revista
do
tribunal
regional
federal
QUARTA REGIÃO
Branca
revista
do
tribunal
regional
federal
QUARTA REGIÃO
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 1-366, 2002
Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. – Vol. 1, n. 1
(jan./mar. 1990). – Porto Alegre: O Tribunal, 1990 – v. –
Trimestral.
ISSN 0103-6599
1. Direito – Periódicos. 2. Direito – Jurisprudência. 1. Brasil.
Tribunal Regional Federal 4ª Região.
CDU 34(051)
34(094.9)
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL
4ª Região
R. Mostardeiro, 483
90430-001 - Porto Alegre - RS
Tiragem: 1000 exemplares
revista
do
tribunal
regional
federal
QUARTA REGIÃO
MARGA BARTH TESSLER
Desa. Federal Diretora da Escola da Magistratura
Branca
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL
4ª Região
JURISDIÇÃO
Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná
COMPOSIÇÃO
Em setembro de 2002
PLENÁRIO
Des. Federal Teori Albino Zavascki - Presidente
Des. Federal Nylson Paim de Abreu - Vice-Presidente
Desa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb - Corregedora-Geral
Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa
Des. Federal Manoel Lauro Volkmer de Castilho
Des. Federal Vladimir Passos de Freitas
Des. Federal Vilson Darós - Vice-Corregedor-Geral
Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler - Diretora da Escola da Magistratura
Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti
Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria
Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro
Des. Federal José Luiz Borges Germano da Silva
Des. Federal João Surreaux Chagas
Des. Federal Amaury Chaves de Athayde
Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère
Des. Federal Edgard Antônio Lippmann Júnior
Des. Federal Valdemar Capeletti
Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon
Des. Federal Tadaaqui Hirose
Des. Federal Dirceu de Almeida Soares
Des. Federal Wellington Mendes de Almeida
Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz
Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado
Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira
Des. Federal Néfi Cordeiro
Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa (convocada)
PRIMEIRA SEÇÃO
Des. Federal Nylson Paim de Abreu - Presidente
Des. Federal Vilson Darós
Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria
Des. Federal João Surreaux Chagas
Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon
Des. Federal Dirceu de Almeida Soares
Des. Federal Wellington Mendes de Almeida
SEGUNDA SEÇÃO
Des. Federal Nylson Paim de Abreu - Presidente
Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler
Des. Federal Amaury Chaves de Athayde
Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère
Des. Federal Edgard Antônio Lippmann Júnior
Des. Federal Valdemar Capeletti
Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
TERCEIRA SEÇÃO
Des. Federal Nylson Paim de Abreu - Presidente
Des. Federal Tadaaqui Hirose
Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz
Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado
Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira
Des. Federal Néfi Cordeiro
Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa (convocada)
QUARTA SEÇÃO
Des. Federal Nylson Paim de Abreu - Presidente
Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa
Des. Federal Manoel Lauro Volkmer de Castilho
Des. Federal Vladimir Passos de Freitas
Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti
Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro
Des. Federal José Luiz Borges Germano da Silva
PRIMEIRA TURMA
Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria - Presidente
Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon
Des. Federal Wellington Mendes de Almeida
SEGUNDA TURMA
Des. Federal Vilson Darós - Presidente
Des. Federal João Surreaux Chagas
Des. Federal Dirceu de Almeida Soares
TERCEIRA TURMA
Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler - Presidente
Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère
Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
QUARTA TURMA
Des. Federal Amaury Chaves de Athayde - Presidente
Des. Federal Edgard Antônio Lippmann Júnior
Des. Federal Valdemar Capeletti
QUINTA TURMA
Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz - Presidente
Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira
Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa (convocada)
SEXTA TURMA
Des. Federal Tadaaqui Hirose - Presidente
Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado
Des. Federal Néfi Cordeiro
SÉTIMA TURMA
Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa - Presidente
Des. Federal Vladimir Passos de Freitas
Des. Federal José Luiz Borges Germano da Silva
OITAVA TURMA
Des. Federal Manoel Lauro Volkmer de Castilho - Presidente
Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti
Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro
Branca
SUMÁRIO
DOUTRINA.........................................................................................13
Estelionato contra o INSS: crime eventualmente permanente
Fábio Bittencourt da Rosa........................................................15
Rio+10 - Desenvolvimento sustentável: A contribuição
do Poder Judicário Federal
Marga Barth Tessler.................................................................23
A importância de modernizar a administração da justiça
Maria Lúcia Luz Leiria ...........................................................35
Considerações acerca do prazo decadencial nas ações edilícias
Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz...................................39
DISCURSOS.......................................................................................43
Discurso em homenagem à
Desembargadora Federal Luiza Dias Cassales
Marga Barth Tessler.................................................................45
Preleção aos juízes
Amir José Finocchiaro Sarti.....................................................49
ACÓRDÃOS.......................................................................................59
Direito Administrativo e Direito Civil......................................61
Direito Penal e Direito Processual Penal................................107
Direito Previdenciário.............................................................223
Direito Processual Civil..........................................................253
Direito Tributário....................................................................289
ÍNDICE NUMÉRICO........................................................................339
ÍNDICE ANALÍTICO.......................................................................343
ÍNDICE LEGISLATIVO...................................................................361
Branca
DOUTRINA
Branca
14
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
Estelionato contra o INSS:
crime eventualmente permanente
Fábio Bittencourt da Rosa*
1. Espécies de crimes no que diz respeito à consumação
Tendo em vista o enfoque da consumação dos crimes, podem os
mesmos ser divididos em crimes instantâneos, crimes permanentes e
crimes continuados.
Nos crimes instantâneos, esgota-se a fase consumativa num ato só,
como no caso do homicídio em que, logo após a agressão, é suprimida a
vida, consumando-se o crime. Ocorre, porém, que os crimes instantâneos
podem ter efeitos permanentes. No mesmo exemplo do homicídio, se
a agressão acaba, ou seja, se a execução é concluída, e a vítima passa a
sofrer os efeitos da mesma, morrendo após uma semana, durante todos os
sete dias permaneceram os efeitos da ação homicida. Então, nesse caso,
o crime instantâneo acabou por produzir efeitos permanentes.
Atente-se, porém, que o crime instantâneo de efeitos permanentes não
deixa de ser crime instantâneo para todo e qualquer efeito.
Diverso do instantâneo é o crime permanente, em que, acabada a
fase executiva, inicia-se a consumação, que se mantém viva no tempo.
* Des. Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
15
O exemplo clássico é o seqüestro, crime contra a liberdade individual,
em que, após a retirada da vítima de seu círculo de liberdade, mantémse a mesma em lugar diverso, impedindo o exercício da liberdade de
locomoção. Representa-se a fase consumativa como uma linha reta, sem
solução de continuidade, porque os efeitos se prolongam no tempo. Desde
o primeiro dia até o último, quando flagrado o criminoso, por exemplo,
se considera existente o iter criminis, isto é, não está terminada a ação
delituosa. Exatamente por isso, descoberto o criminoso no transcurso
da fase consumativa, diz-se que a prisão se dá em flagrante, porque se
flagra um delito durante seu desenvolvimento.
Pode acontecer que um crime seja instantâneo, entretanto, pela forma
como a consumação se materializa, tal delito passa a ser eventualmente
permanente. Os autores dão como exemplo a usurpação de função
pública. Houve sucesso na assunção do cargo, e todas as demais atividades
praticadas constituem uma permanência da fase consumativa. Aí, vejase bem, o crime deixa de ser instantâneo e passa a ser permanente, com
todos os efeitos que disso decorrem.
Por último, o crime continuado é um concurso material privilegiado,
ação múltipla naturalisticamente, mas que, por política criminal, se passou
a considerar como ação única, criando-se uma fictio juris. É uma obra
escrita em capítulos, como asseveram alguns. Várias ações com vários
resultados que, tendo em vista certos indicadores, podem os seguintes
caracterizar-se como continuação dos anteriores. Se um indivíduo quer
furtar uma quantia de R$ 1.000,00 e teme ser descoberto, fraciona sua
conduta e, todas as semanas, subtrai R$ 100,00, acabando por apossar-se
da quantia total. A obra é uma só, a sua construção é que obedeceu a dez
etapas. Ressalte-se que, no crime continuado, há uma extensão temporal
do crime, mas a diferença com o crime permanente reside no fato de que,
na linha temporal, existem várias ações e resultados que se sucedem.
Ao contrário, no delito permanente, a ação é uma só, a consumação é
que se estende no tempo. E isso acontece tanto nos crimes puramente
permanentes como nos eventualmente permanentes.
Veja-se a lição de Damásio Evangelista de Jesus:
“Crimes instantâneos são os que se completam num só momento. A consumação
se dá num determinado instante, sem continuidade temporal. Ex.: homicídio, em que
a morte ocorre num momento certo.
16
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
Crimes permanentes são os que causam uma situação danosa ou perigosa que se
prolonga no tempo. O momento consumativo se protrai no tempo, como diz a doutrina.
Exs.: seqüestro ou cárcere privado (art. 148), plágio (art. 149) etc. Nesses crimes, a
situação ilícita criada pelo agente se prolonga no tempo. Assim, no seqüestro, enquanto
a vítima não recupera sua liberdade de locomoção, o crime está em fase de consumação.
O crime permanente se caracteriza pela circunstância de a consumação poder cessar
por vontade do agente. A situação antijurídica perdura até quando queira o sujeito,
explica José Frederico Marques.
Segundo uma opinião muito difundida, o crime permanente apresenta duas fases:
1ª) fase de realização do fato descrito pela lei, de natureza comissiva;
2ª) fase de manutenção do estado danoso ou perigoso, de caráter omissivo.
Ocorre, porém, que há muitos crimes permanentes que consistem em pura omissão,
pelo que se pode falar em fase inicial comissiva. Ex.: deixar de pôr em liberdade um
louco restabelecido. Por outro lado, a continuidade dessa situação pode dar-se através
de ação, como, p. ex., com atos de vigilância no sentido de impedir o agente a fuga da
vítima, de reiteração de ameaças etc.
O crime permanente pode atingir bens jurídicos materiais ou imateriais.
O crime permanente se divide em:
a) crime necessariamente permanente;
b) crime eventualmente permanente.
No primeiro, a continuidade do estado danoso ou perigoso é essencial à sua
configuração. Ex.: seqüestro.
No segundo, a persistência da situação antijurídica não é indispensável e, se ela se
verifica, não dá lugar a vários crimes, mas a uma só conduta punível. Ex.: usurpação
de função pública (CP, art. 328).
No crime necessariamente permanente, o prolongamento da conduta está contido na
norma como elemento do crime. No eventualmente permanente, o crime, tipicamente
instantâneo, prolonga a sua consumação, como no exercício abusivo de profissão.
Ao lado dos crimes instantâneos e permanentes há os instantâneos de efeitos
permanentes. São os crimes em que a permanência dos efeitos não depende do agente.
Exs.: homicídio, furto, bigamia etc. São crimes instantâneos que se caracterizam pela
índole duradoura de suas conseqüências.
É preciso distinguir o delito necessariamente permanente do eventualmente
permanente e daquele que é permanente só em seus efeitos (instantâneo de efeitos
permanentes).
Assim, temos crimes:
1º) instantâneos;
2º) necessariamente permanentes;
3º) eventualmente permanentes;
4º) instantâneos de efeitos permanentes.
Pode-se falar em delito necessariamente permanente quando a conduta delitiva
permite, em face de suas características, que ela se prolongue voluntariamente no tempo,
de forma que lesa o interesse jurídico em cada um dos seus momentos. Daí dizer-se
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
17
que há essa espécie de crime quando todos os seus momentos podem ser imputados ao
sujeito como consumação. No seqüestro, qualquer fragmento da atividade do sujeito,
posterior ao momento inicial, constitui crime sob o mesmo nomen juris. Nesse crime,
qualquer momento posterior ao ato inicial pode ser designado pela forma equivalente
ao particípio presente do verbo da figura típica (estar seqüestrando). No eventualmente
permanente, o momento consumativo ocorre em dado instante, mas a situação criada
pelo agente continua. No instantâneo de efeito permanente, o crime se consuma em
dado instante e os efeitos perduram (ex.: homicídio).
A distinção entre crimes instantâneos e permanentes tem relevância no terreno da
prescrição (CP, art. 111, III); da competência territorial (CPP, art. 71) e do flagrante
(estatuto processual penal, art. 303). Também apresenta interesse em casos de sucessão
de leis, de legítima defesa e de concurso de agentes.” (Direito Penal, parte geral, Ed.
Saraiva, 1995, 19ª edição, pp 170/172)
Quanto ao crime continuado, diz Francisco Muñoz Conde:
“Consiste em duas ou mais ações homogêneas, realizadas em tempo diverso, que
infringem a mesma norma jurídica (Antón Oneca, Derecho Penal, 1949, pág. 464).
O delito continuado caracteriza-se pelo fato de cada uma das ações que o constituem
representar por si um delito consumado ou tentado, sendo todas elas valoradas juntas,
como um só delito.” (Teoria Geral do Delito, Ed. Sergio Antonio Fabris, 1988, p. 221)
Portanto, restaram bem diferenciadas as espécies de crime instantâneo,
permanente e continuado.
2. O crime de estelionato contra o INSS
O sistema previdenciário nacional gerido pelo INSS concede benefícios
mediante a instrução de um procedimento destinado a comprovar os
requisitos para obtenção do direito previsto em lei: aposentadorias, pensões,
auxílios etc.
Os setores próprios da autarquia federal, encarregados de analisar a
documentação trazida, acabam por proferir parecer ou relatório em que
se evidencia o reconhecimento do direito postulado e o comando para
pagamento dos valores relativos ao benefício. Este, então, é concedido.
Recebido o comando por outro setor, que é encarregado do pagamento
dos benefícios, é cientificado o segurado ou beneficiário para a percepção
da vantagem. O dinheiro, em regra, é depositado na rede bancária onde
comparece o beneficiado para a retirada.
Na hipótese de fraude, assim, desenvolve-se a ação delituosa no
procedimento, com a produção de prova baseada em documentos
18
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
falsificados. Tal comportamento fraudulento se materializa e se esgota
no procedimento administrativo destinado à concessão do benefício.
Concluído o mesmo, considera-se acabada a fase executiva do crime
que configura o estelionato. O primeiro recebimento de valores constitui
o início da fase de consumação. No mês seguinte, o novo recebimento
caracteriza ainda fase consumativa, e assim por diante. A hipótese, então,
caracteriza perfeitamente o crime eventualmente permanente, como
antes examinado.
Ressalte-se que se o crime puramente permanente tem sua consumação
representada por uma linha contínua, o eventualmente permanente tem
a fase consumativa representada por uma sucessão de pontos. Todavia,
ao contrário do crime continuado, como se viu, esses pontos não
contêm ações e resultados, simplesmente são permanência da eficácia
consumativa.
3. O estelionato
Observe-se que o estelionato é crime instantâneo, porque em geral o
prejuízo e a vantagem obtida se esgotam num ato só. Mas pode configurar
crime eventualmente permanente, como no caso de estelionato contra
o INSS.
O crime do artigo 171 do Código Penal configura- se por um
comportamento que viabiliza o engano da vítima, mediante artifício
ou ardil, tendo por resultado a obtenção da vantagem indevida. É algo
semelhante ao crime de sonegação fiscal previsto no artigo 1º da Lei nº
8.137/90, em que se suprime ou reduz tributo mediante variadas condutas
que estão descritas nos incisos.
Ensinava Heleno Cláudio Fragoso:
“A ação incriminada consiste em obter vantagem ilícita (para si ou para outrem),
em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro (mediante artifício, ardil ou
qualquer outro meio fraudulento). É, assim, necessário, para que se configure o crime: 1.
O emprego de artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento; 2. para induzimento
ou manutenção da vítima em erro; 3. com a obtenção de vantagem patrimonial em
prejuízo alheio (do lesado ou de terceiro).
Impõe-se, portanto, em primeiro lugar, que o agente induza ou mantenha alguém
em erro, como meio ou processo para obtenção de vantagem ilícita. A fórmula da
manutenção da vítima em erro preexistente, não causado pelo agente, não consta do CP
italiano, tendo sido inspirada pelo CP alemão (§ 263). Nossa lei equipara, para todos os
efeitos, o induzimento e a manutenção em erro. Ali, tem o agente a iniciativa, levando
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
19
o lesado ao erro; aqui, aproveita-se ele dolosamente do erro anterior, espontâneo ou
não devido à sua ação.” (Lições de Direito Penal, parte especial, vol. 2, Ed. Bushatsky,
1978, p. 75)
A ação delituosa, ou seja, a execução do delito se perfaz com o
emprego de ardil ou artifício para falsear a realidade e iludir a boa-fé da
vítima. Com isso se pretende obter vantagem em prejuízo alheio, sendo
a tutela do crime o patrimônio.
Exatamente por isso é forçoso concluir que o estelionato pode
caracterizar um crime eventualmente permanente, o que ocorre com
a fraude previdenciária, conforme se notou. A conduta fraudulenta se
traduz no procedimento viciado, em regra, por documentos falsos, do que
resulta a obtenção da vantagem indevida. A reiteração de recebimento
dos benefícios é apenas um dos pontos que indicam a permanência da
consumação.
4. Jurisprudência. Estelionato contra o INSS e prescrição.
O posicionamento sustentado neste texto encontra integral respaldo na
orientação da 5ª e da 6ª Turmas do Egrégio Superior Tribunal de Justiça,
Corte competente para apreciar a matéria. Dos inúmeros acórdãos, citase apenas um de cada órgão fracionário referido do Colendo Tribunal:
“PENAL. ESTELIONATO PRATICADO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL.
(ART. 171, § 3º, DO CP). CRIME PERMANENTE. CONTAGEM DO LAPSO
PRESCRICIONAL A PARTIR DA CESSAÇÃO DA PERMANÊNCIA. PRESCRIÇÃO
RETROATIVA NÃO CONFIGURADA, IN CASU. OCORRÊNCIA, TODAVIA,
DA PRESCRIÇÃO SUPERVENIENTE À SENTENÇA CONDENATÓRIA COM
TRÂNSITO EM JULGADO PARA A ACUSAÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE
DECRETADA, DE OFÍCIO.
A prática da fraude para obtenção de benefício previdenciário de forma sucessiva,
com recebimento de prestações periódicas, indica a natureza permanente de ação
delituosa, devendo o termo inicial do prazo prescricional retroativo contar-se da cessação
da permanência, ou seja, da data da interrupção do recebimento das prestações. (art.
111, III, do CP)
In casu, todavia, da publicação da sentença condenatória (que transitou em julgado
para a acusação) até o julgamento do presente recurso especial transcorreu lapso de
tempo suficiente à configuração da prescrição intercorrente, ausente qualquer causa
interruptiva. (art. 117, CP)
Recurso prejudicado.
Reconhecimento, de ofício, da extinção da punibilidade do réu pela ocorrência
da prescrição intercorrente, nos termos do art. 107, IV, c/c os artigos 109, V, e 110, §
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
1º, todos do Código Penal.” (REsp 231141/RN, 5ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da
Fonseca, unânime, DJ 22.10.01, p. 345)
“PENAL. ESTELIONATO. FRAUDE NO RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO
PREVIDENCIÁRIO. CRIME PERMANENTE. PRESCRIÇÃO. ART. 111, INCISO III,
DO CP.
1. O estelionato praticado sob a forma de recebimento fraudulento de benefício
previdenciário, denota a natureza permanente da infração penal, atraindo, ipso facto, a
incidência do art. 111, inciso III, do Código Penal, no tocante à prescrição. Precedentes
desta Corte.
2. Recurso conhecido e provido.” (REsp 206084/SP, 6ª Turma, rel. Min. Fernando
Gonçalves, unânime, DJ 02.10.2000, p. 187)
Poderia surgir a dúvida no sentido de saber se, nos crimes
eventualmente permanentes, é aplicável a tese de que o termo inicial da
prescrição é a cessação da permanência. Nesse sentido, veja-se o seguinte
aresto do Egrégio Supremo Tribunal Federal:
“PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. FALTA DE JUSTA
CAUSA PARA A CONDENAÇÃO: EXAME DE PROVA. CRIME DE GESTÃO
FRAUDULENTA. LEI 1.521/51, ART. 3º, IX. CRIME EVENTUALMENTE
PERMANENTE. PRESCRIÇÃO: INOCORRÊNCIA.
I. - A alegação de falta de justa causa para a condenação não pode ser examinada
pelo Supremo Tribunal, por não ser o habeas corpus a via adequada para o reexame
de fatos e provas.
II. - Nos crimes eventualmente permanentes, o termo inicial da prescrição contase a partir da cessação da permanência. No caso, a partir da liquidação extrajudicial.
III. - Liquidação extrajudicial decretada em 08.02.85. Pena prevista no art. 3º, IX,
da Lei 1.521/51: detenção de 2 (dois) anos a 10 (dez) anos. Prescrição: 16 (dezesseis)
anos (CP, art. 109).
IV. - H.C. indeferido.” (HC 76441/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, unânime,
DJ 30.10.98, p. 002)
Vê-se, pois, que as Cortes superiores confirmam que a prescrição
dos crimes eventualmente permanentes obedece aos mesmos critérios
dos puramente permanentes, ou seja, incide o art. 111, inciso III, do
Código Penal.
Ademais, ditos tribunais ratificam o posicionamento que considera
existir no estelionato para recebimento de benefício continuado do INSS
um estelionato que configura um crime eventualmente permanente. Em
nenhuma hipótese, admite-se existir, nesse contexto, o crime continuado.
Disso resulta a contagem do lapso prescricional a partir do último ato
da permanência. Na continuidade delitiva é possível, contrariamente,
21
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
reconhecer prescrição parcial de certos capítulos que compuseram a obra.
No crime eventualmente permanente isso não pode acontecer.
5. A relevância do tema
A diferenciação feita quanto ao estelionato contra o INSS, como
antes mencionado, tem muito relevo, como de resto a distinção quanto
aos crimes em geral. Em primeiro lugar, há solução distinta quanto à
contagem da prescrição, como se viu.
Lembre-se do ensinamento de Sebastián Soler:
“La clasificación de un delicto como instantáneo o permanente tiene suma
importancia. Por ella se determina el momento inicial de la prescripción (art. 63,
C.P.). Por ella asumen distinto carácter las participaciones de terceros en las acciones
posteriores al acto inicial, pues la que se preste en un delicto instantáneo sólo será
encubrimiento, mientras que el que participa en un delicto permanente, durante la
permanencia, participa en la consumación y será coautor o cómplice, según el caso.
22
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
RIO + 10
Desenvolvimento sustentável:
A contribuição do Poder Judiciário Federal1
O homem tem direito ao desenvolvimento sustentável, de tal forma
que responda eqüitativamente às necessidades ambientais e de
desenvolvimento das gerações presentes e futuras.
Princípios fundamentais de Direito Ambiental.
Paulo Affonso Leme Machado
Direito Ambiental Brasileiro
Introdução
Atendendo ao honroso convite da Escola da Magistratura do Estado
do Rio de Janeiro - EMERJ para o Fórum Permanente de Debates sobre
o Direito do Consumidor e do Ambiente, apresento a contribuição do
Poder Judiciário Federal da 4ª Região no Desenvolvimento Sustentável
a partir do marco referencial Rio + 10.
Assim, para enfrentar o tema, devemos inicialmente verificar o que se
entende por desenvolvimento, o que é sustentabilidade, como se articulam
as duas questões, em que medida são garantidas em nossa Carta Política.
Qual o reflexo da globalização e as conseqüências socioeconômicas.
Como o Judiciário Federal tem enfrentado as questões referentes ao
Palestra proferida na Escola da Magistratura Estadual do Rio de Janeiro – EMERJ, Tribunal de Justiça, 23
ago. 2002, pela Desa. Federal Marga Barth Tessler, Diretora da Escola da Magistratura do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região - EMAGIS. Mestranda em Direito do Estado, PUCRS.
1
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
23
desenvolvimento sustentável.
1. O que é desenvolvimento
O Dicionário Houaiss da língua portuguesa estabelece que
desenvolvimento é a ação ou efeito de desenvolver-se, é o aumento
da capacidade ou das possibilidades de algo, crescimento, progresso,
adiantamento no comércio, economia, ciências, ainda é o crescimento
econômico, social e político de um país, região ou comunidade. O
dicionário em comento apresenta ainda a definição de desenvolvimento
sustentável, conceito econômico, igual ao desenvolvimento planejado
com base na utilização de recursos e na implantação de atividades
industriais, de forma a não esgotar ou degradar os recursos naturais. Para
Wolfgang Sachs,2 a pauta oculta do desenvolvimento é a ocidentalização
do mundo e o resultado foi a perda da diversidade, conclusões extraídas
do discurso de posse do Presidente Truman, em 1949.
2. O que é sustentabilidade? O que é consumo sustentável?
Já sustentável, segundo a mesma fonte, é o que se pode sustentar,
suster, suportar, conservar, garantir e fornecer os meios necessários à
realização e continuação de uma atividade. Sustentabilidade ambiental
significa mudanças no estilo de vida que permitam manter o capital
natural.3
3. A definição das organizações internacionais
A Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
define como sustentável o desenvolvimento que satisfaz as necessidades
do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de
satisfazerem suas próprias necessidades.4 Por outro lado, consumo
sustentável, na definição dada pelo Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente, é o consumo que se estabelece com o fornecimento de
serviços e produtos que atendam às necessidades básicas, proporcionando
SACHS, Wolfgang. Dicionário do Desenvolvimento. Petrópolis : Vozes, 2001.
GOODLAND, Robert. Sustentabilidade ambiental: comer melhor e matar menos.
In : CAVALCANTI, Clóvis (org.). Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e políticas Públicas. São
Paulo : Cortez, 1997.
4
Nosso Futuro Comum. New York. Oxford University Press, 1987.
2
3
24
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
uma melhor qualidade de vida enquanto minimizam o uso dos recursos
naturais e materiais tóxicos como também a produção de resíduos e a
emissão de poluentes no ciclo de vida do serviço ou do produto, tendo
em vista não colocar em risco as necessidades das futuras gerações.
4. A doutrina
Paulo de Bessa Antunes5 refere sobre o tema sustentabilidade que a
história recente do Brasil, como, de modo generalizado, os países ditos em
vias de desenvolvimento, demonstra que foram concedidos significativos
incentivos à degradação ambiental e isso reflete uma errônea concepção
de desenvolvimento que não considera a sustentabilidade dos recursos
naturais. Nada impede, contudo, que os estímulos econômicos se voltem
para a utilização sustentável dos recursos naturais, ao contrário, tal
seria desejável e urgente. Mais adiante na obra mencionada lembra dos
instrumentos de natureza econômica que a administração ambiental
pode utilizar para exercer o controle social sobre o mercado, são eles:
a suspensão de incentivos para aqueles que atuam em desacordo com
as normas ambientais, a instituição de contribuições pela utilização de
recursos ambientais e a imposição de multas, os princípios do poluidor
pagador (ppp) e da compensação econômica pelo uso de recursos naturais.
5. O princípio da sustentabilidade
Já Cristiane Derani, 6 ao tecer comentários sobre a teoria do
desenvolvimento sustentável, refere que “a sustentabilidade é um
princípio válido para todos os recursos renováveis, para com recursos
não renováveis ou para atividades capazes de produzir danos irreversíveis
este princípio não se aplica”. Prossegue dizendo que “a realização do
desenvolvimento sustentável assenta-se sobre dois pilares, um relativo à
composição de valores materiais e outro voltado à coordenação de valores
de ordem moral e ética. O conteúdo da definição de desenvolvimento
sustentável passa por uma relação intertemporal ao vincular a atividade
presente aos resultados que dela podem retirar as futuras gerações”.
ANTUNES, Paulo de Bessa. Dano Ambiental: Uma Abordagem Conceitual. Rio de Janeiro : Lumen
Juris, 2000.
6
DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. Rio de Janeiro : Max Limonad. 2001.
7
FREITAS, Vladimir Passos de (coord.). Águas: Aspectos Jurídicos e Ambientais. Curitiba : Juruá, 2000.
5
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
25
Vladimir Passos de Freitas 7 recomenda urgente mudança de
comportamento em relação à proteção da água. O acesso à justiça
parece ser a única forma de alterar antigos comportamentos, ressaltando
a importância da água como bem econômico e finito, sublinhando o
importante papel que os juízes têm a cumprir.
6. Questões próximas
Ainda há necessidade de agregar aos nossos referenciais de abordagem
alguns aspectos relacionados com o desenvolvimento, a ecologia,8 e a
entropia.9 Impera ainda o senso comum de que os recursos naturais são
inesgotáveis. Esta concepção é do século XVII. Ocorre que a moderna
cartografia e a química moderna sepultaram o mito da inesgotabilidade.
No século XIX, forma-se o pensamento econômico com a visão de que
só o que é apropriável e tem valor de troca tem valor. Assim, a água e o
ar não tinham valor. Em 1860, Ernst Haeckel propõe a criação de uma
nova disciplina científica chamada Ecologia. Desenvolveu-se a segunda
lei da Termodinâmica, a da entropia do universo que nega a possibilidade
de permanente reciclagem dos bens ambientais, é a medida de energia
não-disponível para a realização de um trabalho, tendência à inércia,
à degradação, podendo ser interpretada como desordem do sistema.
Os organismos vivos consomem entropia negativa do meio ambiente
e produzem alta entropia. Está-se, na visão de Guilherme Purvin de
Figueiredo,10 diante de uma grave contradição entre natureza e o modelo
econômico da sociedade industrial.11
7. A declaração do Rio na Eco 92
Estabelecidos esses conceitos, avançamos no conceito de
“Desenvolvimento Sustentável” – Rio + 10. Ele foi introduzido na
Declaração do Rio na Eco 92. O conceito de desenvolvimento sustentável
figura em 12 dos 27 princípios da Declaração do Rio e significa inserir
FÁBIO, Nusdeo. Desenvolvimento e Tecnologia. São Paulo : Saraiva, 1975.
Entropia: é a medida de variação ou desordem em um sistema. Dicionário Houaiss da língua portuguesa.
10
FIGUEIREDO, Guilherme Purvin de. Consumo Sustentável.
BENJAMIN, Antônio Herman (org. e editor). 10 anos da Eco 92.
11
São exemplos: O MASSACRE da motosserra. Revista Veja. São Paulo, n. 7, 7 abr. 1999. O PLANETA
pede socorro. Revista Veja. São Paulo, n. 33, 21 ago. 2002.
8
9
26
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
nos processos decisórios de ordem política e econômica, como condição
necessária, as considerações de ordem ambiental. Foi um ganho
importantíssimo da Eco 92. A adição do conceito de sustentabilidade
ao desenvolvimento lhe dá duas características novas, quais sejam:
ela se universaliza, pois não há qualquer país que não se alie à idéia
de desenvolvimento sustentável, e tira do meio ambiente o seu pecado
mais terrível que é o ingrediente desumano que ele contém, o vínculo
com o desenvolvimento humaniza o meio ambiente”.12 Instituiu-se uma
recomendação internacional de ponderação ambiental.
8. Desenvolvimento sustentável na Constituição de 1988. Em que
medida pode ser o conceito identificado na Constituição?
No preâmbulo na nossa Carta Política, percebemos a primeira
referência ao desenvolvimento que juntamente com os direitos sociais
e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, a igualdade e a
justiça é visto como valor supremo da sociedade. No art. 3o, verifica-se
que constituem objetivos fundamentais da República a construção de
uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento
nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das
desigualdades. Entre os princípios fundamentais (art. 1º da Constituição
Federal de 1988), depois da soberania e cidadania, temos a dignidade da
pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da iniciativa livre. A
Emenda Constitucional nº 29/2000 trouxe aos artigos 34 e 35 referência
ao desenvolvimento do ensino e das ações e serviços públicos de saúde.
Disse a Constituição Federal de 1988 que será caso de intervenção
federal da União no Estado e Município que não aplicar o mínimo legal
da receita no desenvolvimento educacional e sanitário.
No artigo 43, vemos que a ação administrativa da União poderá ser
articulada em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando ao
seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais, sendo
possível na via da lei complementar dispor sobre as condições para
a integração das regiões. No artigo 48, IV, dentre as atribuições do
Congresso Nacional, está a de elaborar planos e programas nacionais,
regionais e setoriais de desenvolvimento. No artigo 58, VI, as comissões
permanentes das duas casas do Congresso apreciarão os planos nacionais
12
ECO 92. Primeira Avaliação da Conferência. Embaixador Marcos Castrioto Azambuja.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
27
e regionais de desenvolvimento, emitindo parecer. O Conselho de Defesa
Nacional, artigo 91, IV, tem a tarefa de estudar, propor e acompanhar o
desenvolvimento de iniciativas necessárias a garantir a independência
nacional e a defesa do Estado democrático. O artigo 174, no título da
ordem econômica e financeira, prevê que a lei estabelecerá as diretrizes
e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o
qual incorporará e compatibilizará os planos nacional e regional de
desenvolvimento. No artigo 180, há a obrigação de promoção e incentivo
ao turismo como fator de desenvolvimento social e econômico. No
artigo 182, na política urbana, o desenvolvimento urbano, obrigação
a ser executada pelo Município, prevê o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
Como instrumento básico de desenvolvimento das cidades está previsto
o plano diretor. O artigo 192, no capítulo do Sistema Financeiro
Nacional, prevê que o sistema será estruturado de forma a promover
o desenvolvimento equilibrado do País. Foi ainda estabelecido no inc.
VII que haveria restrições à transferência de poupança de regiões de
renda inferior à média nacional para outras de maior desenvolvimento.
No artigo 200, no bloco da saúde, há competência do Sistema Único de
Saúde – SUS para incrementar em sua área o desenvolvimento científico
e tecnológico. No artigo 212, no bloco da educação, há a previsão de
aplicações mínimas dos entes da federação no desenvolvimento do
ensino. Na seção da cultura, § 1o, do artigo 216, há os meios de proteção
do patrimônio cultural e o dever de promover tal proteção, até por outras
formas de acautelamento e preservação, o que se inclui no conceito de
sustentabilidade. No capítulo da ciência e tecnologia, segundo o artigo
218, o Estado promoverá o desenvolvimento científico e a pesquisa
tecnológica voltar-se-á para o desenvolvimento do sistema produtivo
regional e nacional. No artigo 219, vemos que o mercado interno
integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o
desenvolvimento cultural e socioeconômico da população. Por último,
nas disposições constitucionais gerais, vemos que para o desenvolvimento
econômico (artigo 239, § 1o) há possibilidade de direcionamento de, pelo
menos, 40% dos recursos do Programa de Integração Social – PIS, Lei
Complementar nº 7/70.
28
9. O bloco ambiental
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
O artigo 225 da Constituição Federal de 1988, com a seguinte redação:
“Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público
e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”,
tem sido visto como pouco expressivo no que se refere à sustentabilidade.
São lançadas algumas críticas, pois estaria a consagrar um equilíbrio
estático, e a sustentabilidade exigiria uma mudança dos paradigmas.
Pode-se, contudo, dele extrair a idéia de sustentabilidade na medida em
que é intergeracional, refere patrimônio a ser conservado.
10. Como se articulam os conceitos? A principal dificuldade.
Poder-se-ia perguntar: o ambiente ecologicamente equilibrado é
sustentável? Ou, desenvolvimento e sustentabilidade são conceitos
compatíveis? Estas questões são de difícil articulação. A sustentabilidade
tem sido dividida em graus, sustentabilidade forte e fraca. A
sustentabilidade fraca é levada em conta para efeito de medição de
renda. A renda tem que ser sustentável para ser renda. A sustentabilidade
forte interessa-se pela manutenção do estoque dos recursos naturais.13
O desenvolvimento fundamenta-se na idéia de acumulação de riquezas
materiais, e aí estaria o equívoco e o dilema, a alternativa de “ter” versus
“ser”. No individualismo possessivo, para viver devemos ter coisas, em
uma cultura na qual a meta suprema é ter. Na visão clássica, não só posses
individuais são riquezas. A riqueza comum também existe e encontra
sua expressão física em uma paisagem, por exemplo esta do Corcovado,
de Copacabana, de parques, igrejas, bibliotecas, rios, florestas, festas
populares como o Carnaval. A riqueza pública, mais do que a pessoal,
promove o bem comum, realça o “ser” e assegura a sustentabilidade.
11. A Globalização
O conceito de desenvolvimento sustentável e o seu maior prestígio
nas legislações nacionais e ainda uma maior conscientização sobre
SERAFY, Salah El . Contabilidade verde e política econômica. In : CAVALCANTI, Clóvis (org.). Meio
Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Políticas Públicas. São Paulo : Cortez, 1997.
14
SOARES, Guido Fernando Silva. Direito Internacional do Meio Ambiente. São Paulo : Atlas, 2001.
13
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
29
os problemas ambientais é um dos pontos positivos do fenômeno
denominado globalização. Foram construídas, na via de tratados e
protocolos, obrigações internacionais relativas ao meio ambiente, já
temos o Direito Internacional do meio ambiente.14 Há compromissos
ambientais internacionais.
É interessante observar que no comércio internacional, que na verdade
não parece ter como objetivo principal a defesa do meio ambiente, mas,
sim, a queda de barreiras comerciais, o livre comércio, no tribunal da
Organização Mundial do Comércio – OMC, já foram objeto de decisão
algumas questões, a saber: o case US-Gasoline, o case Shrimp-Turtle, o
case Asbestos, o case Dolphin’s e o case Swordfish, que até o momento
não foi julgado. A contribuição na via internacional, então, começa a
existir.15
12. A globalização e as conseqüências socioeconômicas
O sociólogo Octavio Ianni, na obra Teorias da Globalização,16 enfrenta
o tema comentando as metáforas da globalização, recolhe-se em apertada
síntese: a metáfora da aldeia global, torre de Babel, a economia-mundo,
financeirização, fim da geografia, interdependência, ocidentalização,
racionalização, capitalismo rampante.
Para Held e McGrew, na obra Prós e Contras da Globalização,17
vemos que a questão pode ter várias vertentes, os autores dividem
os defensores da globalização distinguindo-os entre céticos que não
acreditam possa a globalização trazer qualquer benefício, só dentro das
fronteiras do Estado-nação é possível materializar soluções legítimas
para o problema das desigualdades. Entre os globalistas, distinguemse aqueles de orientação neoliberal, seria a mobilidade do capital e a
competição o arauto da modernização e do desenvolvimento. A solução
para as desigualdades seria a abertura dos mercados. Por outro lado,
há os globalistas de orientação social-democrata que sustentam que
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO. Disponível em <http://www.wto.org>. 2002.
IANNI, Octavio. Teorias da Globalização. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1999.
17
HELD, David ; MACGREW, Anthony. Prós e Contras da Globalização. Rio de Janeiro : Zahar, 2001.
18
MÜLLER, Friedrich. Jurista e filósofo. Universidade de Heidelberg, palestra “O que a globalização faz
contra a democracia e o que os democratas podem fazer contra a globalização”. In : PETERSEN, Nikolai ;
SOUZA, Draiton Gonzaga de (org.). Globalização e Justiça. EDIPUCRS, Coleção Filosofia.
15
16
30
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
a globalização econômica é diretamente responsável por aumentar as
disparidades no mundo, “a menos que a globalização econômica seja
refreada, um novo barbarismo irá prevalecer”, o que se requer é o dever
de “cuidar além fronteiras”.
Friedrich Müller,18 respondendo ao “o que fazer”, diz que não se
deve “esperar que uma esfera pública global se construa sozinha”, faz-se
mister ação multiforme, impulsionar mediante iniciativas grupais e ações
individuais bem-refletidas, formar autonomamente redes, instrumentar
a competência na esfera pública, construir sistemas móveis, “quanto
mais pessoas estiverem ativas neste campo mais dificilmente sua ação
poderá ser desqualificada como irrelevante”. No sentido da democracia
tradicional, o povo é ficção, hoje, para ser eficaz, ele precisa ser ator”.
John Rawls,19 na vertente globalista, quase idealista ou utópico,
articula a idéia de um contrato social à sociedade dos povos, “os povos
bem ordenados”, não necessariamente liberais, seriam aqueles que
respeitam os direitos humanos e sociais básicos , os que tal não fazem são
tidos como “sociedades fora da lei”. Na linha do autor, a sustentabilidade
com desenvolvimento seria uma doutrina abrangente razoável.
13. Em que medida são garantidos, desenvolvimento e
sustentabilidade, em nossa Carta Política?
Pelo romaneio dos artigos, podemos concluir que o
desenvolvimento é garantido desde o preâmbulo como profissão
de fé, de princípio, com a nota de sustentabilidade ao encontrarse ali relacionados com a justiça, a igualdade, o bem-estar e
a fraternidade. A sustentabilidade pode ser vista no art. 1 o, no
princípio da dignidade humana, na promoção do bem de todos, na
preocupação com a educação e a saúde e o meio ambiente, além do
domínio econômico. Então, a sustentabilidade é garantida no domínio
econômico, político, social, educacional e cultural.
A economia sustentável depende de um “uso de recursos que não os
esgote irreversivelmente e de padrão de manejo de resíduos que não
destrua a vida. A sustentabilidade política se baseia em dar a todos os
19
20
RAWLS, John. O direito dos povos. São Paulo : Martins Fontes.
GOULET. Denis. Desenvolvimento autêntico: fazendo-o sustentável. São Paulo : Cortez.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
31
membros da sociedade uma responsabilidade na sua sobrevivência e
tal não pode ser conseguido a menos que todos gozem de liberdade,
direitos pessoais e garantia de atendimento das necessidades básicas.
Todos devem acreditar que o sistema político no qual vivem persegue
algum bem comum e não só interesses da classe dominante”, este seria
o desenvolvimento autêntico, sustentável, segundo Denis Goulet.20
14. O princípio do desenvolvimento sustentável
O princípio do desenvolvimento sustentável é intergeracional, impõese o atendimento das necessidades das gerações presentes sem que isto
comprometa o atendimento das necessidades das gerações futuras.21
O princípio do desenvolvimento sustentável é eqüitativo, preocupa-se
com a promoção do bem de todos e de uma qualidade de vida presente
e futura.
O princípio do desenvolvimento sustentável é precautório, a falta
de certeza científica não é razão para impedir uma medida de proteção,
aliás, deve determiná-la.
O princípio de desenvolvimento sustentável é multidisciplinar,
articula-se com a economia, a saúde, o meio ambiente, o consumo e a
cultura.
O princípio do desenvolvimento sustentável é relacional, articula-se
o direito ao desenvolvimento com o dever de considerar as necessidades
do homem e do ambiente de forma eqüitativa e solidária. Finalmente,
desenvolvimento autêntico não pode existir quando necessidades de
primeira ordem de muitos (necessidades básicas) são sacrificadas em
favor das necessidades de luxo de poucos.
15. A contribuição do Poder Judiciário Federal
no desenvolvimento sustentável
Concluindo, então, passo a examinar algumas possíveis contribuições
no sentido da sustentabilidade do desenvolvimento feitas pelo Judiciário
FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais. RT, 2000,
p. 42.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro.
FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Consumo Sustentável. In: BENJAMIN, Antonio (org. e editor).
O Direito e o Desenvolvimento Sustentável.
22
A carne foi reexportada para a África.
21
32
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
no âmbito da 4ª Região. Acrescento que o Poder Judiciário, como um dos
poderes do Estado, também tem deveres em relação ao meio ambiente.
Destaco, inicialmente, a questão discutida, em 1990, nos Embargos
Infringentes nº 90.04.09456-3/RS, tratando-se de uma Ação Civil
Pública que pedia a proibição da comercialização de carne alegadamente
contaminada por radioatividade. O episódio foi amplamente discutido
pela imprensa e ficou conhecido como o da “carne de Chernobyl”.
Havia divergência técnica sobre a efetividade da contaminação e
imprestabilidade do produto, mas, por maioria, a comercialização ficou
proibida (TRF-4ª Região, Rel. Des. Federal Teori Albino Zavascki).
Houve voto divergente e em Embargos Infringentes a carne foi liberada,
houve um acordo entre a União e o Ministério Público Federal, já no
Superior Tribunal de Justiça. 22
Na AMS nº 70000027425, a 2a Câmara Cível do Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul manteve o decreto de interdição de 453 ha de terra
pelo Estado do Rio Grande do Sul de plantação de soja Roundup Ready
(geneticamente modificada) (Rel. Des. Maria Isabel de Azevedo Souza,
em 06.10.99). Protegeu-se o meio ambiente e o consumidor.
Na Apelação Cível nº 91.04.01871-0/RS, foi proibida obra irregular
no entorno do parque tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional – IPHAN, e como patrimônio da humanidade
pela UNESCO, ruínas de São Miguel das Missões, sustentabilidade do
patrimônio cultural. (Rel. Des. Federal Vladimir Passos de Freitas)
Na Apelação Cível nº 594186215, Rel. Des. Elvio Schuch Pinto, em
Ação Civil Pública contra a construção da Estrada Rota do Sol, obra
pública realizada pelo DAER com supressão da Mata Atlântica e impacto
na fauna aquática (1972 a 2002), concluída com alteração do projeto.
Na Apelação Cível nº 96.04.43429-2/SC, em Ação Civil Pública, o
Ministério Público Federal pediu a procedência da ação para sustar todas
as atividades que implicassem supressão da Mata Atlântica em Santa
Catarina, ao fundamento de que as autorizações concedidas pelo IBAMA
não obedeciam à legislação ambiental, carecendo o Decreto nº 750/1993
da devida regulamentação. Houve um acordo em primeiro grau, onde o
IBAMA se comprometeu a fazer um levantamento da Mata Atlântica
e o juiz julgou procedente a ação para condenar o IBAMA a fazer o
levantamento especificando os graus de regeneração da mata. Houve
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
33
apelação de todos, Ministério Público Federal, IBAMA e Fundação do
Meio Ambiente – FATMA. No julgamento da apelação, a 4a Turma do
Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmou o provimento liminar
para proibir qualquer processo que vise à supressão da Mata Atlântica
sob o fundamento de que falta lei estrita para essa atividade, caso a
caso. A superveniência da regulamentação do Decreto nº 750/1993 não
esvazia o pedido. Os requeridos interpuseram substanciosos embargos
declaratórios, a estes, a 4a Turma emprestou efeitos também infringentes,
reformulando o voto condutor no que diz com a exigência da lei em
sentido estrito, caso a caso, para toda e qualquer supressão. O acórdão
declarou que prevalece o Decreto nº 750/93 e normas regulamentadoras
posteriores, restringindo a liminar amplíssima para apenas paralisar os
empreendimentos que não estivessem de acordo com os atos normativos
mencionados. Declarou-se ainda que o art. 225, § 1o, inc. IV, e § 4o, da
Constituição Federal de 1988 permite a utilização da Mata Atlântica
mediante os requisitos e condições previstas na própria Constituição
Federal de 1988 e normatização posterior.
Fazendo um brevíssimo comentário, percebe-se na situação descrita
como é difícil fixar limites e critérios. Em uma primeira aproximação, o
Tribunal Regional Federal da 4ª Região fez uma leitura bastante radical
do conteúdo do art. 225 da Constituição Federal de 1988. A posição
fundamentalista, e aqui não vai crítica, é idealista, rígida e, se refletirmos,
não se adequa ao primado da sustentabilidade. Ela não é sustentável neste
caso concreto, pois não permitiu qualquer atividade humana no espaço
territorial do Estado de Santa Catarina, bastando que houvesse vestígio
histórico de Mata Atlântica. Retomou-se, após, posição mais flexível,
nos declaratórios, reconhecendo-se a competência do Poder Executivo
para regulamentar a questão e reconhecendo-se a função administrativa
ambiental dos órgãos do IBAMA e FATMA que, em princípio, cumprem
o seu dever-poder de proteger os remanescentes florestais de Mata
Atlântica. Ao permitir, pelo menos em tese e de acordo com os marcos
e limites legais e regulamentares, alguma atividade humana na área,
optou-se por prestigiar a própria sustentabilidade.
Na linha da sustentabilidade, ainda as decisões que proíbem a
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
A importância de modernizar
a administração da justiça
Maria Lúcia Luz Leiria*
A administração da Justiça útil e efetiva neste tempo de fim de século,
neste planeta cada vez mais reunido em face dos grandes avanços da
tecnologia, é, sem sombra de dúvida, um dos maiores pilares para garantir
a realização do Estado Democrático de Direito.
Sabido que nossa Constituição de 1988 vem do chamado
constitucionalismo moderno, reforçado pela queda dos governos
totalitários, sendo exemplo de Carta dirigente e normativa do tão
almejado Estado Democrático de Direito.
Portanto, é de ser anotado que, nos últimos 50 anos, grandes alterações
ocorreram nas sociedades organizadas, que demonstram aos teóricos da
doutrina do Estado a ocorrência de problemas (guerras, crises econômicas,
sociais) que fazem o Estado assumir novas funções, passando a ter outro
perfil em razão das novas demandas sociais.
A partir de 1970, começam grandes crises econômicas com o
decréscimo da distribuição de riqueza e o crescimento de demandas dos
indivíduos.
Estamos, pois, vivendo um momento em que o Estado precisa moldar* Desa. Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Mestre e Doutoranda em Direito – UNISINOS/RS.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
35
se à nova cultura, haja vista o poder da democracia crescente, suprindo
e buscando criar a consciência de que o homem atual só sobreviverá se
for solidário. A cultura da solidariedade deve ser instaurada em todos
os setores.
A partir, pois, desta constatação inevitável em face da atualidade das
crises e mudanças no atendimento das crescentes demandas da sociedade
organizada, veja-se o amplo campo da chamada biodiversidade, dos
direitos difusos e transindividuais, da busca do ambiente saudável para
manutenção da vida no planeta, modernizar o Judiciário nacional não é só
um processo básico, como urgente e indispensável para o pleno e efetivo
exercício da cidadania.
Modernizar traz à mente tornar atual, deixar o velho que deu resultado
e apropriar-se do novo, mas do novo testado e comprovado, sem a histeria
da mudança apenas pela mudança, sem o radicalismo da destruição no
processo de reconstrução.
E, sim, modernizar, trazendo para dentro de toda a atividade
jurisdicional as conquistas de todas as áreas do conhecimento humano,
com o objetivo último de servir, adequar, realizar a Justiça para todos, na
mesma velocidade e na mesma qualidade com que, no século passado e no
alvorecer deste, se a dava ao indivíduo como sujeito isolado de direitos.
Portanto, modernizar implica não derrubar o que foi construído, mas,
sim, amoldá-lo à nova realidade pós-moderna. E isso se faz na constante e
ininterrupta conscientização de que se deve formar, atualizar, aperfeiçoar,
utilizar-se dos recursos da tecnologia, abreviar-se os procedimentos
desnecessários de todos e de tudo que envolva a grande máquina que
configura a Justiça Brasileira.
Sem dúvida, aí a importância de modernização da Justiça, que entendo
como um processo evolutivo com o fim de efetivação dos princípios
constitucionais tão bem-insculpidos em nossa Carta Constitucional.
Tarefa árdua em tempos de realidade complexa, em tempos de
comunicação instantânea, em tempos de grandes mudanças, em tempos
de fim de século, em tempos onde a globalização das relações fáticas
vai se acelerando, em tempos onde a soberania das nações cede espaço
aos tratados de mútua cooperação, onde nações se agrupam buscando
igualar seus nacionais, buscando acima de tudo o progresso, em nome
de um valor mais alto que é o da própria sobrevivência do ser humano.
36
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
Trabalhos imensos de todos os envolvidos no desenrolar válido do
processo não o tornam eficaz se caducos pelo tempo. Esforços hercúleos
não matizam de oportunas decisões que não encontram efetividade.
Dentro deste efetivo processo de modernização, ao lado das
necessidades ditas materiais, eletrônicas, tecnológicas, sobressai a
necessidade do contínuo aperfeiçoamento do ser humano, que serve como
membro do poder, aperfeiçoamento que passa pela constante formação
intelectual e emocional, para que não se veja o novo com os olhos do
velho, para que não se julgue com os conceitos antigos, para que não
se aplique o novo texto constitucional com as interpretações do passado,
como se o mundo da Justiça estivesse dissociado do mundo real. Como
se a vida não passasse de uma tela de computador onde os anseios, as
angústias, as necessidades, os direitos existissem apenas virtualmente.
Não há, pois, apenas “importância em modernizar a justiça”, há
urgência, emergência, sob pena de privatizar-se o espaço público,
enterrando um Poder sob o manto dos árbitros privados. Rasga-se a
Constituição sob o comando da inércia daqueles que não querem perder
o Poder.
Modernizar é vital para a obtenção e a manutenção do almejado Estado
de Bem-Estar, do Estado Providência, do Estado Democrático Social.
A importância de modernizar a Justiça só será necessária na medida
em que a palavra modernizar seja efetiva e adequadamente conceituada
como interpretação das condições atuais postas à disposição do homem
pelas conquistas da modernidade com o fim último de melhorar e de
implementar as conquistas determinadas pela Constituição Federal
para a obtenção da vida digna, da erradicação da marginalização, da
sociedade justa e solidária. Há, pois, que entender modernizar como
todas as formas de utilização dos meios e instrumentos da modernidade
postos à disposição e a serviço do homem como ferramenta para o bem-
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
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Branca
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
Considerações acerca
do prazo decadencial nas ações edilícias
(Análise do art. 445, §§ 1º e 2º, do Código Civil de 2002)
Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz*
A teoria dos vícios redibitórios desempenha papel de grande relevo no
Código Civil, promulgado com a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002,
procurando resguardar o comprador contra abusos porventura praticados
pelo alienante, pondo-o a salvo de falhas e defeitos apresentados pelos
bens adquiridos.
Os vícios redibitórios, no ensinamento dos Mestres, são defeitos
ocultos existentes na coisa alienada, objeto de contrato comutativo, não
comum às congêneres, que a tornam imprópria ao uso a que se destina ou
lhe diminuem consideravelmente o valor, de tal forma que o negócio não
se realizaria se esses defeitos fossem conhecidos, ensejando ao adquirente
a opção de rejeitar a coisa defeituosa, rescindindo o contrato, por meio
da ação redibitória, ou, então, conservar o bem reclamando abatimento
no preço, lançando mão da ação estimatória ou quanti minoris.
Ambas as ações encontram a sua razão de ser no princípio que veda o
enriquecimento ilícito, preservando o adquirente de prejuízos, evitando
que o transmitente à custa dele se locuplete.
*Des. Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
39
Na vigência do Código Civil de 1916, numerosas dúvidas foram
suscitadas quanto ao dies a quo para o ajuizamento das ações edilícias.
A respeito, reza o art. 445 do Código Civil de 2002, verbis:
“Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço
no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da
entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade.
§ 1º Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo
contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e
oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis.
§ 2º Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos serão
os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se o
disposto no parágrafo antecedente se não houver regras disciplinando a matéria.”
A posição consagrada no texto legal representa a acolhida de uma
evolução da jurisprudência, sobretudo do Supremo Tribunal Federal,
reafirmando o acerto do pensamento externado por Niboyet, quando
participava dos trabalhos da Comissão de Reforma do Código Civil
francês, ao dizer que “le but d’un Code est de codifier la jurisprudence”.1
Com efeito, em voto lapidar que proferiu quando do julgamento do RE
nº 76.233-GO, assinalou o saudoso Ministro Thompson Flores, verbis:
“...na literalidade do dispositivo (art. 178, § 2º), está claro nele qual seja o momento,
o marco zero da contagem: é o momento da tradição. Mas em certas situações de fato,
conforme a natureza da coisa ou do defeito que porte, não seria possível o exercício
da ação dentro desse prazo exíguo, se contado da tradição, não tanto pela exiguidade,
mas pela impossibilidade da revelação do defeito... Nesse caso, se atendermos à lei,
na sua letra fria, estaríamos condenando a um abortamento inapelável o direito dos
adquirentes, contra todos os princípios de direito e o bom senso... a ação redibitória
objetiva a garantia do comprador contra os defeitos ocultos da coisa adquirida... para
que se possa exercer efetivamente o direito à ação, decorrente da garantia... há de ser
proporcionado ao comprador um prazo razoável e que este seja contado a partir de
quando for possível a revelação do defeito oculto...”.2
Nesse sentido, igualmente, deliberou o Egrégio Superior Tribunal de
Justiça, verbis:
“Ação redibitória. Decadência. Início do prazo. Não maltrata o art. 178, § 5º, inciso
IV, do Cód. Civil, acórdão que, ao afastar a decadência, dispõe no sentido de contar-se
o prazo a partir do momento em que o vício tornou-se conhecido pelo adquirente do
imóvel. Recurso especial não conhecido.”3
In Travaux de La Commission de Réforme du Code Civil - Année 1948-1949, Librairie Du Recueil Sirey,
Paris, 1950, p. 33.
2
In RTJ 68/224-7.
1
40
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002
Esse, também, é o entendimento firmado pela melhor doutrina,
consoante se extrai da lição de Henri de Page, verbis:
“Si le vice doit se révéler normalement à 1’usage, c’est à compter de la délivrance
que le délai commencera à courir. Si, exceptionnellement, il s’agit d’un vice qui ne
peut se révéler que tardivement, ou qui échappe aux investigations le plus attentives
de 1’acheteur, le délai ne prend pas cours à ce moment. C’est la solution de la loi
elle-même (naturè du vice: art. 1648).” 4
Da mesma forma, o magistério de Jérôme Huet, verbis:
“... pour des matériels de haute technicité, la durée du délai a sans doute lieu d’être
allongée. Ce peut être le cas en matière d’informatique où les juges admettent voluntiers
qu’un vice n’est susceptible de se révéler qu’après une longue période de mise au
point...”5
Outro não é o pensamento de Dernburg, arrimado às lições do Direito
Romano, verbis:
“L’azione redibitoria si prescrive in sei mesi dopo la vendita, ma calcolati utiliter.
L’ignoranza nel compratore del difetto impedisce perciò l’inizio della prescrizione,
salvochè essa non riposi su grave negligenza.” 6
Em obra clássica acerca da matéria, anota Riccardo Fubini, verbis:
“...solo diremo che al compratore non si può imporre di scoprire vizi che solo dopo
lungo e maturo esame della merce si possono constatare; nè sarebbe ragionevole
obbligarlo a sperimentare e usare la cosa senza bisogno e contro il proprio interesse
per favorire il venditore che avesse consegnato cosa viziata.”7
A jurisprudência estrangeira de maior relevo, do mesmo modo que a
doutrina, sempre orientou-se nesse rumo.
Em seu precioso Code Civil Annoté, o Magistrado Fuzier-Herman, ao
comentar o art. 1.648 do Código Civil francês, faz referência aos julgados
REsp nº 4.152-MT, rel. Min. Nilson Naves, in RSTJ 21/371.
Henri de Page, in Traité Élémentaire de Droit Civil Belge. 2. ed., Établissements Émile Bruylant, Bruxelles,
1943, t. 4ª, pp. 210/1.
5
Jérôme Huet, in Responsabilité du Vendeur et Garantie contre les vices cachés, Editions Litec, Paris,
1987, p. 287.
6
A. Dernburg, Diritto Delle Pandette-Obbligazioni, tradução de F. Cicala, Fratelli Bocca Editori, Torino,
1903, pp. 434/5.
7
Riccardo Fubini, in La Teoria dei Vizi Redibitorii, Fratelli Bocca Editori, Torino, 1906, p. 410. Nesse sentido,
ainda, Marcel Planiol e Georges Ripert, in Traité Pratique de Droit Civil Français, Librairie Générale de
Droit & de Jurisprudence, Paris, 1932, t. X, pp. 142/4, nº 136; Ludovico Arndts, in Trattato delle Pandette,
tradução de F. Serafini, Arnaldo Forni Editore, Ristampa -1981, t. II, pp. 248/251, § 304.
3
4
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41
dos tribunais franceses, verbis:
“Le délai de l’art. 1648 court du jour où le vice s’est révélé à l’acheteur.
- Cass. req., 27 juin 1887; ...Il a été jugé spécialement à 1’appui de cette
thèse que le vice d’une machine ne pouvait apparaitre que du jour où
elle est en plein fonctionnement. - Cass. civ., 12 nov. 1884.”8
No mesmo sentido, são os julgados do “Tribuna1 Féderal Suisse”,
verbis:
“... le délai (de péremption ATF 61 II 148) dépend de la nature de la chose et du genre
de défauts; il peut aller de quelques jours à quelques mois (machines agricoles, chasseneige) AFT 81 II 56 JT 1955 I 562; ...En cas d’installation d’un software, le délai ne
court qu’à partir du moment où celui-ci est instal1é et prêt à fonctionner avec des
données réelles ATF 124 III 456.”9
Por conseguinte, o Código Civil de 2002, encerrando com a polêmica
que persistiu na jurisprudência e na doutrina sob a égide da Lei Civil de
1916, estabeleceu que o prazo decadencial nas ações edilícias, quando
o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, contar-se-á
a partir do instante em que dele teve conhecimento o adquirente, até o
prazo máximo de 180 dias, em se tratando de bem móvel, e de um ano,
se imóvel.
A opção revelada pelo legislador de 2002 atende, assim, aos reclamos
da doutrina e da jurisprudência, bem como à própria finalidade da
codificação das leis civis, magistralmente sintetizada por Cambacérès,
no final do século XVIII, em seu Projeto de Código Civil, verbis:
“La meilleure législation est celle qui favorise 1’intérêt général de la société et les
progrès de la morale publique...Il s’agit ici de lois civiles, c’est-à-dire, des préceptes
qui s’associent à toutes les actions, qui embrassent les rapports de tous les instans,
et qui, par leur influence, peuvent embellir les divers âges de la vie, ou du moins en
adoucir les inévitables amertumes.”10
Ed. Fuzier-Herman, in Code Civil Annoté, 1940, t. 5º, p. 575, nota nº 4.
G. Scyboz & Pierre Robert Gilliéron, in Code Civil Suisse et Code des Obligations Annotés, Editions Payot
Lausanne, 1999, p. 120, nota nº 201.
10
Cambacérès, in Projet de Code Civil, Librairie Edouard Duchemin, Paris, 1977, pp. 15 e 68.
8
9
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DISCURSOS
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Branca
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Discurso em homenagem
à Desembargadora Federal Luiza Dias Cassales
29 de maio de 20021
Designada para saudar em nome do Tribunal Regional Federal da
4ª Região a Desembargadora Luiza Dias Cassales por ocasião de sua
aposentadoria é com grande honra e emoção que inicio este suave rumor
de lembranças com a intenção de homenagear Sua Excelência, servir-nos
de acalanto e manter intacta a memória.
Luiza Dias Cassales é natural de Livramento, mulher gaúcha,
conhecedora da vida campeira, um pouco “Luiza Fierro”, nos sentimentos
pampeanos, filha dedicada de Concesso Cassales, advogado; e Marina
Dias Cassales, do lar. Estudante aplicada, mas rebelde. Iniciou seus
estudos na cidade de Livramento, concluindo o primário em Porto
Alegre, no Colégio Americano, o curso científico no Rio de Janeiro,
no Colégio Benetti. Fruto da convivência escolar, cultiva amizades
que a acompanham até hoje. Mãe ainda muito jovem, de Maria Luiza,
Juíza do Trabalho; Walter Jorge, Médico Veterinário; e Carlos Eduardo,
Advogado. É avó de Marcelo, Luiza, Marina, Pedro e Walter; casada
com o Doutor José Cutin, médico, professor, e sempre companheiro.
Graduada em História e Geografia pela Faculdade de Filosofia da
Pontifícia Universidade Católica, com Licenciatura, em 1961. Graduouse também na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul em
Desa. Federal Marga Barth Tessler, Diretora da Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da
4ª Região – EMAGIS.
1
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45
Ciências Jurídicas e Sociais, em 1964. Pós-graduada pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul em Direito Internacional/Mercosul, em
1999. Professora apreciada e inesquecível das disciplinas de História
e Geografia no Colégio Liberato Vieira da Cunha, em Livramento; e
Cândido José de Godói, em Porto Alegre; Professora Universitária em
Prática de Processo Penal no curso de Direito da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, de 1975 a 1978. Prossegue na atividade
do magistério superior até hoje em cursos preparatórios à magistratura.
Conferencista em encontros jurídicos nacionais e internacionais,
especialista na área do Direito Administrativo, onde enfrenta qualquer
tema, tendo proferido palestra no Departamento de Medicina do Havard
Medical School de Londres, em 1978, sobre o tema Aspectos éticos da
medicina no Brasil. Vocacionada inicialmente para o magistério, iniciouse muito jovem na atividade político-partidária, tendo sido Vereadora do
Município Sant’Ana do Livramento, durante o período de 1963/1965,
e Presidente da Câmara de Vereadores, de 1963 a 1964. Prefeita de
Sant’Ana do Livramento, no período de 1964 a 1965. Advogada militante
desde 1964, advogou intensamente por 18 anos, inscrita na OAB/RS sob
o nº 5862. Integrou o escritório liderado pelo Dr. Romeo de Almeida
Ramos, Heitor Galant, Marco Aurélio Farias de Vasconcellos. Dedicouse também às áreas assistencial e comunitária, tendo sido Presidente
da Câmara Municipal da Legião Brasileira de Assistência – LBA, em
Livramento.
Procuradora da República aprovada em concurso público, em
1972. Assumiu como órgão do Ministério Público Federal o Conselho
Penitenciário do Estado, sempre promovida por merecimento, foi
Procuradora-chefe da Procuradoria da República no Rio Grande do Sul,
em 1982; e Procuradora Eleitoral junto ao Tribunal Regional Eleitoral, de
1976 a 1982. Admitida na Ordem Militar de Honra ao Mérito, Grau de
Cavaleiro, em 1978; e agraciada com a Medalha do Pacificador, em 1978.
Juíza Federal aprovada no concurso público promovido pelo
saudoso Tribunal Federal de Recursos, em 1987. Foi titular da 8ª Vara
Criminal e da 5ª Vara Cível, em Porto Alegre, tendo-as jurisdicionado
simultaneamente durante longo período.
Diretora do Foro da Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul,
de 1990 a 1991. Convocada para compor o Tribunal Regional Federal
46
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 43-58, 2002
da 4ª Região, de agosto de 1991 a julho de 1992, ocasião em que foi
promovida por merecimento para compor o Tribunal Regional Federal.
Integrou o Conselho de Administração durante o período de 1994 a 1997,
como suplente, e a Banca Examinadora do Concurso para Juiz Federal
Substituto, em 1995. Foi membro efetivo da Comissão de Jurisprudência,
em 1995. Eleita Diretora da Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, biênio 1995/1997. Presidente da 3ª Turma em dois períodos.
Membro efetivo do Conselho de Administração, de 1997 a 1999, e
indicada pelo Plenário para integrar o Tribunal Regional Eleitoral, de
1999 a 2001, aposentando-se em 05 de fevereiro de 2002.
Extraordinária e invejável trajetória, muito rica e pontuada por
episódios emocionantes resumidos aqui sem muita arte e contidos frente
à solenidade do momento discursivo. Juíza criminal firme, magistrada
exemplar muitíssimo produtiva, modelo a ser seguido. Sempre pronta a
participar de novos empreendimentos, atenta às mudanças sociais que
reclamam soluções mais efetivas e equânimes dos juízes. Sensível e
comprometida com os direitos fundamentais, não só civis e políticos,
mas com os sociais, culturais e ambientais, muito contribuiu e ainda
contribuirá para o aprimoramento da ordem jurídica, com ars e
prudentia, para a construção de uma sociedade menos injusta e mais
solidária. Apaixonada pela vida, apreciadora da música clássica, leitora
atualizada, grande companheira de viagem, enriquecendo os itinerários
com referências históricas e geográficas. Dona de lendária perspicácia e
fino senso de humor, tornou o nosso Tribunal mais rico e alegre, integra
as nossas memórias, a nossa alma coletiva.
Luiza, amiga de tantos, conta dedicadas amizades entre os servidores e
colegas. Costuma referir-se às integrantes do Gabinete como as “minhas
filhotas”, algumas acompanharam-na desde o primeiro grau, são elas:
Josandra, Nice, Tetê, Rochelle, Sonia, Isabel, Claudiane, Claudia, Maira;
e ainda o Sr. Raul, e os estagiários Guilherme, Eduardo e Alexandre.
Luiza, amiga, soube cultivar amizades dedicadas na longa trajetória, o
que honra esta Casa, onde se convive amavelmente. “Acordo no pensar
engendra amizade” teria dito Demócrito no Fragmento 186. Prodigiosa
comunidade a nossa, em que se consegue cultivar e manter amizades
2
SILVA, Jason de Lima e. Aristóteles e Cícero: Amizade, Virtude e Política. Inédito.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 43-58, 2002
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mesmo com vigoroso desacordo, pois juízes freqüentemente divergem.
Diz Aristóteles,2 na “Ética a Nicômaco”, que uma das artes do bem viver
é a amizade, não haveria maior valor para o homem, exceto a felicidade
contemplativa, que aquela chamada “amizade”, a “filia”. Na “Política”,
segundo o filósofo, a amizade é a concórdia, e a justiça é a garantia da
concórdia. Platão, reticente, identifica um “quase amor” no diálogo Lisias,
falava da amizade, mas não saía dos domínios do amor. Quando a amizade
se converte em virtude, algo é guardado em comum, o afeto amoroso.
O primeiro acontecimento da amizade é uma “disposição recíproca”. É
por meio da correspondência que a amizade completa o círculo de sua
virtude. Não ser amado, mas amar, é o que busca o homem cujo maior
tesouro só um deus conhece: o bastar-se a si mesmo. Afinal, o homem
feliz necessita de amigos? Conclui o filósofo que sim, seria absurdo
dar todos os bens ao homem feliz e não dar-lhe amigos. Ainda, citando
Aristóteles, “viver a virtude enfim é cultivar tanto os atos belos quanto
os bons amigos por si mesmo, é numa palavra, cuidar de si”. Já Cícero
começa “Laelius” dizendo que a amizade é preferível a todos os bens
desta terra. A amicitia é “uma unanimidade entre todas as coisas divinas
ou humanas, acompanhada de afeto e benevolência”. Para Foucault,3 a
amizade é o mais subversivo dos sentimentos, na medida em que não é
exclusiva, não tem limites nem fronteiras. Nietzsche,4 ao dissertar para
os espíritos livres, aborda a amizade, distinguindo aqueles que utilizamna como escada, daqueles outros que fazem dela um círculo. Entre
estes últimos está a nossa homenageada. O amigo: um ser que a vida
não explica e o espelho da alma multiplica, segundo o poeta Vinícius.5
“Amigo é coisa para se guardar”.6 Guardamos com imensa alegria a
lembrança da diária convivência. O Poder Judiciário, a Jurisdição, que
com tanta dedicação e amor Vossa Excelência exerceu, não podem mais
retê-la. Desfrute, pois, da merecida aposentadoria, dedicando-se aos seus
múltiplos talentos, com saúde, alegria e a proteção de Deus.
Intacta memória – se nós chamássemos
ERIBON, Didier. Michel Foucault. São Paulo : Cia das Letras, 1990.
NIETZSCHE, Friedrich. Humano Demasiadamente Humano.Cia. das Letras. versículo 368.
Idem. A gaia ciência. São Paulo : Hemus. 279, amizade estelar.
5
MORAIS, Vinícius de. Soneto do Amigo.
6
NASCIMENTO, Milton.Cancioneiro Popular.
7
ANDRESEN. Sophia Breyner. Obra Poética II. Lisboa : Editorial Caminho.
ARISTÓTELES. Ética Nicomáquea. Madrid : Gredos, 1988.
CÍCERO. Das Leis. Da República. Saber Envelhecer. Lelio. Porto Alegre : L&PM, 2001.
3
4
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Preleção aos juízes
(posse dos novos juízes federais, 05 de agosto de 2002)
Amir José Finocchiaro Sarti*
O juiz, como disse Aristóteles, há de ser “a justiça viva”. Se não buscar
encarnar a justiça, exercerá funções de juiz, mas nunca será um verdadeiro
juiz.
Atento a tão grave advertência, peço licença para iniciar esta
manifestação dando cumprimento, antes de mais nada, a um estrito dever
de justiça, que é tornar público o meu sincero, profundo e imperecível
sentimento de gratidão a todos os membros da devotada e laboriosa
Comissão do Concurso, que tive a insuperável honra de presidir, composta
pelos eminentes Desembargadores Federais Marga Inge Barth Tessler
e José Luiz Borges Germano da Silva, pelos ilustres Professores
Drs. Marco Aurélio Costa Moreira de Oliveira e Flávio Cavalli, que,
acompanhados pelos digníssimos Desembargadores Federais João
Surreaux Chagas e Tadaaqui Hirose, membros suplentes, mas sempre
atuantes, não mediram esforços para realizar com êxito absoluto a
espinhosa missão que hoje vemos alcançar o seu termo final e que nos
consumiu um ano inteiro de extenuantes trabalhos na preparação e na
correção das provas escritas, nas reuniões intermináveis, nas discussões
cansativas sobre as mais complicadas questões de direito e, por último,
*Des. Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 43-58, 2002
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na torturante maratona de aplicação das provas orais, durante um mês
inteiro, sem interrupção nem descanso, às vezes por mais de 10 horas
diárias – e tudo isso sem nos afastarmos das nossas rotinas na jurisdição,
na advocacia e no magistério.
Faltaria, outrossim, ao meu compromisso com a justiça se deixasse de
assinalar, com toda a devida ênfase, os méritos inexcedíveis da valorosa
equipe de funcionários que, dirigidos pela insubstituível Secretária do
Concurso Dra. Isabel Cristina Lima Selau, prestou assessoramento
à Comissão, oferecendo-nos permanentemente uma contribuição
inestimável, em todas as horas, sem pausa nem limite, muitas e muitas
vezes além do expediente judiciário, inclusive em sábados, domingos
e feriados. Em nome do Tribunal, quero, assim, registrar uma nota de
especial louvor ao trabalho irrepreensível dos nossos estimados servidores
Dra. Delfina Maria Pereira Valério, Dr. Ivan Bolten Lúcio, Dr. César
Figueiredo Muller, Dr. Eduardo Boger, Psicóloga Elizabeth Eliana
Schefer, Sra. Luzia Farias Pinto, Sra. Áurea Terezinha Vasconcelos, Sra.
Maria José Tavares Alves, Sr. Ronaldo Carvalho Martins, Sr. Antônio
Altemir Ziegler da Silva e, last but not least, o nosso prestativo e sempre
atencioso Sr. Paulo Mariano Semensato.
Caros juízes: ao falar em solenidade semelhante, dois anos atrás,
tive a oportunidade de lembrar aos colegas que então tomavam posse
que a escolha dos magistrados, na Grécia antiga, era feita por eleição
ou até por sorteio, ora entre a massa dos cidadãos ora apenas dentro da
classe dominante, sem nenhuma exigência de formação especializada –
e, portanto, obviamente, sem concurso para aferição de conhecimentos
jurídicos.
Em Roma, o critério de recrutamento da magistratura, pelo menos
no período republicano, também era o de eleição. Com o império, os
juízes passaram a ser designados diretamente, atuando como longa
manus soberano.
A seleção dos magistrados, durante a Idade Média, parece ter seguido
a linha romana: os juízes são agentes do rei, que os escolhe e lhes confere
autoridade.
Mesmo assim, parece intuitivo admitir que gregos, romanos, as
demais antigas nações européias, enfim, certamente, não devem ter
ficado privados, mais do que qualquer outro povo, em qualquer outro
50
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 43-58, 2002
momento da história, de seus bons juízes, provavelmente mesmo de
excelentes juízes.
Segundo Carlos Maximiliano, em sua Hermenêutica, nos tempos
modernos, é na Inglaterra que se encontra a melhor magistratura do
mundo: lá, como é bem sabido, os juízes são indicados pela Coroa
dentre os grandes advogados – profissionais com pelo menos vinte
anos de exercício, que recebem a investidura como honraria, ou antes
como verdadeiro dever cívico, sem jamais pensar em “fazer carreira” no
Judiciário e, naturalmente, sem nenhum certame formal para verificação
de suas aptidões no trato das questões de Direito.
Já para o Ministro Carlos Mário, ex-Presidente do Supremo Tribunal
Federal, conforme se pode ver em discurso gravado nos anais daquela
Casa, o mais eficiente sistema judicial do mundo estaria hoje nos Estados
Unidos, onde curiosamente também não se conhece “carreira judiciária”,
nem se usa do concurso público como regra para o acesso aos quadros
da magistratura: os juízes são provenientes, na maioria, do corpo de
advogados militantes e, não raro, são escolhidos por eleição direta. Na
América, aliás, como observou Dalmo Dallari, “muitos dos melhores
juízes das mais altas Cortes do país não tiveram nenhuma experiência
judiciária prévia” e, mesmo assim, é fato notório que lá existe grande
respeito pela magistratura, cujo prestígio é considerado fator essencial
para o bom funcionamento do sistema de freios e contrapesos que garante
as suas liberdades públicas naquela grande democracia.
Entre nós, a composição da magistratura tem sido feita principalmente
pelo método do concurso público – fórmula consagrada em nossa
cultura, que muitos consideram, não sem justa razão, a melhor de todas as
alternativas. É, com efeito, o processo do concurso, senão o único, aquele
que melhor garante a igualdade entre os candidatos, a apuração do seu
conhecimento jurídico, a escolha dos mais capacitados. Eventualmente, o
mecanismo há de apresentar os seus defeitos, mas, como disse Zaffaroni,
ninguém minimamente sensato haverá de negar que a democracia também
padece de falhas e nem por isso se há de pretender suprimi-la, na busca
de uma utópica e inatingível perfeição.
Prezados juízes: estou propositadamente repetindo passagens
de uma oração que já vai ficando velha para adverti-los de que é
relativamente recente e está longe de ter aceitação universal a idéia
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 43-58, 2002
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de magistratura como profissão. Bem mais recente e menos ainda
universal, como visto, é o sistema de seleção por concurso. Mesmo
assim, parece absolutamente indiscutível que, em todos os tempos e
em todos os lugares, sempre terá havido bons juízes e maus juízes,
juízes obscuros e juízes notáveis, juízes pequenos e grandes juízes.
Jovens juízes, hoje é o seu dia, dia de glória, dia de vitória, dia de
consagração: desfrutem-no, gostosa e intensamente, com os seus amores
– pais, cônjuges, filhos, amigos – pois esse é um momento mágico e
único, em que toda a comunidade forense reúne-se especificamente para
prestar-lhes o devido tributo pelo sucesso alcançado nessa jornada longa
e árdua, em que tantos ficaram pelo caminho: começamos com mais de
6.000 (seis mil) candidatos, não preciso dizer mais nada!
Aplaudimos de pé, senhores juízes, esperançosos e emocionados, o seu
ingresso na magistratura – essa “ordem de ascetas civis”, cujos membros
estão irrecorrivelmente condenados, como assinalou Calamandrei, à
solidão, ao isolamento, não raro também à miséria e à fome, e, mesmo
numa sociedade cada vez mais displicente com os valores morais,
condenados à dignidade e à discrição.
Permitam-me, entretanto, queridos colegas – a mim que já me
preparo para afastar-me da atividade jurisdicional e que, certamente, só
por essa particular razão fui honrado, mais uma vez e provavelmente
pela última vez, com o privilégio ímpar de falar em nome do Tribunal
– permitam-me, nesta hora festiva, o atrevimento de convidá-los para
que me acompanhem num breve exercício de reflexão sobre algumas
verdades, nem sempre agradáveis de se ouvir, certamente duras de se
dizer, algumas verdades que, a meu juízo, deveriam ser gravadas a fogo
no coração de todos os juízes.
Ser juiz, ilustres juízes, não é deter um cargo, é cumprir um encargo;
não é apenas desempenhar uma profissão, é exercitar uma vocação. Diante
do juiz, é certo, curvam-se os humildes e os poderosos, os pobres e os
ricos; à sua ordem abrem-se e fecham-se as portas das prisões; ao seu
comando submetem-se os destinos de muitas vidas, mas ao contrário do
que possam imaginar os despreparados, porém, esse poder não é dado
aos juízes como prêmio pelas suas excelsas virtudes intelectuais, nem
é prerrogativa conferida para o desfrute pessoal de uma restrita casta
de privilegiados. Trata-se, na verdade, esse suposto poder, de um fardo
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pesado e terrível, do qual não são dignos – como escreveu certo juiz
– do qual não são dignos os que se deixam invadir pelo orgulho, atrair
pela tentação do mal, fascinar pelas honrarias e seduzir pelas vaidades
do cargo. “Faze da minha toga um manto incorruptível”, pediu aquele
magistrado,
“e da minha pena não o estilete que fere, mas a seta que assinala o caminho da justiça.
Ajuda-me, Senhor, a ser justo e firme, honesto e puro, comedido e magnânimo, sereno
e humilde. Que eu seja implacável com o erro, mas compreensivo com os que erraram.
Amigo da verdade e guia dos que a procuram. Aplicador da lei, mas antes de tudo seu mais
fiel cumpridor. Não permitas, jamais, Senhor, que eu lave as mãos como Pilatos diante do
inocente, nem atire, como Herodes, sobre os ombros do oprimido, a túnica do opróbio.
Que eu não tema César, nem, por temor dele, pergunte ao poviléu, ‘Barrabás ou Jesus’?”
Nobres juízes, volto a repetir-me porque não saberia dizer-lhes de
forma melhor o que penso seja meu dever dizer-lhes nesta hora. Embora
dificilmente se possa exagerar quanto à magnitude do papel que o juiz deve
desempenhar na sociedade, a sua legitimação democrática não decorre,
pura e simplesmente, de ter ingressado na magistratura por essa ou por
aquela das vias de acesso, pois qualquer uma delas tem idêntico assento
constitucional. A legitimação democrática do juiz não vem sequer da
própria Constituição, como é costumeiro ouvir-se, já que, obviamente,
a regular investidura é pressuposto indispensável da jurisdição; nem
deriva, tampouco, como muitos sustentam, da motivação jurídica dos
seus julgados, porque mesmo nas ditaduras mais cruéis e sangüinárias,
incontáveis brutalidades têm sido cometidas sob o amparo de sentenças
belissimamente fundamentadas. A legitimação democrática do juiz resulta,
isso sim, e só, da persistente correção no cumprimento do seu ministério
– todos os dias, em todos os momentos, por toda a vida.
Acredito firmemente – e continuo repetindo aquela antiga preleção
- que é correto o desempenho do juiz que cumpre e faz cumprir, com
independência, serenidade e exatidão todas as disposições legais, mesmo
aquelas que sejam contrárias ao seu interesse particular; que trata com
urbanidade as partes, os membros do MP, os advogados e os servidores,
inclusive aqueles que não gozam da sua simpatia pessoal; que comparece
pontualmente à hora de iniciar-se o expediente e não se ausenta, sem
justo motivo, antes do seu término, embora a rua lhe ofereça muito mais
atrativos; que mantém conduta irrepreensível, tanto na vida pública
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quanto na vida particular, ainda que isso lhe possa custar renúncias e
sacrifícios.
Tudo isso está na lei, mas não precisaria estar se todos compreendessem,
desde o primeiro momento, que a independência – o maior de todos os
atributos do magistrado – não é licença para gestos isolados de rebeldia
juvenil contra certas formalidades tradicionalmente consagradas na sadia
convivência social; nem é mandato para desprezar a lei válida e decidir
de acordo com critérios personalíssimos de justiça, conforme a variação
de seus soberanos e insondáveis humores. A garantia da independência,
evidentemente, não autoriza a subversão da ordem jurídica, a usurpação
de competências, o julgamento discricionário inspirado em particulares
concepções filosóficas ou em peculiares convicções ideológicas e, muito
menos, não tolera veredictos ditados por pressões espúrias de qualquer
natureza. A independência, observou velho mestre, é, antes de tudo, “um
privilégio duro, que impõe, a quem dele desfruta, a coragem de ficar só
consigo mesmo”. É isso, nada além disso: a independência é dada ao
juiz para bem servir, não para dela servir-se.
Não se esqueçam, contudo, eminentes juízes, que a lei não exprime
necessariamente o justo e que não raro serve de instrumento para a
perpetuação de injustiças e privilégios. Lembrem-se de que “boa é a lei,
quando executada com retidão” e de que “a moderação, a inteireza e a
eqüidade, no aplicar das más leis, as podem, em certa medida, escoimar
da impureza, dureza e maldade, que encerram”: eis aí o extraordinário,
imensurável, estupendo papel da justiça – muito “maior do que o da
própria legislação, porque, se dignos são os juízes, como parte suprema,
que constituem, no executar das leis, em sendo elas justas, lhes manterão
eles a sua justiça, e, sendo elas injustas, lhes poderão eles moderar, se
não, até, no seu tanto, corrigir-lhes a injustiça”.
Está na lei, mas não precisaria estar, se todos compreendessem que as
qualidades mais respeitadas nos juízes são a imparcialidade, a resistência a
todas as seduções, a indiferença sacerdotal diante das paixões em conflito,
o que, entretanto, não desculpa o desinteresse, a frieza, a insensibilidade,
pois neste ofício, senhores juízes, como acentuou o nosso insigne colega
Desembargador Federal Teori Albino Zavascki, em discurso de paraninfo
aos seus alunos, “nós lidamos, invariavelmente, com pessoas e não com
artefatos sem alma; pessoas que sentem, que sofrem, que se alegram e
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que choram”. É dizer, com Calamandrei, nas sentenças deve haver razão,
mas nas sentenças deve haver também sentimento.
