PONTIFICIA FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO MARIA APARECIDA PASCALE A EDUCAÇÃO LIBERTADORA NO SISTEMA PREVENTIVO DE DOM BOSCO. BASES À ELABORAÇÃO DE UM PROJETO TEOLÓGICO PASTORAL NO MEIO URBANO SÃO PAULO – 2006 PONTIFICIA FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO MARIA APARECIDA PASCALE A EDUCAÇÃO LIBERTADORA NO SISTEMA PREVENTIVO DE DOM BOSCO. BASES À ELABORAÇÃO DE UM PROJETO TEOLÓGICO PASTORAL NO MEIO URBANO Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do título de mestre em Teologia Prática Núcleo Pastoral à comissão julgadora da Pontifícia Faculdade de Teologias N. S. da Assunção, sob orientação do Prof. Dr. Pe. Francisco Martins. SÃO PAULO – 2006 COMISSÃO JULGADORA: ________________________________ ________________________________ ________________________________ Dedicatória Todo esforço, dedicação e empenho, empreendidos nesse Estudo eu os dedico aos meus alunos. Agradecimentos Ao Prof. Dr. Pe. Francisco Martins, orientador, incentivador que, com grande paciência, valorizou o trabalho da aluna. Aos Mestres da Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção e do Instituto Teológico Pio XI. À Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção As minhas amigas Cleide, Sandra Mara, Rosemeire, Clotilde e ao amigo Edgar, que não me deixaram desistir. A MINHA MÃE E MEU PAI Patrocínia Izaías Pascale e Giovanni Pascale (em memória) Iahweh é meu pastor, nada me falta. Em verdes pastagens me faz repousar. Para as águas tranqüilas me conduz e restaura minhas forças; ele me guia por caminhos justos, por causa do seu nome. Ainda que eu caminhe por um vale tenebroso, nenhum mal temerei, pois estás junto a mim; teu bastão e teu cajado me deixam tranqüilo. Diante de mim preparas uma mesa, à frente dos meus opressores; unges minha cabeça com óleo, e minha taça transborda. Sim, felicidade e amor me seguirão todos os dias da minha vida; minha morada é a casa de Iahweh por dias sem fim. (Sl. 23) SIGLAS E ABREVIATURAS CEHILA Comissão de Estudos de História da Igreja na América Latina CELAM Conselho Episcopal Latino Americano CNBB Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil DV Constituição Dogmática Dei Verbum GE Declaração Gravissimum Educationis EN Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi GS Constituição Pastoral Gadium et Spes LG Constituição Dogmática Lúmen Gentium MB Memória Biográficas di S. Giovanni Bosco MO Memórias do Oratório de São Francisco de Sales REB Revista Eclesiástica Brasileira RIBLA Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana Resumo O capítulo I relê e liga os fundamentos e a forma de conceber Educação e liberdade na Sagrada Escritura. A falta de conhecimento e formação leva o povo à idolatria, um povo sem educação religiosa pode ser facilmente manipulado pelo poder político e religiosos. Em Jesus mostra seu modo carinhoso e atencioso, pois sua práxis era do serviço e da partilha, atitudes que nos levam à verdadeira libertação. A liberdade cristã apresentada pelo apóstolo Paulo educa para a liberdade. “Para ser livre, Cristo vos libertou” (Gl 5,1). O conceito filosófico da Educação contempla fundamentos da educação e formação em alguns dos grandes mestres da filosofia e finalmente uni-los todos aos documentos da Igreja que colaboram e dão diretrizes para uma definição de educação para a libertação e com autonomia. No II capítulo apresenta um educador do século XIX, período histórico, cujo sistema educativo era altamente repressor, São João Bosco, que apresenta um jeito novo de ensinar que fica conhecido como sistema preventivo, que não nasceu a princípio como teoria pronta para ser aplicada, mas, nasceu da síntese entre ação social e seu pensamento pedagógico cristão. Foi no seu cotidiano que esse sistema preventivo aconteceu, motivado pelo amor, caridade e alegria. Com presença contínua do educador na vida do educando conduzindo-o para ser protagonista de uma renovada sociedade no exercício da educação libertadora cristã, intitulado por ele mesmo de: “Educação é obra do coração”. O III capítulo, uma vez estabelecidos os parâmetros da educação libertadora cristã na história, compreendida como construção de liberdade segundo o Evangelho de Jesus, apresenta, o Sistema Preventivo de Dom Bosco com uma proposta pedagógica humanizadora que liberta para a autonomia e responsabilidade. PALAVRAS CHAVES: Ensinamento – Formação – Educação – Libertação – Preventividade Alegria – Festa – Razão – Religião – Afeição Abstract Chapter I reviews and connects the basis and the way of conceiving Education and Freedom on the Holy Scriptures. The lack of knowledge and formation leads the people to idolization people without religious education can be easily manipulated by the political and religious power. Jesus shows his concern and kindness, because his practice was serving and sharing, attitudes that lead us to the true liberty. The Christian freedom presented by the Apostle Paul educates for liberty. “To be free, Christ set you free” (Gl 5,1). The philosophical concept of Education contemplates the basis of education and formation on some of the greatest masters of philosophy and, finally, connects them all to the documents of the Church which collaborate and give direction to a definition of education for the freedom with autonomy. Chapter II presents a teacher from the XIX century, a historical period in which educative system was extremely repressive, Saint John Bosco, who presents a new kind of teaching that became acquainted as preventive system, which did not come, in principle, as a ready theory to be applied, but it came from the synthesis of social action and his Pedagogical Christian thought. It was in his routine that this preventive system came up. He was motivated by love, charity and happiness. With continuous presence of a teacher in a student’s life, leading him to be the protagonist of a renewed society in the practice of the Christian Unrepressed Education, called by himself “Education is all heart”. Chapter III, once the parameters of the Christian Unrepressed Education in history are established, is understood as construction of freedom, the Gospel according to Jesus, presents the Preventive System of Dom Bosco as a humanist pedagogical proposal that sets free to autonomy and responsibility. Key Words: Teaching – Formation – Education – Freedom – Prevention Joy – Festival – Reason – Religion - Affection Resumen El capitulo 1º relee y une los fundamentos y la forma de concebir Educación y libertad en la Sagrada Escritura. Ia falta de conocimiento y educación que lheva el pueblo a la idolatrie, un pueblo sín educación religiosa puede ser manipulado por el poder politico y religioso. Jesus se muestra cariñoso y atencioso, pues su praxis era la del servicio y la solidaridad, actitudes que nos llevan a la verdadera libertación. Ia libertad cristiana seguem Pablo educa para la libertad. “Para ser libres, Cristo nos libertó” (Gal 5,1). El concepto filosófico de Educación contempla los fundamentos de la educación y la formación en lo grandes maestros de la filosofia y finalmente unirlos a todos los documentos de la Iglesia que colaboran y dan las directrizes para una definición de educación libertadora y con autonomia. El capitulo II presenta un educador de siglo XIX, periodo histório en el cual el sistema educativo era altamente represor, San Juan Bosco, que presenta una manera nueva de enseñar que es conocido como sistema preventivo, que no nasció como teoria para ser aplicada imediatamente seno que nasció de la sintesis entre la acción social y su pensamento pedagógico cristiano. Fue en el dia a dia que este sistema preventivo aconteció, motivado por el amor, la caridad y la alegria. Com la presencia continua del educador en la vida del educando y llevandolo para ser protagonista de una sociedad renovada en el ejercicio de la educación libertadora cristiana, titulada por el mismo de: “Educación es obra del corazón”. El capitulo III una vez establecido los parámetros de la educación libertadora cristiana en la história, comprendida como construcción de libertad segun el Evangelio de Jesus, presenta, el Sistema Preventivo de Don Bosco con una propuesta pedagógica humanizadora que liberta para la autonomia y la responsabilidad. PALABRAS CLAVES: Enseñanza – Formación – Libertación – Preventividad – Alegria – Fiesta – Razón – Religión – Afección SUMÁRIO INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 10 CAPITULO I......................................................................................................................... 13 1. A EDUCAÇÃO LIBERTADORA NOS ASPECTOS: BIBLICO, FILOSOFICO E TEOLÓGICO........................................................................................................................ 1.1. PRINCÍPIOS DA PEDAGOGIA DIVINA NA HISTÓRIA DA SALVAÇÃO............. 1.1.1. Pedagogia de Deus na obra da Criação......................................................................... 1.1.2. Pedagogia da Profecia................................................................................................... 1.1.3. A pedagogia de Jesus.................................................................................................... 1.1.4. Paulo Apóstolo: A Educação para a liberdade dos filhos de Deus............................... 13 13 18 20 21 26 2. ASPECTOS DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO............................................................. 2.1. A educação entre os povos primitivos............................................................................. 2.2. Educação Judaica............................................................................................................. 2.3. Educação Grega............................................................................................................... 2.4. Educação Romana........................................................................................................... 32 37 38 39 40 3. A EDUCAÇÃO NOS DOCUMENTOS DA IGREJA................................................... 3.1. Conceito Cristão de Educação......................................................................................... 3.2. Concílio Vaticano II: Declaração “Gravissimum Educationes”...................................... 3.3 Ética e Educação............................................................................................................... 41 42 43 49 4. REALIZAÇÃO TOTAL DA PESSOA HUMANA: PERSPECTIVA DE DOM BOSCO...... 53 CONCLUSÃO........................................................................................................................ 55 CAPITULO II....................................................................................................................... 57 1. SISTEMA PREVENTIVO DE DOM BOSCO.............................................................. 1.1. CONTEXTO HISTÓRICO............................................................................................. 1.1.2. A situação cultural e escolar no Piemonte e em Turim, de 1841 a 1861..................... 57 59 59 2. A situação religiosa no Piemonte e em Turim, de 1841 a 1861......................................... 2.1. A situação psicossociológica dos primeiros jovens de Dom Bosco................................ 60 61 3. BIOGRAFIA DE DOM BOSCO.................................................................................... 3.1. A infância........................................................................................................................ 3.2. Sua Formação Escolar..................................................................................................... 3.3. Sua formação Espiritual.................................................................................................. 61 63 65 68 68 4. Educação no Sistema Preventivo de D. Bosco e a proposta de outros educadores e educadoras.......................................................................................................................................... 4.1. Marcelino Champagnat e os irmãos Maristas.................................................................. 4.2. Teresa Eustochio Verzeri e as Filhas do Sagrado Coração de Jesus............................... 68 69 4.3. São João Batista de La Salle........................................................................................... 4.4. Barnabitas....................................................................................................................... 4.5. Santo Afonso de Ligório.................................................................................................. 4.6. São Francisco de Sales.................................................................................................... 4.7. Sistema Preventivo – uma espiritualidade Oratoriana..................................................... 70 70 70 71 72 5. Oratório: oratório festivo, espírito oratoriano: festa, alegria e formação................... 73 6. Prevenir: Método Divino.................................................................................................. 80 7. A influência feminina na educação preventiva.............................................................. 82 8. A prevenção e os princípios do Sistema Preventivo....................................................... 8.1. A Educação no Sistema Preventivo de D. Bosco........................................................... 8.2. A Educação libertadora no Sistema Preventivo............................................................... 83 84 87 9. Carta de Roma.................................................................................................................. 87 CONCLUSÃO........................................................................................................................ 88 CAPITULO III...................................................................................................................... 90 1. PISTAS À ELABORAÇÃO DE UM PROJETO TEOLÓGICO PASTORAL.......... 1.1. PASTORAL DA EDUCAÇÃO - CONCEITOS E ESCLARECIMENTOS.................. 1.2. TEOLOGIA PASTORAL.............................................................................................. 1. 3. PASTORAL URBANA................................................................................................. 1. 4. TEOLOGIA DA EDUCAÇÃO..................................................................................... 90 90 92 95 96 2. UM PROJETO EDUCATIVO LIBERTADOR............................................................. 2.1. VISÃO TEOLÓGICA DO PROJETO EDUCATIVO.................................................... 2.2. O SENTIDO DA VIDA HOJE....................................................................................... 2.3. TAREFA DA TEOLOGIA DA EDUCAÇÃO............................................................... 2.4. DESAFIOS DO MEIO URBANO................................................................................. 2.5. DIGNIDADE HUMANA............................................................................................... 99 100 101 104 106 107 3. PISTAS PARA ELABORAÇÃO DE UM PROJETO PASTORAL............................ 109 CONCLUSÃO......................................................................................................................... 120 CONCLUSÃO FINAL.......................................................................................................... 122 BIBLIOGRAFIA................................................................................................................... 134 INTRODUÇÃO A experiência humana é a procura cotidiana do conhecimento; o ser que quer encontrar o Transcendente. Homens e mulheres são seres “culturais”, herdeiros e testadores de uma cultura. Nenhum ser humano começa sua experiência do ponto zero. Valendo-se da memória, com base em experiências anteriores, faz um processo dialético entre o presente e o passado. Vislumbra o futuro, tendo como parâmetros memória, esperança, tradição e profecia. Fundamenta-se, primeiramente, na pedagogia Divina: na História da Salvação e na Obra da Criação, onde o ensinamento de Deus é bem claro: ao ser humano não é dado penetrar no íntimo de outro ser humano, para não sufocá-lo, nem oprimi-lo. Somente Deus pode conhecer o que cada um carrega dentro de seu coração. A Bíblia coloca o relacionamento do ser humano com Deus como o eixo fundamental para a harmonia de todo o cosmo. Buscamos, assim, mais que conceitos de educação. Buscamos sua verdade na vida. Através dos ensinamentos da Torá, das reflexões filosóficas, do pensamento profético, chegamos ao ápice da pedagogia da educação com Jesus, o maior de todos os mestres. Com os olhos voltados para o profeta Oséias, Paulo, Dom Bosco e para o pedagogo contemporâneo Paulo Freire, encontramos os mesmos objetivos e ideais quanto à formação e a denúncia a não-formação do ser humano. O gesto profético que é pedagógico, e o direito de ter “raiva” diante das injustiças cometidas no ambiente educacional, é objeto de interesse dos formadores da liberdade e autonomia do ser humano. Demonstrar que o vislumbrar da Revelação de Deus deve ser refletido nas ações pastorais. A boniteza [sic] e a alegria de ensinar e aprender.1 Aprendendo e ensinando a ética e a estética do aprendizado que levam ao desejo epistemológico, que constrói o conhecimento e participe da sua construção. Creio que poucos percebem essas possibilidades, pois é preciso que se tenha gosto pela vida e que a vida tenha sentido.2 Os Documentos da Igreja nos dão o embasamento necessário para fundamentar nossos estudos em uma significativa educação pastoral. Neles encontramos reflexões e critérios que nos possibilitam afirmar que o profeta Oséias, o apóstolo Paulo, Dom Bosco e o educador Paulo Freire, são coerentes nos seus escritos pela opção que fizeram e que permearam as suas vidas. Eles podem demonstrar que, pela educação formativa e pelo conhecimento de Deus, é possível mudar a sociedade. Oséias, Paulo, Dom Bosco e Paulo Freire são facilitadores de uma mudança social necessária nos dias de hoje. Pois, não há outra pedagogia senão a do amor e da inquietude. Pedagogia que situa a todos, homens e mulheres, no exercício de sua responsabilidade e de suas decisões relativamente ao que vem do externo, no discernimento exato de suas decisões, onde a liberdade é a essência de suas vidas, nesta exposição acima está o conteúdo que procuramos trabalhar no primeiro capítulo, em que privilegiamos o ensinamento bíblicofilosófico-teológico. No segundo capítulo, em especial, trazemos o modelo cristão de educação: Dom Bosco, sua vida, sociedade, seus contemporâneos, assim como sua preocupação com a juventude. Toda uma vida dedicada à instrução dos educadores e preocupada com a metodologia que deveria se aplicar aos educandos. João Bosco viveu profundamente os ensinamentos do Evangelho. E, por conhecer o valor da luta por uma vida digna, justa e plena, criou um método personalizado, segundo o qual é a presença amorosa que educa e transforma. 1 2 (boniteza): termo usado por Paulo Freire em suas obras. ‘o grifo é nosso’. O terceiro capítulo se empenha em demonstrar como foi possível para esses grandes educadores fazer a diferença dentro de seu contexto social e como podemos, também hoje, apreciar a vida e a existência no paraíso e redescobrir o paraíso na nossa realidade. È esse o desejo de todas (os) nós. Essa realidade é, por vezes, embaçada pela violência, pelo medo e pela depressão, por tudo, enfim, que assola nossa época. Faz-se necessária uma voz proféticaeducadora, que resgate homens e mulheres da negatividade, fruto da injustiça, que transforma o mundo num “lugar” difícil de viver e, não, num “lugar” de esperança e maravilhas. “Deus criou e viu que era bom”. (Gn 1) É importante recuperar homens e mulheres. É fundamental dar sinais da alegria que é a Vida.3 Oséias, Paulo, Dom Bosco e Paulo Freire procuram dar esses sinais e dar sentido dessa maneira às suas próprias vidas, remetendo seus educandos a valores essenciais da vida: amar, refletir e libertar.4 Sendo a criação narrada nas mais diferentes formas, nas diversas culturas, constata-se algo em comum nessas narrativas e mitos, à procura de explicação para a vida, para o sentido da vida. A perda da identidade é um sinal preocupante em nossos dias. É necessário fazer uma revisão das nossas formas educativas-pedagógicas-teológicas. E, além de traçar pistas, definir objetivos para que tais pistas sejam realmente libertadoras e criem identidade. 3 4 O grifo é nosso. O grifo é nosso. CAPÍTULO I 1. A EDUCAÇÃO LIBERTADORA NOS ASPECTOS: BIBLICO, FILOSOFICO E TEOLÓGICO INTRODUÇÃO A experiência humana é a procura cotidiana do conhecimento. Homens e mulheres são seres culturais, que não começam suas experiências do ponto zero. Valem-se da memória, baseiam-se em experiências anteriores vividas por seus antepassados para construir a sua própria educação e identidade. A educação tem como finalidade ajudar o homem e a mulher a alcançar a plenitude e a realização de seu ser. Neste capítulo faremos uma abordagem aos textos da bíblia, dos documentos da Igreja e da história da educação, para compreender a passagem da cultura do oriente para o ocidente, do ontem para o hoje, de uma educação elitista para uma educação civilizatória e libertadora. Eminentemente histórico, quer justificar a educação, em todas suas formas (formal ou popular), como veículo para essa transformação. 1.1. PRINCÍPIOS DA PEDAGOGIA DIVINA NA HISTÓRIA DA SALVAÇÃO Ouve, ó Israel. O senhor é nosso Deus, o Senhor é um. Portanto, amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua força. Que as palavras dos mandamentos que hoje te dou estejam em teu coração. Tu as repetirás a teus filhos e delas falarás quando estiveres em casa e quando andares pela estrada, quando estiveres deitado e quando estiveres de pé. Tu também as atarás à tua mão como um sinal, e serão como um frontal entre os teus olhos; tu as inscreverás sobre as ombreiras da porta de tua casa e na entrada de tua cidade. Dt 6, 4-9 Para o mundo semita palavras, nomes, não diferem dos seus sentidos. “Shemá, Israel”, é a oração familiar que recorda o primeiro mandamento e deve ser transmitido aos filhos pelos pais, não somente como uma regra, mas como explicação da obra libertadora de Deus, pois foi através dos mandamentos que Deus os fez viver como um povo justo e livre, e os filhos devem aprender a ser fiéis à Aliança para terem uma vida melhor e mais prolongada. Todo fio condutor bíblico está alicerçado nessa educação que liberta, como veremos em textos de diferentes estilos literários: históricos, proféticos, sapienciais, contidos na Bíblia5. A frase: “TU AS REPETIRÁS A TEUS FILHOS”: explica que o ethos de Israel é a família, em Gn 17, 19-27, o pai circuncida o filho varão e os escravos para incorporá-los ao povo com o qual Deus fez aliança, também a mãe pode circuncidar, em Ex 4, 24-26, é Séfora, esposa de Moisés, quem o circuncida, e também ao seu filho Gerson, ao vê-lo em perigo de vida sem receber a circuncisão. Os livros Sapienciais são ricos em ensinamentos familiares, A sabedoria vem de Deus como um dom, porém isso só é reconhecido no temor à Javé, que é comunicado pela disciplina e esta leva o jovem à viver em aliança com Deus. É essa aliança que mantém a identidade do povo e o faz diferente dos outros povos. (Dt 4, 8-10). Dar a vida a esses ensinamentos atrai a prosperidade. O Shemá é a oração da obra libertadora de Deus, que faz o povo ser justo, honrado por seus filhos e possuidor da Terra. (Dt 6, 20-25; 32; 44-47). Vejamos alguns exemplos: Pr 1, 8ss. 2, 20-22 - o pai e a mãe aconselham seus filhos a serem dóceis, especialmente na juventude; Pr 3, 11ss – corrigir é um sinal de amor, traz satisfação e os prepara para deixarem- 5 FARIA, Jacir de Freitas. A reLeitura do Shemá Israel nos Evangelhos e Atos dos Apóstolos. p 54-55 – SHEMÁ = OUVIR: interpretar, comentar a Torah. Shemá está intimamente ligado à Torah, porém ser comentada ela é morta. EHAD = UM: completo, sem divisão interior. Algumas Bíblias traduzem por único, porém não se deve fazê-lo, pois, único está sempre em relação à alguém, assim sendo dizer que nosso Deus é um, significa que ele não está em relação a outros deuses, não existem outros deuses para serem comparados ao Deus de Israel. Deus é indivisível, é UM. ‘AHAB = AMAR: é a tarefa de todo judeu, e exige integridade, doação, entrega. O amor apregoado em Dt 6,4-9 deve perpassar os momentos cotidianos, e também deve ser tridimensional, isto é: deve ser realizado com o coração, a alma e a força. essas três coisas representam a perfeição de um triângulo eqüilátero. LÊB = CORAÇÃO: sentimento e razão integrados. O povo de Israel entendia o coração como sede da razão e do raciocínio. NEFESH = ALMA: é o que confere dignidade, o que me faz ser e também o outro ser. Alma é personalidade, individualidade, vida, vontade. ME’ÔD = FORÇA: poder aquisitivo, dinheiro, posses. Não tem sentido de vigor dado pelas traduções de nossas Bíblias, mas tem o sentido de tudo que se possui. Seguiremos este autor para aprofundar o vocabulário desta perícope. se corrigir; Pr 31, 1-5 – a mãe de um rei estrangeiro o ensina a governar com justiça; Eclo 30,1-3 – cabe aos pais ensinar, educar para a sobriedade, mostrando as idéias infundadas, aconselhando e castigando caso necessário. (educar para o bom senso); Eclo 30, 7-13 – mimar os filhos não é um bem, pois os torna insolentes. Educar na fé é obrigação dos pais, dos anciãos e especialmente das mães que comunicam a fé, através de conversas informais, que constituam o objeto primeiro e contínuo de toda educação, em todas as situações: andando, sentado, deitado, em pé. O amor deve ser vivido na família e na sociedade.6 A fé comunicada pela família em Israel é entusiasta, alegre, leva a louvar a Deus, a confiar nele, a agradecer e a fortalecer o coração. (Sl 78, 3-8). É transmitida às sucessivas gerações, e as maravilhas de Deus serão ouvidas pelos filhos desde a juventude, quando a tentação da violência e da cobiça os quiser seduzir (Pr 1, 8-19). Dar boa educação aos filhos leva-os a perseverar no bem (Pr 22,6). A educação familiar na fé capacita os jovens e as crianças israelitas para o martírio, que os prepara para todas as inusitadas situações a serem vividas. (2 Mc 7, 1-23). A fé manifesta-se, também, na maior festa dos israelitas, que é a Páscoa, celebrada desde o princípio em família. Nela é mantida viva a memória da libertação da escravidão, ao longo das gerações servindo de catequese infantil como recorda o Deuteronômio, transmitindo uma consciência para que a nova geração não reproduza uma sociedade estruturada na injustiça, desigualdade e opressão. Em Êxodo 13, 11-16, tanto a consagração quanto o resgate do filho primogênito é explicado aos filhos em forma de Catequese, onde a família se prepara durante sete dias, comendo pães ázimos como sentido libertador, recebido da época em que cada tribo tinha seu 6 Por isso o livro do Deuteronômio mostra mais do que simplesmente a Lei, mas uma resposta de amor ao Deus que se manifesta em todas as relações humanas. (Dt 6,6bss; 20ss): “Amanhã seu filho vai lhe perguntar o que são essas normas, esses mandamentos e decretos que o Senhor vosso Deus ordenou? Tu responderás a teu filho: Éramos escravos do Faraó no Egito e o Senhor nos tirou do Egito com mão forte.” lugar no culto e os chefes das famílias deviam apresentar oferendas nas três festas do ano (Dt 16, 16ss). Ao ser unificado o lugar do culto surge a peregrinação familiar anual (1Sm 1, 1-3). Em Gênesis observamos que o pai da família abençoa os filhos solenemente ao sentir que a morte está perto. A bênção é passada de pai para filho como benefício de Deus, assim como também a maldição como seu castigo e todos devem ser alertados para isso. (Eclo3,8ss e Gn 27,27-29; 49,1-27; 48,8-20). TORAH – ENSINAMENTO: muito mais comum é termos a tradução como LEI. Essa tradução é próxima, mas não é a ideal. Lei em si significa: prescrição jurídica. Torah, muito mais do que isso. Sua derivação está na raiz semítica yarah, cujo significado é “lançar, instruir”. Ao ser traduzida por ensinamento, instrução, lançar as bases, caminho, temos muito mais chance de nos aproximar-nos do significado semita, pois em hebraico ensinamento é o caminho através dos quais Deus nos conduz. Para o povo, Torah representa o dedo de Deus, indicando o caminho certo e apropriado para viver bem e assegurar o shalom (vida abundante, plena, feliz), a hesed (graça, bondade e lealdade), a emunah (fidelidade), a sedaqah (justiça, atos salvíficos de Deus) e assegurar que tudo isso continue acontecendo no mundo através da obediência a esta instrução. Isso vai legitimar a Torah como o pilar sustentador de toda a criação e que ela não pode ser usada por pessoas incapazes de entendê-la, apreciá-la e seguir suas instruções. Seria um desperdício de tempo e energia, a tarefa de ler e ensinar as pessoas que não possuem interesse, respeito e capacidade para apreciar e compreender tão rica instrução.7 Ela precede a criação, porque é tão eterna quanto o próprio Deus. Religião e cultura estão intimamente ligados, andam de braços dados, brotam do meio onde vivem. A Torah passa pelo crivo da cultura, pois jamais Deus se revela de modo que as pessoas não o entendam. As histórias bíblicas são cotidianas. O que as tornam diferentes é o modo como são relidas e recontadas. Os textos nascem de dois momentos: litúrgico e catequético. Foram influenciados pela cultura, linguagem e ideologia dos autores que utilizaram todos os instrumentos de que dispunham para falar da Revelação de Deus, assim, não importa quem escreve, mas a mensagem, que é fruto da experiência mística da fé do povo. Essa mística no antigo Israel, era transmitida pela grande Família (clã), a base da convivência social, proteção das pessoas, garantia de posse da terra, veículo principal da tradição. A defesa da identidade do povo. A Família era por assim dizer, a universidade do povo! Era a maneira concreta de encarnar o amor de Deus no amor do próximo. Defender o clã era o mesmo que defender a Aliança com Deus, mantendo aberta a fonte da sabedoria do povo.8 As normas sociais provinham do âmbito familiar, do clã, da aldeia, quer dizer, das pequenas comunidades que sempre juntaram os habitantes no seu convívio íntimo de trabalho diário, dos ritos e festas comuns. Neste nível da sociedade, com necessidade elementar, desenvolveram-se, então, normas fundamentais de relacionamento interpessoal, sobretudo no que diz respeito à integridade pessoal, às relações sexuais e à propriedade particular. São os mandamentos mais compactos e elementares que caem nessa faixa de manter a ordem primordial entre as pessoas e não precisam de muito comentário, enquanto se trata de um regulamento interno de um grupo pequeno.9 A linguagem usada nos mandamentos é didática, é linguagem de ensino, de aprendizagem social, primeiros nas famílias, depois também nas comunidades eclesiais do Israel vencido e disperso. O tratamento direto aparece igualmente, e com a mesma finalidade de instruir os jovens, na literatura sapiencial, onde não só existem as diversas formas de constatação de verdades essenciais para o convívio, mas também a linguagem clara de 7 Siqueira, Tércio Machado. O Evangelho do Antigo Testamento. p. 23 cf. GERSTENBERG, Erhard S. Os dez e os outros mandamentos de Deus. p. 14 9 cf. Ibidem p. 15 8 instrução: “Não roubes ao pobre, porque é pobre, nem oprimas em juízo o aflito” (Pr 22,22); Filho meu, ouve o ensino de teu pai, e não deixes a instrução de tua mãe” (Pr 1,8). 10 Até mesmo as diversas coleções de regras sociais e cultuais do Pentateuco, incluindo até as normas jurídicas civis, (principalmente Ex 21, 1-22), serviam em primeiro lugar à instrução da comunidade. A transformação estilística crescente é bem visível nos livros do Êxodo, Levítico e Deuteronômio, como de regras neutras para a linguagem de instrução. Ela é testemunho desse desenvolvimento. 11 Além disso, em todos os níveis sociais havia um cuidado especial quanto ao comportamento religioso. A família era o centro do culto e os santuários locais ocupavam o segundo lugar com respeito aos ritos e às celebrações. A mulher principal, a mais idosa, devia ser capaz de cuidar das cerimônias caseiras, de ofertas de comidas, de ritos festivos para várias ocasiões. Os conhecimentos rituais eram importantes e foram transmitidos de pai para filho e de mãe para filha, em diversos momentos da educação e da instrução caseiras.12 A memória do povo não é um museu que conserva o passado desligado da vida. É como o alicerce invisível que sustenta a casa onde o povo mora. Conserva e narra os fatos, não de maneira fotográfica, mas com um raio X. Descobre aquilo que o olho não vê e que só a fé consegue revelar. 