz de um tal sistema de valores, que está
irremediavelmente ligado às condições de subsistência da casa
(SCOTT 1976).
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cereais que afectavam o seu concelho. Em 1846-1847 dá-se
uma nova e gravíssima crise de subsistências nos três concelhos,
então existentes. A penúria não era só de cereais mas também
de batatas, o principal pão dos pobres, que na colheita de 1846
sofreu o ataque de uma impiedosa doença. Na sessão da
Câmara das Velas de 16 de Setembro de 1846 seria proibida a
exportação de milho e batata por serem de absoluta
necessidade para o consumo local. A penúria atingia tais extremos que algumas famílias eram mesmo obrigadas a sustentar-se
de farinhas feitas à base de raiz de jarros e de fetos, sendo
também notório expor-se à venda pública pão com mistura de
soca de jarro. Nestas alturas toda uma gama de plantas (a junça,
o milho miúdo, a cevada, o centeio, o tremoço, as raízes de
fetos e de jarros, mesmo o sabugo do milho) eram reduzidas a
farinha e misturadas para compor um pão adulterado e impróprio, mas o mais próximo possível do pão comum. O fabrico
deste pão negro era aliás uma prática corrente em todo o arquipélago nos períodos de carência, como podemos ver, por
exemplo, nas descrições feitas por Raul Brandão, aquando da
sua visita ao Corvo (BRANDÃO 1926: 56-57).
Nesse mesmo ano de 1846, as câmaras pedem autorização ao
Governo Civil de Angra para se importar milho e dada ainda a sua
escassez faz-se o mesmo pedido ao Governo Civil de Ponta Delgada. Nestas duas ilhas a exportação de cereais era normalmente
livre, sendo portanto o recurso mais utilizado pelas ilhas de
menor dimensão em anos de penúria. As obras públicas eram
outro dos expedientes activados como forma de atenuar estas
crises. Assim, o município da Calheta pediria ao Governo Civil,
em 15 de Maio de 1847, para oficiar algumas juntas de paróquia
para serem feitas obras na matriz e noutras igrejas que delas
estavam muito carenciadas a fim de absorver alguma mão-de-obra local. A câmara adianta que fazia “estas requisições para
que o povo possa ganhar com que compre pão para matar a
fome que o devora, visto que todas as obras particulares
pararam” (CUNHA 1981: 873, 875-880, AVELAR 1902: 442-443). Nas Velas, os ex-capitães de milícias e vereadores José
Pereira da Cunha4 e Jerónimo José de Lacerda Cabral5 davam
dinheiro à câmara a fim de se comprar milho fora da ilha para o
abastecimento público. O primeiro deles praticaria actos “para
matar a fome a alguns pobres e infelizes que muito honram e
perpetuam a sua memória” (AVELAR 1902: 443).
1857, 1858 e 1859 seriam novamente anos de grande privação
nas ilhas de São Jorge, Pico e Faial. O fantasma da fome
reapareceria e durante três longos anos assombraria o
quotidiano dos mais pobres. Esta crise pode ser considerada
uma das mais graves que ocorreu no século XIX. Um
fortíssimo vendaval despedaçou, no final de Agosto de 1857, os
milheirais e destruiu completamente tudo quanto estava para
acolheitar. Em Agosto de 1857, nas Velas, era logo proibida a
exportação de milho, trigo e batata, “por estar o povo do
concelho reduzido à extrema miséria”. Em Fevereiro de 1858
a fome instalava-se na ilha e nas vizinhas Pico e Faial. Uma das
suas consequências mais importantes seria a emigração em
grande escala para o Brasil e para os Estados Unidos de uma
massa desesperada de trabalhadores rurais e camponeses
destas três ilhas, empobrecidos devido ao desastre das
colheitas e ao mau estado geral da agricultura, recentemente
afectada por doenças que haviam atacado os laranjais e os
vinhedos, fazendo a sua produção quase desaparecer. Mau
grado a tentativa por parte dos governos civis de reactivar as
obras públicas como forma de absorver a mão-de-obra local e
amortizar as consequências da escassez de alimentos
(MACEDO 1871: vol. II, 241-242, 260, 264-265, 571-573), a
emigração manteve-se elevada. Em Julho de 1857, em sessão
da Câmara das Velas, a vereação queixava-se da “falta de
braços de que muito se ressente a agricultura, e muito
concorre para que o concelho não prospere, devida à
espantosa emigração para os EUA e o Brasil, a que o povo se
submete por causa da crise alimentícia porque tem passado”
(AMV, Actas das Vereações das Velas, Maço 8, 1857).
4 Grande proprietário da ilha, pai dos três irmãos e bacharéis José Pereira
da Cunha da Silveira e Sousa, João Pereira da Cunha Pacheco e António
Pereira da Cunha e Silveira.
5 Proprietário relativamente abastado, mas de segunda linha em termos de
riqueza. Figura frequente nas pautas da vereação, tendo sido
administrador do concelho em 1839. Era casado com uma irmã do
comendador José Acácio da Silveira e do capitão António Silveira d’Avila,
aliados políticos e primos co-irmãos dos drs. António e Joaquim José
Pereira da Silveira e Sousa, chefes regeneradores até 1870. O seu filho
José Mariano de Lacerda Cabral, em 1871, contador e distribuidor no
julgado das Velas, continuará ligado à política local, assim como um seu
neto será presidente da câmara durante a I República.
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PRODUÇÃO
E CONSUMO DE CEREAIS
NA ILHA DE SÃO JORGE
DURANTE A SEGUNDA
Em Fevereiro de 1858, a Câmara das Velas comprava
novamente cereais em São Miguel com capitais seus. E em Abril
oficiava às três capitais de distrito pedindo a importação de 200
moios de milho para acudir à fome. Em 30 de Março de 1859
deliberava a importação de mais 400 moios de milho e 100 de
trigo. Mas a fome era tanta que “o povo apinhado no pátio em
frente ao edifício e praça municipal implorava com lágrimas pão
para a família. E para chegar a todos, cada chefe de família
recebia pela grade do granel uma pequena porção de milho”.
“O provedor da misericórdia, João Soares de Albergaria,
repartiria com os pobres o trigo do granel da Santa Casa, dona
de muitos foros, e esmolava outros com dinheiro para lhes
mitigar a fome” (CUNHA 1981: 891-897 e AVELAR 1902: 444-447). A descrição do Açoriano Oriental de 16 de Abril de 1859
deixa-nos um claro retrato da situação porque passava a
maioria da população de São Jorge: “o povo, cujo sustento não
passa de raiz de feto, jarroca, alhos bravos, couves e outras
ervas agrestes e impróprias para o sustento humano, anda
como pasmado, cadavérico e já como moribundo, sem força
para o trabalho, confessando mesmo que morre à força de
penúria e miséria. Além disso desenvolveu-se uma ladroeira tal,
que não pára nada nos campos, e até mesmo nas casas são
tantos os ratoneiros que apenas se vira a cara a qualquer
objecto, máxima que se possa comer, logo desaparece! Até se
introduzem nas casas, furtando das cozinhas a comida das
panelas que estão ao lume, pão dos fornos, dos tabuleiros, de
cima das mesas, de toda a parte de onde lhes podem chegar.
Nem ao menos se pode mandar o jantar para o campo aos
trabalhadores, pois têm chegado a roubar de salto e com
violência a quem o leva”. Em São Miguel, ilha menos afectada,
abrir-se-ia uma subscrição pública para recolher donativos de
toda a espécie destinados às populações do Pico e São Jorge.
Na Horta a família de negociantes norte-americanos Dabney
abriria outra subscrição e faria vir milho importado dos EUA.
Nesse mesmo ano negro, o morgado Miguel Teixeira Soares de
Sousa, um dos maiores proprietários locais, mais tarde chefe do
partido regenerador na ilha, carregaria na Terceira um navio
com 70 moios de milho e 42 de trigo. Os cereais seriam
vendidos ao povo, tendo resultado daqui um saldo líquido de
129$920 réis que foi depois oferecido pelo morgado para ser
usado em obras públicas da câmara, lavrando esta em acta a
seguinte menção de louvor: “tomando na mais subida consideração os importantes serviços prestados por este cavalheiro a
favor destes povos a quem salvou dos horrores da fome
deliberou que se lhe votasse eterna gratidão” (AVELAR 1902:
446). Nestas virtuosas demonstrações de desinteresse e amor
pela comunidade pode perceber-se, claramente, um modo
particular de gestão do estatuto simbólico, uma actuação
paternalista que enquadrava as populações rurais que votavam
depois massivamente em quem lhes desse contrapartidas pela
sua fidelidade política. Mas, com isto não queremos dizer que
existisse uma intencionalidade e um cinismo estreito por parte
dos principais influentes locais. Pelo contrário, estas acções só
resultavam e eram eficazes porque faziam parte de um comportamento esperado que tinha que se manifestar desinteressado e
desprendido. A rede de leitura da realidade social, moldada por
várias formas de dominação e pela ética cristã, dizia aos povos
que o papel dos ricos, nestas ocasiões, era o de ajudarem os
pobres. Papel que estes desempenhavam com mestria, até
porque daqui também dependia a sua identificação enquanto
membros de um dado grupo social privilegiado, detentor não só
do poder de mediar com o exterior, de concentrar e de se
apropriar de bens – sobre a forma de rendas, terras ou serviços
–, mas igualmente dono e senhor das possibilidades de distribuir
e de proteger.
Estes tipos de enquadramento dos conflitos eram complexos e
nunca tinham um só sentido. Os dominados também possuíam
as suas formas de manifestar o descontentamento. E estão não
se ficavam apenas por motins, levantamentos ou assuadas às
autoridades civis e eclesiásticas. Os conflitos podiam parecer
estar adormecidos, mas se olharmos bem, por debaixo da capa
de uma grande placidez, estavam, por vezes, formas de resistência passiva bastante comuns. Estas explodiam em número
nas ocasiões de crise. Basta, por exemplo, pensar na recusa em
pagar rendas e foros, na destruição de muros e vedações, na
matança de animais, na destruição de culturas, sementeiras,
alfaias agrícolas, nos pequenos furtos, ou mesmo em actos de
intimidação entre indivíduos e famílias. Este vandalismo e
pequena criminalidade podiam até ser admitidos pelas comunidades locais em circunstâncias especiais, desde que nunca
[189]
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ultrapassassem um limite de exposição pública demasiado evidente e desde não pusessem em causa a reprodução económica e as hierarquias estabelecidas.
[190]
Em Março de 1877 manifestava-se uma grande escassez de
milho. Novamente, seriam oficiados os Governadores Civis dos
três distritos, pedindo-se a livre importação de trigo para São
Jorge. A crise afectaria de tal modo a propriedade que, em
representação feita ao governo em 22 de Agosto de 1877, a
Câmara das Velas pediria a diminuição em 50% das contribuições directas no concelho, “porque a escassez de cereais
obrigou à importação de 275:192 litros de cereal e os rigores
do Inverno anterior fizeram perecer igualmente 332 cabeças de
gado”, que era quase todo composto de vacas leiteiras. Em
Setembro do mesmo ano a crise continuava e agora a mesma
câmara pedia a isenção de direitos para a importação de milho,
tanto nacional como estrangeiro, “porque sendo escassíssimas
as colheitas deste cereal no ano anterior e no corrente e
achando-se estes povos quase exaustos de numerário para
acudirem às suas necessidades, por certo perigarão as
subsistências públicas” (AMV, Registo das Representações ao
Governo de Sua Majestade, 1870-1902). Os membros da elite
local tradicional, como José Pereira da Cunha da Silveira,
residente a essa data em Lisboa, e alguns grandes comerciantes
como José Acácio de Bettencourt, da Calheta, importariam
milho por sua conta e risco, perdendo com essa manobra
algum dinheiro. No primeiro caso, o milho ia mesmo com
ordem para ser vendido por um preço menor do que qualquer
outro no mercado, prestando-se o conselheiro Cunha da
Silveira a fornecê-lo com capital seu (AVELAR 1902: 448).
Estas crises não terminariam já. Em Agosto de 1893 um ciclone
destruía os milheirais de São Jorge e das ilhas em redor. O
governador civil de Angra, José Pimentel Homem de
Noronha6, importaria todo o cereal necessário para garantir as
subsistências, em tal quantidade e preço razoável que os povos
não tiveram que passar pelos horrores da fome. Apesar disso
temos notícia de um pequeno motim nas Velas aquando do
desembarque de cereais (AVELAR 1902: 449). Neste município, mais uma vez, a câmara, em representações ao governo,
pediria a redução da contribuição predial e a isenção de direitos
para o milho estrangeiro importado. Contudo, estes eram pedidos quase impossíveis de alcançar, dado colidirem com as leis
gerais que se aplicavam a todo o país (AMV, Registo das Representações ao Governo de Sua Majestade 1870-1902, fls. 62-63).
Eis-nos, portanto, chegados ao fim do século XIX sem que
tivesse sido encontrada uma forma de debelar este problema
cíclico. Muito provavelmente, seria impossível resolvê-lo sem o
recurso à importação, dadas as características físicas e
climáticas da ilha, acentuadas pela desigual repartição da propriedade. Contudo, estas são conclusões a carecer de estudos
mais completos. Só na viragem do século as quantidades de
cereais se começaram a equilibrar e a conseguir alimentar,
mesmo em anos de crise, toda a população da ilha, pondo-a a
salvo das recorrentes más colheitas. Para isso terá contribuído
a livre importação de cereais, a maior mobilidade do mercado
da terra, a melhoria das condições gerais de vida provocadas
pela emigração para os EUA, assim como a diminuição do
efectivo total da população. Num outro nível, o mercado
nacional e regional estava também mais integrado, a indústria
açoriana das moagens nascia nas ilhas principais, e as redes de
transporte aperfeiçoavam-se e tornavam-se mais densas.
6 Bacharel formado em Direito e Teologia por Coimbra esteve ligado ao
partido Regenerador, do qual se veio a separar. Governador Civil do
distrito de Angra de 1893 a 1895, deputado pelo partido Progressista às
cortes em 1897-1900 e na legislatura de 1901. Casado com uma filha de
Francisco de Paula Barcelos Machado Bettencourt, grande proprietário
terceirense, e um dos principais chefes dos realistas no distrito e, mais
tarde, cacique progressista nas últimas décadas do século XIX. José
Pimentel Homem de Noronha foi ainda presidente da câmara da cidade
de Angra. Era natural do Topo, e filho de João Inácio de Bettencourt
Noronha, proprietário, administrador de um pequeno vínculo extinto
pela legislação de 1832. Apesar do seu pai ser um dos homens mais
abastados do Topo e fazer parte do grupo dos 40 maiores contribuintes
prediais do concelho da Calheta em 1879, a sua relativamente fraca
contribuição predial (19$600 reis) integrá-lo-ia, ao nível da ilha, no grupo
dos proprietários ricos das freguesias. Longe, de qualquer modo, do nível
de fortuna de Tiago Homem de Noronha, seu parente e principal
morgado local que pagava, na mesma data, 46$540 reis de contribuição.
Este facto deixava-o em termos de riqueza quase no fim da tabela do
grupo dos grandes morgados e proprietários da ilha.
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PRODUÇÃO
E CONSUMO DE CEREAIS
NA ILHA DE SÃO JORGE
DURANTE A SEGUNDA
METADE DO SÉCULO XIX
6. CONCLUSÃO
Contudo, o fim do proteccionismo cerealífero que teve em
Portugal, durante toda a segunda metade do século XIX, momentos de avanço e de recuo, condenou definitivamente os
cereais açorianos7. Quer o milho, quer o trigo, produzidos
para serem colocados no exterior, não conseguiam compradores e lutavam ainda com dificuldades acrescidas nos preços e
na obtenção de mão-de-obra. Os cereais começariam, a partir
de finais da década de 1880, a constituir uma cultura dirigida
principalmente para assegurar as necessidades da população local. E aqui vencia definitivamente o cereal que oferecia melhor
produtividade e melhor adequação às condições biofísicas do
território, ou seja o milho.
[191]
As searas e os milheirais foram sempre um elemento essencial
da paisagem agrícola. Juntamente com as vinhas, os matos e
quintas de laranja na costa sul, os pastos em altitude logo após
a arriba na costa norte, marcariam o território de São Jorge.
Durante os anos em que a população se manteve elevada,
como nos finais da década de 1870, quando a ilha atingiu um
pico demográfico de cerca de 18.000 habitantes, o espaço
cultivado atingiria um ponto culminante, assistindo-se a uma
presença constante destas culturas e a uma regressão das zonas
de matos, que é bem visível no denunciado começo de alguma
escassez de lenhas (SOUSA 1897: 80).
7 Seria interessante aprofundar esta questão. Mas não existem trabalhos
que nos permitam avaliar como é que se reflectiram as diferentes
alterações legislativas por que passou a questão do proteccionismo
cerealífero num distrito como o de Angra, tão dependente desta
exportação para os mercados continentais. Para alguns dados sobre a
questão veja-se JOÃO 1991: 119-123 e ENES 1994.
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Maria Guiomar Lima
A DIFÍCIL NOMEAÇÃO
DO CARDEAL
COSTA NUNES
As relações diplomáticas entre Portugal e o Vaticano estiveram
à beira de uma crise em Janeiro de 1953. A Santa Sé escolheu
para cardeal o arcebispo de Bombaim, monsenhor Valerian
Gracias, preterindo D. José da Costa Nunes, arcebispo de Goa
e Patriarca das Índias Orientais, que há vários anos esperava
receber a púrpura cardinalícia. O embaixador José Nosolini foi
chamado a Lisboa para consultas, mais tarde Oliveira Salazar
enviou uma nota de protesto ao Papado com condições para se
normalizarem as relações. Documentação que consultámos
nos arquivos portugueses mostra que Costa Nunes trocou
detalhada correspondência com o Presidente do Conselho e os
ministros das Colónias e Negócios Estrangeiros, a fim de
preparar a sua nomeação para a Cúria Romana. Por outro lado,
as consultas que efectuámos a jornais goeses demonstram que
o arcebispo organizou impressionantes manifestações religiosas
em Goa na altura mais crítica das negociações entre o governo
de Lisboa, o Vaticano e o governo da União Indiana sobre o
Padroado Português do Oriente, e quando esperava que lhe
fosse atribuído o barrete cardinalício. Contudo, a sua elevação
ao cardinalato demorou vários anos. A Santa Sé tinha outra
estratégia para a Ásia e o sub-continente indiano, preferia
nomear prelados naturais destes territórios.
D. José da Costa Nunes na galeria de
retratos da diocese de Macau.
[193]
INTRODUÇÃO
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PÚRPURA PARA COSTA NUNES
Nos anos que se seguiram à II Guerra Mundial o Governo
português desenvolveu grandes esforços para Costa Nunes ser
nomeado cardeal1. Um assunto a que foi dada a máxima prioridade. Em Setembro de 1945, numa carta enviada ao Papa, a dar
conta de ajuda prestada em Lisboa a refugiados de guerra, Oliveira
Salazar fez o pedido de forma inequívoca: “Eu atrevo-me a
chamar a atenção de V. Santidade para o esforço de recristianização feito pela Nação Portuguesa e a esperar que ele mereça de V. Santidade aplauso e estímulo. O maior estímulo seria a
escolha de um segundo cardeal nacional, com o que esta terra foi
secularmente honrada pela Igreja, tendo em conta o trabalho de
apostolização em África e no Oriente – de preferência neste –
pela repercurssão que teria no mundo asiático uma tão alta
dignidade concedida a um prelado português”2.
Recebendo a carta de elevação a
cardeal em Março de 1962
(in Textos do Cardeal Costa Nunes,
volume VII, Fundação de
Macau,1999, pág. 171).
O cardeal Costa Nunes em 1962
(ibidem, volume XVI, pág. 5).
Umas semanas mais tarde o embaixador no Vaticano informou
o governo que Costa Nunes ia visitar Roma e havia “a hipótese”
de em breve ser nomeado cardeal. Contudo, o arcebispo foi
mais cauteloso. Num telegrama enviado ao Ministério dos
Negócios Estrangeiros esclareceu que para a sua viagem não
ser interpretada como uma candidatura diria que ia tratar dos
direitos de jurisdição eclesiástica do Padroado Português do
Oriente sobre uma ilha existente no porto de Cochim e, no
caso de haver indícios de ser escolhido outro prelado, acrescentaria que tinha passado por Roma numa viagem “em
direcção a Lisboa”. Era mais airoso, ficava mais à vontade se não
mostrasse uma grande inclinação para o cargo.
Chegou a Roma em Outubro, foi recebido pelo Papa Pio XII, por
monsenhor Giovanni Montini, pró-secretário de Estado do Vaticano (e mais tarde Papa Paulo VI), e também por monsenhor
Domenico Tardini, que dirigia a Sacra Congregação para os Assuntos Eclesiásticos Extraordinários (Negócios Estrangeiros). As
1 Para mais dados biográficos do cardeal Costa Nunes consulte-se
Enciclopedia Açoriana em
(http://pg.azores.gov.pt/drac/cca/enciclopedia/index.aspx).
2 Arquivo Histórico-Diplomático, 2º Piso, armário 48, maço 194.
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A DIFÍCIL NOMEAÇÃO
CARDEAL
COSTA NUNES
DO
Porém, o governo português viu satisfeito o seu desejo de um
segundo cardeal nacional, o arcebispo de Lourenço Marques,
D. Teodósio Clemente Gouveia foi elevado a esse cargo. Costa
Nunes felicitou-o numa extensa carta, enquanto Oliveira Salazar não terá gostado da nomeação. Quando a embaixada de
Portugal no Vaticano pediu autorização para oferecer as vestes
cardinalícias a D. Teodósio, Salazar respondeu que o governo
não podia tomar sobre si os encargos financeiros provenientes
da aquisição de vestes episcopais nem da instalação de cardeais
na Cúria.Também levantou obstáculos ao pagamento da despesa de um banquete feito na embaixada, destinado aos bispos
que participaram no Consistório, só a autorizando “a título
excepcionalíssimo”, dado que se tratava da despedida do embaixador português. No entanto, o cardeal de Lourenço Marques foi muito bem recebido em Lisboa, multidões encheram a
gare de comboios, e foi celebrado um solene Te Deum de acção
de graças no Mosteiro dos Jerónimos a que assistiu o Presidente do Conselho3.
Nos anos seguintes a diplomacia portuguesa continuou a fazer
esforços para Costa Nunes receber a púrpura cardinalícia, o
embaixador Pedro Tovar de Lemos conversou amiudadas vezes
com monsenhor Domenico Tardini sobre o futuro do Patriarca
das Índias Orientais. A arquidiocese de Goa ia perder influência,
ficava com uma dimensão modesta, era necessário contrabalançar uma situação tão desagradável com medidas que
reforçassem o prestígio do Patriarca. O Vaticano reservou a sua
decisão durante muito tempo sem se comprometer. A certa
altura, monsenhor Giovanni Montini, com algum veneno, disse
ao embaixador que, de facto, há muitos anos não havia um
prelado português na Cúria Romana. O último, de que se recordava muito bem, fora o bispo de Beja, D. Sebastião Leite de
Vasconcelos, que o Papa acolheu e nomeou arcebispo depois
de ele ser expulso da sua diocese durante a I República.
NEGOCIAÇÕES SOBRE O PADROADO
Decorriam negociações entre Portugal e a Santa Sé sobre o
Padroado do Oriente. Pouco depois de a Índia se tornar independente, em Agosto de 1947, Nehru enviou uma nota ao Vaticano
para que fosse revisto o acordo com o governo português segundo o qual este era consultado antes da nomeação dos bispos de
Cochim e S. Tomé de Meliapor, e para que fossem alteradas as
fronteiras da diocese de Goa, que tinha jurisdição sobre um
extenso território da União Indiana. Nehru achava “verdadeiramente extraordinário” que a República Portuguesa tivesse autoridade sobre partes da Índia, incomodava-o a mistura de domínio
espiritual da Igreja Católica com a autoridade política de um país
estrangeiro, como acontecia no Padroado do Oriente.
Salazar não desejava que a soberania portuguesa em Goa, Damão
e Diu fosse beliscada por garantias dadas pelo Estado sobre outras
formas de presença portuguesa, nomeadamente no campo
religioso, no entanto as negociações foram lentas, minuciosas, a
posição portuguesa terá sido sempre no sentido de demorar o
mais possível. A certa altura Salazar enviou a Costa Nunes uma
carta na qual, curiosamente, concordou com o Pandita Nehru: era
inevitável que a autoridade eclesiástica nos territórios da Índia
passasse a ser exercida por indivíduos de nacionalidade indiana,
era compreensível que assim acontecesse, o premier indiano estava a pôr em prática o mesmo princípio que Portugal defendera
durante as negociações para a Concordata de 1940.
Não restam dúvidas que Oliveira Salazar esperava que Costa
Nunes se opusesse, mas pediu-lhe opinião e lisonjeou-o, escre-
3 Ibidem, maço 19.
[195]
audiências deram poucos frutos, em Fevereiro de 1946 foram
nomeados 32 cardeais, entre os quais se contou o primeiro príncipe da Igreja nascido na China, monsenhor Thomas Tien-Ken-Sin S.V.D. e o arcebispo de Sidney, monsenhor Norman Gilroy,
que mais tarde haveria de representar o Papa em muitas cerimónias realizadas no Oriente, mas o arcebispo Costa Nunes não
recebeu igual dignidade. Monsenhor Montini costumava dizer
que se acaso o Patriarca das Índias fosse nomeado cardeal seria
necessário nomear também um cardeal indiano. O nacionalismo
anticolonialista já tinha, nesta altura, um enorme peso na Índia.
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vendo que o considerava um informador precioso, que conhecia como ninguém a situação no Oriente.
[196]
O arcebispo respondeu que se acaso fossem alteradas as fronteiras da sua diocese pedia a resignação do seu cargo. “A minha
idade e os meus 46 anos de vida colonial aconselham a ceder a
outrem este posto. Só permanecerei no caso de o meu acto ser
interpretado como uma fuga”4. Costa Nunes informou o núncio
apostólico em Lisboa e o ministro das Colónias que tencionava
demitir-se. Estava cansado, não tinha forças para continuar a
governar a sua diocese nem desejava manter-se no cargo se não
pudesse cumprir as suas obrigações. Tinha viajado muito pelas
missões mais distantes (Canará, Belgão, Ratnagiri, Savantvadi),
durante essas visitas sofrera sempre de acessos de malária que
o tinham debilitado. Podiam dizer-lhe que a solução seria nomear um bispo-auxiliar mais novo, que visitasse as missões e o
coadjuvasse. Contudo, era preciso decidir se esse prelado seria
goês ou europeu. Os restantes bispos estrangeiros residentes na
Índia estavam a nomear auxiliares nativos, naturalmente por
indicação de Roma. Assim acontecia na diocese de Bombaim.
Costa Nunes sentia-se na obrigação de também dar “uma satisfação” ao clero de Goa, que era numeroso, culto, tinha uma
sólida formação e vivia “esquecido quanto a mitras”. Porém, não
desejava um bispo-auxiliar goês. Dada a sua avançada idade,
ficaria pouco tempo à frente da diocese de Goa e era quase
certo que, quando desaparecesse, haveria uma tentativa, “uma
representação”, para o bispo-auxiliar ser nomeado Patriarca das
Índias. Não queria que isso acontecesse. Preferia que fosse
escolhido um bispo europeu ainda novo e que este fosse
nomeado na data em que ele próprio resignasse do seu cargo, a
fim de evitar “agitações” no período de vacatura.
Costa Nunes informou o ministro que ia enviar à Santa Sé uma
lista tríplice de candidatos à sua sucessão com os nomes de
Manuel Trindade Salgueiro, vigário-geral do Patriarcado de Lisboa, Sebastião de Resende, bispo de Beira, José Vieira Alvernaz,
bispo de Cochim.
Porém, alertou o ministro que não convinha deslocar Alvernaz
do bispado de Cochim, seria muito difícil nomear outro prelado
português para esta diocese5.
Na sequência desta carta o ministro das Colónias quis ser informado “com exactidão e actualidade acerca do valor político e
religioso do Padroado Português do Oriente” pelo que, meses
mais tarde, Costa Nunes enviou a Lisboa relatórios sobre as três
dioceses do Padroado: Goa e Damão, S. Tomé de Meliapor,
Cochim. Este último relatório, escrito pelo bispo D. José Vieira
Alvernaz, é muito curioso. O número de portugueses na missão
de Cochim estava reduzido ao prelado e ao seu secretário mais
um sacerdote da Companhia de Jesus, idoso e inutilizado, que já
não celebrava missa. Havia um sacerdote goês que estava doente,
outro que tinha pedido a aposentação depois de 40 anos de
trabalho, os restantes eram indianos. Acentuavam-se as dificuldades “provenientes do espírito nacionalista”, anteriormente os
europeus eram bem atendidos, mas essa situação tinha desaparecido. Quando era preciso tratar de qualquer assunto com
agentes do governo, o bispo enviava um padre natural da diocese, este era tratado com mais deferência que um estrangeiro. A
língua inglesa passara para segundo plano, toda a correspondência
estava a ser feita em língua nativa. Não havia ensino de língua
portuguesa. Era tempo de partir e de ser substituído. Alvernaz
não se preocupava com o seu futuro. Escreveu: “Por mim, era
professor do seminário antes de para cá vir e com muito prazer
continuarei a exercer o magistério num dos seminários das missões ou em qualquer outro, sem mais encargos para o governo”6.