Está na lei, mas não precisaria estar, se todos compreendessem que
sem probidade não pode haver justiça, mas que probidade quer dizer
também pontualidade. Ofende o dever de probidade, registrou em certa
passagem o imortal autor do Elogio, não apenas o juiz que se deixa
corromper, mas também o que faz esperar no corredor, durante horas,
sem qualquer satisfação, os advogados e as pessoas convocadas para uma
audiência. Ofende o dever de probidade, advertiu a célebre Oração aos
Moços, o juiz que se demora, além da conta, nos despachos e sentenças, e
muito mais – digo eu – se o fizer movido pela pretensão fútil de produzir
apenas para o encanto intelectual das elites, insensível à angústia dos que
esperam simplesmente a prestação jurisdicional. Porque, afinal de contas,
o que as partes querem é só justiça, e, já dizia Ruy, “justiça atrasada
não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”. Cuidem-se, pois,
digníssimos juízes, para que nunca se tornem “desses magistrados nas
mãos de quem os autos penam como almas do purgatório, ou arrastam
sonos esquecidos como o das preguiças do mato”.
Está na lei, mas não precisaria estar, se todos compreendessem, como
ensinou o inesgotável mestre florentino, que o juiz que falta com respeito
devido ao advogado, ignora que beca e toga obedecem à lei dos líquidos
em vasos comunicantes: não se pode baixar o nível de um, sem baixar
igualmente o nível do outro. Até porque a verdadeira autoridade não
precisa esconder-se sob a carranca antipática da prepotência arrogante.
Está na lei, mas não precisaria estar, se todos compreendessem que
a injustiça envenena, mesmo em doses homeopáticas, e que, assim, o
juiz deve habituar-se a fazer justiça, até nos mínimos gestos do mister:
“Feliz o magistrado que, até o dia que precede o limite da idade, sente,
ao julgar, a consternação quase religiosa que o fez tremer cinqüenta anos
atrás, ao pronunciar a sua primeira sentença”.
Finalmente, está na lei, mas não precisaria estar, se todos
compreendessem que o juiz tem de ser um exemplo de compostura no
agir, no falar, no vestir: tanto em público quanto na vida privada, o seu
comportamento deve ser um modelo de virtudes, fonte de inspiração e
motivo de respeito para toda a sociedade. Em outras palavras, não basta
que o juiz seja bom, honrado e justo, é preciso que assim pareça, aos
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olhos de todos, em todos os sentidos, em todas as circunstâncias. Como
aceitar, por exemplo, falando em compostura, a conduta de certos juízes
que, talvez desejando parecer modernos, não se respeitam, nem à sua
Instituição, nem aos jurisdicionados, apresentando-se publicamente em
trajes estranhos e modos incompatíveis, manifestamente incompatíveis,
com a austeridade esperada de quem usa a toga?
Honrados juízes: de todos os ofícios conhecidos, como vêem,
talvez outro não haja que se equipare à magistratura em exigências,
imposições, encargos, vedações, restrições – deveres, enfim. Mas é bem
compreensível que assim seja, pois se existe alguma verdade na opinião
de que a nossa é “a mais eminente das profissões a que um homem se
pode entregar neste mundo”, certamente também menos verdadeira não
é a conclusão de que, afinal de contas, é precisamente disso que se nutre
a legitimação democrática dos juízes: de um permanente, rigoroso, fiel
e absoluto cumprimento de todos os seus deveres.
Bendito aquele que tem a humildade necessária para compreender e
aceitar essas verdades, porque os sábios são humildes e o que mais se
espera dos juízes é que sejam sábios; não que saibam muito, mas – como
não se cansa de lembrar-me o nosso eminente colega Desembargador
Federal Germano da Silva – que julguem com sabedoria:
“e tanto mais se afastam da sabedoria os que mais se preocupam não em serem sábios,
mas em parecerem sábios”.
Os grandes juízes são precisamente os que sabem “introduzir nas
fórmulas impiedosas das leis, a compreensão humana da razão iluminada
pela piedade”; não aqueles que nunca erram, mas os que têm a coragem
de corrigir os seus erros; não os que jamais têm medo, mas os que não se
dobram senão à própria consciência; não os que se gabam de tratar com o
mesmo rigor pobres e ricos, miseráveis e poderosos, fracos e fortes, “doa a
quem doer”, mas os que conseguem perceber que a essência da justiça está
em tratar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam.
Esses, insisto, são os grandes juízes.
Quando Deus, aparecendo-lhe num sonho, perguntou a Salomão qual
a dádiva que desejaria receber, o jovem rei fez-lhe essa prece:
“Senhor, não passo de um adolescente, que não sabe ainda se conduzir. Dai, pois,
ao vosso servo um coração sábio, capaz de julgar o vosso povo e discernir entre o
bem e o mal”.
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Deus agradou-se dessa oração e respondeu:
“Porque me fizeste esse pedido, e não me pediste longa vida, nem riqueza, nem a
morte de teus inimigos, mas sim entendimento para praticar a justiça, vou satisfazer
o teu desejo: dou-te um coração tão sábio e inteligente como nunca houve igual antes
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ACÓRDÃOS
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DIREITO ADMINISTRATIVO
E DIREITO CIVIL
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.081020-1/RS
Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler
Apelante: Ivo da Silva
Advogado: Dr. Paulo Fernando Melo Correa
Apelado: Estado de São Paulo
Advogado: Dr. Marcelo Martin Costa
Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogado: Dr. Ricardo Rocha de Vasconcellos
EMENTA
Administrativo e Processual Civil. Competência. Danos materiais e
morais. Indenização. Erro judiciário. Ônus de sucumbência.
1. Rejeitada a preliminar de incompetência do Juízo Federal, pois o
INSS tem foro especial, que acaba atraindo também o Estado de São
Paulo.
2. Modificada a sentença que julgou improcedente o pedido de indenização
por danos materiais e morais, pois restou comprovada a ocorrência de erro
judiciário.
3. Os danos materiais consistem na devolução das parcelas descontadas
que ainda não tenham sido objeto de restituição, devidamente atualizadas.
4. O dano moral, no caso, dispensa maiores discussões, pois evidente
o abalo causado a um matrimônio de mais de trinta anos a revelação de
um suposto relacionamento extraconjugal. Esse mal-estar em família
foi causado por um erro tanto do INSS quanto do Poder Judiciário, que
não tiveram a mínima cautela em cruzar dados para verificar se estavam
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descontando a pensão da pessoa certa.
5. A indenização por danos morais deve ser fixada em cem salários
mínimos, quantia que fará com que as rés tenham mais cuidado na
verificação de dados.
6. Invertidos os ônus de sucumbência para condenar as rés no
pagamento de custas e de honorários de advogado, fixados no percentual
de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
7. Apelação provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo, nos termos do
relatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Porto Alegre, 25 de junho de 2002.
Desa. Federal Marga Barth Tessler, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler: Trata-se de ação
na qual Ivo da Silva pleiteia indenização por danos morais, decorrentes
de erro judiciário que teria causado grandes prejuízos à sua honra.
A sentença julgou improcedente o pedido, dispensando o pagamento
dos ônus de sucumbência devidos à AJG.
O autor apelou, dizendo que ficou claramente reconhecido que o
desconto efetuado nos seus proventos não era devido, de sorte que
evidenciado o erro judiciário. Por outro lado, o apelante viu-se em
situação tão constrangedora perante sua família e seus amigos que
dispensa qualquer comprovação. O dano à imagem é incontestável.
Com contra-razões do Estado de São Paulo, nas quais alega,
preliminarmente, a incompetência absoluta do juízo e, no mérito, postula
a manutenção da sentença.
É o relatório.
À douta revisão.
VOTO
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A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler: Sobre a preliminar
de incompetência absoluta, não há o que acrescentar aos fundamentos
da sentença, no sentido de que:
“a forma como a parte-autora formulou sua pretensão, buscando uma única indenização
contra os dois réus, que entendeu solidariamente responsáveis pelo desencadeamento
de uma única cadeia causal, faz com que a ação tenha necessariamente de ser proposta
contra os dois réus, cuja responsabilidade a parte-autora pretende solidária. Se há
solidariedade, há responsabilidade de ambos pelos atos ilícitos que a parte-autora lhe
atribui. Se é assim, este Juízo é competente para processar e julgar a ação, porque a
competência especial do art. 109-I da CF/88 faz com que os dois réus permaneçam
neste Juízo. Os autos não poderiam ser remetidos à Justiça Estadual Paulista, porque
o INSS tem foro especial neste Juízo, que acaba atraindo também o Estado de São
Paulo. Portanto, este Juízo é competente”.
Cabe, agora, um relato dos fatos.
O apelante chama-se Ivo da Silva e, conforme cópia de sua
documentação, fl.09, sua identidade é nº 5040218405, expedida em
09.09.85 pelo SSP/RS. É natural de Encantado, Rio Grande do Sul, filho
de Acacio Silva e Araci Parecy. Sua data de nascimento é 21.08.32. É
casado com a Sra. Santa Ivone Silva desde novembro de 1953.
Em setembro de 1996, o INSS passou a descontar de seus proventos
de aposentadoria determinado valor, a título de pensão alimentícia, em
decorrência de uma ordem judicial advinda do processo nº1261/93, 8ª
Vara de Família e Sucessões do Foro Central da Comarca de São Paulo.
Cabe, agora, esclarecer o conteúdo desse feito. Trata-se de uma
Conversão de Separação em Divórcio proposta por Ordália Maciel
Silva contra seu ex-esposo, Ivo Silva, com quem teve uma filha. Requer
a referida autora, nesta ação, o pagamento de pensão alimentícia a
Márcia Maciel Silva. Para obter êxito no seu intento, a Sra. Ordália, no
documento cuja cópia está nas fls. 96 e 97 dos autos, forneceu os dados
necessários à intimação de seu ex-esposo:
“(...)
Cédula de Identidade – RG – Nº 1.830.488 – SSP/SP
CPF/MF – 037.055.448/53
Endereço – Avenida São João, nº 1.297 – Apto. 304 – S. Paulo – Capital
Data de Nascimento – 22 de agosto de 1932 – Franca – São Paulo
Filiação – Pai: DORMOVIL SILVA
Mãe: IRMA SILVA”
É óbvio, apenas pela análise dos dados, que o Sr. Ivo Silva, autor
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da presente ação, não é o mesmo Ivo Silva réu da ação que tramita em
São Paulo. Logo, absolutamente indevido o desconto realizado em seus
proventos. Eram pessoas homônimas e com datas de nascimento muito
semelhantes, mas o erro foi injustificável, considerando-se os demais
elementos de identificação, como identidade, filiação, CPF, residência.
O Poder Público de fato cometeu um erro grave ao determinar um
ônus a pessoa que nada tinha a ver com as prestações alimentícias
descontadas. Ambos os réus contribuíram para o lamentável equívoco,
o INSS, ao não fornecer corretamente os dados do verdadeiro réu do
processo, e o Judiciário, ao determinar o desconto da pessoa errada,
que morava inclusive em outro Estado, quando no processo constava o
endereço em São Paulo. Como se pode verificar, não foram tomadas as
cautelas básicas de conferência de dados por nenhum dos entes públicos.
Descabidas, portanto, as alegações em que um tenta responsabilizar o
outro pelo incidente. Ademais, a responsabilidade neste caso é objetiva,
com base no § 6º do art. 37 da Constituição. Caracterizado, assim, um
dano de ordem no mínimo patrimonial que deve ser reparado, mediante
liquidação de sentença, considerando-se as quantias já pagas.
Sobre a questão do erro judiciário, é preciso tecer mais algumas
considerações.
É muito importante salientar que a jurisprudência dos tribunais
superiores tem sido muito cautelosa nesse aspecto. Dificilmente é
reconhecida a ocorrência de erro judiciário.
Ocorre, entretanto, que duas situações distintas devem ser levadas
em consideração.
A primeira é a liberdade que o juiz tem na formação do seu
convencimento, para dar a solução que julgar a mais adequada à lide.
Nesse aspecto, indiscutível que o fato de o magistrado adotar tal ou
qual posição não configura o erro judiciário. Essa margem de atuação é
indispensável, o juiz decide conforme o convencimento que os elementos
dos autos lhe proporcionam. Certamente, se mais de um magistrado
tivesse acesso aos mesmos autos, cada um deles daria um deslinde
próprio à questão. Tanto isso ocorre que não são raras as divergências
jurisprudenciais. Observe-se que essa diversidade de pensamento é
extremamente salutar, dá às partes armas poderosas na defesa de seus
interesses.
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Outra situação, completamente diversa, ocorre no erro judiciário.
Ele diz respeito à atuação dos entes públicos na organização de seu
funcionamento.
O Poder Judiciário está autorizado pelo ordenamento jurídico, por
exemplo, a realizar a constrição de bens e a limitar a liberdade das
pessoas. Para isso, o mínimo que se espera é cautela, ou seja, que os bens
certos e das pessoas certas sejam constritos. Da mesma forma, esperase o constrangimento da liberdade da pessoa que foi condenada, e não
de uma inocente. Com isso, quero dizer que para o bom funcionamento
da Justiça deve haver uma organização básica e elementar, exatamente
para que não sejam cometidos erros que venham a prejudicar pessoas
que sequer estão sendo acionadas, como o autor deste processo. Não há
como deixar de reconhecer os direitos da parte que se sente lesada pela
desorganização dos entes públicos, inclusive do Judiciário.
Já a questão do dano moral também merece considerações à parte.
Segundo Yussef Said Cahali,
“Dano moral é a dor resultante da violação de um bem juridicamente tutelado,
sem repercussão patrimonial. Seja a dor física — dor-sensação, como a denomina
Carpenter — nascida de uma lesão material; seja a dor moral — dor-sentimento — de
causa material”. (O Dano Moral e Sua Reparação, 1980, Rio de Janeiro, p. 7)
Disse o Desembargador Ladislau Fernando Rohnelt, no julgamento
publicado na Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul nº 63, pp. 254-259, que na indenização por dano moral
“não se trata de pagar o preço da dor, mas de uma satisfação em relação
à vítima e de uma expiação em relação ao autor da infração civil.”
Vale, também, referir-se ao direito francês, no qual assinala René
Savatier (Traité de la Responsabilité Civile, nº 527, 2/92-93, 2ª ed.,
Paris, 1949), que o dano moral é convertido em pecúnia atendendo
ao duplo objetivo de compensar a vítima e aplicar ao ofensor uma
pena. Nessa situação, consideram-se a condição social da vítima e o
grau de culpabilidade do agente. Recevoir une indemnité confortable
effacera donc la doleur de la victime, ou seja, receber uma indenização
confortável amenizará a dor da vítima.
Então, para fins didáticos, pode-se analisar o dano moral sob dois
ângulos.
Ele tem um caráter expiatório, punitivo, que consiste na punição do
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infrator em virtude da ofensa ao bem jurídico da vítima. Essa é a lição
de Caio Mário da Silva Pereira, na obra Responsabilidade Civil, 1ª ed.,
Editora Forense, Rio de Janeiro, 1989. Isso significa colocar-se nas mãos
do ofendido não o pretium doloris, mas um meio de satisfação do dano,
seja de ordem intelectual, moral ou material.
O dano moral tem, ainda, um sentido pedagógico, que significa que a
indenização seja uma forma de inibir novas práticas que atentem contra
a pessoa humana. E, a melhor forma para isso é estipular-se indenização
de tal monta que haja repercussão nas finanças do causador do dano.
No caso dos autos, o MM. Juízo a quo entendeu não ter havido
comprovação de danos morais no equívoco do Judiciário e do INSS.
Sou obrigada a discordar dessa assertiva. O desconto foi a título de
pensão alimentícia, o que certamente levou toda a família a concluir que
o autor teria um filho de uma relação extraconjugal. Não há como negar
a evidente discórdia que pode gerar a desconfiança, a suspeita de traição.
Como relata Sônia Maria Teixeira da Silva, no artigo entitulado Traição
e dano moral, à disposição na internet, endereço http://faroljuridico.vsp.
com.br/art-traicaodanomoral.htm:
“A traição fere os direitos concernentes aos valores próprios do ser humano, que
se projetam nos seus sentimentos. A violação das obrigações oriundas do casamento
ou da união estável, indubitavelmente, pode acarretar prejuízo moral ao cônjuge ou ao
convivente”.
Assim, não se pode dizer que a dor causada a um cônjuge pela
possibilidade de uma traição deve ser comprovada. Por mais liberal que
seja a visão que a sociedade atual tem dos relacionamentos, ainda é muito
forte a noção de fidelidade e do mal que é a suspeita de infidelidade para
os membros da família. É evidente o abalo causado a um matrimônio de
mais de trinta anos a revelação de relacionamento extraconjugal. No caso
dos autos, todo esse desconforto em família foi causado por um erro tanto
do INSS quanto do Poder Judiciário, que não tiveram a mínima cautela
em cruzar dados para verificar se estavam descontando a pensão da pessoa
certa. É preciso lembrar o que foi dito acima, a indenização por danos
morais tem um sentido pedagógico, evitar o cometimento de novos erros.
Na hipótese dos autos, essa função é muito importante, pois os órgãos
públicos têm o dever de fornecer dados corretos e de verificar se estão
tomando atitudes contra as pessoas certas.
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Logo, é devida a indenização por danos morais.
A quantificação dos danos morais é uma das questões sobre a qual se
omitiu o legislador; portanto, cabe à doutrina e à jurisprudência estipular
critérios para a realização desta tarefa, que, aliás, é das mais árduas.
Os critérios de quantificação dos danos morais é problema de difícil
solução. Como medir a dor, o sofrimento? Trata-se de sentimentos
não-mensuráveis, e torna-se quase impossível traduzi-los em quantia
pecuniária. A autora não definiu qual a quantia desejada a esse título.
Encontrei, entretanto, um julgado do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul que auxilia muito na busca de critérios para a fixação
da importância devida pelos danos morais. Trata-se do julgamento da
Apelação Cível nº 593133689, pela 6ª Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, publicado na Revista de Jurisprudência do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nº 164, pp. 312-318, Relator
Desembargador Sérgio Gischkow Pereira. Transcrevo, a seguir, partes
do voto do Eminente Desembargador:
“Alguns critérios podem ser postos como balizas de meu raciocínio.
O primeiro diz com o fato de que a reparação do dano moral tem um caráter também
de punição ao infrator (...) auxiliará a todos, às pessoas comuns (como nos autos já se
chamou o povo), que se livrarão de situações análogas.
(...)
Em segundo lugar, evidente deve ser levada em conta a condição sócio-financeira
do ofensor, sob pena de não haver nenhum caráter punitivo ou aflitivo.
(...)
Em terceiro lugar, influir o grau de culpa do ofensor. (Arnaldo Marmitt, Perdas e
Danos, AIDE Editora, Rio de Janeiro, 1ª ed., 1987, p. 138)
(...)
Em quarto lugar, também se pondera a posição familiar, cultural e social da vítima
(como se o faz para o autor do dano), segundo lembra Arnaldo Marmitt. (ob. cit., p. 138)
(...)
Em quinto, é preciso levar em conta a gravidade e a repercussão da ofensa. (Arnaldo
Marmitt, ob. cit., p. 139)
(...)”.
A meu ver, o Ilustríssimo Des. Sérgio Gischkow Pereira conseguiu
reunir alguns critérios muito interessantes para que se chegue a uma
valoração do dano moral, quais sejam: a) condição econômica de quem
causou o dano; b) grau de culpa do ofensor; c) posição, tanto da vítima
como do ofensor; d) gravidade e repercussão da ofensa.
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Devem ser analisados todos esses critérios para, depois, verificarmos
se a quantia de cem salários mínimos fixada na sentença traduz uma
justa indenização.
O valor sugerido na inicial é muito elevado, não tem coerência com
a situação apresentada. Mil e oitocentos salários mínimos é uma quantia
que hoje representa R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais),
evidentemente demasiada, tendo-se em vista os critérios acima. Cem
salários mínimos, isto é, hoje, R$ 20.000,00 (vinte mil reais), é valor mais
razoável para oferecer algum consolo pelas aflições e constrangimentos,
devendo ser pago por metade por cada uma das rés. Embora não se
trate de quantia muito elevada, fará com que se tenha mais cuidado
na verificação de dados. Essa indenização, em termos financeiros, não
acarretará prejuízos às apeladas, mas se persistirem no equívoco e
surgirem novas ações, acabarão despendendo grandes quantias, pagando
caro por sua negligência.
Dessa forma, deve ser julgado procedente o pedido, para condenar
o Estado de São Paulo e o INSS, solidariamente, a pagarem ao autor
indenização por danos materiais, consistente na devolução das quantias
descontadas e por eventualidade ainda não restituídas, com a devida
atualização, bem como indenização por danos morais, fixados na quantia
de cem salários mínimos.
Devem ser invertidos, também, os ônus de sucumbência, para condenar
as rés no pagamento de custas e de honorários de advogado, fixados no
percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
70
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
Isso posto, dou provimento ao apelo.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.091761-5/SC
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores
Lenz
Apelante: Associação Catarinense de Supermercados -ACATS
Advogados: Drs. Everaldo Luis Restanho e outros
Apelante: União Federal
Advogado: Dr. João Paulo Veiga Sanhudo
Apelados: (Os mesmos)
Estado de Santa Catarina
Advogado: Dr. Osni Alves da Silva
EMENTA
Direito do consumidor. Preço. Produtos. Supermercados. Exigência.
Arts. 6º, III, e 31 do CDC.
Os donos dos supermercados devem fornecer ao consumidor
informações adequadas, claras, corretas, precisas e ostensivas sobre o
preço de seus produtos à venda.
O fato de já existir, em cada produto, o código de barras não é
suficiente para assegurar a todos os consumidores essas informações,
pois para atender o que estabelece o CDC, além do código de barras e
do preço nas prateleiras, devem os supermercados colocar o preço em
cada produto.
Precedentes do STJ.
Apelação a que se nega provimento.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
71
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório,
voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Porto Alegre, 12 de março de 2002.
Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: O
parecer do MPF, às fls. 598/9, expõe com precisão a controvérsia, verbis:
“Trata-se de apelação interposta pela Associação Catarinense de Supermercados
- ACATS - contra a sentença de fls. 534/543 que julgou improcedente ação ordinária
proposta por ela contra a União Federal e o Estado de Santa Catarina com o intuito
de ver reconhecida a inexistência de relação jurídica que obrigue os seus associados
a fixarem preços diretamente nos produtos que expõem à venda. A determinação teria
sido imposta pelo despacho de 20.05.98, do Diretor do Departamento Nacional de
Proteção e Defesa do Consumidor - DNPDC, o qual reputam ilegal e inconstitucional.
Aduz a apelante que não há previsão legal que obrigue os supermercadistas a
efetuarem a precificação individual dos produtos, havendo os arts. 6º, III, e 31 do CDC,
apenas determinado que a identificação do preço deve ser correta, clara e precisa. Além
disso, referem que a utilização do sistema de código de barras e leitor ótico, com a
identificação dos preços nas prateleiras (e não em cada produto), encontra respaldo no
Decreto 90.595/84, bem como na Portaria SUPER 02/96, da extinta SUNAB, estando
o despacho do Diretor do DNPDC a ferir, não apenas o princípio da legalidade, por
extrapolar os limites da lei, mas os princípios da finalidade e da razoabilidade dos atos
administrativos e da livre iniciativa.”
Em sua peça recursal, à fl. 551, alega a entidade apelante verbis:
“Como já exposto na exordial, a utilização do código de barras atende as exigências
do Decreto 90.595/84, bem como a Portaria SUPER 02/96, da extinta SUNAB, que
regula tal prática, permitindo a adoção do sistema hoje em vigor.
Ora, diante das exigências acima referidas, entendemos que o despacho do ilustre
Diretor está carente de legalidade, pois a Lei nº 8.078/90 em nenhum momento determina
a fixação de preços diretamente no produto comercializado.
O que a Lei determina é que o consumidor tenha a informação clara e precisa dos
preços dos produtos colocados à venda, jamais exigindo que os preços estejam afixados
diretamente nos mesmos.
Ao contrário da fundamentação da r. sentença de fls. 534-543, tanto o Decreto
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
90.595/84 permite a utilização do código de barras nas relações comerciais do mercado
interno, sem impor a afixação dos preços direto no produto, quanto a Portaria SUPER
02/96, que também não faz essa exigência.
Não podemos aceitar as conclusões da r. sentença de fls. 534-543, pois, como
vimos, as normas de proteção ao consumidor já estão sendo cumpridas fielmente,
tendo o consumidor a informação clara e precisa dos preços dos produtos adquiridos
nas prateleiras dos supermercados.
Ou seja, ao contrário da inteligência da r. sentença de fls. 534-543, data venia, está
evidente nos autos que a Lei nº 8.078/90, em seus artigos 6º, III, 30 e 31 (norma de
cunho geral) determina que o consumidor tenha a informação clara e precisa dos
preços dos produtos colocados à venda, jamais exigindo que os preços estejam afixados
diretamente nos mesmos.”
Os recorridos apresentaram contra-razões.
Em seu parecer, às fls. 598/607, opinou o MPF pelo improvimento
do recurso.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz:
Conheço da apelação, negando-lhe provimento.
Ao emitir o seu pronunciamento nos autos, às fls. 599/607, anotou,
com inteiro acerto, o douto representante do MPF, verbis:
“2. O Código de Defesa do Consumidor, em implementação ao direito assegurado
no art. 5º, inc. XXXII, da Constituição Federal, garante ao consumidor, em seus arts.
6º, inc. III, e 31, a informação clara do preço do produto oferecido:
‘Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
(...)
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com
especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço
bem como sobre os riscos que apresentem;
(...)’
‘Art. 31. A oferta e a apresentação de produtos ou serviços devem assegurar
informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas
características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade
e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e
segurança dos consumidores.’
A informação do preço do produto, para ser clara e precisa, deve estar visível em
cada uma das mercadorias, ser facilmente identificada pelo consumidor que a pretende
adquirir, e permanecer a ele acessível desde a sua obtenção até a efetivação da compra
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
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da mercadoria.
Ocorre que a adoção em massa do sistema do código de barras vinha sendo
insuficiente para este fim. A substituição da precificação individual (através de etiquetas)
das mercadorias pela leitura ótica dos códigos de barras, complementada pela fixação
do preço dos produtos nas gôndulas, não vinha garantindo a clareza e a suficiência da
informação do preço ao consumidor.
Visando resolver esta situação, a administração pública federal, por intermédio
do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), integrante da
Secretaria de Direito Econômico (SDE) e do Ministério da Justiça, no desempenho de
suas atribuições normativas (CDC, art. 55; Decreto nº 2.181/97, art. 63) como órgão
de coordenação da política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (CDC,
arts. 105; 106, I e II; Decreto nº 2.181/97, arts. 2º, 3º, II e III), não criando nenhuma
norma nova, mas apenas explicitando e concretizando as regras acima transcritas do
CDC, determinou, em 20.05.98, por despacho de seu Diretor proferido nos autos do
procedimento administrativo nº 08012.001558/98-15, instaurado a pedido do Instituto
Nacional de Defesa do Consumidor, que:
‘Despacho: Diante dos diversos elementos coligidos, e dos constantes noticiários
veiculados sobre o assunto, e, principalmente, por considerar que em assim continuando,
a conduta dos agentes econômicos fere dispositivos da Lei nº 8.078/90, regulamentada
pelo Decreto nº 2.181/97, quanto aos direitos básicos do consumidor de ter informações
claras e precisas, sobre (...) neste caso, especificamente, PREÇO, e quaisquer outros dados
sobre produtos e serviços, e, considerando, ainda, que esta decisão de relevante interesse
social, DETERMINO, no uso das atribuições conferidas a este Departamento de Proteção
e Defesa do Consumidor, e neste específico caso, o disposto nos arts. 30 e seguintes
da Lei nº 8.078/90, que, na OFERTA e PUBLICIDADE de produtos comercializados
no território nacional, ficam os estabelecimentos obrigados a afixarem, o PREÇO À
VISTA através de etiquetas ou similares, diretamente nos bens expostos à venda, (...).
Existindo, no local, sistema de código de barras, instituído pelo Decreto nº 90.595/84,
é obrigatório, também a afixação dos preços à vista, dos produtos correspondentes
aos referidos códigos, de tal forma a evitar o constrangimento, quando do acesso do
consumidor ao caixa do estabelecimento para o devido pagamento do que adquire. (...).
Os agentes econômicos e prestadores de serviços, ainda que autônomos, alcançados
por esta decisão têm o prazo de 05 (cinco) dias, contado da data da publicação deste
Ato, para se adequarem ao aqui determinado. Ficam os órgãos públicos legitimados
na proteção e defesa do consumidor incumbidos de acompanhar o cumprimento deste
Despacho, adotando todos os meios previstos em Lei, inclusive penalizando, tudo em
favor do seu fiel cumprimento. Recomendo às entidades representativas das categorias
alcançadas por este Despacho que promovam os meios necessários para que todos
tomem conhecimento do seu teor e, procedam como determinado. Oficie-se a todos os
órgãos do Sistema Nacional de Proteção e Defesa do Consumidor.’ (grifei)
Posteriormente, o Secretário de Direito Econômico despachou em 27.05.98
recebendo apenas no efeito devolutivo o recurso interposto pela ABRAS (Associação
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
Brasileira de Supermercados) contra a referida determinação. A mesma autoridade
pública em 29.08.98 despachou dilatando em mais, 10 (dez) dias o prazo inicial de
cinco (05) dias para que os agentes econômicos envolvidos voltassem a afixar os
preços diretamente nos produtos expostos à venda, adotando como suas as razões
contidas no despacho de 29.05.98 do Diretor do Departamento de Proteção e Defesa
do Consumidor, de seguinte teor:
‘1. Os agentes de comércio deixaram de utilizar a sistemática de preços diretamente
no produto, uma vez que o sistema de leitura ótica possibilita sua própria informação e
controle sobre preços e produtos; 2. a retomada da prática de afixação dos preços - uma
exigência da oferta e da publicidade previstas como direito do consumidor nos artigos
31 e 37, § 1º, da Lei 8.078/90 - poderá demandar prazos superiores ao inicialmente
estipulado, para alguns agentes econômicos; 3. a intenção precípua do despacho não é
a aplicação de penalidades, mas sim o equilíbrio e a harmonia das relações de consumo,
sugiro a dilação do prazo em mais 10 (dez) dias, a contar do final do prazo anteriormente
estabelecido, para a perfeita adequação de todos os setores envolvidos, dando-se
ciência aos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.’ (...) (grifei)
Posteriormente, em 14.08.98, foi publicada decisão do Secretário de Direito
Econômico, com base nas razões contidas em novo despacho do Diretor do
Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor - DPDC (publicado na mesma
data), mantendo a decisão anterior e negando provimento ao recurso da ABRAS.
A mesma decisão dilatou o prazo para o cumprimento da obrigação por parte dos
Supermercados para o dia 11.09.98.
Finalmente, no mesmo dia 14.08.98, o Ministro da Justiça, como coordenador
da política do SNDC (Sistema Nacional de Defesa do Consumidor), no exercício de
atribuição estabelecida no art. 106, I e II, do CDC e no art. 14, XI, f, da Lei nº 9.649/98,
que estabelece as competências dos Ministérios da República, fez publicar decisão
final sobre o tema:
‘Despacho nº 17 - (...) Em contrapartida, alio-me às ponderações dos representantes
dos PROCONS, do Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor, do
Ministério Público Federal, bem assim às considerações e propostas apresentadas pela
Secretaria de Direito Econômico desta Pasta. Malgrado reconheça os benefícios da
evolução tecnológica, com a adoção do código de barras, sou forçado a reconhecer,
também, diante dos lamentáveis fatos concretos trazidos ao conhecimento do Ministério
da Justiça, que as exigências de informações claras e adequadas, erigidas em proteção
ao consumidor, somente serão plenamente atendidas com o preço afixado no produto
exposto à venda. Rejeito, pois, qualquer argumento que violente a dignidade do
consumidor. Desse modo, apoiado na legislação mencionada e na Constituição Federal,
que consigna a defesa do consumidor como princípio da ordem econômica, referendo
o despacho do Senhor Diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor,
(...), razão pela qual estabeleço a data de 11 de setembro do corrente ano como limite
para a afixação dos preços diretamente nos produtos expostos à venda. Oriento, por
derradeiro, o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor a agir de acordo com o teor
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
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da precitada manifestação do DPDC.’ (Ministro da Justiça - Renan Calheiros)
Embora fossem notórias a insatisfação e as dificuldades do consumidor em exercer, a
partir da instituição do sistema de código de barras, o seu direito ao pleno conhecimento
do preço das mercadorias expostas nos supermercados, a medida ministerial lastreou-se
em conclusões obtidas por Comissão Especial criada para estudar o problema, a qual
embasou-se, inclusive, em pesquisa realizada com o fim específico de analisar o impacto
da ‘modernização’ das empresas supermercadistas com o direito dos consumidores.
Esta pesquisa, realizada na cidade de Salvador, utilizada como modelo por seu
porte médio-superior, incluindo 31 estabelecimentos e 96 diferentes produtos variados,
constatou inúmeros itens cujo preço não figurava nas prateleiras e um impressionante
número de produtos cujos preços resultantes de leitura ótica superavam em até 182%
o preço assinalado na prateleira.
Além disso, pesquisa de opinião também realizada por iniciativa da Secretaria
de Direito Econômico do Ministério da Justiça revelou que 69% dos consumidores
não se considera apto a memorizar o preço de mais de 10 produtos assinalados em
prateleiras, para posterior conferência no caixa. Enquanto 74% entende que os preços
devem ser afixados diretamente no produto (64%) ou no produto e nas prateleiras
(10%). Ressalte-se, sempre com base na citada pesquisa, que, mesmo assim, 51 % dos
consumidores já identificou diferenças de preços entre a prateleira e o caixa. Entre
outros dados relevantes, a pesquisa indica também que 55% dos consumidores não
considera a presença do código de barras na embalagem e de leitoras óticas na loja
como suficientes para sua informação.
Assim, a interpretação do direito fundamental do consumidor à informação clara
e precisa do preço da mercadoria, como disposto nos arts. 5º, inc. III, e 31 do CDC,
mostra-se incompatível com a existência do sistema de código de barras, unicamente,
sem a identificação individual dos preços, através de etiquetas. Como se vê no próprio
dia-a-dia, e igualmente constatado na referida pesquisa, o referido sistema mostra-se
incapaz de dar ao consumidor a informação a que tem direito, colocando-o muitas vezes
em situações que ferem a sua dignidade, fazendo-o colocar-se na obrigação de memorizar
preços das inúmeras mercadorias que adquire, de procurar, muitas vezes sem sucesso,
entre inúmeras plaquetas afixadas nas prateleiras, o preço dos produtos, etc.
Neste sentido, têm decidido nossos Tribunais, ao reconhecer a necessidade da
precificação individual das mercadorias como forma de implementar o direito básico
do consumidor assim definido nos arts. 6º, III, e 31 do CDC, como se verifica dos
julgados adiante citados:
‘DIREITO DO CONSUMIDOR - PREÇO - PRODUTOS - SUPERMERCADOS
- EXIGÊNCIA - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
Um dos princípios básicos em que se assenta a ordem econômica é a defesa do
consumidor.
A Lei 8.078/90, em seu art. 6º, inciso III, relaciona entre os direitos básicos do
consumidor:
‘A informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com
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especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço,
bem como sobre os riscos que apresentam’.
Os donos dos supermercados devem fornecer ao consumidor informações adequadas,
claras, corretas, precisas e ostensivas sobre o preço de seus produtos à venda.
O fato de já existir, em cada produto, o código de barras não é suficiente para
assegurar a todos os consumidores estas informações.
Para atender realmente o que estabelece o Código do Consumidor, além do código
de barras e do preço nas prateleiras, devem os supermercados colocar o preço em
cada produto.
Segurança denegada.’ (STJ, 1ª Seção, Mandado de Segurança nº 5.986/DF, Rel.
Min. Garcia Vieira, DJ 29.11.99)
‘(...)
3. A necessidade de se informar o preço de produtos colocados à venda decorre do
disposto no art. 31 da Lei 8.078/90, sendo que a interpretação do aludido dispositivo
legal deverá ser feita em consonância com o art. 5º da Lei de Introdução do Código
Civil, a qual manda que na aplicação da lei o juiz atenda aos fins sociais a que ela se
dirige e às exigências do bem comum.
(...)’ (TRF3ª Região, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 98.030671456/SP, Rel. Des. Fed. Souza Pires, decisão de 16.09.98)
3. Portanto, como se pode ver, a determinação ministerial, e, antes dela, o próprio
despacho do Diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, não
criaram regra nova, apenas deram a devida interpretação aos arts. 6º, III, e 31 do CDC,
regulamentando-os.
Dessa forma, conclui-se que a exigência da precificação individual dos produtos
deriva da própria implementação do comando contido nos arts. 6º, III, e 31 do CDC,
não havendo que se cogitar de ofensa ao princípio da legalidade ou de conferência de
valor jurídico-normativo ao referido despacho da administração.
Por outro lado, no âmbito do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, o
Diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) e o Ministro
da Justiça (Coordenador da Política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor)
são competentes para exarar as referidas determinações, com força vinculante para
todo o território nacional.
Conforme estabelece a legislação (Decreto nº 2.181, de 20 de março de 1997), o
Sistema Nacional de Defesa do Consumidor tem como integrantes a Secretaria de
Direito Econômico do Ministério da Justiça por meio do seu Departamento de Proteção
e Defesa do Consumidor e os demais órgãos federais, estaduais e municipais de defesa
do consumidor, além de entidades civis voltadas a estes fins. (art. 2º)
Compete ao DPDC a coordenação da política do Sistema Nacional de Defesa do
Consumidor (art. 3º, caput), cabendo-lhe coordenar e executar a política nacional de
proteção e defesa do consumidor (inciso I). Enquanto isto, os PROCONs exercem
praticamente as funções de coordenação e execução, no âmbito estadual, da política
estadual de proteção e defesa do consumidor (art. 4º, caput).
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
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No entanto, embora os Estados-membros possuam, inclusive, competência
concorrente em matéria legislativa, toda a estrutura nacional está organizada de
modo, que, territorialmente, na prática, os PROCONs estaduais e municipais sejam os
destinatários finais das diretivas emanadas do Ministério da Justiça e da Secretaria de
Direito Econômico. Dessa maneira, na ausência (como é comum) de regulamentação
estadual, a interpretação da lei federal dada através de determinação da autoridade
administrativa federal competente vincula legitimamente os estados-membros.
Ademais, o despacho do Sr. Ministro da Justiça, de 14.08.98, revoga as
regulamentações administrativas anteriores em contrário, restringindo, portanto, a
interpretação da pretendida Portaria SUPER/96.
Por outro lado, há de se ressaltar que não seria possível aos estados-membros alterar
a obrigação dos estabelecimentos supermercadistas de etiquetarem os produtos expostos
à venda, pois o mesmo consubstancia direito básico do consumidor previsto no CDC.
Além disso, o tratamento uniforme nacional é de todo conveniente pois uma mesma
empresa possui estabelecimentos em diversos Estados da Federação e a sistematicidade
da proteção institucional dada ao consumidor, tanto na atuação desconcentrada como
descentralizada dos diversos órgãos estabelecidos, redunda em logicidade da exigência
uniforme, conferindo coerência ao arcabouço das normas estabelecidas em prol de sua
defesa e vulnerabilidade.
4. Da mesma forma que a determinação do Diretor do DNPDC, referendada por
despacho do Ministro da Justiça, não fere o princípio da legalidade, por apenas dar
efetivação às normas contidas nos arts. 6º, III, e 31 do CDC, também não fere os
princípios da razoabilidade e finalidade dos atos administrativos.
Inicialmente cumpre referir que o despacho administrativo, exarado pelo Diretor
do DNPDC e referendado pelo Sr. Ministro da Justiça nas suas atribuições de chefe
de política do SNDC, que regulamentou o direito já expresso no Código de Defesa do
Consumidor, está cumprindo exatamente a sua finalidade, qual seja, a de esclarecer
as dúvidas pertinentes à efetivação da norma contida nos arts. 6º, III, e 31 do CDC.
Por outro lado, a exigência da precificação individual dos produtos através de
etiquetas é, mais que razoável, necessária.
Descabe alegar-se que o próprio consumidor não reclamou, em profusão, das falhas
no sistema de código de barras, ou da sua dificuldade em saber o preço das mercadorias,
quando ausente a precificação individual. Como já observado anteriormente, a própria
experiência, comum a todos nós, demonstra a insatisfação da população. São constantes
as reclamações ouvidas no dia-a-dia, principalmente de pessoas mais simples e mais
idosas, da dificuldade que possuem em identificar o preço dos produtos que querem adquirir
nos supermercados e, o que é ainda mais grave, a constatação de que, chegando ao caixa,
são incapazes de conferir (pela memorização) se o preço registrado era aquele afixado na
gôndola. No entanto, como é, igualmente, de conhecimento comum, o consumidor brasileiro,
desacostumado e exercer, com êxito, sua garantia constitucional de exigir a implementação
de seus direitos, prefere atribuir eventuais ‘erros de cálculo’ no supermercado a lapsos seus
que à impropriedade do sistema de identificação do preço.
A existência de milhões de produtos a serem etiquetados no estabelecimento, e de
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
dezenas de milhares de itens, como alegado pelas próprias agravantes, ao contrário de
demonstrar a irrazoabilidade da exigência, demonstra, mais uma vez, sua necessidade.
A enorme diversidade de produtos oferecidos, e, conseqüentemente, de preços, torna
ainda mais árdua e confusa a identificação e memorização destes pelo consumidor.
Além disso, as alegações de que a etiquetação trará aumento de preços e que resultará
num injustificável retrocesso, com a substituição do código de barras e do leitor ótico,
são totalmente inverídicas. O preço em si das etiquetas, assim como das máquinas
etiquetadoras é ínfimo, além do procedimento poder ser facilmente executado, por
funcionário não treinado, não levando mais que alguns minutos para que toda uma
linha de produtos seja individualmente precificada.
Ademais, a tecnologia do sistema de código de barras, que permite a agilização
dos caixas, dispensando a digitação do preço, coabita num mesmo teto com o sistema
tradicional da etiquetagem produto a produto (em atenção ao consumidor). Não se
excluem; ao contrário, complementam-se, sendo esta a solução adotada por inúmeros
países do primeiro mundo como lá se disse.
5. Por fim, também não há violação ao princípio da livre iniciativa, uma vez
que esta deve estar submetida à lei e, jamais, sobrepor-se aos direitos básicos do
consumidor, garantidos constitucionalmente. Afinal, não, há conflito entre as garantias
constitucionais; estas se aplicam de forma conjugada, prevalecendo, para o caso em
concreto, com maior força, a que tiver maior prevalência e relevância.
Esta preponderância verificada no caso dos autos, aliás, não tem a força impeditiva
da livre iniciativa dos destinatários da norma, vez que é bom lembrar as frenéticas
remarcações promovidas a todo momento por ocasião dos tempos de inflação
desenfreada. Naqueles tempos, etiquetava-se até quatro vezes o mesmo produto. O
discurso de hoje, sim, parece tornar tudo impossível.
6. Diante disto, este agente do Ministério Público Federal requer opina pelo
improvimento do presente recurso.”
Com efeito, a r. sentença recorrida interpretou com fidelidade os arts.
6º, III, e 31 do CDC, pois a informação do preço do produto, para ser clara
e precisa, como a exige o citado estatuto, deve estar visível em cada uma
das mercadorias, possibilitando ao consumidor a perfeita identificação
do produto que pretende adquirir.
A respeito, precioso o ensinamento de Jean Calais-Auloy, em sua
consagrada obra Droit de la Consommation, 4ª ed., Dalloz, Paris, 1996,
p. 292, nº 279, verbis:
“Pour choisir en connaissance de cause les produits et les services qui leur
sont proposés, les consommateurs ont besoin d’être préalablement informés.(...)
L’information sur les prix est si importante qu’elle a donné lieu à des règles et à des
initiatives spécifiques”.
E, mais adiante, à p. 294, acrescenta o mesmo autor, verbis:
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“Pour les produits exposés à la vue du public, que ce soit en vitrine ou à l’intérieur
du magasin, le prix doit faire l’objet d’un marquage par écriteau ou d’un étiquetage.
Le prix doit être indiqué sur le produit lui-même ou à proximité de celui-ci, de façon
qu il n’existe aucune incertidune quant au produit auquel il se rapporte. Il doit être
parfaitement lisible (le code barre ne l’est pas), soit de l’extérieur, soit de l’intérieur
de l’établissement, selon le lieu où sont exposés les produits”.
É de inteira procedência, pois amparada na melhor doutrina, a
conclusão da r. sentença, às fls. 542/3, verbis:
“A alegação de que os fatos descritos não se revestem dos requisitos exigidos pela
norma legal não procede.
O princípio da legalidade, base constitucional, de que ninguém é obrigado a
fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, é fato incontroverso.
Contudo, o Despacho ora em análise não extrapola as normas assinaladas porque foi
expedido com base no art. 3º do Decreto nº 2.181/97 e também no art. 55, § 1º, do
CDC. A interpretação do disposto nos arts. 6º e 31 do CDC está em consonância com o
determinado no Despacho, pois não inovou, apenas explicitou a exigência determinada
pelo contido nos artigos citados, onde obriga a informação adequada e clara, na oferta
e apresentação de produtos, cujas informações devem ser corretas, precisas, ostensivas
e em língua portuguesa sobre suas características qualidades, quantidade, composição,
preço, garantia, prazos de validade e origem entre outros dados. Admitir que essas
informações sobre os produtos pudessem apenas constar na prateleira, sem estarem na
embalagem do produto não é possível.
A disciplina do artigo 31 deve ser interpretado apenas de uma forma. Assim, todos
os demais informes que o produto deve ostentar deverão estar conjugados no produto,
inclusive o preço. Sendo a interpretação deste artigo 31 única, não podendo dividi-la
de acordo com as várias informações obrigatórias que o produto deva ostentar, como
prazo de validade e preço.
Conclui-se que os artigos mencionados devem ser interpretados de forma
sistemática com o restante do Código de Defesa do Consumidor, obedecendo os
princípios que o regem. Dessa forma, a que melhor se coaduna com os interesses
do consumidor é a coexistência entre o preço no produto e o código de barras, este
último viabiliza o atendimento mais rápido nos caixas, a modernidade do sistema. O
primeiro - preço diretamente no produto - garante a transparência da operação, permite
o acompanhamento das oscilações dos preços dos produtos, harmoniza os interesses dos
consumidores quando optam pela compra de certo produto, retiram-no da prateleira,
colocando-o nos carrinhos ou cestas de compras, tendo a certeza de que o valor do
referido produto o acompanhará até seu consumo final. Preservados, assim, o equilíbrio
nas relações entre os consumidores e supermercadistas, sendo correto o ato normativo
veiculado no Despacho de 20 de maio de 1998, publicado no dia 25.05.98.”
Realmente, consoante dispõem os arts. 6º, III, e 31 do CDC, os
donos dos supermercados devem fornecer ao consumidor informações
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adequadas, corretas, precisas e ostensivas acerca do preço de seus
produtos à venda. O fato de já existir, em cada produto, o código de
barras não é suficiente para assegurar a todos os consumidores essas
informações. Assim, para atender efetivamente o que estabelece o
CDC, além do código de barras e do preço nas prateleiras, devem os
supermercados colocar o preço em cada produto.
Dessa forma, o Despacho proferido pelo Diretor do Departamento
Nacional de Defesa do Consumidor tem caráter geral e abstrato,
regulamentando a Lei nº 8.078/90, disciplinando a informação précontratual ao consumidor, forcejando o dever de que a oferta e a
apresentação dos produtos e serviços assegurem informações corretas,
claras, precisas, ostensivas e no idioma nacional, notadamente sobre o
preço, consoante exige o CDC nos arts. 31 e 32.
Nesse sentido, pertinente o magistério de Ugo Ruffolo, em sua
monografia Clausula Vessatorie e Abusive (Gli artt. 1.469-bis ss.c.c. e i
contratti col consumatore), Giuffrè Editore, Milano, 1997, p. 22, verbis:
“L’intervento regolatore dello Stato, al contrario, non solo in funzione della repressione di abusi (come avviene attraverso la disciplina della concorrenza sleale) ma,
altresì, in funzione correttiva della disparità di potere contrattuale(anche) nei rapporti
fra imprese e consumatori, quando si manifestino in forme di intollerabile ostacolo
alla libertà e alla razionalità delle scelte economiche individuali, contiene implicito
il riconoscimento che il sistema concorrenziale non è da solo in grado di correggere
l’asimmetria delle posizioni contrattuali fra grandi produttori e distributori, da un lato,
e utenti o consumatori del prodotto (o altri contraenti parimenti deboli), dall’altro.”
Por esses motivos, conheço da apelação, negando-lhe provimento.
É o meu voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.70.09.003225-3/PR
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti
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Apelantes: Emilson Barros e outro
Advogado: Dr. Gilson dos Santos
Apelada: Caixa Econômica Federal - CEF
Advogados: Drs. Cláudia Lorena Carraro e outros
EMENTA
SFH. Novação da dívida com desconto de 50% do saldo devedor e
exclusão do FCVS. Contrato excessivamente oneroso aos mutuários.
Nulidade. CDC. Execução extrajudicial baseada em título nulo.
Nulidade. Revisão do contrato originário. Inaplicabilidade do IPC de
março/90 e da TR. Limitação dos reajustes das prestações.
Padece de nulidade, por ser excessivamente oneroso e desvantajoso
ao mutuário, o contrato de novação da dívida que, sob o ilusório atrativo
de redução de 50% do saldo devedor, estabelece, em relação ao antigo
contrato, prestação mensal de valor superior, com reajustes desvinculados
dos da categoria profissional, por um prazo superior, taxa de juros superior
e, principalmente, exclui a cobertura do FCVS, cuja cláusula é, sem
dúvida, abusiva por suprimir garantia fundamental pactuada no contrato
originário. (art. 51, inc. IV, do Código de Defesa do Consumidor – CDC)
É nula a execução extrajudicial baseada em título declarado nulo.
É o BTN o indexador a ser utilizado em março de 1990 na correção
dos saldos devedores de contratos do SFH que adotam o mesmo critério
de atualização das contas de poupança. (RE 206.048/RS)
Conquanto não excluída do universo jurídico, é inconstitucional a
aplicação da TR a contratos celebrados anteriormente à publicação da
Lei 8.177/91.
Reajustes das prestações limitados à variação integral do IPC acrescido
de 0,5% para cada mês contido no período a que corresponder o aumento
salarial.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas,
decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, voto
e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
Porto Alegre, 28 de fevereiro de 2002.
Des. Federal Valdemar Capeletti, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti: Trata-se de recurso
de apelação interposto contra sentença que, simultaneamente, julgou
improcedentes a ação cautelar de suspensão de execução extrajudicial e
a presente ação ordinária revisional e de nulidade de novação de contrato
firmado entre as partes no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação.
A parte-autora foi condenada ao pagamento das custas processuais e
dos honorários advocatícios fixados em R$ 600,00 para ambas as ações,
suspensa a exigibilidade em face do benefício da assistência judiciária
gratuita.
Nos autos da ação cautelar, na qual não houve recurso, foi deferida
parcialmente a liminar requerida proibindo à CEF a expedição de carta
de arrematação ou adjudicação do imóvel até posterior decisão do Juízo.
Sentenciando, o MM. Juízo a quo justificou o indeferimento de ambas
as ações sob os seguintes fundamentos: a) constitucionalidade do DL
70/66; b) “apenas o contrato referente à obrigação novada e às questões
a ela atinentes podem ser caracterizadas como objeto de disputa” (fl.
192); c) os cálculos apresentados pela parte-autora, segundo a qual a
dívida já estaria quitada quando da novação, foram feitos com base em
critérios equivocados; d) pelo contrato de novação, não há qualquer
vinculação entre o valor da prestação e a variação salarial da categoria
profissional do mutuário. Por fim, cassou a liminar anteriormente deferida.
Inconformada com a referida decisão, dela recorre a parte-autora
alegando, em síntese, a inconstitucionalidade do DL 70/66 e, ante a
prejudicialidade das novas cláusulas, a hipossuficiência dos mutuários
e o Código de Defesa do Consumidor, a nulidade da novação.
Requer o provimento do recurso para que, nos termos da inicial, seja
julgado totalmente procedente o pedido para o fim de declarar a anulação
do contrato de novação; restabelecer as obrigações originárias, inclusive
o PES, condenando a CEF a revisar o contrato nestes termos; condenar a
apelada a devolver as diferenças apuradas pela referida revisão, inclusive
as oriundas do contrato de novação; inverter os ônus sucumbenciais.
Apresentadas as contra-razões, subiram os autos a este Tribunal.
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É o relatório.
À revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti: Em 29.05.87, as partes
celebraram contrato de financiamento, pelo SFH, estabelecendo o Plano de
Equivalência Salarial por Categoria Profissional –PES/CP como critério
de reajustamento das prestações (cláusulas 7ª a 15ª), a correção do saldo
devedor pelos mesmos índices de atualização dos depósitos de poupança
(cláusula 16ª), o Sistema Francês de Amortização (Tabela Price), taxas
de juros nominal e efetiva de 7,4% e 7,65%, respectivamente, prazo de
180 meses, e cobertura pelo FCVS. (fls. 10/15)
Entretanto, em 21.12.99, quando já haviam pago 146 prestações,
e tinham um saldo devedor de R$ 12.196,55, optaram por liquidar
antecipadamente o financiamento, nos termos da MP 1.981-42, de 10
de dezembro de 1999 (posteriormente convertida na Lei 10.150, de
21.12.2000). Para tanto, firmaram
“CONTRATO PARTICULAR DE MÚTUO DESTINADO ESPECIFICAMENTE
À LIQUIDAÇÃO ANTECIPADA DE FINANCIAMENTO HABITACIONAL
REFERENTE A CONTRATO ENQUADRADO NA MEDIDA PROVISÓRIA Nº
1.635/98, COM MANUTENÇÃO DA GARANTIA HIPOTECÁRIA ORIGINAL E
OUTRAS OBRIGAÇÕES.”. (fls. 16/20)
Obtiveram desconto de 50% do saldo devedor, que passou a ser de
R$ 6.085,50, excluída, todavia, a cobertura do FCVS (cláusula 12ª). O
novo prazo de amortização pactuado foi de 36 meses (cláusula 3ª), pelo
Sistema de Amortização Crescente – SACRE (cláusula 5ª), com taxas
de juros nominal e efetiva de 9,00% e 9,38%, respectivamente (cláusula
4ª). O encargo mensal passou de R$ 190,80 para R$ 221,19. O PES/CP
foi substituído pelo sistema de recálculo do valor do encargo, a cada doze
meses, com base no saldo devedor atualizado (cláusula 7ª), que continuou
sendo corrigido pelos mesmos índices de atualização dos depósitos de
poupança. (cláusula 8ª)
Embora inexista qualquer vício formal, a novação da dívida foi
substancialmente prejudicial aos mutuários. Restavam-lhes somente 34
prestações de R$ 190,80, reajustáveis pelos mesmos índices de aumento
salarial de suas categorias profissionais, para quitarem sua dívida, sendo
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do Fundo de Compensação das Variações Salariais – FCVS, para o qual
contribuíram desde o início do contrato, a responsabilidade por eventual
saldo residual. Com a novação da dívida, os mutuários comprometeramse a pagar 36 prestações de, inicialmente, R$ 221,19, recalculadas
anualmente pelo saldo devedor atualizado, e perderam a cobertura do
FCVS, tornando-se os responsáveis pelo pagamento do saldo residual.
Assim, comparando as duas situações, desconsiderando, para tanto,
os futuros reajustamentos das prestações, tem-se que, pelo contrato
originário, os mutuários, em 34 meses, pagariam o total de R$ 6.487,20
e, desta forma, quitariam sua dívida. Já, com a novação, em 36 meses,
teriam de pagar o total de R$ 7.962,84, sendo que a quitação da dívida
e liberação da hipoteca ficariam condicionadas, ainda, ao pagamento de
eventual saldo residual.
Evidente, pois, que os mutuários, sob o ilusório atrativo de redução
de 50% do saldo devedor, e como parte hipossuficiente, foram
demasiadamente prejudicados com a novação da dívida: assumiram
prestação mensal de valor superior, com reajustes desvinculados dos de
suas categorias profissionais, por um prazo superior, taxa de juros superior
e, principalmente, perderam a cobertura do FCVS, cuja cláusula de
exclusão (décima segunda do contrato de novação) é, sem dúvida, abusiva
por suprimir garantia fundamental pactuada no contrato originário, nos
termos do art. 51, inc. IV, do Código de Defesa do Consumidor – CDC.
Aliás, cumpre referir que o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em
recente decisão (CC nº 29088/SP. S2. Unânime. Rel. Min. Waldemar
Zveiter. DJU 13.11.2000, pg. 130), pronunciou-se pela submissão das
instituições financeiras, como prestadoras de serviço especialmente
contempladas no art. 3º, § 2º, às disposições do CDC.
Portanto, e tendo em vista que, mesmo com a nulidade da cláusula de
exclusão de cobertura pelo FCVS, o contrato continuaria excessivamente
oneroso e sem qualquer benefício para mutuários, declaro a nulidade da
novação da dívida e a subsistência do contrato originário.
Via de conseqüência, e, em que pese não merecer acolhida a alegação
de inconstitucionalidade do DL-70/66, declaro a nulidade da execução
extrajudicial procedida contra os mutuários, vez que baseada em título
nulo.
Sobre a pretensão revisional dos mutuários em relação ao contrato
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
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originário, apesar de ter o MM. Juízo a quo entendido não poder
ser objeto de discussão, analisou o mérito do pedido, indeferindo a
substituição do IPC de 84,32% pelo BTN de 41,28% em março de 1990,
o afastamento da TR, e a amortização antes da correção do saldo devedor
(itens 2.2 a, c, e b, respectivamente, da sentença – fls. 192/197). Desta
forma, e, nos termos do art. 515 do CPC, passo à análise das referidas
questões.
O indexador que deve ser aplicado na atualização das contas de poupança
em março de 1990 – e, por conseguinte, nos saldos de financiamentos do
SFH que adotam este mesmo critério – é o BTN, cuja variação, naquele
mês, foi de 41,28%. Assim decidiu o Plenário do Supremo Tribunal
Federal, por maioria, ao julgar o RE 206.048/RS, em 15.08.2001, ainda
não publicado.
Também sobre os indexadores utilizados na atualização do saldo
devedor, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADIns nos 493,
768 e 959, não excluiu, por certo, a Taxa Referencial – TR do universo
jurídico, mas, tão-somente, reconheceu a inconstitucionalidade de sua
aplicação a contratos firmados anteriormente à Lei nº 8.177/91. Nesse
sentido:
“CONSTITUCIONAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. UTILIZAÇÃO DA TR
COMO ÍNDICE DE INDEXAÇÃO.
1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADIns 493, Relator o Sr.
Ministro Moreira Alves, 768, Relator o Sr. Ministro Marco Aurélio, e 959, Relator
o Sr. Ministro Sydney Sanches, não excluiu do universo jurídico a Taxa Referencial,
vale dizer, não decidiu no sentido de que a TR não pode ser utilizada como índice de
indexação. O que o Supremo Tribunal decidiu, nas referidas ADIns, é que a TR não
pode ser imposta como índice de indexação em substituição a índices estipulados em
contratos firmados anteriormente à Lei nº 8.177, de 01.03.91. Essa imposição violaria
os princípios constitucionais do ato jurídico perfeito e do direito adquirido. (CF, art.
5º, XXXVI)
2. No caso, não há falar em contrato em que ficara ajustado um certo índice de
indexação e que estivesse esse índice sendo substituído pela TR. É dizer, no caso, não
há nenhum contrato a impedir a aplicação da TR.
3. RE não conhecido.” (RE 175678/MG. STF. T2. Rel. Min. Carlos Velloso.
Unânime. DJ 04.08.95, vol. I, pág. 527)
Em assim sendo, considerando-se que o contrato em tela foi firmado
em 29 de maio de 1987, ou seja, antes da edição daquela Lei, tenho que
a aplicação da TR, no período em que esta ficou atrelada à poupança,
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deve ser substituída pelo INPC.
Já com relação à forma de amortização adotada, sistema francês,
permito-me valer da explanação do ilustre Juiz Amaury Chaves de
Athayde, feita quando do julgamento da AC nº 1998.04.01.031524-4/
PR (DJU 27.09.2000):
“Ora, não se pode excluir o reajustamento mensal da parcela do saldo devedor
embutido na prestação mensal, a título de amortização do financiamento, pois
configuraria enriquecimento sem causa dos mutuários, posto que a dívida deve ser
atualizada no momento de sua quitação plena, por força da inflação ocorrida ao longo
do período. A única diferença é que os empréstimos, ao invés de serem concedidos em
prestação única, foram prestacionados por vários anos.”
Nesse aspecto, correta a prática do agente financeiro.
Por último, de se confirmar o direito dos mutuários, constante da
cláusula 11ª do contrato, em terem os reajustes de suas prestações
limitados à variação integral do IPC, acrescida de 0,5% para cada mês
contido no período a que corresponder o aumento salarial.
Desta forma, condeno o agente financeiro a proceder à revisão dos
valores referentes ao contrato originário, em conformidade com os
critérios ora estabelecidos. Eventuais diferenças a maior em favor dos
mutuários, verificadas por ocasião da liquidação de sentença, devem ser
compensadas até a satisfação da dívida e, a partir daí, restituído o indébito.
Em face do exposto, dou provimento à apelação para: a) declarar a
nulidade do contrato de novação da dívida e restabelecer o status quo
ante entre as partes contratantes; b) declarar a nulidade da execução
extrajudicial; c) e condenar o agente financeiro a revisar o contrato
originário, em conformidade com os critérios estabelecidos na
fundamentação supra.
Condeno a CEF ao pagamento das custas processuais e dos honorários
advocatícios que fixo em 10% do valor atualizado da causa.
É o voto.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.71.02.002228-5/RS
Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas
Labarrère
Apelantes: Evaristo Reni Rosa de Oliveira e outros
Advogados: Drs. Vital Moacir da Silveira e outro
Apelada: União Federal
Advogado: Dr. João Paulo Veiga Sanhudo
EMENTA
Civil. Responsabilidade civil. Culpa exclusiva da vítima. Im­pro­
cedência da demanda.
Se o evento danoso decorreu de culpa exclusiva da vítima, desfaz-se
o nexo causal necessário à responsabilização do agente.
Hipótese em que a vítima cometeu suicídio na unidade militar em
que prestava serviço.
Apelação improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do
relatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Porto Alegre, 13 de novembro de 2001.
Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère:
Evaristo Reni Rosa de Oliveira, Maria Luíza Cogo de Oliveira e Camila
Cogo de Oliveira ajuizaram a presente ação ordinária de indenização
contra a União Federal.
A teor da inicial, Tiago Cogo de Oliveira (filho dos autores Evaristo
Reni Rosa de Oliveira e Maria Luíza Cogo de Oliveira, e irmão da
autora Camila) incorporou as fileiras do Exército Nacional a contar de
06.04.98. Em agosto daquele ano, foi qualificado por conclusão do Curso
de Formação de Soldados. E, em 16.03.99, quando estava em serviço,
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cometeu suicídio, conforme comprova a certidão de óbito acostada aos
autos.
Referem os autores que, com a perda do filho, passaram a não trabalhar,
estando em permanente tratamento psicoterápico e sob o efeito de
medicação tranqüilizante.
Sustentam que é dever do Estado a garantia da integridade física
dos convocados, incidindo na espécie o disposto no artigo 37, § 6º, da
Constituição Federal, que prevê a responsabilidade objetiva do Estado.
Requerem a condenação da parte-ré ao pagamento de indenização
por danos morais em quantia a ser arbitrada judicialmente, bem como a
fixação de pensão mensal aos dois primeiros autores, devida até a data
em que a vítima completaria 65 (sessenta e cinco) anos de idade.
Regularmente citada, a União contestou o feito (fls. 241/254), tendo
a parte-autora apresentado réplica às fls. 260/264.
Oportunizada a produção de provas e nada tendo sido requerido pelas
partes, sobreveio a sentença de improcedência do pedido e condenação
da parte vencida ao pagamento de custas processuais e honorários
advocatícios arbitrados em 10% do valor atribuído à causa. (com
suspensão da exigibilidade face ao benefício da Assistência Judiciária
Gratuita)
Inconformados, apelaram os autores. Sustentaram, em suas razões de
desconformidade, que o Exército retira, compulsoriamente, o adolescente
de sua família. Se esse adolescente não está preparado psicologicamente
ou fisicamente para as agruras do serviço militar e vem a morrer, o
Exército é responsável. Pleitearam o provimento do recurso para o fim
de que seja julgada procedente a pretensão deduzida em juízo.
Com contra-razões, vieram os autos a este Tribunal.
Nesta instância, o Agente Ministerial opinou pelo desprovimento do
recurso.
É o relatório.
VOTO
A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère: Como
é cediço, a responsabilidade do estado é objetiva. No entanto, atualmente
consagrada em nossa doutrina e jurisprudência, a responsabilidade por
risco administrativo, convalidando-se a admissibilidade de causas
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excludentes da responsabilidade do ente público, quais sejam, culpa
exclusiva da vítima e caso fortuito, ou força maior.
Como pressuposto à responsabilização do ente público, tem-se por
imprescindível a verificação do nexo de causalidade entre a conduta
omissiva ou comissiva e o evento danoso.
No caso dos autos, é inelutável a ocorrência do dano consistente na
morte do jovem militar. Contudo, a análise dos elementos encartados nos
autos conduz à conclusão de que não houve ação ou omissão do ente
estatal a ensejar a procedência da pretensão ressarcitória, senão vejamos.
As investigações levadas a efeito pela autoridade militar através da
instauração do competente IPM são conclusivas no seguinte sentido (fls.
204/211):
“No dia 16 de março de 1999, por volta das 8:00 horas o Soldado Tiago havia
entrado em serviço, encontrando-se tranqüilo e aparentemente sem problemas. Pegou
o 2º horário no Posto da Antiaérea, que fica nos fundos do quartel. Permaneceu no seu
comportamento habitual ou seja, quieto, pensativo e reservado.
O Adjunto ao Oficial de Dia, fez sua ronda normalmente e quando passou pelo
Posto da Antiaérea, o Soldado TIAGO já havia pego na ‘hora’ por volta das 10:00
horas e apresentou o serviço ‘sem alteração’, não esboçando nenhuma manifestação
de intranqüilidade.
Após ter saído da ‘hora’, por volta das 12:00 horas, voltou para o Corpo da Guarda
e foi almoçar no rancho dos Cabos e Soldados mantendo seu comportamento normal.
Retornou para o Corpo da Guarda e ficou aguardando a chegada do Exmo. Senhor
General que iria fazer uma visita ao quartel.
Por volta das 13:00 horas, o Soldado Aldori conversou com o soldado Tiago e
constatou que ele estava bem tranqüilo e até brincou sorrindo.
Com a chegada do General e sua comitiva, foram visitadas algumas instalações.
Chegando próximo ao alojamento da guarda, o chefe das 1ª e 2ª seções do 19º Grupo
de Artilharia de Campanha, que estava acompanhando o General, observou que havia
um soldado dormindo no alojamento da guarda.
Após, o comandante da Guarda foi ao alojamento acordar o Soldado. Então o
Sargento Roinu chamou a atenção, com energia, do Soldado Tiago dizendo que ‘um
fazendo errado estraga todo o conjunto e que se o Comandante da Unidade tivesse
visto, daria punição’ e perguntou ao Soldado Tiago o porquê dele estar dormindo no
horário do expediente se sabia que não podia.
No momento em que o Soldado Tiago soube que o General tinha ido ao Corpo da
Guarda e que, provavelmente, o teria visto dormindo, ficou nervoso e disse que ia pedir
para ir embora do quartel porque o Comandante já havia lhe dado uma chance de não
tê-lo punido por ter sido visto namorando na Vila Militar, por volta das 22:00 horas,
quando de serviço no dia 07 de março de 1999.
Após o incidente, o Soldado Tiago ficou sentado no banco do Corpo da Guarda,
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cabisbaixo e pensativo e falou que assumia a culpa pelo erro, e pediu ao Sargento
Roinu, para falar com o Comandante da Unidade para pedir-lhe desculpas, pois ficou
preocupado com seu engajamento.
Não foi possível o Soldado Tiago conversar com o Comandante, devido a visita
do General ter se estendido além do horário em que o Soldado foi pegar na ‘hora’ no
Posto da Antiaérea às 16:00 horas.
Quando assumiu o serviço às 16:00 horas, o Soldado Tiago estava triste e cabisbaixo
conforme constatou uma das testemunhas do IPM.
Aproximadamente às 16:00 horas, o Soldado deixou o armamento na área atrás do
Pavilhão da Antiaérea, atravessou a cerca que separa a área do Pavilhão do Campo de
Instrução, passou pelos fundos da casa de uma senhora que ali morava e que estava
reunida com a família.
Depois, o soldado apanhou o fuzil, se fixou no local do acidente, deu o 1º disparo,
e com isso a família da Sra. Iza e seu filho olharam para o Pavilhão da Antiaérea e
observaram que o Soldado Tiago estava de joelhos tentando se levantar, apoiando-se
no Fuzil com o mesmo na vertical, colocou a cabeça no cano da arma, e, rodopiando
em volta da mesma fez o 2º disparo, vindo a cair no chão.”
Com efeito, as partes não controvertem sobre a ocorrência de suicídio
por parte do Soldado Tiago que se utilizou do fuzil que portava durante
o serviço, tendo sido descartada qualquer outra hipótese, seja pela prova
testemunhal coligida nos autos do IPM, seja pelo exame pericial que,
em suas considerações finais, assim consignou:
“O Fuzil Automático Leve (FAL) de nº 193082, somente poderia ter sido disparado
através de uma ação externa, pois seus mecanismos de tiro e segurança encontram-se
em perfeitas condições de funcionamento”. (fl. 64)
Em virtude da investigação minuciosa acerca dos fatos que antecederam
a morte do soldado, restou descartada, também, a possibilidade de o
mesmo ter se afastado do Corpo da Guarda e ingerido bebida alcóolica
ou se utilizado de substâncias entorpecentes. (fl. 211)
Cumpre assinalar, ainda, que, embora de temperamento reservado
e normalmente quieto, nenhuma alteração emocional ou sintomas de
depressão foram detectados pelos colegas de quartel e/ou superiores
do soldado Tiago, conforme dão conta os depoimentos acostados às fls.
93/192 dos autos.
A testemunha Marcos Jean Carniel refere, em seu depoimento de
fls.110/111, que, dias antes do ocorrido, o Soldado Tiago teve uma
queda de motocicleta e teve poucas escoriações e se apresentava um
pouco nervoso. No entanto, afirmou que o soldado Tiago jamais precisou
consultar médico em razão de alguma crise nervosa, mostrando-se,
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apenas, reservado em todas as consultas.
Embora desprovidas de maior relevância à solução da questão trazida a
lume, as anotações encontradas na caderneta do Soldado Tiago revelam a
crença de que o desapego à vida terrena conduz à glória da vida eterna (fl.
198):
“Se amarem sua vida aqui embaixo – vocês perderão a vida real
Se desprezarem sua vida aqui embaixo – vocês trocarão esta vida pela glória
eterna.”
Por sua vez, o bilhete deixado pela vítima no local do acidente,
evidencia o animus em atentar contra a própria vida (fl. 193), verbis:
“APENAS PEÇO DESCULPAS.
NOS ÚLTIMOS DIAS A VIDA NÃO TEM SIDO BOA PARA MIM.
EM 2 MINUTOS MUITA COISA PODE ACONTECER. MAS MESMO ASSIM
AINDA ACHO QUE O HOMEM FAZ SEU PRÓPRIO ‘DESTINO’.
INFINITAS DESCULPAS AOS MEUS PAIS.
PEÇO QUE NADA ACONTEÇA AOS MEUS COLEGAS DE SERVIÇO COM
RELAÇÃO A PUNIÇÕES NESTE DIA, DESDE SD ATÉ SGT.
ENTREGUEM R$ 500,00 DA MINHA POUPANÇA P/ O SD RODRIGO. O
CARTÃO ESTÁ NA MINHA CARTEIRA”.
A menção à entrega de R$ 500,00 (quinhentos reais) ao Soldado
Rodrigo prende-se à intenção de ressarcimento de despesas de conserto
de sua motocicleta, em vista de avarias decorrentes de queda sofrida
por Tiago, no dia 13 de março de 1999, conforme depoimento de fl. 126
dos autos.
Diante de tais elementos, impõe-se o reconhecimento de que a
irresignação objeto do presente recurso não merece prosperar.
Isso porque o dano decorreu única e exclusivamente da culpa da
vítima. E, embora a morte tenha ocorrido dentro da Unidade Militar,
o certo é que a responsabilidade pelo suicídio – ato voluntário por
excelência – não pode ser atribuída ao Estado.
Não merece prosperar o argumento expendido no sentido de que o
soldado apertou o gatilho por estar fragilizado pela infração disciplinar. É
que, em sendo a disciplina a própria base da estrutura militar, a eventual
ameaça de punição por falta não foge ao previsível na rotina do quartel.
Daí por que não se pode imputar ao Estado a responsabilidade por uma
situação de contingência adotada nos casos de transgressão disciplinar.
Nessas condições, impõe-se o reconhecimento de que o evento danoso
92
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
decorreu de culpa exclusiva da vítima, o que, por si só, exime o ente
estatal do dever de indenizar, na medida em que se constitui em causa
de rompimento do nexo de causalidade.
Sobre o tema, preleciona a doutrina de Rui Stocco (in Responsabilidade
Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, 4ª edição, 1999, p. 89, verbis:
“Embora a lei civil codificada não faça qualquer menção à culpa da vítima como
causa excludente da responsabilidade civil, a doutrina e o trabalho pretoriano construiu
a hipótese, pois como se dizia no Direito Romano: Quo quis ex culpa sua dammun
sentit, non intelligitur dammum sentire.
Como ensina Aguiar Dias, a conduta da vítima como fato gerador do dano elimina a
causalidade. Realmente, se a vítima contribui com ato seu na construção dos elementos
do dano, o direito não se pode conservar alheio a essa circunstância.
Da idéia da culpa exclusiva da vítima, que quebra um dos elos que conduzem à
responsabilidade do agente (o nexo causal), chega-se à concorrência de culpa, que se
configura quando a essa vítima, sem ter sido a única causadora do dano, concorreu para
o resultado, afirmando-se que a culpa da vítima ‘exclui ou atenua a responsabilidade,
conforme seja exclusiva ou concorrente’. (Aguiar Dias, op. cit. nº 221)
Assim emerge importante para apurar-se a responsabilidade considerar-se a parte
com que a vítima contribuiu para o evento, de modo que na liquidação do dano calcularse-á proporcionalmente a participação de cada um, reduzindo, em conseqüência, o
valor da indenização.
Quando se verifica a culpa exclusiva da vítima, tollitur quaestio: inocorre
indenização, inocorre, igualmente, se a concorrência de culpas do agente e da vítima
chegam ao ponto de, compensando-se, anularem totalmente a imputabilidade do dano.”
Em hipótese semelhante, assim decidiu esta Corte, verbis:
“ A D M I N I S T R AT I V O . M I L I TA R . S U I C Í D I O . N E X O C A U S A L
INDEMONSTRADO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INEXISTENTE.
1. Não se pode tomar como causa de suicídio de militar a vida normal na caserna,
naturalmente rigorosa e organizada com base na disciplina e hierarquia ou traços
introspectivos de personalidade.
2. Tendo sido considerado ‘apto’ o Militar nas instruções de manejo e uso de armas
não há como imputar-se ‘culpa in vigilando ou in eligendo’ no ato de designação do
militar para atividade de sentinela.
3. Ausente a demonstração do nexo causal entre a prestação do serviço militar e o
suicídio cometido por soldado em sentinela, fica afastada a responsabilidade atribuída
à União Federal pela ocorrência do evento danoso.
4. Apelação improvida.”. (AC nº 1999.04.01.090058-1, Rel. Juiz Alcides Vetorazzi,
DJU de 02.08.2000)
Pelos fundamentos expostos, tenho que a sentença deu à espécie o
tratamento preciso, razão pela qual voto no sentido de negar provimento
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
93
à apelação.
É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.04.01.078684-7/PR
Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler
Apelante: Atecir Galon
Advogados: Drs. Moacir Luiz Gusso e outro
Apelado: Banco Central do Brasil
Advogados: Drs. Marcia Regina Ferreira e outros
EMENTA
Civil. Danos morais. Processamento no juízo criminal. Abalo.
Inocorrência.
1. Deve ser mantida a sentença que julgou improcedente o pedido de
indenização por danos morais, pois a instituição bancária apenas realizou
o dever, imposto pela lei, de oficiar ao Ministério Público Federal sobre
a possível ocorrência de ato delituoso.
2. O autor passou por situação desconfortável ao ser indiciado em
inquérito policial e responder a processo criminal, mas não foi preso nem
passou por constrangimento que lhe causasse abalo moral justificador
de uma indenização. Por outro lado, foi afastada a tipicidade, de forma
que não perdeu sua primariedade, nem foi considerado culpado, obtendo
decisão favorável.
3. Apelação improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, voto
94
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Porto Alegre, 11 de junho de 2002.
Desa. Federal Marga Barth Tessler, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler: Trata-se de ação
na qual Atecir Galon pretende indenização por danos morais. Alega que
foi indevidamente processado por estelionato, tanto que o MM. Juízo
Criminal acabou por rejeitar a denúncia, com fundamento no art. 43, I,
do Código de Processo Penal.
A sentença julgou improcedente o pedido, entendendo que a conduta
da instituição bancária não causou qualquer abalo. Condenou, ainda, o
autor no pagamento de custas e honorários, fixados no percentual de dez
por cento sobre o valor da causa.
O autor apelou, dizendo que foi apresentada denúncia em virtude de
ofício do BACEN, mesmo sabendo-se que não havia qualquer indício do
crime. O recorrente jamais teve qualquer protesto ou processo judicial
envolvendo seu nome, de modo que o fato de ter sido processado
criminalmente durante vinte e um meses causou-lhe abalo. Certamente o
BACEN tem o direito e o dever de oficiar ao Ministério Público quando
da ocorrência de ato ilícito, mas no caso em análise ultrapassou a sua
competência, levando adiante acusação da qual não tinha provas.
Com contra-razões.
É o relatório.
À douta revisão.
VOTO
A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler: O autor realizou,
com o Banco do Brasil, contrato de financiamento para a plantação
de milho. Ocorrendo perda, foi requerida indenização, em virtude do
PROAGRO. Entendendo haver irregularidades, a instituição bancária
enviou ofício ao Ministério Público Federal (fl. 10), o que ensejou
processo criminal.
O MM. Juízo criminal, entretanto, exarou a seguinte decisão (fls. 23
a 26):
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
95
“(...)
Com base no disposto no item anterior, tem-se que ficou patente que em momento
algum o denunciado negou a alienação da safra, o que induz o entendimento pela ausência
de fraude. Assim que instados, o acusado e bem assim como o responsável pela fazenda,
disseram aos representantes do Banco do Brasil que a safra havia sido alienada.
O documento de fl. 39 informa que o financiamento que estava sendo garantido foi
integralmente satisfeito.
(...)
A situação evidenciada sugere que se acaso recebida a peça acusatória por este
Juízo, estar-se-á constrangendo ilegalmente o denunciado, que jamais demonstrou o
interesse em fraudar a garantia a fim de obter vantagem ilícita em proveito próprio.
(...)
Demais disso, conforme também já decidiu o Eg. Tribunal Federal de Recursos ‘Se
o penhor é de coisa fungível e perecível, recaindo sobre bens objeto de produção final, a
alienação, mesmo não sendo expressamente permitida, é implicitamente consentida’ (...)
Em vista desses motivos, hei por bem rejeitar a presente denúncia oferecida pelo
Ministério Público Federal (...)”.
O art. 43, I, do CPP diz que a denúncia ou queixa será rejeitada quando
“ o fato narrado evidentemente não constituir crime”, de modo que,
dessa forma, resta afastada qualquer possibilidade de novo indiciamento,
estabelecendo-se que não há tipicidade na conduta.
Diante dessa decisão, é preciso verificar se houve conduta ilícita por
parte da instituição bancária, ao oficiar ao Ministério Público.
Conforme o art. 4º, § 2º, da Lei nº 4.728/65,
“Quando, no exercício das suas atribuições, o Banco Central tomar conhecimento
de crime definido em lei como de ação pública, oficiará ao Ministério Público para a
instalação de inquérito policial”.
Veja-se que o papel da instituição bancária, nesses casos, não
é fazer uma apuração exaustiva, mas, tomando conhecimento de
96
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
alguma conduta que possa vir a ser considerada como delituosa, as
autoridades competentes, Ministério Público Federal e Polícia, devem ser
cientificadas, para, após inquérito policial, o Ministério Público formar
a opinio delicti.
Ao que tudo indica nos autos, foi exatamente isso que ocorreu, o
Delegado Regional do BACEN apenas fez essa cientificação. O processo
penal decorreu de inquérito policial e denúncia do Ministério Público.
Não há qualquer elemento que indique o alegado abuso do BACEN
nessa atribuição.
Por outro lado, o autor foi sim processado, o que gera uma situação
de evidente desconforto. Entretanto, como já salientei em outros
julgados, essa sensação de desconforto não pode ser confundida com
abalo moral. Em momento algum houve prisão, ou qualquer outro tipo
de constrangimento que possa ter gerado um prejuízo de ordem moral.
O autor chegou a ser interrogado na polícia, fato que certamente não é
motivo de orgulho para ninguém, mas também não é vergonha prestar
depoimento. Pelo contrário, às vezes essa colaboração é decisiva para
um juízo absolutório, ou como no caso, para afastar a tipicidade. Até
aqui, não há qualquer abalo moral.
O Ministério Público, por sua vez, entendeu ser pertinente a suspeita
levantada pelo BACEN, formando opinio delicti no sentido de promover
a denúncia. Cumpre salientar que se trata de ação penal pública, em que
apenas por exceção pode o Ministério Público deixar de oferecer denúncia.
Isso significa que, havendo a menor possibilidade de procedência das
acusações, deve ser formulada a denúncia. Há, inclusive, uma espécie
de jargão em que se diz que, em caso de dúvida, o Ministério Público
deve dar início à ação penal. Não há, portanto, qualquer ilegalidade. O
processo penal, ademais, não teve maiores conseqüências, o recorrente
não foi considerado culpado, não perdeu sua primariedade, tendo decisão
favorável aos seus interesses.
Dessa forma, não havendo qualquer abalo moral que justifique uma
indenização, deve ser mantida a sentença que julgou improcedente o
pedido.
Isso posto, nego provimento ao apelo.
É o voto.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
97
APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº
2001.71.00.015680-0/RS
Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas
Labarrère
Apelante: Caixa Econômica Federal - CEF
Advogados: Drs. Jorge Oscar Crespo Gay da Fonseca e outros
Apelada: Michelle Belatto
Advogados: Drs. Tatiana Matte de Azevedo e outro
EMENTA
Mandado de segurança. Administrativo. Concurso. Deficiente visual.
Lei nº 7.853/89 e Decreto 3.298/99. Aprovação. Posse. Exame médico.
Atividade em agência bancária. Possibilidade de assalto.
Inviável a eliminação de candidata aprovada em concurso público
para vaga reservada à pessoa portadora de deficiência, sob alegação de
que a deficiência impede o exercício das atividades do cargo. O Decreto
3.298 que regulamentou a Lei nº 7.853 estabelece que a verificação da
capacidade para o desempenho da função ocorre no estágio probatório.
O fato de as agências bancárias sofrerem assaltos não impede o exercício
de atividades de funcionária cega.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos
do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Porto Alegre, 09 de abril de 2002.
Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère:
Michelle Bellato impetrou o presente mandado de segurança contra
ato do Gerente da Caixa Econômica Federal. Nos seus dizeres, prestou
concurso público para o cargo de técnico bancário, na qualidade de
candidata portadora de deficiência visual, classificando-se em primeiro
98
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
lugar dentre os candidatos deficientes e, no entanto, foi barrada no exame
médico por ser cega. Pediu o deferimento de medida liminar para tomar
posse no cargo. (fls. 2/7)
Em informações, a autoridade deu conta de que inexiste direito
adquirido à nomeação, citando o artigo 37 da Constituição, na redação
que lhe deu a Emenda Constitucional nº 19, de 1998. Alegou que o
exame médico é etapa eliminatória do certame e que barrar a candidata
em razão da cegueira não é atitude discriminatória, pois os funcionários
novos devem realizar todas as atividades relativas ao desempenho do
cargo. (fls. 44/49)
A liminar foi indeferida. (fl. 52)
Após parecer do Ministério Público, opinando pela concessão
da segurança, sobreveio sentença, julgando procedente o pedido, ao
fundamento de que a CEF homologou a inscrição da candidata no
concurso e, após aprovação, não pode recusar a admissão com base em
exame de saúde. Só no estágio probatório será examinada a possibilidade
de o portador de deficiência desempenhar as funções do cargo. (fls. 60/61)
Inconformada, apelou a CEF, alegando que o exame médico é etapa
eliminatória do concurso para todos os candidatos e que seria negligência
da empresa permitir o ingresso de portador de deficiência visual em local
sujeito a seqüestro e assaltos. (fls. 65/70)
Sem contra-razões (fl. 74), os autos vieram a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère: A
Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre o apoio às pessoas
portadoras de deficiência, visando a sua integração social, determinando
reserva de mercado em favor das pessoas portadoras de deficiência nas
entidades da Administração Pública e do setor privado. No artigo 8º,
define como crime punível com pena de reclusão
“Obstar, sem justa causa, o acesso de alguém a qualquer cargo público, por motivos
derivados de sua deficiência”.
