PONTIFICIA FACULDADE DE TEOLOGIA
NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO
MARIA APARECIDA PASCALE
A EDUCAÇÃO LIBERTADORA NO SISTEMA
PREVENTIVO DE DOM BOSCO. BASES À
ELABORAÇÃO DE UM PROJETO TEOLÓGICO
PASTORAL NO MEIO URBANO
SÃO PAULO – 2006
PONTIFICIA FACULDADE DE TEOLOGIA
NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO
MARIA APARECIDA PASCALE
A EDUCAÇÃO LIBERTADORA NO SISTEMA
PREVENTIVO DE DOM BOSCO. BASES À
ELABORAÇÃO DE UM PROJETO TEOLÓGICO
PASTORAL NO MEIO URBANO
Dissertação
apresentada
como
exigência
parcial para obtenção do título de mestre em
Teologia Prática Núcleo Pastoral à comissão
julgadora da Pontifícia Faculdade de Teologias
N. S. da Assunção, sob orientação do Prof. Dr.
Pe. Francisco Martins.
SÃO PAULO – 2006
COMISSÃO JULGADORA:
________________________________
________________________________
________________________________
Dedicatória
Todo esforço, dedicação e empenho,
empreendidos nesse Estudo eu os dedico
aos meus alunos.
Agradecimentos
Ao Prof. Dr. Pe. Francisco Martins, orientador,
incentivador que, com grande paciência,
valorizou o trabalho da aluna.
Aos Mestres da Pontifícia Faculdade de
Teologia N. S. da Assunção e do Instituto
Teológico Pio XI.
À Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da
Assunção
As minhas amigas Cleide, Sandra Mara,
Rosemeire, Clotilde e ao amigo Edgar, que não
me deixaram desistir.
A MINHA MÃE E MEU PAI
Patrocínia Izaías Pascale e Giovanni Pascale (em memória)
Iahweh é meu pastor, nada me falta.
Em verdes pastagens me faz repousar.
Para as águas tranqüilas me conduz
e restaura minhas forças;
ele me guia por caminhos justos,
por causa do seu nome.
Ainda que eu caminhe por um vale tenebroso,
nenhum mal temerei, pois estás junto a mim;
teu bastão e teu cajado me deixam tranqüilo.
Diante de mim preparas uma mesa,
à frente dos meus opressores;
unges minha cabeça com óleo,
e minha taça transborda.
Sim, felicidade e amor me seguirão
todos os dias da minha vida;
minha morada é a casa de Iahweh
por dias sem fim.
(Sl. 23)
SIGLAS E ABREVIATURAS
CEHILA
Comissão de Estudos de História da Igreja na América Latina
CELAM
Conselho Episcopal Latino Americano
CNBB
Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil
DV
Constituição Dogmática Dei Verbum
GE
Declaração Gravissimum Educationis
EN
Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi
GS
Constituição Pastoral Gadium et Spes
LG
Constituição Dogmática Lúmen Gentium
MB
Memória Biográficas di S. Giovanni Bosco
MO
Memórias do Oratório de São Francisco de Sales
REB
Revista Eclesiástica Brasileira
RIBLA
Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana
Resumo
O capítulo I relê e liga os fundamentos e a forma de conceber Educação e liberdade na
Sagrada Escritura. A falta de conhecimento e formação leva o povo à idolatria, um povo sem
educação religiosa pode ser facilmente manipulado pelo poder político e religiosos. Em Jesus
mostra seu modo carinhoso e atencioso, pois sua práxis era do serviço e da partilha, atitudes
que nos levam à verdadeira libertação. A liberdade cristã apresentada pelo apóstolo Paulo
educa para a liberdade. “Para ser livre, Cristo vos libertou” (Gl 5,1). O conceito filosófico da
Educação contempla fundamentos da educação e formação em alguns dos grandes mestres da
filosofia e finalmente uni-los todos aos documentos da Igreja que colaboram e dão diretrizes
para uma definição de educação para a libertação e com autonomia. No II capítulo apresenta
um educador do século XIX, período histórico, cujo sistema educativo era altamente
repressor, São João Bosco, que apresenta um jeito novo de ensinar que fica conhecido como
sistema preventivo, que não nasceu a princípio como teoria pronta para ser aplicada, mas,
nasceu da síntese entre ação social e seu pensamento pedagógico cristão. Foi no seu cotidiano
que esse sistema preventivo aconteceu, motivado pelo amor, caridade e alegria. Com presença
contínua do educador na vida do educando conduzindo-o para ser protagonista de uma
renovada sociedade no exercício da educação libertadora cristã, intitulado por ele mesmo de:
“Educação é obra do coração”. O III capítulo, uma vez estabelecidos os parâmetros da
educação libertadora cristã na história, compreendida como construção de liberdade segundo
o Evangelho de Jesus, apresenta, o Sistema Preventivo de Dom Bosco com uma proposta
pedagógica humanizadora que liberta para a autonomia e responsabilidade.
PALAVRAS CHAVES:
Ensinamento – Formação – Educação – Libertação – Preventividade
Alegria – Festa – Razão – Religião – Afeição
Abstract
Chapter I reviews and connects the basis and the way of conceiving Education and Freedom
on the Holy Scriptures. The lack of knowledge and formation leads the people to idolization people without religious education can be easily manipulated by the political and religious
power. Jesus shows his concern and kindness, because his practice was serving and sharing,
attitudes that lead us to the true liberty. The Christian freedom presented by the Apostle Paul
educates for liberty. “To be free, Christ set you free” (Gl 5,1). The philosophical concept of
Education contemplates the basis of education and formation on some of the greatest masters
of philosophy and, finally, connects them all to the documents of the Church which
collaborate and give direction to a definition of education for the freedom with autonomy.
Chapter II presents a teacher from the XIX century, a historical period in which educative
system was extremely repressive, Saint John Bosco, who presents a new kind of teaching that
became acquainted as preventive system, which did not come, in principle, as a ready theory
to be applied, but it came from the synthesis of social action and his Pedagogical Christian
thought. It was in his routine that this preventive system came up. He was motivated by love,
charity and happiness. With continuous presence of a teacher in a student’s life, leading him
to be the protagonist of a renewed society in the practice of the Christian Unrepressed
Education, called by himself “Education is all heart”.
Chapter III, once the parameters of the Christian Unrepressed Education in history are
established, is understood as construction of freedom, the Gospel according to Jesus, presents
the Preventive System of Dom Bosco as a humanist pedagogical proposal that sets free to
autonomy and responsibility.
Key Words:
Teaching – Formation – Education – Freedom – Prevention
Joy – Festival – Reason – Religion - Affection
Resumen
El capitulo 1º relee y une los fundamentos y la forma de concebir Educación y libertad en la
Sagrada Escritura. Ia falta de conocimiento y educación que lheva el pueblo a la idolatrie, un
pueblo sín educación religiosa puede ser manipulado por el poder politico y religioso. Jesus se
muestra cariñoso y atencioso, pues su praxis era la del servicio y la solidaridad, actitudes que
nos llevan a la verdadera libertación. Ia libertad cristiana seguem Pablo educa para la libertad.
“Para ser libres, Cristo nos libertó” (Gal 5,1). El concepto filosófico de Educación contempla
los fundamentos de la educación y la formación en lo grandes maestros de la filosofia y
finalmente unirlos a todos los documentos de la Iglesia que colaboran y dan las directrizes
para una definición de educación libertadora y con autonomia.
El capitulo II presenta un educador de siglo XIX, periodo histório en el cual el sistema
educativo era altamente represor, San Juan Bosco, que presenta una manera nueva de enseñar
que es conocido como sistema preventivo, que no nasció como teoria para ser aplicada
imediatamente seno que nasció de la sintesis entre la acción social y su pensamento
pedagógico cristiano. Fue en el dia a dia que este sistema preventivo aconteció, motivado por
el amor, la caridad y la alegria. Com la presencia continua del educador en la vida del
educando y llevandolo para ser protagonista de una sociedad renovada en el ejercicio de la
educación libertadora cristiana, titulada por el mismo de: “Educación es obra del corazón”.
El capitulo III una vez establecido los parámetros de la educación libertadora cristiana en la
história, comprendida como construcción de libertad segun el Evangelio de Jesus, presenta, el
Sistema Preventivo de Don Bosco con una propuesta pedagógica humanizadora que liberta
para la autonomia y la responsabilidad.
PALABRAS CLAVES:
Enseñanza – Formación – Libertación – Preventividad – Alegria – Fiesta – Razón –
Religión – Afección
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.....................................................................................................................
10
CAPITULO I.........................................................................................................................
13
1. A EDUCAÇÃO LIBERTADORA NOS ASPECTOS: BIBLICO, FILOSOFICO E
TEOLÓGICO........................................................................................................................
1.1. PRINCÍPIOS DA PEDAGOGIA DIVINA NA HISTÓRIA DA SALVAÇÃO.............
1.1.1. Pedagogia de Deus na obra da Criação.........................................................................
1.1.2. Pedagogia da Profecia...................................................................................................
1.1.3. A pedagogia de Jesus....................................................................................................
1.1.4. Paulo Apóstolo: A Educação para a liberdade dos filhos de Deus...............................
13
13
18
20
21
26
2. ASPECTOS DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO.............................................................
2.1. A educação entre os povos primitivos.............................................................................
2.2. Educação Judaica.............................................................................................................
2.3. Educação Grega...............................................................................................................
2.4. Educação Romana...........................................................................................................
32
37
38
39
40
3. A EDUCAÇÃO NOS DOCUMENTOS DA IGREJA...................................................
3.1. Conceito Cristão de Educação.........................................................................................
3.2. Concílio Vaticano II: Declaração “Gravissimum Educationes”......................................
3.3 Ética e Educação...............................................................................................................
41
42
43
49
4. REALIZAÇÃO TOTAL DA PESSOA HUMANA: PERSPECTIVA DE DOM BOSCO......
53
CONCLUSÃO........................................................................................................................
55
CAPITULO II.......................................................................................................................
57
1. SISTEMA PREVENTIVO DE DOM BOSCO..............................................................
1.1. CONTEXTO HISTÓRICO.............................................................................................
1.1.2. A situação cultural e escolar no Piemonte e em Turim, de 1841 a 1861.....................
57
59
59
2. A situação religiosa no Piemonte e em Turim, de 1841 a 1861.........................................
2.1. A situação psicossociológica dos primeiros jovens de Dom Bosco................................
60
61
3. BIOGRAFIA DE DOM BOSCO....................................................................................
3.1. A infância........................................................................................................................
3.2. Sua Formação Escolar.....................................................................................................
3.3. Sua formação Espiritual..................................................................................................
61
63
65
68
68
4. Educação no Sistema Preventivo de D. Bosco e a proposta de outros educadores e
educadoras..........................................................................................................................................
4.1. Marcelino Champagnat e os irmãos Maristas..................................................................
4.2. Teresa Eustochio Verzeri e as Filhas do Sagrado Coração de Jesus...............................
68
69
4.3. São João Batista de La Salle...........................................................................................
4.4. Barnabitas.......................................................................................................................
4.5. Santo Afonso de Ligório..................................................................................................
4.6. São Francisco de Sales....................................................................................................
4.7. Sistema Preventivo – uma espiritualidade Oratoriana.....................................................
70
70
70
71
72
5. Oratório: oratório festivo, espírito oratoriano: festa, alegria e formação...................
73
6. Prevenir: Método Divino..................................................................................................
80
7. A influência feminina na educação preventiva..............................................................
82
8. A prevenção e os princípios do Sistema Preventivo.......................................................
8.1. A Educação no Sistema Preventivo de D. Bosco...........................................................
8.2. A Educação libertadora no Sistema Preventivo...............................................................
83
84
87
9. Carta de Roma..................................................................................................................
87
CONCLUSÃO........................................................................................................................
88
CAPITULO III......................................................................................................................
90
1. PISTAS À ELABORAÇÃO DE UM PROJETO TEOLÓGICO PASTORAL..........
1.1. PASTORAL DA EDUCAÇÃO - CONCEITOS E ESCLARECIMENTOS..................
1.2. TEOLOGIA PASTORAL..............................................................................................
1. 3. PASTORAL URBANA.................................................................................................
1. 4. TEOLOGIA DA EDUCAÇÃO.....................................................................................
90
90
92
95
96
2. UM PROJETO EDUCATIVO LIBERTADOR.............................................................
2.1. VISÃO TEOLÓGICA DO PROJETO EDUCATIVO....................................................
2.2. O SENTIDO DA VIDA HOJE.......................................................................................
2.3. TAREFA DA TEOLOGIA DA EDUCAÇÃO...............................................................
2.4. DESAFIOS DO MEIO URBANO.................................................................................
2.5. DIGNIDADE HUMANA...............................................................................................
99
100
101
104
106
107
3. PISTAS PARA ELABORAÇÃO DE UM PROJETO PASTORAL............................
109
CONCLUSÃO......................................................................................................................... 120
CONCLUSÃO FINAL..........................................................................................................
122
BIBLIOGRAFIA...................................................................................................................
134
INTRODUÇÃO
A experiência humana é a procura cotidiana do conhecimento; o ser que quer
encontrar o Transcendente. Homens e mulheres são seres “culturais”, herdeiros e testadores
de uma cultura.
Nenhum ser humano começa sua experiência do ponto zero. Valendo-se da memória,
com base em experiências anteriores, faz um processo dialético entre o presente e o passado.
Vislumbra o futuro, tendo como parâmetros memória, esperança, tradição e profecia.
Fundamenta-se, primeiramente, na pedagogia Divina: na História da Salvação e na
Obra da Criação, onde o ensinamento de Deus é bem claro: ao ser humano não é dado
penetrar no íntimo de outro ser humano, para não sufocá-lo, nem oprimi-lo. Somente Deus
pode conhecer o que cada um carrega dentro de seu coração.
A Bíblia coloca o relacionamento do ser humano com Deus como o eixo fundamental
para a harmonia de todo o cosmo.
Buscamos, assim, mais que conceitos de educação. Buscamos sua verdade na vida.
Através dos ensinamentos da Torá, das reflexões filosóficas, do pensamento profético,
chegamos ao ápice da pedagogia da educação com Jesus, o maior de todos os mestres.
Com os olhos voltados para o profeta Oséias, Paulo, Dom Bosco e para o pedagogo
contemporâneo Paulo Freire, encontramos os mesmos objetivos e ideais quanto à formação
e a denúncia a não-formação do ser humano.
O gesto profético que é pedagógico, e o direito de ter “raiva” diante das injustiças
cometidas no ambiente educacional, é objeto de interesse dos formadores da liberdade e
autonomia do ser humano.
Demonstrar que o vislumbrar da Revelação de Deus deve ser refletido nas ações
pastorais. A boniteza [sic] e a alegria de ensinar e aprender.1 Aprendendo e ensinando a ética
e a estética do aprendizado que levam ao desejo epistemológico, que constrói o conhecimento
e participe da sua construção. Creio que poucos percebem essas possibilidades, pois é preciso
que se tenha gosto pela vida e que a vida tenha sentido.2
Os Documentos da Igreja nos dão o embasamento necessário para fundamentar nossos
estudos em uma significativa educação pastoral. Neles encontramos reflexões e critérios que
nos possibilitam afirmar que o profeta Oséias, o apóstolo Paulo, Dom Bosco e o educador
Paulo Freire, são coerentes nos seus escritos pela opção que fizeram e que permearam as suas
vidas. Eles podem demonstrar que, pela educação formativa e pelo conhecimento de Deus, é
possível mudar a sociedade.
Oséias, Paulo, Dom Bosco e Paulo Freire são facilitadores de uma mudança social
necessária nos dias de hoje. Pois, não há outra pedagogia senão a do amor e da inquietude.
Pedagogia que situa a todos, homens e mulheres, no exercício de sua responsabilidade e de
suas decisões relativamente ao que vem do externo, no discernimento exato de suas decisões,
onde a liberdade é a essência de suas vidas, nesta exposição acima está o conteúdo que
procuramos trabalhar no primeiro capítulo, em que privilegiamos o ensinamento bíblicofilosófico-teológico.
No segundo capítulo, em especial, trazemos o modelo cristão de educação: Dom
Bosco, sua vida, sociedade, seus contemporâneos, assim como sua preocupação com a
juventude. Toda uma vida dedicada à instrução dos educadores e preocupada com a
metodologia que deveria se aplicar aos educandos. João Bosco viveu profundamente os
ensinamentos do Evangelho. E, por conhecer o valor da luta por uma vida digna, justa e plena,
criou um método personalizado, segundo o qual é a presença amorosa que educa e transforma.
1
2
(boniteza): termo usado por Paulo Freire em suas obras.
‘o grifo é nosso’.
O terceiro capítulo se empenha em demonstrar como foi possível para esses grandes
educadores fazer a diferença dentro de seu contexto social e como podemos, também hoje,
apreciar a vida e a existência no paraíso e redescobrir o paraíso na nossa realidade. È esse o
desejo de todas (os) nós. Essa realidade é, por vezes, embaçada pela violência, pelo medo e
pela depressão, por tudo, enfim, que assola nossa época. Faz-se necessária uma voz proféticaeducadora, que resgate homens e mulheres da negatividade, fruto da injustiça, que transforma
o mundo num “lugar” difícil de viver e, não, num “lugar” de esperança e maravilhas. “Deus
criou e viu que era bom”. (Gn 1)
É importante recuperar homens e mulheres. É fundamental dar sinais da alegria que é a
Vida.3
Oséias, Paulo, Dom Bosco e Paulo Freire procuram dar esses sinais e dar sentido dessa
maneira às suas próprias vidas, remetendo seus educandos a valores essenciais da vida: amar,
refletir e libertar.4
Sendo a criação narrada nas mais diferentes formas, nas diversas culturas, constata-se
algo em comum nessas narrativas e mitos, à procura de explicação para a vida, para o sentido
da vida.
A perda da identidade é um sinal preocupante em nossos dias. É necessário fazer uma
revisão das nossas formas educativas-pedagógicas-teológicas. E, além de traçar pistas, definir
objetivos para que tais pistas sejam realmente libertadoras e criem identidade.
3
4
O grifo é nosso.
O grifo é nosso.
CAPÍTULO I
1. A EDUCAÇÃO LIBERTADORA NOS ASPECTOS: BIBLICO, FILOSOFICO E
TEOLÓGICO
INTRODUÇÃO
A experiência humana é a procura cotidiana do
conhecimento. Homens e mulheres são seres
culturais, que não começam suas experiências do
ponto zero. Valem-se da memória, baseiam-se em
experiências anteriores vividas por seus
antepassados para construir a sua própria educação
e identidade. A educação tem como finalidade
ajudar o homem e a mulher a alcançar a plenitude e
a realização de seu ser. Neste capítulo faremos
uma abordagem aos textos da bíblia, dos
documentos da Igreja e da história da educação,
para compreender a passagem da cultura do oriente
para o ocidente, do ontem para o hoje, de uma
educação elitista para uma educação civilizatória e
libertadora. Eminentemente histórico, quer
justificar a educação, em todas suas formas (formal
ou popular), como veículo para essa
transformação.
1.1. PRINCÍPIOS DA PEDAGOGIA DIVINA NA HISTÓRIA DA SALVAÇÃO
Ouve, ó Israel. O senhor é nosso Deus, o Senhor é um. Portanto,
amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a
tua alma e com toda a tua força. Que as palavras dos
mandamentos que hoje te dou estejam em teu coração. Tu as
repetirás a teus filhos e delas falarás quando estiveres em casa
e quando andares pela estrada, quando estiveres deitado e
quando estiveres de pé. Tu também as atarás à tua mão como um
sinal, e serão como um frontal entre os teus olhos; tu as
inscreverás sobre as ombreiras da porta de tua casa e na entrada
de tua cidade. Dt 6, 4-9
Para o mundo semita palavras, nomes, não diferem dos seus sentidos. “Shemá, Israel”,
é a oração familiar que recorda o primeiro mandamento e deve ser transmitido aos filhos pelos
pais, não somente como uma regra, mas como explicação da obra libertadora de Deus, pois
foi através dos mandamentos que Deus os fez viver como um povo justo e livre, e os filhos
devem aprender a ser fiéis à Aliança para terem uma vida melhor e mais prolongada. Todo fio
condutor bíblico está alicerçado nessa educação que liberta, como veremos em textos de
diferentes estilos literários: históricos, proféticos, sapienciais, contidos na Bíblia5.
A frase: “TU AS REPETIRÁS A TEUS FILHOS”: explica que o ethos de Israel é a
família, em Gn 17, 19-27, o pai circuncida o filho varão e os escravos para incorporá-los ao
povo com o qual Deus fez aliança, também a mãe pode circuncidar, em Ex 4, 24-26, é Séfora,
esposa de Moisés, quem o circuncida, e também ao seu filho Gerson, ao vê-lo em perigo de
vida sem receber a circuncisão.
Os livros Sapienciais são ricos em ensinamentos familiares, A sabedoria vem de Deus
como um dom, porém isso só é reconhecido no temor à Javé, que é comunicado pela
disciplina e esta leva o jovem à viver em aliança com Deus. É essa aliança que mantém a
identidade do povo e o faz diferente dos outros povos. (Dt 4, 8-10). Dar a vida a esses
ensinamentos atrai a prosperidade.
O Shemá é a oração da obra libertadora de Deus, que faz o povo ser justo, honrado por
seus filhos e possuidor da Terra. (Dt 6, 20-25; 32; 44-47). Vejamos alguns exemplos: Pr 1,
8ss. 2, 20-22 - o pai e a mãe aconselham seus filhos a serem dóceis, especialmente na
juventude; Pr 3, 11ss – corrigir é um sinal de amor, traz satisfação e os prepara para deixarem-
5
FARIA, Jacir de Freitas. A reLeitura do Shemá Israel nos Evangelhos e Atos dos Apóstolos. p 54-55 –
SHEMÁ = OUVIR: interpretar, comentar a Torah. Shemá está intimamente ligado à Torah, porém ser
comentada ela é morta. EHAD = UM: completo, sem divisão interior. Algumas Bíblias traduzem por único,
porém não se deve fazê-lo, pois, único está sempre em relação à alguém, assim sendo dizer que nosso Deus é
um, significa que ele não está em relação a outros deuses, não existem outros deuses para serem comparados ao
Deus de Israel. Deus é indivisível, é UM. ‘AHAB = AMAR: é a tarefa de todo judeu, e exige integridade,
doação, entrega. O amor apregoado em Dt 6,4-9 deve perpassar os momentos cotidianos, e também deve ser
tridimensional, isto é: deve ser realizado com o coração, a alma e a força. essas três coisas representam a
perfeição de um triângulo eqüilátero. LÊB = CORAÇÃO: sentimento e razão integrados. O povo de Israel
entendia o coração como sede da razão e do raciocínio. NEFESH = ALMA: é o que confere dignidade, o que me
faz ser e também o outro ser. Alma é personalidade, individualidade, vida, vontade. ME’ÔD = FORÇA: poder
aquisitivo, dinheiro, posses. Não tem sentido de vigor dado pelas traduções de nossas Bíblias, mas tem o sentido
de tudo que se possui. Seguiremos este autor para aprofundar o vocabulário desta perícope.
se corrigir; Pr 31, 1-5 – a mãe de um rei estrangeiro o ensina a governar com justiça; Eclo
30,1-3 – cabe aos pais ensinar, educar para a sobriedade, mostrando as idéias infundadas,
aconselhando e castigando caso necessário. (educar para o bom senso); Eclo 30, 7-13 – mimar
os filhos não é um bem, pois os torna insolentes.
Educar na fé é obrigação dos pais, dos anciãos e especialmente das mães que
comunicam a fé, através de conversas informais, que constituam o objeto primeiro e contínuo
de toda educação, em todas as situações: andando, sentado, deitado, em pé. O amor deve ser
vivido na família e na sociedade.6
A fé comunicada pela família em Israel é entusiasta, alegre, leva a louvar a Deus, a
confiar nele, a agradecer e a fortalecer o coração. (Sl 78, 3-8). É transmitida às sucessivas
gerações, e as maravilhas de Deus serão ouvidas pelos filhos desde a juventude, quando a
tentação da violência e da cobiça os quiser seduzir (Pr 1, 8-19). Dar boa educação aos filhos
leva-os a perseverar no bem (Pr 22,6). A educação familiar na fé capacita os jovens e as
crianças israelitas para o martírio, que os prepara para todas as inusitadas situações a serem
vividas. (2 Mc 7, 1-23).
A fé manifesta-se, também, na maior festa dos israelitas, que é a Páscoa, celebrada
desde o princípio em família. Nela é mantida viva a memória da libertação da escravidão, ao
longo das gerações servindo de catequese infantil como recorda o Deuteronômio,
transmitindo uma consciência para que a nova geração não reproduza uma sociedade
estruturada na injustiça, desigualdade e opressão.
Em Êxodo 13, 11-16, tanto a consagração quanto o resgate do filho primogênito é
explicado aos filhos em forma de Catequese, onde a família se prepara durante sete dias,
comendo pães ázimos como sentido libertador, recebido da época em que cada tribo tinha seu
6
Por isso o livro do Deuteronômio mostra mais do que simplesmente a Lei, mas uma resposta de amor ao Deus
que se manifesta em todas as relações humanas. (Dt 6,6bss; 20ss): “Amanhã seu filho vai lhe perguntar o que
são essas normas, esses mandamentos e decretos que o Senhor vosso Deus ordenou? Tu responderás a teu filho:
Éramos escravos do Faraó no Egito e o Senhor nos tirou do Egito com mão forte.”
lugar no culto e os chefes das famílias deviam apresentar oferendas nas três festas do ano (Dt
16, 16ss). Ao ser unificado o lugar do culto surge a peregrinação familiar anual (1Sm 1, 1-3).
Em Gênesis observamos que o pai da família abençoa os filhos solenemente ao sentir que a
morte está perto. A bênção é passada de pai para filho como benefício de Deus, assim como
também a maldição como seu castigo e todos devem ser alertados para isso. (Eclo3,8ss e Gn
27,27-29; 49,1-27; 48,8-20).
TORAH – ENSINAMENTO: muito mais comum é termos a tradução como LEI. Essa
tradução é próxima, mas não é a ideal. Lei em si significa: prescrição jurídica. Torah, muito
mais do que isso. Sua derivação está na raiz semítica yarah, cujo significado é “lançar,
instruir”. Ao ser traduzida por ensinamento, instrução, lançar as bases, caminho, temos muito
mais chance de nos aproximar-nos do significado semita, pois em hebraico ensinamento é o
caminho através dos quais Deus nos conduz. Para o povo, Torah representa o dedo de Deus,
indicando o caminho certo e apropriado para viver bem e assegurar o shalom (vida abundante,
plena, feliz), a hesed (graça, bondade e lealdade), a emunah (fidelidade), a sedaqah (justiça,
atos salvíficos de Deus) e assegurar que tudo isso continue acontecendo no mundo através da
obediência a esta instrução.
Isso vai legitimar a Torah como o pilar sustentador de toda a criação e que ela não
pode ser usada por pessoas incapazes de entendê-la, apreciá-la e seguir suas instruções. Seria
um desperdício de tempo e energia, a tarefa de ler e ensinar as pessoas que não possuem
interesse, respeito e capacidade para apreciar e compreender tão rica instrução.7
Ela precede a criação, porque é tão eterna quanto o próprio Deus. Religião e cultura
estão intimamente ligados, andam de braços dados, brotam do meio onde vivem. A Torah
passa pelo crivo da cultura, pois jamais Deus se revela de modo que as pessoas não o
entendam. As histórias bíblicas são cotidianas. O que as tornam diferentes é o modo como são
relidas e recontadas.
Os textos nascem de dois momentos: litúrgico e catequético. Foram influenciados pela
cultura, linguagem e ideologia dos autores que utilizaram todos os instrumentos de que
dispunham para falar da Revelação de Deus, assim, não importa quem escreve, mas a
mensagem, que é fruto da experiência mística da fé do povo. Essa mística no antigo Israel, era
transmitida pela grande Família (clã), a base da convivência social, proteção das pessoas,
garantia de posse da terra, veículo principal da tradição. A defesa da identidade do povo. A
Família era por assim dizer, a universidade do povo! Era a maneira concreta de encarnar o
amor de Deus no amor do próximo. Defender o clã era o mesmo que defender a Aliança com
Deus, mantendo aberta a fonte da sabedoria do povo.8
As normas sociais provinham do âmbito familiar, do clã, da aldeia, quer dizer, das
pequenas comunidades que sempre juntaram os habitantes no seu convívio íntimo de trabalho
diário, dos ritos e festas comuns. Neste nível da sociedade, com necessidade elementar,
desenvolveram-se, então, normas fundamentais de relacionamento interpessoal, sobretudo no
que diz respeito à integridade pessoal, às relações sexuais e à propriedade particular. São os
mandamentos mais compactos e elementares que caem nessa faixa de manter a ordem
primordial entre as pessoas e não precisam de muito comentário, enquanto se trata de um
regulamento interno de um grupo pequeno.9
A linguagem usada nos mandamentos é didática, é linguagem de ensino, de
aprendizagem social, primeiros nas famílias, depois também nas comunidades eclesiais do
Israel vencido e disperso. O tratamento direto aparece igualmente, e com a mesma finalidade
de instruir os jovens, na literatura sapiencial, onde não só existem as diversas formas de
constatação de verdades essenciais para o convívio, mas também a linguagem clara de
7
Siqueira, Tércio Machado. O Evangelho do Antigo Testamento. p. 23
cf. GERSTENBERG, Erhard S. Os dez e os outros mandamentos de Deus. p. 14
9
cf. Ibidem p. 15
8
instrução: “Não roubes ao pobre, porque é pobre, nem oprimas em juízo o aflito” (Pr 22,22);
Filho meu, ouve o ensino de teu pai, e não deixes a instrução de tua mãe” (Pr 1,8). 10
Até mesmo as diversas coleções de regras sociais e cultuais do Pentateuco, incluindo
até as normas jurídicas civis, (principalmente Ex 21, 1-22), serviam em primeiro lugar à
instrução da comunidade. A transformação estilística crescente é bem visível nos livros do
Êxodo, Levítico e Deuteronômio, como de regras neutras para a linguagem de instrução. Ela é
testemunho desse desenvolvimento. 11
Além disso, em todos os níveis sociais havia um cuidado especial quanto ao
comportamento religioso. A família era o centro do culto e os santuários locais ocupavam o
segundo lugar com respeito aos ritos e às celebrações. A mulher principal, a mais idosa, devia
ser capaz de cuidar das cerimônias caseiras, de ofertas de comidas, de ritos festivos para
várias ocasiões. Os conhecimentos rituais eram importantes e foram transmitidos de pai para
filho e de mãe para filha, em diversos momentos da educação e da instrução caseiras.12
A memória do povo não é um museu que conserva o passado desligado da vida. É
como o alicerce invisível que sustenta a casa onde o povo mora. Conserva e narra os fatos,
não de maneira fotográfica, mas com um raio X. Descobre aquilo que o olho não vê e que só a
fé consegue revelar. 13
1.1.1. Pedagogia de Deus na obra da Criação
10
cf. Todo o trecho literário, de Pr 22, 17 até 24,22, foi composto com esse teor educativo, no tratamento direto,
visando o aluno, chamado de “filho”. O trecho tem afinidades fortes com a literatura didática do Antigo Egito. e
o bloco de Pr 1 a Pr 9 além disso, ainda trás exemplos amplos de uma literatura didática da antiga Mesopotâmia,
conferir William G. Lambert, Babylonian Wisdom Literature, Oxford, University Press, 1966.
11
cf. GESTSTENTERG, Erhard S. Os dez e os outros mandamentos de Deus. p. 16
12
cf. ibidem p. 17
13
cf. MESTERS, Carlos. Paraíso Terrestre Saudade ou Esperança? p. 17
Mas Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos
olhos se abrirão e vós sereis como deuses, versados no bem e
no mal.” Gn 3,5
“Dá, a teu servo um coração cheio de julgamento para
governar teu povo e para discernir entre o bem e o mal, pois
quem poderá governar o teu povo que é tão numeroso. 1 Rs 3,9
Os patriarcas percebiam Deus como alguém que acompanha o seu povo e com ele fez
uma aliança assegurando os direitos humanos fundamentais: a liberdade religiosa em sua vida
pessoal e pública. Porém, nas cortes de Davi e Salomão surgiu a reflexão sobre a semelhança
com Deus, sua preferência pelo ser humano, e começam a surgir dúvidas sobre quem deveria
ser o preferido de Deus. Esses dois versículos, citados acima, mostram a preocupação do
monarca em adquirir o mesmo conhecimento de Deus, e a reação profética, alertando: só
Deus deve ter o conhecimento do bem e do mal.