A VIRGEM PEREGRINA
Em Julho de 1949, Nehru anunciou que devido à demora nas
negociações entre Portugal e a Santa Sé deixava de reconhecer
as disposições do Padroado. Salazar respondeu que Portugal
não negociava sob coacção e abandonava as conversações.
Seguiram-se uns meses de impasse7. No final do ano as nego-
4 Arquivo de Oliveira Salazar (Torre do Tombo), Colónias/Ultramar,
pasta 10C.
5 Arquivo Histórico-Diplomático, 2º Piso, armário 50, maço 38.
6 Ibidem.
7 Para uma visão global destas negociações consulte-se Bruno Cardoso
Reis, Salazar e o Vaticano, Lisboa, ed. ICS, 2006, capítulo IV.
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ciações recomeçaram, por iniciativa do Vaticano, e foi essa a
altura escolhida pelo arcebispo Costa Nunes para mostrar que
a Sé de Goa era o maior centro de fé católica em todo o
Oriente. A Virgem Peregrina foi recebida em Novembro com
cerimónias grandiosas, largamente noticiadas. Viveram-se “as
mais apoteóticas horas de toda a história de Goa”, segundo uma
publicação da igreja8.
Debaixo do Arco dos Vice-Reis foi pedido à Virgem que abençoasse Goa e protegesse “esta Índia que é portuguesa no coração dos seus filhos, esta terra regada com o sangue de heróis e
mártires.” O governador-geral ofereceu à Senhora um valioso
terço de pérolas finas depositado num artístico cofre de sândalo.
Costa Nunes escreveu: “Jamais a Velha Cidade, habituada a
receber, no período áureo das conquistas, os seus heróis, com
um desusado esplendor, jamais presenciara pompas tão solenes
e impressionantes, como na hora em que Nossa Senhora de Fátima desembarcou junto ao Arco dos Vice-Reis (...) Aquela
atmosfera rubra de entusiasmo, aquele cenário maravilhoso,
aquelas saudações sem fim, aquelas lágrimas tão sentidas, aquele
ambiente saturado de sobernatural, tudo isso deixou nos corações um perfume que ainda hoje perdura”9.
A imagem esteve em Goa mais de uma semana, percorreu as
igrejas das Velhas Conquistas, onde os católicos eram muito numerosos entre manifestações de devoção e júbilo. No final da
peregrinação o bispo de Cochim, D. José Vieira Alvernaz, declarou que nada, nos tempos modernos, se podia comparar com o
entusiasmo a que tinha assistido, comoveu-se, desejou que o
exemplo da fé de Goa chegasse “a todos os católicos da Índia”.
O bispo de Meliapor D. Manuel de Medeiros Guerreiro elogiou
o sacrifício das autoridades e dos mais humildes filhos do povo.
O arcebispo Costa Nunes em finais da década de
1940, com os bispos de Cochim, Díli e Meliapor,
respectivamente D. José Vieira Alvernaz, D. Jaime
Garcia Goulart e D. Manuel de Medeiros Guerreiro.
Na segunda fila monsenhor Machado Lourenço à
esquerda e o padre José Maria das Neves à direita.
O bispo de Poona, monsenhor André Alexandre d’ Souza
louvou a homenagem tributada à Virgem, certamente seria uma
fonte de bençãos para o futuro. O arcebispo Costa Nunes
escolheu uma metáfora para manifestar o seu entusiasmo: “O
sol afugentou as sombras e vai iluminando vastas regiões do
Oriente”10.
8 Avante, órgão da Acção Católica de Goa, Volume VI, 1950, nºs 1 e 2,
Janeiro/Fevereiro de 1950, pág. 25.
9 Diário de Notícias, 12 de Outubro de 1951.
10 Avante, ibidem, págs. 38 e 39.
[197]
A imagem chegou à barra do rio Mandovi ao nascer do sol, em
cima de um cisne branco – um barco que fora enfeitado com
penas de forma a parecer um grande cisne – subiu o rio num
imenso cortejo fluvial até à Velha Cidade, acompanhada de
salvas de artilharia, repicar de sinos, foguetes. Peregrinos das
Ilhas de Goa e de Bardez acumulavam-se aos milhares no cais
e nas margens do rio, seguindo em cortejo para a Sé, “a
primeira catedral do Oriente”, como acentuou Costa Nunes.
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O FIM DO PADROADO NA ÍNDIA
[198]
Esta demonstração de fé católica em Goa não teve, no entanto,
as consequências que Costa Nunes desejaria. O Vaticano aplaudiu comedidamente, atribuiu à igreja do Bom Jesus, onde se
encontra o túmulo de S. Francisco Xavier, o título de “Basílica
Menor da Cristandade” e continuou a negociar o acordo que iria
pôr fim aos privilégios do Estado português em dioceses
indianas. Foi assinado em Julho de 1950 e publicado no jornal
oficial do Vaticano a 1 de Agosto. Assinaram monsenhor Domenico Tardini, secretário da Sacra Congregação para os Negócios
Eclesiásticos Extraordinários e o embaixador Pedro Tovar de
Lemos, conde de Tovar. O governo português considerou a
Santa Sé desligada do compromisso de consultar o Presidente
da República e nomear bispos portugueses para Cochim e S.
Tomé de Meliapor. O governo português ficou desobrigado de
prover à dotação destas duas dioceses e comprometeu-se a
considerar “na devida oportunidade” uma nova delimitação das
fronteiras da arquidiocese de Goa e Damão11.
Esta estendia-se numa área da União Indiana com mais de 38
mil quilómetros onde viviam dezenas de milhar de católicos e
três milhões de não-católicos. Nesse território havia 29 paróquias católicas, 64 postos missionários, 41 escolas paroquiais.
Costa Nunes não desejava que a sua diocese fosse dividida,
como já referimos, mas não deu uma única indicação pública do
seu desagrado. Em Janeiro de 1950 participou no primeiro
concílio plenário dos bispos da Índia, em Bengalore, que foi
presidido pelo cardeal australiano Norman Gilroy, enviado especial do Papa. Anos mais tarde Alvernaz escreveu que Costa
Nunes podia ter deixado de assistir, dado que foi “esquecida”
uma cláusula da Concordata que lhe dava o direito de presidir
a essa assembleia mas, como filho obediente da Igreja, não se
tinha escusado12. Na verdade, Costa Nunes conseguiu que
fosse aprovado um documento no qual os bispos indianos manifestaram “profunda gratidão à Nação Portuguesa” por terem
sido enviados missionários durante séculos para a Índia, ajudando a formar o clero local, um documento que reconheceu,
sem dúvidas, a importância histórica do Padroado.
modificou o ambiente, não direi hostil mas frio, que sem dúvida
existia”. Acrescentou que tinha convidado o cardeal Gilroy a
conhecer Goa, a visitar o túmulo de S. Francisco Xavier, para o
que tinha prometido abrir, “privadamente”, o caixão que
encerra o corpo do Apóstolo do Oriente13.
A resposta de Salazar foi bastante ambígua: apreciava a visita
do cardeal Gilroy, honrosa e útil para a boa compreensão do
papel de Portugal missionário e também o longo artigo publicado no jornal oficial do Vaticano sobre o Patriarcado das Índias
Orientais, mas sem dúvida cabia ao Patriarca avaliar se a sua
presença entre os bispos indianos prestigiava a Sé de Goa. E
mandou a Costa Nunes as cópias dos documentos relativos às
negociações com a Santa Sé para a redilimitação de fronteiras
da diocese de Goa.
O arcebispo de Goa estava decidido a afastar-se do seu cargo,
numa carta ao cardeal Cerejeira escreveu: “Se eu fosse mais
novo pediria a transferência. Velho, só me resta esconder-me
em qualquer recanto do Mundo e preparar-me para a Grande
Viagem (...) Vivi o Padroado durante toda a minha vida sacerdotal e episcopal. Apaixonei-me por ele. Estudei-o. Defendi-o
com a pena e com a palavra. Vi com os meus olhos, por estas
vastíssimas regiões orientais, os traços inapagáveis da sua operosidade missionária. Senti a sua grandeza. Orgulhei-me de estar
ao seu serviço. É por isso que não desejo continuar em Goa.”
O texto original desta carta está no Arquivo de Oliveira Salazar,
o que demonstra que Cerejeira a deu a conhecer ao Presidente
do Conselho. Este esperava que a Santa Sé desse “uma prova
excepcional de estima” para com Costa Nunes, nomeando-o
para um cargo de prestígio. Num documento com 13 páginas
manuscritas, Oliveira Salazar escreveu: “O Patriarca, pelo seu
passado, a sua inteligência, serviços e amor ao Padroado –
Igreja e Pátria – tem o direito de não o abandonarmos (...)
11 Arquivo Histórico-Diplomático, 2º Piso, armário 50, maços 53 e 54.
12 In memoriam de D. José da Costa Nunes no centenário do seu nascimento,
org. de J. Machado Lourenço, A.O., Braga, 1980, págs. 86 e 87.
No final do concílio Costa Nunes escreveu a Salazar a relatar a
reunião e a justificar a sua presença: “Creio que a minha vinda
13 Arquivo de Oliveira Salazar (Torre do Tombo), Colónias/ Negócios
Estrangeiros, pasta 2G.
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Fazer a amputação de Goa, sendo arcebispo o actual Patriarca,
é um acto em que não podemos colaborar e não
colaboraremos (...) O Governo não quer criar condições
inúteis à Santa Sé e dará o seu acordo à redilimitação da
diocese. Fá-lo violentado pelas circunstâncias, mas não antes
das comemorações (dos 400 anos da morte) de S. Francisco
Xavier. O governo deseja que o Patriarca das Índias esteja à
frente dessas comemorações. Depois disso examinará a
questão (da redilimitação de fronteiras da arquidiocese de Goa)
no estado em que a Santa Sé a tiver. Sabemos muito bem que,
se Roma quiser, ordena ao Arcebispo que resigne, vendo-se
assim liberta das dificuldades postas por nós. Vemos com
clareza esse fraco da nossa posição; mas será então a Igreja a
sacrificar o Prelado e não o governo português”14.
[199]
Sem dúvida o embaixador de Portugal no Vaticano foi informado das linhas gerais deste documento e transmitiu-as à secretaria de Estado do Vaticano. O documento contém “recados”
que não tinham outro destinatário.
UM BISPO-COADJUTOR PARA GOA
No Verão de 1950, Costa Nunes indicou o nome de D. José
Vieira Alvernaz ao Vaticano e ao governo português para seu
coadjutor, com direito de sucessão, na arquidiocese de Goa e
Damão. Na carta enviada ao ministro das Colónias, justificou a
partida de Alvernaz do bispado de Cochim dizendo que, por
um lado, este não podia manter-se na Índia devido à falta de recursos financeiros, além disso a diocese ia ser mutilada, absorvida pelas dioceses vizinhas, tornando-se minúscula, insignificante, sem haver razões que justificassem a presença de um
bispo português.Também elogiou Alvernaz – “um prelado de
excepcionais qualidades, aquele que reúne, entre todos os
meus sufragâneos, as melhores capacidades para me suceder
neste cargo” – e deu a entender que não indicava o bispo de
Meliapor porque este desejava permanecer na sua diocese, ao
serviço da Congregação da Propaganda Fide, a “bete noir” do
Padroado Português no Oriente. Uma acusação sem consistência pois de facto não foi isso o que sucedeu, o bispo Medeiros
Guerreiro foi transferido para a diocese de Nampula, no norte
de Moçambique, mantendo-se na igreja portuguesa.
D. José da Costa Nunes com clero de Goa no Paço
Patriarcal de Goa, cerca de 1953.
O cardeal Costa Nunes com o governador de Macau,
general Lopes dos Santos, em 1964, durante as
comemorações do IV Centenário da Companhia de
Jesus em Macau.
Nesse Verão Alvernaz esteve em Portugal numa visita de saudade que foi noticiada pelos jornais A União, de Angra do Heroísmo, a 20 de Julho, e também pelo jornal O Dever, das Lajes do
Pico. Viajou na companhia do irmão mais novo, padre Manuel
14 Ibidem, pasta 21.
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Alvernaz e do padre José Maria das Neves, de Santo Amaro.
Esteve vários dias na ilha do Pico em casa de amigos, celebrou
missa na ermida de S. Pedro, na Baixa, Ribeirinha, e na igreja de
Nossa Senhora da Piedade, onde fora baptizado, participou na
festa do Senhor Bom Jesus onde celebrou missa na companhia
do padre José Idalmiro, seu antigo aluno no Seminário de Angra,
e na benção da capela de Nossa Senhora de Fátima mandada
construir nas Pedras Negras por uma senhora luso-americana.
Foi convidado a presidir às festas inaugurais desta capela que se
realizavam mais tarde mas segundo noticiou o jornal O Dever
não podia demorar-se na ilha do Pico – de onde partiu, com
destino a Lisboa, na madrugada de 7 de Agosto15.
[200]
Tudo indica que estava entristecido por deixar a diocese de
Cochim e não tinha a certeza de ser nomeado coadjutor do
arcebispo de Goa, pelo que preferia evitar perguntas acerca do
seu futuro. É provável que se tenha encontrado com o núncio
apostólico em Lisboa para saber notícias da sua designação
como coadjutor de Costa Nunes, mas não encontrámos documentos a confirmar esse encontro. A 2 de Agosto houve uma
remodelação governamental que atingiu os ministérios dos
Negócios Estrangeiros e das Colónias, por onde passavam os
complicados processos de nomeação dos bispos coloniais. Paulo
Cunha tomou o lugar de Caeiro de Mata nos Negócios Estrangeiros e o comandante Manuel Maria Sarmento Rodrigues
subsitiuiu Teófilo Duarte nas Colónias16. Nos arquivos que consultámos não existem documentos que indiquem ter Alvernaz
pedido audiências aos novos ministros.
No entanto, a 13 de Novembro o núncio apostólico em
Portugal informou o ministro Paulo Cunha que a Santa Sé tinha
escolhido D. José Vieira Alvernaz para coadjutor com jure
sucessionis de D. José da Costa Nunes. A nomeação foi publicada no jornal oficial em finais de Março. Entretanto, o secretário de Alvernaz, padre José Maria das Neves tentou obter a sua
aposentação mas em vez disso foi transferido para a arquidiocese de Lourenço Marques17. Alvernaz deixou a diocese de
Cochim a 3 de Fevereiro de 195118. Tomou posse canónica em
Goa a 8 de Abril de 1951, no Domingo do Bom Pastor. Costa
Nunes viajou para a Metrópole a fim de participar no encerramento do Ano Santo.
OS CENTENARIOS DE S. FRANCISCO
Regressou a Goa em Janeiro de 1952 para preparar as comemorações dos 400 anos da morte de S. Francisco Xavier e
demonstrar, uma vez mais, que a arquidiocese de Goa e Damão
era o maior centro católico do Oriente. Na carta pastoral em
que anunciou a exposição do corpo do Apóstolo das Índias,
Costa Nunes escreveu: “Goa considera o túmulo de Xavier
como o seu maior tesouro, acredita que a sua posse é a maior
garantia de paz e bem-estar dos seus habitantes. Quando se disse, sem o menor fundamento, que as venerandas relíquias sairiam de Goa, até os descrentes se impressionaram e reagiram.
É nossa convicção que enquanto o Tesouro repousar na Basílica
do Bom Jesus, esta terra de tradições cristãs nada tem a recear.”
O arcebispo apelou à participação dos fieis, anunciando que
seria a última vez em que haveria autorização para beijarem as
reliquias do Santo antes de estas serem encerradas num caixão
especial destinado a preservá-las, e não deixou de fazer prognósticos de ordem política: os peregrinos iriam reunir-se aos
milhares em volta do túmulo do Apóstolo das Índias sem conhecerem divisões de raças, de nacionalidades, de fins políticos
ou de interesses materiais19.
Costa Nunes escreveu também ao ministro das Colónias a pedir
mais verbas para a diocese, tinha de fazer despesas extradordinárias avaliadas em cerca de cem mil rupias com a exposição
do corpo de S. Francisco, seria forçado a dar alojamento a milhares de peregrinos, quando apenas podia acomodar um número
muito limitado nos conventos de Velha Goa se acaso estes ficassem restaurados a tempo. Assegurou ao ministro que ia receber
15 O Dever, 12 de Agosto de 1950, pág. 1.
16 Nogueira Pinto, Jaime, Salazar visto pelos seus próximos, Lisboa,
Bertrand, 1993, págs. 279 e 280.
17 Arquivo Histórico-Ultramarino, Missões, Ministério das
Colónias/Direcção Geral do Ensino.
18 Kureethara, Joseph, The diocese of Cochin – 1985, Vol.1, ed. Santa Cruz
Press, Fort Cochin, Kerala, 1985, pág. 16.
19 Heraldo, 17 de Fevereiro de 1950, pág. 1.
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“todo o episcopado” da Índia, Paquistão, Ceilão, e vários prelados da África Oriental, que viajavam sempre na companhia de
muitos secretários. Tinha de os instalar e de lhes dar alimentação.
Além disso estavam a ser organizadas peregrinações de goeses
da Metrópole e de África, comerciantes, industriais, homens das
letras e das artes, era preciso recebê-los com brilho.
A verba atribuída ao Padroado do Oriente no orçamento de
Estado de 1952 foi de 3 100 000$00, dos quais 2 100 000$00 se
destinaram a despesas da arquidiocese de Goa, 150 000$00 ao
Montepio dos Padres Indianos e 840$00 a outras despesas, não
discriminadas. Mas o arcebispo recebeu a ajuda pedida, tal como
tinha recebido em Novembro de 1951 uma verba suplementar
no valor de 1 410 416$00 destinada a aumentar os vencimentos
dos missionários e sacerdotes goeses.
Em Abril Goa engalanou-se para homenagear o ministro Manuel
Maria Sarmento Rodrigues que visitou o Oriente numa grande
comitiva que incluiu jornalistas da Metrópole, Angola, Moçambique, e correspondentes de jornais estrangeiros. O arcebispo
Costa Nunes foi ao porto de Mormugão esperar o navio India
onde o ministro viajou, mais tarde esteve ao seu lado quando lhe
foram entregues as chaves da cidade de Pangim dentro de um
estojo de sândalo e acompanhou-o num cortejo até ao Palácio
do Hidalcão, a sede do governo. Ao cair da noite celebrou na Sé
de Goa um Te Deum de acção de graças, em declarações a um
jornal disse que era “um hino de alegria, uma expansão de alma,
a agradecer ao Altíssimo a vinda à Índia do mais alto representante do Governo Central”20.
Numa entrevista que concedeu nesta altura, Costa Nunes não
deu indícios de que tencionava deixar a sua diocese, pelo contrário, falou dos seus planos para o futuro: estava a construir
um novo seminário em Saligão, tencionava entregar a catequização das paróquias mais afastadas de Pangim aos missionários
salesianos, preparava um projecto de missionação “no terreno”
destinado aos Varlis de Damão e Nagar-Aveli, para o que havia
criado cadeiras especiais no seminário de Rachol21.
festas em honra do Apóstolo das Índias. No congresso
participaram os arcebispos de Karachi, Madrasta, Bombaim e
muitos sacerdotes da União Indiana. A exposição de arte sacra
esteve patente ao público no Convento de S. Francisco, uma
rica mostra que juntou a melhor arte religiosa de Goa, desde
custódias trabalhadas a paramentos ricamente bordados,
mármores cinzelados, imagens, crucifixos, quadros. As festas
foram grandiosas, mais de 800 mil peregrinos de Goa e União
Indiana passaram pelo túmulo do Apóstolo das Índias durante os
35 dias em que as suas relíquias estiveram expostas à devoção
dos fieis. O cardeal Cerejeira, legado pontifício para as comemorações, foi recebido com muita emoção por milhares de
pessoas, mais tarde discursou na Sala dos Vice-Reis, inaugurou o
seminário de Nossa Senhora do Pilar, abençou o seminário de
Saligão, presidiu à cerimónia de abertura do caixão de S.
Francisco Xavier e assistiu ao congresso missionário na Basílica
do Bom Jesus. Ministros de Portugal e de Espanha participaram
nas festas em honra do Apóstolo das Índias. O Papa enviou uma
mensagem que foi difundida pelas emissoras locais directamente
da Rádio Vaticano a saudar “essa imperial Goa a quem Xavier,
com tanto entusiasmo, consagrou as primícias do seu zelo
apostólico na Índia, Goa que se ufana de possuir nas suas
relíquias o maior tesouro do Oriente, e que lhe deve a ele, mais
do que a ninguém, o ter sido durante longos séculos o mais
potente foco de irradiação do Evangelho em toda a Ásia e
Indonésia, e continua a ser, ainda hoje, a arquidiocese onde
desabrocham mais vocações religiosas e sacerdotais”22. Numa
carta enviada ao ministro Sarmento Rodrigues, depois de
terminarem as comemorações de S. Francisco Xavier, o arcebispo Costa Nunes não escondeu o seu contentamento: “Sinto
grande prazer em comunicar que tudo decorreu num ambiente
de grande esplendor e elevação, notando-se sempre a mais
estreita colaboração entre as autoridades civis e religiosas.
Nenhuma nota discordante. Ordem, disciplina, abundância de
20 Ibidem, 25 e 26 de Abril de 1952, págs. 1 e 3.
21 Barradas de Oliveira, Roteiro do Oriente, Agência Geral do Ultramar,
Enquanto estas coisas sucediam Alvernaz organizou o congresso
missionário e a exposição de arte sacra que acompanharam as
Lisboa, 1954, pág. 85.
22 Heraldo, 5 de Dezembro de 1952, pág. 1.
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géneros alimentares, facilidade de transporte, extrema correcção da polícia, tudo contribuiu para impressionar bem os peregrinos que se transformaram em defensores e admiradores
de Goa. Creio que há motivos para todos nos regozijarmos, a
propaganda feita contra nós na União Indiana não teve efeitos.
Pela parte que me toca considero-me recompensado das energias gastas e dos sacrifícios feitos”23.
UM CARDEAL PARA BOMBAIM
[202]
Outras cerimónias tinham disputado o brilho das celebrações
realizadas em Goa. Em finais de Dezembro foram comemorados em Ernakulam, perto de Cochim, os centenários da
chegada do apóstolo S. Tomé ao sul da Índia e os centenários
da morte de S. Francisco. Um curioso despique. Participaram
nas cerimónias cerca de 500 mil católicos e dezenas de
prelados indianos, entre eles Valerian Gracias, arcebispo de
Bombaim. O cardeal Norman Gilroy presidiu, na qualidade de
legado a laterae do Papa, inaugurando mais tarde um colégio
universitário feminino e um hospital. O jornal oficial do Vaticano
noticiou que havia no Malabar dois milhões de católicos, dois
mil sacerdotes, cinquenta mil frades e freiras, além de centenas
de fluorescentes associações católicas que prosperavam sob o
regime de liberdade religiosa do Pandita Nehru24.
No início de Janeiro, quando ainda decorriam em Goa as cerimónias em honra de S. Francisco Xavier, foi anunciado que o
arcebispo de Bombaim seria nomeado cardeal. Nas declarações
que fez na altura este acentuou que tinha recebido a notícia da
sua elevação ao cardinalato “na ocasião mais apropriada”, quando assistia às comemorações centenárias do Apóstolo S. Tomé
no Malabar, pelo que havia partilhado a sua alegria com os
católicos de toda a Índia25.
Tudo indica que Costa Nunes desconhecia a decisão da Santa
Sé e o mesmo sucedia ao embaixador português no Vaticano.
José Nosolini só foi informado a 29 de Dezembro, nas vésperas
da nomeação de Gracias se tornar pública. Recebeu a notícia de
monsenhor Giovanni Montini e este terá dito ao embaixador
que se tratava de uma “agradável” novidade, a nomeação do
cardeal indiano era um “fruto” da acção evangelizadora de
Portugual. O embaixador escreveu: “Respondi que em consequência da realidade de Goa como centro católico Oriental, do
relevo recente das comemorações de S. Franciso Xavier e da
acção do Patriarca Costa Nunes, só estaria na lógica das coisas
e só honraria Portugal a elevação deste prelado ao cardinalato
(...) Monsenhor Montini pediu-me que dispusesse de um dia, a
reacção de momento levava-me a ver as coisas com má disposição, mas com tempo e serenidade esclareceria o assunto.
Perguntei-lhe se a decisão do Santo Padre era definitiva e quando se tornaria pública. Respondeu que era definitiva e se
tornaria pública dentro de quatro ou cinco dias. Mostrei-lhe
que só era possível a nomeação simultânea do Patriarca das
Índias se fosse retardada a nomeação do arcebispo de
Bombaim. Monsenhor Montini respondeu que sossegasse, com
tempo e calma a Santa Sé encontraria maneira de mostrar a sua
consideração e amizade por Portugal”26.O embaixador
Nosolini teve a intenção de pedir uma audiência ao Papa, na
esperança de ainda ser possível retardar a nomeação do cardeal
indiano, mas desistiu, dado o “melindre” que tal situação representava, era como se quisesse julgar uma decisão papal.
Monsenhor Valerian Gracias recebeu o barrete cardinalício a 12
de Janeiro. A Santa Sé vivia a euforia da Índia, visionava um novo
mundo cristão nesse país, não dava grande importância à situação do arcebispo de Goa que lhe aparecia como um caso
político sem especial relevância.
Oliveira Salazar, pelo contrário, atribuiu a maior gravidade a este
assunto, orientou as conversações com o Vaticano, dando instruções a Nosolini por telefone, e quando se tornou evidente
que Costa Nunes não seria nomeado cardeal, ordenou o regresso do embaixador a Lisboa para consultas. Em linguagem
23 Arquivo Histórico-Ultramarino, Missões, Ministério das
Colónias/Direcção Geral do Ensino.
24 Arquivo Histórico-Diplomático, 2º piso, armário 1, processo 332,5.
25 Heraldo, 8 de Janeiro de 1953, pág. 1.
26 Arquivo Histórico-Diplomático, 2º piso, armário 1, maço 504-A.
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No entanto, esta crise foi gerida a um nível cuidadosamente
calibrado, com exigências relativamente modestas de parte a
parte, destinadas a salvar a face de um lado e de outro. Sinal
disso foi o facto de o Ministério dos Negócios Estrangeiros
português não ter gostado do destaque que foi dado a esta
questão na imprensa internacional, enviando desmentidos aos
jornais e uma circular às representações diplomáticas.
A nomeação do cardeal Gracias foi bem recebida na imprensa
de Goa e, aparentemente, não terá sido censurada. O jornal
Heraldo publicou: “Figura alta e desempenada, monsenhor
Gracias sabe estar com os velhos e com os novos, com as
senhoras e com as crianças. É um prelado moderno, escritor
primoroso, orador fluente, doutorado em Teologia, de um
dinamismo que espanta. Mistura-se com o povo, procura auscultar-lhe a alma e dar a cada um remédio ou alívio. A sua
elevação à mais alta dignidade eclesiástica coloca a sua terra no
pináculo da glória.” Inicialmente a imprensa goesa supunha que
Gracias voltaria a Itália, onde tinha vivido e leccionado, chegando a noticiar que o novo cardeal faria parte da Cúria Romana
ou iria substituir o arcebispo de Veneza, Carlo Agostini, falecido
em Dezembro – sem fazer sombra a Costa Nunes no Oriente.
Foi aberta uma colecta destinada a oferecer a cruz peitoral ao
cardeal Gracias, “uma homenagem de Goa a um filho seu que
atingiu o zénite da dignidade eclesiástica”, foram pedidas contribuições aos goeses, sem distinção de credos ou castas28.
COSTA NUNES DEIXA GOA
Em finais de Janeiro correram rumores que o cardeal Gracias
tencionava visitar a casa da família em Navelim, na Índia
Portuguesa. O arcebispo Costa Nunes, que mantivera um
cuidadoso silêncio a seguir à nomeação do cardeal indiano, sem
fazer declarações públicas nem participar em cerimónias
oficiais, partiu para Macau e Timor, em visita a estas dioceses
dependentes da arquidiocese de Goa e Damão. Foi, sem
dúvida, uma maneira de reforçar o protesto que o governo
português tinha apresentado no Vaticano pela nomeação do
cardeal Gracias, mas não houve explicações públicas, apenas
uma breve nota assinada por Alvernaz a pedir ao clero para
rezar a oração Pro Navigantibus “enquanto durar a viagem de S.