O Decreto 3.298, de 20 de dezembro de 1999, regulamenta a Lei
estabelecendo cotas de cargos a serem preenchidas por empregados
portadores de deficiência. O artigo 37 deste diploma tem a seguinte
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
99
redação:
“Art. 37. Fica assegurado à pessoa portadora de deficiência o direito de se inscrever
em concurso público, em igualdade de condições com os demais candidatos, para
provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que é
portador.
§ 1o O candidato portador de deficiência, em razão da necessária igualdade de
condições, concorrerá a todas as vagas, sendo reservado no mínimo o percentual de
cinco por cento em face da classificação obtida.
§ 2o Caso a aplicação do percentual de que trata o parágrafo anterior resulte em
número fracionado, este deverá ser elevado até o primeiro número inteiro subseqüente.”
O artigo 39 assim dispôs:
“Art. 39. Os editais de concursos públicos deverão conter:
I - o número de vagas existentes, bem como o total correspondente à reserva
destinada à pessoa portadora de deficiência;
II - as atribuições e tarefas essenciais dos cargos;
III - previsão de adaptação das provas, do curso de formação e do estágio probatório,
conforme a deficiência do candidato; e
IV - exigência de apresentação, pelo candidato portador de deficiência, no ato da
inscrição, de laudo médico atestando a espécie e o grau ou nível da deficiência, com
expressa referência ao código correspondente da Classificação Internacional de Doença
- CID, bem como a provável causa da deficiência.”
Caso o candidato obtenha aprovação, o órgão responsável pela
realização do concurso terá a assistência de equipe multiprofissional
composta de quatro profissionais capacitados e atuantes nas áreas das
deficiências em questão, sendo um deles médico, e três profissionais
integrantes da carreira almejada pelo candidato. Na forma do artigo
43 do Decreto 3.298, a equipe multiprofissional emitirá parecer após
avaliar a compatibilidade entre as atribuições do cargo e a deficiência
do candidato durante o estágio probatório.
A afirmação de que a negativa de posse decorre do fato de que a
deficiência impede o exercício das tarefas inerentes ao cargo está em
desacordo com o objetivo fixado na Lei, a qual visou justamente a
procurar proporcionar aos portadores de deficiência condições de acesso
ao mercado de trabalho. Caso o cargo fosse integrante de carreira que
exigisse aptidão plena do candidato, assim deveria ter constado do
edital ou, quando menos, a vaga não poderia ter sido oferecida à pessoa
portadora de deficiência.
A alegação de que a nomeação é atividade discricionária da
100
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
administração não procede, no caso, porque a autoridade coatora afirmou
que a candidata estava sendo barrada em razão de sua deficiência. Pela
teoria dos motivos determinantes, vincula-se a administração ao motivo
declinado. Também é descabida a alegação de que a contratação não
é possível porque no ambiente de trabalho as pessoas estão sujeitas a
seqüestros e assaltos. Por certo, todos os funcionários devem receber
a proteção da empregadora e não só os deficientes. A Caixa deve zelar
para que tais atos não ocorram em suas agências e não há prova de
que o portador de deficiência viria a agravar o problema ou sofrer
as conseqüências de assaltos de modo mais trágico que os demais
funcionários.
Voto, por isso, no sentido de negar provimento à apelação e à remessa
oficial.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.72.00.003026-0/SC
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann
Apelante: Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal de
Santa Catarina - SINTRAFESC
Advogados: Drs. Luis Fernando Silva e outros
Apelante: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA
Advogada: Dra. Lúcia Helena Bertaso Goldani
Apelados: (Os mesmos)
Remetente: Juízo Federal da 3ª Vara Federal de Florianópolis/SC
EMENTA
Reajuste de janeiro de 1995 aos servidores civis e militares da União.
Garantia constitucional de isonomia. Juros de mora. Honorários
advocatícios.
101
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
A Lei nº 8.880/94 estabeleceu fórmula de reajuste geral dos servidores
públicos da União. Por meio das medidas provisórias nº 583/94 e nº
746/94, foram concedidos a algumas categorias de servidores índices de
reajustamento que visavam à correção de distorções salariais, no intuito
de implantar a isonomia garantida constitucionalmente. É de considerarse no cálculo do reajuste previsto na lei geral, os índices concedidos
por meio das MPs, sob pena de burla ao intuito isonômico presente nas
medidas provisórias. Devida a diferença entre o percentual de 22,07%
aplicado no reajuste e o índice de 25,94%, efetivamente devido aos
beneficiários dos reajustes previstos nas referidas MPs. Juros de mora
fixados em 1% ao mês, em face de seu caráter alimentar. Precedente
do STJ. Honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da
condenação, a teor do CPC, art. 20, §§ 3º e 4º. Entendimento embasado
na legislação processual e em posição majoritária do TRF/4ª Região.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo do INCRA e dar
parcial provimento ao apelo do SINTRAFESC, e, por maioria, negar
provimento à remessa oficial, nos termos do relatório e notas taquigráficas
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 29 de maio de 2002.
Des. Federal Edgard Lippmann, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann: Trata-se de ação
ordinária ajuizada pelo SINTRAFESC em face do INCRA, objetivando
ver reconhecido o direito dos substituídos ao reajuste de vencimentos no
percentual resultante da diferença entre o índice aplicado e o realmente
devido (22,07% e 25,94), na mesma forma que concedido a outros
servidores, a teor da Lei nº 8.880/94, arts. 28 e 29, e art. 37, X, da CF.
Regularmente processado o feito, em sentença o MM. Juízo a quo
julga procedente o pedido, devendo o INCRA proceder à revisão dos
vencimentos/proventos dos substituídos, em janeiro de 1995. Sujeito o
quantum devido à correção monetária e a juros moratórios de 1% (um por
cento), estes computados desde a citação. Condenado o Réu ao reembolso
102
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
de custas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios, estes
fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa. Demanda sujeita
ao reexame necessário.
Em sede de apelo, o SINTRAFESC pretende a reforma parcial da
sentença de modo que o INCRA seja condenado a arcar com o pagamento
dos honorários advocatícios à razão de 20% sobre o valor do montante
devido, a teor do contido no CPC, art. 20, § 3º, a, b e c. Requer, a final,
seja provido o apelo.
Por seu turno, o INCRA alega inexistir erro quanto ao percentual
concedido em janeiro/1995, estando em conformidade com os arts. 28 e
29, §5º, da Lei nº 8.880/94. Requer, nesses termos, seja provido o apelo
para fim de reforma integral da sentença ou, se outro for o entendimento
do órgão ad quem, ao menos, sejam os juros de mora fixados em 0,5%
ao mês, em consonância com o art. 1.062 do Código Civil.
Com contra-razões, chegam-me conclusos estes autos. É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann: A questão central versada
nos autos restringe-se ao direito a reajuste dito geral, previsto para os
servidores civis e militares da União, nos termos da Lei nº 8.880/94.
Acerca do mérito propriamente, o referido dispositivo legal, em seu
art. 28, determinou que os “vencimentos, soldos e salários”, “funções
de confiança e gratificadas dos servidores civis e militares da União”,
seriam reajustados, considerando-se a média dos valores de cada mês de
1994 - convertidos em URV- como sendo o devido em janeiro de 1995,
desde que não resultasse em montante inferior ao percebido em dezembro
de 1994, quando, então, seria considerado o valor maior.
Já no art. 29, § 5º, a lei de regência dispõe que “sem prejuízo do
disposto no art. 28”, tais valores deveriam ser reajustados em percentual
equivalente à variação acumulada do IPC-r entre o mês de emissão do
Real (julho/94) - inclusive - e o mês de dezembro daquele ano. Portanto,
a fórmula criada previa que a base de cálculo do reajuste das tabelas para
janeiro de 1995 seria a média dos valores recebidos mês a mês em 1994,
devidamente convertida em URV, sobre a qual se aplicaria a variação
acumulada do IPC-r entre julho e dezembro de 1994.
Ora, quanto à variação acumulada do IPC-r no período em análise, não
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
103
restam dúvidas: 22,07%. A controvérsia se estabelece no que concerne à
base sobre a qual incidirá o referido índice. Assim, na tese esposada pela
parte-autora, a média prevista no art. 28 é 3,1780% inferior ao valor de
dezembro de 1994, devendo, por força da mencionada lei, ser adotado
o montante de dezembro como base de cálculo sobre a qual incidirá o
percentual de reajuste.
A questão, agora, é relativa a considerar-se ou não, na referida média,
os índices de reajuste concedidos por meio das Medidas Provisórias
nº 583, de 16.08.94, e nº 746, de 02.12.94. Como ambas as normas
supracitadas objetivavam a implantação progressiva da isonomia, não
há confundir seus intuitos com o destino da norma geral de reajuste. (
Lei nº 8.880/94)
Logo, em não sendo considerados os percentuais concedidos a título
de correção de determinadas tabelas como computáveis na média dos
valores recebidos em 1994, voltar-se-ia a estabelecer as diferenças que
as medidas provisórias já mencionadas, em conformidade com a garantia
constitucional da isonomia, pretendiam corrigir.
A não-inclusão dos índices concedidos em correção de fatores
discriminatórios entre carreiras de servidores da União caracterizaria
inconstitucionalidade por omissão. Então, há afastar-se o fator de
discriminação, incluindo-se os percentuais expurgados na composição
da média relativa ao ano de 1994, como forma de resguardo da igualdade
garantida pela Constituição.
Esse foi, também, o entendimento adotado pelo STJ, tanto na 5ª quanto
na 6ª Turma, verbis:
“ADMINISTRATIVO. SERVIDORES PÚBLICOS. REMUNERAÇÃO. RESÍDUO
DE 3,17%. LEI Nº 8.880/94. O resíduo de 3,17% é devido aos servidores públicos
federais, no reajuste concedido em janeiro de 1995, decorrente da incorreta aplicação dos
artigos 28 e 29 da Lei nº 8.880/94. Recurso especial conhecido e provido.” (Acórdão,
Registro no STJ: 9800399135, REsp nº 176331/DF, decisão unânime, em 1º.10.98, 5ª
Turma, Rel. Gilson Dipp, DJ de 26.10.98 p. 00145)
“ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO - VENCIMENTO - REAJUSTE
DA LEI 8.880/94 (ARTS. 28 E 29) - RESÍDUO DE 3,17%.
1. É devido aos servidores públicos federais o resíduo de 3,17%, além da variação do
IPC-r (22,07%), no reajuste de seus vencimentos, com base no art. 28 da Lei 8.880/94,
vez que o § 5º do art. 29 não afastou o índice pleiteado.
2. Recurso não conhecido.” (Acórdão, Registro no STJ: 9800565760, REsp nº
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184088/ RN, decisão unânime em 15.10.98, 6ª Turma, Rel. Anselmo Santiago, DJ de
30.11.98 p. 00226)
Ainda com relação aos juros moratórios, recorro, mais uma vez, ao
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
105
Branca
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DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL
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Branca
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1998.04.01.094579-1/SC
e Nº 1999.04.01.033960-3/SC
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti
Apelante: A. M.
Advogado: Dr. Roberto Carlos de Freitas
Apelante: M. S.
Advogados: Dr. João Augusto Medeiros
Dr. Francisco Amabilino Benetti
Apelado: Ministério Público
Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
EMENTA
Crimes conexos. Competência. Estelionato. Tentativa. Multa.
Situação financeira do réu. Diminuição. Substituição da pena.
Tendo havido lesão a bens, serviços ou interesse da União, é
inafastável a competência da Justiça Federal, mesmo que o crimemeio tenha sido absorvido pelo crime-fim, como no caso do falsum
em relação ao estelionato. (Súmula 17, STJ)
Comete estelionato quem obtém vantagem ilícita inserindo visto
falsificado em passaporte, não havendo falar em tentativa até porque
a fraude só veio a ser desmascarada depois da viagem frustrada e do
pagamento indevido.
As condições financeiras do réu devem ser consideradas para efeito
de aplicação da pena de multa.
Preenchidas as condições previstas no art. 44 do CP, deve a pena
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privativa de liberdade ser substituída por restritivas de direitos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas,
decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
por unanimidade, dar parcial provimento aos recursos, nos termos do
relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Porto Alegre, 08 de abril de 2002.
Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti: Trata-se de
apelações contra a sentença que condenou A. M. e M. S. às penas de 1
ano, 06 meses e 20 dias de reclusão, em regime aberto, e multa de 20
dias-multa, no valor de ½ salário mínimo cada dia-multa, alcançando, na
data da sentença, o valor de R$ 1.300,00, por infração ao art. 171 do CP,
na forma continuada, ou seja, por suas participações angariando clientes
na obtenção de vistos falsificados de entrada em país estrangeiro, bem
como em vantagens ilícitas, mediante fraude, enganando as pessoas que
contrataram seus serviços de despachante.
Foi determinada a unificação dos feitos, sendo recebidas as denúncias
em 08.04.96 (ACR. 094579-1/SC) e em 02.04.96 (ACR. 033960-3/SC),
e publicada a sentença em 15.05.98.
O réu A. S., apesar de intimado, bem como sua defensora constituída,
não apelou, apenas o fazendo os réus A. M. e M. S.
Diz A. que não restou comprovado nos autos que tivesse cometido
o crime de estelionato, pois nunca obteve qualquer tipo de vantagem
ilícita em detrimento de terceiros, já que apenas auxiliava as pessoas
na obtenção dos vistos junto ao Consulado Americano, recebendo, em
troca, apenas “gorjetas”. Quanto à multa, não pode vingar, pois é pessoa
de poucos recursos, percebendo, mensalmente, o salário de R$ 400,00
para sustentar a sua família, sem falar que foi imposta além do devido.
Já M. recorre também sustentando que não restou provado que
tivesse induzido ou mantido alguém em erro, tampouco qualquer meio
fraudulento, já que as declarações das testemunhas são insuficientes para
manter o decreto condenatório. Portanto, se não há certeza do crime, não
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se pune ninguém, aplicando-se o princípio in dubio pro reo. Por fim,
requer a aplicação do disposto no artigo 14, II, do CP.
Com as contra-razões, subiram os autos.
O Ministério Público Federal opinou pela absolvição dos denunciados
por não ter sido descrito na denúncia o crime de estelionato previsto no
art. 171 do Código Penal, em todos os seus elementos, notadamente o
meio fraudulento.
É o relatório.
À douta revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti: Muito embora
a sentença tenha imputado aos réus a prática do crime previsto no art.
171 do CP, reconheceu, também, que as condutas descritas no art. 297 do
CP serviram de meio para a prática do delito de estelionato, decorrendo
desse contexto, nos moldes da Súmula nº 17 do STJ, a sua absorção, pelo
estelionato. Assim, fica evidente a competência da Justiça Federal para o
exame da matéria em se tratando de crimes conexos, pouco importando
que a conduta da falsificação tenha servido de meio para a prática do
crime imputado aos réus, pois, o que importa, no caso, é a lesão que foi
causada à União decorrente das falsificações dos documentos nacionais.
(art. 109, IV, CF)
A denúncia, ao contrário do pretendido pelos recorrentes, narra
adequadamente os fatos delituosos. As condutas dos réus foram
devidamente descritas na denúncia, e os fatos foram corretamente
classificados.
Segundo a peça inicial, A. S. falsificava documentos e declarações de
imposto de renda para apresentação nos consulados estrangeiros, com o
fim de obter vistos de entrada. Atuava em co-autoria com o denunciado C.
O. S., na verdade seu cunhado. Já a participação dos réus M. S. e A. M. na
trama criminosa consistia em fazer contatos e angariar “clientes”, vítimas
dos golpistas, que pagavam pelos “serviços de despachantes” entre US$
250,00 e US$ 1.000,00, sendo que nenhum dos clientes conseguiu atingir
seu objetivo, pois foram deportados pelas irregularidades constatadas na
obtenção do visto.
Essa fraude, que se resumia na falsificação de vistos de entrada
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para o México, restou comprovada através do Laudo de Exame
Documentoscópico. (fls. 263/272)
Assim, as condutas dos réus se amoldam perfeitamente à figura
abstratamente descrita no artigo 171 do Código Penal, considerando
a absorção dos crimes de falso imputados aos acusados. Os autos
comprovam que as vítimas foram induzidas em erro ao se valerem dos
serviços dos réus como “despachantes”, certas de que essas pessoas
seriam as corretas para obterem o “visto de entrada” para o México. Na
verdade, o objetivo era o ingresso nos Estados Unidos da América, mas,
por orientação dos réus, o mais fácil seria via México, bastando ver os
mapas confeccionados que foram apreendidos pela Polícia Federal. (fl.
65 dos autos 033960-3)
Quanto à materialidade do delito, esta é inquestionável. No beminstruído inquérito policial, constam os documentos falsos utilizados
pelos réus para possibilitar o visto nos passaportes das vítimas, falsidades
essas confirmadas pelos Laudos de Exame Documentoscópico (fls.
149/159 dos autos 033960-3 e fls. 263/272 dos autos 094579-1), inclusive
quanto aos próprios vistos firmados do punho do réu A. S. nos passaportes
das vítimas.
A autoria também é patente. A participação do réu M. S., no crime
descrito na denúncia, está bem comprovada pelo depoimento da
testemunha Simone Mendes Felipe, que afirmou haver procurado M.
para que:
“providenciasse a documentação necessária para obtenção do visto consular a fim de
ingressar no México, país para o qual viajaria inicialmente”.
Disse mais ainda, que entregou o seu passaporte para M., recebendo-o
após quinze dias com uma etiqueta de visto colada, tendo-lhe pago a
quantia de US$ 1.000,00 por tal providência. Entretanto, no aeroporto
do México, foi impedida de deixar o local, sendo informada de que seu
visto era falso, retornando ao Brasil.
“Que já procurou M. por diversas vezes, com o intuito de lhe ser restituída a quantia
paga, sendo que até o presente momento nada conseguiu, pois M. alega que a entregou
a A. S., com quem atuava em conjunto”. (fl. 214)
E Olice Oliveira Caldas depôs dizendo que,
“pretendendo ir para os EUA, há questão de dois anos, via fronteira mexicana, procurou
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através de amigos saber qual era o procedimento necessário; que então lhe foi indicado
um rapaz de nome M.; que conversou com M. defronte a revenda de bebidas da Brahma,
na cidade de Içara; que M. então lhe informou os documentos necessários, dizendolhe que iria passá-lo para outra pessoa; que lhe foi solicitado apenas o passaporte e a
quantia de mil dólares que foram entregues a M. juntamente com o passaporte; que
não entregou a M. qualquer outro documento além do passaporte; que M. lhe entregou
o passaporte e informou sobre os detalhes da viagem; que chegando no México, no
aeroporto, foi impedido de prosseguir sob a alegação de que o visto não era legal; que
teve de aguardar três ou quatro dias no México, até que conseguisse um vôo para retornar
ao Brasil; que se encontrava acompanhado de Simone, cujo sobrenome não recorda,
pois a conheceu na viagem; que Simone também foi obstada de prosseguir na viagem;
que não sabe se Simone fez seu visto com M.; que depois da viagem procurou M. para
obter a devolução do dinheiro, mas este lhe disse que não poderia fazer a devolução
porque havia outras pessoas envolvidas; depois não mais encontrou M.”. (fl. 398)
Com relação ao réu A. M., a farta documentação encontrada em sua
residência e as provas testemunhais não deixam dúvidas quanto à sua
participação criminosa. O próprio réu A. S. confessou que “A. M. era
quem levava, em mãos, a documentação para o despachante Celestino”
(fl. 183). Já Agenor Silvano, irmão do réu A., foi categórico em afirmar
que a tarefa de instruir os pedidos de visto perante consulados estava
a cargo de A. M. (fl. 187). E mais, o depoente Rossini da Luz diz que:
“A. S. lhe solicitou apenas o passaporte, fotos e a quantia de US$ 250,00 para o
visto e mais US$ 680,00 para a passagem até o México...; que o nominado devolveulhe o passaporte com o visto aposto...e o declarante entregou-lhe a quantia em dólares
para a passagem, recebendo-a das mãos de A. M.; que viajou para o México... sendo
que ao chegar ao aeroporto daquele país foi submetido a uma entrevista e, após, soube
que lhe havia sido negado o ingresso..., sendo carimbado seu passaporte; que em vista
disso teve de retornar para o Brasil, o que aconteceu com mais dez pessoas, nas mesmas
condições; (...) que A. M. está trabalhando na mesma empresa que o declarante... que
ofereceu ao declarante US$ 100,00 para cada pessoa que indicasse para confecção de
documentos para obtenção de visto”. (fls. 193/194)
Se não bastasse, A. foi denunciado (proc. 033960-3) por falsificar
documentos simulando a existência e a entrega de declarações de rendas
em diversos Bancos, visando à obtenção de visto em passaportes, tudo,
como referido na denúncia,
“no sentido de atender as pessoas que os procuravam ou eram por eles procuradas
para a prestação de tais ‘serviços’ vinculados à obtenção de vistos em passaportes...
de brasileiros que pretendiam ingressar no México e nos Estados Unidos da América...
que cobravam vultosas quantias (US$ 200,00, US$ 350,00 e assim por diante), para a
obtenção de visto de entrada num daqueles países”.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
113
Em seu depoimento na polícia, A. confessou cobrar pelo seu trabalho,
fato esse corroborado pelos depoimentos das vítimas.
Com efeito, é evidente que os réus montaram um esquema para
enganar as pessoas que os procuravam para a obtenção do visto de entrada
no México, pessoas essas muitas delas desempregadas que buscavam
em um outro País um futuro talvez melhor, mas que viram seus sonhos
caírem por terra ao se depararem com a fria realidade: de que foram
enganadas, pois os vistos pelos quais pagaram eram falsos.
Por outro lado, não há falar em tentativa, pois restou provado que os
agentes obtiveram a vantagem e prejudicaram terceiros.
Por fim, no que tange à aplicação da multa, como bem-referido pelo
douto Procurador da República nas contra-razões,
“quando da sentença, as condições financeiras do réu foram consideradas para efeito
de aplicação da pena de multa, consoante se verifica à fl. 655 (fixo em 20 (vinte) o
número de dias-multa, dado pender em desfavor do acusado, circunstância prevista no
art. 59 do Código Penal, atinente a seus antecedentes. Despontando dos autos cuidarse de pessoa de posses medianas, fixo em ½ (meio) salário mínimo o valor de cada
dia-multa, alcançando a pena pecuniária o valor de R$ 1.300,00), sendo que o número
de dias-multa decorreu dos maus antecedentes do acusado. Assim sendo, a situação
financeira atual do réu poderá ser levada em conta para efeito de aplicação do art. 50 do
Código Penal, ou seja, para ser permitido o pagamento da multa em parcelas mensais.
Saliente-se que a diminuição da pena já aplicada seria um privilégio à impunidade”.
Entretanto, considerando o disposto no inciso III do art. 44 do CP,
substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de
direito: prestação de serviços à comunidade pelo tempo de duração da
pena e prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo em favor
de instituição de caridade, a serem fixadas pelo juízo da execução penal.
Nessas condições, dou parcial provimento aos recursos tão-somente
para determinar a substituição da pena privativa de liberdade, na forma
acima mencionada.
É o voto.
114
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1999.71.05.004229-4/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro
Apelante :Ministério Público
Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
Apelante: C. A. C.
Advogados: Drs. Antão Abade Vargas e outro
Apelante: H. L.
Advogados: Drs. Altivo Osmar Ruschel e outro
Apelante: S. F. Q. R.
Advogado: Dr. Renato Jacob Schorr
Apelado: Ministério Público
Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
Apelado: H. S. E.
Advogado: Dr. Pedro Furian Sessegolo
EMENTA
Estelionato. INSS. Prova emprestada. Cerceamento de defesa.
Inocorrência. Infração permanente. Termo inicial da prescrição.
Absolvição. Provas. Condenação dos co-réus mantida. Redução das
reprimendas. Substituição.
1. Não ocorre cerceamento de defesa pela juntada de prova emprestada
se produzida, sob o crivo do contraditório, em ação penal onde figuraram
os mesmos réus, ainda mais se aqueles elementos trazidos não foram
os únicos a embasar a condenação. 2. O entendimento jurisprudencial
majoritário é de que a prática de fraude para obtenção de benefício
previdenciário, com recebimento de prestações periódicas, indica
natureza constante da ação delituosa. Desta forma, o termo a quo do
prazo prescricional conta-se da cessação da permanência, ou seja,
da data da interrupção do recebimento das parcelas (art. 111, III, do
CP). 3. Induvidosa apenas a negligência do funcionário que assinou
sem conferir os documentos que incluíam dados falsos, não é possível
impor decreto condenatório, porquanto o estelionato somente é punível
a título de dolo. 4. Condena-se o beneficiário da fraude que ingressou
com pedido de aposentadoria sem ter efetuado recolhimento das
necessárias contribuições. 5. Inegável a responsabilidade dos co-réus
que, mesmo contando com conhecimentos técnicos e vasta experiência
115
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
profissional, deixaram de obedecer aos procedimentos legais, induzindo
em erro a Autarquia, mediante o encaminhamento e concessão de
benefício previdenciário fraudulento. Condenação mantida. 6. Redução
das reprimendas. 7. Substituição da pena carcerária por serviços à
comunidade e prestação pecuniária.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos entre as partes acima
indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso ministerial e dar
parcial provimento aos apelos dos réus, nos termos do relatório, voto
e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Porto Alegre, 20 de maio de 2002.
Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: O Ministério
Público Federal denunciou H. S. E., S. F. Q. R., H. L. e C. A. C. por
terem supostamente perpetrado o delito insculpido no artigo 171, § 3º,
c/c art. 29 do Código Penal.
A exordial, recebida em 03.03.2000 (fl. 135), narrou os fatos nos
seguintes termos:
“Os denunciados S. F. Q. R., H. S. E. e C. A. C., na qualidade de servidores do INSS
lotados e em exercício na agência de Cruz Alta/RS, agindo em unidade de desígnios e
em conjugação de esforços com H. L., no período compreendido entre julho de 1992
e fevereiro de 1999, obtiveram vantagem ilícita em favor desse último e em prejuízo
da autarquia previdenciária, induzindo e a mantendo em erro mediante fraude no
encaminhamento e concessão de benefício previdenciário. As fraudes evidenciadas no
processo administrativo de H. L. consistiram na não-comprovação dos recolhimentos
das contribuições previdenciárias nos períodos de dezembro de 1956 a maio de 1968
e dezembro de 1989 a junho de 1992 e inserção de falsos valores de contribuição na
Relação dos Salários de Contribuição (RSC – fl. 06). A atuação de cada denunciado,
sempre imbuída de dolo, foi decisiva para o sucesso da empreitada criminosa, senão
vejamos:
H. L., conquanto ciente do fato de não fazer jus à aposentadoria, em 22.07.92, firmou e
protocolou o requerimento de concessão do benefício previdenciário (fl. 05), instruindo-o
com informações mendazes e/ou omissivas acerca de sua vida laboral e das contribuições
sociais que realizou, eis que expressamente alegou que jamais recolheu contribuições
116
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
no período de dezembro de 1989 a junho de 1992 (fl. 80); assinou, já sabendo que ia
lograr êxito no intento, a Relação dos Salários de Contribuição preenchida com os falsos
valores de contribuição (fl. 06) e auferiu, no período compreendido entre julho de 1992 e
fevereiro de 1999, os valores pecuniários referentes à aposentadoria fraudulenta no total
de R$ 29.961,60 (vinte e nove mil, novecentos e sessenta e um reais e sessenta centavos).
C. A. C., embora estivesse restrito a atribuições no setor administrativo do Posto, em
evidente desvio de função – circunstância que depõe contra os outros servidores ora
denunciados – protocolou requerimento de aposentadoria de H. (fl. 05) e confeccionou,
mendazmente, o comando de concessão do benefício fraudulento (fls. 16/17) tendo sido
firmado por S. R. e H. E. A esse respeito, repise-se que C. C. não podia atuar no setor de
arrecadação nem na seara de benefícios, visto que era adstrito ao setor administrativo. S.
F. Q. R. era, ao tempo dos acontecimentos, chefe do posto do INSS em Cruz Alta. Nessa
condição e em que pese as notórias irregularidades do processo de concessão, apôs sua
firma como ‘conferente’ no requerimento de aposentadoria de H., assinando no verso (fl.
05), e firmou o comando de concessão mendaz confeccionado por C. C. (fls. 16/17) – o
qual sequer tinha atribuições no setor de benefícios, juntamente com seu colega, H. E.
Este, por sua vez, era então chefe substituto e supervisor do setor de benefícios, ocasião
em que deu o comando de concessão do benefício à DATAPREV (fls. 16/17), juntamente
com S. R., mesmo ciente das fraudes e irregularidades do processo de concessão. Assim,
em concerto de vontades com os demais denunciados, formalizou ato ilícito que permitiu
a ludibriação do INSS. O prejuízo ocasionado pela concessão irregular da aposentadoria
por tempo de serviço fraudulenta (NB 42/041.117.628-5) aos cofres do INSS perfazia,
em março de 1999, R$ 29.961,60 (vinte e nove mil, novecentos e sessenta e um reais e
sessenta centavos) – fls. 50/52, afora o inestimável desserviço prestado à credibilidade
da Administração Pública no gerenciamento de verbas advindas da coletividade, as
quais se destinam, mormente, à parcela menos favorecida da população. A materialidade
verte hialina, claríssima, do panorama probatório dos autos e está consubstanciada,
especialmente, nos documentos das fls. 05/57”.
Após regular instrução, sobreveio sentença publicada em 29.08.2001,
julgando parcialmente procedente a denúncia para absolver H. S. E. com
apoio no artigo 386, VI, do CPP, bem como condenar pela prática do
crime inscrito no art. 171, § 3º, c/c art. 29 do Estatuto Repressivo, em
continuidade delitiva, H. L. à reprimenda de 2 (dois) anos e 4 (quatro)
meses, C. A. C. e S. F. Q. R. à de 3 (três) anos, 7 (sete) meses e 16
(dezesseis) dias de reclusão. A pena de multa foi estabelecida, igualmente,
para todos os condenados, em 80 (oitenta) unidades diárias, à razão
de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo. H. teve a sanção corporal
substituída por prestação de serviços à comunidade, C. e S. pela mesma
restritiva de direitos, além da limitação de fim de semana. Quanto aos
dois últimos, houve, também, decreto de perda do cargo público com
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117
base no artigo 92, I, a, do CP. (fls. 580/601)
Inconformado, o Parquet apelou (fl. 603), buscando a condenação de
H. nos termos da inicial. (fls. 611/615)
Da mesma forma, irresignaram-se os réus (fls. 621, 623 e 766). Nas suas
razões (fls. 650/738), H. requer, em preliminar, extinção da punibilidade
face à prescrição verificada entre a data do fato e o recebimento da denúncia,
alegando que o “estelionato previdenciário” é crime instantâneo, devendose considerar como termo inicial do prazo prescricional o dia do primeiro
pagamento do benefício. No mérito, alega atipicidade da conduta por
ausência de dolo, visando à absolvição com fulcro nos incisos IV ou VI
do artigo 386 do CPP.
C. pleiteia, inicialmente, nulidade do processo por cerceamento de
defesa. Postula decreto absolutório, aduzindo inexistir provas cabais
da autoria. Por fim, de modo alternativo, pretende afastamento da
continuidade delitiva, com o conseqüente reconhecimento da prescrição.
(fls. 743/754)
S., por vez, argumenta insuficiência do conjunto probatório, buscando
absolvição. (fls. 767/770)
Com as contra-razões (fls. 631/647, 756/762 e 773/776), subiram os
autos.
A Procuradoria da República, oficiando no feito (fls. 780/790),
manifestou-se pelo improvimento dos recursos.
É o Relatório.
À Revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: Inicialmente,
cumpre ressaltar não ter ocorrido cerceamento de defesa pela juntada de
prova emprestada, uma vez que produzida, sob o crivo do contraditório,
em ação penal onde figuraram os mesmos funcionários do INSS.
Outrossim, não houve irresignação oportuna (intimados à fl. 409) e
demonstração do prejuízo, como se exige nesses casos. Ademais, aqueles
elementos não foram os únicos a embasar a condenação de C., inexistindo,
pois, qualquer vício.
A propósito, veja-se a jurisprudência mais recente do Superior Tribunal
de Justiça:
118
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
“HC. PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES
(ART. 12) E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA (ART. 14). PROVA INTER ALIOS ACTA.
NULIDADE INEXISTENTE. (...) A utilização de prova emprestada, quando não
constitui o único elemento a corroborar a condenação, não vicia o processo e a decisão
proferida.” (HC 17513/RJ, Quinta Turma, Relator Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ
22.10.2001, pág. 00342)
“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. QUADRILHA. ROUBO
QUALIFICADO. INTERROGATÓRIO. PROVA EMPRESTADA. VALOR
PROBATÓRIO. Não obstante se reconheça a precariedade do valor da prova emprestada,
o fato da sentença utilizar informações obtidas em interrogatório realizado em outro
processo, por si só, não enseja o reconhecimento de nulidade se este não foi o único
elemento de destaque a embasar o decreto condenatório. Habeas corpus indeferido.”
(HC 16175/SP, Quinta Turma, Relator Min. Félix Fischer, DJ 13.08.2001, pág. 00193)
Antes de analisar o conjunto probatório, insta esclarecer acerca da
natureza do dito estelionato de rendas.
Os acusados argumentam tratar-se de crime instantâneo, consumando-se
na data do primeiro pagamento do benefício, configurando o recebimento das
demais parcelas mero exaurimento. Entretanto, esse não é o entendimento
dominante, especialmente na jurisprudência desta Corte e do Superior
Tribunal de Justiça.
A posição majoritariamente aceita é a de que a prática de fraude
contra o INSS, obtendo a vantagem ilícita em prestações periódicas,
indica natureza permanente da ação delituosa. (STJ, RHC 10052/SP,
DJ 06.11.2000, pág. 00211; TRF-4, HC 1998.04.01.012534-9/SC, DJ
09.12.98, pág. 704)
Desta forma, o termo inicial do prazo prescricional retroativo contase da cessação da permanência, ou seja, da data da interrupção do
recebimento das prestações (art. 111, III, do CP), in casu, 14.05.99. (fl.
58 v)
Na hipótese em análise, tendo sido percebida aposentadoria integral
por seis anos e sete meses, ou seja, 79 (setenta e nove) prestações, o
fato ilícito se consumou por ocasião do recebimento de cada uma delas.
Ultrapassado este ponto, passo à apreciação do mérito.
A materialidade do delito ressai inconteste pelas irregularidades
evidenciadas no requerimento de aposentadoria (fl. 10), na relação de
salários-de-contribuição (fl. 11) e respectivos discriminativos, além do
comando de concessão eletrônica (fls. 21 e 22) e carnê para recolhimento
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
119
(fl. 37). Como se não bastasse, o beneficiário, H. L., reconheceu que não
efetuou o pagamento das contribuições no período de 12/89 a 06/92. (fl.
85)
No que tange ao outro lapso referido na denúncia (dezembro/56 a
maio/68), foi reconhecido em ação ordinária, não havendo discussão a
respeito.
Quanto à autoria, faz-se necessário o exame individual das condutas.
O Ministério Público Federal defende a existência de prova suficiente
a incriminar H. Contudo, não lhe assiste razão.
Embora esteja comprovado que sua participação contribuiu para a
fraude ao INSS, uma vez que assinou, na condição de conferente, o
comando de concessão eletrônica (fl. 22) sem que estivessem presentes
os requisitos para tanto, não restou evidenciado o dolo. O MM. Juiz a
quo bem apreciou a questão, verbis:
“A sua culpa é evidente, pois assinou os documentos das fls. 21/22 sem conferir a
veracidade das informações, negligenciando dever funcional, mormente que era chefe
do setor de benefícios e atuava, às vezes, como conferente e, às vezes, como concessor.
Contudo, as alegações de que teria assinado referidos documentos em vista da confiança
que depositava nos demais servidores, bem assim de que essa forma de proceder era
praxe entre os servidores, restaram confirmadas pelos funcionários que, na época,
trabalhavam no Posto de Benefícios do INSS de Cruz Alta, arrolados como testemunhas
pelo réu H. (...) Nos depoimentos de Regina Beatriz Floriano da Silva, servidora do
INSS que atuou na auditoria, infere-se, também, que era comum, entre os servidores, a
assinatura de documentos sem conferência e a pedido de outro colega, face à exigência
de duas assinaturas: ‘o H. disse que normalmente assinava o que o colega pedia para
assinar. Até hoje isso é praticado. Quem tem cargo de chefia assina o que os colegas
pedem’ (fls. 373/378). ‘Na ocasião, eu disse ao delegado e em alguma outra audiência
também que a única pessoa que me deixou dúvida teria sido o H., porque ele assinava
diretamente como conferente no comando de concessão eletrônica. E ali havia uma
certa praxe de as pessoas assinarem sem conferir (...) e só um assinar no lado, porque
eram exigidas duas assinaturas para passar no computador. (...) Assinava depois, como
conferente. (...) Então, por eu me lembrar de como era feito antes, de a gente só fazer a
segunda assinatura, botar no malote e mandar para a Dataprev, foi onde eu fiquei com
a dúvida só em relação a ele. Porque o fato não era correto, mas era a praxe de que
só assinasse do lado’ (fls. 392/408). (...) tenho, pelo que consta destes autos, que tais
elementos comprovam, sem sombra de dúvidas, apenas sua culpa, sua negligência,
em vista da omissão na conferência dos documentos que lhe eram entregues para
assinar. Com efeito, as provas colacionadas pela acusação nestes autos, oriundas de
processos administrativos e de auditoria levada a efeito pela autarquia previdenciária,
embora suficientes para a comprovação da culpa e dos efeitos dela decorrentes na
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seara administrativa e cível, não são hábeis para formação de um juízo condenatório
com declaração de responsabilidade criminal do réu H. E. pelo delito em apreço.
Ressalta-se que o crime de estelionato somente é punido a título de dolo”. (fls. 592/594)
Importante registrar, ainda, que, da série de apurações promovidas no
posto do INSS de Cruz Alta a fim de verificar as aposentadorias concedidas
irregularmente, não veio aos autos qualquer prova de ligação de H. com os
segurados, bem como de ter exigido ou recebido vantagem destes ou dos
colegas para contribuir na obtenção dos benefícios. As pessoas ouvidas
afirmam não ter tratado com ele quando do encaminhamento do pedido
(fls. 364v e 434/439). Da mesma maneira, os funcionários informaram
que qualquer deles fazia, como era habitual, a segunda assinatura exigida
no comando de concessão eletrônica sem conferir, atendendo pedido de
outro colega, normalmente o chefe do Posto, S. (fls. 429 e 431)
Ademir Clóvis da Costa Neri, membro da auditoria realizada à época,
perguntado se, nos depoimentos e provas que coligiu, houve alguma
acusação direta de segurados ou testemunhas de que H. tivesse recebido
alguma propina ou qualquer vantagem dos beneficiários, respondeu,
verbis:
“No trabalho da Auditoria, eu nunca recebi esse tipo de acusação”. (fl. 390)
Cumpre destacar, também, que a testemunha, em outro trecho do
depoimento, referiu terem sido ouvidos cerca de trinta segurados.
Deste modo, impõe-se manutenção do decreto absolutório de H., com
apoio no art. 386, VI, do CPP, porquanto não há provas suficientes de
que tenha participado dos eventos dolosamente.
O mesmo não ocorre com os demais réus. H., consciente do nãorecolhimento das contribuições de dezembro/89 a junho/92, assinou o
requerimento de aposentadoria e relação de salários-de-contribuição
incluindo tal lapso temporal.
As alegações de que entregou o numerário suficiente para pagamento
daquele período a alguém conhecido simplesmente como Nogueira
sem exigir qualquer recibo, pois lhe “inspirava confiança”, não são
convincentes. O acusado, que guardava com zelo os comprovantes
referentes a 1968, não deixaria de verificar, juntando as guias, se tal pessoa
tinha realmente quitado as contribuições atrasadas para lhe possibilitar
o deferimento da aposentadoria.
De outra parte, naturalmente incumbia aos funcionários da Previdência
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
examinar toda a documentação pertinente para concessão do benefício.
Porém, isso não afasta a responsabilidade do segurado H., pelos dados
falsos inseridos, já que tinha ciência a respeito.
C. admite ter protocolado o requerimento de aposentadoria e relação
de salários-de-contribuição (fls. 10/11), bem como confeccionado o
devido discriminativo (fl. 21) além de ter visado o documento de fl. 10
(fls. 96 e 177). Tratando-se de servidor experiente do INSS, bacharel
em Ciências Jurídicas, impossível negar tivesse perfeito conhecimento
de que os valores e datas informados para pleitear o benefício deveriam
ser comprovados documentalmente, ainda que fosse lotado no setor
administrativo. No entanto, não observou os procedimentos corretos no
caso em tela, como se depreende da simples verificação, por exemplo,
do carnê acostado à fl. 37, referente ao ano de 1989, onde o recolhimento
não foi integral, razão por que não poderia ser computado.
Difícil crer, dessa forma, que o acusado não tenha atuado dolosamente
no intuito de obter vantagem ilícita para si ou terceiro.
Tal circunstância, aliás, ressai do confronto de outras denúncias
oferecidas contra o réu por fatos idênticos, originárias das mesmas
investigações promovidas no posto do INSS de Cruz Alta (fls. 321/331
e 336/342). A partir daí, foi demonstrada a forma de atuação de C. na
série de fraudes constatadas, como se vê no seguinte depoimento:
“Em 1992, interessado em se aposentar, procurou a agência local do INSS, onde
foi encaminhado para tratar do assunto com o co-denunciado C. Relatou-lhe que
faltava três anos de contribuição previdenciária e que tinha interesse em se aposentar
percebendo em torno de cinco salários mínimos. Entregou toda a documentação para
o denunciado. C. lhe sugeriu que recolhesse o período faltante sobre dez salários. O
depoente chegou a comentar que teria dinheiro para recolher os valores necessários,
visto que estava vendendo uma casa. Posteriormente, após os cálculos realizados por C.,
este disse que teria que pagar a importância de vinte e um milhões de cruzeiros, moeda
da época. Inicialmente, o depoente entregou um milhão de cruzeiros que tinha em casa.
Na ocasião, C. mandou que o co-denunciado J. o acompanhasse para pegar o dinheiro.
O restante do numerário estava depositado na Caixa Econômica Estadual. O depoente
trouxe um cheque administrativo do banco, mas o acusado disse que somente aceitava
dinheiro vivo. Retornou à agência, C. e J. fizeram questão de acompanhá-lo. (...) após
receber o dinheiro, C. disse que estava tudo encaminhado e que o depoente aguardasse
em casa a notícia da aposentadoria, o que aconteceu cerca de oito meses após. Antes
disso, como estava atravessando dificuldades financeiras, procurou o acusado que, por
um período de três meses, emitiu três ordens de pagamento ao Banco do Brasil, para
que o depoente recebesse quantia em dinheiro que hoje não tem condições de estimar.
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
Tais valores foram posteriormente abatidos diretamente pelo INSS quando o depoente
recebeu o primeiro pagamento de sua aposentadoria. Esclarece que, na ocasião em que
foi receber este pagamento, mais uma vez C. fez questão de acompanhá-lo ao banco.
Na oportunidade, o acusado exigiu que o depoente lhe desse uma gratificação, ‘uma
gorja’, pelos serviços prestados. Colocou o depoente e esposa no interior do seu carro
e praticamente o constrangeu a lhe pagar quase metade do valor que havia recebido”.
(fl. 364 – Aristides de Moraes Dias)
Tal depoimento é confirmado pelo testemunho de Ademir Clóvis da
Costa Neri, membro da auditoria. Note-se:
“(...) O servidor C. trabalhava no setor de arrecadação. Conseqüentemente, quando
os segurados iam ao posto de benefício e diziam que tinham alguma dívida com o
Instituto, procuravam aquele servidor, que fazia todo o encaminhamento, dizendo que
não tinha problema, bastando fazer uma confissão de dívida para fechar o tempo. Só
que essa confissão era feita de modo informal, não sendo nada registrado no Instituto. E,
segundo alguns segurados, o pagamento era feito no próprio balcão quando na realidade
sabe-se que há anos se faz isso através da rede bancária”. ( fls. 386/387)
C., em acareação promovida no curso de apuratório que investigava
fraude na aposentadoria de Aristides de Moraes Dias, chegou a confessar
a prática criminosa (fls. 343/344), o que é mais um elemento a corroborar
a conduta ilícita nas concessões de benefícios no posto de Cruz Alta.
As alegações de que estava apenas auxiliando no setor de benefícios
em atividade extraordinária, cabendo-lhe apenas transcrever dados e
não conferir os documentos (atribuição dos funcionários “do balcão”),
são inaceitáveis, em vista dos seus conhecimentos técnicos e tempo de
serviço no INSS, como já salientado.
Os vários testemunhos trazidos de outros feitos dão conta de que o
inquérito administrativo confirmou o envolvimento de S. e C., entre
outros, em conluio, demonstrado, inclusive, documentalmente. (fl. 347)
S. reconheceu como suas as assinaturas constantes às fls. 10v, 21 e
22, bem como as inscrições constantes às fls. 10 v e 22. (fls. 74 e 173)
Seu envolvimento nas fraudes perpetradas na unidade do INSS de
Cruz Alta é certo, como se constata da declaração seguinte:
“(...) O problema, no caso desses processos envolvendo fraudes, é que foi
constatado pela equipe de auditoria uma verdadeira inversão no processo administrativo
de recebimento da documentação e deferimento da inativação, com extração dos
respectivos carnês e comandos de pagamento. Tudo era feito diretamente pelo próprio
S., que, a rigor, como chefe do Posto, só deveria conferir”. (fl. 369 – Ademir Clóvis
da Costa Neri)
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
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Regina Beatriz Floriano da Silva, que auxiliou a Polícia Federal
na elucidação dos crimes, também funcionária do INSS, perguntada
sobre quem efetivamente analisava os documentos e concedia as
aposentadorias, respondeu, verbis:
“(...) o concessor em si pegava a documentação, fazia o cálculo do tempo de serviço
à mão, fazia tudo isso e preenchia o comando. (...) em vários casos que eu observei, o
concessor era o S.” (fl. 403)
O depoimento dos funcionários ouvidos no inquérito administrativo
é no mesmo sentido. Veja-se, ad exemplum:
“(...) o servidor S. montava os processos de benefícios e levava para os demais assinarem
sem conferência”. (fl. 431 – Elaine Beatriz Zuse Teixeira)
Assiste razão a S. quando afirma que “erro não pressupõe culpa, nem
dolo”. Entretanto, houve, no encaminhamento do pedido de aposentadoria
de H. L., deliberada inclusão de períodos de contribuição inexistentes, o
que propiciou o recebimento indevido do benefício por mais de seis anos.
Da mesma forma, descabidas as pretensões de se ver isento da
responsabilidade criminal em virtude de “excesso de trabalho no Posto”,
impedindo-lhe de conferir os documentos que instruíam os requerimentos,
o que seria, ademais, atribuição dos chefes setoriais. Ora, embora se
saiba das dificuldades estruturais e de pessoal que enfrentava a autarquia
previdenciária, não podem justificar a conduta delituosa, pois o conjunto
probatório não deixa dúvidas de que suas ações, in casu, conjuntamente
com C., eram dolosamente dirigidas para obtenção de vantagem ilícita
por parte de terceiros em prejuízo do INSS.
De outra parte, chega a ser heresia aduzir que não possuía capacitação
técnica para atuar, visto tratar-se de funcionário com doze anos de exercício
à época do fato, sendo inclusive chefe do Posto da cidade há cerca de sete
anos.
No que pertine à tese de erro quanto à pessoa a viciar o feito, não faz
qualquer sentido, uma vez que operado pela Procuradoria do INSS ao
dar a notitia criminis, ao passo que o inquérito policial e o presente feito
qualificaram e identificaram perfeitamente S. como um dos envolvidos
na concessão fraudulenta de benefícios.
Igualmente, a alegação de que não pode ser incriminado, já que H.
tinha plena confiança de contar tempo suficiente de contribuição ainda que
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excluído o período de 12/89 a 06/92, é desarrazoada, pois não basta sua
convicção, devendo fazer esta prova, ônus do qual não se desincumbiu.
Assim, é de ser mantido o decreto condenatório com relação à H., C.
e S. nos seus exatos termos, destacando-se que a continuidade delitiva
resta evidente, visto tratar-se de estelionato previdenciário em que a
vantagem indevida foi percebida mediante prestações periódicas de
julho/92 a fevereiro/99. No entanto, verifico que houve exacerbação nas
reprimendas impostas a cada um dos réus.
Com relação a H., não sendo desfavoráveis as vetoriais do artigo 59
do CP, fixo a pena-base em 1 (um) ano. Ausentes circunstâncias legais,
aplico a majorante inscrita no § 3º do art. 171 do mesmo Diploma,
perfazendo 1 (um) ano e 4 (quatro) meses; pela continuidade delitiva,
opero aumento de 1/6 (um sexto), tornando definitiva em 1 (um) ano, 6
(seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão. A multa fica estabelecida em
13 (treze) unidades diárias, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário
mínimo.
Insta destacar que, embora este réu tenha sido condenado a mais de
um ano de reclusão, permanece a substituição apenas por prestação de
serviços à comunidade como determinado em primeiro grau, pois o
Parquet não se irresignou quanto a este ponto, sendo vedada a reformatio
in pejus.
C. e S. reclamam imposição das reprimendas inicialmente em 1
(um) ano e 6 (seis) meses, uma vez que apresentam diversas ações em
andamento, indicando culpabilidade acima do grau mínimo, além das
conseqüências do delito serem desfavoráveis, em vista do prejuízo
não ressarcido. Tendo ambos cometido o crime com violação de dever
inerente a cargo (art. 61, II, g, do CP), aplico aumento de três meses,
perfazendo 1 (um) ano e 9 (nove) meses. Pela incidência do disposto no
art. 171, § 3º, do mesmo Diploma, e da continuação delitiva, majoro as
sanções em 1/3 (um terço) e 1/6 (um sexto) respectivamente, tornandoas definitivas para cada réu em 2 (dois) anos, 8 (oito) meses e 20 (vinte)
dias de reclusão. A multa fixo em 22(vinte e duas) unidades diárias no
valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.
Considerando presentes os requisitos do artigo 44 do Estatuto
Repressivo, substituo a pena carcerária de S. e C. por serviços à
comunidade e prestação pecuniária consistente em doar um salário
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mínimo mensal à entidade assistencial definida em sede de execução,
durante o prazo da condenação.
Diante do exposto, nego provimento ao apelo ministerial e dou parcial
provimento aos apelos dos réus para reduzir as penas carcerárias, bem
como determinar sua substituição por restritivas de direitos, consoante
explicitado.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.04.01.015914-9/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti
Apelantes: M. L. C.
J. S. Q. M.
Advogado: Dr. Dagoberto Mendes
Apelado: Ministério Público
Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
EMENTA
Estelionato. Benefícios previdenciários. Prestação periódica.
Natureza permanente. Termo inicial da prescrição. Septuagenário.
Tratando-se de estelionato de rendas mensais, que dura no tempo, há
permanência na consumação (delito eventualmente permanente), devendo
o termo inicial da prescrição contar-se da cessação da permanência.
Transitada em julgado a sentença para a acusação, regula-se a
prescrição pela pena em concreto. E se a pena foi fixada definitivamente
em um ano e quatro meses, prescreve a pretensão punitiva em quatro
anos, nos termos do art. 109, V, do CP.
Se a ré era, na data da sentença, maior de setenta anos, contam-se os
prazos da prescrição pela metade. (art. 115, CP)
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ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a
Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,
declarar, de ofício, a extinção da punibilidade da acusada M. L. C. e
negar provimento ao apelo do réu J. S. Q. M., nos termos do relatório,
voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Porto Alegre, 08 de abril de 2002.
Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti: Trata-se
de apelações contra a sentença que condenou M. L. C. e J. S. Q. M. ao
cumprimento das penas de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão,
em regime aberto, pela prática do delito capitulado no art. 171, § 3º, c/c
o art. 29, ambos do Código Penal, e multa de cada um em 10 (dez) diasmulta, correspondendo cada dia-multa a um trigésimo (1/30) do maior
salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato. Deferiu aos réus a
substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos,
consistente na prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas,
através de trabalho gratuito em entidade conveniada com o juízo.
O benefício previdenciário foi obtido, segundo a denúncia, em
06.01.92, tendo a denúncia sido recebida em 28.07.97. A sentença foi
proferida em 02.09.99.
Recorrem os réus, sustentando que a culpabilidade e a consciência da
ilicitude não restaram provadas nos autos. Os réus, pessoas analfabetas,
foram induzidos em erro quando da campanha eleitoral, pois assinaram os
documentos para a aposentadoria da ré M. L. C. em um Comitê Eleitoral,
onde prometiam aos seus correligionários o benefício junto ao INSS. Por
fim, dizem que os réus não confessaram a autoria, mas apenas narraram
como realmente se passaram os fatos.
Com as contra-razões, subiram os autos.
O Ministério Público Federal perante esta Corte opinou pela prescrição
retroativa da pretensão punitiva, prejudicado o mérito do recurso.
É o relatório.
À douta revisão.
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VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti: Muito embora
já tenha entendido de forma diversa, terminei convencido de que
“a prática de fraude para obtenção de benefícios previdenciários de forma sucessiva, com
recebimento de prestações periódicas, indica natureza permanente de ação delituosa,
devendo o termo inicial da prescrição contar-se da cessação da permanência, ou seja,
da data da interrupção do recebimento das prestações”. (STJ, RHC nº 10052/SP, rel.
Min. José Arnaldo da Fonseca, 5ª T., DJ 06.11.2000)
É que,
“no crime permanente, a ação é contínua, indivisível. O estado violador da lei se prolonga sem
intervalos, numa duração, digamos assim, sem colapsos e sem limites, e a qualquer momento
o crime está sendo cometido, porque esse ininterrupto estado antijurídico é que é, exatamente,
o crime. A prescrição, portanto, há de correr de quando cessa a permanência da ação (Aloysio
de Carvalho Filho, Com. ao Código Penal, vol. IV/315, Forense, 1944)”. (Alberto Silva
Franco, CP e sua Interpretação Jurisprudencial, vol. 1, Tomo I, pág. 1.734, ed. RT)
Na mesma linha, a lição do Ministro José Arnaldo da Fonseca, in
verbis:
“tratando-se de estelionato de rendas mensais, que dura no tempo, há permanência na
consumação (delito eventualmente permanente), devendo o termo inicial da prescrição
contar-se da cessação da permanência (art. 111, III, do CP)”. (HC nº 12.214/SC, DJ
de 07.08.2000)
E como já ensinava o Ministro Assis Toledo, no extinto Tribunal
Federal de Recursos, em voto proferido na ACR 7.625-RJ,
“o Código Penal, no art. 14, define o crime consumado como sendo aquele no qual se
reúnem todos os elementos de sua definição legal. O estelionato, em sua definição legal
(art. 171), contém como elemento essencial o ‘prejuízo alheio’. Isso significa que a
consumação do estelionato se dá com a ocorrência desse elemento material – o prejuízo
alheio. Tal prejuízo pode ocorrer de modo instantâneo, quando o agente obtém de uma
só vez a vantagem ilícita, ou de modo permanente, quando o agente obtém, através de
uma única fraude (uma única ação fraudulenta), prestações periódicas, sucessivas, como
ocorre no caso destes autos: obteve o agente, por meio fraudulento, a concessão de
benefício previdenciário; esse benefício produziu, como resultado, um prejuízo que se
subdividiu, ao longo do tempo, em prestações periódicas, sucessivas, pagas mensalmente.
Não era necessário que o agente reiterasse a ação fraudulenta a cada nova percepção da
vantagem ilícita; bastava-lhe manter a situação ilícita já instalada e receber os seus frutos
mensalmente o que de fato fez. Isso caracteriza, a meu ver, uma das modalidades do
denominado delito permanente que, segundo tive a oportunidade de salientar, tem o
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seu momento consumativo em ‘uma situação duradoura, cujo início não coincide com
o de sua cessação’.” (Princípios Básicos de Direito Penal, Saraiva, 3ª ed., p. 135)
Note-se que, no caso em exame, a consumação do crime – e só ela –,
consistente no prejuízo alheio, perdurou no tempo, a cada nova percepção
da vantagem indevida.
A doutrina apóia esse entendimento. Segundo Maggiore, a permanência
pode ser necessária ou eventual. É necessária quando o prolongamento
da ação está previsto na própria lei como elemento essencial do crime
(ex.: quadrilha, seqüestro etc.). É eventual quando o crime, tipicamente
instantâneo, se prolonga em algum aspecto indefinidamente. (ex.: relação
incestuosa, adulterina etc.)
Creio que melhor exemplo de delito eventualmente permanente
temo-lo nestes autos, onde se dá notícia de um autêntico “estelionato
de prestações periódicas”, “o estelionato de rendas” dos alemães cuja
prescrição começa “com o pagamento da última renda recebida”.
(Jescheck, Tratado de Derecho Penal, 2º vol.)
No caso vertente, muito embora o benefício tenha sido concedido em
06.01.92, houve recebimento indevido até 02/97, quando ele foi suspenso.
Como a denúncia foi recebida em 28.07.97 e a sentença proferida em
02.09.99, não há falar em prescrição em relação ao réu J. S. Q. M., pois
não se passaram quatro (4) anos, conforme artigo 109, V, do Código Penal.
Entretanto, como a ré M. L. C., ao tempo da sentença, já era
septuagenária, pois, segundo consta na Certidão de Casamento e CIC/
MF, nasceu no dia 05.01.29 (fls. 7 e 8), beneficia-se do disposto no
artigo 115 do Código Penal. E como a sentença transitou em julgado
para a acusação, passado-se mais de dois (2) anos entre o recebimento
da denúncia e a sentença, efetivamente ocorreu a prescrição retroativa
da pretensão punitiva da ação. (art. 110, §§ 1º e 2º, c/c art. 109, V, do
Código Penal)
No mérito, como bem fundamentou a decisão hostilizada,
“a materialidade delitiva exsurge da representação das fls. 04/37. Os réus confessaram
a autoria em juízo. M. L. C., na fl. 55, afirmou ter trabalhado em campanha dos doze
aos sessenta anos de idade, mas nunca foi empregada de J. M. Pediu a este para que
preenchesse o contrato de trabalho na CTPS como um favor, pois J. é casado com
uma prima da interroganda. J., por seu turno (fl. 56), confirmou ter assinado a CTPS
de M. para que esta pudesse aposentar-se, pois ela nunca lhe prestou qualquer serviço.
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(...) Como já visto acima, no caso vertente, estão caracterizados o emprego de meio
fraudulento e o induzimento e, por certo tempo, a manutenção da vítima em erro. A
vantagem patrimonial indevida em prejuízo do INSS está demonstrada nas fls. 31/33
dos autos.(...) Em alegações finais, a defesa sustentou a ausência de antijuridicidade na
conduta dos réus, ante o consentimento da vítima e o induzimento dos denunciados à
conduta delitiva por práticas eleitoreiras clientelistas.(...) Não é o que se verifica, pois
os réus inseriram na CTPS da co-denunciada M. elementos que não correspondem à
expressão da verdade, e a fraude foi apta a enganar a vítima, não se verificando nos
autos o seu consentimento implícito com o fato.
Quanto às práticas eleitoreiras, não ignora este juízo a circunstância de que a
expectativa dos trabalhadores rurais em conseguir aposentadoria de maneira expedita
foi utilizada como meio de captação de votos em época eleitoral. Trata-se de prática
nefasta, pois emprega recursos públicos para iludir pessoas que, no mais das vezes,
são ignorantes. Entretanto, um erro não legitima outros, mormente em casos como o
dos autos, em que os réus admitiram a consciência e a vontade de praticar o ato ilícito.
Por fim, também considero configurado o concurso de pessoas, nos termos do art.
29 do CP, já que restaram demonstrados a pluralidade de comportamentos, o nexo
causal e o vínculo subjetivo entre os agentes”.
A pena aplicada está bem dosada e a sua substituição, muito embora
tenha sido por apenas uma restritiva de direitos, deve permanecer, ante
a falta de recurso da acusação.
Nessas condições, declaro, de ofício, a extinção da punibilidade da
acusada M. L. C. pela ocorrência da prescrição e nego provimento ao
apelo do réu J. S. Q. M., nos termos da fundamentação.
É o voto.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.04.01.019165-3/PR
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas
Rel. p/Acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa
Apelante: J. A. A. S.
Advogado: Dr. Ulisses Silvio Gelbert
130
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
Apelante: M. A. R. S.
Advogado: Dr. Claudio Henrique Stoeberl
Apelado: Ministério Público
Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
EMENTA
Penal. Tentativa de saque indevido dos valores depositados em conta
vinculada ao FGTS. Estelionato tentado e uso de documento falso
consumado. Suspensão condicional do processo. Descabimento. Crime
impossível não-configurado. Inaplicabilidade do concurso formal de
crimes. Inaplicabilidade da Súmula 17 do STJ. Consunção. Absorção
do crime menos grave (estelionato tentado) pelo mais grave (falso).
Dosimetria das penas. Substituição das penas privativas de liberdade
por restritivas de direitos. Multa.
1. Incabível a suspensão condicional do processo, nos termos do art.
89 da Lei nº 9.099/95, uma vez que os antecedentes e a conduta social
dos acusados não demonstram que eles virão a cumprir as condições
legais do sursis processual.
2. O fato de o benefício não ter sido concedido por providência prévia
do gerente da Caixa Econômica Federal não configura crime impossível,
de vez que apenas não retirados os valores por circunstâncias alheias
à vontade dos réus, que empregaram todos os recursos necessários à
comprovação de que possuíam os requisitos necessários para o saque.
3. No presente caso, é de ser aplicado o concurso aparente de normas
penais e não o concurso formal de crimes. A diferença entre ambos está
na qualidade do fato. No concurso aparente de normas, há a incidência
de tipos com núcleos idênticos e somente com suas variações diversas e,
por isso, se excluem, respeitando certos princípios que a lógica impõe.
Ao passo que, no concurso ideal, o conteúdo nuclear dos tipos é diverso.
Não há uma implicação necessária na linha causal, que faça subsumir-se
um crime em outro, nem identidade de figura penal.
4. O princípio da consunção é aplicável quando uma conduta humana,
em vez de realizar a descrição contida em diversos tipos penais que
se excluem entre si, realiza o conteúdo de mais de um tipo penal não
excludente, mas que, em virtude de uma conexão lógica e justa, deve
ser considerado absorvido pelo outro.
5. O princípio de que lex consumens derogat legi consumptae incidirá
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
nos casos de exaurimento, ou seja, quando o ato posterior ao delito
configura novo tipo, que fica absorvido.
6. Para que uma infração penal possa ser totalmente absorvida pela
outra, devem estar preenchidos os seguintes requisitos: pluralidade de
elementos subjetivos; inexistência de relação de necessariedade entre
crime absorvido e o crime absorvente; o crime absorvido deve ser
um meio ou um fim do intuito criminoso; o crime absorvido deve ser
menos grave que o crime absorvente; ausência de exclusão legislativa
da absorção.
7. Descartada a possibilidade de aplicação da absorção do delito de
falso pelo crime do art. 171, § 3º, do CP e, conseqüentemente, da Súmula
17 do STJ, uma vez que o meio (falso) é superior ao fim (estelionato
tentado).
8. Aplicável à espécie o princípio da consunção, sendo que o uso de
documento público falso, tipificado no art. 304 do Código Penal, por
consistir infração mais grave, deve absorver o tipo do estelionato tentado,
de forma a justificar uma intervenção justa e proporcional do Direito
Penal, uma vez que a realidade jurídica não pode manter-se inerte diante
de um elemento supremo e absoluto da realidade.
9. Conforme entendimento desta Turma, o fato de os réus terem vários
inquéritos policiais contra si instaurados configura maus antecedentes.
10. Havendo duas circunstâncias judiciais do art. 59 do CP
desfavoráveis aos acusados, deve ser a pena-base fixada um pouco acima
do mínimo legal.
11. Penas definitivas fixadas em 02 anos e 06 meses de reclusão, a
serem cumpridas em regime aberto.
12. Ainda que os denunciados possuam maus antecedentes, cabível a
substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos,
as quais serão suficientes para a repressão da infração praticada. Assim,
restam substituídas as penas corporais, conforme o § 2º do art. 44 do
CP, por prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e por
prestação pecuniária.
13. Tendo em vista o conjunto das circunstâncias judiciais em relação
aos condenados, resta o número de dias-multa fixado em 30 para cada réu,
mantidos os valores unitários arbitrados na sentença de primeiro grau.
14. Apelações parcialmente providas.
132
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria,
dar parcial provimento às apelações, vencido o Desembargador Federal
Vladimir Freitas, que negava provimento às apelações e declarava, de
ofício, a prescrição da pretensão punitiva, nos termos do relatório, voto
e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado. Lavrará o acórdão o Desembargador Federal Fábio Bittencourt
da Rosa.
Porto Alegre, 25 de junho de 2002.
Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa, Relator p/Acórdão.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas: J. A. A. S. e M. A. R. S.
foram denunciados pelo Ministério Público Federal, como incursos nas
sanções dos artigos 171, caput, c/c seu § 3º, e 304, e esta última ainda nas
sanções do art. 71, todos do CP, perante a 3ª Vara Federal de Curitiba/PR.
Narra a denúncia que os acusados, de comum e prévio acordo, em
26.11.96, utilizaram documentos falsos (CTPS, carteira de identidade,
comprovante de pagamento de FGTS, pedido de alteração de cadastro em
conta vinculada, solicitação de saque em conta inativa) perante a Caixa
Econômica Federal, agência Bigorrilho, em Curitiba/PR, a fim de sacar
R$ 723,09 da conta do FGTS de titularidade de Josiane Aparecida de
Oliveira. Face à desconfiança quanto à autenticidade dos documentos,
foram encaminhados à Gerência-Geral, atribuindo-se M. A. R. S.
identidade falsa, passando-se por Josiane. Ao verificar se esta possuía
direito ao saque, obteve-se informação que ela residia em Limeira/SP,
estando a gozar de licença-maternidade, razão pela qual foram presos
em flagrante, antes de obter a vantagem ilícita. Perante a autoridade
policial, relataram que os documentos falsos eram advindos de mulher
não-identificada, mediante o pagamento da quantia de R$ 200,00.
A denúncia foi recebida em 29.09.97 (fl. 05). Devidamente citados
(fls. 18 e 65), foram os réus interrogados (fls. 26/28 e 68/70). Após regular
instrução, com a oitiva de 4 testemunhas, todas de acusação (fls. 105/112
e 126/127), foi indeferida a oitiva das testemunhas arroladas pela defesa
de M. A. R. S. (fl. 119) e aberto, mas nada requerido no prazo do art. 499
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do CPP. Ofereceram, então, as partes suas alegações finais, tanto o órgão
ministerial (fls. 160/161) como a defesa (fls. 163/165 e 176/187). Em
06.07.99, foi publicada a sentença (fls. 189/209), condenando os réus J.
A. A. S. e M. A. R. S. às penas de 2 anos e 4 meses de reclusão e multa,
com fulcro nos artigos 171, c/c § 3º, e 14, II, do CP.
As defesas interpuseram apelações. Em suas razões, a de J. A. A.
S.(fls. 220/223) alega que o crime de estelionato absorve o crime de
uso de documento falso, inexistindo o concurso de crimes. Infere a
verificação de crime impossível, visto que o meio utilizado pelos agentes
era absolutamente ineficaz à prática delituosa.
A de M. A. R. S., a seu turno (fls. 229/234), inferindo a necessidade de
suspensão condicional do processo, visto que preenchidos os requisitos do
art. 89 da Lei 9.099/95, comprovada a inexistência de Inquérito Policial
em andamento e tampouco condenação anterior. Repisa a existência de
crime impossível, não havendo ofensa ao bem jurídico, pois os funcionários
da CEF possuíam conhecimento prévio da tentativa de retirada do FGTS
pelos réus.
Em suas contra-razões, o Ministério Público Federal sustentou a
necessidade de manutenção da sentença recorrida. (fls. 241/244)
Oficiando perante esta Corte, a Procuradoria Regional da República,
em seu parecer, opinou (fls. 248/251) pelo improvimento dos recursos.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas: Trata-se de Apelações
Criminais interpostas pelas defesas, ante a sentença que condenou os
réus J. A. A. S. e M. A. R. S. às penas de 2 anos e 4 meses de reclusão e
multa, com fulcro nos artigos 171, c/c § 3º, e 14, II, do CP.
O Apelo de J. A. A. S. sustenta que o estelionato absorve o crime
de uso de documento falso, inexistindo o concurso de crimes. Infere a
verificação de crime impossível, visto que o meio utilizado pelos agentes
era absolutamente ineficaz à prática delituosa.
O de M. A. R. S. aduz a necessidade de suspensão condicional do
processo, visto que comprovada a inexistência de Inquérito Policial em
andamento e tampouco de condenação anterior. Repisa a existência de
crime impossível, não havendo ofensa ao bem jurídico, pois os funcionários
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da CEF possuíam conhecimento prévio da tentativa de retirada do FGTS
pelos réus.
Preliminarmente, segundo as disposições do art. 89 da Lei nº 9.099/95,
é cabível a suspensão do processo nas hipóteses em que a pena mínima
cominada ao crime for igual ou inferior a um ano, devendo ela ser
proposta se o réu não estiver sendo processado ou não for reincidente, e
as operadoras do artigo 59 do CP indicarem ser necessário e suficiente o
sursis processual. Cumpridos tais requisitos, o réu receberá o benefício de
que trata o dispositivo. No caso em tela, contudo, apesar de a pena mínima
cominada ao crime de estelionato ser de 1 ano (art. 171 do CP), mesmo
desconsiderando-se o aumento do § 3º desse dispositivo, os documentos
de fls. 134/138, 141, 144 e 150/152 demonstram que os réus possuem
antecedentes, ainda que não possam ser considerados reincidentes,
evidenciando que desfavoráveis as circunstâncias judiciais do art. 59
do CP. Ademais, M. A. R. S. ausentou-se, injustificadamente, de sua
residência, mesmo havendo sido advertida (fl. 42 dos autos em apenso) a
não fazê-lo, havendo referido que viajava para Cananéia, em São Paulo,
aos finais de semana, para venda de roupas que confeccionava durante a
semana em Curitiba, havendo igualmente viajado para Guarapuava/PR,
ali permanecendo por uma semana, por problemas de apendicite, havendo
inclusive sido internada por quatro ou cinco dias no Hospital Santa Teresa
(fls. 69/70). Essas circunstâncias revelam sua falta de interesse para
com o feito em que se viu envolvida, reputando-se, acertadamente, que
a Apelante não possui conduta social que assegure o cumprimento das
condições legais da suspensão condicional do processo, principalmente
no que concerne ao seu comparecimento pessoal e obrigatório a juízo,
de que trata o art. 89, § 1º, IV, da Lei dos Juizados Especiais.
Nesse contexto, acertada a decisão monocrática que deixou de
conceder-lhes o benefício. (fl. 200)
Os réus confessaram a autoria delitiva, buscando suas defesas afastar
a condenação com base nas teses de crime impossível e de absorção do
crime de uso de documento falso pelo crime de estelionato.
Quanto à alegação de crime impossível, há que se salientar que
nem o meio era absolutamente inidôneo, ineficaz e nem o objeto era
impróprio. Nosso Código Penal adota a Teoria Objetiva Temperada, no
que concerne ao crime impossível, que exige absoluta inidoneidade para
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que este se configure. A apresentação de documentos forjados como se
verdadeiros fossem e a assunção de identidade falsa, a fim de proceder
ao saque do FGTS, denotam um meio eivado de eficácia. Não estava o
documento grosseiramente falsificado, tanto que a funcionária da Caixa
que atendeu aos Apelantes nada notou acerca de sua apresentação formal
(fl. 110). No mesmo contexto, os documentos apresentados eram os
hábeis a propiciar, mediante sua verificação, a retirada do benefício, ou
seja, a carteira de identidade, a de trabalho e a assinatura do titular da
conta, consistindo, portanto, em objetos próprios para a caracterização
do crime, pois, preenchidos os ditames legais, a comprovação, via tais
documentos, legitima o requerente a retirar os valores depositados na
conta vinculada ao fundo.
O fato de o benefício não haver sido concedido por providência
prévia do gerente não configura crime impossível, de vez que apenas
não retirados os valores, por circunstâncias alheias à vontade dos réus,
que empregaram todos os recursos necessários à comprovação de que
possuíam os requisitos necessários para o saque.
Para o reconhecimento da excludente de tipicidade é necessário
o emprego de meios absolutamente ineficazes ou o ataque a objetos
impróprios, tornando inviável o resultado. Na espécie, há ineficácia
relativa do meio empregado, e não absoluta. Os apelantes iniciaram o
intento criminoso, não o consumando por circunstâncias estranhas a sua
vontade, qual seja, a cautela do ofendido ao verificar que não se faziam
presentes os requisitos autorizadores do saque. Era, pois, eficaz o meio
para enganar a vítima, idôneo à consumação, só abortada por diligência
da empresa pública.
Não há, então, que se falar em crime impossível, ante a circunstância
de não ter o agente conseguido levar avante seu intento. A tentativa
não implica ocorrência de crime impossível. As decisões colacionadas
refletem tal entendimento:
“EMBARGOS INFRINGENTES – ESTELIONATO – TENTATIVA E CRIME
IMPOSSÍVEL – DELITO QUE SÓ NÃO SE CONSUMOU PELA CAUTELA DA
VÍTIMA – IDONEIDADE DO OBJETO – RECURSO IMPROVIDO – Se a vítima não
desconfiou, de plano, do golpe pretendido pelo agente, cujo delito só não se consumou
porque aquela foi extremamente cautelosa, configura-se a tentativa, e não o crime
impossível. (TJMS – EI 2000.002516-0 – S.Crim. – Rel. Des. João Carlos Brandes
Garcia – J. 18.12.2000);
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
ESTELIONATO – UTILIZAÇÃO DE MEIO SUFICIENTE PARA LUDIBRIAR
O HOMEM MÉDIO – CRIME IMPOSSÍVEL – INOCORRÊNCIA – TENTATIVA
– CONFIGURAÇÃO – Crime impossível. Meio empregado suficiente para ludibriar
o homem médio. Configuração. Inadmissibilidade. – Se foram utilizados, sem êxito,
meios suficientes para ludibriar o homem médio, a hipótese é de tentativa de estelionato.
O crime impossível somente ocorre se o meio empregado pelo agente é absolutamente
ineficaz ou se o objeto visado é de impropriedade absoluta.”. (TACRIMSP – AP
1.019.661 – 1ª C – Rel. Juiz Luís Ganzerla – J. 06.03.97)
O agir dos agentes não estava, desde o início, fadado ao insucesso, já
que os documentos apresentados possuíam condições para dar sustentáculo
ao fim colimado, apenas não se consumando, pois que abortado com a
ação da gerência da Caixa, ocorrendo, assim, tentativa punível, não se
havendo como falar em crime impossível ante a circunstância de não ter
o agente conseguido levar avante seu intento.
De vez que a vítima não desconfiou, de plano, do golpe pretendido
pelos agentes, cujo delito só não se consumou porque o gerente foi
extremamente zeloso, configura-se a tentativa, e não o crime impossível.
Iniciada a execução, mantendo-se em erro a CEF, não sabedora do
intuito delitivo, caracteriza-se o crime como o emprego de artifícios ou
ardil, na sua forma tentada, visto que não obtido o benefício.
A incidência do aumento do § 3º do art. 171 do CP também é tranqüila.
Nos termos da majorante, será ela aplicada se o crime for cometido em
detrimento de entidade de direito público. Não se cogita da existência de
lesão patrimonial junto à entidade de economia popular. Dirigindo-se a
conduta contra tal sujeito passivo, verifica-se a hipótese do inciso, pois
patente a tentativa de buscar junto à empresa pública federal os valores
depositados na conta vinculada do FGTS, em prejuízo do erário público,
por parte de pessoa que não satisfazia as condições para o respectivo
saque, ao menos na forma como a documentação fora apresentada.
Quanto à absorção do crime subsumido no art. 304 pelo crime do art.
171, ambos do CP, assiste razão aos Recorrentes.
Nos termos da Súmula nº 17 do STJ, quando o uso de documento
falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por
este absorvido. A contrario sensu, admite-se que haverá concurso formal
de crimes se a falsificação tiver potencialidade para prática de outros
crimes, o que não é o caso dos autos, em que a falsificação das carteiras
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de identidade e de trabalho, bem como o comprovante de pagamento
do FGTS, o pedido de alteração de cadastro em conta vinculada e
a solicitação de saque em conta inativa foram utilizados para o fim
exclusivo de levantamento das contas em que depositado o FGTS.
O uso desses documentos deu-se com único e privativo intento de
constituir o meio fraudulento para iludir as vítimas e obter as vantagens
ilícitas, ocorrendo a absorção desse crime pelo estelionato.
Não se nega, pois, que tenham os réus praticado o crime subsumido
no art. 304 do CP. Contudo, fica este absorvido pelo crime mais grave,
estelionato, tendo em conta que aqueles foram utilizados como meio
para o delito-fim. As decisões colacionadas reforçam esse entendimento:
“APELAÇÃO CRIMINAL – ESTELIONATO E FALSIDADE DE DOCUMENTO
PARTICULAR – CONCURSO MATERIAL – CUMULAÇÃO INVIÁVEL EM
RAZÃO DO FALSO CONSTITUIR-SE EM MEIO PREPARATÓRIO PARA O
ESTELIONATO – ABSORÇÃO DO CRIME-MEIO PELO CRIME-FIM – APELO
PROVIDO EM PARTE PARA EXCLUIR DA CONDENAÇÃO O DELITO DO
ART. 298 DO CÓDIGO PENAL – Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais
potencialidade lesiva, é por este absorvido. Inteligência e aplicação da Súmula 17 do
Colendo STJ.”. (TJMT – ACr 2.688/98 – Classe I – 14 – Alta Floresta – 2ª C.Crim. –
Rel. Des. Antônio Bitar Filho – J. 22.04.98)
“ESTELIONATO – FALSIDADE DOCUMENTAL – ABSORÇÃO DE UM CRIME
POR OUTRO – Apelação criminal. Crime contra a fé pública. Falsidade documental.
Preliminar de nulidade da sentença inconsistente. Prova idônea e suficiente para embasar
o Juízo de reprovação da conduta ilícita. O falso, como crime-meio, é absorvido pelo
estelionato. Parcial provimento do recurso. I- Referindo-se o Juiz, no relatório da
sentença, às alegações finais da acusação e defesa, e motivando suas razões de decidir
com apreciação das alegações da defesa, sem fazer menção expressa a esta, não há
nulidade da sentença. Sentença nula é a não motivada. II- Constituindo o falso o meio
de que se utilizou o agente para a obtenção do benefício patrimonial (fim visado pelo
agente), prevalece o crime de estelionato, com a absorção do falsum, não se aplicando
o princípio majus absorbet minorem.”. (RC) (TJRJ – ACr 1276/94 – (Reg. 260795) –
Cód. 94.050.01276 – Niterói – 1ª C.Crim. – Rel. Des. José Carlos Watzl – J. 23.05.95)
“ESTELIONATO – Mediante falsidade (arts. 171, § 3º, e 299 do CP). Prescrição.
Termo inicial de sua contagem. Se o falso é crime-meio para a prática do estelionato,
em que se exaure, é por ele absorvido. O lapso prescricional, no entanto, só se inicia
quando, descoberta a falsidade, cessa a obtenção da vantagem ilícita (art. 109, III, do
CP).” (TRF 4ª R. – HC 1998.04.01.014559-2 – SC – 1ª T – Rel. Juiz Antônio Albino
Ramos de Oliveira – DJU 08.07.98)
Não se pode considerar lesiva a conduta que num futuro possa vir
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a configurar crime, porque daí estaremos a incriminar o risco de dano.
Se não verificada lesão efetiva ao bem jurídico tutelado, não há por que
considerar a autonomia do crime de uso de documento falso em relação ao
crime de estelionato, devendo ser afastado, por conseguinte, o concurso
formal considerado.
Por outro lado, se o agente falsifica outros documentos não utilizados
no estelionato, dá-se o concurso, com punição autônoma para a falsidade.
No caso dos autos, os documentos utilizados o foram com a intenção
de perpetrar o crime do art. 171 do CP, razão pela qual, na melhor
interpretação da Súmula 17 do C. STJ, fica por este absorvido.
Diante de tais circunstâncias, a dosagem da pena aplicada deve ser
redimensionada, eis que ausente o concurso formal, face à absolvição
do crime de uso de documento falso.
Aplicando-se o critério trifásico e individualizando as penas, considero
acertadas as penas-base aplicadas, bem assim a atenuante do art. 65, III,
do CP, a causa de aumento do § 3º do art. 171 e a diminuição máxima de
2/3 face à tentativa (art. 14, II, do CP). Há apenas que ser desconsiderado
o concurso com o crime do art. 304 e a pena de multa, razão pela qual bem
arbitrada a reprimenda em 5 meses e 10 dias de reclusão para ambos os réus.
Quanto à pena de multa, face às circunstâncias do art. 59 do CP, fica
arbitrada em 10 dias-multa, para ambos os réus, na razão de ¼ do salário
mínimo vigente à data dos fatos, em valor a ser devidamente atualizado,
face às condições econômicas dos réus.
Pelo apenamento, possuem os réus direito à substituição das penas
privativas de liberdade pela pena restritiva de direito. No caso dos autos,
considero mais eficaz a aplicação do art. 44, § 2º, em comparação ao
art. 60, § 2º, do mesmo diploma legal, mesmo havendo a pena sido
definitivamente fixada em patamar inferior a 6 meses. Substituo-as, pois,
pela prestação de serviços à comunidade, na forma a ser definida pelo
juízo da execução.
Mas, depois de tudo, forçoso é reconhecer-se a incidência da prescrição
da pretensão punitiva.
Compulsando os autos, verifico que, com o novo apenamento, de
5 anos e 10 dias, a prescrição consuma-se, diante do inciso VI do art.
109 do CP, em 2 anos. Tendo em vista que a data da sentença remonta a
06.07.99 (fl. 210) e de tal referência até hoje já transcorreram-se, entre
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139
os dois lapsos temporais, mais de 2 anos (CP, arts. 107, IV, e 109, VI,
c.c art. 110, § 1º), imperiosa é a declaração da extinção da punibilidade
pela pena aplicada.
Em face do exposto, nego provimento aos recursos e, de ofício, declaro
a prescrição da pretensão punitiva, no que se refere a ambos os réus.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa: No tocante às
alegações referentes ao crime impossível e à necessidade de suspensão
condicional do processo, acompanho integralmente o voto do eminente
relator.
Entretanto, no que tange ao enquadramento da conduta praticada pelos
denunciados, meu posicionamento é divergente, pelas razões especificadas
a seguir.
O caso em tela efetivamente reclama a aplicação do chamado concurso
aparente de normas, cuja formulação teórica representa uma conquista do
processo civilizatório do Direito Penal, na medida em que proporciona
uma aplicação da pena mais razoável em relação ao crime efetivamente
praticado.
Sobre o tema, assim leciona Luiz Regis Prado:
“O concurso aparente de leis penais (segundo alguns, concurso ideal impróprio,
concurso aparente de tipos), diz respeito à interpretação e aplicação da lei penal. Verifica-se
na situação em que várias leis são aparentemente aplicáveis a um mesmo fato, mas, na
realidade, apenas uma tem incidência. Sendo assim, não há verdadeiramente concurso
ou conflito, mas tão-somente aparência de concurso, visto que existe transgressão
real de apenas uma lei penal, o que dá lugar também a um único delito. Com base em
alguns princípios ou critérios elaborados pela doutrina, aplica-se exclusivamente uma
norma penal, com o afastamento de todas as demais, já que suficiente para esgotar o
total conteúdo de injusto da conduta. A propósito, Beling conceituou o conflito aparente
de leis como a ‘relação que medeia entre duas leis penais, pela qual, enquanto uma é
excluída, a outra é aplicada.’ ”. (Curso de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral, 2ª
ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 130)
Fala-se em concurso aparente de normas toda vez que uma conduta
humana realizar a descrição contida em mais de um tipo penal, mas, não
obstante nem todos eles tenham incidência, seja em razão da inexistência
abstrata de um plus em uma das normas, seja porque uma das normas
foi concretizada conscientemente como meio para a realização de outro
fim, posterior ou anterior a ela.
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
Como no concurso ideal de crimes, o chamado conflito aparente de
normas penais, que Wessels chama de “concurso impróprio” (Direito
Penal – Parte Geral, p. 179), acontece quando uma ação se subsume no
conteúdo de dois ou mais tipos. Tais crimes podem coexistir numa lei
ou em leis diferentes. Ocorre que o reflexo de um comportamento faz
colorir várias condutas típicas, simultaneamente.
Costa Júnior, analisando as afinidades e diferenças existentes entre o
concurso aparente e o concurso formal (ideal de crimes), assim esclarece:
“Em ambos há um único fato e uma pluralidade de normas. No concurso formal,
entretanto, todas as normas concorrentes são aplicáveis; ao passo que no concurso de
normas, quando uma delas é aplicada, todas as demais são descartadas. Por isso, o
concurso de normas é chamado aparente, já que, em realidade, uma só norma irá regular
a espécie fática. Aparentemente, várias delas disputam a regência do fato. Diante da
harmonia do ordenamento jurídico, porém, não se concebe a pluralidade normativa
diante da unidade fática.”. (COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito Penal – curso
completo. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 236)
Porém, a diferença entre o concurso formal e o de leis está na qualidade
do fato. No concurso aparente de normas, há a incidência de tipos com
núcleos idênticos e somente com suas variações diversas e, por isso, se
excluem, respeitando certos princípios que a lógica impõe. Ao passo que,
no concurso ideal, o conteúdo nuclear dos tipos é diverso. Por exemplo: o
dano e a lesão corporal, quando alguém fere outrem com uma pedrada, que
vai destruir o vidro de uma vitrine. Não há uma implicação necessária, na
linha causal, que faça subsumir-se um crime em outro, nem identidade
de figura penal.