13 1.1.1. Pedagogia de Deus na obra da Criação 10 cf. Todo o trecho literário, de Pr 22, 17 até 24,22, foi composto com esse teor educativo, no tratamento direto, visando o aluno, chamado de “filho”. O trecho tem afinidades fortes com a literatura didática do Antigo Egito. e o bloco de Pr 1 a Pr 9 além disso, ainda trás exemplos amplos de uma literatura didática da antiga Mesopotâmia, conferir William G. Lambert, Babylonian Wisdom Literature, Oxford, University Press, 1966. 11 cf. GESTSTENTERG, Erhard S. Os dez e os outros mandamentos de Deus. p. 16 12 cf. ibidem p. 17 13 cf. MESTERS, Carlos. Paraíso Terrestre Saudade ou Esperança? p. 17 Mas Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão e vós sereis como deuses, versados no bem e no mal.” Gn 3,5 “Dá, a teu servo um coração cheio de julgamento para governar teu povo e para discernir entre o bem e o mal, pois quem poderá governar o teu povo que é tão numeroso. 1 Rs 3,9 Os patriarcas percebiam Deus como alguém que acompanha o seu povo e com ele fez uma aliança assegurando os direitos humanos fundamentais: a liberdade religiosa em sua vida pessoal e pública. Porém, nas cortes de Davi e Salomão surgiu a reflexão sobre a semelhança com Deus, sua preferência pelo ser humano, e começam a surgir dúvidas sobre quem deveria ser o preferido de Deus. Esses dois versículos, citados acima, mostram a preocupação do monarca em adquirir o mesmo conhecimento de Deus, e a reação profética, alertando: só Deus deve ter o conhecimento do bem e do mal. 14 Essa maneira de apresentar a realidade da vida familiar, social e pessoal é uma tentativa de comunicar a mesma consciência crítica que o autor já possui, aos que estão com os olhos fechados. O autor do Gênesis usa uma pedagogia para conscientizar o povo da situação que está vivendo. Essa consciência nasce no ambiente imediato da intimidade da vida familiar por meio de uma minuciosa observação do pessoal e do particular, só depois conseguirá alargá-la para os problemas coletivos. A Bíblia faz uma ligação entre a vida pessoal e o problema mundial. Evita, assim, a pretensão daqueles que querem consertar o mundo sem primeiro submeter a uma séria revisão a própria vida pessoal e familiar, ou pior, aos que querem dominar as pessoas e decidir por elas o melhor. A bíblia coloca o relacionamento do ser humano com Deus como o eixo fundamental para a harmonia de todo o 14 cf. AHUMADA, Enrique Garcia, F.S.C. Teologia da Educacion, p. 65-67 resto, porém, é impossível restabelecer a ordem desfeita da vida, sem considerar o lugar que Deus deve ocupar na vida de todo ser humano. 15 “Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou.” Gn 1, 27. Deus é criador. 16 A palavra criar começou a ser usada sobretudo pelo Segundo Isaías na época do cativeiro (Não o sabes? Não ouvistes dizer? Iahweh é Deus eterno, criador das extremidades da terra. Is 40,28). Isaías usa esta palavra para indicar a ação com a qual Deus fez surgir o mundo, o povo e as maravilhas do Êxodo. Criar é ação divina que vence a desordem e estabelece a ordem, para que a vida humana seja possível. Criar é ação libertadora que enfrenta e derrota as forças da morte. 17 1.1.2. Pedagogia da Profecia Os profetas dos outros povos nunca chegaram a ser independentes e críticos diante do poder. A sua divindade tinha como função legitimar o poder, pois o rei era a própria encarnação da divindade. Na Bíblia, porém o Deus do povo não existia para legitimar o poder do rei, mas o poder existia para servir à Aliança e ao “Projeto de Deus”. 18 A monarquia teve apoio dos profetas até desviar-se para criar um sistema contrário à Aliança e ao Projeto de Deus (1Rs 19, 10-14), aí, aos poucos, a profecia tomou um rumo independente e transformou-se em força crítica, livre diante do poder, expressão da liberdade do próprio Deus.19 A teologia profética não se cria do nada, ela aproveita as lições do passado. Em Oséias, 15 cf. MESTERS, Carlos. Paraíso Terrestre. p. 19-40 cf. Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil. 2003-2006 n. 71 “120. Deus, modelo de comunhão na Trindade, não anula as pessoas, mas as plenifica no amor. Ser imagem e semelhança do Criador é também trazer no coração um enorme anseio de ser comunidade. A fecundidade da comunhão que vem de Deus nos impulsiona para a transformação da sociedade: “o amor de Deus que nos dignifica radicalmente se faz necessariamente comunhão de amor com os outros homens e participação fraterna; para nós, hoje em dia, deve tornar-se sobretudo obra de justiça para com os oprimidos, esforço de libertação para quem mais precisa. De fato, “ninguém pode amar a Deus a quem não vê, se não ama o irmão a quem vê’ (Jo 4,20). 17 Cf. MESTERS, Carlos. Paraíso Terrestre. p. 19-40 18 cf. Leitura Profética da História, Coleção Tua Palavra é Vida p. 18 19 cf. idem p. 18 16 especialmente, a tradição do Êxodo está em pauta. É o seu ponto de partida, a fé em Javé – o Deus Libertador. (cf.Os 12,14;11; 2,16-24). Oséias apresenta pela prática do amor, num relacionamento humano, o projeto de uma Nova Sociedade que visa restabelecer o relacionamento entre Deus e o povo. Denuncia os próprios sacerdotes do templo que deveriam instruir o povo (Dt 18, 1-8)20, porém estavam envolvidos pela busca de poder e facilidades que lhes eram oferecidas. Além disso estão envolvidos no mesmo sistema estrutural da exploração do povo pobre e oprimido e, sobretudo porque vivem da ignorância do povo (Os 4, 1-6). Fazem aliança com os poderosos (Os 7, 10-12). Oséias vive em um contexto, cujos líderes são religiosos, ele não vê autenticidade, na administração de um conhecimento mais profundo e humano de Javé que deveria ser dado pelo sacerdote. Os sacerdotes além de se esquecerem da Lei (Deuteronômio) assaltam e matam (Dt 6,5). Oséias é o profeta que mais volta ao passado, faz alusões a ele, pois acredita que o “conhecimento de Deus”, que liberta, vem quando se resgata a história e a cultura. Esse passado que se torna esperança para o futuro está enraizado no Javé Salvador. Conhecer as origens, lembrar, cantar e contar o passado e as tradições é um dos caminhos da libertação. 1.1.3. A pedagogia de Jesus A espiritualidade do seguimento de Jesus é chamada Discipulado, pois quando bem feita é ao mesmo tempo conteúdo e método da verdadeira Educação Cristã libertadora. É com Jesus que aprendemos que a grande massa só se torna Povo quando conscientizada, organizada e articulada entre si. 21 20 cf. Comparar com Os 4, 1-6: os levitas intinerantes, que se identificavam com o povo marginalizado, e que viviam espalhados entre as tribos, tinham como objetivo observar a situação real do povo e adaptar a Lei a essa situação. São responsáveis pela catequese que deu origem ao Livro do Deuteronômio. 21 cf . Isaías 50, 4 “O Senhor me deu uma língua de discípulo para que eu soubesse trazer ao cansado uma palavra de conforto. De manhã ele me desperta, sim, desperta o meu ouvido para que eu ouça como discípulo”. A figura do Mestre na tradição Judaica está estreitamente ligada a Torah. É interessante notar também que o mestre, no que concerne ao ensinamento da Torah, faz trabalho provisório, porque o verdadeiro ensinamento será dado pelo Rei Messias, quando chegar. Por esta razão, podem existir divergências de idéias entre os mestres quanto à interpretação da Torah, mas essas diferenças não afetam a unidade de onde elas vêm e para onde elas vão; são legítimas como a legitimidade de Deus “UM”. 22 A relação mestre–discípulo é sempre vista de uma maneira análoga à relação pai – filho, pois os dois geram um novo ser para a vida. O pai, criado à imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26), gera um filho com as mesmas características que lhe são próprias (Gn 5,3), portanto “imagem” e “semelhança” de Deus se perpetuam em cada ser humano. O mestre pelos seus ensinamentos e exemplos, gera vida da Torah a seus discípulos, que também irão gerar e transmiti-los a outros como uma força vital. Esse é o valor da imitação do mestre por parte do discípulo, de repetir seus ensinamentos sem modificá-los; é o valor da tradição, porque é nela que os valores são transmitidos e nutridos. É o valor da Torah Oral, que faz de cada membro da comunidade dos filhos de Israel uma Torah Viva. 23 No contexto judaico da época de Jesus, os mestres eram homens que estudavam e explicavam a Lei. Eram “ordenados” escribas e lhes era conferido autoridade para as questões jurídicas, assumindo um lugar no Sinédrio. Com estes homens Jesus muitas vezes entrou em conflito por causa do legalismo que estes veiculavam. Tal legalismo produzia nos tempos de Jesus uma verdadeira barreira para viver os ensinamentos da Torah. 24 Apesar de não ter passado pelo processo de formação de mestre, Jesus apresenta muitas características dos autênticos mestres, Ele tinha discípulos que são convocados a observar a vontade de Deus e a uma adesão sem reservas à pessoa de Jesus (Mt 10,37). A grande novidade em Jesus está na sua pedagogia, ou seja, no seu modo de apresentar seu 22 23 cf. URBACH, E. E. Les Sages d’ Israel, Paris: Verdier, 1996, p.323 cf. idem p. 150-152 ensinamento: Todos se admiravam, perguntando uns aos outros: que é isto? Um novo ensinamento com autoridade! (Mc 1,28). A prática de Jesus revela que um só é o mestre, contrariando aos “mestres” de sua época, que insistem em ser chamados e reconhecidos pelo povo e honrados por serem mestres. Eles formavam novos mestres. Jesus recomendava aos seus discípulos que não se deixassem chamar de “mestre” (Mt 23,8). Ao invés da honra, Jesus insiste no serviço e no ser irmãos (Mt 23, 1-12). 25 Os Evangelhos apontam Jesus como aquele que ensina: o ensinamento de Jesus pode ser concentrado em três espaços fundamentais, espaços geográficos, que se tornam lugar da manifestação de Deus: a) Sinagoga – “entraram em Cafarnaum e, logo no Sábado, foram à sinagoga. E ali ele ensinava (Mc 1,21). A sinagoga era lugar de culto e de oração, de ensinamento, e onde aconteciam os julgamentos e processos penais. Jesus como um homem integrado nos costumes de seu lugar e de seu tempo vai à Sinagoga, mas diante da sua proposta nova é rejeitado pela Sinagoga, e ele alerta seus discípulos de que a Sinagoga é um lugar de tribunal e de paixão: “Ficai de sobreaviso. Entregar-vos-ão aos sinédrios e às sinagogas, e sereis açoitados, e vos conduzirão perante governadores e reis por minha causa, para dardes testemunho perante eles.”(Mc 13,9). b) Montanha – “Depois subiu à montanha, e chamou a si os que ele queria, e eles foram até ele. E constituiu doze, para que ficassem com ele, para enviá-los a pregar” (Mc 3,13-14); nas Cidades – “e ele percorria os povoados, ensinando. (Mc 6,6); a beira do Mar – “e ele disse a seus discípulos que deixassem o pequeno barco à sua disposição para que o povo não o apertasse” (Mc 3,9); Casas – “e voltou para casa. E de novo a multidão se apinhou” (Mc 3,20). Os deslocamentos de Jesus no meio do povo mostram sua encarnação viva do 24 25 cf. WOLLMANN, Lauri José. Jesus o Mestre. p. 40 idem p.41 Bom Pastor , conhecedor e amante de seu povo, Ele é a manifestação do Deus Pastor que caminha com seu povo. c) Jerusalém – “Jesus atravessa cidades e povoados ensinando e encaminhando-se para Jerusalém” (Lc 13,22); no Templo – “Chegaram a Jerusalém. E entrando no Templo, ele começou a expulsar os vendedores e os compradores que lá estavam: virou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas, e não permitia que ninguém carregasse objetos através do Templo. E ensinava-lhes dizendo: Não está escrito: Minha casa será chamada casa de oração para todos os povos? Vós porém, fizestes ela um covil de ladrões!” (Mc 11, 15-17). Os ensinamentos de Jesus assumem os mesmos quadros dos ensinamentos normais do judaísmo contemporâneo, ou seja, Jesus trata os mesmos temas que eram tratados pelos “mestres” judeus. Porém, Jesus discute estes temas com uma forma nova, com uma nova preocupação: libertá-los Suas parábolas podem servir de paradigma para compreender o seu ensinamento, a sua urgência de adesão ou rejeição, que representam uma resposta ao primeiro apelo feito por Jesus. “Arrependei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15). Jesus não apresenta uma nova Lei, mas trata-se da Lei reconduzida ao seu sentido primordial e libertador, purificada ao mesmo tempo do legalismo rabínico. Jesus é a nova Torah, pois aos antigos foi dito e Jesus passa para o “eu porém vos digo”. Quem segue Jesus não é dispensado da Lei. Antes, é chamado a uma justiça maior, cujo fundamento é a Lei e a interpretação que Jesus faz dela. O ensinamento de Jesus, como discussões sobre a Lei e o anúncio do Reino de Deus, é interpretado de forma diferente nas diferentes comunidades. Elas percebem em Jesus o único Mestre que não ensina Leis humanas, como o fazem os escribas, mas o Mestre, cujo ensinamento é um anúncio de salvação e libertação.26 26 idem p. 42-46 Na Nova Aliança, a família mantém seu rol educativo primordial. O anúncio da Encarnação ocorre na “casa” de Maria de Nazaré (Lc 1,26). Quem celebra primeiramente o evento é um menino, ainda no ventre materno, quando Maria chega na “casa” de Isabel. É Maria quem educa o menino! “Criados a imagem e semelhança de Deus” (Gn 1,26). Assumir a si mesmo (a) como filho (a) de Deus é onde se dá o reconhecimento pessoal da dignidade humana, também em relação ao outro, em relação ao cosmo e com o próprio Deus. Estabelecendo-se, dessa forma, um processo dialógico filial, confiante e participativo na vida da Trindade Santa e nos desígnios dela sobre o mundo. Jesus, olhando para o ser humano adormecido e necessitado da Ruah, o Sopro Divino, que é a sua própria ação, sente que a participação de ser humano para o entendimento, o conhecimento de Deus, vem através da imitação de sua ação levando o ser humano a aderir essa prática que o libertará e o fará também libertador. A pedagogia de Jesus é fazer discípulos, amigos, comunidade de discípulos aqueles que sabem ouvir e colocar em prática seus ensinamentos. O discípulo é o sujeito do seu próprio desenvolvimento na fé e no seguimento de Jesus, que o estimula para que essa se dê, chegando ao ponto culminante da libertação que é a vitória da Vida sobre a morte. A Encarnação e Ressurreição é igual Vida em plenitude, em abundância, que acontece, acontecerá, o já e o ainda não, tema da escatologia. “ Deus de tal modo amou o mundo que entregou se Filho único”. (Jo 3, 16) As palavras e ações de Jesus convergem sempre para a libertação e responsabilidade que cada um tem sobre si mesmo, “tua fé te salvou” ou “os que têm ouvidos para ouvir que ouça”, uma mulher o questiona e ele aceita, uma samaritana lhe oferece água, uma mulher adúltera.... Uma explosão de amor mútuo na confissão de fé de Marta, a amizade de Pedro... Jesus é O que a partir de uma pedagogia desperta o ser humano, os seus talentos, os dons recebidos, imagem e semelhança de Deus. Vós sois Templos do Espírito Santo, facilitadores da visão de Reino de Deus, comunicadores (as) da Boa Nova de Jesus, anunciadores (as) do Reino, “Ide e levai” (At), doadores (as) da própria vida pelo Reino de Deus, “quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la, mas quem a entrega”. Jesus nos liberta pela oração, por seu pedido ao Pai por nós e por todos aqueles que atrairemos para o Pai. O conteúdo primordial da pregação de Jesus é a vinda do Reino de Deus e ele nos transmitiu esse ensinamento através de parábolas, instrumentos pedagógicos privilegiados, destinados a ilustrar a realidade deste reino. Esse tipo de ensinamento fazia parte do mundo da sabedoria israelita, onde se condensava toda a experiência sapiencial de Israel. É muito mais que uma “historinha” simplista que qualquer criança entende; a parábola condensa elementos causadores de crise. Não é um jeito de expressão da corte, mas faz parte do ambiente cotidiano das pessoas. Não há qualquer compromisso com ordem ou moral, pelo contrário, ela detecta exatamente a desordem, o caos e a crise. É marcada por um profundo realismo, por isso é facilmente assimilada. Porém, ao mesmo tempo que ela surge da realidade material e cotidiana, destaca-se dela. Emerge da realidade, mas não a reproduz: transforma-a. E essa transformação é a verdadeira libertação, pois nos dá o conhecimento real da vontade do Pai e o seu desejo para conosco. Pois em Jesus, Deus se mostra exatamente como Ele é. 1.1.4. Paulo Apóstolo: A Educação para a liberdade dos filhos de Deus A dignidade humana, dom precioso, pode ser promovida pelo veio da educação. Amar, refletir “com”, conduzir “para” uma vida de liberdade, que liberta. Educar para ser livre, opção fundamental feita de acordo consigo mesmo. Somente assim o ser humano assemelha-se a Deus (Gn 1,26-28). Liberdade como mola propulsora da vida – a mais profunda aspiração da alma humana. O direito de ser livre na escolha, de ir e vir, consagrado como direito básico da pessoa humana – o maior drama do encarcerado é a perda da liberdade. A Teologia Paulina é uma reflexão sobre a missão e a práxis de Jesus, como motivo de fé e fundamento da nova práxis cristã. A morte e ressurreição, são a fonte e o fundamento da vida na graça. Cristo comunica o Espírito de Vida e de liberdade. A teologia da liberdade é uma teologia da graça que vem a nós pela missão de Jesus Cristo e pela missão do Espírito. 27 Na carta aos Gálatas, Paulo apresenta aos gentios (Gl 2,2) que o evangelho é ruptura com a Lei, que não salva e nem liberta. Ela (a Lei) segura o povo em um projeto de escravidão. A Lei não tem força para destruir as forças sociais e éticas da escravidão, que determinam uma sociedade imperial e escravagista. As Cartas de Paulo, principalmente as endereçadas aos Gálatas, colocam claro o conceito radical entre o “fetiche” (vida segundo a Lei) e a vida segundo o Espírito (vida na Liberdade) (Gl 5). O conflito é entre a “Lei” e a “Graça” que liberta para a liberdade. Para Paulo, a Lei mantém a aliança da escravidão. A liberdade, que é vida no Espírito, somente o evangelho comunica. Na vida está a possibilidade de construir a nova criatura. A Liberdade é processo de formação histórico-social da vida do Homem e da Mulher (Nova humanidade) novos (ou ser humano novo). O Evangelho da libertação em Paulo constrói, educa para um Novo “Sujeito Histórico”. A palavra em Paulo suscita o discernimento. A fé permite ver o sistema social idólatra e satânico. A Palavra do Evangelho é pedagógica, educa para a libertação do que é idolatria e constitui assim sendo – um povo com nova práxis e esperança, o que significa compreender de maneira nova a si mesmo e ao próximo e as relações humanas. A ação característica dos cristãos é a nova práxis da liberdade. Sendo liberto, o cristão (um novo cidadão) é um “Typos”, modelo de resistência, de solidariedade e de confiança na ação do Espírito Santo, que liberta. As cidades gregas orgulhavam-se de suas liberdades. Os judeus se orgulhavam e se apoiavam na Lei de Moisés. Paulo, porém, rompe com o sistema da Lei, mostrando que a Lei 27 Comblin. J, A liberdade cristã, 1977, p. 17-24; p. 56-66 Fritzmyer. J.A, Linhas Fundamentais de Teologia Paulina, 1970, p. 37-48 mantém um grande regime de escravidão. A Lei não salva. A libertação vem pela fé em Jesus Cristo que comunica o Espírito. A experiência da liberdade permite compreender a extensão e a profundidade da escravidão. A Lei naquele contexto estava a serviço da estrutura social no seu conjunto, como sistema de morte e de escravidão. O sistema judaico não era apenas uma Lei interior, uma Lei moral é inscrita no coração. Era um sistema cultural completo, incluindo a submissão às classes sociais privilegiadas os sacerdotes e doutores, um conjunto de prestações religiosas, morais, sociais que incluíam contribuições econômicas importantes. Uma grande parte dos produtos da nação estava reservada ao sistema da Lei. Os homens piedosos obrigavamse a manter as mordomias, o prestigio, a vaidade e a superioridade social do que os oprimiam e exploravam. A religião exigia que bajulassem o sistema que os oprimia. 28 (J. Comblin 1987) Paulo nascido no início da era cristã deixa sua cidade natal, Tarso, por Jerusalém. É um citadino e não um homem de campo. Não encontramos em suas reflexões referências ao campo; a teologia de suas cartas passa pela realidade das grandes cidades (principalmente as portuárias). Quando se perguntava a Paulo sobre a sua identidade ele respondia o que está citado em Fl 3, 5 “Circunciso no oitavo dia da raça de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu e filho de hebreus”, “mas também, cidadão romano” e além do mais, “de nascimento” (At 22, 25-28). Essa forma de se identificar manifesta a rica personalidade de Paulo, judeu por nascimento e educação, mas da diáspora vivendo no Império integrado a ele. Valorizando assim, como cidadão romano, ordem e justiça, Paulo nasceu em Tarso, na Cilícia, cidade importantíssima, cruzamento de vias comerciais. O horizonte de Paulo é a cidade com as suas construções: os termos que evocam edificação, a arquitetura, são freqüentes. Paulo é o único a empregar o termo politeuma (Fl 3, 20), direito de cidade, cidadania, tão bem enraizada na civilização urbana do mundo helenístico. Pertencendo a uma família praticante, ainda jovem Paulo freqüentou a sinagoga. Ai ele aprendeu a ler as sagradas Escrituras e ouviu as explicações tradicionais sobre a Lei de Moisés. Em Tarso, como nas outras sinagogas da diáspora, a tradução grega da Bíblia chamada dos Setenta, como seu vocabulário, e às vezes as sua variantes características. Assim a palavra Torah que fundamentalmente quer dizer ensinamento, é traduzida por nomos, Lei, o que não deixa de ter conseqüências para a apreciação do conjunto sobre a obra de Moisés. (...) Quando nas suas cartas Paulo cita a Escritura, ele o faz o mais das vezes, segundo o texto grego sem problemas. 29 O jovem judeu podia sentir-se face aos gentios, orgulhoso de seus ensinamentos. Em Rm 2,17 o judeu nos é apresentado como: “convencido de ser o guia dos cegos, a luz dos que estão nas trevas, educador dos ignorantes...”. Isso era apresentado com espírito de orgulho, mais tarde, o próprio apóstolo Paulo vai combater esse orgulho dos judeus, que se achavam superior aos outros. Para Paulo, a 28 Cf. Comblin. J., Paulo Apóstolo de Jesus Cristo, 1993. liberdade de Jesus Cristo é uma vocação dinâmica porque é uma tarefa a ser cumprida. Poder, graça, “iniciativa de Cristo que nos alcança” (Fl 3, 12), isto está na compreensão dos ensinamentos. Constatamos que Paulo ensina de maneira regular. Não estamos mais no estágio do primeiro anúncio, mas de uma formação contínua, uma explicação detalhada da Escritura, isso seria dar um sentido novo ao ensinamento em relação com Cristo. Assim sendo, Paulo cria o que chamamos de uma escola, a “escola” paulina, isto é, um grupo de discípulos ligados ao ensinamento do mestre. Por exemplo: Timóteo, Tito aos quais Paulo incumbe delicadas missões. Graças a isso, os seus discípulos assegurarão a continuidade dos ensinamentos do mestre (Paulo) através de escritos publicados com o seu nome, como por exemplo a carta aos Efésios e epístolas pastorais. A graça para o apóstolo uma palavra já gasta no vocabulário hodierno (chares) é fundamental para Paulo. A celebração da graça não o impede de fazer uma crítica ‘Eu trabalhei mais do que eles, não eu, mas a graça de Deus que está comigo’ (1 Cor 15, 10). A graça de Deus quer agir em nós, e devemos Ter disponibilidade para isso: a proposta da carta aos Gálatas é o evangelho da liberdade que liberta. O amor liberta. A Bíblia mostra que a razão de ser da liberdade humana é o amor de Deus. A Liberdade de poder dizer não; mas no entanto, experienciar o amor de Deus. Fomos chamados à liberdade: “vós fostes chamados para a liberdade” (Gl 5, 13-15). O amor é serviço de uns para com os outros, como entender esse fato hoje? A liberdade é um fato social. Ela se dá sempre em relação à outra, ao outro e ao Outro. É solidária, é fraterna como uma opção expontânea e não normativa, pois cairia num vazio existencial quando normativa30. A compreensão cristã da liberdade em Paulo, é apresentada 29 30 Cf. Cothenet. E., Paulo apóstolo e escritor, 1999, p. 24 – 25. Comblin. J, Cristãos rumo ao século XXI, 1999 como: “Cristo deu liberdade para que sejamos livres” (Gl 5, 1). Aderir a Cristo é o que Paulo chama de fé. Na mística paulina que vai além do seu ensinamento moral, a liberdade plena é um Dom do Espírito Santo; é vida nova inaugurada por Jesus Cristo; é de filhos libertados de uma Lei que escraviza. A meta dos cristãos é uma vida livre de Leis e regulamentos movida pelo Espírito Santo, que os faz atuar por amor e não por temor, cheio de alegria, paz e bondade, fidelidade e outros frutos do amor. Quando Deus reina a pessoa atua como quem é de Cristo (Gl 5, 19 – 25). A tarefa dos educadores e pastores é contribuir para o desenvolvimento e não para restringir essa liberdade responsável e generosa dos fiéis. Liberdade não é dada, é conquistada; ninguém torna o outro livre, mas lhe permite conquistar a liberdade. Assim sendo, o cristão atua livremente agindo pela ação do Espírito Santo que nele habita por gratuidade e não por dever. Desde o seu novo nascimento, pelo conhecimento de Jesus Cristo, morto e ressuscitado, cada filho de Deus tem por obra do Espírito Santo um desenvolvimento de sua liberdade incomparável, a qualquer tipo de pseudo liberdade. A liberdade não é dada, ela é uma possibilidade; é mais do que uma qualidade, é um atributo do ser humano: é a própria razão de ser da humanidade, o ser profundo, o eixo central de toda a existência humana. Deus fez o homem-mulher para que fosse livre e pudesse agir com liberdade. “Deus quis diante dele um ser livre como Ele” 31. Sendo a liberdade uma conquista - como nos mostra, também, Paulo -, os educadores e os pastores podem ser os facilitadores desta libertação pela educação. O ser humano, que é ser corporal, material, físico e também espiritual, deve buscar a libertação em todos esses 31 Cf. Segundo. J.L., Que mundo? Que homem? Que Deus?, 1995, p. 385 à 404. “Para aqueles que crêem em Deus, mostrar-lhes a estupenda aventura de uma criação, na qual Deus decide – livremente – amar, e para faze-lo criar um ser especialíssimo, capaz de liberdade, amor e gratuidade embora seja dentro dessa imponente rede de forças de um universo infinitamente maior, e, aparentemente, mais poderoso”. Segundo. J.L., Que mundo? Que homem? Que Deus?, 1995, p. 453. âmbitos. Por muito tempo se pensou em viver essa liberdade fora do mundo: o tema era fuga do mundo. No entanto, a liberdade está inserida na vida. Fora de um mundo ideal e da realidade. Ela só se realiza e existe dentro de uma grande necessidade de “liberdades” que se conquista: liberdade política, liberdade econômica, liberdade religiosa, liberdade cultural, em conexão com o mundo, com os outros e com as outras. A vocação à libertação se realiza em meio a tantas lutas e condicionamentos e fracassos, que são condicionantes ao ser libertado pela cruz de Cristo32. 2. ASPECTOS DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO Ao longo da história humana a educação foi sempre pensada num processo dialético de ensinar e aprender. A etimologia da palavra “educação” provém do latim educere e significa “conduzir”; ducere “para fora”, ela nos oferece uma pista nova. Na tarefa educativa é preciso contar com o educando, certamente há condução, mas sempre a partir do que o aluno já é. Não se parte do nada. Numa visão mais “tradicionalista” se diria que etmologicamente “educação” do latim educare se assinalava a ação de formar, instruir, guiar, com o papel mais passivo do educando. Ambas etimologias apresentam forma insofismável e a dimensão fática ativa e social do munus educacional 33 Educação seria em alguns dos seus significados: - 32 33 Formação da personalidade Cf. Comblin. J., Cristãos rumo ao século XXI, 1999, p. 65. FULLAT, Octavi. Filosofias da Educação. p.21 - Um saber e um saber-agir sobre o educando - Atividades escolares - Instruir, informar (incluindo boas maneiras) mesmo fora do ambiente escolar. Esses significados contribuem para a socialização e libertação do educando. Educação: Processo Educativo - Como realidade (fatos): sociologia, história, psicologia, economia, neurofisiologia, física, química e tecnologia. - Como valor: (antropologias filosóficas), filosofia, moral, política, estética e direito. Reflexão sobre a evolução do pensamento humano: Sócrates – (469-399 a.C.) é uma figura emblemática na história da filosofia. Passava horas discutindo nos locais públicos de Atenas e era muito procurado pelos jovens. Ele argumentava e provocava discussões, fazendo perguntas aos que julgavam entender um determinado assunto, deixando-os sem saída e obrigados a reconhecerem sua própria ignorância. Esse é o conhecido método socrático, nascido da perplexidade do filósofo diante do oráculo de Delfos, que o identificara como “o homem mais sábio”. Apesar de não se considerar como tal, ele não ousa desacreditar do oráculo e consulta as pessoas que se diziam sábias, descobrindo a fragilidade desse saber. Percebe que a sabedoria começa quando se reconhece a própria ignorância. “Só sei que nada sei” é , para Sócrates, o princípio da sabedoria: atitude de assumir a tarefa verdadeiramente filosófica de superar o enganoso saber baseado em idéias preconcebidas. Seu método compreende duas partes: 1)ironia (do grego eironeia, que significa perguntar, fingindo ignorar), é um processo negativo e destrutivo de descoberta da própria ignorância; 2) Maiêutica (de maieutikê, “relativo ao parto”) é construtiva e consiste em dar à luz novas idéias. Temos conhecimento dos ensinamentos de Sócrates através das obras de seus discípulos, especialmente Platão, pois ele nada deixou por escrito. Sempre assumiu uma postura mais radical e procurou definir com rigor aquilo de que se falava, pois não bastava descrever as diversas virtudes, mas deveria saber-se sua essência. Quando Sócrates usa a máxima “Conhece-te a ti mesmo”, ele não tinha um objetivo puramente intelectual. Ele queria chegar no reto conhecimento das virtudes humanas, a fim de se poder levar uma vida igualmente reta. Para Sócrates, ninguém é voluntariamente mau, pois a filosofia favorece a vida moral do homem. Para conhecer o bem é preciso praticá-lo e a maldade provém da ignorância. Esse pensamento é chamado de intelectualismo ético, isto é, a doutrina socrática que identifica o sábio e o homem virtuoso. Desse conceito derivam diversas diretrizes para a educação, como: o conhecimento tem por fim tornar possível a vida moral; o processo de adquirir o saber é o diálogo; nenhum conhecimento pode ser dado dogmaticamente, mas como condição para desenvolver a capacidade de pensar; toda educação é essencialmente ativa e, por ser auto-educação, leva ao conhecimento de si mesmo; análise radical do conteúdo das discussões, retirado do cotidiano, leva ao questionamento do modo de vida de cada um e, em última instância, da própria cidade. Essa doutrina, considerada subversiva, por colocar em questão valores vigentes, levanta contra Sócrates inimigos rancorosos. Acusado de corromper a mocidade e de não crer nos deuses da cidade, é condenado à morte. Toda sua história e contada por Platão, em Apologia de Sócrates e Fédon. 34 Platão – (428-347 a.C.) Ateniense de família aristocrática, sentia-se atraído por política, apesar de ter sofrido pesados reveses ao tentar pôr em prática suas teorias. O vigor de seu pensamento faz questionar o que de fato seria de seu mestre Sócrates e o que é sua criação 34 ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. p. 44 original. Platão dizia ser preciso cinqüenta anos para fazer um homem. Para seu tempo isso significa muitíssimos anos.35 Ante a variedade de significados que se descobre no conceito de educação, assumindo a postura de Platão, entendemos que educar é fazer-se e educar fazer, e que esta tarefa abrange toda a existência humana em todas as suas dimensões.36 A educação de “valores” como um “dever - ser”, propicia a idéia de melhoria na dinâmica do ato de educar, observando-se o ato de educar nas implicações sociais pessoais. Educar o indivíduo acreditando no desenvolvimento das possibilidades humanas, capacidades críticas que liberta e nos conhecimentos de valores, atitudes e aptidões que socializam. Para Platão, há dois modos, entre outros, de educação. Em seus processos educacionais (pedagógicos), o que insere a pessoa numa sociedade - o socializador (empeiría = experiência) - seria o mais comum. Aquele que liberta, em parte, a pessoa das amarras que a sociedade impõe - o libertador (eleutheria) – é um processo mais raro.37 Para compreender a proposta pedagógica de Platão é preciso associá-la ao seu projeto inicial, que é político. No seu livro A República, Platão expõe o “mito” da caverna, uma alegoria usada para explicar sua teoria, a qual relata que os homens se encontram acorrentados em uma caverna desde a infância, de tal forma que, não se podendo voltar para a entrada, apenas enxergam o fundo da caverna, onde são projetadas as sombras das coisas que passam as suas costas, onde há uma fogueira. Se um deles conseguisse se soltar para contemplar a luz do dia, os verdadeiros objetos, quando regressasse para contar o que vira, não mereceria o crédito de seus amigos, que o tomariam por louco. A análise desse mito pode ser feita de dois pontos de vista: o 35 FULLAT, Octavi. Filosofias da Educação. p.24 ARANHA, Maria Lucia de Arruda. História da Educação. p. 44 37 PLATÃO, República, 540,a; Segunda edição de Henricus Stephanus 36 epistemológico, relativo ao conhecimento e o político que, por sua vez, desdobrará implicações pedagógicas. Platão compara o acorrentado ao homem comum, que permanece dominado pelos sentidos, paixões, e só alcança um conhecimento imperfeito da realidade , restrito ao mundo dos fenômenos, no qual as coisas são meras aparências e estão em constante fluxo. A esse conhecimento Platão chama doxa, que significa “opinião”. O homem que se liberta dos grilhões é o filósofo, capaz de atingir o verdadeiro conhecimento, a episteme, “ciência”, quando a razão ultrapassa o mundo sensível e atinge o mundo das idéias. Lugar da essência imutável de todas as coisas, dos verdadeiros modelo ou arquétipos. Este é o único verdadeiro, e o mundo sensível só existe enquanto participa do mundo das idéias, do qual é apenas sombra ou cópia. 