Exa. Reverendíssima”29.
Costa Nunes demorou-se em Macau, onde tinha sido bispo, e
em Timor, de que gostava particularmente e tinha conhecido
bem quando era jovem, enquanto em Goa se multiplicavam as
iniciativas em sua honra. Foi criada uma comissão para as comemorações do seu jubileu sacerdotal presidida pelo governador-geral do Estado da Índia, general Bènard Guedes. Amigos e
admiradores do arcebispo homenagearam-lhe o trabalho
missionário, a 14 de Fevereiro, na câmara municipal de Pangim.
Uma comissão de senhoras sob a orientação de Maria José
Bènard Guedes fez um peditório, em Abril, para angariar fundos
destinados aos festejos do jubileu sacerdotal do arcebispo e a
obras sociais. Foi aberta uma subscrição pública, à semelhança
do que acontecia com a colecta destinada à cruz peitoral do
cardeal Gracias.
Entretanto monsenhor Tardini tinha convidado Costa Nunes
para tesoureiro-geral da Câmara Apostólica e cónego de S.
Pedro, mas este não aceitou, alegando que conhecia mal a importância dos lugares oferecidos e lhe escapava o motivo da
27 Reis, Bruno Cardoso, ibidem, pág. 232.
28 Heraldo, 15 de Janeiro de 1953, pág. 2.
29 Ibidem, 27 de Janeiro de 1953, pág. 1.
[203]
diplomática, este é o gesto mais grave antes do corte de relações. Apenas se verificou novamente nas relações luso-vaticanas
em 1970, quando o Papa Paulo VI recebeu dirigentes de movimentos de libertação africanos que combatiam Portugal27.
Seguiram-se umas semanas de grande constrangimento entre a
Santa Sé e Lisboa. A 17 de Janeiro o jornal New York Times noticiou: “Relações entre Portugal e o Vaticano tornaram-se tensas.
Com a nomeação de Gracias, Portugal considera-se insultado”.
Por seu lado o periódico italiano Il Messagero titulou “Incidentes
entre Portugal e a Santa Sé”. Em finais de Janeiro o embaixador
Nosolini apresentou na secretaria de Estado do Vaticano uma
“nota verbal” de protesto na qual Salazar expressou as suas
condições para a normalização de relações diplomáticas e pediu
a atribuição a Costa Nunes de “cargos curiais” que honrassem o
seu trabalho missionário.
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A ROSA DE OURO
A 27 de Junho, Pio XII escreveu um carta autografada a Costa
Nunes a felicitá-lo pelo seu jubileu sacerdotal e a anunciar que
atribuia a Rosa de Ouro à Sé Catedral de Goa, “para perpetuar a
lembrança dos méritos que a arquidiocese de Goa e Damão
conquistou ao serviço da causa missionária e para que melhor
perdure a memória das solenidades centenárias de S. Francisco
Xavier, aí recentemente celebradas, sob a tua orientação”31.
Vemos assim que os “cargos curiais” pedidos para Costa Nunes
de facto foram-lhe concedidos, como tinha prometido monsenhor Montini, na altura da nomeação do cardeal Valerian Gracias
para Bombaim.
Costa Nunes com o arcebispo Alvernaz durante o
Concílio Vaticano II (ibidem, pág. 184).
[204]
nomeação, pelo que achava preferível ir à Cidade Santa, “tratar
do caso”. O Ministério dos Negócios Estrangeiros recolheu
informações, concluindo que os cargos oferecidos ao Patriarca
das Índias não tinham “a categoria que se desejaria para S.
Excelência”30.
Costa Nunes passou por Pangim em Maio, foi homenageado
numa festa no Salão Nobre do 1º Senado de Goa, em seguida
anunciou que tinha sido chamado ao Vaticano a fim de tratar de
assuntos relacionados com a arquidiocese, numa mensagem
que foi publicada nos jornais com o título “Despedida”, e partiu
para Roma. No mês seguinte foi nomeado presidente da
Comissão Permanente do Congresso Eucarístico Internacional
e vice-camerlengo da Santa Sé, mantendo o titulo de Patriarca
das Índias ad personam.
Em Junho o governo português enviou uma nota ao governo
indiano a anunciar a intenção de assinar o acordo relativo ao
novo traçado de fronteiras da arquidiocese de Goa, acordo que
Salazar tinha deixado em stand-by enquanto não se resolvia o
futuro do Patriarca das Índias, como referimos anteriormente.
Foi assinado em Setembro, a arquidiocese de Goa ficou limitada aos territórios sob administração portuguesa, enquanto as
paróquias que anteriormente possuía na União Indiana foram
anexadas a dioceses indianas.
A atribuição da Rosa de Ouro a Goa foi recebida com imenso entusiasmo, foi um deslumbre, um fascínio, o Secretariado Nacional da Informação encheu os jornais de propaganda. Na verdade
a Rosa de Ouro é uma pequena distinção simbólica formada por
cinco flores que a Igreja Católica concede a instituições e personalidades em sinal de reconhecimento. Esta foi benzida pelo
Papa em Castelgandolfo e mais tarde foi levada para a Igreja de
Santo António dos Portugueses, em Roma, onde ficou exposta
durante uns dias. Na altura o Papa salientou que distinguia “Goa
e todo o nosso fidelíssimo Portugal, em reconhecimento pelo seu
passado, pelas suas múltiplas benemerências em favor da Fé e da
Igreja, e também porque (Portugal) continuará a desenvolver a
sua vocação missionária”32.
O governo enviou a Itália um navio da Armada para transportar
a Rosa de Ouro até Goa. Quando esta chegou foi recebida com
manifestações exuberantes, colocada sobre um jeep percorreu o
caminho entre o porto e a igreja matriz à frente de um barulhento cortejo de camionetas, automóveis, populares, que encheu
por completo a ponte de Linhares, desde Ribandar a Pangim, um
enorme e ininterrupto desfile, semelhante a uma gigantesca serpente ondeante.
30 Arquivo de Oliveira Salazar (Torre do Tombo), Colónias/Ultramar, pasta
20.
31 Boletim Eclesiástico da Arquidiocese de Goa, Julho de 1953, pág. 30.
32 Heraldo, 2 de Setembro de 1953, pág. 1.
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A DIFÍCIL NOMEAÇÃO
CARDEAL
COSTA NUNES
DO
O arcebispo Costa Nunes comemorou o seu jubileu sacerdotal
na sé catedral de Goa recebendo na mesma cerimónia a Rosa de
Ouro das mãos dos enviados do Papa e a Grã-Cruz da Ordem de
Cristo, entregue pelo governador-geral de Goa em nome do
Estado português. Por seu lado o arcebispo distinguiu o
governador com a comenda de S. Gregório Magno. Alvernaz fez
um pequeno discurso desarticulado e sem brilho a elogiar o
trabalho de Costa Nunes em Macau e em Goa, mas no dia seguinte explicou o simbolismo da Rosa de Ouro num longo e sólido
sermão, acentuando que a Sé de Goa, “mãe veneranda das
igrejas do Oriente”, recebia a distinção em nome das dioceses
criadas pelos missionários ao longo de séculos desde o Cabo da
Boa Esperança até ao longínquo Japão e às grandes ilhas do Pacífico. A 25 de Setembro Alvernaz tomou posse como arcebispo
de Goa e Damão, Patriarca das Índias, Primaz do Oriente33.
Costa Nunes deixou a Índia em 17 de Setembro, passando a
residir em Roma, onde em breve se tornou muito conhecido e,
curiosamente, na Cidade Santa retomou ligações à Maçonaria
que vinham do seu tempo de juventude, deixando de ser um
maçon adormecido. De facto Costa Nunes integrou o Triângulo
nº 90, de Macau, que foi fundado em 1906. Três anos mais
tarde esse triângulo passou a loja, denominada de Luís de
Camões, dela fazendo parte Costa Nunes com o nome
Costa Nunes cumprimentando o Papa Paulo VI
(ibidem, pág. 185)
simbólico de Herculano. A loja dissolveu-se por questões
políticas em 1915, dando origem a uma outra de que foi
venerável o poeta Camilo Pessanha. O nome de Costa Nunes
já não consta dessa nova loja, nem se sabe em que data se
afastou34. Contudo há a certeza de que, dezenas de anos mais
tarde, o arcebispo trabalhou com a Maçonaria italiana, havendo
uma referência com data de 1960/61 que não indica graus ou
cargos exercidos. Não é possível avaliar se a sua carreira
eclesiástica foi afectada por esta pertença.
No Consistório de Março de 1962 Costa Nunes recebeu
finalmente a púrpura cardinalícia, sendo-lhe atribuído o título de
cardeal-presbítero de Santa Prisca. Tinha passado um ano sobre
a anexação de Goa, Damão e Diu pela União Indiana, Portugal
continuava a desenvolver todos os esforços diplomáticos para
que não fosse reconhecida a soberania indiana sobre estes
territórios, e acolheu com muito agrado a distinção do antigo
33 Ibidem, 15, 16 e 25 de Setembro de 1953, págs. 1, 3 e 1.
34 Segundo as informações que recolhemos, o processo individual de
Costa Nunes não consta dos arquivos do Grande Oriente Lusitano
(GOL), mas o seu nome consta em listagens da “loja” Luís de Camões e
em documentos avulsos.
[205]
O cardeal Costa Nunes com o Papa Paulo VI em
Junho de 1973 (ibidem, pág. 174)
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[206]
Patriarca das Índias. O embaixador António de Faria manifestou
ao cardeal secretário de Estado o “júbilo”, o “reconhecimento”,
a “gratidão” do governo e da Nação Portuguesa, por ter sido
escolhido o prelado que no decurso da sua longa carreira
prestou valiosos serviços ao Padroado35. Numa carta enviada
ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, o embaixador
escreveu: “A Santa Sé premiou os serviços eminentes de um
missionário do Oriente, compensando assim a agressão de que
fomos vítimas”. O ministro do Ultramar ofereceu a Costa
Nunes as vestes cardinalícias, como era costume quando a igreja
distinguia o prelado de uma diocese colonial, enviando-lhe um
cheque no valor de 1 131 040 000 liras. Houve recepção na
embaixada em honra do Sacro Colégio. Oliveira Salazar não
colocou entraves a estas despesas, ao contrário do que tinha
acontecido quando o arcebispo de Lourenço Marques foi
elevado a cardeal36.
35 Telo, António José, António de Faria, Lisboa, Edições Cosmos, 2001, pág.
304.
36 Arquivo Histórico-Diplomático, Política Ásia-África, processo 905, maço
108.
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Sérgio Alberto Fontes Rezendes
A BATERIA
DA CASTANHEIRA:
DA II GUERRA
À ACTUALIDADE*
Falar sobre a Bateria da Castanheira
no âmbito de uma pós graduação de
Património, Museologia e Desenvolvimento,
é realçar a missão de uma velha
mas cintilante parte da História Açoriana.
Perceber a sua utilização e
progressivo desinteresse, forneceu
as explicações para o seu abandono,
que – diga-se em abono da História –
a poderá ter salvo do repatriamento
para o continente português ou, pior ainda,
do seu desaparecimento total.
Falar sobre as fontes do presente trabalho, será falar de uma
pesquisa de raiz em conjuntos de atados do Arquivo de Engenharia do Museu Militar dos Açores, bem como do próprio
arquivo da Zona Militar dos Açores. Falar da bibliografia, será
referir uma pesquisa que passou por algumas obras pertinentes
para a época, algumas completamente desconhecidas, mas escritas por quem viveu o momento e foi levado a tomar decisões
que inevitavelmente conduziriam as ilhas (e neste caso mais específico, S. Miguel) a duas situações: ou à defesa em caso de ataque, ou então à ocupação verificando-se então todas as demais
situações sobejamente conhecidas em teatros de guerra. Falar
em Património e Museologia, será atribuir a este pequeno
Peça nº. 3 da Bateria da Castanheira: Krupp 15 cm.
núcleo da nossa História nos grandes momentos do Século XX
um correcto tributo a uma dívida que temos a todos os que pela
nossa independência perderam a vida e se preocuparam com a
defesa e integridade das gentes açorianas.
*As fotografias mais recentes publicadas no presente artigo reportam-se
ao ano de 2002.
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1. A CONCEPÇÃO DE DEFESA DE COSTA
A defesa de costa tem por missão geral a defesa e protecção de
áreas e/ou pontos sensíveis, situados no litoral, bem como a
interdição de locais acessíveis do referido litoral nos quais possam ser tentados desembarques de fortes contigentes de tropas
inimigas com vista a operações de grande envergadura no país.
Os factores a ter em consideração para a sua organização passam
pela extensão e características da costa, a sua importância quer
por motivos políticos e económicos como militares e marítimos.
Outras variáveis são a potência ou potências a considerar como
futuras ameaças, a sua situação geográfica e a força que o próprio
país poderá vir a representar no auxílio aos seus aliados.
Peça nº. 1. Vista de frente.
[208]
Área aproximada de tiro da Bateria da Castanheira (sem escala).
São, pois, oito os principais factores pelos quais se rege a Missão
da Defesa Costeira: 1º) garantir as informações e observações do
inimigo nas águas territoriais; 2º) evitar bombardeamentos das
bases navais, portos importantes, grandes centros demográficos
ou pontos estratégicos; 3º) evitar ou repelir forçamentos,
ataques e desembarques; 4º) evitar a progressão do desembarque, caso este já se tenha efectuado; 5º) proteger a navegação
junto do litoral e no interior dos portos; 6º) garantir a posse e defesa das bases navais necessárias às forças navais e aéreas das
forças nacionais e aliadas; 7º) garantir às forças navais uma zona
de manobra; 8º) estabelecer e defender barragens de minas ou
obstáculos passivos.
Para uma correcta execução desta tarefa, deve contribuir para
tal a artilharia, as defesas móveis de navios de combate ligeiro
(torpedeiros, por exemplo), as defesas fixas passivas (como
minas e redes, por exemplo) e as defesas fixas e móveis aéreas
(como a aviação, os balões e as anti-aéreas).
De todos estes meios, e até ao desenvolvimento dos modernos
sistemas assentes em mísseis, era a artilharia tipo canhão que
mais se destacava neste tipo de conceito, pela sua grande
rapidez de resposta, continuidade, precisão e intensidade de
fogos, que nem o avião ou o submarino conseguiam obter. Tratava-se da forma de defesa mais segura, rápida, precisa e eficaz
para a época, apenas substituível com vantagens pela actual
artilharia de mísseis de costa. De modo geral o conjunto das
defesas de um sector marítimo dispunha-se durante a II Guerra
Mundial em duas linhas: uma primeira linha avançada à menor
distância possível dos pontos e zonas a proteger e uma segunda
linha mais próxima do porto e base naval, em condições de
reforçar a anterior e para servir de núcleo de defesa no caso de
inutilização da primeira. Esta concepção de defesa levava a que
se empregasse na primeira linha bocas de fogo de grande
rapidez de tiro, de curto alcance, para bater lanchas de desembarque e pessoal de infantaria, e na segunda bocas de fogo de
maior calibre e maior alcance, para bater os navios que com o
seu fogo estariam a apoiar o desembarque. Este material
especificamente de costa poderia ser complementado com o
tiro de peças de campanha (móveis) e por peças anti-aéreas.
Será, pois, dentro desta concepção de defesa de costa, nas suas
grandes linhas imutável, que terá que se analisar a construção
da Bateria da Castanheira e sua utilização ao longo de quase
meio século.
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A BATERIA
DA CASTANHEIRA:
DA II GUERRA
À ACTUALIDADE
1.1. A ORIGEM E O ENQUADRAMENTO
DA BATERIA DA CASTANHEIRA NA DEFESA
DA COSTA DE PONTA DELGADA
Situada no Pico da Castanheira, na freguesia de Arrifes, município de Ponta Delgada, a Bateria Independente de Defesa de
Costa N.º 1 é constituída, em termos de instalações físicas, por
duas zonas bem distintas: a da bateria propriamente dita, que é
caracterizada por ser um complexo fortificado subterrâneo e
uma zona de aquartelamento aonde ficariam, a cerca de 500 m,
instalados os apoios administrativos e logísticos da mesma.
1
(P.C.T.) Posto de Controlo de Tiro
6
Central telefónica
10
Laboratório
14
Paiólins
2
Sala de Operações
7
Peças Krupp 15 cm m/897
11
Paióis
15
Dormitório da guarnição
3
Quarto do CMDT e adjunto
8
Depósito de água
12
Caserna da guarda
16
Cozinha
4
Dormitório dos resantes oficiais
9
Central eléctrica
13
WC da guarda
17
Arrecadação
5
Acesso ao espaldão
[209]
Servidão Militar da Bateria da Castanheira.
16
13
17
12
15
15
5
14
14
Saída de
emergência
7
8
11
Saída de
emergência
11
11
10
9
15
15
5
15
15
5
4
14
14
3
14
14
7
7
6
2
1
Planta do complexo subterrâneo da Bateria da Castanheira.
Entrada para
o subterrâneo
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Instalações do aquartelamento da
Castanheira, vulgarmente conhecido
como Quartel da Grotinha.
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Interior do aquartelamento.
Saída de emergência da galeria dos paióis.
[210]
sidade urgente do ambiente internacional de guerra, cujos reflexos se fizeram sentir também nos Açores, como posteriormente se analisará. A sua missão principal era a da defesa da
cidade de Ponta Delgada, especificamente do seu porto de
acesso junto ao Forte de São Brás. Deveria actuar contra navios
de forças atacantes procurando atingir em primeira urgência os
de transporte de tropas e em segunda os de escolta. Estava
também prevista a sua utilização em acções de apoio de fogos
às forças terrestres e na defesa da costa norte da ilha.
Fotografia do General Ernesto de França Mendes Machado,
patente na galeria dos comandantes da actual Zona Militar dos
Açores.
Não sendo o propósito deste trabalho a análise da zona de
aquartelamento, mas apenas a da bateria em si, resta alertar
para o facto da segunda existir para apoio da primeira.
De acordo com a concepção de defesa de costa já analisada, a
Bateria da Castanheira surge como resultado de uma neces-
Ernesto Machado, recém promovido a brigadeiro, foi instruído
pelo subsecretário de estado da Guerra para realizar a mudança do Comando Militar dos Açores da ilha Terceira para São
Miguel e simultaneamente resolver o problema da escolha das
posições das baterias pesadas de costa nos Açores. Na sua
mente já ganhava forma a excepcional importância que o arquipélago atingia na estratégia marítima, não só advinda da sua privilegiada situação geográfica ou sobre a conveniência de nestas
se instalar uma base naval, com vários proveitos para os portugueses (em defesa da nossa linha de comunicações para as províncias do sul) e para os velhos aliados ingleses, como também
de dois factores novos que marcaram a II Guerra Mundial: o
progresso da aviação e a sensibilidade mediterrânica1.
1 Esta questão é particularmente analisada por Telo, A. J., “Os Açores e as
Hesitações na Peninsula”, in Os Açores e o Controlo do Atlântico, Lisboa,
ASA, 1993.
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A BATERIA
DA CASTANHEIRA:
DA II GUERRA
O arquipélago tornara-se o mais notável elo de ligação entre o
velho e o novo continente, originando inúmeras possibilidades
para o seu uso, o que atraía a atenção não só dos E.U.A. e
Inglaterra, como da própria Alemanha. No que concerne ao
Mediterrâneo, a razão reside no incremento que o canal de 720
milhas entre os Açores e a costa luso-africana teria caso o
Mediterrâneo ficasse sobre domínio do Eixo, ao que bases
navais e aéreas nos Açores garantiriam, conforme os casos, o
comércio marítimo do Mundo pelo Atlântico (embora não fosse a única variável da nova estratégia a montar).
Em 1940, circulavam boatos de uma possível invasão de Portugal continental e ao nível militar (oriundos dos ministros da
Guerra) foram recebidos telegramas como «...Arquipélago pode
ser atacado a todo o momento…» ou «…Soberania nacional
Açores pode ser afectada a qualquer momento…»2. Nesta
altura, já os alemães atingiam os Pirinéus e as intrigas políticas
efervesciam em Espanha, com possíveis consequências para
Portugal3. No sentido de dissuadir as pretensões da Alemanha,
da Inglaterra e dos Estados Unidos quanto à utilização dos
Açores, António de Oliveira Salazar foi enviando tropas para os
Açores, reforçando não só a defesa das ilhas como a possível
eventualidade de ter que mudar o Governo para Ponta Delgada,
em virtude do receio da concretização da Operação Félix4.
A Bateria da Castanheira foi um reflexo de uma guerra mundial
que inevitavelmente levou a que se desse em questões militares
um passo à frente, construindo-se e mobilizando-se inúmeras
unidades e instalações militares nas ilhas açorianas, em
particular nas ilhas do Faial, S. Miguel e Terceira. Com a suspensão da Operação Félix a 10 de Janeiro de 1941 e com os acordos assinados em 1943 com a Inglaterra e em 1944 com os
Estados Unidos da América, finalmente António de O. Salazar
poderia de certa forma tranquilizar-se em virtude do resultado
contido na sua sagacidade na defesa dos interesses de Portugal
ante o interesse dos blocos adversários. Neste contexto, o
porto de Ponta Delgada assumia-se como sendo um importante ponto de apoio logístico para o abastecimento/reparação de
navios que atravessavam o Atlântico, o que o tornava num ponto estratégico a assegurar no cordão umbilical que unia um
velho e novo continente em guerra. Contudo, ambas facções
beligerantes tinham projectos muito próprios para o domínio
do Atlântico Norte, pelo que as ilhas açorianas constituíam
sempre um indispensável ponto para a sua concretização.
Uma vez analisada sumariamente a importância dos Açores, da
ilha de S. Miguel e do seu porto, a Bateria da Castanheira surge
como de defesa intermédia, numa primeira fase. Alguns anos
depois (décadas de 1950 e 60), haveria de pertencer a um outro
projecto defensivo cuja missão seria a instalação uma bateria de
longo alcance, que não chegou a ser construída no Pico da Cruz,
com material de origem canadiano de 23,4 cm (modelo de
1941) e cujo alcance rondaria os 40 km (material que, embora
recebido, acabou por nunca ser montado). Seria então um dispositivo constituído pela Bateria da Castanheira em conjunto
2 Machado, General Ernesto, “III- Perigo de Guerra eminente. O
arquipélago pode ser atacado a todo o momento”, Recordando nas duas
Grandes Guerras, Museu Militar dos Açores, 1959, p. 129.
3 O embaixador português em Espanha em 1940, Dr. Pedro Teotónio
Pereira, foi informado por um trio germanófilo, do qual se destaca o
embaixador alemão em Madrid barão Von Stohrer, que Portugal só teria
a temer um ataque alemão se continuasse aliado da Grã-Bretanha. A
legação Alemã em Lisboa também recebeu instruções sobre a vantagem
em desunir os antigos aliados.
António de Oliveira Salazar a passar revista a tropas a enviar para os Açores.
4 Machado, E., Recordando…, Ibidem, p. 128, 174 e 175.
[211]
À ACTUALIDADE
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Uma das duas peças Vickers 10,16 cm
instaladas em 1947 no Forte de S. Brás em
Ponta Delgada.
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É bastante provável que as duas Vickers da Marinha
instaladas no referido forte sejam as da Bateria Eventual
existente em Santa Clara durante a II Guerra Mundial.
[212]
com uma divisão (meia-bateria) instalada em 1947 no Forte de
São Brás, (para defesa imediata do porto de Ponta Delgada),
constituída por duas peças Vicker’s Armstrong de 10,16 cm
com um alcance de cerca de 9 km e pela bateria 23,4 cm m/41.
Contudo, o sistema defensivo na II Guerra Mundial previa um
cone de fogo que se iniciaria com a Bateria da Castanheira a
partir de cerca dos 12 km, para depois ser reforçado por uma
designada Bateria Eventual de Defesa de Costa (constituída em
1943). Esta última teria a missão de complementar a Bateria da
Castanheira, realizando a defesa próximo da costa. A sua localização, alvo de intenso secretismo na época, situou-se no
campo de Santa Clara e o facto de ser eventual reflecte o seu
carácter não permanente (ao contrário da Castanheira), pelo
que tanto quanto se consegue avaliar apenas foi alvo de maior
preocupação por parte da instalação das duas peças Vicker’s
101/40 (provavelmente seriam as Vickers 10,16 cm mais tarde
instaladas no Forte de São Brás). Junto à costa de Ponta Delgada, a bateria localizava-se em local de difícil acesso e
encontrava-se pronta a funcionar a 25 de Novembro de 1943
(mantendo-se pelo menos até ao final de 1945). Em caso de
emergência, a defesa do porto seria reforçada também pelas
duas baterias anti-aéreas de 9,4 cm m/40 (de 4 peças cada),
instaladas em Belém e na Relva, que tinham como missão a
defesa anti-aérea de Ponta Delgada, e, em alternativa, bater
alvos navais. A sua capacidade de tiro anti-aéreo era no máximo
Com a mesma missão de defesa do porto
de Ponta Delgada, as Vickers 10,16 cm
encontram-se perfeitamente alinhadas com
a Bateria da Castanheira (ao fundo).
de 21.000 m e de alcance útil a 11.500 m. A complementar todas as quatro baterias referidas, existiria ainda material de
menor calibre, como as peças de 7,5 cm m/931 estacionadas
em Ponta Delgada (Grupo de Artilharia Contra Aeronaves N.º
1), com um alcance máximo de 13.900 m; os obuses R 10,5/28
m/941 (do Regimento de Artilharia Ligeira N.º 3), com um
alcance máximo de 10.800 m; ou das peças de tiro rápido
7,5 cm m/917 (do Regimento de Artilharia Pesada N.º 1), estas
duas últimas com a missão de complementarem a Bateria da
Castanheira quer a norte ou a sul da ilha.
O receio do Comando Militar dos Açores era, em 1942, o de um
ataque em força contra o porto de Ponta Delgada, conjugado
com a acção aérea e terrestre contra o aeródromo de Santana
e tentativas de desembarque em outros pontos das ilha, como
nos Mosteiros ou Vila Franca do Campo, actuando por surpresa.
Inserida no designado Sector Central, a Castanheira pertencia a
um conjunto militar preparado para dar cumprimento à principal missão da defesa da ilha, ou seja, obstar a qualquer desembarque inimigo, mantendo a todo o custo a posse de Ponta
Delgada. Complementada a defesa com recurso a outras Armas
como a Infantaria para o caso de desembarque de tropas inimigas, o uso das Krupp de 15 cm para a defesa da zona norte do
seu sector seria feito recorrendo-se para tal de postos de observação nesta área que serviriam de olhos à Bateria. O seu sector
de tiro (prioritário) era definido pela área compreendida entre
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A BATERIA
DA CASTANHEIRA:
DA II GUERRA
À ACTUALIDADE
O sector de tiro na costa norte compreendia
em situação normal a
À semelhança do que sucedeu com as
Krupp 15 cm m/897, primeiro
zona entre a ponta de S.
fixaram-se as peças para depois se
António e o morro de
construir o espaldão.
Rabo de Peixe, sendo a
eventual a zona ocidental, que a leste diria respeito ao terreno entre a lagoa do Cedro
e o porto da Fajã e a oeste de S. António até às Feteiras5.
2. DA CONSTRUÇÃO À DESACTIVAÇÃO
A bateria de costa 15 cm (calibre)/CTR (Costa-Tiro-Rápido)
m/897 (modelo) é constituída pelo complexo subterrâneo que
apoia três peças Krupp de 1897 (ano em que entraram ao
serviço do Exército Português, pelo que ainda são mais antigas,
embora em poucos anos), actualmente com mais de 112 anos
de serviço, e instaladas na colina da Castanheira em 1940. Todo
o material bélico foi desembarcado do Vapor Carvalho Araújo em
Ponta Delgada a 4 de Julho de 1940, sob a coordenação do já
referido General Ernesto Machado, presidente das três
comissões técnicas criadas para o estudo e construção das
baterias nas ilhas dos Açores(2) e Madeira(1). Todos os estudos
haviam sido efectuados aquando das viagens do General e
respectivas comissões às ilhas, entre 8 de Novembro de 1939 e
5 de Janeiro de 1940, sendo o tempo que as intercalou para
trabalho de gabinete. Uma vez os projectos aprovados pelo
ministro de Guerra e subsecretário de Estado e o material
desembarcado nos seus destinos, as maiores problemáticas
passavam por delongas burocráticas e ausência de responsáveis
definitivos, no que concerne à execução por parte da Engenharia Militar. Igualmente não se decidia o regime de adminis-
tração e direcção, pelo que as obras se realizavam com a
rapidez possível sob os olhares dos oficiais de Engenharia Militar
da comissão, estando nelas empregues um grande número de
operários, não só militares como civis. Será de referir que nestas
obras de fortificação realizadas nos Açores, cuja total dimensão
ainda não será bem conhecida, se investiu grandes quantias na
época, que se reflectiram nas sociedades em redor das
mesmas6. No caso da Bateria da Castanheira, as obras fundamentais em questões de fortificação prolongaram-se até finais
de 1943, iniciando-se depois uma série de pequenas obras que
se poderá designar como acabamentos, e as obras de maior
envergadura no que concerne à zona de aquartelamento7.