14
Essa maneira de apresentar a realidade da vida familiar, social e pessoal é uma
tentativa de comunicar a mesma consciência crítica que o autor já possui, aos que estão com
os olhos fechados. O autor do Gênesis usa uma pedagogia para conscientizar o povo da
situação que está vivendo. Essa consciência nasce no ambiente imediato da intimidade da vida
familiar por meio de uma minuciosa observação do pessoal e do particular, só depois
conseguirá alargá-la para os problemas coletivos. A Bíblia faz uma ligação entre a vida
pessoal e o problema mundial. Evita, assim, a pretensão daqueles que querem consertar o
mundo sem primeiro submeter a uma séria revisão a própria vida pessoal e familiar, ou pior,
aos que querem dominar as pessoas e decidir por elas o melhor. A bíblia coloca o
relacionamento do ser humano com Deus como o eixo fundamental para a harmonia de todo o
14
cf. AHUMADA, Enrique Garcia, F.S.C. Teologia da Educacion, p. 65-67
resto, porém, é impossível restabelecer a ordem desfeita da vida, sem considerar o lugar que
Deus deve ocupar na vida de todo ser humano. 15
“Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher
ele os criou.” Gn 1, 27. Deus é criador. 16 A palavra criar começou a ser usada sobretudo pelo
Segundo Isaías na época do cativeiro (Não o sabes? Não ouvistes dizer? Iahweh é Deus
eterno, criador das extremidades da terra. Is 40,28). Isaías usa esta palavra para indicar a ação
com a qual Deus fez surgir o mundo, o povo e as maravilhas do Êxodo. Criar é ação divina
que vence a desordem e estabelece a ordem, para que a vida humana seja possível. Criar é
ação libertadora que enfrenta e derrota as forças da morte. 17
1.1.2. Pedagogia da Profecia
Os profetas dos outros povos nunca chegaram a ser independentes e críticos diante do
poder. A sua divindade tinha como função legitimar o poder, pois o rei era a própria
encarnação da divindade. Na Bíblia, porém o Deus do povo não existia para legitimar o poder
do rei, mas o poder existia para servir à Aliança e ao “Projeto de Deus”. 18
A monarquia teve apoio dos profetas até desviar-se para criar um sistema contrário à
Aliança e ao Projeto de Deus (1Rs 19, 10-14), aí, aos poucos, a profecia tomou um rumo
independente e transformou-se em força crítica, livre diante do poder, expressão da liberdade
do próprio Deus.19
A teologia profética não se cria do nada, ela aproveita as lições do passado. Em Oséias,
15
cf. MESTERS, Carlos. Paraíso Terrestre. p. 19-40
cf. Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil. 2003-2006 n. 71 “120. Deus, modelo de
comunhão na Trindade, não anula as pessoas, mas as plenifica no amor. Ser imagem e semelhança do Criador é
também trazer no coração um enorme anseio de ser comunidade. A fecundidade da comunhão que vem de Deus
nos impulsiona para a transformação da sociedade: “o amor de Deus que nos dignifica radicalmente se faz
necessariamente comunhão de amor com os outros homens e participação fraterna; para nós, hoje em dia, deve
tornar-se sobretudo obra de justiça para com os oprimidos, esforço de libertação para quem mais precisa. De
fato, “ninguém pode amar a Deus a quem não vê, se não ama o irmão a quem vê’ (Jo 4,20).
17
Cf. MESTERS, Carlos. Paraíso Terrestre. p. 19-40
18
cf. Leitura Profética da História, Coleção Tua Palavra é Vida p. 18
19
cf. idem p. 18
16
especialmente, a tradição do Êxodo está em pauta. É o seu ponto de partida, a fé em Javé – o Deus
Libertador. (cf.Os 12,14;11; 2,16-24).
Oséias apresenta pela prática do amor, num relacionamento humano, o projeto de uma Nova
Sociedade que visa restabelecer o relacionamento entre Deus e o povo. Denuncia os próprios
sacerdotes do templo que deveriam instruir o povo (Dt 18, 1-8)20, porém estavam envolvidos pela
busca de poder e facilidades que lhes eram oferecidas. Além disso estão envolvidos no mesmo
sistema estrutural da exploração do povo pobre e oprimido e, sobretudo porque vivem da ignorância
do povo (Os 4, 1-6). Fazem aliança com os poderosos (Os 7, 10-12). Oséias vive em um contexto,
cujos líderes são religiosos, ele não vê autenticidade, na administração de um conhecimento mais
profundo e humano de Javé que deveria ser dado pelo sacerdote. Os sacerdotes além de se
esquecerem da Lei (Deuteronômio) assaltam e matam (Dt 6,5). Oséias é o profeta que mais volta ao
passado, faz alusões a ele, pois acredita que o “conhecimento de Deus”, que liberta, vem quando se
resgata a história e a cultura. Esse passado que se torna esperança para o futuro está enraizado no
Javé Salvador. Conhecer as origens, lembrar, cantar e contar o passado e as tradições é um dos
caminhos da libertação.
1.1.3. A pedagogia de Jesus
A espiritualidade do seguimento de Jesus é chamada Discipulado, pois quando bem
feita é ao mesmo tempo conteúdo e método da verdadeira Educação Cristã libertadora. É com
Jesus que aprendemos que a grande massa só se torna Povo quando conscientizada,
organizada e articulada entre si. 21
20
cf. Comparar com Os 4, 1-6: os levitas intinerantes, que se identificavam com o povo marginalizado, e que viviam
espalhados entre as tribos, tinham como objetivo observar a situação real do povo e adaptar a Lei a essa situação. São
responsáveis pela catequese que deu origem ao Livro do Deuteronômio.
21
cf . Isaías 50, 4 “O Senhor me deu uma língua de discípulo para que eu soubesse trazer ao cansado uma
palavra de conforto. De manhã ele me desperta, sim, desperta o meu ouvido para que eu ouça como discípulo”.
A figura do Mestre na tradição Judaica está estreitamente ligada a Torah. É
interessante notar também que o mestre, no que concerne ao ensinamento da Torah, faz
trabalho provisório, porque o verdadeiro ensinamento será dado pelo Rei Messias, quando
chegar. Por esta razão, podem existir divergências de idéias entre os mestres quanto à
interpretação da Torah, mas essas diferenças não afetam a unidade de onde elas vêm e para
onde elas vão; são legítimas como a legitimidade de Deus “UM”. 22
A relação mestre–discípulo é sempre vista de uma maneira análoga à relação pai –
filho, pois os dois geram um novo ser para a vida. O pai, criado à imagem e semelhança de
Deus (Gn 1,26), gera um filho com as mesmas características que lhe são próprias (Gn 5,3),
portanto “imagem” e “semelhança” de Deus se perpetuam em cada ser humano. O mestre
pelos seus ensinamentos e exemplos, gera vida da Torah a seus discípulos, que também irão
gerar e transmiti-los a outros como uma força vital. Esse é o valor da imitação do mestre por
parte do discípulo, de repetir seus ensinamentos sem modificá-los; é o valor da tradição,
porque é nela que os valores são transmitidos e nutridos. É o valor da Torah Oral, que faz de
cada membro da comunidade dos filhos de Israel uma Torah Viva. 23
No contexto judaico da época de Jesus, os mestres eram homens que estudavam e
explicavam a Lei. Eram “ordenados” escribas e lhes era conferido autoridade para as questões
jurídicas, assumindo um lugar no Sinédrio. Com estes homens Jesus muitas vezes entrou em
conflito por causa do legalismo que estes veiculavam. Tal legalismo produzia nos tempos de
Jesus uma verdadeira barreira para viver os ensinamentos da Torah. 24
Apesar de não ter passado pelo processo de formação de mestre, Jesus apresenta
muitas características dos autênticos mestres, Ele tinha discípulos que são convocados a
observar a vontade de Deus e a uma adesão sem reservas à pessoa de Jesus (Mt 10,37). A
grande novidade em Jesus está na sua pedagogia, ou seja, no seu modo de apresentar seu
22
23
cf. URBACH, E. E. Les Sages d’ Israel, Paris: Verdier, 1996, p.323
cf. idem p. 150-152
ensinamento: Todos se admiravam, perguntando uns aos outros: que é isto? Um novo
ensinamento com autoridade! (Mc 1,28).
A prática de Jesus revela que um só é o mestre, contrariando aos “mestres” de sua
época, que insistem em ser chamados e reconhecidos pelo povo e honrados por serem
mestres. Eles formavam novos mestres. Jesus recomendava aos seus discípulos que não se
deixassem chamar de “mestre” (Mt 23,8). Ao invés da honra, Jesus insiste no serviço e no ser
irmãos (Mt 23, 1-12). 25
Os Evangelhos apontam Jesus como aquele que ensina: o ensinamento de Jesus pode
ser concentrado em três espaços fundamentais, espaços geográficos, que se tornam lugar da
manifestação de Deus:
a) Sinagoga – “entraram em Cafarnaum e, logo no Sábado, foram à sinagoga. E ali ele
ensinava (Mc 1,21). A sinagoga era lugar de culto e de oração, de ensinamento, e onde
aconteciam os julgamentos e processos penais. Jesus como um homem integrado nos
costumes de seu lugar e de seu tempo vai à Sinagoga, mas diante da sua proposta nova é
rejeitado pela Sinagoga, e ele alerta seus discípulos de que a Sinagoga é um lugar de
tribunal e de paixão: “Ficai de sobreaviso. Entregar-vos-ão aos sinédrios e às sinagogas, e
sereis açoitados, e vos conduzirão perante governadores e reis por minha causa, para
dardes testemunho perante eles.”(Mc 13,9).
b) Montanha – “Depois subiu à montanha, e chamou a si os que ele queria, e eles foram até
ele. E constituiu doze, para que ficassem com ele, para enviá-los a pregar” (Mc 3,13-14);
nas Cidades – “e ele percorria os povoados, ensinando. (Mc 6,6); a beira do Mar – “e ele
disse a seus discípulos que deixassem o pequeno barco à sua disposição para que o povo
não o apertasse” (Mc 3,9); Casas – “e voltou para casa. E de novo a multidão se apinhou”
(Mc 3,20). Os deslocamentos de Jesus no meio do povo mostram sua encarnação viva do
24
25
cf. WOLLMANN, Lauri José. Jesus o Mestre. p. 40
idem p.41
Bom Pastor , conhecedor e amante de seu povo, Ele é a manifestação do Deus Pastor que
caminha com seu povo.
c) Jerusalém – “Jesus atravessa cidades e povoados ensinando e encaminhando-se para
Jerusalém” (Lc 13,22); no Templo – “Chegaram a Jerusalém. E entrando no Templo, ele
começou a expulsar os vendedores e os compradores que lá estavam: virou as mesas dos
cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas, e não permitia que ninguém carregasse
objetos através do Templo. E ensinava-lhes dizendo: Não está escrito: Minha casa será
chamada casa de oração para todos os povos? Vós porém, fizestes ela um covil de
ladrões!” (Mc 11, 15-17).
Os ensinamentos de Jesus assumem os mesmos quadros dos ensinamentos normais do
judaísmo contemporâneo, ou seja, Jesus trata os mesmos temas que eram tratados pelos
“mestres” judeus. Porém, Jesus discute estes temas com uma forma nova, com uma nova
preocupação: libertá-los Suas parábolas podem servir de paradigma para compreender o seu
ensinamento, a sua urgência de adesão ou rejeição, que representam uma resposta ao primeiro
apelo feito por Jesus. “Arrependei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15).
Jesus não apresenta uma nova Lei, mas trata-se da Lei reconduzida ao seu sentido
primordial e libertador, purificada ao mesmo tempo do legalismo rabínico. Jesus é a nova
Torah, pois aos antigos foi dito e Jesus passa para o “eu porém vos digo”. Quem segue Jesus
não é dispensado da Lei. Antes, é chamado a uma justiça maior, cujo fundamento é a Lei e a
interpretação que Jesus faz dela. O ensinamento de Jesus, como discussões sobre a Lei e o
anúncio do Reino de Deus, é interpretado de forma diferente nas diferentes comunidades. Elas
percebem em Jesus o único Mestre que não ensina Leis humanas, como o fazem os escribas,
mas o Mestre, cujo ensinamento é um anúncio de salvação e libertação.26
26
idem p. 42-46
Na Nova Aliança, a família mantém seu rol educativo primordial. O anúncio da
Encarnação ocorre na “casa” de Maria de Nazaré (Lc 1,26). Quem celebra primeiramente o
evento é um menino, ainda no ventre materno, quando Maria chega na “casa” de Isabel.
É Maria quem educa o menino! “Criados a imagem e semelhança de Deus” (Gn
1,26). Assumir a si mesmo (a) como filho (a) de Deus é onde se dá o reconhecimento pessoal
da dignidade humana, também em relação ao outro, em relação ao cosmo e com o próprio
Deus. Estabelecendo-se, dessa forma, um processo dialógico filial, confiante e participativo
na vida da Trindade Santa e nos desígnios dela sobre o mundo.
Jesus, olhando para o ser humano adormecido e necessitado da Ruah, o Sopro Divino,
que é a sua própria ação, sente que a participação de ser humano para o entendimento, o
conhecimento de Deus, vem através da imitação de sua ação levando o ser humano a aderir
essa prática que o libertará e o fará também libertador. A pedagogia de Jesus é fazer
discípulos, amigos, comunidade de discípulos aqueles que sabem ouvir e colocar em prática
seus ensinamentos.
O discípulo é o sujeito do seu próprio desenvolvimento na fé e no seguimento de
Jesus, que o estimula para que essa se dê, chegando ao ponto culminante da libertação que é a
vitória da Vida sobre a morte. A Encarnação e Ressurreição é igual Vida em plenitude, em
abundância, que acontece, acontecerá, o já e o ainda não, tema da escatologia. “ Deus de tal
modo amou o mundo que entregou se Filho único”. (Jo 3, 16)
As palavras e ações de Jesus convergem sempre para a libertação e responsabilidade
que cada um tem sobre si mesmo, “tua fé te salvou” ou “os que têm ouvidos para ouvir que
ouça”, uma mulher o questiona e ele aceita, uma samaritana lhe oferece água, uma mulher
adúltera.... Uma explosão de amor mútuo na confissão de fé de Marta, a amizade de Pedro...
Jesus é O que a partir de uma pedagogia desperta o ser humano, os seus talentos, os dons
recebidos, imagem e semelhança de Deus. Vós sois Templos do Espírito Santo, facilitadores
da visão de Reino de Deus, comunicadores (as) da Boa Nova de Jesus, anunciadores (as) do
Reino, “Ide e levai” (At), doadores (as) da própria vida pelo Reino de Deus, “quem quiser
salvar a sua vida vai perdê-la, mas quem a entrega”. Jesus nos liberta pela oração, por seu
pedido ao Pai por nós e por todos aqueles que atrairemos para o Pai.
O conteúdo primordial da pregação de Jesus é a vinda do Reino de Deus e ele nos
transmitiu esse ensinamento através de parábolas, instrumentos pedagógicos privilegiados,
destinados a ilustrar a realidade deste reino. Esse tipo de ensinamento fazia parte do mundo da
sabedoria israelita, onde se condensava toda a experiência sapiencial de Israel. É muito mais
que uma “historinha” simplista que qualquer criança entende; a parábola condensa elementos
causadores de crise. Não é um jeito de expressão da corte, mas faz parte do ambiente
cotidiano das pessoas. Não há qualquer compromisso com ordem ou moral, pelo contrário,
ela detecta exatamente a desordem, o caos e a crise. É marcada por um profundo realismo, por
isso é facilmente assimilada. Porém, ao mesmo tempo que ela surge da realidade material e
cotidiana, destaca-se dela. Emerge da realidade, mas não a reproduz: transforma-a. E essa
transformação é a verdadeira libertação, pois nos dá o conhecimento real da vontade do Pai e
o seu desejo para conosco. Pois em Jesus, Deus se mostra exatamente como Ele é.
1.1.4. Paulo Apóstolo: A Educação para a liberdade dos filhos de Deus
A dignidade humana, dom precioso, pode ser promovida pelo veio da educação. Amar,
refletir “com”, conduzir “para” uma vida de liberdade, que liberta.
Educar para ser livre, opção fundamental feita de acordo consigo mesmo. Somente
assim o ser humano assemelha-se a Deus (Gn 1,26-28). Liberdade como mola propulsora da
vida – a mais profunda aspiração da alma humana. O direito de ser livre na escolha, de ir e
vir, consagrado como direito básico da pessoa humana – o maior drama do encarcerado é a
perda da liberdade.
A Teologia Paulina é uma reflexão sobre a missão e a práxis de Jesus, como motivo de
fé e fundamento da nova práxis cristã. A morte e ressurreição, são a fonte e o fundamento da
vida na graça. Cristo comunica o Espírito de Vida e de liberdade. A teologia da liberdade é
uma teologia da graça que vem a nós pela missão de Jesus Cristo e pela missão do Espírito. 27
Na carta aos Gálatas, Paulo apresenta aos gentios (Gl 2,2) que o evangelho é ruptura
com a Lei, que não salva e nem liberta. Ela (a Lei) segura o povo em um projeto de
escravidão. A Lei não tem força para destruir as forças sociais e éticas da escravidão, que
determinam uma sociedade imperial e escravagista.
As Cartas de Paulo, principalmente as endereçadas aos Gálatas, colocam claro o
conceito radical entre o “fetiche” (vida segundo a Lei) e a vida segundo o Espírito (vida na
Liberdade) (Gl 5). O conflito é entre a “Lei” e a “Graça” que liberta para a liberdade.
Para Paulo, a Lei mantém a aliança da escravidão. A liberdade, que é vida no Espírito,
somente o evangelho comunica. Na vida está a possibilidade de construir a nova criatura.
A Liberdade é processo de formação histórico-social da vida do Homem e da Mulher
(Nova humanidade) novos (ou ser humano novo). O Evangelho da libertação em Paulo
constrói, educa para um Novo “Sujeito Histórico”. A palavra em Paulo suscita o
discernimento. A fé permite ver o sistema social idólatra e satânico. A Palavra do Evangelho é
pedagógica, educa para a libertação do que é idolatria e constitui assim sendo – um povo com
nova práxis e esperança, o que significa compreender de maneira nova a si mesmo e ao
próximo e as relações humanas. A ação característica dos cristãos é a nova práxis da
liberdade. Sendo liberto, o cristão (um novo cidadão) é um “Typos”, modelo de resistência, de
solidariedade e de confiança na ação do Espírito Santo, que liberta.
As cidades gregas orgulhavam-se de suas liberdades. Os judeus se orgulhavam e se
apoiavam na Lei de Moisés. Paulo, porém, rompe com o sistema da Lei, mostrando que a Lei
27
Comblin. J, A liberdade cristã, 1977, p. 17-24; p. 56-66
Fritzmyer. J.A, Linhas Fundamentais de Teologia Paulina, 1970, p. 37-48
mantém um grande regime de escravidão. A Lei não salva. A libertação vem pela fé em Jesus
Cristo que comunica o Espírito.
A experiência da liberdade permite compreender a extensão e a profundidade da
escravidão. A Lei naquele contexto estava a serviço da estrutura social no seu conjunto,
como sistema de morte e de escravidão.
O sistema judaico não era apenas uma Lei interior, uma Lei
moral é inscrita no coração. Era um sistema cultural completo,
incluindo a submissão às classes sociais privilegiadas os
sacerdotes e doutores, um conjunto de prestações religiosas,
morais, sociais que incluíam contribuições econômicas
importantes. Uma grande parte dos produtos da nação estava
reservada ao sistema da Lei. Os homens piedosos obrigavamse a manter as mordomias, o prestigio, a vaidade e a
superioridade social do que os oprimiam e exploravam. A
religião exigia que bajulassem o sistema que os oprimia.
28
(J.
Comblin 1987)
Paulo nascido no início da era cristã deixa sua cidade natal, Tarso, por Jerusalém. É
um citadino e não um homem de campo. Não encontramos em suas reflexões referências ao
campo; a teologia de suas cartas passa pela realidade das grandes cidades (principalmente as
portuárias). Quando se perguntava a Paulo sobre a sua identidade ele respondia o que está
citado em Fl 3, 5 “Circunciso no oitavo dia da raça de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu e
filho de hebreus”, “mas também, cidadão romano” e além do mais, “de nascimento” (At 22,
25-28). Essa forma de se identificar manifesta a rica personalidade de Paulo, judeu por
nascimento e educação, mas da diáspora vivendo no Império integrado a ele. Valorizando
assim, como cidadão romano, ordem e justiça, Paulo nasceu em Tarso, na Cilícia, cidade
importantíssima, cruzamento de vias comerciais.
O horizonte de Paulo é a cidade com as suas construções: os
termos que evocam edificação, a arquitetura, são freqüentes.
Paulo é o único a empregar o termo politeuma (Fl 3, 20), direito
de cidade, cidadania, tão bem enraizada na civilização urbana do
mundo helenístico. Pertencendo a uma família praticante, ainda
jovem Paulo freqüentou a sinagoga. Ai ele aprendeu a ler as
sagradas Escrituras e ouviu as explicações tradicionais sobre a
Lei de Moisés. Em Tarso, como nas outras sinagogas da
diáspora, a tradução grega da Bíblia chamada dos Setenta, como
seu vocabulário, e às vezes as sua variantes características.
Assim a palavra Torah que fundamentalmente quer dizer
ensinamento, é traduzida por nomos, Lei, o que não deixa de ter
conseqüências para a apreciação do conjunto sobre a obra de
Moisés. (...) Quando nas suas cartas Paulo cita a Escritura, ele o
faz o mais das vezes, segundo o texto grego sem problemas. 29
O jovem judeu podia sentir-se face aos gentios, orgulhoso de seus ensinamentos. Em
Rm 2,17 o judeu nos é apresentado como: “convencido de ser o guia dos cegos, a luz dos que
estão nas trevas, educador dos ignorantes...”.
Isso era apresentado com espírito de orgulho, mais tarde, o próprio apóstolo Paulo vai
combater esse orgulho dos judeus, que se achavam superior aos outros. Para Paulo, a
28
Cf. Comblin. J., Paulo Apóstolo de Jesus Cristo, 1993.
liberdade de Jesus Cristo é uma vocação dinâmica porque é uma tarefa a ser cumprida. Poder,
graça, “iniciativa de Cristo que nos alcança” (Fl 3, 12), isto está na compreensão dos
ensinamentos. Constatamos que Paulo ensina de maneira regular. Não estamos mais no
estágio do primeiro anúncio, mas de uma formação contínua, uma explicação detalhada da
Escritura, isso seria dar um sentido novo ao ensinamento em relação com Cristo.
Assim sendo, Paulo cria o que chamamos de uma escola, a “escola” paulina, isto é, um
grupo de discípulos ligados ao ensinamento do mestre. Por exemplo: Timóteo, Tito aos quais
Paulo incumbe delicadas missões. Graças a isso, os seus discípulos assegurarão a
continuidade dos ensinamentos do mestre (Paulo) através de escritos publicados com o seu
nome, como por exemplo a carta aos Efésios e epístolas pastorais. A graça para o apóstolo
uma palavra já gasta no vocabulário hodierno (chares) é fundamental para Paulo.
A celebração da graça não o impede de fazer uma crítica ‘Eu
trabalhei mais do que eles, não eu, mas a graça de Deus que está
comigo’ (1 Cor 15, 10). A graça de Deus quer agir em nós, e
devemos Ter disponibilidade para isso: a proposta da carta aos
Gálatas é o evangelho da liberdade que liberta.
O amor liberta. A Bíblia mostra que a razão de ser da liberdade humana é o amor de
Deus. A Liberdade de poder dizer não; mas no entanto, experienciar o amor de Deus. Fomos
chamados à liberdade: “vós fostes chamados para a liberdade” (Gl 5, 13-15). O amor é
serviço de uns para com os outros, como entender esse fato hoje?
A liberdade é um fato social. Ela se dá sempre em relação à outra, ao outro e ao Outro.
É solidária, é fraterna como uma opção expontânea e não normativa, pois cairia num vazio
existencial quando normativa30. A compreensão cristã da liberdade em Paulo, é apresentada
29
30
Cf. Cothenet. E., Paulo apóstolo e escritor, 1999, p. 24 – 25.
Comblin. J, Cristãos rumo ao século XXI, 1999
como: “Cristo deu liberdade para que sejamos livres” (Gl 5, 1). Aderir a Cristo é o que Paulo
chama de fé. Na mística paulina que vai além do seu ensinamento moral, a liberdade plena é
um Dom do Espírito Santo; é vida nova inaugurada por Jesus Cristo; é de filhos libertados de
uma Lei que escraviza. A meta dos cristãos é uma vida livre de Leis e regulamentos movida
pelo Espírito Santo, que os faz atuar por amor e não por temor, cheio de alegria, paz e
bondade, fidelidade e outros frutos do amor. Quando Deus reina a pessoa atua como quem é
de Cristo (Gl 5, 19 – 25).
A tarefa dos educadores e pastores é contribuir para o desenvolvimento e não para
restringir essa liberdade responsável e generosa dos fiéis. Liberdade não é dada, é
conquistada; ninguém torna o outro livre, mas lhe permite conquistar a liberdade. Assim
sendo, o cristão atua livremente agindo pela ação do Espírito Santo que nele habita por
gratuidade e não por dever.
Desde o seu novo nascimento, pelo conhecimento de Jesus Cristo, morto e
ressuscitado, cada filho de Deus tem por obra do Espírito Santo um desenvolvimento de sua
liberdade incomparável, a qualquer tipo de pseudo liberdade. A liberdade não é dada, ela é
uma possibilidade; é mais do que uma qualidade, é um atributo do ser humano: é a própria
razão de ser da humanidade, o ser profundo, o eixo central de toda a existência humana. Deus
fez o homem-mulher para que fosse livre e pudesse agir com liberdade. “Deus quis diante
dele um ser livre como Ele” 31.
Sendo a liberdade uma conquista - como nos mostra, também, Paulo -, os educadores e
os pastores podem ser os facilitadores desta libertação pela educação. O ser humano, que é ser
corporal, material, físico e também espiritual, deve buscar a libertação em todos esses
31
Cf. Segundo. J.L., Que mundo? Que homem? Que Deus?, 1995, p. 385 à 404. “Para aqueles que crêem em
Deus, mostrar-lhes a estupenda aventura de uma criação, na qual Deus decide – livremente – amar, e para faze-lo
criar um ser especialíssimo, capaz de liberdade, amor e gratuidade embora seja dentro dessa imponente rede de
forças de um universo infinitamente maior, e, aparentemente, mais poderoso”. Segundo. J.L., Que mundo? Que
homem? Que Deus?, 1995, p. 453.
âmbitos. Por muito tempo se pensou em viver essa liberdade fora do mundo: o tema era fuga
do mundo.
No entanto, a liberdade está inserida na vida. Fora de um mundo ideal e da realidade.
Ela só se realiza e existe dentro de uma grande necessidade de “liberdades” que se conquista:
liberdade política, liberdade econômica, liberdade religiosa, liberdade cultural, em conexão
com o mundo, com os outros e com as outras.
A vocação à libertação se realiza em meio a tantas lutas e condicionamentos e
fracassos, que são condicionantes ao ser libertado pela cruz de Cristo32.
2. ASPECTOS DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
Ao longo da história humana a educação foi sempre pensada num processo dialético
de ensinar e aprender.
A etimologia da palavra “educação” provém do latim educere e
significa “conduzir”; ducere “para fora”, ela nos oferece uma
pista nova. Na tarefa educativa é preciso contar com o
educando, certamente há condução, mas sempre a partir do que
o aluno já é. Não se parte do nada. Numa visão mais
“tradicionalista” se diria que etmologicamente “educação” do
latim educare se assinalava a ação de formar, instruir, guiar, com
o papel mais passivo do educando. Ambas etimologias
apresentam forma insofismável e a dimensão fática ativa e social
do munus educacional 33
Educação seria em alguns dos seus significados:
-
32
33
Formação da personalidade
Cf. Comblin. J., Cristãos rumo ao século XXI, 1999, p. 65.
FULLAT, Octavi. Filosofias da Educação. p.21
-
Um saber e um saber-agir sobre o educando
-
Atividades escolares
-
Instruir, informar (incluindo boas maneiras) mesmo fora do ambiente escolar.
Esses significados contribuem para a socialização e libertação do educando.
Educação: Processo Educativo
-
Como realidade (fatos): sociologia, história, psicologia, economia, neurofisiologia, física,
química e tecnologia.
-
Como valor: (antropologias filosóficas), filosofia, moral, política, estética e direito.
Reflexão sobre a evolução do pensamento humano:
Sócrates – (469-399 a.C.) é uma figura emblemática na história da filosofia. Passava
horas discutindo nos locais públicos de Atenas e era muito procurado pelos jovens. Ele
argumentava e provocava discussões, fazendo perguntas aos que julgavam entender um
determinado assunto, deixando-os sem saída e obrigados a reconhecerem sua própria
ignorância. Esse é o conhecido método socrático, nascido da perplexidade do filósofo diante
do oráculo de Delfos, que o identificara como “o homem mais sábio”. Apesar de não se
considerar como tal, ele não ousa desacreditar do oráculo e consulta as pessoas que se diziam
sábias, descobrindo a fragilidade desse saber. Percebe que a sabedoria começa quando se
reconhece a própria ignorância. “Só sei que nada sei” é , para Sócrates, o princípio da
sabedoria: atitude de assumir a tarefa verdadeiramente filosófica de superar o enganoso saber
baseado em idéias preconcebidas.
Seu método compreende duas partes: 1)ironia (do grego eironeia, que significa
perguntar, fingindo ignorar), é um processo negativo e destrutivo de descoberta da própria
ignorância; 2) Maiêutica (de maieutikê, “relativo ao parto”) é construtiva e consiste em dar à
luz novas idéias.
Temos conhecimento dos ensinamentos de Sócrates através das obras de seus
discípulos, especialmente Platão, pois ele nada deixou por escrito. Sempre assumiu uma
postura mais radical e procurou definir com rigor aquilo de que se falava, pois não bastava
descrever as diversas virtudes, mas deveria saber-se sua essência.
Quando Sócrates usa a máxima “Conhece-te a ti mesmo”, ele não tinha um objetivo
puramente intelectual. Ele queria chegar no reto conhecimento das virtudes humanas, a fim de
se poder levar uma vida igualmente reta. Para Sócrates, ninguém é voluntariamente mau, pois
a filosofia favorece a vida moral do homem. Para conhecer o bem é preciso praticá-lo e a
maldade provém da ignorância. Esse pensamento é chamado de intelectualismo ético, isto é, a
doutrina socrática que identifica o sábio e o homem virtuoso.
Desse conceito derivam diversas diretrizes para a educação, como: o conhecimento
tem por fim tornar possível a vida moral; o processo de adquirir o saber é o diálogo; nenhum
conhecimento pode ser dado dogmaticamente, mas como condição para desenvolver a
capacidade de pensar; toda educação é essencialmente ativa e, por ser auto-educação, leva ao
conhecimento de si mesmo; análise radical do conteúdo das discussões, retirado do cotidiano,
leva ao questionamento do modo de vida de cada um e, em última instância, da própria
cidade. Essa doutrina, considerada subversiva, por colocar em questão valores vigentes,
levanta contra Sócrates inimigos rancorosos. Acusado de corromper a mocidade e de não crer
nos deuses da cidade, é condenado à morte. Toda sua história e contada por Platão, em
Apologia de Sócrates e Fédon. 34
Platão – (428-347 a.C.) Ateniense de família aristocrática, sentia-se atraído por
política, apesar de ter sofrido pesados reveses ao tentar pôr em prática suas teorias. O vigor de
seu pensamento faz questionar o que de fato seria de seu mestre Sócrates e o que é sua criação
34
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. p. 44
original. Platão dizia ser preciso cinqüenta anos para fazer um homem. Para seu tempo isso
significa muitíssimos anos.35
Ante a variedade de significados que se descobre no conceito de educação, assumindo
a postura de Platão, entendemos que educar é fazer-se e educar fazer, e que esta tarefa
abrange toda a existência humana em todas as suas dimensões.36 A educação de “valores”
como um “dever - ser”, propicia a idéia de melhoria na dinâmica do ato de educar,
observando-se o ato de educar nas implicações sociais pessoais.
Educar o indivíduo acreditando no desenvolvimento das possibilidades humanas,
capacidades críticas que liberta e nos conhecimentos de valores, atitudes e aptidões que
socializam. Para Platão, há dois modos, entre outros, de educação.
Em seus processos educacionais (pedagógicos), o que insere a pessoa numa sociedade
- o socializador (empeiría = experiência) - seria o mais comum. Aquele que liberta, em parte,
a pessoa das amarras que a sociedade impõe - o libertador (eleutheria) – é um processo mais
raro.37 Para compreender a proposta pedagógica de Platão é preciso associá-la ao seu projeto
inicial, que é político.
No seu livro A República, Platão expõe o “mito” da caverna, uma alegoria usada para
explicar sua teoria, a qual relata que os homens se encontram acorrentados em uma caverna
desde a infância, de tal forma que, não se podendo voltar para a entrada, apenas enxergam o
fundo da caverna, onde são projetadas as sombras das coisas que passam as suas costas, onde
há uma fogueira.
Se um deles conseguisse se soltar para contemplar a luz do dia, os verdadeiros objetos,
quando regressasse para contar o que vira, não mereceria o crédito de seus amigos, que o
tomariam por louco. A análise desse mito pode ser feita de dois pontos de vista: o
35
FULLAT, Octavi. Filosofias da Educação. p.24
ARANHA, Maria Lucia de Arruda. História da Educação. p. 44
37
PLATÃO, República, 540,a; Segunda edição de Henricus Stephanus
36
epistemológico, relativo ao conhecimento e o político que, por sua vez,
desdobrará
implicações pedagógicas.
Platão compara o acorrentado ao homem comum, que permanece dominado pelos
sentidos, paixões, e só alcança um conhecimento imperfeito da realidade , restrito ao mundo
dos fenômenos, no qual as coisas são meras aparências e estão em constante fluxo. A esse
conhecimento Platão chama doxa, que significa “opinião”.
O homem que se liberta dos grilhões é o filósofo, capaz de atingir o verdadeiro
conhecimento, a episteme, “ciência”, quando a razão ultrapassa o mundo sensível e atinge o
mundo das idéias. Lugar da essência imutável de todas as coisas, dos verdadeiros modelo ou
arquétipos. Este é o único verdadeiro, e o mundo sensível só existe enquanto participa do
mundo das idéias, do qual é apenas sombra ou cópia. 38
Para Aristóteles (Grécia - 384-332 a.C.): “não é apenas preciso educar; é necessário
educar honestamente. No plano da consciência educar exige sempre ter que optar, preferir ou
decidir-se, por este ou aquele sistema de valores. A liberdade portanto oferece, exerce um
papel preponderante na tarefa educacional.” 39
Fundou em Atenas sua própria escola, o Liceu, no ginásio de Apolo Lício, em uma
dependência chamada peripatos, daí o fato de sua filosofia ser conhecida como peripatética.