38 Para Aristóteles (Grécia - 384-332 a.C.): “não é apenas preciso educar; é necessário educar honestamente. No plano da consciência educar exige sempre ter que optar, preferir ou decidir-se, por este ou aquele sistema de valores. A liberdade portanto oferece, exerce um papel preponderante na tarefa educacional.” 39 Fundou em Atenas sua própria escola, o Liceu, no ginásio de Apolo Lício, em uma dependência chamada peripatos, daí o fato de sua filosofia ser conhecida como peripatética. Segundo hipótese corrente, Aristóteles daria suas aulas andando pelos jardins da escola, no peripatos (peri = ao redor; e pateos = passear). 40 Ao superar a influência do mestre, elabora um sistema filosófico original que abrange os mais diversos aspectos do saber do seu tempo, inclusive das ciências. Filho de médico, herda o gosto pela observação, tendo classificado cerca de 540 espécies de animais, o que mostra a importância dada à investigação científica, também valorizada na sua concepção pedagógica 38 39 idem p. 44-45 idem p, 94 A teoria do movimento leva à distinção entre as causas possíveis dos seres, a matéria e a forma. Como conseqüência dessa teoria do movimento e das causas para a pedagogia, toda a educação deve levar em conta o fato de o homem estar em constante devir. A educação tem como finalidade ajudar o homem a alcançar a plenitude e a realização do seu ser; a atualizar as forças que tem em potência. Note-se aqui uma característica da pedagogia da essência, pois a educação pretende levar o homem a “tornar-se o que deve ser”. Mas como podem vir a ser, nos encontramos finalmente no campo da ética, parte da filosofia que trata da ação humana tendo em vista o bem. O sumo bem é alcançar a felicidade. Para Aristóteles, o que distingue o homem do animal é a capacidade de pensar e, portanto, sua perfeição se encontra no exercício dessa atividade. Se a virtude do homem é viver conforme a razão, cabe a ela disciplinar os sentimentos e os instintos. Diferentemente de Sócrates, que identificava saber e virtude, Aristóteles enfatiza a ação da vontade, exercitada pela repetição, que conduz ao hábito: só é virtuoso o homem que tem o hábito da virtude. Daí ser a imitação o instrumento por excelência desse processo, segundo o qual a criança se educa repetindo os atos de vida dos adultos, adquirindo hábitos que vão formar uma “segunda natureza”. Muitos outros pensadores influenciaram o pensamento no que concerne à educação, e hoje é preciso assumir uma postura histórica para podermos entender os problemas educacionais, não bastando, entretanto, conhecer os fatos e idéias relacionadas com a educação em cada época histórica é necessário, além disso, investigar os aspectos, “de ordem econômica, política e social do país em cujo seio se desenvolve o fenômeno educativo que se quer compreender, uma vez que é esse processo de investigação que fará emergir a problemática educacional concreta”. 41 40 41 FULLAT, Octavi. Filosofias da Educação. p. 28 SAVIANI, Demerval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. p. 38 Partimos a seguir para alguns aspectos da história da educação que precisam ser analisados neste contexto de Libertação, da qual, D.Bosco é representante com sua importante contribuição da preventividade. 2.1. A educação entre os povos primitivos Sob regime tribal, a característica essencial da educação reside no fato de ser difusa e administrada indistintamente por todos os elementos do clã. Não há mestres determinados, nem inspetores especiais para a formação da juventude: esses papéis são desempenhados por todos os anciãos e pelo conjunto das gerações anteriores. (Émile Durkheim) A educação existe mesmo onde não há escolas. Nas sociedades chamadas primitivas e de povos considerados “bárbaros”, por exemplo, não existem escolas nem métodos de educação conscientemente reconhecidos como tais. No entanto, existe educação, cujo objetivo é promover “o ajustamento da criança ao seu ambiente físico e social, por meio da aquisição da experiência de gerações passadas” 42 Entre os povos primitivos, a criança adquire o conhecimento necessário por meio da imitação: 1ª fase (primeiros anos de vida): imitação inconsciente. 2ª fase (adolescente): imitação consciente. As cerimônias de iniciação possuem valor educativo nos seguintes aspectos: a) moral; b) social; c) político e religioso. 42 MONROE, Paul. História da educação. p. 1 Animismo é a crença de que tudo possui uma alma. O aprendizado dos métodos que apaziguarão o mundo dos espíritos constitui a parte mais importante da sua educação. Os primeiros professores são, inicialmente, a classe formada pelos chefes de grupos familiares. Posteriormente, a instrução passa a ser dada pelos sacerdotes, que se constituem nos primeiros professores profissionais.43 2.2. Educação Judaica Como nas demais civilizações antigas, os hebreus estão impregnados da religiosidade e da ação dos profetas, na realidade seus primeiros educadores. De início as sinagogas também servem de local para a instrução religiosa, em que se dizem as verdades da Bíblia. A Bíblia é constituída pelos livros do Antigo Testamento, no qual se encontram os fundamentos do judaísmo. No início da nossa era, os evangelistas acrescentaram o Novo Testamento, referente aos ensinamentos de Jesus, aceito apenas pelas religiões cristãs, porque os judeus não os consideravam o verdadeiro Messias. Os documentos bíblicos têm inestimável interesse histórico e, não somente nos fazem conhecer os valores morais e jurídicos do povo hebreu, como ajudam a compreender as raízes judaico-cristãs da cultura ocidental. Significativa mudança acontece entre os hebreus, distinguindo-os dos demais povos. Em primeiro lugar, pela superação de concepção politeísta, ao admitirem a existência de um só Deus, Javé. Além disso, enquanto as outras civilizações não destacaram propriamente a individualidade, por estarem seus membros mergulhados nas práticas coletivas, os hebreus desenvolvem uma nova ética voltada para os valores da pessoa e para a interioridade moral. Outro aspecto do judaísmo é a importância dada a todo ofício e ao reconhecimento do valor da educação manual, o que atestam as seguintes citações: “A mesma obrigação tens de 43 BRANDÃO, Carlos Rodrigues O QUE É EDUCAÇÃO. São Paulo: Brasiliense. 1981. P.18-19 ensinar a teu filho um ofício como a de instruí-lo na Lei” e “É bom acrescentar a teus estudos o aprendizado de um ofício; isso te ajudará a livrar-te do pecado”. 44 2.3. Educação Grega As características principais da educação grega é o maior desenvolvimento individual bem ao contrário da educação oriental que tentava conservar e reproduzir o passado mediante supressão da individualidade. “É historicamente indiscutível que foi a partir de que os gregos situaram o problema da individualidade no cimo do seu desenvolvimento filosófico que principiou a história da personalidade européia. Roma e o cristianismo agiram sobre ela”. 45 Entretanto, não se pode esquecer que o novo conceito de educação grega refere-se aos cidadãos livres da Grécia Antiga, que podiam tirar proveito da sua liberdade ao mesmo tempo em que cerca de 90% da população vivia como escravos. Um dos significados dados ao sophós – sábio, na Antiga Grécia, foi o de ser entendido em algo. Quem tinha êxito na cura das doenças era um sophós. Nesse sentido particular de “sábio”, insere-se o educador como artista ou fazedor. Os educadores são sophói; são práticos e habilidosos na arte de educar. 46 Paidéia: A palavra “paideia não pode ser usada como fio condutor da origem da educação grega. Este fato se encontra pela primeira vez em Ésquilo, “Os Sete contra Tebas”, que designa, tão somente, a criação dos meninos (Paidos = crianças), porém seu sentido de tornou muito mais elevado com o correr do tempo. Como fio condutor que nos guie ao longo da história da educação grega e lhe dê unidade, encontramo-lo no conceito de Aretê. É este conceito que exprime a forma primeira, original e originária do ideal educativo grego. 44 ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. p. 36 JAERGER, Werner. Paidéia. A formação do homem grego. p. 9 46 FULLAT, Octavi. Filosofias da Educação. p.29 45 A Paidéia é então entendida como sendo a formação geral que se dará ao homem para torná-lo cidadão. Este ideal aparece claramente no séc. IV a.C. presente nos sofistas e também encontrado em Sócrates, Platão, Aristóteles ou em Isócrates, tornando-se uma afirmação: “O princípio espiritual grego não é o individualismo mas o humanismo”, para usar a palavra nos seu sentido clássico e originário: “um fator marcante para o desenvolvimento do mundo grego, sobretudo na cultura e nas ciências.” 47 2.4. Educação Romana “A Grécia vencida conquistou por sua vez o rude vencedor e levou a civilização ao bárbaro Lácio” (Horácio) “As armas não tinham conseguido submetê-los a não ser parcialmente; foi a educação que os domou” (Plutarco). Os romanos tinham uma mentalidade prática: procurava alcançar resultados concretos adaptando os meios aos fins. Enquanto os gregos julgavam e mediam todas as coisas pelo padrão da racionalidade da harmonia ou da proporção, os romanos julgavam tudo pelo critério da utilidade ou da eficácia. O ideal romano de educação decorre, principalmente, da concepção de direitos e deveres. Numa educação centralizada na formação do caráter moral das pessoas, a família desempenha papel muito importante. A situação da mulher em Roma era mais elevada do que no restante dos impérios da Antigüidade.E ela exercia grande autoridade dentro da família. A característica fundamental do método da educação romana era a imitação. O método característico era a educação prática. Aprendia-se fazendo a coisa que se tinha de fazer. 47 JAERGER, Werner. Paidéia. p A educação primitiva romana era dada praticamente no lar. Durante a última parte desse período surgiram as escolas elementares (ludi), que passaram a ministrar os rudimentos das artes de ler, escrever e contar. Os mestres dessas escolas chamavam-se ludi-magister. Com as mudanças históricas, a cultura grega continua se nos impondo mais diversos aspectos da vida romana. A escola do retórico em Roma ministrava o treino completo em oratória, e era freqüentada por aqueles que pretendiam dedicar-se a uma carreira pública. Com a retórica se transformou num simples treino para aquisição de habilidades de falar em público, sem se preocupar com o conteúdo do discurso, houve necessidade de se preencher tais deficiências. Surgiu, então, o estudo da ciência do Direito e da Filologia. Roma e Constantinopla tiveram os melhores centros docentes. Nesses centros floresceram as escolas de filósofos e os institutos helenísticos, onde se desenvolviam as ciências particulares. Tais instituições tornaram possível o surgimento das universidades. O fato de a educação romana ter passado a se limitar à classe mais elevada colabora para a sua decadência. A educação ministrada pela Igreja Primitiva Cristã veio, gradualmente, substituir a decadente educação romana. 48 3. A EDUCAÇÃO NOS DOCUMENTOS DA IGREJA Quando nos reportamos à educação é comum associa-la à filosofia de educação e princípios educativos de uma escola. Neste trabalho, porém a proposta é uma reflexão sobre os aspectos teológicos da educação para o qual não bastaria uma reflexão puramente racional, pois a Teologia pressupõe a fé e esse pressuposto transforma o todo. Os aspectos que envolvem a teologia da educação nos seus desdobramentos educacionais pastorais e espirituais. A teologia (teos = Deus; logos = palavras, saber, estudo). A teologia é o estudo e reflexão na fé da Palavra de Deus. 48 BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O QUE É EDUCAÇÃO. P. 48-53 De acordo com o Concilio Vaticano II, a palavra de Deus é idêntica a Revelação Divina contida na Tradição e na Sagrada Escritura: “A Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura constituem um só sagrado depósito da Palavra de Deus” (Dei Verbum 10). A teologia é a forma de conhecer a revelação de Deus acolhida pela fé. A teologia é uma ciência e como toda a ciência tem uma estrutura do conhecimento, que possibilita o teólogo a ver tudo a partir da Revelação de Deus, acolhido pela fé, que cria dentro do seu próprio ser a vontade intrínseca de Deus. Um teólogo cristão é um estudioso da Palavra de Deus, que é o Verbo encarnado (Jo1,1), porém, antes de ser um “doutor” ele é um discípulo, um humilde discípulo, que deseja “ensinar” por Deus. Ele se empenha em conduzir os seus educandos para o desejo de Deus que existe dentro deles. Todo o ser humano, isso nos diz a antropologia, é atraído pelo transcendente. 3.1. Conceito Cristão de Educação O conceito do que é “educação”, compete em primeiro lugar à filosofia, porque se trata de analisar racionalmente a natureza humana, o seu aperfeiçoamento cultivo e falar sobre sua cultura, porém em uma sociedade complexa como a atual, onde não só influências familiares contribuem para maturidade de pessoa, mas há outros fatores externos que influenciam o educando em seu amadurecimento e que preocupam: filósofos, sociólogos, antropólogos e teólogos. A dimensão religiosa do ser humano, e falar de sua relação com Deus, obriga a Igreja a envolver-se com a educação de seus filhos a partir do Projeto de Deus sobre a humanidade. Assim sendo, para os cristãos o conceito de educação não é incumbência só da filosofia, mas, também, da teologia. A educação é vista como um processo de amadurecimento da pessoa como tal e sua abertura para a transcendência. Assim, considerando que esse processo educativo está orientado para a salvação integral e para a santidade da pessoa. Procuraremos observar em documentos eclesiais a grande preocupação da Igreja como Educação. Por uma razão bem especial cabe a Igreja o dever de educar. Não só porque deve ser reconhecida como sociedade humana capaz de transmitir educação. Mas antes de tudo, porque lhe incumbe anunciar o caminho da salvação aos homens todos comunicar aos fiéis a vida de Cristo ajudando-os por uma solicitude continua a atingirem a plenitude desta Vida. (G. E. 3). 3.2. Concílio Vaticano II: Declaração “Gravissimum Educationes” O concílio Vaticano II impulsiona a ação educativa interna da Igreja, definindo-a como um “sacramento de salvação”. Essa noção sacramental explica o dinamismo da Igreja para aperfeiçoar as pessoas e torná-las libertas. A Constituição Dogmática Lumen Gentium nos diz: A Igreja é em Cristo como que um sacramento ou o sinal e instrumento da íntima união com Deus, e da unidade de todo o gênero humano, ela deseja oferecer a seus fiéis e a todo o mundo um ensinamento mais preciso sobre sua natureza e sua missão universal insistindo no tema de Concílios anteriores (LG. 1). A Igreja ao evangelizar atrai os homens e as mulheres para Cristo, que os liberta, e os encaminha assim à perfeição e à felicidade (LG 17). A Declaração Conciliar Gravissimum Educatones, que se dedica à educação cristã da juventude, dá uma explicação a respeito dos direitos dos cristãos e os deveres da Igreja, “todos os cristãos têm direito à educação cristã” e passa a descrever e recorda aos pastores de almas a gravíssima obrigação de tudo empreenderem no sentido de os fiéis se beneficiarem desta educação cristã, particularmente os jovens, que constituem a esperança da Igreja (GE 2) A Igreja tem como missão educar os fiéis. O primeiro meio educativo próprio da Igreja é a instrução catequética, isto é educação na Fé, mostrar com bondade as várias etapas de amadurecimento na fé, desta maneira o educando percebe-se participante de sua educação (GE 4). Em seu preâmbulo (na nota 3), 49 esta Declaração Gravissimum Educacionis menciona vários acordos que mostram a importância de diálogos da Igreja com autoridades educativas civis. Nos documentos do CELAM, encontramos referências importantíssimas para uma visão do que é a educação libertadora proclamada em Medellin, Puebla, e Santo Domingos, que têm o propósito de transformar o povo da América Latina no novo sujeito histórico, libertado pela educação, sendo fator básico e decisivo para o desenvolvimento do continente. Como destacamos no antigo Israel, nas páginas anteriores, o povo sofria conseqüências da idolatria de uma religião manipuladora, fiel aos interesses das elites e dos governantes políticos e religiosos, que não permitiam o desenvolvimento libertador do ser humano, tornando-o escravo política, religiosa, cultural e economicamente. A Conferência de Medellin vem nos apontar, ao referir-se à educação na América Latina, o sentido humanista e cristão da Educação que liberta porque responde às necessidades do povo e os ajuda a refletir sobre as causas do seu fracasso. 50 A Conferência de Medellin também observa que é o campo da educação o meio mais necessitado de mudanças, e de mudanças profundas, que encerrem a fase de uma educação 49 cf. Profissão universal dos direitos humanos (Declaration des droits de l’homme), de 10 de dez. 1948, ratificada pela assembléia geral das nações Unidas; e cf. Declaration des droits de l’enfant, de 20 nov. 1959; Protocole additionnel à la convention de sauvegarde des droits de l’homme et des libertés fondamentales, Paris, 20 março 1952; a respeito da Profissão universal dos direitos humanos, cf. João XXIII, Carta encíclica Pacem in terris, de 11 abril 1963: AAS 55 (1963) p. 295s. 50 cf. Documento de Medellin nº 8, p. 88 reprodutora de padrões de culturas européias, que não permitem o desabrochar da mente o desenvolvimento de raciocínio livre, das pessoas, crianças, adultos, adolescentes, tornando-os marginalizados por falta de uma alfabetização criativa e profética. O Documento de Puebla dedica alguns parágrafos à necessidade urgente de uma educação libertadora. Cita que, para a Igreja: educar o ser humano é parte da missão evangelizadora, continuando assim a missão de Jesus o Cristo e o Mestre.51 Quando a Igreja evangeliza e consegue a conversão do homem, também o educa, pois a salvação (Dom divino e gratuito) longe de desumanizar o homem, o aperfeiçoa e enobrece; faz com que cresça em humanidade. A evangelização é, neste sentido, educação. todavia, a educação enquanto tal não pertence ao conteúdo essencial da evangelização, mas ao seu conteúdo integral.”; 1024 “a educação é uma atividade humana da ordem da cultura; a cultura tem uma finalidade essencialmente humanizadora. Desta forma, compreende-se que o objetivo de toda educação genuína seja humanizar-se e personalizar o homem, sem desvirtuá-lo, mas pelo contrário orientando-o eficazmente para seu fim último que transcende a essencial finitude do homem. A educação será tanto mais humanizadora quanto mais se abrir para a transcendência, ou seja, para a verdade e o sumo Bem.”; 1025 “a educação humaniza e personaliza o homem quando consegue que este desenvolva plenamente o seu pensamento e sua liberdade, fazendo-os frutificar em hábitos de compreensão e comunhão com a 51 cf. Documento de Puebla nota 297 n.º 1012. N.º 1013 totalidade da ordem real; por meio destes, o próprio homem humaniza o seu mundo, produz cultura, transforma a sociedade e constrói a historia.”; 1026 “A educação evangelizadora assume e completa a noção de educação libertadora, porque deve contribuir para a conversão do homem total, não só em seu eu profundo e individual, mas também no eu periférico e social, orientando-o radicalmente para a genuína libertação cristã, que torna o homem acessível à plena participação no mistério de Cristo ressuscitado, isto é, à comunhão filial com o Pai e à comunhão fraterna com todos os homens, seus irmãos. A Conferência de Santo Domingo nos coloca mais uma forma Pastoral que dá título a ação educadora da Igreja, reafirmando o que diz Medellin e Puebla. Quer fazer uma proposta para a educação cristã mais atualizada e a inculturação do Evangelho. 52 Reafirmamos o que dissemos em Medellín e Puebla (cf. Documento de Educação, Medellín, Puebla) e a partir dali assinalamos alguns aspectos importantes para a educação católica nos nossos dias. - a educação é a assimilação da cultura. A educação cristã é a assimilação da cultura cristã. É a inculturação do Evangelho na própria cultura. Seus níveis são bem diversos: escolares ou nãoescolares, elementares ou superiores, formais ou não-formais. Em todo caso, a educação é um processo dinâmico que dura a vida toda da pessoa e dos povos. Recolhe a memória do passado, ensina a viver hoje e se projeta para o futuro. Por isso, a educação cristã é indispensável na nova evangelização. N.º 264 – a Educação cristã desenvolve e assegura a cada cristão a sua vida de fé e faz com que verdadeiramente nele sua vida seja Cristo (cf. Fl 1,21). Por ela, ecoam no homem as “palavras de vida eterna”(Jo 6,68), realiza-se em cada pessoa a “nova criatura” (2Cor 5,17) e se leva a cabo o projeto do Pai de “recapitular em Cristo todas as coisas” (Ef 1,10). Assim a educação cristã se funda numa verdadeira antropologia cristã, que significa a abertura do homem para Deus como Criador e Pai, para os outros como seus irmão, e para o mundo como àquilo que lhe foi entregue para potenciar suas virtualidades e não para exercer sobre ele um domínio despótico que destrua a natureza. N.º 265 – Nenhum mestre educa sem saber para que educa e em que direção educa. Há um projeto de homem encerrado em todo projeto educativo; este projeto vale ou não segundo construa ou destrua o educando. Este é o valor educativo. Quando falamos de uma educação cristã, queremos dizer que o mestre educa para um projeto de homem no qual Jesus Cristo viva. Há muitos aspectos nos quais educar e muitos que constam do projeto educativo do homem; há muitos valores; mas estes valores nunca estão sós, sempre formam uma constelação ordenada, explícita ou implicitamente. Se a estruturação tem como fundamento e termo a Cristo, tal educação recapitulará tudo em Cristo e será uma verdadeira educação cristã; caso contrário, pode falar de Cristo, mas não é educação cristã. N.º 274 – Urge uma verdadeira formação cristã sobre a vida, o amor e a sexualidade, que corrija os desvios de certas informações que se recebem nas escolas. Urge uma educação para a liberdade, um dos valores fundamentais da pessoa. É também necessário que a educação cristã se preocupe em educar para o trabalho, especialmente nas circunstâncias da cultura atual. Há várias maneiras de olhar a história da educação. É diferente o olhar de um sociólogo, de um poeta, de um político. Todas são válidas e contribuem para que a educação 52 cf. Documento de Santo Domingo “A ação Educativa da Igreja”. Iluminação Teológica. N.º 263 seja promotora da humanização do ser humano. Nós, porém, queremos olhar a realidade educacional com os olhos da teologia, uma maneira de olhar original, pois aparece pela experiência de Deus na vida de homens e mulheres que se dedicam à ação de observar os sinais dos tempos. 53 A Igreja do Brasil quer olhar também a realidade atual da Educação como cristãos educadores seguindo o caminho pedagógico de educação libertadora. O olhar da realidade atual vai mudando nos sucessivos documentos da Igreja Universal, na Igreja Latino Americana regional, particular e local, observando com muito cuidado as diferenças segundo o lugar e o setor social, econômico e cultural que abarcam. O Documento Educação Igreja e Sociedade da CNBB começa apontando a Missão do Educador como o responsável pela formação da pessoa para agir conforme sua consciência, iluminada pelos valores objetivos de uma vida humana e realizada.54 O objetivo da educação é ajudar a pessoa a libertar-se dos condicionamentos e dominações que dificultam seu desabrochar efetivo e assumir-se integralmente como sujeito no seu crescimento pessoal. “A liberdade é a marca de que a atividade humana é capaz de transcender os limites de ordem material, corporal, sexual, psicológica, social, econômica e cultural que envolve as pessoas”55. É por essa liberdade que o ser humano é chamado a transcender todos os condicionamentos e a dar sentido à sua vida. O processo de libertação ou de auto-realização é longo e difícil, pois leva o indivíduo a uma tomada de consciência de um sentindo transcendente diante dos valores que superam os condicionamentos temporais e materiais da existência, apontando para o mistério de sua própria vida e para o mistério de Deus. Ao descobrir o Ser Supremo, o ser humano transcende 53 cf.AHUMADA, Enrique Garcia. Teologia de la Educacion. p.448-455 cf. Documento “Educação Igreja e Sociedade” n.º 47 parágrafo 65. “a educação está a serviço da liberdade. Ela é libertadora não só no sentido de que considera o educando como sujeito do seu próprio desenvolvimento (Medellín), em comunidade (Puebla), mas, também enquanto visa a plena liberdade do educando como pessoa. Seu objetivo é o de ajudá-lo a libertar-se dos condicionamentos e dominações que dificultam seu desabrochar efetivo e a assumir, como sujeito, seu crescimento pessoal. 55 Cf. Idem. 1992, p. 40, 66 54 a si mesmo, e ao estabelecer uma relação vital com Deus, ele aprende a lhe ser fiel em todos os momentos da sua existência e de sua atividade. É essa transcendência que dá o sentido à vida. Daqui, a força transfiguradora da religião e a sua importância para educação, pois toda educação comporta uma religiosidade. “não se pode negar à criança a possibilidade da experiência de uma realidade superior a ela mesma, decisiva para sua realização plena.[...]”. O que a revelação nos diz do ser humano, da pessoa? Qual seu sentido, seu destino? A primeira resposta está no início da Bíblia. Deus criou o ser humano, ‘homem e mulher ele os criou’. Mais: ‘Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou’. O salmo 8 dirá, com admiração, diante dessa obra tão especial de Deus: ‘que coisa é o homem, para dele te lembrares, Senhor, que é o ser humano, para o visitares? No entanto o fizeste só um pouco menor que um deus, de glória e honra o coroaste. Tu o colocaste à frente das obras de tuas mãos. Tudo puseste sob os seus pés. 56 Afirmar que Deus cria o mundo e os seres humanos significa a afirmar a liberdade de Deus: a criação é fruto de uma vontade pessoal, de amor, não resultado do acaso. Significa também reconhecer que homem e mulher, criados semelhantes ao Criador, são pessoas dotadas de liberdade e chamadas à criatividade, á responsabilidade e ao amor oblativo. Assim como no mistério de Deus Trinitário a pessoa divina é relação amorosa para as outras pessoas, assim também homens e mulheres criados à imagem e semelhança do mesmo Deus, deve abrir-se, oblativamente, às outras pessoas até aos inimigos, para merecerem ser chamados filhos e filhas de Deus.57 A dignidade humana, dom precioso que pode ser promovida pelo veio da educação. O direito de ser livre, de escolher, de ir e vir, consagrado como direito básico da pessoa humana. Libertação: liberdade que liberta para a responsabilidade, fraternidade e para a cidadania. Libertação: livres para servir. Libertação cristã aberta para a comunidade. “O homem é, com efeito, por sua natureza íntima, um ser social. Sem relações com as outras não pode nem viver nem desenvolver seus dotes”58. Não individualista, solitária, mas sim solidária. A liberdade prisioneira pode ser “salva” caminho da inteligência e sabedoria. A inteligência humana deve ser aperfeiçoada pela sabedoria. É preciso que se atinja todas as realidades humanas, a realidade de hoje e a de que o mundo se move pelo pensamento científico. A sabedoria faz com que se conjugue corretamente a ciência e tecnologia e antropologia com a verdade do Evangelho. 3.3 Ética e Educação Ética é uma responsabilidade radical e objetiva. A ação humana voluntária livre se situa numa ordem de ser original, ou seja, o caráter ético objetivo da ação responsável é um dado antropológico fundamental, fundado na originalidade da ação voluntária. Todo educador percebe que é essa responsabilidade e essa originalidade que inaugura o universo ético e, o que conta, é a fidelidade do sujeito aos valores que considera para uma boa relação com os outros. Os educadores estão hoje cada vez mais preocupados em se colocar a serviço dos educandos, favorecendo-lhes o aprendizado e a 56 Cf. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. Documento da CNBB. n. 71 São Paulo: Paulinas. 2003 – 2006, 70 57 Cf. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. Documento da CNBB n. 71, 70 -71 58 Cf. Constituição Pastoral. Gaudium et Spes. Compêndio do Vaticano II. 7ª ed. Petrópolis: Vozes. 1968, 12 autoconstrução do conhecimento. O documento da Conferência de Bispos em Medellín demonstra em 1968 a preocupação com esse método de educar: A educação formal ou sistemática se estende cada vez mais para as crianças e os jovens latino americanos, embora grande número deles fique ainda fora dos sistemas escolares. Qualitativamente, e tendo em vista o futuro, está longe de corresponder àquilo que exige nosso desenvolvimento. Sem esquecer as diferenças que existem relativamente aos sistemas educativos nos diversos países do continente, parece-nos que o seu conteúdo programático é, em geral, demasiado abstrato e formalista. Os métodos didáticos estão mais preocupados com a transmissão dos conhecimentos do que com a criação de um espírito crítico. Do ponto de vista social, os sistemas educativos estão orientados para a manutenção das estruturas sociais e econômicas imperantes, mais do que para sua transformação.59 A mesma Conferência em suas orientações pastorais afirma: Reconhecendo a transcendência da educação sistemática para a promoção do homem, em escolas ou colégios, convém não identificar a educação com qualquer dos 59 II CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO AMERICANO. Medellin. 2ª ed. São Paulo: Paulinas. 1968, 4 instrumentos concretos. Dentro do conceito educativo moderno, esta transcendência é enorme, pois a educação é a maior garantia para o desenvolvimento pessoal e progresso social, já que, conduzida corretamente para os autores do desenvolvimento; e é também ela a melhor distribuidora dos frutos do progresso, que são as conquistas culturais da humanidade, constituindo-se no elemento mais rentável da nação. A Igreja toma consciência da suma importância da Educação de Base. Em atenção ao grande número de analfabetos e marginalizados na América Latina, a Igreja, sem poupar sacrifício algum, se comprometerá a promover a Educação de Base, que não visa apenas alfabetizar, mas também capacitar o homem para convertê-lo em agente consciente de seu desenvolvimento integral”. A Igreja, servidora da humanidade, tem-se preocupado, ao longo de sua história, com a educação, não só catequética, mas integral do homem.60 No cerne da ética manifestada por Jesus está a fidelidade aos valores e a qualidade da relação com os outros, portanto, seguindo às diretrizes de Medellín, a educação ética particular e a educação religiosa encontram-se na mesma dificuldade, ou seja, continuamos a entender moral e ética como coisa vinda de fora, como um sistema se princípios e normas, às quais o educando tem que se submeter, como à expressão da 60 CELAM: Conclusões de Medellín: “A Igreja na Atual Transformação da América Latina”. Vozes. 