RESPOSTA DE DUAS CULTIVARES DE SOJA SUBMETIDAS A DIFERENTES PERÍODOS DE ALAGAMENTO Neuri Antonio Feldmann1; Christian Bredemeier2; Danielle Almeida3; Cecília Giordano4; Fabiana Raquel Mühl5 Aproximadamente 20% da área do Rio Grande do Sul é composta por solos de várzea, que apresentam como característica a sua formação em condições de hidromorfismo (Pauletto et al., 1998). Estes são utilizados basicamente para o cultivo do arroz irrigado, sendo que a rotação de culturas nestes solos é prática recomendada para aumentar o rendimento de grãos de arroz, pelo efeito direto na quebra de ciclo de insetos pragas, moléstias e de plantas daninhas, além de melhorar as características físicas e químicas do solo (IRGA, 2001). Entretanto, a gama de espécies que se adaptam às condições de alagamento e que proporcionam retornos econômicos em um sistema de rotação de culturas ainda é pequena. Neste contexto, enquadra-se a cultura da soja, que, embora introduzida e melhorada para áreas bem drenadas do Brasil, é uma espécie originária de áreas alagadiças do norte da China e apresenta variabilidade genética para tolerância ao excesso de umidade no solo (Thomas et al., 2010). A relevância desta espécie na agricultura é decorrente de sua capacidade de fixação de nitrogênio atmosférico por meio da simbiose com microrganismos e da sua utilização para a alimentação humana e animal (Reetz et al., 2008; Varshney et al., 2009). Esta relação simbiótica é diretamente afetada pela condição de hipoxia e a tolerância a esse estresse tem correlação com o tempo de duração do estresse, genótipo e propriedades do solo (Sullivan et al., 2001). Períodos de alagamento causam alterações anatômicas, morfológicas e fisiológicas nas plantas. Existe crescente demanda por genótipos de soja adaptados a estas condições de 1 Engenheiro Agrônomo, Mestre em Fitotecnia. Professor do Curso de Agronomia da Faculdade de Itapiranga – FAI. E-mail: [email protected] 2 Engenheiro Agrônomo, Doutor em Agronomia pela Universidade Técnica de Munique, Alemanha. Atualmente, é Professor Adjunto do Departamento de Plantas de Lavoura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Professor orientador do Programa de Pós-graduação em Fitotecnia. 3 Engenheira Agrônoma, Doutoranda do Programa da Pós-graduação da UFRGS. 4 Engenheira Agrônoma, Doutoranda do Programa da Pós-graduação da UFRGS. 5 Bióloga. Doutora em Agronomia. Professora do Curso de Agronomia da Faculdade de Itapiranga – FAI. excesso hídrico. Com este objetivo, o objetivo do presente trabalho foi avaliar a resposta de duas cultivares de soja, Apollo e Fundacep 64 RR, à condição de estresse por excesso hídrico. O experimento foi realizado em casa de vegetação na Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, RS). Foram utilizadas duas cultivares comerciais de soja consideradas tolerantes ao excesso hídrico. As sementes foram pré-germinadas em câmara de germinação a 25°C por 36 h e inoculadas com inoculante comercial viável contendo as duas estirpes do gênero Bradyrhizobium indicadas para a cultura da soja (Bradyrhizobium elkanii e Bradyrhizobium japonicum), sendo posteriormente realizada a semeadura. As plantas foram conduzidas em vasos com volume de 1,3 L e, como substrato, utilizou-se vermiculita, por ser este substrato inerte. Foram feitas aplicações semanais de 200 ml de solução nutritiva sem nitrogênio (Sarruge, 1975) em cada vaso, para manter as plantas nutridas durante todo o período de avaliação. O delineamento experimental utilizado foi inteiramente casualizado, disposto em fatorial 2x4, com quatro repetições. O fator A foi formado por duas cultivares de soja: Apollo e Fundacep 64 RR, enquanto que o fator B foi constituído por diferentes períodos de alagamento (testemunha sem alagamento, 4 dias, 7 dias e 14 dias de alagamento). As plantas foram submetidas ao excesso hídrico no estádio de desenvolvimento V3 (Fehr e Caviness, 