Segundo hipótese corrente, Aristóteles daria suas aulas andando pelos jardins da escola, no
peripatos (peri = ao redor; e pateos = passear). 40
Ao superar a influência do mestre, elabora um sistema filosófico original que abrange
os mais diversos aspectos do saber do seu tempo, inclusive das ciências. Filho de médico,
herda o gosto pela observação, tendo classificado cerca de 540 espécies de animais, o que
mostra a importância dada à investigação científica, também valorizada na sua concepção
pedagógica
38
39
idem p. 44-45
idem p, 94
A teoria do movimento leva à distinção entre as causas possíveis dos seres, a matéria e
a forma. Como conseqüência dessa teoria do movimento e das causas para a pedagogia, toda a
educação deve levar em conta o fato de o homem estar em constante devir. A educação tem
como finalidade ajudar o homem a alcançar a plenitude e a realização do seu ser; a atualizar
as forças que tem em potência. Note-se aqui uma característica da pedagogia da essência, pois
a educação pretende levar o homem a “tornar-se o que deve ser”. Mas como podem vir a ser,
nos encontramos finalmente no campo da ética, parte da filosofia que trata da ação humana
tendo em vista o bem. O sumo bem é alcançar a felicidade.
Para Aristóteles, o que distingue o homem do animal é a capacidade de pensar e,
portanto, sua perfeição se encontra no exercício dessa atividade. Se a virtude do homem é
viver conforme a razão, cabe a ela disciplinar os sentimentos e os instintos.
Diferentemente de Sócrates, que identificava saber e virtude, Aristóteles enfatiza a
ação da vontade, exercitada pela repetição, que conduz ao hábito: só é virtuoso o homem que
tem o hábito da virtude. Daí ser a imitação o instrumento por excelência desse processo,
segundo o qual a criança se educa repetindo os atos de vida dos adultos, adquirindo hábitos
que vão formar uma “segunda natureza”.
Muitos outros pensadores influenciaram o pensamento no que concerne à educação, e
hoje é preciso assumir uma postura histórica para podermos entender os problemas
educacionais, não bastando, entretanto, conhecer os fatos e idéias relacionadas com a
educação em cada época histórica é necessário, além disso, investigar os aspectos, “de ordem
econômica, política e social do país em cujo seio se desenvolve o fenômeno educativo que se
quer compreender, uma vez que é esse processo de investigação que fará emergir a
problemática educacional concreta”. 41
40
41
FULLAT, Octavi. Filosofias da Educação. p. 28
SAVIANI, Demerval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. p. 38
Partimos a seguir para alguns aspectos da história da educação que precisam ser
analisados neste contexto de Libertação, da qual, D.Bosco é representante com sua importante
contribuição da preventividade.
2.1. A educação entre os povos primitivos
Sob regime tribal, a característica essencial da educação reside
no fato de ser difusa e administrada indistintamente por todos os
elementos do clã. Não há mestres determinados, nem inspetores
especiais para a formação da juventude: esses papéis são
desempenhados por todos os anciãos e pelo conjunto das
gerações anteriores. (Émile Durkheim)
A educação existe mesmo onde não há escolas. Nas sociedades chamadas primitivas e
de povos considerados “bárbaros”, por exemplo, não existem escolas nem métodos de
educação conscientemente reconhecidos como tais. No entanto, existe educação, cujo objetivo
é promover “o ajustamento da criança ao seu ambiente físico e social, por meio da aquisição
da experiência de gerações passadas” 42
Entre os povos primitivos, a criança adquire o conhecimento necessário por meio da
imitação: 1ª fase (primeiros anos de vida): imitação inconsciente.
2ª fase (adolescente): imitação consciente.
As cerimônias de iniciação possuem valor educativo nos seguintes aspectos:
a) moral;
b) social;
c) político e religioso.
42
MONROE, Paul. História da educação. p. 1
Animismo é a crença de que tudo possui uma alma. O aprendizado dos métodos que
apaziguarão o mundo dos espíritos constitui a parte mais importante da sua educação. Os
primeiros professores são, inicialmente, a classe formada pelos chefes de grupos familiares.
Posteriormente, a instrução passa a ser dada pelos sacerdotes, que se constituem nos primeiros
professores profissionais.43
2.2. Educação Judaica
Como nas demais civilizações antigas, os hebreus estão impregnados da religiosidade
e da ação dos profetas, na realidade seus primeiros educadores. De início as sinagogas
também servem de local para a instrução religiosa, em que se dizem as verdades da Bíblia.
A Bíblia é constituída pelos livros do Antigo Testamento, no qual se encontram os
fundamentos do judaísmo. No início da nossa era, os evangelistas acrescentaram o Novo
Testamento, referente aos ensinamentos de Jesus, aceito apenas pelas religiões cristãs, porque
os judeus não os consideravam o verdadeiro Messias. Os documentos bíblicos têm
inestimável interesse histórico e, não somente nos fazem conhecer os valores morais e
jurídicos do povo hebreu, como ajudam a compreender as raízes judaico-cristãs da cultura
ocidental.
Significativa mudança acontece entre os hebreus, distinguindo-os dos demais povos.
Em primeiro lugar, pela superação de concepção politeísta, ao admitirem a existência de um
só Deus, Javé. Além disso, enquanto as outras civilizações não destacaram propriamente a
individualidade, por estarem seus membros mergulhados nas práticas coletivas, os hebreus
desenvolvem uma nova ética voltada para os valores da pessoa e para a interioridade moral.
Outro aspecto do judaísmo é a importância dada a todo ofício e ao reconhecimento do
valor da educação manual, o que atestam as seguintes citações: “A mesma obrigação tens de
43
BRANDÃO, Carlos Rodrigues O QUE É EDUCAÇÃO. São Paulo: Brasiliense. 1981. P.18-19
ensinar a teu filho um ofício como a de instruí-lo na Lei” e “É bom acrescentar a teus estudos
o aprendizado de um ofício; isso te ajudará a livrar-te do pecado”. 44
2.3. Educação Grega
As características principais da educação grega é o maior desenvolvimento individual
bem ao contrário da educação oriental que tentava conservar e reproduzir o passado mediante
supressão da individualidade.
“É historicamente indiscutível que foi a partir de que os gregos situaram o problema
da individualidade no cimo do seu desenvolvimento filosófico que principiou a história da
personalidade européia. Roma e o cristianismo agiram sobre ela”.
45
Entretanto, não se pode
esquecer que o novo conceito de educação grega refere-se aos cidadãos livres da Grécia
Antiga, que podiam tirar proveito da sua liberdade ao mesmo tempo em que cerca de 90% da
população vivia como escravos.
Um dos significados dados ao sophós – sábio, na Antiga Grécia, foi o de ser entendido
em algo. Quem tinha êxito na cura das doenças era um sophós. Nesse sentido particular de
“sábio”, insere-se o educador como artista ou fazedor. Os educadores são sophói; são práticos
e habilidosos na arte de educar. 46
Paidéia: A palavra “paideia não pode ser usada como fio condutor da origem da
educação grega. Este fato se encontra pela primeira vez em Ésquilo, “Os Sete contra Tebas”,
que designa, tão somente, a criação dos meninos (Paidos = crianças), porém seu sentido de
tornou muito mais elevado com o correr do tempo. Como fio condutor que nos guie ao longo
da história da educação grega e lhe dê unidade, encontramo-lo no conceito de Aretê. É este
conceito que exprime a forma primeira, original e originária do ideal educativo grego.
44
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. p. 36
JAERGER, Werner. Paidéia. A formação do homem grego. p. 9
46
FULLAT, Octavi. Filosofias da Educação. p.29
45
A Paidéia é então entendida como sendo a formação geral que se dará ao homem para
torná-lo cidadão. Este ideal aparece claramente no séc. IV a.C. presente nos sofistas e também
encontrado em Sócrates, Platão, Aristóteles ou em Isócrates, tornando-se uma afirmação: “O
princípio espiritual grego não é o individualismo mas o humanismo”, para usar a palavra nos
seu sentido clássico e originário: “um fator marcante para o desenvolvimento do mundo
grego, sobretudo na cultura e nas ciências.” 47
2.4. Educação Romana
“A Grécia vencida conquistou por sua vez o rude vencedor e
levou a civilização ao bárbaro Lácio” (Horácio)
“As armas não tinham conseguido submetê-los a não ser
parcialmente; foi a educação que os domou” (Plutarco).
Os romanos tinham uma mentalidade prática: procurava alcançar resultados concretos
adaptando os meios aos fins. Enquanto os gregos julgavam e mediam todas as coisas pelo
padrão da racionalidade da harmonia ou da proporção, os romanos julgavam tudo pelo
critério da utilidade ou da eficácia.
O ideal romano de educação decorre, principalmente, da concepção de direitos e
deveres. Numa educação centralizada na formação do caráter moral das pessoas, a família
desempenha papel muito importante. A situação da mulher em Roma era mais elevada do que
no restante dos impérios da Antigüidade.E ela exercia grande autoridade dentro da família.
A característica fundamental do método da educação romana era a imitação. O método
característico era a educação prática. Aprendia-se fazendo a coisa que se tinha de fazer.
47
JAERGER, Werner. Paidéia. p
A educação primitiva romana era dada praticamente no lar. Durante a última parte
desse período surgiram as escolas elementares (ludi), que passaram a ministrar os rudimentos
das artes de ler, escrever e contar. Os mestres dessas escolas chamavam-se ludi-magister.
Com as mudanças históricas, a cultura grega continua se nos impondo mais diversos
aspectos da vida romana. A escola do retórico em Roma ministrava o treino completo em
oratória, e era freqüentada por aqueles que pretendiam dedicar-se a uma carreira pública. Com
a retórica se transformou num simples treino para aquisição de habilidades de falar em
público, sem se preocupar com o conteúdo do discurso, houve necessidade de se preencher
tais deficiências. Surgiu, então, o estudo da ciência do Direito e da Filologia.
Roma e Constantinopla tiveram os melhores centros docentes. Nesses centros
floresceram as escolas de filósofos e os institutos helenísticos, onde se desenvolviam as
ciências particulares. Tais instituições tornaram possível o surgimento das universidades.
O fato de a educação romana ter passado a se limitar à classe mais elevada colabora
para a sua decadência. A educação ministrada pela Igreja Primitiva Cristã veio, gradualmente,
substituir a decadente educação romana. 48
3. A EDUCAÇÃO NOS DOCUMENTOS DA IGREJA
Quando nos reportamos à educação é comum associa-la à filosofia de educação e
princípios educativos de uma escola. Neste trabalho, porém a proposta é uma reflexão
sobre os aspectos teológicos da educação para o qual não bastaria uma reflexão puramente
racional, pois a Teologia pressupõe a fé e esse pressuposto transforma o todo. Os aspectos
que envolvem a teologia da educação nos seus desdobramentos educacionais pastorais e
espirituais. A teologia (teos = Deus; logos = palavras, saber, estudo). A teologia é o estudo
e reflexão na fé da Palavra de Deus.
48
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O QUE É EDUCAÇÃO. P. 48-53
De acordo com o Concilio Vaticano II, a palavra de Deus é idêntica a Revelação Divina
contida na Tradição e na Sagrada Escritura: “A Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura
constituem um só sagrado depósito da Palavra de Deus” (Dei Verbum 10). A teologia é a
forma de conhecer a revelação de Deus acolhida pela fé. A teologia é uma ciência e como
toda a ciência tem uma estrutura do conhecimento, que possibilita o teólogo a ver tudo a partir
da Revelação de Deus, acolhido pela fé, que cria dentro do seu próprio ser a vontade
intrínseca de Deus.
Um teólogo cristão é um estudioso da Palavra de Deus, que é o Verbo encarnado (Jo1,1),
porém, antes de ser um “doutor” ele é um discípulo, um humilde discípulo, que deseja
“ensinar” por Deus. Ele se empenha em conduzir os seus educandos para o desejo de Deus
que existe dentro deles. Todo o ser humano, isso nos diz a antropologia, é atraído pelo
transcendente.
3.1. Conceito Cristão de Educação
O conceito do que é “educação”, compete em primeiro lugar à filosofia, porque se
trata de analisar racionalmente a natureza humana, o seu aperfeiçoamento cultivo e falar sobre
sua cultura, porém em uma sociedade complexa como a atual, onde não só influências
familiares contribuem para maturidade de pessoa, mas há outros fatores externos que
influenciam o educando em seu amadurecimento e que preocupam: filósofos, sociólogos,
antropólogos e teólogos. A dimensão religiosa do ser humano, e falar de sua relação com
Deus, obriga a Igreja a envolver-se com a educação de seus filhos a partir do Projeto de Deus
sobre a humanidade. Assim sendo, para os cristãos o conceito de educação não é incumbência
só da filosofia, mas, também, da teologia. A educação é vista como um processo de
amadurecimento da pessoa como tal e sua abertura para a transcendência. Assim,
considerando que esse processo educativo está orientado para a salvação integral e para a
santidade da pessoa. Procuraremos observar em documentos eclesiais a grande preocupação
da Igreja como Educação.
Por uma razão bem especial cabe a Igreja o dever de educar.
Não só porque deve ser reconhecida como sociedade humana
capaz de transmitir educação. Mas antes de tudo, porque lhe
incumbe anunciar o caminho da salvação aos homens todos
comunicar aos fiéis a vida de Cristo ajudando-os por uma
solicitude continua a atingirem a plenitude desta Vida. (G. E. 3).
3.2. Concílio Vaticano II: Declaração “Gravissimum Educationes”
O concílio Vaticano II impulsiona a ação educativa interna da Igreja, definindo-a
como um “sacramento de salvação”. Essa noção sacramental explica o dinamismo da Igreja
para aperfeiçoar as pessoas e torná-las libertas. A Constituição Dogmática Lumen Gentium
nos diz:
A Igreja é em Cristo como que um sacramento ou o sinal e
instrumento da íntima união com Deus, e da unidade de todo o
gênero humano, ela deseja oferecer a seus fiéis e a todo o mundo
um ensinamento mais preciso sobre sua natureza e sua missão
universal insistindo no tema de Concílios anteriores (LG. 1).
A Igreja ao evangelizar atrai os homens e as mulheres para Cristo, que os liberta, e os
encaminha assim à perfeição e à felicidade (LG 17).
A Declaração Conciliar Gravissimum Educatones, que se dedica à educação cristã da
juventude, dá uma explicação a respeito dos direitos dos cristãos e os deveres da Igreja,
“todos os cristãos têm direito à educação cristã” e passa a descrever e recorda aos pastores de
almas a gravíssima obrigação de tudo empreenderem no sentido de os fiéis se beneficiarem
desta educação cristã, particularmente os jovens, que constituem a esperança da Igreja (GE 2)
A Igreja tem como missão educar os fiéis. O primeiro meio educativo próprio da Igreja
é a instrução catequética, isto é educação na Fé, mostrar com bondade as várias etapas de
amadurecimento na fé, desta maneira o educando percebe-se participante de sua educação
(GE 4). Em seu preâmbulo (na nota 3),
49
esta Declaração Gravissimum Educacionis
menciona vários acordos que mostram a importância de diálogos da Igreja com autoridades
educativas civis.
Nos documentos do CELAM, encontramos referências importantíssimas para uma
visão do que é a educação libertadora proclamada em Medellin, Puebla, e Santo Domingos,
que têm o propósito de transformar o povo da América Latina no novo sujeito histórico,
libertado pela educação, sendo fator básico e decisivo para o desenvolvimento do continente.
Como destacamos no antigo Israel, nas páginas anteriores, o povo sofria
conseqüências da idolatria de uma religião manipuladora, fiel aos interesses das elites e dos
governantes políticos e religiosos, que não permitiam o desenvolvimento libertador do ser
humano, tornando-o escravo política, religiosa, cultural e economicamente.
A Conferência de Medellin vem nos apontar, ao referir-se à educação na América
Latina, o sentido humanista e cristão da Educação que liberta porque responde às
necessidades do povo e os ajuda a refletir sobre as causas do seu fracasso. 50
A Conferência de Medellin também observa que é o campo da educação o meio mais
necessitado de mudanças, e de mudanças profundas, que encerrem a fase de uma educação
49
cf. Profissão universal dos direitos humanos (Declaration des droits de l’homme), de 10 de dez. 1948,
ratificada pela assembléia geral das nações Unidas; e cf. Declaration des droits de l’enfant, de 20 nov. 1959;
Protocole additionnel à la convention de sauvegarde des droits de l’homme et des libertés fondamentales, Paris,
20 março 1952; a respeito da Profissão universal dos direitos humanos, cf. João XXIII, Carta encíclica Pacem in
terris, de 11 abril 1963: AAS 55 (1963) p. 295s.
50
cf. Documento de Medellin nº 8, p. 88
reprodutora de padrões de culturas européias, que não permitem o desabrochar da mente o
desenvolvimento de raciocínio livre, das pessoas, crianças, adultos, adolescentes, tornando-os
marginalizados por falta de uma alfabetização criativa e profética.
O Documento de Puebla dedica alguns parágrafos à necessidade urgente de uma
educação libertadora. Cita que, para a Igreja: educar o ser humano é parte da missão
evangelizadora, continuando assim a missão de Jesus o Cristo e o Mestre.51
Quando a Igreja evangeliza e consegue a conversão do homem,
também o educa, pois a salvação (Dom divino e gratuito) longe
de desumanizar o homem, o aperfeiçoa e enobrece; faz com que
cresça em humanidade. A evangelização é, neste sentido,
educação. todavia, a educação enquanto tal não pertence ao
conteúdo essencial da evangelização, mas ao seu conteúdo
integral.”; 1024 “a educação é uma atividade humana da ordem
da cultura; a cultura tem uma finalidade essencialmente
humanizadora. Desta forma, compreende-se que o objetivo de
toda educação genuína seja humanizar-se e personalizar o
homem, sem desvirtuá-lo, mas pelo contrário orientando-o
eficazmente para seu fim último que transcende a essencial
finitude do homem. A educação será tanto mais humanizadora
quanto mais se abrir para a transcendência, ou seja, para a
verdade e o
sumo Bem.”; 1025 “a educação humaniza e
personaliza o homem quando consegue que este desenvolva
plenamente o seu pensamento e sua liberdade, fazendo-os
frutificar em hábitos de compreensão e comunhão com a
51
cf. Documento de Puebla nota 297 n.º 1012. N.º 1013
totalidade da ordem real; por meio destes, o próprio homem
humaniza o seu mundo, produz cultura, transforma a sociedade e
constrói a historia.”; 1026 “A educação evangelizadora assume e
completa a noção de educação libertadora, porque deve
contribuir para a conversão do homem total, não só em seu eu
profundo e individual, mas também no eu periférico e social,
orientando-o radicalmente para a genuína libertação cristã, que
torna o homem acessível à plena participação no mistério de
Cristo ressuscitado, isto é, à comunhão filial com o Pai e à
comunhão fraterna com todos os homens, seus irmãos.
A Conferência de Santo Domingo nos coloca mais uma forma Pastoral que dá título a
ação educadora da Igreja, reafirmando o que diz Medellin e Puebla. Quer fazer uma proposta
para a educação cristã mais atualizada e a inculturação do Evangelho. 52
Reafirmamos o que dissemos em Medellín e Puebla (cf.
Documento de Educação, Medellín, Puebla) e a partir dali
assinalamos alguns aspectos importantes para a educação
católica nos nossos dias.
-
a educação é a assimilação da cultura. A educação cristã é
a assimilação da cultura cristã. É a inculturação do Evangelho na
própria cultura. Seus níveis são bem diversos: escolares ou nãoescolares, elementares ou superiores, formais ou não-formais.
Em todo caso, a educação é um processo dinâmico que dura a
vida toda da pessoa e dos povos. Recolhe a memória do passado,
ensina a viver hoje e se projeta para o futuro. Por isso, a
educação cristã é indispensável na nova evangelização. N.º 264
– a Educação cristã desenvolve e assegura a cada cristão a sua
vida de fé e faz com que verdadeiramente nele sua vida seja
Cristo (cf. Fl 1,21). Por ela, ecoam no homem as “palavras de
vida eterna”(Jo 6,68), realiza-se em cada pessoa a “nova
criatura” (2Cor 5,17) e se leva a cabo o projeto do Pai de
“recapitular em Cristo todas as coisas” (Ef 1,10). Assim a
educação cristã se funda numa verdadeira antropologia cristã,
que significa a abertura do homem para Deus como Criador e
Pai, para os outros como seus irmão, e para o mundo como
àquilo que lhe foi entregue para potenciar suas virtualidades e
não para exercer sobre ele um domínio despótico que destrua a
natureza. N.º 265 – Nenhum mestre educa sem saber para que
educa e em que direção educa. Há um projeto de homem
encerrado em todo projeto educativo; este projeto vale ou não
segundo construa ou destrua o educando. Este é o valor
educativo. Quando falamos de uma educação cristã, queremos
dizer que o mestre educa para um projeto de homem no qual
Jesus Cristo viva. Há muitos aspectos nos quais educar e muitos
que constam do projeto educativo do homem; há muitos valores;
mas estes valores nunca estão sós, sempre formam uma
constelação ordenada, explícita ou implicitamente. Se a
estruturação tem como fundamento e termo a Cristo, tal
educação recapitulará tudo em Cristo e será uma verdadeira
educação cristã; caso contrário, pode falar de Cristo, mas não é
educação cristã. N.º 274 – Urge uma verdadeira formação cristã
sobre a vida, o amor e a sexualidade, que corrija os desvios de
certas informações que se recebem nas escolas. Urge uma
educação para a liberdade, um dos valores fundamentais da
pessoa. É também necessário que a educação cristã se preocupe
em educar para o trabalho, especialmente nas circunstâncias da
cultura atual.
Há várias maneiras de olhar a história da educação. É diferente o olhar de um
sociólogo, de um poeta, de um político. Todas são válidas e contribuem para que a educação
52
cf. Documento de Santo Domingo “A ação Educativa da Igreja”. Iluminação Teológica. N.º 263
seja promotora da humanização do ser humano. Nós, porém, queremos olhar a realidade
educacional com os olhos da teologia, uma maneira de olhar original, pois aparece pela
experiência de Deus na vida de homens e mulheres que se dedicam à ação de observar os
sinais dos tempos. 53
A Igreja do Brasil quer olhar também a realidade atual da Educação como cristãos
educadores seguindo o caminho pedagógico de educação libertadora. O olhar da realidade
atual vai mudando nos sucessivos documentos da Igreja Universal, na Igreja Latino
Americana regional, particular e local, observando com muito cuidado as diferenças segundo
o lugar e o setor social, econômico e cultural que abarcam.
O Documento Educação Igreja e Sociedade da CNBB começa apontando a Missão do
Educador como o responsável pela formação da pessoa para agir conforme sua consciência,
iluminada pelos valores objetivos de uma vida humana e realizada.54 O objetivo da educação é
ajudar a pessoa a libertar-se dos condicionamentos e dominações que dificultam seu
desabrochar efetivo e assumir-se integralmente como sujeito no seu crescimento pessoal.
“A liberdade é a marca de que a atividade humana é capaz de transcender os limites de
ordem material, corporal, sexual, psicológica, social, econômica e cultural que envolve as
pessoas”55. É por essa liberdade que o ser humano é chamado a transcender todos os
condicionamentos e a dar sentido à sua vida.
O processo de libertação ou de auto-realização é longo e difícil, pois leva o indivíduo a
uma tomada de consciência de um sentindo transcendente diante dos valores que superam os
condicionamentos temporais e materiais da existência, apontando para o mistério de sua
própria vida e para o mistério de Deus. Ao descobrir o Ser Supremo, o ser humano transcende
53
cf.AHUMADA, Enrique Garcia. Teologia de la Educacion. p.448-455
cf. Documento “Educação Igreja e Sociedade” n.º 47 parágrafo 65. “a educação está a serviço da liberdade.
Ela é libertadora não só no sentido de que considera o educando como sujeito do seu próprio desenvolvimento
(Medellín), em comunidade (Puebla), mas, também enquanto visa a plena liberdade do educando como pessoa.
Seu objetivo é o de ajudá-lo a libertar-se dos condicionamentos e dominações que dificultam seu desabrochar
efetivo e a assumir, como sujeito, seu crescimento pessoal.
55
Cf. Idem. 1992, p. 40, 66
54
a si mesmo, e ao estabelecer uma relação vital com Deus, ele aprende a lhe ser fiel em todos
os momentos da sua existência e de sua atividade.
É essa transcendência que dá o sentido à vida. Daqui, a força transfiguradora da
religião e a sua importância para educação, pois toda educação comporta uma religiosidade.
“não se pode negar à criança a possibilidade da experiência de uma realidade superior a ela
mesma, decisiva para sua realização plena.[...]”.
O que a revelação nos diz do ser humano, da pessoa? Qual seu
sentido, seu destino? A primeira resposta está no início da Bíblia.
Deus criou o ser humano, ‘homem e mulher ele os criou’. Mais: ‘Deus
criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou’. O
salmo 8 dirá, com admiração, diante dessa obra tão especial de Deus:
‘que coisa é o homem, para dele te lembrares, Senhor, que é o ser
humano, para o visitares? No entanto o fizeste só um pouco menor
que um deus, de glória e honra o coroaste. Tu o colocaste à frente das
obras de tuas mãos. Tudo puseste sob os seus pés. 56
Afirmar que Deus cria o mundo e os seres humanos significa a
afirmar a liberdade de Deus: a criação é fruto de uma vontade
pessoal,
de amor,
não resultado do acaso. Significa
também
reconhecer que homem e mulher, criados semelhantes ao Criador, são
pessoas
dotadas de liberdade e chamadas à criatividade, á
responsabilidade e ao amor oblativo. Assim como no mistério de
Deus Trinitário a pessoa divina é relação amorosa para as outras
pessoas, assim também homens e mulheres criados à imagem e
semelhança do
mesmo Deus,
deve abrir-se, oblativamente, às
outras pessoas até aos inimigos, para merecerem ser chamados
filhos e filhas de Deus.57
A dignidade humana, dom precioso que pode ser promovida pelo veio da educação. O
direito de ser livre, de escolher, de ir e vir, consagrado como direito básico da pessoa humana.
Libertação: liberdade que liberta para a responsabilidade, fraternidade e para a cidadania.
Libertação: livres para servir. Libertação cristã aberta para a comunidade. “O homem é, com
efeito, por sua natureza íntima, um ser social. Sem relações com as outras não pode nem viver
nem desenvolver seus dotes”58. Não individualista, solitária, mas sim solidária. A liberdade
prisioneira pode ser “salva” caminho da inteligência e sabedoria. A inteligência humana deve
ser aperfeiçoada pela sabedoria. É preciso que se atinja todas as realidades humanas, a
realidade de hoje e a de que o mundo se move pelo pensamento científico. A sabedoria faz
com que se conjugue corretamente a ciência e tecnologia e antropologia com a verdade do
Evangelho.
3.3 Ética e Educação
Ética é uma responsabilidade radical e objetiva. A ação humana voluntária livre
se situa numa ordem de ser original, ou seja, o caráter ético objetivo da ação responsável
é um dado antropológico fundamental, fundado na originalidade da ação voluntária.
Todo educador percebe que é essa responsabilidade e essa originalidade que inaugura o
universo ético e, o que conta, é a fidelidade do sujeito aos valores que considera para
uma boa relação com os outros. Os educadores estão hoje cada vez mais preocupados
em se colocar a serviço dos educandos, favorecendo-lhes o aprendizado e a
56
Cf. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. Documento da CNBB. n. 71 São Paulo:
Paulinas. 2003 – 2006, 70
57
Cf. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. Documento da CNBB n. 71, 70 -71
58
Cf. Constituição Pastoral. Gaudium et Spes. Compêndio do Vaticano II. 7ª ed. Petrópolis: Vozes. 1968, 12
autoconstrução do conhecimento. O documento da Conferência de Bispos em Medellín
demonstra em 1968 a preocupação com esse método de educar:
A educação formal ou sistemática se estende cada vez
mais para as crianças e os jovens latino americanos,
embora grande número deles fique ainda fora dos
sistemas escolares. Qualitativamente, e tendo em vista o
futuro, está longe de corresponder àquilo que exige nosso
desenvolvimento. Sem esquecer as diferenças que existem
relativamente aos sistemas educativos nos diversos países
do continente, parece-nos que o seu conteúdo
programático é, em geral, demasiado abstrato e
formalista. Os métodos didáticos estão mais preocupados
com a transmissão dos conhecimentos do que com a
criação de um espírito crítico. Do ponto de vista social, os
sistemas educativos estão orientados para a manutenção
das estruturas sociais e econômicas imperantes, mais do
que para sua transformação.59
A mesma Conferência em suas orientações pastorais afirma:
Reconhecendo a transcendência da educação sistemática
para a promoção do homem, em escolas ou colégios,
convém não identificar a educação com qualquer dos
59
II CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO AMERICANO. Medellin. 2ª ed. São Paulo:
Paulinas. 1968, 4
instrumentos concretos. Dentro do conceito educativo
moderno, esta transcendência é enorme, pois a educação
é a maior garantia para o desenvolvimento pessoal e
progresso social, já que, conduzida corretamente para os
autores do desenvolvimento; e é também ela a melhor
distribuidora dos frutos do progresso, que são as
conquistas culturais da humanidade, constituindo-se no
elemento mais rentável da nação. A Igreja toma
consciência da suma importância da Educação de Base.
Em atenção ao grande número de analfabetos e
marginalizados na América Latina, a Igreja, sem
poupar sacrifício algum, se comprometerá a promover a
Educação de Base, que não visa apenas alfabetizar, mas
também capacitar o homem para convertê-lo em agente
consciente de seu desenvolvimento integral”. A Igreja,
servidora da humanidade, tem-se preocupado, ao longo
de sua história, com a educação, não só catequética, mas
integral do homem.60
No cerne da ética manifestada por Jesus está a fidelidade aos valores e a
qualidade da relação com os outros, portanto, seguindo às diretrizes de Medellín, a
educação ética particular e a educação religiosa encontram-se na mesma dificuldade, ou
seja, continuamos a entender moral e ética como coisa vinda de fora, como um sistema
se princípios e normas, às quais o educando tem que se submeter, como à expressão da
60
CELAM: Conclusões de Medellín: “A Igreja na Atual Transformação da América Latina”. Vozes. 6ª ed.
natureza ou da vontade do criador. Porém, a educação só se pode fazer a partir do
sujeito, como progressivo aprendizado da liberdade, numa vida que deve ser vivida em
sintonia com os valores que lhe dão sentido, na trama concreta e real das relações
interpessoais.
Na III Conferência Geral do Episcopado Latino – Americano, em Puebla,
México, onze anos depois, 1979, os Bispos fazem a seguinte constatação:
O múnus educativo desenvolve-se entre nós numa situação de
transformação sócio – cultural, caracterizada pela secularização
da cultura, influenciada pelos meios de comunicação de massa e
marcada pelo desenvolvimento econômico quantitativo que,
embora, haja significado progresso, não suscitou as requeridas
mudanças para uma sociedade mais justa e equilibrada. A
situação de pobreza de grande parte de nossos povos está
significativamente correlacionada com os processos educativos. Os
setores deprimidos são os que mostram maiores taxas de
analfabetismo e deserção escolar e as menores possibilidades de
conseguir emprego. (1014)61
Entre os religiosos educadores surgem questionamentos sobre a
instituição escolar católica, porque favoreceria o elitismo e a
mentalidade classista; por causa dos escassos resultados na
educação da fé e das mudanças sociais; devido a problemas
financeiros, etc. Esta tem sido uma das causas que levaram muitos
Petrópolis, RJ. 1968, 4; 10; 17
religiosos a abandonar o campo da educação em troca duma ação
pastoral considerada mais direta, valiosa e urgente. (1019)62
Como princípios e critérios os Bispos indicam:
A educação é uma atividade humana da ordem da cultura; a
cultura tem uma finalidade essencialmente humanizadora. Desta
forma, compreende-se que o objetivo de toda educação genuína
seja humanizar e personalizar o homem, sem desvirtuá-lo, mas
pelo contrário orientando-o eficazmente para seu fim último que
transcende a essencial finitude do homem. A educação será tanto
mais humanizadora quanto mais se abrir para a transcendência,
ou seja, para a verdade e o Sumo Bem. (1024)63
A educação humaniza e personaliza o homem quando consegue
que este desenvolva plenamente o seu pensamento e sua liberdade,
fazendo-os frutificar em hábitos de compreensão e comunhão com
a totalidade da ordem real; por meio destes, o próprio homem
humaniza o seu mundo, produz cultura, transforma a sociedade e
constrói a história. (1025)64
61
Cf. III CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO. Puebla. São Paulo: Paulinas.
1979, 1014
62
Cf. III CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO. Puebla. São Paulo: Paulinas.
1979, 1019.
63
Cf. III CELAM –Puebla. 1979, 1024.
64
Cf. III CELAM – Puebla. 1979, 1025.
A educação evangelizadora assume e completa a noção de
educação libertadora, porque deve contribuir para a conversão do
homem total, não só em seu eu profundo e individual, mas
também no eu periférico e social, orientando-o radicalmente para
a genuína libertação cristã, que torna o homem acessível à plena
participação no mistério de Cristo ressuscitado, isto é, à
comunhão fraterna com todos os homens, seus irmãos”. (1026)65
Hoje, mais do que nunca, toda a vida humana social, nacional, e internacional,
cultural, artística, cientifica e até religiosa, parece determinada por interesses e
parâmetros econômicos. Por isso mesmo o cristão no mundo de hoje é convidado a um
exercício para a liberdade. No campo da Moral, o convite é para alcançar a autonomia e
a autenticidade de comportamento sem pressões vindas de fora (pais, Igreja, Governo).