6ª ed. natureza ou da vontade do criador. Porém, a educação só se pode fazer a partir do sujeito, como progressivo aprendizado da liberdade, numa vida que deve ser vivida em sintonia com os valores que lhe dão sentido, na trama concreta e real das relações interpessoais. Na III Conferência Geral do Episcopado Latino – Americano, em Puebla, México, onze anos depois, 1979, os Bispos fazem a seguinte constatação: O múnus educativo desenvolve-se entre nós numa situação de transformação sócio – cultural, caracterizada pela secularização da cultura, influenciada pelos meios de comunicação de massa e marcada pelo desenvolvimento econômico quantitativo que, embora, haja significado progresso, não suscitou as requeridas mudanças para uma sociedade mais justa e equilibrada. A situação de pobreza de grande parte de nossos povos está significativamente correlacionada com os processos educativos. Os setores deprimidos são os que mostram maiores taxas de analfabetismo e deserção escolar e as menores possibilidades de conseguir emprego. (1014)61 Entre os religiosos educadores surgem questionamentos sobre a instituição escolar católica, porque favoreceria o elitismo e a mentalidade classista; por causa dos escassos resultados na educação da fé e das mudanças sociais; devido a problemas financeiros, etc. Esta tem sido uma das causas que levaram muitos Petrópolis, RJ. 1968, 4; 10; 17 religiosos a abandonar o campo da educação em troca duma ação pastoral considerada mais direta, valiosa e urgente. (1019)62 Como princípios e critérios os Bispos indicam: A educação é uma atividade humana da ordem da cultura; a cultura tem uma finalidade essencialmente humanizadora. Desta forma, compreende-se que o objetivo de toda educação genuína seja humanizar e personalizar o homem, sem desvirtuá-lo, mas pelo contrário orientando-o eficazmente para seu fim último que transcende a essencial finitude do homem. A educação será tanto mais humanizadora quanto mais se abrir para a transcendência, ou seja, para a verdade e o Sumo Bem. (1024)63 A educação humaniza e personaliza o homem quando consegue que este desenvolva plenamente o seu pensamento e sua liberdade, fazendo-os frutificar em hábitos de compreensão e comunhão com a totalidade da ordem real; por meio destes, o próprio homem humaniza o seu mundo, produz cultura, transforma a sociedade e constrói a história. (1025)64 61 Cf. III CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO. Puebla. São Paulo: Paulinas. 1979, 1014 62 Cf. III CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO. Puebla. São Paulo: Paulinas. 1979, 1019. 63 Cf. III CELAM –Puebla. 1979, 1024. 64 Cf. III CELAM – Puebla. 1979, 1025. A educação evangelizadora assume e completa a noção de educação libertadora, porque deve contribuir para a conversão do homem total, não só em seu eu profundo e individual, mas também no eu periférico e social, orientando-o radicalmente para a genuína libertação cristã, que torna o homem acessível à plena participação no mistério de Cristo ressuscitado, isto é, à comunhão fraterna com todos os homens, seus irmãos”. (1026)65 Hoje, mais do que nunca, toda a vida humana social, nacional, e internacional, cultural, artística, cientifica e até religiosa, parece determinada por interesses e parâmetros econômicos. Por isso mesmo o cristão no mundo de hoje é convidado a um exercício para a liberdade. No campo da Moral, o convite é para alcançar a autonomia e a autenticidade de comportamento sem pressões vindas de fora (pais, Igreja, Governo). Autenticidade é ser autor do seu agir, coerente com o seu pensar, falar. Um caminho para orientar o exercício da liberdade “para”, nunca a educação “de”. Assim o “eu” pode ser aquilo que “é”, ou seja, eu posso “SER”. 4. REALIZAÇÃO TOTAL DA PESSOA HUMANA: PERSPECTIVA DE DOM BOSCO Toda pessoa elabora para si uma noção de salvação, que reflete a compreensão que tem de si próprio, do mundo e de Deus, e do que significa para ela felicidade e plenitude. O cristianismo quer ser um caminho que leva à realização total da pessoa humana, oferecendo a seus seguidores a salvação. A noção de salvação é, portanto, central no cristianismo, mas se apresenta historicamente numa multiplicidade muito grande de expressões, e sua compreensão se atualiza sempre nos diversos contextos sociais e culturais. 65 Cf. III CELAM – Puebla. 1979, 1026. A idéia de salvação em Dom Bosco, como veremos no capítulo a seguir, está condicionada a sua prática educativa. Sua visão teológica situa-se no quadro da Igreja no século XIX. É uma Igreja marcada pela herança do Concílio de Trento, em oposição à modernidade. Procurava-se reforçar a identidade católica diante do perigo do protestantismo e da sociedade moderna, influenciada pelas novas idéias provindas da Revolução Francesa. Numa tentativa de voltar ao regime de cristandade, onde a Igreja tinha hegemonia, procura-se refazer a histórica aliança entre o trono e altar, tendo o papa como garantia da ordem. A ideologia da “restauração” fez da Igreja do século XIX, especialmente no longo pontificado de Pio IX, uma instituição extremamente conservadora. A visão de mundo é essencialmente religiosa. A religião por excelência é o cristianismo católico, a única religião verdadeira, fora da qual não há salvação. Cuidava-se da “salvação das almas”, em situação de perigo no mundo perdido e decaído. Para isso, era necessário expandir e conservar a religião. Isso era feito através de uma doutrinação persistente e forte (catecismo, pregações, missões populares), combatendo a impureza e a embriaguez (os grandes males de uma moral individualista), exigindo a freqüência aos sacramentos, impondo uma disciplina rígida para o clero e os fiéis, usando a arma do medo (do pecado, da morte, do juízo de Deus, do inferno). Dom Bosco entendia a religião como instrumento de salvação e, também, como elemento fundamental de educação. Como instrumento de salvação, a religião - para ele só a católica - oferece os canais da graça - sacramentos - e a doutrina que guia neste caminho seguro. Como meio educativo a religião tem a força de motivar e de transformar as pessoas. Era comum no tempo de Dom Bosco fazer a separação entre religião – coisas espirituais - e a vida profana - mundo. Mas Dom Bosco não fazia esta separação procurando colocar a religião na vivência da realidade do jovem. A religião cumpria, então, dupla finalidade: formar a pessoa para o convívio humano e social, e formar a pessoa para seu destino transcendente. Todo esse processo estava marcado pela racionalidade e se dava num clima de liberdade, de espontaneidade e de alegria. - “Nunca se obriguem os jovens a freqüentar os santos sacramentos: basta encorajá-los e dar-lhes comodidade de se aproveitarem deles... estimulá-los a querer, espontaneamente, essas práticas de piedade; haverão de cumpri-las de boa vontade, com prazer e fruto” (Cf. “O Sistema Preventivo na Educação da Juventude” – D. Bosco). Por isso também Dom Bosco exigia um mínimo de práticas de piedade exteriores e incentivava os momentos de diversão sadia, de trabalho empenhado, de estudo sério. CONCLUSÃO A religião é dimensão fundamental da educação e impregna todos os outros elementos, especialmente a razão e a amorevolezza. Concluímos repetindo o parágrafo 78 da Exortação apostólica EVANGELII NUNTIANDI: O Evangelho de que nos foi confiado o encargo é também palavra de verdade. Uma verdade que torna livres e que é a única coisa que dá a paz do coração, é aquilo que as pessoas vêm procurar quando nós lhes anunciamos a Boa Nova. Verdade sobre Deus, verdade sobre o homem e sobre o seu misterioso destino e verdade sobre o mundo. Difícil verdade que nós procuramos na Palavra de Deus e da qual nós somos, insistimos ainda, não os árbritos nem os proprietários, mas os depositários, os arautos e os servidores. Espera-se de todo evangelizador que ele tenha o culto da verdade, tanto mais que a verdade que ele aprofunda e comunica outra coisa não é senão a verdade revelada; e por isso mesmo, mais do que qualquer outra, parcela daquela verdade primária que é o próprio Deus. o pregador do Evangelho terá de ser, portanto, alguém que, mesmo à custa da renúncia pessoal e do sofrimento, procura sempre a verdade que há de transmitir aos outros. Ele jamais poderá trair ou dissimular a verdade, nem com a preocupação de agradar aos homens, de arrebatar ou de chocar, nem por originalidade ou desejo de dar nas vistas. Ele não há de evitar a verdade e não há de deixar que ela se obscureça pela preguiça de a procurar, por comodidade ou por medo; não negligenciará nunca o estudo da verdade. Mas há de servi-la generosamente, sem a escravizar. Enquanto Pastores do povo fiel, o nosso serviço pastoral obriganos a preservar, defender e comunicar a verdade, sem olha a sacrifícios. Tantos e tantos Pastores eminentes e santos nos deixaram o exemplo, em muitos casos heróico, deste amor à verdade. E o Deus da verdade espera por nós precisamente que sejamos os defensores vigilantes e pregadores devotados dessa mesma verdade. Quer sejais doutores, teólogos, exegetas ou historiadores, a obra da evangelização precisa de todos vós, do nosso labor infatigável de pesquisa e também da vossa atenção e delicadeza na transmissão da verdade, da qual os vossos estudos vos aproximam, mas que permanece sempre maior do que o coração do homem, porque é a mesma verdade de Deus. Pais e mestres, a vossa tarefa, que os múltiplos conflitos atuais não tornam fácil, é a de ajudar os vossos filhos e os vossos discípulos na descoberta da verdade, incluindo a verdade religiosa e espiritual. Tarefa difícil para quem não conhece o caminho a seguir para encontrar a verdade e transformá-la em vida e vida em abundância, porém quem conhece Jesus sabe que Ele veio para que todos tenham vida e vida em abundância, que Ele é o caminho, a verdade e a vida. Dom Bosco um verdadeiro educador e um pai amoroso, buscou em Jesus o ensinamento para formar os jovens da sua época com a alegria da festa e com o discernimento aprendido no Evangelho. Ele educou os jovens para a verdadeira liberdade, de ser cristão e honesto cidadão, em meio as dificuldades do meio urbano, pois acreditou desde de cedo no que o próprio Cristo ensinou: A VERDADE VOS LIBERTARÁ66. 66 Jo. 8,32. CAPÍTULO II 1. SISTEMA PREVENTIVO DE DOM BOSCO INTRODUÇÃO No plano afetivo prevenir significa: dar o primeiro passo, procurar, ir ao encontro, aproximar-se, ser acessível, disponível, amável, acolher, inspirar confiança, favorecer a confidência, encorajar, e também preceder como guia e, depois, acompanhar, aconselhar. (Dom Bosco) Educar é uma tarefa complexa, porém, fascinante. Numa sociedade moderna e pluralista, existem inúmeras propostas educativas concorrendo para imprimir a sua marca na construção de um projeto mais amplo da pessoa humana e de sociedade. A modernidade é um processo histórico complexo que iniciou-se no século XVIII, na Europa, uma época marcada pelas revoluções política, industrial e cultural, impondo-se um desenvolvimento espetacular das ciências e da tecnologia. O iluminismo provoca uma nova visão do ser humano e de mundo, onde a referência era a religião (teocentrismo), agora o centro é o humano (antropocentrismo). É um tempo de grande florescimento pedagógico e as novas idéias de Dom Bosco apareciam como reducionista da pessoa humana, sobretudo quanto ao aspecto religioso, por isso, opôs-se à modernidade como projeto global. Apesar de continuar com uma visão teocêntrica, foi de uma realismo muito grande em adotar técnicas e modalidades modernas de ação; e, no campo particular pedagógico, não adotou um sistema rígido, fechado, autoritário, pelo contrário, o seu sistema preventivo é um tipo de pedagogia da liberdade comprovadamente adequado para a educação dos jovens.67 O Pe. Braido, lembra que, antes de ser norma, “teoria” é de alguma maneira, “sistema”, a pedagogia de Dom Bosco é vida vivida, exemplo e transparência pessoal. A exposição orgânica de sua visão pedagógica adquire maior relevo e significado quando se faz referência a esta fonte viva e cristalina.68 Sem a presença de uma mãe, é impossível, traduzir na prática cotidiana aquela “amorevolezza” que é: amor percebido pelo jovem, bondade que se dá além da medida, delicadeza de trato que cura qualquer ferida, amor que suscita amor recíproco. João Bosco sente junto de si a presença materna de sua mãe, Margarida, mulher forte e ao mesmo tempo amável, que sabe educar como somente uma verdadeira mãe é capaz de fazê-lo. A proximidade de Margarida, leva João Bosco a sentir a presença de uma outra Mãe, daquela que ele havia aprendido a “saudar três vezes ao dia”. Maria , a mulher que viveu o Evangelho colocando-se junto à vida dos demais, a mulher presença silenciosa em quem a Palavra se fez Carne, acolhendo a finitude, a precariedade de todo ser, de toda cultura. Em Maria, encontramos o novo paradigma de maternidade que gera, acolhe, intercede, acompanha, partilha, sustenta e defende a vida. Ela é o modelo da amorevolezza, transparência do amor que faz o educador e a educadora viverem um incrível poder de transformação.69 E esse amor seduziu também a Mazzarello - Maria Domingas Mazzarello, co-fundadora com João Bosco do Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora - uma mulher formada na dinâmica da proximidade com a pessoa e com a realidade, e, por isso, nela o amor se exprime de maneira visível com muita delicadeza e intuição, com uma capacidade 67 Cf. SCARAMUSSA, Tarcísio, SDB. O SISTEMA PREVENTIVO DE DOM BOSCO: UM ESTILO DE EDUCAÇÃO p. 74-105 68 Cf. BRAIDO, Pietro. Prevenir, não reprimir o sistema educativo de Dom Bosco, p. 47-54 69 Cf. TIMOSSI, Luis, Libertar em nós o carisma Salesiano para vivê-lo e comunicá-lo no Terceiro Milênio, 1999 materna de conquistar os corações. Foi dito que Mazzarello atraía as jovens como o ímã atraí o ferro. João Bosco e Mazzarello nos ensinam que, com Maria Auxiliadora, os milagres do amor são possíveis também hoje.70 O educador e a educadora, instruídos por Dom Bosco, vivendo a paixão pelo jovem e pela jovem fazem acontecer um estilo de vida educativa que é profundamente e essencialmente personalizada, em que a presença amorosa educa, transforma, porque conhecem o valor de lutar por uma vida digna, justa e plena. 1.1. CONTEXTO HISTÓRICO A Revolução Francesa provocou mudanças muito profundas. Nas guerras promovidas pelos países europeus contra o jugo napoleônico explodira, com fervor religioso, o nacionalismo revolucionário. Essa Revolução e tudo o que decorreu dela afetaram profundamente a existência das igrejas, acelerando-se o processo de dissolução do seu poder. A novidade do século XIX é que o secularismo adornou-se da classe média alta, a industrialização e a conseqüente degradação das condições de vida trouxeram desafios para as igrejas. Foi nessa época que surgiu a obra educacional de Dom Bosco. Seu trabalho com a juventude abandonada, sem emprego, moradia, ou estudo, modificou a cidade de Turim, capital de Piemonte. A situação sociológica do Piemonte e de Turim, de 1841 a 1861, a seguinte: As condições dos trabalhadores era de miséria, doença e cansaço, causados pelos horários excessivos de trabalho, ausência de segurança, salários de fome, falta de relações contratuais, exploração da mão-de-obra infantil e feminina. Além de não haver uma legislação trabalhista séria, havia poucas sociedades de assistência. O progresso econômico no Piemonte foi significativo, mas às custas de muita opressão diante da juventude operária de Turim71. 1.1.2. A situação cultural e escolar no Piemonte e em Turim, de 1841 a 1861 Em contraste com a estrutura sócio econômica, o ambiente cultural do século XIX apresentava ricos aspectos: um vivo fermento das idéias; o fervor iluminístico pela cultura, pela escola popular e pela imprensa. A ação de Dom Bosco situava-se num clima de autêntica explosão pedagógica e escolar em toda a Europa. Embora não seja possível estabelecer exatamente contatos e dependências, é certo que Dom Bosco não permaneceu estranho às novas idéias e fatos que estavam ocorrendo. 72 A situação escolar no Piemonte e em Turim era precária e a porcentagem de analfabetos era realmente considerável e até 1840, no entanto, muitos lugares estavam ainda desprovidos de escolas existentes eram, principalmente: o monopólio do clero, que centralizava todo o ensino em torno da doutrina cristã e realizava um rígido controle sobre o cumprimento dos deveres religioso-morais e civis, tanto com relação aos mestres, como com relação aos alunos; o caráter muito rudimentar e elementar do ensino; a multiplicação de escolas de ensino humanístico, descuidando-se da organização escolar de aprendizagem profissional. 73 Nenhuma dessas reformas resolveu, porém, o problema do analfabetismo, principalmente para a maior parte das populações rurais: enquanto nas montanhas as escolas permaneciam desertas por um bom tempo, na maior parte da planície os alunos abandonavam as escolas antes de terminar o período letivo. 70 Cf. CASTAGNO, Marinella. Amorevolezza, Roma: in Revista da mihi Amnimas 1999 p. 3-4 Cf. SCARAMUSSA, Tarcísio. O sistema preventivo de Dom Bosco: um estilo de Educação. 1984 p. 19-21 72 Cf. BRAIDO, P., sistema Preventivo di Don Bosco, 2ª ed. Zurich, Pas-Verlag, 1964 p. 81 73 Maiores detalhes em SINISTRERO, V., “La legge Boncompagni del 4 ottobre 1848 e la libertà della scuola”. Em Salesianum, 10 (3): 369, lugl./ sett., 1948. 71 Havendo também a necessidade de um outro tipo de escola que atendesse a mutação social, e preparasse os jovens para qualificarem-se como trabalhadores industriais uma vez que estavam vivendo uma época de emergente realidade industrial.74 2. A situação religiosa no Piemonte e em Turim, de 1841 a 1861 A religiosidade popular, no caso particular da massa de operários migrados, entrava em crise ao tomar contato com a nova realidade da vida da cidade. Desenraizados de seu meio rural, limitados pelo analfabetismo, e dominados pelo ritmo esgotador do trabalho e pelas explorações de todo tipo, não conseguiam estabelecer uma nova síntese religiosa. Por outro lado, enquanto a promiscuidade das fábricas favorecia a imoralidade, os operários procuravam esconder suas mágoas e seu vazio, entregando-se ao vício. A situação da massa proletária de Turim apresentava-se, assim, complexa e problemática. Dom Bosco encontrou os jovens ocupando as ruas, as praças, os parques, geralmente sem trabalho, sem perspectivas para o futuro, sem um ambiente sadio para desenvolver seus valores. 75 2.1. A situação psicossociológica dos primeiros jovens de Dom Bosco Os primeiros jovens encontrados por Dom Bosco em Turim eram: jovens provenientes das prisões, cuja idade oscilava entre os 12 e os 18 anos; jovens migrantes provenientes de Biella, de Vercelli, de Novara, do Valle D`Aosta e de outras províncias do Reino. Na cidade encontravam-se desorientados, longe de seus pais, abandonados; jovens trabalhadores de vários tipos. 74 A esse respeito deve-se assinalar a intuição e praticidade de Dom Bosco em instituir escolas profissionais para os jovens, a partir de 1853 (cf. MB, 4, p. 665; 15, p. 179. 75 Cf. STELLA, P., Don Bosco nella storia della religiosità cattolica, 1969, p. 104 As características comuns dos primeiros jovens de Dom Bosco eram de abandono e carência total, não se tratava delinqüentes, mas em perigo de perder-se, devido às circunstâncias de abandono em que se encontravam, necessitando de estrutura sóciopolítica que os integrasse e apoiasse. 76 3. BIOGRAFIA DE DOM BOSCO Meus filhos, quando lerdes estas memórias depois de minha morte, lembrai-vos que tivestes um pai afeiçoado, que antes de abandonar o mundo deixou estas memórias como penhor de seu carinho paterno...São João Bosco 77 Um Sonho: Nessa idade tive um sonho, 78 que me ficou profundamente impresso na mente por toda a vida. Pareceu-me estar perto de casa, numa área bastante espaçosa, onde uma multidão de meninos estava a brincar. Alguns riam, outros divertiam-se, não poucos blasfemavam. Ao ouvir as blasfêmias, lancei-me de pronto no meio deles, tentando, com socos e palavras, faze-los calar. Nesse momento apareceu um homem venerando, de aspecto varonil, nobremente vestido. Um manto cobria-lhe o corpo; seu rosto, porém, era tão luminoso que eu não conseguia fitá-lo. Chamou-me pelo nome e mandou que me pusesse à frente daqueles meninos, acrescentando estas palavras: Não é com pancadas mas com a mansidão e a caridade que deverás ganhar79 esses teus amigos. Põe-te imediatamente a instruí-los sobre a fealdade do pecado e a preciosidade da virtude. Confuso e assustado repliquei que eu era um menino pobre e ignorante, incapaz de lhes falar de religião. Senão quando aqueles meninos, parando de brigar, de gritar e blasfemar, juntaram-se ao redor do personagem que estava a falar. Quase sem saber o que dizer, acrescentei: Quem sois vós que me ordenais coisas impossíveis? Justamente porque te parecem impossíveis, deves torná-las possíveis com a obediência e a aquisição da ciência. Onde, com que meios poderei adquirir a ciência? Eu te darei a mestra, sob cuja orientação poderás tornar-te sábio, e sem a qual toda sabedoria se converte em estultice. Mas quem sois vós que assim falais? Sou o filho daquela que tua mãe te ensinou a saudar três vezes ao dia. Minha mãe diz que sem sua licença não devo estar com gente que não conheço; dizei-me, pois, vosso nome. Pergunta-o a minha mãe. Nesse momento vi a 76 Cf. BRAIDO, P. Scritti sul Sistema Preventivo nell educazione della gioventù, 1956, p. 360-361 Todos os dados biográficos seguirão LEMOYNE, G. B Memorie Biografiche, 19 volumes 78 Cf. LEMOYNE, G.B. e AMADEI A. , Memorie biografiche di S. Giovanni Bosco, v. 10. P. 254-256): “A palavra sonho e Dom Bosco são correlativos. É deveras admirável a repetição desse fenômeno durante setenta anos(...). a bondade do Senhor serviu-se dos sonhos no Antigo e no Novo Testamento, bem como na vida de muitos santos, para confortar, aconselhar e mandar; por meio deles fez ouvir sua voz profética, ora de ameaça, ora de esperança, ora de prêmio para os indivíduos ou para as nações (...). a vida de Dom Bosco é uma trama de sonhos tão maravilhosos, que não se compreende sem a assistência divina direta. Fica, pois, de todo em todo excluída a idéia de que houvesse sido um estulto, um iludido, um enganador ou um vaidoso. Os que viveram a seu lado durante trinta, quarenta anos, jamais viram nele o menor sinal de querer conquistar o apreço dos seus, fazendo-se passar por um privilegiado com dotes sobrenaturais. Dom Bosco era humilde, e a humildade aborrece a mentira”. 79 Num primeiro momento, Dom Bosco havia escrito “têm de ser acalmados”. A seguir corrigiu para “deverás ganhar”. Nesta frase se vê toda a essência de seu sistema educativo: ganhar os corações dos jovens. 77 seu lado uma senhora de aspecto majestoso, vestida de um manto todo resplandecente, como se cada uma de suas partes fosse fulgidíssima estrela. Percebendo-me cada vez mais confuso em minhas perguntas e respostas, acenou para que me aproximasse e, tomando-me com bondade pela mão, disse: Olha. Vi então que todos os meninos haviam fugido, e em lugar deles estava uma multidão de cabritos, cães, gatos, ursos e outros animais. Eis o teu campo, onde deves trabalhar. Torna-se humilde, forte, robusto;80 e o que agora vês acontecer a esses animais, deves fazê-lo aos meus filhos. Tornei então a olhar, e em vez de animais ferozes apareceram mansos cordeirinhos que, saltitando e balindo, corriam ao redor daquele homem daquela senhora, como a fazer-lhes festa. Neste ponto, sempre no sonho, desatei a chorar, e pedi que falassem de maneira que pudesse compreender, porque não sabia o que significava tudo aquilo. A senhora descansou a mão em minha cabeça, dizendo: A seu tempo tudo compreenderás. Após essas palavras, um ruído qualquer me acordou, e tudo desapareceu. 3.1. A infância Para que servirá então este trabalho? Servirá de norma para superar as dificuldades futuras, aprendendo as lições do passado; servirá para dar a conhecer como o próprio Deus conduziu todas as coisas a cada momento; servirá de ameno entretenimento para meus filhos quando lerem as aventuras em que andou metido seu pai; e haverão de lê-las com mais gosto quando, chamado por Deus a prestar conta dos meus atos, já não estiver entre ele. Perdoai-me quando encontrardes fatos expostos talvez com muita complacência e mesmo aparência de vanglória. Trata-se de um pai que tem a satisfação de falar de suas coisas a seus amados filhos, que, por sua vez, ficam satisfeitos de saber as pequenas aventuras de quem tanto os amou, e que, nas coisas pequenas como nas grandes, sempre se empenhou em trabalhar em seu benefício espiritual e temporal.81 No dia 16 de agosto de 1815, nasce João Bosco em Murialdo, um pequeno lugarejo dependente da comuna e da paróquia de Castelnuovo D´Asti 82, mais precisamente, na localidade chamada Becchi. O primeiro momento da sua vida foi marcado pelo ambiente rural de sua família piemontesa. Perdeu seu pai, cujo nome Francisco, aos dois anos de idade, passando a autoridade da família para as mãos da avó e da mãe Margarida, que, alguns anos depois, tornou-se a única responsável por toda a família. Era uma mulher enérgica e trabalhadora, paciente e religiosa. Tal qual a mãe de Israel foi sua educadora, pois não queria vê-lo crescer sem os 80 Inicialmente, Dom Bosco havia escrito: “ Torna-te sadio, forte, robusto”. Cf. BOSCO, São João. Memórias do Oratório de São Francisco de Sales. 2005 p. 23 82 Hoje, Castelnuovo Don Bosco. 81 ditames valorosos do ensino religioso e moral.83 O quadro familiar se completava com os dois irmãos mais velhos: Antônio, filho do primeiro casamento do pai, rapaz extremamente rebelde e revoltado contra a autoridade da madrasta e tirânico com os dois irmãos consagüíneos, e muito mais jovens que ele; e José, 3 anos mais velho que João Bosco. As atitudes negativas do irmão mais velho, Antônio, com suas exigências prepotentes em relação ao trabalho de João, faz com que sua mãe arrume um trabalho para ele fora de casa, ficando junto aos Moglia 84 durante dois anos. A situação mudou quando chegou a Murialdo o capelão Pe. Calosso. Na primeira conversa com o padre, revelaram-se logo as preocupações de João Bosco: o problema dos estudos, as dificuldades familiares, o problema de sua vocação sacerdotal. De comum acordo com a mãe, resolveu-se que João devia voltar para casa. Sua volta não significava simplesmente uma reintegração no clã familiar, mas uma feliz integração de João Bosco com o novo elemento de equilíbrio: o Pe. Calosso, na casa do qual ia estudar. Há algo de misterioso na vida do santo, que é com certeza inspiração divina. Os fatos, as acontecimentos de sua vida comprovam isso, pois tendo que aprender a tratar seus colegas, dividiu-os em três categoria: bons, indiferentes, maus. Estes últimos evitou-os, os indiferentes serviram para entrete-lo por delicadeza ou necessidade, e os bons travou amizade. João Bosco havia sido confiado por sua mãe à dona Lúcia, que o hospedou e lhe servia de desculpa para não envolver-se com maus companheiros. Mas também lhe serviu materialmente, pois, sendo encarregado por ela de cuidar dos estudos de seu filho, levou-o às práticas religiosas, tornando-o dócil, obediente e estudioso, a tal ponto que depois de 83 Cf. MO. P. 39. Em casa fazia-me rezar, ler um bom livro, dando-me os conselhos que uma mãe industriosa julga oportunos para seus filhos. 84 Cf. STELLA, Pietro. Don bosco nella storia della religiosità cattolica, p. 36, nota 30. João Bosco, depois de muita insistência, foi acolhido pela família Moglia, que era bastante rica. O fato de não aparecer o relato desse momento de sua vida nas vidas nas suas Memória foi diferentemente interpretado pelos estudiosos de Dom Bosco. seis meses havia-se tornado bastante aplicado, satisfazendo o professor e a mãe que como recompensa a João perdoou toda a pensão mensal. Para não criar inimizades, dedicou-se a ajudar os alunos em dificuldades, dessa maneira agradava a todos e conquistava o afeto e a estima dos colegas. Começaram a reunir-se e chamaram essas reuniões de “Sociedade da Alegria”, onde todo membro devia evitar qualquer conversa ou ação que não fosse cristã, e cumprir os deveres escolares e religiosos. À reunião ia livremente quem queria, sem que soubessem estavam pondo em prática o sublime aviso de Pitágoras: “Se não tendes um amigo que vos corrija os defeitos, pagai um inimigo para que vos preste esse serviço”. Falar de religião atraí aquelas e (es) que são vocacionadas (os), é manifestação da identidade, imagem e semelhança: é singular porque para cada um é diferente e é plural por que é atração para todos. 3.2. Sua Formação Escolar João Bosco obteve estudo e segurança junto ao Pe. Calosso, confiando nele assim como a um pai: “Eu o fiz conhecer-me tal como era. Manifestava-lhe prontamente minhas palavras, meus pensamentos, minhas ações. Isto lhe agrava muito porque assim podia conduzir-me melhor no espiritual e no material”. O contato com esse sacerdote amigo foi para ele uma experiência intensa que marcou a sua adolescência. “O relacionamento com o Pe. Calosso foi muito breve e sua morte imprevista foi para João Bosco um desastre irreparável, um verdadeiro trauma psíquico, e repercutiu até em sua saúde física. Já havia perdido precocemente, seu pai biológico, agora perdia seu pai espiritual. Age também, mas de forma negativa, o encontro com os padres de Castelnuovo d’Asti. Eles são ocasião para que João Bosco defina qual o ideal de paternidade quer em si: “Quereria aproximar-me das crianças, desejaria dirigir a elas palavras boas, dar bons conselhos. Quanto seria feliz se pudesse conversar com o meu pároco. Tal conforto tive com o padre Calosso; é possível que não possa tê-lo outra vez? (MO). E mais tarde, no seminário, falando de seus superiores dizia: “Quantas vezes teria desejado falar com eles, pedir um conselho ou esclarecer alguma dúvida, e não podia fazer isso (...). Isso acendia em meu coração o desejo de ser padre para entreter-me com os jovens, assisti-los e satisfaze-los em qualquer situação” (MO). Como vemos, João Bosco escolhe ser também um pai, o pai que ele estava procurando e que não achava. E ele o diz claramente, ao falar das férias em Buttigliera d’Asti: Continuei a ocupar-me dos jovens, distraindo-os com o contar alguma história, com brincadeiras agradáveis, com o canto de loas sacras. Mas ainda, vendo que muitos já tinham certa idade, mas eram muito ignorantes quanto às verdades da fé, apressei-me a ensinar a eles também as orações cotidianas e outras coisas mais importantes para aquela idade. Era uma espécie de oratório, no qual tomavam parte perto de cinqüenta meninos que me queriam bem e me obedeciam, como se eu fosse o pai deles. (MO)85. Com a morte do Pe. Calosso, rompeu-se também o equilíbrio da família Bosco e acelerou a solução de algumas situações importantes, com a divisão do patrimônio familiar. João pôde assim continuar seus estudos na escola de Castenuovo e no colégio municipal de Chieri. Em Chieri, João Bosco viveu os melhores anos de sua vida. 18311835. Encontrou oportunidade para expandir as riquezas de sua personalidade e viveu um período de euforia, alimentado pelo êxito nos estudos e pelo prestígio que tinha entre seus companheiros e professores. Do ponto de vista religioso, considerou importante a escolha de um confessor estável (Pe. Maloria), que, ao contrário da mentalidade jansenista 86 da época, aconselhava-o a freqüentar os sacramentos. O momento da decisão vocacional apareceu-lhe como um período de angústia e de insegurança, principalmente por não encontrar possibilidade de orientação nesse sentido. Depois de “refletir”, acreditou ser chamado para a vida franciscana, mas desistiu desse propósito pouco depois. Finalmente, tomou uma decisão, e vestiu o hábito clerical no dia 25 de outubro de 1835. No dia 30 entrou no seminário de Chieri. O regime do seminário era claustral e rigorista, característico do mundo eclesiástico piemontês do século XVIII, apesar de ter sido instituído em 1829. Não encontrou no seminário a mesma relação amiga que mantinha com o Pe Calosso, nota-se essa insatisfação em suas Memórias, que revelam uma certa inibição tanto no clima educativo, como na orientação acética da espiritualidade, chegando até afetar sua saúde. Tampouco o satisfez o ensino ministrado no seminário. Ele o considerava muito dogmático e especulativo, desencarnado da realidade e das necessidades concretas dos candidatos que se preparavam para o sacerdócio. Um ambiente tão carregado não parecia propício para o amadurecimento de uma decisão importante. Não foi sem um grande sentimento de angústia e de insegurança que se preparou para receber as ordens sagradas. Foi ordenado em 5 de junho de 1841 85 Cf. FERREIRA, Antônio da Silva. De olho na cidade. 2000 p. 37-41 Cf. STELLA, P. Don Bosco nella religiosità, v. 1, p. 85-95. O jansenismo é um conjunto de doutrinas rígidas sobre a graça, o livre arbítrio e as condições para receber os sacramentos, com declarada hostilidade à autoridade do papa. Fundamenta-se no Augustnus, obra póstuma de Cornélio Jansênico (1585-1638), bispo de Ypres, publicada em 1640. Durante o domínio napoleônico, os círculos jansenistas criaram força no Piemonte. No tempo a que Dom Bosco se refere, tinha ainda alguma força. Sobre a doutrina jansenista cf. CECHINATO. Pe. Luiz, Os 20 séculos de Caminhada de Igreja. P. 292. A doutrina jansenista nega que haja participação humano no processo da salvação. Segundo Jansênico, ou o homem é salvo porque Deus lhe deu a graça, ou se perde porque não recebeu a graça. O homem já nasce predestinado para a salvação ou para a condenação. Por isso, Jansênio afirmou que Jesus não morreu por todos os homens, mas somente por aqueles que foram predestinados à salvação. O erro dessa doutrina está no sentido absoluto de suas afirmações. A doutrina católica afirma que Deus dá a graça da salvação a todos. Uns aproveitam essa graça, outros a desprezam, o homem pode colaborar com a graça e pode rejeitá-la. É por isso que uns são salvos, outros se perdem. 