A rapidez e a exigência da construção desta fortificação subterrânea levaram a que se empregasse uma quantidade bastante
razoável de carpinteiros, serralheiros, pedreiros e outros tipos
de trabalhadores civis, que complementariam o trabalho efectuado pelos militares. O eco destas obras manifestava-se igualmente nas casas comerciais das zonas em redor, como no caso
de Ponta Delgada. Muitos dos materiais eram comprados
localmente em lojas ainda conhecidas como o Luís Gomes, a
Drogaria Açoriana, a Casa regional Ilha Verde, o Domingo Dias
Machado, os Azevedos ou em estabelecimentos já esquecidos na
memória colectiva, como The Azores Coaling, a Loja dos Compadres, a Empreza de Trabalhos Metalúrgicos e a Socouz-Vacuum,
entre outras. Os restantes materiais eram enviados do continente, muitas vezes do Depósito de Material de Engenharia
N.º 1, mas que por razões logísticas e por vezes burocráticas
revelavam-se mais morosos do que os do mercado local. Para se
5 Visava-se com maior atenção a norte da ilha os portos de Capelas e o
desembarcadouro de Poços; a sul, o porto de Ponta Delgada e outras
zonas limítrofes de possível desembarque; a leste o porto e Rosto do
Cão e em São Roque, Glória e Lagoa e a oeste, entre o porto e
Isolamento.
6 Apesar de não haver números seguros, alguns estudiosos militares
estimam que 6.300 contos haviam sido despendidos no Faial e que na
Terceira e São Miguel se havia investido 54.000 contos (num cálculo por
baixo), o que financeiramente correspondia em 1985 a 2 milhões de
contos.
7 Apesar de ainda não se terem iniciado as obras, o aquartelamento já se
encontava planeado em 1940 e orçado em 2.090.220$00.
[213]
Terião até à linha de S.
Brás e eventual (contra
alvos terrestres) na zona oriental (a leste) desde Terião até Santana, e
de Ponta Delgada a Fenais da Luz (a oeste).
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Planta do complexo da Castanheira,
em Ponta Delgada.
Localizado junto à encosta norte da
colina da Castanheira, o
aquartelamento situa-se a cerca de
600 metros da posição fortificada.
Hoje, mais do que nunca, a vegetação
complementa a camuflagem.
ter a noção do investimento realizado na defesa dos Açores durante a II Guerra Mundial, bastará referir a determinação do
General Aníbal de Passos e Sousa (comandante militar dos Açores em 1942) em intimar sob pena de desobediência à autoridade militar as câmaras municipais de Ponta Delgada, Ribeira
Grande, Lagoa e Vila Franca do Campo, no sentido de suspenderem todas as obras em curso, para que todos os operários se
apresentassem em obras militares sob a pena de detenção8.
Finalmente, a 26 de Julho de 1940 foi dada ao C.M.A. total e
indispensável liberdade na execução das obras, ao preço de
todas as responsabilidades. Abolidas as burocracias, foram
publicados decretos a isentar as obras de praxes legais e os fundos acediam conforme solicitação do comando. Não viria nenhum empreiteiro do continente, podendo as obras ser por
adjudicação directa a empreiteiros locais quando conveniente e
o mercado local poderia então ser explorado enquanto zona de
recursos materiais. Para além da responsabilidade total por
parte do comando, este também ficaria responsável pela fiscalização das mesmas e pelo envio de um relatório quinzenal sobre
o trabalho feito. Pela parte do General Ernesto Machado, tudo
se enquadrava no pretendido e pela parte do subsecretário de
Estado todas as verbas foram facilitadas de tal forma que as
peças ficaram instaladas em Setembro de 1940 e testadas a 15
de Outubro do mesmo ano. Os resultados mostravam que
estavam em condições de actuar com eficácia. Promovido ao
posto de General (o C.M.A. era de Brigadeiro), Ernesto Macha-
8 Esta determinação, apenas abria uma excepção no caso de obras
inadiáveis como coberturas de edifícios ou reparações de canalizações.
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do retirou-se dos Açores em finais do Verão de 1940, com a
certeza que a sua obra havia deixado os Açores e, neste caso,
Ponta Delgada em condições de responder eficazmente às
ameaças externas, sensação esta que também a própria população partilhava e manifestava9.
Pela sua dimensão e pelo facto de ter dois complexos de infra-estruturas separados, torna-se difícil datar com exactidão o fim
das obras. Contudo, à semelhança do que já foi dito, a parte da
bateria terá ficado completa provavelmente até 1943, na medida em que o plano de camuflagem da bateria é datado deste
ano. O plano consistia no disfarce de toda a zona da bateria num
terreno aparentemente de pastagem, ao qual estariam
associadas duas pequenas casas, uma tenda e um pequeno palheiro (este último, bem como as duas casas, sem que tivessem
aparentemente nada a ver com a fortificação). A tenda serviria
para tapar uma das peças, ao passo que as restantes foram provavelmente dissimuladas com grandes superfícies de lona camuflada, à semelhança do que se fazia em 1953. Poderá também
ter sido elaborada por intermédio de redes de camuflagem e
materiais orgânicos do local, suportados por um “gafanhoto”, ou
seja por uma armação tubular que revestiria todo o espaldão.
Este encontrar-se-ia provavelmente pintado11. A existência das
duas casas, se por um lado dificultaria uma identificação aérea,
por outro serviria como referência para um contacto visual por
Pormenor da 3ª peça
e da camuflagem do
espaldão (pintura).
4
3
1
2
Pormenor da parte
anterior da 2ª peça (1);
porta de acesso ao
subterrâneo do
espaldão (2); “janela” de
passagem de munições
(3); silhuetas para
identificação de navios
inimigos (4).
parte da artilharia dos navios inimigos. Contudo, é uma da directrizes da época para a defesa das ilhas a dissimulação de posições
militares e a obrigatoriedade de construir falsas construções de
forma a iludir o adversário sobre a verdadeira ocupação e
localização das armas. O disfarce de toda a bateria prolongou-se
9 À despedida, foi por pouco que não se defrontou com uma população,
associações e entidades oficiais, em festa. Sempre declinou este tipo de
acções, referindo que a protecção era por ordem do Governo e não sua.
A 17 de Julho de 1941 foi então entregue definitivamente, por ordens
superiores, a direcção das obras aos oficiais de Engenharia por se ter
constatado que a autonomia dada em 1940 para a condução das obras foi
a principal razão pela sua rapidez.
10 Espaldão: entrincheiramentos para a artilharia.
11 Quando a presente investigação foi elaborada, em 2002, a pintura
camuflada e as silhuetas das embarcações encontravam-se em boas
condições. Pinturas posteriores destruíram-nas.
[215]
Como já foi referido, as obras prolongaram-se por mais alguns
anos, embora a zona fundamental, a do espaldão10 e das peças
já estivessem operacionais. Sabe-se que à área inicial de
1939/1940 foram acrescentados cada vez mais terrenos em
1941 (27.049 m2) e em 1948 (28.317 m2), adquiridos através
da compra ou permuta, embora tenham existido alguns arrendamentos. Assim, em documento não datado, mas provavelmente da década de 90 do século XX, constata-se que a
posição de artilharia assume a dimensão de 22.244 m2; a de
serventia 216,5 m2 (caminho de acesso) e a do aquartelamento
28.267,42 m2, sendo então o total da Bateria de Defesa de
Costa N.º 1 [nesta época designado por PM (prédio militar) 3
de Ponta Delgada] de 50.867,92 m2.
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Planta esboço da camuflagem da
Bateria da Castanheira, executada
pela 1ª Companhia de Sapadores
Mineiros do Comando de Engenharia
do Comando Militar de São Miguel
em 29 de Abril de 1943.
Posto de Comando
Peças de artilharia Krupp de 15 cm m/897
[216]
de 1942 a 1944, embora o processo se tenha iniciado provavelmente logo após a instalação das peças em 1940, na medida em
que em 1942 refere-se a substituição das camuflagens existentes12.
Foram ainda executadas inúmeras obras na zona de aquartelamento durante 1945 e 1946, ano em que se dotou em 4.000$00
os acabamentos dos vários trabalhos na Bateria da Castanheira,
nomeadamente a sala de transmissões. A partir desta data, as
obras seriam executadas a partir de moldes desconhecidos pelo
autor do presente estudo. Contudo, é possível verificar uma
descida no investimento realizado a partir de 1943. Pelo valor
investido em 1946, torna-se evidente que as obras, pelo menos
as da Bateria, estariam praticamente concluídas e que terminada
a guerra os fundos estariam a ser canalizados para outras prioridades, em virtude da redução de unidades e de um novo
dispositivo de tropas.
Em 1945 constata-se que a Bateria da Castanheira, cuja realização visava um carácter permanente, havia custado cerca de
mil contos, isto numa época em que a construção de metade do
quartel em alvenaria custava cerca de 82 contos e que um
servente de pedreiro ganhava 12$00.
Em virtude do arquivo do extinto Grupo de Artilharia de Guarnição N.º 1 (GAG1), antiga unidade responsável pela Bateria
(actualmente será o Regimento de Guarnição N.º 2, nos Arrifes)
ainda não ter sido entregue ao Museu Militar dos Açores, não
foi possível analisar a operacionalidade da bateria desde finais
dos anos quarenta até 1969, ano em que pela última vez se
executaram fogos reais. Sabe-se que, para além de vários
disparos de exercício ao longo dos vinte e nove anos de vida útil
da bateria, a 31 de Janeiro de 1944, perto da mesma, se
constatou a existência de uma aeronave desconhecida e que se
registaram quatro detonações de artilharia. Embora não se
consiga perceber ao certo as ilações a retirar deste incidente,
tal não deixa de ser demonstrativo sobre a importância que
esta teria para a defesa da cidade de Ponta Delgada, tornando-se,
se não o primeiro alvo a destruir por intermédio de um bombardeamento, seguramente um dos primeiros.
Na década de 1970, o Esquadrão de Lanceiros de Ponta Delgada sediou-se na zona de aquartelamento (até 18 de Abril de
1994), verificando-se então algumas obras ao nível de messes,
cozinhas e refeitórios.
Se a bateria já se encontrava num lento processo de degradação, com a saída física dos militares, este acelerou-se. Anti-
12 No que concerne às peças, em 1942 modificava-se a camuflagem de
uma das peças e refere-se que as restantes duas aguardavam vez.
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Em 1989, ainda se investia financeiramente nas suas instalações
mas a sua eficácia e operacionalidade já era altamente duvidosa
em virtude do obsoletismo das peças, desgaste, avarias
derivadas da instrução e abandonos temporários durante os
períodos das campanhas Ultramarinas (1961/1974), assim
como a falta de sobresselentes. Relatórios datados da época
mencionam que diversas equipas da Direcção de Serviço de
Material já se haviam deslocado ao local para identificar a
necessidade de reparações diversas, profundas, difíceis e de
grande demora, cujo concerto variava entre as dezenas de
milhar de contos e somas de pouco valor. Após uma série de
anos de descuido (e por desprovimento de munições), ninguém se atrevia a utiliza-la por falta de confiança no seu comportamento uma vez que eram conhecidas as suas profundas
deficiências ao nível de ligações elásticas, aparelhos de pontaria,
etc. Embora o Grupo de Artilharia de Guarnição N.º 1 (GAG1)
ainda continuasse a formar e a receber pessoal da especialidade, e mantivesse uma pequena guarnição no local, toda a instrução era realizada no continente (em virtude dos problemas
já referidos) e do facto do investimento a realizar na sua
modernização estar colocado fora de parte. Numa época em
que já se debatia a necessidade ou não de artilharia de costa do
tipo canhão, a sua antiguidade e os problemas daí inerentes
(como a falta de sistemas de aquisição de objectivos e o seu
fraco poder de fogo) levantavam a questão da sua precariedade
face ao material moderno. Outro problema que se havia
desenvolvido desde que as peças haviam feito fogo pela última
vez era o da servidão militar.
A servidão militar é o termo aplicado às leis que regulamentam
as limitações à construção de infra-estruturas dentro de uma
determinada área envolvente a uma posição militar. O raio de
alcance da Bateria da Castanheira desde cedo condicionou
eventuais tentativas de construção na zona, embora só
constituísse legislação emanada do Ministério do Exército a
partir de 1968. O decreto de lei 48.433 dedicado a esta bateria,
bem como à de Belém e à da Relva, apenas foi revogado em
1978, pelo polémico decreto 112, de 27 de Outubro, que
outorgava que num raio de 100 m a partir das peças não
poderia existir qualquer tipo de construção. Entre este círculo
e a orla costeira, dentro de uma determinada linha de azimutes
(97º 00’ a 273º 00’), toda a construção estaria condicionada a
autorização militar, embora existissem excepções13.
A única forma de contornar a lei nestes locais, seria através de
autorização do Comando Militar dos Açores, uma vez ouvida a
chefia do Serviço de Obras do Exército (ou delegados), e
parecer da Arma de Artilharia. Contudo, por parte do Exército
sempre existiu a noção de que a Bateria, pelos factores já
referidos, não deveria constituir um entrave ao desenvolvimento da cidade, pelo que, de modo geral, todas as
construções acabavam por ser permitidas. Alguns casos mais
específicos, como a construção da torre do edifício Sol-Mar
exigiam cláusulas próprias, como a destruição do mesmo em
contexto de guerra. Outros exemplos, como o da construção
do Hospital Divino Espírito Santo, levavaram a que em conjunto se procurasse a melhor solução, o que neste caso passaria
por evitar a existência de grandes superfícies de vidro.
A partir de 1970, e por força do decreto de lei n.º 166/70, de
15 de Abril, cabia às câmaras municipais conceder as licenças
necessárias, bastando apenas ao Comando Militar ter que dar
parecer sobre os casos que a Câmara Municipal de Ponta
Delgada apresentasse (embora a servidão continuasse sempre
a ser o factor primordial sobre qualquer autorização dada pela
mesma, podendo desde logo ser embargada pelo Comando).
Embora o primeiro pedido deste género date de 1969, apenas
a partir de 1979 é que se tornaram cíclicas as contestações pelas
limitações impostas pelo referido decreto de lei, mercê do
constante devir do progresso que a cidade de Ponta Delgada
conheceu após o final da II Guerra Mundial. Num relatório
datado de 1989, é referido que para além da contestação civil à
13 Determinados sectores, delimitados por azimutes e cuja construção em
alturas variava entre os 10 m e os 15 m, não exigiam aprovação militar
(a bem dizer, toda a zona urbanizada de Ponta Delgada).
[217]
quada, rapidamente viu-se cercada por outros factores, tais
como o crescimento da cidade de Ponta Delgada ou a inovação
tecnológica, condenando-a a um longo esquecimento.
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servidão esta era muitas vezes pura e simplesmente ignorada,
nomeadamente por obras estatais e particulares de grande envergadura como a construção do prolongamento da avenida
marginal, hotéis e blocos de apartamentos, esvaziando-se a lei
do seu conteúdo. Em virtude da desactualização da Bateria,
respectivo encargo económico e urgente necessidade de readaptar a servidão militar na década de 90 do século XX, em
Maio de 1992 a Bateria deixou de ser considerada como encargo operacional, prevendo-se a sua desactivação, e em 1995
tomada a decisão por parte do Ministério da Defesa Nacional
em revogar a servidão militar, assente na motivação de se terem
alterado os pressupostos que deram origem à necessidade da
criação da mesma. Contudo, quer a Arma de Artilharia (órgão
técnico) como a 3ª Repartição do Estado-Maior do Exército
(operações) nunca se prenunciaram sobre a extinção da Bateria,
situação que até 2002 se mantinha.
[218]
3. O INTERIOR DA FORTIFICAÇÃO
Instalações exteriores ao subterrâneo na zona da Bateria.
A área que concerne à Bateria de Costa de 15 cm da Castanheira é constituída numa fase inicial por uma série de
estruturas exteriores, que por sua vez dão acesso à zona
subterrânea. Actualmente, ao entrar na zona referida, encontra-se uma guarita relativamente recente, cuja missão seria
proteger uma sentinela que condicionaria o acesso ao terreno.
A cerca de uns cinco metros inicia-se um pequeno caminho
terreiro, que, descendo suavemente a encosta, permite o acesso a uma série de pequenas instalações como uma cozinha, casa
de banho, arrecadação e camarata da guarda, camufladas pelo
próprio solo. A entrada para o subterrâneo é a última porta
existente neste aglomerado de pequenas infra-estruturas,
prolongando-se então o caminho até às peças Krupp de 15 cm.
Ao entrar-se no subterrâneo, inicia-se então a bateria propriamente dita, cujas instalações obedecem às normas de organização de terreno em 1941: deveria ser constituída por plataformas (espaldões) para as bocas de fogo, a descoberto (como é
o caso) ou a coberto; posto de comando e abrigo para pessoal
e paióis; abrigos de repouso e uma trincheira de comunicação
a ligar todos os elementos. Neste caso, existiam ainda uma
central de comunicações, uma central eléctrica e um laboratório. Fora dos subterrâneos, a uma certa distância, existiriam
ainda os demais complementos: um posto de observação e um
depósito de água ligado à rede geral mas com capacidade para
albergar grandes quantidades do precioso liquido. Já no seu
interior, estas instalações encontram-se organizadas em duas
áreas distintas: uma mais avançada e que corresponde ao Posto
de Controle de Tiro e às peças, e uma mais recuada que
envolve os paióis, central eléctrica e laboratório. Partindo desta
noções, ao seguir o corredor após contornar algumas esquinas
e descer alguns degraus, encontra-se a primeira área envolvente à peça n.º 3. Trata-se então de duas pequenas camaratas
para a guarnição da mesma, duas casas de banho e dois paiolins
com ligação directa às peças, assim como um pequeno espaço
para conter as munições necessárias para utilização imediata.
Formava-se deste modo um pequeno rectângulo subterrâneo
que dava apoio à peça no exterior, entrincheirada. A fazer a
ligação entre ambos exterior/interior, existia, para além de um
pequeno corredor de acesso, duas pequenas janelas laterais às
peças, para entrega à guarnição da peça, por um lado, a
granada, e por outro, as cargas propulsoras.
Este esquema sucede-se para as restantes duas peças. Ao
passar-se este primeiro conjunto de infra-estruturas, a galeria
divide-se em duas, sendo que à direita se segue para a já referida zona avançada e a que continua, para a área mais recuada.
Seguindo-se à direita, sucede-se mais uma infra-estrutura de
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Quanto à galeria mais recuada, junto à intersecção com o corredor oriundo das duas primeiras peças, encontrava-se o primeiro dos cinco paióis anexados em linha. Uma vez transposto
este plano, encontra-se o laboratório (aonde se pesavam as granadas e se faziam as análises de estabilidade química das cargas)
e a central eléctrica (que, em 1945, passou a receber energia do
exterior, complementando-se em conjunto com um sistema de
renovação de ar e fumos). Ambas as galerias, terminam em
poços verticais, que, dotados de escada de ferro embutido nas
paredes, dão acesso às saídas de emergência no exterior.
projectada apenas permitiu que determinadas cargas explosivas
rebentassem14.
Ainda serviram como paiol geral até 1995, ano em que se retirou totalmente o seu conteúdo, abandonando-se o local que a
partir de então passou a ser sistematicamente vandalizado.
No último plano de defesa da BTR C.15 cm (inícios da década
de 1980), em caso de ameaça de ataque, deveria de imediato
sair do aquartelamento em direcção à Bateria um pelotão de
reforço à secção de segurança permanente nas instalações e em
caso de ataque de surpresa deveria esta mesma secção de
segurança reagir com o seu armamento abrigando-se nas zonas
do espaldão, devendo apenas retirar para os subterrâneos em
último recurso, resistindo até à chegada de reforços pedidos
pela central de comunicações e salvaguardando a protecção dos
pontos sensíveis, como as chaminés dos paióis e as três peças.
Estas, quando utilizadas em tiro real, eram detentoras de uma
enorme potência de tiro, sendo conhecidas as suas implicações
em efeitos de vibração do solo (provocavam pequenos sismos)
que se prolongavam para além dos 200 metros, bem como ao
nível de deslocação de ar (relembre-se a problemática do
actual Hospital de Ponta Delgada), assim como ao nível sonoro
(os silvos provocados pelas detonações e trajectória das
munições, eram ouvidos em toda a cidade, obrigando a
medidas especiais para a protecção de vidros e telhados).
4. O PRESENTE E O FUTURO
Instalações exteriores ao subterrâneo na área da 1ª peça.
À direita ficavam as camaratas e à esquerda os paiolins das peças. Em frente,
à esquerda, situa-se o PCT.
Em 1994, a sua iluminação encontrava-se dependente do
aquartelamento do Esquadrão de Lanceiros (Polícia do Exército), instalados na área de aquartelamento e apenas os paióis
eram ainda utilizados. Nos inícios da década de 1980 uma violenta explosão de algumas cargas propulsoras, sem vítimas a lamentar, colocou em teste toda a estrutura, que por estar bem
Em 1987, foi autorizada a compra de terrenos anexos a toda a
área do complexo da Castanheira, de modo a implementar-se o
actual Comando Operacional dos Açores (COA), na Grotinha,
Arrifes. O futuro do complexo passou a estar relacionado e
mesmo condicionado pela novas infra-estruturas criadas, na
14 Até 1995, os quatro paióis estavam organizados conforme a natureza
dos explosivos, repartido-se o primeiro para as granadas, o segundo
para as cargas propulsoras, o terceiro para as espoletas e escorvas e o
quarto para os explosivos civis.
[219]
apoio à segunda peça, intercalando-se, entre esta e a primeira,
um corredor que liga novamente ambas galerias (para um
rápido acesso quer aos paióis, como às outras estruturas). Uma
vez atravessada a zona de apoio à primeira peça, surge a zona
do comando, caracterizada pelas acomodações dos oficiais da
Bateria, a central de comunicações e a vigia de controle de
operações, cuja frente em forma semi-circular continha três
pequenas vigias para observação no exterior.
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medida em que estas têm servidão militar e os
terrenos em questão permitiriam uma expansão do
COA com um número indeterminado de objectivos.
Em virtude do pouco interesse nesta questão, o
destino de todo o complexo continuou a não ser
determinado, pelo que surgiram então pedidos de
empréstimo ou cedência da área de aquartelamento
por parte de várias instituições como a Academia das
Artes, a Polícia de Segurança Pública, a Câmara
Municipal de Ponta Delgada, a Kairós, a ADFA
(Associação dos Deficientes das Forças Armadas) e
alguns particulares para exploração privada. Em finais
da década de 1990, por razões de natureza diversa,
mas acima de tudo assente no facto de ser reserva da
Zona Militar dos Açores ou possível expansão do
COA, todo o complexo continuava nas mãos dos
militares prevendo-se que seria construído na zona da
Bateria um núcleo do Museu Militar dos Açores e um
miradouro para a cidade de Ponta Delgada. Em
conjunto, espera-se que a Zona Militar dos Açores e
o Governo Regional dos Açores restaurem novamente a importância correspondente a uma instalação
única nos Açores (uma possível excepção seria a
B.I.D.C. 3 no Faial, infelizmente desartilhada) criando-se uma zona de laser esplêndida não só aos locais
(que na sua esmagadora maioria a desconhecem),
como a todos os que nos visitam, gerando-se assim
uma nova missão para um espaço como ainda não
existe em outro local de Ponta Delgada.
5. CONCLUSÃO
Linha do horizonte a sul da Bateria da Castanheira.
Horizonte a sudeste da Bateria da Castanheira.
Vista a sudoeste da Bateria da Castanheira.
A Bateria da Castanheira foi construída num contexto
extremamente complexo mas que inevitavelmente
poderia ter tido um outro desfecho para as ilhas, caso
na sua fortificação e defesa não se tivesse investido.
O exército alemão teve conhecimento que um brigadeiro português se encontrava investido de tal tarefa,
e os Estados Unidos da América, bem como a Inglaterra, tinham bem a noção que as ilhas não seriam
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Apesar das grandes decisões que rectificaram a História portuguesa ao tempo terem sido políticas e diplomáticas, mantendo
o palco bélico afastado das ilhas, a Bateria da Castanheira existiu
para dar segurança e tranquilidade à população da maior cidade
dos Açores, mantendo a neutralidade em todas as direcções.
Tal se tornava necessário, numa fase da guerra em que a
importância geo-estratégica dos Açores se projectava, não só
pela posse da terra mas, acima de tudo, como excelente zona
de escala no Atlântico, factor que ainda actualmente se mantém
(embora com outra importância) e que se encontra indossiciavel da sua História. Seria então o porto de Ponta Delgada e
as suas reservas de combustíveis um factor a defender a todo o
custo, bem como o campo de aviação em Santana, alvo de
interesse pelo seu potencial enquanto zona de apoio logístico.
Uma vez terminada a guerra, o seu carácter permanente
subsistiu e a sua nova missão teoricamente complementada
numa nova posição de artilharia a construir, com material que
acabaria por apodrecer.
Vítima da antiguidade do seu material, bem como da falta de
poder económico para a manter operacional, (bem como em
assegurar o fornecimento de munições e sobresselentes), a
Bateria acabou por ser condenada a um progressivo esquecimento, até que chegou a uma fase actual de abandono e alvo
de vandalismo. Resta, então, agora, procurar dar-lhe uma nova
missão, embora agora seja em prol da aproximação dos povos
e no desenvolvimento da cidade que outrora protegeu.
15 Franklin Roosevelt foi advertido pelo seu Estado-Maior que «o ataque
não poderia fazer-se sem perigo de importantes perdas para a Marinha
Americana» (1941), numa fase em que já se treinavam tropas para
ocupar os Açores (Machado, E., Recordando…, Ibidem, p. 178). Por sua
vez, o Estado-Maior inglês mantinha de prevenção milhares de homens
para uma ocupação fulminante (Antunes, J. F., Roosevelt, Churchill e
Salazar – A luta pelos Açores 1941-1945, Ediclube, 1995, p. 66).
[221]
tomadas sem resistência ou perdas para o invasor15. No caso
de Ponta Delgada, a defesa planeada para a ilha previa que a
cidade não fosse tomada, a todo o custo, independentemente
da forma como o ataque fosse efectuado. A construção da
bateria em questão seria como que a primeira linha da difícil
prova de fogo, que existiria em caso de invasão. Seria em
questões de defesa terrestre o início de toda uma resistência
programada para ser feita quer ao nível da defesa de costa quer
aos esperados ataques aéreos.
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BIBLIOGRAFIA:
I. FONTES BIBLIOGRÁFICAS
Antunes, José Freire, 1995. Roosevelt, Churchill e
Salazar – A luta pelos Açores 1941-1945,
Ediclube.
Machado, General Ernesto, 1959. “No decorrer
da Grande Guerra de 1939-1945 – No
Comando Militar dos Açores”. Recordando as
duas Grandes Guerras. M.M.A., pp. 94-186.
Marques, Tenente Rubi, 1937. “Defesa Costeira”.
Grupo de Defesa Submarina de Costa. Paço de
Arcos. Tip. Liga dos Combatentes da Grande
Guerra, pp. 219-224.
Ministério do Exército, 1968. “Decreto n.º 48
443 de 21 Junho”. Diário da República, I
Série; n.º 146, pp. 902-903.
Comando Militar dos Açores, 1942. “Circulares”.
Nova constituição da guarnição no Arquivo
dos Açores. Comando de Engenharia.
Arquivo do Museu Militar dos Açores. Fia –
203.
Comando Militar dos Açores, 1942. “1ª Companhia de Sapadores Mineiros Expedicionária
do Regimento de Engenharia n.º 2, obras de
1 a 30 de Junho de 1942”. Arq. Pasta II
Guerra Mundial. Museu Militar dos Açores.
Comando Militar dos Açores, 1942. “Ordens de
Operação”. Documentos confidenciais
emanados da 1ª Repartição do Estado Maior
do C.M.A.. Arquivo do Museu Militar dos
Açores. Fia – 308.
[222]
Ministérios da Defesa Nacional, da Administração
Interna e da Habitação e Obras Publicas,
1978. “Decreto n.º 112 de 27 de Outubro”.
Diário da República, I Série; n.º 248.
Comando Militar dos Açores, 1943. “Dossier 10”. Arq. Pasta II Guerra Mundial. Museu
Militar dos Açores.