Autenticidade é ser autor do seu agir, coerente com o seu pensar, falar. Um caminho
para orientar o exercício da liberdade “para”, nunca a educação “de”. Assim o “eu”
pode ser aquilo que “é”, ou seja, eu posso “SER”.
4. REALIZAÇÃO TOTAL DA PESSOA HUMANA: PERSPECTIVA DE DOM
BOSCO
Toda pessoa elabora para si uma noção de salvação, que reflete a compreensão que
tem de si próprio, do mundo e de Deus, e do que significa para ela felicidade e plenitude.
O cristianismo quer ser um caminho que leva à realização total da pessoa humana,
oferecendo a seus seguidores a salvação. A noção de salvação é, portanto, central no
cristianismo, mas se apresenta historicamente numa multiplicidade muito grande de
expressões, e sua compreensão se atualiza sempre nos diversos contextos sociais e culturais.
65
Cf. III CELAM – Puebla. 1979, 1026.
A idéia de salvação em Dom Bosco, como veremos no capítulo a seguir, está
condicionada a sua prática educativa. Sua visão teológica situa-se no quadro da Igreja no
século XIX. É uma Igreja marcada pela herança do Concílio de Trento, em oposição à
modernidade. Procurava-se reforçar a identidade católica diante do perigo do protestantismo e
da sociedade moderna, influenciada pelas novas idéias provindas da Revolução Francesa.
Numa tentativa de voltar ao regime de cristandade, onde a Igreja tinha hegemonia, procura-se
refazer a histórica aliança entre o trono e altar, tendo o papa como garantia da ordem. A
ideologia da “restauração” fez da Igreja do século XIX, especialmente no longo pontificado
de Pio IX, uma instituição extremamente conservadora.
A visão de mundo é essencialmente religiosa. A religião por excelência é o
cristianismo católico, a única religião verdadeira, fora da qual não há salvação. Cuidava-se da
“salvação das almas”, em situação de perigo no mundo perdido e decaído. Para isso, era
necessário expandir e conservar a religião. Isso era feito através de uma doutrinação
persistente e forte (catecismo, pregações, missões populares), combatendo a impureza e a
embriaguez (os grandes males de uma moral individualista), exigindo a freqüência aos
sacramentos, impondo uma disciplina rígida para o clero e os fiéis, usando a arma do medo
(do pecado, da morte, do juízo de Deus, do inferno).
Dom Bosco entendia a religião como instrumento de salvação e, também, como
elemento fundamental de educação. Como instrumento de salvação, a religião - para ele só a
católica - oferece os canais da graça - sacramentos - e a doutrina que guia neste caminho
seguro. Como meio educativo a religião tem a força de motivar e de transformar as pessoas.
Era comum no tempo de Dom Bosco fazer a separação entre religião – coisas
espirituais - e a vida profana - mundo. Mas Dom Bosco não fazia esta separação procurando
colocar a religião na vivência da realidade do jovem. A religião cumpria, então, dupla
finalidade: formar a pessoa para o convívio humano e social, e formar a pessoa para seu
destino transcendente.
Todo esse processo estava marcado pela racionalidade e se dava num clima de
liberdade, de espontaneidade e de alegria. - “Nunca se obriguem os jovens a freqüentar os
santos sacramentos: basta encorajá-los e dar-lhes comodidade de se aproveitarem deles...
estimulá-los a querer, espontaneamente, essas práticas de piedade; haverão de cumpri-las de
boa vontade, com prazer e fruto” (Cf. “O Sistema Preventivo na Educação da Juventude” – D.
Bosco). Por isso também Dom Bosco exigia um mínimo de práticas de piedade exteriores e
incentivava os momentos de diversão sadia, de trabalho empenhado, de estudo sério.
CONCLUSÃO
A religião é dimensão fundamental da educação e impregna todos os outros elementos,
especialmente a razão e a amorevolezza. Concluímos repetindo o parágrafo 78 da Exortação
apostólica EVANGELII NUNTIANDI:
O Evangelho de que nos foi confiado o encargo é também
palavra de verdade. Uma verdade que torna livres e que é a
única coisa que dá a paz do coração, é aquilo que as pessoas
vêm procurar quando nós lhes anunciamos a Boa Nova.
Verdade sobre Deus, verdade sobre o homem e sobre o seu
misterioso destino e verdade sobre o mundo. Difícil verdade que
nós procuramos na Palavra de Deus e da qual nós somos,
insistimos ainda, não os árbritos nem os proprietários, mas os
depositários, os arautos e os servidores.
Espera-se de todo evangelizador que ele tenha o culto da
verdade, tanto mais que a verdade que ele aprofunda e comunica
outra coisa não é senão a verdade revelada; e por isso mesmo,
mais do que qualquer outra, parcela daquela verdade primária
que é o próprio Deus. o pregador do Evangelho terá de ser,
portanto, alguém que, mesmo à custa da renúncia pessoal e do
sofrimento, procura sempre a verdade que há de transmitir aos
outros. Ele jamais poderá trair ou dissimular a verdade, nem
com a preocupação de agradar aos homens, de arrebatar ou de
chocar, nem por originalidade ou desejo de dar nas vistas. Ele
não há de evitar a verdade e não há de deixar que ela se
obscureça pela preguiça de a procurar, por comodidade ou por
medo; não negligenciará nunca o estudo da verdade. Mas há de
servi-la generosamente, sem a escravizar.
Enquanto Pastores do povo fiel, o nosso serviço pastoral obriganos a preservar, defender e comunicar a verdade, sem olha a
sacrifícios. Tantos e tantos Pastores eminentes e santos nos
deixaram o exemplo, em muitos casos heróico, deste amor à
verdade. E o Deus da verdade espera por nós precisamente que
sejamos os defensores vigilantes e pregadores devotados dessa
mesma verdade.
Quer sejais doutores, teólogos, exegetas ou historiadores, a obra
da evangelização precisa de todos vós, do nosso labor
infatigável de pesquisa e também da vossa atenção e delicadeza
na transmissão da verdade, da qual os vossos estudos vos
aproximam, mas que permanece sempre maior do que o coração
do homem, porque é a mesma verdade de Deus.
Pais e mestres, a vossa tarefa, que os múltiplos conflitos atuais
não tornam fácil, é a de ajudar os vossos filhos e os vossos
discípulos na descoberta da verdade, incluindo a verdade
religiosa e espiritual.
Tarefa difícil para quem não conhece o caminho a seguir para encontrar a
verdade e transformá-la em vida e vida em abundância, porém quem conhece Jesus sabe
que Ele veio para que todos tenham vida e vida em abundância, que Ele é o caminho, a
verdade e a vida. Dom Bosco um verdadeiro educador e um pai amoroso, buscou em
Jesus o ensinamento para formar os jovens da sua época com a alegria da festa e com o
discernimento aprendido no Evangelho. Ele educou os jovens para a verdadeira
liberdade, de ser cristão e honesto cidadão, em meio as dificuldades do meio urbano,
pois acreditou desde de cedo no que o próprio Cristo ensinou: A VERDADE VOS
LIBERTARÁ66.
66
Jo. 8,32.
CAPÍTULO II
1. SISTEMA PREVENTIVO DE DOM BOSCO
INTRODUÇÃO
No plano afetivo prevenir significa: dar o primeiro passo, procurar, ir ao encontro,
aproximar-se, ser acessível, disponível, amável, acolher, inspirar confiança, favorecer a
confidência, encorajar, e também preceder como guia e, depois, acompanhar, aconselhar.
(Dom Bosco)
Educar é uma tarefa complexa, porém, fascinante. Numa sociedade moderna e
pluralista, existem inúmeras propostas educativas concorrendo para imprimir a sua marca na
construção de um projeto mais amplo da pessoa humana e de sociedade.
A modernidade é um processo histórico complexo que iniciou-se no século XVIII, na
Europa, uma época marcada pelas revoluções política, industrial e cultural, impondo-se um
desenvolvimento espetacular das ciências e da tecnologia.
O iluminismo provoca uma nova visão do ser humano e de mundo, onde a referência
era a religião (teocentrismo), agora o centro é o humano (antropocentrismo). É um tempo de
grande florescimento pedagógico e as novas idéias de Dom Bosco apareciam como
reducionista da pessoa humana, sobretudo quanto ao aspecto religioso, por isso, opôs-se à
modernidade como projeto global. Apesar de continuar com uma visão teocêntrica, foi de uma
realismo muito grande em adotar técnicas e modalidades modernas de ação; e, no campo
particular pedagógico, não adotou um sistema rígido, fechado, autoritário, pelo contrário, o
seu sistema preventivo é um tipo de pedagogia da liberdade comprovadamente adequado para
a educação dos jovens.67
O Pe. Braido, lembra que, antes de ser norma, “teoria” é de alguma maneira,
“sistema”, a pedagogia de Dom Bosco é vida vivida, exemplo e transparência pessoal. A
exposição orgânica de sua visão pedagógica adquire maior relevo e significado quando se faz
referência a esta fonte viva e cristalina.68
Sem a presença de uma mãe, é impossível, traduzir na prática cotidiana aquela
“amorevolezza” que é: amor percebido pelo jovem, bondade que se dá além da medida,
delicadeza de trato que cura qualquer ferida, amor que suscita amor recíproco.
João Bosco sente junto de si a presença materna de sua mãe, Margarida, mulher forte e
ao mesmo tempo amável, que sabe educar como somente uma verdadeira mãe é capaz de
fazê-lo. A proximidade de Margarida, leva João Bosco a sentir a presença de uma outra Mãe,
daquela que ele havia aprendido a “saudar três vezes ao dia”. Maria , a mulher que viveu o
Evangelho colocando-se junto à vida dos demais, a mulher presença silenciosa em quem a
Palavra se fez Carne, acolhendo a finitude, a precariedade de todo ser, de toda cultura.
Em Maria, encontramos o novo paradigma de maternidade que gera, acolhe, intercede,
acompanha, partilha, sustenta e defende a vida. Ela é o modelo da amorevolezza,
transparência do amor que faz o educador e a educadora viverem um incrível poder de
transformação.69 E esse amor seduziu também a Mazzarello - Maria Domingas Mazzarello,
co-fundadora com João Bosco do Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora - uma mulher
formada na dinâmica da proximidade com a pessoa e com a realidade, e, por isso, nela o
amor se exprime de maneira visível com muita delicadeza e intuição, com uma capacidade
67
Cf. SCARAMUSSA, Tarcísio, SDB. O SISTEMA PREVENTIVO DE DOM BOSCO: UM ESTILO DE
EDUCAÇÃO p. 74-105
68
Cf. BRAIDO, Pietro. Prevenir, não reprimir o sistema educativo de Dom Bosco, p. 47-54
69
Cf. TIMOSSI, Luis, Libertar em nós o carisma Salesiano para vivê-lo e comunicá-lo no Terceiro Milênio,
1999
materna de conquistar os corações. Foi dito que Mazzarello atraía as jovens como o ímã
atraí o ferro.
João Bosco e Mazzarello nos ensinam que, com Maria Auxiliadora, os milagres do amor
são possíveis também hoje.70
O educador e a educadora, instruídos por Dom Bosco, vivendo a paixão pelo jovem e pela
jovem fazem acontecer um estilo de vida educativa que é profundamente e essencialmente
personalizada, em que a presença amorosa educa, transforma, porque conhecem o valor de
lutar por uma vida digna, justa e plena.
1.1. CONTEXTO HISTÓRICO
A Revolução Francesa provocou mudanças muito profundas. Nas guerras promovidas
pelos países europeus contra o jugo napoleônico explodira, com fervor religioso, o
nacionalismo revolucionário. Essa Revolução e tudo o que decorreu dela afetaram
profundamente a existência das igrejas, acelerando-se o processo de dissolução do seu
poder. A novidade do século XIX é que o secularismo adornou-se da classe média alta, a
industrialização e a conseqüente degradação das condições de vida trouxeram desafios para
as igrejas. Foi nessa época que surgiu a obra educacional de Dom Bosco. Seu trabalho com
a juventude abandonada, sem emprego, moradia, ou estudo, modificou a cidade de Turim,
capital de Piemonte.
A situação sociológica do Piemonte e de Turim, de 1841 a 1861, a seguinte: As
condições dos trabalhadores era de miséria, doença e cansaço, causados pelos horários
excessivos de trabalho, ausência de segurança, salários de fome, falta de relações
contratuais, exploração da mão-de-obra infantil e feminina. Além de não haver uma
legislação trabalhista séria, havia poucas sociedades de assistência. O progresso econômico
no Piemonte foi significativo, mas às custas de muita opressão diante da juventude operária
de Turim71.
1.1.2. A situação cultural e escolar no Piemonte e em Turim, de 1841 a 1861
Em contraste com a estrutura sócio econômica, o ambiente cultural do século XIX
apresentava ricos aspectos: um vivo fermento das idéias; o fervor iluminístico pela cultura,
pela escola popular e pela imprensa. A ação de Dom Bosco situava-se num clima de
autêntica explosão pedagógica e escolar em toda a Europa. Embora não seja possível
estabelecer exatamente contatos e dependências, é certo que Dom Bosco não permaneceu
estranho às novas idéias e fatos que estavam ocorrendo. 72
A situação escolar no Piemonte e em Turim era precária e a porcentagem de
analfabetos era realmente considerável e até 1840, no entanto, muitos lugares estavam
ainda desprovidos de escolas existentes eram, principalmente: o monopólio do clero, que
centralizava todo o ensino em torno da doutrina cristã e realizava um rígido controle sobre
o cumprimento dos deveres religioso-morais e civis, tanto com relação aos mestres, como
com relação aos alunos; o caráter muito rudimentar e elementar do ensino; a multiplicação
de escolas de ensino humanístico, descuidando-se da organização escolar de aprendizagem
profissional. 73
Nenhuma dessas reformas resolveu, porém, o problema do analfabetismo,
principalmente para a maior parte das populações rurais: enquanto nas montanhas as
escolas permaneciam desertas por um bom tempo, na maior parte da planície os alunos
abandonavam as escolas antes de terminar o período letivo.
70
Cf. CASTAGNO, Marinella. Amorevolezza, Roma: in Revista da mihi Amnimas 1999 p. 3-4
Cf. SCARAMUSSA, Tarcísio. O sistema preventivo de Dom Bosco: um estilo de Educação. 1984 p. 19-21
72
Cf. BRAIDO, P., sistema Preventivo di Don Bosco, 2ª ed. Zurich, Pas-Verlag, 1964 p. 81
73
Maiores detalhes em SINISTRERO, V., “La legge Boncompagni del 4 ottobre 1848 e la libertà della scuola”.
Em Salesianum, 10 (3): 369, lugl./ sett., 1948.
71
Havendo também a necessidade de um outro tipo de escola que atendesse a mutação
social, e preparasse os jovens para qualificarem-se como trabalhadores industriais uma vez
que estavam vivendo uma época de emergente realidade industrial.74
2. A situação religiosa no Piemonte e em Turim, de 1841 a 1861
A religiosidade popular, no caso particular da massa de operários migrados, entrava
em crise ao tomar contato com a nova realidade da vida da cidade. Desenraizados de seu
meio rural, limitados pelo analfabetismo, e dominados pelo ritmo esgotador do trabalho e
pelas explorações de todo tipo, não conseguiam estabelecer uma nova síntese religiosa. Por
outro lado, enquanto a promiscuidade das fábricas favorecia a imoralidade, os operários
procuravam esconder suas mágoas e seu vazio, entregando-se ao vício. A situação da
massa proletária de Turim apresentava-se, assim, complexa e problemática.
Dom Bosco encontrou os jovens ocupando as ruas, as praças, os parques, geralmente
sem trabalho, sem perspectivas para o futuro, sem um ambiente sadio para desenvolver
seus valores. 75
2.1. A situação psicossociológica dos primeiros jovens de Dom Bosco
Os primeiros jovens encontrados por Dom Bosco em Turim eram: jovens provenientes
das prisões, cuja idade oscilava entre os 12 e os 18 anos; jovens migrantes provenientes de
Biella, de Vercelli, de Novara, do Valle D`Aosta e de outras províncias do Reino. Na
cidade encontravam-se desorientados, longe de seus pais, abandonados; jovens
trabalhadores de vários tipos.
74
A esse respeito deve-se assinalar a intuição e praticidade de Dom Bosco em instituir escolas profissionais para
os jovens, a partir de 1853 (cf. MB, 4, p. 665; 15, p. 179.
75
Cf. STELLA, P., Don Bosco nella storia della religiosità cattolica, 1969, p. 104
As características comuns dos primeiros jovens de Dom Bosco eram de abandono e
carência total, não se tratava delinqüentes, mas em perigo de perder-se, devido às
circunstâncias de abandono em que se encontravam, necessitando de estrutura sóciopolítica que os integrasse e apoiasse. 76
3. BIOGRAFIA DE DOM BOSCO
Meus filhos, quando lerdes estas memórias depois de minha morte, lembrai-vos que
tivestes um pai afeiçoado, que antes de abandonar o mundo deixou estas memórias
como penhor de seu carinho paterno...São João Bosco 77
Um Sonho: Nessa idade tive um sonho, 78 que me ficou profundamente impresso na
mente por toda a vida. Pareceu-me estar perto de casa, numa área bastante espaçosa,
onde uma multidão de meninos estava a brincar. Alguns riam, outros divertiam-se,
não poucos blasfemavam. Ao ouvir as blasfêmias, lancei-me de pronto no meio
deles, tentando, com socos e palavras, faze-los calar. Nesse momento apareceu um
homem venerando, de aspecto varonil, nobremente vestido. Um manto cobria-lhe o
corpo; seu rosto, porém, era tão luminoso que eu não conseguia fitá-lo. Chamou-me
pelo nome e mandou que me pusesse à frente daqueles meninos, acrescentando estas
palavras: Não é com pancadas mas com a mansidão e a caridade que deverás
ganhar79 esses teus amigos. Põe-te imediatamente a instruí-los sobre a fealdade do
pecado e a preciosidade da virtude. Confuso e assustado repliquei que eu era um
menino pobre e ignorante, incapaz de lhes falar de religião. Senão quando aqueles
meninos, parando de brigar, de gritar e blasfemar, juntaram-se ao redor do
personagem que estava a falar. Quase sem saber o que dizer, acrescentei: Quem sois
vós que me ordenais coisas impossíveis? Justamente porque te parecem impossíveis,
deves torná-las possíveis com a obediência e a aquisição da ciência. Onde, com que
meios poderei adquirir a ciência? Eu te darei a mestra, sob cuja orientação poderás
tornar-te sábio, e sem a qual toda sabedoria se converte em estultice. Mas quem sois
vós que assim falais? Sou o filho daquela que tua mãe te ensinou a saudar três vezes
ao dia. Minha mãe diz que sem sua licença não devo estar com gente que não
conheço; dizei-me, pois, vosso nome. Pergunta-o a minha mãe. Nesse momento vi a
76
Cf. BRAIDO, P. Scritti sul Sistema Preventivo nell educazione della gioventù, 1956, p. 360-361
Todos os dados biográficos seguirão LEMOYNE, G. B Memorie Biografiche, 19 volumes
78
Cf. LEMOYNE, G.B. e AMADEI A. , Memorie biografiche di S. Giovanni Bosco, v. 10. P. 254-256): “A
palavra sonho e Dom Bosco são correlativos. É deveras admirável a repetição desse fenômeno durante setenta
anos(...). a bondade do Senhor serviu-se dos sonhos no Antigo e no Novo Testamento, bem como na vida de
muitos santos, para confortar, aconselhar e mandar; por meio deles fez ouvir sua voz profética, ora de ameaça,
ora de esperança, ora de prêmio para os indivíduos ou para as nações (...). a vida de Dom Bosco é uma trama de
sonhos tão maravilhosos, que não se compreende sem a assistência divina direta. Fica, pois, de todo em todo
excluída a idéia de que houvesse sido um estulto, um iludido, um enganador ou um vaidoso. Os que viveram a
seu lado durante trinta, quarenta anos, jamais viram nele o menor sinal de querer conquistar o apreço dos seus,
fazendo-se passar por um privilegiado com dotes sobrenaturais. Dom Bosco era humilde, e a humildade aborrece
a mentira”.
79
Num primeiro momento, Dom Bosco havia escrito “têm de ser acalmados”. A seguir corrigiu para “deverás
ganhar”. Nesta frase se vê toda a essência de seu sistema educativo: ganhar os corações dos jovens.
77
seu lado uma senhora de aspecto majestoso, vestida de um manto todo
resplandecente, como se cada uma de suas partes fosse fulgidíssima estrela.
Percebendo-me cada vez mais confuso em minhas perguntas e respostas, acenou
para que me aproximasse e, tomando-me com bondade pela mão, disse: Olha. Vi
então que todos os meninos haviam fugido, e em lugar deles estava uma multidão de
cabritos, cães, gatos, ursos e outros animais. Eis o teu campo, onde deves trabalhar.
Torna-se humilde, forte, robusto;80 e o que agora vês acontecer a esses animais,
deves fazê-lo aos meus filhos. Tornei então a olhar, e em vez de animais ferozes
apareceram mansos cordeirinhos que, saltitando e balindo, corriam ao redor daquele
homem daquela senhora, como a fazer-lhes festa. Neste ponto, sempre no sonho,
desatei a chorar, e pedi que falassem de maneira que pudesse compreender, porque
não sabia o que significava tudo aquilo. A senhora descansou a mão em minha
cabeça, dizendo: A seu tempo tudo compreenderás. Após essas palavras, um ruído
qualquer me acordou, e tudo desapareceu.
3.1. A infância
Para que servirá então este trabalho? Servirá de norma para superar as dificuldades
futuras, aprendendo as lições do passado; servirá para dar a conhecer como o próprio
Deus conduziu todas as coisas a cada momento; servirá de ameno entretenimento
para meus filhos quando lerem as aventuras em que andou metido seu pai; e haverão
de lê-las com mais gosto quando, chamado por Deus a prestar conta dos meus atos,
já não estiver entre ele. Perdoai-me quando encontrardes fatos expostos talvez com
muita complacência e mesmo aparência de vanglória. Trata-se de um pai que tem a
satisfação de falar de suas coisas a seus amados filhos, que, por sua vez, ficam
satisfeitos de saber as pequenas aventuras de quem tanto os amou, e que, nas coisas
pequenas como nas grandes, sempre se empenhou em trabalhar em seu benefício
espiritual e temporal.81
No dia 16 de agosto de 1815, nasce João Bosco em Murialdo, um pequeno lugarejo
dependente da comuna e da paróquia de Castelnuovo D´Asti 82, mais precisamente, na
localidade chamada Becchi. O primeiro momento da sua vida foi marcado pelo ambiente
rural de sua família piemontesa.
Perdeu seu pai, cujo nome Francisco, aos dois anos de idade, passando a autoridade da
família para as mãos da avó e da mãe Margarida, que, alguns anos depois, tornou-se a
única responsável por toda a família. Era uma mulher enérgica e trabalhadora, paciente e
religiosa. Tal qual a mãe de Israel foi sua educadora, pois não queria vê-lo crescer sem os
80
Inicialmente, Dom Bosco havia escrito: “ Torna-te sadio, forte, robusto”.
Cf. BOSCO, São João. Memórias do Oratório de São Francisco de Sales. 2005 p. 23
82
Hoje, Castelnuovo Don Bosco.
81
ditames valorosos do ensino religioso e moral.83 O quadro familiar se completava com os
dois irmãos mais velhos: Antônio, filho do primeiro casamento do pai, rapaz extremamente
rebelde e revoltado contra a autoridade da madrasta e tirânico com os dois irmãos
consagüíneos, e muito mais jovens que ele; e José, 3 anos mais velho que João Bosco.
As atitudes negativas do irmão mais velho, Antônio, com suas exigências prepotentes
em relação ao trabalho de João, faz com que sua mãe arrume um trabalho para ele fora de
casa, ficando junto aos Moglia 84 durante dois anos. A situação mudou quando chegou a
Murialdo o capelão Pe. Calosso. Na primeira conversa com o padre, revelaram-se logo as
preocupações de João Bosco: o problema dos estudos, as dificuldades familiares, o
problema de sua vocação sacerdotal. De comum acordo com a mãe, resolveu-se que João
devia voltar para casa. Sua volta não significava simplesmente uma reintegração no clã
familiar, mas uma feliz integração de João Bosco com o novo elemento de equilíbrio: o Pe.
Calosso, na casa do qual ia estudar.
Há algo de misterioso na vida do santo, que é com certeza inspiração divina. Os fatos,
as acontecimentos de sua vida comprovam isso, pois tendo que aprender a tratar seus
colegas, dividiu-os em três categoria: bons, indiferentes, maus. Estes últimos evitou-os, os
indiferentes serviram para entrete-lo por delicadeza ou necessidade, e os bons travou
amizade. João Bosco havia sido confiado por sua mãe à dona Lúcia, que o hospedou e lhe
servia de desculpa para não envolver-se com maus companheiros. Mas também lhe serviu
materialmente, pois, sendo encarregado por ela de cuidar dos estudos de seu filho, levou-o
às práticas religiosas, tornando-o dócil, obediente e estudioso, a tal ponto que depois de
83
Cf. MO. P. 39. Em casa fazia-me rezar, ler um bom livro, dando-me os conselhos que uma mãe industriosa
julga oportunos para seus filhos.
84
Cf. STELLA, Pietro. Don bosco nella storia della religiosità cattolica, p. 36, nota 30. João Bosco, depois de
muita insistência, foi acolhido pela família Moglia, que era bastante rica. O fato de não aparecer o relato desse
momento de sua vida nas vidas nas suas Memória foi diferentemente interpretado pelos estudiosos de Dom
Bosco.
seis meses havia-se tornado bastante aplicado, satisfazendo o professor e a mãe que como
recompensa a João perdoou toda a pensão mensal.
Para não criar inimizades, dedicou-se a ajudar os alunos em dificuldades, dessa maneira
agradava a todos e conquistava o afeto e a estima dos colegas. Começaram a reunir-se e
chamaram essas reuniões de “Sociedade da Alegria”, onde todo membro devia evitar
qualquer conversa ou ação que não fosse cristã, e cumprir os deveres escolares e religiosos.
À reunião ia livremente quem queria, sem que soubessem estavam pondo em prática o
sublime aviso de Pitágoras: “Se não tendes um amigo que vos corrija os defeitos, pagai um
inimigo para que vos preste esse serviço”.
Falar de religião atraí aquelas e (es) que são vocacionadas (os), é manifestação da
identidade, imagem e semelhança: é singular porque para cada um é diferente e é plural por
que é atração para todos.
3.2. Sua Formação Escolar
João Bosco obteve estudo e segurança junto ao Pe. Calosso, confiando nele assim
como a um pai: “Eu o fiz conhecer-me tal como era. Manifestava-lhe prontamente minhas
palavras, meus pensamentos, minhas ações. Isto lhe agrava muito porque assim podia
conduzir-me melhor no espiritual e no material”. O contato com esse sacerdote amigo foi
para ele uma experiência intensa que marcou a sua adolescência.
“O relacionamento com o Pe. Calosso foi muito breve e sua morte imprevista foi para
João Bosco um desastre irreparável, um verdadeiro trauma psíquico, e repercutiu até em
sua saúde física.
Já havia perdido precocemente, seu pai biológico, agora perdia seu pai
espiritual. Age também, mas de forma negativa, o encontro com os padres de Castelnuovo
d’Asti. Eles são ocasião para que João Bosco defina qual o ideal de paternidade quer em si:
“Quereria aproximar-me das crianças, desejaria dirigir a elas palavras boas, dar bons
conselhos. Quanto seria feliz se pudesse conversar com o meu pároco. Tal conforto tive
com o padre Calosso; é possível que não possa tê-lo outra vez? (MO).
E mais tarde, no seminário, falando de seus superiores dizia: “Quantas vezes teria
desejado falar com eles, pedir um conselho ou esclarecer alguma dúvida, e não podia fazer
isso (...). Isso acendia em meu coração o desejo de ser padre para entreter-me com os
jovens, assisti-los e satisfaze-los em qualquer situação” (MO). Como vemos, João Bosco
escolhe ser também um pai, o pai que ele estava procurando e que não achava. E ele o diz
claramente, ao falar das férias em Buttigliera d’Asti:
Continuei a ocupar-me dos jovens, distraindo-os com o contar alguma história, com
brincadeiras agradáveis, com o canto de loas sacras. Mas ainda, vendo que muitos já tinham
certa idade, mas eram muito ignorantes quanto às verdades da fé, apressei-me a ensinar a
eles também as orações cotidianas e outras coisas mais importantes para aquela idade. Era
uma espécie de oratório, no qual tomavam parte perto de cinqüenta meninos que me
queriam bem e me obedeciam, como se eu fosse o pai deles. (MO)85.
Com a morte do Pe. Calosso, rompeu-se também o equilíbrio da família Bosco e
acelerou a solução de algumas situações importantes, com a divisão do patrimônio
familiar. João pôde assim continuar seus estudos na escola de Castenuovo e no colégio
municipal de Chieri. Em Chieri, João Bosco viveu os melhores anos de sua vida. 18311835.
Encontrou oportunidade para expandir as riquezas de sua personalidade e viveu um
período de euforia, alimentado pelo êxito nos estudos e pelo prestígio que tinha entre seus
companheiros e professores.
Do ponto de vista religioso, considerou importante a
escolha de um confessor estável (Pe. Maloria), que, ao contrário da mentalidade jansenista
86
da época, aconselhava-o a freqüentar os sacramentos.
O momento da decisão vocacional apareceu-lhe como um período de angústia e de
insegurança, principalmente por não encontrar possibilidade de orientação nesse sentido.
Depois de “refletir”, acreditou ser chamado para a vida franciscana, mas desistiu desse
propósito pouco depois. Finalmente, tomou uma decisão, e vestiu o hábito clerical no dia
25 de outubro de 1835. No dia 30 entrou no seminário de Chieri.
O regime do seminário era claustral e rigorista, característico do mundo eclesiástico
piemontês do século XVIII, apesar de ter sido instituído em 1829. Não encontrou no
seminário a mesma relação amiga que mantinha com o Pe Calosso, nota-se essa
insatisfação em suas Memórias, que revelam uma certa inibição tanto no clima educativo,
como na orientação acética da espiritualidade, chegando até afetar sua saúde.
Tampouco o satisfez o ensino ministrado no seminário. Ele o considerava muito
dogmático e especulativo, desencarnado da realidade e das necessidades concretas dos
candidatos que se preparavam para o sacerdócio.
Um ambiente tão carregado não parecia propício para o amadurecimento de uma
decisão importante. Não foi sem um grande sentimento de angústia e de insegurança que se
preparou para receber as ordens sagradas. Foi ordenado em 5 de junho de 1841
85
Cf. FERREIRA, Antônio da Silva. De olho na cidade. 2000 p. 37-41
Cf. STELLA, P. Don Bosco nella religiosità, v. 1, p. 85-95. O jansenismo é um conjunto de doutrinas rígidas
sobre a graça, o livre arbítrio e as condições para receber os sacramentos, com declarada hostilidade à autoridade
do papa. Fundamenta-se no Augustnus, obra póstuma de Cornélio Jansênico (1585-1638), bispo de Ypres,
publicada em 1640. Durante o domínio napoleônico, os círculos jansenistas criaram força no Piemonte. No
tempo a que Dom Bosco se refere, tinha ainda alguma força. Sobre a doutrina jansenista cf. CECHINATO. Pe.
Luiz, Os 20 séculos de Caminhada de Igreja. P. 292. A doutrina jansenista nega que haja participação humano
no processo da salvação. Segundo Jansênico, ou o homem é salvo porque Deus lhe deu a graça, ou se perde
porque não recebeu a graça. O homem já nasce predestinado para a salvação ou para a condenação. Por isso,
Jansênio afirmou que Jesus não morreu por todos os homens, mas somente por aqueles que foram predestinados
à salvação. O erro dessa doutrina está no sentido absoluto de suas afirmações. A doutrina católica afirma que
Deus dá a graça da salvação a todos. Uns aproveitam essa graça, outros a desprezam, o homem pode colaborar
com a graça e pode rejeitá-la. É por isso que uns são salvos, outros se perdem.
86
3.3. Sua formação Espiritual
Com a Igreja procurando refazer a hegemonia que tinha, refazendo uma aliança entre o
trono e o altar era uma instituição extremamente conservadora, vendo o cristianismo
católico, a única religião verdadeira, fora da qual não havia salvação. Cuidava-se da
“salvação das almas”, em situação de perigo no mundo perdido e decaído. Esse contexto
influencia Dom Bosco e a sua preocupação com a “salvação da juventude”.
Dom Bosco mostra-se dominado pela aspiração unitária, pela vis unita fortior, sobre a
qual se refletia uma idéia igualmente sólida do seu patrimônio religioso: a da família única
à imagem e semelhança da família humana que tem Deus como Pai e a eclesial que tem o
Papa como pai comum.
O termo família é empregado na tradição de Dom Bosco de forma genérica, como os
laços existentes entre vários grupos, e se aplica de maneira diversa conforme a natureza do
relacionamento entre eles.
Este laço ou relacionamento não pode reduzir-se a um fato de pura simpatia. É antes a
expressão externa da comunhão interior carismática. A pertença se alimenta de um espírito
comum, que orienta para uma vasta e complementar missão juvenil e popular, e de certas
características próprias e originais que justificam o reconhecimento oficial, que é dado por
um título específico.
4. Educação no Sistema Preventivo de D. Bosco e a proposta de outros educadores e
educadoras
Dom Bosco é um conhecedor do espírito que deixou em herança um rico e bem definido
patrimônio espiritual. Ele é o iniciador de uma verdadeira escola de espiritualidade
apostólica, nova e atraente. Mas, não está sozinho na história muito menos no século XIX.