86 3.3. Sua formação Espiritual Com a Igreja procurando refazer a hegemonia que tinha, refazendo uma aliança entre o trono e o altar era uma instituição extremamente conservadora, vendo o cristianismo católico, a única religião verdadeira, fora da qual não havia salvação. Cuidava-se da “salvação das almas”, em situação de perigo no mundo perdido e decaído. Esse contexto influencia Dom Bosco e a sua preocupação com a “salvação da juventude”. Dom Bosco mostra-se dominado pela aspiração unitária, pela vis unita fortior, sobre a qual se refletia uma idéia igualmente sólida do seu patrimônio religioso: a da família única à imagem e semelhança da família humana que tem Deus como Pai e a eclesial que tem o Papa como pai comum. O termo família é empregado na tradição de Dom Bosco de forma genérica, como os laços existentes entre vários grupos, e se aplica de maneira diversa conforme a natureza do relacionamento entre eles. Este laço ou relacionamento não pode reduzir-se a um fato de pura simpatia. É antes a expressão externa da comunhão interior carismática. A pertença se alimenta de um espírito comum, que orienta para uma vasta e complementar missão juvenil e popular, e de certas características próprias e originais que justificam o reconhecimento oficial, que é dado por um título específico. 4. Educação no Sistema Preventivo de D. Bosco e a proposta de outros educadores e educadoras Dom Bosco é um conhecedor do espírito que deixou em herança um rico e bem definido patrimônio espiritual. Ele é o iniciador de uma verdadeira escola de espiritualidade apostólica, nova e atraente. Mas, não está sozinho na história muito menos no século XIX. O sistema preventivo que pratica e do qual fala e depois escreve se origina num contexto em que semelhantes orientações são seguidas, e propostas por outros educadores e educadoras, como também instituições que compartilham com ele as ansiedades em relação à juventude em tempos novos e difíceis. Devemos mencionar também instituições que, embora remetem a séculos anteriores, lhe serviram de exemplo. É o caso dos lassalistas e dos barnabitas, e outros. 4.1. Marcelino Champagnat e os irmãos Maristas Marcelino Champagnat (1789 –1840) é uma das figuras mais representativas da ação de recuperação e prevenção positiva, promovida na França por dezenas de Congregações docentes, sobretudo na escola primária. Seu objetivo principal é assegurar o futuro das jovens gerações, principais vítimas da França revolucionária e imunizá-la contra o espírito desagregador do século XVIII. A educação cristã e o catecismo são a síntese da formação humana e cultural, buscando através da instrução religiosa tirar do vício e formar a consciência, a vontade, a devoção a Maria e a Jesus, seu método de amor na disciplina, não é conter os alunos com a força ou castigos mas preservá-los do mal, corrigi-los de seus defeitos e forma-lhes com sentimentos de amor, respeito, e confiança recíproca. 87 (O bem que fica sempre como a opção fundamental). 4.2. Teresa Eustochio Verzeri e as Filhas do Sagrado Coração de Jesus Teresa Eustochio Verzeri, uma mulher de aguda inteligência , dá início em 1831 à Congregação das Filhas do Sagrado Coração de Jesus, consagrada à instrução das meninas de todas as classes sociais, aprovada canonicamente em 1847. Nela é sensível a influência de Santa Teresa de Ávila, Santo Inácio de Loyola e de São Francisco de Sales. A refinada espiritualidade pedagógica e a explícita orientação preventiva são postas em evidência em sua experiência, definindo o seu significado, ao mesmo tempo protetor, dispositivo e construtivo. 88 “Cultivem e preservem muito e com muito cuidado a mente e o coração de suas jovens, enquanto são ainda de pouca idade, para impedir, enquanto for possível, que o mal entre nelas, visto que é melhor preservá-las com a admoestação do que livrálas depois com a correção. Afastem as meninas de tudo aquilo que possa corromperlhes, por pouco que seja, a mente, o coração e seus bons costumes.”89 4.3. São João Batista de La Salle João Bosco provavelmente não teve conhecimento direto aos escritos pedagógicos espirituais de São João Batista de la Salle (1651-1719), mas conhecia sim, religiosos e educadores dedicados, ao cuidado de meninos provenientes do mundo dos artesãos e de humildes trabalhadores. A sua espiritualidade pedagógica é expressa em: vigilância, guia, zelo ardente, afastar do pecado, inspirar horror da impureza, exortar e estimular a fazer o bem. A primeira habilidade do professor, além da didática, é saber “ganhar o coração dos alunos”, com amor, caridade, correção, paciência, prudência, doçura. 90 4.4. Barnabitas 87 Cf. BRAIDO, Pietro. Prevenir, não reprimir. 2004 p. 89 -97 Cf. idem p. 98-99 89 Cf. idem p. 98-99 90 Cf. idem p.109-112 88 O que se sabe dessa congregação é que iniciou-se na primeira metade do século XVI e se ocuparam de colégios para estudantes no início do século XVII, com um disciplina afetuosa. A densidade do conteúdo dos estudos era de prevenção, significando, guardar, corrigir, afastar, frear, proteger, dos perigos presentes e precaver contra os futuros, mas ao mesmo tempo reforçar os jovens nas verdades da fé cristã, orientando-os no caminho da virtude e ajudando-os a conseguir sua eterna salvação. Formando-os para com o tempo tornarem-se homens sábios, humanos e cristãos, virtuosos, e com isso também bons cidadãos.91 4.5. Santo Afonso de Ligório Afonso Maria de Ligório era um grande pregador dedicado à juventude e aos abandonados fundou em 1732 a ordem dos Missionários Redentoristas, que têm como finalidade pregar missões e retiros espirituais ao povo em geral. Sua influência na vida de João Bosco foi na área moral, pois como advogado seus escritos influenciavam pelo teor de justiça que se devia aplicar aos jovens infratores.92 4.6. São Francisco de Sales Inspira-se no humanismo de São Francisco de Sales, revivido de maneira peculiar, juntando os diferentes grupos e seus membros numa família como uma espécie de parentesco espiritual, sendo o próprio Dom Bosco o pai de todos. O critério de pertença é a caridade pastoral. A referência a São Francisco Sales não é puramente formal na experiência de Dom Bosco: escolheu-o como patrono porque correspondia às íntimas aspirações que se preocupou também de manifestar e motivar. 91 Cf. idem p.112-113 “A caridade e a doçura de São Francisco de Sales me guiem em tudo”: é o propósito feito no início do seu sacerdócio. Para Dom Bosco o humanismo de São Francisco de Sales significa valorização de todo o positivo presente e radicado na vida das pessoas, nas coisas e na história. Essa inspiração humanística leva-o a captar os valores do mundo, especialmente se agradáveis aos jovens; a inserir-se no fluxo da cultura e do desenvolvimento humano do próprio tempo, estimulando o bem e não se contentando com gemer os males; a procurar a cooperação de muitos, convencidos de que cada um tem um dom próprio, evidente ou por descobrir; a acreditar na força da educação que anima e sustenta a mudança e o crescimento do jovem para ser honesto cidadão e bom cristão; a confia-se sem titubeio à providência de Deus, percebido e amado como Pai. O humanismo de São Francisco de Sales ajuda Dom Bosco formar uma família que se abre aos grupos que a compõem, para que cada um viva, na alegria do Senhor, sua missão específica. 93 4.7. Sistema Preventivo – uma espiritualidade Oratoriana É do próprio Dom Bosco que provêem duas tradições diversas a respeito do início de seu oratório festivo. A primeira, mais antiga, é trazida pelo “Cenno storico dell´Oratório di S. Francesco di Sales”, de 1854: “Este Oratório, ou seja, reunião de jovens nos dias festivos, começou na igreja de São Francisco de Assis, onde reuniu dois jovens, gravemente necessitados de instrução religiosa. A esses se uniram outros, e no decorrer de 1842 o número chegou a 20 e às vezes 25”.94 A segunda mais recente, e adotado com história oficial dos salesianos aparece já nas Crônicas de Ruffino e fala somente de Bartolomeu Garelli. Em suas memórias Dom Bosco relata: 92 Cf. CECHINATO, Luiz. Os vinte séculos de caminhada da Igreja. P. 313 Cf. Carta de Comunhão na Família salesiana de Dom Bosco – publicadas por ocasião do primeiro Encontro Nacional das Lideranças da Família Salesiana no Brasil 93 Mal entrei no Colégio de São Francisco, vi-me logo cercado por um bando de meninos que me acompanhavam em ruas e praças, até mesmo na sacristia da igreja do instituto. Não podia, entretanto, cuidar deles diretamente por falta de local. Um feliz encontro proporcionou-me a oportunidade de tentar concretização do projeto em favor dos meninos que erravam pelas ruas da cidade, sobretudo dos que deixavam as prisões. No dia da festa da Imaculada Conceição de Maria, 8 de dezembro de 1841, estava, à hora marcada, vestindo-me com os sagrados paramentos para celebrar a santa Missa. O sacristão José Comotti, vendo um rapazinho a um canto, convidou-o a ajudar-me a Missa. Não sei – respondeu ele, todo mortificado. Vem – replicou o outro -, tens de ajudar. Não sei – retorquiu o rapaz – nunca ajudei. És um animal – disse o sacristão enfurecido. – Se não sabes ajudar a Missa, que vens fazer na sacristia? E, assim dizendo, tomou do espanador e começou a desferir golpes nas costas e na cabeça do pobrezinho. Enquanto este fugia, gritei em voz alta: Que está fazendo? Por que bater nele desse jeito? Que é que ele fez? Se não sabe ajudar a missa, por que vem à sacristia? Mas você agiu mal. E que lhe importa? Importa muito, é um meu amigo; chame-o imediatamente, preciso falar com ele. Oi, rapaz! – pôs-se a chamar; e correndo atrás dele e garantindo-lhe melhor tratamento trouxe-o para junto de mim. rapaz aproximou-se a tremer e a chorar pelas pancadas recebidas. já ouviste Missa? – disse-lhe com a maior amabilidade que pude. Não – respondeu. Vem então ouvi-la. Depois gostaria de um negócio que vai-te agradar. Prometeu. Era meu desejo aliviar o sofrimento do pobrezinho e não deixá-lo com a má impressão que lhe causara o sacristão. Celebrada a santa Missa e terminada a ação de graças, levei o rapaz ao coro. Com um sorriso no rosto e garantindo-lhe que já não devia recear novas pancada, comecei a interrogá-lo assim: Meu bom amigo, como te chamas? Bartolomeu Garelli. De onde és? De Asti. Tens pai? Não, meu pai morreu. E tua mãe? Morreu também. Quantos anos tens? Dezesseis. Sabes ler e escrever? Não sei nada. 95 Já fizeste a Primeira Comunhão? Ainda não. Já te confessaste? Sim, quando era pequeno. E agora, vais ao catecismo? Não tenho coragem. Por quê? Porque meus companheiros mais pequenos sabem o catecismo, e eu, tão grande, não sei nada. Por isso fico com vergonha de ir a essas aulas. Se te desse catecismo à parte, virias? Então sim. Gostarias que fosse aqui mesmo? Com muito gosto, contanto que não me batam. Fica sossegado, que ninguém te maltratará. Pelo contrário, serás meu amigo. Terás de haver-te só comigo e mais ninguém. Quando queres começar? Quando o senhor quiser. Esta tarde serve? Sim. E se fosse agora mesmo? Sim, agora mesmo. Que bom! Levantei-me e fiz o sinal-da-cruz para começar; meu aluno não o fez porque não sabia. Naquela primeira aula procurei ensinar-lhe a fazer o sinal-da-cruz e a conhecer Deus Criador e o fim por que nos criou. Embora tivesse pouca memória, conseguiu, com assiduidade e atenção, aprender em poucos domingos as coisas necessárias para fazer uma boa confissão e, pouco depois, a sagrada Comunhão. A esse primeiro aluno juntaram-se outros mais. Durante aquele inverno limitei-me a alguns que tinham necessidade de catequese especial, sobretudo aos que saíam da cadeia. Pude então constatar que os rapazes que saem de lugares de castigo, caso encontrem mão bondosa que deles cuide, os assista nos domingos, procure arranjar-lhes emprego com bons patrões e visitá-los de quando em quando ao longo da semana, tais rapazes dão-se a uma vida honrada, esquecem o passado, tornam-se bons cristãos e honestos cidadãos. Esta é a origem do nosso Oratório, que abençoado por Deus, teve um desenvolvimento que então eu não podia imaginar.96 5. Oratório: oratório festivo, espírito oratoriano: festa, alegria e formação 94 Cf. G. Bosco, “Cenno storico”. In. P. Braido, Don Bosco educatore, p. 110 –111. Lemoyne (MB II, p 76) diz que o santo, depois do “não sei nada”, prosseguiu assim o diálogo: “- Sabes cantar? Não. Sabes assobiar? E então o menino sorriu”. Era o que Dom Bosco queria: conquistar a confiança. 96 Cf. BOSCO, João. MO. 2005 p.122-125 95 Se São Francisco santificou a natureza e a pobreza, São João Bosco santificou o trabalho e a alegria (...). não me admitiria se Dom Bosco fosse proclamado santo protetor dos jogos e dos esportes modernos. (Francesco Orestano) Pietro Stella em sua mais recente pesquisa sobre Dom Bosco, observa que alguns estudos têm posto em evidência, mais do que formulações sobre o “sistema preventivo”, “as instituições que o regem em seu devir e, em relação com estas, o papel que desempenharam o uso do tempo livre e o esporte na experiência educativa de Dom Bosco, tanto no agrupamento espontâneo juvenil dos oratórios, quanto no bastante desinibido do colégio salesiano, onde o brinquedo no pátio era momento importante de vida e também de salutar válvula de escape”.97 Para Dom Bosco a alegria é o elemento constitutivo do “sistema” inseparável da piedade, do estudo e do trabalho. Usava sempre as palavras de São Filipe Néri: “no momento devido correi, saltai e diverti-vos também quanto quiserdes, mas, por caridade, não cometais pecado”. A alegria é expressão da amorevolezza, é característica essencial do ambiente familiar, resultado lógico entre a razão e a religiosidade, interior e espontânea, que tem a sua fonte última na paz com Deus, na vida de graça. “O contato fraterno e paterno do educador com os seus alunos não teria valor nem efeito sem a eficácia da vida alegre, da alegria sobre o espírito do jovem, que por ela se abre à influência do bem”.98 E, Braido, continua: “A alegria, antes de ser expediente metodológico, um meio para fazer aceitar o que é “sério” em educação, é para Dom Bosco forma de vida, que ele deriva de uma instintiva 97 Cf. P. STELLA, “Bilancio delle forme di conoscenza e degli studi su don Bosco”. In:BRAIDO Pietro. Prevenir, não reprimir. 2004 p. 295 avaliação psicológica do jovem e do espírito de família. Em um tempo geralmente austero na própria educação familiar, Dom Bosco, mais do que qualquer outro, entende que o menino é menino e permite, antes, quer que ele o seja; sabe que a sua exigência mais profunda é a alegria, a liberdade, o jogo, a “sociedade da alegria”. Além disso, homem de fé e padre, ele está convencido de que o Cristianismo é a mais segura e duradoura fonte de felicidade, porque é alegre anúncio, o ‘evangelho’: da religião do amor, da salvação, da graça, não pode jorrar senão a alegria, o otimismo. Entre jovens e vida cristã existe, portanto, uma singular afinidade, quase um apelo recíproco. ‘O jovem que se sente na graça de Deus experimenta naturalmente a alegria, certo da posse de um bem que está todo em seu poder, e o estado de prazer se traduz para ele em alegria”. “Efetivamente, na prática educativa e na correlativa reflexão pedagógica de Dom Bosco, a alegria assume um significado religioso. Sabem isso muito bem os próprios alunos, como aparece no encontro de Domingos Sávio99 com Camilo Gávio, no qual, a alegria coincide com a santidade. Esse aspecto aparece explícito e límpido nessa e nas outras vidas escritas por Dom Bosco ou vividas na sua “casa”. Alberto Caviglia nota: “Dom Bosco soube ver a função da alegria na formação e na vida de santidade, e quis que reinasse entre seus jovens a alegria e o bom humor. Servite Domino in lactitia podia ser chamado o décimo primeiro mandamento da casa de Dom Bosco”. “Essa mistura equilibrada de sagrado e profano, de graça e natureza, na alegria francamente humana do jovem, feliz no estado de graça, revela-se em todas as expressões da vida cotidiana, no cumprimento do dever como na ‘recreação’. Atinge particular intensidade nas muitas festividades, religiosas e profanas, com uma tonalidade 98 Cf. BRAIDO, Pietro. Prevenir e não reprimir. 2004 p. 296 Cf. A mística do Educador Salesiano. “Prevenir é ajudar o jovem a construir uma personalidade rica, que o leve a querer só o bem. Isso fica claro principalmente nas biografias de dois meninos do Oratório escritas por Dom Bosco, a saber: de Domingos Sávio (oratoriano falecido em 9 de março de 1857 e canonizado por Pio XII em 12 de junho de 1954), de Miguel Magone (oratoriano que Dom Bosco apresenta como modelo de menino alegre e vivo que sabe a hora certa de cada coisa).” 99 característica no fim de do carnaval, em princípio os últimos três dias. Com o exercício da boa morte, a adoração eucarística continua e a oração se entrelaçam com o tratamento especial na mesa, os esportes, o bingo, o teatro, a música, a fogueira final”. “Em segundo lugar, Dom Bosco considera a alegria necessidade fundamental de vida, lei da juventude, por definição idade em expansão livre e alegre. Por isso fica exultante, como em uma bela página do Esboço biográfico de Miguel Magone. Com evidente complacência descreve ‘sua índole fogosa e vivaz’, ‘o olhar saudoso para os brinquedos’ no fim do recreio e como ‘parecia sair da boca de um canhão’, quando se passava da sala de aula ou do estudo para o recreio”. “Os jogos, as brincadeira, as charadas, as conversas alegres e impregnadas de seriedade e construção educativa, povoam os recreios. As Memórias do Oratório são ricas de vocábulos que indicam movimento e alegria: ‘brincadeiras, cantos, gritos’; ‘provocar aplausos e ovações gritando e cantando’; ‘cansados de rir, brincar, cantar e diria mesmo de urrar’; ‘o recreio com bolas de pau, pernas de pau, com fuzis, com espadas de madeira, e com os primeiros aparelhos de ginástica’; a maior parte do tempo transcorria-se saltando, correndo e divertindo-se em vários jogos e brinquedos’. ‘Todas as possibilidades de salto, corrida, prestidigitação, cordas, bastões’ eram utilizadas em movimento sob meu comando.” 100 “A alegria torna-se, nas mais variadas formas de recreação e sobretudo nos brinquedos ao ar livre, meio diagnóstico e pedagógico de primeira ordem para os educadores; e para os jovens, campo de irradiação de bondade. Alberto Caviglia nota: Depois da confissão não se pode indicar outro centro mais vital e ativo do que este no seu sistema. Porque não somente na espontaneidade da vida alegre e familiar do jovem se tem uma das fontes capitais do conhecimento dos ânimos, mas, sobretudo, tem-se um meio e uma ocasião de se aproximar, sem sujeição e sem dar na vista, de cada jovem, e de dizer-lhe em confiança a palavra que cada um precisa. Volta aqui o princípio vital da pedagogia, ou melhor, da verdadeira educação: o da educação de cada um, mesmo se absorvida no clima ambiente da educação coletiva.”101 Assim, se deu origem aos oratórios e quando em 1869, Dom Bosco pedia cartas de recomendação dos prelados para alcançar a aprovação pontifícia da Congregação Salesiana, incluía nas petições que lhes fazia um resumo histórico desde as origens. Começava assim: “esta sociedade era no princípio um simples catecismo”. Era, com efeito, o catecismo iniciado a 8 de dezembro de 1841e continuado na mesma igreja, e que dali passou a outros lugares, com a colaboração de leigos e eclesiásticos e com a aprovação do arcebispo, sob a direção do santo. Em 2 de fevereiro de 1842, já eram 20 meninos, em 1844. O Oratório funcionava assim: em todos os domingos e dias santos dava-se comodidade para se aproximarem dos santos sacramentos da Confissão e da Comunhão. À tarde, em hora determinada, toava-se um cântico, dava-se catecismo, em seguida explicava-se um exemplo e por vezes distribuía-se alguma coisa a todos, outras por sorteio. Consagrava-se o domingo inteiro à assistência dos meninos, e durante a semana ia visitálos em seus trabalhos nas oficinas e fábricas. Todos os sábados ia às prisões com os bolsos cheios de fumo, ou de frutas, ou de pãezinhos, sempre com o foto de atender os rapazes que tinham a desgraça de serem encarcerados, e assisti-los, torná-los amigos e conseguir que viessem ao Oratório ao deixarem o castigo. Ao fim do triênio de moral, João Bosco, devia decidir-se por um determinado setor do sagrado ministério, e orientado pelo padre Cafasso “quero reconhecer a vontade de Deus na sua deliberação e não quero que nela entre a minha vontade.” Faça a trouxa e vá com o 100 Cf. BRAIDO, Pietro. Prevenir, não reprimir. 2004 p. 298, reproduzindo trechos de Memórias do Oratório de Dom Bosco. 101 Cf. BRAIDO, Pietro. Previr, não reprimir. 2004 p. 298 teólogo Borel; lá será diretor do pequeno Hospital de Santa Filomena; trabalhará também na obra do Refúgio. Entretanto Deus lhe mostrará o que deve fazer pela juventude.102 Fundado pela marquesa Júlia Colbert Falletti de Barolo103 em 1843, o Hospital Santa Filomena, e um instituto chamado Refúgio destinado a meninas pobres dos 4 aos 14 anos. Às meninas convalescentes se ensinava a ler e escrever. Dom Bosco introduziu o ensino da aritmética. A marquesa dou-lhe 600 francos e o teólogo Borel lhe cedeu para alojamento provisório um quarto seu no Refúgio. Dom Bosco antes de ir para lá faz o acordo de poder ser visitado por vários jovens, os quais iam aprender o catecismo. No Refúgio não se podia celebrar missa, nem dar a bênção à tarde. Por conseguinte, não podia haver Comunhão, que é o fundamental para Dom Bosco. O próprio recreio era bastante perturbado, paralisado, porque os meninos eram obrigados a brincar na rua e na pracinha da igreja. Começou então a correr voz que aquelas reuniões de jovens eram perigosas, acrescentava-se sem razão que os meninos causavam muitos estragos na igreja e fora dela. Chegou-se ao cúmulo de através de uma carta ao prefeito de Turim, acusar o local de centro de imoralidade, obrigando-o a trasladar imediatamente o Oratório para um outro sítio. Não obstante a ordem, a disciplina e a tranqüilidade do Oratório o marquês Cavour, vigário da cidade, pretendia o fim das reuniões pois as julgava perigosas. Ao saber do consentimento do arcebispo, reuniu o tribunal de ordem pública no palácio episcopal, por estar o prelado um tanto adoentado. O tribunal estava formado por uma seleção de conselheiros, em cujas mãos concentrava-se todo poder civil. Discutia-se muito pró e contra, e no fim chegou-se à conclusão de que se 102 Cf. BOSCO, João. MO. 2005 p. 131 Cf. idem p. 131-132. “A marquesa Julieta Colbert, viúva do marquês de Barolo, havia fundado ao redor do chamado Refúgio, no bairro de Valdocco, um grupo de instituições. O Refúgio (hoje Istituto Barolo) é um grande colégio para meninas pobres “a quem a sedução induziu ao erro e as quais, arrependidas, procuram a paz de um retiro. Primeira condição para que sejam aceitas é que estejam arrependidas e entrem espontaneamente no colégio”. O nome é tirado da padroeira, Nossa Senhora Refúgio dos Pecadores. Está situado entre a Pequena Casa da Divina Providência e o Oratório salesiano: três obras grandiosas, uma ao lado da outra, na rua 103 devia absolutamente impedir e dispersar aquelas aglomerações porque comprometiam a tranqüilidade pública. Quando o rei Carlos Alberto soube que o tribunal de ordem pública ameaçava proibir as reuniões, encarregou Conde José Provana de Collegno, reitor da Companhia de São Paulo e benfeitor do Oratório, de transmitir sua vontade: “é minha intenção que essas reuniões dominicais sejam promovidas e protegidas; se há perigo de desordens, procure-se a maneira de as prevenir e impedir”. Ante essas palavras silenciaram Cavour e todo o tribunal.104 No Refúgio, posteriormente na casa Moretta, iniciou uma escola dominical estável, e também uma escola noturna regular quando se estabeleceram em Valdocco. Então começou-se a ensinar a leitura, a escrita, aritmética e a língua italiana, porém o empenho maior e particular se colocou para tornar familiar àqueles jovens de boa vontade o uso das medidas legais, pois sendo a maior parte ligados a trabalhos onde sentiam a maior necessidade.105 As escolas noturnas produziam dois bons efeitos: animavam os rapazes e ao mesmo tempo e animavam Dom Bosco a oportunidade de instruí-los na religião, que era sua maior intenção. Havia porém, uma grande dificuldade: onde arrumar professores que o fizessem Cottolengo. O teólogo Borel era então o diretor espiritual do Refúgio. Em 1844, a marquesa fazia construir, ao lado, o Pequeno Hospital, para meninas enfermas, o Santa Filomena.” 104 Ao me deparar com a fundação de vários oratórios veio-me na memória a primeira carta de Pedro, com seus ensinamentos sobre a verdadeira casa. Um lar para todos sem descriminação. Cf. ELLIOTT, John H. Um lar para quem não tem casa. Interpretação sociológica da primeira carta de Pedro. P.53-54. “Amados exorto-vos como forasteiros peregrinos neste mundo”. “ Em 1Pd, os termos parakoi e parepidemoi identificam os destinatários como uma classe de pessoas deslocadas, que na realidade são de fato estranhos residindo de forma permanente (paroiki, paroikoi) ou forasteris em trânsito (parapidemoi) nas quatro províncias da Ásia Menor, mencionados na saudação (1,1). Esses termos, como evidencia o seu uso corrente em textos contemporâneos seculares e religiosos, indicam não mera deslocação geográfica dos destinatários, mas também as limitações e a estranheza de cunho político, lega, social, e religioso, que esse deslocamento acarreta. Como paroikoi, podem constituir quer a população rural quer as aldeias, tendo sido transferidos para territórios cidadinos, agregados às cidades, onde recebiam estatuto jurídico inferior ao da cidadania plena. E, quer como paroikoi quer como parepidemoi, podem ser contados entre os inúmeros imigrantes – artesãos, operários especializados, comerciantes e negociantes, residindo de forma permanente ou viajando de passagem pelas vilas, cidades e metrópoles das províncias ocidentais.” 105 Cf. BOSCO, João. MO. 2005 p. 181 gratuitamente. Além disso não dispunham de livros e terminado o catecismo nada mais dispunham para leitura. Dom Bosco para sanar essa lacuna na educação, dedicou-se à compilação de uma história sagrada de exposição fácil e estilo popular. Essa a razão que o levou a escrever e imprimir a História Sagrada para uso das escolas. Quanto maior a solicitude em promover a cultura, tanto mais ia crescendo o número de alunos, para atender à necessidade crescente, abriram um novo oratório em outro bairro. A boa vontade tudo supria. Os perigos a que se achavam expostos os rapazes quanto à religião e à moralidade exigiam maiores esforços para defendê-los, e também de um número maior de pessoas capacitadas que se dedicassem a uma verdadeira educação libertadora. Dom Bosco contou com o auxílio do Pe Miguelanjo Chiatellino, que cuidava dos mais velhos e ensinava música; os oblatos de Maria Virgem tomaram conta do santuário da Consolata de 1834 a 1855; o Pe. Pio Bruno Lanteri aplicava os exercícios espirituais; Pedro Roppolo fabricante e serralherio; Monclavo, dava aulas de desenho, aritmética e geometria.106 6. Prevenir: Método Divino No Livro da Aliança se vê a presença de IHWH “Eu Sou, Eu estou com você e este é o sinal de que eu o envio, quando você tirar o povo do Egito, vocês vão servir a Deus nesta Montanha” (Ex 3, 12). Os Salmos nos trazem a figura do Bom Pastor “Eu sou o pastor que faz repousar em verdes pastagens e restaura as forças em fontes tranqüilas” (Sl 23,1-2). Os evangelhos retomam a figura do bom Pastor: “Se um de vocês tem cem ovelhas e perde uma, será que não deixa as noventa e nove no campo par ir atrás da ovelha que se perdeu, até encontrá-la? E quando a encontra, com muita alegria e coloca nos ombros. Chegando em casa, reúne amigos e vizinhos, para dizer: Alegrem-se comigo! Eu encontrei a minha ovelha que estava perdida!” Lc 15, 4-6). “Estarei no meio de vós, sereis o meu povo. Pois Eu Sou IHWH vosso Deus.107” (Lv 26,12). É a relação mais íntima de um Deus que só quer amar a sua criatura e despertar seu povo para o amor, tornando-o a manifestação do próprio Deus para a humanidade nos mais diferentes contextos. O sistema preventivo de Dom Bosco tem origens nas Sagradas Escrituras. O sistema preventivo é um sistema educativo que trabalha o desenvolvimento futuro, é muito rico de promessas e de perspectivas, manteve-se sempre e deverá manter-se fiel aos seus princípios bíblicos e a história do seu fundador, Dom Bosco, não foi um homem de um único tempo. É preciso despertar nos educadoras (es) a disposição de transmitir a mensagem desse grande mestre: amor, trabalho, e alegria, em nosso tempo com problemas complexos e de difícil solução na área educacional, é preciso resgatar o verdadeiro sentido da educação, que deve ser rígida sem perder a doçura, deve ser franca sem ser ameaçadora, mas principalmente deve nascer da própria experiência vivida do educadora (or), pois Dom Bosco construiu um sistema a partir da sua própria experiência. Em primeiro lugar devemos definir o que significa os termos “prevenir” e “reprimir”, que são nomes dados a dois verdadeiros sistemas educacionais, distintos relativamente. Foram praticados tanto como educação familiar quanto nas instituições educacionais. Ambos se fundamentam em razões essenciais para a formação do educando e têm 106 107 Cf. BOSCO, João. MO. 2005 p. 181-250 O grifo é nosso. metodologias positivas que apresentam êxito. “o primeiro (preventivo) se preocupa mais com a criança e com seus limites de sua idade portanto, com uma assistência assídua e amorosa do educador que “paternal ou maternalmente” está presente, aconselha e ampara. Daí nascem regimes educativos de orientação familiar. O outro (repressivo) se preocupa mais diretamente com a meta a ser atingida e por isso olha o jovem como um futuro adulto e como tal deve ser tratado desde os primeiros anos. Nascem regimes educativos maus, austeros e exigentes. 108 7. A influência feminina na educação preventiva A protagonista primária de toda a educação, cronologicamente, é a mãe. A mulher parece encarnar as melhores condições, pois é inclinada à piedade, somada a ternura, a maneira suave de repreender, a perseverança e a paciência Não foi diferente com Margarida, (Margarida Occhiena – 1788-1856), que logo tem a intuição de que João não fora feito para trabalhos do campo e o manda estudar em Castelnuovo. Depois no seminário é ela quem lhe dá a maior lição para sua vida: “O que quero é que você estude bem o passo que está para dar e que depois siga sua vocação sem se preocupar com ninguém. O pároco queria que eu dissuadisse você desta decisão, considerando que eu posso vir a precisar do seu auxílio. Mas eu lhe digo: nessas coisas eu não entro, porque Deus está em primeiro lugar em tudo. Não se preocupe comigo. De você eu não pretendo nada: nada espero de você. Guarde bem o que vou lhe dizer: nasci pobre, vivi na pobreza, quero morrer pobre. Ainda mais: se você se decidisse pelo estado de padre secular e, por 108 Cf. BRAIDO, Pietro. Prevenir, não reprimir. P. 13 desgraça, ficasse rico, eu nunca iria fazer-lhe uma única visita. Lembre-se bem do que lhe digo!” 109 O próprio Dom Bosco, escreve a respeito dela, que “seu máximo cuidado foi de instruir os filhos na religião, orientá-los à obediência e ocupá-los em coisas compatíveis à idade”. Foi sua mãe que o ensinou a prática do Sacramento da Confissão a ler e escrever. Foi também ela quem lhe apresentou Maria mãe e mestra de Jesus. A Tradição da Igreja sempre reconheceu a missão educativa de Maria, tanto nos aspectos litúrgicos quanto na devoção popular. Maria mãe de Deus e dos humanos, a partir de uma bem trabalhada perspectiva antropológica é que se pode compreender o significado de Maria educadora, que partindo do seu “faça-se” (fiat) consciente acolhe o Verbo que se encarna em seu ventre assume assim a missão, a vocação de mulher à maternidade.110 Maria mulher personagem historicamente situada e datada, ser humano como nós é quem adere ao apelo – interpelação - proposta divina. É quem assume o magnífico fato religioso da maternidade divina também como feito religioso de ordem pessoal. 111 Jesus é educado, aprende e se nutre no cotidiano de Maria, sua mãe educadora. Maria é aquela que colabora com a obra salvífica e transformadora de Jesus Cristo Filho predileto de Deus. 112 Outra Maria fez parte da vida de Dom Bosco, com ele estabeleceu uma relação de reciprocidade, aplicando o mesmo método de educação com as meninas. Formaram uma Comunidade Educativa onde o necessário era aprender a dar e receber com liberdade, com 109 Cf. CURTO, Fausto, Mamãe Margarida. P. 30-31 Cf. BUCKER P. Barbara, BOFF Lina, AVELAR, Maria Carmem. Maria e a Trindade. P. 67 111 Cf. GUARDINI, R., La mère du Seigneur p. 61 112 Cf. BUCKER P. Barbara, p. 80 “Uma das metáforas que explica, de modo sugestivo, o ato educativo, referese ao ato de nutrição, de libertação. Nesta perspectiva, educar, enquanto ato de nutrir e elevar, é fecundar, é deitar raízes, mas é, concomitantemente, transcender, libertar, introduzir ao novo, ao inusitado. A educação é então compromisso e direito. Compromisso empenhativo tanto para o que se educa ou é educado, quanto para os que educam ou que ajudam a pessoa a se educar, pois implica numa bela e árdua tarefa de ajudar a fazer desabrochar todas as potencialidades, todas as qualidades que possam existir em semente no coração humano”. 