1977). Foram feitas avaliações do teor de nitrogênio na folha utilizando o clorofilômetro Minolta (Modelo SPAD-520®). O clorofilômetro utiliza fontes luminosas e detectores para medir a luz transmitida pela lâmina foliar, em dois comprimentos de onda (região do vermelho – 650 nm – e do infravermelho – 940 nm – do espectro). A leitura é dada em unidades SPAD (Soil and Plant Analysis Development), que indicam a intensidade da coloração verde da folha e, indiretamente, a quantidade de clorofila (PIEKIELEK & FOX, 1992). As medições foram realizadas na folha central do último trifólio completamente expandido de cada planta. Foram efetuadas três medições, no início do alagamento, aos 4 dias e 14 dias após início do excesso hídrico. Foram determinados o número de nódulos por vaso, massa seca dos nódulos e massa seca das raízes e parte aérea das plantas, os quais foram previamente secos em estufa a 60°C por 72 h. Determinou-se também o teor de nitrogênio da parte aérea pelo método Kjeldahl, conforme descrito por Tedesco et al. (1995). O experimento foi conduzido por 14 dias após a retirada do excesso hídrico dos tratamentos, quando o experimento foi finalizado. Os resultados de massa seca estão expostos na Tabela 1. Como pode ser visto, a cultivar Apollo apresentou maior massa seca quando comparada a cultivar Fundacep 64 RR. Já para os diferentes períodos de alagamento, a testemunha apresentou maior massa seca, enquanto que os demais tratamentos que permaneceram sob estresse hídrico por algum período não apresentaram diferença entre si. O excesso de água no solo durante a fase vegetativa diminuiu o desenvolvimento das plantas de soja, que apresentam menor número de nós com gemas que podem ser induzidas a florescer e, consequentemente, restringindo o potencial de rendimento de grãos (Thomas & Costa, 2010). A massa seca das raízes foi superior na cultivar Apollo (Tabela 1). Em relação aos tratamentos quando comparado a media das duas cultivares, quando submetido a estresse por alagamento durante 7 dias, se observou a menor produção de massa seca das raízes. Na Tabela 2, pode ser observado que as cultivares em estudo não apresentaram diferença entre o número de nódulos. Já na media das duas cultivares, a testemunha apresentou menor número de nódulos que os demais tratamentos que foram submetidos ao estresse por hipóxia. Para massa seca de nódulos a cultivar Apollo apresentou massa superior comparada a cultivar Fundacep 64 RR. O tratamento controle, não alagado, apresentou maior massa seca dos nódulos, em ambas cultivares. Em relação ao teor de nitrogênio na parte aérea da planta não houve diferença estatística entre as cultivares em estudo e os períodos de alagamento (Tabela 3). Isso pode ter ocorrido em função da capacidade de recuperação das plantas durante o intervalo de tempo entre retirada do excesso hídrico e finalização do experimento. Os resultados das leituras SPAD do clorofilômetro para todos os tratamentos em diferentes períodos de alagamento estão expostos na figura 1A. Os resultados mostram que com 0 dias, ou seja, no início do alagamento não existe diferença entre os tratamentos, o que já era esperado. No entanto, com 4 dias de alagamento todos os tratamentos apresentaram valores SPAD inferiores a testemunha, indicando menor teor de clorofila na folha. Na avaliação realizada aos 14 dias após início do alagamento não houve diferença significativa entre a testemunha e o tratamento submetido a 4 dias de excesso hídrico, sugerindo que com um pequeno período de estresse por alagamento as cultivares de soja utilizadas neste estudo foram capazes recuperar o teor de clorofila das folhas. Entretanto os tratamento de 7 dias e 14 dias de excesso hídrico obtiveram valores inferiores, não diferindo entre si. Os resultados comparando as duas cultivares de soja (Apollo e Fundacep 64 RR) apresentados na Figura 1B mostram que a cultivar Apollo apresenta maior