O sistema preventivo que pratica e do qual fala e depois escreve se origina num contexto
em que semelhantes orientações são seguidas, e propostas por outros educadores e
educadoras, como também instituições que compartilham com ele as ansiedades em
relação à juventude em tempos novos e difíceis. Devemos mencionar também instituições
que, embora remetem a séculos anteriores, lhe serviram de exemplo. É o caso dos
lassalistas e dos barnabitas, e outros.
4.1. Marcelino Champagnat e os irmãos Maristas
Marcelino Champagnat (1789 –1840) é uma das figuras mais representativas da ação
de recuperação e prevenção positiva, promovida na França por dezenas de Congregações
docentes, sobretudo na escola primária. Seu objetivo principal é assegurar o futuro das
jovens gerações, principais vítimas da França revolucionária e imunizá-la contra o espírito
desagregador do século XVIII.
A educação cristã e o catecismo são a síntese da formação humana e cultural,
buscando através da instrução religiosa tirar do vício e formar a consciência, a vontade, a
devoção a Maria e a Jesus, seu método de amor na disciplina, não é conter os alunos com a
força ou castigos mas preservá-los do mal, corrigi-los de seus defeitos e forma-lhes com
sentimentos de amor, respeito, e confiança recíproca. 87 (O bem que fica sempre como a
opção fundamental).
4.2. Teresa Eustochio Verzeri e as Filhas do Sagrado Coração de Jesus
Teresa Eustochio Verzeri, uma mulher de aguda inteligência , dá início em 1831 à
Congregação das Filhas do Sagrado Coração de Jesus, consagrada à instrução das meninas
de todas as classes sociais, aprovada canonicamente em 1847. Nela é sensível a influência
de Santa Teresa de Ávila, Santo Inácio de Loyola e de São Francisco de Sales.
A refinada espiritualidade pedagógica e a explícita orientação preventiva são postas em
evidência em sua experiência, definindo o seu significado, ao mesmo tempo protetor,
dispositivo e construtivo. 88
“Cultivem e preservem muito e com muito cuidado a mente e o coração de suas
jovens, enquanto são ainda de pouca idade, para impedir, enquanto for possível, que
o mal entre nelas, visto que é melhor preservá-las com a admoestação do que livrálas depois com a correção. Afastem as meninas de tudo aquilo que possa corromperlhes, por pouco que seja, a mente, o coração e seus bons costumes.”89
4.3. São João Batista de La Salle
João Bosco provavelmente não teve conhecimento direto aos escritos pedagógicos
espirituais de São João Batista de la Salle (1651-1719), mas conhecia sim, religiosos e
educadores dedicados, ao cuidado de meninos provenientes do mundo dos artesãos e de
humildes trabalhadores.
A sua espiritualidade pedagógica é expressa em: vigilância, guia, zelo ardente, afastar do
pecado, inspirar horror da impureza, exortar e estimular a fazer o bem. A primeira
habilidade do professor, além da didática, é saber “ganhar o coração dos alunos”, com
amor, caridade, correção, paciência, prudência, doçura. 90
4.4. Barnabitas
87
Cf. BRAIDO, Pietro. Prevenir, não reprimir. 2004 p. 89 -97
Cf. idem p. 98-99
89
Cf. idem p. 98-99
90
Cf. idem p.109-112
88
O que se sabe dessa congregação é que iniciou-se na primeira metade do século XVI e se
ocuparam de colégios para estudantes no início do século XVII, com um disciplina
afetuosa. A densidade do conteúdo dos estudos era de prevenção, significando, guardar,
corrigir, afastar, frear, proteger, dos perigos presentes e precaver contra os futuros, mas ao
mesmo tempo reforçar os jovens nas verdades da fé cristã, orientando-os no caminho da
virtude e ajudando-os a conseguir sua eterna salvação. Formando-os para com o tempo
tornarem-se homens sábios, humanos e cristãos, virtuosos, e com isso também bons
cidadãos.91
4.5. Santo Afonso de Ligório
Afonso Maria de Ligório era um grande pregador dedicado à juventude e aos abandonados
fundou em 1732 a ordem dos Missionários Redentoristas, que têm como finalidade pregar
missões e retiros espirituais ao povo em geral.
Sua influência na vida de João Bosco foi na área moral, pois como advogado seus escritos
influenciavam pelo teor de justiça que se devia aplicar aos jovens infratores.92
4.6. São Francisco de Sales
Inspira-se no humanismo de São Francisco de Sales, revivido de maneira peculiar,
juntando os diferentes grupos e seus membros numa família como uma espécie de
parentesco espiritual, sendo o próprio Dom Bosco o pai de todos. O critério de pertença é a
caridade pastoral. A referência a São Francisco Sales não é puramente formal na
experiência de Dom Bosco: escolheu-o como patrono porque correspondia às íntimas
aspirações que se preocupou também de manifestar e motivar.
91
Cf. idem p.112-113
“A caridade e a doçura de São Francisco de Sales me guiem em tudo”: é o propósito feito
no início do seu sacerdócio. Para Dom Bosco o humanismo de São Francisco de Sales
significa valorização de todo o positivo presente e radicado na vida das pessoas, nas coisas
e na história. Essa inspiração humanística leva-o a captar os valores do mundo,
especialmente se agradáveis aos jovens; a inserir-se no fluxo da cultura e do
desenvolvimento humano do próprio tempo, estimulando o bem e não se contentando com
gemer os males; a procurar a cooperação de muitos, convencidos de que cada um tem um
dom próprio, evidente ou por descobrir; a acreditar na força da educação que anima e
sustenta a mudança e o crescimento do jovem para ser honesto cidadão e bom cristão; a
confia-se sem titubeio à providência de Deus, percebido e amado como Pai. O humanismo
de São Francisco de Sales ajuda Dom Bosco formar uma família que se abre aos grupos
que a compõem, para que cada um viva, na alegria do Senhor, sua missão específica. 93
4.7. Sistema Preventivo – uma espiritualidade Oratoriana
É do próprio Dom Bosco que provêem duas tradições diversas a respeito do início de
seu oratório festivo. A primeira, mais antiga, é trazida pelo “Cenno storico dell´Oratório di
S. Francesco di Sales”, de 1854: “Este Oratório, ou seja, reunião de jovens nos dias
festivos, começou na igreja de São Francisco de Assis, onde reuniu dois jovens,
gravemente necessitados de instrução religiosa. A esses se uniram outros, e no decorrer de
1842 o número chegou a 20 e às vezes 25”.94 A segunda mais recente, e adotado com
história oficial dos salesianos aparece já nas Crônicas de Ruffino e fala somente de
Bartolomeu Garelli. Em suas memórias Dom Bosco relata:
92
Cf. CECHINATO, Luiz. Os vinte séculos de caminhada da Igreja. P. 313
Cf. Carta de Comunhão na Família salesiana de Dom Bosco – publicadas por ocasião do primeiro Encontro
Nacional das Lideranças da Família Salesiana no Brasil
93
Mal entrei no Colégio de São Francisco, vi-me logo cercado por um bando de
meninos que me acompanhavam em ruas e praças, até mesmo na sacristia da igreja
do instituto. Não podia, entretanto, cuidar deles diretamente por falta de local. Um
feliz encontro proporcionou-me a oportunidade de tentar concretização do projeto
em favor dos meninos que erravam pelas ruas da cidade, sobretudo dos que
deixavam as prisões. No dia da festa da Imaculada Conceição de Maria, 8 de
dezembro de 1841, estava, à hora marcada, vestindo-me com os sagrados
paramentos para celebrar a santa Missa. O sacristão José Comotti, vendo um
rapazinho a um canto, convidou-o a ajudar-me a Missa. Não sei – respondeu ele,
todo mortificado. Vem – replicou o outro -, tens de ajudar. Não sei – retorquiu o
rapaz – nunca ajudei. És um animal – disse o sacristão enfurecido. – Se não sabes
ajudar a Missa, que vens fazer na sacristia? E, assim dizendo, tomou do espanador
e começou a desferir golpes nas costas e na cabeça do pobrezinho. Enquanto este
fugia, gritei em voz alta: Que está fazendo? Por que bater nele desse jeito? Que é
que ele fez? Se não sabe ajudar a missa, por que vem à sacristia? Mas você agiu
mal. E que lhe importa? Importa muito, é um meu amigo; chame-o imediatamente,
preciso falar com ele. Oi, rapaz! – pôs-se a chamar; e correndo atrás dele e
garantindo-lhe melhor tratamento trouxe-o para junto de mim. rapaz aproximou-se
a tremer e a chorar pelas pancadas recebidas. já ouviste Missa? – disse-lhe com a
maior amabilidade que pude. Não – respondeu. Vem então ouvi-la. Depois
gostaria de um negócio que vai-te agradar. Prometeu. Era meu desejo aliviar o
sofrimento do pobrezinho e não deixá-lo com a má impressão que lhe causara o
sacristão. Celebrada a santa Missa e terminada a ação de graças, levei o rapaz ao
coro. Com um sorriso no rosto e garantindo-lhe que já não devia recear novas
pancada, comecei a interrogá-lo assim: Meu bom amigo, como te chamas?
Bartolomeu Garelli. De onde és? De Asti. Tens pai? Não, meu pai morreu. E tua
mãe? Morreu também. Quantos anos tens? Dezesseis. Sabes ler e escrever? Não
sei nada. 95 Já fizeste a Primeira Comunhão? Ainda não. Já te confessaste? Sim,
quando era pequeno. E agora, vais ao catecismo? Não tenho coragem. Por quê?
Porque meus companheiros mais pequenos sabem o catecismo, e eu, tão grande,
não sei nada. Por isso fico com vergonha de ir a essas aulas. Se te desse catecismo
à parte, virias? Então sim. Gostarias que fosse aqui mesmo? Com muito gosto,
contanto que não me batam. Fica sossegado, que ninguém te maltratará. Pelo
contrário, serás meu amigo. Terás de haver-te só comigo e mais ninguém. Quando
queres começar? Quando o senhor quiser. Esta tarde serve? Sim. E se fosse agora
mesmo? Sim, agora mesmo. Que bom! Levantei-me e fiz o sinal-da-cruz para
começar; meu aluno não o fez porque não sabia. Naquela primeira aula procurei
ensinar-lhe a fazer o sinal-da-cruz e a conhecer Deus Criador e o fim por que nos
criou. Embora tivesse pouca memória, conseguiu, com assiduidade e atenção,
aprender em poucos domingos as coisas necessárias para fazer uma boa confissão
e, pouco depois, a sagrada Comunhão. A esse primeiro aluno juntaram-se outros
mais. Durante aquele inverno limitei-me a alguns que tinham necessidade de
catequese especial, sobretudo aos que saíam da cadeia. Pude então constatar que os
rapazes que saem de lugares de castigo, caso encontrem mão bondosa que deles
cuide, os assista nos domingos, procure arranjar-lhes emprego com bons patrões e
visitá-los de quando em quando ao longo da semana, tais rapazes dão-se a uma
vida honrada, esquecem o passado, tornam-se bons cristãos e honestos cidadãos.
Esta é a origem do nosso Oratório, que abençoado por Deus, teve um
desenvolvimento que então eu não podia imaginar.96
5. Oratório: oratório festivo, espírito oratoriano: festa, alegria e formação
94
Cf. G. Bosco, “Cenno storico”. In. P. Braido, Don Bosco educatore, p. 110 –111.
Lemoyne (MB II, p 76) diz que o santo, depois do “não sei nada”, prosseguiu assim o diálogo: “- Sabes
cantar? Não. Sabes assobiar? E então o menino sorriu”. Era o que Dom Bosco queria: conquistar a confiança.
96
Cf. BOSCO, João. MO. 2005 p.122-125
95
Se São Francisco santificou a natureza e a pobreza, São João Bosco santificou o
trabalho e a alegria (...). não me admitiria se Dom Bosco fosse proclamado santo
protetor dos jogos e dos esportes modernos. (Francesco Orestano)
Pietro Stella em sua mais recente pesquisa sobre Dom Bosco, observa que alguns estudos
têm posto em evidência, mais do que formulações sobre o “sistema preventivo”, “as
instituições que o regem em seu devir e, em relação com estas, o papel que
desempenharam o uso do tempo livre e o esporte na experiência educativa de Dom Bosco,
tanto no agrupamento espontâneo juvenil dos oratórios, quanto no bastante desinibido do
colégio salesiano, onde o brinquedo no pátio era momento importante de vida e também de
salutar válvula de escape”.97
Para Dom Bosco a alegria é o elemento constitutivo do “sistema” inseparável da piedade,
do estudo e do trabalho. Usava sempre as palavras de São Filipe Néri: “no momento
devido correi, saltai e diverti-vos também quanto quiserdes, mas, por caridade, não
cometais pecado”.
A alegria é expressão da amorevolezza, é característica essencial do ambiente familiar,
resultado lógico entre a razão e a religiosidade, interior e espontânea, que tem a sua fonte
última na paz com Deus, na vida de graça. “O contato fraterno e paterno do educador com
os seus alunos não teria valor nem efeito sem a eficácia da vida alegre, da alegria sobre o
espírito do jovem, que por ela se abre à influência do bem”.98
E, Braido, continua:
“A alegria, antes de ser expediente metodológico, um meio para fazer aceitar o que é
“sério” em educação, é para Dom Bosco forma de vida, que ele deriva de uma instintiva
97
Cf. P. STELLA, “Bilancio delle forme di conoscenza e degli studi su don Bosco”. In:BRAIDO Pietro.
Prevenir, não reprimir. 2004 p. 295
avaliação psicológica do jovem e do espírito de família. Em um tempo geralmente austero
na própria educação familiar, Dom Bosco, mais do que qualquer outro, entende que o
menino é menino e permite, antes, quer que ele o seja; sabe que a sua exigência mais
profunda é a alegria, a liberdade, o jogo, a “sociedade da alegria”. Além disso, homem de
fé e padre, ele está convencido de que o Cristianismo é a mais segura e duradoura fonte de
felicidade, porque é alegre anúncio, o ‘evangelho’: da religião do amor, da salvação, da
graça, não pode jorrar senão a alegria, o otimismo. Entre jovens e vida cristã existe,
portanto, uma singular afinidade, quase um apelo recíproco. ‘O jovem que se sente na
graça de Deus experimenta naturalmente a alegria, certo da posse de um bem que está todo
em seu poder, e o estado de prazer se traduz para ele em alegria”.
“Efetivamente, na prática educativa e na correlativa reflexão pedagógica de Dom Bosco, a
alegria assume um significado religioso. Sabem isso muito bem os próprios alunos, como
aparece no encontro de Domingos Sávio99 com Camilo Gávio, no qual, a alegria coincide
com a santidade. Esse aspecto aparece explícito e límpido nessa e nas outras vidas escritas
por Dom Bosco ou vividas na sua “casa”. Alberto Caviglia nota: “Dom Bosco soube ver a
função da alegria na formação e na vida de santidade, e quis que reinasse entre seus jovens
a alegria e o bom humor. Servite Domino in lactitia podia ser chamado o décimo primeiro
mandamento da casa de Dom Bosco”.
“Essa mistura equilibrada de sagrado e profano, de graça e natureza, na alegria
francamente humana do jovem, feliz no estado de graça, revela-se em todas as expressões
da vida cotidiana, no cumprimento do dever como na ‘recreação’. Atinge particular
intensidade nas muitas festividades, religiosas e profanas, com uma tonalidade
98
Cf. BRAIDO, Pietro. Prevenir e não reprimir. 2004 p. 296
Cf. A mística do Educador Salesiano. “Prevenir é ajudar o jovem a construir uma personalidade rica, que o
leve a querer só o bem. Isso fica claro principalmente nas biografias de dois meninos do Oratório escritas por
Dom Bosco, a saber: de Domingos Sávio (oratoriano falecido em 9 de março de 1857 e canonizado por Pio XII
em 12 de junho de 1954), de Miguel Magone (oratoriano que Dom Bosco apresenta como modelo de menino
alegre e vivo que sabe a hora certa de cada coisa).”
99
característica no fim de do carnaval, em princípio os últimos três dias. Com o exercício da
boa morte, a adoração eucarística continua e a oração se entrelaçam com o tratamento
especial na mesa, os esportes, o bingo, o teatro, a música, a fogueira final”. “Em segundo
lugar, Dom Bosco considera a alegria necessidade fundamental de vida, lei da juventude,
por definição idade em expansão livre e alegre. Por isso fica exultante, como em uma bela
página do Esboço biográfico de Miguel Magone. Com evidente complacência descreve
‘sua índole fogosa e vivaz’, ‘o olhar saudoso para os brinquedos’ no fim do recreio e como
‘parecia sair da boca de um canhão’, quando se passava da sala de aula ou do estudo para o
recreio”.
“Os jogos, as brincadeira, as charadas, as conversas alegres e impregnadas de seriedade e
construção educativa, povoam os recreios. As Memórias do Oratório são ricas de
vocábulos que indicam movimento e alegria: ‘brincadeiras, cantos, gritos’; ‘provocar
aplausos e ovações gritando e cantando’; ‘cansados de rir, brincar, cantar e diria mesmo de
urrar’; ‘o recreio com bolas de pau, pernas de pau, com fuzis, com espadas de madeira, e
com os primeiros aparelhos de ginástica’; a maior parte do tempo transcorria-se saltando,
correndo e divertindo-se em vários jogos e brinquedos’. ‘Todas as possibilidades de salto,
corrida, prestidigitação, cordas, bastões’ eram utilizadas em movimento sob meu
comando.” 100
“A alegria torna-se, nas mais variadas formas de recreação e sobretudo nos brinquedos ao
ar livre, meio diagnóstico e pedagógico de primeira ordem para os educadores; e para os
jovens, campo de irradiação de bondade. Alberto Caviglia nota: Depois da confissão não se
pode indicar outro centro mais vital e ativo do que este no seu sistema. Porque não somente na
espontaneidade da vida alegre e familiar do jovem se tem uma das fontes capitais do conhecimento
dos ânimos, mas, sobretudo, tem-se um meio e uma ocasião de se aproximar, sem sujeição e sem
dar na vista, de cada jovem, e de dizer-lhe em confiança a palavra que cada um precisa. Volta aqui
o princípio vital da pedagogia, ou melhor, da verdadeira educação: o da educação de cada um,
mesmo se absorvida no clima ambiente da educação coletiva.”101
Assim, se deu origem aos oratórios e quando em 1869, Dom Bosco pedia cartas de
recomendação dos prelados para alcançar a aprovação pontifícia da Congregação
Salesiana, incluía nas petições que lhes fazia um resumo histórico desde as origens.
Começava assim: “esta sociedade era no princípio um simples catecismo”. Era, com efeito,
o catecismo iniciado a 8 de dezembro de 1841e continuado na mesma igreja, e que dali
passou a outros lugares, com a colaboração de leigos e eclesiásticos e com a aprovação do
arcebispo, sob a direção do santo. Em 2 de fevereiro de 1842, já eram 20 meninos, em
1844.
O Oratório funcionava assim: em todos os domingos e dias santos dava-se comodidade
para se aproximarem dos santos sacramentos da Confissão e da Comunhão. À tarde, em
hora determinada, toava-se um cântico, dava-se catecismo, em seguida explicava-se um
exemplo e por vezes distribuía-se alguma coisa a todos, outras por sorteio.
Consagrava-se o domingo inteiro à assistência dos meninos, e durante a semana ia visitálos em seus trabalhos nas oficinas e fábricas. Todos os sábados ia às prisões com os bolsos
cheios de fumo, ou de frutas, ou de pãezinhos, sempre com o foto de atender os rapazes
que tinham a desgraça de serem encarcerados, e assisti-los, torná-los amigos e conseguir
que viessem ao Oratório ao deixarem o castigo.
Ao fim do triênio de moral, João Bosco, devia decidir-se por um determinado setor do
sagrado ministério, e orientado pelo padre Cafasso “quero reconhecer a vontade de Deus
na sua deliberação e não quero que nela entre a minha vontade.” Faça a trouxa e vá com o
100
Cf. BRAIDO, Pietro. Prevenir, não reprimir. 2004 p. 298, reproduzindo trechos de Memórias do Oratório de
Dom Bosco.
101
Cf. BRAIDO, Pietro. Previr, não reprimir. 2004 p. 298
teólogo Borel; lá será diretor do pequeno Hospital de Santa Filomena; trabalhará também
na obra do Refúgio. Entretanto Deus lhe mostrará o que deve fazer pela juventude.102
Fundado pela marquesa Júlia Colbert Falletti de Barolo103 em 1843, o Hospital Santa
Filomena, e um instituto chamado Refúgio destinado a meninas pobres dos 4 aos 14 anos.
Às meninas convalescentes se ensinava a ler e escrever. Dom Bosco introduziu o ensino da
aritmética. A marquesa dou-lhe 600 francos e o teólogo Borel lhe cedeu para alojamento
provisório um quarto seu no Refúgio. Dom Bosco antes de ir para lá faz o acordo de poder
ser visitado por vários jovens, os quais iam aprender o catecismo. No Refúgio não se podia
celebrar missa, nem dar a bênção à tarde. Por conseguinte, não podia haver Comunhão, que
é o fundamental para Dom Bosco. O próprio recreio era bastante perturbado, paralisado,
porque os meninos eram obrigados a brincar na rua e na pracinha da igreja. Começou então
a correr voz que aquelas reuniões de jovens eram perigosas, acrescentava-se sem razão que
os meninos causavam muitos estragos na igreja e fora dela. Chegou-se ao cúmulo de
através de uma carta ao prefeito de Turim, acusar o local de centro de imoralidade,
obrigando-o a trasladar imediatamente o Oratório para um outro sítio.
Não obstante a ordem, a disciplina e a tranqüilidade do Oratório o marquês Cavour, vigário
da cidade, pretendia o fim das reuniões pois as julgava perigosas. Ao saber do
consentimento do arcebispo, reuniu o tribunal de ordem pública no palácio episcopal, por
estar o prelado um tanto adoentado.
O tribunal estava formado por uma seleção de conselheiros, em cujas mãos concentrava-se
todo poder civil. Discutia-se muito pró e contra, e no fim chegou-se à conclusão de que se
102
Cf. BOSCO, João. MO. 2005 p. 131
Cf. idem p. 131-132. “A marquesa Julieta Colbert, viúva do marquês de Barolo, havia fundado ao redor do
chamado Refúgio, no bairro de Valdocco, um grupo de instituições. O Refúgio (hoje Istituto Barolo) é um
grande colégio para meninas pobres “a quem a sedução induziu ao erro e as quais, arrependidas, procuram a paz
de um retiro. Primeira condição para que sejam aceitas é que estejam arrependidas e entrem espontaneamente no
colégio”. O nome é tirado da padroeira, Nossa Senhora Refúgio dos Pecadores. Está situado entre a Pequena
Casa da Divina Providência e o Oratório salesiano: três obras grandiosas, uma ao lado da outra, na rua
103
devia absolutamente impedir e dispersar aquelas aglomerações porque comprometiam a
tranqüilidade pública. Quando o rei Carlos Alberto soube que o tribunal de ordem pública
ameaçava proibir as reuniões, encarregou Conde José Provana de Collegno, reitor da
Companhia de São Paulo e benfeitor do Oratório, de transmitir sua vontade: “é minha
intenção que essas reuniões dominicais sejam promovidas e protegidas; se há perigo de
desordens, procure-se a maneira de as prevenir e impedir”. Ante essas palavras silenciaram
Cavour e todo o tribunal.104
No Refúgio, posteriormente na casa Moretta, iniciou uma escola dominical estável, e
também uma escola noturna regular quando se estabeleceram em Valdocco. Então
começou-se a ensinar a leitura, a escrita, aritmética e a língua italiana, porém o empenho
maior e particular se colocou para tornar familiar àqueles jovens de boa vontade o uso das
medidas legais, pois sendo a maior parte ligados a trabalhos onde sentiam a maior
necessidade.105
As escolas noturnas produziam dois bons efeitos: animavam os rapazes e ao mesmo
tempo e animavam Dom Bosco a oportunidade de instruí-los na religião, que era sua maior
intenção. Havia porém, uma grande dificuldade: onde arrumar professores que o fizessem
Cottolengo. O teólogo Borel era então o diretor espiritual do Refúgio. Em 1844, a marquesa fazia construir, ao
lado, o Pequeno Hospital, para meninas enfermas, o Santa Filomena.”
104
Ao me deparar com a fundação de vários oratórios veio-me na memória a primeira carta de Pedro, com seus
ensinamentos sobre a verdadeira casa. Um lar para todos sem descriminação. Cf. ELLIOTT, John H. Um lar
para quem não tem casa. Interpretação sociológica da primeira carta de Pedro. P.53-54. “Amados exorto-vos
como forasteiros peregrinos neste mundo”. “ Em 1Pd, os termos parakoi e parepidemoi identificam os
destinatários como uma classe de pessoas deslocadas, que na realidade são de fato estranhos residindo de forma
permanente (paroiki, paroikoi) ou forasteris em trânsito (parapidemoi) nas quatro províncias da Ásia Menor,
mencionados na saudação (1,1). Esses termos, como evidencia o seu uso corrente em textos contemporâneos
seculares e religiosos, indicam não mera deslocação geográfica dos destinatários, mas também as limitações e a
estranheza de cunho político, lega, social, e religioso, que esse deslocamento acarreta. Como paroikoi, podem
constituir quer a população rural quer as aldeias, tendo sido transferidos para territórios cidadinos, agregados às
cidades, onde recebiam estatuto jurídico inferior ao da cidadania plena. E, quer como paroikoi quer como
parepidemoi, podem ser contados entre os inúmeros imigrantes – artesãos, operários especializados,
comerciantes e negociantes, residindo de forma permanente ou viajando de passagem pelas vilas, cidades e
metrópoles das províncias ocidentais.”
105
Cf. BOSCO, João. MO. 2005 p. 181
gratuitamente. Além disso não dispunham de livros e terminado o catecismo nada mais
dispunham para leitura.
Dom Bosco para sanar essa lacuna na educação, dedicou-se à compilação de uma história
sagrada de exposição fácil e estilo popular. Essa a razão que o levou a escrever e imprimir
a História Sagrada para uso das escolas.
Quanto maior a solicitude em promover a cultura, tanto mais ia crescendo o número de
alunos, para atender à necessidade crescente, abriram um novo oratório em outro bairro. A
boa vontade tudo supria. Os perigos a que se achavam expostos os rapazes quanto à
religião e à moralidade exigiam maiores esforços para defendê-los, e também de um
número maior de pessoas capacitadas que se dedicassem a uma verdadeira educação
libertadora.
Dom Bosco contou com o auxílio do Pe Miguelanjo Chiatellino, que cuidava dos mais
velhos e ensinava música; os oblatos de Maria Virgem tomaram conta do santuário da
Consolata de 1834 a 1855; o Pe. Pio Bruno Lanteri aplicava os exercícios espirituais;
Pedro Roppolo fabricante e serralherio; Monclavo, dava aulas de desenho, aritmética e
geometria.106
6. Prevenir: Método Divino
No Livro da Aliança se vê a presença de IHWH “Eu Sou, Eu estou com você e este é o
sinal de que eu o envio, quando você tirar o povo do Egito, vocês vão servir a Deus nesta
Montanha” (Ex 3, 12). Os Salmos nos trazem a figura do Bom Pastor “Eu sou o pastor que
faz repousar em verdes pastagens e restaura as forças em fontes tranqüilas” (Sl 23,1-2). Os
evangelhos retomam a figura do bom Pastor: “Se um de vocês tem cem ovelhas e perde
uma, será que não deixa as noventa e nove no campo par ir atrás da ovelha que se perdeu,
até encontrá-la? E quando a encontra, com muita alegria e coloca nos ombros. Chegando
em casa, reúne amigos e vizinhos, para dizer: Alegrem-se comigo! Eu encontrei a minha
ovelha que estava perdida!” Lc 15, 4-6). “Estarei no meio de vós, sereis o meu povo.
Pois Eu Sou IHWH vosso Deus.107” (Lv 26,12).
É a relação mais íntima de um Deus que só quer amar a sua criatura e despertar seu
povo para o amor, tornando-o a manifestação do próprio Deus para a humanidade nos mais
diferentes contextos. O sistema preventivo de Dom Bosco tem origens nas Sagradas
Escrituras.
O sistema preventivo é um sistema educativo que trabalha o desenvolvimento futuro, é
muito rico de promessas e de perspectivas, manteve-se sempre e deverá manter-se fiel aos
seus princípios bíblicos e a história do seu fundador, Dom Bosco, não foi um homem de
um único tempo. É preciso despertar nos educadoras (es) a disposição de transmitir a
mensagem desse grande mestre: amor, trabalho, e alegria, em nosso tempo com problemas
complexos e de difícil solução na área educacional, é preciso resgatar o verdadeiro sentido
da educação, que deve ser rígida sem perder a doçura, deve ser franca sem ser ameaçadora,
mas principalmente deve nascer da própria experiência vivida do educadora (or), pois Dom
Bosco construiu um sistema a partir da sua própria experiência.
Em primeiro lugar devemos definir o que significa os termos “prevenir” e “reprimir”,
que são nomes dados a dois verdadeiros sistemas educacionais, distintos relativamente.
Foram praticados tanto como educação familiar quanto nas instituições educacionais.
Ambos se fundamentam em razões essenciais para a formação do educando e têm
106
107
Cf. BOSCO, João. MO. 2005 p. 181-250
O grifo é nosso.
metodologias positivas que apresentam êxito. “o primeiro (preventivo) se preocupa mais
com a criança e com seus limites de sua idade portanto, com uma assistência assídua e
amorosa do educador que “paternal ou maternalmente” está presente, aconselha e ampara.
Daí nascem regimes educativos de orientação familiar. O outro (repressivo) se preocupa
mais diretamente com a meta a ser atingida e por isso olha o jovem como um futuro adulto
e como tal deve ser tratado desde os primeiros anos. Nascem regimes educativos maus,
austeros e exigentes. 108
7. A influência feminina na educação preventiva
A protagonista primária de toda a educação, cronologicamente, é a mãe. A mulher
parece encarnar as melhores condições, pois é inclinada à piedade, somada a ternura, a
maneira suave de repreender, a perseverança e a paciência
Não foi diferente com Margarida, (Margarida Occhiena – 1788-1856), que logo tem a
intuição de que João não fora feito para trabalhos do campo e o manda estudar em
Castelnuovo. Depois no seminário é ela quem lhe dá a maior lição para sua vida: “O que
quero é que você estude bem o passo que está para dar e que depois siga sua vocação sem
se preocupar com ninguém.
O pároco queria que eu dissuadisse você desta decisão, considerando que eu posso vir
a precisar do seu auxílio. Mas eu lhe digo: nessas coisas eu não entro, porque Deus está em
primeiro lugar em tudo. Não se preocupe comigo. De você eu não pretendo nada: nada
espero de você. Guarde bem o que vou lhe dizer: nasci pobre, vivi na pobreza, quero
morrer pobre. Ainda mais: se você se decidisse pelo estado de padre secular e, por
108
Cf. BRAIDO, Pietro. Prevenir, não reprimir. P. 13
desgraça, ficasse rico, eu nunca iria fazer-lhe uma única visita. Lembre-se bem do que lhe
digo!” 109
O próprio Dom Bosco, escreve a respeito dela, que “seu máximo cuidado foi de
instruir os filhos na religião, orientá-los à obediência e ocupá-los em coisas compatíveis à
idade”. Foi sua mãe que o ensinou a prática do Sacramento da Confissão a ler e escrever.
Foi também ela quem lhe apresentou Maria mãe e mestra de Jesus.
A Tradição da Igreja sempre reconheceu a missão educativa de Maria, tanto nos
aspectos litúrgicos quanto na devoção popular. Maria mãe de Deus e dos humanos, a partir
de uma bem trabalhada perspectiva antropológica é que se pode compreender o significado
de Maria educadora, que partindo do seu “faça-se” (fiat) consciente acolhe o Verbo que se
encarna em seu ventre assume assim a missão, a vocação de mulher à maternidade.110
Maria mulher personagem historicamente situada e datada, ser humano como nós é
quem adere ao apelo – interpelação - proposta divina. É quem assume o magnífico fato
religioso da maternidade divina também como feito religioso de ordem pessoal. 111
Jesus é educado, aprende e se nutre no cotidiano de Maria, sua mãe educadora. Maria
é aquela que colabora com a obra salvífica e transformadora de Jesus Cristo Filho predileto
de Deus. 112
Outra Maria fez parte da vida de Dom Bosco, com ele estabeleceu uma relação de
reciprocidade, aplicando o mesmo método de educação com as meninas. Formaram uma
Comunidade Educativa onde o necessário era aprender a dar e receber com liberdade, com
109
Cf. CURTO, Fausto, Mamãe Margarida. P. 30-31
Cf. BUCKER P. Barbara, BOFF Lina, AVELAR, Maria Carmem. Maria e a Trindade. P. 67
111
Cf. GUARDINI, R., La mère du Seigneur p. 61
112
Cf. BUCKER P. Barbara, p. 80 “Uma das metáforas que explica, de modo sugestivo, o ato educativo, referese ao ato de nutrição, de libertação. Nesta perspectiva, educar, enquanto ato de nutrir e elevar, é fecundar, é
deitar raízes, mas é, concomitantemente, transcender, libertar, introduzir ao novo, ao inusitado. A educação é
então compromisso e direito. Compromisso empenhativo tanto para o que se educa ou é educado, quanto para os
que educam ou que ajudam a pessoa a se educar, pois implica numa bela e árdua tarefa de ajudar a fazer
desabrochar todas as potencialidades, todas as qualidades que possam existir em semente no coração humano”.