110 atitudes equilibradas, fora de leis rígidas que pretendem regular tudo e todos, Maria Domingas Mazzarello nos recorda que o importante é “fazer com liberdade o que a caridade requer”. 8. A prevenção e os princípios do Sistema Preventivo A pedagogia do Sistema Preventivo, nasceu do encontro com os jovens pobres, com as suas características de conteúdo e método, com a figura de um educador que vai além do papel institucional e é para os jovens amigo e pai. A opção pelos pobres vai além da simples escolha de destinatários, passa por uma opção existencial pela “pobreza evangélica” concebida como elemento de educação e construção. Missão leiga – sonho de D. Bosco A expressão mais contundente da solidariedade do “sistema preventivo” é, sem dúvida, a perspectiva missionária. Dom Bosco não se cansava de olhar o mapa – mundi, suspirando enviar seus padres para evangelizá-lo. numa linguagem leiga, essa dimensão configura-se muito bem, nos nossos dias, com a sensibilidade do voluntariado. Atualmente, o prevenir hoje representa propor alternativas que levem o educando a fazer escolhas importantes e significativas para sua vida. Este modo de conceber a educação supera, em muito, o Sistema Repressivo, linear e previsível, pobre e empobrecedor, que apontava, já no tempo de dom Bosco, para uma prática tacanha que reduzia o educador a um funcionário destinado a apresentar leis e controlar seu cumprimento A convivência de Dom Bosco com os jovens é caracterizada pela “Amorevolezza”, isto é exprimir a unidade de seus princípios conteúdos e métodos educativos, com dinamismo na realidade humana. O amor deve ser o princípio evangélico e o fundamental na educação, é o cimento que torna os educadores e educandos membros de uma mesma família. Portanto em seu sistema preventivo esse amor se expressa em três dimensões: RAZÃO, RELIGIÃO, AFEIÇÃO. RAZÃO:- é o eixo psicológico – refere-se aos processos de conhecimento de si e do mundo (à tendência para a verdade, o bem, o belo, a busca da segurança); RELIGIÃO:- o eixo espiritual – religioso – refere-se à busca e descoberta do sentido da vida, à abertura para o transcendente, para o Absoluto – Deus. AFEIÇÃO:- o eixo afetivo – refere-se à aceitação de si mesmo e à abertura de amor para os outros e para a vida, à alegria de viver. Esses elementos interagem entre si, unificando-se através do amor educativo, como uma expressão da caridade pastoral que se traduz por amorevolezza, que não é um recurso pedagógico mais é a expressão da caridade do educador, somente uma pessoa inspirada e movida pelos ideais divinos e pelo autêntico amor de Deus pode expressa-lo. Dom Bosco dizia: “A prática do Sistema Preventivo apóia-se toda nas palavras de São Paulo que diz: a caridade é paciente... tudo crê, tudo sofre, tudo espera, tudo suporta... O educador é um indivíduo consagrado ao bem dos seus alunos; por isso deve estar pronto a enfrentar todo incômodo, toda fadiga, para conseguir o seu fim, que é a educação cívica, moral, científica dos alunos”. E na conclusão da carta circular sobre castigos, escrevia: “ Recordai-vos de que a educação é coisa do coração e que dos corações o dono é Deus. Nós não podemos chegar a coisa alguma se Deus não nos ensinar a arte e não nos puser na mão as chaves para consegui-la”. 8.1. A Educação no Sistema Preventivo de D. Bosco O sistema Preventivo de dom Bosco emposta a educação como re-construção de símbolos e representações vitais, onde o educador não fará primeiro conhecer as leis, objetivos e depois vigiar para garantir a observância, punindo os eventuais transgressores, mas buscará “prevenir”, propondo metas significativas, apresentado-as como boas, importantes, e aprazíveis de serem atingidas, e será o “assistente”, ou seja, sempre presente, ajudando, aconselhando, acompanhando, recordando, encorajando, promovendo o educando em todo itinerário educativo Nessa perspectiva pode-se afirmar que o sistema educativo de dom Bosco não se esgota no “preventivo”, que é apenas um critério metodológico, mas não um elemento qualificador da sua proposta educativa. Ele deriva muito mais de uma identidade antropológica cristãmente fundada, de uma marcante e inconfundível postura educativa. De uma prática conjunta da razão, da religião e da “amorevolezza”. E de uma robusta e dialética integração entre fé e humanismo. O sistema educativo de dom Bosco, através das palavras chaves: amorevolezza, razão e religião traz como estrutura fundante da proposta pedagógica a antropologia da “inteireza” proporcionada pelo humanismo cristão. Através do canal do afeto, educador e educando tornam significativas seus traços simbólicos, que, em última análise, proporcionam-lhes sentido de vida e caminho de felicidade. Em chave católica e com o linguajar do tempo, o grande objetivo da educação no Sistema Preventivo era “fazer santos”. “Santo é aquele que através de esforço e, principalmente, assistido pela graça de Deus, atingiu o “seu máximo”. Esse máximo dentro da ótica cristã vem balizado por aquele que Deus colocou como paradigma para a humanidade – Jesus Cristo. Por isso mesmo na tradição cristã, ser cristão (seguidor de Jesus Cristo) é ser santo. Assim apresentava o apóstolo Paulo em suas cartas: “[...] à Igreja de Corinto: aos santos que foram santificados no Cristo Jesus, chamados a ser santos, juntos com todos os que, em qualquer lugar, invocam o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso” (Cor 1, 23).113 Segundo Viganò na história da Igreja e na história da educação o Sistema Preventivo pode ser conhecido como pedagogia realista da santidade: tanto do educador que mergulha na cultura para fazer educação, quanto do jovem que emerge da promoção humana impregnado de Evangelho. [..] A originalidade e a audácia da proposta de “santidade juvenil” é intrínseca à arte educativa de Dom Bosco. O seu grande segredo foi de não somente não desiludir as profundas aspirações juvenis (necessidades vitais, de espaço, alegria, liberdade, futuro), mas de ter levado, gradualmente e realisticamente, os jovens a experimentarem que somente na “vida da graça”, isto é na amizade com Cristo, os seus ideais, mais autênticos, seriam compreendidos e exaltados [..] (VIGANÒ, LC Vol. I, 1996:61)114 Amorevolezza é caridade sobrenatural, no sentido das motivações religiosas da relação entre educadores e educandos: respeito dedicação, ver nos jovens o próprio Cristo, contudo , não significa que a pessoa não deva assumir suas responsabilidades, essa é a dimensão racional que responde às possibilidades de amadurecimento da pessoa no processo de sua 113 Cf. VIGANÒ Egídio, Lettere circolare di don Egidio Viganò ai Salesiani, Vol. I Roma: Editrice Direzione Generale Opera Don Bosco, 1996. In DAMAS, Luiz Antonio Hunold. A preventividade na educação salesiana. Brasília: Universa. 2004, p. 91-100. (Egídio Viganò , sétimo sucessor de Dom Bosco, reitor maior de 1978 a 1995). 114 Cf. DAMAS, Luiz Antonio Hunold. A preventiviidade na educação salesiana. 2004, p. 91-100. educação. O educador deve ter firmeza em suas posições e clareza nas suas exposições, jamais usar do autoritarismo e imposição. A parte racional da amorevolezza é justamente a atitude construtiva e paciente de diálogo e persuasão, evitando qualquer forma de sujeição, de pressão emotiva, de chantagem sentimental. O ambiente espontâneo onde as normas regulamentares sejam reduzidas ao mínimo necessário, onde os jovens possam manifestar-se com naturalidade, em sua alegria. É a verdadeira educação libertadora.115 8.2. A Educação libertadora no Sistema Preventivo No sistema preventivo a educação liberta, pois não intoxica de informações muito menos massifica, dá ao jovem o tempo suficiente para que trabalhe o uso da razão em sua religião. Contribuindo para a transformação de um ser cristão e honesto cidadão. Fazendo assim suas as palavras do apóstolo Paulo: “É para liberdade que Cristo nos libertou. Permanecei firmes, portanto, e não vos deixeis prender de novo ao jugo da escravidão”.(Gl 5,1). 9. Carta de Roma A carta de Roma é um dos documentos mais expressivo e importante da pedagogia de Dom Bosco, considerado como “manifesto pedagógico”, e como um “poema do amor educativo”. É uma mensagem direta aos educadores e educandos, onde expressa com emoção seu sentimento e seu sonho educativo, focalizando os elementos essenciais do Sistema Preventivo em ação. Foi uma avaliação radical da prática do Sistema Preventivo no antigo Oratório. E continua sendo parâmetro para avaliar se nossa prática educativa está sendo conduzida nessas mesmas bases. Perto ou longe,, penso sempre em vocês. Só tenho um desejo: vê-los felizes nesta e na outra vida. foi isto que me levou a escrever-lhe esta carta. ... Valfré me mostrou os jovens do mesmo jeitinho daqueles tempos. Parecia que eu estava no antigo Oratório... a gente sentia que entre os salesianos e os jovens reinava um clima de muita confiança. .. e Valfré comentou. A familiaridade gera o amor e o amor a confiança. É isto que abre o coração dos jovens para a confiança em seus mestres e professores... Dom Bosco, você quer ver agora os jovens que estão atualmente no Oratório?... Ele me mostrou. Vi o Oratório e todos vocês no recreio. Mas não ouvia mais a barulhada, a vida, a alegria, e o movimento da primeira cena. Via ao contrário muitos jovens de cara fechada, tristes, desconfiados... É daí que provém a frieza de tantos deles. Não freqüentam mais os sacramentos. As celebrações são frias e sem vida. estão de má vontade num lugar onde Deus é tão bom para eles. É por isso que não há mais vocações; não se manifesta gratidão para com os educadores. Daí o isolamento... que destroem o ambiente.... Olhei de novo e vi que eram bem poucos os salesianos que estavam no meio dos jovens e menos ainda os que brincavam com eles. Não eram mais a alma do recreio... Concluo; sabem o que deseja de vocês este pobre velho que gastou toda sua vida pelos seus queridos jovens? Nada, a não ser que, feitas as devidas proporções, voltem os dias felizes do antigo oratório. Os dias de amor e da confiança cristã entre jovens e educadores; os dias do espírito de condescendência e tolerância de uns para com os outros por amor de Jesus Cristo; os dias dos corações abertos com toda simplicidade e candura; os dias da caridade e de verdadeira alegria para todos. CONCLUSÃO 115 Cf. BRAIDO, Pietro, Preveni, não reprimir. P. 269-278. Dom Bosco soube como ninguém reler as Escrituras nos seus trechos mais complexos, talvez por intuição pois não tinha os conhecimentos que hoje me ajudam a fazer tal conclusão. Ao ler sua vida e tomar contato com seu método me reportei ao antigo Israel e vislumbrei as celebrações, onde se dividiam as primícias colhidas e as dividiam sob a orientação da mãe e o olhar atento do pai. A família de Dom Bosco era também assim: Margarida, sua mãe, dedicou toda sua vida, para traçar diretrizes eficazes de vida, aos filhos e marido, assim como Maria, educou seu Filho Jesus. Margarida educou seu filho para o mundo, para fazer o bem, este foi o alicerce de todo o sistema criado por seu filho. Margarida era segura sem ser autoritária, era severa sem ser um carrasco. O sistema preventivo de Bom Bosco e seguido de perto por Maria Mazzarelo, motiva a reflexão teológica para uma educação libertadora, que baseada no amor, alicerçada na verdade evangélica exige do educador, uma prática verdadeiramente difícil e só possível para um ser consagrado. Mas, também leva o teólogo a um trabalho pastoral familiar, orientando pais e mães sobre o verdadeiro sentido de educar: convívio e confiança, cordialidade, demonstração de afeto ativo, incondicional, equilibrado e racional. Essa educação familiar, social, baseada na alegria evangélica será demonstrada no próximo capítulo. CAPÍTULO III 1. PISTAS À ELABORAÇÃO DE UM PROJETO TEOLÓGICO PASTORAL INTRODUÇÃO A vontade soberana de Deus prepara com força e suavidade o momento de sua intervenção. Ele respeita amorosamente o momento histórico e as condições culturais dos destinatários de sua Palavra. Até a revelação de quem Ele é, do seu nome e das exigências fortes de seus desígnios é feita de modo progressivo, respeitando os ritmos e capacidade de aprendizagem do povo.116 (Doc 47 CNBB) O processo educativo para a libertação tem seu ponto culminante em Jesus inspirado, em seu amor, em sua vida, morte e ressurreição. Vivendo e pregando o Reino de Deus, Jesus nos mostra como chegar ao Pai. Por causa de sua práxis libertadora foi condenado à morte, e uma morte de cruz, conseqüência aos que promovem a solidariedade e fraternidade. Porém a cruz não é o “fim”. A cruz é a possibilidade do Pai mostrar sua aniquilação diante da liberdade do Filho de morrer pela causa da justiça, mas, além disso, a cruz dá a possibilidade da confirmação de que Jesus é realmente o caminho da verdade, uma verdade realmente libertadora, que também pode ser compreendida pelo veio da Educação.117 1.1. PASTORAL DA EDUCAÇÃO - CONCEITOS E ESCLARECIMENTOS 116 Cf. Educação, Igreja e Sociedade – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. n. 62. São Paulo: Paulinas. 1992. 117 Cf. Texto Base da Campanha da Fraternidade 1982. Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. p. 14 Educação é um campo privilegiado da ação evangelizadora e pastoral da Igreja e, por isso é preciso sintonizar a Pastoral da Educação em sua rica caminhada de preparação para o Reino.118 A Pastoral da Educação está além do ensino religioso na realidade escolar. Ela o ultrapassa muito! Deseja favorecer a evangelização apresentando novos dados do complexo mundo da educação e, ao mesmo tempo, valorizar e motivar a dimensão educativa de tudo o que a Igreja faz. Buscando mostrar essa dimensão, serão apresentadas algumas pistas que podem servir como bases para um projeto educativo. Enfim, somos construtoras(es) da paz! Essa é a realidade de pessoas voltadas para o bem e para a sua construção. A paz é a harmonização que unifica o ser humano, primeiramente no seu interior, e transborda após um longo processo. A paz provoca solidariedade quando avança no processo de desenvolvimento do ser humano, enquanto projeto de vida de quem é “ser”, e, também deseja promover os que não conseguem “ser”. A construção da paz começa no seio familiar. Para que isso ocorra, é necessária a formação e a construção da família, embasando-a em conceitos atuais, o que é ser família hoje? Objetivo este (tarefa – dever), esquecido tanto pelas escolas, na área da educação, como pelas igrejas, na sua formação e catequese e tão decisivos para o educar! A realidade do mundo de hoje mostra jovens e crianças que não encontram essa paz que gera solidariedade dentro de seus próprios lares, nas escolas, e nas religiões. A proposta para que se dê essa construção seria a de investir com mais afinco, nos objetivos imediatos: busca do ser interior; busca do conhecimento próprio do ser humano; busca de reconhecimento da dignidade. Fazer do jovem e da criança um ser que está no mundo para construir, para edificar, vivendo em relação com o mundo que os acolhe, os deseja, muitas vezes os maltrata, mas que é o mundo que eles têm para conquistar e transformar. 118 Cf. Pastoral da Educação, Reflexão e Organização – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – texto Base A importância do Concílio Vaticano II para a caminhada da Igreja foi principalmente a sua abertura para o mundo, o “aggiornamento”, o olhar para o mundo e se deixar questionar pelo mundo e procurar com todo o amor e compreensão dar respostas à humanidade que lhes dê esperança e alegria. Com grande visão teológica traçar projetos acessíveis e aceitar projetos que com certeza podem ser bem sucedidos no mundo de hoje, tais como: priorizar a formação de agentes de pastoral principalmente, com um olhar para o hoje e assim conseguir capacidade de olhar a realidade do contexto em que vivem: país, estado, cidade, bairro; um conhecimento antropológico, história da sua família, sociológico, psicológico e religioso do contexto em que vive. Um conhecimento pessoal aprofundado. Prepará-los não seria enfrentamento e sim um reconhecimento que leva à libertação e à alegria de ser agente de pastoral. Jesus veio para libertar-nos de todos os sistemas e esquemas que impedissem a realização do Projeto de Deus. Jesus veio viver o Projeto de Deus. Com sua práxis dizer e mostrar ao ser humano, como é o humano e como é o divino: filha (o) de Deus. Jesus veio dar plenitude às leis, aos costumes do seu tempo. Ele é libertador. 1.2. TEOLOGIA PASTORAL A palavra pastoral vem de pastor. Jesus é o bom pastor, portanto, fazer pastoral é fazer o que Jesus fez. É prática, é ação, é trabalho, é serviço.119 Segundo Mihály Szentmártoni: “A Teologia Pastoral pode ser definida como reflexão teológica sobre o conjunto das atividades com as quais a Igreja se realiza, com a finalidade de definir como essas atividades deveriam ser Setor Educação 4ª ed. São Paulo: Paulinas. 2001. 119 Cf. Pastoral da Educação Reflexão e Organização, CNBB Texto Base. 2001, p. 7-8. “A imagem de Pastor e ovelhas, tão ricamente trabalhada pela Sagrada Escritura e colocada em destaque por Jesus, tem, porém, suas limitações, que precisam ser consideradas, especialmente as que se referem à passividade das ovelhas e ao rebanhismo. Sem dúvida este dado, infelizmente, entrou fortemente na estrutura da Igreja, enfatizando a hierarquia e deixando os leigos e leigas muito passivos porque dependentes, não formados para autonomia no pensar, organizar-se e agir. Mas, num sentido mais amplo, Pastoral é o agir da Igreja como um todo, hierarquia e fiéis, num esforço contínuo, consciente, articulado e organizado de ir proclamando e construindo o Reino de Deus na história, através do testemunho comunitário, do anúncio, do serviço libertador e do diálogo”. desenvolvidas, levando em consideração a natureza da Igreja, sua situação atual e a do mundo.”120 A origem da teologia pastoral como disciplina científica é recente. Sua história pode ser dividida em quatro etapas: 1) “Sentido prático mas não teológico”. Em 1777 temos o nascimento da teologia pastoral, quando a imperatriz Maria Teresa introduziu a reforma do ensino universitário. É a era “manualística”, isto é, escrevem-se livros sobre os deveres e atividades dos pastores, é a chamada teologia prática, contendo muita ética e pouca referência à Sagrada Escritura. Baseia-se no costume e na tradição. O ponto central é o pastor ou cura de almas, professor de religião, sacerdote e pastor. 2) “Orientação bíblico-teológica”. Agora o Pastor de almas não é simplesmente promotor de uma vida humanamente serena, mas o colaborador ativo de Deus na salvação dos homens. O sacerdote não é tratado apenas como “funcionário”, mas como sacerdote com uma vocação própria. Pelos meados do século XIX, a teologia pastoral, torna-se uma ciência sobre a Igreja que vai construindo a si mesma. Não é um simples conjunto de métodos didáticos, pedagógicos, mas deve ser entendido como a mediação no ato salvífico que vem de Deus para o ser humano, ou seja, como a mediação da salvação. 3) “Cunho eclesiológico”: chama-se também escola de Tübingen. São dessa Escola as expressões válidas até hoje: “ações eclesiais”; “edificação do Reino de Deus”; como auto-definição de Igreja, o objeto material da teologia pastoral não é o pastor, mas a Igreja, por meio da qual o cristianismo edifica a si mesmo em vista do futuro. 4) “A reforma querigmática”. A. Graf, propõe a seguinte definição “A ciência das atividades divino – humanas realizadas pela Igreja por intermédio de pessoas por ela incumbidas de tal tarefa, de preferência pertencentes ao estado eclesiástico, para a edificação da mesma Igreja”. Assim, a pastoral adquire importante lugar na Igreja e é apresentada como uma ciência teológica.121 120 121 Cf. SZENTMÁRTONI, Mihály, Introdução à Teologia Pastoral. 1992, p. 11 Cf. SZENTMÁRTONI, Mihály. Introdução à Teologia Pastoral. 1992, p. 15 A teologia pastoral assume a idéia do Reino de Deus como critério para sua pregação, e sua tarefa principal é o anúncio do Evangelho.122 Nos desenvolvimentos mais recentes apontados, K. Rahner com o conceito de “autoconstrução da Igreja” (1964) é quem dá um impulso determinante para o desenvolvimento da Teologia Pastoral, o que introduz com um novo enfoque da problemática teológica pastoral: o anúncio da palavra, os sacramentos, a vida cristã segundo a lei, e a ação caritativa. Além disso, segundo Rahner, evangelizar quer dizer promover a fé em Jesus como Senhor, educar nessa mesma fé de modo que a pessoa cresça na relação interpessoal com Jesus no plano das idéias, das escolhas e das obras.123 Para K. Rahner a realidade mundana incide essencialmente na construção de ação eclesial cristã. Daí a necessidade das demais ciências, principalmente a Sociologia, que podem auxiliar a reflexão para a análise da situação atual. A Teologia Prática deve ser também crítica. 1. 3. PASTORAL URBANA Pastoral Urbana, segundo José Comblin, é em primeiro lugar dialogar com a cidade, ouvindo-a em toda sua diversidade. A Pastoral Urbana observa as condições concretas em que as pessoas se encontram, as auxilia com seus diferentes recursos, numa ação transformadora para a realização plena do ser humano 122 Cf. idem. 1992, p. 13-17 conforme o Projeto de Deus. A vivência religiosa passa pela alegria de estarmos em comunidade criando métodos para envolver amorosamente pessoas. Envolvê-las respeitando sua complexidade e num projeto evangelizador, humanizar cada vez mais os excluídos do convívio social.124 O Documento da CNBB n. 71 diz no seu § 196 “Especial atenção merece a pastoral urbana, com a criação de estruturas eclesiais novas que, sem desconhecer a validade da paróquia renovada, permitam que se enfrente a problemática das enormes concentrações humanas e as novas formas de cultura em gestação.” Como exemplos o documento cita: multiplicar e diversificar as comunidades eclesiais; incentivar a reflexão e o planejamento pastoral em comum entre paróquias da mesma cidade ou área; criar ou desenvolver centros de evangelização; tecer uma rede de comunicação e contatos com os cidadãos; valorizar a religiosidade popular e finalmente, um cuidado particular pelos jovens que são o grande desafio da Igreja hoje, como também são o seu futuro.125 O mesmo documento aponta como desafios para uma ação evangelizadora: a construção da identidade pessoal e da liberdade autêntica numa sociedade consumista; nos três âmbitos de ação: pessoa, comunidade e sociedade.126 E José Comblin como no documento da CNBB e afirma que uma evangelização no ritmo da cidade deve obedecer a critérios dentro da lógica dessa cidade, 123 Cf. RAHNER, Karl. (org.), La salvezza nella Chiesa, Herder, Morcelliana, Brescia, 1968, in. SZENTMÁRTONI, Mihály. Introdução à Teologia Pastoral. 124 Cf. COMBLIN, José. Pastoral Urbana. 2ª Edição. 2000, p. 16 125 Cf. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora. Documento da CNBB, nº 71. 2003-2006, 196 assumir sua complexidade e diversidade, e aponta alguns caminhos, ou seja, diz que uma pastoral urbana deve ser: organizativa, formativa, educacional e espiritual.127 O documento n. 71, indica passos de trabalho: 1. Ir até as pessoas, criar espaços, incidir nos mais diferentes ambientes. Fé e vida. 2. Criar ambientes ecumênicos e de diálogo inter religioso. 3. Reconduzir homens e mulheres à Unidade em Cristo. 4. Fontes para esse trabalho: Sagrada Escritura, Documentos da Igreja, livros de ciências humanas e sociais. 5. Para a execução de um bom trabalho evangelizador são necessários um aprofundamento bíblico teológico e uma boa pesquisa sociológica.128 Para José Comblin, trabalhar em uma pastoral urbana exige do agente de pastoral não só conhecimento da cidade mas amor por ela. Exige um conhecimento permanente, exige um ir ao encontro “de” e “para”, só assim haverá uma inter – ação. Um trabalho na pastoral urbana deve contribuir na reflexão sobre o sentido da vida. A necessidade que homens e mulheres têm do “outro” de ser “alguém”, de escutar e ser ouvido. Enfim, um ser em relação, pois, a alteridade é a condição da liberdade, e a liberdade pressupõe um livre modo de pensar e agir, não havendo pensamento igual entre as pessoas à relação exige respeito mútuo, o qual só se aprende na convivência com o diferente.129 Comblin afirma haver necessidade de um maior investimento na formação integral e educação para a vida na cidade: de padres, religiosos, religiosas, leigos e leigas, engajados e atuantes nas pastorais, uma educação acadêmica formativa que privilegie a espiritualidade. Também insiste na inclusão da mulher nas diversas instâncias de ação na Igreja, para melhor dialogar com a cidade onde a mulher ocupa cargos nos mais diferentes setores. Colocar em prática o que nos diz as Escrituras (Gn 1, 27-31). 126 Cf. idem, 64 Cf. COMBLIN, José. Pastoral Urbana. 2ª edição. 2000, p. 16 128 Cf. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja do Brasil. Documento da CNBB, n. 71. 2003 – 2006, 22, 24, 38, 53, 59-61 127 Deus criou à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou”. “Deus os abençoou e lhes disse: ‘Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a; dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que rastejam sobre a terra.’ Deus disse-lhe: ‘ Eu vos dou todas as ervas que dão semente, que estão sobre toda a superfície da terra, e todas as árvores que dão frutos que dão semente; isso será vosso alimento. A todas as feras, a todas as aves do céu, a tudo o que rasteja sobre a terra e que é animado de vida, eu dou como alimento toda a verdura das plantas e assim se fez. Viver intensamente o ambiente relacional, onde somos todos imagem e semelhança de Deus. Não existe ninguém só. A relação pressupõe: olhar, escutar, acolher, pertencer.130 E finalmente, ter coragem de correr risco. É na aventura da Pastoral Urbana que vivemos o momento escatológico do “já” e o “ainda não”. Segundo Paulo Freire: “Porque na verdade meus amigos não é o discurso que diz que a prática é válida. É a prática que diz se o discurso é válido ou não”.131 1. 4. TEOLOGIA DA EDUCAÇÃO Segundo Giuseppe Groppo, a teologia da educação é a reflexão da fé, de modo crítico e sistemático, diretamente sobre a Palavra de Deus em quanto se refere à educação, e indiretamente sobre os aportes das ciências no diálogo interdisciplinário.132 Em outros lugares da América Latina existem práticas de ação investigadoras, que exigem incluir entre as ciências da educação o saber 129 Cf. COMBLIN, José. Viver na cidade. 1996, p. 33 Cf. COMBLIN, José. Viver na cidade. 1996, p. 17 131 Cf. Boletim “Para um trabalho com o povo”. 2ª Ed. Comissão Editorial da C.C.J. Centro de Capacitação da Juventude. Fruto de um bate papo entre Paulo Freire e um grupo de pessoas (Cebs, Pastoral Operária, Oposição Sindical Metalúrgica), empenhados no trabalho de Educação Popular na Vila Alpina, zona Leste de São Paulo, no início da década de 80. 130 sobre a educação, o que se aprende por experiência ou por outras informações acerca dos feitos educativos como eles se ordenam sistematicamente.133 A experiência educativa escolar e extra escolar sistematizam-se com instrumentos de análises deliberadamente elaborados. Essas análises devem descobrir os pressupostos táticos da prática educativa. Por exemplo: por trás de uma reforma educativa pode existir uma concepção do ser humano puramente funcional a um projeto político instrumentalizante de um projeto de utilização econômica dos recursos humanos em favor de certos centros de poder. Também, em um centro educativo pode haver dissonância entre a teoria proclamada à prática efetiva. A capacidade crítica do teólogo, e da equipe de crentes interessados no eixo educativo, pode detectar e denunciar estas falhas deliberadas do inconsciente com visão transformadora.134 Afonso G. Rubio escreve o seguinte a esse respeito: E, assim, ficam desautorizados todos os sistemas e todas as maneiras de se relacionar que manipulam e instrumentalizam o ser humano, de modo que é impedido de dar sua resposta pessoal. Sistemas políticos/econômicos, sistemas educativos etc. que impedem ou obstaculizam o desabrochar da responsabilidade da pessoa. É a educação ‘bancária’ de que fala Paulo Freire. É o tipo de educação que, infelizmente, está também presente num tipo de evangelização que superprotege ou domina o outro, mantendo-o numa dependência infantil do evangelizador. A Igreja, quando utiliza métodos que levam à passividade e à alienação da pessoa, acaba negando na prática o sinal que é a sua vocação profunda. Sinal de comunhão, de fraternidade e de participação. A vivência eclesial não deveria nunca passar por alto este dado básico da antropologia bíblica: o homem é um ser de reposta e, por isso mesmo, chamado a assumir a própria responsabilidade. Com outras palavras: é chamado a assumir os riscos da liberdade, em todos os domínios da vida humana. Parece-me que, nas comunidades eclesiais, esquecemos facilmente a afirmação paulina: 132 Cf. GROPPO, Giuseppe. Teologia dell’ deucazione. Origine, identità, compiti. In. AHUMADA, Enrique Garcia. Teologia de La Educacion. 1991, p. 26 133 Cf. SCHIPANI, Daniel, teología del ministerio educativo, perspectivas latinoamericanas, in. AHUMADA, Enrique Garcia.Teologia de la Educacion. 2003, p. 27 134 Cf. PERESSON, Mario. Teología a pie, entre sueños y clamores, sistematizacion del proyecto de Teología popular de dimensión educativa, in. Teologia de La Educacion. 2003, p. 30-35. ‘Vós, irmãos, é para a liberdade que fostes chamados’ (Gl 5, 13), não para uma falsa liberdade, mas para a liberdade de amar. Às vezes, parece que queremos ser cristãos, sendo desumanos.135 A função própria da teologia da educação é fundamentar, motivar e orientar baseada no evangelho de Cristo a uma ação educativa. Existe uma reflexão cristã não só orgânica, mas também crítica sobre os métodos e os resultados da teologia sistemática e das ciências da educação, que podemos chamar de teologia profissional ou acadêmica da educação. É muito importante para o pensamento cristão que a teologia acadêmica mantenha contato com a sabedoria dos fiéis e dos santos, em especial dos santos educadores.136 No nosso caso Dom Bosco e outros educadores citados no segundo capítulo nas páginas 68-71. Como toda ciência, a teologia da educação é um hábito de conhecer e pensar de determinada maneira. O início da teologia da educação consiste na reflexão dos fenômenos educativos cotidianos à luz da Palavra de Deus expressa na Bíblia e na Tradição da Igreja. A sistematização se dá à medida que se obtêm um pensamento coerente com a fé sobre o conjunto dos eixos educativos.137 O sujeito pensante mais apropriado da teologia da educação é o cristão educador, sua reflexão teológica será melhor fundamentada quanto mais entender a Palavra de Deus contida na Tradição que cresce e amadurece pela força do Espírito Santo e particularmente na Bíblia.138 A teologia da educação é tanto mais abrangente quanto melhor incorpora os ensinamentos da teologia sistemática (cristologia, eclesiologia, teologia moral e espiritual...); quanto melhor assume os avanços das ciências da educação (teoria da educação, história da educação. sociologia, antropologia, ...); quanto mais se conhecer a prática cultural e atual também visualizando o futuro. 135 Cf. RUBIO, Alfonso García. Elementos de Antropologia Teológica. 2004, p.75 Cf. GONZÁLEZ, Chico. Institutos y Fundadores de Educación Cristiana, in. AHUMADA, Teologia de la Educacion. 2003, p. 28 137 Cf. AHUMADA, Enrique Garcia. Teologia de la Educacion. 2003, p. 26-31 136 Portanto, é uma reflexão teórica prática e não simplesmente especulativa, porque pretende orientar o apostolado educativo da Igreja como tal e dos seus membros.139 2. UM PROJETO EDUCATIVO LIBERTADOR Verificou-se que o plano da salvação não se opera apenas na Teologia da Educação, assim reconhecida, mas também na obra libertadora de outros homens e em outros lugares. Como exemplo, temos o trabalho de Paulo Freire, a ilustrar este capítulo. Paulo Freire nasceu em uma das regiões mais pobres do país. Trabalhou inicialmente no Sesi (Serviço Social da Indústria) e no Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife. Ele foi quase tudo o que deve ser como educador, de professor de escola e criador de idéias e “métodos”. Sua filosofia educacional expressou-se primeiramente em 1958, na sua tese de concurso para a Universidade do Recife, e, mais tarde, como professor da História e Filosofia da Educação daquela Universidade, bem como em suas primeiras experiências de alfabetização como a de Angicos, no Rio Grande do Norte. A primeira constatação para o educador e o educando, segundo Paulo Freire, é a de que ninguém está só no mundo; e porque os seres humanos estão no mundo com outros seres humanos o “estar com os outros, significa, necessariamente, respeitar nos outros o direito de dizer a palavra” esse é o princípio do Método de Paulo Freire.140 A obra de Paulo Freire pode ser vista tomando-o como um educador, um cientista, mas também como um político, pois ele não pensa a realidade apenas como um sociólogo que procura somente entendê-la, mas ele busca, nas ciências sociais e naturais elementos, para poder intervir de forma eficaz nela. Ele pensa a educação ao mesmo tempo como ato de conhecimento, ato político e como ato criador.141 A coragem de colocar em prática um autêntico trabalho de educação que identifica a alfabetização como um processo de conscientização, capacitando o oprimido tanto para a aquisição dos instrumentos de leitura e escrita, quanto para a sua libertação, fez dele um dos primeiros brasileiros a ser exilado. A metodologia por ele desenvolvida foi muito utilizada no Brasil em campanhas de alfabetização conscientizadora. Exilou-se primeiro no Chile, onde, encontrando um 138 Cf. Idem. 2003 p. 31 Cf. HOZ, Garcia V. El orden sobrenatural en la educación, 1944. In Ahumada, Enrique García. Teologia de la Educacion. 