Refere Nelson Hungria:
“Ou o fato, apesar de unitário no seu processo material, é idealmente fragmentável,
de modo que, considerando em suas partes, representa violação concomitante de
normas distintas e autônomas (concurso formal de crime), e então não há falar-se em
conflito, pois todas as normas violadas tem aplicação simultânea (embora unificadas
as penas segundo o chamado ‘cúmulo jurídico’); ou o fato incide sob várias normas,
mas estas apresentam entre si uma tal relação de dependência ou hierarquia, que só
uma delas é aplicável, ficando excluídas ou absorvidas as outras.”. (Comentários ao
Código Penal, pp. 118/119)
Luiz Jimenez de Asúa cita Grispigni:
“Tanto no concurso aparente como no concurso formal, um mesmo fato está conforme
com dois tipos legais. No entanto, enquanto no concurso aparente as diversas partes do
fato correspondente aos dois tipos legais são as mesmas, no concurso formal uma parte
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
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do fato corresponde igualmente aos tipos legais, e as outras partes do fato se conformam,
uma a um tipo legal e a outra a outro. Quer dizer, no concurso formal as duas disposições
tomam em consideração uma mesma parte do fato, e, além disso, cada uma distinta parte
do fato mesmo.”. (Tratado de Direito Penal, tomo II, pp. 540/514)
Diz-se que o conflito é aparente, porque, na verdade, apenas uma
lei será aplicável por força dos princípios, que orientam sua incidência.
Esses princípios funcionam como fator eletivo sobre a aplicação ao fato
de uma norma com a exclusão da outra.
Novamente citamos o saudoso Hungria:
“O direito penal não constituiria um sistema ou deixaria de ser uma unidade
coordenada e harmônica, se as suas normas pudessem entrar em efetivo conflito. Não
é admissível que duas ou mais leis penais ou dois ou mais dispositivos da mesma lei
penal se disputem, com igual autoridade, exclusiva aplicação ao mesmo fato.
Para evitar a perplexidade ou a intolerável solução pelo bis in idem, o Direito Penal
(como o Direito em geral) dispõe de regras, explícitas ou implícitas, que previnem a
possibilidade de competições em seu seio.” (Obra citada, p. 118)
A teoria do concurso aparente de normas decorre, portanto, da
inadequação da repressão penal a um dado fato da realidade, decorrente
da conjugação de elementos típicos que, isoladamente, são tipos penais
autônomos, mas que, em determinadas circunstâncias, representam uma
única ação final.
Os fatores final e normativo são apresentados pela doutrina como
capazes de distinguir a unidade da pluralidade de delitos. Muñoz Conde
(Teoria Geral do Delito, 1987, p. 216 e 217) explica que o fator final é a
vontade que rege e dá sentido a uma pluralidade de atos físicos isolados
(plano de ação único) e que o fator normativo deve ser deduzido através
do processo hermenêutico em relação a cada tipo penal. Zaffaroni arrola
como um dos casos distintos de consideração típica unitária da pluralidade
de movimentos voluntários com plano comum a seguinte hipótese:
“d) quando o segundo tipo se realiza como uma forma de exaurimento do primeiro,
porque embora não se exija no tipo a finalidade de realizar o segundo, sua relevante
possibilidade ou perigo, por si ou por outro, é presumida. Isso é o que acontece no
caso da falsificação e ulterior circulação de moeda, da falsificação de documentos e
do estelionato, com o uso do documento adulterado, o porte de arma proibida e a sua
ulterior utilização no cometimento de um delito.” (PIERANGELLI, José Henrique e
ZAFFARONI, Raúl Eugenio. Manual de Direito Penal Brasileiro – parte geral. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 724)
A solução do concurso aparente de normas se utiliza de diversos
142
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
princípios, assim resumidos por Muñoz Conde:
“O problema do concurso é, na prática, fundamentalmente, um problema de fixação
da pena, pois os preceitos que o disciplinam figuram entre as regras de aplicação desta.
Diante do problema, o legislador tem várias opções: princípio da acumulação, pelo qual a
pena de cada delito é fixada separadamente e depois somada; princípio da absorção, pelo
qual só se impõe a pena correspondente ao delito mais grave; princípio da exasperação,
pelo qual se impõe a pena mais grave em seu grau máximo; princípio da combinação,
pelo qual se reúnem em uma só pena as penas distintas aplicáveis; princípio da pena
unitária, pelo qual se impõe uma única pena, sem consideração do número de infrações
delitivas.” (CONDE, Francisco Muñoz. Teoria Geral do Delito – Tradução de Juarez
Tavares e Luiz Regis Prado. Porto Alegre: 1988, p. 219)
Em que pese o art. 5º do Anteprojeto Hungria, sintetizando as
sugestões da maior parte da doutrina, ter apontado três princípios para
dirimir conflitos decorrentes do concurso aparente de normas penais
(princípio da especialidade, princípio da subsidiariedade e princípio da
consunção), o sistema de nosso Código Penal adotou apenas o princípio
da especialidade no seu art. 12, de modo que a solução do conflito
aparente de normas deve ser feita pelo julgador de modo a atender à
razoabilidade necessária na aplicação da pena.
Em relação aos crimes de falsidade e estelionato, a solução do
concurso aparente de normas penais recorre ao princípio da consunção,
assim definido pela doutrina:
“Verifica-se este caso quando um fato (ou seja, um tipo penal) não está
necessariamente compreendido em um outro, mas concorre regular e tipicamente no
cometimento deste outro, de maneira que seu conteúdo de injusto e o de culpabilidade
são abrangidos e consumidos pela forma mais grave de delito.”. (WESSELS, Johannes.
Direito penal (aspectos fundamentais) – Tradução do original alemão e notas por
Juarez Tavares. Porto Alegre: Fabris, 1976, p. 180)
“Consunción: el contenido de injusto de un tipo comprende típicamente también
el contenido de injusto de otro, de modo que la punición por el hecho acompañante es
compensada por la del hecho principal...”. (WELZEL, Hans. Derecho Penal – Parte
General. Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1956, p. 229)
“Pelo princípio da consunção, ou absorção, a norma definidora de um crime constitui
meio necessário ou fase normal de preparação ou execução de outro crime. Em termos
bem esquemáticos, há consunção quando o fato previsto em determinada norma é
compreendido em outra, mais abrangente, aplicando-se somente esta. Na relação
consuntiva, os fatos não se apresentam em relação de gênero e espécie, mas de minus e
plus, de continente e conteúdo, de todo e parte, de inteiro e fração.”. (BITTENCOURT,
Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
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1997, p. 160)
Concordo parcialmente com Von Hippel, quando refere:
“que o princípio da consunção não tem substantividade própria e distinta do de
especialidade e subsidiariedade, porque os casos que envolve podem todos enquadrarse em um ou outro desses critérios”. (Luiz Jimenez de Asúa, Instituições de Direito
Penal, vol. I, tomo II, p. 558)
Os exemplos trazidos à colação pelos autores, em regra, para confirmar
o princípio da consunção, devem ser resolvidos à luz da especialidade
ou da subsidiariedade. Reporta-se Asúa à tentativa-consumação,
cumplicidade-conduta de autor, casos de progressão delitiva, delito
complexo.
O princípio de que lex consumens derogat legi consumptae, todavia,
incidirá nos casos de exaurimento, ou seja, quando o ato posterior ao
delito configura novo tipo que, segundo certos autores, fica absorvido.
O exemplo mais comum é o do ladrão que vende a coisa furtada,
iludindo o terceiro de boa-fé. O estelionato seria o esgotamento do
furto e, por isso, restaria consumido naquele. Sobre esse assunto, vejase exaustivo estudo de Luiz Jimenez de Asúa. (Obra citada, pp. 574 e
seguintes)
Creio que se faz necessário esclarecer que a consunção em relação
ao antecedente se confunde com a subsidiariedade. Nesse sentido, o
crime-meio estaria consumido pelo crime-fim. Em verdade, a progressão
ínsita no crime-meio faz com que permaneça subsidiário ao crime-fim. A
consunção referentemente ao conseqüente é que há de ser reconhecida.
Quer dizer, se o crime que caracteriza o exaurimento deve ficar consumido
pelo principal aí, então, estaremos diante da regra que resolve o conflito
aparente pela consunção. Não é aceitável confundir-se consunção do
antecedente com subsidiariedade, porque prevalece este último princípio.
Em síntese, o princípio da consunção é aplicável quando uma conduta
humana, em vez de realizar a descrição contida em diversos tipos penais
que se excluem entre si, realiza o conteúdo de mais de um tipo penal
não-excludente, mas que, em virtude de uma conexão lógica e justa, deve
ser considerado absorvido pelo outro.
Ocorre que, para que uma infração penal possa ser totalmente
absorvida pela outra, certos requisitos devem estar preenchidos. São eles:
144
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
a) pluralidade de elementos subjetivos: a absorção decorrente da
aplicação do princípio da consunção só ocorre quando o elemento
subjetivo do agente abranja todos os tipos penais realizados;
b) inexistência de relação de necessariedade entre crime absorvido
e crime absorvente: isso porque, do contrário, estaremos diante de um
crime complexo, que se forma pela adesão de um tipo penal autônomo a
outro tipo penal, seja para a formação de um terceiro, seja para constituir
um deles;
c) o crime absorvido deve ser um meio ou um fim do intuito criminoso:
a ausência de necessariedade não afasta a exigência de que o crime
absorvido seja, ou um crime-meio em relação ao crime-fim (ante-fato
impunível), ou um simples exaurimento do intuito criminoso (pós-fato
impunível);
d) o crime absorvido deve ser menos grave que o crime absorvente:
justamente por ser um critério de legitimação externa, o princípio da
consunção pressupõe, como solução justa, que o crime absorvido seja de
menor gravidade que o crime absorvente. Admite-se também a absorção
quando os delitos são de igual gravidade;
e) ausência de exclusão legislativa da absorção: não pode ser caso
em que o legislador, expressamente, impôs o concurso real de crimes.
(como ocorre no art. 1º, § 2º, da Lei nº 9.437/97, em que o delito de
contrabando ou descaminho não resta absorvido pelo porte ilegal de
arma de uso proibido ou restrito)
O tipo penal do estelionato prevê no seu enunciado a utilização de
meio fraudulento como um dos elementos integrantes do mesmo. A
solução do conflito aparente de normas a partir da aplicação do princípio
da consunção em relação ao crime de falsidade ideológica parece ser
uma decorrência lógica face à estreita relação do chamado crime-meio
(falsidade) em relação ao crime-fim (estelionato), uma vez que existe
além do fator normativo – previsão da conduta típica do crime-meio
no crime-fim – o fator final, ou seja, no plano subjetivo dos apelantes a
prática da primeira conduta delitiva constituiu-se em uma etapa inicial
para a consumação do crime efetivamente almejado.
No entanto, a consumação do estelionato, através da falsidade
documental, introduziu grandes controvérsias na doutrina e na
jurisprudência. A problemática foi apresentada em sintético trabalho da
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
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lavra do promotor paulista Valdir Sznick, em que esboça as principais
posições a respeito. (“Falso e Estelionato e o Conflito Aparente de
Normas”, in Atualidades Forenses nº 23, p. 13)
Apontam alguns a solução do concurso material ou formal entre a
falsidade e o artigo 171 (como fez o ilustre magistrado a quo). Outros,
a prevalência ora de um ora de outro crime, que fica subsumido. Seria,
assim, uma questão a ser resolvida segundo critérios do concurso aparente
de normas.
Considerando ser o falso um dos possíveis meios fraudulentos para
prática do embuste, por muito tempo defendi a subsunção do estelionato,
consumindo-se aquele outro tipo, que se caracterizaria como crime-meio.
Ocorre que, analisando melhor a questão, percebi que o delito-meio,
que restava absorvido pelo crime-fim, não era o menor.
No crime complexo, a absorção pode se dar (crime composto
propriamente dito especializante) por expressa escolha do legislador, caso
em que o crime mais grave pode ser absorvido pelo crime menos grave.
O mesmo inocorre na consunção, como visto quando da análise dos
pressupostos desse instituto. Sendo assim, é preciso atentar para o fato
de que o estelionato não é um crime composto, muito menos o falso. E o
estelionato é crime menos grave em confronto com a falsidade, quando ela
diz respeito a documento público, ainda mais sendo o estelionato apenas
tentado. Logo, descartada a possibilidade de aplicação da absorção do
delito de falso pelo crime do art. 171, § 3º, do CP. Em outras palavras, não
há como se justificar a incriminação exclusiva da tentativa de estelionato,
no caso em exame.
Tampouco existe regra especial a aplicar. Quanto ao conteúdo fático
e jurídico, as normas se distanciam. Uma protege o patrimônio, outra a
fé pública. Inexiste relação de minus ad majus, porque o meio (falso) é
superior ao fim (estelionato tentado) e, dessa maneira, inviável visualizar
o delito em progressão. Como salienta Valdir Snick, adotando tal
posicionamento, estaríamos diante de um verdadeiro “crime regressivo”,
o que fere a sistemática.
Resta o socorro ao princípio da consunção, mas aplicado de forma
distinta. Já foi afirmado que ele se ajusta aos casos de exaurimento, ou
seja, absorve o delito, que constitui conseqüência de uma ação criminosa.
Saliento, entretanto, que a absorção, em casos de exaurimento, respeita
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
apenas um princípio de política criminal. Discordo, pois, de Luiz Jimenez
de Asúa, que vê na conduta criminosa conseqüente de outra um termo
final do iter criminis (Obra citada, p. 578). Essa tese não suporta uma
investigação lógica, em termos rigorosamente científicos.
Em face do que foi dito e revendo o posicionamento por mim adotado
anteriormente, tenho que, no presente caso, não tem aplicação a Súmula
17 do Superior Tribunal de Justiça, com o seguinte enunciado:
“Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por
este absorvido.”. (DJ (Seção I) de 28.11.90, p. 13.963)
Ao apresentar documentos falsos à funcionária da Caixa Econômica
Federal, os réus praticaram o primeiro ato criminoso do chamado iter
criminis, com o intuito de viabilizar o cumprimento do seu objetivo
principal, ou seja, o saque indevido dos valores depositados na conta
vinculada ao FGTS de titularidade de Josiane Aparecida de Oliveira.
Conforme já foi dito, o princípio da consunção tem como fundamento
um critério de justiça, uma vez que, restando claro que o agente objetivava
praticar apenas um crime, não seria legítimo puni-lo por duas condutas
delituosas. Isso decorre da impossibilidade de enquadramento de uma
conduta humana em tipo legal sem que se examine o desiderato do sujeito
ativo, já que um tipo penal não se analisa somente sob a ótica do fato
praticado, mas também de acordo com o elemento subjetivo do agente.
Não há dúvidas de que as condutas dos ora apelantes sofrem a
incidência de dois tipos penais: o de uso de documento falso e o da
tentativa de estelionato. Essa realidade – da qual não podemos nos
afastar –, entretanto, acarretaria a imposição de uma pena deveras injusta
no caso do concurso real de crimes, já que o documento falsificado foi
utilizado apenas e tão-somente para induzir a CEF em erro e proporcionar
vantagem ilícita aos ora apelantes. Assim, impõe-se a aplicação do
princípio da consunção, neste caso, a fim de tornar justa uma efetiva
realidade. O reconhecimento do concurso real de crimes, como fez o
ilustre magistrado a quo, a meu ver, implica exacerbação severa da
sanção dos apelantes e violação à proporcionalidade que deve existir
entre os delitos praticados e a punição recebida, a justificar a intervenção
do Direito Penal.
No entanto, a condenação apenas pela tentativa de estelionato, como
fez o eminente Desembargador Federal relator desta apelação criminal,
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
por sua vez, acarreta redução demasiada das penas.
Ocorre que, na consunção, deve ocorrer a absorção do crime menos
grave pelo crime mais grave, e não o contrário. No presente caso, tendo
em vista que os documentos utilizados são de natureza pública (Carteira
de Trabalho e Previdência Social, Cédula de Identidade, comprovante de
pagamento do FGTS, Pedido de Alteração Cadastral em Conta Vinculada
– PAC e solicitação de saque em conta inativa), o crime maior é aquele
relativo ao falso, e o menor é o de estelionato tentado. Sendo assim,
inaplicável a Súmula nº 17 do STJ, como já referido.
Em conclusão, penso que, na hipótese de ser a falsidade meio para
obter a vantagem ilícita, a única solução técnica aplicável é a da absorção
da tentativa de estelionato, ficando punível somente o falso consumado.
A consunção faz com que se elimine o delito posterior menos grave,
restrita às espécies de esgotamento do crime maior.
Sendo assim, tenho que merece ser reformada a sentença, a fim de ser
aplicado o princípio da consunção, sendo que o uso de documento falso,
tipificado no art. 304 do Código Penal, por consistir infração mais grave,
deve absorver o tipo do estelionato, de forma a justificar uma intervenção
justa e proporcional do Direito Penal, uma vez que a realidade jurídica
não pode manter-se inerte diante de um elemento supremo e absoluto da
realidade fática.
Procedo, pois, à nova dosimetria das penas, aplicando somente as
sanções cominadas ao crime de uso de documento falso.
O art. 304 do CP determina que quem cometer o delito de uso de
documento falso estará sujeito a uma pena idêntica àquela cominada à
falsificação ou adulteração. Conforme as lições de Paulo José da Costa
Júnior, na obra Comentários ao Código de Processo Penal:
“São, pois, incriminados o uso de documento público (art. 297) ou particular (art.
298), material ou ideologicamente falso (art. 299), o uso de documento com falso
reconhecimento de firma (art. 300), de certidão ou atestado ideológica ou materialmente
falso (art. 301), bem como o uso de atestado médico falso (art. 302).”. (São Paulo,
Editora Saraiva, 2000, p. 954)
Sendo assim, tendo em vista que os acusados fizeram uso de
documentos públicos falsificados, as sanções a serem aplicadas são
aquelas estabelecidas no artigo 297 do Código Penal.
Por serem as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP idênticas para
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os dois acusados, assim como as agravantes, atenuantes, majorantes e
minorantes, fixo as penas de ambos conjuntamente.
Analisando as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, verifico que
duas delas são desfavoráveis aos acusados, de modo que a pena-base
deve ser fixada um pouco acima do mínimo legal.
No que respeita à culpabilidade, o juízo de censura em relação aos
condenados é maior, eis que a etapa inicial para a consumação do crime
efetivamente almejado constituiu outra conduta delitiva, ainda que sejam
aplicadas as sanções de apenas um dos tipos penais por um critério de
justiça.
Inexistem nos autos informações objetivas capazes de precisar
a personalidade e a conduta social dos denunciados, pelo que essas
circunstâncias não lhes podem ser desfavoráveis. Os réus têm vários
inquéritos policiais contra si instaurados, fato que, conforme entendimento
desta Turma, configura maus antecedentes. A vítima em nada colaborou
para o ilícito em questão. As conseqüências do crime não foram graves.
Os motivos e as circunstâncias do delito também são normais à espécie.
Sendo assim, fixo a pena-base um pouco acima do mínimo legal, ou
seja, em 2 anos e 06 meses de reclusão.
Inexistem agravantes e/ou atenuantes no caso em tela, de modo que a
pena provisória fica mantida em 02 anos e 06 meses de reclusão.
Ante a ausência de majorantes ou minorantes, torno as penas
definitivas naquele patamar.
O regime inicial de cumprimento da pena deverá ser o aberto. (art.
33, § 2º, c, do CP)
Ainda que os denunciados possuam maus antecedentes, entendo cabível
a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, as
quais serão suficientes para a repressão das infrações praticadas. Assim,
substituo a pena corporal, conforme o § 2º do artigo 44 do CP, por prestação
de serviços à comunidade ou entidade pública a ser definida pelo juízo da
execução, e por prestação pecuniária, esta correspondente ao pagamento
mensal de 01 salário mínimo à entidade beneficente, pelo período de 02
anos e 06 meses.
Passo a analisar a dosimetria da pena de multa.
Na fixação da pena de multa deve ser calculado, em primeiro lugar, o
número de dias-multa, conforme o art. 59 do CP, e, a seguir, o valor de
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cada dia, em função da situação econômica do réu, nos termos do art.
60 também do Código Penal.
Nesse sentido, o seguinte precedente desta Egrégia Corte:
“CRIMINAL. OMISSÃO NO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES
PREVIDENCIÁRIAS. CRIME CONTINUADO. LEI PENAL NO TEMPO. LEI
NOVA MAIS SEVERA. PERÍCIA CONTÁBIL. ELEMENTO SUBJETIVO. CRIME
OMISSIVO PRÓPRIO. DOLO GENÉRICO. LEI Nº 9.714/98. SUBSTITUIÇÃO.
DOSIMETRIA DA PENA DE MULTA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
(...)
5. Na fixação da pena de multa, deve-se calcular, em primeiro lugar, o número de
dias-multa, conforme o art. 59 do CP e, a seguir, o valor de cada dia, em função do
rendimento do sujeito e de seu nível de vida, nos termos do art. 60 também do Código
Penal.
(...)”. (TRF-4ªRegião, ACR nº 1999.04.01.011305-4/SC, Rel. Juíza Ellen Gracie
Northfleet, 1ª Turma, DJ 13.10.99, p. 832)
Dispõe o caput do art. 60 do Código Penal:
“Na fixação da pena de multa o juiz deve atender, principalmente, à situação
econômica do réu.”
Como se pode extrair da leitura do texto desse dispositivo legal, o
critério da situação econômica do réu utilizado para a quantificação do
dia-multa não é exclusivo. Além dele, o juiz poderá considerar a natureza
do injusto e as conseqüências do delito.
Na realidade, é a culpabilidade o que fundamenta e limita todas
as penas, sejam elas privativas de liberdade, restritivas de direitos,
pecuniárias etc. Isso significa dizer que o juiz graduará a pena de
multa do mesmo modo como graduou a pena privativa de liberdade:
culpabilidade em grau mínimo, número de dias no mínimo ou próximo
dele; culpabilidade em grau médio, um pouco acima e culpabilidade
extrema, número de dias na direção do limite máximo.
Depreende-se do que foi dito acima que, ao individualizar o número de
dias-multa, o juiz deve atentar e resguardar a simetria que a culpabilidade
produzirá relativamente à espécie e quantidade de pena privativa de
liberdade.
Desse modo, analisando o conjunto das circunstâncias judiciais em
relação aos condenados, fixo em 30 o número de dias-multa para cada
réu, mantidos os valores unitários arbitrados na sentença de primeiro grau.
Com o novo apenamento, não há que se falar em ocorrência de
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prescrição a ensejar a declaração da extinção da punibilidade dos
acusados.
Com efeito, aos réus foram aplicadas as penas de 2 anos e 6 meses.
Segundo a redação do art. 110, §1º, do Código Penal, uma vez transitada
em julgado a decisão condenatória para a acusação, a prescrição regulase pela pena aplicada. No presente caso, a prescrição somente ocorreria
se houvesse transcorrido lapso temporal superior a 8 anos entre alguns
dos marcos interruptivos taxativamente arrolados no art. 117 do CP, o
que não se verifica no caso em tela.
Em face do exposto, conheço das apelações para dar-lhes parcial
provimento, nos termos da fundamentação.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.04.01.056441-0/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas
Apelante: Ministério Público
Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
Apelante: H. L. O.
Advogado: Dr. Valdir José Romanini
Apelados: (Os mesmos)
EMENTA
Penal. Não recolhimento de tributos. Imposto de renda descontado
de terceiros. Lei nº 8.137/90. Dificuldades financeiras inexistentes.
Substituição da pena privativa de liberdade. Aplicabilidade.
1. O crime de omissão de tributos previsto no art. 2º, II, da Lei nº
8.137/90 é puramente formal, dispensando a existência de dolo específico,
assim como outras circunstâncias que não o simples desconto e o posterior
não recolhimento do valor devido.
2. Não pode ser aceita a tese de dificuldades financeiras para justificar a
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
omissão no recolhimento dos tributos, quando o acusado registra aumento
em seu patrimônio pessoal.
3. Sempre que possível deve ser concedida a substituição da pena
corporal pela prestação de serviços e prestação pecuniária, porque são mais
adequadas à ressocialização do condenado, especialmente nos crimes de
cunho patrimonial.
4. A pena imposta em juízo de apelação deve ser executada de plano,
uma vez que eventuais recursos às Cortes Superiores não têm efeito
suspensivo.
5. Havendo nos autos notícias de que o condenado responde a
inquéritos policiais e ações penais por diversos crimes, em várias cidades
e na Justiça Federal e Estadual, revela-se oportuna a remessa de cópia de
acórdão que confirmou sentença condenatória às Autoridades Judiciárias,
a fim de que possam bem avaliar a sua personalidade.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas,
decide a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso do Réu e negar
provimento ao recurso do Ministério Público Federal nos termos do
relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Porto Alegre, 25 de junho de 2002.
Des. Federal Vladimir Freitas, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas: O Ministério Público
Federal ofereceu denúncia contra H. L. O., dando-o como incurso nas
penas previstas no artigo 2º, II, da Lei nº 8.137/90, com o acréscimo
decorrente da continuidade delitiva expressa no artigo 71 do Código
Penal porque, na condição de sócio-gerente da empresa IBF – Indústria
Brasileira de Formulários Ltda., deixou de recolher ao erário, no prazo
legal, Imposto de Renda retido na fonte descontado de pagamentos feitos
a terceiros.
A denúncia foi recebida em 20.11.96 (fl. 317), procedendo-se ao
interrogatório do réu (fls. 381-383), citado por edital (fl. 368). Na
apresentação da defesa prévia, argüiu o réu incompetência do juízo em
152
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razão do lugar, dado que é residente e domiciliado no Estado de São
Paulo (fls. 384-389). Tal pedido foi indeferido pelo douto juiz (fls. 393394) no momento da audiência de inquirição das testemunhas arroladas
na peça acusatória (fls. 395-398). Ouvidas as testemunhas requeridas
pela defesa técnica (fls. 424, 463-465, 472-474 e 502-504), abriu-se
prazo para o disposto no artigo 499 do Código de Processo Penal. Nesta
oportunidade, o Ministério Público Federal requereu fossem juntadas
aos autos as declarações de Imposto de Renda do réu (fl. 55), enquanto
a defesa nada disse.
Apresentadas as alegações finais (fls. 613-621 e 626-635), converteuse o julgamento em diligência para a juntada de cópias autenticadas de
processo movido pelo réu contra a União Federal (fls. 637-638). Ato
contínuo, foram os autos conclusos para sentença.
Publicado o decisum em 16.08.99 (fls. 887-907), o douto magistrado
entendeu por bem condenar o réu às penas de 1 ano e 8 meses de detenção
e 1.380 dias-multa, no valor unitário de 1/10 de salário mínimo, sendo
que a pena corporal foi substituída por duas restritivas de direitos nas
modalidades de prestação de serviços à comunidade e perda de bens.
Interpostos embargos de declaração pelo Ministério Público Federal
(fls. 909-912) e julgados parcialmente procedentes (fls. 914-918),
apelaram as partes inconformadas com a sentença proferida, requerendo
a defesa técnica a apresentação de razões em superior instância, o que
foi deferido.
Em suas razões, alega o representante do parquet a impossibilidade
de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos,
pois incabíveis os requisitos previstos no artigo 44 do Código Penal.
Alternativamente, requer a aplicação da modalidade de limitação de fim
de semana em vez de perda de bens (fls. 920-931). Subiram os autos.
A defesa técnica aduziu, em preliminares, a invalidade dos documentos
instrutórios apresentados pela parte-autora na denúncia, exceção de
incompetência em razão do lugar, cerceamento de defesa, pois negado
o pedido de realização de perícia e, finalmente, inépcia da denúncia,
dado que não especifica a participação efetiva do réu ora condenado no
crime apontado. No que tange ao mérito, alega, basicamente, dificuldades
financeiras, ausência de dolo e inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei
nº 8.137/90, o que faz juntando documentos, tais como procurações,
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153
sentença de abertura de falência, petições diversas, entre outros. (fls.
1.171-1.197)
O ilustre representante da Procuradoria Regional da República
ofereceu parecer, opinando pelo provimento do apelo ministerial e
pelo improvimento do recurso da defesa (fls. 1.199-1.219). Juntados
documentos pelo defensor de H. L. O. (fls. 1.221-1.380), manifestouse o Ministério Público Federal, ratificando o parecer oportunamente
apresentado. (fls. 1384-1385)
Conclusos os autos, a defesa técnica apresentou mais documentos (fls.
1.394-1.605), sendo que novamente foi dada vista ao representante do
parquet, o qual considerou ser a conduta do réu protelatória e requereu
julgamento imediato do feito. (fl. 1.610)
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas: H. L. O. foi processado por
infração ao artigo 2º, II, da Lei nº 8.137/90, combinado com o artigo 71
do Código Penal, perante o Juízo Federal de Porto Alegre-RS, porque se
omitiu no recolhimento do Imposto de Renda retido na fonte descontado
de pagamentos feitos a terceiros, findando por ser condenado a cumprir
a pena de 1 ano e 8 meses de detenção e multa, a primeira substituída
por duas restritivas de direitos. (fls. 887-907)
Inconformadas, apelaram ambas as partes. Sustenta o Ministério
Público Federal, em síntese, que há a impossibilidade legal da
substituição da pena privativa de liberdade concedida, além do que
considera imprópria a aplicação da perda de bens, indicando como mais
pertinente a limitação de fim de semana. De outra banda, a defesa aduz,
preliminarmente, a invalidade dos documentos instrutórios apresentados
pela parte-autora na denúncia, exceção de incompetência em razão do
lugar, cerceamento de defesa, pois negado o pedido de realização de
perícia e, finalmente, inépcia da denúncia, dado que não especifica a
participação efetiva do réu ora condenado no crime apontado. No que
tange ao mérito, alega, basicamente, dificuldades financeiras, ausência
de dolo e inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei nº 8.137/90.
Antes de enfrentar as razões de mérito, cumpre registrar que os crimes
praticados em detrimento da Ordem Tributária mereceram a atenção
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
do legislador desde a edição da Lei nº 4.729/65. Com efeito, pode-se
afirmar que a preocupação em reprimir tais condutas, cujas conseqüências
sociais por vezes geram maior dano à sociedade do que os habituais
crimes de furto ou roubo, por exemplo, tem-se incrementado cada vez
mais. Exemplo disso foi a edição da Lei nº 8.137/90, mencionada da
presente denúncia, e cujo escopo foi o de aperfeiçoar a redação dos tipos
até então existentes, permitindo-se, assim, a sua eficaz repressão pelos
órgãos estatais.
Deve ser dito, ainda, que tais infrações podem ser perfeitamente
classificáveis dentro do que hoje se denomina de macrocriminalidade.
E isso significa, em linhas gerais, a preocupação do Estado em conter a
prática das condutas de sonegação fiscal e também do chamado white
collar crime, que, por sua especial e complexa natureza, traduzem
enorme lesão à ordem jurídica, porquanto interferem diretamente no
bom funcionamento do sistema tributário e econômico nacional e, por
conseqüência, dos serviços públicos que devem ser prestados à sociedade.
No que concerne aos apelos ora interpostos, passo a analisar as
razões do réu. Preliminarmente, impugna os documentos acostados pelo
Ministério Público Federal, pois não-autenticados. Porém, entendo que
esta tese não merece prosperar, dado que, como bem-analisado pelo douto
juiz singular em sua decisão, as peças informativas foram fornecidas pela
Secretaria da Receita Federal e firmadas por seus funcionários, sendo o
suficiente para a existência da presunção legal de legitimidade. Ademais,
claro é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no tangente ao
assunto:
“é pacífico o entendimento adotado por esta Corte Superior no sentido de que as cópias
de documentos não autenticadas são equiparadas ao original desde que a parte adversa
não comprove sua falsidade”. (REsp nº 352.011 – Rel. Min. Garcia Vieira – D.J.U
11.03.2002).
Concluindo o debate sobre o tema, vale transcrever o artigo 365, III,
do Código de Processo Civil, como segue:
“Fazem a mesma prova que os originais:
(...)
III – as reproduções dos documentos públicos, desde que autenticadas por oficial
público ou conferidas em cartório, com os respectivos originais”.
Argúi o réu exceção de incompetência em razão do lugar, pois este
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155
é residente e domiciliado no Estado de São Paulo, entendendo ser
competente para a presente demanda circunscrição federal daquele ente
federativo. Contudo, não deve ser acolhido o entendimento exposto pela
defesa técnica, pois, de acordo com a leitura do Código de Processo
Penal, em seu artigo 69, concluímos que:
“Art. 69. Determinará a competência jurisdicional:
I – o lugar da infração;
(...)”.
Sendo cristalina a norma aventada, afasto a pretensão do apelante, pois,
ocorridas as omissões na cidade de Alvorada – RS, em conseqüência, é
competente para o julgamento da respectiva ação penal a Justiça Federal
de Porto Alegre – RS, desconsiderando o local da sede da empresa ou
mesmo da localização física de seu responsável.
Ainda em sede de preliminares, aduz a defesa a ocorrência de
cerceamento de defesa, porque indeferido o pedido de realização de
perícia. Novamente, não vejo razão nesta alegação, dado que se trata
de crime formal, não-material, bastando, para sua consumação, a
simples omissão no recolhimento dos valores descontados. Nessa linha
jurisprudencial, cito, do STJ, as palavras do eminente Ministro Fernando
Gonçalves, relator do recurso em Habeas Corpus nº 10.183, publicado
no DJU de 18.12.2000, ao ensinar:
“É prescindível a realização de perícia contábil para a caracterização do crime de
omissão do recolhimento de contribuições previdenciárias, sendo suficiente a apuração
realizada pelo órgão arrecadador”.
No mesmo sentido:
“(...) CERCEAMENTO DE DEFESA IRRECONHECIDO (...).
1. Inconcebível o deferimento de provas inúteis, tal como a perícia contábil requerida
pela defesa, mormente se a penúria financeira alegada para o não recolhimento das
contribuições previdenciárias poderia ser provada de outra forma. (...)”. (STJ - REsp
nº 159447/SC – Relator Ministro Anselmo Santiago – 6ª Turma – DJ 01.02.99)
Ainda em preliminar, da Tribuna sustentou o eminente Defensor que
o crime em tela é da competência do Juizado Especial Federal Criminal,
uma vez que a pena máxima é de 2 anos e se aplica o artigo 2º da Lei nº
10.259/2001. Sem razão, contudo. A própria lei, no artigo 25, dispõe que:
“Art. 25. Não serão remetidas aos Juizados Especiais as demandas ajuizadas até a
data de sua instalação”.
156
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
Quanto à alegação de inépcia da peça acusatória, analisarei juntamente
com o mérito, pois ambos se confundem.
Passando à análise do mérito, trato da materialidade e da autoria do
crime em questão. Como já dito anteriormente, trata-se de crime omissivo
puro, independendo de outras circunstâncias que não apenas a simples
omissão de valores que a lei ordena sejam recolhidos. Sendo assim,
basta o desconto formal do imposto dos pagamentos feitos a terceiros
e o posterior não repasse ao erário para a configuração do delito em
tela, sendo desconsiderado o dolo específico de lesar o Fisco, o animus
rem sibi habendi para o cometimento da ação. Frente a isso, através da
Representação Fiscal para Fins Penais (fls. 08-13) e dos documentos
instrutórios, percebo que a materialidade está suficientemente
demonstrada, tornando desnecessárias quaisquer provas que nos autos
não se encontrem.
Com relação à autoria, afirma a defesa técnica ser a indicação da mesma
demasiadamente frágil. Entretanto, não assiste razão ao recorrente, dado
que a jurisprudência deste Tribunal e do Superior Tribunal de Justiça é
pacífica no sentido de entender lícita a narrativa genérica do delito, desde
que não tolha o exercício de defesa. No caso em tela, a responsabilidade
geral pela empresa, em princípio, é de seu administrador, não sendo
exigido que a peça vestibular precise a conduta. No curso da instrução
criminal se apura por completo a culpa existente, não ofendendo,
assim, o princípio da ampla defesa nem do contraditório. As cópias de
procurações e alterações contratuais referentes à empresa IBF – Indústria
Brasileira de Formulários Ltda. (fls. 105-135) mostram claramente o
apelante na posição de diretor da mencionada pessoa jurídica. Tendo
o mesmo poderes de administração, é pessoalmente responsável pela
infração detectada, sendo que esta simples documentação é bastante para
a devida comprovação da autoria do delito. Desta forma, qualquer causa
excludente, extintiva ou modificativa deste fato incumbe à defesa provar,
como dito acima, à época da fase instrutória. Assim, firma-se a autoria
através da presunção explicitada no corpo da ação penal.
Sendo assim, firmadas a autoria e a materialidade do delito, deve-se
atentar à existência de causa excludente da culpabilidade, qual seja,
inexigibilidade de conduta diversa. Este fato, extintivo da pretensão
punitiva estatal, deve ser demonstrado pelo réu, forte no artigo 156 do
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157
Código de Processo Penal. Cotejando esta possibilidade com a prova
dos autos, vejo que não prospera a tese apresentada pelo Apelante ao
aduzir a impossibilidade de efetuar os recolhimentos do valor devido.
Com efeito, a absoluta impossibilidade financeira pode constituir causa
excludente de culpabilidade, pela configuração do estado de necessidade,
mas não a mera dificuldade financeira.
No caso dos autos, percebe-se que o réu pôde optar entre pagar ou
não o devido ao erário. Isso se dá pelo vasto patrimônio apresentado, o
qual não sofreu nenhuma diminuição capaz de demonstrar o esforço do
administrador em manter regular as obrigações da empresa, especialmente
as fiscais. O que se quer dizer é que não é lícito ao responsável utilizar-se
de produto público, pertencente à sociedade como um todo, para manter
viva sua atividade comercial. De acordo com a farta documentação
acostada aos autos, é simples perceber que, de fato, H. L. O., livre e
conscientemente, deu preferência a outros compromissos financeiros,
que não os para com o Fisco. O que se conclui, pela simples leitura
das Declarações de Imposto de Renda (fls. 136-183 e 586-612), é a
mais absoluta contradição entre a tese e a realidade, pois o patrimônio
existente jamais poderá corroborar com a tese de dificuldades financeiras
apresentadas no interrogatório do réu e em suas razões finais e recursais.
Finalizando e concluindo por não acolher a tese que aponta as dificuldades
financeiras como responsáveis pelas omissões ocorridas, cito acórdão
do Des. Fed. Amir José Finocchiaro Sarti, no julgamento da Apelação
Criminal nº 96.04.30199-3, ao dizer:
“PENAL - OMISSÃO DE RECOLHIMENTO - CONTRIBUIÇÕES
PREVIDENCIÁRIAS DESCONTADAS DE EMPREGADOS - DIFICULDADES
FINANCEIRAS -EXCLUSÃO DE CULPABILIDADE OU DE INJURIDICIDADE
- PROVA. Dificuldades financeiras muito graves podem justificar a exclusão de
culpabilidade (ou de injuridicidade) de quem deixa de recolher no prazo devido as
contribuições previdenciárias descontadas dos empregados, tendo em vista o interesse
relevante de manter a empresa em funcionamento, evitando a extinção de empregos, única
fonte de sustento para a maior parte dos trabalhadores e suas famílias. É incensurável,
nessa circunstância, a conduta de quem opta por dar prioridade ao pagamento da folha
de salários e de fornecedores, em detrimento da arrecadação tributária. A sanção penal
deve ser reservada para os espertalhões que enriquecem às custas do patrimônio alheio,
especialmente do patrimônio público, não para quem, apesar de todos os esforços,
não consegue atender tempestivamente todas as obrigações da sua empresa. O real
empobrecimento dos responsáveis pela firma, resultante da comprovada dilapidação do
158
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
seu patrimônio particular em benefício da pessoa jurídica, é um dos sinais eloqüentes da
ocorrência da situação excludente (ou justificante).”
No que tange à alegada inconstitucionalidade do artigo 2º, II, da Lei nº
8.137/90, afasto de pronto, pois, de acordo com o entendimento pacífico
desta Corte, a prisão por omissão de valores descontados não é prisão
por dívida. É tipo penal, regularmente editado pelo Congresso Nacional
no uso de suas atribuições constitucionais. É por tal motivo que não há
ofensa a qualquer dispositivo constitucional e nem houve revogação pelo
Pacto de São José da Costa Rica. É possível, por exemplo, discutir se a
prisão em caso de alienação fiduciária ofende a Carta Magna ou o Pacto
referido. Mas não os crimes de ordem tributária. Aliás, é fato notório que
em todo o mundo ocidental há crimes contra a ordem tributária.
Finalmente, analiso a dosimetria da pena, apesar de tal tema não ter
sido objeto de resignação específica. Além desta espécie de pena traduzir
– a meu juízo – matéria de ordem pública, pois quem pede o mais (a
absolvição), pede o menos. (eventual retificação de penas)
Examinando a dosagem da pena de multa, vejo discrepâncias em seu
cálculo, fixada em 1.380 dias-multa, no valor unitário de 1/10 do salário
mínimo vigente em fevereiro de 1996, atualizado desde então. Contudo,
pela letra da lei, no artigo 49, combinado com o parágrafo único do artigo
60 do Código Penal, vê-se que, por mais desfavoráveis que sejam as
circunstâncias delitivas, a pena de multa nunca poderá exceder o valor
de 1.080 dias-multa. (360 dias-multa com aumento do triplo)
A pena de multa, inicialmente dosada em 20 dias-multa, teve seu
número elevado para 1.380, em virtude da continuidade delitiva. Com
efeito, o entendimento desta Turma é no sentido de que se deve aplicar o
sistema bifásico, isto é, inicialmente calcula-se o número de dias-multa,
conforme previsto no artigo 59 do Código Penal e, a seguir, fixa-se a
importância para cada dia-multa, baseando-se na situação financeira do
acusado, consoante o disposto no artigo 60 do mesmo diploma legal.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
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Assim sendo, considerando a margem estabelecida no artigo 49 do
Código Penal e as circunstâncias e conseqüências do crime, assim como
a culpabilidade do agente, diminuo a pena de multa para o máximo
cominado em lei, qual seja, 1.080 dias-multa. Adiante, apesar da situação
financeira do réu permitir seja majorado o valor unitário, devo manter
como fixado monocraticamente em 1/10 de salário mínimo, dada a
inexistência de recurso ministerial neste sentido, respeitando a proibição
de reformatio in pejus. Diante disso, altero a dosimetria da pena de multa,
fixando-a em 1.080 dias-multa no valor unitário de 1/10 de salário mínimo
vigente em fevereiro de 1996, atualizado monetariamente.
No que diz respeito ao recurso ministerial, pretende a aplicação efetiva
da pena corporal, desprovida da benesse da substituição concedida pelo
douto magistrado singular, afirmando, para tanto, a impossibilidade de
aplicação do disposto no artigo 44 do Código Penal.
Em princípio, tratando-se de condenação a penas privativas de
liberdade em patamar não superior a quatro anos, na conformidade com
o referido artigo do diploma penal, há a possibilidade de substituição
dessas penas pelas restritivas de direitos. Confesso que fiquei inclinado
a negá-la. Afinal, verificando os antecedentes criminais do réu, percebo
estar frente a reiterado criminoso no que tange à Ordem Tributária, de
modo que, em tese, não se lhe recomenda tal medida, por insuficiente à
reprimenda, nos termos do artigo 44, III, do CP.
Com efeito, os autos revelam a existência de grande número de
ações penais contra o Apelante. Confira-se na Justiça Federal do RS (fl.
517), Justiça Federal de SP (fls. 520-524), ações apurando estelionato,
apropriação indébita, contra fé pública, contra a administração da justiça
e outros, na Justiça Estadual da Comarca de São Paulo – SP (fl.527) e
inquéritos policiais de crimes de ordem tributária na Justiça Estadual da
Comarca de São Bernardo do Campo – SP. (fl. 531)
Todavia, esta 7ª Turma tem entendido que sempre que possível deve
ser concedida a substituição da pena corporal pela prestação de serviços
e prestação pecuniária, porque são mais adequadas à ressocialização do
condenado. Neste caso com maior razão, pois inexiste ainda condenação
contra o Apelante transitada em julgado.
Requer, ainda, o representante do parquet, em suas razões, a aplicação
de pena de limitação de fim de semana, em vez de prestação pecuniária.
160
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
Porém, entendo não merecer respaldo esta tese, pois esta pena restritiva
só se justifica em casos especiais. Assim, a pretensão ministerial não se
revela conveniente, porque a prestação pecuniária atende bem o caráter
educativo da pena, considerando-se, também, o cunho patrimonial do
delito e, se descumprida, poderá ser convertida em prisão.
Frente a todo o exposto, dou parcial provimento ao recurso do réu e
nego provimento ao recurso do Ministério Público Federal.
Se unânime a decisão desta Turma, oficie-se ao MM. Juiz Federal,
instruído com cópia da sentença, do acórdão e outros de interesse, para
que se dê início à execução da pena corporal imposta (STF – HC 81.5804/SP – 1ª T. – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJU 22.03.2002; STJ – HC
16.820/SP – Rel. Min. Vicente Leal – DJU 15.10.2001, p. 301), tendo em
vista que eventual recurso especial ou extraordinário não possui efeito
suspensivo, nos termos da Súmula 267 do STJ.
Finalmente, remeta-se cópia deste Acórdão (inteiro teor) aos Juízes
Federais e Estaduais onde o Apelante registra inquéritos policiais ou
ações penais, conforme mencionado neste voto. (fls. 517, 520-524, 527
e 531)
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.04.01.111516-6/SC
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho
Apelante: J. V. S.
Advogado: Dr. Cesar Eugenio Zucchinali
Apelado: Ministério Público
Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
EMENTA
Direitos autorais. Violação. Fitas magnéticas de cantores brasileiros
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
e estrangeiros (“piratas”). Convenção de Berna. Competência federal.
1. O comércio ilegal de fitas tidas como “piratas” de cantores
brasileiros e estrangeiros caracteriza o delito de violação de direitos
autorais, de competência federal a teor do inc. V do art. 109 da CF
(Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas).
2. Comprovadas a autoria e a materialidade delitivas, dolo e consciência
da ilicitude, mantém-se a condenação do réu, dando-se provimento, em
parte, ao seu recurso tão-só para reduzir o valor unitário do dia-multa
para o mínimo legal, e para alterar a substituição de limitação de fim
de semana para prestação de serviços à comunidade, bem como para
reduzir a pena pecuniária.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas,
decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, dar parcial provimento ao apelo, nos termos do relatório,
voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Porto Alegre, 13 de maio de 2002.
Des. Federal Volkmer de Castilho, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho: O Ministério Público
Federal ofereceu denúncia contra J. V. S., C. H. M. L. e M. J. O., como
incursos nas sanções do artigo 184, § 2°, do Código Penal, pela prática
dos seguintes fatos delituosos:
“Na manhã do dia 13 de fevereiro de 1998, policiais rodoviários federais receberam
uma denúncia anônima de que um ônibus, parado próximo ao restaurante Vitória Régia na
BR-101, em Biguaçu/SC, estaria descarregando junto a dois carros (FIAT Prêmio, placas
IAX-6784 e um VW Voyage, placas BMK-88661) caixas contendo em seu interior fitas
cassetes.
Quando dirigiram-se ao local, avistaram os veículos supramencionados juntamente
com outro carro, um FORD Belina, placas LXU-5951, veículo também mencionado
em outra denúncia anônima recebida pelo posto da Polícia Rodoviária Federal. Os
Policiais Federais abordaram os três veículos e após verificarem suas documentações,
procederam busca nos mesmos, oportunidade em que encontraram, em todos os três
veículos, a quantidade de fitas K-7 adiante relacionadas .Conduziam os veículos os
indiciados J. V. S., C. H. M. L. e M. J. O., que, por não possuírem notas fiscais
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
das referidas mercadorias, foram encaminhados a Superintendência da Polícia Federal.
O laudo merceológico nº 3706 caracteriza as mercadorias apreendidas como ‘fitas
magnéticas gravadas/lacradas de maneira clandestina no território nacional, conhecidas
como fitas ‘piratas’, cujo valor atinge o montante de R$ 10.480,00 (dez mil, quatrocentos
e oitenta reais), segundo o preço médio praticado pelo mercado de Florianópolis/SC no
mês de maio/98’ (fl. 104), estando a posse de mercadorias assim distribuída entre os
denunciados: 1. Setecentos e sessenta e uma (761) fitas cassetes gravadas e lacradas,
devidamente acondicionadas em embalagens próprias, de origem nacional, apreendidas
em poder de M. J. O., avaliadas em R$ 1.902,50; 2. Um mil e setecentas e cinqüenta
(1750) fitas cassetes gravadas e lacradas, devidamente acondicionadas em embalagens
próprias, de origem nacional apreendidas em poder de C. H. M. L., avaliadas em R$
4.375,00; 3. Um mil seiscentas e oitenta e uma (1681) fitas cassetes gravadas e lacradas,
devidamente acondicionadas em embalagens próprias, de origem nacional apreendidas
em poder de J. V. S., avaliadas em R$ 4.202,50.”
A denúncia foi recebida em 22.02.99 (fl. 03). Em 28.04.99, o processo
foi suspenso (art. 89 da Lei 9.099/95), mediante condições propostas e
aceitas, em relação aos denunciados C. H. M. L. e M. J. O., prosseguindo,
no entanto, com relação ao denunciado V. S. ante a informação de que
responde a outro processo-crime na Comarca de Florianópolis/SC e de
que este se encontra suspenso. (fls. 173 e 174)
O acusado J. V. S. foi interrogado (fl. 173/174), oportunidade em que
lhe foi nomeado defensor dativo (fl. 174), o qual ofereceu defesa prévia
à fl. 185. Encerrada a instrução processual com a oitiva das testemunhas
de acusação que coincidem com as de defesa (fls. 187/189), foi aberto o
prazo do art. 499 do CPP, no qual o Ministério Público Federal solicita
o esclarecimento dos peritos acerca dos elementos de convicção da
procedência nacional encontrados na mercadoria apreendida (fl. 190),
e a defesa, por sua vez, concordando, formula quesitos (fls. 192/193),
vindo os esclarecimentos aos autos às fls. 197 e 199.
Em alegações finais, o Ministério Público Federal manifesta-se,
preliminarmente, pela competência da Justiça Federal, porquanto o
denunciado foi flagrado com fitas cassete piratas oriundas provavelmente
do exterior, violando direitos autorais de artistas nacionais e principalmente
estrangeiros, sendo pelo último fator, o crime em tese, praticado pelos
réus, da competência federal, de acordo com a Convenção de Berna
para a proteção das Obras Literárias e Artísticas de 9 de novembro de
1886, revista em Paris em 24 de julho de 1971. No mérito, postulou a
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
163
condenação do réu nos termos da denúncia. (fls. 207/210)
A defesa dativa do réu, por sua vez, alegando ausência de dolo
na conduta do réu pede a sua absolvição, ou, sucessivamente, pena
alternativa de multa em valor razoável e, se condenado à pena privativa
de liberdade, sursis por tecnicamente primário. (fls. 213/214)
Sentenciando, o Juízo a quo julgou procedente em parte a denúncia
e condenou o denunciado J. V. S. como incurso nas sanções do art.
184, § 2º, do Código Penal, à pena de um ano e seis meses de reclusão
e multa no valor unitário de 30% do salário mínimo vigente no mês
de fevereiro de 1998, em regime aberto, e, com base no art. 43, I e VI,
do CP, substituiu a pena privativa de liberdade por duas restritivas de
direitos, consubstanciadas no pagamento de prestação pecuniária no valor
de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a ser recolhida mediante Guia DARF e
limitação de fim de semana, observado o disposto nos arts. 46, § 3º, e
48, do CP (redação atual), pelo mesmo espaço de tempo da condenação.
(fls. 216/224)
Inconformado, apela o réu, sustentando, em suas razões, ausência
de dolo, falta de consciência da ilicitude e redução do quantum da pena
pecuniária em face do seu estado de pobreza. (fls. 228/233)
Contra-arrazoado o apelo (fls. 235/238), nesta instância, o parecer
ministerial é pelo desprovimento do apelo. (fls. 242/245)
É o relatório.
À revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho: Como relatado,
a ação penal prosseguiu somente quanto ao réu J. V. S., porquanto,
diferentemente dos demais, não preencheu os pressupostos para a
concessão do benefício previsto no art. 89 da Lei 9.099/95.
Preliminarmente, reafirma-se a competência da Justiça Federal para
o processo e julgamento do delito pelo qual o réu foi denunciado (art.
184, § 2º, CP), pois, inobstante tratar-se de violação de direito autoral
comumente da competência da Justiça Estadual, aqui houve ferimento a
direitos autorais de cantores estrangeiros, evidenciando lesão a interesse
da União frente ao que o Brasil se obrigou a proteger quando ratificou a
convenção internacional pertinente ao tema (Convenção de Berna para
164
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, assinada a 09 de setembro
de 1886, revista em Bruxelas a 26 de junho de 1948, sendo que o texto
resultante da Conferência diplomática de Bruxelas foi ratificado pelo
Brasil a 10 de dezembro de 1951 - Decreto de promulgação nº 34.954,
de 18.01.54, entrando em vigor, para o nosso País, na conformidade
do disposto no seu art. 28), incidindo, assim, a norma constitucional do
inciso V do art. 109 da Constituição Federal, que estabelece como sendo
da competência federal os crimes previstos em tratado ou convenção
internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou
devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente.
O art. 184 do CP, no caput, tipifica a conduta de violação do direito
autoral, e no seu § 2º, a figura de quem vende, expõe à venda, aluga,
introduz no País, adquire, oculta, empresta, troca ou tem em depósito,
com intuito de lucro, original ou cópia de obra intelectual, fonograma
ou videofonograma produzidos ou reproduzidos com violação de
direito autoral, dispondo como pena a do parágrafo anterior, ou seja,
reclusão, de 1 a 4 anos, e multa, de Cr$ 10.000,00 (dez mil cruzeiros)
a Cr$ 50.000,00 (cinqüenta mil cruzeiros). Cuida-se de delito de ação
múltipla, bastando para sua configuração a realização de apenas uma das
condutas ali descritas. O dolo é a vontade de praticar as ações descritas,
com consciência de que o original ou cópia foi produzido ou reproduzido
“com violação de direito autoral”, e o elemento subjetivo do tipo, que é
o intuito de lucro, pois sem tal intenção o delito não é punível.
Constata-se pela prova dos autos que o réu J. V. adquiriu grande
quantidade de fitas gravadas de artistas nacionais e estrangeiros, oriundas
provavelmente do exterior, sem, no entanto, haver demonstrado em
relação a tais mercadorias ter pago os direitos autorais, devidos por
lei, aos respectivos autores das obras. A materialidade delitiva está
comprovada pelo laudo de avaliação direta realizada pelo Instituto de
Criminalística, constante às fls. 112 e ss. dos autos. Os experts afirmaram
ter sido apreendidas em poder do réu 1.681 fitas cassetes gravadas e
lacradas, devidamente acondicionadas em embalagens próprias, de
origem nacional, avaliadas em R$ 4.202,50, esclarecendo os peritos que
a referência ao termo “origem” quer dizer o local onde a mercadoria foi
produzida (fls. 197 e 199) e, inobstante a produção nacional, do total
acima de fitas, 216 referem-se a cantores estrangeiros. (Queen - 9, Jimmy
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165
Cliff – Reggae Grats - 77, Pink Floyd – The Wall - 59, Laura Pausini 10, Shakira - 16, Bob Marley - 45)
A autoria, por sua vez, encontra-se comprovada, não somente pela
prova testemunhal do flagrante e a produzida em juízo, mas também pela
própria confissão do acusado nas duas oportunidades em que foi ouvido
(flagrante e interrogatório), onde revela principalmente a aquisição das
fitas, a consciência da ilicitude e o intuito comercial:
“que trabalha como camelô aproximadamente dois anos, tendo iniciado em Camboriú/
SC; (...) resolveu mudar de produtos, passando a trabalhar com fitas; que, como tem
problema de pressão, nunca chegou efetivamente a viajar ao Paraguai para buscar
mercadorias.; que, desde que mudou para Canasvieiras, sempre comprou suas
mercadorias de um conhecido Carlos; (...) que, na semana passada, Carlos esteve em
sua barraca, ocasião em que solicitou que trouxesse 800 (oitocentas) fitas; que, nesse
contato, relacionou a quantidade por cantores; que, ficou acertado que as mercadorias
seriam entregues no dia de hoje, devendo o interrogando deslocar-se ao restaurante
Vitória Régia na BR 101 para recebê-las; (...) que, logo após guardarem as mercadorias
no carro, foram abordados por policiais rodoviários federais; que foi perguntado se
aquelas mercadorias tinham nota fiscal, tendo respondido negativamente;...” (fl.09);
“(...) que são verdadeiros os fatos descritos na denúncia com relação ao interrogando,
que não apresentou na oportunidade nenhum documento fiscal da regular introdução da
mercadoria no País...que o objetivo era comercial e que a margem de lucro variava entre
setenta e oitenta centavos, que o interrogando é camelô de rua e comprava as mencionadas
fitas para revendê-las; que o interrogando não ia ao Paraguai comprar mencionadas fitas,
sendo que as adquiria de um fornecedor, de nome Carlão, residente em Curitiba/PR, o
qual não foi detido no dia dos fatos.; que atualmente continua camelô de rua, mas não
trabalha mais com fitas K-7; que afirma ser muito difícil, quase impraticável, o camelô
comercializar produtos emitindo a nota fiscal correspondente...”. (fl. 173)
O pleiteado afastamento da consciência da ilicitude, pressuposto da
culpabilidade, pela suposta “ignorância” do apelante, não merece guarida.
A alegação de que não estava consciente de que as cópias adquiridas
tivessem sido produzidas com violação de direitos autorais e de que não
sabia que as fitas eram “piratas” não encontra ressonância nos depoimentos
que prestou e nas provas pericial e testemunhal produzidas nos autos. O
réu tem como profissão a de camelô, não se tratando de novato como
ele próprio afirma, tendo adquirido numa só compra centenas de fitas
cuja margem de lucro sabia significativa, conjugada ao ambiente e à
própria atividade que exerce, à duvidosa qualidade das fitas, à facilidade
de introdução do produto no mercado e a forma e o modo de aquisição
166
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
desacompanhada de notas fiscais, tudo, por certo, evidencia destreza
em atividade rotineira e sabidamente ilícita onde a finalidade lucrativa a
qualquer preço é manifesta. Afigura-se mais frágil ainda o argumento de
atipicidade da conduta por ausência de dolo em razão de pensar o réu que
as fitas provinham do Paraguai, pois a caracterização do tipo penal que se
imputa ao réu independe da verificação da procedência das fitas.
Por outro lado, conquanto bem-dosada a pena privativa de liberdade
imposta ao acusado, que culminou definitiva em 01 ano e 06 meses de
reclusão e igualmente o quantum dos dias-multa em cinqüenta, o valor
unitário de 30% do salário mínimo vigente no mês de fevereiro de 1998
mostra-se muito elevado diante da situação econômica do réu revelada
nos autos, donde se extrai que o recorrente não é uma pessoa de posses
e, segundo consta de seu interrogatório (fl. 174), possui renda mensal
em torno de seiscentos reais, da qual, subtraindo o pagamento de aluguel
e outras despesas, remanesce cerca de cento e cinqüenta reais, motivo
por que foi lhe nomeado defensor dativo para custear a sua defesa.
Diante desse contexto, e não há outro nos autos, mantida a multa em
cinqüenta dias-multa, altero tão-somente o valor de cada dia-multa para
um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato.
No respeitante às penas substituídas, igualmente merece adequação a
sentença, porque a limitação de fim de semana ali imposta não se mostra
a melhor para a espécie e para a reparação do delito, convindo que se
imponha, em seu lugar – o que é mais favorável – uma pena de prestação
de serviços à comunidade pelo tempo da pena, bem como redução do
valor da pena pecuniária para a metade do valor arbitrado pelo juiz
sentenciante (R$ 1.000,00), pois essa é suficiente para a prevenção e
reprovação do delito, consideradas a situação econômica do condenado
e a extensão dos danos sofridos pelas vítimas.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao apelo do réu.
É o voto.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
167
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2001.04.01.006513-5/PR
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva
Apelante: Ministério Público
Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
Apelante: J. C. M. N.
Advogado: Dr. Ulisses Silvio Gelbert
Apelante: A.S.
Advogado: Dr. Marcelo Arthur Gomes Osti
Apelados: (Os mesmos)
EMENTA
Penal. Crime contra o sistema financeiro. Art. 16 da Lei nº 7.492/86.
Consórcio. Erro de proibição. Não-ocorrência. Pena-base. Revisão.
1. Constitui crime contra o sistema financeiro nacional, fazer operar
consórcio sem a devida autorização legal, previsto no art. 16 da Lei nº
7.492/86. Precedente.
2. O tipo penal em tela não exige resultado material, configura-se pela
realização de atividade financeira, própria ou equiparada, por envolver
recursos de terceiro.
3. Afastada a tese de erro de proibição, uma vez que os réus tinham
experiência no ramo de consórcios e, de qualquer forma, um deles, apesar
de advertido pela autoridade policial da ilicitude de seu agir, permaneceu
com a conduta delituosa.
4. Revisão da pena-base de um dos réus, aumentando-a, em razão do
reconhecimento dele possuir maus antecedentes.
5. Apelações da defesa improvidas. Apelação da acusação parcialmente
provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas,
decide a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, negar provimento às apelações das defesas e dar parcial
provimento ao apelo da acusação, nos termos do relatório, voto e notas
taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de junho de 2002.
Des. Federal José Germano da Silva, Relator.
168
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva: Os réus foram
denunciados pelo Ministério Público Federal pela prática do crime
tipificado no art. 16, c/c art. 1º, parágrafo único, I, da Lei nº 7.492/86.
Os fatos foram assim narrados na inicial acusatória:
“No dia 14 de agosto de 1992, os denunciados, de comum acordo, resolveram
que a Sociedade Newplan Representações Comerciais Ltda., sediada nesta cidade, na
Avenida Visconde de Guarapuava, 3965, CGC ., originalmente criada para comercializar
veículos usados e novos, deveria passar a ter como objeto social o comércio, locação,
administração de linhas telefônicas e representação comercial (cf. fl. 15 dos autos
94.0012877-0 em apenso), propósito este que formalizaram perante a Junta Comercial.
Contudo, ao invés de apenas operar com a comercialização de linhas telefônicas, os
denunciados usavam a sociedade para captar e administrar recursos de terceiros, sem
qualquer autorização do Banco Central. A Newplan, para alcançar esse fim, oferecia
linhas telefônicas ao público, que seriam adquiridas mediante pagamento parcelado,
operando-se a alienação apenas após a quitação final.
Os compradores eram organizados em grupos, cujo número de participantes deveria
ser igual ao de parcelas necessárias para a aquisição de um terminal telefônico. Formado
o grupo, o que recebia o nº tal (cf. fl. 05 dos autos 94.12877-0), qualquer participante
poderia apossar-se de um terminal telefônico antes da quitação final das parcelas, conforme
comprova o documento contido na folha 11 dos autos citados. Enquanto não sorteado ele
não detinha a posse do terminal e contribuía mensalmente, tanto quanto os sorteados, para
um fundo destinado à aquisição das linhas, administrado pela Newplan.
O fato de captar e administrar recursos de terceiros, sob a promessa de formar
poupança para a aquisição futura de uma linha telefônica, caracteriza sem dúvida,
atividade privativa de instituição financeira, que, para se desenvolver regularmente,
necessita de autorização do Banco Central, requisito não observado pela sociedade
administrada pelos denunciados.
Como comprova o documento contido na folha 15 dos autos em apenso (128770), as atividades da Newplan iniciaram-se em 04 de agosto de 1992 (fl. 19, rodapé),
e os quatro denunciados gerenciavam a sociedade, substituindo-se um ao outro sem
especificação de atribuições.
No dia 21 de dezembro de 1992, houve a primeira reclamação de um dos clientes
da empresa à polícia, como se pode perceber pelo registro de ocorrência contido na
folha 05. Nesta data, os administradores da empresa jactavam-se de já terem entregue
18 terminais a clientes diversos, ‘em apenas três meses de atividade’ (fl. 07)
No próprio dia 21 de dezembro de 1992, às 20:10 horas, a polícia compareceu à
sede da Newplan e constatou que ali se realizava uma reunião destinada a sortear linhas
telefônicas a participantes dos grupos organizados pela empresa, registrando-se que o
sorteio era dirigido pelos denunciados J. C. M. N. e A. S., mediante o uso de um globo
e 25 bolinhas numeradas (fls. 11 dos autos 12877-0).
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
169
No dia 07 de junho de 1993, os denunciados I. A. S. e A. A. S. retiraram-se
da sociedade. Em 31 de julho do mesmo ano, foram seguidos por A. S. O sócio
remanescente – J. C. M. N, porém, prosseguiu na atividade criminosa. No dia 31 de maio
de 1994, agora já na Av. Sete de Setembro, 3038, onde passou a funcionar a Newplan
sob a denominação de Ciatell – Comércio e Administração de Linhas Telefônicas
Ltda., agora sob a exclusiva direção de J. C., a polícia constatou que por volta das
20:30 horas realizava-se novo sorteio nos mesmos moldes daquele verificado na Av.
Visconde de Guarapuava, em 1992. Os clientes ali se encontravam, quando ouvidos,
confirmaram que as linhas telefônicas eram sorteadas a participantes de grupos que
pagavam mensalmente a Ciatell para formar uma poupança administrada pela empresa,
destinada a financiar a aquisição de linhas telefônicas que seriam distribuídas entre eles.
Disseram também que conheciam a empresa há quatro anos, revelando que a conduta
criminosa não sofreu solução de continuidade. (fls. 02 e 03 autos 13002-0)
Tanto a Newplan quanto a Ciatell captavam e administravam recursos de terceiros
sem qualquer autorização do Banco Central. (fls. 03/17)”.
A denúncia foi recebida em 28.05.96. (fl. 06v)
Aos denunciados foi concedido o benefício da suspensão condicional
do processo, art. 89 da Lei nº 9.099/95, mas foi revogado em razão do
descumprimento das condições, em relação aos réus J. C. e A., pelo que
foi o processo cindido, tendo prosseguimento apenas em relação a estes.
Encerrada a instrução, sobreveio a sentença em 26.05.2000 (fls. 238253), na qual foram condenados os réus J. C. N.(às penas de 02 anos de
reclusão e 20 dias-multa) e A. S. (às penas de 01 ano de reclusão e 10
dias-multa), ambos pela prática do delito descrito no art. 16 da Lei nº
7.492/86, o primeiro por duas vezes, em concurso material, o segundo
por apenas uma vez.
O MM. Juízo a quo substituiu a pena privativa de liberdade de J. C.
M. N. por penas de prestação de serviços à comunidade e de limitação
de fim de semana, e substituiu a de A. S. por prestação de serviços à
comunidade, apenas. Fixou o valor do dia-multa em 03 salários mínimos
vigentes em julho de 1993, devidamente atualizados.
Inconformados com a decisão proferida, ambos, Ministério Público
e defesa interpuseram apelação, pugnando por sua reforma.
O Ministério Público Federal alegou, em síntese, que, em vista
da gravidade do crime cometido e de sua repercussão social, lesando
inúmeros consumidores paranaenses, a pena aplicada não condiz com
a reprovabilidade necessária, seja em seu caráter punitivo, seja em seu
caráter educativo. Quanto ao réu J. C. M. N., sustentou que a pena-base
170
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
não deveria ter sido aplicada no mínimo legal, porquanto a certidão
de fl. 221 dá conta de que o réu responde a outras 03 ações penais e 01
inquérito policial, o que caracteriza maus antecedentes, elevando a pena
para além do mínimo; que os motivos sórdidos do crime não podem ser
desconsiderados; que as conseqüências do crime foram enormes, atingindo
as relações de consumo de muitos paranaenses. No que diz respeito ao
réu A. S., aplica o mesmo raciocínio elaborado em relação à pena do réu
J. C. M. N., exceto quanto aos antecedentes. Requereu, pois, a reforma da
sentença com o aumento das penas dos réus.
O réu A. S. requereu a absolvição, pelas razões lançadas em suas
alegações finais de fls. 223/230.
J. C. M. N., por sua vez, afirmou que não agiu com dolo; que
houve erro sobre a ilicitude do fato, uma vez que não sabia que estaria
cometendo algum delito ao sortear entre os clientes uma linha telefônica,
pelo que deve incidir o art. 21 do CP.
Regularmente processados os recursos e com contra-razões, subiram
os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, por meio de sua Procuradoria Regional,
ofertou parecer pelo improvimento dos recursos das defesas e pelo
parcial provimento da apelação da acusação, apenas para aumentar a
pena aplicada ao réu J. C. M. N.
É o relatório.
À douta revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva: Trata-se no presente
caso de apelações criminais acerca da prática do delito tipificado no art.
16, c/c art. 1º, parágrafo único, inc. I, ambos da Lei nº 7.492/86, que
assim dispõem:
“Art. 1º. Considera-se instituição financeira, para efeito desta Lei, a pessoa jurídica
de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória,
cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros
(vetado) de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão,
distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários.
Parágrafo único. Equipara-se à instituição financeira:
I – a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio,
capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros; .
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
171
(...)
Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante
declaração (vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores
mobiliários ou de câmbio:
Pena – Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.”
Segundo a jurisprudência deste Regional, operar consórcio sem
autorização configura o delito acima tipificado, in verbis:
“DESCAMINHO – ART. 334, CAPUT, CP – CRIME CONTRA O SISTEMA
FINANCEIRO – ADMINISTRAÇÃO DE CONSÓRCIO SEM AUTORIZAÇÃO
LEGAL – ART. 16, LEI Nº 7.492/86 – PENA-BASE – FIXAÇÃO ACIMA DO
MÍNIMO LEGAL – SUBSTITUIÇÃO DA PENA – INCABIMENTO.
Provada a procedência estrangeira de mercadoria adquirida e sua destinação
comercial, está caracterizado o crime tipificado no art. 334, caput, do Código Penal.
Quem, sem a devida autorização legal, opera com grupos de consórcios, pratica
crime contra o sistema financeiro previsto no art. 16 da Lei nº 7.492/86.
Correta a sentença que, justificadamente, fixou a pena-base acima do mínimo legal,
pois o acusado responde a outro processo por descaminho, sendo, portanto, incabível
a substituição da pena privativa de liberdade prevista no art. 44 do CP.” (ACR nº
97.04.23751-0/PR, Rel. Juiz Amir José Finocchiaro Sarti, 1ª Turma, un., DJ 03.05.2000)
Materialidade e Autoria
A materialidade e a autoria restaram plenamente demonstradas
e confirmadas pela sentença, não tendo sido, inclusive, objeto das
apelações.
Apelação do réu A. S.
O réu A. S. requereu a absolvição, pelas razões lançadas em suas
alegações finais de fls. 223/230, as quais dizem, resumidamente, que o
acusado não causou nenhum dano ao ordenamento jurídico, uma vez
que só aconteceram problemas com consumidores em época na qual ele
não mais se encontrava na empresa; que a empresa constituída por ele
e seus sócios era lícita, regularmente constituída e o sistema de sorteios
das linhas telefônicas derivou dos próprios clientes; que a acusação
não conseguiu provar efetivamente o delito imputado ao acusado pois
não houve vítima; enfim, que não há provas suficientes para um juízo
condenatório.
Não lhe assiste razão, entretanto.
A lei, o tipo penal em tela, para restar configurado, não exige a lesão
ao consumidor. O tipo objetivo em questão, segundo a doutrina, é fazer
172
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
operar, pôr em funcionamento, atuar no mercado, como instituição
financeira. Ou seja, configura-se a prática delituosa versada nos presentes
autos pela realização de atividade financeira, própria ou equiparada, por
envolver recursos de terceiros.
De outra parte, ainda que a empresa tivesse sido constituída legalmente,
como afirmou o réu, a partir do momento em que passou a operar na
forma de consórcio, sem autorização, incidiu no tipo especificado, sendo
irrelevante o argumento de que os sorteios teriam se incorporado no
modus operandi da empresa por interesse dos próprios clientes, o que,
evidentemente, não representa a realidade dos fatos.
Apelação do réu J. C. M. N.
J. C. M. N., por sua vez, afirmou que não agiu com dolo; que
houve erro sobre a ilicitude do fato, uma vez que não sabia que estaria
cometendo algum delito ao sortear entre os clientes uma linha telefônica,
pelo que deve incidir o art. 21 do CP.
Aqui também não há respaldo para a tese defensiva.
Os réus mesmos, como bem afirmou o douto Procurador Regional da
República em seu parecer de fls., admitiram, implicitamente, a ausência
de autorização para operar consórcio.
Além disso, mais especificamente ao réu J. C. M. N., asseverou o n.
Magistrado a quo,
“mesmo depois de advertido formalmente pela Polícia quanto à ilicitude da conduta
que empreendia em 21.12.92 (fls. 11 e seguintes do inquérito 94.012877-0), ainda assim
dispôs-se a persistir praticando-a até 07.06.93 (flagrante dos autos 94.0013002-3), o
que evidencia que agia ele não por desconhecer a ilicitude de seu comportamento, mas
sim por acreditar que persistia coberto pelo manto da impunidade”.
Logo se vê que não pode prosperar a tese do erro sobre a ilicitude do
fato, possibilidade veiculada pelo art. 21 do CP.
Sobre este ponto, colhem-se dos Comentários ao Código Penal, de
Celso Delmanto et alli (Ed. Renovar, 5ª edição, 2000), os seguintes
ensinamentos:
“... O caput do art. 21 inicia-se com a declaração de que o desconhecimento da lei
é inescusável. Obedece, assim, ao princípio da inescusabilidade do desconhecimento
formal da lei, que é indispensável sob risco das leis não serem mais obedecidas. Em
seguida, porém, preceitua a respeito do erro sobre a ilicitude do fato (erro de proibição)
e indica sua relevância. Explica-se a diferença: se de um lado ninguém pode ignorar
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
173
a existência formal da lei (que proíbe matar, furtar etc.), pode faltar ao sujeito o
potencial conhecimento da proibição contida, levando-o a atuar com desconhecimento
do injusto. Este é o erro de proibição, que incide na ilicitude do fato. Portanto, para o
CP são diferentes em suas essências e efeitos o desconhecimento da lei e sua errônea
compreensão (erro de proibição).
...
Noção: como se viu, o erro de proibição pode ser evitável ou inevitável, decorrendo
dessa diferença distintas conseqüências. Dispõe o parágrafo único deste art. 21
ser evitável o erro quando era possível ao agente, nas circunstâncias, ter ou atingir
essa consciência, ou seja, era-lhe possível alcançar o conhecimento da ilicitude
(antijuridicidade) de sua conduta.” (p. 39)
Além disso, veja-se que não há como se sustentar a tese apresentada
pela defesa, porquanto um dos sócios, o réu A. S., em seu interrogatório
(fls. 106-107) – J. C. M. N., embora intimado, recusou-se a comparecer,
tendo sido decretada a sua revelia –, afirmou que:
“constituiu a empresa referida na denúncia tendo em vista a experiência que detinha
na venda de cotas de consórcio, atividade restringida pelo Governo quanto à abertura
de novos grupos em 1990”.
Ora, não se pode admitir que se um dos sócios tinha este conhecimento,
o outro, que apesar de advertido explicitamente pela polícia, venha alegar
erro de proibição por ausência de conhecimento do ilícito.
Assim, entendo que deve ser mantida a sentença condenatória.
Apelação do MPF
O Ministério Público Federal alegou que, em vista da gravidade
do crime cometido e de sua repercussão social, lesando inúmeros
consumidores paranaenses, a pena aplicada não condiz com a
reprovabilidade necessária, seja em seu caráter punitivo, seja em seu
caráter educativo. Quanto ao réu J. C. M. N., sustentou que a pena-base
não deveria ter sido aplicada no mínimo legal, porquanto a certidão de
fl. 221 dá conta de que o réu responde a outras 03 ações penais e 01
inquérito policial, o que caracteriza maus antecedentes, elevando a pena
para além do mínimo; que os motivos sórdidos do crime não podem
ser desconsiderados; que as conseqüências do crime foram enormes,
atingindo as relações de consumo de muitos paranaenses. No que diz
respeito ao réu A. S., aplica o mesmo raciocínio elaborado em relação à
pena do réu J. C. M. N., exceto quanto aos antecedentes. Requereu, pois,
a reforma da sentença com o aumento das penas dos réus.
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
Necessário faz-se, pois, a análise da dosimetria da pena.
- Com relação ao réu J. C. M. N., o Magistrado assim se manifestou:
“3.2.1 O réu J. C. M. N. é maior, mentalmente são, e, portanto, imputável.
3.2.1.1 Em análise das circunstâncias do caput do art. 59 do Código Penal para
a primeira fase de aplicação da pena, tem-se que o réu portou-se com culpabilidade
elevada, posto que alto o grau de reprovabilidade de sua conduta, sendo que, entretanto,
tal fator não é tomado em conta no presente momento por já ter sido considerado
para afastar o reconhecimento da continuidade delitiva; não há registro de fatos que
se enquadrem dentro do conceito técnico de antecedentes (inquéritos e processos
pendentes de condenação definitiva não se inserem nesse conceito); não há informações
suficientes para dizer-se que sua conduta social e personalidade revelem desvirtuamento
exagerado; os motivos de seu agir mostram-se reprováveis, guardando relação com o
egoísmo tendente a auferir vantagem em proveito próprio, ainda que gerando prejuízo a
terceiros, mas, em verdade, são normais à espécie de crimes praticados; as circunstâncias
dos crimes foram normais à espécie; não foram graves as conseqüências da conduta
criminosa; quanto ao comportamento da vítima, tem-se-no como irrelevante neste caso
dos autos. Partindo de tal análise das circunstâncias judiciais, tem-se que, no tocante
à sanção corporal cominada pelo legislador, a pena-base deve ser fixada em 01 ano de
reclusão e 10 dias-multa para o primeiro delito do art. 16 da Lei nº 7.492/86, e em 01
ano de reclusão e 10 dias-multa para o segundo delito do art. 16 da Lei nº 7.492/86
que pelo referido réu foi praticado.
3.2.1.2 Na segunda fase de aplicação da pena, não observo a presença de agravantes.
Eventual aplicação de atenuantes restaria prejudicada por já terem sido as penas-base
fixadas no mínimo legal.
3.2.1.3 Por fim, na terceira fase de aplicação da pena, não vislumbro presença de
causa especial de aumento ou diminuição das penas até aqui aplicadas, cabendo apenas
somá-las em função da regra do concurso material, prevista no art. 69 do Código Penal
(a continuidade delitiva foi afastada, consoante parte final da fundamentação desta
sentença), para, enfim, quantificar definitivamente a resposta penal em 02 (dois) anos
de reclusão e 20 dias-multa.”
Com relação à pena-base, especificamente aos antecedentes, assiste
razão ao Ministério Público Federal, pois, de fato, o STF tem, de há
muito, considerado que
“maus antecedentes não resultam exclusivamente de decisões judiciais com trânsito
em julgado, mas também das situações de vida pregressa do réu que, pela reiteração e
desígnios, autorizem o magistrado a aumentar a pena imposta”
e, no caso sob exame, o réu possui 03 ações penais e 01 inquérito policial.
(cf. fl. 221)
Quanto aos motivos sórdidos, penso não haver razão ao recorrente,
porquanto a sordidez é praxe na atividade criminosa e, no que diz
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
com as conseqüências, embora, sim, tenha potencialmente atingido
a credibilidade do sistema financeiro como um todo, tenha ferido
a credibilidade das relações de consumo, quantitativamente, não é
significativo a ponto de impor mais uma elevação na pena.
Assim, entendo que, em razão dos antecedentes do réu J. C. M. N., a penabase de cada um dos delitos deve ser aumentada para 01 ano e 03 meses de
reclusão, para cada um dos delitos, resultando, em face do concurso, em
02 anos e 06 meses de reclusão, a qual torno definitiva ante a ausência
de agravantes/atenuantes, causas de aumento/de diminuição. Mantida
a pena de multa, porquanto esta deve levar em consideração, além das
circunstâncias do art. 59 do CP, principalmente, as condições econômicas
do réu (art. 60 do CP).
- Com relação ao réu A. S., determinou o Sentenciante:
“3.2.2 O réu A. S. é maior, mentalmente são, e, portanto, imputável.
3.2.2.1 Em análise das circunstâncias do caput do art. 59 do Código Penal para
a primeira fase de aplicação da pena, tem-se que o réu portou-se com culpabilidade
normal à espécie de crime praticado; não há registro de fatos que se enquadrem dentro
do conceito técnico de antecedentes (inquéritos e processos pendentes de condenação
definitiva não se inserem nesse conceito); não há informações suficientes para dizer-se
que sua conduta social e personalidade revelem desvirtuamento exagerado; os motivos
de seu agir mostram-se reprováveis, guardando relação com o egoísmo tendente a
auferir vantagem em proveito próprio, ainda que gerando prejuízo a terceiros, mas, em
verdade, são normais à espécie de crime praticado; as circunstâncias do crime foram
normais à espécie; não foram graves as conseqüências da conduta criminosa; quanto ao
comportamento da vítima, tem-se-no como irrelevante neste caso dos autos. Partindo
de tal análise das circunstâncias judiciais, tem-se que no tocante à sanção corporal
cominada pelo legislador, a pena-base deve ser fixada em 01 ano de reclusão e 10 diasmulta para o delito do art. 16 da Lei nº 7.492/86 que pelo referido réu foi praticado.
3.2.2.2 Na segunda fase de aplicação da pena, não observo a presença de agravantes.
Eventual aplicação de atenuantes restaria prejudicada por já ter sido a pena base fixada
no mínimo legal.
3.2.1.3 Por fim, na terceira fase de aplicação da pena, não vislumbro presença de
causa especial de aumento ou diminuição da resposta penal até aqui quantificada,
razão pela qual cabe-me apenas fixá-la definitivamente em 01 (um) ano de reclusão e
10 (dez) dias-multa”.
Quanto a este réu, A. S., entendo que a pena foi fixada adequadamente,
devendo ser a sentença mantida, com a pena definitivamente fixada em
01 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa.
Da prescrição
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
- Em relação ao réu J. C. M. N.
No concurso material, as penas não são somadas quando para efeito
do cálculo do prazo prescricional. Cada crime tem de ser tomado
isoladamente. Ainda assim, não houve prescrição em relação ao
condenado, uma vez que não ultrapassado o prazo de 04 anos (pena de
cada um dos delitos fixada em 01 ano e 03 meses, incide o inciso V do
art. 109 do CP) entre qualquer dos marcos interruptivos da prescrição.
- Em relação ao réu A. S.
Da mesma forma, que, em relação ao réu J. C. M. N., não foi
ultrapassado o prazo de 04 anos (pena de 01 ano, incidindo o inc. V do
art. 109 do CP) entre qualquer dos marcos interruptivos da prescrição.
Dispositivo
Ante o exposto, nego provimento aos recursos das defesas e dou
parcial provimento ao apelo da acusação.
É o voto.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2001.04.01.067669-0/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva
Apelante: Ministério Público
Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
Apelantes: J. R. G.
C. E. G.
A. G. G.
F. J. G.
Advogados: Dr. Flavio Luiz Luly Cavedini
Dr. Eduardo José Teixeira de Oliveira
Apelados: (Os mesmos)
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EMENTA
Apelação Criminal. Crime contra a ordem tributária. Lei nº 8.137/90.
Art. 1º, I e III. Materialidade. Autoria. Réu septuagenário. Prescrição. Lei
nova. Continuidade. Aplicação. Sentença condenatória. Penas mantidas.
Recursos improvidos.
1. Comprovada a materialidade do crime narrado na denúncia (art. 1º, II
e III, da Lei nº 8.137/90), essencialmente, pelos documentos apreendidos
junto à empresa que agenciava as operações de exportação dos calçados
da empresa dos réus e mantinha um controle paralelo das operações
subfaturadas.
2. Extingue-se a punibilidade do réu septuagenário, com base na
prescrição da pretensão punitiva do Estado, por aplicação do art. 115
do Código Penal (c/c os arts. 107, IV; 109, III; 111, I; e 117, I, todos do
mesmo diploma legal).
3. Se a direção da empresa era exercida por todos os réus, conforme
se depreende da prova dos autos (Teoria do Domínio do Fato), deve ser
rejeitada a tese de negativa de autoria apresentada pela defesa.
4. Nos crimes societários, a denúncia que descreve genericamente
a atuação dos responsáveis, sem individualização rígida das condutas,
apontando também a prova da materialidade, preenche os requisitos do
art. 41 do Código de Processo Penal e não é inepta.
5. Ainda que se considere que alguns dos crimes se consumaram
à época da vigência da Lei nº 4.729/65 e, portanto, fulminados pela
prescrição, tratando-se de continuidade delitiva, aplica-se a lei nova,
mesmo que mais gravosa, aos fatos remanescentes que se deram na
vigência da Lei nº 8.137/90.
6. Mantidas as penas aplicadas e como aplicadas, corporal e de multa,
bem como a substituição da privativa de liberdade, nos termos da Lei
nº 9.714/98, tendo em vista o rigor técnico utilizado na dosimetria e a
adequação ao caso concreto em sua aplicação.