110
atitudes equilibradas, fora de leis rígidas que pretendem regular tudo e todos, Maria
Domingas Mazzarello nos recorda que o importante é “fazer com liberdade o que a
caridade requer”.
8. A prevenção e os princípios do Sistema Preventivo
A pedagogia do Sistema Preventivo, nasceu do encontro com os jovens pobres,
com as suas características de conteúdo e método, com a figura de um educador que vai além
do papel institucional e é para os jovens amigo e pai. A opção pelos pobres vai além da
simples escolha de destinatários, passa por uma opção existencial pela “pobreza evangélica”
concebida como elemento de educação e construção.
Missão leiga – sonho de D. Bosco
A expressão mais contundente da solidariedade do “sistema preventivo” é, sem
dúvida, a perspectiva missionária. Dom Bosco não se cansava de olhar o mapa – mundi,
suspirando enviar seus padres para evangelizá-lo. numa linguagem leiga, essa dimensão
configura-se muito bem, nos nossos dias, com a sensibilidade do voluntariado.
Atualmente, o prevenir hoje representa propor alternativas que levem o
educando a fazer escolhas importantes e significativas para sua vida. Este modo de conceber a
educação supera, em muito, o Sistema Repressivo, linear e previsível, pobre e empobrecedor,
que apontava, já no tempo de dom Bosco, para uma prática tacanha que reduzia o educador a
um funcionário destinado a apresentar leis e controlar seu cumprimento
A convivência de Dom Bosco com os jovens é caracterizada pela “Amorevolezza”,
isto é exprimir a unidade de seus princípios conteúdos e métodos educativos, com
dinamismo na realidade humana. O amor deve ser o princípio evangélico e o fundamental
na educação, é o cimento que torna os educadores e educandos membros de uma mesma
família. Portanto em seu sistema preventivo esse amor se expressa em três dimensões:
RAZÃO, RELIGIÃO, AFEIÇÃO.
RAZÃO:- é o eixo psicológico – refere-se aos processos de conhecimento de si e do
mundo (à tendência para a verdade, o bem, o belo, a busca da segurança);
RELIGIÃO:- o eixo espiritual – religioso – refere-se à busca e descoberta do sentido da
vida, à abertura para o transcendente, para o Absoluto – Deus.
AFEIÇÃO:- o eixo afetivo – refere-se à aceitação de si mesmo e à abertura de amor para
os outros e para a vida, à alegria de viver.
Esses elementos interagem entre si, unificando-se através do amor educativo, como
uma expressão da caridade pastoral que se traduz por amorevolezza, que não é um recurso
pedagógico mais é a expressão da caridade do educador, somente uma pessoa inspirada e
movida pelos ideais divinos e pelo autêntico amor de Deus pode expressa-lo. Dom Bosco
dizia: “A prática do Sistema Preventivo apóia-se toda nas palavras de São Paulo que diz: a
caridade é paciente... tudo crê, tudo sofre, tudo espera, tudo suporta... O educador é um
indivíduo consagrado ao bem dos seus alunos; por isso deve estar pronto a enfrentar todo
incômodo, toda fadiga, para conseguir o seu fim, que é a educação cívica, moral, científica
dos alunos”. E na conclusão da carta circular sobre castigos, escrevia: “ Recordai-vos de
que a educação é coisa do coração e que dos corações o dono é Deus. Nós não podemos
chegar a coisa alguma se Deus não nos ensinar a arte e não nos puser na mão as chaves
para consegui-la”.
8.1. A Educação no Sistema Preventivo de D. Bosco
O sistema Preventivo de dom Bosco emposta a educação como re-construção de
símbolos e representações vitais, onde o educador não fará primeiro conhecer as leis,
objetivos e depois vigiar para garantir a observância, punindo os eventuais transgressores,
mas buscará “prevenir”, propondo metas significativas, apresentado-as como boas,
importantes, e aprazíveis de serem atingidas, e será o “assistente”, ou seja, sempre presente,
ajudando, aconselhando, acompanhando, recordando, encorajando, promovendo o educando
em todo itinerário educativo
Nessa perspectiva pode-se afirmar que o sistema educativo de dom Bosco não se
esgota no “preventivo”, que é apenas um critério metodológico, mas não um elemento
qualificador da sua proposta educativa. Ele deriva muito mais de uma identidade
antropológica cristãmente fundada, de uma marcante e inconfundível postura educativa. De
uma prática conjunta da razão, da religião e da “amorevolezza”. E de uma robusta e dialética
integração entre fé e humanismo.
O sistema educativo de dom Bosco, através das palavras chaves: amorevolezza, razão
e religião traz como estrutura fundante da proposta pedagógica a antropologia da “inteireza”
proporcionada pelo humanismo cristão. Através do canal do afeto, educador e educando
tornam significativas seus traços simbólicos, que, em última análise, proporcionam-lhes
sentido de vida e caminho de felicidade. Em chave católica e com o linguajar do tempo, o
grande objetivo da educação no Sistema Preventivo era “fazer santos”.
“Santo é aquele que através de esforço e, principalmente, assistido
pela graça de Deus, atingiu o “seu máximo”. Esse máximo dentro da
ótica cristã vem balizado por aquele que Deus colocou como
paradigma para a humanidade – Jesus Cristo. Por isso mesmo na
tradição cristã, ser cristão (seguidor de Jesus Cristo) é ser santo.
Assim apresentava o apóstolo Paulo em suas cartas: “[...] à Igreja de
Corinto: aos santos que foram santificados no Cristo Jesus, chamados
a ser santos, juntos com todos os que, em qualquer lugar, invocam o
nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso” (Cor 1, 23).113
Segundo Viganò na história da Igreja e na história da educação o Sistema Preventivo
pode ser conhecido como pedagogia realista da santidade: tanto do educador que mergulha na
cultura para fazer educação, quanto do jovem que emerge da promoção humana impregnado
de Evangelho.
[..] A originalidade e a audácia da proposta de “santidade juvenil” é
intrínseca à arte educativa de Dom Bosco. O seu grande segredo foi
de não somente não desiludir as profundas aspirações juvenis
(necessidades vitais, de espaço, alegria, liberdade, futuro), mas de ter
levado, gradualmente e realisticamente, os jovens a experimentarem
que somente na “vida da graça”, isto é na amizade com Cristo, os seus
ideais, mais autênticos, seriam compreendidos e exaltados [..]
(VIGANÒ, LC Vol. I, 1996:61)114
Amorevolezza é caridade sobrenatural, no sentido das motivações religiosas da relação
entre educadores e educandos: respeito dedicação, ver nos jovens o próprio Cristo, contudo
, não significa que a pessoa não deva assumir suas responsabilidades, essa é a dimensão
racional que responde às possibilidades de amadurecimento da pessoa no processo de sua
113
Cf. VIGANÒ Egídio, Lettere circolare di don Egidio Viganò ai Salesiani, Vol. I Roma: Editrice Direzione
Generale Opera Don Bosco, 1996. In DAMAS, Luiz Antonio Hunold. A preventividade na educação salesiana.
Brasília: Universa. 2004, p. 91-100. (Egídio Viganò , sétimo sucessor de Dom Bosco, reitor maior de 1978 a
1995).
114
Cf. DAMAS, Luiz Antonio Hunold. A preventiviidade na educação salesiana. 2004, p. 91-100.
educação. O educador deve ter firmeza em suas posições e clareza nas suas exposições,
jamais usar do autoritarismo e imposição.
A parte racional da amorevolezza é justamente a atitude construtiva e paciente de
diálogo e persuasão, evitando qualquer forma de sujeição, de pressão emotiva, de
chantagem sentimental. O ambiente espontâneo onde as normas regulamentares sejam
reduzidas ao mínimo necessário, onde os jovens possam manifestar-se com naturalidade,
em sua alegria. É a verdadeira educação libertadora.115
8.2. A Educação libertadora no Sistema Preventivo
No sistema preventivo a educação liberta, pois não intoxica de informações muito
menos massifica, dá ao jovem o tempo suficiente para que trabalhe o uso da razão em sua
religião. Contribuindo para a transformação de um ser cristão e honesto cidadão. Fazendo
assim suas as palavras do apóstolo Paulo:
“É para liberdade que Cristo nos libertou. Permanecei firmes, portanto, e não vos
deixeis prender de novo ao jugo da escravidão”.(Gl 5,1).
9. Carta de Roma
A carta de Roma é um dos documentos mais expressivo e importante da pedagogia de
Dom Bosco, considerado como “manifesto pedagógico”, e como um “poema do amor
educativo”. É uma mensagem direta aos educadores e educandos, onde expressa com
emoção seu sentimento e seu sonho educativo, focalizando os elementos essenciais do
Sistema Preventivo em ação. Foi uma avaliação radical da prática do Sistema Preventivo
no antigo Oratório. E continua sendo parâmetro para avaliar se nossa prática educativa está
sendo conduzida nessas mesmas bases.
Perto ou longe,, penso sempre em vocês. Só tenho um desejo: vê-los felizes nesta e
na outra vida. foi isto que me levou a escrever-lhe esta carta. ... Valfré me mostrou
os jovens do mesmo jeitinho daqueles tempos. Parecia que eu estava no antigo
Oratório... a gente sentia que entre os salesianos e os jovens reinava um clima de
muita confiança. .. e Valfré comentou. A familiaridade gera o amor e o amor a
confiança. É isto que abre o coração dos jovens para a confiança em seus mestres e
professores... Dom Bosco, você quer ver agora os jovens que estão atualmente no
Oratório?... Ele me mostrou. Vi o Oratório e todos vocês no recreio. Mas não ouvia
mais a barulhada, a vida, a alegria, e o movimento da primeira cena. Via ao contrário
muitos jovens de cara fechada, tristes, desconfiados... É daí que provém a frieza de
tantos deles. Não freqüentam mais os sacramentos. As celebrações são frias e sem
vida. estão de má vontade num lugar onde Deus é tão bom para eles. É por isso que
não há mais vocações; não se manifesta gratidão para com os educadores. Daí o
isolamento... que destroem o ambiente.... Olhei de novo e vi que eram bem poucos
os salesianos que estavam no meio dos jovens e menos ainda os que brincavam com
eles. Não eram mais a alma do recreio... Concluo; sabem o que deseja de vocês este
pobre velho que gastou toda sua vida pelos seus queridos jovens? Nada, a não ser
que, feitas as devidas proporções, voltem os dias felizes do antigo oratório. Os dias
de amor e da confiança cristã entre jovens e educadores; os dias do espírito de
condescendência e tolerância de uns para com os outros por amor de Jesus Cristo; os
dias dos corações abertos com toda simplicidade e candura; os dias da caridade e de
verdadeira alegria para todos.
CONCLUSÃO
115
Cf. BRAIDO, Pietro, Preveni, não reprimir. P. 269-278.
Dom Bosco soube como ninguém reler as Escrituras nos seus trechos mais complexos,
talvez por intuição pois não tinha os conhecimentos que hoje me ajudam a fazer tal
conclusão.
Ao ler sua vida e tomar contato com seu método me reportei ao antigo Israel e
vislumbrei as celebrações, onde se dividiam as primícias colhidas e as dividiam sob a
orientação da mãe e o olhar atento do pai. A família de Dom Bosco era também assim:
Margarida, sua mãe, dedicou toda sua vida, para traçar diretrizes eficazes de vida, aos
filhos e marido, assim como Maria, educou seu Filho Jesus.
Margarida educou seu filho para o mundo, para fazer o bem, este foi o alicerce de todo o
sistema criado por seu filho. Margarida era segura sem ser autoritária, era severa sem ser
um carrasco.
O sistema preventivo de Bom Bosco e seguido de perto por Maria Mazzarelo, motiva a
reflexão teológica para uma educação libertadora, que baseada no amor, alicerçada na
verdade evangélica exige do educador, uma prática verdadeiramente difícil e só possível
para um ser consagrado. Mas, também leva o teólogo a um trabalho pastoral familiar,
orientando pais e mães sobre o verdadeiro sentido de educar: convívio e confiança,
cordialidade, demonstração de afeto ativo, incondicional, equilibrado e racional.
Essa educação familiar, social, baseada na alegria evangélica será demonstrada no próximo
capítulo.
CAPÍTULO III
1. PISTAS À ELABORAÇÃO DE UM PROJETO TEOLÓGICO PASTORAL
INTRODUÇÃO
A vontade soberana de Deus prepara com força e suavidade o momento de sua
intervenção. Ele respeita amorosamente o momento histórico e as condições culturais dos
destinatários de sua Palavra. Até a revelação de quem Ele é, do seu nome e das exigências
fortes de seus desígnios é feita de modo progressivo, respeitando os ritmos e capacidade
de aprendizagem do povo.116 (Doc 47 CNBB)
O processo educativo para a libertação tem seu ponto culminante em Jesus inspirado, em
seu amor, em sua vida, morte e ressurreição. Vivendo e pregando o Reino de Deus, Jesus nos
mostra como chegar ao Pai. Por causa de sua práxis libertadora foi condenado à morte, e uma morte
de cruz, conseqüência aos que promovem a solidariedade e fraternidade. Porém a cruz não é o
“fim”. A cruz é a possibilidade do Pai mostrar sua aniquilação diante da liberdade do Filho de
morrer pela causa da justiça, mas, além disso, a cruz dá a possibilidade da confirmação de que
Jesus é realmente o caminho da verdade, uma verdade realmente libertadora, que também pode ser
compreendida pelo veio da Educação.117
1.1. PASTORAL DA EDUCAÇÃO - CONCEITOS E ESCLARECIMENTOS
116
Cf. Educação, Igreja e Sociedade – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. n. 62. São Paulo: Paulinas.
1992.
117
Cf. Texto Base da Campanha da Fraternidade 1982. Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. p. 14
Educação é um campo privilegiado da ação evangelizadora e pastoral da Igreja e, por isso
é preciso sintonizar a Pastoral da Educação em sua rica caminhada de preparação para o
Reino.118
A Pastoral da Educação está além do ensino religioso na realidade escolar. Ela o ultrapassa
muito! Deseja favorecer a evangelização apresentando novos dados do complexo mundo da
educação e, ao mesmo tempo, valorizar e motivar a dimensão educativa de tudo o que a Igreja faz.
Buscando mostrar essa dimensão, serão apresentadas algumas pistas que podem servir como
bases para um projeto educativo.
Enfim, somos construtoras(es) da paz! Essa é a realidade de pessoas voltadas para o bem e
para a sua construção. A paz é a harmonização que unifica o ser humano, primeiramente no seu
interior, e transborda após um longo processo. A paz provoca solidariedade quando avança no
processo de desenvolvimento do ser humano, enquanto projeto de vida de quem é “ser”, e, também
deseja promover os que não conseguem “ser”.
A construção da paz começa no seio familiar. Para que isso ocorra, é necessária a formação
e a construção da família, embasando-a em conceitos atuais, o que é ser família hoje? Objetivo este
(tarefa – dever), esquecido tanto pelas escolas, na área da educação, como pelas igrejas, na sua
formação e catequese e tão decisivos para o educar! A realidade do mundo de hoje mostra jovens e
crianças que não encontram essa paz que gera solidariedade dentro de seus próprios lares, nas
escolas, e nas religiões.
A proposta para que se dê essa construção seria a de investir com mais afinco, nos objetivos
imediatos: busca do ser interior; busca do conhecimento próprio do ser humano; busca de
reconhecimento da dignidade. Fazer do jovem e da criança um ser que está no mundo para
construir, para edificar, vivendo em relação com o mundo que os acolhe, os deseja, muitas vezes os
maltrata, mas que é o mundo que eles têm para conquistar e transformar.
118
Cf. Pastoral da Educação, Reflexão e Organização – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – texto Base
A importância do Concílio Vaticano II para a caminhada da Igreja foi principalmente a sua
abertura para o mundo, o “aggiornamento”, o olhar para o mundo e se deixar questionar pelo
mundo e procurar com todo o amor e compreensão dar respostas à humanidade que lhes dê
esperança e alegria. Com grande visão teológica traçar projetos acessíveis e aceitar projetos que
com certeza podem ser bem sucedidos no mundo de hoje, tais como: priorizar a formação de
agentes de pastoral principalmente, com um olhar para o hoje e assim conseguir capacidade de
olhar a realidade do contexto em que vivem: país, estado, cidade, bairro; um conhecimento
antropológico, história da sua família, sociológico, psicológico e religioso do contexto em que vive.
Um conhecimento pessoal aprofundado. Prepará-los não seria enfrentamento e sim um
reconhecimento que leva à libertação e à alegria de ser agente de pastoral.
Jesus veio para libertar-nos de todos os sistemas e esquemas que impedissem a realização
do Projeto de Deus. Jesus veio viver o Projeto de Deus. Com sua práxis dizer e mostrar ao ser
humano, como é o humano e como é o divino: filha (o) de Deus. Jesus veio dar plenitude às leis,
aos costumes do seu tempo. Ele é libertador.
1.2. TEOLOGIA PASTORAL
A palavra pastoral vem de pastor. Jesus é o bom pastor, portanto, fazer pastoral é fazer o
que Jesus fez. É prática, é ação, é trabalho, é serviço.119 Segundo Mihály Szentmártoni: “A
Teologia Pastoral pode ser definida como reflexão teológica sobre o conjunto das atividades com as
quais a Igreja se realiza, com a finalidade de definir como essas atividades deveriam ser
Setor Educação 4ª ed. São Paulo: Paulinas. 2001.
119
Cf. Pastoral da Educação Reflexão e Organização, CNBB Texto Base. 2001, p. 7-8. “A imagem de Pastor e ovelhas, tão
ricamente trabalhada pela Sagrada Escritura e colocada em destaque por Jesus, tem, porém, suas limitações, que precisam ser
consideradas, especialmente as que se referem à passividade das ovelhas e ao rebanhismo. Sem dúvida este dado,
infelizmente, entrou fortemente na estrutura da Igreja, enfatizando a hierarquia e deixando os leigos e leigas muito passivos
porque dependentes, não formados para autonomia no pensar, organizar-se e agir. Mas, num sentido mais amplo, Pastoral é o
agir da Igreja como um todo, hierarquia e fiéis, num esforço contínuo, consciente, articulado e organizado de ir
proclamando e construindo o Reino de Deus na história, através do testemunho comunitário, do anúncio, do serviço
libertador e do diálogo”.
desenvolvidas, levando em consideração a natureza da Igreja, sua situação atual e a do mundo.”120
A origem da teologia pastoral como disciplina científica é recente. Sua história pode ser
dividida em quatro etapas:
1) “Sentido prático mas não teológico”. Em 1777 temos o nascimento da teologia pastoral,
quando a imperatriz Maria Teresa introduziu a reforma do ensino universitário. É a era
“manualística”, isto é, escrevem-se livros sobre os deveres e atividades dos pastores, é a chamada
teologia prática, contendo muita ética e pouca referência à Sagrada Escritura. Baseia-se no costume
e na tradição. O ponto central é o pastor ou cura de almas, professor de religião, sacerdote e pastor.
2) “Orientação bíblico-teológica”. Agora o Pastor de almas não é simplesmente promotor de
uma vida humanamente serena, mas o colaborador ativo de Deus na salvação dos homens. O
sacerdote não é tratado apenas como “funcionário”, mas como sacerdote com uma vocação própria.
Pelos meados do século XIX, a teologia pastoral, torna-se uma ciência sobre a Igreja que vai
construindo a si mesma. Não é um simples conjunto de métodos didáticos, pedagógicos, mas deve
ser entendido como a mediação no ato salvífico que vem de Deus para o ser humano, ou seja, como
a mediação da salvação.
3) “Cunho eclesiológico”: chama-se também escola de Tübingen. São dessa Escola as
expressões válidas até hoje: “ações eclesiais”; “edificação do Reino de Deus”; como auto-definição
de Igreja, o objeto material da teologia pastoral não é o pastor, mas a Igreja, por meio da qual o
cristianismo edifica a si mesmo em vista do futuro.
4) “A reforma querigmática”. A. Graf, propõe a seguinte definição “A ciência das
atividades divino – humanas realizadas pela Igreja por intermédio de pessoas por ela incumbidas de
tal tarefa, de preferência pertencentes ao estado eclesiástico, para a edificação da mesma Igreja”.
Assim, a pastoral adquire importante lugar na Igreja e é apresentada como uma ciência teológica.121
120
121
Cf. SZENTMÁRTONI, Mihály, Introdução à Teologia Pastoral. 1992, p. 11
Cf. SZENTMÁRTONI, Mihály. Introdução à Teologia Pastoral. 1992, p. 15
A teologia pastoral assume a idéia do Reino de Deus como critério para sua pregação, e sua tarefa
principal é o anúncio do Evangelho.122
Nos desenvolvimentos mais recentes apontados, K. Rahner com o conceito de “autoconstrução da Igreja” (1964) é quem dá um impulso determinante para o desenvolvimento da
Teologia Pastoral, o que introduz com um novo enfoque da problemática teológica pastoral: o
anúncio da palavra, os sacramentos, a vida cristã segundo a lei, e a ação caritativa. Além disso,
segundo Rahner, evangelizar quer dizer promover a fé em Jesus como Senhor, educar nessa mesma
fé de modo que a pessoa cresça na relação interpessoal com Jesus no plano das idéias, das escolhas
e das obras.123 Para K. Rahner a realidade mundana incide essencialmente na construção de ação
eclesial cristã. Daí a necessidade das demais ciências, principalmente a Sociologia, que podem
auxiliar a reflexão para a análise da situação atual. A Teologia Prática deve ser também crítica.
1. 3. PASTORAL URBANA
Pastoral Urbana, segundo José Comblin, é em
primeiro lugar dialogar com a cidade, ouvindo-a em
toda sua diversidade. A Pastoral Urbana observa as
condições concretas em que as pessoas se encontram,
as auxilia com seus diferentes recursos, numa ação
transformadora para a realização plena do ser humano
122
Cf. idem. 1992, p. 13-17
conforme o Projeto de Deus. A vivência religiosa
passa pela alegria de estarmos em comunidade
criando métodos para envolver amorosamente
pessoas. Envolvê-las respeitando sua complexidade e
num projeto evangelizador, humanizar cada vez mais
os excluídos do convívio social.124
O Documento da CNBB n. 71 diz no seu § 196 “Especial atenção merece a pastoral urbana,
com a criação de estruturas eclesiais novas que, sem desconhecer a validade da paróquia renovada,
permitam que se enfrente a problemática das enormes concentrações humanas e as novas formas de
cultura em gestação.” Como exemplos o documento cita: multiplicar e diversificar as comunidades
eclesiais; incentivar a reflexão e o planejamento pastoral em comum entre paróquias da mesma
cidade ou área; criar ou desenvolver centros de evangelização; tecer uma rede de comunicação e
contatos com os cidadãos; valorizar a religiosidade popular e finalmente, um cuidado particular
pelos jovens que são o grande desafio da Igreja hoje, como também são o seu futuro.125
O mesmo documento aponta como desafios para uma ação evangelizadora: a construção da
identidade pessoal e da liberdade autêntica numa sociedade consumista; nos três âmbitos de ação:
pessoa, comunidade e sociedade.126 E José Comblin como no documento da CNBB e afirma que
uma evangelização no ritmo da cidade deve obedecer a critérios dentro da lógica dessa cidade,
123
Cf. RAHNER, Karl. (org.), La salvezza nella Chiesa, Herder, Morcelliana, Brescia, 1968, in.
SZENTMÁRTONI, Mihály. Introdução à Teologia Pastoral.
124
Cf. COMBLIN, José. Pastoral Urbana. 2ª Edição. 2000, p. 16
125
Cf. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora. Documento da CNBB, nº 71. 2003-2006, 196
assumir sua complexidade e diversidade, e aponta alguns caminhos, ou seja, diz que uma pastoral
urbana deve ser: organizativa, formativa, educacional e espiritual.127
O documento n. 71, indica passos de trabalho:
1. Ir até as pessoas, criar espaços, incidir nos mais diferentes ambientes. Fé e vida.
2. Criar ambientes ecumênicos e de diálogo inter religioso.
3. Reconduzir homens e mulheres à Unidade em Cristo.
4. Fontes para esse trabalho: Sagrada Escritura, Documentos da Igreja, livros de ciências humanas
e sociais.
5. Para a execução de um bom trabalho evangelizador são necessários um aprofundamento
bíblico teológico e uma boa pesquisa sociológica.128
Para José Comblin, trabalhar em uma pastoral urbana exige do agente de pastoral não só
conhecimento da cidade mas amor por ela. Exige um conhecimento permanente, exige um ir ao
encontro “de” e “para”, só assim haverá uma inter – ação.
Um trabalho na pastoral urbana deve contribuir na reflexão sobre o sentido da vida. A
necessidade que homens e mulheres têm do “outro” de ser “alguém”, de escutar e ser ouvido.
Enfim, um ser em relação, pois, a alteridade é a condição da liberdade, e a liberdade pressupõe um
livre modo de pensar e agir, não havendo pensamento igual entre as pessoas à relação exige
respeito mútuo, o qual só se aprende na convivência com o diferente.129
Comblin afirma haver necessidade de um maior investimento na formação integral e educação
para a vida na cidade: de padres, religiosos, religiosas, leigos e leigas, engajados e atuantes nas
pastorais, uma educação acadêmica formativa que privilegie a espiritualidade. Também insiste na
inclusão da mulher nas diversas instâncias de ação na Igreja, para melhor dialogar com a cidade
onde a mulher ocupa cargos nos mais diferentes setores. Colocar em prática o que nos diz as
Escrituras (Gn 1, 27-31).
126
Cf. idem, 64
Cf. COMBLIN, José. Pastoral Urbana. 2ª edição. 2000, p. 16
128
Cf. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja do Brasil. Documento da CNBB, n. 71. 2003 – 2006,
22, 24, 38, 53, 59-61
127
Deus criou à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele
os criou”.
“Deus os abençoou e lhes disse: ‘Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a
terra e submetei-a; dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos
os animais que rastejam sobre a terra.’ Deus disse-lhe: ‘ Eu vos dou todas
as ervas que dão semente, que estão sobre toda a superfície da terra, e todas
as árvores que dão frutos que dão semente; isso será vosso alimento. A
todas as feras, a todas as aves do céu, a tudo o que rasteja sobre a terra e
que é animado de vida, eu dou como alimento toda a verdura das plantas e
assim se fez.
Viver intensamente o ambiente relacional, onde somos todos imagem e semelhança de
Deus. Não existe ninguém só. A relação pressupõe: olhar, escutar, acolher, pertencer.130 E
finalmente, ter coragem de correr risco. É na aventura da Pastoral Urbana que vivemos o momento
escatológico do “já” e o “ainda não”. Segundo Paulo Freire: “Porque na verdade meus amigos não
é o discurso que diz que a prática é válida. É a prática que diz se o discurso é válido ou não”.131
1. 4. TEOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Segundo Giuseppe Groppo, a teologia da educação é a reflexão da fé, de modo crítico e
sistemático, diretamente sobre a Palavra de Deus em quanto se refere à educação, e indiretamente
sobre os aportes das ciências no diálogo interdisciplinário.132 Em outros lugares da América Latina
existem práticas de ação investigadoras, que exigem incluir entre as ciências da educação o saber
129
Cf. COMBLIN, José. Viver na cidade. 1996, p. 33
Cf. COMBLIN, José. Viver na cidade. 1996, p. 17
131
Cf. Boletim “Para um trabalho com o povo”. 2ª Ed. Comissão Editorial da C.C.J. Centro de Capacitação da
Juventude. Fruto de um bate papo entre Paulo Freire e um grupo de pessoas (Cebs, Pastoral Operária, Oposição
Sindical Metalúrgica), empenhados no trabalho de Educação Popular na Vila Alpina, zona Leste de São Paulo,
no início da década de 80.
130
sobre a educação, o que se aprende por experiência ou por outras informações acerca dos feitos
educativos como eles se ordenam sistematicamente.133
A experiência educativa escolar e extra escolar sistematizam-se com instrumentos de
análises deliberadamente elaborados. Essas análises devem descobrir os pressupostos táticos da
prática educativa. Por exemplo: por trás de uma reforma educativa pode existir uma concepção do
ser humano puramente funcional a um projeto político instrumentalizante de um projeto de
utilização econômica dos recursos humanos em favor de certos centros de poder. Também, em um
centro educativo pode haver dissonância entre a teoria proclamada à prática efetiva. A capacidade
crítica do teólogo, e da equipe de crentes interessados no eixo educativo, pode detectar e denunciar
estas falhas deliberadas do inconsciente com visão transformadora.134 Afonso G. Rubio escreve o
seguinte a esse respeito:
E, assim, ficam desautorizados todos os sistemas e todas as maneiras de se
relacionar que manipulam e instrumentalizam o ser humano, de modo que é
impedido de dar sua resposta pessoal. Sistemas políticos/econômicos,
sistemas educativos etc. que impedem ou obstaculizam o desabrochar da
responsabilidade da pessoa. É a educação ‘bancária’ de que fala Paulo
Freire. É o tipo de educação que, infelizmente, está também presente num
tipo de evangelização que superprotege ou domina o outro, mantendo-o
numa dependência infantil do evangelizador.
A Igreja, quando utiliza métodos que levam à passividade e à alienação da
pessoa, acaba negando na prática o sinal que é a sua vocação profunda.
Sinal de comunhão, de fraternidade e de participação. A vivência eclesial
não deveria nunca passar por alto este dado básico da antropologia bíblica:
o homem é um ser de reposta e, por isso mesmo, chamado a assumir a
própria responsabilidade. Com outras palavras: é chamado a assumir os
riscos da liberdade, em todos os domínios da vida humana. Parece-me que,
nas comunidades eclesiais, esquecemos facilmente a afirmação paulina:
132
Cf. GROPPO, Giuseppe. Teologia dell’ deucazione. Origine, identità, compiti. In. AHUMADA, Enrique
Garcia. Teologia de La Educacion. 1991, p. 26
133
Cf. SCHIPANI, Daniel, teología del ministerio educativo, perspectivas latinoamericanas, in. AHUMADA,
Enrique Garcia.Teologia de la Educacion. 2003, p. 27
134
Cf. PERESSON, Mario. Teología a pie, entre sueños y clamores, sistematizacion del proyecto de Teología
popular de dimensión educativa, in. Teologia de La Educacion. 2003, p. 30-35.
‘Vós, irmãos, é para a liberdade que fostes chamados’ (Gl 5, 13), não para
uma falsa liberdade, mas para a liberdade de amar. Às vezes, parece que
queremos ser cristãos, sendo desumanos.135
A função própria da teologia da educação é fundamentar, motivar e orientar baseada no
evangelho de Cristo a uma ação educativa.
Existe uma reflexão cristã não só orgânica, mas também crítica sobre os métodos e os
resultados da teologia sistemática e das ciências da educação, que podemos chamar de teologia
profissional ou acadêmica da educação. É muito importante para o pensamento cristão que a
teologia acadêmica mantenha contato com a sabedoria dos fiéis e dos santos, em especial dos
santos educadores.136 No nosso caso Dom Bosco e outros educadores citados no segundo capítulo
nas páginas 68-71.
Como toda ciência, a teologia da educação é um hábito de conhecer e pensar de
determinada maneira. O início da teologia da educação consiste na reflexão dos fenômenos
educativos cotidianos à luz da Palavra de Deus expressa na Bíblia e na Tradição da Igreja. A
sistematização se dá à medida que se obtêm um pensamento coerente com a fé sobre o conjunto dos
eixos educativos.137
O sujeito pensante mais apropriado da teologia da educação é o cristão educador, sua
reflexão teológica será melhor fundamentada quanto mais entender a Palavra de Deus contida na
Tradição que cresce e amadurece pela força do Espírito Santo e particularmente na Bíblia.138
A teologia da educação é tanto mais abrangente quanto melhor incorpora os ensinamentos
da teologia sistemática (cristologia, eclesiologia, teologia moral e espiritual...); quanto melhor
assume os avanços das ciências da educação (teoria da educação, história da educação. sociologia,
antropologia, ...); quanto mais se conhecer a prática cultural e atual também visualizando o futuro.
135
Cf. RUBIO, Alfonso García. Elementos de Antropologia Teológica. 2004, p.75
Cf. GONZÁLEZ, Chico. Institutos y Fundadores de Educación Cristiana, in. AHUMADA, Teologia de la
Educacion. 2003, p. 28
137
Cf. AHUMADA, Enrique Garcia. Teologia de la Educacion. 2003, p. 26-31
136
Portanto, é uma reflexão teórica prática e não simplesmente especulativa, porque pretende orientar
o apostolado educativo da Igreja como tal e dos seus membros.139
2. UM PROJETO EDUCATIVO LIBERTADOR
Verificou-se que o plano da salvação não se opera apenas na Teologia da Educação, assim
reconhecida, mas também na obra libertadora de outros homens e em outros lugares. Como
exemplo, temos o trabalho de Paulo Freire, a ilustrar este capítulo.
Paulo Freire nasceu em uma das regiões mais pobres do país. Trabalhou inicialmente no Sesi
(Serviço Social da Indústria) e no Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife. Ele foi
quase tudo o que deve ser como educador, de professor de escola e criador de idéias e “métodos”.
Sua filosofia educacional expressou-se primeiramente em 1958, na sua tese de concurso para a
Universidade do Recife, e, mais tarde, como professor da História e Filosofia da Educação daquela
Universidade, bem como em suas primeiras experiências de alfabetização como a de Angicos, no
Rio Grande do Norte.