2003, p. 30 140 Cf. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 1993, p. 10 141 Cf. GADOTTI, Moacir. Paulo Freire uma Biobibliografia. 2001, p. 80ss 139 clima social e político favorável ao desenvolvimento de suas idéias, promoveu, durante cinco anos, trabalhos em programas de educação de adultos no Instituto Chileno para a Reforma Agrária (Icira). Ali escreveu, em 1968, a sua principal obra — Pedagogia do oprimido. Em Paulo Freire, conviveram, sempre presentes, tanto o senso de humor quanto a não menos constante e indignação contra todo tipo de injustiça.142 Aprende-se com ele que é importante praticar um método pedagógico orientado pelo diálogo aberto e corajoso, sendo esses elementos condição indispensável aos fundamentos de uma escola e de uma sociedade democrática. A situação material das escolas vítimas de depredação é uma resposta à violência quotidiana em que vive a população pobre deste grande centro urbano.143 2.1. VISÃO TEOLÓGICA DO PROJETO EDUCATIVO A capacidade de amar é o que possibilita transformações na sociedade, que aceita culturas, e que incide na história dos seres humanos fazendo comunhão dos que querem “mundo novo”. Praxis igual reflexão e ação. A vida proibida de ser vivida é o que causa o sistema injusto de educação, isto é, a pessoa, não pode admirar, nem, maravilhar-se, com a vida, que é o mais precioso dom do ser humano. É a vida que o conduz à liberdade de “ser” e “estar” em permanente felicidade, dentro das mais diversas situações.144 A educação dialógica possibilita a descoberta da significação verdadeira que as pessoas não tinham do mundo, dos homens e mulheres, cultura árvore, trabalho animal, que no caso dos países onde a grande maioria é oprimida pelos sistemas de injustiça, são “coisificados” e vivem num limite restrito onde se confundem com as coisas e animais; não têm consciência de sua humanidade. É preciso humanizar pessoas que se reconhecem como “seres”, passam a ser transformadores de seu meio, com a força de seu trabalho criador (o valor de ser humano). Já não são quaisquer - coisas; ou quase – coisas. Possuí-las vem da consciência da sua opressão para a 142 Cf. FREIRE, Paulo, Revista Nova Escola. In. GADOTTI, Moacir (org) Paulo Freire – uma Biobibliografia, 1996, p. 31 143 Cf. Idem. 2001, p. 273 consciência de classes oprimidas. Aqui, nesse momento, começa a transformação de história humana por mãos humanas, no Deus que se “revela” na história145 O ser humano é um ser de liberdade, e um ser em relação. Tudo que a pessoa é, suas virtudes, condicionamentos, são características indiscutíveis do seu agir. Só é considerado um ato humano o que é fruto da liberdade, pois a ação humana não é simples reação mecânica ao conhecimento, mas é fruto de uma opção, cuja fonte é a liberdade.146 2.2. O SENTIDO DA VIDA HOJE Deus não criou um mundo já todo pronto. Se tudo já estivesse perfeito ou, simplesmente ‘feito’, poder-se-ia pensar que o ser humano não tem nada a fazer e a vida seria sem sentido. O ser humano não está na terra simplesmente para guardar uma ordem, mas para colaborar com o criador. O ser humano foi criado para criar. Os animais e as plantas foram criados para se reproduzirem ‘segundo suas espécies’, repetindo sempre o mesmo programa, enquanto todo filho de uma família humana é único, diferente dos outros. Toda criança que nasce suscita uma nova alegria.147 Deus criou o ser humano à própria imagem, porque o quis próximo de si, não somente amigo, mas filho, Deus fez os seres humanos ‘capazes de Deus’. Isto significa que o ser humano está aberto ao Infinito, ‘capaz’ de participar da vida divina. Paulo, em Atenas, citando um poeta grego, afirma: ‘Somos da raça do próprio Deus’. Somos seres feitos para Deus. João 144 Cf. FREIRE, Paulo, Pedagogia do Oprimido. 1996, p. 10-26 Cf. Idem. 1996, p. 102 146 Cf. CATÃO, Francisco. A educação no mundo pluralista. 1993, p. 32-35 147 Cf. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. Documento da CNBB n. 71. São Paulo: Paulinas. 2003, 72 145 confirma: ‘Desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos!’ (1 Jo 3,2)148 Todos os discursos de Jesus têm, como pano de fundo, três questões inquietantes para todo ser humano: Quem somos? De onde viemos? Para onde iremos? Tudo que Jesus disse refere-se à vida humana, concreta, com dificuldades, doenças, injustiças, mas falou, sobretudo, na dependência de Deus, tal como é vivida, enfim , no cotidiano, na relação com os outros, para o bem e para o mal. Sob esse aspecto o discurso de Jesus tem como base a antropologia. A característica que se verifica por trás do discurso de Jesus é a questão do sentido da vida, sua antropologia é uma antropologia aberta, leva à teologia, no sentido etimológico do termo, leva ao discurso sobre Deus.149 Jesus falou do Reino, da salvação, da grande esperança de um mundo de justiça e de amor a que somos chamados e que crescem escondidos no meio de nós, como uma semente lançada em terra boa. Porém, Jesus nos deixou livres para escolher: o que fazer aqui? Podemos abraçar sua missão, ou podemos dar-lhe as costas, mas para qualquer uma das duas escolhas, é preciso preparação, e necessário conhecermos seus caminhos. Na dimensão religiosa. Portanto, educação, vida e religião estão misturadas como a massa de um bolo. Todos sabem que contem: ovos, leite farinha, açúcar, mas depois de misturados já não sabemos quem é o que. Aqui está a tarefa do educador e da educadora: descobrir caminhos, degustar sabores, re encontrar o sentido da vida. Mas o educador religioso não pode basear seu discurso em Deus, simplesmente, ou na sua palavra, porque escapa à experiência humana. Os evangelhos nos mostram como Jesus parte sempre da experiência das mulheres e dos homens para transformá-los em pessoas livres com um desejo enorme de viver e de ser útil aos outros. É isso que dá sentido à vida. Desta forma a liberdade, da qual muitos têm medo, é um dom de Deus, que é Amor. O aprofundamento na 148 149 Cf. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. Documento da CNBB n. 71. 2003, 73 Cf. CATÃO, Francisco. Em busca do Sentido da vida. 1993, p. 6-26 experiência de Deus implica no crescimento da liberdade do homem e mulher. A corporeidade do ser humano já que somos seres terrestres e não celestes, também almejam a libertação da qual foram privados e não se justificam os medos do corpo, da sexualidade que forma prerrogativas alienadoras. É precisamente como seres corpóreos que somos chamados (as) a viver um relacionamento de comunhão com os outros seres humanos também criaturas de Deus”. Sim o ser humano é criatura, mas só ele é criado à imagem semelhança de Deus. Esta é a grandeza do ser humano. É um ser de diálogo e de responsabilidade responsável em relação à história e ao mundo criado”.150 Tudo o que somos reflete a origem trinitária e comunitária. A solidão, o isolamento, o fechamento, são o verdadeiro inferno. Nega-se assim o fundamento do nosso próprio ser. Fomos criados para a relação, para viver em comunidade. Infelizmente, a cultura, a religião, a sociedade, até o trabalho, hoje estão profundamente marcados pelo individualismo. sabemos que muitos fatores influenciam para que esse fenômeno ocorra, ou seja, temos hoje muitas pessoas com bloqueios psicológicos, conscientes ou inconscientes, depressivas, com síndrome do pânico, que não conseguem conviver socialmente, nem ao menos caminhar numa rua por mais silenciosa e calma que seja. Outro bloqueio é o social, há uma mudança da sociedade tradicional, hoje as famílias apesar de mais abertas e pluralistas, rompem seus laços com extrema facilidade.151 No âmbito religioso, as pessoas não enfrentam mais a pressão da Igreja, obrigando-as a uma decisão “de fé”. Hoje cada qual decide se crê ou não em Deus. Se freqüenta ou não um templo e qual a ideologia que quer. Também somos “livres” para escolher nossos valores e esquecemos que 150 151 Cf. RUBIO, Alfonso García. Elementos de Antropologia Teológica. 2004, p. 74 Cf. CATÃO, Francisco. Em brusca do sentido da Vida. 1993, p. 6-26 a liberdade pressupõe a escolhe entre dois bens, pois a escolha pelo mal nos leva para escravidão. Estamos assistindo a um avanço de uma nova cultura mais urbana, técnica e política, que vem desencadeando, especialmente na geração jovem, uma crise das crenças religiosas tradicionais, uma crise de “Deus”, e verificamos que essa crise é antes crise de uma certa imagem de Deus recebida ou até a de ídolos que usurparam seu nome santo e suplantaram em nossa civilização cristã, o Deus vivo e verdadeiro. Pensa-se, por isso, que a questão crucial para a teologia e para o testemunho evangelizador como Igreja não é tanto se somos crentes ou ateus, mas de que Deus somos crentes e de que Deus somos ateus.152 A fé está em choque com o mundo virtual, predomina a relação virtual, uma auto satisfação que elimina o relacionamento entre as pessoas, que se fecham cada vez mais em si mesmas. Na cultura individualista os sentimentos religiosos se identificam com uma fé midiática, sem compromisso social, sem interação, o que provoca um enfraquecimento social e pessoal. Vê-se, entretanto, que uma pessoa é mais sã quanto mais ela for capaz de relacionar-se. É aqui que se dá o sentido da vida: SER EM RELAÇÃO153 2.3. TAREFA DA TEOLOGIA DA EDUCAÇÃO A principal tarefa da teologia da educação é proporcionar às pessoas o crescimento no amor, não como um cumprimento de preceitos, mas como abertura filial a Deus, em união com Jesus e com o Espírito Santo, para exercer um serviço realmente libertador no mundo.154 Outra tarefa tão importante quanto é de ser facilitadora da percepção do Reino de Deus em uma visão escatológica do “já” e o “ainda não”. E assim apressar a vinda do Reino de Deus. Com afirma Braido, quanto mais são acentuadas a dignidade, as virtualidades e o protagonismo do menino e do jovem, tanto mais deve ser renovada a função do educador. Isso comporta o modo radicalmente novo de interpretar e de experimentar a própria idéia e o papel do 152 153 154 Cf. MUÑHOZ, Ronaldo. O Deus dos cristãos. 1986, p.28 Cf. CATÃO, Francisco. Em busca do sentido da vida p. 6-26 CF. AHUMADA, Enrique Garcia. Teologia de la educacion. 2003, p. 234 “pai”, “irmão”, “amigo”. O educador seguro e tranqüilizador, consciente do próprio dever e responsável, não é autoritário, somente autorizado, capaz de associar ao envolvimento afetivo ilimitado, incondicionada confiança e profundo respeito. Essa é a condição para um autêntico diálogo e o construtivo confronto com um jovem respeitado no seu protagonismo, nos seus direitos, incluídas a discordância e a contestação.155 É muito doloroso ao ser humano quando conscientizado, perceber-se desumanizado, ao “cair em si” perceber-se como vítima, muitas vezes, de uma sociedade de poder e opressores, educação manipuladora. O oprimido que se percebe como tal, e quer libertar-se de tal condição, individualmente, tem uma visão distorcida do que é ser livre. Não percebe que ser livre é sinônimo de tornar-se pessoa. Também esse será um opressor pois está imerso numa estrutura de opressão que não foi transformada, assim sendo o oprimido tem no opressor um exemplo a ser seguido, um testemunho de homem. Isso se repete de pai para filho, de sociedade para sociedade, etc... A libertação de opressão não se dá apenas para se “comer mais” mas para saborear a liberdade, que é a possibilidade que todo o ser humano tem, e que deve superar, na sua própria cultura e sociedade em que vive, isso sempre no sentido coletivo, de realização. “Os homens e mulheres se libertam em comunhão”.156 Paulo Freire argumenta que o processo opressor, propicia às elites viverem da “morte em vida” dos oprimidos e só em relação vertical entre elas e eles. No processo revolucionário só há um caminho para autenticidade da liderança que emerge: “morrer para reviver através dos oprimidos e com eles”. É a práxis de Jesus. A Igreja tem uma especial preocupação com a Educação, e sua missão educadora está basicamente nos Documentos Conciliares, e em muitos outros Documentos do Magistério Pontifício Universal e dos Bispos. 155 Cf. BRAIDO, Pietro. Prevenir, não reprimir. 2004, p. 361 O Cardeal Arcebispo de Milão Carlo Maria Martini diz: A intenção de fazer o homem a sua imagem e da humanidade seu povo, levou Deus a revelar-se e ainda mais, a encarnar-se em Jesus e se derramar como Espírito. A fé nesse Deus tão empenhado em fazer crescer o homem não pode deixar de contagiar os crentes da Igreja inteira e fazer nascer no coração o sentido vivo da urgência de educar pelo gosto de cooperar com Deus na sua empresa de grande beleza, como é a de fazer um homem plenamente humano.”157 Paulo Freire diz haver dois tipos de educador: - o educador bancário, aquele que só deposita; e - o educador que supera as contradições de bancário, que é o educar problematizador e se torna um companheiro dos educandos. Já não faz depósitos, nem saques, e educando com eles “sabe” com eles. Não está a serviço da desumanização e da opressão, está a serviço da libertação.158 A linguagem do educador precisa estar sintonizada, com a situação concreta dos homens e mulheres com quem fala, de outra forma a sua fala é um discurso a mais, alienado e alienante. O ser humano é histórico porque pode problematizar a vida. Ele precisa dar sentido à vida. A vida não lhe basta como um passar o tempo sem consciência. Para o ser humano, a vida é criada e re-criada. Ele assume a vida para construí-la. O ser humano reage quando a vida lhe parece ser tirada. O ser humano sabe, quando está, e em que espaço está, e está constantemente em busca de si, como um ser aberto em relação com o mundo e com os outros, e podem assim, com sua presença criadora, não somente viverem, mas, existirem. E sua existência é histórica.159 156 157 158 159 Cf. CATÃO, Francisco. A educação no mundo pluralista. 1993, p. 37-41 Cf. AHUMADA, Enrique Garcia. Teologia de la educacion. 2003, p. 299-301 Cf. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 1996, p. 58-68 Cf. CATÃO, Francisco. A educação no mundo pluralista. p. 32-41 2.4. DESAFIOS DO MEIO URBANO O esforço para discernir as exigências que derivam do “amor” em cada contexto leva as pessoas a refletirem sobre suas opções, suas escolhas, seu modo de viver, sua convicção religiosa. Pois bem, o grande desafio que os educadores enfrentam nos dias atuais é justamente a falta de sentido na vida dos jovens e adolescentes. Ser pessoa, ser cristão, amar a Deus com todo o coração e com toda a nossa força, e ao próximo como a nós mesmos, deveria ser a opção fundamental de todo ser humano, porém, o que se sente hoje é uma imensa perda de valores, de valorização, de interesses comuns, existentes entre cada indivíduo. Enquanto educadoras e educadores, se faz necessário ajudarmos nossos educandos a encontrarem urgentemente o sentido da vida, pois, é esse sentido que dá coerência entre a nossa vida e o nosso discurso. É a partir desse sentido que se dá à vida, que definimos a nossa opção fundamental e a transformamos em compromisso concreto de realização plena. Há contrastes hoje que impedem ou embaçam o discernimento. Um deles é o neoliberalismo globalizante. Ironicamente, no mercado é sadio, apenas, aqueles que consomem e produzem. Ele é o termômetro para o crescimento do país, tudo e todos dependem dele, portanto, o novo nome da dominação é exclusão.160 160 Cf. CATÃO, Francisco. A educação no mundo pluralista. 1993, p. 32-41 Nesse mundo, onde poucos detêm todo o poder aquisitivo e muitos são escravizados para manter esse tipo de sociedade, os educadores se perguntam: como dar sentido a vida? Como plantar esperança nesses corações? Como libertá-los para viverem realmente na dignidade? 2.5. DIGNIDADE HUMANA Cuidado para não sermos desumanos, quando pensamos ser cristão! Cada um (a) de nós, sem exceção é chamado (a), a crescer na sua humanização, esta é a nossa vocação fundamental, vocação de imagem de Deus. (Alfonso García Rubio) Observamos que o nosso povo cristão, católico ou evangélico é ainda fatalista passivo domesticado e com uma religião alienada, que alimenta esse infantilismo. Parece que há uma fuga da realidade. O ser humano é imagem de Deus não só porque é chamado a assumir a sua responsabilidade em face do mundo criado e em face da história. Não só pelo seu fazer e o seu criar cultura, nem tão pouco pela sua atividade, mas também pelo seu descanso, pelo seu repouso. O autor do texto de Gn 1, dá uma ênfase maior ao descanso de Deus, para mostrar que assim como Ele, nós também criados a sua imagem e semelhança devemos descansar. Esse descanso é tão importante que se tornou uma Lei do Senhor: “Lembra-te do dia do sábado para santificá-lo. Trabalharás durante seis dias, e farás toda a tua obra. O sétimo dia, porém, é o sábado de Iahweh, nem teu escravo, nem tua escrava, nem teu animal, nem o estrangeiro que está a tuas portas. Porque em seis dias Iahweh fez o céu, a terra, o mar e tudo o que eles contêm, mas repouso no sétimo dia; por isso Iahweh abençoou o dia do sábado e o santificou”. (Ex 20, 8-11). O trabalho é a dignidade do ser humano, porém o descanso é o que torna possível essa dignidade, pois todos precisam além de trabalhar, dar, receber, agradecer, celebrar, por isso Deus santificou um dia, para que, maravilhado, o ser humano pudesse louvar toda a plenitude do Amor de Deus.161 Por fazer parte do universo, a pessoa humana tem necessidade de sobreviver, de se alimentar, de se reproduzir, de se vestir, e de educar sua prole. O interessante é que a mulher e o homem constituem algo de original e único no mundo. Eles transcendem e por isso são capazes de se conhecer, de se amar, de buscar o próprio bem, de compartilhar e somar com os outros, para fazer a sociedade melhor. Sua luta pela sobrevivência, enquanto um ser inserido na História, é também uma luta pela dignidade, pelo amor, pela construção de um mundo justo e solidário. Muitas vezes, porém pode deixar-se mover por um projeto de vida pessoal e de mundo no qual prevalecem o egoísmo, a dominação e o alheamento às responsabilidades éticas do ser humano. O ser humano precisa assumir eticamente a direção de seu destino e de sua História e ser responsável por si mesmo.162 3. PISTAS PARA ELABORAÇÃO DE UM PROJETO PASTORAL Maximiliano Salinas163, chama o riso e cristianismo de chave hermenêutica dos pobres. Para Dom Bosco alegria é expressão da amorevolezza. Vejo na festa uma das pistas para a elaboração de um projeto teológico pastoral e tomo como fundamento duas festas: a celebração da Ressurreição de Jesus Cristo, elemento fundante da fé cristã; e a “Pessach: festa da liberdade”, da tradição judaica. A festa é o momento em que se aprende o amor como dádiva de Deus, que alegra, comove, encanta e faz renascer. Precisa-se descobrir um modo alegre de trabalhar nas pastorais e para isso é preciso abrir o coração e deixar o sorriso crescer em nossos lábios. Dom Bosco não chegou a escrever um tratado completo e com rigor científico sobre o seu Sistema Preventivo, porém, tem o mérito de apresentar de forma simples e sintética os elementos constitutivos desse sistema educativo que ele chamou, de preventivo, e as motivações e critérios para se avaliar sua utilidade. O sistema preventivo mostra as leis e as prescrições, mas depois os educadores estão atentos e vigilantes para que os educandos não as transgridam. A atitude dos educadores não é a de quem 161 162 Cf. RUBIO, Alfonso García. Elementos de Antropologia Teológica. 2004. p. 77 Cf. Educação, Igreja e Sociedade. Documento da CNBB. 5ª ed. 1992, n. 47, 64 vem para punir, mas a de quem está presente como pai e irmão que orientam, que aconselham, que corrigem com bondade e carinho. O sistema cria um ambiente tal que fica difícil para o educando cometer faltas. Este sistema se apóia todo sobre três bases fortíssimas: a razão, a religião, “amorevolezza”. Nada, portanto, de castigos violentos e, se possível, evitem-se também os castigos leves. Alguém poderá dizer que este sistema é difícil de se praticar. É um sistema muito fácil e gratificante para os educandos. Para os educadores apresenta algumas dificuldades que desaparecerão se eles se dedicarem com amor à sua missão. O educador é uma pessoa totalmente dedicada ao bem de seus alunos e por isso deve estar pronto a enfrentar qualquer incômodo e cansaço para atingir seu objetivo, que é a educação civil, moral e científica de seus discípulos. Amar: Amar é ir ao encontro dos jovens, pois Deus ama primeiro, está é a preventividade: sentir-se amada e amado por Deus. É a primeira e a última palavra da pedagogia de Dom Bosco, já que Deus e o seu Reino de amor estão no vértice da sua finalidade educativa. Só pode ser o amor, o supremo princípio do método, característica fundamental do seu estilo, da sua práxis. Pois, faz parte do sistema preventivo, ir a frente, tomar a iniciativa. “Procure fazer-se amar antes de fazer-se temer. A caridade e a paciência acompanham sempre você”.164 “É quando diminui este amor que as coisas já não vão bem”.165 “A prática deste sistema apóia-se inteiramente nas palavras de São Paulo: charitas benigna est, patiens est; omnia suffert, omnia sperat, omnia sustinet. A caridade é benigna e paciente; tudo sofre, tudo espera, tudo suporta. Por isso, somente o cristão pode aplicar com sucesso o sistema preventivo. Razão e religião são os instrumentos de que o educador deve constantemente fazer uso, que deve ensinar e praticar ele mesmo, se quiser ser obedecido e obter o seu fim”.166 163 Salinas C. Maximiliano, texto da CEHILA, Chile. Riso e cristianismo: uma chave hermenêutica dos pobres 1993, p. 172-173 164 G. BOSCO, Ricordi confidenziali ai direttori, cit., p. 283 165 G. BOSCO, Lettera da Roma del 10 maggio 1884 in Scritti, cit, p. 323 166 B. BOSCO, II sistema preventivo nella educazione della gioventù, in Scritti, cit, p. 294 Exclamava Margarida, mãe de Dom Bosco: “... são tão jovens! Nem são capazes de refletir”. Vamos tratá-los com caridade. A caridade triunfa” (MB 3, 369). Foi esse o clima da vida de Dom Bosco. O hino da caridade de São Paulo, cantou-o com a própria existência. Toda a espiritualidade e o complexo problema educativo se resumem nesse canto vital. Somente percorrendo a estrada do amor é possível ser cada vez mais humano. Metodologia do Amor Educativo: “Amorevolezza” O amor que traz a alegria de viver. Vimos que a amorevolezza é a marca do Sistema Preventivo de Dom Bosco. Não há um termo correspondente em língua portuguesa que traduza adequadamente o sentido amplo que ela tem para Dom Bosco. Seria como querer traduzir saudade noutra língua! Termos afins como cordialidade, amabilidade, carinho, amor...não esgotam suficientemente o significado da palavra amorevolezza para Dom Bosco, por isso, a usamos no seu original italiano. Os elementos, Razão Religião e Afeição demonstrada interagem sempre, tanto em nível de conteúdos, como de metodologia. O elemento unificante, o cimento de tudo é o amor educativo, uma expressão da caridade pastoral que se traduz em amorevolezza. Trataremos de seu significado na prática educativa. A amorevolezza vem de encontro a anseios profundo dos jovens. É também reafirmada pelas mais recentes conquistas das ciências da educação e da psicologia que, ao mesmo tempo. lhe oferecem nova compreensão e novas perspectivas: Oportunidade de resposta às aspirações dos jovens; Diálogo como categoria de Prevenção; Os jovens como protagonistas, agentes para um mundo novo possível. A sociedade atual apresenta-se contraditória. Proclama determinados valores mas a prática apresenta outra face: • afirma a subjetividade, o valor das pessoas, mas estas se vêem cada vez afogadas no anonimato e massificação da sociedade moderna. • Valoriza a corporeidade, o corpo e o sentimento, mas os corpos trazem as marcas da exploração e da tensão. Os sentimentos ficam embrutecidos diante das diversas formas de competição, de violência, de discriminação. • Proclama a liberdade, a individualidade e a autonomia, mas as pessoas são manipuladas em função do consumo, das ideologias, da moda, da passividade e acomodação. • Exalta a comunicação, mas predominam as relações superficiais, puramente funcionais e instrumentais que fazem com que as pessoas sintam na solidão no meio da multidão. Os jovens que aspiram com grande intensidade viver tais valores são, também, os que mais agudamente sentem a frustração e o desencanto. • A prática da amorevolezza vem de encontro às necessidades dos jovens como oferta de acolhida e atenção pessoal, como oportunidade de afirmação de sua liberdade e criatividade, valorizando seu jeito jovem de ser, de se expressar, resgatando a alegria de viver intensamente; como experiência de comunicação mais profunda, seja pela atitude de empatia, de escuta, de amor desinteressado por parte do educador, seja pelas oportunidades de encontro e experiências de grupo que oferece. Os jovens rejeitam atitudes e comportamentos estereotipados e puramente funcionais, e respeitam a autenticidade de uma relação amiga. Realização total da pessoa humana: salvação. Toda pessoa elabora para si uma noção de salvação, que reflete a compreensão que tem de si próprio, do mundo e de Deus, e do que significa para ela felicidade e plenitude. O cristianismo quer ser um caminho que leva à realização total da pessoa humana, oferecendo a seus seguidores a salvação. A noção de salvação é, portanto, central, no cristianismo, mas se apresenta historicamente numa multiplicidade muito grande de expressões, e sua compreensão se atualiza sempre nos diversos contextos sociais e culturais. A idéia de salvação em Dom Bosco condicionava a sua prática educativa. A consciência que temos hoje é diferente em relação aos tempos de Dom Bosco. • Pluralismo religioso e salvação Muitos católicos já não consideram a Igreja como fundamento de sua fé, nem aderem sem reservas à sua pregação. Os jovens especialmente, manifestam bastante ojeriza pela “instituição”. O mesmo pluralismo observa-se no campo ético, pois os valores morais tornam-se uma questão de escolha pessoal. A própria reflexão teológica não defende mais que “que fora da Igreja não há salvação”. O Concilio Vaticano II afirma que “Deus salva todos os que o busca com um coração sincero e conformam sua conduta com os ditames de sua consciência” (LG 16). E hoje, especialmente, procura-se reconhecer as “sementes do verbo” presentes nas diversas culturas... A partir desse quadro de compreensão, novos desafios se apresentam para a educação: • oferecer uma proposta que seja significativa e que leve o jovem a aderir livremente e com convicção à fé; numa situação de concorrência, somente uma proposta de qualidade conseguirá sucesso. • A fé deverá basear-se numa experiência pessoal de Deus, uma vez que não é mais respaldada pela sociedade. Por isso, é necessário valorizar as experiências salvíficas e suas expressões, mais do que a doutrina; e transmitir a fé aos jovens progressivamente, dentro de suas experiências humanas, e permitindo-lhes assimilar os dado da fé na medida em que respondem e trazem sentido às mesmas. Muito contribuirão para isso o testemunho de fé de educadores significativos, e os suporte de grupos de vivência. • A convivência com pessoas de outras crenças e religiões exige o espírito auto crítico e uma fundamentação maior da própria fé. Por outro lado, estimula um sadio ecumenismo, baseado no respeito e diálogo diante das diferenças, na aceitação do outro, na colaboração em torno das causas que dizem respeito ao bem comum, ao projeto do Reino de Deus. O modelo educativo de Dom Bosco tinha sua inspiração no modelo divino: a relação de Deus com seu Filho Jesus Cristo, com as criaturas e, em particular, com a pessoa humana, chamada à filiação de Deus. O educador é um instrumento nas mãos de Deus e deve ser sinal do amor de Deus pelos jovens. Com efeito, a amabilidade do educador se inspira na caridade que se enraíza em Deus e tem seu modelo na atitude de Cristo. Manifesta-se num amor que não é só de simpatia, mas de percepção do valor do jovem aos olhos de Deus. A razão está cheia de motivos religiosos. É assim que fala do sentido religioso do dever. A boa educação sempre era motivada como maneira de praticar a caridade. Religião e Sistema Preventivo Hoje167 Uma nova compreensão da religião possibilita uma nova compreensão da tarefa educativa. Para isto, é necessário perceber as diferenças e as ligações que existem entre religiosidade e religião, socialização e educação à fé. • Com sua intuição dom Bosco conseguia desenvolver um processo educativo para o amadurecimento dos jovens. Princípios que correspondem às dimensões de amadurecimento da pessoa, já vistos. • aceitar o jovem como ele é: encontrar o jovem na vitalidade natural de seu desenvolvimento. Oferecer-lhe oportunidade de expressar-se em todo seu dinamismo e criatividade. Não tolher a iniciativa do jovem, não cortar sua expansividade. Mas também, positivamente, procurar criar oportunidades de participação, de expressão através de múltiplas atividades: música, teatro, passeios, esportes, festas. • Para isto contribuía a criação de um ambiente racional. A racionalidade do ambiente se manifesta na sua simplicidade. As normas regulamentares reduzidas ao mínimo. Nada de complicações, burocracia, formalismo. Muita espontaneidade, alegria diálogo cordial 167 SCARAMUSSA, Tarcísio. Sistema Preventivo de Dom Bosco. Belo Horizonte: CESAP (Centro Salesiano de Apoio Pastoral). 1993 – 1ª Parte, Capitulo IV – 2ª Seção. entre todos, sem distância e etiquetas. Em síntese, num ambiente de vida familiar, onde todos se sintam à vontade, em casa. • Crença na capacidade do jovem: o jovem tem “razão”. “Em todo jovem, mesmo no mais rebelde, há sempre um ponto acessível ao bem e a primeira obrigação do educador é buscar este ponto, esta corda sensível do coração e tirar bom proveito” (dom Bosco). • jovem tem capacidade de compreensão e de decisão. Para isso era ajudado a compreender a razão de ser das coisas e a assumir a tarefa de sua educação. Todo ambiente educativo devia respirar uma atmosfera de empenho construtivo: mais importante que fazer as coisas porque devem ser feitas, ou porque se deve obedecer a um regulamento, mais importante é fazer por convicção, assumindo com responsabilidade as exigências para o crescimento pessoal e para a convivência no grupo. • Mas para conseguir esse ideal, não basta dar alguns avisos ou normas. Essas devem ser razoáveis ... mas é necessário, especialmente, a persuasão. A racionalidade deve ser partilhada pelo educando, até tornar-se consciência de uma efetiva responsabilidade pessoal, assumida com liberdade. • Jovem é, portanto, protagonista de sua formação, no sentido de que deve ser agente e sujeito de seu próprio crescimento e do grupo, e no sentido de que deve ser ouvido, ter voz e vez, e ser tratado de fato como sujeito. • Conquistar o coração: razão e paixão? O povo costuma falar; “O coração tem motivos que a razão desconhece”. Seria um contra-senso falar em coração aqui onde se fala de Razão? Dom Bosco fala do coração não apenas como órgão do amor, mas como parte central do nosso ser. O coração quer, o coração deseja, compreende e entende, ouve o que se lhe diz, se enche de amor, reflete, pensa, move-se. • Por isso, “o educador deve conquistar o coração dos educandos”. Duas coisas são então importantes: um amor equilibrado, aberto, racional: “deixai-vos guiar sempre pela razão, e não pela paixão. Um amor que se guia pela clareza das idéias e da verdade: não se impõe pela força, pelo autoritarismo, outra forma de paixão. Em síntese, formar um só coração. Isso é racional. Uma citação indicativa do próprio dom Bosco: “não quero que me considerem como superior, mas como amigo. Por isso, não tenham temor algum, nenhum medo de mim, mas muita confiança; é o que desejo, que peço, o que espero de verdadeiros amigos. Eu lhes digo sinceramente: aborreço os castigos. Não gosto de dar aviso ameaçando punir a quem erra – não é o meu sistema. Também, quando alguém erra, se posso corrigi-lo com uma palavra acertada... e se reconheceu o erro e mudou, não exijo nada além. Se porém devesse castigar a um de vocês, pior castigo seria para mim, pois eu sofreria demais. Não que eu seja tolerante, especialmente se se tratasse de quem desse escândalo aos companheiros... Há porém um meio de prevenir todo desgosto meu e de vocês: FORMEMOS UM SÓ CORAÇÃO. Estou pronto para ajudá-los em toda circunstância. Tenham boa vontade. Sejam francos, sejam sinceros como sou com vocês” (MB 7, 503). A situação dos jovens, na alienação, na fuga, ou na acomodação diante das forças interiores que suprimem a possibilidade de perceber a própria responsabilidade e a própria culpa. Ao mesmo tempo, percebe-se uma crescente aspiração por uma “libertação”, uma necessidade de liberdade muito indefinida ainda, que os jovens não conseguem traduzir operacionalmente, também porque ficam desnorteados pela exploração propagandística que a sociedade capitalista faz desta aspiração. E ainda porque os adultos não os convencem da liberdade através de seus atos. A educação libertadora, ou “educação como prática da liberdade” é hoje a única que serve à causa da libertação necessária para a realidade dos países do “Terceiro Mundo”. A educação libertadora “torna o educando SUJEITO de seu próprio desenvolvimento” (Puebla). • • Festa e alegria: retorno ao sagrado e reencantamento pelo outro “Se você quiser tornar-se bom, pratique somente três coisas e tudo correrá bem. [...]