7. Apelações improvidas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas,
decide a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, negar provimento às apelações da acusação e da defesa,
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de junho de 2002.
Des. Federal José Germano da Silva, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva: Trata-se de
apelações interpostas pela acusação e pela defesa contra sentença que
condenou os réus, empresários do ramo calçadista de Novo Hamburgo/
RS, pela prática dos delitos previstos no art. 1º, II e III, da Lei nº 8.137/90,
c/c os arts. 11, da mesma lei, e 29, caput, e 71, ambos do CP.
Os fatos pelos quais restaram condenados foram assim narrados na
exordial:
“1. Os denunciados, na qualidade de responsáveis pela empresa HAAS S.A.
INDÚSTRIA E COMÉRCIO, ..., atuando, o primeiro como diretor administrativo
comercial, o segundo como diretor industrial, o terceiro como diretor administrativo
e, o quarto, como gerente financeiro, respectivamente, no período compreendido entre
18.08.90 e 14.05.91, fraudaram a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos
em documentos exigidos pela lei fiscal, como por exemplo, guias de exportação, faturas
comerciais (commercial invoice) e notas fiscais de venda, através da conduta conhecida
como subfaturamento na venda de calçados destinados ao importador SAM & LIBBY,
empresa sediada nos E.U.A. Dessa forma, os denunciados reduziam o pagamento de
tributos, de forma continuada, ao deixar de recolher os valores tributários devidos ao
Tesouro Nacional ao operacionalizarem exportações de calçados por valores inferiores
aos efetivamente recebidos dos importadores, ou seja, mediante a alteração de valores
que deveriam constar nos documentos para exportação de mercadorias, fazendo
consignar nesses documentos e nos da contabilidade da empresa valores menores (não
reais) aos preços realmente praticados na venda de mercadorias para o estrangeiro,
contabilizando apenas parte dos valores recebidos em dólares.
1.1 As operações de exportação realizadas pela empresa administrada pelos
denunciados era intermediada, aqui no Brasil, pela empresa SAM & LIBBY DO
BRASIL – Importações e Exportações Ltda., ..., a qual mantinha controles paralelos que
foram apreendidos pela fiscalização tributária, conforme documentos de fls. 1.312/1.317
dos autos do procedimento administrativo-fiscal, constatando-se ter ocorrido tal
prática criminosa com relação ao envio das mercadorias adquiridas pelo importador
referente aos pedidos de números 200.864, 200.797, ... .Tal subfaturamento pode ser
visualizado através da análise do ‘demonstrativo do subfaturamento nas exportações’ de
fls. 1.308/1.311, encontrando-se os documentos referidos nesse quadro demonstrativo
juntados às fls. 03/234 da representação fiscal.
1.2 Os preços unitários contratados e praticados coincidem com os preços indicados
nos controles paralelos elaborados pelo agente local intermediador das exportações, de
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
179
onde foram retidos. Trata-se de controles onde estão registrados os dados relativos às
exportações por ele agenciadas, tais como: nº do pedido, nº da commercial invoices, nos
de pares de calçados, data de embarque, preço unitário oficial e não oficial, valor total
não oficial, entre outros dados, conforme documentos de fls. 1.312/1.217.
1.3 As comissões pagas pela empresa administrada pelos denunciados, em cruzeiros,
para o agente no Brasil, eram de 5% (cinco por cento) sobre o valor das mercadorias
exportadas, conforme informações recebidas do próprio agente, documento de fl. 955,
em atendimento à intimação fiscal. Os valores faturados a este título, conforme notas
fiscais de serviços emitidas pelo agente, e os pagos, correspondem exatamente a 5%
(cinco por cento) do valor real (praticado mas não declarado) constante do pedido e dos
demais controles paralelos, conforme se pode concluir da análise do conteúdo destas
notas fiscais, que se encontram juntadas às fls. 956/964, com a análise exemplificativa
elaborada pelos fiscais fazendários às fls. 1.321/1.325.
1.4 Outro elemento comprobatório da prática do subfaturamento é um fax, cuja cópia
foi apreendida pela fiscalização em 13.11.91, no escritório da SANDERS Importação e
Exportação Ltda., representante, em Novo Hamburgo, da SAM & LIBBY, Califórnia,
cuja tradução se encontra à fl. 952 e, o original, à fl. 953.
1.5 Ao praticar o subfaturamento nas exportações, a empresa administrada pelos
denunciados começou a sentir a necessidade de reingressar em sua contabilidade, parte
dos recursos anteriormente omitidos para fazer frente ao pagamento de seus custos,
despesas e credores em geral. Só que tal ingresso ocorreu à margem da apuração de
seus resultados. Para isso, efetuou diversos depósitos em instituições financeiras, cujos
valores e datas estão relacionados às fls. 1.328/1.329, do relatório de trabalho fiscal,
e com documentação comprobatória das operações juntadas às fls. 547/1030 desta
representação fiscal. Intimada pela fiscalização para comprovar a origem dos depósitos
bancários, a fiscalização não justificou de forma convincente, eis que tais valores
eram provenientes do subfaturamento das exportações, praticados anteriormente, que
retornavam à empresa.
1.6 Das atividades ilícitas praticadas pelos denunciados resultaram omissão de
receitas operacionais que, apurado o débito tributário através do lançamento de ofício,
resultou num crédito de 465.380,14 UFIR, referente ao Imposto de Renda Pessoa
Jurídica; 5.841,55 UFIR, referente ao PIS/faturamento; 15.438,60 UFIR, referente ao
FINSOCIAL/faturamento; 365.768,51 UFIR, referente ao Imposto de Renda Retido
na Fonte; e, 90.804,29 UFIR, referente à Contribuição Social, conforme demonstrativo
consolidado do crédito tributário do processo constante de fls. 1.345/1.380 desta
representação.
2. Assim agindo, os denunciados incidiram nas penas dos incisos II e III do art.
1º da Lei nº 8.137/90, c/c o art. 11, do mesmo diploma legal, arts. 29, caput, e 71, do
Código Penal Brasileiro.”
A denúncia foi recebida em 09.06.97.
Encerrada a instrução, sobreveio a sentença em 14.05.2001, fls. 18031825, na qual a MM. Juíza a quo condenou:
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
I) – os réus J. R. G. e F. J. G. pelo cometimento do delito pelo qual
foram denunciados, à pena de reclusão de 03 anos, 10 meses e 20 dias em
regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, prestação
pecuniária e prestação de serviços à comunidade, e multa no valor de
55 dias-multa para cada réu, considerando-se o valor do dia-multa em
01 salário mínimo, na data do fato, atualizado até o efetivo pagamento,
podendo a pena de multa ser parcelada. Cada réu deverá, ainda, recolher
mensalmente a importância de 04 salários mínimos atuais à entidade
de cunho social pelo mesmo período da pena privativa de liberdade, a
título de pena pecuniária. As penas restritivas serão individualizadas em
execução.
II) – os réus C. E. G. e A. G. G., pelo cometimento do crime referido,
à pena de reclusão de 03 anos e 06 meses em regime aberto, substituída
por duas penas restritivas de direitos, prestação pecuniária e prestação
de serviços à comunidade, e multa no valor de 50 dias-multa para cada
réu, considerando-se o valor do dia-multa em 01 salário mínimo, na data
do fato, atualizado até o efetivo pagamento, podendo a pena de multa ser
parcelada. Cada réu deverá, ainda, recolher mensalmente a importância
de 04 salários mínimos atuais à entidade de cunho social pelo mesmo
período da pena privativa de liberdade, a título de pena pecuniária. As
penas restritivas serão individualizadas em execução.
Inconformados com a decisão proferida, acusação e defesa
interpuseram apelações.
O Ministério Público Federal irresignou-se com o quantum da
pena aplicada, para quem ela foi “aquém do necessário e suficiente à
reprovação do grave delito perpetrado pelos réus”. Sustentou, em síntese,
a necessidade de elevar-se a pena-base, porquanto a culpabilidade foi
intensa, mormente ante o fato de serem os réus empresários experientes,
pessoas esclarecidas, com plena consciência da ilicitude; que a Magistrada
deixou de analisar os antecedentes, especialmente em relação aos réus J.
R. G. e A. G. G., já que foram denunciados em outras três ações penais;
os motivos, que dizem respeito, no caso, à obtenção de lucros indevidos
associados a uma ganância desmedida; que as conseqüências foram as
mais danosas possíveis, porquanto traduziram-se em 943.233,09 UFIRs,
ou R$ 1.003.694,33, atualizado até as alegações finais. Por estas razões,
sustentou que a pena-base deve ser fixada acima do termo médio, qual
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
seja, quatro anos. Aduziu, ainda, que a pena de multa deveria ser fixada
bem acima dos 50 ou 55 dias-multa, porquanto esse montante aplicado
estaria muito próximo do mínimo e muito afastado do máximo, devendo,
ante as condições judiciais e as condições econômicas dos réus, atingir o
patamar de 200 dias-multa, cada dia-multa em valor adequado à condição
econômica dos condenados, bem-sucedidos empresários. Por fim, aduziu
que não há como se promover a substituição da pena corporal.
A defesa, por sua vez, sustentou: a) em relação ao réu A. G. G., que,
além da idade avançada (79 anos à data da apelação), é portador do Mal de
Parkinson, entre outras enfermidades, necessitando do auxílio constante
da família, motivo pelo qual não pode prevalecer a pena fixada, devendo
ser-lhe aplicado o disposto no art. 115 do Código Penal, extinguindose a punibilidade; b) quanto ao réu F. J. G., alegou que a sentença foi
contrária à prova dos autos, uma vez que teria restado comprovado ser
ele um “funcionário” da sociedade, contador, e, como tal, sujeitava-se às
determinações da Direção; que, sendo contabilista, apenas organizava a
documentação que lhe era entregue, fatos passados, sobre os quais não
tinha qualquer poder decisório; que, sendo funcionário, não poderia ter
sido penalizado com multa idêntica àquelas atribuídas aos diretores, uma
vez que seus ganhos eram restritos a sua atividade; c) no que se refere
ao réu C. E. G., sustentou que lhe afetava apenas a parte industrial da
empresa, pelo que não poderia ter sido apenado pela prática do delito;
que só algumas vezes tomava parte em decisões de administração,
conforme seu depoimento; que a prova não conduz à participação dele,
ou de qualquer dos réus no ilícito denunciado, não tendo a acusação
se desincumbido de tal ônus. De forma mais genérica, a defesa alegou
ainda: d) que a denúncia não demonstrou ações individualizadas; e) que
deveria ter sido aplicada a lei mais benigna; f) que a pena restritiva de
liberdade deve ser diminuída, uma vez que a análise das circunstâncias
judiciais foi equivocada, já que todas as circunstâncias e atenuantes são
favoráveis aos apelantes; g) que não houve continuidade delitiva, pois
não se está diante de crime habitual; h) que a pena de multa e a pena
pecuniária substitutiva foram exacerbadas, devendo ser reduzidas ao
mínimo legal, mormente ante o fato que:
“... apenas o réu F. J. G. possui hoje atividade rendosa, porém com ínfimos ganhos,
suportando tão-somente as necessidades primárias de suas famílias. Todos os demais,
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
após a decretação da falência da sociedade ‘HAAS’ enfrentam sérios problemas de
ordem financeira”.
Requereu, a final, a absolvição dos réus ou a diminuição da pena.
Com contra-razões.
Nesta instância, o Ministério Público Federal opinou pelo parcial
provimento dos apelos.
É o relatório.
À douta revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva: Trata-se de
apelações interpostas pela acusação e pela defesa contra sentença que
condenou os réus, empresários do ramo calçadista de Novo Hamburgo/
RS, pela prática dos delitos previstos no art. 1º, II e III, da Lei nº 8.137/90,
c/c os arts. 11, da mesma lei, e 29, caput, e 71, ambos do CP.
Materialidade
Compulsando-se os volumosos autos deste processo, não restam
dúvidas acerca da materialidade delitiva. Como bem afirmou a Julgadora
monocrática, a prova da materialidade se dá, no caso, essencialmente,
pelos documentos que foram apreendidos junto à empresa Sam & Libby
do Brasil – Importações e Exportações Ltda. (S&L), que agenciava as
operações de exportação da empresa dos réus, HAAS S.A., e mantinha um
controle paralelo das operações. Com base nos demonstrativos fiscais de
fls. 1318/1321 e documentos de fls. 1322/1326, depreende-se que entre os
preços declarados e a receita declarada houve uma diferença significativa,
caracterizadora do delito. Nas próprias palavras da Magistrada:
“Em outras palavras, as operações de exportação realizadas pela pessoa jurídica
administrada pelos réus era intermediada, no Brasil, pela SAM & LIBBY DO
BRASIL – Importações e Exportações Ltda., em poder da qual foram apreendidos
controles paralelos, denotando-se a prática criminosa nos pedidos de nos 200.864,
200.797, 200.881, 200.818, 201.268, 200.197, 201.266, 201.289, 201.290, 200.228,
201.423, 201.472, 200.212, 200.213 e 201.507 (fls. 1318 a 1321) – Demonstrativo de
Subfaturamento nas Exportações, e fls. 1322 a 1326.”
Logo, inquestionável a materialidade do delito.
Autoria
A autoria confunde-se com o apelo da defesa dos réus, pelo que passo
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
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a analisar o referido recurso.
a) Em relação ao réu A. G. G.
De fato, o réu apresenta idade avançada, sendo que à época da sentença
(14.05.2001) contava com 79 anos, já que nasceu em 24.09.22, motivo
pelo qual se impõe a aplicação, tanto do disposto no art. 65, I, 2ª parte,
quanto do disposto no art.115 do CP. De qualquer modo, ainda que se não
tomasse em consideração o disposto no art. 65, I, e que a pena fixada fosse
a máxima cominada para o delito, o prazo prescricional não ultrapassaria
12 anos, os quais contados pela metade (aplicação do art. 115 do CP),
06 anos, foram excedidos entre a data do último fato (maio de 1991) e a
data do recebimento da denúncia (junho de 1997). Assim, a teor dos arts.
107, IV; 109, III; 111, I; 115; 117, I, todos do Código Penal, extingue-se
a punibilidade do réu A., pela ocorrência da prescrição.
b) Quanto ao réu F. J. G.
Tenho que não procede a alegação de que a sentença foi contrária à
prova dos autos, uma vez que teria restado comprovado ser ele apenas
“funcionário” da sociedade, na função de contabilista, sem qualquer
poder decisório.
À fl. 411, procedimento fiscal, consta cópia de documento da empresa,
uma ficha na qual o referido réu está assim qualificado:
“PROFISSÃO: GERENTE FINANCEIRO...; RELAÇÃO COM A EMPRESA:
CONTADOR E GERENTE FINANCEIRO (CONTADOR ATÉ 1990 E GERENTE
FINANCEIRO ATÉ A ATUALIDADE)”.
Além disso, os autos dão conta, como bem asseverou a Sentenciante,
“tem-se que a direção da sociedade era exercida por todos os réus, conforme cópias
das Atas de Assembléias (fls. 501/509), bem como documentos (fls. 246/286, 287/319,
320/348 e 411/439), ciência do Termo de Intimação Fiscal (fls. 555/558 e 713/715) e
do Relatório do Trabalho Fiscal (fls. 1330/1355)”.
c) No que se refere ao réu C. E. G.
Também não lhe assiste razão.
Faço minhas as palavras do i. Procurador Regional da República, Dr.
Victor Luiz dos Santos Laus, ao referir-se à parte da apelação em que é
questionada a autoria:
“É de destacar-se que a materialidade e a autoria restaram bem avaliadas na r. decisão
recorrida. Sem embargo do alegado na irresignação acerca da ausência de participação
184
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
de C. E. G. e F. J. G., cumpre referir que assiste inteira razão ao reconhecimento da
responsabilidade criminal dos apelantes, endossado pelo procedimento administrativo
nº 11065.003401/94-46 (fls. 08/1391), onde constam as Atas de Assembléias da HAAS
S.A. Indústria e Comércio (fls. 501/517), que estão em perfeita consonância com os
termos dos interrogatórios acostados às fls. 1415 e 1416, pois o primeiro assumiu que
cuidava de todo o setor industrial da empresa; contratava pessoal, tomando parte,
algumas vezes, em decisões de administração, demonstrando sua importância na
continuidade da atividade empresarial, e o segundo por ser o profissional contador
responsável da empresa, controlando contas a pagar e assinando balanços do
empreendimento. Portanto, a contribuição funcional nas manobras utilizadas para
a sonegação de IRPJ, PIS, FINSOCIAL, IRRF e Contribuição Social dos apelantes
era inegável, razão por que se mostravam presentes o domínio do fato e o elemento
subjetivo do tipo.” (fls. 1.947-1.948)
Sobre as demais razões de recurso da defesa
d) Descrição das ações dos réus na denúncia
É pacífica a posição de que, em crimes societários, a denúncia enuncie
de forma genérica a atuação dos responsáveis, sem individualização rígida
das condutas, desde que, no decorrer do processo, como no presente
caso, reste comprovada a real responsabilidade de cada qual no delito a
si imputado. Nesse sentido, o precedente do e. STJ a seguir transcrito:
“PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO DE HABEAS
CORPUS. CRIME CONTINUADO. SUCESSÃO DE LEIS PENAIS. LEI NOVA.
AGRAVAMENTO DA PENA. PRESCRIÇÃO. DENÚNCIA. INÉPCIA. CRIME
SOCIETÁRIO. INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS. DESNECESSIDADE.
INDICAÇÃO DE PEÇAS DO INQUÉRITO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO
DIREITO DE DEFESA.
I - Não obstante a determinação legal, por ficção jurídica, para que o crime
continuado seja considerado como um único delito, o CP, em seu art. 119, determina
que, no concurso de crimes, a extinção de punibilidade deve ser considerada sobre a
pena de cada um deles, isoladamente.
II - Desse modo, se a denúncia somente foi recebida em fevereiro de 1997,
reconhece-se a extinção da punibilidade, por prescrição da pretensão punitiva, em
relação aos delitos praticados anteriormente à vigência da Lei 8.137, sob pena de se
aplicar retroativamente a lex gravior, o que é vedado em nosso ordenamento jurídico.
(CF, art. 5º, XL, e CP, art. 2º)
III - Não há inépcia da denúncia que, ao imputar a prática de delito societário aos
acusados, deixa de individualizar pormenorizadamente a conduta de cada um deles,
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185
mas fornece dados suficientes à admissibilidade da acusação, permitindo a adequação
típica (Precedentes).
Recurso a que se dá parcial provimento.” (STJ, RHC 9617/SP, Rel. Min. Félix
Fischer, 5ª Turma, un., DJ 04.09.2000)
Logo, afasta-se a alegação da defesa.
e) Da aplicação da lei mais benigna
Verifica-se dos autos que, de fato, alguns dos fatos criminosos se deram
na vigência da Lei nº 4.729/65 (agosto a dezembro de 1990), outros já na
vigência da Lei nº 8.137/90 (janeiro a maio de 1991), todos em continuidade
delitiva.
Tendo isso por base, ou seja, a continuidade, a Magistrada a quo resolveu
a questão de direito intertemporal posta, no sentido de que, uma vez que
os réus persistiram na continuidade delitiva, não se motivando pelos
imperativos da lei nova, aplicar-se-ia, a toda a série delitiva, a lei nova,
ainda que mais gravosa.
Entretanto, assiste razão parcial à defesa e deve ser acolhido o parecer
ministerial, no que diz respeito ao fato de que a consumação de algumas
das condutas se deu apenas no momento do provável lançamento dos
créditos. Assim o parecer:
“Ressalte-se, porém, que parte da carga tributária devida no ano de 1990, deveria
ter sido informada ainda neste período (PIS, FINSOCIAL, e Contribuição Social,
cujo recolhimento era mensal), estando regrada, então pela Lei nº 4.729/65 e atingida,
conseqüentemente, pela pretendida causa extintiva da punibilidade, auferida pela pena
em abstrato do tipo violado. Diverso, todavia, é o posicionamento sobre o Imposto de
Renda, onde o exercício fiscal efetivou-se em 1991, e, assim, já sob a incidência típica
do art. 1º, II e III, da Lei nº 8.137/90.”
Sendo induvidoso que sobre o remanescente deve ser aplicada a lei
mais moderna, ainda que mais gravosa ao réu, já que sua vigência é
anterior ao final da cadeia delitiva. (cf. com jurisprudência do STF e
STJ citadas no parecer)
Os demais aspectos do recurso da defesa dizem respeito à necessidade
de que seja diminuída a pena aplicada, e o recurso da acusação refere-se
à necessidade de que seja ela aumentada. Assim, passa-se, de imediato,
à análise da fixação da pena.
Da dosimetria da pena
Para a defesa, a pena restritiva de liberdade deve ser diminuída, uma
186
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
vez que a análise das circunstâncias judiciais foi equivocada, já que todas
as circunstâncias e atenuantes são favoráveis aos apelantes e não houve
continuidade delitiva, pois não se está diante de crime habitual.
Para a acusação há necessidade de elevar-se a pena-base, porquanto
a culpabilidade foi intensa; a Magistrada deixou de analisar os
antecedentes, especialmente em relação aos réus J. R. G. e A. G. G., já
que foram denunciados em outras três ações penais; os motivos, que
dizem respeito, no caso, à obtenção de lucros indevidos associados a
uma ganância desmedida; e as conseqüências foram as mais danosas
possíveis, traduzindo-se em 943.233,09 UFIRs, ou R$ 1.003.694,33,
atualizado até as alegações finais, devendo ser fixada acima do termo
médio, qual seja, quatro anos.
Entendo pertinentes algumas considerações.
Em linhas gerais, tenho que as operadoras do art. 59 do CP foram
bem dosadas pela Magistrada, exceto no que pertine a dois aspectos,
um a favor dos réus, um da acusação. Quais sejam: a favor da acusação
levar-se-ia em conta o fato de que realmente os réus J. R. G. e A. G.
G. não têm bons antecedentes, pois respondem a outras ações penais e
isso, para esta Turma, com base em precedentes do e. STF, configura os
maus antecedentes; a favor da defesa, vem o que muito bem lembrou o
i. Procurador da República, já citado, sobre o fato de que o grande valor
sonegado não pode ser levado em conta nas aplicadoras do art. 59, uma
vez que é elemento que integra a causa de aumento insculpida no art. 12 da
Lei nº 8.137/90, aplicado pela Julgadora de Primeiro Grau. Caso contrário,
estar-se-ia em face de bis in idem.
Tendo isso em vista, não vejo razão para que seja modificado o
quantum da reprimenda aplicada na sentença.
Não há o que discutir acerca da aplicação da majorante da continuidade
delitiva, porquanto os fatos se deram na conformidade do que vem
disposto no art. 71 do CP, ou seja, houve renovação da conduta, o mesmo
modo de agir e a mesma relação de oportunidade. E, tendo em vista a
prescrição de alguns dos fatos da cadeia delituosa, com mais razão,
entendo adequado ao caso que tal aumento reste fixado no mínimo de
1/6, como o fora já na sentença.
Com relação à pena de multa, ao contrário do que alegado por ambas
as partes, aliás sem qualquer suporte fático veemente, penso que também
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
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foi adequadamente dosada, não encontrando razão suficiente para
modificá-la, seja para mais, seja para menos, uma vez que suficientes à
resposta estatal necessária ao presente caso, tendo em vista as condições
econômicas dos réus e a ressalva sentencial de que tais valores poderão
ser parcelados, ajustando-se, ainda mais, às condições individualizadas
de cada réu.
Assim, deve ser mantida a sentença condenatória, inclusive no que diz
respeito à substituição das penas privativas de liberdade por restritivas
de direitos, com as ressalvas deste voto.
Ante o exposto, nego provimento às apelações da defesa e da acusação.
É o voto.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2001.04.01.079268-9/PR
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa
Apelante: Ministério Público
Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
Apelado: A. J. F.
Advogado: Dr. Paulo Roberto Lemos de Jesus
EMENTA
Penal. Processual Penal. Emendatio libelli. Art. 383 do CPP.
Circunstância elementar contida na denúncia. Concurso aparente de
normas. Peculato. Art. 312, § 1º, do CP. Estelionato. Art. 171, § 3º, do
CP. Obtenção de dinheiro mediante financiamentos fraudulentos. Crime
continuado.
1. É permitido ao Juiz dar ao fato delituoso definição jurídica diversa
da capitulada na denúncia, desde que nesta constem todas as elementares
da nova capitulação jurídica a ser dada ao fato denunciado. (art. 383 do
188
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
CPP)
2. A conduta do réu, funcionário da Caixa Econômica Federal, consistiu
na obtenção de valores decorrentes de três financiamentos concedidos
pela referida instituição bancária, em razão de fraude perpetrada pelo
denunciado.
3. Hipótese em que o bem objeto do crime foi entregue pela vítima
iludida, induzida em erro pelo agente, sem que tenha havido subtração da
coisa, devendo, portanto, o fato ser subsumido no estelionato (art. 171,
§ 3º, do CP), e não no peculato-furto. (art. 312, § 1º, do CP)
4. Pelas condições de tempo, lugar e modo de execução, bem como
pela unidade de desígnio nas ações do réu, caracterizou-se o crime
continuado. (art. 71 do CP)
5. Apelação improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria,
negar provimento à apelação, nos termos do relatório, voto e notas
taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Vencido o Desembargador Federal José Germano da Silva, que deu
provimento à apelação.
Porto Alegre, 11 de junho de 2002.
Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa: O Ministério
Público Federal ofereceu denúncia (fls. 03/06) contra A. J. F., como
incurso nas sanções do art. 312, § 1º, c/c o art. 71, e art. 299, na forma do
art. 69, todos do Código Penal, por ter, em tese, no período compreendido
entre 01.01.98 e 04.08.98, aproveitando-se da sua condição de funcionário
da Caixa Econômica Federal, forjado a concessão de financiamentos
bancários, através da falsificação de assinaturas e do uso indevido de
carimbos, apropriando-se indevidamente de valores estimados em
R$ 14.702,62 (quatorze mil, setecentos e dois reais e sessenta e dois
centavos).
A inicial acusatória foi recebida em 20.09.99. (fl. 08)
Regularmente instruído o feito, sobreveio a sentença de fls. 82/94,
189
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
publicada em 24.08.2001 (fl. 95), que julgou parcialmente procedente
a denúncia para, aplicando o art. 383 do Código de Processo Penal
(emendatio libelli), condenar o réu pela prática do delito tipificado no
art. 171, § 3º, c/c o art. 71, ambos do Código Penal, às penas de 1 (um)
ano, 7 (sete) meses e 6 (seis) dias de reclusão, em regime inicialmente
aberto, e de 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de 1/15 (um quinze
avos) do salário mínimo vigente em agosto de 1998. A pena privativa
de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, sendo uma
de prestação de serviços à comunidade a ser estabelecida, e outra de
prestação pecuniária no valor de 2 (dois) salários mínimos.
O parquet federal interpôs recurso de apelação (fls. 97/102),
sustentando, em suma, que a conduta pela qual o denunciado foi
condenado subsume-se na figura típica do art. 312, § 1º, do Código
Penal (peculato-furto), uma vez que a condição de funcionário público
ostentada pelo agente do delito foi o que lhe proporcionou a subtração
dos valores referidos na inicial, sendo esta característica a que distingue
o peculato de outros crimes como a apropriação indébita, o furto e o
estelionato. Alega, ainda, que o réu praticou três diferentes fatos, tendo
realizado operações distintas para a consecução das fraudes, situação que
configura o concurso material de crimes (art. 69 do Código Penal), e não
a continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal), conforme reconhecido
na sentença.
O apelado apresentou contra-razões às fls. 104/106.
Nesta instância, o Ministério Público Federal ofereceu parecer pelo
provimento do recurso. (fls. 125/126)
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa: A conduta
imputada ao ora apelado foi assim descrita na inicial de fls. 03/06:
“No período compreendido entre 01 de janeiro de 1998 e 04 de agosto de 1998, o
denunciado A., aproveitando-se da sua condição de funcionário da Caixa Econômica
Federal do município de Campo Largo/PR, forjou a abertura de três contratos de
financiamento para a aquisição de material de construção do plano SIINC – Sistema
Integrado de Construção, no nome de Alcemir Davi Braga, Claudenilson Luiz Ferreira
e João Pereira, vindo a seguir, mediante a falsificação de assinaturas e utilização de
carimbos de funcionários da CEF, a obter a liberação dos referidos financiamentos,
190
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apropriando-se indevidamente das parcelas liberadas.
A fraude foi descoberta na agência CEF através de procedimento de rotina de
conferência e autuação de processos habitacionais no setor de Fomento, quando
verificou-se a irregularidade nos três processos da modalidade financiamento para
aquisição de material de construção mencionados. Constatou-se que na realidade o
denunciado somente formalizou a abertura dos procedimentos de liberação, utilizando-se
das pessoas de seu sogro e dois funcionários de seu pai, de quem colheu as assinaturas
para formalizar os pedidos de financiamento, sem que as mesmas em verdade tivessem
conhecimento da pretensão delituosa do denunciado.
Nas declarações prestadas pelos mutuários Alcemir Davi Braga e João Pereira
(fls. 254/256 do volume 1 e 310/313 do volume 2), estes negaram o reconhecimento
das assinaturas constantes das guias de retiradas (fls. 185,187,245,246 e 248) a eles
apresentadas, tendo a falsificação sido comprovada pelo laudo pericial de exame
grafotécnico, realizada pelos peritos da CEF. (fls.191/193 do apenso I)
De acordo com o apurado pela CEF, na averiguação das irregularidades, foram
analisados os extratos das contas do denunciado A., de seu pai e dos três mutuários,
Alcemir Davi Braga, Claudenilson Luiz Ferreira e João Pereira, quando foi possível
estabelecer o cruzamento dos lançamentos feitos entre as referidas contas, pelo
denunciado A., no período de 01.01.98 a 04.08.98, constatando-se a apropriação indébita
dos recursos pelo mesmo.
Concomitantemente à narrada fraude, a partir de março de 1998, o denunciado A. ainda
desviou para sua conta corrente, na própria CEF, outros créditos provenientes de contas
de diversos clientes da referida Instituição bancária, sempre referentes à contratação de
aquisição para material de construção, do plano SIINC (Sistema Integrado de Construção),
conforme narrado às fls. 156/159, desviados para sua conta corrente.
No total, o denunciado foi responsável por mais de 40 (quarenta) operações de
desvio de parcelas do referido financiamento, conforme descrito às fls. 260/263
do IPL.
Os documentos das transações fraudulentas (fls. 102/136,143/146,151/190 do
apenso I), em sua grande maioria, eram assinados pelo próprio denunciado A. Em
outros documentos, todavia, o denunciado A. falsificou as assinaturas dos funcionários
da CEF, Celso José Massinhã (fls.192/195 e 200/203 do apenso I) e José Chezanoski
(fls.190/191 do apenso I), os quais, em declarações prestadas às fls.281 e 284, não
reconheceram tais firmas como suas.
Destaca-se, que a maioria das transações realizadas pelo denunciado A. eram feitas
mediante Avisos de Débito, Avisos de Crédito, Guias de Depósito e Guias de Retirada
(fls.102/190 do apenso I), documentos esses que correspondem aos lançamentos e
movimentações das contas supracitadas (fls.156/159 do volume I).
O denunciado A., ao prestar depoimento (fls.316/319), assumiu a autoria fraudulenta
dos três processos em nome de Claudenilson, Alcemir e João, confessando que na verdade
as parcelas dos financiamentos liberados pelo SIINC (Sistema Integrado de Construção)
eram pelo mesmo apropriados. Admitiu também ter falsificado as assinaturas de Alcemir
Davi Braga e João Pereira e ter usado os carimbos dos funcionários da CEF Celso José
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Massinhã e José Chezanoski, para a consecução da fraude. Ainda, confessou a apropriação
indébita de valores de outros correntistas da CEF, que deveriam ser liberadas às lojas de
materiais de construção, conforme supranarrado.
Expostos os fatos, resta claro que o denunciado A., aproveitando-se da sua condição
de funcionário da CEF, forjou a concessão de financiamentos bancários e apropriou-se
indevidamente de dinheiro de correntistas, através de falsificação de assinaturas e uso
indevido de carimbos de funcionários da CEF, acarretando prejuízo à CEF estimado
em R$ 14.702,62 (quatorze mil, setecentos e dois reais e sessenta e dois centavos).”
Regularmente instruído o feito, sobreveio a sentença de fls. 82/94,
que julgou parcialmente procedente a denúncia para, aplicando o art.
383 do Código de Processo Penal (emendatio libelli), condenar o réu
pela prática do delito tipificado no art. 171, § 3º, c/c o art. 71, ambos do
Código Penal.
Este foi o entendimento adotado pelo MM. Juiz a quo, na sentença
condenatória (fls. 85/89):
“(...)
Pois bem, como salientado pelo Digno Procurador da República em suas
derradeiras alegações (fls. 71/77), ‘a materialidade do crime perpetrado pelo denunciado
restou comprovada através dos documentos referentes à concessão dos financiamentos
a João (fl. 48), a Claudenilson (fl. 50) e a Alcenir (fl. 52), bem como dos documentos
pertinentes às transações fraudulentas (quando se consumou o crime), constando
inclusive os extratos das contas correntes envolvidas, confirmando-se os débitos e
créditos respectivos (fls. 102-136, 143-146 e 151-190)’.
No tocante à autoria, igualmente não pairam dúvidas. Isso porque o Réu a confessou,
tanto na apuração realizada no âmbito da CEF quanto em Juízo.
Transcrevo aqui sua confissão judicial, por revelar-se de grande utilidade até
mesmo para melhor compreensão e como os fatos se deram:
‘(...) QUE são verdadeiros os fatos descritos na denúncia, mas com alguns detalhes,
no tocante à execução, que são incorretos; Que em novembro/97, sua residência sofreu
inundação, consoante comprova as fotografias que ora apresenta e requer sejam juntadas
ao feito; Isso acarretou grandes perdas, e não dispunha de recursos para providenciar a
restauração da casa; Também era inviável a obtenção de novo financiamento para esse
fim, vez que o imóvel já era financiado junto à CEF; Ante esse quadro, procurou seu
sogro, sr. Alcemir Davi Braga, seu primo, sr. João Pereira, e seu amigo, sr. Claudenilson
Luiz Ferreira, pedindo-lhes para que emprestassem seus nomes para conseguir, através
de financiamento, recursos para restauração do imóvel; Como eles concordaram, o
interrogado montou um processo de financiamento, junto ao sistema SIINC, utilizandose na entrada de dados dos nomes daquelas três pessoas que ali constavam como
mutuários; Que tal processo somente existia no sistema e não fisicamente, em papéis;
Que sabia que estava fazendo coisa errada, pois nem mesmo dispunha de notas fiscais,
documentos necessários para obtenção de financiamento junto ao banco; Que os créditos
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do aludido financiamento foram efetuados em três contas de poupança de titularidade
de Alcemir, João Pereira e Claudenilson; Essas três contas foram normalmente abertas,
sendo que as três pessoas nominadas compareceram na agência da CEF em Campo
Largo e assinaram toda a papelada necessária para abertura das poupanças; Que eles
tinham conhecimento de tudo que o interrogado estava realizando para obtenção do
financiamento; Que fazia as transferências entre as contas dos três ‘mutuários’ para a
conta-corrente do interrogado através de ordens de débitos e crédito, na própria agência,
independentemente de assinaturas deles; Que somente em duas ou três ocasiões, em
virtude do excesso de serviço e por ser mais rápido o procedimento através de guia de
retirada, falsificou as assinaturas de seu sogro e de seu primo; Que os valores obtidos
através dos créditos do financiamento realmente foram utilizados para compra de
materiais de construção e reforma de sua casa; Que à época dos fatos era escriturário
daquela agência da CEF; Foi demitido em agosto/99 por conseqüência dos fatos que lhe
são imputados; Quanto aos carimbos utilizados, ‘necessários’ para passarem as guias
de ordem de débito e crédito pelo caixa, não falsificou as assinaturas dos gerentes, pois
as rubricas ali constantes são as suas próprias; Que o interrogado é casado há onze
anos e trabalhava desde 14.03.90 na CEF; Atualmente trabalha como mecânico; Que
está arrependido do que fez e não tinha ciência de que seu proceder poderia acarretar
repercussões tão graves perante a Justiça; Que foram cerca de quarenta operações de
transferências, sendo que algumas envolviam contas de outros correntistas, das quais se
utilizava somente para ‘triangular, tabelar’, os valores, ‘para não dar tão na cara’; Que
seu sogro Claudenilson e João Pereira abriram suas contas poupança especificamente
para que o interrogado conseguisse o empréstimo; Que já ressarciu a CEF da importância
aproximada de onze mil reais, e parcelou pelo prazo total de três anos o restante de
aproximadamente três mil reais; Para comprovação disso apresenta neste ato fotocópias
de documentos, requerendo sua juntada ao feito’.
Vale anotar que as palavras do Réu guardam harmonia com os depoimentos dos
testigos arrolados na exordial e ouvidos durante a instrução processual (vide fls. 45/49),
merecendo, portanto, total credibilidade.
Pois bem, esses fatos perpetrados por A. são penalmente típicos. Porém, sua
capitulação, salvo melhor juízo, não aquela apontada pelo MPF na inicial, razão pela
qual aqui faço uso do disposto no art. 383, CPP (emendatio libelli). As condutas, em
verdade, enquadram-se na figura do estelionato, e não na do peculato.
Colaciono, para fundamentar essa conclusão, o seguinte precedente:
‘(...) No peculato próprio, definido no caput do art. 312 do CP, a ação do agente
consiste no apropriar-se ou no desviar o dinheiro ou bem móvel de que tem a posse em
razão do cargo. Na figura do parágrafo 1º, ele subtrai o dinheiro ou bem, embora dele
não tenha a posse, ou concorre para que seja subtraído, valendo-se de facilidade que
lhe proporciona a qualidade de funcionário. Não ocorreu, no caso vertente, apropriação,
desvio ou furto, mas o emprego de meio fraudulento com vistas à consecução de proveito
ilícito, em prejuízo da autarquia; a nota dominante foi o ardil, o logro, a burla, com a
qual se pode dar por configurado o delito de estelionato’. (TFR – Rel. Min. Torreão
Braz – ementa inserta em Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, de Alberto
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
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Silva Franco e outros, pp. 2192/2193)
Assim, ante o emprego de meios fraudulentos – três financiamentos forjados,
valendo-se o Réu de nome de terceiras pessoas – para a obtenção de indevidas vantagens
(que totalizaram, à época dos fatos, R$ 14.702,62), em prejuízo da CEF, as condutas em
verdade se amoldam ao arquétipo do art. 171, caput, c/c parágrafo 3º, do CP, in verbis:
‘Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio,
induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro
meio fraudulento:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.
(...)
§ 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de
entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou
beneficência’.
Incidente o parágrafo 3º, do art. 171, do CP, já que a vítima, a Caixa Econômica
Federal – CEF, é ‘instituto de economia popular’.
A propósito da aplicação desse dispositivo (que prevê uma causa especial de
aumento de pena), trago à colação os seguintes precedentes:
‘ESTELIONATO – CAIXA ECONÔMICA – MAJORANTE DO § 3º DO ART. 171
DO CP – Aplica-se a causa legal específica de aumento de pena prevista no § 3º do art. 171
do CP no caso de fraude praticada contra a Caixa Econômica Federal. Recurso Provido’.
(STJ – REsp 166.260 – PE – 5ª T. – Rel. Min. Félix Fischer – DJU 16.11.98 – p. 111)
‘ESTELIONATO – CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – INSTITUIÇÃO DE
ECONOMIA POPULAR – Como tal se qualifica a Caixa Econômica Federal, consoante
as suas finalidades legais (Decreto-Lei nº 759/69, art. 2º), a par, ademais, da sua condição
de empresa pública, tudo considerado para os efeitos do aumento penal previsto no
§ 3º do art. 171 do Código Penal’. (STJ – REsp 33.547-0/PE – 5ª T. – Rel. Min. José
Dantas – DJU 14.06.93)
Quanto às falsificações efetuadas, serviram tão-só de meio para consumação dos
crimes e aí se exauriram, sem mais potencialidade lesiva, razão pela qual não são
puníveis autonomamente, nos termos da Súmula nº 17, do Egrégio Superior Tribunal
de Justiça.
(...)
Em síntese, pois, reconheço que A. J. F. praticou três condutas (esse é o número
de financiamentos fraudulentos) típicas, ilícitas e culpáveis, enquadradas no art. 171,
parágrafo 3º, do CP. Entre elas vislumbro continuidade delitiva (art. 71, caput, CP), à
vista das mesmas circunstâncias de tempo e de lugar, bem como identidade de vítima
e de modo de execução.
(...)”.
Transitada em julgado a ação para a defesa, recorre o Ministério
194
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
Público Federal, sustentando, em síntese, que a conduta delituosa do
réu subsume-se à figura típica do art. 312, § 1º, c/c o art. 69, ambos do
Código Penal.
Portanto, a presente irresignação diz respeito tão-somente à definição
jurídica a ser dada ao fato criminoso.
Nesse contexto, impõe-se uma análise mais detida das figuras típicas do
estelionato (art. 171 do CP) e do peculato-furto (art. 312, § 1º, do CP), a fim
de que se possa determinar qual delas se amolda melhor à conduta praticada
pelo réu.
Inicialmente, vale observar que o ora apelado praticou o ilícito contra
a Caixa Econômica Federal, empresa pública, valendo-se da sua condição
de funcionário público, nos termos do art. 327 do Código Penal.
Como se sabe, o peculato está previsto no capítulo do Código
Penal que trata dos crimes praticados por funcionário público contra a
Administração.
Portanto, trata-se de crime próprio, do qual somente pode ser autor
o funcionário público, salvo nas hipóteses do art. 30, in fine, do Código
Penal.
Contudo, para que haja peculato, não basta que o sujeito ativo do crime
seja servidor público e que o seu sujeito passivo seja a Administração
Pública. Obviamente, é imprescindível que a conduta praticada esteja
prevista no correspondente tipo penal. (art. 312 do CP)
Por outro lado, em relação ao delito de estelionato, nada impede que
este seja praticado por um funcionário público.
Da mesma forma, pode um ente público figurar como vítima de
estelionato, hipótese na qual incide o § 3º do art. 171 do Código Penal.
Assim sendo, não é pela simples condição dos sujeitos ativo e passivo
do crime que se vai esclarecer se o delito praticado foi o de peculatofurto ou o de estelionato. É necessário que se proceda a uma análise das
demais circunstâncias que caracterizam uma e outra figura típica.
Para um melhor exame acerca dos elementos constitutivos do crime
de estelionato, valho-me da lição doutrinária de Nelson Hungria, in
Comentários ao Código Penal, vol. VII, Forense, 4ª edição:
“73. Fraude patrimonial. O estelionato é crime patrimonial mediante fraude: ao invés
da clandestinidade, da violência física ou da ameaça intimidativa, o agente emprega o
engano ou se serve dêste para que a vítima, inadvertidamente, se deixe espoliar. É uma
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forma evoluída de captação do alheio. (...) Já não se coage, pela força ou pelo medo, a
vítima escolhida: esta é espoliada como o corvo da fábula, ou tão habilmente iludida,
que ela mesma é que, de bom grado, se desapossa da própria fazenda em proveito do
embusteiro.” (pp. 164/165)
“(...) A definição que COELHO DA ROCHA nos dá de fraude é corretíssima, quer
do ponto de vista do direito privado, quer do ponto de vista do direito penal: ‘artifício
malicioso, que se emprega para enganar uma pessoa, e levá-la a praticar uma ação, que
sem isso não praticaria’.” (p. 170)
“76. Estelionato no seu tipo fundamental. O art. 171 do Código define o estelionato
na sua configuração básica: ‘Obter para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo
alheio, induzindo ou mantendo em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio
fraudulento’. Na estrutura do crime, apresentam-se, portanto, quatro momentos, que se
aglutinam em relação de causa a efeito: a) emprego de fraude (isto é, de ‘artifício, ardil
ou qualquer outro meio fraudulento’); b) provocação ou manutenção (corroboração)
de erro; c) locupletação ilícita; d) lesão patrimonial de outrem.” (p. 202)
“Já acentuamos, de início, que entre os momentos do estelionato deve existir uma
sucessiva relação de causa a efeito: o meio fraudulento, comissivo ou omissivo, deve
diretamente induzir ou manter o erro em virtude do qual se realiza a locupletação ilícita,
de que resulta a lesão patrimonial.
Entende-se por ‘erro’ a falsa ou nenhuma representação da realidade concreta,
funcionando como vício do consentimento da vítima. (...)”. (p. 209)
“A lesão, no estelionato, pode atingir a qualquer bem, interêsse ou direito patrimonial
(pessoal ou real), sem exclusão dos direitos imobiliários. Pode consistir em desfalcar
de alguma coisa o patrimônio alheio, onerá-lo com alguma obrigação sem a correlativa
contraprestação, ou privá-lo de uma dívida ou obrigação ativa ou de não aleatórios
lucros futuros.” (p. 210)
“95. Estelionato qualificado. Dispõe o § 3.º do art. 171 que ‘a pena aumenta-se de
um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de
instituto de economia popular, assistência social ou beneficência’. (...) A ratio da especial
agravação da pena é a difusão do eventus damni, pois este, nos casos mencionados no
texto legal, afeta interesse da coletividade ou de indeterminado número de pessoas.”
(pp. 256/258)
Ainda em relação ao crime tipificado pelo art. 171 do Código Penal,
colho da jurisprudência os seguintes ensinamentos:
“Caracteriza-se o estelionato pela presença de seus elementos constitutivos, a saber:
o artifício fraudulento, o induzimento, por meio dele, das vítimas em erro, o prejuízo
por estas sofrido, o correspondente locupletamento ilícito dos agentes e do dolo.”
(TARS – AC – Rel. Pedro Henrique Rodrigues – RT 572/385)
“O estelionato é caracterizado pelo emprego de meio fraudulento, para obter
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vantagem indevida. Reside aí a ação física do crime ‘... induzindo ou mantendo alguém
em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento, diz o dispositivo
do art. 171 do CP.” (TACRIM-SP – AC – Rel. Silva Rico – JUTACRIM 94/215)
Em contrapartida, no que diz respeito à figura do peculato-furto (art.
312, § 1º, do CP), colaciono a seguinte nota doutrinária:
“Aqui, não se trata mais de apropriação, porém, de furto: subtrair é o verbo
empregado. Assim como o peculato-apropriação atende, em regra, aos princípios
relativos ao delito do art. 168, o peculato-furto se sujeita aos do crime do art. 155, dandose, nas mesmas circunstâncias deste, a consumação e a tentativa. Consuma-se o crime
quando o dinheiro ou bem móvel sai da posse do ofendido – a Administração Pública
– para entrar na do agente. Esta substitui, então, aquela. Há inversão de posse. (...)
Claro que o parágrafo se subordina ao artigo e daí não há excogitar se o bem
subtraído é público ou particular: em qualquer caso haverá o delito.
A figura em questão distingue-se da precedente apenas em que aqui o agente não
tem a posse do bem móvel, pois o parágrafo fala em subtrair o que já mostra não estar
a coisa na posse do funcionário.
Como se vê da oração da lei, duas são as hipóteses consideradas. Na primeira, o
funcionário subtrai, ele mesmo, o bem: v.g., o fiscal ou o lançador da Prefeitura verifica
que o tesoureiro deixou aberta a porta do cofre e daí retira certa importância. Na segunda,
há um delito plurisubjetivo ou de concurso necessário: o funcionário, voluntária e
conscientemente, concorre para que outrem subtraia a coisa, como se conversa com o
caixa ou pagador, para que terceiro se aposse do dinheiro.
(...)
Elemento do tipo é que o agente se valha da facilidade que sua qualidade de
funcionário público lhe proporciona. (...)
Ao contrário do que se passa no artigo, o fato de o agente ser funcionário não é causa,
mas simples ocasião do delito. Não é em virtude da função que o crime ocorre, mas da
facilidade que seu cargo cria, o que, aliás, é consentâneo com a teoria da equivalência dos
antecedentes, abraçada pelo Código, não distinguindo entre causa, condição e ocasião
(E. Magalhães Noronha, ob. cit., pp. 238 e 239)”. (Código Penal e sua Interpretação
Jurisprudencial, Alberto Silva Franco e outros, ed. RT, 5ª edição, pg. 3022)
Como se vê, a distinção encontra-se no núcleo do tipo penal, vale
dizer, o verbo descrito na norma incriminadora.
Assim, temos que, no peculato-furto (art. 312, § 1º, do CP), o núcleo
do tipo é subtrair, ou seja, tomar de outrem coisa alheia móvel de que
não se detém a posse.
Já no estelionato (art. 171 do CP), não ocorre essa subtração, uma
vez que o objeto do crime vem parar nas mãos do sujeito ativo que,
mediante fraude, vicia a vontade da vítima que lhe entrega a coisa que
pretende obter.
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Essa é, a meu ver, a distinção fundamental para solucionar a questão
posta nesta fase recursal.
Veja-se que, no caso dos autos, o dinheiro do qual o réu pretendeu
dispor foi obtido mediante fraude consistente na obtenção indevida
de financiamento, em detrimento da Caixa Econômica Federal, que,
por sua vez, disponibilizou os recursos, creditando-os nas contas dos
três correntistas que emprestaram seus nomes para que o denunciado
elaborasse a sua conduta criminosa.
Desse modo, é possível observar com clareza que, em nenhum
momento, houve subtração dos valores liberados em razão do
financiamento.
Uma vez enganada, a instituição financeira entregava os bens que
poderiam ser, posteriormente, disponibilizados pelo autor da fraude.
Em conformidade com esse entendimento, os seguintes precedentes:
“PENAL. ESTELIONATO. PECULATO. EMPREGADO DA CEF. RETIRADA
FRAUDULENTA DE ALTAS SOMAS EM DINHEIRO DE CORRENTISTA.
1 – O réu falsificava a assinatura da correntista na guia de retirada e era por ele
visada, para atribuir veracidade e, em seguida, valendo-se de sua condição de supervisor
de captação de recursos da CEF, dirigia-se ao caixa, pela parte interna do balcão,
apresentava a guia fraudada ao operador do caixa, que efetuava a entrega do dinheiro,
sem fazer conferência de assinatura e saldo. Essa conduta repetiu-se várias vezes, tendo
o réu se apropriado de altas somas em dinheiro, para uso próprio.
2 – A conduta acima descrita caracteriza o crime de estelionato, pois o réu necessitou
empregar artifício fraudulento para alcançar seus objetivos delituosos – obtenção de
dinheiro de forma ilícita – , não se caracterizando o crime de peculato.” (TRF 4ª Região,
ACR nº 97.04.50029-7, 2ª Turma, Rel. Juiz Jardim de Camargo, DJ 22.04.98, p. 505)
“PENAL. FALSIFICAÇÃO. ESTELIONATO. PECULATO-FURTO. ABSORÇÃO.
AGRAVAÇÃO DA PENA-BASE. PRESCRIÇÃO.
I. Se o réu não tem a posse dos valores mas sim pretende obtê-la por meio de
ressarcimentos fraudulentos, caracteriza-se o estelionato e não o peculato-furto, pois
não houve a efetiva subtração das quantias.
(...)”. (TRF 4ª Região, ACR nº 95.04.23471-4, 1ª Turma, Rel. Juiz Gilson Langaro
Dipp, DJ 02.10.96, p. 74472)
“Se a coisa não foi retirada da vítima contra a sua vontade, mas com sua plena
concordância foi ela em verdade, induzida em erro. Se, em função desse erro o
agente obteve um proveito ilícito com conseqüente prejuízo patrimonial do ofendido,
caracteriza-se o delito de estelionato.” (TACRIM-SP – Rev. – Rel. Leite Cintra –
JUTACRIM 93/372)
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Dessarte, entendo que a conduta criminosa levada a efeito pelo réu
amolda-se perfeitamente ao delito tipificado no art. 171 do Código Penal.
Por outro lado, levando-se em consideração a relação de especialidade
que existe entre o peculato, na forma § 1º do art. 312 do Código Penal,
e o crime de furto, em razão da condição dos sujeitos ativo e passivo do
crime, importa fazer a distinção entre as figuras típicas do estelionato
(art. 171 do CP) e do furto cometido mediante fraude. (art. 155, § 4º,
inc. II, do CP)
É que, no estelionato, a fraude figura como elemento que vicia a
vontade da vítima que, induzida ou mantida em erro, concede a vantagem
ilícita ao sujeito ativo do crime.
No furto qualificado, o emprego de fraude destina-se a afastar ou
diminuir o poder de vigilância do ofendido sobre o bem objeto do delito,
de modo a facilitar a sua subtração por parte do agente.
Nesse sentido, a jurisprudência:
“No furto qualificado pela fraude o agente subtrai a coisa, após conseguir diminuir
ou anular a vigilância sobre a mesma. No estelionato, o agente consegue que a coisa
lhe seja entregue, induzindo ou mantendo a vítima em erro, mediante artifício, ardil
ou qualquer meio fraudulento.” (RJD 1/98)
“Se o engano antecedeu ao apossamento da coisa e foi em virtude dele que esta foi
entregue ao acusado, sem subtração, portanto, não há falar em furto mediante fraude
e, sim, em estelionato.” (RT 579/349)
“Quando a coisa é entregue pela vítima iludida, viciada em erro pelo agente, sem que
tenha sido necessário subtrair, ou seja, tirar às escondidas, o fato deve ser subsumido no
estelionato e não no furto praticado mediante fraude.” (JUTACRIM 84/437)
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Especificamente em relação ao conflito aparente de normas envolvendo
estelionato e peculato, encontramos, ainda, os seguintes julgados:
“Pratica estelionato, com abuso da condição de funcionário, e não o delito de
peculato, aquele que falsifica as assinaturas de diversos subalternos do serviço público,
em cheques a favor dos mesmos emitidos pela Administração Pública, recebendo
dinheiro a eles devido.” (RT 446/389)
“A falsidade utilizada pelo funcionário público para, ardilosamente, levantar depósitos
judiciais e embolsar, em proveito próprio, as respectivas importâncias, configura o delito
de estelionato e não o de peculato ou falsificação documental.” (RT 510/532)
Nessa linha de entendimento, não vejo outra conclusão a ser dada ao
caso concreto senão aplicar à conduta criminosa do réu as sanções do
art. 171 do Código Penal, pois, como já se disse anteriormente, a fraude
foi utilizada não para facilitar a subtração, mas para viciar a vontade da
vítima, que entregou o objeto do crime ao seu sujeito ativo.
Ocorre que, no presente feito, o fato de o crime ter sido praticado por
funcionário público contra a Administração Pública, induz à idéia de que
se trata de crime próprio, no caso, peculato.
Entretanto, essa dúvida não existiria se uma conduta idêntica à do ora
apelado tivesse sido praticada por um funcionário de um banco privado.
Nessa hipótese, indubitavelmente, estar-se-ia diante de um crime de
estelionato.
Com efeito, o fato de o delito ter sido realizado por um funcionário da
Caixa Econômica Federal, contra a referida empresa pública, não muda
a tipificação a ser dada ao fato.
Isso porque, no tocante às condutas descritas nos tipos penais dos
arts. 155 (furto) e 168 (apropriação indébita), ambos do Código Penal,
o legislador conferiu uma relação de especialidade.
Diante disso, quando o funcionário público apropria-se de algo de que
tem a posse em razão de sua função, ou subtrai determinado bem diante
da facilidade de acesso que seu cargo proporciona em relação ao objeto
do crime, comete o delito do art. 312 do Código Penal.
Nota-se, portanto, que o legislador entendeu por apenar mais
severamente tais condutas, porque praticadas com violação ao dever de
fidelidade que se espera do servidor público perante a Administração.
Todavia, no que diz respeito à fraude, enquanto meio para viciar
a vontade ou o consentimento do ofendido, não há essa relação de
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especialidade.
Logo, a prática da conduta descrita no art. 171 do Código Penal contra
a Administração Pública, mesmo nos casos em que o sujeito ativo for
um funcionário público, não configura crime próprio, e sim estelionato.
Dizer que a ação levada a efeito pelo réu, no presente caso, configurou
o delito de peculato, somente porque foi praticada por funcionário público
contra a Administração Pública, sem que este tenha realizado nenhuma
das condutas descritas no art. 312 do Código Penal, implicaria ofensa ao
princípio da legalidade.
Sobre a questão, valho-me das seguintes considerações doutrinárias:
“O princípio da legalidade, segundo o qual nenhum fato pode ser considerado crime
e nenhuma pena criminal pode ser aplicada, sem que antes desse mesmo fato tenham
sido instituídos por lei o tipo delitivo e a pena respectiva, constitui uma real limitação
ao poder estatal de interferir na esfera das liberdades individuais. (...) Significa, em
outras palavras, que a elaboração das normas incriminadoras e das respectivas sanções
constitui matéria reservada ou função exclusiva da lei.” (Princípios Básicos de Direito
Penal, Francisco de Assis Toledo, ed. Saraiva, 5ª edição, p. 21)
“Naturalmente, enquanto o princípio da reserva legal se refere às fontes do direito penal, o
princípio da determinação taxativa deverá estar presente no instante da elaboração técnica da
norma penal (Nullum crimen sine lege penale scripta et stricta). E nele se compreendem,
afora a descrição clara e concreta da conduta punível, suas conseqüências jurídicas, ou
seja, a forma e o grau de pena cominada, que haverá de ser igualmente determinada, para
que a discricionariedade do julgador fique vinculada à obra do legislador.” (Comentários
ao Código Penal, Paulo José da Costa Jr., ed. Saraiva, 6ª edição, p. 3)
Como se sabe, a interpretação extensiva não é admissível para
qualificar crimes ou aplicar-lhes penas, não podendo o juiz criminal
substituir o legislador em sua tarefa exclusiva de incriminar condutas e
cominar-lhes sanções.
No tocante à aplicação da pena, entendo que não merece qualquer
reparo a sentença ora recorrida.
Alega o recorrente que se estaria diante de hipótese de concurso
material de crimes (art. 69 do CP), e não de crime continuado (art. 71
do CP), conforme reconhecido pela decisão de primeiro grau.
Sustenta o apelante que o réu obteve três financiamentos indevidos, tendo
realizado em torno de 40 (quarenta) operações distintas para a consecução da
fraude.
Segundo a acusação, as inúmeras ações praticadas pelo condenado,
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envolvendo datas, pessoas e documentos distintos, seriam incompatíveis
com a continuidade delitiva.
Contudo, entendo que, também neste ponto, não assiste razão ao
apelante.
No presente feito, verifica-se que foram cometidas três fraudes, cada
qual envolvendo uma série de operações, todas relacionadas ao serviço
desempenhado pelo réu na agência bancária em que trabalhava.
Inegavelmente, as condições de tempo, lugar e maneira de execução
indicam, como bem frisou o douto magistrado a quo, a ocorrência de
crime continuado.
Além disso, não resta dúvida de que se trata de hipótese na qual o réu agiu
com unidade de desígnio, pois restou amplamente comprovado que todas
as suas ações foram sempre dirigidas a um mesmo fim, a obtenção de
vantagem ilícita.
Desse modo, não vislumbro qualquer reparo a ser feito na decisão
recorrida, também no que diz respeito à aplicação da pena.
Por estes fundamentos, tenho que merece ser mantida integralmente a
sentença apelada, para condenar o réu pela prática do crime de estelionato.
(art. 171, § 3º, do CP)
Em face do exposto, voto no sentido de conhecer da apelação para
negar-lhe provimento.
VOTO VENCIDO
(excerto extraído das notas taquigráficas)
O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva:
“...Então, o ardil é só o meio. Em vez de abrir o cofre e pegar o dinheiro, criou
um ardil para enganar, para disfarçar o seu gesto, para deixar menos grosseiro, mas,
ao fim e ao cabo, apropriou-se de dinheiro do empregador como servidor público. É
a orientação dessa jurisprudência, há acórdão do Supremo: ‘Falsificação de papéis
públicos... (lê) ...apropriação da diferença.’ Quer dizer, o que eu sustento, e foi acolhido
pelo STJ, é que o fato de usar o ardil não transforma o peculato em estelionato pela
circunstância, porque o fato de o autor ser servidor público é mais importante do que
o ardil. Dou provimento.”.
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HABEAS CORPUS Nº 2002.04.01.007778-6/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas
Impetrantes: Andrei Zenkner Schmidt e outros
Impetrado: Juízo Federal da 2ª Vara Federal de Canoas/RS
Pacientes: J. M.
W. J. L.
I. M. M.
D. F. M.
H. C. M.
EMENTA
Constitucional. Penal. Processo. Prova. Interceptação telefônica.
Prazo de duração. Indispensabilidade da prova. Transcrição da prova.
Crimes de detenção. Constituição Federal, arts. 5º, XII, e 63, IX. Lei
9.296/96, art. 2º, inc. III.
1. A denúncia atribui aos réus os crimes contra a ordem tributária,
a saúde pública, o sistema financeiro nacional, agiotagem, lavagem de
dinheiro e formação de quadrilha, fatos estes que se situam na chamada
macrocriminalidade, cuja investigação passou a ser uma exigência da
comunidade internacional e cuja interpretação das normas deve ser feita
atentando-se para esta nova e preocupante realidade.
2. Se a interceptação telefônica foi feita pela Autoridade Judiciária com
equilíbrio e atenção às exigências do art. 5º da Lei 9.296/96, não poderá
ser declarada nula porque foi renovada várias vezes posteriormente em
razão da necessidade do prosseguimento das investigações.
3. Não é nula a interceptação que junto com os crimes de reclusão
acaba apurando a existência de crimes apenados com detenção, porque
é impossível em escuta interceptada separar as conversas em razão dos
fatos serem apenados de forma mais grave ou mais branda.
4. A interceptação de conversa telefônica do suspeito com o seu
advogado é proibida e se vier a acontecer em razão de chamada de um ao
outro, o caminho será a inutilização da prova, aplicando-se por analogia
o art. 9º da Lei 9.296/96.
5. Ser ou não a prova indispensável, as circunstâncias em que se
deram as conversas, a eventual presença do advogado na comunicação
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e a validade formal das transcrições são aspectos que exigem exame
da prova, motivo pelo qual se torna inviável a análise na via estrita do
habeas corpus.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas,
decide a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, denegar a ordem, nos termos do relatório, voto e notas
taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 04 de junho de 2002.
Des. Federal Vladimir Freitas, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas: Trata-se de habeas
corpus em que os Impetrantes pretendem o reconhecimento incidental
da ilegalidade e, pois, da inconstitucionalidade das interceptações
telefônicas levadas a efeito nos autos do Procedimento Criminal Diverso
nº 2001.71.12.0001244-0, bem como o seu desentranhamento dos autos
da ação penal nº 2001.71.12.004460-0, sob a alegação de ofensa aos arts.
5º, 6º, caput, e 6º, § 1º, todos da Lei 9.296/96, bem como aos arts. 5º, inc.
XII, e 63, inc. IX, da CF/88, e, sucessivamente, a anulação da ação penal.
Alternativamente, requerem o reconhecimento incidental da ilegalidade
e inconstitucionalidade das referidas interceptações, relativamente aos
delitos punidos com pena de detenção, por violação ao art. 2º, inc. III,
da Lei 9.296/96 e ao art. 5º, inc. XII, da CF/88. (fls. 02/34)
A medida liminar foi indeferida face à imprescindibilidade da ouvida
da Autoridade Judiciária (fl. 414), que prestou informações (fls. 418/435),
dando conta de que as investigações contra os Pacientes tiveram início
antes da participação da Polícia Federal, mais precisamente a partir
de constatações feitas pela CPI do Crime Organizado, instaurada pela
Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, relacionadas
a roubos de cargas de medicamentos, sonegação fiscal, lavagem de
dinheiro e outros crimes. Após, foram feitas por 10 meses investigações
policiais, período durante o qual foi determinada a quebra dos sigilos
fiscal, bancário e telefônico dos envolvidos. O Ministério Público Federal
denunciou os Pacientes com base em toda a documentação carreada ao
Inquérito pela polícia, bem como na que foi encontrada no cumprimento
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dos mandados de busca e apreensão, além dos documentos enviados
pela Receita Federal e as escutas telefônicas, por infração aos artigos
2º, incs. I e V, da Lei 8.137/90; 22 da Lei 7.492/86; 278 e 280 do CP;
4º, a, da Lei 1.521/51; 1º, incs. VI e VII, da Lei 9.613/98 e 288 do CP,
c/c a Lei 9.034/95.
Com vista à douta Procuradoria Regional da República, o Parquet
opinou pela denegação da ordem, ao fundamento de que o procedimento
policial de interceptação telefônica foi realizado com observância da Lei
nº 9.296/96, inexistindo a alegada ilegalidade e inconstitucionalidade das
provas obtidas por meio da interceptação. (fls. 647/654)
Após conclusos os autos, os Impetrantes apresentaram petição,
informando sobre o aditamento à denúncia, com a inclusão de M. A. M.
Ao final, requereram fosse a denunciada incluída no rol de Pacientes neste
writ, a notificação do Ministério Público para manifestar-se a respeito
e, no mérito, reprisaram o pedido da inicial desta ação constitucional.
(fls. 657/659)
Juntada a petição, a Autoridade Impetrada prestou informações, dando
conta do aditamento à denúncia para incluir M. A. M. e acrescentando que,
em nenhum momento, foi determinada a quebra do sigilo telefônico da
denunciada, nem gravada qualquer conversa sua com os demais denunciados.
(fls. 667/668)
Instado a se manifestar, o órgão do Ministério Público Federal
reportou-se ao parecer (fls. 647/654). Retornaram os autos.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas: Os Pacientes foram
denunciados pelo Ministério Público Federal pela prática, em tese, dos
crimes previstos no art. 2º, incs. I e V, da Lei 8.137/90; art. 22 da Lei
7.492/86; arts. 278 e 280 do CP; art. 4º, a, da Lei 1.521/51; art. 1º, incs.
VI e VII, da Lei 9.613/98 e art. 288 do CP, c/c a Lei 9.034/95. A acusação,
em síntese, é de terem os denunciados se organizado em quadrilha para
praticar crimes através da Rede de Farmácias Econômica e de J. e W.,
que orientaram os demais, terem efetuado venda de medicamentos,
agiotagem, constituição fraudulenta de pessoas em nome de terceiros,
crimes contra a ordem tributária, contra o sistema financeiro nacional e
a saúde pública. (fls. 61/87)
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Observo que tudo começou com investigações de uma Comissão
Parlamentar de Inquérito da Assembléia Legislativa do Rio Grande do
Sul, destinada a investigar a ação da Rede de Farmácias Econômica.
Depois as investigações passaram ao âmbito policial. Em outras
palavras, estamos diante de acusações que atribuem aos pacientes a
macrocriminalidade, ou seja, o crime organizado.
A propósito desta nova modalidade de crime, merecem ser citadas as
palavras do magistrado francês Jean de Maillard, em Crimes e Leis, ed.
B.B.C.C., Lisboa, 1995, pp. 92/93:
“O acto delinquente já não é directamente sensível, nem detectável segundo
elementos objectivos, mas depende de considerações exteriores que não o tornam
imediatamente conhecível. O crime é, cada vez menos, um acto e, cada vez mais, um
conjunto de actos imperceptíveis ou de comportamentos incertos, e só a reconstituição
do todo revela os traços de cada uma das partes. O branqueamento do dinheiro da
droga, por exemplo, é uma actividade financeira como qualquer outra que percorre os
mesmos circuitos e utiliza as mesmas técnicas que uma qualquer operação financeira,
não se tornando culpável senão pelo conhecimento que o banqueiro tenha da origem
criminosa dos fundos que reintegra na economia.”
Note-se que a denúncia, inclusive, atribui aos pacientes o crime
de lavagem de dinheiro, preocupação maior dos povos civilizados.
A propósito deste tema, a Comissão Andina de Juristas, externando
a relevância do assunto, promoveu, em 24.07.2000, um Seminário
Internacional em Lima, Peru, do qual se extraiu a obra Lavado de
Dinero, editada pela C.A.J. Nela, Luis Bustamante Belaunde, Reitor da
Universidade Peruana de Ciências Aplicadas, escreveu (págs.18/19):
“Pero quizás el más grave de sus impactos es el deterioro de la convivencia
civilizada, al pervertir las reglas en las que ella debe descansar. Cuando los individuos
y las empresas constatan que sus sanos propósitos productivos concurren con elementos
viciados, puede originarse y extenderse el desaliento y parecen abrirse las puertas a los
atajos y a los caminos fáciles como peligro que acecha a quienes, para desenvolverse,
prefirieron inspirarse en principios y en valores.”
A presente impetração insurge-se contra a investigação policial
preliminar, autuada como Procedimento Criminal Diverso nº
2001.71.12.001244-0, em que, além de outros atos investigatórios,
foi deferida a quebra do sigilo telefônico dos Pacientes. Defendem os
Impetrantes o cabimento do habeas corpus para reparar lesão à liberdade
de ir e vir dos Pacientes, conforme previsto no art. 5º, inc. LXVIII, da
206
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
CF/88, seja porque é nulo o procedimento de interceptação telefônica
levado a efeito pela Polícia Federal, seja porque eventual sentença
condenatória fundar-se-á em provas ilícitas.
Antes de ingressar nos motivos que embasaram a impetração, repito
que não estamos diante de uma ação penal de rotina. Bem ao contrário,
cuida-se de uma sucessão de fatos graves, envolvendo diversas pessoas e
com diferentes graus de hierarquia. Neste particular, a denúncia, expondo
com clareza os fatos, não deixa margem a dúvidas. (fls. 61/87)
Feitas essas considerações, passo ao exame das alegações.
a) Prazo de duração e renovação da interceptação telefônica
Segundo os Impetrantes, o MM. Juiz Federal da 2ª Vara de Canoas
decretou a quebra do sigilo telefônico dos Pacientes, entre os meses
de abril e outubro de 2001, sendo que o art. 5º, primeira parte, da Lei
9.296/96 estabelece o prazo máximo de 15 dias, renovável, por igual
período, para a interceptação telefônica.
O dispositivo em comento está assim redigido:
“Art. 5º A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também
a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias,
renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.”
Os documentos que instruíram a impetração dão conta de que o
pedido de quebra do sigilo telefônico foi deferido pelo Juiz Federal em
17.04.2001 (doc.04 – fls. 105/107). As renovações que se seguiram foram
deferidas em 30/04 (fl. 124), 09/05 (fl. 132), 16/05 (fl. 144), 31/05 (fl.
181), 18/06 (fl. 187), 03/07 (fl. 199), 17/07 (fls. 213/215), 31/07 (fls.
225/226), 14/08 (fls. 236/237), 30/08 (fl. 247), 10/09 (fl. 255), 18/09 (fls.
269/270), 02/10 (fls. 287/288) e, finalmente, 15/10. (fl. 299)
A lei fixou um prazo para que se proceda à escuta telefônica: 15 dias.
Dispôs também que este prazo pode ser renovado por igual tempo. Já
quanto à quantidade de renovações, o texto legal silenciou. Vale dizer,
o dispositivo dito violado não tem o alcance que lhe querem emprestar
os Impetrantes, a não ser condicionar cada diligência a um novo pedido
perante o Juiz, cautela, aliás, imperiosa por atingir o direito à intimidade.
A propósito, as palavras de Vicente Grecco Filho (in Interceptação
Telefônica, Saraiva, 1996, p. 31), no seguinte sentido de que:
“A lei não limita o número de prorrogações possíveis, devendo entender-se, então,
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
207
que serão tantas quantas forem necessárias à investigação, mesmo porque 30 dias pode
ser prazo muito exíguo.”
E, em nota de rodapé, o mesmo autor analisa gramaticalmente o
dispositivo, acrescentando que:
“A leitura rápida do art. 5º poderia levar à idéia de que a prorrogação somente
poderia ser autorizada uma vez. Não é assim; ‘uma vez’, no texto da lei, não é adjunto
adverbial, é preposição. É óbvio que se existisse uma vírgula após a palavra ‘tempo’,
o entendimento seria mais fácil.”
Há outro aspecto a considerar. Segundo os Impetrantes (fl. 14),
algumas renovações foram autorizadas após ultrapassados os 15 dias.
Todavia, o prazo legal refere-se à execução da diligência, e não à data
da decisão do Juiz. Ou seja, o dia em que se iniciou a escuta telefônica
propriamente dita é que deve ser tomado como marco para a contagem
do prazo. Assim, como a execução da diligência dependia da implantação
do terminal pela companhia telefônica, dificilmente essa providência
teria sido tomada no mesmo dia da decisão que determinou a expedição
de alvará de escuta (fl.106). E, se o foi, não há como saber à vista dos
documentos que instruíram a impetração.
b) Indispensabilidade da prova
Nos dizeres da impetração, a quebra do sigilo foi decretada antes de
qualquer outro meio investigatório ser efetivado pela autoridade policial,
em afronta ao inc. II do art. 2º da Lei 9.296/96. Além disso, as renovações
das interceptações telefônicas foram autorizadas sem a comprovação da
indispensabilidade da prova, contrariamente ao que dispõe a parte final do
art. 5º da lei que rege a matéria. Aduzem que ambas as decisões carecem
de fundamentação.
A matéria vem disciplinada nos arts. 2°, inc. II, e 5º, in fine, todos da
Lei 9.296/96. Os dispositivos tratam da proibição da interceptação das
comunicações telefônicas quando a “prova puder ser feita por outros
meios disponíveis” (art. 2º, II), exigindo a prova de sua indispensabilidade
(art. 5º). Alegam os Impetrantes que os artigos mencionados foram
violados, porque a quebra do sigilo teria sido decretada antes de qualquer
outro meio investigatório.
A denúncia ofertada pelo Ministério Público Federal (fls. 61/87) e o
relatório da Polícia Federal (fls. 38/59) dão conta de que as investigações
contra os Pacientes foram deflagradas a partir de notícias-crime apuradas
208
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
pela CPI do Crime Organizado, levada a efeito pela Assembléia
Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, em julho de 2000, sobre
comprovadas ilicitudes perpetradas nas atividades da Rede de Farmácias
Econômica.
Por sua vez, o Juiz Impetrado informou às fls. 418/435 que, com o
pedido de quebra do sigilo telefônico dos envolvidos, recebeu 52 páginas
de documentos trazidos pela Polícia Federal, relatando a existência de
várias empresas em nome de “laranjas”, uma delas com conexão no
Uruguai (fl. 426). E do “Relatório Parcial de Missão” elaborado pela
Delegacia de Polícia Fazendária extrai-se a seguinte passagem (fl. 41),
verbis:
“(...) ‘Por volta do mês de junho de 2000, chegou a esta Delegacia Fazendária
denúncia anônima de uma série de irregularidades e fatos criminosos atribuídos a
J. M., proprietário de fato da rede de Farmácias Econômica e da Distribuidora de
Medicamentos Disfarmasul (...)’. Com base na denúncia, a equipe de análise constatou
a veracidade das informações, com riqueza de detalhes, e chegou aos seguintes
envolvidos: (...) A operação foi denominada ‘OPERAÇÃO ECONÔMICA’, e os
principais envolvidos nos crimes são (...)” .
Ou seja, da análise dos documentos mencionados, depreende-se que
ao pedido de interceptação telefônica antecedeu toda uma operação
deflagrada a partir da CPI realizada em 2000.
A tese de que não foi comprovada a indispensabilidade da prova não
pode ser apreciada nesta via. Nesse sentido, entendimento do Superior
Tribunal de Justiça, em acórdão da lavra do Exmo. Min. Félix Fischer,
no julgamento do HC nº 15820, DJ 04.02.2002, p. 430, conforme ementa
que se transcreve em parte:
“PENAL. HABEAS CORPUS. CABIMENTO. MULTA. PERDIMENTO DE
BENS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. LEI Nº 9.296/96. PENA. FIXAÇÃO.
QUANTIDADE DE DROGA CRIME DE ASSOCIAÇÃO. ARTIGO 14 DA LEI Nº
6.368/76. PROGRESSÃO DE REGIME.
(...)
II – Interceptações telefônicas que foram autorizadas judicialmente, nos moldes da
Lei nº 9.296/96, não havendo, pois, que se falar em prova ilícita. A tese de que poderia
a prova ser produzida por outros meios, o que seria óbice à referida autorização, não
pode ser apreciada nesta sede, uma vez que demandaria o exame minucioso do material
cognitivo constante nos autos. Por outro lado, não há, no referido diploma legal, a
exigência de que a degravação da escuta deva ser submetida a perícia.
(...)”.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
209
c) Transcrição da comunicação interceptada
Segundo os Impetrantes, no período em que as interceptações
telefônicas estavam sendo efetivadas, a autoridade policial enviava
relatórios quinzenais ao juízo federal, sem as transcrições das conversas
interceptadas, violando a previsão contida no art. 6º, § 1º, da Lei 9.296/96,
que tem por objetivo coibir abusos durante a violação do sigilo.
O § 1º do art. 6º da Lei 9.296/96 dispõe que:
“No caso de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será
determinada a sua transcrição.”
Sobre o tópico, o MM. Juiz Impetrado informou, às fls. 430 e 431,
o seguinte:
“As transcrições foram efetivamente realizadas pela Polícia Federal, e fazem parte
dos autos, constituindo-se na totalidade dos diálogos gravados nos CDs.”
“A cada período de quinze dias eram trazidas informações pela Polícia Federal
que, no final das gravações, trouxe os CDs, assim como a totalidade das transcrições
efetivadas. (...)”.
Informou ainda o Juiz Federal que, findo o sigilo, a totalidade das
gravações e transcrições foi colocada à disposição dos pacientes. (fl. 431)
Já na decisão judicial que deferiu o requerimento de interceptação
telefônica, determinou que:
“Ao final do prazo estabelecido, ou em havendo motivo relevante, deverá a
Autoridade enviar a Juízo relatório circunstanciado das diligências, a transcrição das
comunicações interceptadas, que foram gravadas, nos termos da Lei 9.296/96, bem
como os documentos obtidos mediante tais procedimentos, para verificação de sua
utilidade como prova na investigação criminal.” (fl. 107)
Pois bem, o § 1º do art. 6º da Lei 9.296/96 prevê que, sendo possível
a gravação da conversa interceptada, ela será transcrita. E a decisão,
em conformidade com a lei, determinou a transcrição das comunicações
“que foram gravadas”. Significa dizer que a escuta poderá, ou não, ser
gravada. Se o for, deverá ser transcrita.
A Autoridade Impetrada informa que elas foram realizadas pela Polícia
Federal e constam nos autos da ação penal. (fls. 430/431)
Por sua vez, os Impetrantes afirmam que todas as interceptações foram
objeto de gravação, haja vista a remessa ao juízo de 43 CDs (fls. 301
e 303). Sustentam que as transcrições juntadas aos autos (fls.305/387)
210
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
não suprem a irregularidade. Em primeiro lugar, porque isso foi feito
somente em 14.11.2001 e, ademais, porque a confiabilidade de tais
provas é questionável, tendo em vista que não há qualquer timbre ou
identificação do responsável pelas transcrições.
Ao meu ver, tais alegações não podem ser examinadas neste momento,
seja porque não há elementos suficientes para formar um juízo seguro a
respeito, seja porque a validade probante que será dada ao material em
análise não dispensa exame aprofundado da prova. A propósito, é pacífica
a jurisprudência no sentido de que o habeas corpus não se presta a exame
de prova. Confira-se:
“Habeas corpus. - Esta Corte, de há muito, firmou jurisprudência no sentido de que
a verificação da justa causa ‘subtrair-se-á ao âmbito estreito do habeas corpus, sempre
que a apreciação jurisdicional de sua alegada ausência implicar indagação probatória,
análise aprofundada ou exame valorativo dos elementos de fato em que se apóia a peça
de acusação penal’ (HC 70.763, relator Ministro Celso de Mello, citando precedentes).
É o que ocorre no caso. Habeas corpus indeferido.” (HC-80559/DF, Rel. Min. Moreira
Alves, DJ 22.03.2002, p. 00031)
d) Participação do Ministério Público durante a fase executiva
Outro vício formal apontado pelos Impetrantes na fase executiva da
interceptação é que o Ministério Público não foi cientificado da quebra
do sigilo telefônico autorizada pela Autoridade impetrada e, tampouco,
das sucessivas renovações judiciais da medida, em afronta ao art. 6º,
caput, da Lei 9.296/96, assim redigido:
“Art. 6º Deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de
interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua
realização.”
Todavia, não tenho como comprovada essa alegação nos autos
deste habeas. O que se tem como certo é que a decisão que deferiu o
requerimento de quebra do sigilo telefônico, bem como dos sigilos fiscal
e bancário dos Pacientes, determinou fosse cientificado o Ministério
Público da condução dos procedimentos de interceptação e, ainda, ouvido
o Parquet Federal após o recebimento das informações prestadas pela
autoridade policial sobre as diligências. (fl. 470)
Além disso, conforme ressalta o Procurador Regional da República,
no parecer de fls. 647/654, item 23, o Ministério Público acompanhou
o processo investigatório e tomou ciência da interceptação, sendo
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211
desnecessária nova intimação a cada pedido de renovação. (item 24)
De resto, porque pertinentes, transcrevo as informações da Autoridade
Judicial, no sentido de que:
“A não intimação do parquet parece não ter trazido nenhum prejuízo ao Ministério
Público, parte na demanda, até porque, em nenhum momento, mesmo após o início da
ação penal, fez qualquer manifestação quanto ao fato. Parece claro que as intimações
só ao MP interessavam, não cabendo argüição de nulidade pela defesa, conforme o art.
565 do Código de Processo Penal.” (fl. 432)
e) Interceptação de conversa entre o indiciado e o advogado
Alegam os Impetrantes que as interceptações incluíram conversas
telefônicas dos Pacientes com o Dr. Luiz Otávio Barbosa, advogado
das empresas e procurador dos réus durante o início do procedimento
investigatório, contrariando o disposto no art. 7º, inc. II, da Lei 8.906/96.
A posição da doutrina a respeito, e com a qual concordo plenamente,
é equânime, no sentido da impossibilidade de interceptação das
comunicações entre o investigado e o seu Advogado. Ressalva é feita no
caso de envolvimento do profissional na conduta delituosa.
Mas, em tese, muitas vezes pode ocorrer de, interceptadas as ligações,
o advogado telefonar para o indiciado ou vice-versa. Tal tipo de fato
jamais poderá ser previsto em lei e se vier a ocorrer o caminho será
desprezar-se aquela ligação, em respeito ao sigilo profissional. Não,
contudo, concluir-se que todas as ligações interceptadas serão inválidas,
porque daí seria uma interpretação que leva ao absurdo. Aliás, se esta
conclusão fosse aceita pelos Tribunais, bastaria ao indiciado telefonar
ao seu advogado e com isso precaver-se de qualquer prova que viesse a
ser produzida contra a sua pessoa.
Por outro lado, nas informações, sustenta o Juiz que:
“em nenhum momento este Juízo usou tais provas para basear quaisquer decisões, ou
muito menos fez menção de utilizá-las. Isso até porque, nenhum destes contatos se refere
a qualquer dos delitos, nem muito menos merecem ser usados como prova. O nome do
advogado – que não defende os réus no processo criminal – nunca foi referido em nenhum
momento nos autos, e sequer citado quando das audiências.” (fl. 433)
Nesse contexto e considerando as informações do Juiz Impetrado
a respeito, não vejo, pelo menos sob o ângulo permitido nesta ação
constitucional, a alegada violação ao art. 7º, inc. II, da Lei 8.906/96.
f) Delitos punidos com detenção
212
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
O art. 2º da Lei 9.296/96 proíbe a interceptação telefônica em três
hipóteses: não houver indícios razoáveis, a prova puder ser feita por
outros meios disponíveis ou se o fato investigado for apenado, no
máximo, com detenção. Os motivos são evidentes. O legislador quer
que a escuta telefônica fique reservada para situações excepcionais e
que o delito investigado seja grave. Não quer o legislador que a medida
extrema seja banalizada, utilizada de forma rotineira e em casos de crimes
sem maior repercussão. Em outras palavras, a quebra da privacidade do
cidadão só se justifica se os fatos criminosos forem de tal importância
que o interesse público exija a medida extrema. Se assim é que dispõe a
lei, vejamos no caso concreto quais os crimes atribuídos aos pacientes e
se as sanções corporais respectivas são de reclusão ou detenção:
– CP, art. 280 (fornecer medicação em desconformidade com a receita)
– pena de detenção (todos os pacientes);
– CP, art. 288 (quadrilha) – pena de reclusão (todos os pacientes);
– Lei 8.137/90, art. 2º, I e V (sonegação fiscal) – pena de detenção
(J., W., I. e M.);
– Lei 7.492/86, art. 22 (evasão de divisas) – pena reclusão (J. e W.);
– Lei 1.521/51, art. 4º, a (usura) – pena de detenção (J., W., H. e D.);
– Lei 9.613/98, art. 1º, VI e VII (lavagem de dinheiro) – pena de
reclusão (J. e W.);
– CP, art. 278 (vender substância nociva à saúde) – pena de detenção.
(I., H. e D.)
A alegação, com a devida vênia, não procede. A distinção feita pelo
legislador, aceitando a interceptação telefônica nos crimes de reclusão
e negando-a nos apenados com detenção, suscita posições opostas na
doutrina.
Vicente Grecco Filho, em Interceptação Telefônica (Saraiva, 1996,
pp. 14/15), assim se manifesta:
“A possibilidade de interceptação telefônica com relação a todos os crimes de
reclusão precisa ser restringida, porque muito ampla. Há muitos crimes punidos com
reclusão que, de forma alguma, justificariam a quebra do sigilo das comunicações
telefônicas, considerando-se especialmente o ‘furor incriminatório’ de que foi tomado
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o legislador nos últimos anos e, em muitos casos, a desproporcionalidade da pena
cominada.”