Regimento de Artilharia de Costa, 1998. “Notícias
da nossa Artilharia”. Revista de Artilharia. N.º
878-880, Outubro/Dezembro. Liga dos
Combatentes, p. 489.
Comando de Engenharia, 1943. “Camuflagem da
Bataria da Castanheira”. Arquipélago dos
Açores – 2ª Guerra Mundial – Camuflagem.
Museu Militar dos Açores.
Telo, António José, 1993. Os Açores e o Controlo
do Atlântico. Edições Asa. Porto, pp. 241-455.
II. FONTES MANUSCRITAS:
Comando Militar dos Açores, 1941. “Diversos 1”.
Arq. Pasta II Guerra Mundial. Museu Militar
dos Açores.
Comando Militar dos Açores, 1941. “Diversos 1 –
Relação de obras do Arquipélago executadas
nos anos 1941 a 1946”. Arq. Pasta II Guerra
Mundial. Museu Militar dos Açores.
Comando Militar dos Açores, 1941. “Ideias gerais
sobre a organização do terreno”. Instruções
para a organização do terreno. 2ª. Parte.
Comando de Engenharia. Arquivo do Museu
Militar dos Açores. Fia – 305.
Comando Militar dos Açores, 1942. Pasta II
Guerra Mundial. Comando de Engenharia.
Museu Militar dos Açores.
Comando Militar dos Açores, 1942. “Diversos
II.1.1”. Arq. Pasta II Guerra Mundial. Museu
Militar dos Açores.
Comando Militar dos Açores, 1944. Ordens particulares. Comando de Engenharia. Arquivo do
Museu Militar dos Açores. Fia – 301.
Comando Militar dos Açores, 1944. “8 –
Actividade suspeita”. Relatórios de informação
dos sectores, reserva, comando e Legião
Portuguesa antes da situação de combate.
Arquivo do Museu Militar dos Açores. Fia –
254.
Comando Militar dos Açores, 1944. Construção de
um armazém para bombas de profundidade nas
Capelas. Comando de Engenharia. Arquivo
do Museu Militar dos Açores. Fia – 220.
Comando de Engenharia, 1944. “Obra de
construção da Bataria Eventual – Relatório”.
Arq. Pasta II Guerra Mundial. Museu Militar
dos Açores.
Comando Militar dos Açores, 1945. “Vários”.
Conservação das obras e instalações.
Comando de Engenharia. Arquivo do Museu
Militar dos Açores. Fia – 287.
Comando Militar dos Açores, 1945. “Conservação de obras e instalações – S. Miguel”.
Instalação de batarias anti-aéreas e de costa.
Comando de Engenharia. Arquivo do Museu
Militar dos Açores. Fia – 295.
Comando Militar dos Açores, 1945. “Vários”.
Conservação das obras e instalações. Comando de Engenharia. Arquivo do Museu Militar
dos Açores. Fia – 288.
Comando Militar dos Açores, 1945. “Instruções
respeitantes à organização e funcionamento
do Serviço veterinário em São Miguel”. Circulares – Instruções sobre o serviço de saúde/
veterinário. Comando de Engenharia. Arquivo
do Museu Militar dos Açores. Fia – 303.
Comando de Engenharia, 1947. “Relatório do
estado das obras”. Campo de Aviação de S.
Miguel. Arq. Pasta II Guerra Mundial. Museu
Militar dos Açores.
Comando Territorial Independente dos Açores,
1969. “Terraplanagens e sondagens para
estudo do solo”. Processo 210.4 – Servidões
militares. Arquivo do Museu Militar dos
Açores. Fia – 219.
Direcção de Serviços das Obras e Propriedades
Militares dos Açores, 1941. PM 20/PDL – Paiol
de Ponta Delgada. Secção em Ponta Delgada.
Arquivo do Museu Militar dos Açores. Fia –
259.
Direcção de Serviços das Obras e Propriedades
Militares dos Açores, 1940. Relação dos
Projectos e orçamentos elaborados por esta
direcção-obra 171/940. Pedidos de cedência
e execução de obras. Arquivo do Museu
Militar dos Açores. Fia – 1109.
GAG 1. “Plano de ocupação da BTR C. 15”. Plano
de Defesa da B.A.G. n.º 1. Quartel General da
Zona Militar dos Açores.
Menezes, Sousa, 1987. “Dúvidas”. Arq. Pasta II
Guerra Mundial. Museu Militar dos Açores.
Rep. Log. “Processo 406.10.5: PM3/PD – Bateria
do Pico da Castanheira”. Serviços de Engenharia. Pasta 47. Quartel General da Zona
Militar dos Açores.
ROIIS. “Processo 301.13: PM3/PD – Bateria da
Castanheira”. Servidões Militares 4. Quartel
General da Zona Militar dos Açores.
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Filipe Pinheiro de Campos
FERREIRA
DEUSDADO:
Escrever sobre Ferreira Deusdado é para nós uma dupla tarefa
tão ingrata quanto aliciante. Se por um lado os laços familiares
que a ele nos prendem possam ser apanágio de alguma emotividade na escrita – facto que tentaremos obviar –, por outro, o
seu brilhantismo enquanto pedagogo, escritor e homem,
extravasaria de longe as linhas que agora apresentamos.
Nesta primeira abordagem acerca de Ferreira Deusdado
procuraremos traçar a sua vida e o seu percurso até terras
açorianas, a par de alguns episódios que o memorizaram junto
de muitos dos seus alunos e colegas. Posteriormente, contamos
fazer a apresentação e análise de algumas obras que dedicou aos
Açores e à sua passagem pelas ilhas.
O seu percurso, do recôndito Trás-os-Montes à cidade de
Angra do Heroísmo que tomou como sua terra adoptiva, e a
sua actividade enquanto educador e publicista foram argumentos de peso que nos aliciaram a estas breves notas.
Ferreira Deusdado com as Comendas de Isabel,
a Católica, de Espanha e de Santo Estanislau da Rússia, (1901).
[223]
UM TRANSMONTANO
NOS AÇORES
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AS ORIGENS TRANSMONTANAS
DAS PRIMEIRAS LETRAS AO MAGISTÉRIO
Manuel António Ferreira Deusdado, mais conhecido como
Ferreira Deusdado, nasceu na localidade de Rio Frio, distante
pouco mais de uma dúzia de quilómetros da cidade de
Bragança, em 7 de Abril de 1858, completando-se na data em
que esboçamos as presentes linhas o 150º aniversário do seu
nascimento. Oriundo de uma família de lavradores abastados,
foi o décimo primeiro filho de um total de treze que teve o
casal José António Ferreira e Florência Cavaleiro de Ferreira.
José António Ferreira, para além de lavrador principal da
localidade, foi também facultativo municipal, com o título de
cirurgião, actividade que já seu pai, António Ferreira, exercera
desde 1834, e membro por diversas vezes da Junta da Paróquia
de Rio Frio.
Pouco se conhece sobre os seus primeiros anos que foram
passados em Rio Frio junto de seus pais e irmãos e onde recebeu o ensino das primeiras letras na escola da aldeia por José
Augusto Afonso de Castro, passando pouco depois a viver em
Bragança, onde frequentou durante algum tempo os primeiros
estudos secundários no liceu da mesma cidade. De Bragança foi
para Lisboa, como ajudante de farmácia e em cuja cidade se viria
a matricular no então Curso Superior de Letras, inaugurado no
ano de 1859 e destinado aos estudos em História, Literatura e
Filosofia, que veio a concluir em 1881. Paralelamente frequentou algumas cadeiras do Instituto de Agronomia que lhe
deram um avultado conhecimento das ciências exactas e
naturais que viriam a revelar-se importantes na sua vasta obra.
[224]
Para além de Ferreira Deusdado, que viria a adoptar este
sobrenome de uma avó paterna por nome Maria Eulália
Deusdado Fernandes, o casal José António Ferreira e Florência
Cavaleiro de Ferreira teve também, para além do biografado,
Joaquim José Ferreira (1837) casado com Dona Amélia Augusta
de Jesus Lopes, Domingos Manuel Ferreira (1839) casado com
Dona Ângela Joaquina de Miranda, Dona Maria Teresa de Jesus
Ferreira (1842) casada com Manuel Inácio Vara, Dona Antónia
Leocádia dos Inocentes Ferreira (1844), Dona Francisca Rosa
Ferreira (1846) casada com José António Afonso de Miranda,
Dona Antónia de Jesus Ferreira (1848) que casou com José
Valentim Carneiro, Professor do Ensino Primário, Dona Luísa
de Jesus Ferreira (1850), Dona Carolina Amália Ferreira (1852),
António Manuel Ferreira (1854) casado com Dona Genoveva
Joaquina Martins, José António Ferreira (1859) casado com
Dona Maria Filomena da Paula e Francisco Avelino Ferreira
(1862) casado com Dona Adelaide Teixeira dos Prazeres
Martins. Destes irmãos de Ferreira Deusdado descendem as
famílias Gonçalves Rapazote, Cavaleiro de Ferreira, Sousa Dias
Ferreira Deusdado, Falcão Ferreira, Santos Ferreira, Ferreira
Biscaia Godinho, Vara Arina, Gonçalves Ferreira, Melo e Simas
Prieto Ferreira, entre tantas outras.
A Filosofia, mas também a Geografia e a História foram as suas
áreas de eleição e a sua formação marcadamente humanista
vocacionar-lhe-ia uma carreira brilhante no magistério superior
e liceal.
Em 1887, por Despacho de 28 de Abril, substituiu interinamente
Pinheiro Chagas, quando este foi indigitado para a pasta da
Marinha, na regência da sua cadeira no mesmo Curso Superior
de Letras onde veio a ser Lente Auxiliar. Mais tarde, prestou
provas para professor no Colégio Militar nas quais ficou colocado
em primeiro lugar na oposição à cadeira de Filosofia (1889). No
ano de 1890 ingressou definitivamente na carreira liceal.
Refira-se que curiosamente, a primeira vez que se ensinou
Psicologia em Portugal, a nível superior, foi num Curso Livre
regido por Ferreira Deusdado em 1890 o qual funcionou no
Curso Superior de Letras.
Enquanto professor liceal, iniciou a sua carreira no Liceu de Braga
para o qual foi nomeado por Decreto de 6 de Fevereiro de 1890,
sendo pouco tempo depois transferido para Lisboa onde se
manteve por quase uma década. Razões políticas num momento
tão conturbado como foram os últimos anos de Oitocentos e
inícios do século XX, traçaram o seu destino para a cidade de
Angra do Heroísmo em cujo Liceu veio a ser provido por
Decreto de 4 de Maio de 1901 e no qual leccionou História,
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FERREIRA
DEUSDADO:
UM TRANSMONTANO
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Geografia e Filosofia, sendo esta claramente a sua disciplina de
eleição e acerca da qual foi considerado como o fundador do seu
ensino moderno segundo o critério psicológico-histórico. A sua
competência provada fê-lo Reitor do mesmo Liceu açoriano no
qual se manteve até final da sua vida.
tado no Cemitério dos Prazeres e mais tarde (1980) trasladado
para a Capela de Rio Frio como era seu desejo e a instâncias de
sua sobrinha-neta Dona Maria Luísa Gonçalves Cavaleiro de
Ferreira e demais familiares.
Paralelamente à carreira docente, plena de brilhantismo e particularmente reconhecida, o seu conhecimento em áreas
emergentes à época como a Psicologia, a Pedagogia e a
Estatística Aplicada granjearam-lhe inúmeras comissões e representações na Europa. Em 1890 representa o país no Congresso
da Associação Francesa para o Adiantamento das Ciências,
realizado em Limoges. No ano seguinte, substituindo Emídio
Navarro, representou Portugal no Congresso Penitenciário de
São Petersburgo do qual teve a Presidência de Honra, cadeira
que também veio a ocupar no Congresso Antropológico de
Bruxelas em 1894.
FERREIRA DEUSDADO
ESCRITOR E PUBLICISTA
Em 3 de Março de 1897, a Universidade de Lovaina, uma das
mais conceituadas da época, outorgou-lhe o título de Doutor
Honoris Causa em Filosofia e Letras com a sua obra A Philosofia
Tomista em Portugal.
Foi louvado pelo Czar Alexandre III da Rússia durante a sua
estada neste país com a Comenda e o Grande Oficialato de
Santo Estanislau e com o foro de Gentil-Homem da Câmara
Imperial. Em 1895 foi eleito sócio-correspondente da Academia Real das Ciências de Lisboa por proposta de seu velho
amigo Pinheiro Chagas e em 1899 da Real Academia de
História de Madrid por proposta do eminente orador Emidio
Castelar. Em 1900 foi agraciado com o grau de Comendador da
Real Ordem de Isabel, a Católica, de Espanha.
Veio a falecer em Lisboa, em 21 de Dezembro de 1918, para
onde se tinha deslocado por motivos de saúde, sendo sepul-
A maioria dos seus trabalhos versou as temáticas de sua eleição
– a Filosofia e a Pedagogia – não descurando, também, os títulos de índole marcadamente histórica, regional e etnográfica.
Colaborou particularmente nos periódicos Norte Transmontano
e Nordeste, de Bragança, e nos seus congéneres açorianos,
Correio dos Açores, San Miguel e ainda no Correio Nacional. Em
1885, fundou a Revista de Educação e Ensino, a primeira do
género em Portugal, da qual foi Director e principal colaborador
durante os dezasseis anos em que a mesma foi publicada e na
qual participaram inúmeros vultos de reconhecido mérito como
Bettencourt Ferreira, Leite de Vasconcellos e Esteves Pereira.
De sua autoria contam-se as seguintes obras:
Ensaios de Philosophia Actual (Lisboa, 1888);
Estudos sobre Criminalidade e Educação: Philosophia e
Anthropologia (Lisboa, 1889);
A Litteratura Grega e Latina: Lição exposta no Curso Superior de
Letras no anno lectivo de 1886-1887 (Lisboa, 1889);
Ideias sobre a Educação Nacional (Lisboa, 1890);
Notas d’um viajante no Império Russo, separata do diário A
Verdade (Lisboa, 1890);
Essays de Psychologie Criminalle: Raport présenté au Congrés
Pénitenciaire International de Saint-Petersbourg (Lisboa, 1890);
Ideias sobre Educação Correccional (Lisboa, 1890);
[225]
Os seus trabalhos na área da educação correccional, da qual foi
pioneiro em Portugal e da organização do sistema penitenciário,
levaram a que o Governo em 1894 lhe cometesse a reforma da
Casa de Correcção de Lisboa na qual teve um papel
determinante com o estabelecimento do Ensino Carcerário em
Portugal. As suas memórias enviadas ao Congresso Penitenciário
de Paris foram amplamente discutidas e aplaudidas.
A grande produção literária de Ferreira Deusdado ficou dispersa por publicações periódicas com inúmera colaboração em
jornais e revistas mas também num elevado número de títulos
de sua autoria.
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Plano de uma Escola Colonial Portugueza (Lisboa, 1890);
O Ensino Carcereiro e o Congresso Penitenciário Internacional de
São Petersburgo (Lisboa, 1891);
Lyceu Nacional de Angra do Heroísmo: Discurso Inaugural
proferido na sessão pública de 17 de Outubro de 1910 pelo
Reitor Dr. Ferreira Deusdado (Angra, 1910);
Elementos de Geographia Geral (Lisboa, 1891);
Escorços Transmontanos (Angra, 1912);
O Recolhimento da Mofreita e o Espírito das Ordens Religiosas
(Lisboa, 1892);
O Senhor Dom Manuel, V Bispo de Angra, separata do
Almanaque Açores para o ano de 1916 (Angra, 1916);
Psychologia Aplicada à Educação: Lição de Abertura exposta no
Curso Superior de Letras de Lisboa em 1891-92 (Lisboa, 1892);
A Crise do Ideal na Arte (Lisboa, 1917).
Chorographia de Portugal: illustrada com 50 gravuras e 20
mappas a cores (Lisboa, 1893);
A Anthropologia Criminal e o Congresso de Bruxelas (Lisboa, 1894);
Raport sur les moyens preventifs et questions relatives à l’enfance
et aux mineurs: Cinquiéme Congrés Pénitenciaire International
(Melun, 1895);
[226]
Princípios Geraes de Philosophia por J. M. da Cunha Seixas: Obra
Posthuma precedida de um esboço histórico da Philosophia em
Portugal no século XIX e de uma notícia biographica do auctor
(Lisboa, 1897);
A Sugestão Hypnotica em Educação (Lisboa, 1898, em
colaboração com J. Bettencourt Ferreira);
La Philosophie Thomiste en Portugal1 (Lovain, 1898);
Elogio Histórico do Dr. José Augusto Nogueira Sampaio, Reitor e
Professor do Lyceu Nacional de Angra do Heroísmo, proferido na
sessão solemne de 16 de Junho de 1902 (Angra, 1902);
Pensamentos (Angra, 1903);
Quadros Açoricos. Lendas Chronographicas (Angra, 1907);
Discurso da Abertura Solemne Recitado pelo Reitor Interino Dr.
Ferreira Deusdado na Sessão Pública de 16 de Outubro de 1907
e Relatório referente ao anno escolar de 1906-07 no Lyceu
Nacional de Angra de Heroísmo (Angra, 1907);
Bosquejo Histórico de Puericultura: Educadores Portugueses
(Angra, 1909);
1 Obra que lhe valeria o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de
Lovaina e reeditada com prefácio de Pinharanda Gomes em 1978.
Sob o pseudónimo de Visconde de Alvaredos publicou a Carta
Aberta do Senhor Dom Miguel de Bragança (Angra, 1904) e, sobre
o criptónimo de Cavaleiro de Miranda, Perfil do Conselheiro
Teixeira de Sousa, separata de O Regenerador (Angra, 1910).
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Durante a sua vida de magistério em Angra do Heroísmo, foi
Ferreira Deusdado um claro naturalista que procurando aliar as
suas prelecções a uma vivência da realidade para o seu melhor
entendimento por parte dos seus discípulos, o conduziu a
frequentemente fazer a continuidade das suas aulas magistrais
pelos verdes pastos e pelas encostas escarpadas da Terceira.
De uma dessas saídas ficou notório o episódio em que salvou
um pobre pescador de sucumbir por afogamento. Talvez por
ser um opúsculo pouco conhecido será a partir desse episódio,
sobejamente relatado pela imprensa da época que procuraremos dar à luz alguns aspectos da sua vida porventura menos
conhecidos.
Sob o título Um Rasgo de Benemerência: reunião de notícias e
documentos em louvor do Dr. Ferreira Deusdado, edição coligida,
como testemunho de amistosa camaradagem, José Pinto Soares,
diplomado pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,
seu antigo companheiro, professor de Latim e Português no
Liceu de Angra, publicou em 1914 os episódios que celebrizaram a bravura e o fervor destemido do nosso biografado.
Na publicação, constam os diversos relatos e louvores que a
imprensa regional e nacional devotaram à sua intrépida coragem, assim como a ocorrência dos factos relatadas pelos alunos
que assistiram. Esses relatos foram feitos a partir de um
exercício de composição sob o epítome Narrar a excursão pedagógica da aula de Geografia da 4ªClasse, feita conjuntamente com
os alunos da 5ª no dia 28 de Maio último [1914]. Entre os
diferentes exercícios são contemplados pela sua alta classificação e redacção os dos alunos Manuel Silveira de Ávila, Gastão
de Melo Furtado e António Coelho de Ornelas Simões, datados
de 3 de Junho de 1914. As referidas composições relatam na
primeira pessoa as ocorrências do dia que não passaram
incólumes à imprensa da época.
Segundo os testemunhos, Ferreira Deusdado preparou uma
aula de campo de Geografia, de modo a dar a conhecer aos
seus discípulos as realidades sobre as quais dissertava nas suas
aulas; a amplitude das marés, o nível médio do mar, as
formações geológicas da costa, a par de conhecimentos de
Geologia e Botânica. Para tal, nada melhor que uma visita
pedestre nas costas das redondezas.
Durante esse princípio de tarde, no lugar denominado Aberta da
freguesia de São Mateus da Calheta, deparou com um homem
em luta desigual com a voracidade das águas do mar, por nome
Francisco Videira, o qual estando a pescar teve uma vertigem que
o fez cair no mar, que nesse momento estaria particularmente
revoltoso. Ferreira Deusdado, percebendo essa aflição, lançou-se intrepidamente ao mar tendo salvo o infeliz pescador da
violência das águas. A força que teve que exercer, aliada ao facto
do mesmo Francisco Videira não saber nadar, valeu-lhe uma
deformação no dedo anelar da mão esquerda tal seria a violência
do socorro que prestou. Tal facto fez de si, para além de um já
reconhecido professor, um intrépido cidadão e valeu-lhe gratidão
de toda a comunidade. Foi sobre este facto que a imprensa da
época se debruçou e que aqui transcrevemos. A Verdade, o
Açoreano Oriental, O Telegrapho e também a Revista Catholica de
Viseu, os diários lisboetas O Dia e Diário da Manhã, o Legionário
Transmontano e a Illustração Catholica de Braga, a par de inúmeras
notícias publicadas em jornais de São Miguel, Lisboa e Porto,
relatam circunstanciadamente o feito e proclamam o seu autor.
Este episódio valeu-lhe a Medalha de Prata de Mérito, Filantropia e Generosidade que lhe foi conferida por Decreto de 14
de Abril de 1916.
Pelo seu conteúdo muito similar transcrevemos apenas os artigos que foram inseridos em periódicos açorianos, limitando-nos a citar brevemente os restantes.
A União, diário de Angra, de 28 de Maio de 1914, relata os
acontecimentos sob o título Acto Heróico da seguinte forma:
Hoje quando a 4ª e 5ª classe do nosso liceu se encontrava com
o seu professor sr. Dr. Manuel Ferreira Deusdado junto aos
recifes da costa, perto do lugar denominado Aberta, afim de
lhes ser explicado pelo mesmo senhor a influência das costas
sobre as marés e ainda outros fenómenos, foi visto no mar, por
acaso, um homem que aflitivamente se prendia a um baixio.
[227]
UM EPISÓDIO MARCANTE NA TERCEIRA
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Como só uma pequena parte do corpo estivesse a descoberto, o
sr. Dr. Ferreira Deusdado estranhando o caso, dirigiu algumas
palavras ao pobre homem que não respondeu satisfactoriamente.
Então o sr. Dr. Deusdado despe rapidamente o casaco e colete
e com intrepidez lança-se ao mar que junto dos penedos
redemoinhava.
Pouco depois alcançava o desgraçado, que passados instantes
estava salvo.
[228]
Só depois disto se conheceu a verdadeira causa do sucedido pois
que Francisco Videira, assim se chamava o infeliz, declarou
ainda meio congestionado que estando a pescar lhe dera uma
vertigem caindo nesse momento à água. Declarou mais que
devido a não saber nadar e à fundura e redemoinho das águas,
se agarrara áquele penedo sem possibilidade de chegar a terra,
pois tinha ainda contra si o facto da maré estar enchendo. O
sr. Dr. Ferreira Deusdado que teve oportuna ocasião de
exemplificar praticamente as virtudes que o seu bem formado
e humanitario coração encerra, ficou com o dedo anelar da mão
esquerda bastante magoado, desconfiando até que tinha as
falanges fóra do seu lugar.
Actos destes, próprios dum caracter diamantino, como o que
Sua Ex.ª possue, são bem dignos do respeito e veneração de
nós todos. Aceite pois Sua Ex.ª profundas e sinceras
felicitações por mais este acto aureolado de heroicidade.
Em 30 de Maio, outro diário da cidade de Angra, A Verdade
publica sob o título Acção Humanitária:
O muito ilustre professor do Liceu Nacional desta cidade, o
sr. Dr. Ferreira Deusdado, sempre solícito em enriquecer o
espírito de seus alunos com conhecimentos scientíficos e
literários, convidou os estudantes do 4º. e 5º. Ano do mesmo
Liceu para se reunirem numa aula-passeio.
Sua Ex.ª, acompanhado dos rapazes, dirigiu-se pela estrada
do Caminho de Baixo para beira mar e ao mesmo tempo ia
explicando, no meio da mais curiosa atenção que o cercava, a
variedade da amplitude das marés, conforme os acidentes da
costa.
Neste momento enxergamos um homem debatendo-se no mar
e pedindo socorro. S. Exª. despe imediatamente o fraque e o
colete, arremessa o chapéu, lança-se ao mar para salvar o
aflito homem.
Alguns alunos pretenderam deter S. Exª., mas em vão, pois
êle lançando-se ao mar com uma energia que causou
admiração a todos, afiançou que era bom nadador.
A costa ali é semeada de parceis e recifes de arestas agudas e
cortantes, e a maré estava encher com fortes ondas; apesar de
tudo S. Exª. conseguiu trazer o homem para terra, o qual
estava assustadíssimo e contuso no peito.
Era um casual e curioso pescador de caniço e apanhador de
lapas, que declarou chamar-se Francisco Videira, de trinta e
seis anos de idade, trabalhador do campo, casado, com cinco
filhos.
Caíra de cima de uma pedra ao mar, com uma vertigem.
A costa era deserta, e o desgraçado disse que não sabia nadar,
e que permanecia desesperadamente agarrado a um escolho,
pois aterrado vira perto um marraxo.
O Sr. Dr. Ferreira Deusdado estava a transpirar quando
entrou no mar. Ao sair conheceu que tinha um dedo da mão
esquerda partido pela falanginha; dedo a que o homem no mar
nervosamente se agarrara.
Videira seguiu, e ainda meio estonteado, para sua casa, muito
grato ao seu salvador.
Os alunos retiraram comovidos, comentando o facto que poz
fim á excursão pedagógica, admirando e elogiando muito o
procedimento do seu muito caro professor.
Tributemos pois os nossos louvores a S. Exª. pela intrepidez
com que salvou o pobre aflito, e ao mesmo tempo pelo exemplo
de caridade que deu aos seus alunos, mostrando praticamente
o que deve ser um homem energico e bondoso até ao sacrificio.
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(...) Apresentando tambem os nossos parabens, temos a
acrescentar que o homem de quem se trata, salvo pela
abnegação do distincto escriptor, era um trabalhador honrado
e pobre com mulher e cinco filhos todos menores de 9 anos.
Foi uma dupla lição que o sr. Dr. Ferreira Deusdado deu aos
seus discipulos: saindo para lhes ensinar um ponto de
geographia physica, exemplificou-lhes também uma das mais
bellas virtudes da moral christã, de que o notável professor é
fervoroso apostolo.
Também O Telegrapho, periódico da cidade da Horta, na sua
edição de 18 de Junho, transcreve a notícia inserta no diário A
Verdade complementando-a:
(...) Nesta nobilissima acção do ilustre professor, ha, ve-se bem,
toda a espontaneidade do desprendimento e da abnegação
próprias ao serviço duma modalidade psiquica afectuosa e boa,
– susceptivel de produzir destes rasgos e despertar destes
impulsos que cristalizam a dedicação máxima do homem pelo
homem, jogando a vida pela vida, como irmão por irmão.
E não é de mais apontar essa circunstancia. Sente-se, pelo
menos, o goso espiritual da visão duma clareira de luz,
projectada pelo sol divino da Caridade, atravez as sombras
escuras da noite má e triste em que se debate o principio da
solidariedade humana...
Certos de que o sr. Dr. Ferreira Deusdado encontra a melhor
recompensa do seu gesto no galardão da propria consciencia, em
vez dos louvores que a sua modestia rejeitaria, limitamos a
apontar o facto que o seu exemplo edifica.
de Lisboa O Dia, com o título Acção Nobre d’um Catholico e
Homem de Lettras, da mesma data, e de Mendonça Negreiros3
no Legionário Transmontano, de 18 de Junho, debaixo do título
Lição de Heroismo.
A sociedade civil não foi alheia ao facto e a Junta da Paróquia da
freguesia de São Mateus da Calheta reuniu extraordinariamente
em 29 de Maio de 1914 de modo a lançar um voto de reconhecimento a Ferreira Deusdado e cuja acta transcrevemos na
íntegra.