teor de clorofila em todos os períodos de alagamento, o que indica uma característica intrínseca da cultivar. A inundação afetou significativamente a massa da matéria seca, o número de nódulos (que influência diretamente a fixação biológica) e teor de clorofila na folha. Segundo os resultados deste estudo, a cultivar Apollo demonstrou melhor capacidade de adaptação ao estresse hídrico, enquanto que a cultivar Fundacep 64 RR se mostrou mais sensível ao excesso hídrico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FEHR, W.R.; CAVINESS, C.E. Stages of soybean development. Ames: State University of Science and Technology, 11p. 1977 (Special report, 80). IRGA. Arroz irrigado: Recomendações técnicas da pesquisa para o sul do Brasil. Porto Alegre-RS, 2001. 128p. PAULETO, E.A.; SOUZA, R.O.; GOMES, A.S. Caracterização e manejo de solos de várzea cultivados com arroz irrigado. In: Produção de arroz irrigado. Universidade Federal de Pelotas, 659p., 1998. PIEKIELEK, W.P; FOX, R.H. Use of chlorophyll meter to predict side dress nitrogen requirements for maize. Agronomy Journal, v.84, n.1, p.59-65, 1992. REETZ, E.R.; SANTOS,C.; CORRÊA, S. Anuário Brasileiro da Soja. Santa Cruz do Sul: editora gazeta, 136p., 2008. SULLIVAN, T. P. et al. Effect of root genotype on shoot water relations in soybeans. Crop Science, v.15, n.3, p.319-322, 1975. TEDESCO, M. J. et al. Análise de solo, plantas e outros materiais - 2ª Ed. Porto Alegre: Departamento de Solos da UFRGS, 1995. 174p. THOMAS, A.L., & COSTA, J.A. Soja: manejo para alta produtividade de grãos. Porto Alegre, 2010, 243p. VARSHNEY, R.K. et al. Orphan legume crops enter the genomics era!. Current Opinion in Plant Biology, v.12, n.2, p.202-210, 2009. Tabela 1. Massa seca da parte aérea e das raízes de plantas de soja, submetidas a diferentes períodos de alagamento. Cultivar Testemunha 4 dias 7 dias 14 dias Media --------------------Massa seca da parte aérea (g/vaso)-----------------Apollo 8,42 6,72 5,53 5,66 6,58a Fundacep 64 RR 6,64 4,78 3,65 4,49 4,89b Media 7,52A 5,75B 4,59B 5,08B CV(%) 16,6 -----------------------Massa seca das raízes (g/vaso)--------------------Apollo 1,87 2,02 1,61 1,76 1,82a Fundacep 64 RR 1,61 1,12 0,97 1,31 1,25b Media 1,74A 1,57AB 1,29B 1,53AB CV(%) 17 (ns) não significativo pelo teste F. Medias seguidas pela mesma letra minúscula na coluna e maiúscula na linha não diferem estatisticamente pelo teste de Tukey (p < 0,05); Tabela 2. Número e massa seca de nódulos de rizóbios em plantas de soja, submetidas a diferentes períodos de alagamento. Cultivar Testemunha 4 dias 7 dias 14 dias Media -------------------------Número de nódulos (nº/vaso)---------------------Apollo 98 127 140 128 124 ns Fundacep 64 RR 99 119 130 117 116 Media 98,5 B 123 A 135 A 123 A CV(%) 10,8 ------------------------Massa seca de nódulos (g/vaso)--------------------Apollo 0,645 0,628 0,528 0,535 0,583 a Fundacep 64 RR 0,554 0,431 0,423 0,423 0,458 b Media 0,599A 0,529AB 0,475B 0,479B CV(%) 14,9 (ns) não significativo pelo teste F. Medias seguidas pela mesma letra minúscula na coluna e maiúscula na linha não diferem estatisticamente pelo teste de Tukey (p < 0,05); Tabela 3. Teor de N da parte aérea de plantas de soja, submetidas a diferentes períodos de alagamento. Cultivar Testemunha 4 dias 7 dias 14 dias Media ----------------Teor de nitrogênio da parte aérea (%)-------------------Apollo 3,68 4,21 4,42 4,36 4,17ns Fundacep 64 RR 4,47 4,07 4,38 4,22 4,29 Media 4,08ns 4,14 4,41 4,29 CV(%) 9,1 (ns) não significativo pelo teste F. Medias seguidas pela mesma letra minúscula na coluna e maiúscula na linha não diferem estatisticamente pelo teste de Tukey (p < 0,05). Figura 1. Efeito do período de alagamento na leitura SPAD na média de duas cultivares de soja (A); efeito do período de alagamento na leitura SPAD das duas cultivares (B). Apollo B Fundacep 64 RR SPAD SPAD A 0 dias 4 dias 14 dias 0 dias 4 dias 14 dias