Em sentido oposto, Lenio Luiz Streck, em As Interceptações
Telefônicas e os Direitos Fundamentais (Livraria do Advogado, 1997,
p. 50):
“(...) primeiro, o legislador foi além, elegendo os crimes apenados com reclusão como
autorizadores da escuta telefônica por ordem judicial; segundo, foi aquém, quando
deixou de contemplar os crimes de ameaça e contra a honra, quando cometidos por meio
telefônico, ou as contravenções penais mais fortemente recriminadas pela sociedade,
como é o caso do jogo do bicho.”
No caso em tela, não há que se discutir se a lei foi severa demais
ou branda em excesso. O fato é que existem crimes punidos com
reclusão e outros com detenção. No entanto, todos conexos, objeto de
uma só apuração. Ora, se a conexão está evidenciada nos autos, seja
pelo concurso de várias pessoas, seja porque a prova de uma infração
influenciará a prova de outra (CPP, art. 76), é óbvio que a investigação só
poderá ser feita em conjunto. A não ser assim, a Polícia ficaria impedida
de vislumbrar, de reconhecer mesmo, a existência de um crime punido
com detenção. Quando isso acontecesse ela deveria cessar a apuração
dos delitos apenados com reclusão, porque no meio deles havia um de
menor importância cuja sanção era menos grave. Tal raciocínio levaria
ao absurdo de chegar-se à conclusão de que o fato menor impede a
investigação do fato maior. Ademais, a alegação da inicial de que as
gravações envolvendo crime de detenção devem ser desentranhadas (fl.
30) não pode ser acatada, pois nem sempre isso é possível (as conversas
podem referir a fatos envolvendo dois ou mais tipos penais). Finalmente,
a análise da prova será feita na sentença de mérito, sendo descabida
qualquer avaliação nesta fase e, menos ainda, expurgar-se parte da prova
colhida.
Em suma, guiou-se o MM. Juiz Federal pelo equilíbrio e atenção ao
princípio da proporcionalidade, na linha das recomendações da doutrina
de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio
Magalhães Gomes Filho (em As Nulidades no Processo Penal, RT, 2001,
p. 184/185), que observam:
“Decorre daí a conseqüência da inconstitucionalidade da previsão desarrazoada da
lei, quando estende a possibilidade de interceptação a todo e qualquer crime apenado
214
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
com reclusão, daí surgindo a necessária cautela com que o juiz deverá portar-se, ao
autorizar a operação técnica de quebra do sigilo.” (...)
“Para tanto, poderá o magistrado guiar-se pelas legislações mais adiantadas, como,
por exemplo, o art. 266 do Código de Processo Penal italiano, tomado, aliás, como
modelo, nesse tópico, pelo já mencionado Projeto Miro Teixeira (art. 1º). É oportuno
lembrar, a esse respeito, que a Lei de Introdução ao Código Civil, no art. 4º, remete
expressamente o juiz, na omissão da lei (e lei inconstitucional é lei nula e írrita), aos
princípios gerais de direito, neles incluído o direito comparado.” (...).
Face a todo o exposto, sobressai a conclusão de que não há qualquer
inconstitucionalidade ou ilegalidade na prova colhida, diga-se de
passagem, com o acompanhamento e o equilíbrio da Autoridade Judiciária
impetrada.
Voto, pois, acolhendo o parecer da Procuradoria Regional da
República (fls. 647/654), pela denegação da ordem impetrada.
HABEAS CORPUS Nº 2002.04.01.011278-6/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho
Impetrante: Danilo Knijnik
Impetrado: Juízo Substituto da Vara Federal de Lajeado
Paciente: J. L. G. Q.
EMENTA
Omissão do recolhimento de contribuição. Gerente não-sócio.
Absolvição em outro processo criminal. Exclusão da tipicidade.
Reconhecido categoricamente, em outro processo criminal, que na
mesma época o paciente não era o responsável pelas decisões financeiras
da empresa e por isso não participara das decisões sociais que resultaram
na omissão de recolhimentos, resulta atípica a conduta em relação ao
mesmo, por inexistência material do fato. Ordem concedida. Agravo
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215
regimental prejudicado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria,
vencido o Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti, conceder a ordem
para trancar a ação penal e julgar prejudicado o agravo regimental, nos
termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 29 de abril de 2002.
Des. Federal Volkmer de Castilho, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho: O bacharel Danilo
Knijnik impetra habeas corpus em favor de J. L. G. Q. contra ato do
MM. Juízo Substituto da Vara Federal de Lajeado/RS, que, nos autos do
processo nº 2001.7114.004684-4, recebeu a denúncia onde ao ora paciente
é imputada a prática do delito previsto no art. 168-A, § 1º, I e II, do CP,
em continuidade delitiva e concurso de pessoas, porque, na condição de
diretor da empresa Corbetta S/A Indústria e Comércio – Massa Falida
teria deixado de recolher contribuições previdenciárias dos salários dos
empregados de Muçum/RS, bem como contribuição incidente sobre a
comercialização de produtos rurais, retidas dos produtores rurais em
Muçum/RS, no período de janeiro a fevereiro e junho a julho de 1997.
Requereu liminar para suspender interrogatório designado para 03 de
abril p.p., às 17 horas.
Alega ausência de justa causa para ação penal em face da existência
de sentença absolutória com trânsito em julgado em outro processo
reconhecendo sua não-participação nas decisões financeiras da empresa.
Sustenta, também, inépcia da peça acusatória que se limitou a invocar sua
condição de diretor, o que implicaria responsabilidade objetiva, cuja
aplicação é vedada em Direito Penal.
A liminar foi indeferida (fl. 48), tendo o impetrante interposto agravo
regimental da decisão. (fls. 55/60)
A autoridade impetrada presta informações às fls. 61/66, manifestandose o Ministério Público Federal pela denegação da ordem. (fls. 68/72)
É o relatório.
216
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho: Examino em conjunto
o agravo regimental e o mérito da impetração.
A sentença absolutória a que o paciente faz referência foi proferida na
ação penal em que o mesmo respondeu pela prática do delito previsto
no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90, porque, na condição de responsável
pela empresa Corbetta S/A Indústria e Comércio, juntamente com os
demais diretores, não teria recolhido aos cofres públicos os valores
descontados e retidos a título de Imposto de Renda Retido na Fonte, no
período de 31 de outubro a 29 de novembro de 1996. Naquela decisão,
restou categoricamente reconhecido que o ora paciente não participava
das decisões financeiras da empresa – situação de fato que afastou
completamente a existência material do delito em relação a sua pessoa,
acarretando sua absolvição. Nesse particular, assim decidiu a Juíza
Federal de Novo Hamburgo/RS nos autos da ação penal nº 98.180.79345 (fls. 29/38):
“... Percebe-se, assim, que apesar de o acusado J. L. exercer atividades ligadas ao
setor administrativo-financeiro, não detinha poder de decisão com relação às prioridades
de pagamentos a serem efetuados, uma vez que a palavra final cabia sempre ao co-réu I.
(...)
Tendo restado claro que o acusado J. L. não era o responsável pelas decisões
financeiras da empresa, não pode ser responsabilizado pelo delito tipificado no art.
2º, inciso II, da Lei n.º 8.137/90, conforme precedentes do Egrégio Tribunal Regional
Federal da 4ª Região:
‘A responsabilidade penal é imposta a quem efetivamente pratica atos decisórios
sobre o recolhimento de impostos e contribuições’. (ACR nº 97.04.39564-7/PR, Rel.
Juiz Gilson Dipp, 1ª T, un., DJU 04.02.98, p. 143)
(...)
Desta forma, com base no conjunto probatório, deve o réu J. L. G. Q. ser absolvido,
nos termos do art. 386, IV, do Código de Processo Penal. (...)”.
Dessa sentença não recorreu o Ministério Público Federal, transitando
em julgado.
Ora, se em novembro de 1996 o paciente não era responsável pelas
decisões financeiras da empresa, é bastante razoável que, em janeiro de
1997 (um mês após), da mesma forma, inexistindo alteração contratual
e das atividades desempenhadas, continuava o réu sem participação
em tais decisões, pelo que não há se cogitar em sua responsabilização
217
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
criminal. Aliás, no tocante à análise da questão, a i. autoridade impetrada
refere que não fez tal exame porque não foi carreada aos autos da ação
penal nº 2001.71.14.004684-4 a sentença absolutória a que se refere o
impetrante, nem qualquer outro documento oriundo da ação penal de
nº 1998.1807934-5. (fl. 76)
De qualquer modo, se de acordo com o disposto no art. 66, CPP, a
ação civil fica inviabilizada se ficar provada na ação penal a inexistência
material do fato, com maior razão na própria jurisdição penal, havendo
sentença trânsita em julgado, o fato da não-participação do réu ora
paciente na gerência financeira da empresa acaba por se impor também
aqui. Aliás, é bom recordar que o paciente não era sócio, mas gerente
empregado, não sendo comum entregar as decisões financeiras da
empresa a quem não é sócio, o que reforça a conclusão daquela sentença.
Ante o exposto, reconhecendo a falta de justa causa, concedo a ordem
para o trancamento da ação penal, prejudicado o agravo regimental.
É o voto.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti: O voto de V.
Exa. é, como sempre, repassado de inteiro e absoluto bom senso. Mas
noto, Sr. Presidente, que, entre novembro de 1996 e julho de 1997, data
em que o paciente deixou a sociedade, medeiam cerca de oito meses,
nos quais, formalmente pelo menos, ele foi administrador da empresa.
Em tese, não é impossível que o administrador tenha, naquele período,
praticado atos que não havia praticado antes, até 1996, de modo que não
há incompatibilidade lógica entre a absolvição anterior e a nova acusação.
Isso parece indiscutível.
O problema, portanto, não é bem de eficácia preclusiva da coisa
julgada: todos sabemos que a eficácia preclusiva protege as premissas
da decisão, para garantir a coisa julgada, mas não tem força maior do
que a própria coisa julgada, tornando imutáveis e indiscutíveis, em
outro processo, os fatos examinados na causa que foi julgada. Se a coisa
julgada não preserva os fatos declarados pela sentença e se a eficácia
preclusiva da coisa julgada não se expande além do próprio caso julgado,
então, tecnicamente, não é possível, data venia, pretender impor ao Juiz
do processo pendente decisão sobre os fatos no processo anterior. Até
porque, se incompatibilidade houver - isso estamos todos cansados de
218
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
saber - será meramente lógica, nunca jurídica, e o sistema repele somente
a incompatibilidade jurídica, ou seja, a lesão à coisa julgada. Mas não há
lesão à coisa julgada porque não se repetem, nesta ação, os elementos
identificadores daquela outra. (partes, causa e objeto)
Então, eminentes Colegas, realmente me parece que não podemos
resolver a questão em nível de habeas corpus: se decisão precedente
não é vinculativa para Juízes de processos futuros que não repitam
exatamente a mesma causa - e não se está repetindo exatamente a causa
julgada, porque os fatos aqui são diversos e o período também é diverso e se a denúncia não aponta uma impossibilidade material intransponível,
porque o réu permaneceu na empresa durante o período em que foram
cometidos os crimes pelos quais foi denunciado, não há como deixar de
aplicar a jurisprudência de que não se resolve em habeas corpus matéria
de fato controvertida, ou seja, matéria que demanda investigação mais
aprofundada sobre fatos.
Até acho que o desfecho do processo provavelmente será a absolvição.
O meu problema, e o ilustre advogado tem acompanhado os nossos
julgamentos, é de critério, de princípio, de precedente. Se eu, e tenho dito
isso tantas vezes, conceder o habeas corpus neste caso, porque estou com
a fortíssima impressão de que a denúncia não vai levar a nada, posso ter
a tentação de aplicar o mesmo critério em outros casos, nem sempre para
absolver. Quando tiver a fortíssima impressão de que o réu é culpado,
poderia ficar tentado a condená-lo, sem o devido processo legal, o que
não tem cabimento.
Em resumo, repito, estou com a fortíssima impressão de que o paciente
realmente não participou dos fatos delituosos e de que fatalmente resultará
absolvido. Mas, para confirmar essa impressão preciso investigar mais
aprofundadamente a prova, e isso não posso fazer em sede de habeas
corpus. De qualquer forma, o que me parece indiscutível é que a sentença
anterior não vincula o Juiz do novo processo, nem pela coisa julgada e
muito menos pela eficácia preclusiva da coisa julgada.
Em tais condições, fiel à nossa jurisprudência, segundo a qual não se
examina aprofundadamente matéria de prova em sede de habeas corpus,
peço vênia para divergir do eminente Relator, denegando a ordem.
É o voto.
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219
HABEAS CORPUS Nº 2002.04.01.016453-1/SC
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro
Impetrante: Cezarino Inacio de Lima Filho
Impetrado: Juízo Substituto da Vara Federal de Lages/SC
Paciente: C. V. S.
EMENTA
Direito Processual Penal. Habeas corpus. Prisão preventiva. Excesso
de prazo. Constrangimento ilegal. Inocorrência. Exame de dependência
toxicológica solicitado pela defesa. Inquirição de testemunhas. Súmula
nº 64 do STJ.
1. Os limites de 76 dias (em se tratando de crimes previstos na Lei
nº 6.368/76) e 81 (no caso dos demais delitos) para a manutenção da
custódia preventiva resultou de construção pretoriana considerando a
mera soma aritmética dos prazos estabelecidos na Lei de Tóxicos bem
como no Estatuto Penal Adjetivo. No entanto, em termos de Processo
Penal, impõe-se considerá-los sob a perspectiva da razoabilidade,
devendo haver mitigação frente às peculiaridades do caso concreto. 2.
Na hipótese dos autos, em que pese o lapso temporal transcorrido desde
a decretação da prisão preventiva, não houve excesso na formação da
culpa, uma vez que a demora na instrução se justifica pela necessidade de
ser realizado exame de dependência toxicológica do réu – procedimento
que, por sua própria natureza, é complexo e demorado – bem como em
face da expedição de cartas precatórias para inquirição de testemunhas.
3. Ademais, incomprovadas a primariedade, residência fixa e ocupação
lícita do acusado, justifica-se com maior razão seu decreto prisional. 4.
Ordem denegada.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima
indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, denegar a ordem, nos termos do relatório,
voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Porto Alegre, 20 de maio de 2002.
Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, Relator.
220
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: Cuida-se de
habeas corpus, com pretensão liminar, impetrado por Cezarino Inacio
de Lima Filho em favor de C. V. S., buscando a revogação da custódia
preventiva decretada pelo MM. Juiz Federal Substituto da Vara Criminal
de Lages/SC no processo nº 2001.72.06.002666-1.
Segundo se depreende dos autos, em 22.09.2001, o acusado foi preso,
na companhia de E. S. O., pela prática dos delitos insculpidos no artigo 12
da Lei nº 6.368/76 (tráfico de entorpecentes), art. 10 da Lei nº 9.437/97
(porte de arma), além do crime previsto no art. 289, § 1o, do Código Penal
(moeda falsa). O Juízo de Direito da Comarca de Santa Cecília declinou
da competência para a Justiça Federal.
Solicitado o relaxamento do flagrante, foi deferido em virtude da
inobservância do prazo de 05 (cinco) dias imposto pelo art. 21 da Lei de
Tóxicos como limite para envio dos autos a juízo (fls. 06/08). Decretou-se,
contudo, a prisão preventiva do paciente como garantia da ordem pública,
“evitando que o indiciado venha a cometer novos crimes”.
Contra esse decisum, foi interposto o presente mandamus (fls. 02/04).
Aduz o impetrante estar C. cerceado em seu status libertatis há mais
de 180 (cento e oitenta) dias, o que caracteriza constrangimento ilegal.
Elucida, nesse sentido, que:
“o exame toxicológico de dependência diz que o réu é dependente de drogas. O processo
aguarda o cumprimento de precatórias para oitiva de testemunhas, o que naturalmente
demorará, no mínimo, mais 60 (sessenta) dias, onde haverá abertura de prazo posterior
às partes (...), constituindo ‘um abuso’ a manutenção do paciente na prisão”.
Para melhor compreensão das alegações vertidas na inicial, o exame
do pedido liminar foi postergado até o recebimento dos informes (fls.
10/11), os quais foram prestados pela autoridade coatora em fls. 13/14.
A tutela de urgência restou indeferida. (fls. 18/22)
Oficiando no feito (fls. 31/34), a douta Procuradoria Regional da
República opinou pela concessão parcial da ordem.
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221
Branca
DIREITO PREVIDENCIÁRIO
Branca
224
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EMBARGOS INFRINGENTES EM AC Nº 1999.04.01.007365-2/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado
Embargante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogado: Dr. Clovis Juarez Kemmerich
Embargada: Almira Bittencourt da Silva
Advogados: Drs. Paulo Alberto Villas-Boas e outro
EMENTA
Previdenciário. Aposentadoria por idade. Natureza urbana.
Requisitos. Preenchimento não simultâneo. Perda da qualidade de
segurada.
Segundo precedentes do e. STJ, acolhidos por esta Terceira Seção no
julgamento dos EI nº 1999.04.01.090605-4/SC (DJU de 15.05.02), tendo
a segurada logrado preencher os requisitos da Lei 8.213/91, referentes
à outorga da aposentadoria por idade, quais sejam, o cumprimento da
carência e idade mínima exigidas, ainda que não de forma simultânea,
faz jus ao indigitado benefício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas,
decide a Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
por unanimidade, negar provimento aos embargos infringentes, nos
termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte
do presente julgado.
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Porto Alegre, 12 de junho de 2002.
Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: Cuida-se
de Embargos Infringentes interpostos contra acórdão prolatado pela
Quinta Turma desta Corte que, em sua anterior composição, por maioria,
deu provimento ao recurso formulado pela parte-autora no sentido de
condenar o INSS a lhe conceder o benefício de aposentadoria por idade
(área urbana), a contar do respectivo indeferimento (03.08.97), além dos
demais consectários.
O Instituto-embargante requer a prevalência do voto vencido,
prolatado pelo e. Relator Juiz Altair Antônio Gregório, que concluiu
pelo improvimento do apontado recurso para manter a sentença de
improcedência da ação, ao fundamento de que a postulante não contava,
em 1997, com a carência exigida à outorga do benefício reclamado,
porquanto afastada do RGPS de 01.02.64 a 1997, à luz da legislação de
regência, cumpria-lhe verter com mais 20 contribuições (1/3 de 60) a
partir do respectivo reingresso no sistema, pressuposto este desatendido
no caso concreto.
Decorrido in albis o prazo para impugnação, vieram os autos
conclusos.
É o sucinto relatório.
Dispensada a revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: Os embargos
infringentes opostos pelo INSS objetivam a prevalência do voto vencido,
que concluiu no sentido de manter o julgamento de improcedência da
ação, à luz dos seguintes fundamentos (fls. 79/80):
“(...) No caso dos autos, o requisito etário restou cumprido, uma vez que, tendo
nascido em 01.06.24 (fl. 08), a parte autora completou a idade mínima exigida em
01.06.84.
Igualmente, preenche a parte autora o requisito da filiação previdenciária em data
anterior à edição da LBPS, restando à análise a comprovação do recolhimento de
contribuições na forma do art. 142, a contar da data em que a parte autora implementou
o requisito etário .
226
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
Dessa forma deve a parte autora comprovar o recolhimento de 60 contribuições,
uma vez que implementou o requisito etário em 01.06.84, conforme dispunha o art.
37 da CLPS.
Para tanto juntou aos autos, dentre outros documentos, sua CTPS, à fl. 75, onde se
constata que a demandante possui 78 contribuições vertidas aos cofres da Previdência
Social, no período de 22.07.57 a 31.01.64. (fl. 03)
Entretanto, a parte autora permaneceu de 01.02.64 a 1997 sem estar filiada à
Previdência Social, perdendo a qualidade de segurada. Assim, só poderia computar as
contribuições anteriores a 01.02.64 se tivesse, em novo período de trabalho, somado o
total de contribuições igual a 1/3 do período de carência, no caso, 20 contribuições, como
prescreve o parágrafo único do art. 24 da LBPS, o que não ocorreu no caso dos autos.”
O voto majoritário, prolatado pelo e. Des. Fed. Tadaaqui Hirose, traz
argumentos em sentido oposto quanto ao implemento dos requisitos para
a outorga da inativação postulada, in verbis (fls. 81/82):
“(...) Em que pesem as exigências legais, deve ser aqui salientado que a perda
da qualificação, enquanto segurada, não elide o fato de que por seis anos e meio ela
contribuiu para a manutenção do Sistema. Assim, mesmo que tenha completado 60
anos de idade muito depois da última contribuição, tudo o que verteu aos cofres do
INSS justifica o amparo agora, na sua velhice, o que vem a consignar a finalidade da
própria Previdência Social.
O Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão, assim se manifestou:
‘EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA
POR IDADE. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. IRRELEVÂNCIA.
1. Para concessão de aposentadoria por idade, não é necessário que os requisitos
exigidos pela lei sejam preenchidos simultaneamente, sendo irrelevante o fato de que
o obreiro, ao atingir a idade mínima, já tenha perdido a condição de segurado.
2. Embargos rejeitados’. (EREsp 175265/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 3ª
Seção, j. 23.08.2000, DJ 18.09.2000, p. 00091)
Desta forma, faz jus a autora ao benefício da aposentadoria por idade urbana, desde
a data em que comunicado o indeferimento (03.08.97), por restar comprovado que no
período de seis anos e meio exerceu atividade laborativa, como subordinada, e possuir
mais de 60 anos de idade, completados em 01.06.84.”
Como se depreende da leitura acima, a solução jurídica do caso
concreto cinge-se ao exame de se admitir, ou não, o preenchimento,
em épocas distintas, dos requisitos exigidos à outorga do benefício de
aposentadoria por idade reclamado pela autora.
A matéria em foco já foi analisada no âmbito desta Terceira Seção,
quando do julgamento dos EI nº 1999.04.01.090605-4/SC, Relatados
pelo e. Des. Fed. Antônio Albino Ramos de Oliveira (j.10.04.2002, DJU
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
227
de 15.05.02, p. 420/422), ocasião em que restou repelido o recurso do
INSS, amparado em idênticos fundamentos aos que agora veicula, no
sentido de ser indevida a outorga da inativação por idade àquele (a) que
perdeu a condição de segurado (b) quando do requerimento do indigitado
benefício, exigindo-se complementação da carência, com o pagamento
de mais 1/3 das contribuições previstas a esse título.
Colhe-se das ponderações tecidas pelo voto condutor dos precitados
EI a seguinte análise:
“(...) 1- A perda da qualidade de segurado, conforme art. 8º da anterior CLPS,
importava ‘na caducidade dos direitos inerentes a essa qualidade, ressalvado o disposto
no parágrafo único do art. 98’. Este, por sua vez, dispunha:
‘O direito à aposentadoria ou pensão para cuja concessão foram preenchidos todos
os requisitos não prescreve, mesmo após a perda da qualidade de segurado.’
A vigente Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, tem disposições semelhantes. Seu art.
102, na redação original, dizia que, ‘a perda da qualidade de segurado não importa em
caducidade dos direitos inerentes a essa qualidade’. A Lei nº 9.528/97, oriunda da MP
1.596-14, de 10.11.97, acrescentou-lhe dois parágrafos, o primeiro dos quais explicita:
‘§ 1º A perda da qualidade de segurado não prejudica o direito à aposentadoria para
cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em
vigor à época em que estes requisitos foram atendidos.’
Essas disposições têm recebido do Egrégio Superior Tribunal de Justiça interpretação
teleológica. Sua Terceira Seção, na esteira da jurisprudência anteriormente adotada
pelo Egrégio Tribunal Federal de Recursos, posicionou-se no sentido de que ‘para a
concessão de aposentadoria por idade, não é necessário que os requisitos exigidos pela
lei sejam preenchidos simultaneamente, sendo irrelevante o fato de que o obreiro, ao
atingir a idade mínima, já tenha perdido a condição de segurado’. (EREsp nº 175.265/
SP, Relator o Ministro Fernando Gonçalves, DJU de 18.09.2000)
2. Essa interpretação tem a autorizá-la a natureza específica da aposentadoria por
idade, que se destina a dar amparo ao trabalhador idoso, tendo como única contrapartida
o requisito atuarial da carência. Cumprido este, a perda da condição de segurado não
seria óbice à concessão do benefício (art. 102, § 1º, da Lei 8.213/91). Solução diversa
levaria ao paradoxo apontado pelo ilustre Ministro Gilson Dipp, em seu voto proferido
no Recurso Especial nº 327.803-SP (DJ de 08.10.2001):
‘Aliás, se fosse dada à norma a interpretação desejada pela Autarquia, o segurado
que vertera as 180 contribuições e em seguida completasse os 65 anos, teria direito
ao benefício, mas o que vertera igual número de contribuições, porém bem antes dos
65 anos (mais de 24 meses) não teria o direito – o que é um absurdo, mesmo porque
à medida que a idade avança para o limite, torna-se mais difícil a manutenção como
empregado, seja por condições físicas ou restrições do próprio mercado de trabalho.
228
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
O caráter social da norma previdenciária impõe que seja interpretada finalisticamente,
em conformidade com seus objetivos.’
Aparentemente, essa jurisprudência entra em choque com o art. 102 da Lei 8.213/91.
No entanto, se lermos atentamente seu parágrafo 1º, introduzido pela Lei nº 9.258/97,
chegaremos a conclusão diversa. Voltemos a seu texto:
‘§ 1º. A perda da qualidade de segurada não prejudica o direito à aposentadoria para
cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em
vigor à época em que estes requisitos foram atendidos.’
A lei, portanto, não diz que a perda da qualidade de segurado, após terem sido
preenchidos todos os requisitos para a concessão do benefício, não o prejudica, e sim
que a perda da qualidade de segurado – genericamente, sem delimitação temporal – não
o prejudica. Parece que a intenção do legislador foi, exatamente, deixar claro que a
qualidade de segurado não é requisito cumulativo para a concessão da aposentadoria,
como se poderia entender da leitura do texto original do art. 102, que novamente
transcrevo:
‘Art. 102. A perda da qualidade de segurado após o preenchimento de todos os
requisitos exigíveis para a concessão de aposentadoria ou pensão não importa em
extinção do direito a esses benefícios.’ (Destaquei).
Nessa versão, ficava explícito o momento temporal após o qual a perda da qualidade
de segurado tornava-se irrelevante. No novo texto, essa referência foi excluída, afastando
qualquer dúvida que houvesse quanto à compatibilidade da interpretação adotada pelo
E. STJ e a literalidade da lei.
Também não é obstáculo a esse entendimento a regra do art. 24, parágrafo único, da
Lei 8.213/91, segundo o qual, ocorrendo perda da qualidade de segurado, as contribuições
anteriores só serão consideradas, para efeito de carência, depois que o segurado contar,
a partir da nova filiação, com no mínimo 1/3 do número de contribuições exigidas para
o cumprimento daquela carência. Essa disposição deve ser entendida como dizendo
respeito à perda da qualidade de segurado antes de completado o período de carência. É
regra que diz respeito à soma de períodos incompletos para o cálculo da carência. Não
se aplica quando o segurado já cumpriu, por inteiro, o respectivo prazo.”
Com efeito, amparado em idênticos fundamentos, bem ajustados à
orientação emanada do e. STJ, aos quais aderi por ocasião do meu voto
nos prefalados EI nº 1999.04.01.090605-4/SC e que se aplicam à situação
do caso concreto, relatada no voto majoritário antes transcrito, concluo
por negar provimento aos presentes Embargos Infringentes.
É o voto.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
229
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.04.01.059457-0/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira
Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogado: Dr. Lisandro Luis Wottrich
Apelada: Ana Maria Bento
Advogados: Drs. Luiz Natalbor Thorstenberg e outros
Remetente: Juízo de Direito da Comarca de Tenente Portela/RS
EMENTA
Previdenciário. Pensão por morte do pai. Indígena. Trabalho em
regime de economia familiar. Comprovação.
1 – Cabe aos indígenas o usufruto permanente da riqueza existente
nas terras tradicionalmente ocupadas por eles.
2 – A declaração do Chefe do Posto Indígena da FUNAI é documento
hábil para comprovar o desempenho das atividades de agricultura e de
artesanato, indispensáveis para a subsistência do grupo familiar indígena
(Portaria nº 4.273/97 do Ministério da Previdência e Assistência Social).
A falta de homologação desse documento pelo INSS não lhe retira o valor
probatório, que deverá ser examinado no contexto total do processo.
3 – Comprovada a qualidade de segurado especial do de cujus, sua
filha faz jus ao benefício de pensão por morte.
4 – Nas ações de cunho previdenciário, os honorários advocatícios
devem ser fixados em 10% sobre o valor das parcelas da condenação
vencidas até a data da sentença.
5 – O art. 8º, parágrafo 1º, da Lei 8.620/93 não isenta o INSS das
custas judiciais, quando demandado na Justiça Estadual (Súmula nº 20
do TRF da 4ª R). A autarquia previdenciária deve responder pela metade
das custas devidas (Súmula nº 2 do TARS).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a
Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,
dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do
relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Porto Alegre, 8 de agosto de 2002.
230
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira: Ana
Maria Bento, representada por sua mãe, Suzana Claudino, ajuizou ação
ordinária contra o INSS postulando a concessão do benefício da pensão
por morte de seu pai, Afonso Bento, na qualidade de segurado especial,
desde a data do óbito, ocorrido em 01.02.95.
Citado, o INSS alegou que inexiste início de prova material a
comprovar a qualidade de segurado especial do falecido e que, no caso
de procedência do pedido, o benefício deve ser concedido a partir do
requerimento administrativo, nos termos do art. 74 da Lei nº 8.213/91.
Encerrada a instrução, a MM. Juíza a quo julgou procedente a demanda
para condenar o INSS a conceder a pensão por morte requerida pela autora
e a pagar retroativamente à data do óbito de seu progenitor, 01.02.95,
com valores corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora,
na forma da fundamentação. Condenou, ainda, o réu ao pagamento de
custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o
valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas.
Irresignado, interpôs o INSS recurso de apelação, repisando os termos
da contestação e aduzindo que a verba honorária há de ser estipulada
em percentual de 10% sobre o valor atualizado da causa e que as custas
processuais são devidas por metade.
Com contra-razões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso
de apelação. É o relatório. À revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira:
1 – O conflito cinge-se à comprovação da qualidade de segurado
especial do falecido. A autora alega que o de cujus era indígena e que
ele exercia a atividade rural, em regime de economia familiar, na Área
Indígena Terra do Guarita, na comarca de Tenente Portela/RS.
A declaração da FUNAI, juntada aos autos à fl. 28, dá conta de que
Afonso Bento exerceu a atividade de agricultor, em regime de economia
familiar, no período de 05.06.84 a 05.12.94. Nesse documento, a FUNAI
salienta que cabe aos indígenas o usufruto permanente da riqueza
231
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
existente nas terras tradicionalmente ocupadas por eles. Dessa forma,
desempenham atividades de agricultura e de artesanato, produzindo
para subsistência e comercialização. E, como não possuem documentos
comprobatórios, a única forma de comprovar sua atividade é através de
declaração do Chefe do Posto Indígena da FUNAI, a que se encontra
adstrito.
Essa declaração constitui documento hábil para comprovar a condição
de segurado especial do indígena, conforme dispõe o art. 3º, letra g,
da Portaria nº 4.273, de 12 de dezembro de 1997, do Ministério da
Previdência e Assistência Social, cuja cópia foi juntada às fls. 31-38.
Dispõe seu art. 3º e alínea g:
“Art. 3º. A comprovação do exercício de atividade rural do segurado especial,
bem como de seu respectivo grupo familiar – cônjuge, companheiro ou companheira
e filhos maiores de quatorze anos e dependentes a estes equiparados – e desde que
devidamente comprovado o vínculo familiar, será feita mediante a apresentação de
um dos seguintes documentos:
...
b) – declaração fornecida pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI atestando a
condição do Índio como trabalhador rural, homologada pelo INSS na forma do art. 9º.”
É certo que essa declaração, para ter eficácia probatória plena, deveria
ser homologada pelo INSS. No entanto, a falta de sua homologação não
lhe retira o valor probatório, que deverá ser examinado no contexto total
do processo. No caso, trata-se de indígena da tribo Kaigang, que vivia
na respectiva comunidade, que, sabidamente, sobrevive de agricultura
rudimentar, habitualmente desenvolvida em regime de economia familiar.
Veja-se que os pais do falecido Afonso Bento são qualificados, na
certidão de nascimento deste, como agricultores (fl. 25). Essa também é a
profissão do avô materno da autora, consignada na certidão de nascimento
de sua mãe (fl. 24). Assim, residente numa comunidade basicamente
agrícola e sendo filho de rurícolas, é de fácil conclusão que o falecido
pai da autora exercia a mesma atividade, laborando na terra.
Considerando, pois, a condição peculiar de indígena do falecido e
a dificuldade da produção de prova de sua atividade, considero esses
documentos como bastantes para configurar o início de prova material
exigido pelo art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, notadamente a declaração da
FUNAI. Dessa forma, comprovada a qualidade de segurado especial do
de cujus, a autora faz jus ao benefício de pensão por morte.
232
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
O termo inicial do benefício é a data do óbito, ocorrido em 01.02.95,
conforme dispunha a redação do art. 74 da Lei nº 8.213/91 vigente à
época.
2 – A fixação dos honorários advocatícios em 10% sobre o valor
da condenação está em conformidade com jurisprudência desta Corte
para ações de cunho previdenciário. Entretanto, por força da remessa
oficial, essa verba somente é devida sobre as parcelas vencidas até a
data da sentença, excluídas as vincendas (Súmula 111 do STJ), assim
consideradas as posteriores a essa data, conforme orientação pacificada
pelo Superior Tribunal de Justiça e jurisprudência desta Corte. (EREsp
195.520/SP, 3ª Seção, Rel. Min. Félix Fischer, unânime, DJU 18.10.99,
p. 207)
3 – Pacificou-se neste Tribunal o entendimento de que o “art. 8º,
parágrafo 1º, da Lei 8.620/93 não isenta o INSS das custas judiciais,
quando demandado na Justiça Estadual” (Súmula nº 20). Contudo, a
autarquia previdenciária deve responder pela metade das custas devidas.
(Súmula nº 2 do Egrégio Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul)
Em face do exposto, voto no sentido de dar parcial provimento
à apelação e à remessa oficial para fixar as custas processuais e os
honorários advocatícios na forma acima explicitada.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
233
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.04.01.067885-6/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira
Apelante: Neiva Terezinha Ramos Ferreira
Advogado: Dr. Giovani Quadros Andrighi
Apelada: Nilce Zancan
Advogados: Drs. Carlos Alberto Campos de Oliveira e outro
Apelada: Clarisse da Silva Boeira
Advogado: Dr. Jarbas Quadros Andrighi
Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogado: Dr. Gladimir Antonio Casarin
EMENTA
Previdenciário. Pensão por morte. Segurado que mantinha
concomitantemente duas companheiras, em união estável. Divisão entre
elas do benefício.
1 – A união estável é fato, ao qual a norma atribui conseqüências
jurídicas. Ao contrário do matrimônio, e embora não seja a regra, pode
ocorrer mais de uma união estável, com formação de mais de um núcleo
familiar, em torno de uma só pessoa, varão ou mulher, embora seja rara
esta última hipótese. Configurada tal hipótese, comprovada a dupla união
estável, caberá dividir a pensão entre as companheiras concorrentes, como
ocorre quando ao mesmo benefício concorrem a esposa e a companheira
do beneficiário.
2 – Apelo e remessa oficial desprovidos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a
Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,
negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório,
voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Porto Alegre, 8 de agosto de 2002.
Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira: Nilce
234
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
Zancan ajuizou ação ordinária contra o INSS, postulando o rateio do
benefício da pensão por morte de seu companheiro, desde a data do
óbito, em concorrência com outra companheira do de cujus. Alegou
que conviveu maritalmente com o falecido desde 08.03.88 até a data da
morte, em 11.09.99, período em que ele se encontrava separado de fato
da esposa, Clarisse da Silva Boeira, e mantinha outra união estável com
Neiva Teresinha Ramos Ferreira.
Citado, o INSS aduziu que, após o falecimento do segurado Alaor
Edson Boeira de Carmo, vem pagando o benefício da pensão por morte
a Neiva Teresinha Ramos Ferreira, em face de esta ter comprovado a sua
condição de companheira e dependente do de cujus, devendo a autora
comprovar tais requisitos para fazer jus ao rateio da pensão.
Como litisconsortes passivas necessárias foram citadas a esposa
legítima do falecido e a outra companheira.
Clarisse da Silva Boeira, em contestação, alegou que está separada
de fato há mais de 20 anos e que “abriu mão” do benefício em favor de
Neiva Teresinha R. Ferreira, em função de que esta estava convivendo
com o falecido há 20 anos e cuidava da mãe dele. Disse, também, que o
falecido tivera vários casos extraconjugais, como a autora, a qual nunca
dependeu economicamente do mesmo.
Contestando a ação, Neiva Teresinha Ramos Ferreira disse que sempre
dependeu economicamente do falecido e que conviveu maritalmente com
ele por mais de 20 anos, inclusive morando na mesma casa, juntamente
com a mãe dele. Aduziu que os documentos juntados com a inicial
comprovam apenas mais um “caso” do falecido fora de sua relação
estável, fato pelo qual deve continuar a ser a única beneficiária da pensão.
Referiu, ainda, que a mãe do falecido permanece vivendo na sua casa e
sob seus cuidados.
Encerrada a instrução, o MM. juiz a quo julgou parcialmente
procedente o pedido para condenar o INSS ao rateio da pensão por
morte, a partir de sua intimação, em parcelas iguais entre a autora e a ré
Neiva Teresinha, cabendo 50% a cada uma. Condenou, ainda, os réus
ao pagamento das custas processuais em proporção, cabendo ao INSS
pagar a sua quota-parte pela metade (Súmula nº 02 do TARGS), e ao
pagamento proporcional de honorários advocatícios, fixados em 20 %
sobre o valor da causa atualizado. Suspendeu, contudo, a exigibilidade
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
235
da verba sucumbencial em relação às rés Neiva Teresinha e Clarisse, na
forma do art. 12 da Lei nº 1.060/50, uma vez que concedida a assistência
judiciária gratuita.
Irresignada, apelou a ré Neiva Teresinha Ramos Ferreira, sustentando
que restou comprovado nos autos apenas um caso extraconjugal entre
a autora e o falecido, e não uma relação estável e duradoura, razão pela
qual não se configura o direito de receber parte da pensão. Alegou, ainda,
que não existira coabitação e nem periodicidade de visitas próprias de
quem vive com outra pessoa.
Com contra-razões, subiram os autos.
É o relatório. À revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira: O
conflito sob exame gira em torno da caracterização da união estável
entre a autora e o falecido, tendo em vista que este manteve, no mesmo
período, outra relação estável com Neiva Teresinha Ramos Ferreira, a
qual já está percebendo o benefício da pensão por morte.
Dispõe o art. 16 da Lei nº 8.213/91:
“Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição
de dependentes do segurado:
I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer
condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;
(...)
§ 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada,
mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do
art. 226 da Constituição Federal.
§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a
das demais deve ser comprovada.”
É certo que não é possível, no âmbito do direito de família, reconhecerse a simultaneidade de duas uniões estáveis, tendo-se presente, também,
o art. 226, § 3º, da Constituição Federal, que erigiu a união estável à
condição de entidade familiar. Contudo, no caso concreto, trata-se de
uma situação muito peculiar. Constitui fato incontroverso que o de cujus
convivia maritalmente com Neiva Teresinha. Outrossim, a autora carreou
aos autos provas de que manteve com o falecido uma relação pública e
duradoura de aproximadamente 10 anos.
236
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
Com efeito, nesse sentido, a autora juntou cópias de recibos de
pagamento de alugueres (fls. 15 e 24), feitos pelo falecido, relativos a
períodos entre 03.10.91 e 03.05.93. Os documentos das fls. 16, 17, 20,
21, 22 e 23 demonstram que a autora assinava notas fiscais de compras
emitidas em nome do falecido em datas compreendidas entre 13.08.91 e
18.04.97. Também, na cópia da nota fiscal da fl. 18, emitida em 03.05.99,
consta como endereço do de cujus o mesmo fornecido na inicial pela
autora. Ainda, encontram-se fotos (fls. 32 a 34) nos autos, que evidenciam
momentos de convivência comum do casal em âmbito familiar e em
ocasiões públicas.
Ademais, a prova testemunhal colhida (fls. 117v a 119) confirmou a tese
ventilada na inicial de que a autora convivia maritalmente com o falecido,
que dele dependia economicamente e que ele constantemente era visto
em sua casa.
Dessa forma, a autora comprovou sua condição de companheira do
falecido, do mesmo modo que Neiva Teresinha, tratando-se, in casu, de
duas companheiras simultâneas.
A união estável é fato ao qual a lei atribui efeitos jurídicos. Ao
contrário do vínculo conjugal, não se exige que a união seja exclusiva,
e sim que seja estável, caracterizando o ânimo de constituir família.
Não é possível deixar de reconhecer que, no mundo dos fatos, podem se
constituir várias famílias, simultaneamente, em torno de um só varão. É
rara, mas não impossível, a situação inversa, em que mais de um núcleo
familiar se forma em torno de uma mesma mulher. Ao julgador cabe
retirar dessa multifacetada realidade as conseqüências jurídicas, de acordo
com a finalidade da norma, que é a proteção à família.
Ocorrendo, assim, concorrência de duas companheiras do segurado,
há que ser a pensão dividida entre elas. Nesse sentido, têm decidido os
Tribunais quando se trata da concorrência entre esposa e companheira
do segurado. Por analogia, o mesmo princípio deve ser aplicado ao caso
em questão. Segue precedente jurisprudencial:
“MILITAR – PENSÃO – COMPANHEIRA
1. A família de fato tem hoje sua existência consagrada na própria Constituição
Federal e produz efeitos jurídicos bem definidos pela jurisprudência, que já consagrou a
decisão salomônica da pensão entre a esposa e a companheira quando a concubina tem
direito próprio a opor ao da mulher. No presente caso, trata-se de duas companheiras
cada qual com direito próprio e reunindo os pressupostos legais para fazer jus à pensão,
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
237
pois viviam ambas sob a dependência econômica do de cujus em uniões estáveis. O
direito surgiu para encontrar soluções razoáveis para os absurdos da vida e não solução
acadêmica. Assim, nada há a reformar na sentença impugnada.
2. Remessa necessária improvida.” (REO nº 92.02.20041-6/RJ, TRF2, 1ª Turma,
Rel. Juiz Castro Aguiar, DJ 13.10.94, p. 58103) (grifei)
Destarte, a autora faz jus ao rateio do benefício da pensão por morte
de seu companheiro, na razão de 50%.
Quanto ao termo inicial do benefício, dispõe o art. 74 da Lei nº
8.213/91:
“Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado
que falecer, aposentado ou não, a contar da data:
I – do óbito, quando requerida até trinta dias depois deste;
II – do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior;
III – da decisão judicial, no caso de morte presumida.”
Desse modo, como a autora não formulou requerimento no âmbito
administrativo, o termo inicial do benefício deve ser a citação do réu.
Nesse sentido, precedente desta Corte:
“PENSÃO POR MORTE DE COMPANHEIRO. TERMO INICIAL.
Na ausência de requerimento administrativo, o termo inicial da pensão deve ser
a data da citação. Apelação provida em parte e recurso adesivo desprovido.” (AC nº
95.04.10213/RS, 6ª Turma, Rel. juiz Surreaux Chagas, DJ de 20.05.98, p. 798)
Outrossim, a verba honorária fixada em 20% sobre o valor da causa
atualizado e rateada proporcionalmente entre os réus, não se mostra
excessiva e nem desborda dos parâmetros adotados por esta Turma.
Pelo exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação e à
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
remessa oficial.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.71.01.000617-2/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado
Apelante: Marina Saraiva Camargo
Advogados: Drs. Teresinha Flores Matos e outro
Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogada: Dra. Mariana Gomes de Castilhos
Apelados: (Os mesmos)
Remetente: Juízo Federal da 1ª Vara Federal de Rio Grande/RS
EMENTA
Previdenciário. Valor real do benefício. FAS de fevereiro/94 aplicado
em maio seguinte. Reajustes de maio/96, junho de 1997, junho de 1999
e junho de 2000.
1. A CF/88, ao garantir a preservação do valor real dos benefícios
previdenciários, delegou ao legislador infraconstitucional a tarefa de
fixar os critérios para a consecução de tal desiderato.
2. Na linha de precedentes do STF, inexiste direito adquirido a
determinada forma de reajuste.
3. Tendo sido alterada a sistemática antes de transcorrido o período
necessário à implementação do reajuste de maio de 1994, falece à autora
o direito de pleitear que seja aplicada ao seu benefício a variação do FAS
referente a fevereiro de 1994, nos termos da legislação revogada.
4. A substituição do INPC pelo IGP-DI para efeito de reajustamento
dos proventos a cargo da previdência, ordenada pela MP 1.415/96, não
constitui ofensa à garantia de preservação do valor real dos benefícios contida
na Magna Carta, sendo certo que os índices junho/97, junho/99 e junho/2000
devem ser mantidos segundo os parâmetros fixados pelas MPs 1572-1/97,
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
1824/99 e 2022-17/00.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas,
decide a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, negar provimento ao recurso da autora e dar provimento ao
apelo do INSS e à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas
taquigráficas que ficam fazendo parte do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de maio de 2002.
Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: Cuida-se
de remessa oficial e apelações interpostas contra sentença que, acolhendo
a prescrição qüinqüenal, julgou parcialmente procedente a ação para
condenar o INSS a reajustar a renda mensal da parte-autora de acordo
com a variação do IGP-DI nos meses de junho/97 (9,96%), junho/99
(7,9%) e junho/2000 (14,19%), deduzidos os percentuais já aplicados
nessas competências, bem como ao pagamento das diferenças corrigidas
monetariamente desde os respectivos vencimentos, acrescidas de juros de
6% ao ano, a contar da citação. Considerando a sucumbência mínima da
autora, o julgador monocrático arbitrou em 10% sobre o valor atualizado
da causa, a verba honorária a ser suportada pelo réu.
Irresignada, apelou a parte-autora, batendo-se pela aplicação:
a) do FAS de fevereiro/94 que corresponde à inflação de janeiro/94,
com o abatimento da antecipação de 30,25%, a partir de 1 de maio de
1994, de modo a preservar o valor real do benefício;
b) do reajuste no mês de maio/96 com base na variação do IPC-r/
INPC.
Recorreu adesivamente o INSS, sustentando, em síntese, a reforma da
decisão recorrida, com o julgamento de total improcedência da demanda,
eis que os reajustes aplicados ao benefício em tela foram consonantes
com a legislação de regência, de modo que inexistem diferenças em prol
da segurada.
Apresentadas contra-razões pelas partes, subiram os autos a este
Tribunal.
240
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
É o relatório. Dispensada a revisão. (RI deste TRF/4ª R, art. 37, IX)
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: Trata-se
de revisão de pensão outorgada em 01.09.74. (fl. 25)
a) Da aplicação do FAS em maio/94
Nos termos da peça vestibular, sustenta a parte-autora restar
consolidado o direito à aplicação integral do FAS de fevereiro/94,
que corresponde à inflação de janeiro/94 (40,25%), no reajuste de seu
benefício na competência de maio seguinte, como forma de manter o
valor real dos respectivos proventos.
Por ocasião da réplica, deixou a demandante anotado à fl. 40:
“- CONVERSÃO DA URV
Não é matéria discutida na peça exordial.”
Ao analisar a controvérsia, no ponto, referindo-se à sistemática de
reajuste prevista no art. 9º, II, § 1º, da Lei 8.542/92, com a redação dada
pela Lei 8.700/93, assim observou com propriedade o sentenciante (fl.
51):
“A norma acima, no entanto, vigorou apenas até fevereiro de 1994; a partir de
março, por força do art. 20 da Lei 8.880/94 (precedida das Medidas Provisórias 434,
de 27.02.94, 457, de 29.03.94, e 482, de 28.04.94) os benefícios previdenciários foram
convertidos em URV, seguindo-se que, desde março/94 até a conversão dos benefícios
em Reais, ocorrida em julho/94, os proventos do autor mantiveram-se permanentemente
atualizados pela URV. (...) Tendo sido alterada a sistemática antes de transcorrido o
período necessário à implementação do reajuste de maio/94, falece ao autor o direito
de pleitear que seja aplicada a seu benefício a variação do FAS referente a fevereiro/94,
nos termos da legislação revogada.”
Com efeito, diante dos contornos antes relatados, onde não se está
a discutir os critérios atinentes à conversão do benefício em URV
(tal como expressamente fez questão de assinalar a parte-autora por
ocasião da réplica) cumpre referir que, se a CF/88, de fato, garantiu a
preservação do valor real dos benefícios previdenciários, o que resta,
à evidência, indiscutível, de outra feita também delegou ao legislador
infraconstitucional a tarefa de fixar os critérios para a consecução de tal
desiderato, não só quanto aos indexadores incidentes, como também
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
quanto à periodicidade dos indigitados aumentos.
Nessa linha, a segurada tem direito ao reajuste em si e na forma
disposta pela legislação de regência, e não pelo modo que lhe pareça
mais adequado, motivo por que a escolha de indexador estranho ao eleito
pelo legislador deve ser repelida.
b) Do reajuste de maio/96 (INPC):
A controvérsia que se pretende dirimida, quanto ao ponto, prende-se
ao exame de ser devido, ao benefício em tela, o indigitado reajuste em
maio/96 com base na variação do INPC/IBGE, por ser este, nos dizeres
da vestibular, o indexador adequado à preservação do valor real dos
proventos, assegurada, inclusive, em sede constitucional.
Contudo, estando em vigor na data prevista para o reajuste em
maio/96 (1º.05.96) a Medida Provisória 1.415/96 (DOU 30.04.96),
dispondo quanto à aplicação do IGP-DI como índice escolhido a esse
fim, descabe amparo ao Judiciário para se utilizar de índice já revogado,
mormente diante do pacífico entendimento jurisprudencial, embasado
em precedente do STF (RE nº 148.607-4, Rel. Min. Celso de Mello),
no sentido de inexistir direito adquirido a uma determinada forma de
reajuste de vencimentos e/ou proventos.
A propósito do tema, confira-se julgado do STJ, in verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-DE-BENEFÍCIO. CRITÉRIOS DE REAJUSTE.
ÍNDICES. IGP-DI/FGV. LEI Nº 9.711/98.
- A fórmula de cálculo do reajuste dos benefícios mantidos pela Previdência Social
obedece aos critérios fixados infraconstitucionalmente pelo art. 41 da Lei dos Planos
de Benefícios da Previdência Social, sucedidos pelas alterações introduzidas pelas
Leis nos 8.542/92 e 8.880/94. O atual critério de reajuste encontra-se definido na Lei nº
9.711/98, que determina a atualização monetária pela aplicação da variação acumulada
do IGP-DI/FGV, em substituição ao índice do IPC-r. Recurso Especial não conhecido.”.
(REsp nº 216.119/SP, Rel. Min. Vicente Leal, in DJ de 17.04.2000)
Em suma, à luz dos argumentos antes expendidos no sentido de ser o
IGP-DI o indexador adequado para o reajuste dos benefícios em maio/96,
impõe-se a manutenção da sentença quanto a esse tópico.
c) Dos aumentos nos meses de junho/97 (9,96%), junho/99 (7,9%) e
junho/2000 (14,19%), de acordo com a variação do IGP-DI:
Discute-se, ainda, nos autos a majoração dos proventos da autora
em junho/97, junho/99 e junho/2000 em patamar diverso do concedido
242
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
administrativamente, tendo o julgado reconhecido a procedência do
pedido, quanto ao tópico, para deferir ao postulante, nas indigitadas
competências, aumentos pelos índices de 9,96%, 7,9% e 14,19%,
respectivamente, assegurado o desconto dos percentuais já aplicados
nesses meses.
Entretanto, tenho que merece acolhida o recurso do INSS, eis que
a Medida Provisória 1.572-1, de 28 de maio de 1997, em seu art. 2º,
dispôs, in verbis:
“Art. 2º - Os benefícios mantidos pela Previdência Social serão reajustados, em 1º
de junho de 1997, em 7,76%.”
Dentro desta ótica, descabe concluir tenha ocorrido qualquer ofensa
ao princípio da preservação do valor real dos benefícios consagrado
na Magna Carta, orientação essa também aplicável às majorações de
junho/99 (4,61%) e junho/2000 (5,81%) praticadas legitimamente por
índices estabelecidos nas MPs 1.824/99 e 2.022-17/2000.
A propósito de tal entendimento, confira-se aresto da 5ª Turma desta
Corte, assim ementado:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LITISPENDÊNCIA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.
CONVERSÃO EM URV. LEI 8.880/94. PRESERVAÇÃO DO VALOR REAL DOS
BENEFÍCIOS. REAJUSTE PELO IGP-DI. MÊS JUNHO DE 1997. ÍNDICE DE
7,76%. CORREÇÃO MONETÁRIA. LEI 6.899/81. INDEXADORES.
(...) omissis; 6. É constitucional o índice de 7,76% previsto pela Medida Provisória
1572-1/97 para o reajuste dos benefícios previdenciários em junho de 1997. (...) (AC
nº 1998.04.01.042625-8, TRF 4ª Região, 5ª Turma – unânime – Re. Juíza Maria Lúcia
Luz Leiria, DJU de 12.07.2000).”
Não restando providos quaisquer dos pleitos formulados pela parteautora, impõe-se reformar a sentença para reconhecer a improcedência
da ação, cabendo-lhe, daí, arcar exclusivamente com a verba honorária, a
qual, em atenção aos parâmetros de regência, fixo em 10% sobre o valor
atribuído à causa, restando suspensa a respectiva exigibilidade em face
de se encontrar a litigante ao abrigo da assistência judiciária gratuita.
Frente ao exposto, voto no sentido de negar provimento ao apelo da
autora e dar provimento ao recurso do INSS, bem como à remessa oficial,
nos termos da fundamentação supra.
É o voto.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
243
APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Nº 2001.72.00.003278-4/SC
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz
Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogada: Dra. Patricia Helena Bonzanini
Apelados: Luiz Cesar da Cunha – Esp. Advog. Carlos Alberto
Umbelino e outros
Remetente: Juízo Federal da 2ª Vara Federal de Florianópolis/SC
EMENTA
Previdenciário. Benefício por invalidez decorrente de acidente do
trabalho. Restabelecimento. Mandado de segurança. Competência da
Justiça Estadual.
A despeito da regra inscrita no inciso VIII do art. 109 da Constituição
Federal, é competente a Justiça Estadual para julgar mandado de
segurança que tenha por objeto a concessão ou revisão de benefício
previdenciário decorrente de acidente do trabalho. Se o legislador
constitucional excluiu da competência federal a matéria relacionada
com acidente do trabalho, não se pode sobrepor a esse desígnio regra
de natureza instrumental, ainda que tenha esta última também sede na
Carta Constitucional. Na ponderação dos interesses em conflito, deve
prevaler a substância sobre a forma.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a
Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,
dar provimento ao recurso do INSS e à remessa oficial, anulando a sentença
e determinando a remessa dos autos à Justiça Estadual, nos termos do
relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Porto Alegre, 23 de maio de 2002.
Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz: Espólio de Luiz
Cesar da Cunha impetrou mandado de segurança com o objetivo de
244
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
compelir o INSS a conceder-lhe o benefício de acidente de trabalho.
Prestadas as informações, sobreveio sentença concedendo a segurança
para anular o ato de indeferimento do benefício de acidente do trabalho
e conceder ao impetrante esse benefício.
Apela o INSS, alegando que a sentença trabalhista que reconheceu o
vínculo de trabalho somente opera efeitos entre as partes naquele processo.
Entende que se trata de incompetência absoluta da Justiça Federal, uma vez
que o objeto da lide é a concessão de benefício acidentário. Afirma que a mera
confissão da relação de emprego, tal como ocorreu no processo trabalhista,
vale tão-somente contra o confitente, sendo necessário o reconhecimento
de relação jurídica previdenciária com o INSS, por meio de ação que enseja
dilação probatória.
Com contra-razões, vieram os autos a esta Corte, também por força
do reexame necessário.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz: Consoante relatado,
o impetrante postulou a condenação do INSS a conceder-lhe o benefício
de acidente de trabalho, sofrido em 05.08.99 (fl. 35). O juiz a quo deu
procedência ao pedido do autor.
Nos termos do art. 19 da LBPS,
“Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa
ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do artigo 11 desta
Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a
perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.” (grifei)
Como se vê, trata-se de incapacidade decorrente de acidente do
trabalho. Segundo o art. 109, I, da Constituição Federal, compete à
Justiça Federal processar e julgar as causas em que a União, entidades
autárquicas ou empresa pública federal forem interessadas como autoras,
rés, assistentes ou oponentes, com exceção das causas de acidentes do
trabalho, entre outras (grifei). Em se tratando de mandado de segurança,
a competência é determinada pela hierarquia funcional da autoridade
coatora, que, sendo federal, atrai, nos termos do art. 109, VIII, da
Constituição Federal, a competência da Justiça Federal.
O conflito entre as regras constitucionais deve, a meu ver, ser
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
245
solucionado em favor da tese – que ora advogo – de que compete,
no caso, à Justiça Estadual a apreciação do litígio. Se o legislador
constitucional excluiu da competência da Justiça Federal a matéria
relacionada com acidente de trabalho, não se pode conceber que a esse
desígnio se sobreponha uma regra de natureza instrumental, ainda que
tenha ela sede também na Carta Política.
É sabido que o conflito entre normas constitucionais não é suscetível
de solução pelos mecanismos da legislação infraconstitucional – critérios
temporal, de especialidade e hierárquico. Em suma, a prevalência de
um princípio ou regra da Constituição não pode anular o outro, pois
não se pode declarar a inconstitucionalidade de norma constitucional. A
solução que melhor harmoniza o conflito instaurado, portanto, é aquela
que, mantendo a regra do inciso VIII do art. 109 da CF, a excepciona nos
casos em que o objeto do litígio deduzido em mandado de segurança diga
respeito a benefício previdenciário decorrente de acidente de trabalho.
Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento ao recurso do
INSS e à remessa oficial para que, anulada a sentença, sejam os autos
remetidos à Justiça Estadual.
É como voto.
APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Nº 2002.04.01.004532-3/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz
Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogada: Dra. Patricia Helena Bonzanini
Apelada: Alvina Antonia da Silveira
246
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
Advogado: Dr. Luiz Celso José Indio Diniz
Remetente: Juízo Federal da 2ª Vara Federal Previdenciária
de Porto Alegre/RS
EMENTA
Mandado de segurança. Processual Civil. Direito Previdenciário.
Cancelamento de benefício previdenciário. Revisão administrativa.
Fraude não comprovada. Cancelamento que se deu depois de decorridos
oito anos desde a data da concessão.
A despeito de as atividades administrativas estarem adstritas ao princípio
da legalidade, a Administração, salvo comprovada má-fé e fraude, somente
pode invalidar os atos praticados em desconformidade com a lei dentro
do prazo de cinco anos. É que a Administração Pública deve preservar
também a segurança das relações jurídicas consolidadas. Hipótese em que
se revela impossível o cancelamento, em 1998, de benefício concedido
no ano de 1990.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas,
decide a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos
termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 02 de maio de 2002.
Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz: Alvina Antonia da
Silveira impetrou mandado de segurança com o objetivo de compelir o
INSS a restabelecer o pagamento do seu benefício de pensão por morte,
desde a data do cancelamento.
A liminar foi deferida (fls. 23/24). Prestadas informações, sobreveio
sentença concedendo a segurança para o fim de determinar à autoridade
coatora o restabelecimento definitivo do pagamento da pensão rural por
morte (NB 01/51030763-9), em favor da impetrante.
Apela o INSS (fls. 56/58), alegando que o procedimento revisional que
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
247
culminou na cessação do benefício foi regular e se insere no poder-dever da
Administração, devendo este procedimento ser prestigiado, uma vez que,
na hipótese, não restou comprovado que a impetrante fosse companheira
do falecido.
Com contra-razões do impetrado (fls. 63/65), subiram os autos a esta
Corte, também por força do reexame necessário.
Opinou o Ministério Público Federal pelo improvimento da apelação
e da remessa oficial. (fls. 70/71)
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz: A autora impetrou
o presente mandado de segurança com o objetivo de manutenção da
pensão por morte rural que percebe desde 09.06.90 e cancelada pela
Autarquia em 1998.
É cediço que a Administração pode anular seus próprios atos quando
eivados de ilegalidade, pois deles não se originam direitos. É certo
também que o juiz, encontrando nulidades no ato administrativo, mesmo
que não argüidas, poderá decretá-las, bem assim que não corre prescrição
à pretensão da nulidade.
Não é estranha ao Direito, entretanto, a idéia de convalidação
do ato administrativo nulo ou anulável. A possibilidade de haver-se
como legítimo um ato nulo ou anulável é reconhecida pelas doutrinas
nacional e estrangeira. Em certas situações, especiais, admite-se tanto o
reconhecimento da existência de direitos adquiridos como o exaurimento
do poder revisional ex officio da Administração quando decorrido um
lapso de tempo razoável a partir da prática do ato.
A respeito do tema, invoco o ensinamento de Miguel Reale (in
Revogação e Anulamento do Ato Administrativo, Rio de Janeiro: Forense,
1980, p. 69):
“...
A idéia de recorrer à doutrina civilista da ‘prescrição aquisitiva’ é engenhosa,
mas revela ainda certo apego a critérios privatísticos, sendo preferível reconhecer,
pura e simplesmente, que o problema da sanatória ou convalidação dos atos nulos se
coloca em termos menos rígidos na tela do Direito Administrativo, não por desamor
ou menosprezo à lei, mas por ser impossível desconhecer o valor adquirido por certas
situações de fato constituídas sem dolo, mas eivadas de infrações legais a seu tempo
248
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
não percebidas ou decretadas. O que se não pode é recusar à autoridade administrativa,
como expressão que é do organismo estatal, o poder de convalidar dada situação de
fato, cuja permanência lhe pareça justa, em virtude não só do tempo transcorrido, mas
à vista de circunstâncias que excluam a existência de dolo, ou quando se revelem, sem
maiores indagações, valores éticos ou econômicos positivos a favor da permanência
do ato irregular.”
Sob outro enfoque, vale citar o escólio de Weida Zancaner:
“O princípio da legalidade, fundamento do dever de invalidar, obriga a Administração
Pública a fulminar seus atos viciados não passíveis de convalidação. Só que a invalidação
não pode ser efetuada sempre e indistintamente, com referência a todas as relações
inválidas não convalidáveis que se apresentem ao administrador, em razão das barreiras
ao dever de invalidar.
Os limites ao dever de invalidar surgem do próprio sistema jurídico-positivo, pois,
como todos sabemos, coexistem com o princípio da legalidade outros princípios que
devem ser levados em conta quando do estudo da invalidação.
Claro está que o princípio da legalidade é basilar para a atuação administrativa, mas
como se disse, encartados no ordenamento jurídico estão outros princípios que devem
ser respeitados, ou por se referirem ao Direito como um todo, como, por exemplo,
o princípio da segurança jurídica, ou por serem protetores do comum dos cidadãos,
como, por exemplo, a boa-fé, princípio que também visa protegê-los quando de suas
relações com o Estado.
Assim, em nome da segurança jurídica, simetricamente ao que referimos quanto à
convalidação, o decurso de tempo pode ser, por si mesmo, causa bastante para estabilizar
certas situações fazendo-as intocáveis. Isto sucede nos casos em que se costuma falar
em prescrição, a qual obstará a invalidação do ato viciado. Esta é, pois, uma primeira
barreira à invalidação.
Por sua vez, o princípio da boa-fé assume importância capital no Direito
Administrativo, em razão da presunção da legitimidade dos atos administrativos,
presunção esta que só cessa quando esses atos são contestados, o que coloca a
Administração Pública em posição sobranceira com relação aos administrados”. (Da
Convalidação e da Invalidação dos Atos Administrativos. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 1990, p. 58)
Com efeito, não seria legítimo, para fundamentar a invalidação a
qualquer tempo pela Administração dos atos ilegais, afirmar, pura e
simplesmente, a primazia do princípio da legalidade sobre o princípio
da segurança jurídica. O fato de as atividades administrativas estarem
adstritas ao princípio da legalidade não significa que os atos praticados em
desconformidade com a lei fiquem indefinidamente sujeitos à invalidação.
Da Administração, exige-se, portanto, não apenas que obedeça aos termos
da lei, mas também que preserve a segurança jurídica das relações que
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
249
estabelece com os administrados.
A propósito do tema, vale lembrar que o art. 54 da Lei nº 9.784, de
29 de janeiro de 1999, que trata do processo administrativo no âmbito
da Administração Federal direta e indireta, expressamente dispõe que:
“o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos
favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram
praticados, salvo comprovada má-fé.”
Ressalvados os casos de má-fé – aí incluídas, obviamente, as situações
que envolvam fraude –, a Administração, a despeito da ilegalidade do
ato, terá o prazo de cinco anos para proceder à revisão, decorrido o qual
será ele convalidado.
Em se tratando de benefícios previdenciários de índole rural, é certo
que a Lei nº 9.032, de 28 de abril de 1995, previu a possibilidade de
revisão nos casos de “fraude, irregularidades e falhas existentes”. Aquele
dispositivo legal, entretanto, é omisso a respeito do prazo que teria a
Administração para levar a efeito a revisão ali prevista. Para suprimento
da omissão legislativa, deve-se recorrer ao art. 54 da Lei nº 9.784/99.
Pode-se então estabelecer o seguinte critério: a) em caso de fraude ou
má-fé, a revisão é possível a qualquer tempo; b) na hipótese de simples
ilegalidade na concessão do benefício, o INSS terá o prazo de cinco anos
para proceder à sua revisão; c) a mudança posterior de interpretação
da legislação de regência não autoriza a revisão do ato administrativo, em
respeito à coisa julgada administrativa, o mesmo ocorrendo com a nova
valoração da prova.
A respeito do tema discutido, colaciono o seguinte precedente:
“PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE ATO CONCESSÓRIO DE APOSENTADORIA
POR IDADE DE TRABALHADOR RURAL. POSSIBILIDADE. DEVIDO
PROCESSO E DIREITO DE DEFESA. GARIMPEIRO.
...
3. Se o vício não fulmina o ato de nulidade, podendo ser suprido mediante iniciativa
da administração ou do interessado, a administração dispõe do prazo de cinco anos
para revisar o ato, sob pena de infringência à segurança das relações.
4. Hipótese em que desde o ato de concessão da aposentadoria até a primeira notícia
de revisão transcorreram mais de cinco anos, impossibilitando assim a cessação do
benefício, porquanto a hipótese não envolve fraude na documentação que embasou o
procedimento administrativo, simulação dolosa de uma situação fática inverídica ou
erro da autoridade administrativa na aplicação da legislação de regência, mas sim mera
interpretação de fatos já conhecidos ao tempo da concessão”. (TRF da 4a Região, AC
250
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
nº 0401121816-9, relatora Juíza Eliana Paggiarin Marinho, 08.08.2000)
Por fim, penso que a sentença muito bem analisou a questão, in verbis:
“Com efeito, embora seja lícito à administração revisar e até mesmo cancelar os atos
administrativos que contenham vícios, isso não pode servir para a perpetração de exageros.
Se o benefício previdenciário foi deferido há mais de oito anos, não parece razoável a
exigência de apresentação de novos documentos para a comprovação da qualidade de
companheira do ex-segurado, a não ser nos casos em que há evidência de fraude.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
251
Branca
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Branca
254
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
AÇÃO RESCISÓRIA Nº 95.04.41304-8/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann
Autor: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogado: Dr. Adão Pedro Albino
Réus: J. C. M. e outros
EMENTA
Questão de ordem em ação rescisória. Citação de parte que
possivelmente comporá o pólo passivo da lide quando, e se, analisado
o juízo rescisório.
A ação rescisória que objetiva o reconhecimento de ilegitimidade
passiva do réu que compôs a ação precedente não deve prosseguir sem
que à parte que possivelmente integrará a lide, no caso de se chegar ao
Juízo rescisório, seja oportunizado acompanhar a instrução do feito.
Questão de ordem acolhida para determinar a citação da União.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, em questão de ordem, determinar a citação da União,
nos termos do relatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 13 de maio de 2002.
Des. Federal Edgard Lippmann, Relator.
RELATÓRIO
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
255
O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann: A presente ação visa
a rescindir, ao argumento de violação à literal disposição de lei (CPC,
art. 485, V), sentença proferida pelo MM. Juízo Federal que julgou
procedente a pretensão das autoras de ação ordinária que versou sobre
pagamento integral de pensão pós-morte instituída por servidor do
INAMPS, falecido antes do advento do RJU. (em 11.03.89)
A ofensa à lei, nos dizeres da inicial, ocorre em razão da ilegitimidade
passiva do INSS para aquele feito, visto referir-se a servidor do extinto
INAMPS - sucedido pela União -, restando impossível juridicamente
ao Autor desta rescisória, a teor das disposições do Dec. 99.350/90, dar
cumprimento ao julgado. Alega, ainda, violação às disposições dos arts.
248 da Lei nº 8.112/90; e 267, inc. VI, § 3º, e 301, § 4º, ambos do CPC.
Após longa tramitação e regularmente processado o feito, vieram
conclusos para julgamento, em 18.02.2002.
É o relatório.
QUESTÃO DE ORDEM
O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann: A ação que versou sobre
o pagamento integral de pensão por morte de servidor do INAMPS foi
julgada procedente, com fundamento na Lei nº 8.112/90 e no art. 40 da
CF. A necessidade de rescisão posta neste feito diz com a ilegitimidade
passiva da autarquia condenada ao cumprimento da sentença – INSS –
visto que a própria Lei nº 8.112/90, no art. 248, estabeleceu que as pensões
estatutárias concedidas até a vigência do RJU passavam à manutenção
do órgão/entidade de origem do servidor.
Considerando o longo tramitar da presente ação e vista a inarredável
cumulação de pedidos prevista no art. 485, I, do CPC, inerente à
própria ação rescisória, proponho a presente questão de ordem, para
que, em colegiado, seja analisada a possibilidade de prosseguimento
do julgamento, caso cheguemos à procedência do pedido de rescisão da
sentença em questão.
Explicito melhor a questão referindo que, no estado em que se encontra
o processo, se esta Egrégia Seção concluir pela procedência da rescisão
– em iudicium rescindens –, dever-se-ia prosseguir, em caminho lógico,
ao julgamento da matéria trazida na ação precedente – em iudicium
recissorium. E, caso configurada a suposição, ter-se-ia que extinguir o
256
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
feito, sem julgamento de mérito, pela inexistência de pólo passivo na lide.
Aqui, neste ponto, chamo a atenção para as datas que constam
dos autos. A parte-autora da ação precedente buscou a tutela judicial,
distribuindo o feito em 17.07.92, a sentença de procedência do pedido
foi proferida em 01.09.94, tendo transitado em julgado em novembro do
mesmo ano. De tais dados, presumo que, desde então, os dependentes
do servidor falecido estão recebendo a pensão, nos moldes da sentença,
cujo mérito não é discutido e encontra-se sob o manto da coisa julgada.
Prosseguindo, vê-se que a Autora da rescisória ajuizou este feito em
agosto de 1995, concluindo-se pela agilidade tanto da Autora da ação
precedente – que ajuizou o feito em menos de dois anos do ato que lesou o
direito tutelado – e também da Autora da rescisão, que buscou esta Corte
em menos de dois anos do trânsito em julgado da sentença guerreada.
Constatado isso, tenho que a possível procedência da rescisão e a
conseqüente extinção da ação precedente sem apreciação de mérito
configuraria prejuízo irreparável a ambas as partes. Isto porque, em
assim ocorrendo o julgamento, as partes retornariam ao estado anterior
à sentença: as rés daquela ação privadas da integralidade da pensão –
talvez devedoras da devolução dos valores recebidos –, e a autora desta
ação sem qualquer título que lhe possibilite o ressarcimento dos valores
pagos no período.
Ora, o Direito moderno, cada vez mais, afirma que o processo é
instrumento e, como tal, não pode ser considerado um fim em si mesmo.
Assim, considerando os princípios da instrumentalidade, da economia
processual e da efetividade do processo e, considerando que a teor
das disposições do art. 267, § 3º, do CPC, ao Juiz é dado analisar as
condições da ação em qualquer tempo, proponho, em absoluto privilégio
ao resultado, que se proceda à citação da União, possivelmente legítima
passivamente para a lide.
Acrescento, ainda, que encontro respaldo para tal ato no entendimento
de que ao Magistrado é autorizado, muitíssimo mais do que aplicar a
lei, proceder a sua aplicação norteado pelos fins sociais a que se dirige,
superando o formalismo dos meios que desprestigiariam o fim.
Reporto-me, por fim, ao aresto que a seguir transcrevo, ressaltando
a unanimidade do julgamento efetuado pela Douta 3ª Seção do STJ:
“AÇÃO RESCISÓRIA. DOCUMENTO NOVO. NÃO CARACTERIZAÇÃO.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
257
INADMISSIBILIDADE DA AÇÃO. PECULIARIDADE DO CASO. Tratando-se de
pessoa idosa, em que a extinção do processo sem julgamento de mérito pode ensejar a
propositura de nova ação ordinária, mas da qual pouco ou nada lhe seria de utilidade,
julga-se, de logo, com os documentos juntados, comprovada a condição de rurícola e
procedente a ação, para assegurar-lhe o benefício previdenciário postulado, atendo-se ao
disposto no art. 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil.” (AR 1012/SP (1999/00592875) DJ de 23.10.2000, p. 0102, JBCC, vol. 0185, p. 00507, Rel. Min. José Arnaldo da
Fonseca, Rev. Min. Fernando Gonçalves, 3ª Seção do STJ, unânime)
Diante de todo o exposto, em questão de ordem, voto por determinar a
citação da União, a fim de propiciar o prosseguimento do feito de forma
válida e regular.
É como voto.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM EAC
Nº 1998.04.01.077115-6/SC
Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria
Embargante: Luiz Kienen Bebidas Ltda.
Advogados: Dra. Jaqueline Oliveira dos Santos
Drs. Romeo Piazera Junior e outros
Embargante: União Federal (Fazenda Nacional)
Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin
Embargado: O v. Acórdão de fl. 190
EMENTA
Embargos de declaração. Omissão. Prequestionamento. Verba
honorária.
1. Os embargos declaratórios são meio hábil para sanar omissão,
contradição ou obscuridade no acórdão, não servindo para reexame da
prova apresentada ou para reparar contrariedade à tese do recorrente.
2. Embargos de declaração providos parcialmente para fins de
258
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
prequestionamento.
3. Modificada a proporção da sucumbência pelo voto dissidente, com
alteração da verba honorária, sua prevalência em julgamento de embargos
infringentes autoriza, como consectário lógico, que os honorários sejam
alterados nos termos do voto vencido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Primeira Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, dar provimento aos embargos de declaração da parte-autora
e dar parcial provimento aos embargos de declaração da União Federal,
nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 7 de agosto de 2002.
Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Trata-se de
embargos de declaração opostos pela União Federal e pela parte-autora
contra acórdão julgado pela Primeira Seção que, por unanimidade, deu
provimento aos embargos infringentes, assim ementado (fl. 190):
“PIS. CORREÇÃO MONETÁRIA DA BASE DE CÁLCULO – MP 1.212/95.
A correção monetária da base de cálculo do PIS é devida a partir da vigência da
MP 1.212/95.”
A parte-autora, em suas razões, sustenta a existência de omissão,
pois, embora fixada no voto divergente a verba honorária de 10%
sobre o valor dado à causa, corrigido monetariamente, no acórdão
inexiste pronunciamento acerca da verba honorária devida aos
patronos da empresa, o que requer, nos termos do art. 21 e seus
parágrafos do CPC.
A União Federal, em suas razões, sustenta que a Lei nº 7.691/88,
em seu artigo 1º, inciso III, determina a aplicação de correção
monetária à base de cálculo do PIS, de modo que é descabida a
atualização somente a partir da Medida Provisória 1.212/95. Aduz
que impedir a correção monetária da base de cálculo do PIS contraria
os princípios constitucionais da legalidade e da isonomia tributárias,
bem como da razoabilidade (art. 5º, inciso LIV, e art. 150, I e II,
259
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
da Carta Magna). Por fim, requer o prequestionamento expresso
dos arts. 5º, LIV; 150, incisos I e II, e 239, todos da Constituição
Federal de 1988, bem como do art. 1º da Lei nº 7.691/88, caso se
entenda inexistir omissão no julgado.
É o relatório.
VOTO
A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: No que diz com a
correção monetária da base de cálculo do PIS desde a vigência da Lei
nº 7.691/88, entendo que os embargos de declaração da União Federal
não podem prosperar.
As questões jurídicas postas na ação já foram devidamente analisadas
e fundamentadas com convencimento da Seção julgadora.
O voto é claro quanto à aplicação da correção monetária da base de
cálculo do PIS somente a partir da vigência da Medida Provisória nº
1.212/95.
Não há, assim, qualquer obscuridade, omissão ou contradição no
julgado.
O que ocorre neste caso, efetivamente, é que começa a ser formada
uma corrente jurisprudencial com tendência a conceder aos embargos de
declaração uma função retificadora quando se verificar que da omissão do
julgador puder resultar prejuízos irreparáveis às partes, como é exemplo
acórdão do Superior Tribunal de Justiça, assim ementado:
“Doutrina e jurisprudência têm admitido o uso de embargos declaratórios com
efeito infringente do julgado, mas apenas em caráter excepcional, quando manifesto
o equívoco e não existindo no sistema legal outro recurso para a correção do erro
cometido.”. (STJ - 4ª Turma, REsp 1.757-SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 13.03.90,
deram provimento, v.u., DJU 09.04.90, p. 2.745, 2ª col., in Código de Processo Civil
e Legislação Processual em vigor, Theotonio Negrão, Ed. Saraiva)
No entanto, o que se nos afigura nestes embargos é que a pretensão
da Embargante não é esclarecer contradição ou omissão; o que se quer,
à guisa de declaração, é, efetivamente, a modificação da decisão atacada.
Então, o efeito de infringência que se quer emprestar aos embargos de
declaração não pode ser aceito, já que visa a modificar a decisão.
Quanto aos embargos de declaração interpostos pela parte-autora, tenho
que a fixação da verba honorária no voto vencido, sendo corolário lógico
do posicionamento dissidente, deve acompanhá-la obrigatoriamente, pois
260
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
a parte-autora restou vencida em menor parte.
Assim sendo, voto no sentido de dar provimento aos embargos de
declaração opostos pela parte-autora para declarar que os honorários são
devidos pela União Federal no percentual de 10% sobre o valor atualizado
da causa.
Para o fim específico de prequestionamento, dou parcial provimento
aos embargos de declaração da União Federal, apenas para considerar
prequestionados os artigos 5º, inciso LIV; 150, incisos I e II, e 239, todos
da Constituição Federal de 1988, bem como o art. 1º da Lei nº 7.691/88.
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1999.04.01.123702-4/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon
Agravantes: Cláudio Gaspar Fialho Severo e outro
Advogados: Drs. Procelina Santanna Fernandes e outro
Agravado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogada: Dra. Suzana Fialho Campos
Interessado: Mainard Machado Tappes
Advogado: Dr. Mainard Machado Tappes
Interessados: Construtora e Imobiliária Santanense Ind. e Com. Ltda. e
outros
EMENTA
Processual Civil. Execução fiscal. Arrematação. Intimação dos
credores hipotecários. Preferência. Ausência de prejuízo. Venda judicial.
Cancelamentos dos gravames.
1. A cientificação do credor hipotecário acerca dos atos constritivos
incidentes sobre o bem objeto da sua garantia real tem o intento de lhe
oportunizar a exibição do seu direito de preferência, o qual, a teor do art.
186 do CTN, encontra-se em posição desvantajosa frente aos créditos
261
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
fiscais.
2. Manifesta a preferência dos créditos fiscais sobre aqueles emergentes
dos direitos reais de garantia, inexiste prejuízo do credor hipotecário que
não foi intimado da penhora e excussão do imóvel lhe dado em garantia.
3. A arrematação tem natureza de aquisição originária, operando-se
o efeito purgativo dos direitos reais de garantia, razão por que se impõe
o cancelamento dos respectivos registros perante o Ofício Imobiliário.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório,
voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Porto Alegre, 8 de agosto de 2002.
Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Trata-se
de agravo de instrumento que investe contra decisão que rejeitou a
argüição de nulidade da arrematação por falta de intimação dos credores
hipotecários, e manteve determinação para cancelamento do registro da
hipoteca perante o competente Ofício Imobiliário.
Os agravantes registram em suas razões, em síntese, que: a) embora
Sandra Severo D’Abreu, ora agravante, figurasse como co-responsável na
CDA, apenas a empresa Construtora e Imobiliária Santanense Indústria
e Comércio foi citada no executivo fiscal; b) os credores hipotecários
jamais tomaram ciência da existência do executivo fiscal, no qual fora
penhorado o bem gravado pela hipoteca que garantia seus créditos;
c) embora prescritos os créditos fiscais, a execução fiscal prosseguiu
até a fase de arrematação, sem que os co-responsáveis e os credores
hipotecários fossem cientificados da penhora do imóvel e muito menos
da venda judicial; d) a falta de alguma solenidade que a lei considere
essencial nulifica o ato jurídico (art. 145, V, do CCB); e) o direito real
de hipoteca garante aos credores preferência, cujo registro só poderá
ser cancelado pela arrematação do bem no executivo hipotecário; f) o
262
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
arrematante, antes de fazer o lanço, deveria investigar a real situação do
bem, a fim de se prevenir de eventuais percalços que poderiam advir da
aquisição; g) o cancelamento da hipoteca só poderia ser efetuado com
respaldo no inciso VII do art. 849, CCB; h) aos credores hipotecários é
permitido arrematar o bem penhorado no intento de garantir seu direito
de preferência, de modo que era imperiosa a intimação pessoal acerca
do leilão; i) o imóvel foi arrematado por preço vil – menos de 60% do
valor real do imóvel, podendo o juiz, de ofício, anular a arrematação.
O agravado apresentou contra-razões, pugnando pelo improvimento
do recurso.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Instado pelo
arrematante no fito de remover empeço oposto pelo Ofício imobiliário
para ingresso da carta de arrematação na tábula registral, o i. Julgador
a quo determinou a intimação dos credores hipotecários para, em 48
horas, promoverem o cancelamento do registro da hipoteca que gravava
o imóvel praceado. (fl. 59)
Os credores hipotecários, ora agravantes, dissentindo da determinação
judicial, apontaram a nulidade da arrematação em face de não terem sido
cientificados acerca da venda judicial. (fl. 61)
A resposta judicial à impugnação dos credores hipotecários foi vazada
nos seguintes termos (fl. 63):
“Rh.
Inicialmente, registro que somente Cláudio Severo possui interesse jurídico na
nulidade da arrematação, pois Sandra D’Abreu é co-devedora na presente execução
fiscal. (Art. 698 do CPC)
A falta de intimação do credor hipotecário sobre o leilão do imóvel constrito é causa
de nulidade da arrematação, como preceituam os artigos 826 do C.C. e 698 do CPC.
Entretanto, em sede de execução fiscal, a decretação de nulidade por falta deste ato
não aproveita ao credor hipotecário, pois o crédito tributário prefere a todos os demais,
salvo o trabalhista.
Não se decreta nulidade de ato que não acarretou prejuízo a quem a argüiu. (Art.
249, § 1º, do CPC)
Já a alegação de venda por preço vil deve ser apresentada em embargos à arrematação.
Indefiro o pedido retro.
Data supra.”
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
263
Desta decisão ocupa-se o presente recurso.
Não merece acolhimento a súplica.
A legislação processual, notadamente o fraseado dos arts. 615, II,
619 e 698, bem assim o preceituado no art. 826, segunda parte, do CCB,
confirma a necessidade de se dar ao conhecimento do credor hipotecário
a constrição e o praceamento do bem que suporta o seu direito real de
garantia. A ratio essendi da regra cifrada emerge do direito de prelação
estampado pela garantia real, outorgando ao credor hipotecário o direito
de opor o seu crédito ao do exeqüente, fazendo-se pagar com prioridade.
A jurisprudência registra:
“Na linha jurisprudência desta Corte, a preferência do credor hipotecário independe de
sua iniciativa na execução ou na penhora. A arrematação de imóvel gravado de hipoteca
garante ao credor hipotecário a preferência no recebimento de seu crédito em relação ao
exeqüente (STJ – 4ª Turma - REsp. 162.464-SP Min. Sálvio de Figueiredo, j. 03.05.2001,
deram provimento, v.u. DJU 11.06.2001, p. 223).” (Theotonio Negrão, in Código de
Processo Civil e Legislação Processual em vigor, ed. 33ª, Ed. Saraiva, p. 753)
Porém, a providência, in casu, mostra-se inteiramente estéril. É
que os créditos fiscais, logo após os de natureza trabalhista, gozam de
absoluta preferência, desimportando elementos de cunho cronológico ou
subjetivos dos créditos em confronto, como deixa entrever o conteúdo
do art. 186 do CTN, in verbis:
“O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for a natureza ou o tempo
da constituição deste, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho.”
Assim, à vista da supremacia dos créditos fiscais, a exceção de
preferência não poderia ser exibida pelos credores hipotecários, do que
não se lhes exsurge qualquer prejuízo da falta de cientificação dos atos
constritivos perpetrados sobre o imóvel praceado objeto do ônus real
de garantia.