. São elas: Alegria, Estudo, Piedade. É este o grande programa; se o praticares, poderás viver feliz e fazer muito bem à tua alma”. (São João Bosco). A sociedade atual, industrializada e com um grande desenvolvimento econômico mediante o aumento de novas tecnologias, se vê obrigada à exigência de reduções do horário de trabalho e, ao mesmo tempo, turnos de trabalhos em dias festivos. É dentro deste contexto que se coloca o problema do “trabalho festivo”. Impõe-se dessa forma uma reflexão sobre o verdadeiro significado do trabalho e da festa, em vista da salvação da dignidade da pessoa humana. Deus criou o homem e a mulher para a festa, para “celebrar”, o amor, o nascimento, o crescimento, a vida e a morte. Na festa, o homem e a mulher encontram-se com a sua dimensão existencial, no entusiasmo e na vitalidade, voltam às raízes profundas do “ser”, esperança e felicidade. Na festa eles relaxam, conscientizam-se, elevam-se ao criador. Fazer festa é algo próprio e interior à natureza humana. Não é algo extrínseco e sim uma forma de exprimir simbolicamente a própria alegria. O ser humano para preservar a esperança e poder modificar o presente, não pode abster-se de sonhar, dançar, fazer a festa. É a fantasia e o mito que os colocam em integração total do “ser”. Sem os ritos, os cantos e a criatividade, o espírito humano torna-se árido, perde a leveza e fica inquieto. 168 O ser humano tem uma ação transformadora quando acredita que a sua única segurança está em Deus que nunca o jogará fora, pois ele não é bem de consumo. Na sociedade atual, onde a diluição dos valores religiosos e das grandes festas, mostra declínio de algo importante: a afirmação da gratuidade, da fantasia e da liberdade, enfim, do dia do homem e da mulher, é o descanso, é a festa do trabalho. Celebrar a festa é muito mais do que fazer a festa. Celebrar é realizar um rito, fazer liturgia segundo a tradição antiga, significa entrar em comunhão com Deus. Não se fazia festa sem culto. A festa era inconcebível sem a divindade. A festa nascia do culto. Esse é um dado constante na história das religiões. A festa tem a função de guardar as raízes da história da salvação, “fazer memória”, e lembrar que, se os homens e as mulheres inventaram as coisas, foi Deus que os inventou, e que uma nova civilização não emerge do caos, a não ser pela repetição do ato criador. “E Deus viu que havia feito, e tudo era muito bom”. (Gn 1, 1-2; 4ª)169 A festa, nesse sentido, é sinal eficaz do sagrado - os sacramentos - que gera a alegria, não uma alegria fácil mas uma alegria real. Não se trata do gozo superficial da inconsciência, nem se trata da resignação, mas da alegria que nasce da convicção de que o sofrimento e os maus-tratos injustos serão vencidos. Trata-se de libertar esse corpo das forças de morte, isso implica: caminhar sob o domínio do Espírito, que é vida. Aqui Paulo Apóstolo é um guia insubstituível. Trata-se de uma alegria pascal que corresponde a um tempo de martírio.170 O 168 169 Cf. HUIZINGA, Johan, Homo Ludens. O jogo como elemento de cultura. 2001 p. 1 Grifo nosso 170 Cf. GUTIÉRREZ, Gustavo. Beber em seu próprio poço. 2000, p. 140 mundo assim sendo renasce da festa. No contexto da Revelação, a festa é o memorial da intervenção salvífica histórica de Deus, que liberta o ser humano de suas escravidões e faz alianças.171 Cada obra criadora é impulsionada pelo Espírito de Jesus. A festa é fruto de um dom, e depende da iniciativa de Deus. No Novo Testamento, Cristo, a Aliança definitiva, coloca eternamente “o dia que o Senhor fez.” Celebrar a festa significa reunir-se; estar juntos. “O mais profundo é estar contente com outras pessoas, consigo mesmo, com Deus (ou como seja denominada a experiência transcendente). Isso pode ser chamado o ‘o bom humor do corpo e do coração.”172 “Mesmo não carecendo de entretenimentos o mundo de hoje é esquálido o bom humor. Rodeia-nos muito “felicismo” oco e superficial. A grande civilização planetária tem um sorriso falso, dentro dela se sente o vazio e a insatisfação; é uma civilização sustentada em colonialismos de ontem e em injustiças de hoje. Sua contrapartida e a felicidade interior e coletiva, gerada cotidianamente. É a espiritualidade da vida. Ela é que suscita o riso genuíno”.173 “A boa fé em Deus nasce da alegria e nos conduz a ela. Com ela transitamos por uma época problemática e a transformamos!” Diego Irarrazaval, questiona-se: “Como Jesus foi jovial e como podemos sê-lo hoje? Tendo como base os relatos bíblicos, e no sentido de fé que seu Espírito nos dá, buscamos respostas, e gozamos mais a presença do Senhor.” E pergunta-se: com que alegria encarar as tristezas e violências que nos envolvem? A Bíblia nos conduz ao livro da criação e da vida atual, faz-nos encarar as responsabilidades de hoje com simpatia e entusiasmo.”174 A primeira a celebrar a festa foi Maria, celebrar a festa da alegria, engrandecendo a obra de Deus nela realizada (Lc 1, 46-49). João Batista celebra a festa “saltando de alegria” diante da presença do Cristo. (Lc 1, 41-44) A mulher encurvada, curada no dia de sábado, glorifica o Senhor. (Lc 13, 12-13) A cura dos dez leprosos, deveria iniciar uma festa, mas somente um soube celebrar. (Lc 17, 15-16) Zaqueu abre seu coração em festa. “Hoje a Salvação entrou nesta casa” (Lc 19, 9-10) A festa da volta do Filho Pródigo foi celebrada pelos que participavam do amor misericordioso e da alegria do Pai. (Lc 15, 25-32) Quem quer celebrar a festa deve se reconciliar com Deus (2 Cor 5, 19). Nesse momento, homens e mulheres recuperam a sua verdade. Cristo é a revelação de Deus, mas também é a revelação do homem e da mulher.175 A festa se conclui na vida e não só no rito. A vida torna-se festa, é a própria vida que faz culto a Deus. Fazer festa é coisa dos sonhadores. Celebrar, porque somos herdeiros (as) do Reino de Deus, em Jesus Cristo. Quem celebra a festa, faz a memória da alegria e é sempre lembrado (a). A Igreja tem algo muito importante: é a capacidade de gerar esperança, que influi hoje na memória da festa. É a festa da Encarnação e a festa da Ressurreição de Jesus Cristo, que carrega consigo o Mistério da Cruz, “centro da festa”. Celebra a morte de Jesus e celebra a vitória sobre a morte; celebra a vida e o mistério da comunhão: sentido total da vida. 171 Cf. BERGAMINI, Augusto. Cristo Festa da Igreja. 1994, p. 110 Cf. IRARRAZAVAL, Diego. Um Jesus Jovial. 2003, p. 319 173 Cf. Idem. 2003, p. 320 174 Cf. Idem. 2003, p. 13 175 Cf. Constituição Pastoral Gaudium et Spes. Compêndio do Vaticano II. 7ª ed. São Paulo: Vozes. 1968, 22 172 “A Ressurreição, a rigor foi a desmontagem da morte pela imagem da vida.”176 Essa imagem de esperança colocada dentro dos cristãos pela vitória da vida sobre a morte, se contrapõe às estruturas de morte vigentes, os impele e lhes dá coragem em todas as épocas, de partilhar, servir e dar a vida.177 E concluo, fazendo minhas as palavras de Leonardo Boff: “Não pode haver tristeza quando nasce a vida.” 178 CONCLUSÃO Existe somente uma possibilidade de fundamentar uma educação humanista e libertadora, a qual considera o educando como sujeito do seu próprio desenvolvimento é fundá-la no próprio ser humano. O ser humano caracteriza-se pela liberdade e pela comunhão. É o único ser, no mundo capaz de agir por si mesmo, dotado de liberdade, e que encontra, na comunhão com os seus semelhantes, o caminho para a plena realização. O conhecimento que temos do mundo está baseado na nossa experiência, desde que se considere o conhecer como vivência, e que se considere que 176 Grifo nosso conhecer nos leva a entender o ato humano como tal, isto é, o agir humano. Então podemos dizer como os antigos: “o agir é espelho do ser”. É por intermédio do agir, que os seres manifestam o que são. A característica indiscutível do agir humano é a liberdade. O que caracteriza a ação humana é a opção ou a escolha, então podemos afirmar que o livre arbítrio ou a liberdade de escolha é a forma sob a qual se manifesta a liberdade, mas o que lhe está na raiz é algo muito mais profundo: a liberdade, característica imanente ao agir humano. É a maneira única e original pela qual o ato humano depende do homem ou da mulher, que o pratica. A educação da liberdade valoriza a subjetividade aberta à transcendência, diferentemente da educação liberal, e visa à realidade do ato voluntário livre, aqui e agora, diferentemente da educação libertadora, pois considera primordialmente a raiz da liberdade, o seu foco, o que é a liberdade na ação, que dignifica o ser humano.179 A abertura da liberdade, é, basicamente, uma abertura ao outro, desejado e amado (eros), por cuja comunhão (agape, amizade) se aspira. É uma primeira expressão da transcendência, para a qual está aberta a liberdade do ser humano. A vida humana seria decepcionante e incompleta, justificando toda espécie de autoafirmação violenta ou de fuga, se não houvesse um Outro, capaz de preencher a infinidade do amor humano (eros, agape). 177 178 179 Cf. BERGAMINI, Augusto. Cristo, festa da Igreja. 1994. p.128-138 Cf. BOFF, Leonardo. Encarnação. A humanidade e a jovialidade de Nosso Senhor. Cf. CATÃO, Francisco. A educação no mundo pluralismo. 1993. p. 32-45 É assim que a educação para a transcendência se articula com a liberdade e com a comunhão e faz parte integrante da educação da liberdade. Portanto, considerar o educando como sujeito do seu próprio desenvolvimento, é entender a educação como educação da liberdade, na solidariedade, em vista da comunhão, isto é, na sociedade aberta à transcendência, que dá sentido definitivo ao homem, à mulher, à vida e ao universo. CONCLUSÃO Um legado, uma homenagem aos educadores! A Esperança não pode morrer. Como dizia Freud: “quanto menos um homem conhecer a respeito do passado e do presente mais inseguro terá de mostrar-se seu juízo sobre o futuro... As pessoas experimentam seu presente de forma ingênua, sem serem capazes de fazer uma estimativa sobre seu conteúdo têm que colocar certa distância dele: isto é, presente tem que se torna passado para que possa produzir pontes de observação a partir dos quais eles julguem o futuro”180 A Esperança – repita-se - não pode morrer. Como vimos, é a partir da experiência do Deus do povo e do povo de Deus que nasce no ser humano a consciência de sua missão, fazendo-o começar a gritar e denunciar. Essa é a pedagogia do profeta, que como apelo à conversão passa por três caminhos: justiça, solidariedade e mística. O ápice da pedagogia educacional é encontrado em Jesus. A espiritualidade do seu seguimento é chamada de Discipulado, pois é ao mesmo tempo, conteúdo e método da verdadeira Educação Libertadora. Paulo foi talvez o seguidor de Jesus que melhor intuiu seus ensinamentos de liberdade. A teologia paulina é uma reflexão sobre a missão e práxis de Jesus, como motivo de fé e fundamento da nova práxis cristã. Para Paulo, a liberdade de Jesus Cristo é uma vocação dinâmica, porque é uma tarefa a ser cumprida. A força dos ensinamentos de Jesus e dos educadores citados neste trabalho não está nas suas teorias, mas, sim, em terem insistido na idéia de que é possível um mundo novo pela educação libertadora, que põe no centro dessa reflexão a dignidade da pessoa e o sentido que ela dá à sua vida. Eles não só convenceram e estimularam tantas pessoas, em tantas partes do mundo, por suas teorias e práticas, mas, também, por despertar nelas a capacidade de sonhar com uma realidade mais humana, muito mais bonita e justa. Eles foram guardiães da utopia. Deixaram-na como legado. E isso serve tanto para os países pobres quanto para os ricos. Pois, esse legado é, acima de tudo, um legado de esperança. Na experiência histórica o ser humano percorre o seu processo de aprendizagem (que é singular) na transmissão e planejamento de uma cultura. Não sendo o ser humano apenas movido por seu passado, ele impõe ao presente os seus desejos e anseios. Assim sendo, é agente de transformações, é formando e formador, é educador e educando. Cuida de novas tradições, é responsável pelo seu tempo e atuante, é “presença no mundo”, responsável também pelo que virá. A História da Salvação pode ser apreendida como processo educativo, pelo qual Deus prepara os homens e mulheres para a libertação, para viver em comunhão e fraternidade. Observando pedagogicamente a ação de Deus na vida do seu povo percebemos o crescimento desse povo em auto-consciência. Deus vai se revelando ao povo que O experimenta, como Aquele que ouve o clamor do oprimido e que está ao seu lado. A Sagrada Escritura, no livro do Deuteronômio, traz uma releitura do Êxodo no seu núcleo principal (Dt, 12 a 26), onde coloca que esse evento é a libertação de um povo que pode “sonhar novamente”. E, assim sendo, concretizar seu desejo de uma sociedade igualitária e solidária. É um conjunto de leis que não têm um caráter jurídico e sim indicações para que todas (os) possam ter acesso à liberdade e à vida. O fundamento dessa lei é “vida”. O decálogo (cf. Dt 5, 1- 22) é a expressão da “aliança”, da “Vida” na prática dos que vivem o Projeto do Reino como sendo o seu projeto. No decorrer do livro do Deuteronômio: “são estes os estatutos e normas que vocês colocarão em prática na terra cuja posse Javé, o Deus dos teus antepassados dará a vocês durante todos os dias em que vocês viverem sobre a terra” (Dt 12,1). A saída da escravidão que gera desigualdade é relembrada nessa memória, o povo revê a sua vida e projeta a sua história, 180 Cf. FREUD, Sigmund. Obras completas de Sigmund Freud. O Futuro de uma ilusão. 1927 p. 15 transformando-se em protagonista da mesma, quando faz aliança com Deus. No livro do Deuteronômio encontra-se constantemente um alerta, uma instrução: “Preste Atenção em si mesmo... Cuidem de colocar em prática tudo o que ordeno a vocês” (Dt 12, 13ss) A História da Educação nos ajudou responder a pergunta de como era a educação antes da escola e sua continuidade na educação oriental, dando ênfase à educação judaica. Refletimos sobre os principais aspectos da educação grega e da educação romana remontando às origens da cultura ocidental em que se assenta toda a nossa tradição educacional. A proposta deste trabalho é de uma reflexão sobre os aspectos teológicos da educação. E, por este motivo, não basta uma reflexão puramente racional filosófica, pois a Teologia pressupõe a fé e esse pressuposto transforma o todo. Assim sendo, para os cristãos o conceito de educação não é incumbência só da Filosofia, mas, também, da Teologia. A educação é vista como um processo de amadurecimento da pessoa como tal e sua abertura para a transcendência. Portanto deve ser orientada para a salvação integral e para a santidade da pessoa. Procuramos observar em documentos eclesiais a grande preocupação da Igreja com a Educação. De acordo com a Lumen Gentium 17, a Igreja atrai os homens e as mulheres para Cristo, que os liberta, e os encaminha assim à perfeição e a felicidade. Muitos outros pensadores influenciaram o pensamento no que concerne à educação, e hoje é preciso assumir uma postura histórica para podermos entender os problemas educacionais. Não basta, entretanto, conhecer os fatos e idéias relacionadas com a educação em cada época histórica. É necessário, além disso, investigar os aspectos sociais, econômicos e políticos de cada país em cujo seio se desenvolve o fenômeno educativo que se quer compreender. É a doutrina socrática que identifica o sábio e o homem virtuoso. A educação tem como finalidade ajudar o ser humano a alcançar sua plenitude e sua realização, a atualizar as forças que tem em potencial. Para Aristóteles, o que distingue o homem do animal é a capacidade de pensar. Platão defini assim “a verdadeira educação ou paidéia e a educação na Aretê, que enche o homem de desejo e da ânsia de se tornar um cidadão perfeito e o ensina a mandar e a obedecer sobre o fundamento da justiça ou ainda a formação que desde a infância inspira o desejo apaixonado de se tornar um cidadão completo e realizado”. A necessidade de pensar a vida, de refletir sobre seus fatos de uma maneira inteligente, pedagógica, educativa, faz com que o mundo renovado não tenha somente aparência de “novo”, mas, que realmente seja “novo” a partir de uma nova atitude que venha do interior de cada uma, de cada um, e de toda uma sociedade que tem o direito e o dever de “pensar”, “sonhar” e “esperar” um “novo dia”! É difícil mudar a cabeça de um povo escravizado, oprimido e de pessoas que não têm consciência da escravidão. O objetivo da (o) educadora (r) é atrair para a libertação da liberdade usando recursos que lhe são possíveis dentro de seu contexto histórico. Assim, fez Paulo, o Apóstolo – como ele mesmo diz - usou o recurso da Cruz do Cristo para reler toda a história do povo escolhido, que passa para a universalidade de que todas (os) são escolhidos em Cristo Crucificado e Ressuscitado para viverem a passagem da escravidão para a libertação. A necessidade que se tem hoje na educação, na religiosidade que liberta, é contemplada pela Teologia da Educação no que tange não somente a uma denominação religiosa, mas, principalmente, ao fenômeno religioso. Tanto nas religiões reveladas – Judaísmo, Cristianismo e Islamismo – como nas religiões animistas (que partem de uma experiência humana de transcendência) existe um conhecimento religioso que já é um componente comum do ser humano que precisa ser educado. As relações comunitárias ou relações humanas estão na gênese de uma tendência à eclesialidade do ser humano no seu procedimento ético, que dará sentido à vida humana e tem seu início no relacionamento consigo mesmo, com a outra (o) e com Deus. Estabelece-se, dessa forma, um processo dialógico filial, confiante, participativo na vida da Trindade Santa e nos desígnios dela sobre o mundo.181 Dom Bosco e seu sistema preventivo de Educação mereceram um capítulo inteiro. Pois, foi através dele, que a paixão pela educação criou raízes, cresceu e floresceu em meu ser. A sua alegria de ensinar e toda sua vida voltada para o engrandecimento da dignidade do ser humano tornou-o muito mais que santo; mas, alguém que soube viver a prática de Jesus, e à sua luz, reconhecer cada ovelha de seu rebanho e ir a seu encontro onde quer que estivesse, com quem estivesse e de qualquer maneira que estivesse. Para Dom Bosco a alegria é o elemento constitutivo do “sistema”, inseparável da piedade, do estudo e do trabalho. A alegria é expressão da “amorevolezza”. Efetivamente, na sua prática e na correlativa reflexão pedagógica, a alegria assume um significado religioso. A mistura equilibrada de sagrado e profano, de graça e natureza, na alegria francamente humana do jovem, feliz no estado de graça, revela-se em todas as expressões da vida cotidiana, tanto no cumprimento do dever quanto na recreação e, atinge particular intensidade, nas muitas festividades religiosas e profanas. De acordo com o que diz um dos biógrafos de Dom Bosco, Giovanni Battista Lemoyne, “a vida de Dom Bosco é uma trama de sonhos tão maravilhosos, que não se compreende sem a assistência divina direta”. Com Dom Bosco e Paulo Freire observa-se que transformar o mundo é humanizá-lo. No entanto, para transformar é preciso conhecê-lo. É necessário que educando e educador façam, juntos, uma leitura do mundo. Conhecer o mundo e sentir o seu gosto, que se experimenta não apenas pelo paladar, mas, também, pela pesquisa e pela ação “eu sei o que sei e o que não sei”. O trabalho transformador quem realiza é o docente junto ao seu 181 Como afirma o educador contemporâneo Paulo Freire, encontramos pontos em comum com os demais educadores quanto a ética, o relacionamento humano, quando nos coloca o amor na educação que é transformador. Amar é provocar a pessoa do educando, quando o professor é apaixonado e amoroso, ele tem uma coragem movida pelo coração e uma prudência guiada pela ética. educando. Percebe-se, nesse momento, a necessidade de uma formação continuada, não já pronta e acabada. Educar e aprender é uma proposta do próprio Deus que não obriga, mas faz aliança. A experiência de Deus, por meio do conhecimento da educação mais aprofundada, calcada muitas vezes em limitações e dificuldades, faz procurar com mais objetividade a felicidade, que se encontra na liberdade de poder escolher. Na raiz dessa responsabilidade está a liberdade do ser humano não tanto de escolher entre fazer isso ou aquilo, mas, principalmente, de poder agir conforme sua consciência, valores e objetivos, numa ação de realização plena. A educação está a serviço da liberdade, e é libertadora no sentido de considerar o educando como sujeito do seu próprio desenvolvimento (Medellin) em comunidade (Puebla), mas também visa à plena liberdade do educando como pessoa. Educar para ser livre, opção fundamental, opção feita de acordo consigo mesmo, somente assim o ser humano assemelha-se a Deus. Ter a liberdade como mola propulsora da vida, a mais profunda aspiração da alma humana. O direito de ter livre escolha, de ir e vir, consagrado como direito básico da pessoa humana. Hoje, o conceito de dignidade do ser humano procura privilegiar os valores das relações sócio-afetivas, ao contrário do passado que valorizava a herança de bens e patrimônio. Hoje, o que se prioriza no direito familiar é o bem estar, principalmente dos filhos, porém a releitura do mundo em que se vive é uma necessidade para não se cair na ingenuidade de tudo aceitar. Ela não é obrigatória, mas é um processo pedagógico para ser assimilado no coração e na constante busca de ser protagonista numa sociedade justa, igualitária e fraterna. Porém esse projeto é percebido pelos que sabem ler à luz da experiência que se tem com o amadurecimento dos que querem saborear o amor. Tendo em Deus: o princípio, o principal agente e o fim da educação. Os principais agentes da educação são Deus e o educando (cf. 1 Cor 3, 6- 15; Fl 2, 13). O protagonismo do educando não é concessão, é exigência do próprio Deus criador de pessoas livres. A educação, enquanto ação de realização do ser é colaboração com o próprio Deus. “Deus é o grande educador, o maior protagonista. Também a Igreja deve considera-se a si mesma como realidade a serviço de Deus. Mas, a primeira maneira de viver esse serviço é testemunhar que ela mesma se deseja educar, que é dócil, atenta e obediente a Deus. Como Maria com a mesma humildade, segurança e paz interior”.182 O dever da educadora (or) cristã (o) de ser testemunha de Deus é mais que dar bom exemplo. É exigência ética, condição natural de quem quer ensinar aos outros. Ser testemunho segundo a proposta do Novo Testamento é uma relação de ordem moral, com a pessoa de Jesus Cristo. Dar testemunho cristão merece uma reflexão teológica. Como diz maravilhosamente o teólogo brasileiro: “Os educadores cristãos são sacramentos de salvação em e através da educação. Nunca é demais insistir na necessidade do testemunho cotidiano dos educadores, sobretudo os leigos, devem saber proclamar no seu estado de vida e nas suas profissões e trabalho: este é o aspecto cristão fundamental. A contribuição original dos cristãos educadores, na missão da Igreja é evangelizar 182 enquanto educadores”.183 MARTINI, C. M. Dio educa il suo papel. Programa par tarale diocesano per il biennio 1987, p.89. In AHUMADA. Teologia de La Education. 2003, p. 114 183 SANDRINI, M. A vocação – missão do educador cristão, en Col. Estudos da CNBB. Educação: exigências cristãs. 1992. p.140ss O Sistema Preventivo de Dom Bosco não é apenas uma teoria. É um modo de vida, que passa pelo coração do educando e do educador. É, na realidade, um jeito de viver.184 Para Dom Bosco a alegria coincide com a santidade. Dom Bosco soube ver a função da alegria na formação e na vida de santidade e quis que reinasse entre seus jovens a alegria e o bom humor: Servite Domino in Laeticia podia ser chamado o décimo primeiro mandamento da casa de Dom Bosco. O contato fraterno e paterno do educador com os seus alunos não teria valor nem efeito sem a eficácia da vida alegre, da alegria sobre o espírito do jovem, que por ela se abre à influência do bem. A alegria, antes de ser expediente metodológico, um meio para fazer aceitar o que é “sério” em educação, é para Dom Bosco forma de vida, que ele deriva de uma instintiva avaliação psicológica do jovem e do espírito de família. Em um tempo geralmente austero na própria educação familiar, Dom Bosco, mais do que qualquer outro, entende que o menino é menino e permite, antes, quer que ele o seja; sabe que a sua exigência mais profunda é a alegria, a liberdade, o jogo, “a sociedade da alegria”. Além disso, homem de fé e padre, ele está convencido de que o Cristianismo é a mais segura e duradoura fonte de felicidade, porque é alegre anúncio, “Evangelho”: da religião do amor, da salvação, da graça, não pode jorrar senão a alegria, o otimismo. Entre jovens e vida cristã existe, portanto, uma singular afinidade, quase um apelo recíproco. O jovem que se sente na graça de Deus experimenta naturalmente a alegria, certo da posse de um bem que está todo em seu poder, e o estado de prazer se traduz para ele em alegria.185 Vale lembrar que – na medida do possível - Dom Bosco deixava todo o resto para encontrar-se no pátio com seus filhos (o pátio era o local de educar, para Dom Bosco). Assim, conclui-se que sempre se educa, não há momentos em que não se eduque. A alegria, e, portanto, não só o recreio, o divertimento, é a autêntica e insubstituível realidade pedagógica. Daí se deduz uma carga pedagógica nas festas. Nos dias festivos a alegria encontra suas expressões mais sensíveis e intensas, a expectativa de uma nova festa anima os corações e as mentes dos educandos. Estabelecida a confiança entre educando e educador, ambos poderão dar testemunho em comum sem que com isso percam sua identidade, herança cultural e religiosa. No novo clima histórico civil e eclesial comportaria perceber que o amor é preventivo. Deus é preventivo, ele já ama antes da resposta, a gratuidade do amor de Deus: essa é a preventividade. Só assim poderemos construir uma “nova educação”, criativa e fiel, voltada para gerar homens e mulheres novos. Aponto, aqui, algumas pistas para uma educação preventiva, alegre e producente, fundamentada na Caridade Pastoral: • Traçar projetos acessíveis e aceitar projetos que, com certeza, podem ser bem sucedidos no mundo de hoje, tais como: a) priorizar a formação de agentes de pastoral, principalmente com um olhar para o hoje e, assim, conseguir capacitação de olhar a realidade do contexto em que vivem (país, estado, cidade, bairro); b) conhecimento antropológico, sociológico, psicológico e religioso do contexto em que vive. Um 184 185 CAVIGLIA, A, Il Magone Michele, p. 149. In Braido Pietro, Prevenir, não reprimir, p. 296 Cf. BRAIDO, Pietro. Prevenir, não reprimir. 2004, p. 296 conhecimento pessoal aprofundado. Creio que prepará-los não seria enfrentamento e, sim, um reconhecimento que levasse à libertação e à alegria de ser agente de pastoral. • Um trabalho na pastoral urbana deve contribuir na reflexão sobre o sentido da vida. A necessidade que homens e mulheres têm do “outro” de ser “alguém”, de escutar e ser ouvido, enfim, um ser em relação, pois a alteridade é a condição da liberdade, e a liberdade pressupõe um livre modo de pensar e agir, pois não há pensamento igual entre as pessoas. A relação exige respeito mútuo, aprendido na convivência com o diferente. • A função própria da Teologia da Educação é fundamentar, motivar e orientar baseada no Evangelho de Cristo a uma ação educativa. • Conceber a educação não apenas como transmissão de conteúdos por parte do educador. Pelo contrário. Estabelecer um diálogo. Pois, quem educa também aprende. Ele também pode ser interpretado pelo seu gosto pela liberdade. Essa seria uma leitura libertária. • A linguagem do educador precisa estar sintonizada com a situação concreta dos homens e mulheres com quem ele fala. De outra forma, sua fala é um discurso a mais. Alienado e alienante. • A correção, na sua forma mais geral e comum, é da essência do Sistema Preventivo, porque, se os meninos não errassem, salvo raras exceções, não seriam mais meninos, e não precisariam mais de educação. Ela, pois, acompanha necessariamente todos os momentos da ação educativa: palavra ao ouvido, avisos em particular e não em público, boa dia, boa tarde, bilhetinhos, chamadas à atenção no estudo e à aula, na recreação e nos passeios, na igreja e no dormitório, em toda a parte. As modalidades da “amorevolezza”, da razão e da reserva: paciência, caridade e graça. Normalmente, não se faça correções ou se dê castigos em público, mas, em particular, fazendo o jovem entender seu erro “com a razão e com a religião; não corrigir por impulso mas calmamente, esperando eventualmente que se acalmem as paixões, sobretudo, fazer com que o jovem saia “satisfeito e amigo”. • “Respeitar a fama dos jovens”, “não repreendê-los sem estar certos das faltas”. Não agir por impulso, mas examinar a coisa com “sangue–frio”. “É necessário que eles próprios nos reconheçam superiores. Se nós quisermos humilhá-los com palavras porque somos Superiores, cairemos no ridículo”. (regras de Dom Bosco) • O educador deve estar sempre atento para assegurar a liberdade e o protagonismo do jovem na ação educativa. • O educador deve ver sempre além das qualidades - por vezes limitadas - do jovem. Essa é a arte do educador, o jovem pode ser mais do que é. Pode ser melhor. A sua arte consiste, portanto, em conduzir o jovem realmente ao que ele é. Torná-los “bons cristãos e honestos cidadãos”. Santificar os jovens. Percebe-se que a natureza não é devidamente respeitada e apreciada. Perdeu-se de vista a afetividade, não se abraça... não se beija... não se ama... Tudo isso é cada vez mais estranho para os homens e mulheres. (amorevolezza). É necessário que se assuma o que há de comum em nós, a “humanidade”. É o que dizem as religiões: vencer as idolatrias e dominações, não só as aparentes, mas as que estão escondidas nos sistemas e estruturas injustas. No entanto, tanto o profeta quanto o educador, em sua práxis, comunicam que o fundamental é o “amor”, porque amar é gerar, é criar e recriar, é a alegria e o prazer de ver nascer. (Oséias). Sonhar é bom... (Dom Bosco). Fazer poesia é muito bom... Concluímos que, quem viveu dentro de um Projeto Libertador, tem mais saúde física e mental e sente-se protagonista da história. Hoje homens e mulheres almejam uma vida com uma religiosidade, não de anjos que voam, mas de pessoas concretas e conscientes de suas lutas por justiça, trabalho, educação e saúde, e que essa problemática possa ser levada a sério nas Igrejas, na Educação. Não como um acessório para um bom discurso, mas algo pertinente ao seu estado de vida. Que lutas e desafios tenham vez na caminhada para a vida em plenitude, que é o eixo central de todo texto sagrado e educacional, que é vida feliz, sentimento para o qual toda humanidade foi criada. E, finalmente, não esquecer jamais que a pedagogia de Jesus se consolidou plenamente na Ressurreição. Foi por ela que Jesus revelou Deus como Vida Eterna, e a partir dela conseguimos ler toda a Sagrada Escritura com outros olhos, com os olhos do Ressuscitado. BIBLIOGRAFIA 1. SAGRADA ESCRITURA BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulinas, 1987. BÍBLIA SAGRADA. Edição Pastoral. São Paulo: Paulus, 1990. BÍBLIA SAGRADA. TEB. Tradução Ecumênica. São Paulo: Loyola, 1994. BÍBLIA DO PEREGRINO. Schökel Luís Alonso. São Paulo: Paulus, 2000. 2. DOCUMENTOS DO MAGISTÉRIO CONSTIUIÇÃO DOGMÁTICA Dei Verbum. Petrópolis: Vozes, 1968. CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA Lumem Gentium. Petrópolis: Vozes, 1968. CONSTITUIÇÃO PASTORAL Gaudim et Spes. Petrópolis: Vozes, 1968. DECLARAÇÃO Gravissimum Educacionis. 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