A primeira constatação para o educador e o educando, segundo Paulo Freire, é a de que ninguém está só no mundo; e porque os seres
humanos estão no mundo com outros seres humanos o “estar com os outros, significa, necessariamente, respeitar nos outros o direito de dizer a
palavra” esse é o princípio do Método de Paulo Freire.140
A obra de Paulo Freire pode ser vista tomando-o como um educador, um cientista, mas também como um político, pois ele não pensa a
realidade apenas como um sociólogo que procura somente entendê-la, mas ele busca, nas ciências sociais e naturais elementos, para poder
intervir de forma eficaz nela. Ele pensa a educação ao mesmo tempo como ato de conhecimento, ato político e como ato criador.141
A coragem de colocar em prática um autêntico trabalho de educação que identifica a
alfabetização como um processo de conscientização, capacitando o oprimido tanto para a aquisição
dos instrumentos de leitura e escrita, quanto para a sua libertação, fez dele um dos primeiros
brasileiros a ser exilado. A metodologia por ele desenvolvida foi muito utilizada no Brasil em
campanhas de alfabetização conscientizadora. Exilou-se primeiro no Chile, onde, encontrando um
138
Cf. Idem. 2003 p. 31
Cf. HOZ, Garcia V. El orden sobrenatural en la educación, 1944. In Ahumada, Enrique García. Teologia de
la Educacion. 2003, p. 30
140
Cf. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 1993, p. 10
141
Cf. GADOTTI, Moacir. Paulo Freire uma Biobibliografia. 2001, p. 80ss
139
clima social e político favorável ao desenvolvimento de suas idéias, promoveu, durante cinco anos,
trabalhos em programas de educação de adultos no Instituto Chileno para a Reforma Agrária
(Icira). Ali escreveu, em 1968, a sua principal obra — Pedagogia do oprimido.
Em Paulo Freire, conviveram, sempre presentes, tanto o senso de humor quanto a não menos
constante e indignação contra todo tipo de injustiça.142
Aprende-se com ele que é importante praticar um método pedagógico orientado pelo diálogo aberto e corajoso, sendo esses elementos
condição indispensável aos fundamentos de uma escola e de uma sociedade democrática. A situação material das escolas vítimas de depredação
é uma resposta à violência quotidiana em que vive a população pobre deste grande centro urbano.143
2.1. VISÃO TEOLÓGICA DO PROJETO EDUCATIVO
A capacidade de amar é o que possibilita transformações na sociedade, que aceita culturas, e
que incide na história dos seres humanos fazendo comunhão dos que querem “mundo novo”. Praxis
igual reflexão e ação.
A vida proibida de ser vivida é o que causa o sistema injusto de educação, isto é, a pessoa,
não pode admirar, nem, maravilhar-se, com a vida, que é o mais precioso dom do ser humano. É a
vida que o conduz à liberdade de “ser” e “estar” em permanente felicidade, dentro das mais
diversas situações.144
A educação dialógica possibilita a descoberta da significação verdadeira que as pessoas não
tinham do mundo, dos homens e mulheres, cultura árvore, trabalho animal, que no caso dos países
onde a grande maioria é oprimida pelos sistemas de injustiça, são “coisificados” e vivem num
limite restrito onde se confundem com as coisas e animais; não têm consciência de sua
humanidade. É preciso humanizar pessoas que se reconhecem como “seres”, passam a ser
transformadores de seu meio, com a força de seu trabalho criador (o valor de ser humano). Já não
são quaisquer - coisas; ou quase – coisas. Possuí-las vem da consciência da sua opressão para a
142
Cf. FREIRE, Paulo, Revista Nova Escola. In. GADOTTI, Moacir (org) Paulo Freire – uma Biobibliografia,
1996, p. 31
143
Cf. Idem. 2001, p. 273
consciência de classes oprimidas. Aqui, nesse momento, começa a transformação de história
humana por mãos humanas, no Deus que se “revela” na história145
O ser humano é um ser de liberdade, e um ser em relação. Tudo que a pessoa é, suas
virtudes, condicionamentos, são características indiscutíveis do seu agir. Só é considerado um ato
humano o que é fruto da liberdade, pois a ação humana não é simples reação mecânica ao
conhecimento, mas é fruto de uma opção, cuja fonte é a liberdade.146
2.2. O SENTIDO DA VIDA HOJE
Deus não criou um mundo já todo pronto. Se tudo já estivesse perfeito ou,
simplesmente ‘feito’, poder-se-ia pensar que o ser humano não tem nada a
fazer e a vida seria sem sentido. O ser humano não está na terra
simplesmente para guardar uma ordem, mas para colaborar com o criador.
O ser humano foi criado para criar. Os animais e as plantas foram criados
para se reproduzirem ‘segundo suas espécies’, repetindo sempre o mesmo
programa, enquanto todo filho de uma família humana é único, diferente
dos outros. Toda criança que nasce suscita uma nova alegria.147 Deus criou
o ser humano à própria imagem, porque o quis próximo de si, não somente
amigo, mas filho, Deus fez os seres humanos ‘capazes de Deus’. Isto
significa que o ser humano está aberto ao Infinito, ‘capaz’ de participar
da vida divina. Paulo, em Atenas, citando um poeta grego, afirma:
‘Somos da raça do próprio Deus’. Somos seres feitos para Deus. João
144
Cf. FREIRE, Paulo, Pedagogia do Oprimido. 1996, p. 10-26
Cf. Idem. 1996, p. 102
146
Cf. CATÃO, Francisco. A educação no mundo pluralista. 1993, p. 32-35
147
Cf. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. Documento da CNBB n. 71. São Paulo:
Paulinas. 2003, 72
145
confirma: ‘Desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o
que seremos!’ (1 Jo 3,2)148
Todos os discursos de Jesus têm, como pano de fundo, três questões inquietantes para todo
ser humano: Quem somos? De onde viemos? Para onde iremos?
Tudo que Jesus disse refere-se à vida humana, concreta, com dificuldades, doenças,
injustiças, mas falou, sobretudo, na dependência de Deus, tal como é vivida, enfim , no cotidiano,
na relação com os outros, para o bem e para o mal. Sob esse aspecto o discurso de Jesus tem como
base a antropologia. A característica que se verifica por trás do discurso de Jesus é a questão do
sentido da vida, sua antropologia é uma antropologia aberta, leva à teologia, no sentido etimológico
do termo, leva ao discurso sobre Deus.149
Jesus falou do Reino, da salvação, da grande esperança de um mundo de justiça e de amor a
que somos chamados e que crescem escondidos no meio de nós, como uma semente lançada em
terra boa. Porém, Jesus nos deixou livres para escolher: o que fazer aqui?
Podemos abraçar sua missão, ou podemos dar-lhe as costas, mas para qualquer uma das
duas escolhas, é preciso preparação, e necessário conhecermos seus caminhos. Na dimensão
religiosa. Portanto, educação, vida e religião estão misturadas como a massa de um bolo. Todos
sabem que contem: ovos, leite farinha, açúcar, mas depois de misturados já não sabemos quem é o
que. Aqui está a tarefa do educador e da educadora: descobrir caminhos, degustar sabores, re encontrar o sentido da vida.
Mas o educador religioso não pode basear seu discurso em Deus, simplesmente, ou na sua
palavra, porque escapa à experiência humana. Os evangelhos nos mostram como Jesus parte
sempre da experiência das mulheres e dos homens para transformá-los em pessoas livres com um
desejo enorme de viver e de ser útil aos outros. É isso que dá sentido à vida. Desta forma a
liberdade, da qual muitos têm medo, é um dom de Deus, que é Amor. O aprofundamento na
148
149
Cf. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. Documento da CNBB n. 71. 2003, 73
Cf. CATÃO, Francisco. Em busca do Sentido da vida. 1993, p. 6-26
experiência de Deus implica no crescimento da liberdade do homem e mulher. A corporeidade do
ser humano já que somos seres terrestres e não celestes, também almejam a libertação da qual
foram privados e não se justificam os medos do corpo, da sexualidade que forma prerrogativas
alienadoras.
É precisamente como seres corpóreos que somos chamados (as) a viver um
relacionamento de comunhão com os outros seres humanos também
criaturas de Deus”.
Sim o ser humano é criatura, mas só ele é criado à imagem semelhança de
Deus. Esta é a grandeza do ser humano. É um ser de diálogo e de
responsabilidade responsável em relação à história e ao mundo criado”.150
Tudo o que somos reflete a origem trinitária e comunitária. A solidão, o isolamento, o
fechamento, são o verdadeiro inferno. Nega-se assim o fundamento do nosso próprio ser. Fomos
criados para a relação, para viver em comunidade. Infelizmente, a cultura, a religião, a sociedade,
até o trabalho, hoje estão profundamente marcados pelo individualismo. sabemos que muitos
fatores influenciam para que esse fenômeno ocorra, ou seja, temos hoje muitas pessoas com
bloqueios psicológicos, conscientes ou inconscientes, depressivas, com síndrome do pânico, que
não conseguem conviver socialmente, nem ao menos caminhar numa rua por mais silenciosa e
calma que seja. Outro bloqueio é o social, há uma mudança da sociedade tradicional, hoje as
famílias apesar de mais abertas e pluralistas, rompem seus laços com extrema facilidade.151
No âmbito religioso, as pessoas não enfrentam mais a pressão da Igreja, obrigando-as a uma
decisão “de fé”. Hoje cada qual decide se crê ou não em Deus. Se freqüenta ou não um templo e
qual a ideologia que quer. Também somos “livres” para escolher nossos valores e esquecemos que
150
151
Cf. RUBIO, Alfonso García. Elementos de Antropologia Teológica. 2004, p. 74
Cf. CATÃO, Francisco. Em brusca do sentido da Vida. 1993, p. 6-26
a liberdade pressupõe a escolhe entre dois bens, pois a escolha pelo mal nos leva para escravidão.
Estamos assistindo a um avanço de uma nova cultura mais urbana, técnica e política, que vem
desencadeando, especialmente na geração jovem, uma crise das crenças religiosas tradicionais, uma
crise de “Deus”, e verificamos que essa crise é antes crise de uma certa imagem de Deus recebida
ou até a de ídolos que usurparam seu nome santo e suplantaram em nossa civilização cristã, o Deus
vivo e verdadeiro. Pensa-se, por isso, que a questão crucial para a teologia e para o testemunho
evangelizador como Igreja não é tanto se somos crentes ou ateus, mas de que Deus somos crentes e
de que Deus somos ateus.152
A fé está em choque com o mundo virtual, predomina a relação virtual, uma auto satisfação
que elimina o relacionamento entre as pessoas, que se fecham cada vez mais em si mesmas. Na
cultura individualista os sentimentos religiosos se identificam com uma fé midiática, sem
compromisso social, sem interação, o que provoca um enfraquecimento social e pessoal.
Vê-se, entretanto, que uma pessoa é mais sã quanto mais ela for capaz de relacionar-se. É
aqui que se dá o sentido da vida: SER EM RELAÇÃO153
2.3. TAREFA DA TEOLOGIA DA EDUCAÇÃO
A principal tarefa da teologia da educação é proporcionar às pessoas o crescimento no amor,
não como um cumprimento de preceitos, mas como abertura filial a Deus, em união com Jesus e
com o Espírito Santo, para exercer um serviço realmente libertador no mundo.154
Outra tarefa tão importante quanto é de ser facilitadora da percepção do Reino de Deus em
uma visão escatológica do “já” e o “ainda não”. E assim apressar a vinda do Reino de Deus.
Com afirma Braido, quanto mais são acentuadas a dignidade, as virtualidades e o
protagonismo do menino e do jovem, tanto mais deve ser renovada a função do educador. Isso
comporta o modo radicalmente novo de interpretar e de experimentar a própria idéia e o papel do
152
153
154
Cf. MUÑHOZ, Ronaldo. O Deus dos cristãos. 1986, p.28
Cf. CATÃO, Francisco. Em busca do sentido da vida p. 6-26
CF. AHUMADA, Enrique Garcia. Teologia de la educacion. 2003, p. 234
“pai”, “irmão”, “amigo”. O educador seguro e tranqüilizador, consciente do próprio dever e
responsável, não é autoritário, somente autorizado, capaz de associar ao envolvimento afetivo
ilimitado, incondicionada confiança e profundo respeito. Essa é a condição para um autêntico
diálogo e o construtivo confronto com um jovem respeitado no seu protagonismo, nos seus direitos,
incluídas a discordância e a contestação.155
É muito doloroso ao ser humano quando conscientizado, perceber-se desumanizado, ao
“cair em si” perceber-se como vítima, muitas vezes, de uma sociedade de poder e opressores,
educação manipuladora.
O oprimido que se percebe como tal, e quer libertar-se de tal condição, individualmente,
tem uma visão distorcida do que é ser livre. Não percebe que ser livre é sinônimo de tornar-se
pessoa. Também esse será um opressor pois está imerso numa estrutura de opressão que não foi
transformada, assim sendo o oprimido tem no opressor um exemplo a ser seguido, um testemunho
de homem. Isso se repete de pai para filho, de sociedade para sociedade, etc...
A libertação de opressão não se dá apenas para se “comer mais” mas para saborear a
liberdade, que é a possibilidade que todo o ser humano tem, e que deve superar, na sua própria
cultura e sociedade em que vive, isso sempre no sentido coletivo, de realização. “Os homens e
mulheres se libertam em comunhão”.156
Paulo Freire argumenta que o processo opressor, propicia às elites viverem da “morte em vida”
dos oprimidos e só em relação vertical entre elas e eles. No processo revolucionário só há um
caminho para autenticidade da liderança que emerge: “morrer para reviver através dos oprimidos
e com eles”. É a práxis de Jesus.
A Igreja tem uma especial preocupação com a Educação, e sua missão educadora está
basicamente nos Documentos Conciliares, e em muitos outros Documentos do Magistério
Pontifício Universal e dos Bispos.
155
Cf. BRAIDO, Pietro. Prevenir, não reprimir. 2004, p. 361
O Cardeal Arcebispo de Milão Carlo Maria Martini diz:
A intenção de fazer o homem a sua imagem e da humanidade seu povo,
levou Deus a revelar-se e ainda mais, a encarnar-se em Jesus e se derramar
como Espírito. A fé nesse Deus tão empenhado em fazer crescer o homem
não pode deixar de contagiar os crentes da Igreja inteira e fazer nascer no
coração o sentido vivo da urgência de educar pelo gosto de cooperar com
Deus na sua empresa de grande beleza, como é a de fazer um homem
plenamente humano.”157
Paulo Freire diz haver dois tipos de educador: - o educador bancário, aquele que só
deposita; e - o educador que supera as contradições de bancário, que é o educar problematizador e
se torna um companheiro dos educandos. Já não faz depósitos, nem saques, e educando com eles
“sabe” com eles.
Não está a serviço da desumanização e da opressão, está a serviço da
libertação.158
A linguagem do educador precisa estar sintonizada, com a situação concreta dos homens e
mulheres com quem fala, de outra forma a sua fala é um discurso a mais, alienado e alienante.
O ser humano é histórico porque pode problematizar a vida. Ele precisa dar sentido à vida.
A vida não lhe basta como um passar o tempo sem consciência. Para o ser humano, a vida é criada
e re-criada. Ele assume a vida para construí-la. O ser humano reage quando a vida lhe parece ser
tirada. O ser humano sabe, quando está, e em que espaço está, e está constantemente em busca de
si, como um ser aberto em relação com o mundo e com os outros, e podem assim, com sua
presença criadora, não somente viverem, mas, existirem. E sua existência é histórica.159
156
157
158
159
Cf. CATÃO, Francisco. A educação no mundo pluralista. 1993, p. 37-41
Cf. AHUMADA, Enrique Garcia. Teologia de la educacion. 2003, p. 299-301
Cf. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 1996, p. 58-68
Cf. CATÃO, Francisco. A educação no mundo pluralista. p. 32-41
2.4. DESAFIOS DO MEIO URBANO
O esforço para discernir as exigências que derivam do “amor” em cada contexto leva as
pessoas a refletirem sobre suas opções, suas escolhas, seu modo de viver, sua convicção religiosa.
Pois bem, o grande desafio que os educadores enfrentam nos dias atuais é justamente a falta de
sentido na vida dos jovens e adolescentes.
Ser pessoa, ser cristão, amar a Deus com todo o
coração e com toda a nossa força, e ao próximo como
a nós mesmos, deveria ser a opção fundamental de
todo ser humano, porém, o que se sente hoje é uma
imensa perda de valores, de valorização, de interesses
comuns, existentes entre cada indivíduo.
Enquanto educadoras e educadores, se faz necessário ajudarmos nossos educandos a
encontrarem urgentemente o sentido da vida, pois, é esse sentido que dá coerência entre a nossa
vida e o nosso discurso. É a partir desse sentido que se dá à vida, que definimos a nossa opção
fundamental e a transformamos em compromisso concreto de realização plena.
Há contrastes hoje que impedem ou embaçam o discernimento. Um deles é o neoliberalismo
globalizante. Ironicamente, no mercado é sadio, apenas, aqueles que consomem e produzem. Ele é
o termômetro para o crescimento do país, tudo e todos dependem dele, portanto, o novo nome da
dominação é exclusão.160
160
Cf. CATÃO, Francisco. A educação no mundo pluralista. 1993, p. 32-41
Nesse mundo, onde poucos detêm todo o poder aquisitivo e muitos são escravizados para manter
esse tipo de sociedade, os educadores se perguntam: como dar sentido a vida? Como plantar
esperança nesses corações? Como libertá-los para viverem realmente na dignidade?
2.5. DIGNIDADE HUMANA
Cuidado para não sermos desumanos, quando pensamos ser cristão! Cada um
(a) de nós, sem exceção é chamado (a), a crescer na sua humanização, esta é
a nossa vocação fundamental, vocação de imagem de Deus. (Alfonso García
Rubio)
Observamos que o nosso povo cristão, católico ou evangélico é ainda fatalista passivo
domesticado e com uma religião alienada, que alimenta esse infantilismo. Parece que há uma fuga
da realidade.
O ser humano é imagem de Deus não só porque é chamado a assumir a sua responsabilidade
em face do mundo criado e em face da história. Não só pelo seu fazer e o seu criar cultura, nem tão
pouco pela sua atividade, mas também pelo seu descanso, pelo seu repouso. O autor do texto de Gn
1, dá uma ênfase maior ao descanso de Deus, para mostrar que assim como Ele, nós também
criados a sua imagem e semelhança devemos descansar. Esse descanso é tão importante que se
tornou uma Lei do Senhor: “Lembra-te do dia do sábado para santificá-lo. Trabalharás durante seis
dias, e farás toda a tua obra. O sétimo dia, porém, é o sábado de Iahweh, nem teu escravo, nem tua
escrava, nem teu animal, nem o estrangeiro que está a tuas portas. Porque em seis dias Iahweh fez o
céu, a terra, o mar e tudo o que eles contêm, mas repouso no sétimo dia; por isso Iahweh abençoou
o dia do sábado e o santificou”. (Ex 20, 8-11).
O trabalho é a dignidade do ser humano, porém o descanso é o que torna possível essa
dignidade, pois todos precisam além de trabalhar, dar, receber, agradecer, celebrar, por isso Deus
santificou um dia, para que, maravilhado, o ser humano pudesse louvar toda a plenitude do Amor
de Deus.161
Por fazer parte do universo, a pessoa humana tem necessidade de sobreviver, de se
alimentar, de se reproduzir, de se vestir, e de educar sua prole. O interessante é que a mulher e o
homem constituem algo de original e único no mundo. Eles transcendem e por isso são capazes de
se conhecer, de se amar, de buscar o próprio bem, de compartilhar e somar com os outros, para
fazer a sociedade melhor.
Sua luta pela sobrevivência, enquanto um ser inserido na História, é também uma luta pela
dignidade, pelo amor, pela construção de um mundo justo e solidário. Muitas vezes, porém pode
deixar-se mover por um projeto de vida pessoal e de mundo no qual prevalecem o egoísmo, a
dominação e o alheamento às responsabilidades éticas do ser humano. O ser humano precisa
assumir eticamente a direção de seu destino e de sua História e ser responsável por si mesmo.162
3. PISTAS PARA ELABORAÇÃO DE UM PROJETO PASTORAL
Maximiliano Salinas163, chama o riso e cristianismo de chave hermenêutica dos pobres. Para Dom Bosco alegria é expressão da
amorevolezza.
Vejo na festa uma das pistas para a elaboração de um projeto teológico pastoral e tomo como fundamento duas festas: a
celebração da Ressurreição de Jesus Cristo, elemento fundante da fé cristã; e a “Pessach: festa da liberdade”, da tradição judaica. A festa é
o momento em que se aprende o amor como dádiva de Deus, que alegra,
comove, encanta e faz renascer. Precisa-se descobrir um modo
alegre de trabalhar nas pastorais e para isso é preciso abrir o coração e deixar o sorriso crescer em nossos lábios.
Dom Bosco não chegou a escrever um tratado completo e com rigor científico sobre o seu
Sistema Preventivo, porém, tem o mérito de apresentar de forma simples e sintética os elementos
constitutivos desse sistema educativo que ele chamou, de preventivo, e as motivações e critérios
para se avaliar sua utilidade.
O sistema preventivo mostra as leis e as prescrições, mas depois os educadores estão atentos
e vigilantes para que os educandos não as transgridam. A atitude dos educadores não é a de quem
161
162
Cf. RUBIO, Alfonso García. Elementos de Antropologia Teológica. 2004. p. 77
Cf. Educação, Igreja e Sociedade. Documento da CNBB. 5ª ed. 1992, n. 47, 64
vem para punir, mas a de quem está presente como pai e irmão que orientam, que aconselham, que
corrigem com bondade e carinho. O sistema cria um ambiente tal que fica difícil para o educando
cometer faltas.
Este sistema se apóia todo sobre três bases fortíssimas: a razão, a religião, “amorevolezza”.
Nada, portanto, de castigos violentos e, se possível, evitem-se também os castigos leves.
Alguém poderá dizer que este sistema é difícil de se praticar. É um sistema muito fácil e
gratificante para os educandos. Para os educadores apresenta algumas dificuldades que
desaparecerão se eles se dedicarem com amor à sua missão. O educador é uma pessoa totalmente
dedicada ao bem de seus alunos e por isso deve estar pronto a enfrentar qualquer incômodo e
cansaço para atingir seu objetivo, que é a educação civil, moral e científica de seus discípulos.
Amar: Amar é ir ao encontro dos jovens, pois Deus ama primeiro, está é a preventividade:
sentir-se amada e amado por Deus. É a primeira e a última palavra da pedagogia de Dom Bosco, já
que Deus e o seu Reino de amor estão no vértice da sua finalidade educativa. Só pode ser o amor, o
supremo princípio do método, característica fundamental do seu estilo, da sua práxis. Pois, faz
parte do sistema preventivo, ir a frente, tomar a iniciativa. “Procure fazer-se amar antes de fazer-se
temer. A caridade e a paciência acompanham sempre você”.164 “É quando diminui este amor que as
coisas já não vão bem”.165 “A prática deste sistema apóia-se inteiramente nas palavras de São
Paulo: charitas benigna est, patiens est; omnia suffert, omnia sperat, omnia sustinet. A caridade é
benigna e paciente; tudo sofre, tudo espera, tudo suporta. Por isso, somente o cristão pode aplicar
com sucesso o sistema preventivo. Razão e religião são os instrumentos de que o educador deve
constantemente fazer uso, que deve ensinar e praticar ele mesmo, se quiser ser obedecido e obter o
seu fim”.166
163
Salinas C. Maximiliano, texto da CEHILA, Chile. Riso e cristianismo: uma chave hermenêutica dos pobres
1993, p. 172-173
164
G. BOSCO, Ricordi confidenziali ai direttori, cit., p. 283
165
G. BOSCO, Lettera da Roma del 10 maggio 1884 in Scritti, cit, p. 323
166
B. BOSCO, II sistema preventivo nella educazione della gioventù, in Scritti, cit, p. 294
Exclamava Margarida, mãe de Dom Bosco: “... são tão jovens! Nem são capazes de
refletir”. Vamos tratá-los com caridade. A caridade triunfa” (MB 3, 369).
Foi esse o clima da vida de Dom Bosco. O hino da caridade de São Paulo, cantou-o com a
própria existência. Toda a espiritualidade e o complexo problema educativo se resumem nesse
canto vital. Somente percorrendo a estrada do amor é possível ser cada vez mais humano.
Metodologia do Amor Educativo: “Amorevolezza” O amor que traz a alegria de viver.
Vimos que a amorevolezza é a marca do Sistema Preventivo de Dom Bosco. Não há um
termo correspondente em língua portuguesa que traduza adequadamente o sentido amplo que ela
tem para Dom Bosco. Seria como querer traduzir saudade noutra língua! Termos afins como
cordialidade, amabilidade, carinho, amor...não esgotam suficientemente o significado da palavra
amorevolezza para Dom Bosco, por isso, a usamos no seu original italiano.
Os elementos, Razão Religião e Afeição demonstrada interagem sempre, tanto em nível de
conteúdos, como de metodologia. O elemento unificante, o cimento de tudo é o amor educativo,
uma expressão da caridade pastoral que se traduz em amorevolezza. Trataremos de seu significado
na prática educativa.
A amorevolezza vem de encontro a anseios profundo dos jovens. É também reafirmada
pelas mais recentes conquistas das ciências da educação e da psicologia que, ao mesmo tempo. lhe
oferecem nova compreensão e novas perspectivas: Oportunidade de resposta às aspirações dos
jovens; Diálogo como categoria de Prevenção; Os jovens como protagonistas, agentes para um
mundo novo possível.
A sociedade atual apresenta-se contraditória. Proclama determinados valores mas a prática
apresenta outra face:
•
afirma a subjetividade, o valor das pessoas, mas estas se vêem cada vez afogadas no
anonimato e massificação da sociedade moderna.
•
Valoriza a corporeidade, o corpo e o sentimento, mas os corpos trazem as marcas da
exploração e da tensão. Os sentimentos ficam embrutecidos diante das diversas formas
de competição, de violência, de discriminação.
•
Proclama a liberdade, a individualidade e a autonomia, mas as pessoas são manipuladas
em função do consumo, das ideologias, da moda, da passividade e acomodação.
•
Exalta a comunicação, mas predominam as relações superficiais, puramente funcionais
e instrumentais que fazem com que as pessoas sintam na solidão no meio da multidão.
Os jovens que aspiram com grande intensidade viver tais valores são, também, os que mais
agudamente sentem a frustração e o desencanto.
•
A prática da amorevolezza vem de encontro às necessidades dos jovens como oferta de
acolhida e atenção pessoal, como oportunidade de afirmação de sua liberdade e
criatividade, valorizando seu jeito jovem de ser, de se expressar, resgatando a alegria de
viver intensamente; como experiência de comunicação mais profunda, seja pela atitude
de empatia, de escuta, de amor desinteressado por parte do educador, seja pelas
oportunidades de encontro e experiências de grupo que oferece. Os jovens rejeitam
atitudes e comportamentos estereotipados e puramente funcionais, e respeitam a
autenticidade de uma relação amiga.
Realização total da pessoa humana: salvação.
Toda pessoa elabora para si uma noção de salvação, que reflete a compreensão que tem de
si próprio, do mundo e de Deus, e do que significa para ela felicidade e plenitude.
O cristianismo quer ser um caminho que leva à realização total da pessoa humana,
oferecendo a seus seguidores a salvação. A noção de salvação é, portanto, central, no cristianismo,
mas se apresenta historicamente numa multiplicidade muito grande de expressões, e sua
compreensão se atualiza sempre nos diversos contextos sociais e culturais.
A idéia de salvação em Dom Bosco condicionava a sua prática educativa. A consciência que
temos hoje é diferente em relação aos tempos de Dom Bosco.
•
Pluralismo religioso e salvação
Muitos católicos já não consideram a Igreja como fundamento de sua fé, nem aderem sem
reservas à sua pregação. Os jovens especialmente, manifestam bastante ojeriza pela “instituição”. O
mesmo pluralismo observa-se no campo ético, pois os valores morais tornam-se uma questão de
escolha pessoal.
A própria reflexão teológica não defende mais que “que fora da Igreja não há salvação”. O
Concilio Vaticano II afirma que “Deus salva todos os que o busca com um coração sincero e
conformam sua conduta com os ditames de sua consciência” (LG 16). E hoje, especialmente,
procura-se reconhecer as “sementes do verbo” presentes nas diversas culturas...
A partir desse quadro de compreensão, novos desafios se apresentam para a educação:
•
oferecer uma proposta que seja significativa e que leve o jovem a aderir livremente e
com convicção à fé; numa situação de concorrência, somente uma proposta de qualidade
conseguirá sucesso.
•
A fé deverá basear-se numa experiência pessoal de Deus, uma vez que não é mais
respaldada pela sociedade. Por isso, é necessário valorizar as experiências salvíficas e
suas expressões, mais do que a doutrina; e transmitir a fé aos jovens progressivamente,
dentro de suas experiências humanas, e permitindo-lhes assimilar os dado da fé na
medida em que respondem e trazem sentido às mesmas. Muito contribuirão para isso o
testemunho de fé de educadores significativos, e os suporte de grupos de vivência.
•
A convivência com pessoas de outras crenças e religiões exige o espírito auto crítico e
uma fundamentação maior da própria fé. Por outro lado, estimula um sadio
ecumenismo, baseado no respeito e diálogo diante das diferenças, na aceitação do outro,
na colaboração em torno das causas que dizem respeito ao bem comum, ao projeto do
Reino de Deus.
O modelo educativo de Dom Bosco tinha sua inspiração no modelo divino: a relação de
Deus com seu Filho Jesus Cristo, com as criaturas e, em particular, com a pessoa humana, chamada
à filiação de Deus. O educador é um instrumento nas mãos de Deus e deve ser sinal do amor de
Deus pelos jovens. Com efeito, a amabilidade do educador se inspira na caridade que se enraíza em
Deus e tem seu modelo na atitude de Cristo. Manifesta-se num amor que não é só de simpatia, mas
de percepção do valor do jovem aos olhos de Deus.
A razão está cheia de motivos religiosos. É assim que fala do sentido religioso do dever. A
boa educação sempre era motivada como maneira de praticar a caridade.
Religião e Sistema Preventivo Hoje167 Uma nova compreensão da religião possibilita uma
nova compreensão da tarefa educativa. Para isto, é necessário perceber as diferenças e as ligações
que existem entre religiosidade e religião, socialização e educação à fé.
•
Com sua intuição dom Bosco conseguia desenvolver um processo educativo para o
amadurecimento dos jovens. Princípios que correspondem às dimensões de
amadurecimento da pessoa, já vistos.
•
aceitar o jovem como ele é: encontrar o jovem na vitalidade natural de seu
desenvolvimento. Oferecer-lhe oportunidade de expressar-se em todo seu dinamismo e
criatividade. Não tolher a iniciativa do jovem, não cortar sua expansividade. Mas
também, positivamente, procurar criar oportunidades de participação, de expressão
através de múltiplas atividades: música, teatro, passeios, esportes, festas.
•
Para isto contribuía a criação de um ambiente racional. A racionalidade do ambiente se
manifesta na sua simplicidade. As normas regulamentares reduzidas ao mínimo. Nada
de complicações, burocracia, formalismo. Muita espontaneidade, alegria diálogo cordial
167
SCARAMUSSA, Tarcísio. Sistema Preventivo de Dom Bosco. Belo Horizonte: CESAP (Centro Salesiano de
Apoio Pastoral). 1993 – 1ª Parte, Capitulo IV – 2ª Seção.
entre todos, sem distância e etiquetas. Em síntese, num ambiente de vida familiar, onde
todos se sintam à vontade, em casa.
•
Crença na capacidade do jovem: o jovem tem “razão”. “Em todo jovem, mesmo no mais
rebelde, há sempre um ponto acessível ao bem e a primeira obrigação do educador é
buscar este ponto, esta corda sensível do coração e tirar bom proveito” (dom Bosco).
•
jovem tem capacidade de compreensão e de decisão. Para isso era ajudado a
compreender a razão de ser das coisas e a assumir a tarefa de sua educação. Todo
ambiente educativo devia respirar uma atmosfera de empenho construtivo: mais
importante que fazer as coisas porque devem ser feitas, ou porque se deve obedecer a
um regulamento, mais importante é fazer por convicção, assumindo com
responsabilidade as exigências para o crescimento pessoal e para a convivência no
grupo.
•
Mas para conseguir esse ideal, não basta dar alguns avisos ou normas. Essas devem ser
razoáveis ... mas é necessário, especialmente, a persuasão. A racionalidade deve ser
partilhada pelo educando, até tornar-se consciência de uma efetiva responsabilidade
pessoal, assumida com liberdade.
•
Jovem é, portanto, protagonista de sua formação, no sentido de que deve ser agente e
sujeito de seu próprio crescimento e do grupo, e no sentido de que deve ser ouvido, ter
voz e vez, e ser tratado de fato como sujeito.
•
Conquistar o coração: razão e paixão? O povo costuma falar; “O coração tem motivos
que a razão desconhece”. Seria um contra-senso falar em coração aqui onde se fala de
Razão? Dom Bosco fala do coração não apenas como órgão do amor, mas como parte
central do nosso ser. O coração quer, o coração deseja, compreende e entende, ouve o
que se lhe diz, se enche de amor, reflete, pensa, move-se.
•
Por isso, “o educador deve conquistar o coração dos educandos”. Duas coisas são então
importantes: um amor equilibrado, aberto, racional: “deixai-vos guiar sempre pela razão,
e não pela paixão. Um amor que se guia pela clareza das idéias e da verdade: não se
impõe pela força, pelo autoritarismo, outra forma de paixão.