Aos vinte e nove dias do mez de Maio de mil novecentos e
quatorze, pelas onze horas da manhã, reuniu a Junta de
Paróquia civil da freguesia de São Matheus da Calheta no
lugar costumado de suas sessões, sob a presidência do cidadão
João Evangelista de Susa, estando presentes os Vogais
cidadãos João Jacinto Fisher, José Ferreira Belerique, João
Maria de Lemos, João de Brito Pacheco, Reverendo António
Barcelos de Lima, e o Regedor José Vieira da Fonseca, em
sessão extraordinária, para lançar na acta um voto de sincero
e entusiástico louvor ao Excelentíssimo Senhor Doutor
Manuel Ferreira Deusdado, pela sua acção de destemido
valor, praticada ontem, depois do meio dia na nossa costa. O
sucesso alarmante alvoroçou esta freguesia suburbana e até à
cidade. Era um afogado, trabalhador bom, casado, com cinco
filhos todos menores de nove anos, que estava já desesperado à
beira do abismo da morte. Com razão ele diz: “Depois do Pai
do céu é ao Senhor Doutor que eu devo a vida”. A classe
2 Natural de Meirinhos (Mogadouro), professor do Seminário de Bragança,
fundador e director do Legionário Transmontano, de periodicidade
semanal, iniciado em 18 de Junho de 1914, publicado até 14 de Maio de
1915 in ALVES, Francisco Manuel (2000). Memórias Arqueológico-Históricas
do Distrito de Bragança. Tomo VII. Bragança. Edição da Câmara Municipal.
p. 693.
3 José Maria de Mendonça Negreiros, bacharel formado em Teologia pela
Diversos jornais e revistas do Continente propugnaram
também este feito sendo de destacar os artigos do Padre
Francisco Netto2, insertos na Revista Catholica de Viseu de 13
de Junho sob o título Uma Grande Lição, de António Manuel dos
Santos, da Faculdade de Estudos Sociais e de Direito, no diário
Universidade de Coimbra (1910), presbítero, professor do Seminário de
Bragança, nasceu em Barcel (Mirandela) em 25 de Novembro de 1881 e
faleceu em Abreiro no mesmo concelho a 24 de Setembro de 1960. Foi
também director do semanário Legionário Transmontano in ALVES,
Francisco Manuel (2000). Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de
Bragança. Tomo VII. Bragança. Edição da Câmara Municipal. p. 693.
[229]
O Açoreano Oriental em 6 de Junho transcreve a notícia de A
União acrescentando o mérito do seu personagem:
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[230]
piscatória e baleeira da freguesia se São Matheus, que é a mais
activa, numerosa e audaz de toda a ilha Terceira, não tem
palavras com que louve bastante um arrôjo de valentia e de
grande caridade, praticado ontem no meio do revoltear das
grossas ondas e escarceus da cavernosa penedia da nossa costa,
acrescendo a circunstância de ser num dia de vento sul rijo, de
marés vivas, pois é lua nova e é a mais temível época da
pavorosa vinda do marraxo, essa espécie de tubarão de
extrema voracidade contra o homem. O infeliz pai de família
sem saber nadar, abraçado a um pequeno cachopo onde jazia
e que a maré enchente ia rapidamente cobrindo, teria em breve,
morte certa, sendo por isso hoje considerado por todos como um
ressuscitado. Bem do coração damos em nome desta freguesia,
de gente marítima, os emboras ao seu decidido salvador, que
arriscando denodadamente a vida, honrou a sua raça
visivelmente, salvando a vida a quem pelo trabalho procurava
mantê-la, e restituindo a alegria a um lar que se não fosse a
abnegação e caridade de Sua Excelência, a estas horas estaria
coberto de luto, povoado de dores e orvalhado de lágrimas. Por
unanimidade foi deliberado enviar cópia desta acta ao
Excelentíssimo Senhor Doutor Manuel Ferreira Deusdado. E
não havendo mais nada a tratar foi enerrada a sessão de que
eu secretário João José Sabino lavrei esta acta que comigo foi
assinada por todos membros da Junta. Seguem-se as
assinaturas. Secretaria da Junta de Paróquia da freguesia de
São Matheus, 12 de Agosto de 1914.
Este pequeno, mas notável, episódio na sociedade terceirense
dos alvores do século XX deu eco a inúmeras vozes e
manifestações de apoio à personalidade e altruísmo de Ferreira
Deusdado que, reconhecido pelos seus conhecimentos e
trabalhos, veria assim também a sua exaltação enquanto
cidadão de elevado mérito.
A VIDA FAMILIAR
DE FERREIRA DEUSDADO
Como se viu, Ferreira Deusdado veio para os Açores em
virtude de questões de natureza política sobre as quais pouco
se referiu nas inúmeras missivas e notas que deixou. De
qualquer modo, o destino traçar-lhe-ia um brilhantismo notável
enquanto professor e, mais tarde, Reitor no Liceu de Angra do
Heroísmo.
Foi nesta cidade que veio também a contrair matrimónio. Seu
colega e amigo Dr. Victor Machado de Serpa, oriundo da Ilha
do Pico, convidou-o para desfrutar de umas férias nesta ilha o
que lhe valeu travar conhecimento com uma das irmãs do seu
correlegionário, Catarina de Serpa, com a qual viria a casar na
freguesia de Santa Luzia, em Angra, a 26 de Janeiro de 1905.
Dona Catarina de Serpa nasceu na Prainha do Norte, concelho
de São Roque do Pico, em 1 de Março de 1870, e faleceu na
Horta, em 18 de Outubro de 1931, sendo filha de José António
de Serpa, proprietário, e de sua mulher, Dona Isabel Olinda
Leal, neta paterna de Manuel José de Serpa e de Dona Catarina
Tomásia de Jesus de Bettencourt e materna de António Dias de
Lima e de Dona Isabel Francisca da Conceição, da mesma Ilha
do Pico4.
4 MENDES, A. O.; FORJAZ, J. (2007). Genealogias da Ilha Terceira, Lisboa,
Dislivro Histórica, tít. SERPA, § 4º, nº 5.
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FERREIRA
DEUSDADO:
UM TRANSMONTANO
NOS AÇORES
A felicidade que o casal sempre denotou é bem patente pelas
extensas missivas de Dona Catarina Deusdado para seus
cunhados em Trás-os-Montes e em Lisboa com os quais viria a
manter estreita ligação até ao final da sua vida, muito embora
nunca tenha conseguido concretizar a trasladação dos restos
mortais de seu marido para a sua terra natal.
O seu desejo de repousar na sua terra natal fica bem claro
numa das cartas (Horta, 31 de Janeiro de 1923) que sua viúva
endereçou aos cunhados em Bragança e da qual transcrevemos
os seguintes excertos:
[231]
(...) Bem penoso me tem sido não ter podido ainda realisar os
seus desejos de ir repousar definitivamente para a sua pequena
aldeia, mas, como sabes, em tudo houve uma completa
transformação, transformação bem sensível na minha vida (...)
acrescentando ainda (...) parece que o Dr. António vai brevemente
a Rio Frio escolher o sítio para o novo cemitério, onde terá de
ser edificado o mausoléu para o Tio, que tanto desejava ser
enterrado ali. O Domingos espera que seja junto da ermida de
Ao Pé da Cruz que, como diz nos seus Escorços
Transmontanos era onde desejava ficar depositado (...)
Tal facto apenas nos inícios da década de 80 se viria a consumar
tal como referimos.
Não tendo tido filhos, foram os seus sobrinhos alvos de uma
grande e particular afeição, como o provam as inúmeras
fotografias e cartas que chegaram até nós.
Entre os seus sobrinhos, mereceram especial afeição por parte
de Ferreira Deusdado os filhos de seu irmão José António
Ferreira que foram viver para junto do casal nos Açores, tendo-se estabelecido na cidade da Horta onde constituiram família;
Amadeu de Jesus Ferreira, funcionário bancário, nascido em
Rio Frio em 29 de Outubro de 1891, falecido em Angra a 28 de
Outubro de 1943 e casado com Dona Capitolina Goulart de
Mello e Simas Prieto; sua irmã, Dona Carolina Augusta Ferreira
Deusdado, nascida em 10 de Dezembro de 1899, falecida na
Horta a 4 de Julho de 1973, casou com Alfredo Rodrigues do
Espírito Santo.
A casa de Dona Carolina Deusdado
na Rua de São João (Horta).
Capela do Pé da Cruz em
Rio Frio onde que foi
sepultado Manuel Ferreira
Deusdado.
A casa de Dona Carolina Deusdado ainda hoje subsiste na
cidade da Horta5, na Rua de São João, com a particularidade de
nela se encontrar um painel alusivo ao facto de nela ter residido
a viúva de Manuel Ferreira Deusdado. Amadeu de Jesus Ferreira residiu na casa da família Mello e Simas na Rua do Conselheiro Medeiros na mesma cidade6.
Também seu sobrinho neto, Domingos Augusto de Miranda
5 Actualmente sede da Estação Antena 9 do Faial.
6 Actualmente habitada por sua filha Dona Gabriela Soares de Mello e
Simas Prieto Ferreira, Madre da Congregação da Escravas do Divino
Coração de Jesus juntamente com outras irmãs da mesma.
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[232]
Ferreira Deusdado, foi alvo de uma especial dedicação e esmerada educação por parte de seu tio. Nasceu em Rio Frio em 6 de
Setembro de 1890 e faleceu em Lisboa a 20 de Junho de 1968
onde foi advogado de reconhecido mérito, publicista, um dos
responsáveis pela realização do 1º Congresso Transmontano e
presidente da Casa de Trás-os-Montes em Lisboa, casado com
Dona Maria Henriqueta Gomes de Souza Dias.
A sua grande afeição pela terra natal e pelos seus ficou sempre
patente em diferentes momentos da sua vida, fosse através dos
seus escritos, muitos deles dedicados a Trás-os-Montes – de
que é cabal exemplo os textos que inseriu sob o epítome de
Escorços Transmontanos –, ou das inúmeras cartas para familiares e amigos.
Procuraremos num próximo artigo debruçar-nos, em particular,
sobre a actividade publicista de Ferreira Deusdado, particularmente nos seus escritos e trabalhos em temáticas açorianas,
certos de que tal abordagem possa vir a despertar a curiosidade
das gerações actuais para com a sua obra marcadamente actual.
Manuel Ferreira Deusdado
e sobrinho Domingos Ferreira Deusdado.
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15.CH.Luís Arruda(pb)
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OUTROS SABERES
PEDRO MADEIRA PINTO
Vida vivida, 2008
técnica tinta sobre papel
medida 100x70 cm
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Luís M. Arruda
2009, “ANO DARWIN”
SOBRE CHARLES DARWIN
E O EVOLUCIONISMO
Em 2009 cumprem-se 200 anos sobre o nascimento de Charles
Darwin e 150 anos sobre a data em que foi tornada pública a
primeira edição da sua obra On the origin of species by means of
natural selection, or the preservation of favoured races in the
struggle for life, tida, geralmente, como fundamento da denominada Teoria da Evolução ou Evolucionismo que transformou
completamente o pensamento científico desde então.
Aquelas duas datas proporcionam o aparecimento de iniciativas
várias tendo em vista divulgar e discutir o pensamento científico
à luz do Evolucionismo. Neste contexto, neste artigo, monográfico e de divulgação, são abordadas as matérias seguintes: biografia sucinta de Darwin; fundamentos da sua teoria sobre a origem
das espécies biológicas – Teoria da Evolução;
impacto que esta teoria teve na sociedade e nas ciências; e de como
ela foi recebida nos Açores.
Charles Darwin aos 51 anos de idade
(plate XXXVII in Pearson, 1914).
[235]
INTRODUÇÃO
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BIOGRAFIA SUCINTA
[236]
Segundo FINCHAM (1984), JENSEN & SALISBURY (1972) e MAYR
(1995), Charles Robert Darwin nasceu em Mount
(Shrewsbury), Inglaterra, em 1809, filho de Robert Waring
Darwin, um médico inglês, abastado. O pai queria que estudasse medicina mas, um ano após ter entrado na Escola Médica
da Universidade de Edimburgo, preferiu transferir-se para a
Universidade de Cambridge a fim de estudar teologia. Nesta
matéria não foi melhor sucedido do que havia sido em
medicina, mas teve oportunidade de contactar com cientistas
bem conhecidos, que trabalhavam em história natural, de entre
eles, John Steven Henslow (1795-1861), professor de botânica.
Os conhecimentos adquiridos por Darwin em história natural
foram de tal monta que foi convidado a participar, como
naturalista, na expedição do H. M. S. Beagle1 que tinha por
objectivo fazer levantamentos cartográficos à volta do mundo
mas também proceder a estudos sobre meteorologia,
hidrologia e história natural, entre outros.
Durante os cinco anos que demorou a viagem, Darwin teve
oportunidade de contactar com as florestas tropicais no Brasil,
os fósseis do Plistocénico e do Terciário nas Pampas argentinas,
os nativos da Terra do Fogo, a geologia dos Andes e muitos dos
animais das ilhas Galápagos. Essa exposição à grande diversidade dos mundos biológico e físico, a sua perspicácia de observação e a capacidade para investigar deixaram uma imagem
indelével no seu pensamento e habilitaram-no a acumular uma
grande quantidade de material que o ajudaram a formular
muitas das suas ideias sobre a evolução dos seres vivos.
Ainda segundo JENSEN & SALISBURY (1972), Darwin não tinha
qualquer desacordo com a Teoria da Criação Especial2 quando
embarcou no Beagle. Esta era a doutrina aceite pelas pessoas da
sociedade do seu tempo e por isso não ficou surpreendido com
a advertência de Henslow: «read Lyell3... but on no account
accept his views» quando, antes de embarcar, obteve o primeiro
volume da obra daquele naturalista, publicado no ano anterior.
Porém, Darwin observou evidências, convincentes, dos
argumentos a favor do uniformitarismo, por toda a parte onde
o Beagle aportou, que o converteram à visão daquele quanto às
1 Brigue inglês, deslocando cerca de 240 toneladas, partiu de Devonport,
nos arredores de Portsmouth (Inglaterra), em 27 de Dezembro de 1831,
sob o comando do jovem Robert FitzRoy (1805-1865), que já havia assegurado o comando de um cruzeiro à Patagónia e Terra do Fogo, entre
1828 e 1830. Em 1839, FitzRoy editou três volumes sobre aquelas viagens
com o título Voyages of his Majesty’s Ships Adventure and Beagle, mas é
melhor conhecido pelas suas pesquisas em hidrologia, em meteorologia e
no serviço de salva-vidas (cf. BARRETT & FREEMAN, 1987a).
Foram a influência de seu tio Josiah Wedgood e a iniciativa do comandante
FitzRoy que levaram o também ainda jovem Darwin a juntar-se a esta
viagem de exploração à volta do mundo.
Na viagem de regresso a Inglaterra, o Beagle escalou a ilha Terceira, onde
ancorou ao largo de Angra, em 19 de Agosto de 1836. A propósito desta
estada nos Açores, Darwin registou no seu Diary descrições breves da ilha,
da cidade e de duas excursões em terra, uma à Praia, incluindo alguns
apontamentos históricos, económicos, sociais, etnográficos, faunísticos, florísticos e geológicos (cf. BARRETT & FREEMAN, 1987b). A 25 do mesmo mês
escalou Ponta Delgada, para receber correspondência, tendo depois largado directo a Falmouth (Inglaterra), onde chegou a 2 de Outubro 1836 (cf.
ARRUDA, s. d.).
2 Teoria baseada em escritos bíblicos e nas teorias de Aristóteles (384-322
a.C.), considera que todos os seres vivos foram criados por Deus, num
acto único, sem qualquer relação de parentesco entre si e que permaneceram imutáveis.
Esta teoria contrariava a ideia, então comum entre os gregos, de que o
mundo é dinâmico. Foram as explicações dadas por Anaximandro (610 547 a. C.) e Empédocles (séc. V a. C.) de que as coisas vivas evoluíam que
deram lugar à filosofia de Platão (428/27-347 a. C.) que dominou o pensamento ocidental subsequente. Naquele tempo, a mudança era entendida
como uma manifestação das imperfeições do mundo material. Mais tarde,
com as alterações introduzidas pela cultura cristã no pensamento platónico,
foi entendido que nenhum ser podia ter aparecido depois de Deus ter
criado o Universo e nada do que Ele tivesse gerado se podia ter extinguido
porque isso seria sinal de imperfeição do Seu Universo. Esta visão do
mundo começou a ser desvalorizada, em parte, devido a contradições
filosóficas inerentes e, em parte, consequência do desenvolvimento da
ciência empírica. Foram postos em dúvida conceitos consagrados como,
por exemplo, o da posição central da Terra no Universo; aquele da explicação dos fenómenos físicos pelas leis da matéria em movimento; e aquele
outro da evolução estelar. Começou a desenvolver-se uma visão histórica
das relações humanas com a ideia de mudança na sociedade humana, rumo
à civilização. A geologia forneceu evidências de que a crosta terrestre tinha
mudado e de que algumas espécies biológicas se tinham tornado extintas.
3 Henslow refere-se à obra de Charles Lyell (1797-1857), Principles of
Geology, 3 volumes publicados, sucessivamente, em 1830, 1831 e 1833,
responsável pela aceitação do conceito de uniformitarismo para explicar
as características da crusta da Terra por meio de processos naturais ao
longo do tempo geológico e que lançou os fundamentos para a biologia
evolutiva e para uma compreensão do desenvolvimento da Terra.
Segundo esta corrente do pensamento, as formações geológicas foram
produzidas ao longo do tempo geológico pelos mesmos processos lentos
e graduais que as originam nos nossos dias. Havia aparecido, em 1788,
num artigo de James Hutton (1726-1797), com o título Theory of the
earth; or an investigation of the laws observable in the composition,
dissolution, and restoration of land upon the globe, incluído em Transactions
of the Royal Society of Edinburgh, 1, 2: 209-304.
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2009, “ANO DARWIN”
CHARLES DARWIN
EVOLUCIONISMO
SOBRE
EO
De acordo com JENSEN & SALISBURY (1972), em 1836, quando
regressou a Londres, Darwin estava ansioso por estudar a grande quantidade de dados que havia recolhido [com o seu
amanuense Sims Covington] bem como todos os factos
relevantes que envolviam a sua ideia. Fixado naquela cidade,
entrevistou pessoas e leu obras. Em breve percebeu que a
selecção era a chave do sucesso do homem ao fazer raças úteis
de animais e de plantas. Mas, como podia a selecção ser aplicada
aos organismos vivos no estado selvagem foi questão que
manteve sem resposta por algum tempo. Em Outubro de
1838, cerca de 15 meses depois de ter começado aquele
período de estudo em Londres, leu a obra de Thomas Maltus
(1766-1834), Essay on the principle of population (1798). Esta
obra sugere que (a) a produção de alimento cresce de modo
aritmético enquanto as populações crescem de modo geométrico; e (b) o crescimento contínuo de uma população termina
em catástrofe, porque as taxas de natalidade são superiores às
taxas de mortalidade. Darwin viu imediatamente que esta sugestão podia conduzir à existência de variações nos organismos
vivos com possibilidade de serem preservadas e que, por esta
via, podia explicar uma teoria de selecção natural!
fizeram uma vida relativamente isolada, até à morte daquele.
Foi nesta localidade que redigiu o primeiro ensaio da sua Teoria
da Evolução.
Apesar de limitado pela doença4, a sua produtividade científica
foi prodigiosa. Quando morreu, em 1882, com 73 anos de
idade, tinha publicado dezenas de artigos e oito livros sobre
diversos assuntos incluindo a evolução do homem, a origem
dos recifes de coral, as ilhas vulcânicas, a América do Sul e um
tratado detalhado sobre cracas.
FUNDAMENTOS DO EVOLUCIONISMO
Conforme FINCHAM (1984) e RUIZ & AYALA (1999), Darwin
reconheceu: (a) haver semelhança entre a distribuição geográfica das espécies biológicas em latitude e em altitude; (b) existir
espécies semelhantes em ambientes diferentes mas não serem
parecidas em ambientes equivalentes; (c) existir dois tipos de
ilhas, as continentais, separadas dos continentes por pequenas
extensões de água e com povoamentos animais e vegetais dependentes daqueles, e as oceânicas, originadas pela actividade
vulcânica, sem contacto directo com as grandes massas de terra mas com povoamentos, mesmo nas mais remotas, mostrando alguma semelhança com aqueles dos continentes mais
próximos; (d) existir maior diversidade biológica nos continentes do que nas ilhas; e (e) haver grupos biológicos definitivamente afastados das ilhas, como os anfíbios, por os seus ovos
não resistirem à água salgada, e os mamíferos, excepto os morcegos mesmo nas ilhas mais afastadas dos continentes.
Como explica FURTADO (1881), «ao contrário do que se dá nas
ilhas continentais, as ilhas oceânicas têm um todo de espécies
peculiares que se não encontram nem em outros pontos do
globo, nem nos continentes próximos. Assim os Açores e a
4 Depois de regressar a Inglaterra a saúde de Darwin declinou e, desde
Em 1839, Darwin casou com a sua prima Emma Wedgwood.
Posteriormente, em 1842, o casal transferiu-se para uma casa
próxima de Down (Kent), uma pequena localidade de 300
habitantes, a 30 milhas de Londres, por comboio, onde ambos
1838 até à sua morte, foi incomodado por ataques de vómitos e outras
queixas que o tornaram algo inválido. Os seus sintomas fazem deduzir
que sofria da doença-de-Chagas, semelhante à doença-do-sono, provocada por um parasita, protozoário que o deve ter afectado na Argentina,
durante a viajem do Beagle.
[237]
mudanças graduais ocorrendo à superfície da Terra ao longo do
tempo. Também segundo FINCHAM (1984), Darwin verificou,
por exemplo, que as aves no arquipélago de Cabo Verde, ao
largo da costa de África, eram semelhantes àquelas do território
continental, e que as aves das ilhas Galápagos, ao largo da costa
da América do Sul, eram semelhantes àquelas deste continente,
não obstante os cerca de 800 a 900 Km de oceano que separam
estas ilhas daqueles continentes. Na circunstância, questionou
porque não teria o Criador produzido espécies de aves próprias
das ilhas? Posteriormente, observando que as diferentes
espécies de tentilhões nas ilhas Galápagos eram diferentes mas
ainda relacionadas, intimamente, imaginou que essas diferenças
se teriam desenvolvido de modo gradual, durante um longo
intervalo de tempo, em resposta ao seu isolamento, relativo, em
cada uma das ilhas.
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Madeira possuem uma fauna especial de moluscos terrestres, e
as Galápagos têm pássaros peculiares, ainda que submetidos ao
tipo americano como as nossas conchas terrestres se vazam
nos moldes europeus.
«Ora, como não se pode acreditar que mão oculta esteja à espera que uma ilha surja das ondas para fazer de lodo alguns caracóis mais ou menos transparentes e pintados, os transformistas
não podem ver nas espécies particulares às ilhas oceânicas senão
espécies emigradas ou trazidas acidentalmente dos continentes
pelas aves de arribada e nos troncos que as ondas arrojam às
praias, e que se transformaram mais ou menos rapidamente em
virtude do clima insular, e vêem na particularidade actual dessas
formas insulanas, do mesmo modo que nas criações dependentes, uma base fortíssima da teoria que abraçaram».
[238]
De acordo com JENSEN & SALISBURY (1972), Darwin apresentou:
(a) uma quantidade esmagadora de evidências de que a
evolução tinha tido lugar e de que ela foi o processo que deu
origem a novas espécies; e (b) uma teoria para explicar o mecanismo da evolução – a teoria da selecção natural – baseada
em dois factos: 1º – todas as espécies dão origem a populações
demasiado densas; e 2º – existem variações entre os indivíduos
de uma dada espécie.
Darwin notou que havia variação tanto entre a descendência
dos mesmos progenitores como entre a descendência da
população como um todo. Também notou que: (a) estas diferenças podiam ser maiores ou menores mas eram observáveis
em todos os seres vivos; (b) dessas diferenças, algumas eram
resultado de acções ambientais e outras eram herdadas pela
descendência sendo que estas eram as importantes para a
teoria da selecção natural; (c) algumas destas variações tornavam alguns indivíduos melhor adaptados a um determinado
ambiente do que outros; (d) aqueles melhor adaptados a um
dado ambiente podiam reproduzir-se e ao reproduzirem-se
continuavam as espécies; e (g) assim havia selecção entre os
organismos. Há, escreveu Darwin, uma luta pela existência, e
nesta luta é o melhor adaptado que sobrevive e reproduz.
Para Darwin, tinha havido evolução quando um conjunto de
alterações cumulativas nas características de uma população de
organismos era transmitida à descendência no decurso de
sucessivas gerações. O principal agente ou processo dessa
evolução orgânica ou biológica é a selecção natural, isto é, do
conjunto de indivíduos que constituem uma população de uma
dada espécie, aqueles que são dotados de determinadas características dão maior número de descendentes viáveis do que os
indivíduos que possuem outras características. Se tais características tiverem uma base hereditária, a composição da população ir-se-á alterando.
Considerando o número de ovos ou zigotos produzidos numa
população de uma dada espécie, só alguns atingirão o estado
adulto e destes só alguns contribuirão para a geração seguinte.
Nessa população há sempre variação entre os indivíduos e a
teoria da selecção natural afirma que a contribuição dos descendentes para a composição das gerações seguintes está relacionada com essa variação.
IMPACTO DO EVOLUCIONISMO NA
SOCIEDADE E NAS CIÊNCIAS
No começo do século XIX a paleontologia forneceu evidências
não apenas de extinções mas também de mudanças evolutivas;
a anatomia comparada sugeriu afinidades genealógicas fortes
entre os organismos; e a ideia de que a evolução tinha ocorrido
foi ganhando adeptos. Faltava conhecer os mecanismos pelos
quais ela tinha ocorrido, e isto foi enunciado pelo primeiro dos
verdadeiramente grandes teóricos do Evolucionismo, JeanBaptiste-Pierre-Antoine de Monet, cavaleiro de Lamarck
(1744-1829)5.
Por meados do século XIX a evolução era uma matéria comum
de debate (LOVEJOY, 1959). A teoria de Lamarck tinha sido desacreditada mas a obra de Robert Chambers, Vestiges of the
5 A teoria de Lamarck de que todas as transformações estruturais e
funcionais dos órgãos e membros dos seres vivos estavam condicionadas,
principalmente, pelo seu uso e desuso, e de que tais adaptações seriam
hereditárias, apresentada na obra Philosophie Zoologique (1809), estava
errada, mas foi a primeira teoria científica da evolução, admissível, tendo
em vista a crença de que as características adquiridas eram hereditárias.
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2009, “ANO DARWIN”
CHARLES DARWIN
EVOLUCIONISMO
SOBRE
EO
De acordo com JENSEN & SALISBURY (1972), Darwin sabia da
solidez da sua teoria e do seu interesse e importância para a
ciência e para o mundo em geral mas receava o choque que ela
provocaria no mundo vitoriano, pacífico. Mais, deve ter receado, simultaneamente, publicá-la e morrer antes que o podesse
fazer. Não obstante a sua reputação estar claramente estabelecida, Darwin esperou 20 anos desde que teve aquela ideia vaga
de fundamento, em Outubro de 1838, até que recebeu o artigo
de Wallace, no verão de 1858 e foi forçado a publicar The origin
of species. Receava prejudicá-la com uma formulação prematura
que podesse dificultar um reajustamento posterior e deixou-a
fermentar na sua mente. Todavia, poderão ter existido outras
razões determinantes, talvez subconscientes, como a oposição
da teoria aos conceitos Criacionistas, partilhados por familiares
e amigos, e o reaparecimento da sua doença no final de 1838.
A posição influente ocupada por Darwin, o número e o poder
dos seus amigos e o facto de Wallace viver fora de Inglaterra,
por períodos de tempo longos, resultou centrar mais naquele
do que neste a controvérsia que girou à volta da publicação
daquela obra. Todavia, devido à debilidade da sua saúde, raramente esteve envolvido, pessoalmente, na luta pelas suas ideias.
Elas foram apresentadas, com sucesso, por Thomas Huxley
(1825-1895), na Inglaterra, Ernest Haeckel (1834-1919), na
Alemanha, e Asa Gray (1810-1888), nos Estados Unidos.
O debate sobre a evolução dos seres vivos como teoria científica foi relativamente breve. Os naturalistas aceitaram-na, rapidamente, e começaram a usá-la para explicar muitos fenómenos
naturais. Segundo FUTUYMA (1979) e MAYR (1995), o sucesso
imediato da obra de Darwin9 indica que o mundo estava pronto
para receber a Teoria da Evolução. Curiosamente, em 1858, o
conceito atraía particularmente os leigos. Aqueles que estavam
melhor informados acerca da biologia, especialmente acerca da
classificação e da morfologia, nomeadamente anatomistas, zoólogos e botânicos, incluindo alguns dos amigos mais próximos de
Darwin que, posteriormente, ele converteu à sua teoria, defendiam muito fortemente o dogma da criação e a constância das
espécies10.
6 Obra, anónima, primeiramente editada em 1844, teve dez edições antes
de 1859. MAYR (1995), considera esta obra superficial, mas as de Lamarck
e Saint-Hilaire como realizações mais importantes.
7 Darwin desconhecia as publicações de pelo menos alguns destes autores
quando da 1ª edição de The origin of species.