Registra a jurisprudência:
“EMBARGOS DE TERCEIROS. CONCURSO DE CREDORES: CREDOR
HIPOTECÁRIO E IAPAS. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO CREDOR HIPOTECÁRIO
PARA REALIZAÇÃO DE PRAÇA DE IMÓVEL.
1. A providência preconizada pelo art. 698 do CPC somente se afigura imprescindível
quando o crédito objeto da execução ocupar, no concurso de preferências, posição
inferior ao do credor com garantia real, é o que não se verifica nas execuções fiscais,
a teor do art. 186 do CTN.
2. Impossibilidade de modificação da causa de pedir, após a citação sem a ausência
264
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
do réu.
3. A impenhorabilidade do bem de família não pode ser alegada pelo credor
hipotecário, haja vista lhe faltar legitimidade ad causam, por ausência de interesse na
pretensão.
4. Apelação improvida.” (AC n° 53307/RN, rel. Des. Federal José Delgado – TRF
5ª Região)
“COMERCIAL. FALÊNCIA. LEILÃO DE BENS GRAVADOS COM HIPOTECA.
EMBARGOS À ARREMATAÇÃO. INTIMAÇÃO DO CREDOR HIPOTECÁRIO.
1. Ante a existência de créditos tributário e trabalhistas torna-se supérflua a intimação
de eventual credor hipotecário, eis que não poderá adjudicar o bem objeto do leilão.
2. Recurso especial não conhecido.” (REsp n° 10044/SP, rel. Min. Bueno de Souza,
DJ 14.06.99, p. 191)
Como, é sabido, não se empresta valor à nulidade, ausente o requisito
prejuízo às partes, pois nossa legislação aceitou o vetusto princípio pas de
nullitte sans grief, deixo de decretar a nulidade da hasta pública em face
da inobservância das indigitadas regras processuais e do art. 826 do CCB.
Por outro lado, o cancelamento do gravame que pende sobre o imóvel
arrematado em hasta pública, que constitui obstáculo para ingresso da
carta de arrematação no fólio real, se impõe. É que a transmissão judicial
do bem para fazer pagar o credor tem cunho de aquisição originária,
operando-se pela arrematação, na abalizada lição de Araken de Assis, o
fenômeno da purgação dos direitos reais de garantia, in verbis:
“A arrematação e a adjudicação originam o efeito purgativo dos direitos reais de
garantia (hipoteca, penhor, anticrese) na forma dos artigos 849, VII; 802, IV; e 808, §
1°, do CCB. Esses direitos têm a dupla função de pré-constituírem o bem destinado à
solução da dívida e pré-excluírem ‘até que se solva a dívida, a solução, com ele, ou o
valor dele, de outras dívidas’ (1.369). Em decorrência do gravame, o bem se sujeita ao
crédito ‘com eficácia real’ (1.370), quer dizer, o Estado, que articula os meios executórios
contra quaisquer bens do devedor (artigo 591 do CPC), investe no patrimônio de
outrem graças ao gravame, no encalço do bem gravado. O destino desses gravames, na
execução individualista do nosso CPC (retro n° 7), teria de gozar absoluta indiferença,
ao contrário de execução universal do CPC italiano onde a purgação decorre ‘del sistema
adottato dalla nostra legge per la quale il pignoramento, e con esso la espropriazione
che così si inizia, non è fatto nell’esclusivo interesse del creditore procedente, bensì
nell’interesse di tutti i creditori che vi partecipano, primi tra i quali i creditori inscritti
che sono avvertiti dell’sespropriazone in corso’ na lição de Gian Antonio Micheli
(1.371), mas a técnica legislativa,. Fruto do medievo francês (1.372), considerou o
bem livre e desembaraçado – na avaliação se desprezam os gravames – ‘de modo que
os direitos reais limitados se atendem no preço’ (1.373). O artigo 615,II, do COC é
uma universalização do processo (retro, n° 19). Em suma, o efeito purgativo não tem o
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
265
sentido radical de extinguir o direito de garantia, mas de o sub-rogar no preço. Adverte
João de Castro Mendes: ‘a idéia de caducidade no fundo se opõe à de transferência
de objecto (persistência com objecto sub-rogado). Se o direito real se transfere para
outro objecto, não caduca, não se transfere’ (1.374). Os direitos reais de garantia que
caducam são os que tenham sido registrados depois da penhora porque o registro é
ineficaz, ‘inoponível ao processo de execução’ (1.375) ex vi do artigo 592, V, do CPC.
A regra é, portanto, de o vínculo real se sub-rogar no preço (o credor anticrético tem
direito de retenção) e sujeitar-se à graduação do concurso de preferências (infra, n°
296).” (in Comentários ao Código de Processo Civil; arts. 612 a 735; do processo de
execução, Ed. LeJur, p. 371-2)
Finalizando, além dos credores hipotecários não ostentarem
legitimidade para opor exceções vinculadas à prescrição do crédito
exeqüendo e da nulidade da arrematação efetuada por preço vil, tenho
não ser este o foro apropriado para a agitação de tais alegativas, que
teriam espaço no âmbito dos embargos à execução e à arrematação,
respectivamente.
Refuto, pois, a fundamentação empolgada pelos recorrentes, mantendo
os termos da decisão combatida.
Voto no sentido de negar provimento ao agravo.
É o voto.
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2000.04.01.054926-2/PR
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde
Agravantes: Moisés Adão Batista e Elsa Saramella Batista
Advogado: Dr. Moisés Adão Batista
Agravada: Caixa Econômica Federal - CEF
Advogados: Drs. Eduardo Amaral Pompeo e outros
EMENTA
Execução judicial (Lei nº 5.741/71). Embargos do devedor – efeito
266
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
suspensivo.
Os embargos à execução judicial embasada na Lei nº 5.741/71
processam-se com efeito suspensivo, ainda que ausente o atendimento
às condições estipuladas pelo mesmo diploma legal (art. 5º, I e II), por
força do poder geral de cautela, haja vista que ao devedor é cominada
a expedita desocupação do imóvel que, aliás, já se presta ao serviço da
garantia real da dívida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do relatório e notas
taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de outubro de 2001.
Des. Federal Amaury Chaves de Athayde, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: Trata-se de
agravo de instrumento tempestivo interposto de r. decisão (fl.176)
proferida em embargos à execução promovida com base na Lei nº
5.741/71, em processo perante o MM. Juízo da 2ª Vara Federal de
Maringá/PR. A insurgência é posta contra o não-recebimento dos
embargos no efeito suspensivo, por não implementados os requisitos do
artigo 5º daquele diploma legal.
Os recorrentes alegam a insustentabilidade do r. decisum, pois está a
ferir o princípio do devido processo legal, da inafastabilidade do Poder
Judiciário, bem como do contraditório e da ampla defesa. (CF, art. 5º,
XXXV, LIV e LV)
Em exame preambular, foi indeferido o pleiteado efeito suspensivo.
(fl. 179)
Instada a parte ex adversa, apresentou resposta. (fls. 188 a193)
Foram prestadas as informações. (fl. 186)
É o relatório. Dispensada a revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: É verdade
que a Lei nº 5.741/71 prevê, de maneira específica, as hipóteses em que
267
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
os embargos à execução de que cuida submetem-se a processamento
com efeito suspensivo, abstraindo as demais causas de suspensão
contempladas pelo Código de Processo Civil (art. 5º, I e II, e parágrafo
único). Esse comando, porém, comporta tempero. É o que impende
afirmar, sob melhor exame.
Com efeito.
Especialmente, a partir da Carta Política de 1988, o Direito pátrio
direciona-se ao máximo resguardo dos direitos do indivíduo em sua
estrita pessoalidade. De aí que se erige ao status de garantia individual
pétrea o due process of law, imanente a assecuração, aos litigantes em
processo judicial ou administrativo, do contraditório e da ampla defesa,
com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV). E isso assim é ao
estofo da utilidade efetiva, expressão no sentido teleológico último do
preceito fundamental.
Portanto, ainda que a Lei apenas permita a alienação do imóvel gravado
ao depois da rejeição dos embargos (art. 6º, caput), isso não é suficiente
para a preservação do direito argüido pelo mutuário/devedor. Não o é
porque a mesma Lei lança contra esse mutuário a ordem de desocupação
expedita do imóvel (art. 4º), excepcionável apenas em face da purgação
da mora, com consectários processuais, ou do depósito do inteiro saldo
devedor do financiamento (configurações que consubstanciam a condição
ao próprio recebimento dos embargos com efeito suspensivo – art. 5º,
I e II) – exatos temas centrais da oponibilidade à execução –, apesar de
no imóvel mesmo residir a garantia real do débito.
Assim, é forte concluir que o império da Lei nº 5.741/71, conquanto
especial, não se coaduna com a orientação do Direito atual. Encontra-se
em dessintonia com a ordem vigente, de aí impondo-se adequá-la a essa,
submetendo-a aos preceitos gerais – relevo dado àquele (“os embargos
serão sempre recebidos com efeito suspensivo” – CPC, art. 740, § 1º)
introduzido pela reforma de 1994 –, ademais porque, de toda sorte, lhe
são de aplicação subsidiária (art. 10), o que cabe ao Julgador aplicar
com fincas no poder geral de cautela que detém. No sentido, é bastante
expressiva a posição firmada pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça,
por sua douta 2ª Turma, como se lê, in verbis:
“PROCESSO CIVIL. AÇÃO CAUTELAR. SISTEMA FINANCEIRO DE
HABITAÇÃO. Se o título executivo extrajudicial autoriza a imediata imissão na posse
268
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
do imóvel hipotecado, independente de qualquer discussão sobre a exigibilidade do
crédito nele referido (hipótese prevista pelo artigo 4 º, § 2º, da Lei nº 5.471, de 1971), o
juiz pode, sem exorbitar dos limites próprios do poder geral de cautela, deferir medida
liminar impedindo o ajuizamento da execução enquanto indigitado crédito é discutido
na ação principal.” (STJ, 2ª T, AgRg 00135415/PR, Relator Ministro Ari Pargendler,
DJU II , j. 19.05.97)
Ante o exposto, dou provimento ao recurso.
É como voto.
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2000.04.01.104919-4/PR
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde
Agravante: Caixa Econômica Federal - CEF
Advogados: Drs. Rogério Ampessan Coser Bacchi e outros
Agravada: Salete Monteiro
Advogado: Dr. Emerson Luiz Bachmann
EMENTA
Processual Civil. Agravo de instrumento. Execução extrajudicial (DL
nº 70/66). Suspensão ou óbice à instauração.
Suspende-se cautelarmente a execução extrajudicial embasada no
Decreto-Lei nº 70/66, ou obsta-se a sua instauração, conquanto não se lhe
negue a constitucionalidade, quando o mutuário do SFH promove medida
judicial ao propósito da revisão dos reajustes contratuais de valores,
para o atendimento eficaz a garantia fundamental (CF, art. 5º, XXXV),
eis que naquele procedimento não é dado ao devedor promover a defesa
de direito que entender sustentar, senão, apenas, proceder à purgação da
mora ou quitar o débito pelos valores reclamados.
ACÓRDÃO
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
269
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria,
vencido o Desembargador Federal Valdemar Capeletti, negar provimento
ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, voto e notas
taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de outubro de 2001.
Des. Federal Amaury Chaves de Athayde, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: Trata-se de
agravo de instrumento tempestivo interposto de r. decisão (fls. 88/89)
exarada em ação cautelar incidental que tramita perante o MM. Juízo
da 1ª Vara Federal de Curitiba/PR. A irresignação é lançada contra o
deferimento de liminar no sentido de suspender o praceamento do bem,
até julgamento final da ação.
Sustenta, a agravante, a possibilidade da determinada atuação, eis que
a execução extrajudicial prevista no Decreto-Lei 70/66 é constitucional,
sendo que o contraditório se dá a posteriori.
O recurso foi processado sem efeito suspensivo. (fl. 105)
Foram prestadas as informações. (fl.113)
Instada, a parte ex adversa não apresentou resposta. (fl. 114)
É o relatório. Dispensada a revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: Não merece
acolhida a pretensão da agravante em reformar a decisão a quo, no
sentido de liberar o praceamento do bem, ato que entende legítimo, já
que o Decreto-Lei nº 70/66 prevê execução extrajudicial específica e
constitucional.
Isso posto, embora pacificada a constitucionalidade da execução
extrajudicial nos termos do Decreto-Lei nº 70/66, o seu regramento
não prevê, em primeira fase, a intervenção do mutuário em sua pessoal
defesa senão, apenas, o seu comparecimento para proceder à purgação
do débito. E mesmo em fase posterior, efetivada a alienação do imóvel
(fato consumado), ainda assim não é prevista a intervenção do mutuário,
salvo em pólo passivo de relação processual que se instaurar por iniciativa
270
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
do arrematante ao propósito da imissão da posse no imóvel. Logo,
a garantia fundamental ínsita do artigo 5º, inciso XXXV (“a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”),
não é suprida na espécie, não com aptidão para impedir a alienação do
domínio que se consuma com a transcrição do título. Não sendo causa de
inconstitucionalidade, impende, porém, proceder à integração do direito,
na linha a qual o faz a moderna jurisprudência desta Corte, bastante os
rr. julgados.
“EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL (DL 70/66) — PENDÊNCIA DE AÇÕES EM
QUE O MUTUÁRIO DISCUTE O CONTRATO — SUSPENSÃO CAUTELAR —
CABIMENTO — SENTENÇA MANTIDA.
... 2. Pendente a ação direta, não é lícito ao agente financeiro promover
aquela execução, sendo cabível sua suspensão pela via da ação cautelar.” (AC nº
1998.04.01.027789-7/RS, 4ª Turma, Rel. Juiz Antônio Albino Ramos de Oliveira,
DJU-II 19.07.2000.)
“SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL.
DECRETO-LEI Nº 70/66. SUSPENSÃO DE ATOS DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL.
Na execução extrajudicial o ajuizamento da ação consignatória ou revisional do
valor da dívida, transfere a discussão para o âmbito do poder judiciário. Enquanto
são discutidos critérios de reajuste, juros e outros componentes do débito a execução
extrajudicial é obstada, porque a lide se instalou e o órgão competente para dirimi-la é
o Judiciário.”. (AG nº 1999.04.01.031985-9/PR, 3ª Turma, Rel. Juíza Maria de Fátima
Freitas Labarrère, DJU-II 19.04.2000)
Não fora o suficiente, ao norte da igual conclusão há motivação outra,
de ordem processual. Confiro.
Cuidasse-se de execução em sede judicial, naturalmente, a defesa do
devedor, em via de embargos, estaria a sustar o próprio curso daquele
processo. Os embargos, ausentes de autonomia, dependem da execução,
sendo imanente, indissociável, a conexão entre ambos os processos.
Em relação à execução extrajudicial, não contemplada a defesa do
devedor, a defesa que esse tiver – cujo exercício lhe é insonegável –,
certamente, há de ser deduzida em ação judicial própria. Nessa equação,
inexistente fundamento para erigir-se a execução extrajudicial à dignidade
da intangibilidade, não valendo ela mais do que a própria execução
judicial, a fortiori, para resolver-se a conexão, ela, objetivamente, há de
paralisar, se instaurada; se não instaurada, a precedência da ação judicial
obstará a sua mesma instauração.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
271
Destarte, não merece qualquer reparo a r. decisão objurgada, que está
assentada na linha desse posicionamento.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.
É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.139082-7/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon
Apelante: Agropecuária Posto Branco Ltda.
Advogados: Drs. Carlos Alberto Mascarenhas Schild e outros
Apelada: União Federal (Fazenda Nacional)
Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin
EMENTA
Processual Civil. Complementação das custas iniciais. Cancelamento
da distribuição. Art. 257. Inaplicabilidade. Abandono da causa. Art. 267,
III, do CPC. Intimação pessoal. Art. 267, § 1º, do CPC.
1. A medida de cancelamento da distribuição, prevista no art. 257 do
CPC, tem aplicação apenas ao caso de inexistência de preparo das custas
iniciais, o que, a toda evidência, não se equipara à insuficiência das custas
recolhidas.
2. Configura abandono da causa (art. 267, III, do CPC) o nãoatendimento de comando para complementação das custas iniciais,
imposta pela emenda da inicial, que redefiniu o valor dado à causa.
3. A extinção do processo por abandono da causa, reza o art. 267,
§ 1º, do CPC, deve ser precedida de intimação pessoal da parte-autora
para suprimento da falta.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
272
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do relatório, voto
e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Porto Alegre, 8 de agosto de 2002.
Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Trata-se de
recurso de apelação em face de sentença que extinguiu os embargos à
execução com amparo no art. 257 do CPC, porquanto a parte-autora não
atendeu à determinação para recolhimento de custas complementares.
Alude a recorrente que o cancelamento da distribuição, como descreve
o art. 257 do CPC, não tem aplicação na hipótese, porquanto foram pagas
custas segundo o valor atribuído à causa. Por outro lado, registra que o
cancelamento da distribuição nos moldes do art. 257 do CPC depende
da intimação da parte, na forma do art. 267, § 1º, do CPC.
Mantida a decisão pelo i. Julgador a quo, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Regularmente
distribuídos os embargos à execução, inclusive com recolhimento das
custas processuais iniciais (fl. 08 e verso), o Julgador a quo determinou
fosse emendada a inicial para adequação do valor da causa, o qual deveria
corresponder ao da execução, e não ao de alçada. (fl. 09)
Atendendo à determinação judicial, a embargante atribuiu à causa o
valor de R$ 75.057,72, requerendo fosse apurada a diferença de custas.
(fl. 11)
Confeccionado o cálculo das custas complementares (fl. 13), a
embargada foi intimada, via imprensa oficial, para o respectivo pagamento
(fl. 14). Na inércia da embargante, o processo foi extinto com espeque no
art. 257 do CPC.
Com razão a recorrente.
A distribuição será cancelada, está consignado no art. 257 do CPC,
quando, no prazo de 30 dias, o feito não for preparado no cartório em que
deu entrada. A previsão abstrata, observe-se, diz apenas com a ausência
273
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
de preparo da ação, o que não se confunde com preparo deficiente,
caracterizado pelo recolhimento de custas a menor do que o devido. Sua
zona de incidência está limitada à situação em que a parte-autora procede
à distribuição da demanda sem o depósito inicial de custas, nem invoca
benefício isentivo que lhe autorizasse tal proceder.
A regra processual em comento, desta forma, não tem aplicabilidade
à hipótese em que se delibera seja completado o preparo, como in casu.
Diz melhor a jurisprudência:
“Processo Civil. Recurso Especial. Custas Complementares. Recolhimento.
Prequestionamento.
Tratando-se de custas complementares, em decorrência de incidente de impugnação
ao valor da causa, não tem aplicação a norma do art. 257 do CPC, diz com cancelamento
de distribuição.
Falta de prequestionamento patenteada quanto aos arts. 249, § 1º, e 264 CPC, 63 da
Lei 4.591/63, eis que o acórdão não tratou das questões sobre versam tais dispositivos.
Não é dado divisar ofensa a um dispositivo em razão de sua aplicação analógica.
Dissídio não caracterizado.
Recurso Especial não conhecido.” (REsp nº 156246/SP – 3ª Turma – Relator Ministro
Costa Leite, DJ em 01.03.99)
“PROCESSUAL CIVIL. COMPLEMENTAÇÃO DE CUSTAS DECORRENTE DE
MODIFICAÇÃO DO VALOR DA CAUSA. CANCELAMENTO DA DISTRIBUIÇÃO.
EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. ARTS. 257 E
267, IV, DO CPC. O art. 257 do CPC diz respeito à CUSTAS iniciais, e não com
as CUSTAS complementares decorrentes de modificação do valor da causa, sendo
descabido o cancelamento da distribuição por falta de complementarão das CUSTAS
iniciais. Apelação provida. Sentença anulada.” (AC nº 1999.04.01.077445-9/SC – 3ª
Turma – Relatora Desembargadora Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, DJ
em 19.04.2000)
A omissão da parte-autora, contudo, não pode ser tolerada, mantendose indefinidamente em aberto o atendimento da determinação judicial. A
solução, tenho eu, encontra-se na diretriz consignada no art. 267, III, do
CPC, ou seja, extinção do processo sem julgamento do mérito, porquanto
verificado o abandono da causa por mais de 30 dias, concretizado na nãopromoção de atos e diligência que incumbiam à parte. Porém, a adoção
de tal medida tem como pressuposto legal a intimação pessoal do autor
para que, no prazo de 48 horas, promova o suprimento da falta. (art.
267, § 1º, do CPC)
No caso concreto, a intimação para complementação das custas
274
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
processuais iniciais foi perfectibilizada na pessoa do patrono da causa, o
que não atende ao requisito legal, servindo de empecilho para aplicação
tout court do comando legal de extinção do processo sem julgamento
do mérito. (art. 267, III, do CPC)
De ser reformada, pois, a decisão que extinguiu os embargos à execução
sem prévia intimação pessoal da parte-autora para que complementasse
as custas iniciais, como delineado no art. 267, § 1º, do CPC.
Pelo exposto, dou provimento ao recurso.
APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Nº 2000.71.00.033105-7/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares
Apelante: Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho
da 4ª Região - AMATRA
Advogados: Drs. Yara Beatriz Cruz de Oliveira e outros
Apelada: União Federal (Fazenda Nacional)
Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin
Remetente: Juízo Substituto da 11ª Vara Federal de Porto Alegre/RS
EMENTA
Processo Civil. Mandado de segurança coletivo. Legitimidade.
Associação. Vínculo entre o interesse dos associados deduzido em juízo
e os fins próprios da entidade. Desnecessidade.
1. O cerne da discussão, no presente recurso, é se a legitimidade da
impetrante, no mandamus coletivo, decorre do fato de a relação material
controvertida (direitos individuais dos substituídos) guardar vínculo
com os fins próprios da entidade, ou advém tão-somente da reunião,
no quadro social, de diversos titulares de interesses juridicamente
protegidos, lesados ou ameaçados de lesão, sem atentar às peculiaridades
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
da coletividade. 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do
Recurso Extraordinário nº 181.438-1/SP (DJU 04.10.96), assentou
que “o objeto do mandado de segurança coletivo será um direito dos
associados, independentemente de guardar vínculo com os fins próprios
da entidade impetrante do writ, exigindo-se, entretanto, que o direito
esteja compreendido na titularidade dos associados e que exista ele em
razão das atividades exercidas pelos associados, mas não se exigindo
que o direito seja peculiar, próprio da classe”. 3. Assim, tendo em
conta que o pedido veiculado na exordial é o reconhecimento do direito
de seus associados terem o Imposto de Renda retido na fonte calculado
com base em tabela reajustada pela UFIR de 01.01.2000 e, em relação
aos exercícios financeiros seguintes, com os valores calculados com base
na UFIR dos respectivos exercícios, transparece a legitimidade ativa da
Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região para a
presente demanda. Precedente desta Corte.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, voto
e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Porto Alegre, 7 de maio de 2002.
Des. Federal Dirceu de Almeida Soares, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares: Tratase de mandado de segurança coletivo interposto pela Associação
dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região visando ao
reconhecimento do direito de seus associados terem o Imposto de Renda
retido na fonte calculado com base em tabela reajustada pela UFIR de
01.01.2000 e, em relação aos exercícios financeiros seguintes, com os
valores calculados com base na UFIR dos respectivos exercícios.
Deferida a liminar. (fls. 91-93)
Processado o feito, adveio sentença extintiva do processo sem
julgamento do mérito, diante da ilegitimidade ativa da impetrante. Aduziu
a MM. Juíza a quo que a inclusão das associações no pólo ativo do
276
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
mandamus coletivo limita-se à defesa dos direitos e interesses coletivos
ou individuais dos associados enquanto grupo.
Apelou a impetrante, postulando a reforma do decisum.
Com contra-razões, vieram os autos a este Tribunal.
O Ministério Público opinou pelo provimento da apelação,
determinando-se, em conseqüência, a baixa dos autos para a análise do
mérito.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares: O mandado de
segurança coletivo albergado no art. 5º, LXX, da Constituição Federal
é instrumento processual apto a veicular a defesa de direitos individuais
de forma coletiva, oferecendo, quando impetrado pelas pessoas jurídicas
elencadas na alínea b, a adequada tutela das posições jurídicas ostentadas
pelos trabalhadores, associados ou membros de entidades de classe.
Conforme aduziu o eminente Desembargador Federal Teori Albino
Zavascki, atual presidente desta Corte, no artigo intitulado “Defesa dos
Direitos Coletivos e Defesa Coletiva de Direitos” (Revista de Informação
Legislativa nº 127/83),
“em verdade, para a proteção de direitos coletivos ou mesmo difusos, desde que líquidos
e certos, contra ato ou omissão de autoridade, não se fazia necessário modificar o perfil
constitucional do mandado de segurança. Muito antes da Constituição de 1988, que
criou o mandado de segurança coletivo, a jurisprudência já admitia, por exemplo, que
sindicatos ou a Ordem dos Advogados do Brasil impetrassem mandado segurança
– individual – para defender interesses gerais da classe, vale dizer, típicos direitos
coletivos, pois que transindividuais, indivisíveis, pertencentes a um grupo determinado
de pessoas. (...) Assim, a única novidade introduzida pelo constituinte de 1988 foi a de
autorizar que o mandado de segurança possa ser utilizado por certas entidades para,
na condição de substitutas processuais, buscarem tutela de um conjunto de direitos
subjetivos de terceiros. O que há de novo, destarte, é apenas uma forma de defesa
coletiva de direitos individuais, e não uma forma de defesa de direitos coletivos. (...)”.
A legitimidade para a impetração do mandamus está prevista no
dispositivo constitucional referido, que inseriu como possíveis condutores
do processo os seguintes entes:
“a) partido político com representação no Congresso Nacional;
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída
e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
277
ou associados;”
A atuação dos mesmos ocorre na condição de substitutos processuais
dos titulares dos direitos deduzidos em juízo, razão pela qual é desnecessária
a autorização dos substituídos. Nessa espécie de legitimação extraordinária,
postula-se, em nome próprio, direito alheio, cindindo-se, em caráter
excepcional (art. 6º do CPC), a conexão entre a parte legítima à defesa
do interesse em juízo e aquela presente na relação jurídica substancial.
Diversa é a hipótese prevista no art. 5º, XXI, também do Texto Maior, o
qual prescreve que
“as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para
representar seus filiados judicial e extrajudicialmente”,
pois a exigência constitucional de anuência dos titulares do objeto
litigioso acarreta a constatação de se estar diante de mera representação.
A decisão monocrática extinguiu o feito sem julgamento do mérito
diante da ilegitimidade da impetrante para ajuizar a presente demanda.
Transcrevo excerto da fundamentação sentencial:
“É certo que as organizações sindicais, entidades ou associações legalmente
constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano, têm legitimidade para,
em defesa dos interesses de seus membros ou associados, manejar, como substituto
processual dos seus associados, mandado de segurança coletivo, nos termos do art. 5º,
LXX, b, da Carta Política.
Todavia, tal legitimidade limita-se à defesa dos ‘direitos e interesses coletivos ou
individuais dos associados enquanto grupo. Tanto é assim que o citado artigo inclui entre
os legitimados para a impetração do mandado coletivo também os sindicatos, sendo que
o art. 8º, III, da Constituição Federal ressalva que a defesa que autoriza dirige-se aos
direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria. A outorga constitucional, por
óbvio, não seria diferente em relação às associações.” (fls. 156/157)
Infere-se daí que o cerne da discussão é se a legitimidade da
impetrante, no mandamus coletivo, decorre do fato de a relação material
controvertida (direitos individuais dos substituídos) guardar vínculo
com os fins próprios da entidade, ou advém tão-somente da reunião,
no quadro social, de diversos titulares de interesses juridicamente
protegidos, lesados ou ameaçados de lesão, sem atentar às peculiaridades
da coletividade.
Ocorre que há leading case do Supremo Tribunal Federal (Recurso
Extraordinário nº 181.438-1/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 04.10.96)
278
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
em que a Corte assentou que:
“o objeto do mandado de segurança coletivo será um direito dos associados,
independentemente de guardar vínculo com os fins próprios da entidade impetrante
do writ, exigindo-se, entretanto, que o direito esteja compreendido na titularidade dos
associados e que exista ele em razão das atividades exercidas pelos associados, mas
não se exigindo que o direito seja peculiar, próprio da classe”.
No voto condutor, da lavra do ilustre Ministro Carlos Velloso, expôsse com clareza a questão:
“No caso, o objeto da segurança é a contribuição do PIS. A pretensão de não pagar
o PIS, tal como é cobrado, é de todos os associados da impetrante. Mas essa pretensão,
ou o PIS, não guarda vínculo com os fins próprios da entidade. E foi por isso que o
acórdão recorrido deu pela ilegitimidade do sindicato impetrante.
O que sustentamos é que o objeto a ser protegido pelo mandado de segurança
coletivo será um interesse ou um direito subjetivo dos associados, independentemente
de guardar esse interesse ou direito um certo vínculo com os fins próprios da entidade.
Esse entendimento eu o sustentei em trabalho que escrevi a respeito do tema, logo que
promulgada a Constituição de 1988 – ‘Mandado de Segurança, Mandado de Injunção
e Institutos Afins na Constituição’, em Temas de Direito Público, Del Rey Ed., 1994,
págs. 165-166.
Escrevi:
‘O que pensamos é que o constituinte quis, como registrou José Carlos Barbosa
Moreira, que se julgasse ‘num único processo o conjunto de todos os litígios entre
os integrantes de determinado grupo ou categoria e o Poder Público’, evitando-se
a pluralidade de processos que têm por objeto a mesma pretensão e ajuizados por
iniciativa de diversos indivíduos, pleitos, que, tramitando separadamente, correm o
risco de serem decididos de modo conflitante. Com o mandado de segurança coletivo,
‘tudo ficará simplificado’, pois, ‘em vez de dezenas ou centenas de processos’, apenas
um se realizará, ‘movido pela entidade coletiva, com resultados extensivos a toda
categoria interessada.’
Acrescentei que a interpretação restritiva, de outro lado, não presta obséquio à
garantia constitucional, cujo raio de ação deve ser alegado na defesa de direitos e
interesses. A interpretação restritiva, ademais, contraria a disposição inscrita no art.
8º, III, da Constituição.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
279
J. J. Calmon de Passos, registrei no trabalho indicado, opina no sentido de que
‘os direitos que podem ser objeto do mandado de segurança coletivo são os mesmos
direitos que comportam defesa pelo mandado de segurança individual. Aqui, ao invés
de se exigir que cada sujeito, sozinho ou litisconsorciado, atue em Juízo na defesa de
seu direito (individual), a Carta Magna proporcionou a solução inteligente e prática
de permitir que a entidade que os aglutina, mediante um só writ, obtenha a tutela do
direito de todos’. (J. J. Calmon de Passos, Mandado de Segurança Coletivo, Mandado
de Injunção, Habeas Data – Constituição e Processo, Forense, Rio, 1989, p. 22)
O que deve ser salientado é que o objeto do mandado de segurança coletivo poderá
ser um direito dos associados, independentemente de guardar vínculo com fins próprios
da entidade. O que se exige é que esse direito esteja compreendido na titularidade dos
associados e que exista ele em razão das atividades exercidas pelos associados, não
se exigindo, todavia, que esse direito ou interesse seja peculiar, próprio, da classe, ou
exclusivo da classe ou categoria representada pela entidade sindical ou de classe”.
O aresto restou assim ementado:
“CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA
COLETIVO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. AUTORIZAÇÃO EXPRESSA.
OBJETO A SER PROTEGIDO PELA SEGURANÇA COLETIVA. CF, ART. 5º,
LXX, b.
I – A legitimação das organizações sindicais, entidades de classe ou associações para
a segurança coletiva, é extraordinária, ocorrendo, em tal caso, substituição processual,
CF, art. 5º, LXX.
II – Não se exige, tratando-se de segurança coletiva, a autorização expressa aludida
no inciso XXI do art. 5º da Constituição, que contempla hipótese de representação.
III – O objeto do mandado de segurança coletivo será um direito dos associados,
independentemente de guardar vínculo com os fins próprios da entidade impetrante
do writ, exigindo-se, entretanto, que o direito esteja compreendido na titularidade dos
associados e que exista ele em razão das atividades exercidas pelos associados, mas
não se exigindo que o direito seja peculiar, próprio da classe.
IV – RE conhecido e provido.”
Assim, tendo em conta que o pedido veiculado na exordial é o
reconhecimento do direito de seus associados terem o Imposto de Renda
retido na fonte calculado com base em tabela reajustada pela UFIR
de 01.01.2000 e, em relação aos exercícios financeiros seguintes, com
os valores calculados com base na UFIR dos respectivos exercícios,
transparece a legitimidade ativa da Associação dos Magistrados da Justiça
do Trabalho da 4ª Região para a presente demanda.
Na mesma linha, o seguinte julgado desta Turma:
“MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO – DIREITO SUBJETIVO
INDIVIDUAL DOS MEMBROS – ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL –
280
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ILEGITIMIDADE ATIVA – INOCORRÊNCIA – RECURSO PROVIDO.
1. A Ordem dos Advogados do Brasil possui legitimidade para impetrar mandado
de segurança coletivo, mesmo que a pretensão veiculada no writ não esteja vinculada
aos objetivos institucionais da entidade. Precedentes.
2. Apelação provida.” (AMS nº 1999.04.01.009964-1, Rel. Juiz Federal João Pedro
Gebran Neto, 19.07.2000)
Em face do exposto, dou provimento à apelação, a fim de determinar
o retorno dos autos à Vara de origem para que seja julgado o mérito,
nos termos da fundamentação supra.
AGRAVO EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.71.04.007783-8/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores
Lenz
Apelantes: Altair Rodrigues da Silva e outros
Advogados: Drs. Luiz Rottenfusser e outro
Apelante: Caixa Econômica Federal - CEF
Advogados: Drs. Lucio Andre Paiva e outros
Apelados: (Os mesmos)
EMENTA
Processo Civil. Direito intertemporal. Condenação em honorários
advocatícios nas ações relativas ao FGTS. Direito adquirido processual.
Art. 29-C da MP n.º 2.164-40/2001. Inteligência.
O disposto no art. 29-C da MP nº 2.164-40, publicada no D.O.U. de
27.07.2001, somente incidirá nas ações ajuizadas a partir de 27.07.2001,
sob pena de violação ao art. 5º, XXXVI, da CF/88.
Agravo a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
281
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, negar provimento ao agravo, nos termos do relatório, voto
e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Porto Alegre, 26 de fevereiro de 2002.
Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz:
Trata-se de agravo onde a CEF insurge-se contra decisão que, com fulcro
no art. 557, caput e § 1º-A, do CPC, o Relator julgou monocraticamente
a apelação interposta pela agravante, condenando-a no pagamento de
honorários advocatícios, em violação ao art. 29-C da MP nº 2.164-40,
publicada no D.O.U. de 27.07.2001, que, ao alterar a Lei nº 8.036/90,
não deixa dúvidas acerca do descabimento da condenação em honorários
advocatícios nas ações relativas ao FGTS.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz:
Conheço do agravo, negando-lhe provimento.
Improcede a irresignação da CEF.
Com efeito, como sabido, a lei nova não pode atingir situações
processuais já consolidadas sob o império da norma anterior, sob pena
de violar os respectivos direitos processuais adquiridos.
Nesse sentido, o magistério autorizado de Galeno Lacerda in O Novo
Direito Processual Civil e os Feitos Pendentes, Forense, Rio, pp. 12/3,
verbis:
“Ensina o clássico ROUBIER, em sua magnífica obra Les Conflits de Lois dans le
Temps (I/371), que a base fundamental do direito transitório reside na distinção entre
efeito retroativo e efeito imediato da lei. Se ela atinge facta praeterita é retroativa;
se facta pendentia, será necessário distinguir entre situações anteriores à mudança da
legislação, que não podem ser atingidas sem retroatividade, e situações posteriores,
para as quais a lei nova, se aplicável, terá efeito imediato.
Como o processo compreende uma seqüência complexa de atos que se projetam
no tempo, preordenados para um fim, que é a sentença, deve ele ser considerado, em
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
termos de direito transitório, como um fato jurídico complexo e pendente, sobre o qual
a normatividade inovadora há de incidir.
A aplicação imediata será sempre a regra de direito comum (ROUBIER, I/558). A
retroatividade, ao contrário, não se presume; decorre de disposição legislativa expressa,
exceto no Direito Penal, onde constitui princípio a retroação da lei mais benéfica.
Estudando a aplicação da lei nova aos fatos pendentes, distingue ROUBIER na
situação jurídica três momentos: o da constituição, o dos efeitos e o da extinção. O
primeiro e o último representam a dinâmica, o segundo a estática da situação.
Quando a constituição (ou extinção) da situação jurídica se operou pela lei antiga, a
ela será estranha a lei nova, salvo disposição retroativa, se permitida pelo sistema jurídico.
Quando a constituição estiver pendente, a regra será a aplicação imediata, respeitado
o período de vigência da lei anterior.
Quanto aos efeitos da situação jurídica constituída, a norma é que a lei nova não
pode, sem retroatividade, atingir os já produzidos sob a lei anterior.
O processo não se esgota na simples e esquemática relação jurídica angular, ou
triangular, entre partes e juiz, este como autoridade representativa do Estado. Razão
inteira assiste a CARNELUTTI quando considera o processo um feixe de relações
jurídicas, onde se vinculam não só esses sujeitos principais, senão que também
todas aquelas pessoas - terceiros intervenientes, representante do Ministério Público,
servidores da Justiça, testemunhas, peritos - que concorrem com sua atividade para a
obra comum da Justiça em concreto, todas elas, concomitantemente, sujeitos de direitos
e deveres, em razão dessa mesma obra. Nem é por outro motivo que forte corrente,
liderada por processualistas do tomo de GUASP e COUTURE, considera o processo
uma instituição, isto é, um relacionamento jurídico complexo, polarizado por um fim
comum.
Isto significa que podemos e devemos considerar a existência de direitos adquiridos
processuais, oriundos dos próprios atos ou fatos jurídicos processuais, que emergem, em
cada processo, do dinamismo desse relacionamento jurídico complexo. Aliás, o novo
Código é expresso, no art. 158, no reconhecimento desses direitos. Existem direitos
adquiridos à defesa, à prova, ao recurso, como existem direitos adquiridos ao estado,
à posse, ao domínio. Acontece que os direitos subjetivos processuais se configuram
no âmbito do direito público e, por isto, sofrem o condicionamento resultante do grau
de indisponibilidade dos valores sobre os quais incidem.
Em regra, porém, cumpre afirmar que a lei nova não pode atingir situações
processuais já constituídas ou extintas sob o império da lei antiga, isto é, não pode ferir
os respectivos direitos processuais adquiridos. O princípio constitucional de amparo
a esses direitos possui, aqui, também, plena e integral vigência.”
Nesse sentido, ainda, é a lição do Direito norte-americano, recolhida
no Corpus Juris Secundum (“A Complete Restatement Of The Entire
American Law”), The American Law Book CO., Brooklyn, N.Y., 1956,
v. 16, p. 127, verbis:
“Particular constitutional provisions changing rights or action from one class of
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
283
persons to another, removing statutory limitations as to amounts to be recovered,
changing the right to a special fund or the rate of interest recoverable, changing rules
of procedure, abrogating the jurisdiction of a court, creating or abrogating rights of
appeal, changing the procedure for removals from office, or otherwise changing the
form of procedure have been held not to affect the rights of parties to proceedings
pending at the time such provisions take effect...”.
Ora, quando entrou em vigor a MP nº 2.164-40, de 27.07.2001, a
sentença de há muito já havia sido proferida e, na ocasião, não vigorava
o referido estatuto legal.
A limitação instituída pela MP nº 2.164-40 somente incidirá nas
ações ajuizadas a partir de 27.07.2001, sob pena de violação ao art. 5º,
XXXVI, da CF/88.
Por esses motivos, conheço do agravo, negando-lhe provimento.
É o meu voto.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 2001.04.01.019085-9/RS
Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria
Suscitante: Juízo Federal da 3ª Vara das Execuções Fiscais
de Porto Alegre/RS
Suscitado: Juízo Federal da 1ª Vara Federal de Pelotas/RS
Parte-autora: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Parte-ré: Frigorífico Extremo Sul S/A
Advogado: Dr. Edison Freitas de Siqueira
EMENTA
Conexão. Ação consignatória, ação ordinária e ação de execução
fiscal. Ausência de embargos à execução.
Descabe a conexão entre ação consignatória e execução fiscal que
não tenha sido objeto de embargos.
284
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a
Primeira Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria,
julgar procedente o conflito de competência, nos termos do relatório,
voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Porto Alegre, 7 de agosto de 2002.
Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Trata-se de
conflito de competência suscitado pelo MM. Juízo Federal da 3ª Vara
das Execuções Fiscais de Porto Alegre/RS, nos autos da execução fiscal
ajuizada pelo INSS contra Frigorífico Extremo Sul S/A.
A ação foi proposta, originariamente, perante o Juízo Federal da 1ª Vara
Federal de Pelotas/RS, onde, regularmente citada, a empresa executada
ofereceu exceção de incompetência, alegando que tramitavam na 3ª Vara
Federal Cível de Porto Alegre as ações declaratória, nº 990001096-5,
e consignatória, nº 990001097-3, as quais seriam conexas à execução
fiscal. Os autos foram remetidos para o Juízo Federal da 3ª Vara Federal
das Execuções Fiscais de Porto Alegre para o julgamento conjunto das
ações, evitando decisões conflitantes.
O MM. Juízo suscitado alegou que por se tratar de competência
absoluta em razão da matéria os autos deveriam ser devolvidos às Varas
Especializadas em execução fiscal.
O Ministério Público Federal opina, em parecer lançado às fls. 2324, pelo conhecimento do conflito para declarar a competência do juízo
suscitado.
É o relatório.
VOTO
A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Não obstante
a previsão do art. 105 do CPC, que deixa ao juiz certa margem de
discricionariedade para avaliar a conveniência da reunião dos processos,
entendo que as ações conexas devem ser processadas e julgadas no mesmo
juízo, haja vista ser a conexão de causas matéria de ordem pública,
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
285
conforme se depreende da análise do art. 301, § 4º, do referido diploma
legal, devendo ser conhecida de ofício pelo juiz. O objetivo da norma
acima referida é evitar decisões contraditórias, que possam ser gravosas
às partes ou até mesmo inviáveis na execução de seus julgados. Ademais,
verificada a identidade do objeto das ações e seus fundamentos fáticos e
jurídicos, além de conveniente e oportuno, o julgamento conjunto é uma
forma de respeito ao princípio da economia processual.
Nesse sentido:
“As ações conexas devem ser processadas e julgadas no mesmo juízo, considerados
os fatos e visando evitar decisões contraditórias”. (STJ – 1ª Turma Seção, CC1.227-ES,
rel. Min. Vicente Cernicchiaro, j.5.690, p.6.021col.,em)
“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA - MANDADO DE SEGURANÇA
- CONEXÃO - MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA - EXAME EX OFFICIO. 125
1 - A conexão é causa de modificação de competência, não um critério de fixação
de competência. Envolve, pois, matéria de ordem pública, examinável de ofício, nos
moldes da autorização legal contida no art. 301, § 4º.
2 - Embora não seja cogente a regra do art. 105 do CPC, uma vez, oportuna a reunião
dos processos conexos e havendo possibilidade de grave incidência de contradição dos
julgados deve o juiz reunir as ações, ligadas pelo objeto ou pela causa de pedir, para
julgamento conjunto.
3 - Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 18ª Vara
da Seção Judiciária de São Paulo.” (STJ – 1ª Turma, CC 25735-SP; rel. Min. Nanci
Andrighi; j. 07.04.00, p.114)
Entretanto, neste caso, não vejo como reconhecer a alegada conexão
entre as ações declaratória e consignatória e a ação de execução fiscal,
na medida em que o objeto da execução simplesmente é o pagamento do
débito cobrado, que, por revestir-se da presunção de liquidez e certeza,
não carece de dilação probatória para ser exigido. Não possuindo, assim,
a execução natureza de processo de conhecimento, impossível a conexão
deste com processo de natureza diversa. Apenas com o aforamento de
embargos de devedor, ação incidental, com natureza de processo de
conhecimento, ocorrerá a conexão de ações.
Aliás, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também segue
essa interpretação, como se vê in verbis:
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÕES DE EXECUÇÃO FISCAL E ANULATÓRIA DE
DÉBITO FISCAL. CONEXÃO. LITISPENDÊNCIA. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO.
ADMISSIBILIDADE. ARTS. 585, § 1º, E 791, DO CPC.
286
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
1. Há de ser reformada decisão que salientou a possibilidade de se admitir suspensão
do processo de execução fiscal apenas pelo fato de ter sido ajuizada ação anulatória
de débito fiscal.
2. A conexão, a configurar litispendência, com a ação de conhecimento (anulatória)
somente se dá quando o devedor oferece embargos à execução e oferece garantia
à execução, que também tem a natureza de processo de conhecimento, daí sua
inviabilidade em casos nos quais não foram opostos embargos.
3. ‘A jurisprudência tem reiteradamente entendido ser inadmissível a suspensão da
execução após a fase dos embargos que já lhe foram opostos.’ (REsp nº 36043/SP, 1ª
Turma, Rel. Min. DEMÓCRITO REINALDO, DJ de 04.10.93)
4. Conforme assinalado pela 4ª Turma, deste Tribunal, no Recurso Especial nº 8.859/
RS, da relatoria do insigne Ministro Athos Carneiro: ‘Opostos e recebidos embargos
do devedor, e assim suspenso o processo da execução - CPC , art. 791, I - poder-se-á
cogitar da relação de conexão entre a ação de conhecimento e a incidental ao processo
executório, com a reunião dos processos de ambas as ações’.
5. Recurso provido.”. (Recurso Especial-2000/0123778 - DJ: 02.04.2001- p. 262,
Relator - Min. José Delgado)
A jurisprudência desta Corte é clara no sentido de conhecer a conexão
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
287
Branca
DIREITO TRIBUTÁRIO
Branca
290
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1999.04.01.047507-9/SC
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida
Agravante: Município de Otacilio Costa
Advogado: Dr. Ramon da Silva
Agravado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogada: Dra. Marcia Pinheiro Amantea
EMENTA
Tributário. Crédito constituído contra a Fazenda Pública municipal.
Ação anulatória. Suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Rito
do art. 730 do CPC. Art. 100 da CF/88. Certidão positiva com efeito de
negativa. Não-inscrição no CADIN.
1. A execução dirigida contra a Fazenda Pública sujeita-se ao rito
previsto no artigo 730 do CPC (Súmula nº 58 deste Tribunal) o qual
não compreende a penhora de bens, considerando o princípio da
impenhorabilidade dos bens públicos, bem como a solvabilidade de que
gozam as unidades políticas.
2. A Fazenda Pública pode propor ação anulatória sem o prévio
depósito do valor do débito discutido e, no caso de ser executada, interpor
embargos sem a necessidade de garantia do juízo. Ajuizados os embargos
ou a anulatória, está o crédito tributário com a sua exigibilidade suspensa.
3. Suspensa a exigibilidade do crédito tributário, assiste ao Município
o direito de obter a certidão positiva com efeito de negativa e de não
ter sua dívida inscrita no CADIN, segundo a previsão do art. 7º da MP
291
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
nº 1.490/96, com a redação dada pela MP nº 2.176/79, de 24.08.2001.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas,
decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento e julgar
prejudicado o agravo regimental, nos termos do relatório, voto e notas
taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 25 de abril de 2002.
Des. Federal Wellington Mendes de Almeida, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida: Cuida-se
de agravo de instrumento que investe contra decisão que indeferiu a
antecipação da tutela para que fosse suspensa a exigibilidade da NFLD
nº 32.637.379-9, bem como expedida certidão negativa de débito ou
certidão positiva com efeito de negativa, em razão do débito discutido
na ação anulatória, e não-incluído o Município no CADIN – Cadastro
de Inadimplentes ou qualquer outro cadastro restritivo de direito.
Aduz o Município que ajuizou ação anulatória de débito com o
objetivo de desconstituir lançamento tributário relativo às diferenças
de contribuições previdenciárias dos servidores públicos municipais,
visto que possui sistema próprio de previdência social, carecendo o
INSS de legitimidade para exigir contribuições pretéritas, por não
estar sendo onerado com o pagamento de benefícios. Assevera,
ainda, que é o INSS quem deve compensar financeiramente o
sistema previdenciário municipal, proporcionalmente ao período de
contribuição dos servidores que se aposentarem pelo Município.
Sustenta que a negativa de fornecimento da certidão prevista no art.
206 do CTN constitui forma coativa de exigir o débito, juridicamente
inválida, porque inviabiliza o convênio com o Fundo Nacional de
Assistência Social, que fornece recursos financeiros para o suprimento
alimentar de crianças carentes da rede pública municipal de ensino.
Alega que a decisão agravada ignora os princípios constitucionais
que asseguram a autonomia municipal e os dispositivos constitucionais
e infraconstitucionais que disciplinam a execução contra a Fazenda
Pública, contidos no art. 100 da Constituição e no art. 730 do CPC, sem
292
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
a necessidade de prévio depósito ou segurança do juízo.
Deferido o efeito suspensivo tão-somente para determinar que o
agravado expeça certidão positiva com efeito de negativa, foi interposto
agravo regimental.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida: A
execução dirigida contra a Fazenda Pública, seja Federal, Estadual ou
Municipal, sujeita-se ao rito previsto no artigo 730 do CPC (Súmula
nº 58 deste Tribunal) o qual não compreende a penhora de bens,
considerando o princípio da impenhorabilidade dos bens públicos, bem
como a solvabilidade de que gozam as respectivas unidades políticas.
Diversamente, prevê a citação do executado para opor embargos e, na
ausência destes, impõe o pagamento do valor devido segundo ordem de
apresentação do respectivo precatório, consoante sistemática prevista na
Constituição Federal. (artigo 100)
Entre os privilégios processuais concedidos à Fazenda Pública, estão
o de propor ação anulatória sem o prévio depósito do valor do débito
discutido e, no caso de ser executada, de interpor embargos sem a
necessidade de garantia do juízo.
Disso resulta que, ajuizados os embargos ou a anulatória, está o crédito
tributário com a sua exigibilidade suspensa, porquanto as garantias
que cercam o crédito devido pelo ente público são de ordem tal que
prescindem de atos assecuratórios da eficácia do provimento futuro.
Ressai evidente o direito que assiste ao Município de obter a certidão
de regularidade fiscal, ante a suspensão da exigibilidade do débito. A
regra do art. 206 do CTN há de ser interpretada em consonância com as
disposições processuais de que se serve. Isto é, autoriza-se a concessão da
certidão positiva com efeitos de negativa quando, em havendo execução
fiscal, tenha tido lugar a penhora de bens do executado. Mas se a lei
processual não prevê a penhora como parte do rito em face da natureza
jurídica daquele que está na posição de executado (art. 730 do CPC), não
há negar o direito à certidão positiva com efeito de negativa ao Município.
Saliento que a suspensão da exigibilidade do crédito tributário não
impede que o INSS efetive a inscrição do débito em dívida ativa; apenas
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
293
impossibilita que o credor realize qualquer ato tendente a compelir o devedor
a pagar a dívida.
A propósito, transcrevo o seguinte precedente:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITOS DE
NEGATIVA DE DÉBITOS. AUSÊNCIA DE GARANTIA. EXECUÇÃO FISCAL
CONTRA MUNICÍPIO. PRECATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE DE EFETIVAÇÃO
DA PENHORA. CERTIDÃO DEFERIDA.
1. A expedição de certidão positiva com efeitos de negativa, com relação aos débitos
já ajuizados, condiciona-se à efetivação da penhora, nos autos da execução, conforme
o disposto no art. 206 do CTN.
2. Entretanto, se a execução movida pelo INSS é dirigida contra um município, não
há como obstar-lhe o direito à certidão, face à inexistência de penhora, uma vez que
as pessoas jurídicas de direito público não se sujeitam a essa modalidade de garantia.
3. Agravo improvido.”. (TRF-4ª. AG 2000.04.01.058678-7. 1ª Turma. Unânime.
Relator Juiz José Germano da Silva. J. de 19.09.00. DJU de 18.10.00, p. 126)
No tocante à determinação para que o agravado não inscreva a
autora no CADIN, registro que o STF, nas ADIns 1.178-2 e 1.454-4/DF,
entendeu que a inclusão no cadastro, por si só, não restringe direitos e
não causa danos, porque o cadastro serve como fonte informativa, sendo
suspensos apenas os efeitos do art. 7º da MP nº 1.490/96, que estabelecia
restrições a empresas inscritas no CADIN para a prática de atos perante
o Poder Público.
Atualmente, o art. 7º da MP nº 1.490/96 foi modificado pela MP nº
2.176-79, de 24.08.2001, assegurando a suspensão do registro no CADIN
quando o devedor comprova o ajuizamento de ação com o objetivo de
discutir a obrigação ou o seu valor, desde que tenha oferecido garantia
idônea e suficiente ao Juízo, ou esteja suspensa a exigibilidade do crédito
objeto do registro, nos termos da lei. Uma vez que se apresenta suspensa
a exigibilidade do lançamento fiscal, merece prosperar a irresignação.
Presente, por fim, o fundado receio de dano irreparável ou de
difícil reparação, porque se o Município não apresentar a certidão de
regularidade fiscal, não lhe serão repassados os recursos financeiros
para o suprimento alimentar de crianças carentes da rede pública escolar.
Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento ao agravo de
instrumento, julgando prejudicado o agravo regimental.
294
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1999.04.01.119949-7/SC
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida
Agravante: Amanda Equipamentos Industriais Ltda.
Advogados: Drs. Juliano Fernandes de Oliveira e outros
Agravado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogado: Dr. Antonio Valter Hennemann Pacheco
Interessados: Miraglia Prestadora de Serviços Ltda. e outros
Advogados: Drs. Cesar Tadeu de Menezes e outros
EMENTA
Tributário. Responsabilidade solidária. Redirecionamento da
execução contra o devedor solidário. Existência de lançamento somente
contra um devedor. Necessidade de constituição de crédito contra o
devedor solidário.
1. O contrato de terceirização de serviços não ilide a responsabilidade
solidária da empresa contratante, tomadora dos serviços, com fulcro no
art. 31 da Lei nº 8.212/91.
2. Embora os devedores solidários se encontrem na mesma situação
jurídica, na condição de sujeitos passivos da obrigação tributária, para que
a execução seja redirecionada contra a empresa tomadora, contratante, é
necessário que haja crédito formalmente constituído mediante lançamento
contra a mesma, visto que na certidão de dívida ativa consta somente a
empresa prestadora, contratada.
3. Não obstante a responsabilidade solidária decorra de expressa
disposição legal, o lançamento é condição para que o sujeito ativo
pratique atos no sentido de cobrar seu crédito.
4. A interrupção da prescrição em favor ou contra um dos devedores
solidários aproveita ou prejudica os demais.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas,
decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, julgando
prejudicado o agravo regimental, nos termos do relatório, voto e notas
taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
295
Porto Alegre, 25 de abril de 2002.
Des. Federal Wellington Mendes de Almeida, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida: Trata-se de
agravo de instrumento que investe contra decisão que acolheu o pedido
de redirecionamento da execução contra a agravante, na qualidade
de responsável solidária, nos termos do art. 31 da Lei nº 8.212/91,
determinando a citação da devedora e a inclusão no pólo passivo da
execução.
Aduz a agravante que mantinha contrato atípico com a empresa
Miraglia Prestadora de Serviços Ltda., pois o conteúdo de suas cláusulas
não permite classificá-lo como contrato de locação de estabelecimento
comercial e fundo de comércio, tampouco como cessão de mão-de-obra,
uma vez que a mão-de-obra não era colocada à disposição da agravante,
sendo que todos os serviços eram executados para a própria Miraglia, e
não para a agravante.
Assevera que, antes da sua citação, obrigatoriamente deveria
ter sido instaurado procedimento administrativo para apuração de
sua responsabilidade, no qual fosse propiciada a ampla defesa e o
contraditório, possibilitando-lhe comprovar que não se enquadra na
hipótese do art. 31 da Lei nº 8.212/91 discutir o lançamento ou mesmo
pagar o débito.
Argumenta que não possui patrimônio suficiente para garantir a
execução, o que lhe acarretará danos como a restrição de crédito,
indeferimento de certidão negativa de débito e de concessão de CNPJ à
pessoa jurídica que possua sócios em comum.
Alega que é imprescindível a existência de lançamento fiscal contra
si, no qual tenha sido cogitada a responsabilidade solidária, que não pode
ser presumida e deve ser prevista em lei.
Indeferido o efeito suspensivo, foi oposto agravo regimental.
Houve resposta do agravado.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida: Com efeito,
o contrato pactuado entre a agravante e a empresa Miraglia Prestadora de
296
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
Serviços Ltda. não se enquadra no perfil típico do contrato de prestação
de serviços, porquanto a contratada assumiu integralmente a realização
dos serviços que eram realizados pela contratante. A matéria-prima era
adquirida pela contratante, executando-se os serviços nas dependências
da mesma, de acordo com o cronograma e os padrões de qualidade
estipulados por ela. Na verdade, assemelha-se ao contrato de terceirização
de serviços, o qual não ilide a responsabilidade da agravante.
Prova disso é que o Sr. Walternei Fidencio Loch, sócio da empresa
contratada, era ex-empregado da empresa contratante. Consoante os
comunicados internos juntados pelo INSS, a empresa Miraglia era
efetivamente administrada pela agravante, quanto a aumentos salariais
e aperfeiçoamento de recursos humanos. Ademais, ambas as empresas
possuíam o mesmo endereço, perante o Município de Forquilhinha. (fls.
124/135)
Em juízo perfunctório, configura-se a responsabilidade solidária da
empresa agravante, com fulcro no art. 31 da Lei nº 8.212/91. A respeito,
Luciano Amaro assenta que:
“...não se pode, na solidariedade, cogitar de substituição, já que ninguém é substituído,
nem de transferência, pois a obrigação não se transfere de ‘A’ para ‘B’, em razão de certo
evento, como ocorre na sucessão. Um devedor (responsável solidário) é identificado sem
que se ausente da relação de débito a figura do outro (que não é, pois, nem substituído
nem sucedido). Opera-se aí uma extensão da subjetividade passiva, em razão da qual
passam a figurar, como devedores da obrigação, dois ou mais indivíduos...”. (Direito
Tributário Brasileiro, Saraiva, 7ª ed., p. 299)
A questão a ser enfrentada é se é possível o redirecionamento da
execução contra a empresa agravante, embora na certidão de dívida
ativa que instrumentaliza a execução conste apenas o nome da empresa
prestadora de serviços. Por certo que ambas se encontram na mesma
situação jurídico-tributária, na condição de sujeitos passivos da obrigação
tributária; todavia, se o crédito foi lançado somente contra um devedor
solidário, que não cumpriu a obrigação no tempo e modo determinados
pela legislação, não se pode exigir que o outro devedor o faça, sem que
haja crédito formalmente constituído mediante lançamento. O lançamento
é, no dizer de Luciano Amaro, condição para que o sujeito ativo pratique
atos no sentido de cobrar seu crédito. Portanto, há necessidade de que
o devedor solidariamente responsável pelo tributo devido, não obstante
tal solidariedade decorra de expressa disposição legal, tenha contra si
297
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
efetivamente constituído crédito tributário, para que possa ser cobrado
em juízo.
Registro que na solidariedade tributária não se concede o benefício
de ordem, podendo o Fisco lançar o crédito contra qualquer um dos coobrigados. Saliento, outrossim, que a interrupção da prescrição em favor
ou contra um dos devedores solidários aproveita ou prejudica os demais.
Sobre o tema, colaciono os seguintes precedentes:
“TRIBUTÁRIO – RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO.
O contratante de quaisquer serviços executados mediante cessão de mão-de-obra,
inclusive em regime de trabalho temporário, responde solidariamente com o executor
pelas obrigações decorrentes desta Lei, em relação aos serviços a ele prestados,
exceto quanto ao disposto no art-23 (art-31, caput, da Lei-8.212/91).” (TRF-4ª - AI nº
1998.04.01.089379-1/SC, 1ª Turma, Rel. Des. Fed. Amir José Finocchiaro Sarti, DJU
28.04.99, p. 860)
“CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS. PRETENSÃO DA AUTARQUIA DE NÃO
RESPONDER SOLIDARIAMENTE PELAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS
DA CONTRATADA. DÉBITO QUE ESTÁ SENDO EXECUTADO APENAS
CONTRA A CONTRATADA. CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO PRETENDIDA
PELA AUTARQUIA.
1. Não pode a autarquia desobrigar-se, perante a Fazenda Pública, da responsabilidade
solidária pelas contribuições previdenciárias devidas pela empreiteira, com relação à obra
contratada entre ambas, porque a solidariedade, no caso, decorre de lei.
2. omissis
3. Não havendo crédito tributário constituído contra a autarquia e nem figurando
ela na Execução Fiscal de débito em relação ao qual poderá vir a ser chamada à
responsabilidade solidária, não lhe pode ser negada a expedição de certidão negativa.
4. Apelação improvida.”. (TRF-4ª – 2ª Turma – AC 96.04.51921-2 – Unânime –
Relator Juiz José Ribeiro (convocado) – J. de 19.08.99 – DJ 03.11.99 – p. 254)
“TRIBUTÁRIO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. PROPRIETÁRIO DA
OBRA. LEI Nº 8.212/91, ART. 30, INCISO VI. AUSÊNCIA DE LANÇAMENTO
DO CRÉDITO. CLÁUSULA CONTRATUAL EM SENTIDO DIVERSO.
OPONIBILIDADE À FAZENDA PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 123
DO CTN. DÉBITOS AJUIZADOS GARANTIDOS PELA PENHORA. CERTIDÃO
POSITIVA DE DÉBITO COM EFEITOS DE NEGATIVA. POSSIBILIDADE.
ARTIGO 206 DO CTN.
1. O proprietário da obra de construção civil tem responsabilidade solidária,
juntamente com o construtor, pelos débitos previdenciários apurados em função da obra,
a teor do disposto no art. 30, inciso VI, da Lei nº 8.212/91. Entretanto, a responsabilidade
fixada em lei, por si só, não importa em inadimplência do devedor solidário se, contra
ele, inexiste lançamento do crédito tributário apurado.
298
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
... (omissis)”. (TRF-4ª, AMS nº 2000.72.05.003718-9/SC, Rel. Des. Fed. Wellington
Mendes de Almeida, 1ª Turma, j. 14.03.2002)
Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento ao agravo de
instrumento, julgando prejudicado o agravo regimental.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.70.00.022041-5/PR
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas
Apelante: União Federal (Fazenda Nacional)
Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin
Apelante: EBEC Eng. Brasileira de Construções S/A
Advogados: Drs. Reinaldo Chaves Rivera e outros
Apelados: (Os mesmos)
Remetente: Juízo Federal da 3ª Vara Federal de Curitiba/PR
EMENTA
Tributário. Repetição de indébito. Imposto de renda sobre o lucro
líquido. Acionista. Art. 35 da Lei 7.713/88. Compensação de tributos.
Art. 66 da Lei 8.383/91. Correção monetária.
O Pleno do Colendo STF, no julgamento do Recurso Extraordinário
nº 172.058-1/SC, declarou a inconstitucionalidade da expressão “o
acionista”, contida no art. 35 da Lei 7.713/88, tornando inexigível o
Imposto de Renda Sobre o Lucro Líquido em relação ao acionista de
sociedade anônima.
A compensação regulada no art. 66 da Lei 8.383/91 não se confunde
com a compensação do art. 170 do CTN, regulamentado pela Lei 9.430/96
e pelo Decreto 2.138/97. A compensação do art. 66 é dirigida ao contribuinte
para ser aplicada no âmbito do lançamento por homologação e não importa
em extinção imediata do crédito tributário. Essa compensação não depende
de requerimento. É efetuada pelo próprio contribuinte, estando sujeita à
homologação da autoridade fiscal. Se esta entender que a compensação
foi mal efetuada, o Fisco pode deixar de homologá-la, procedendo ao
lançamento de ofício.
O contribuinte pode optar na execução pela compensação ou pelo
precatório, visto que ambas são espécies do gênero repetição.
A correção monetária na repetição de indébito é devida a contar do
pagamento indevido, na forma da Súmula 162 do STJ.
299
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
Apelação da União e remessa oficial desprovidas. Apelação da autora
provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, negar provimento à apelação da União e à remessa oficial e
dar provimento à apelação da autora, nos termos do relatório, voto e notas
taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de maio de 2002.
Des. Federal Surreaux Chagas, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas: EBEC – Engenharia
Brasileira de Construções S/A propõe Ação Ordinária contra a União
(Fazenda Nacional), pretendendo o reconhecimento da inexigibilidade
do Imposto de Renda Sobre o Lucro Líquido, instituído no art. 35 da Lei
7.713/88, bem como a declaração do direito à compensação dos valores
indevidamente recolhidos com tributos da mesma espécie ou à restituição
dos valores mediante precatório. Requer, ainda, antecipação dos efeitos
da tutela para obstar a cobrança dos valores vencidos e vincendos do
parcelamento firmado.
Refere que as importâncias exigidas a título de Imposto sobre o Lucro
Líquido, relativo ao exercício de 1991, foram objeto de parcelamento
nº 10.980-003.813/96-61; que o parcelamento teve início em 04/96 e se
encontra em curso.
A antecipação da tutela é indeferida (fls. 128/129). Dessa decisão a
autora agrava de instrumento. O Relator nega seguimento ao agravo por
manifesta improcedência, nos termos do art. 557 do CPC.
A União contesta a ação.
O MM. Juízo, sentenciando, julga procedente a ação para declarar
o direito da autora a compensar os valores pagos a título de Imposto
sobre o Lucro Líquido, recolhido na forma prevista no art. 35 da Lei
nº 7.713/88; declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade da
expressão “acionista”, contida no art. 35 da Lei nº 7.713/88; obstar a
cobrança dos valores vencidos e vincendos relativos ao parcelamento.
300
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
Parcelas corrigidas monetariamente a contar dos pagamentos indevidos
pela OTN/BTN/INPC/UFIR/SELIC, incluindo o expurgo inflacionário
de fevereiro/91. Condena, ainda, a União no pagamento de honorários
advocatícios, fixado-os em 10% sobre o valor da condenação.
Inconformada, a União interpõe apelação, alegando que a empresa
é parte ilegítima para buscar a restituição do tributo em questão, uma
vez que os contribuintes da exação são os sócios e os acionistas, e não a
sociedade mercantil; que os lucros apurados pela empresa estão sujeitos
à tributação, uma vez que há distribuição automática de dividendos; que
a compensação somente pode ocorrer entre créditos líquidos e certos;
que é inaplicável a taxa SELIC, conforme previsto no art. 39, § 4º, da
Lei 9.250/95.
Os embargos de declaração opostos pela parte-autora são acolhidos em
parte para declarar o direito da autora de compensar os valores recolhidos
de Imposto sobre o Lucro Líquido com outros tributos da mesma espécie,
inclusive o Imposto de Renda, conforme disposição da Lei nº 8.383/91,
art. 66, ressalvado à União o direito de fiscalizar o correto cumprimento
da decisão pelo contribuinte.
A autora também apela, pretendendo que seja reconhecido o seu direito
de optar em execução pela compensação dos valores pagos indevidamente
ou pela expedição de precatório.
Regularmente processados os recursos, sobem os autos.
Causa sujeita ao duplo grau de jurisdição.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas: Discute-se sobre a
inexigibilidade do Imposto de Renda Sobre o Lucro Líquido, instituído
no art. 35 da Lei 7.713/88, e a declaração do direito à compensação com
tributos da mesma espécie.
A sentença acolhe as pretensões. Ambas as partes recorrem. Analiso
cada uma das questões suscitadas pelas partes nos recursos, a começar
pela argüição de ilegitimidade ativa.
Ilegitimidade ativa
Não prospera a tese de que a empresa não é parte legítima ativa para
buscar os valores referentes ao Imposto de Renda Sobre o Lucro Líquido,
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
301
instituído no art. 35 da Lei 7.713/88. Nesse sentido, precedentes da
Primeira Seção e da Segunda Turma desta Corte:
“REPETIÇÃO DE INDÉBITO. RETENÇÃO NA FONTE. LUCRO LÍQUIDO.
SUBSTITUTO TRIBUTÁRIO. LEGITIMIDADE AD CAUSAM. A empresa que
recolheu imposto indevido – não importa se o fez na qualidade de contribuinte ou
de substituto tributário – tem legitimidade para demandar judicialmente a repetição
do indébito, porque foi ela que sofreu, e mais ninguém, o prejuízo patrimonial.”
(Primeira Seção, EIAC nº 97.04.73478-6/RS, Rel. Juiz Amir José Finocchiaro Sarti,
DJU 04.04.2001, p. 412)
“IMPOSTO DE RENDA SOBRE LUCROS DISTRIBUÍDOS. LEGITIMIDADE
ATIVA. RECOLHIMENTO NA FONTE. SOCIEDADE POR QUOTAS. ARTIGO 35.
LEI N° 7.713/88. A empresa, na qualidade de responsável tributário, tem legitimidade
ad causam para postular a inexigibilidade do imposto de renda sobre o lucro líquido.
O artigo 35 da Lei n° 7.713/88 guarda sintonia com a Lei Básica Federal, na parte em
que disciplinada a situação do sócio cotista, quando o contrato social encerra, por si só,
a disponibilidade imediata, quer econômica, quer jurídica, do lucro líquido apurado.
Se não há distribuição imediata entre os sócios, não incidirá o imposto sobre o lucro
líquido.” (Segunda Turma, AC nº 97.04.39503-5/SC, Rel. Juiz João Pedro Gebran
Neto, DJU, data: 21.03.2001, p. 185)
Rejeito, pois, a preliminar.
Mérito
O Imposto de Renda sobre o Lucro Líquido foi instituído pela Lei
7.713/88, que determinava em seu art. 35:
“Art. 35 – O sócio cotista, o acionista ou o titular da empresa individual ficará sujeito
ao imposto de renda na fonte à alíquota de oito por cento, calculado com base no lucro
líquido apurado pelas pessoas jurídicas na data do encerramento do período-base.”
O Pleno do Colendo STF, quando apreciou a norma em comento
no julgamento do Recurso Extraordinário nº 172.058-1/SC, declarou a
inconstitucionalidade da expressão “o acionista” e a constitucionalidade
da expressão “titular de empresa individual”.
Sobre o acionista, bem referiu o Ministro Marco Aurélio, relator do
citado recurso extraordinário:
“Ora, a ordem jurídica revela-nos que a aquisição da disponibilidade, quer
econômica ou jurídica dos lucros líquidos das pessoas jurídicas não ocorre, quanto
ao sócio cotista e aos acionistas, na data da apuração, ou seja, do encerramento
do período base. É que a legislação vigente – Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de
1986 – afasta a automaticidade indispensável a que se possa cogitar da aquisição
da disponibilidade. À assembléia geral ordinária das sociedades anônimas compete
302
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
deliberar sobre a destinação do lucro líquido do exercício e a distribuição de
dividendos (inciso II do artigo 132), sendo que, juntamente com as demonstrações
financeiras do exercício, os órgãos da administração da companhia apresentarão à
assembléia geral ordinária proposta sobre a destinação acertada ao lucro líquido do
exercício (artigo 192). Sendo retirados cinco por cento e o máximo de vinte por cento
do capital social para a constituição da reserva legal, pode a assembléia deliberar
reter parcela do lucro líquido do exercício previsto em orçamento de capital por
ela previamente aprovado (artigo 196), notando-se que, no campo do dividendo
obrigatório, alude-se ao comprometimento de metade do lucro líquido do exercício,
diminuído ou acrescido de certos valores.
Pois bem, diante do contexto legal supra, impossível é dizer da aquisição da
disponibilidade jurídica pelos acionistas com a simples apuração, e na data respectiva,
do lucro líquido pelas pessoas jurídicas. O encerramento do período-base aponta-o,
mas o faz relativamente a situação que não extravasa o campo de interesses da própria
sociedade. Ocorre, é certo, uma expectativa, mas, enquanto simples expectativa,
longe fica de resultar na aquisição da disponibilidade erigida pelo artigo 43 do Código
Tributário Nacional como fato gerador.
(...)”.
Assim sendo, é inconstitucional a exigência do tributo no tocante à
sociedade anônima, pois o lucro líquido não está disponível a cada um
dos acionistas ao encerrar-se o período-base, por depender a destinação
do lucro (distribuição aos sócios ou outra qualquer) da decisão de órgão
societário. Dessarte, cada acionista tomado individualmente não dispõe
econômica nem juridicamente do lucro.
No caso em tela, a empresa recorrida é sociedade anônima, sendo
incabível a exação em relação ao acionista, como bem decidiu o juízo
a quo.
Ademais, a alegação da União de que os acionistas recebem
automaticamente os dividendos da empresa não merece prosperar, haja
vista a ata da Assembléia Geral Ordinária juntada à fl. 25, em que os
acionistas se reuniram para deliberar sobre o lucro obtido, demonstrando,
assim, a indisponibilidade individual de cada sócio.
Compensação de tributos
Reconhecido o direito à restituição do indébito, cumpre analisar-se a
possibilidade de compensação do tributo.
Em se tratando de compensação tributária, há que se distinguir duas
modalidades distintas. De um lado existe a compensação prevista no art.
170 do CTN, regulamentado pela Lei 9.430/96 e pelo Decreto 2.138/97.
303
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
Essa espécie de compensação é dirigida à autoridade fiscal, que a
realiza a requerimento do contribuinte ou de ofício. Ela pressupõe créditos
líquidos e certos, vencidos ou vincendos do contribuinte contra a Fazenda;
assim, se o crédito está sendo discutido judicialmente, somente após o
trânsito em julgado pode ser aproveitado na compensação (CTN, art.
170-A). A condição para a compensação é que os tributos estejam sob a
administração da Secretaria da Receita Federal, podendo ser de espécies
diferentes e ter destinação constitucional diversa (Decreto 2.138/97, art.
1º). Esta compensação implica a extinção do crédito, que é certificada.
(idem, art. 5º)
Por outro lado, há a compensação prevista na Lei 8.383/91, art. 66,
que ganha relevo no caso dos autos. Ela é dirigida ao contribuinte para
ser aplicada no âmbito do lançamento por homologação, e não importa
em extinção imediata do crédito tributário. A distinção entre as espécies
de compensação está demonstrada em precedente elucidativo do STJ:
“TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. CONTRIBUIÇÃO PARA O FINSOCIAL
E CONTRIBUIÇÃO PARA A COFINS. POSSIBILIDADE. LEI 8.383/91, ARTIGO
66. APLICAÇÃO.
I - Os valores excedentes recolhidos a título de FINSOCIAL podem ser compensados
com os devidos a título de contribuição para a COFINS.
II - Não há confundir a compensação prevista no art. 170 do CTN com a
compensação a que se refere o art. 66 da Lei 8.383/91. A primeira é dirigida à autoridade
fiscal e concerne à compensação de créditos tributários, enquanto a outra constitui
norma dirigida ao contribuinte e é relativa à compensação no âmbito do lançamento
por homologação.
III - A compensação feita no âmbito do lançamento por homologação, como no
caso, fica a depender da homologação da autoridade fiscal, que tem para isso o prazo
de cinco anos (CTN, art. 150, § 4º). Durante esse prazo, pode e deve fiscalizar o
contribuinte, examinar seus livros e documentos e lançar, de ofício, se entender indevida
a compensação, no todo ou em parte.
IV - Embargos de Divergência conhecidos e recebidos.” (STJ, 1ª Seção, EREsp nº
89.098/BA, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJU de 30.06.97)
A compensação de tributos no âmbito do lançamento por homologação,
como referido, está prevista no art. 66 da Lei 8.383/91, assim redigido:
“Nos casos de pagamento indevido ou a maior de tributos, contribuições federais,
inclusive previdenciárias, e receitas patrimoniais, mesmo quando resultantes de reforma,
anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar
a compensação desse valor no recolhimento de importância correspondente a período
304
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
subseqüente.”
A compensação é efetuada pelo próprio contribuinte. Em havendo
crédito perante o Fisco resultante de pagamento de tributo indevido
ou a maior, o contribuinte pode compensar os valores nos pagamentos
subseqüentes mediante procedimento contábil. Como já foi dito, esta
compensação não implica extinção do crédito tributário. Ela está sujeita
à homologação pela autoridade fiscal. Se entender que a compensação
foi mal efetuada, o Fisco pode deixar de homologá-la, procedendo ao
lançamento de ofício.
Portanto, eventuais alegações acerca da imprestabilidade da documentação
juntada para comprovação do efetivo recolhimento do tributo são irrelevantes,
pois o provimento jurisdicional se limita ao reconhecimento do crédito
perante a Fazenda e do direito à compensação. Esta será efetuada pelo
próprio contribuinte, resguardando-se à autoridade fazendária a prerrogativa
de fiscalização.
Da mesma forma, não prospera a alegação de que a compensação é
incabível por não ter havido requerimento e por não se tratar de créditos
líquidos e certos. Com efeito, estes aspectos são relevantes na outra espécie
de compensação, prevista no art. 170 do CTN e na Lei 9.430/96; contudo,
na modalidade de compensação realizada no “autolançamento”, não são
exigíveis.
Requisitos para a compensação
Outrossim, os requisitos para a compensação de tributos são: a) a de
que se tratem de tributos da mesma espécie (Lei 8.383/91, art. 66, § 1º:
A compensação só poderá ser efetuada entre tributos, contribuições e
receitas da mesma espécie), e b) a de que tenham a mesma destinação
constitucional (Lei 9.250/95, art. 39: A compensação de que trata o
art. 66 da Lei 8.383, de 30 de dezembro de 1991, com a redação dada
pelo art. 58 da Lei 9.069, de 29 de junho de 1995, somente poderá ser
efetuada com o recolhimento da importância correspondente a imposto,
taxa, contribuição federal ou receitas patrimoniais de mesma espécie e
destinação constitucional, apurados em períodos subseqüentes).
No caso, o imposto de renda sobre o lucro líquido pode ser
compensado com imposto de mesma espécie e que tenha a mesma
destinação constitucional, conforme determinado na sentença.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
305
Prescrição ou decadência prevista no art. 168 do CTN
A autora busca a declaração do direito à compensação dos valores
indevidamente recolhidos a título de Imposto sobre o Lucro Líquido no
parcelamento de débitos em atraso firmado com a Fazenda.
O parcelamento de débito fiscal firmado entre as partes não está
sujeito à homologação pela autoridade fiscal, extinguindo-se na data do
pagamento. (art. 156, I, do CTN)
Assim, o direito de pleitear a restituição extingue-se em cinco anos
a partir da extinção do crédito, conforme previsto no art. 168, I, do
Código Tributário Nacional.
No caso, considerando que a ação foi ajuizada em 19.09.2000 e o
pagamento do parcelamento do débito iniciou-se em abril de 1996,
conclui-se pela inexistência de parcelas atingidas pela prescrição ou
decadência, pois todas estão situadas no qüinqüênio que antecede ao
ajuizamento da ação.
Correção monetária
A correção monetária na repetição de indébito é devida a contar do
pagamento indevido, na forma da Súmula 162 do STJ.
Segundo o entendimento desta Turma, as parcelas deverão ser
atualizadas monetariamente pela Taxa SELIC.
A Taxa SELIC é aplicável, a partir de 01/96, no cálculo das parcelas
para fins de compensação, conforme estatui o art. 39, § 4º, da Lei
9.250/95:
“a partir de 1º.01.96, a compensação ou restituição será acrescida de juros equivalentes
à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC para títulos
federais, acumulada mensalmente, calculados a partir da data do pagamento indevido
ou a maior até o mês anterior ao da compensação ou restituição e de 1% relativamente
ao mês em que estiver sendo efetuada.”
Há que se observar, contudo, a modificação no termo inicial da
fluência dos juros para o mês subseqüente ao do pagamento indevido
produzida pela Lei 9.532/97, art. 73:
“O termo inicial para cálculo de juros de que trata o § 4º do art. 39 da Lei nº 9.250,
de 1995, é o mês subseqüente ao do pagamento indevido ou a maior do que o devido.”
Outrossim, é irrelevante o fato de lei ordinária ter determinado a
aplicação da taxa SELIC desde o mês subseqüente ao pagamento,
modificando o marco inicial da incidência dos juros de mora previstos
306
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
no art. 167 do CTN (trânsito em julgado), porquanto juros de mora não
são matéria reservada à lei complementar, consoante exsurge do art.
146, III, da CF/88.
Nesse sentido, já decidiu o STJ:
“Os juros SELIC são contados a partir da data de entrada em vigor da lei que
determinou a sua incidência no campo tributário (art. 39,§ 4º, Lei 9.250/95).” (REsp
227.901/SC, Primeira Turma, Rel. Min. Milton Pereira, DJU: 01.08.2000, p.198)
Observo, por oportuno, que a taxa SELIC substitui o indexador de
correção monetária e os juros moratórios, sendo indevida sua aplicação
acumulada com qualquer outro índice, como, v.g., a UFIR. (STJ, 1ª
Turma, Rel. Min. José Delgado, DJU de 23.03.99)
Apelação da autora. Opção do contribuinte pela compensação ou
precatório.
A autora busca o reconhecimento do seu direito de optar na execução
pela compensação ou pelo precatório.
O entendimento do STJ vem se firmando no sentido de que a
restituição de indébito tributário tem conteúdo idêntico à compensação,
sendo ambas as modalidades – restituição e compensação – espécies do
gênero repetição, o que permite a opção do credor por uma delas por
ocasião da execução de sentença. (REsp 200577/BA, Primeira Turma,
Rel. Min. José Delgado, DJ de 01.07.99 e EREsp 227.873, Rel. Min.
Eliana Calmon)
Assim, merece prosperar a pretensão da autora.
Do exposto, nego provimento à apelação da União e à remessa oficial
e dou provimento à apelação da autora, na forma da fundamentação.
É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.04.01.089389-5/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
307
Apelante: União Federal (Fazenda Nacional)
Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin
Apelante: José Alexandre Guilardi de Freitas
Advogados: Drs. Eduardo Dorfmann Aranovich e outros
Apelados: (Os mesmos)
Remetente: Juízo Substituto da 4ª Vara Federal de Porto Alegre/RS
EMENTA
Imposto de Renda. Aumento patrimonial a descoberto. Cerceamento
de defesa. Prova. Decadência. Multa. Honorários advocatícios.
A contagem do prazo decadencial para a constituição do crédito
tributário (feita nos moldes do estatuído no inciso I do artigo 173 do
Código Tributário Nacional) iniciou-se no primeiro dia de janeiro de
1992, esgotando-se em 31 de dezembro de 1996. Como o lançamento
se perfectibilizou com a notificação do autor em 4 de janeiro de 1996
(fl. 241), inocorreu a alegada decadência. A circunstância de ter sido
notificado da decisão do Conselho de Contribuintes em 13 de fevereiro
de 1998 não altera a situação, uma vez que o crédito já estava constituído
anteriormente, como se demonstrou acima. A partir da constituição do
crédito tributário, no caso, 04.01.96, inicia-se o prazo para a sua cobrança
(prescrição), que pode ser interrompido face a recursos administrativos,
os quais suspendem a sua exigibilidade, nos termos do artigo 151, inciso
III, do Código Tributário Nacional, razão pela qual inocorreu a alegada
decadência.
Inexistiu o alegado cerceamento de defesa pelo indeferimento de
produção de prova testemunhal requerida pelo autor, uma vez que os
fatos que dão substrato à autuação são de prova documental.
O fato gerador do Imposto de Renda é o acréscimo patrimonial, de
forma que, em verificando o Fisco que houve acréscimo patrimonial sem
a necessária, legítima e legal cobertura, cumpre-lhe autuar o contribuinte,
exigindo-lhe o Imposto de Renda correspondente.
Efetivamente, o percentual da multa tem que se afeiçoar à legislação
contemporânea à infração, porém, disto aqui não se trata. Multa moratória
constitui penalidade decorrente do descumprimento da obrigação
principal no vencimento. Não se confunde com os juros moratórios,
pois estes compensam o atraso no pagamento. No feito em julgamento,
308
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
debate-se acerca de multa punitiva, ou seja, sanção pelo descumprimento
de obrigação tributária, que está fixada na legislação própria.
O demonstrativo lançado pelo Fisco (fls. 333/337) deixa claro que
a multa de 100% somente foi aplicada a partir de fatos ocorridos em
1992, com o que se ateve inteiramente nos cânones tributários legais e
constitucionais.
A multa incide sobre a totalidade do imposto devido, consoante
previsão legal, não havendo, desta forma, como acolher a pretensão do
autor, que busca neste apelo a incidência somente sobre as diferenças.
Os honorários de advogado devem ser fixados consoante apreciação
eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do § 3º do
artigo 20 do Código de Processo Civil, já que se trata de ação em que a
Fazenda Pública restou vencida, embora parcialmente. Nesta linha há que
atentar para o grau de zelo profissional, o lugar da prestação do serviço,
a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado
e o tempo exigido para o seu serviço.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, dar parcial provimento aos apelos e à remessa oficial, nos
termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 2 de abril de 2002.
Des. Federal Vilson Darós, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: Cuida-se de ação ordinária,
com pedido de antecipação de tutela, na qual alega a autora que a parteré agiu ilegalmente ao lançar e cobrar o crédito proveniente de omissão
de rendimentos caracterizados pela variação patrimonial a descoberto.