Em síntese, formar um só coração. Isso é racional. Uma citação indicativa do próprio dom
Bosco: “não quero que me considerem como superior, mas como amigo. Por isso, não tenham
temor algum, nenhum medo de mim, mas muita confiança; é o que desejo, que peço, o que espero
de verdadeiros amigos. Eu lhes digo sinceramente: aborreço os castigos. Não gosto de dar aviso
ameaçando punir a quem erra – não é o meu sistema. Também, quando alguém erra, se posso
corrigi-lo com uma palavra acertada... e se reconheceu o erro e mudou, não exijo nada além. Se
porém devesse castigar a um de vocês, pior castigo seria para mim, pois eu sofreria demais. Não
que eu seja tolerante, especialmente se se tratasse de quem desse escândalo aos companheiros... Há
porém um meio de prevenir todo desgosto meu e de vocês: FORMEMOS UM SÓ CORAÇÃO.
Estou pronto para ajudá-los em toda circunstância. Tenham boa vontade. Sejam francos, sejam
sinceros como sou com vocês” (MB 7, 503).
A situação dos jovens, na alienação, na fuga, ou na acomodação diante das forças
interiores que suprimem a possibilidade de perceber a própria responsabilidade e a própria
culpa.
Ao mesmo tempo, percebe-se uma crescente aspiração por uma “libertação”, uma
necessidade de liberdade muito indefinida ainda, que os jovens não conseguem traduzir
operacionalmente, também porque ficam desnorteados pela exploração propagandística que a
sociedade capitalista faz desta aspiração. E ainda porque os adultos não os convencem da liberdade
através de seus atos.
A educação libertadora, ou “educação como prática da liberdade” é hoje a única que serve à
causa da libertação necessária para a realidade dos países do “Terceiro Mundo”. A educação
libertadora “torna o educando SUJEITO de seu próprio desenvolvimento” (Puebla).
•
•
Festa e alegria: retorno ao sagrado e reencantamento pelo outro
“Se você quiser tornar-se bom, pratique somente três coisas e tudo correrá bem. [...]. São elas: Alegria, Estudo, Piedade. É
este o grande programa; se o praticares, poderás viver feliz e fazer muito bem à tua alma”. (São João Bosco). A sociedade
atual, industrializada e com um grande desenvolvimento econômico mediante o aumento de novas tecnologias, se vê
obrigada à exigência de reduções do horário de trabalho e, ao mesmo tempo, turnos de trabalhos em dias festivos.
É dentro deste contexto que se coloca o problema do “trabalho festivo”. Impõe-se dessa forma uma reflexão sobre o verdadeiro
significado do trabalho e da festa, em vista da salvação da dignidade da pessoa humana.
Deus criou o homem e a mulher para a festa, para “celebrar”, o amor, o nascimento, o crescimento, a vida e a morte. Na festa, o
homem e a mulher encontram-se com a sua dimensão existencial, no entusiasmo e na vitalidade, voltam às raízes profundas do “ser”,
esperança e felicidade. Na festa eles relaxam, conscientizam-se, elevam-se ao criador.
Fazer festa é algo próprio e interior à natureza humana. Não é algo extrínseco e sim uma forma de exprimir simbolicamente a
própria alegria. O ser humano para preservar a esperança e poder modificar o presente, não pode abster-se de sonhar, dançar, fazer a festa.
É a fantasia e o mito que os colocam em integração total do “ser”. Sem os ritos, os cantos e a criatividade, o espírito humano
torna-se árido, perde a leveza e fica inquieto. 168
O ser humano tem uma ação transformadora quando acredita que a sua única segurança está em Deus que nunca o jogará fora,
pois ele não é bem de consumo. Na sociedade atual, onde a diluição dos valores religiosos e das grandes festas, mostra declínio de algo
importante: a afirmação da gratuidade, da fantasia e da liberdade, enfim, do dia do homem e da mulher, é o descanso, é a festa do trabalho.
Celebrar a festa é muito mais do que fazer a festa. Celebrar é realizar um rito, fazer liturgia segundo a tradição antiga, significa
entrar em comunhão com Deus. Não se fazia festa sem culto. A festa era inconcebível sem a divindade. A festa nascia do culto. Esse é um
dado constante na história das religiões.
A festa tem a função de guardar as raízes da história da salvação, “fazer memória”, e lembrar que, se os homens e as mulheres
inventaram as coisas, foi Deus que os inventou, e que uma nova civilização não emerge do caos, a não ser pela repetição do ato criador.
“E Deus viu que havia feito, e tudo era muito bom”. (Gn 1, 1-2; 4ª)169
A festa, nesse sentido, é sinal eficaz do sagrado - os sacramentos - que gera a alegria, não uma alegria fácil mas uma alegria real.
Não se trata do gozo superficial da inconsciência, nem se trata da resignação, mas da alegria que nasce da convicção de que o sofrimento e os
maus-tratos injustos serão vencidos. Trata-se de libertar esse corpo das forças de morte, isso implica: caminhar sob o domínio do Espírito,
que é vida. Aqui Paulo Apóstolo é um guia insubstituível. Trata-se de uma alegria pascal que corresponde a um tempo de martírio.170 O
168
169
Cf. HUIZINGA, Johan, Homo Ludens. O jogo como elemento de cultura. 2001 p. 1
Grifo nosso
170
Cf. GUTIÉRREZ, Gustavo. Beber em seu próprio poço. 2000, p. 140
mundo assim sendo renasce da festa. No contexto da Revelação, a festa é o memorial da intervenção salvífica histórica de Deus, que liberta o
ser humano de suas escravidões e faz alianças.171 Cada obra criadora é impulsionada pelo Espírito de Jesus.
A festa é fruto de um dom, e depende da iniciativa de Deus. No Novo Testamento, Cristo, a Aliança definitiva, coloca eternamente
“o dia que o Senhor fez.” Celebrar a festa significa reunir-se; estar juntos. “O mais profundo é estar contente com outras pessoas, consigo
mesmo, com Deus (ou como seja denominada a experiência transcendente). Isso pode ser chamado o ‘o bom humor do corpo e do
coração.”172
“Mesmo não carecendo de entretenimentos o mundo de hoje é esquálido o bom humor. Rodeia-nos muito “felicismo” oco e
superficial. A grande civilização planetária tem um sorriso falso, dentro dela se sente o vazio e a insatisfação; é uma civilização sustentada
em colonialismos de ontem e em injustiças de hoje. Sua contrapartida e a felicidade interior e coletiva, gerada cotidianamente. É a
espiritualidade da vida. Ela é que suscita o riso genuíno”.173
“A boa fé em Deus nasce da alegria e nos conduz a ela. Com ela transitamos por uma época problemática e a transformamos!”
Diego Irarrazaval, questiona-se: “Como Jesus foi jovial e como podemos sê-lo hoje? Tendo como base os relatos bíblicos, e no
sentido de fé que seu Espírito nos dá, buscamos respostas, e gozamos mais a presença do Senhor.”
E pergunta-se: com que alegria encarar as tristezas e violências que nos envolvem? A Bíblia nos conduz ao livro da criação e da
vida atual, faz-nos encarar as responsabilidades de hoje com simpatia e entusiasmo.”174
A primeira a celebrar a festa foi Maria, celebrar a festa da alegria, engrandecendo a obra de Deus nela realizada (Lc 1, 46-49).
João Batista celebra a festa “saltando de alegria” diante da presença do Cristo. (Lc 1, 41-44)
A mulher encurvada, curada no dia de sábado, glorifica o Senhor. (Lc 13, 12-13)
A cura dos dez leprosos, deveria iniciar uma festa, mas somente um soube celebrar. (Lc 17, 15-16)
Zaqueu abre seu coração em festa. “Hoje a Salvação entrou nesta casa” (Lc 19, 9-10)
A festa da volta do Filho Pródigo foi celebrada pelos que participavam do amor misericordioso e da alegria do Pai. (Lc 15, 25-32)
Quem quer celebrar a festa deve se reconciliar com Deus (2 Cor 5, 19). Nesse momento, homens e mulheres recuperam a sua
verdade. Cristo é a revelação de Deus, mas também é a revelação do homem e da mulher.175
A festa se conclui na vida e não só no rito. A vida torna-se festa, é a própria vida que faz culto a Deus.
Fazer festa é coisa dos sonhadores. Celebrar, porque somos herdeiros (as) do Reino de Deus, em Jesus Cristo. Quem celebra a
festa, faz a memória da alegria e é sempre lembrado (a).
A Igreja tem algo muito importante: é a capacidade de gerar esperança, que influi hoje na memória da festa. É a festa da
Encarnação e a festa da Ressurreição de Jesus Cristo, que carrega consigo o Mistério da Cruz, “centro da festa”. Celebra a morte de Jesus e
celebra a vitória sobre a morte; celebra a vida e o mistério da comunhão: sentido total da vida.
171
Cf. BERGAMINI, Augusto. Cristo Festa da Igreja. 1994, p. 110
Cf. IRARRAZAVAL, Diego. Um Jesus Jovial. 2003, p. 319
173
Cf. Idem. 2003, p. 320
174
Cf. Idem. 2003, p. 13
175
Cf. Constituição Pastoral Gaudium et Spes. Compêndio do Vaticano II. 7ª ed. São Paulo: Vozes. 1968, 22
172
“A Ressurreição, a rigor foi a desmontagem da morte pela imagem da vida.”176 Essa imagem de esperança colocada dentro dos cristãos
pela vitória da vida sobre a morte, se contrapõe às estruturas de morte vigentes, os impele e lhes dá coragem em todas as épocas, de
partilhar, servir e dar a vida.177
E concluo, fazendo minhas as palavras de Leonardo Boff: “Não pode haver tristeza quando nasce a vida.” 178
CONCLUSÃO
Existe somente uma possibilidade de fundamentar uma educação humanista e libertadora, a
qual considera o educando como sujeito do seu próprio desenvolvimento é fundá-la no próprio ser
humano.
O ser humano caracteriza-se pela liberdade e pela
comunhão. É o único ser, no mundo capaz de agir por
si mesmo, dotado de liberdade, e que encontra, na
comunhão com os seus semelhantes, o caminho para a
plena realização.
O conhecimento que temos do mundo está
baseado na nossa experiência, desde que se considere
o conhecer como vivência, e que se considere que
176
Grifo nosso
conhecer nos leva a entender o ato humano como tal,
isto é, o agir humano. Então podemos dizer como os
antigos: “o agir é espelho do ser”. É por intermédio do
agir, que os seres manifestam o que são.
A característica indiscutível do agir humano é a liberdade. O que caracteriza a ação humana
é a opção ou a escolha, então podemos afirmar que o livre arbítrio ou a liberdade de escolha é a
forma sob a qual se manifesta a liberdade, mas o que lhe está na raiz é algo muito mais profundo: a
liberdade, característica imanente ao agir humano. É a maneira única e original pela qual o ato
humano depende do homem ou da mulher, que o pratica.
A educação da liberdade valoriza a subjetividade aberta à transcendência, diferentemente da
educação liberal, e visa à realidade do ato voluntário livre, aqui e agora, diferentemente da
educação libertadora, pois considera primordialmente a raiz da liberdade, o seu foco, o que é a
liberdade na ação, que dignifica o ser humano.179
A abertura da liberdade, é, basicamente, uma abertura ao outro, desejado e amado (eros),
por cuja comunhão (agape, amizade) se aspira. É uma primeira expressão da transcendência, para a
qual está aberta a liberdade do ser humano.
A vida humana seria decepcionante e incompleta, justificando toda espécie de autoafirmação violenta ou de fuga, se não houvesse um Outro, capaz de preencher a infinidade do amor
humano (eros, agape).
177
178
179
Cf. BERGAMINI, Augusto. Cristo, festa da Igreja. 1994. p.128-138
Cf. BOFF, Leonardo. Encarnação. A humanidade e a jovialidade de Nosso Senhor.
Cf. CATÃO, Francisco. A educação no mundo pluralismo. 1993. p. 32-45
É assim que a educação para a transcendência se articula com a liberdade e com a
comunhão e faz parte integrante da educação da liberdade. Portanto, considerar o educando como
sujeito do seu próprio desenvolvimento, é entender a educação como educação da liberdade, na
solidariedade, em vista da comunhão, isto é, na sociedade aberta à transcendência, que dá sentido
definitivo ao homem, à mulher, à vida e ao universo.
CONCLUSÃO
Um legado, uma homenagem aos educadores!
A Esperança não pode morrer. Como dizia Freud: “quanto menos um homem
conhecer a respeito do passado e do presente mais inseguro terá de mostrar-se seu juízo sobre
o futuro... As pessoas experimentam seu presente de forma ingênua, sem serem capazes de
fazer uma estimativa sobre seu conteúdo têm que colocar certa distância dele: isto é, presente
tem que se torna passado para que possa produzir pontes de observação a partir dos quais eles
julguem o futuro”180
A Esperança – repita-se - não pode morrer. Como vimos, é a partir da experiência do
Deus do povo e do povo de Deus que nasce no ser humano a consciência de sua missão,
fazendo-o começar a gritar e denunciar. Essa é a pedagogia do profeta, que como apelo à
conversão passa por três caminhos: justiça, solidariedade e mística.
O ápice da pedagogia educacional é encontrado em Jesus. A espiritualidade do seu
seguimento é chamada de Discipulado, pois é ao mesmo tempo, conteúdo e método da
verdadeira Educação Libertadora.
Paulo foi talvez o seguidor de Jesus que melhor intuiu seus ensinamentos de liberdade.
A teologia paulina é uma reflexão sobre a missão e práxis de Jesus, como motivo de fé e
fundamento da nova práxis cristã. Para Paulo, a liberdade de Jesus Cristo é uma vocação
dinâmica, porque é uma tarefa a ser cumprida.
A força dos ensinamentos de Jesus e dos educadores citados neste trabalho não está
nas suas teorias, mas, sim, em terem insistido na idéia de que é possível um mundo novo pela
educação libertadora, que põe no centro dessa reflexão a dignidade da pessoa e o sentido que
ela dá à sua vida. Eles não só convenceram e estimularam tantas pessoas, em tantas partes do
mundo, por suas teorias e práticas, mas, também, por despertar nelas a capacidade de sonhar
com uma realidade mais humana, muito mais bonita e justa. Eles foram guardiães da utopia.
Deixaram-na como legado. E isso serve tanto para os países pobres quanto para os ricos. Pois,
esse legado é, acima de tudo, um legado de esperança.
Na experiência histórica o ser humano percorre o seu processo de aprendizagem (que é
singular) na transmissão e planejamento de uma cultura. Não sendo o ser humano apenas
movido por seu passado, ele impõe ao presente os seus desejos e anseios. Assim sendo, é
agente de transformações, é formando e formador, é educador e educando. Cuida de novas
tradições, é responsável pelo seu tempo e atuante, é “presença no mundo”, responsável
também pelo que virá.
A História da Salvação pode ser apreendida como processo educativo, pelo qual Deus
prepara os homens e mulheres para a libertação, para viver em comunhão e fraternidade.
Observando pedagogicamente a ação de Deus na vida do seu povo percebemos o crescimento
desse povo em auto-consciência. Deus vai se revelando ao povo que O experimenta, como
Aquele que ouve o clamor do oprimido e que está ao seu lado. A Sagrada Escritura, no livro
do Deuteronômio, traz uma releitura do Êxodo no seu núcleo principal (Dt, 12 a 26), onde
coloca que esse evento é a libertação de um povo que pode “sonhar novamente”. E, assim
sendo, concretizar seu desejo de uma sociedade igualitária e solidária. É um conjunto de leis
que não têm um caráter jurídico e sim indicações para que todas (os) possam ter acesso à
liberdade e à vida.
O fundamento dessa lei é “vida”. O decálogo (cf. Dt 5, 1- 22) é a expressão da
“aliança”, da “Vida” na prática dos que vivem o Projeto do Reino como sendo o seu projeto.
No decorrer do livro do Deuteronômio: “são estes os estatutos e normas que vocês colocarão
em prática na terra cuja posse Javé, o Deus dos teus antepassados dará a vocês durante todos
os dias em que vocês viverem sobre a terra” (Dt 12,1). A saída da escravidão que gera
desigualdade é relembrada nessa memória, o povo revê a sua vida e projeta a sua história,
180
Cf. FREUD, Sigmund. Obras completas de Sigmund Freud. O Futuro de uma ilusão. 1927 p. 15
transformando-se em protagonista da mesma, quando faz aliança com Deus. No livro do
Deuteronômio encontra-se constantemente um alerta, uma instrução: “Preste Atenção em si
mesmo... Cuidem de colocar em prática tudo o que ordeno a vocês” (Dt 12, 13ss)
A História da Educação nos ajudou responder a pergunta de como era a educação
antes da escola e sua continuidade na educação oriental, dando ênfase à educação judaica.
Refletimos sobre os principais aspectos da educação grega e da educação romana remontando
às origens da cultura ocidental em que se assenta toda a nossa tradição educacional.
A proposta deste trabalho é de uma reflexão sobre os aspectos teológicos da educação.
E, por este motivo, não basta uma reflexão puramente racional filosófica, pois a Teologia
pressupõe a fé e esse pressuposto transforma o todo. Assim sendo, para os cristãos o conceito
de educação não é incumbência só da Filosofia, mas, também, da Teologia. A educação é
vista como um processo de amadurecimento da pessoa como tal e sua abertura para a
transcendência. Portanto deve ser orientada para a salvação integral e para a santidade da
pessoa. Procuramos observar em documentos eclesiais a grande preocupação da Igreja com a
Educação. De acordo com a Lumen Gentium 17, a Igreja atrai os homens e as mulheres para
Cristo, que os liberta, e os encaminha assim à perfeição e a felicidade.
Muitos outros pensadores influenciaram o pensamento no que concerne à educação, e
hoje é preciso assumir uma postura histórica para podermos entender os problemas
educacionais. Não basta, entretanto, conhecer os fatos e idéias relacionadas com a educação
em cada época histórica. É necessário, além disso, investigar os aspectos sociais, econômicos
e políticos de cada país em cujo seio se desenvolve o fenômeno educativo que se quer
compreender. É a doutrina socrática que identifica o sábio e o homem virtuoso.
A educação tem como finalidade ajudar o ser humano a alcançar sua plenitude e sua
realização, a atualizar as forças que tem em potencial. Para Aristóteles, o que distingue o
homem do animal é a capacidade de pensar. Platão defini assim “a verdadeira educação ou
paidéia e a educação na Aretê, que enche o homem de desejo e da ânsia de se tornar um
cidadão perfeito e o ensina a mandar e a obedecer sobre o fundamento da justiça ou ainda a
formação que desde a infância inspira o desejo apaixonado de se tornar um cidadão completo
e realizado”.
A necessidade de pensar a vida, de refletir sobre seus fatos de uma maneira inteligente,
pedagógica, educativa, faz com que o mundo renovado não tenha somente aparência de
“novo”, mas, que realmente seja “novo” a partir de uma nova atitude que venha do interior de
cada uma, de cada um, e de toda uma sociedade que tem o direito e o dever de “pensar”,
“sonhar” e “esperar” um “novo dia”!
É difícil mudar a cabeça de um povo escravizado, oprimido e de pessoas que não têm
consciência da escravidão. O objetivo da (o) educadora (r) é atrair para a libertação da
liberdade usando recursos que lhe são possíveis dentro de seu contexto histórico. Assim, fez
Paulo, o Apóstolo – como ele mesmo diz - usou o recurso da Cruz do Cristo para reler toda a
história do povo escolhido, que passa para a universalidade de que todas (os) são escolhidos
em Cristo Crucificado e Ressuscitado para viverem a passagem da escravidão para a
libertação.
A necessidade que se tem hoje na educação, na religiosidade que liberta, é
contemplada pela Teologia da Educação no que tange não somente a uma denominação
religiosa, mas, principalmente, ao fenômeno religioso. Tanto nas religiões reveladas –
Judaísmo, Cristianismo e Islamismo – como nas religiões animistas (que partem de uma
experiência humana de transcendência) existe um conhecimento religioso que já é um
componente comum do ser humano que precisa ser educado.
As relações comunitárias ou relações humanas estão na gênese de uma tendência à
eclesialidade do ser humano no seu procedimento ético, que dará sentido à vida humana e
tem seu início no relacionamento consigo mesmo, com a outra (o) e com Deus. Estabelece-se,
dessa forma, um processo dialógico filial, confiante, participativo na vida da Trindade Santa e
nos desígnios dela sobre o mundo.181
Dom Bosco e seu sistema preventivo de Educação mereceram um capítulo inteiro.
Pois, foi através dele, que a paixão pela educação criou raízes, cresceu e floresceu em meu
ser. A sua alegria de ensinar e toda sua vida voltada para o engrandecimento da dignidade do
ser humano tornou-o muito mais que santo; mas, alguém que soube viver a prática de Jesus, e
à sua luz, reconhecer cada ovelha de seu rebanho e ir a seu encontro onde quer que estivesse,
com quem estivesse e de qualquer maneira que estivesse.
Para Dom Bosco a alegria é o elemento constitutivo do “sistema”, inseparável da
piedade, do estudo e do trabalho. A alegria é expressão da “amorevolezza”. Efetivamente, na
sua prática e na correlativa reflexão pedagógica, a alegria assume um significado religioso. A
mistura equilibrada de sagrado e profano, de graça e natureza, na alegria francamente humana
do jovem, feliz no estado de graça, revela-se em todas as expressões da vida cotidiana, tanto
no cumprimento do dever quanto na recreação e, atinge particular intensidade, nas muitas
festividades religiosas e profanas.
De acordo com o que diz um dos biógrafos de Dom Bosco, Giovanni Battista Lemoyne, “a
vida de Dom Bosco é uma trama de sonhos tão maravilhosos, que não se compreende sem
a assistência divina direta”.
Com Dom Bosco e Paulo Freire observa-se que transformar o mundo é humanizá-lo. No
entanto, para transformar é preciso conhecê-lo. É necessário que educando e educador
façam, juntos, uma leitura do mundo. Conhecer o mundo e sentir o seu gosto, que se
experimenta não apenas pelo paladar, mas, também, pela pesquisa e pela ação “eu sei o que
sei e o que não sei”. O trabalho transformador quem realiza é o docente junto ao seu
181
Como afirma o educador contemporâneo Paulo Freire, encontramos pontos em comum com os demais
educadores quanto a ética, o relacionamento humano, quando nos coloca o amor na educação que é
transformador. Amar é provocar a pessoa do educando, quando o professor é apaixonado e amoroso, ele tem
uma coragem movida pelo coração e uma prudência guiada pela ética.
educando. Percebe-se, nesse momento, a necessidade de uma formação continuada, não já
pronta e acabada.
Educar e aprender é uma proposta do próprio Deus que não obriga, mas faz aliança. A
experiência de Deus, por meio do conhecimento da educação mais aprofundada, calcada
muitas vezes em limitações e dificuldades, faz procurar com mais objetividade a felicidade,
que se encontra na liberdade de poder escolher.
Na raiz dessa responsabilidade está a liberdade do ser humano não tanto de escolher
entre fazer isso ou aquilo, mas, principalmente, de poder agir conforme sua consciência,
valores e objetivos, numa ação de realização plena. A educação está a serviço da liberdade, e
é libertadora no sentido de considerar o educando como sujeito do seu próprio
desenvolvimento (Medellin) em comunidade (Puebla), mas também visa à plena liberdade do
educando como pessoa.
Educar para ser livre, opção fundamental, opção feita de acordo consigo mesmo,
somente assim o ser humano assemelha-se a Deus. Ter a liberdade como mola propulsora da
vida, a mais profunda aspiração da alma humana. O direito de ter livre escolha, de ir e vir,
consagrado como direito básico da pessoa humana.
Hoje, o conceito de dignidade do ser humano procura privilegiar os valores das
relações sócio-afetivas, ao contrário do passado que valorizava a herança de bens e
patrimônio. Hoje, o que se prioriza no direito familiar é o bem estar, principalmente dos
filhos, porém a releitura do mundo em que se vive é uma necessidade para não se cair na
ingenuidade de tudo aceitar. Ela não é obrigatória, mas é um processo pedagógico para ser
assimilado no coração e na constante busca de ser protagonista numa sociedade justa,
igualitária e fraterna.
Porém esse projeto é percebido pelos que sabem ler à luz da experiência que se tem
com o amadurecimento dos que querem saborear o amor.
Tendo em Deus: o princípio, o principal agente e o fim da educação. Os principais
agentes da educação são Deus e o educando (cf. 1 Cor 3, 6- 15; Fl 2, 13). O protagonismo do
educando não é concessão, é exigência do próprio Deus criador de pessoas livres. A educação,
enquanto ação de realização do ser é colaboração com o próprio Deus.
“Deus é o grande educador, o maior protagonista. Também a Igreja
deve considera-se a si mesma como realidade a serviço de Deus. Mas,
a primeira maneira de viver esse serviço é testemunhar que ela mesma
se deseja educar, que é dócil, atenta e obediente a Deus. Como Maria
com a mesma humildade, segurança e paz interior”.182
O dever da educadora (or) cristã (o) de ser testemunha de Deus é mais que dar bom
exemplo. É exigência ética, condição natural de quem quer ensinar aos outros. Ser testemunho
segundo a proposta do Novo Testamento é uma relação de ordem moral, com a pessoa de
Jesus Cristo. Dar testemunho cristão merece uma reflexão teológica.
Como diz maravilhosamente o teólogo brasileiro: “Os educadores
cristãos são sacramentos de salvação em e através da educação. Nunca
é demais insistir na necessidade do testemunho cotidiano dos
educadores, sobretudo os leigos, devem saber proclamar no seu estado
de vida e nas suas profissões e trabalho: este é o aspecto cristão
fundamental.
A contribuição original dos cristãos educadores, na missão da Igreja é
evangelizar
182
enquanto educadores”.183
MARTINI, C. M. Dio educa il suo papel. Programa par tarale diocesano per il biennio 1987, p.89. In
AHUMADA. Teologia de La Education. 2003, p. 114
183
SANDRINI, M. A vocação – missão do educador cristão, en Col. Estudos da CNBB. Educação: exigências
cristãs. 1992. p.140ss
O Sistema Preventivo de Dom Bosco não é apenas uma teoria. É um modo de vida,
que passa pelo coração do educando e do educador. É, na realidade, um jeito de viver.184 Para
Dom Bosco a alegria coincide com a santidade. Dom Bosco soube ver a função da alegria na
formação e na vida de santidade e quis que reinasse entre seus jovens a alegria e o bom
humor: Servite Domino in Laeticia podia ser chamado o décimo primeiro mandamento da
casa de Dom Bosco.
O contato fraterno e paterno do educador com os seus alunos não teria
valor nem efeito sem a eficácia da vida alegre, da alegria sobre o
espírito do jovem, que por ela se abre à influência do bem.
A alegria, antes de ser expediente metodológico, um meio para fazer
aceitar o que é “sério” em educação, é para Dom Bosco forma de
vida, que ele deriva de uma instintiva avaliação psicológica do jovem
e do espírito de família. Em um tempo geralmente austero na própria
educação familiar, Dom Bosco, mais do que qualquer outro, entende
que o menino é menino e permite, antes, quer que ele o seja; sabe que
a sua exigência mais profunda é a alegria, a liberdade, o jogo, “a
sociedade da alegria”. Além disso, homem de fé e padre, ele está
convencido de que o Cristianismo é a mais segura e duradoura fonte
de felicidade, porque é alegre anúncio, “Evangelho”: da religião do
amor, da salvação, da graça, não pode jorrar senão a alegria, o
otimismo. Entre jovens e vida cristã existe, portanto, uma singular
afinidade, quase um apelo recíproco. O jovem que se sente na graça de
Deus experimenta naturalmente a alegria, certo da posse de um bem
que está todo em seu poder, e o estado de prazer se traduz para ele em
alegria.185
Vale lembrar que – na medida do possível - Dom Bosco deixava todo o resto para
encontrar-se no pátio com seus filhos (o pátio era o local de educar, para Dom Bosco). Assim,
conclui-se que sempre se educa, não há momentos em que não se eduque. A alegria, e,
portanto, não só o recreio, o divertimento, é a autêntica e insubstituível realidade pedagógica.
Daí se deduz uma carga pedagógica nas festas. Nos dias festivos a alegria encontra suas
expressões mais sensíveis e intensas, a expectativa de uma nova festa anima os corações e as
mentes dos educandos.
Estabelecida a confiança entre educando e educador, ambos poderão dar testemunho
em comum sem que com isso percam sua identidade, herança cultural e religiosa.
No novo clima histórico civil e eclesial comportaria perceber que o amor é preventivo.
Deus é preventivo, ele já ama antes da resposta, a gratuidade do amor de Deus: essa é a
preventividade. Só assim poderemos construir uma “nova educação”, criativa e fiel, voltada
para gerar homens e mulheres novos.
Aponto, aqui, algumas pistas para uma educação preventiva, alegre e producente,
fundamentada na Caridade Pastoral:
•
Traçar projetos acessíveis e aceitar projetos que, com certeza, podem ser bem sucedidos
no mundo de hoje, tais como: a) priorizar a formação de agentes de pastoral,
principalmente com um olhar para o hoje e, assim, conseguir capacitação de olhar a
realidade do contexto em que vivem (país, estado, cidade, bairro); b) conhecimento
antropológico, sociológico, psicológico e religioso do contexto em que vive. Um
184
185
CAVIGLIA, A, Il Magone Michele, p. 149. In Braido Pietro, Prevenir, não reprimir, p. 296
Cf. BRAIDO, Pietro. Prevenir, não reprimir. 2004, p. 296
conhecimento pessoal aprofundado. Creio que prepará-los não seria enfrentamento e, sim,
um reconhecimento que levasse à libertação e à alegria de ser agente de pastoral.
•
Um trabalho na pastoral urbana deve contribuir na reflexão sobre o sentido da vida. A
necessidade que homens e mulheres têm do “outro” de ser “alguém”, de escutar e ser
ouvido, enfim, um ser em relação, pois a alteridade é a condição da liberdade, e a
liberdade pressupõe um livre modo de pensar e agir, pois não há pensamento igual entre
as pessoas. A relação exige respeito mútuo, aprendido na convivência com o diferente.
•
A função própria da Teologia da Educação é fundamentar, motivar e orientar baseada no
Evangelho de Cristo a uma ação educativa.
•
Conceber a educação não apenas como transmissão de conteúdos por parte do educador.
Pelo contrário. Estabelecer um diálogo. Pois, quem educa também aprende. Ele também
pode ser interpretado pelo seu gosto pela liberdade. Essa seria uma leitura libertária.
•
A linguagem do educador precisa estar sintonizada com a situação concreta dos homens e
mulheres com quem ele fala. De outra forma, sua fala é um discurso a mais. Alienado e
alienante.
•
A correção, na sua forma mais geral e comum, é da essência do Sistema Preventivo,
porque, se os meninos não errassem, salvo raras exceções, não seriam mais meninos, e
não precisariam mais de educação. Ela, pois, acompanha necessariamente todos os
momentos da ação educativa: palavra ao ouvido, avisos em particular e não em público,
boa dia, boa tarde, bilhetinhos, chamadas à atenção no estudo e à aula, na recreação e nos
passeios, na igreja e no dormitório, em toda a parte. As modalidades da “amorevolezza”,
da razão e da reserva: paciência, caridade e graça. Normalmente, não se faça correções ou
se dê castigos em público, mas, em particular, fazendo o jovem entender seu erro “com a
razão e com a religião; não corrigir por impulso mas calmamente, esperando
eventualmente que se acalmem as paixões, sobretudo, fazer com que o jovem saia
“satisfeito e amigo”.
•
“Respeitar a fama dos jovens”, “não repreendê-los sem estar certos das faltas”. Não agir
por impulso, mas examinar a coisa com “sangue–frio”. “É necessário que eles próprios
nos reconheçam superiores. Se nós quisermos humilhá-los com palavras porque somos
Superiores, cairemos no ridículo”. (regras de Dom Bosco)
•
O educador deve estar sempre atento para assegurar a liberdade e o protagonismo do
jovem na ação educativa.
•
O educador deve ver sempre além das qualidades - por vezes limitadas - do jovem. Essa é
a arte do educador, o jovem pode ser mais do que é. Pode ser melhor. A sua arte consiste,
portanto, em conduzir o jovem realmente ao que ele é. Torná-los “bons cristãos e honestos
cidadãos”. Santificar os jovens.
Percebe-se que a natureza não é devidamente respeitada e apreciada. Perdeu-se de
vista a afetividade, não se abraça... não se beija... não se ama... Tudo isso é cada vez mais
estranho para os homens e mulheres. (amorevolezza). É necessário que se assuma o que há de
comum em nós, a “humanidade”. É o que dizem as religiões: vencer as idolatrias e
dominações, não só as aparentes, mas as que estão escondidas nos sistemas e estruturas
injustas. No entanto, tanto o profeta quanto o educador, em sua práxis, comunicam que o
fundamental é o “amor”, porque amar é gerar, é criar e recriar, é a alegria e o prazer de ver
nascer. (Oséias). Sonhar é bom... (Dom Bosco). Fazer poesia é muito bom...
Concluímos que, quem viveu dentro de um Projeto Libertador, tem mais saúde física e
mental e sente-se protagonista da história. Hoje homens e mulheres almejam uma vida com
uma religiosidade, não de anjos que voam, mas de pessoas concretas e conscientes de suas
lutas por justiça, trabalho, educação e saúde, e que essa problemática possa ser levada a sério
nas Igrejas, na Educação. Não como um acessório para um bom discurso, mas algo pertinente
ao seu estado de vida. Que lutas e desafios tenham vez na caminhada para a vida em
plenitude, que é o eixo central de todo texto sagrado e educacional, que é vida feliz,
sentimento para o qual toda humanidade foi criada.
E, finalmente, não esquecer jamais que a pedagogia de Jesus se consolidou plenamente
na Ressurreição. Foi por ela que Jesus revelou Deus como Vida Eterna, e a partir dela
conseguimos ler toda a Sagrada Escritura com outros olhos, com os olhos do Ressuscitado.
BIBLIOGRAFIA
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Petrópolis: Vozes, 1968.
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4. DOCUMENTOS DA CNBB
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