8 Alfred Russel Wallace, como Darwin, não foi inicialmente naturalista.
Começou como agrimensor e como arquitecto. Depois, interessou-se
pela botânica. Quando professor numa escola preparatória inglesa,
encontrou o naturalista Henry Walter Bates (1825-1892), que o persuadiu
a tornar-se um colector de besouros. Tal como Henslow fez com Darwin,
Bates incitou Wallace a visitar e a colher nos trópicos e, em 1848, ambos
empreenderam uma expedição à Amazónia. Entre 1854 e 1862, Wallace
viajou e colheu no arquipélago malaio. Este arquipélago foi para Wallace o
que as ilhas Galápagos foram para Darwin. Em 1855, Wallace começou a
pensar no mecanismo da evolução, mas só em 1858 reflectiu sobre a
teoria de Malthus e «there suddenly flashed upon me the idea of survival
of the fittest». Sem a hesitação de Darwin em apresentar a teoria, Wallace
escreveu o seu artigo em três dias e mandou-o àquele. Isto abalou Darwin
de tal modo que o levou a escrever: «If Wallace had my manuscript sketch
written in 1842, he could not have made a better short abstract! Even his
terms now stand as heads of my chapters». Todavia, informado do
trabalho de Darwin, Wallace não publicou aquele artigo e só viria a
divulgar uma obra sobre a Teoria da Evolução, com o título Darwinism, em
1889. Antes, em 1876, havia publicado a sua obra monumental intitulada
Geographical distribution of animals.
9 The origin of species, 1ª edição, foi vendida no dia da publicação (24 de
Novembro de 1859) e um mês depois foi distribuída a 2ª edição. No
primeiro ano foram vendidas 3 800 cópias. Até à morte de Darwin, em
1882, foram vendidas mais de 27 000 cópias impressas em Inglaterra.
10 Segundo MAYR (1995), então, eram conhecidos poucos dos factos em que
os biólogos modernos se baseiam para aceitar a Teoria da Evolução. O
número de fósseis conhecidos era pequeno e ainda não tinham sido
descobertas relações entre os maiores grupos de animais. O pouco que
era conhecido acerca da hereditariedade era mal interpretado. O sistema
de classificação zoológica de Cuvier, então aceite, reconhecia apenas quatro tipos de animais “totalmente distintos”. Muitos ramos da biologia que
têm contribuído com evidências a favor da evolução, tais como a citologia
e a endocrinologia, ainda não existiam, e outros como a embriologia,
eram ainda rudimentares. Darwin não apenas se convenceu a si próprio
de que a diversidade dos animais e das plantas é devida à descendência
de ancestrais comuns, como argumentou o seu caso tão bem que,
eventualmente, convenceu a grande maioria dos seus colegas naturalistas.
[239]
natural history of creation6, bem como as publicações de
Erasmus Darwin, William Charles Wells (1818), Patrick
Matthew (1831), James Cowles Prichard (1843) e de outros7,
indicam como estavam divulgadas as ideias de evolução e de
selecção natural, mas só alguns perceberam que elas podiam
explicar a modificação e a extinção das espécies. Foi neste
contexto que, em 1858, foram feitas afirmações coerentes,
apresentadas separadamente por Darwin e por Alfred Wallace8
(1822-1913), sobre o conceito de selecção natural e o modo
como ela podia causar a evolução.
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Para FUTUYMA (1979), a Teoria da Evolução, conjugada com
outras ciências, teve consequências importantes na filosofia,
principalmente uma severa redução dos seus fundamentos
teológicos. A Grande Cadeia do Ser11 foi ou demolida ou pelo
como a adaptação não genética a condições ecológicas,
económicas e sociais locais, muito como as características de
diferentes espécies se ajustam a diferentes ambientes.
menos tornada temporal, persistindo o conceito de progresso
evolutivo das formas de vida mais “baixas” para as mais “altas”.
Diversos autores, partindo talvez de Herbert Spencer (1820-1903), desenvolveram filosofias evolutivas em que o progresso
humano foi visto como uma evolução progressiva, cósmica.
Alguns, como John Dewey (1859-1952), viram no elemento
casual da evolução biológica um escape ao determinismo rígido
das ciências físicas de então. Mas nenhum sistema filosófico
coerente baseado na evolução tinha aparecido e persistido;
como refere COLLINS (1959), os dados científicos e as teorias da
evolução não obrigam a qualquer conclusão filosófica simples
nem estabelecem qualquer questão filosófica maior.
Continuando a referir FUTUYMA (1979), a evolução tem tido
influências directas e indirectas sobre a psicologia. Muito
directamente, talvez, ela tem dado atenção a semelhanças
entre os comportamentos humano e animal (começando com
as obras de Darwin: The descent of man, and selection in relation
to sex, 1871; e The expression of the emotion in man and animals,
1872), conduzindo à matéria da psicologia comparada, para o
uso de animais como modelos experimentais para o
comportamento humano, e a especulações sobre quais são as
heranças “inatas” dos ancestrais pré-humanos. A evolução
influenciou, indirectamente, o desenvolvimento da teoria de
Freud, segundo a qual as neuroses têm origem na batalha do
ego e do superego contra os desejos “naturais” (os impulsos
instintivos dos indivíduos) herdados dos nossos ancestrais
selvagens. Freud, que acreditava na herança dos caracteres
adquiridos e no princípio de que «a ontogenia recapitula a filogenia», sugeriu que cada um de nós repete os estados filogenéticos do desenvolvimento sexual e mesmo os acontecimentos
do drama de Édipo como eles alguma vez podiam ter acon-
Segundo HOFSTADTER (1955), durante algum tempo as ciências
sociais foram influenciadas fortemente pelo Evolucionismo, especialmente o conceito de selecção natural. Spencer sustentou
que os princípios éticos da sociedade imitavam a natureza, que
o progresso social devia proceder em harmonia com a sobrevivência dos mais adaptados. As suas ideias, que vieram a ser
conhecidas como social-Darwinismo, foram muito populares
nos Estados Unidos, no princípio do século XX, e foram invocadas para suportar o capitalismo, o imperialismo, a esterilização
“eugénica” dos elementos inferiores da sociedade, e as leis da
imigração restringindo a entrada de raças e de grupos étnicos
“inferiores”. Políticos e economistas americanos não tiveram
dúvidas em seguir estas ideias, mas uma justificação teórica,
vinda da boca de filósofos e de cientistas, foi sempre desejada.
Ainda de acordo com FUTUYMA (1979), antes de Darwin, a
antropologia tinha uma visão evolutiva que foi reforçada pela
emergência da teoria biológica. Ela foi inicialmente interpretada
de modo ingénuo, pelo que uma visão evolutiva da cultura foi
descreditada quando foi tornado conhecido que a cultura não
tinha avançado, necessariamente, segundo uma linha única desde o tempo em que o homem era caçador e colector até àquele da indústria moderna. Recentemente, a antropologia cultural
tornou-se mais evolutiva, vendo muitas instituições culturais
11 Ou Scala Naturae é obra importante do pensamento platónico. Então, o
papel da ciência natural era descobrir a sequência e catalogar as ligações
dessa Grande Cadeia para que a sabedoria de Deus pudesse ser
revelada e apreciada.
A confirmação de que se tinham desenvolvido lacunas na Grande
Cadeia foi perturbadora. A evidência de que os fósseis representavam
animais outrora vivos ou espécies que se haviam extinguido foi tão
incontroversa que tiveram de ser encontradas explicações para essas
lacunas como aquelas contidas nas teorias denominadas das Criações
Sucessivas e das Catástrofes Naturais, esta já na emergência do século
XIX. A Teoria das Catástrofes Naturais, de Georges Cuvier, considera
os cataclismos (glaciações, dilúvios, terramotos, etc.) como sendo
responsáveis pelo desaparecimento da vida nos locais onde ocorriam
que, posteriormente, seriam repovoados por indivíduos de outras
espécies vindos de outros locais. Alguns seguidores de Cuvier levaram
esta teoria ao extremo, alegando a ocorrência de catástrofes globais
responsáveis pela destruição de todas as espécies existentes na Terra,
repovoada, posteriormente, graças a novos actos de criação divina
(Teoria das Criações Sucessivas).
Se a Teoria das Catástrofes Naturais tenta explicar as descontinuidades
entre os estratos geológicos, a Teoria das Criações Sucessivas tenta
encontrar uma solução entre o Criacionismo e as evidências fósseis.
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tecido. A psicologia de Carl Jung é acentuadamente evolutiva,
fundada na noção do inconsciente colectivo, uma colecção de
imagens arquetípicas herdadas do nosso passado evolutivo.
[241]
Com excepção da física e de uma parte vasta da química, as
ciências naturais têm absorvido o pensamento da Teoria da
Evolução. Que o Universo se tem desenvolvido durante Eras é
geralmente aceite; a geologia tem uma relação simbólica com a
biologia evolutiva; e cada uma das disciplinas complementares
da biologia, desde a bioquímica à ecologia, assume a evolução e
interpreta os dados à sua luz. Muitas das aplicações práticas da
biologia em medicina e na agricultura dependem da biologia
evolutiva (v. g. cães e macacos são usados na investigação
médica apenas porque os seus sistemas fisiológicos são
homólogos daqueles dos humanos). Com efeito, a evolução é o
sistema coerente de princípios que unifica toda a biologia.
RECEPÇÃO DO EVOLUCIONISMO
NOS AÇORES
A teoria evolucionista de Darwin terá chegado aos Açores com
os naturalistas que visitavam o arquipélago à procura de formas
de transição entre os novo e velho continentes e ainda com
açorianos de regresso ao arquipélago nomeadamente Carlos
Machado (1828-1901), Ernesto do Canto (1831-1900), Antero
de Quental (1842-1891), Bruno Tavares Carreiro (1857-1911)
e Eugénio Vaz Pacheco do Canto-e-Castro (1863-1911). Todos
passaram por Coimbra e conheceram Júlio Augusto Henriques
(1838-1928) que, em 1865, foi pioneiro na defesa do Evolucionismo na Universidade de Coimbra.
De Ponta Delgada, em 26 de Dezembro de 1873, Antero, procurando perceber o divórcio entre a ciência e a metafísica, escreve
a Oliveira Martins: «[...] a falar verdade, acho-me só: a metafísica
é hoje repelida universalmente da Filosofia da Natureza. Não
importa. Irei de encontro à onda dos positivistas, materialistas,
empíricos e tutti quanti, convencido de que não se passará muito
tempo sem que, constituída a metafísica positiva, a Filosofia da
Natureza entre no caminho verdadeiro». Mas, só na década de
oitenta, Antero, conciliando metafísica com ciência, escreve, em
24 de Dezembro de 1885, a Jaime Batalha-Reis, pioneiro, super-
Frontespício da obra “On the origin of
species by means of natural selection, or
the preservation of favoured races in the
struggle for life”.
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ficial, na interpretação do Evolucionismo em Lisboa, no Instituto
Geral de Agricultura: «Extrair do pessimismo o optimismo, por
um processo racional, tem sido afinal o trabalho da minha vida.
Creio que cheguei ao termo e dou a minha Filosofia por
completa e acabada. Agora trata-se de a expor lucidamente, e é
a isso que me quero consagrar [...]» (cf. PEREIRA, 2001).
Seguindo a interpretação feita por Haeckel da teoria de Darwin,
Canto-e-Castro afirma: «De nada, por certo, valerão amanhã as
fúteis preocupações dos moralistas ou as invectivas dos filósofos
para infirmar este corolário, tão rigorosamente deduzido das
omnímodas afirmativas da Embriologia, da Paleontologia e da
Anatomia» (CANTO-E-CASTRO, 1886) (cf. PEREIRA, 2001).
O original de A philosophia da natureza dos naturalistas foi publicado no ano seguinte, pelo diário A Província, da cidade do Porto.
Trata-se de um conjunto de artigos a propósito da obra de Artur
Viana de Lima, Exposé sommaire des théories transformistes de
Lamarck, Darwin et Haekel, publicada em Paris, em 1886. Nesta
obra Lima põe em relevo o confronto das provas de várias disciplinas científicas envolvidas (paleontologia, embriologia, anatomia
comparada, osteologia, etc.) com os argumentos criacionistas-finalistas que procuravam perpetuar o fixismo de Georges Cuvier
apesar da oposição transformista de Lamarck, Geoffroy de Saint-Hilaire e Goethe. Naqueles artigos Antero postula que «sem
metafísica não há filosofia» e «sem ciência não há filosofia». Por isso, não faria sentido erguer uma filosofia à margem das aquisições
científicas do tempo, mormente dos princípios transformistas
estabelecidos por Lamarck, Darwin e Haekel (cf. PEREIRA, 2001).
Mais tarde, em Ponta Delgada, na “Explicação prévia” de A
philosophia da natureza dos naturalistas, (Ponta Delgada,
Typographia Editora do Campeão Popular, 1894) Canto-e-Castro afirma a legitimidade do transformismo e sublinha que o seu
valor cognitivo era reconhecido mesmo pela especulação metafísica, como a de Antero (cf. PEREIRA, 2001). Depois, em Dos
impossíveis em Philosophia natural, defende que o conhecimento
nas ciências da natureza é evolutivo ao invés do que acontece
nas ciências formais (CANTO-E-CASTRO, 1899).
Eugénio Canto-e-Castro publicou, em Coimbra, um estudo
onde pode ser lido: «Só da combinação da estrutura dum animal
com a sua embriologia e com a sua história nos tempos
geológicos se podem inferir elementos seguros para a
determinação do seu lugar na natureza» (CANTO-E-CASTRO,
1886). Seguindo de perto os trabalhos de Darwin e de Haeckel,
Canto-e-Castro sublinha a natureza zoológica do homem,
lembrando observações e experiências significativas nesta matéria das quais se induziu que as faculdades intelectuais, a religiosidade e a moralidade não eram exclusivas do ser humano nem,
por outro lado, eram observáveis em todos os homens, não
sendo, por isso, sequer, atributos universais da espécie humana.
Assim, Canto-e-Castro nega a existência de um reino humano
apartado do mundo animal. Afirma o parentesco verificado entre
o homem e o animal, em todos os planos, incluindo o intelectual,
o moral e o religioso tal como outros naturalistas coevos europeus e americanos no seguimento daquelas obras de Darwin:
The descent of man ... e The expression of the emotions ....
Todavia, o defensor e divulgador da teoria evolucionista no arquipélago foi Francisco de Arruda Furtado (1854-1887), autodidacta, que só haveria de sair da ilha de S. Miguel em 1885,
quando se transferiu para o Museu de Lisboa. Furtado formou o
seu pensamento evolucionista, nomeadamente, na teoria de
Lyell, nas evidências de extinções e de mudanças evolutivas
fornecidas pela paleontologia, nas afinidades genealógicas existentes entre os organismos sugeridas pela anatomia comparada,
e na sobrevivência do mais apto, usada especialmente para responder pela extinção.
Em defesa da explicação darwinista do Evolucionismo, FURTADO
(1881) argumenta que os seguidores desta teoria se apoiam na
descendência serial com modificação pouco importando «que as
espécies diferentes se prejudiquem ou não, na fusão das suas
funções reprodutoras, se independentemente disto compreendemos a possibilidade do transformismo e ele se nos impõe,
pelas explicações que traz, como orientação única das nossas
pesquisas e como disciplina das nossas conclusões».
Furtado conhecia, dos seus trabalhos, as modificações provocadas pela insularidade sobre os moluscos terrestres e tinha
notícia das modificações sobre as plantas e a entomofauna dos
Açores. Mais, entendia que os efeitos sociais e da insularidade
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Porém, usou perspectiva diversa, a de Lamarck, influenciado
pela obra de Darwin, para interpretar a variação da circunferência craniana do que chamou «indivíduos ilustrados, camponeses e mulheres» (cf. FURTADO, 1883). Segundo MAYR (1995),
Darwin, pelo menos nas primeiras edições de The origin of
species, admite o uso de um carácter, e a falta dele como um
mecanismo evolutivo importante.
Na colecção do jornal República Federal de 1881 e 1882, encontra-se a réplica de Furtado à crítica que Sanches de Gusman
faz, no jornal Civilização, a alguns dos seus artigos, expondo e
defendendo o Evolucionismo, e ao seu opúsculo O homem e o
macaco, escrito a pretexto de certas passagens alusivas àquela
teoria proferidas pelo padre Francisco Rogério da Costa (18221886), num sermão quaresmal, em Ponta Delgada (cf. SILVA,
1896; COSTA, 1954).
Esta polémica chegou também à Horta onde, pelo menos, o
jornal Regeneração publicou dois artigos não assinados, com o
título O homem procedente do macaco, trabalhos que segundo
Furtado foram escritos a propósito dos seus estudos (cf.
FURTADO, 1881)12.
Furtado contestava a exasperação dos religiosos do seu tempo
perante as revelações de parentesco entre o homem e o
macaco. No artigo Embryologia (FURTADO, 1882) publicado em
homenagem a Darwin, este é apresentado por Furtado «como
criador de uma filosofia redentora da humanidade, fundada na
suposta verdadeira esperança, a esperança científica» (cf.
PEREIRA, 2001); religião, metafísica e teologia são combatidas; e
Evolucionismo e Cristianismo são contrapostos como nunca
havia sido feito por Darwin.
O pensamento de Furtado está exposto, por ele próprio, na
carta Ciência e Natureza, dirigida a seu irmão António Furtado
e inserta na revista do movimento contemporâneo Era Nova
(1880: 83 a 88).
Alguns anos mais tarde, em Angra do Heroísmo, também aconteceu controvérsia entre José Augusto Nogueira Sampaio
(1827-1900), médico, naturalista e professor do Liceu, e António Maria Ferreira (1851-1912), cónego da Sé, a propósito do
discurso sobre a origem da vida e a teoria evolucionista de
Darwin, proferido pelo primeiro, no Liceu, em 1890, que depois
foi impresso em livro com o título A vida (1893). Sampaio explicava a vida como «a resultante remota das forças inerentes à
matéria» não dependendo de poderes como a alma ou o espírito. Mais, considerava sem fundamento afastar o homem do
reino animal.
A alocução de Sampaio foi criticada por Ferreira a que
respondeu o primeiro, em livro, publicado, em 1894, com o
título Exame Crítico da Refutação que o Exmo. Sr. Cónego António
Maria Ferreira, Professor do Seminário Episcopal de Angra do
Heroísmo, fez ao Discurso intitulado A VIDA pronunciado no Liceu
Nacional de Angra do Heroísmo pelo seu Reitor e Professor.
Contradisse Ferreira numa extensa série de artigos que foram
mais tarde coleccionados em volume com o nome Polémica
Científica sobre a origem da vida, publicado em 1895.
Assim, aconteceram nos Açores, fundamentalmente, duas polémicas de características diferentes. Naquela, Furtado defendia o Materialismo, nesta, Sampaio era pelo Evolucionismo mecanista, contra o Espiritualismo clássico, como referem
FERREIRA-DEUSDADO (1902) e FERREIRA (1940).
Depois, com a entrada do século XX, a Teoria da Evolução
tornou-se geralmente aceite.
12 A Teoria da Evolução teve pouco impacto na Horta. Manuel Joaquim
Dias, que havia assinado, apenas D., em O Gremio Litterario, a notícia da
morte de Darwin (Dias, 1882), publicou em O Açoriano uma “Secção
científica” em que divulga alguns excertos daquela teoria (cf. Açoriano
(O), 1883).
[243]
deviam influenciar também o homem açoriano, completamente
por estudar do ponto de vista antropológico. Interpretação provavelmente influenciada pela leitura de Darwin para quem «a
observação de muitos pequenos pontos de diferença entre espécies, que, tanto quanto a nossa ignorância nos permite julgar,
parecem ser bastante insignificantes, não devemos esquecer
que o clima, a alimentação, etc., provavelmente produzem algum efeito, ligeiro e directo» (The origin of species, 1ª edição: 85).
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[244]
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João Aranda e Silva
A ESCASSA DIFUSÃO,
NOS AÇORES,
DAS NOTÍCIAS
EUROPEIAS*
É aqui que entra o dilema – ou novo paradigma – da actualidade. O vazamento de informação/comunicação é de tal ordem
elevado que, humanamente, se torna difícil, ou mais correctamente, impossível (di)gerir, em tempo útil, todas as comunicações/informações. De entre as mais usuais, para as massas,
claro, estão as notícias elaboradas pelos jornalistas e agora, mais
do que nunca, a internet1 onde já foram divulgadas notícias em
primeira-mão.
É longínquo o tempo em que a informação sobre as coisas da
“Polis” eram bebidas na “Ágora”, ou seja, no pelourinho, lugar
de encontro e conselho onde debatiam os homens livres que
procuravam soluções, em suma, onde se exercia a cidadania.
Inventou-se a imprensa e difundiu-se a informação. Os meios
tecnológicos galgaram fronteiras, espaço e tempo, cada vez
mais reduzido. Hoje é (quase) instantânea a informação que
circula de uma parte para qualquer outra parte do mundo2.
O jornalismo e os jornalistas, até agora quase os únicos intermediários entre os que tinham informação e os que necessitavam
* Texto revisto que tem por base um trabalho apresentado para a
disciplina de “Organização Política e Governação na União Europeia”
do curso de Estudos Europeus e Política Internacional da Universidade
dos Açores.
1 Há dez anos, no dia 17 de Janeiro de 1998, um site informativo norte-americano, o Drudge Report, dava conta que a revista “Newsweek”
estaria a investigar a história de um alegado envolvimento entre o
Presidente Bill Clinton e uma estagiária da Casa Branca. Esta notícia
marcou, definitivamente, uma viragem na importância que a Internet
passou a ter no mundo da comunicação/informação.
2 David Crystal, editor da Enciclopédia de Língua Inglesa Cambridge,
afirma que a Internet representa a maior mudança na comunicação em
toda a história da humanidade. “Até agora temos comunicado através
da fala, da escrita e da linguagem gestual. Mas a Internet não se trata
de escrever ou falar. Tem aspectos de ambas e representa em si uma
nova forma”, defende este especialista. Ainda segundo Crystal, o e-mail
não é só uma mera forma de enviar mensagens mais rápidas. “É um
diálogo entre duas ou mais pessoas a acontecer no momento”. Ele
acredita mesmo que a Internet vai afectar a maneira como as pessoas
comunicam entre si e, eventualmente, levará a novas formas de
comunicação. Fonte: Tek, 2007.
[245]
Quem hoje possui informação actualizada tem poder. É este o
paradigma do mundo actual na área da comunicação/informação. É claro, também, que é necessário saber que tipo de
informação é disponibilizada e chega ao nosso conhecimento
das mais variadas formas e como filtrar aquela que nos interessa.
A contra-informação é uma arma poderosa que é usada sempre
que convém confundir ou desviar atenções de determinado
problema ou medida política, económica, social ou de qualquer
outra área. Neste contexto de informação/notícia e contrainformação/notícia apercebemo-nos de que o poder dos médias
é elevado uma vez que publicada a notícia/informação ela jamais
será apagada. Ela assume, depois, o seu próprio ritmo como
verdadeira ou falsa, factual ou manipulada. Pode ser desmentida,
corrigida ou alterada. Mas, jamais, pode ser apagada.
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dela, foram praticamente ultrapassados pela velocidade da tecnologia. É assim que o jornalismo entra em “crise”, diagnosticada
por Deni Elliot como um “confronto de paradigmas”3 em que as
obrigações éticas e deontológicas começaram a ceder lugar à
necessidade de velocidade no fornecimento de informação/comunicação. A informação jornalística começa a ser mais rápida,
amputada de grande parte da ética que a norteou. Avança-se
com informação, praticamente unilateral, cujos novos paradigmas passam a ser o “imediato e a interactividade”.
Contrapondo-se aos jornalistas são as próprias instituições
governamentais, as não governamentais e todas, ou quase, as
restantes, incluindo cada cidadão individualmente, que passam
a usar a Internet para difundir informações4. Em síntese, para
comunicar.
[246]
A União Europeia não é excepção. A exemplo de todos os
restantes também possui uma vasta rede – centenas de canais
on-line – para difundir a sua informação. E, também, porque
não – lato senso –, usando-a como instrumento para uma gestão das opiniões públicas, à imagem dos poderes governamentais nacionais e outros.
Com esse poder de transmissão de informação é estranho, ou
talvez não, que a maioria da população da UE se encontre
alheada das mais elementares informações de como está
constituída, como funciona e que oportunidades tem para o
desenvolvimento.
Apesar de todo esse potencial a sociedade civil5 ainda não
conseguiu, no nosso entender, absorver um dos objectivos mais
importantes da União: a criação de um espírito de cidadania
europeia. Ora, a sociedade civil rege-se por normativos emanados pelos responsáveis governamentais independentemente do
regime político e responsável partidário.
Actualmente, cerca de oitenta por cento dos ordenamentos jurídicos no espaço da União Europeia provêm de instituições
comunitárias. É fundamental saber quem, de que forma e com
que motivações se tomam decisões que têm implicações quotidianas na vida de quase 500 milhões de europeus. Esta
“avalanche” de informação, em especial a normativa – prin-
cipalmente aquela que pode conceder subsídios, logo a mais
conhecida –, é regra geral densa, mal explicada e cansativa. Pouco
lida, portanto. “A quantidade de informação europeia é enorme mas
dispersa e impenetrável para o comum dos cidadãos”6. E, quer os
jornais, a rádio ou a TV, salvo raras e honrosas excepções, não
tornam a informação europeia emocional e sensorial que poderia,
essa sim, ser apelativa. Mas é (ou quase) inexistente.
QUEM CONHECE, DE FACTO, A EUROPA?
Para que qualquer cidadão europeu possa contactar com as
instituições europeias basta, desde logo, estabelecer uma
ligação ao portal EUROPA7 na internet ou aos gabinetes de
informação existentes em todos os países que compõem a UE.
De acordo com os diferentes relatórios do Eurobarómetro
qualquer cidadão europeu comum já ouviu falar da UE e sabe
que dali provêm muitos auxílios económicos que ajudam ao
desenvolvimento, mas pouco mais. É generalizado, em Portugal, o axioma de que os portugueses quase não ligam aos meios
de comunicação social e estes dão uma atenção residual à
Europa. Quem é que, afinal, quer saber de assuntos europeus?
A UE não deixa de ser uma realidade distante que, através dos
organismos nacionais, concede verbas – conhecidas mais vul-
3 Deni Elliot, “The Clash of Paradigms”, comunicação apresentada em
1998, ao Congresso da Organisation of the News Ombudsman,
documento internet (http://www.infi.net/ono/elliott.html).
4 “O uso pessoal e profissional da Internet pode levar a um esgotamento
da capacidade da actual infra-estrutura e causar uma redução da
velocidade, caso não sejam investidos 137 mil milhões de dólares (93,5
mil milhões de euros) em novos suportes, alerta um estudo da
Nemertes Research, uma empresa americana independente de análise.
Este valor monetário totaliza mais do dobro do investimento na
tecnologia que está previsto para os próximos anos”, Diário de
Notícias, 21 de Novembro de 2007.
5 Sociedade Civil é um conceito com várias definições que têm origem
(?) no Renascimento e evoluem por filósofos como John Locke, Hegel,
Adam Smith e Françoise Hartout, entre outros. Nós definimo-la
simplesmente como “o espaço público”.
6 Duarte Freitas, eurodeputado açoriano (PSD), entrevista 2008.
7 Ver Infografia no final do texto.
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A ESCASSA DIFUSÃO,
NOS
AÇORES,
DAS NOTÍCIAS
EUROPEIAS
Colocam-se, pois, dois vectores de análise ao problema: que
política de comunicação tem a UE e que relação tem com os
meios de comunicação social na generalidade – analisaremos o
caso dos Açores em particular.
FALHAS NA COMUNICAÇÃO
Onde reside então o problema se é visível o divórcio entre os
assuntos europeus e os cidadãos? “Creio que na relação europa/açorianos de certeza que a culpa não é da nossa imprensa”11.
Se alguns consideram que “os mecanismos europeus estão correctos a percepção das pessoas é que tem de mudar para passar a
entender a Europa como sua”12 quais são, então, as soluções
possíveis? “Desde logo o emissor (UE) simplificar a informação, os
jornais especializarem alguns dos seus jornalistas e o receptor (cidadãos) ser sensibilizado para uma atenção mais cuidada e atenta ao
caudal noticioso europeu. É que as pessoas apanham apenas os
títulos das notícias (headlines) porque a vida nas sociedades
modernas deixa pouco tempo para leituras atentas”13.
Não será despiciendo também considerar que a arquitectura e
a complexidade das inúmeras instituições europeias sejam
outra das barreiras a uma comunicação mais eficaz.
É assim que, pressentindo que existem falhas na comunicação
com os cidadãos europeus, a Comissão Europeia tomou, em
Abril passado, uma decisão com o objectivo de aumentar a
participação dos cidadãos no processo de decisão da UE14.