Sustenta a inexistência de relação jurídico-tributária referente ao Imposto
de Renda sobre acréscimo patrimonial a descoberto, multa excessiva e
decadência relativa aos fatos ocorridos nos exercícios de 1990 a fevereiro
de 1993.
Oferecidos bens para caução, foi deferido o pedido de antecipação
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
309
de tutela, a fim de suspender o crédito tributário, determinando a nãoinscrição do nome do autor junto ao CADIN, expedindo-se certidão
negativa de débito (fl. 386). Desta decisão, a ré interpôs agravo de
instrumento.
Houve realização de perícia.
Sobreveio sentença, rejeitando a preliminar e a prejudicial de
mérito suscitadas, julgando parcialmente procedente a presente ação
ordinária, extinguindo o feito com julgamento de mérito para declarar
a inexistência da relação jurídico-tributária relativamente ao imposto
de renda incidente sobre o crédito tributário retificado pela decisão
de primeira instância, ficando mantida a parcela referente ao crédito
admitido pelo contribuinte. Ante a sucumbência recíproca, determinou
que os honorários advocatícios e as custas processuais serão suportados
por ambas as partes, compensando-se reciprocamente.
Opostos embargos de declaração pela parte-autora, os mesmos foram
julgados improcedentes.
Da r. sentença, apelou a União, sustentando ser o autor carecedor
de interesse processual ao postular em juízo a exclusão da parcela que
já havia sido excluída por força de decisão administrativa. Sustenta,
ainda, caso se mantenha o entendimento esposado, que a sucumbência
da União foi mínima, devendo incidir, na espécie, o parágrafo único do
artigo 21 do CPC.
O autor também apelou, sustentando a decadência do direito de
constituição do crédito tributário, inexistência de acréscimo patrimonial
a descoberto, excesso de multa. Postula pela responsabilidade integral
da recorrida pelos ônus da sucumbência.
Com contra-razões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: Da sentença de procedência
parcial, ambas as partes apelaram. O autor suscitou preliminar de (a)
cerceamento de defesa e prejudicial de mérito e (b) decadência. No
mérito, reprisou as razões expostas na inicial. A ré, por sua vez, insiste
na existência de patrimônio a descoberto no exercício de 1994 e se rebela
contra a fixação de sucumbência recíproca.
310
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
Passo a analisar os recursos.
1- Do autor
a) Cerceamento de defesa – Inexistiu o alegado cerceamento de defesa
pelo indeferimento de produção de prova testemunhal requerida pelo
autor. Os fatos que dão substrato à autuação são de prova documental.
Veja-se:
a.1- A venda do automóvel Santana em março de 1990 está confortada
pelo documento de fl. 188 (Declaração de Bens), não impugnado pela
ré, o que dispensa qualquer prova testemunhal a respeito.
a.2 - A venda/aquisição de imóvel é documentada sempre. Não
necessariamente, aliás mui raramente, por Escritura Pública. A praxe é
por Arras, Contrato de Promessa de Compra e Venda. O fio de bigode, em
nossos tempos, infelizmente não funciona mais e nele ninguém acredita,
daí por que prova testemunhal nessa linha e em valor considerável, como
os que aqui estão em debate, não é admitida legalmente, nos termos do
que dispõe o artigo 401 do Código de Processo Civil. No entanto, o autor
fez a prova. A Escritura Pública de Compra e Venda, lavrada em 22 de
outubro de 1993, nos dá conta de que a casa nº 311 da Rua Professor
Antônio D’Avila foi adquirida pelo autor em 23 de abril de 1991, por
Cr$ 30.147.900,00 (fl. 81). Tal assertiva está confortada pela anotação
no Registro de Imóveis da 3ª Zona desta capital, matrícula nº 71.109 (fl.
85). Desnecessária qualquer prova testemunhal para confirmar esses fatos.
a.3- A mãe do autor está impedida de depor como testemunha para
confortar a tese da inicial de doação, consoante prescreve expressamente
o artigo 405, § 2º, inciso I, do Código de Processo Civil.
Afasto, assim, a preliminar de cerceamento de defesa.
b) Da decadência – Inexistiu a alegada decadência do Fisco em
constituir o crédito tributário.
Trata-se, aqui, de Imposto de Renda sobre patrimônio a descoberto.
Esse tributo é de lançamento por homologação. Nessas condições, a
autoridade administrativo-fiscal tem o prazo do artigo 150, § 4º, do
Código Tributário Nacional para constituir o crédito (cinco anos a contar
do fato gerador). Essa é a regra especial a respeito desta matéria. Contudo,
se o sujeito passivo nada antecipou, a contagem do prazo decadencial
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
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segue a regra geral, vale dizer, o artigo 173, inciso I, do mesmo Codex (do
primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia
ter sido efetuado). Luciano Amaro ensina:
“Uma observação preliminar que deve ser feita consiste em que, quando não se
efetua o pagamento ‘antecipado’ exigido pela lei, não há possibilidade de lançamento
por homologação, pois simplesmente não há o que homologar; a homologação não
pode operar no vazio. Tendo em vista que o art. 150 não regulou a hipótese, e o art.
149 diz apenas que cabe lançamento de ofício (item V), enquanto, obviamente, não
extinto o direito do Fisco, o prazo a ser aplicado para a hipótese deve seguir a regra
geral do art. 173, ou seja, cinco anos contados do primeiro dia do exercício seguinte
aquele em que (à vista da omissão do sujeito passivo) o lançamento de ofício poderia
ser feito”. (Direito Tributário Brasileiro, 4ª ed., Saraiva, p. 386)
É o caso dos autos. Aqui, a autuação fiscal diz com o Imposto de
Renda dos anos-base 1990, 1991, 1992 e 1993; exercícios 1991, 1992,
1993 e 1994. Tratando-se de patrimônio a descoberto não houve, de
parte do autor, qualquer antecipação de pagamento. E este devia ter sido
feito em 1991, relativamente ao ano-base 1990 (débito mais antigo). A
contagem, portanto, do prazo decadencial para a constituição do crédito
tributário (feita nos moldes do estatuído no inciso I do artigo 173 do
Código Tributário Nacional) iniciou-se no primeiro dia de janeiro de
1992, esgotando-se em 31 de dezembro de 1996. Como o lançamento
se perfectibilizou com a notificação do autor em 4 de janeiro de 1996
(fl. 241), inocorreu a alegada decadência. A circunstância de ter sido
notificado da decisão do Conselho de Contribuintes em 13 de fevereiro
de 1998 não altera a situação, uma vez que o crédito já estava constituído
anteriormente, como se demonstrou acima. A partir da constituição do
crédito tributário, no caso, 04.01.96, inicia-se o prazo para a sua cobrança
(prescrição), que pode ser interrompido face a recursos administrativos,
os quais suspendem a sua exigibilidade, nos termos do artigo 151, inciso
III, do Código Tributário Nacional. Foi o que ocorreu no caso em debate.
Afasto, desta maneira, a prefacial suscitada, e passo ao exame do
mérito.
2- Mérito
A insurgência do autor é total. Afirma ser a autuação injustificável
e arbitrária, devendo o Judiciário reparar o erro administrativo-fiscal.
De início, há que lembrar que o fato gerador do Imposto de Renda
312
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
é o acréscimo patrimonial (O imposto de competência da União, sobre
a renda e proventos de qualquer natureza, tem como fato gerador a
aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica – CTN, art. 43).
Desta maneira, em verificando o Fisco que houve acréscimo patrimonial
sem a necessária, legítima e legal cobertura, cumpre-lhe autuar o
contribuinte, exigindo-lhe o Imposto de Renda correspondente.
Passo, pois, ao exame de cada um dos períodos discutidos.
Exercício de 1991 – ano-base 1990
O autor argumenta que o lançamento foi indevido em razão de que
a alienação do automóvel Santana ocorreu economicamente no mês de
março daquele ano, embora a documentação tenha sido regularizada
somente no mês de abril. Tal fato está devidamente comprovado nos autos.
A Declaração de Bens (fl. 188), que não sofreu qualquer impugnação,
tornando-se, assim, prova cabal, informa que o veículo em questão foi
vendido em março de 1990, pela importância de Cr$ 1.250.000,00, para
Mario Cezar Terra Lima. A presunção é de que, nessa mesma data, o valor
da negociação tenha sido pago e recebido. Essa é a praxe desse tipo de
negócio em nossa sociedade. O contrário exige comprovação, da qual a
ré não se desincumbiu.
Como a autuação do ano-base 1990, exercício 1991, limita-se a referir
patrimônio a descoberto por não haver prova de que a venda do automóvel
Santana ocorreu em março daquele ano, resta ela sem suporte, levando
à sua desconstituição.
Exercício de 1992 – ano-base 1991
O Fisco lançou Imposto de Renda sobre patrimônio a descoberto
porque o autor não comprovou renda suficiente para a aquisição no mês
de maio de 1991 do imóvel sito na Rua Prof. Antônio D’Avila. Diz o
autor que obteve tal renda com a alienação da Sala nº 505, do Centro
Profissional, ocorrida no mesmo mês e ano. Protestou por provar tal
fato. Nos autos, porém, tal prova não apareceu. Ao contrário, nos autos
está acostada correspondência, por cópia, que o autor assinou de próprio
punho, datada de 17 de julho de 1995, dirigida à Divisão de Fiscalização da
Delegacia da Receita Federal, na qual informa que a aquisição da casa nº
311 da Rua Prof. Antônio D’Avila deu-se quando se separou de sua esposa,
sendo paga parte com recursos próprios e parte mediante financiamento
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
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junto ao BANRISUL (fl. 69). A mesma informação consta da Declaração
de Bens de 1993 (fl. 208). E mais, consta da Escritura Pública de Compra
e Venda de 22 de outubro de 1993, quando da alienação dessa casa por
parte do autor, que tal imóvel havia sido adquirido por compra e venda
em 23.04.91, por Cr$ 30.147.900,00, registrada no cartório de imóveis
da 3ª zona desta capital, conforme RI da matrícula 71.109, livro 2 RG (fl.
81). Por fim, as quotas do Condomínio Profissional foram vendidas em
18.09.91, consoante consta da Declaração de Bens feita pelo autor. (fl. 198)
Fica, portanto, claro que o imóvel sito na Rua Prof. Antônio D’Avila,
adquirido em abril ou maio de 1991, não tinha o necessário suporte
financeiro, decorrendo, daí, patrimônio a descoberto, como entendeu a
autoridade fiscal, no que foi corroborado pelo MM. Juízo de primeiro
grau, não merecendo, nessa parte, qualquer reforma o julgado.
Exercício de 1993 – ano-base 1992
Alega o autor que não houve aquisição de patrimônio a descoberto
em razão da existência de renda proveniente de uma doação de dinheiro
recebida de sua mãe. Ocorre que inexiste nos autos qualquer documento
que prove a alegação, como bem ressaltado na sentença a quo. Ademais,
qualquer prova testemunhal nessa linha, como pretende o apelante,
seria de nenhum valor, especialmente por não constar da Declaração
de Rendimentos/Bens que a genitora do autor fez ao Fisco de que tal
doação tenha ocorrido.
Mantenho, assim, a sentença monocrática quanto a essa autuação.
Exercício de 1994 – ano-base 1993
Andou bem a sentença singular neste ponto, uma vez que, como se
constata do exame dos autos, pela decisão do Conselho de Contribuintes,
concluiu-se que deveria haver o cancelamento da exigência relativa ao
exercício de 1994, que fora incluída no crédito tributário retificado pela
decisão de primeira instância, mantendo-se apenas a parcela referente
ao crédito admitido pelo contribuinte.
Ademais, como bem ressaltado na sentença:
“Não obstante a União tenha sustentado que o exercício de 1994 não foi incluído
nos cálculos de fls. 279/289 e 344, conforme decisão administrativa de fls. 315/326, o
auxiliar deste juízo esclareceu em fl. 432 que os cálculos apresentados pela requerida
não levaram em consideração o cancelamento da exigência relativa ao exercício de
1994, de forma que converteu para reais os mesmos valores em Ufir retificados pela
314
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
decisão da Delegacia da Receita Federal de Julgamento em Porto Alegre em fl. 279.
Por conseguinte, nesse ponto, merece reparo o montante exigido da parte autora”.
Verifica-se, portanto, que, no débito exigido do autor neste período,
foi incluída uma parcela cuja exclusão fora determinada por decisão do
conselho de Contribuintes, motivo pelo qual é de ser mantida a sentença
monocrática neste ponto.
Da multa
Sustenta o autor que houve excesso no valor da multa. Argumenta que
a legislação aplicável, quanto à multa, é a contemporânea da infração,
que, no caso, é o Decreto nº 85.450, de 4 de dezembro de 1980, e não
o Decreto nº 1.041, de 11 de janeiro de 1994, porquanto este último é
posterior aos fatos autuados. Aduz que, se houvesse algum tributo a ser
lançado, a multa incidente seria a estabelecida no § 2º do artigo 722
do RIR de 1980, segundo o qual “as multas moratórias não poderão
ultrapassar, na sua totalidade, a 30% da importância inicial da dívida
corrigida monetariamente”. Mas, se assim não for entendido, prossegue
o apelante, incidiria o inciso II do artigo 728 do mesmo diploma legal,
que estabelece a multa no patamar de 50%, e não de 75% como fez a
notificação de lançamento. Afirma, ainda, que multa no percentual de
75% representa confisco, inadmissível em nosso ordenamento jurídico.
E, por derradeiro, ressalta que, se for considerada a aquisição de renda
a descoberto, a tributação e a respectiva multa poderiam incidir sobre
a diferença (renda sobre o patrimônio – remuneração dos fatores
patrimoniais trabalho e capital), e não sobre a integralidade (patrimônio
em si), como ocorreu no caso em concreto.
Tenho que não assiste razão ao autor.
Efetivamente, o percentual da multa tem que se afeiçoar à legislação
contemporânea à infração. Roque Volkweis ensina:
“Tem-se, pois, que, para o cálculo da multa ou penalidade, deve-se levar em conta
o valor desta, inclusive seus elementos de apuração (base de cálculo e alíquota), do
dia da consumação da infração”. (Direito Tributário Nacional, Ed. Liv. do Advogado,
1997, p. 89)
Desta forma, sendo as autuações relativas aos exercícios de 1991 a
1993, não se poderia aplicar a legislação de 1994 (Decreto nº 1.041, de
11.01.94). Este teria aplicabilidade se a penalidade fosse mais favorável
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
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ao infrator e desde que se tratasse de “ato não definitivamente julgado”
(CTN, art. 106, II). Aqui, porém, como se vê do lançamento (fl. 234), o
Fisco enquadrou a multa no artigo 728, inciso II, do RIR, aprovado pelo
Decreto nº 85.450, de 1980 (50%), e no artigo 4º, inciso I, da Lei nº 8.218,
de 1991 (100%), ambos normativos contemporâneos às infrações. Nada
a reparar, portanto, quanto a este argumento esgrimido pelo apelante.
Tenho por inaplicável o § 2º do artigo 722 do RIR de 1980, como
pretende o autor. É que tal disposição dirige-se às multas moratórias
(as multas moratórias não poderão ultrapassar, na sua totalidade, a
30% da importância inicial da dívida corrigida monetariamente) e aqui
disto não se trata. Multa moratória constitui penalidade decorrente do
descumprimento da obrigação principal no vencimento. Não se confunde
com os juros moratórios, pois estes compensam o atraso no pagamento.
No feito em julgamento, debate-se acerca de multa punitiva, ou seja,
sanção pelo descumprimento de obrigação tributária, que está fixada na
legislação própria.
E por estar fixada na legislação tributária específica e constituir-se em
sanção pelo descumprimento de obrigação tributária é que não se pode
considerá-la confisco, como pleiteia o apelante.
A propósito, o RIR de 1980, em seu artigo 728, inciso II, fixou a multa
em 50% sobre a totalidade ou diferença do imposto devido, nos casos de
falta de declaração e nos de declaração inexata, excetuada a hipótese
de evidente intuito de fraude (inc. III). Já a Lei nº 8.218, de 1991 (art.
4º), a estabelece em 100%, nos casos de falta de recolhimento, de falta
de declaração e nos de declaração inexata, excetuada a mesma hipótese
do normativo anterior. Essa é a situação dos autos. O autor não agiu com
intuito de fraude, mas houve falta de declaração, com o que incidiu no
inciso II do artigo 728 do RIR de 1980 e no artigo 4º da Lei nº 8.218,
de 1991, tal qual busca o apelante neste recurso, e tal qual consta da
notificação do Fisco. (fl. 234)
Importante frisar que o demonstrativo lançado pelo Fisco (fls.
333/337) deixa claro que a multa de 100% somente foi aplicada a partir
de fatos ocorridos em 1992, com o que se ateve inteiramente nos cânones
tributários legais e constitucionais.
Com o advento do novo RIR (Decreto nº 3.000, de 26.03.99), o
percentual de multa aplicável para a infração cometida pelo autor passou
316
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
a ser de 75% (art. 957, I). Nessas condições, aos fatos ocorridos a partir
de 1992, em que o Fisco na autuação aplicou multa no percentual de
100%, consoante legislação da época, incidirá no percentual de 75%,
por aplicação da lei mais benigna e considerando que o ato não está
definitivamente julgado, tanto que o autor o discute nestes autos, nos
termos do que dispõe o artigo 106 do Código Tributário Nacional.
Nada a reparar, por conseguinte, no enquadramento legal da multa,
bem como no percentual fixado pela sentença monocrática.
Por fim, a multa incide sobre a totalidade do imposto devido, consoante
previsão legal:
(RIR de 1980: “ ... 50% sobre a totalidade ou diferença do imposto devido, nos
casos de falta de declaração e nos de declaração inexata ...” – art. 728, II. Lei nº
8.218, de 1991: “ ... Nos casos de lançamento de ofício, nas hipóteses abaixo, sobre a
totalidade ou diferença dos tributos e contribuições devidos ... I- de 100%, nos casos
de falta de recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata, ...” – art.
4º. RIR de 1999: “... Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes
multas, calculadas sobre a totalidade ou diferença de imposto ... I. 75% nos casos de
falta de pagamento ... falta de declaração ...” – art. 957, I).
Foi o que o Fisco fez, como se vê dos demonstrativos acostados aos
autos (fls. 333/337), exceto quanto à aplicação do RIR de 1999. Este,
no entanto, é aplicado por este Colegiado nos termos do que prescreve
o artigo 462 do Código de Processo Civil.
Não há, desta forma, como acolher a pretensão do autor, que busca
neste apelo a incidência somente sobre as diferenças.
Dos honorários advocatícios
A sentença entendeu haver sucumbência recíproca e determinou
que as despesas de custas e honorários sejam suportadas por ambas
as partes, compensando-se. Desta decisão, tanto o autor, quanto a ré,
irresignaram-se.
Os honorários de advogado devem ser fixados consoante apreciação
eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do § 3º do
artigo 20 do Código de Processo Civil, já que se trata de ação em que a
Fazenda Pública restou vencida, embora parcialmente. Nesta linha há que
atentar para o grau de zelo profissional, o lugar da prestação do serviço,
a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado
e o tempo exigido para o seu serviço.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
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Tudo considerado e tendo em conta o provimento parcial do pedido,
o que representa ganho de ambos os litigantes nesta causa, bem como
os precedentes desta Turma, fixo os honorários de advogado, tanto do
autor quanto da ré, em 10% (dez por cento) sobre o montante em que
cada uma das partes foi vencedora. As custas restam compensadas, como
decidido em primeiro grau.
Dispositivo
Isso posto, dou parcial provimento a ambos os apelos e à remessa
oficial, nos termos da fundamentação.
É o voto.
APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Nº 2001.71.00.026060-2/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas
Apelante: Trafo Equipamentos Elétricos S/A
Advogados: Drs. Cláudio Lafayete Guedes e Silva e outro
Apelado: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis - IBAMA
Advogado: Dr. Paulo Fernando Airoldi
EMENTA
Tributário. Taxa de controle e fiscalização ambiental ao IBAMA –
TCFA. Lei nº 10.165/2000. Exigibilidade.
A taxa de controle e fiscalização ambiental tem como fato gerador
o efetivo poder de polícia exercido pelo IBAMA, consubstanciado no
controle, monitoramento e fiscalização das atividades potencialmente
poluidoras ou consumidoras de riquezas naturais, realizadas pelas
empresas que a lei discrimina, nos termos da Lei nº 10.165/2000.
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
A variação dos valores cobrados pela TCFA – de acordo com o potencial
poluidor e o consumo de recursos naturais despendidos pelos vinte grupos
de empresas que a lei arrola – caracteriza a especificidade que se exige
dessa espécie de exação, além de privilegiar os princípios da isonomia
e da proporcionalidade.
Apelação desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório,
voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Porto Alegre, 11 de junho de 2002.
Des. Federal Surreaux Chagas, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas: Trafo Equipamentos
Elétricos S. A. impetra Mandado de Segurança contra ato de agente
do IBAMA, objetivando o reconhecimento da inexigibilidade da Taxa
de Controle e Fiscalização Ambiental - TCFA, instituída pela Lei nº
10.165/2000. Requer a concessão de medida liminar para que seja
suspensa a exigibilidade da exação.
Alega que a exação é inconstitucional pelos seguintes fundamentos:
a) não há ocorrência efetiva do fato gerador eleito pelo legislador, qual
seja, o exercício do poder de polícia pelo IBAMA, mediante a fiscalização
de atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras dos recursos
naturais, porquanto essa atividade é meramente potencial, não podendo
se configurar como poder de polícia, em desacordo com o previsto nos
arts. 76 a 78 do CTN, e 5º, II, 145, II, e 150, I, da Constituição Federal;
b) a cobrança da exação com base no porte da empresa termina por
configurá-la como imposto e não como taxa, já que não há relação
com a efetiva contraprestação do serviço público; c) sendo a exação
configurada como imposto não poderia ter destinação específica, nem a
mesma base de cálculo de outros tributos previstos na Constituição, bem
como deveria ter sido criada por lei complementar, tendo sua instituição
violado, portanto, os arts. 54, I, e 167, IV, da CF/88 e o art. 97 do CTN.
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319
O pedido de medida liminar é indeferido.
As informações são prestadas.
O MM. Juízo, sentenciando, denega a segurança.
Inconformada, a autora interpõe recurso de apelação, repisando os
argumentos expostos na inicial.
Regularmente processada a apelação, sobem os autos.
O Ministério Público Federal, com vista dos autos, opina pelo
improvimento da apelação.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas: Controverte-se acerca da
exigibilidade da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental - TCFA, cujo
fato gerador é a fiscalização pelo IBAMA de atividades potencialmente
poluidoras e utilizadoras dos recursos naturais, instituída pela Lei nº
10.165/2000, que deu nova redação à Lei 6.938/81.
A exação é impugnada pela empresa autora sob o fundamento, em
síntese, de que não há ocorrência efetiva do fato gerador eleito pelo
legislador, qual seja, o exercício do poder de polícia pelo IBAMA;
ademais, a cobrança da exação com base no porte da empresa termina por
configurá-la como imposto e não como taxa, já que não há relação com
a efetiva contraprestação do serviço público; sendo a exação configurada
como imposto, não poderia ter destinação específica, nem a mesma base
de cálculo de outros tributos previstos na Constituição, bem como deveria
ter sido criada por lei complementar.
O exercício do poder de polícia
O art. 17-B da Lei nº 6.938/81, com a redação da Lei nº 10.165/2000,
assim dispõe:
“Fica instituída a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental - TCFA, cujo fato
gerador é o exercício regular do poder de polícia conferido ao Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA para controle e fiscalização
das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais.”
Importa analisar, então, se a atividade realizada pelo IBAMA constituise em poder de polícia que, na lição do tributarista Edvaldo Brito:
“consiste nas medidas utilizadas pelo Estado intervencionista para que o particular
ajuste a sua atividade aos princípios fundamentais da convivência”. (in Revista de
320
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
Direito Tributário, Vol. 3, nos 7-8, jan/jun’’, 979, p. 245)
Poder-se-ia argumentar que, sendo a fiscalização ambiental realizada
por órgãos dos Estados e Municípios, e atuando a autarquia federal
somente em caráter supletivo, o poder de polícia não seria efetivamente
exercido pelo IBAMA, não se justificando a cobrança da taxa em seu
favor.
Ocorre que a competência material em questões ambientais é comum
à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, aos quais compete o
combate à poluição, preservação das florestas, fauna e flora, nos termos
dos arts. 23 e 24 da Constituição Federal.
Na esfera federal, o IBAMA, como órgão executor do Sistema
Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, no âmbito de sua competência,
fiscaliza, licencia, monitora, aplica sanções administrativas ou faz valer,
em relação a terceiros, quaisquer dos instrumentos da política nacional
do meio ambiente, a teor do art. 9º da Lei 6.938/81.
Em atenção à competência comum, a Lei nº 10.165/2000 autoriza
a celebração de convênios do IBAMA com os Estados, os Municípios
e o Distrito Federal para desempenharem atividades de fiscalização
ambiental, podendo repassar-lhes parcela da receita obtida com a TCFA.
(art. 17-Q)
A lei em comento permite ainda a compensação do montante pago
pelo estabelecimento ao Estado, Município ou Distrito Federal em razão
de taxa de fiscalização ambiental com o valor devido a título de TCFA.
(art.17-P)
Dessarte, ainda que outros tributos sejam cobrados pelos demais entes
federados em decorrência de fiscalização ambiental, tal situação não
vai importar em bitributação, tendo em vista tratar-se de competência
comum, não havendo, pois, invasão de competência.
O fato gerador do tributo é, portanto, o exercício do poder de polícia
pelo IBAMA, consubstanciado no controle e fiscalização das atividades
potencialmente poluidoras ou consumidoras de riquezas naturais,
realizadas pelas empresas que a lei discrimina, bem como nas diversas
atividades que a autarquia realiza com a finalidade de proteção do meio
ambiente.
Havendo, pois, efetivo poder de polícia, caracteriza-se a exação
como taxa devida pelas empresas potencialmente poluidoras e
321
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
consumidoras de recursos naturais, na medida em que tais empresas
exijam uma maior ou menor efetividade no exercício do poder de
polícia pela autarquia federal.
Variação da taxa conforme o porte da empresa
Importa analisar, ainda, se a relação do porte da empresa com a
variação do valor devido pela exação, nos termos do § 1º do art. 17-D,
vai de encontro ao disposto no art. 77 do CTN, que veda a criação de
taxa em função do capital das empresas.
O Supremo Tribunal Federal, examinando questão semelhante relativa
à taxa de fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários, cujo fato
gerador era o poder de polícia do referido órgão, e o valor devido variava
de acordo com o patrimônio líquido da empresa, assentou o seguinte
entendimento:
“É certo que a taxa questionada varia em função do patrimônio líquido das empresas.
Isto, porém, não significa seja o patrimônio líquido a sua base de cálculo. Nos tributos
fixos não se faz cálculo. O valor do tributo é determinado diretamente pelo legislador.
No caso, a variação do valor da taxa em função do patrimônio líquido da empresa é
simples fator de realização do princípio constitucional da capacidade contributiva
(Ministro Carlos Velloso, RE 177.835-1/PE)
(...) sobretudo em matéria de taxa de polícia – que remunera uma atividade
permanente e não atos concretos de fiscalização – há de tomar-se como base de cálculo
um dado que razoavelmente indique a exigência da atividade de polícia provocada pelo
contribuinte.” (Ministro Sepúlveda Pertence, nos autos do mesmo processo)
Também a esse respeito manifestou-se a Desembargadora Tania
Escobar, no AG nº 2001.04.01.024017-6/RS, nos seguintes termos:
“Trata-se de tributo fixo, criado sem base de cálculo e sem alíquota (como, aliás,
geralmente são estabelecidas as taxas), em que o faturamento da empresa funciona
não como base imponível, mas como um referencial para se estabelecer a classe do
contribuinte, e, por conseguinte, o valor do tributo por ele devido.
Não há falar, portanto, em ofensa aos artigos 77 do CTN e 145 da CF, que vedam
a criação de taxa em função do capital das empresas ou com base de cálculo e fato
gerador próprios de imposto, pois não há, no caso, tributação do faturamento da pessoa
jurídica, mas tão-somente especificação do quantum do tributo devido com base naquela
grandeza, que são coisas distintas.
Em se tratando de taxa, e levando-se em conta a sua destinação e finalidade, a
única exigência que se impõe, afora aquelas previstas na Constituição e no CTN, é
que seu valor seja estabelecido de forma compatível com o custo da atividade estatal
a qual está vinculada, pena de restar desvirtuada a sua natureza jurídica de taxa, e vir
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a caracterizar-se como imposto novo.”
Dessarte, o faturamento da empresa foi utilizado tão-somente para
efeito de conceituação de empresa de pequeno e médio porte, como
referencial para fixação do quantum devido (art. 17-D), levando em
conta o potencial de poluição e o grau de utilização de recursos naturais
de cada uma das atividades sujeitas à fiscalização. (§ 2º do art. 17-D)
Também nesse sentido manifestou-se o Desembargador Vilson Darós,
que entendeu que:
“a relação entre o exercício do poder de polícia para fiscalização de atividades
poluidoras, o efetivo potencial de poluição e grau de utilização de recursos naturais e
a receita auferida pelo sujeito passivo estabelece-se pelo fato de quem vende mais o
produto objeto do processo poluidor, mais polui e, conseqüentemente, exige do poder
público maior exercício do poder de polícia.”. (AG nº 2002.04.01.004327-2/SC,
Segunda Turma, julg. em 30.04.2002)
Questão intimamente associada a esta é a relativa à incidência da taxa
sobre cada estabelecimento da empresa, e não sobre a empresa como
um todo. A incidência por estabelecimento faz com que uma empresa
de grande porte, que tenha muitos estabelecimentos, pague uma TCFA
superior àquela que tenha um número menor de unidades.
Ocorre que o exercício do poder de polícia – licenciamento,
fiscalização, monitoramento etc. – se dá justamente em relação a cada
unidade empresarial.
Ademais, o impacto ecológico da instalação de uma empresa (impacto
de ocupação do solo, subsolo, águas adjacentes e ar) também ocorre em
relação a cada um de seus estabelecimentos.
Dessa forma, tem-se que o critério estabelecido pelo legislador
prestigia os princípios da isonomia e da proporcionalidade.
Conclui-se, pois, que a TCFA, instituída pela Lei 10.165/2000, não
padece de qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade.
Outrossim, não se constituindo o tributo em questão em imposto, mas
em taxa devida pelo exercício do poder de polícia, como acabamos de ver,
resultam impertinentes as alegações de necessidade de lei complementar,
em vícios decorrentes de vinculação específica ou em identidade de base
de cálculo com outros tributos.
Ante o exposto, nego provimento à apelação.
É como voto.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
323
APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Nº 2001.71.10.002157-5/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares
Apelante: Ind. de Conservas Patzlaff Ltda.
Advogado: Dr. Aldo Alfredo Muller
Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogada: Dra. Patricia Helena Bonzanini
EMENTA
Prorural. Declaração de inexigibilidade da contribuição. Repetição
do indébito. Ilegitimidade ativa da retentora. Obrigação de reter.
Legalidade. Contribuição social sobre comercialização de produtos
agrícolas. Prescrição. Exigibilidade. Lei complementar. Desnecessidade.
Prazo nonagesimal. Produtor rural pessoa jurídica. ADIn nº 1.103-1/
DF. Cumulatividade de fatos geradores de contribuição e imposto.
Compensação. Juros e correção monetária.
1. A empresa adquirente de produção agrícola, na qualidade de
retentora da exação, não paga a contribuição sobre a comercialização da
produção do produtor rural, mas apenas procede ao recolhimento, não
estando legitimada a postular a declaração de inexigibilidade da exação
ou a repetição do indébito, pena de enriquecimento ilícito. 2. A obrigação
de reter e recolher o tributo devido por terceiro não encontra óbice legal
ou constitucional. 3. O parágrafo primeiro do art. 3º da Lei nº 7.787/89
deve ser compreendido no contexto do caput do artigo. Da exegese do
dispositivo mencionado subsume-se que a supressão da contribuição
ao PRORURAL abrange somente aquela incidente sobre a folha de
salários (inc. II do art. 15 da LC n.º 11/71), restando incólume e exigível
a contribuição sobre o valor comercial dos produtos rurais (inc. I do art.
15 da LC nº 11/71). 4. Despicienda a edição de lei complementar para a
instituição de contribuições constitucionalmente previstas. 5. O art. 23,
I, da Lei Orgânica da Seguridade Social obrigou as empresas a contribuir
sobre sua receita bruta, contribuição que foi extinta em 1º.04.92 pela LC
nº 70/91. 6. Na ADIn nº 1.103-1/DF o eg. Supremo Tribunal Federal
julgou inconstitucional apenas o parágrafo segundo do art. 25 da Lei
n.º 8.870/94, o qual estendia às empresas agroindustriais a aplicação do
dispositivo. 7. O princípio da não-cumulatividade veda a instituição de
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
múltiplos impostos ou contribuições com mesmo fato gerador, mas não
proíbe a coincidência de fatos geradores entre imposto e contribuição. 8. É
possível a compensação dos valores recolhidos a maior a título da exação,
nos moldes dos diplomas mencionados, com tributos e contribuições de
mesma espécie e destinação constitucional, de acordo com o art. 66 da
Lei nº 8.383/91. Precedentes do STJ. 9. A correção monetária deve ser
efetuada em conformidade com a Súmula 162 do STJ, utilizando-se os
índices do OTN, BTN, INPC e UFIR, incluídos os expurgos da Súmula
37 desta Corte. Juros à taxa SELIC, incidentes a partir de janeiro de 1996
e inacumuláveis com qualquer índice atualizatório.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, de ofício, extinguir parcialmente o feito sem julgamento
do mérito e dar parcial provimento ao apelo, nos termos do relatório,
voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Porto Alegre, 4 de junho de 2002.
Des. Federal Dirceu de Almeida Soares, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares: Trata-se de
apelação de sentença que denegou a segurança pleiteada, julgando
improcedente o pedido de declaração de inexigibilidade da contribuição
ao FUNRURAL incidente sobre a comercialização de sua produção rural
e sobre a aquisição de produtos rurais. Também restou improvido o pleito
de compensação dos valores indevidamente recolhidos.
A impetrante postulou a reforma do decisum, alegando que a
contribuição destinada ao FUNRURAL não fora contemplada pelo
art. 195, I, da Constituição Federal de 1988, e, portanto, não fora
recepcionada. Aduziu que a contribuição sobre a comercialização de
produtos rurais tem a mesma hipótese de incidência da COFINS e do
ICMS e que a contribuição do art. 25 da Lei nº 8.870/94 não tem fato
gerador previsto na Constituição Federal. Defendeu a adequação da
via mandamental para a declaração do direito a compensar o indébito
tributário e a inocorrência de decadência.
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
Com contra-razões, e parecer do Ministério Público Federal pelo
improvimento do apelo, vieram os autos.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares: Trata-se de
apelação de sentença que denegou a segurança pleiteada, julgando
improcedente o pedido de declaração de inexigibilidade da contribuição
ao FUNRURAL incidente sobre a comercialização de sua produção rural
e sobre a aquisição de produtos rurais, bem como de compensação dos
valores indevidamente recolhidos.
Legitimidade Ativa
Primeiramente, cabe analisar a legitimidade da impetrante para
postular a inexigibilidade da contribuição social sobre o produto rural
adquirido do agricultor e a repetição de valores recolhidos indevidamente.
Esta Corte tem-se pronunciado pela possibilidade de as cooperativas
agrícolas (na condição de adquirentes do produto rural) figurarem no pólo
ativo de demanda em que se questiona a inexigibilidade da contribuição.
As seguintes ementas ilustram tal entendimento:
“CONTRIBUIÇÕES AO FUNRURAL. COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS
AGRÍCOLAS. COOPERATIVA. LEGITIMIDADE ATIVA.
(...)
Sendo a cooperativa responsável pelo recolhimento das contribuições da Previdência
Rural, é sujeito passivo da obrigação, logo, legitimada para discutir a exigibilidade da
exação. (...)”. (AC nº 2000.71.03.002011-0/RS, Rel. Juiz Federal Marcelo De Nardi,
2ª Turma, DJU 06.03.2002, bol. 52/02)
“TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA.
RESPONSÁVEL. LEGITIMIDADE. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA RURAL.
PEQUENO PRODUTOR. ART-25, LEI-8.212/91. CONSTITUCIONALIDADE.
1. O responsável tributário tem legitimidade para impetrar mandado de segurança
questionando a cobrança da contribuição. Hipótese distinta da simples repetição
de indébito. 2. É constitucional a contribuição do produtor rural (pessoa física
e segurado especial) incidente sobre a receita bruta da comercialização de sua
produção. 3. Para efeitos fiscais o conceito de faturamento coincide com o de receita
bruta. 4. Apelação do INSS e remessa oficial providas. Apelação da Cooperativa
improvida.” (AMS nº 96.04.61289-1/PR, Rel. Des. Federal Fernando Quadros da
Silva, 1º Turma, DJ 27.01.99, p. 343)
“EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. LEGITIMIDADE. PREVIDÊNCIA
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RURAL. CONTRIBUIÇÕES. Sendo a cooperativa responsável pelo recolhimento das
contribuições da Previdência Rural, é sujeito passivo da obrigação, logo, legitimada
para discutir a constitucionalidade da exação.” (AMS nº 94.04.36139-9/PR, Rel. Des.
Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, 1ª Turma, DJ 27.11.96, p. 91.402)
Com a devida vênia, ouso divergir do respeitável entendimento pelas
seguintes razões:
Ocorre que a Lei nº 8.212/91, ao seu art. 30, III e IV, atribuiu às
empresas adquirentes a obrigação de recolher a contribuição devida pelo
agricultor sobre a comercialização de sua produção. A contribuição, no
entanto, é do produtor rural, como evidencia a redação do artigo 25 do
mesmo diploma legal. É que o art. 30 trata da forma de recolhimento e
arrecadação, ou seja, o procedimento pelo qual se dará o adimplemento
da contribuição, e sub-roga as empresas adquirentes nas obrigações do
produtor rural para viabilizar o recolhimento.
Para entender essa sub-rogação, é necessário atentar-se para o texto
da Lei 8.212/91:
“Art. 30 – A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras
importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas:
(…)
III - a empresa adquirente, consumidora ou consignatária ou a cooperativa são
obrigadas a recolher a contribuição de que trata o artigo 25, até o dia 2 do mês
subseqüente ao da operação de venda ou consignação da produção, independentemente
de estas operações terem sido realizadas diretamente com o produtor ou com
intermediário pessoa física, na forma estabelecida em regulamento;
IV - a empresa adquirente, consumidora ou consignatária ou a cooperativa ficam
sub-rogadas nas obrigações da pessoa física de que trata a alínea a do inciso V do
artigo 12 e do segurado especial pelo cumprimento das obrigações do artigo 25 desta
Lei, independentemente de as operações de venda ou consignação terem sido realizadas
diretamente com o produtor ou com intermediário pessoa física, exceto no caso do
inciso X deste artigo, na forma estabelecida em regulamento; (...)”. (grifei)
Em outras palavras, a empresa adquirente fica sub-rogada nas
obrigações do produtor rural pelo cumprimento das obrigações do
artigo 25 desta Lei. Embora não esteja clara a redação do inciso,
pode-se compreender que a sub-rogação se dá quanto às obrigações
de recolhimento, do procedimento de entregar o valor do tributo à
autarquia credora. Não há sub-rogação das obrigações do artigo 25 da
Lei nº 8.212/91, ou seja, da obrigação de contribuir. Esse entendimento
é corroborado pela integração do inciso ao contexto do caput do artigo,
327
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
que refere as formas de arrecadação e recolhimento das contribuições
destinadas à Seguridade Social, nada tratando das contribuições em si.
Destaque-se: a empresa adquirente está obrigada não no pagamento
da exação, mas apenas no seu recolhimento. É o procedimento de reter
e recolher que se imputa à empresa adquirente com o fito de tornar
funcional a realização do tributo.
Dessa forma, a empresa adquirente caracteriza-se como retentora da
exação, não se confundindo com a figura do substituto tributário. Sacha
Calmon Navarro Coêlho, em seu Curso de Direito Tributário Brasileiro,
6ª Ed., Editora Forense, Rio de Janeiro, 2001, faz a distinção entre
responsabilidade tributária e retenção na fonte, assim lecionando (p. 614):
“RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
O responsável pelo pagamento da dívida tributária é sempre partícipe de uma relação
jurídica de débito, primária ou secundária.
(...)
- Porque, embora não tenha praticado o fato gerador, deve pagar o tributo por força
de lei. (sujeito passivo por substituição daquele que deveria ser o contribuinte)
RETENÇÃO NA FONTE
O que retém tributo devido por terceiro não é partícipe de uma relação jurídicotributária. Quando entra, torna-se responsável (caso da lei que atribui ao retentor o dever
de pagar, se não retiver). Ele simplesmente age como agente de arrecadação, por ter à
sua disposição o dinheiro de terceiros obrigados, em razão de relações extratributárias.”
Vê-se, desde logo, que não há substituição tributária no presente caso.
A empresa adquirente, por dispor do valor a pagar ao produtor rural por
sua produção, simplesmente age como agente de arrecadação, retendo o
percentual devido pelo contribuinte para posterior repasse à Previdência
Social. Porque, do texto legal, exsurge que o produtor não apenas deveria
ser o contribuinte como o é.
Nesse caso, o produtor rural, na qualidade de contribuinte, não perde
a legitimidade para pleitear a inexigibilidade da exação e a repetição dos
valores (que, em última análise, foi ele quem recolheu) simplesmente
por causa da interposição da figura da empresa adquirente, na qualidade
de retentora, entre ele e o Fisco.
De outra forma, o produtor, que tem abatido do valor de sua produção
a contribuição social, ficaria dependente da iniciativa da retentora para
ver declarada inexigível a exação. A prevalecer esse entendimento,
estar-se-ia tolhendo o direito de postular a declaração de ilegalidade
328
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
da contribuição daquele que efetivamente sofre com a sua exigência e,
de outro lado, outorgando tal direito à parte que tem como obrigação
apenas o procedimento de retenção e recolhimento, que não importa em
desvantagem econômica direta.
Não se diz aqui que a empresa adquirente não se poderia insurgir contra
a sua obrigação de reter e recolher a exação. De fato, tal procedimento
pode envolver custos administrativos e burocracia indesejáveis.
Nesse caso, a empresa adquirente pode requerer a sua desobrigação
do recolhimento da exação, pois aí concentra-se seu interesse, e não
a declaração de inexigibilidade da contribuição. Isso porque o tributo
contra ela não é exigível, mas apenas o procedimento de recolhimento
da exação pode ser-lhe reclamado.
Esposando o mesmo entendimento, Sacha Calmon Navarro Coêlho
(op. cit. p. 614) extrai da distinção entre a substituição tributária e a
retenção na fonte as seguintes conseqüências:
“- Só ao retentor pode ser imputado o delito de apropriação indébita. Os responsáveis
só podem ser inadimplentes, nada mais.
- O dever de retentor é fazer (facere) — fazer a retenção e fazer a entrega do tributo
retido. O dos responsáveis é de dar (dare).
- O retentor jamais tem legitimidade para pedir a repetição, porque nada pagou,
só reteve e entregou. Tampouco tem legitimidade para impugnar a exigência, por falta
de interesse econômico ou moral. O responsável, seja qual for a modalidade, pode
impugnar a exigência. (...)”.
Ainda, não alteraria o quadro exposto, ou seja, a definição da
parte legítima à discussão judicial da exigibilidade do tributo e à
postulação da repetição do indébito, o fato de se vislumbrar, na
hipótese, a existência de substituição tributária (art. 121, parágrafo
único, II, c/c o art. 128 do CTN). Essa espécie de responsabilidade,
cumpre referir, ocorre quando o legislador erige à condição de sujeito
passivo da relação jurídico-tributária pessoa diversa daquela que tem
“relação pessoal e direta com o fato gerador” (art. 121, parágrafo único,
I, do CTN). Logo, em se tratando da contribuição previdenciária versada
nos autos, haveria, segundo o entendimento, a qualificação da empresa
adquirente como substituta legal.
Com efeito, nessa situação, existindo mecanismo institucionalizado
de repercussão (jurídica) do tributo recolhido – que se verifica quando
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
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“o legislador, ao criar a incidência jurídica do tributo, cria regra jurídica que outorga
ao contribuinte de jure o direito de repercutir o ônus econômico do tributo sobre
determinada pessoa”,
por meio de reembolso ou retenção, segundo a lição de Alfredo Augusto
Becker (em Teoria Geral do Direito Tributário, Ed. Saraiva, 2ª Edição,
São Paulo, 1972, p. 487) – ocorreria a presunção de que a responsável
deixou de arcar com o ônus da tributação e, assim sendo, ela não ostentaria
legitimatio ad causam. A questão foi assim resumida pelo doutrinador
(op. cit., p. 525):
“O contribuinte de jure não tem legitimidade para pedir a restituição do tributo
por ele pago indevidamente, no caso de repercussão jurídica do tributo, isto é, quando
a lei outorga ao contribuinte ‘de jure’ o direito de reembolso ou retenção do tributo
perante uma terceira pessoa”.
Especificamente acerca do fenômeno da repercussão por retenção,
Alfredo Augusto Becker definiu, com clareza, o modo como se opera,
nos seguintes termos (op. cit., p. 527):
“Em se tratando de direito de ‘retenção’, sua satisfação [do substituto tributário]
se processa mediante a compensação com um dever jurídico (‘débito’) do substituído
perante o substituto, decorrente de negócio jurídico celebrado entre substituto e
substituído e que por eles foi celebrado paralelamente à substituição legal tributária,
isto é, sem assumirem a qualidade jurídica de substituto e substituído”.
No mesmo sentido, é o escólio de Sacha Calmon Navarro Coêlho
(op. cit., p. 615):
“Os substitutos, contudo, não podem, por conta própria, repetir o indébito, fato que
os aproxima um pouco dos retentores e dos contribuintes dos impostos de repercussão
jurídica (art. 166 do CTN). É que os substitutos devem se forrar, pela prática dos
negócios, dos ônus da substituição, sem cogitarem do direito civil de regresso, porque
não pagam dívidas de terceiros, mas débitos próprios por fatos geradores alheios à sua
disposição”.
Ora, em casos como o presente, o abatimento do valor da contribuição
social incidente sobre a comercialização dos produtos do montante pago
pela empresa ao produtor a título de contraprestação nada mais seria
do que a retenção do quantum da prestação tributária, como forma de
ressarcir-se do recolhimento efetuado. Logo, ainda que se entendesse
estar-se diante do fenômeno da substituição tributária, somente se
houvesse a comprovação de que efetivamente arcou com o encargo
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
ou de que está autorizada a demandar a restituição é que seria lícito à
responsável deduzir, em juízo, a pretensão ressarcitória das contribuições
indevidamente pagas.
O em. Juiz Federal Alcides Vettorazzi esposou o mesmo entendimento
em caso análogo, lavrando a seguinte ementa:
“TRIBUTÁRIO. FUNRURAL. LC 11/71 ART. 15-I. INSS LEI 8.212, ART. 25
E ALTERAÇÕES PELAS LEIS 8.540 8.870 9.528. AQUISIÇÃO DE PRODUTOS
RURAIS JUNTO A PRODUTORES PESSOAS FÍSICAS. PRELIMINAR.
ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO ADQUIRENTE. EXTINÇÃO DO FEITO.
1. A empresa pessoa jurídica, desenvolvendo atividade industrial frigorífica, é
responsável legal tributária pela contribuição previdenciária, devida pelos produtores rurais
pessoas físicas empregadoras, decorrente das vendas, por estes ao frigorífico, de bovinos e
suínos. Nessa condição de responsável, o frigorífico não tem legitimidade ativa ad causam
para discutir a constitucionalidade da exação porque não é ele quem suporta o ônus
econômico do tributo e sim os produtores rurais, vez que o adquirente desconta destes
o valor da contribuição limitando-se a repassá-la ao ente público. 2. Processo extinto
sem julgamento de mérito (art. 267-VI do CPC). 3. Apelo prejudicado.”. (AMS nº
2000.70.06.001172-7, Rel. Juiz Federal Alcides Vettorazzi, 2ª Turma, DJU 23.1.02,
p. 324)
Não se nega aqui que a inexigibilidade da exação tenha efeito no
campo jurídico da retentora. É claro que, se a contribuição é inexigível,
a empresa adquirente não tem o dever de reter e recolher. Assim, pode a
empresa adquirente intentar ação em que postule a exoneração do dever
de proceder ao recolhimento fundamentada na inexigibilidade da exação.
Diferente do caso presente, em que a inexigibilidade do tributo figura
não como causa de pedir, mas como o próprio pedido, cumulado ainda
com a repetição do indébito. Em vingando tal tese — de que é legitimada a
empresa adquirente para litigar pela repetição dos valores retidos a maior
— estar-se-ia possibilitando que, no caso de uma eventual procedência,
a retentora recebesse de volta um valor que nunca desembolsou,
enriquecendo-se ilicitamente às custas da Previdência Social.
Assim, deve ser extinto o feito sem julgamento do mérito com relação
ao pleito por inexigibilidade da exação devida pelos produtores rurais
na comercialização de sua produção com a impetrante e por repetição
do indébito, em função da ilegitimidade ativa.
Vencido o ponto, passo à análise do pedido de “inexigibilidade do
recolhimento da contribuição para o FURURAL” (fl. 24 – sic) e de
repetição dos valores pagos pela impetrante a título de contribuição social
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sobre a comercialização de sua própria produção rural.
Obrigação de Reter a Contribuição
Como visto, a obrigação de reter o tributo é uma obrigação de fazer,
e não de dar. Sendo assim, como inexiste interesse da retentora em
se desobrigar de fazer o que já fez, a análise a ser feita restringe-se à
obrigação de reter a contribuição presentemente exigida.
A contribuição do empregador rural e do produtor rural pessoa física
sobre a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção
está prevista no art. 25, I, da Lei nº 8.212/91, sendo que seu fato gerador
encontra previsão na Constituição Federal ao art. 195, I, b, II, e § 8º. Já
a obrigação de retenção decorre do art. 30, III e IV, da já referida Lei do
Plano de Custeio da Seguridade Social. Ora, a imposição da obrigação
de recolher o tributo devido por terceiro não é estranha ao ordenamento
jurídico pátrio, inexistindo óbice legal ou constitucional ao procedimento.
Dessa forma, improcede a insurgência da impetrante contra a sua
obrigação de reter e recolher o tributo devido pelos agricultores de quem
adquire o produto rural.
Contribuição da Pessoa Jurídica ao PRORURAL: Folha de Salários
X Valor Comercial de Produtos Rurais
A Lei Complementar nº 11, de 25 de Maio de 1971, instituiu o
Programa de Assistência ao Trabalhador Rural – PRORURAL, cuja
execução foi incumbida ao Fundo de Assistência ao Trabalhador
Rural – FUNRURAL, com o intuito de prover ao trabalhador rural e
seus dependentes amparo previdenciário e social. O art. 15 do referido
diploma legal estabeleceu como fontes de custeio do programa a
contribuição de 2% (aumentada para 2,5% pelo Decreto nº 83.081/79
para custear as prestações por acidentes de trabalho) a cargo do
produtor sobre o valor comercial dos produtos rurais (inciso I, a e b)
e a contribuição de 2,6% sobre a folha de salários dos empregados em
geral, dos quais 2,4% destinavam-se ao FUNRURAL. (inciso II)
A partir de 1973, com a vigência da LC nº 19, as empresas
agroindustriais passaram a recolher a contribuição incidente sobre a folha
de salários em favor do INPS (setor industrial) e a contribuição sobre a
comercialização dos produtos rurais para o FUNRURAL. (setor agrário)
Com a instituição do SINPAS – Sistema Nacional de Previdência e
332
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
Assistência Social pela Lei nº 6.439/77, a administração do PRORURAL
passou a competir ao INPS (art. 5º, III), sendo mantidas as fontes de
custeio do programa do modo como exigidas pelo FUNRURAL até
então (art. 2º). A instituição autárquica do FUNRURAL, por sua vez,
ficaria extinta a partir da implantação definitiva do SINPAS, conforme
prenunciado pelo caput do art. 27 da referida lei.
A nova ordem constitucional de 1988 recepcionou expressamente
as fontes de custeio do PRORURAL como formuladas na LC nº 11/71,
ao determinar a forma de financiamento da seguridade social. Veja-se:
“Art. 195 – A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta
e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I – dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;
(...)”. (redação original)
Pouco mais tarde, em 30 de junho de 1989, a Lei nº 7.787, em seu
art. 3º, estabeleceu:
“Art. 3º. A contribuição das empresas em geral e das entidades ou órgãos a ela
equiparados, destinada à Previdência Social, incidente sobre a folha de salários, será:
I - de 20% sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, no
decorrer do mês, aos segurados empregados, avulsos, autônomos e administradores;
II - de 2% sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês,
aos segurados empregados e avulsos, para o financiamento da complementação das
prestações por acidente do trabalho.
§ 1º. A alíquota de que trata o inciso I abrange as contribuições para o saláriofamília, para o salário-maternidade, para o abono anual e para o PRORURAL, que
ficam suprimidas a partir de 1º de setembro, assim como a contribuição básica para
a Previdência Social.
§ 2º. No caso de bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de
desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e
investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras, distribuidoras
de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de
crédito, empresas de seguros privados e capitalização, agentes autônomos de seguros
privados e de crédito e entidades de previdência privada abertas e fechadas, além das
contribuições referidas nos incisos I e II, é devida a contribuição adicional de 2,5%
sobre a base de cálculo referida no inciso I.” (grifei)
Entenda-se que a extinção das contribuições ao PRORURAL de
que trata o § 1º retro refere-se tão-somente àquela incidente sobre a
folha de salários (inc. II do art. 15 da LC nº 11/71), como se denota da
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
333
leitura do caput do artigo, devendo ser compreendido nesse contexto. A
supressão não se estende, portanto, às contribuições incidentes sobre o
valor comercial dos produtos agrícolas recolhidas pelo produtor.
Dessa forma, a contribuição social sobre o valor da comercialização
dos produtos agrícolas estabelecida pelo art. 15, I, a e b, da LC nº 11/71
restou incólume e exigível, a despeito da supressão da contribuição
incidente sobre a folha de salários, instituída no inciso II do mesmo
dispositivo legal pela Lei nº 7.787/89.
Nesse sentido, os julgados do eg. Superior Tribunal de Justiça, como
o que segue:
“TRIBUTÁRIO - AGRAVO REGIMENTAL - RECURSO ESPECIAL –
CONTRIBUIÇÃO PARA O FUNRURAL – LEGALIDADE.
I. A legislação sobre a contribuição para o FUNRURAL foi recepcionada pela
Constituição Federal de 1988.
II. O artigo 3º da Lei 7.787/89 suprimiu a contribuição sobre a folha de salários,
prevista no artigo 15, inciso II, da Lei Complementar nº 11, de 1971, e não a contribuição
sobre o valor dos produtos rurais prevista no inciso I do mesmo artigo.
III. Somente com a entrada em vigor do novo regime de Previdência Social,
inaugurado com a promulgação da Lei 8.213/91, é que se deu a revogação expressa
da contribuição para o FUNRURAL incidente sobre o valor comercial do produto (art.
138 da Lei 8.213/91).
IV. Agravo regimental improvido.”. (AGREsp nº 278.751/SC, Rel. Ministro
Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ de 11.06.2001, p. 120)
No julgamento dos Embargos Infringentes em AC n.º
2000.71.04.001354-0/RS, em 6 de fevereiro de 2002, acórdão publicado
no DJU de 27.02.2002, da lavra do eminente Juiz Federal Marcelo De
Nardi, a mesma orientação restou pacificada na Primeira Seção desta
Corte:
“CONTRIBUIÇÕES AO FUNRURAL. COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS
AGRÍCOLAS.
A contribuição ao FUNRURAL que restou extinta com o advento da Lei nº 7.787/89
é a prevista no art.15, inc. II, da Lei Complementar nº 11, de 1971, incidente sobre a folha
de salários. Contudo, a contribuição dos produtores sobre o valor da comercialização
dos produtos (art. 15, inc. I) manteve-se plenamente exigível.”
Finalmente, em 1991, as Leis nos 8.212 e 8.213 cuidaram de acolher
o trabalhador rural no Regime Geral da Previdência Social, extinguindo
definitivamente o regime previdenciário do PRORURAL (art. 138 da
Lei nº 8.213/91). No mundo fático, entretanto, nada se modificou: o
334
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
trabalhador rural continuou sendo beneficiado pela Previdência Social
e a empresa rural continuou a contribuir sobre a receita (proveniente,
ou não, da comercialização da produção rural) para custear o regime
previdenciário. É o que se denota dos arts. 12, VII (inclusão do
trabalhador rural como segurado especial da Previdência Social), e 23,
I. (contribuição social sobre a receita bruta)
A Lei nº 8.212/91, muito embora faça distinção entre o produtor rural
pessoa física e a empresa rural, não excluiu a pessoa jurídica da exigência
de contribuição sobre a sua receita bruta, ou seja, sobre a comercialização
de sua produção — vide o art. 23, I:
“Art. 23. As contribuições a cargo da empresa provenientes do faturamento e do
lucro, destinadas à Seguridade Social, além do disposto no artigo 22, são calculadas
mediante a aplicação das seguintes alíquotas:
I - 2% (dois por cento) sobre sua receita bruta, estabelecida segundo o disposto
no § 1º do artigo 1º do Decreto-Lei nº 1.940, de 25 de maio de 1982, com a redação
dada pelo artigo 22 do Decreto-Lei nº 2.397, de 21 de dezembro de 1987, e alterações
posteriores; (omissis)” (grifei).
A redação do dispositivo é explícita, e não faz discriminação quanto
à atividade a que se dedica a empresa contribuinte, sendo exigível a
alíquota, portanto, de produtores rurais pessoas jurídicas.
Há que se esclarecer, neste ponto, que a Lei Orgânica da Seguridade
Social apenas regulamentou as contribuições previstas no art. 195, II, e
§ 8º, da Constituição Federal, sendo, portanto, despicienda a edição de
lei complementar para sua instituição.
Nesse contexto, ressalve-se que as contribuições instituídas pela
Lei nº 8.212/91 só passaram a ser exigíveis decorridos 90 dias da
publicação do texto legal, por força do disposto no § 6º do art. 195 da
Constituição Federal. A extinção do regime legal da LC nº 11/71, por
outro lado, ocorreu imediatamente à publicação da Lei nº 8.213/91. Por
essa razão, no período entre 25 de julho de 1991 (data da extinção do
regime previdenciário da LC nº 11/71) e 23 de outubro de 1991 (fim do
prazo nonagesimal), não havia contribuição social exigível incidente sobre
a comercialização da produção rural.
A partir de 1º de abril de 1992, foi extinta a alíquota do inc. I do art. 23
da Lei nº 8.212/91 pela Lei Complementar nº 70/91 (art. 9º), que passou
a regular as contribuições sobre a receita e o faturamento das empresas.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
335
Por fim, a Lei nº 8.870/94 substituiu, com relação às empresas que se
dediquem à produção rural, a contribuição sobre a folha de salários do
art. 22 da Lei Orgânica da Seguridade Social por contribuição incidente
sobre o resultado da venda dos produtos rurais, exigível a partir de 14
de Julho de 1994, em respeito ao prazo nonagesimal.
A propósito, o eg. Supremo Tribunal Federal, no julgamento da
ADIn nº 1.103-1/DF, entendeu pela inconstitucionalidade apenas do
§ 2º do art. 25 da Lei nº 8.870/94, que propunha estender às empresas
agroindustriais a aplicação do caput do dispositivo. Assim, o caput,
incisos e demais parágrafos do art. 25 da referida lei, por constitucionais,
restaram vigentes e aplicáveis, a substituir a alíquota incidente sobre a
folha de salários por contribuição sobre comercialização.
Assim, tem-se que:
a) das contribuições que custeavam o PRORURAL, somente a
incidente sobre a folha de salários (art. 15, II, da LC n.º 11/71) fora
extinta pela Lei nº 7.787, já em 1989;
b) a contribuição ao PRORURAL incidente sobre a comercialização
de produtos agrícolas (art. 15, I, a e b, da LC n.º 11/71) permaneceu
incólume até a edição da Lei nº 8.213/91, quando foi suprimida;
c) a Lei nº 8.212, também de 1991, instituiu alíquota sobre a
comercialização de produtos agrícolas idêntica a que era cobrada em favor
do PRORURAL, mantendo inalterada a situação fática do contribuinte
produtor rural pessoa jurídica;
d) no período entre 25.07.91 e 23.10.91 não são exigíveis as
contribuições sociais incidentes sobre a comercialização da produção
rural (receita), em razão do princípio da anterioridade nonagesimal;
e) a LC nº 70/91 extinguiu, a partir de 1º.04.92, a alíquota do art. 23, I,
da Lei nº 8.212/91, passando a regular as contribuições sociais incidentes
sobre a receita e o faturamento das empresas; e
f) a Lei nº 8.870/94 substituiu, com relação às empresas que se dedicam
à produção agrícola, a contribuição incidente sobre a folha de salários do
art. 22 da Lei nº 8.212/91 por contribuição incidente sobre a venda do
seu produto, exigível a partir de 14.07.94 (anterioridade nonagesimal).
Identidade de Base de Cálculo entre Contribuição e Imposto
Por outro lado, a circunstância de o fato gerador das exações em
336
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002
comento ter a mesma base de cálculo do ICMS não viola o art. 195,
§ 4º, da CF, pois não há proibição quanto à coincidência da base de
cálculo da contribuição com a base de cálculo de imposto já existente. A
vedação se dá quanto à instituição de duas ou mais contribuições (e não
impostos) com o mesmo fato gerador. Assim entendeu o Pleno do eg.
STF no julgamento do RE nº 228.321-RS, rel. Ministro Carlos Velloso,
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337
Branca
ÍNDICE NUMÉRICO
Branca
340
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DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO CIVIL
2000.04.01.081020-1/RS (AC)
2000.04.01.091761-5/SC (AC)
2000.70.09.003225-3/PR (AC)
2000.71.02.002228-5/RS (AC)
2001.04.01.078684-7/PR (AC)
2001.71.00.015680-0/RS (AMS)
2001.72.00.003026-0/SC (AC)
Rel. Desa. Federal Marga Barth Tessler.................................................63
Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz..................71
Rel. Des. Federal Valdemar Capeletti...................................................81
Rel. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère.........................87
Rel. Desa. Federal Marga Barth Tessler...............................................93
Rel. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère.........................97
Rel. Des. Federal Edgard Lippmann..................................................100
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
1998.04.01.094579-1/SC (ACR)
1999.71.05.004229-4/RS (ACR)
2000.04.01.015914-9/RS (ACR)
2000.04.01.019165-3/PR (ACR)
2000.04.01.056441-0/RS (ACR)
2000.04.01.111516-6/SC (ACR)
2001.04.01.006513-5/PR (ACR)
2001.04.01.067669-0/RS (ACR)
2001.04.01.079268-9/PR (ACR)
2002.04.01.007778-6/RS (HC)
2002.04.01.011278-6/RS (HC)
2002.04.01.016453-1/SC (HC)
1999.04.01.007365-2/RS (EIAC)
2001.04.01.059457-0/RS (AC)
2001.04.01.067885-6/RS (AC)
2001.71.01.000617-2/RS (AC)
2001.72.00.003278-4/SC (AC)
2002.04.01.004532-3/RS (AMS)
Rel. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti....................................109
Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro........................................115
Rel. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti...................................126
Rel. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa......................................130
Rel. Des. Federal Vladimir Freitas.....................................................150
Rel. Des. Federal Volkmer de Castilho...............................................160
Rel. Des. Federal José Germano da Silva...........................................166
Rel. Des. Federal José Germano da Silva...........................................175
Rel. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa......................................186
Rel. Des. Federal Vladimir Freitas.....................................................200
Rel. Des. Federal Volkmer de Castilho...............................................212
Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro........................................216
DIREITO PREVIDENCIÁRIO
Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado...............................225
Rel. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira........................230
Rel. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira........................234
Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado.............................239
Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz.........................................243
Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz.........................................246
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
95.04.41304-8/RS (AR)
1998.04.01.077115-6/SC (EEIAC)
1999.04.01.123702-4/RS (AG)
2000.04.01.054926-2/PR (AG)
2000.04.01.104919-4/PR (AG)
2000.04.01.139082-7/RS (AC)
2000.71.00.033105-7/RS (AMS)
2000.71.04.007783-8/RS (AC)
2001.04.01.019085-9/RS (CC)
Rel. Des. Federal Edgard Lippmann....................................................255
Rel. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria........................................258
Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon.................................261
Rel. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde...................................266
Rel. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde...................................268
Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon.................................271
Rel. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares......................................274
Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz.....................280
Rel. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria........................................283
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 339-342, 2002
341
DIREITO TRIBUTÁRIO
1999.04.01.047507-9/SC (AG)
1999.04.01.119949-7/SC (AG)
2000.70.00.022041-5/PR. (AC)
2001.04.01.089389-5/RS (AC)
2001.71.00.026060-2/RS. (AMS)
2001.71.10.002157-5/RS (AMS)
342
Rel. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida.............................291
Rel. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida.............................295
Rel. Des. Federal Surreaux Chagas....................................................299
Rel. Des. Federal Vilson Darós..........................................................307
Rel. Des. Federal Surreaux Chagas....................................................317
Rel. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares......................................323
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 339-342, 2002
ÍNDICE ANALÍTICO
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 339-342, 2002
343
BRanca
344
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002
A
ABSOLVIÇÃO
Vide ESTELIONATO
ABSORÇÃO DE CRIME
Vide ESTELIONATO
AÇÃO CONSIGNATÓRIA
Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL
ACIONISTA
Vide IMPOSTO DE RENDA
ADVOGADO
Sigilo – Vide INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA
APOSENTADORIA POR IDADE
Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
ARREMATAÇÃO
Bem hipotecado. Registro de imóveis. Cancelamento. Hipoteca.
Crédito tributário. Direito de preferência.
Ilegitimidade ativa. Credor hipotecário. Argüição de nulidade.
Omissão. Intimação. Execução fiscal. Possibilidade. Embargos à execução.
Embargos à arrematação...........................................................................................261
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002
345
ASSOCIAÇÃO DE CLASSE
Vide LEGITIMIDADE DE PARTE
ATIVIDADE RURAL
Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
ATO ADMINISTRATIVO
Prescrição qüinqüenal – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
AUTORIZAÇÃO
Consórcio - Vide CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO
AUXÍLIO-ACIDENTE
Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL
B
BEM PÚBLICO
Impenhorabilidade – Vide EXECUÇÃO FISCAL
BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
Aposentadoria por idade. Trabalhador urbano. Requisitos.
Período de carência. Idade mínima. Concessão.
Perda da qualidade de segurado. Efeitos...................................................................225
Auxílio-acidente – Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL
Pensão por morte. Companheiro. União estável. Duplicidade.
Caracterização. Divisão. Pensão previdenciária.
Termo inicial. Citação. Réu. Requerimento administrativo. Inexistência................234
Pensão por morte. Pai. Atividade rural. Índio. Regime de
economia familiar. Prova. Declaração. FUNAI (Fundação Nacional do Índio).
Termo inicial. Data. Óbito........................................................................................230
Pensão por morte. Anulação. Ato administrativo. Concessão.
Prescrição qüinqüenal...............................................................................................246
Pensão por morte – Vide LEGITIMIDADE DE PARTE
346
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002
Valor real. Reajuste. Índice de correção monetária...................................................239
Vide ESTELIONATO
C
CADIN (Cadastro Informativo dos Créditos de Órgãos e Entidades Federais)
Vide EXECUÇÃO FISCAL
CERTIDÃO POSITIVA
Vide EXECUÇÃO FISCAL
COMPENSAÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
Vide IMPOSTO DE RENDA
Vide PRORURAL (Programa de Assistência ao Trabalhador Rural)
COMPETÊNCIA JURISDICIONAL
Justiça Estadual. Benefício previdenciário. Auxílio–acidente.
Acidente do trabalho. Revisão..................................................................................243
Vara Federal. Ação declaratória. Ação consignatória.
Execução fiscal. Conexão. Inocorrência. Embargos à execução. Inexistência.........283
Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA
Vide DANO MORAL
Vide DIREITO AUTORAL
Vide ESTELIONATO
CONCURSO APARENTE DE NORMAS
Peculato - Vide ESTELIONATO
CONCURSO PÚBLICO
CEF (Caixa Econômica Federal). Reserva de vaga. Deficiente físico.
Cego. Garantia. Acesso. Cargo público.
Exame médico. Eliminação. Impossibilidade.
Avaliação. Estágio probatório. Necessidade...............................................................87
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002
347
CONEXÃO
Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL
CONSÓRCIO
Vide CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO
CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
Vide IMPOSTO DE RENDA
CRÉDITO TRIBUTÁRIO
Vide ARREMATAÇÃO
CREDOR HIPOTECÁRIO
Direito de Preferência - Vide ARREMATAÇÃO
CRIME CONTINUADO
Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA
Vide ESTELIONATO
CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA
Exportador. Subfaturamento. Crime societário. Denúncia.
Crime continuado. Prescrição. Lei nova. Aplicabilidade.
Réu. Maior de setenta anos. Prescrição da pretensão punitiva.
Dosimetria da pena. Circunstâncias judiciais. Substituição da pena........................175
Omissão. Recolhimento. Imposto de Renda. Desconto. Terceiro.
Crime formal. Dolo. Desnecessidade.
Responsabilidade penal. Administrador. Dificuldade financeira. Inexistência.
Competência territorial. Sede. Empresa.
Dosimetria da pena. Pena de multa. Limite. Pena privativa de liberdade.
Substituição da pena. Pena restritiva de direitos.......................................................150
Vide HABEAS CORPUS
CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO
Consórcio. Autorização. Inexistência.
Erro de proibição. Inaplicabilidade.
Dosimetria da pena. Circunstâncias judiciais. Maus antecedentes...........................166
348
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002
CRIME FORMAL
Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA
CRIME HEDIONDO
Vide PRISÃO PREVENTIVA
CRIME ORGANIZADO
Vide INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA
CRIME PERMANENTE
Prescrição – Vide ESTELIONATO
CRIME SOCIETÁRIO
Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA
CUSTAS PROCESSUAIS
Complementação. Inocorrência. Valor da causa. Alteração.
Distribuição. Cancelamento. Abandono da causa. Inaplicabilidade.
Intimação pessoal. Autor. Extinção do processo. Necessidade.................................271
D
DANO MORAL
Indenização. Descabimento. Processo Penal. Estelionato. Absolvição.
Atipicidade.
Comunicação. BACEN (Banco Central). Suspeita. Fraude. Proagro.
Legalidade...................................................................................................................93
Responsabilidade civil. Erro judiciário. Desconto. Pensão alimentícia.
Responsabilidade solidária. INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Estado.
Competência jurisdicional.
Indenização. Critério...................................................................................................63
DEFICIENTE FÍSICO
Vide CONCURSO PÚBLICO
DENÚNCIA
Crime societário – Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA
DEPÓSITO JUDICIAL
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002
349
Vide EXECUÇÃO FISCAL
DEVEDOR SOLIDÁRIO
Vide RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
DIREITO AUTORAL
Violação. Importação clandestina. Fita magnética. Mercadoria falsificada.
Competência jurisdicional. Justiça Federal.
Condenação. Substituição da pena. Pena de multa...................................................160
DIREITO DE DEFESA
Embargos do devedor – Vide SFH (Sistema Financeiro da Habitação)
Processo cautelar - Vide SFH (Sistema Financeiro da Habitação)
DIREITO DE PREFERÊNCIA
Vide ARREMATAÇÃO
DIREITO DO CONSUMIDOR
Supermercado. Discriminação de preço de bem. Obrigatoriedade.
Código de barras. Insuficiência...................................................................................71
Vide SFH (Sistema Financeiro da Habitação)
E
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
Vide HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
EMBARGOS DO DEVEDOR
Vide SFH (Sistema Financeiro da Habitação)
ERRO DE PROIBIÇÃO
Vide CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO
ERRO JUDICIÁRIO
Vide DANO MORAL
ESTÁGIO PROBATÓRIO
Vide CONCURSO PÚBLICO
350
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ESTELIONATO
Absorção de crime. Falsificação de documento público. Visto.
Entrada. País estrangeiro.
Competência jurisdicional. Justiça Federal.
Participação. Prova.
Pena de multa. Observância. Condição econômica.
Substituição da pena.................................................................................................109
Benefício previdenciário. Fraude. CTPS (Carteira de Trabalho
e Previdência Social). Concurso de pessoas.
Crime permanente. Prescrição. Maior de setenta anos. Extinção da punibilidade.
Substituição da pena.................................................................................................126
INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Fraude.
Recebimento. Benefício previdenciário.
Prova emprestada. Cerceamento de defesa. Inocorrência.
Crime permanente. Prescrição. Termo inicial.
Absolvição. Servidor público. Negligência.
Crime continuado. Dosimetria da pena. Substituição da pena..................................115
Servidor público. CEF (Caixa Econômica Federal). Financiamento
bancário. Fraude. Crime continuado.
Peculato. Inocorrência. Concurso aparente de normas.
Emendatio libelli.......................................................................................................186
Vide USO DE DOCUMENTO FALSO
EXCESSO DE PRAZO
Vide PRISÃO PREVENTIVA
EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL
Vide SFH (Sistema Financeiro da Habitação)
EXECUÇÃO FISCAL
Fazenda Pública. Débito previdenciário. Município. Ação anulatória.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002
351
Suspensão do crédito tributário.
Impenhorabilidade. Bem público. Depósito judicial. Dispensa.
Embargos à execução. Garantia do juízo.
Certidão positiva. Eficácia. Certidão negativa. Concessão.
Inscrição. CADIN (Cadastro Informativo dos Créditos de Órgãos
e Entidades Federais). Suspensão.............................................................................291
Redirecionamento – Vide RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
Vide ARREMATAÇÃO
Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL
Vide RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
F
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO
Absorção de crime – Vide ESTELIONATO
FATO GERADOR
Vide TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL
FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço)
Vide HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Vide USO DE DOCUMENTO FALSO
G
GERENTE
Crime contra a ordem tributária - Vide HABEAS CORPUS
H
HABEAS CORPUS
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Crime contra a ordem tributária. Omissão. Recolhimento.
Contribuição previdenciária.
Atipicidade. Gerente. Absolvição. Diversidade. Ação penal.
Responsabilidade penal. Inexistência. Trancamento da ação penal..........................212
HIPOTECA
Vide ARREMATAÇÃO
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Medida Provisória. Impedimento. Pagamento. Inaplicabilidade.
FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço). Lei nova.
Irretroatividade da lei. Garantia constitucional. Direito adquirido...........................280
Sucumbência. Proporcionalidade.
Embargos de declaração. Omissão. Inocorrência. Reexame. Matéria. Descabimento.
Prequestionamento. PIS (Programa de Integração Social).
Correção monetária. Base de cálculo........................................................................258
Vide SERVIDOR PÚBLICO
I
IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais)
Vide TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL
IMPORTAÇÃO CLANDESTINA
Vide DIREITO AUTORAL
IMPOSTO DE RENDA
Incidência. Lucro líquido. Acionista. Sociedade anônima.
Inconstitucionalidade.
Compensação de crédito tributário. Lançamento por homologação.
Legitimidade ativa. Empresa. Repetição de indébito.
Correção monetária. Juros moratórios. Taxa. Selic..................................................299
Incidência. Patrimônio. Constituição do crédito tributário. Decadência.
Inexistência.
Cerceamento de defesa. Inocorrência. Prova testemunhal. Indeferimento.
Multa fiscal. Aplicação.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002
353
Honorários advocatícios. Sucumbência recíproca....................................................307
Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA
INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social)
Vide LEGITIMIDADE DE PARTE
ÍNDIO
Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA
Autorização. Aplicabilidade. Investigação. Crime organizado.
Comunicação. Réu. Advogado. Sigilo. Obrigatoriedade.
Prova. Legalidade. Princípio da Proporcionalidade..................................................200
INTIMAÇÃO PESSOAL
Vide CUSTAS PROCESSUAIS
IRRETROATIVIDADE DA LEI
Vide HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
L
LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO
Execução fiscal - Vide RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
LEGITIMIDADE DE PARTE
Legitimidade ativa. Associação de classe. Mandado de segurança coletivo.
Índice de correção monetária. Imposto de Renda retido na fonte.............................274
Questão de ordem. Ação rescisória. Pensão por morte. Servidor público.
INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social).
Ilegitimidade passiva. INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Citação. União Federal..............................................................................................255
Vide ARREMATAÇÃO
Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA
Vide ESTELIONATO
354
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002
Vide IMPOSTO DE RENDA
Vide PRORURAL (Programa de Assistência ao Trabalhador Rural)
M
MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO
Associação de classe – Vide LEGITIMIDADE DE PARTE
MULTA FISCAL
Vide IMPOSTO DE RENDA
N
NOVAÇÃO
Vide SFH (Sistema Financeiro da Habitação)
P
PARTICIPAÇÃO
Vide ESTELIONATO
PECULATO
Vide ESTELIONATO
PENA DE MULTA
Vide DIREITO AUTORAL
Vide USO DE DOCUMENTO FALSO
PENSÃO POR MORTE
Servidor público – Vide LEGITIMIDADE DE PARTE
Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
PODER DE POLÍCIA
Vide TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL
PREQUESTIONAMENTO
Vide HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002
355
PRESCRIÇÃO
Interrupção de prazo – Vide RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA
Vide ESTELIONATO
PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL
Ato Administrativo – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO
Vide USO DE DOCUMENTO FALSO
PRINCÍPIO DA ISONOMIA
Vide SERVIDOR PÚBLICO
PRISÃO PREVENTIVA
Tráfico de entorpecente. Excesso de prazo. Constrangimento ilegal.
Inocorrência.
Exame de dependência toxicológica. Diligência. Requerimento.
Réu. Demora. Justificação.
Crime hediondo. Incompatibilidade. Liberdade provisória......................................216
PROCESSO PENAL
Vide DANO MORAL
PRORURAL (Programa de Assistência ao Trabalhador Rural)
Comércio. Produto agrícola. Inexigibilidade. Compensação de crédito tributário.
Ilegitimidade ativa. Empresa adquirente. Sub-rogação. Contribuinte.
Responsabilidade tributária. Recolhimento. Contribuição previdenciária.
Enriquecimento ilícito. Impossibilidade.
Legitimidade ativa. Produtor rural. Repetição de indébito.
Substituição tributária. Inocorrência.
Fato gerador. Coincidência. Imposto. Possibilidade.
Lei complementar. Desnecessidade. Prazo nonagesimal..........................................323
PROVA
Prova emprestada - Vide ESTELIONATO
Prova testemunhal - Vide IMPOSTO DE RENDA
Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
356
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002
Vide INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA
R
REAJUSTE
Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
Vide SERVIDOR PÚBLICO
Vide SFH (Sistema Financeiro da Habitação)
REDIRECIONAMENTO
Execução fiscal – Vide RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
REPETIÇÃO DE INDÉBITO
Vide IMPOSTO DE RENDA
RESERVA DE VAGA
Vide CONCURSO PÚBLICO
RESPONSABILIDADE CIVIL
União Federal. Militar. Suicídio. Culpa exclusiva da vítima.
Nexo causal. Inocorrência...........................................................................................97
Vide DANO MORAL
RESPONSABILIDADE PENAL
Crime contra a ordem tributária - Vide HABEAS CORPUS
Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Vide DANO MORAL
RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
Solidariedade. Terceirização. Prestação de serviços. Redirecionamento.
Execução fiscal. Devedor solidário. Lançamento tributário. Necessidade.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002
357
Interrupção de prazo. Prescrição. Efeito jurídico......................................................295
Vide PRORURAL (Programa de Assistência ao Trabalhador Rural)
S
SALDO DEVEDOR
Vide SFH (Sistema Financeiro da Habitação)
SERVIDOR PÚBLICO
Reajuste. Princípio da Isonomia. Medida Provisória. Aplicabilidade.
Honorários advocatícios............................................................................................100
Vide ESTELIONATO
SIGILO
Vide INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA
SFH (Sistema Financeiro da Habitação)
Execução extrajudicial. Novação. Dívida. Onerosidade.
Título executivo. Nulidade. Violação. Direito do Consumidor.
Índice de correção monetária. Saldo devedor. Reajuste. Prestação............................81
Execução extrajudicial. Suspensão. Praça pública. Processo cautelar.
Garantia constitucional. Direito de defesa................................................................268
Execução judicial. Embargos do devedor. Efeito suspensivo. Aplicabilidade.
Garantia. Direito de defesa. Mutuário.......................................................................266
SUBFATURAMENTO
Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA
SUBSTITUIÇÃO DA PENA
Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA
Vide DIREITO AUTORAL
Vide ESTELIONATO
Vide USO DE DOCUMENTO FALSO
358
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002
SUICÍDIO
Vide RESPONSABILIDADE CIVIL
SUPERMERCADO
Vide DIREITO DO CONSUMIDOR
SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO
Vide USO DE DOCUMENTO FALSO
SUSPENSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
Vide EXECUÇÃO FISCAL
T
TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL
IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais).
Fato gerador. Poder de polícia. Autarquia. Valor. Observância.
Quantidade. Prejuízo. Princípio da Isonomia. Princípio da Proporcionalidade........317
TERMO INICIAL
Pensão por morte – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
TRÁFICO DE ENTORPECENTE
Vide PRISÃO PREVENTIVA
TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL
Crime contra a ordem tributária - Vide HABEAS CORPUS
U
UNIÃO ESTÁVEL
Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
USO DE DOCUMENTO FALSO
Documento público. Estelionato. Tentativa. FGTS (Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço). Saque. Conta vinculada.
Princípio da Consunção. Aplicabilidade.
Suspensão condicional do processo. Impossibilidade. Circunstâncias judiciais.
Prescrição da pretensão punitiva. Inocorrência.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002
359
Dosimetria da pena. Maus antecedentes. Substituição da pena.
Pena de multa. Fixação.............................................................................................130
V
VALOR DA CAUSA
Vide CUSTAS PROCESSUAIS
360
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002
ÍNDICE LEGISLATIVO
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002
361
BRanca
362
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 361-366, 2002
Código de Defesa do Consumidor
Artigo 6º........................................................................................................ 71
Artigo 31....................................................................................................... 71
Artigo 51....................................................................................................... 81
Código de Processo Civil
Artigo 20.............................................................................................. 100/307
Artigo 105................................................................................................... 283
Artigo 257................................................................................................... 271
Artigo 267............................................................................................ 255/271
Artigo 301................................................................................................... 283
Artigo 730................................................................................................... 291
Código de Processo Penal
Artigo 43....................................................................................................... 93
Artigo 66..................................................................................................... 212
Artigo 368................................................................................................... 109
Código Penal
Artigo 29..................................................................................................... 126
Artigo 44....................................................................................... 109/115/130
Artigo 50..................................................................................................... 109
Artigo 109................................................................................................... 126
Artigo 115............................................................................................ 126/175
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 361-366, 2002
363
Artigo 171.......................................................................109/115/126/130/186
Artigo 184................................................................................................... 160
Artigo 297................................................................................................... 109
Artigo 304................................................................................................... 130
Código Tributário Nacional
Artigo 186................................................................................................... 261
Constituição Federal/1988
Artigo 5º........................................................................................ 268/274/280
Artigo 37....................................................................................................... 63
Artigo 109............................................................................................ 160/243
Artigo 201................................................................................................... 239
Decreto nº 3.000/99 ................................................................................... 307
Decreto nº 3.298/99 ..................................................................................... 97
Decreto-Lei nº 70/66 ................................................................................. 268
Lei nº4.728/65
Artigo 4º........................................................................................................ 93
Lei nº 5.741/71
Artigo 5º...................................................................................................... 266
Lei nº 6.368/76 .......................................................................................... 216
Lei nº 7.492/86
Artigo 16..................................................................................................... 166
Lei nº 7.691/88 .......................................................................................... 258
Lei nº 7.713/88
Artigo 35..................................................................................................... 299
Lei nº 7.787/89
364
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 361-366, 2002
Artigo 3º.................................................................................................................. 323
Lei nº 7.853/89 ................................................................................................
97......................................................................................................................
Lei nº 8.072/90
Artigo 2º...................................................................................................... 216
Lei nº 8.137/90 ................................................................................... 150/175
Lei nº 8.212/91 .......................................................................................... 295
Lei nº 8.213/91 .......................................................................................... 225
Artigo 16..................................................................................................... 234
Artigo 74.............................................................................................. 230/234
Lei nº 8.383/91
Artigo 66..................................................................................................... 299
Lei nº 8.870/94 .......................................................................................... 323
Lei nº 8.880/94 .......................................................................................... 100
Lei nº 9.296/96 .......................................................................................... 200
Lei nº 9.784/99
Artigo 54..................................................................................................... 246
Lei nº 10.165/2000 ................................................................................... 317
Lei Complementar nº 11/71
Artigo 15..................................................................................................... 323
Medida Provisória nº 583/94 ................................................................... 100
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 361-366, 2002
365
Medida Provisória nº 746/94 ................................................................... 100
Medida Provisória nº 2.164-40/2001 ....................................................... 280
Medida Provisória nº 2.176-79/2001 ....................................................... 291
Portaria nº 4.273/97 do Ministério da Previdência e Assistência
Social ......................................................................................................... 230
Súmula nº 17 do STJ ................................................................................ 109
Súmula nº 64 do STJ ................................................................................ 216
Súmula nº 162 do STJ .............................................................................. 299
366
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 361-366, 2002
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revista do tribunal regional federal - Tribunal Regional Federal da 4ª