Intitulada “Debater a Europa - colher os ensinamentos do Plano D
para a Democracia, o Diálogo e o Debate”, Bruxelas apresenta
um conjunto de acções futuras destinadas a promover um
debate geral e permanente sobre o futuro da UE.
A comissária europeia para as Relações Institucionais e
Estratégia de Comunicação, Margot Wallstrom, considerou que
as políticas da UE “têm de estar solidamente ancoradas nos
partidos políticos, nas tradições democráticas nacionais e no
diálogo político diário”.
Como tal, adiantou, “têm de ser discutidas e debatidas, seja nas
câmaras municipais, nas assembleias regionais, nos parlamentos
nacionais, na televisão ou na Internet”.
Em 2008 e 2009, a Comissão Europeia co-financiará alguns
projectos da sociedade civil realizados a nível comunitário e
nacional no âmbito da iniciativa “Debater a Europa”.
8 Alfredo Borba, responsável pelo “Europ Direct” dos Açores,
entrevista 2008.
9 Ana Cabo, Gabinete da Comissão Europeia em Portugal, Diário Insular,
pág. 4, 28 de Maio de 2008.
10 Alfredo Borba, idem.
11 Paulo Casaca, eurodeputado açoriano (PS), entrevista 2008.
12 Alfredo Borba, idem.
13 Duarte Freitas, idem.
14 LUSA, Agência de Notícias de Portugal, notícia nº. 8174704, 02 de
Abril.
[247]
garmente como subsídios – destinadas ao desenvolvimento dos
países associados. O resto não é importante, ou, pelo menos,
assim parece. “Há muita informação e pouco interesse das
pessoas nas acções de divulgação que se desenvolvem que
extensivo aos jornais. Todos os dias é distribuída informação pelo
“Rapid” e quer uns quer outros têm pouco interesse nessa
informação”8, o que contraria as estatísticas de que “64 por
cento dos europeus estão interessados nas notícias da UE o que
desmente o argumento de que a Europa não é importante em
termos noticiosos”9. O certo é que num colóquio sobre cidadania, promovido por instituições europeias nos Açores e que
decorreu na universidade açoriana “teve apenas a presença de
quatro eurodeputados (oradores) e três dezenas de pessoas, a
maioria alunos adultos. Nem os partidos regionais se fizeram
representar. Para o colóquio foram feitos mais de quinhentos
convites. Noutras acções de conferência e até de distribuição de
informação também não temos ninguém”10.
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A iniciativa permitirá co-financiar projectos pan-europeus de
consulta aos cidadãos geridos por organizações da sociedade
civil; criar redes em linha que reúnam informação, conhecimentos e ideias e facilitem a sua partilha entre parlamentares europeus, nacionais e regionais, jornalistas e outros líderes de opinião
europeus; desenvolver Espaços Públicos Europeus nas capitais
dos Estados-Membros, onde a Comissão e o Parlamento
Europeu, em conjunto, possam organizar exposições, debates,
seminários e acções de formação sobre temas europeus.
A União Europeia e a miríade de instituições e organizações que
gravitam em seu torno são às dezenas com outros tantos locais
de acesso a informação. Existem três de forma directa: o sítio da
UE na Internet (europa.eu), o sitio do Europe Direct
(europedirect.europa.eu) que disponibiliza também uma linha telefónica de apoio aos cidadãos (número gratuito 0080067891011)
e os centros de informação locais Europe Direct em cada país
e, no caso de Portugal, um deles nos Açores.
[248]
Pensamos, pois, que o projecto da Comissária Europeia vem de
encontro à nossa percepção de que a Europa tem muita
informação, gasta milhares, para não dizer milhões, de euros
para a sua difusão mas fá-lo de forma deficiente e com
resultados ineficazes.
Sobretudo junto dos média. E, porque quem os dirige (administração) tem apenas o objectivo da sua viabilidade (lucro)
contaminaram também os seus corpos redactoriais incutindo-lhes que de tal desígnio dependem os seus postos de trabalho.
A isto deve juntar-se a leitura quase exclusivamente económica
(não começou por ser Comunidade Económica Europeia?) da
União Europeia, ou seja, dos ditos subsídios. “As pessoas pensam
na Europa como um “organismo” distante que dá apoios”15. E, já
agora, quando as decisões judiciais demoram ou se julgam
prejudicados pelos Estados nacionais, os cidadãos sempre vão
dizendo que podem recorrer ao Tribunal Europeu. Porém,
inquiridos, a grande maioria desconhece como funciona.
Tal começa, na nossa perspectiva, por se dever ao facto de a
integração europeia de Portugal ter sido uma decisão
exclusivamente política. Terminada a colonização em 1975, o país
quase improdutivo, sem matérias-primas de relevo voltou-se
politicamente (e economicamente) para a Europa. De território
periférico desde sempre com as costas voltadas ao continente e
olhos postos na geoestratégia do domínio dos mares, primeiro,
e da manutenção de territórios colonizados, depois, a Nação
sentiu-se órfã e desamparada. Nada melhor que conceder a
nossa posição estratégica – mais por via dos Açores que de outra
coisa qualquer – a troco de financiamentos que nos fizessem
progredir e, consequentemente, aproximar dos níveis europeus.
O que, infelizmente, pelas estatísticas que se divulgam, não foi
plenamente conseguido. Explicadas as vantagens, monetárias
claro, da adesão à então CEE o poder político viu-se liberto das
amarras de ter de perguntar ao povo se aceitava ou não essa
integração. Adquiriu, assim, uma carta de alforria que lhe tem
permitido negociar e decidir sem ter de referendar as suas
decisões. Como o dinheiro tem jorrado, ininterruptamente,
desde a década de oitenta do século passado, a população pouco
interesse tem tido em saber, com profundidade, como funciona
a União Europeia. Tampouco lho têm explicado das formas mais
adequadas, na nossa opinião. “Falta à União cidadania europeia. Os
europeus, de todos os países membros, têm poucos meios para
influenciar as decisões dos dirigentes e mesmo para as compreender.
Estão a leste do que se congemina em Bruxelas. Ora é isso que leva
ao desconhecimento do que está em jogo – de cada vez que são
consultados – e à indiferença”16.
OS JORNALISTAS COMO INTERCESSORES
DO CONHECIMENTO SOBRE A UE
Apesar de algumas deslocações de jornalistas ao coração da
UE, Bruxelas, e de umas quantas acções, escassas diga-se, de
informação/formação/divulgação junto de diversos agentes em
diferentes regiões europeias, o certo é que grande parte não
sabe quem são os eurodeputados do país, por vezes nem sabe
que são originários da sua região e, muito menos, como funciona a máquina europeia. Note-se, antes de mais, que as eleições
para o Parlamento Europeu têm elevados índices de abstenção
ao arrepio do aumento de competências do próprio par-
15 Alfredo Borba, idem.
16 Mário Soares, “O Regresso da Política”, Diário de Notícias, 24 de
Junho de 2008.
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A ESCASSA DIFUSÃO,
NOS
AÇORES,
DAS NOTÍCIAS
EUROPEIAS
É assim que, no meio destas ambiguidades, se vai processando
a construção europeia algo alheada dos cidadãos – cuja falta de
relacionamento “é a forma como a Europa lhes é apresentada”18
– a quem vão incutindo ideias de que na internet encontram
respostas para todas as dúvidas e ignorâncias sobre a UE.
“A moda da Internet pegou levando a que as pessoas julguem que
tem tudo e à qual só não acede quem não quer ou é cega. No entanto
a difusão é assustadoramente grande e labiríntica. Não existe qualquer possibilidade de fazer um acompanhamento qualitativo da
evolução europeia. Há muita preocupação de ter sítios on-line mas
pouca em publicitá-los e mantê-los com informação legível ao
comum dos leitores”19, afirma o director de um jornal regional.
Falta-lhe “um enquadramento de conceito regional que divulgue notícias com a necessária proximidade que identifique o cidadão com a
Europa”20, diz outro jornalista. Para outro “a informação tem que
ter carácter e interesse regional”21 porque “a informação produzida
pela Europa tem uma dimensão generalista e muito abrangente”22.
Neste quadro todos os responsáveis por jornais regionais defendem uma certa especialização das notícias a difundir quando não
mesmo um “filtro” pelo qual passem e se tornem apelativas.
ele trabalha, mas na opinião de Herbert Gans o processo deve
focar-se no percurso entre dois pólos importantes da transmissão
da mensagem: o jornalista e o seu público”24.
Os jornais confirmam esta tese já que adquiriram uma (quase)
certeza que é a de que “noticiar sobre a Europa é garantia de que
não há leitores”25. Tal dever-se-á, eventualmente, “à falta de assuntos mais importantes e que nos digam directamente respeito”26.
O caminho é a “criação de canais que sintetizem, sistematizem e
simplifiquem a informação que nos interessa porque haverá elementos que nunca foram divulgados”27, perdidos pelos corredores de
Bruxelas e Estrasburgo e por isso “sobre os Açores nem todos os
dias, ou semanas, há informações”28.
Há pois a necessidade “de traduzir as decisões comunitárias –
muitas vezes complexas e tomadas a muitos quilómetros de distância para o dia-a-dia das pessoas. Ao fazê-lo, os jornalistas
poderão também traduzi-las para o público que, desta forma, se
aperceberá da influência que estas têm na vida quotidiana”29.
17 Paulo Casaca, idem.
18 idem, ibidem.
19 José Lourenço, Director do Diário Insular de Angra do Heroísmo,
entrevista, 2008.
20 Santos Narciso, Director Adjunto do Correio dos Açores, Ponta
Delgada, entrevista, 2008.
21 Manuel Carlos, Director de A União, Angra do Heroísmo, entrevista,
2008.
22 Paulo Simões, Director do Açoriano Oriental, Ponta Delgada,
entrevista, 2008.
23 Sofia Santos, Imprensa Regional – Temas, Problemas e Estratégias da
Informação Local, pág. 45, Livros Horizonte, 2007.
24 H. J. Gans, Deciding What’s News, News: A Reader, pp. 235-248
Certo é também que “a cobertura da actualidade regional (…) é
– antes de mais – assegurar que os limites geográficos da sua
região de eleição se confundam com os da sua zona de difusão
porque o que interessa verdadeiramente a estes órgãos é oferecer
aos leitores notícias da zona onde vivem e/ou trabalham”23.
Nesta perspectiva “as teorias ligadas à selecção das notícias
centram-se, normalmente, no jornalista ou na organização onde
Howard Tumber (org.), Nova Iorque, Oxford University Press, 1999.
25 Santos Narciso, idem.
26 Paulo Simões, idem.
27 José Lourenço, idem.
28 Paulo Simões, idem.
29 Teresa Coutinho, Gabinete de Informação do Parlamento Europeu
em Lisboa, Diário Insular, pág. 16, 30 de Maio de 2008.
[249]
lamento, o que se nos afigura um paradoxo ou mesmo um
contra senso. A isto não serão alheios os próprios candidatos
que ao invés de debaterem as problemáticas europeias se lançam, na maioria das vezes, em inócuos debates internos. “O
problema da Europa é o deficit dos seus partidos políticos que podem parecer presentes mas não estão. Os partidos políticos europeus “não existem” e esse é o drama. Quando se vota é nos partidos nacionais. Veja-se o caso do Partido Socialista Europeu, que
existe nominalmente, mas ainda não foi capaz de divulgar o nome
do seu candidato à presidência da Comissão Europeia”17.
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O problema coloca-se, então, na falta de especialização da
grande maioria dos jornalistas – para não dizer a sua totalidade
– nas intricadas auto-estradas da informação e funcionamento
da UE. Paulo Casaca, deputado açoriano (PS) ao Parlamento
Europeu defende “a formação específica dos profissionais”30, e
Duarte Freitas, também eurodeputado açoriano (PSD) ao
Parlamento Europeu acrescenta que “os órgãos de comunicação
social regional, as autoridades regionais deviam promover mais a
especialização dos jornalistas, grande parte deles já licenciados,
que muitas vezes se sentem frustrados também pelo facto de
ganharem, na maioria dos casos, pouco mais que o ordenado
mínimo nacional”31.
[250]
Para os responsáveis dos jornais açorianos há falhas nos canais
de comunicação. É fundamental criar pontes específicas de
informação entre a Europa e as regiões. “Os jornais, rádios e televisões locais são um veículo privilegiado para fazer chegar a informação sobre a União Europeia aos cidadãos. No entanto temos
consciência de que isso não é fácil. O primeiro passo é fazer ver aos
jornalistas que a Europa não é assim uma coisa tão distante”32.
A Europa fica mais próxima dos Açores através dos dois
eurodeputados açorianos uma vez que ambos têm espaços
abertos em todas as publicações regionais para divulgação das
suas crónicas de opinião ou iniciativas parlamentares. Para além
deste canal permanente de comunicação pouco mais existirá
uma vez que “ninguém de Bruxelas nos contacta o que denota
uma falta de estratégia de comunicação de lá para cá”33. Isto
pode muito bem pôr em causa o tão falado conceito de
cidadania que há quem afirme “não chegar aos cidadãos; é um
mundo à parte protagonizado pelos grandes países”34.
interessa é como tentar encontrar uma agulha no palheiro. Não
somos adivinhos”39. São precisos gabinetes especializados que
“abranjam todas as regiões da Europa, não só para tirarmos o que
nos interessa com particularidade como para fazermos comparações
com outros nas mesmas circunstâncias”40.
A Europa não chega às pessoas, pelo menos a grande maioria.
“É preciso revigorar o conceito de Cidadania Europeia que tem e
nascer dentro da própria Europa. Não pode ser apenas pela política
de comunicação das instituições, que na sua maioria são
nomeadas, com excepção do Parlamento Europeu, única ligação
directa às pessoas. A(s) outra(s) europa(s) têm de chegar às
pessoas porque actualmente a única que chega é a do dinheiro”41.
Para alterar a situação reputa-se como indispensável “a criação
de gabinetes, de cada instituição, especializados em notícias”42
que permitam a todos na generalidade, aos jornais e jornalistas
em particular, “colmatar a necessidade que temos diariamente de
saber bem o que se passa na Europa”43. Nota-se e sente-se “a
falta da presença da Europa nos pequenos jornais”44.
A falta de mais notícias “deve-se essencialmente a dois motivos:
falta de espaço nos órgãos de comunicação social e falta de meios
30 Paulo Casaca, idem.
31 Duarte Freitas, idem.
32 Ana Cabo, idem.
33 Paulo Simões, idem.
34 Santos Narciso, idem.
35 José Lourenço, idem.
Uma das soluções apontadas é “a criação de um gabinete de comunicação que, diariamente, filtre o que nos interessa para chegarmos aos sectores mais diferenciados da sociedade”35, apesar de,
por exemplo, “a existência de um gabinete nos Açores da Câmara
do Comércio se limitar a publicar um pequeno boletim de limitado
alcance”36. Isto faz que com “muitas vezes se esgotem prazos dos
programas e não aproveitemos os dinheiros disponibilizados. Os
prejuízos são elevados e atrasam o desenvolvimento”37. Os responsáveis pelos jornais argumentam “que não têm recursos humanos suficientes para perder horas no labirinto da UE/on-line”38
já que os sítios têm muita informação e “procurar o que nos
36 Santos Narciso, idem.
37 José Lourenço, idem.
38 idem, ibidem.
39 Manuel Carlos, idem.
40 Paulo Simões, idem.
41 Santos Narciso, idem.
42 José Lourenço, idem.
43 Paulo Simões, idem.
44 idem, ibidem.
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A ESCASSA DIFUSÃO,
NOS
AÇORES,
DAS NOTÍCIAS
humanos para cobrir as questões europeias. Penso que há uma
clara vontade dos profissionais açorianos em publicarem histórias
europeias – em especial as que interessam à região – mas o facto
de serem poucos e de, muitas vezes, a prioridade editorial ser de
carácter mais local, dificulta muito o seu trabalho”45.
É claro que, convém frisar, algumas dessas notícias dão conta
do relacionamento internacional da UE com outras regiões ou
agrupamentos do mundo e “caem” nas páginas internacionais,
que não são aquelas, admitamos, as mais procuradas pelos cidadãos açorianos.
O caminho “é a criação de mecanismos de contacto directos e não
seminários esporádicos e inconsequentes. Se eles fazem a revista
de imprensa dos nossos jornais já devem ter dado conta que se
publica muito pouco”46. Esta questão da quantificação das
notícias publicadas não é pacífica. Enquanto nos Açores as estatísticas, ainda que sem rigor científico e muito por amostragem
simplificada, revelam que se publica pouco, há quem não concorde pelo facto de, no conjunto do país, “a revista de imprensa
europeia detectar, em média, vinte notícias sobre a UE. A estas
acrescem as da rádio e TV. E isto só dos órgãos nacionais. Outras
sairão na imprensa local e regional”47.
Revemos muito pouco a Europa nas inúmeras páginas de apenas quatro jornais de duas das nove ilhas.
De facto os jornais açorianos, os principais, nas duas principais
cidades – Angra do Heroísmo e Ponta Delgada –, publicam
poucas notícias sobre a Europa. E nessas poucas incluem-se as
crónicas e apontamentos dos eurodeputados açorianos.
Numa pequena leitura das edições, entre 5 e 17 de Maio 2008,
dos matutinos Açoriano Oriental e Correio dos Açores, ambos de
Ponta Delgada (São Miguel) e o Diário Insular e A União, ambos
de Angra do Heroísmo (Ilha Terceira) as noticias europeias são,
no contexto global, quase inexistentes. Numa amostragem
simplificada concluiu-se que em cerca de 1.600 páginas de jornal
que publicaram cerca de 1.900 notícias apenas 71 diziam
respeito à Europa. Do total daquelas páginas impressas, 170
foram colunas de opinião, 591 de publicidade/anúncios, 110 de
desporto e 128 com informações de agenda. De registar, com
largo realce e significado, que no Dia da Europa, 9 de Maio,
foram publicadas apenas, e só, 9 notícias. Um dos jornais
publicou 6, mas dois outros não publicaram nenhuma.
Este deficit “não nos atinge apenas a nós é global”48 e a imprensa
açoriana “trata melhor a Europa que outros países, e até positivamente”49, muito, talvez, pelo facto de “sermos um espaço
territorial pequeno onde os contactos são mais próximos”50.
Admite-se que o problema possa também ter raiz no facto de a
Europa ter mais de meio milhar de regiões “o que pode estar a
inviabilizar uma especificação da informação”51. No caso dos
Açores e de outras Regiões Ultraperiféricas, que possuem especificidades particularmente grandes, pode estar a acontecer que
“não esteja a ser dada grande atenção a esse facto”52.
A CONFIRMAÇÃO DAS FALHAS
DE COMUNICAÇÃO
Tomando como referência o Tratado Reformador de Lisboa, a
opinião praticamente unânime é a da falha de comunicação.
“Não se trata de uma crise relativamente ao Tratado de Lisboa ou
à Europa em geral. Trata-se de uma crise a nível de comunicação
com os cidadãos. Explicar as vantagens da mudança aos eleitores,
(…) é um grande desafio”53. Esta ideia acentua-se pelo facto de
45 Teresa Coutinho, idem.
46 Paulo Simões, idem.
47 Teresa Coutinho, idem.
48 Duarte Freitas, idem.
49 Paulo Casaca, idem.
De salientar que, nesse mesmo período, a LUSA, Agência de
Notícias de Portugal, que possui jornalistas permanentes junto
das instituições europeias, disponibilizou cerca de 400 notícias
da UE ou com ela relacionadas. Os jornais, e os meios de
comunicação social são, na generalidade, clientes da agência e
têm, por isso, disponível esse noticiário.
50 Duarte Freitas, idem.
51 Paulo Casaca, idem.
52 idem, ibidem.
53 Janez Jansa, primeiro-ministro esloveno, Agência Lusa, 24 de Junho
de 2008.
[251]
EUROPEIAS
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se “os cidadãos não entendem a política, é porque não lhes é
explicada e, daí, a responsabilidade dos políticos (…) convidando-se países-membros a uma reflexão sobre a necessidade de uma
maior aproximação à sociedade e de uma maior pedagogia face aos
cidadãos para perceberem que são europeus (…)”54, e para lhes
“provar os benefícios da UE”55. O próprio presidente da Comissão Europeia admite que “[o Tratado] não é um documento fácil
de ler”56, sustentando a sua complexidade no facto de “um
Estado quer uma excepção aqui, um outro uma cláusula acolá”57
sendo “um dos grandes desafios da política moderna passar por
conseguir entusiasmar as pessoas e de lhes explicar as coisas
difíceis, contra a agitação dos simplificadores, dos demagógicos e
dos extremistas”58. Para corroborar esta tese da dificuldade de
leitura dos documentos europeus há quem diga que o Tratado
Reformador de Lisboa “aumenta o deficit democrático europeu e
cria um quadro legal ainda mais complexo e confuso”59.
[252]
Parece-nos, pois, que existe uma sintomática e permanente
falta de sintonia entre dirigentes europeus e cidadãos. Há
também uma “classe” política que pretende ser “elite”60 e cai
no erro de, na nossa opinião, parecer querer trocar valores
civilizacionais por uma carreira choruda em viagens e
ordenados iludindo os mais incautos quando por vezes falam
com o que nos parece uma “falsa indignação” em nome dos
cidadãos com o objectivo de “fazer entrar os povos na
mundialização”61.
O que também sustenta a nossa ideia é o facto de um político,
com elevadas responsabilidades, considerar que “a aposta europeia só será ganha quando políticos e cidadãos falarem a mesma
linguagem”62.
Guias do Expresso, programas em rádios regionais, na televisão o
“Mais Europa” (RTP) ou o “Eurorespostas” (SIC-Notícias).
Porém, não têm sido suficientemente apelativos para podermos ver uma consciência de cidadania europeia, não diríamos
já instalada, mas mais alargada.
É que, torna-se fundamental dar a perceber a dimensão que a
Europa já possui em termos territoriais, populacionais,
económicos e, não menos importante, geoestrategicamente.
“Fale-se às pessoas nas questões que têm implicações no seu dia
a dia e no seu futuro e elas vão interessar-se. Agora se falarem no
Tratado Reformador ele por si é intragável. Ninguém lhe liga”64.
É preciso aumentar a vontade política da Europa em unidade
de forma a mobilizar para os valores que o projecto europeu
encerra. Caso contrário acontece, num referendo, a recusa, na
França e na Holanda, em 2005, por mais de cinquenta por
cento das suas populações, do projecto de Constituição da
Europa e mais recentemente a Irlanda no referendo ao Tratado
Reformador de Lisboa. Tem de haver uma explicação objectiva
e transparente sobre o rumo da Europa, encargo esse que,
politicamente, parece não ser claro porque “para avançar, teria
54 José Rojo, presidente do Senado Espanhol, idem.
55 Gerdi Verbeet, presidente da Câmara Alta do Parlamento holandês,
idem.
56 Durão Barroso, Standard, jornal diário austríaco, 26 de Junho de 2008.
57 idem, ibidem.
CONCLUINDO
Não podemos dizer que nada se faz para melhorar a comunicação entre a UE, os cidadãos e, em particular, os jornalistas.
Há tentativas, parecem-nos é casuísticas. As acções do Europe
Direct, muitas das quais na Região, em particular junto das
escolas, afigura-se-nos uma boa aposta ainda que, em especial
nas ilhas pequenas, o sucesso da presença de jovens se meça
pelo facto de “muitos dos alunos presentes sejam obrigados a
frequentar as acções de divulgação”63.
Há, ou houve, em Portugal parcerias do Parlamento Europeu
com os jornais, nomeadamente as fichas do Diário de Notícias, os
58 idem, ibidem.
59 Vaclav Klaus, presidente da República Checa, El País, jornal diário
espanhol, 25 de Junho de 2008.
60 cf. Noam Chomsky, Duas Horas de Lucidez, entrevistas de Denis
Robert e Weronika Zarachowicz, pág. 49, Editorial Inquérito, 2002.
61 Philippe Moureau Defarges, Para onde vai a Europa, pág. 11, Instituto
Piaget, 2007.
62 Marios Garoyian, presidente do parlamento do Chipre, Agência Lusa,
20 de Junho de 2008.
63 Alfredo Borba, idem.
64 Paulo Casaca, idem.
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A ESCASSA DIFUSÃO,
NOS
AÇORES,
DAS NOTÍCIAS
de contornar os povos; mas o que seria uma Europa unificada sem
adesão democrática?”65. A resposta é uma construção nas
costas dos povos europeus.
do a agenda de tempos livres de líderes políticos, do que os debates
cívicos e políticos sobre a relação da Europa com a circunstância
que a envolve de maus augúrios e de más notícias”71.
Sentimos que o Tratado Reformador de Lisboa foi mal explicado aos europeus. Daí que os diferentes governos tenham
optado pela sua aprovação nos respectivos parlamentos.
Houve, sem dúvida, uma enorme falha de comunicação.
O que une então os europeus? A moeda euro? É muito pouco.
Faria bem a toda a Europa um regresso ao “ethos” no sentido
do habitar [espaço geográfico], dos hábitos e costumes
harmonizando o possível e tornando compreensível os
individuais de cada um, uma vez que a identidade, na nossa
opinião, é um processo em permanente construção. Finalmente
a exaltação dos valores [individuais, comuns e universais]. “A
Europa já não é excepcional”72 e “O mundo já não pertence à
Europa. (…) Neste início de século XXI, estes outros continentes,
estas outras culturas acedem plenamente à cena mundial”73, são
reflexões a ter em elevada consideração que poderão determinar a reorientação das políticas europeias e o seu posicionamento no xadrez mundial.
Por outro lado, paralelamente ao facto de não se investir mais
nos meios de comunicação social para uma ponte em direcção
à cidadania europeia, cremos não haver uma aposta séria e
convicta nos jovens através dos curricula escolares.
A realização de conferências, seminários e congressos sobre
temáticas europeias tem pouco eco junto das populações.
Restringe-se a uma elite66. Os livros são caros e pouco acessíveis67.
Não é despiciendo sublinhar que muitas das notícias que são
veiculadas pelos órgãos de comunicação social regional
revelando iniciativas governamentais omitem o facto de muitas
delas terem o suporte financeiro europeu, o que é, sublinhe-se,
grave. Também por isso, se calhar, “as pessoas não se interessam
ou não relacionam muitas vezes as notícias com a UE”68. Por
outro lado o facto dos políticos locais e nacionais aproveitarem
para “quando sucede algo de mau a causadora ser a UE e quando
existe uma boa medida ou grande obra, ela passa logo a ser
nacional, regional ou local”69.
O que falta é colocar a Europa no centro das preocupações,
positivas, dos cidadãos dos diversos países, com uma política de
comunicação mais simples, aberta e compreensível o que, por
certo, a tornaria mais eficaz.
65 Philippe Moureau Defarges, idem.
66 cf._, Cidadania e Construção Europeia, Museu da Presidência da
República e Ideias e Rumos, 2005.
67 cf., António Covas, A Governança Europeia – A política europeia no
limiar de uma nova revisão dos tratados, Edições Colibri, 2007.
Talvez com maior verdade, transparência e objectividade nas
notícias o número delas sobre a Europa pudesse ser muito
maior. Sendo a televisão o mais difundido dos meios de comunicação social, não cumpre cabalmente o seu papel de informação. “A televisão inverte a evolução do sensível em inteligível e
converte-o em «ictu oculi», no regresso ao puro e simples acto de
ver. A televisão produz imagens e anula os conceitos, e deste modo
atrofia a nossa capacidade de abstracção e com ela toda a nossa
capacidade de entender”70. Talvez por isso mesmo “Os
noticiários parecem mais empenhados em abordar os debates
sobre as mudanças dos modelos de comportamento social, ou
sobre os vários circos de entretenimento dos tempos livres, incluin-
68 Teresa Coutinho, idem.
69 Ana Cabo, idem.
70 Joel Frederico da Silveira, “A Comunicação Política e a Televisão: A
democracia do Público”, comunicação compilada em As Ciências da
Comunicação na Viragem do Século, pág. 737, Editorial Vega, 2002.
71 Adriano Moreira, “A Fragilidade Europeia”, Diário de Notícias, 24 de
Junho de 2008.
72 Philippe Moureau Defarges, Para Onde vai a Europa, pág. 12, Instituto
Piaget, 2007.
73 idem, pág. 13, ibidem.
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EUROPEIAS
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Açoriano Oriental (Ponta Delgada) – edições entre 5
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Correio dos Açores (Ponta Delgada) – edições entre
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Diário de Notícias, 21 de Novembro de 2007.
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José Lourenço – Director do Diário Insular, 2008.
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Santos Narciso – Director-Adjunto do Correio dos
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http://www.infi.net/ono/elliott.html
http://europa.eu/geninfo/info/guide/index_pt.htm
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PEDRO MADEIRA PINTO
Início III, 2008
técnica mista sobre papel
medida 50x40 cm
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