revista do tribunal regional federal QUARTA REGIÃO Branca revista do tribunal regional federal QUARTA REGIÃO R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 1-366, 2002 Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. – Vol. 1, n. 1 (jan./mar. 1990). – Porto Alegre: O Tribunal, 1990 – v. – Trimestral. ISSN 0103-6599 1. Direito – Periódicos. 2. Direito – Jurisprudência. 1. Brasil. Tribunal Regional Federal 4ª Região. CDU 34(051) 34(094.9) TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL 4ª Região R. Mostardeiro, 483 90430-001 - Porto Alegre - RS Tiragem: 1000 exemplares revista do tribunal regional federal QUARTA REGIÃO MARGA BARTH TESSLER Desa. Federal Diretora da Escola da Magistratura Branca TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL 4ª Região JURISDIÇÃO Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná COMPOSIÇÃO Em setembro de 2002 PLENÁRIO Des. Federal Teori Albino Zavascki - Presidente Des. Federal Nylson Paim de Abreu - Vice-Presidente Desa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb - Corregedora-Geral Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa Des. Federal Manoel Lauro Volkmer de Castilho Des. Federal Vladimir Passos de Freitas Des. Federal Vilson Darós - Vice-Corregedor-Geral Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler - Diretora da Escola da Magistratura Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro Des. Federal José Luiz Borges Germano da Silva Des. Federal João Surreaux Chagas Des. Federal Amaury Chaves de Athayde Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère Des. Federal Edgard Antônio Lippmann Júnior Des. Federal Valdemar Capeletti Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon Des. Federal Tadaaqui Hirose Des. Federal Dirceu de Almeida Soares Des. Federal Wellington Mendes de Almeida Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira Des. Federal Néfi Cordeiro Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa (convocada) PRIMEIRA SEÇÃO Des. Federal Nylson Paim de Abreu - Presidente Des. Federal Vilson Darós Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria Des. Federal João Surreaux Chagas Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon Des. Federal Dirceu de Almeida Soares Des. Federal Wellington Mendes de Almeida SEGUNDA SEÇÃO Des. Federal Nylson Paim de Abreu - Presidente Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler Des. Federal Amaury Chaves de Athayde Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère Des. Federal Edgard Antônio Lippmann Júnior Des. Federal Valdemar Capeletti Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz TERCEIRA SEÇÃO Des. Federal Nylson Paim de Abreu - Presidente Des. Federal Tadaaqui Hirose Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira Des. Federal Néfi Cordeiro Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa (convocada) QUARTA SEÇÃO Des. Federal Nylson Paim de Abreu - Presidente Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa Des. Federal Manoel Lauro Volkmer de Castilho Des. Federal Vladimir Passos de Freitas Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro Des. Federal José Luiz Borges Germano da Silva PRIMEIRA TURMA Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria - Presidente Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon Des. Federal Wellington Mendes de Almeida SEGUNDA TURMA Des. Federal Vilson Darós - Presidente Des. Federal João Surreaux Chagas Des. Federal Dirceu de Almeida Soares TERCEIRA TURMA Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler - Presidente Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz QUARTA TURMA Des. Federal Amaury Chaves de Athayde - Presidente Des. Federal Edgard Antônio Lippmann Júnior Des. Federal Valdemar Capeletti QUINTA TURMA Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz - Presidente Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa (convocada) SEXTA TURMA Des. Federal Tadaaqui Hirose - Presidente Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado Des. Federal Néfi Cordeiro SÉTIMA TURMA Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa - Presidente Des. Federal Vladimir Passos de Freitas Des. Federal José Luiz Borges Germano da Silva OITAVA TURMA Des. Federal Manoel Lauro Volkmer de Castilho - Presidente Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro Branca SUMÁRIO DOUTRINA.........................................................................................13 Estelionato contra o INSS: crime eventualmente permanente Fábio Bittencourt da Rosa........................................................15 Rio+10 - Desenvolvimento sustentável: A contribuição do Poder Judicário Federal Marga Barth Tessler.................................................................23 A importância de modernizar a administração da justiça Maria Lúcia Luz Leiria ...........................................................35 Considerações acerca do prazo decadencial nas ações edilícias Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz...................................39 DISCURSOS.......................................................................................43 Discurso em homenagem à Desembargadora Federal Luiza Dias Cassales Marga Barth Tessler.................................................................45 Preleção aos juízes Amir José Finocchiaro Sarti.....................................................49 ACÓRDÃOS.......................................................................................59 Direito Administrativo e Direito Civil......................................61 Direito Penal e Direito Processual Penal................................107 Direito Previdenciário.............................................................223 Direito Processual Civil..........................................................253 Direito Tributário....................................................................289 ÍNDICE NUMÉRICO........................................................................339 ÍNDICE ANALÍTICO.......................................................................343 ÍNDICE LEGISLATIVO...................................................................361 Branca DOUTRINA Branca 14 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 Estelionato contra o INSS: crime eventualmente permanente Fábio Bittencourt da Rosa* 1. Espécies de crimes no que diz respeito à consumação Tendo em vista o enfoque da consumação dos crimes, podem os mesmos ser divididos em crimes instantâneos, crimes permanentes e crimes continuados. Nos crimes instantâneos, esgota-se a fase consumativa num ato só, como no caso do homicídio em que, logo após a agressão, é suprimida a vida, consumando-se o crime. Ocorre, porém, que os crimes instantâneos podem ter efeitos permanentes. No mesmo exemplo do homicídio, se a agressão acaba, ou seja, se a execução é concluída, e a vítima passa a sofrer os efeitos da mesma, morrendo após uma semana, durante todos os sete dias permaneceram os efeitos da ação homicida. Então, nesse caso, o crime instantâneo acabou por produzir efeitos permanentes. Atente-se, porém, que o crime instantâneo de efeitos permanentes não deixa de ser crime instantâneo para todo e qualquer efeito. Diverso do instantâneo é o crime permanente, em que, acabada a fase executiva, inicia-se a consumação, que se mantém viva no tempo. * Des. Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 15 O exemplo clássico é o seqüestro, crime contra a liberdade individual, em que, após a retirada da vítima de seu círculo de liberdade, mantémse a mesma em lugar diverso, impedindo o exercício da liberdade de locomoção. Representa-se a fase consumativa como uma linha reta, sem solução de continuidade, porque os efeitos se prolongam no tempo. Desde o primeiro dia até o último, quando flagrado o criminoso, por exemplo, se considera existente o iter criminis, isto é, não está terminada a ação delituosa. Exatamente por isso, descoberto o criminoso no transcurso da fase consumativa, diz-se que a prisão se dá em flagrante, porque se flagra um delito durante seu desenvolvimento. Pode acontecer que um crime seja instantâneo, entretanto, pela forma como a consumação se materializa, tal delito passa a ser eventualmente permanente. Os autores dão como exemplo a usurpação de função pública. Houve sucesso na assunção do cargo, e todas as demais atividades praticadas constituem uma permanência da fase consumativa. Aí, vejase bem, o crime deixa de ser instantâneo e passa a ser permanente, com todos os efeitos que disso decorrem. Por último, o crime continuado é um concurso material privilegiado, ação múltipla naturalisticamente, mas que, por política criminal, se passou a considerar como ação única, criando-se uma fictio juris. É uma obra escrita em capítulos, como asseveram alguns. Várias ações com vários resultados que, tendo em vista certos indicadores, podem os seguintes caracterizar-se como continuação dos anteriores. Se um indivíduo quer furtar uma quantia de R$ 1.000,00 e teme ser descoberto, fraciona sua conduta e, todas as semanas, subtrai R$ 100,00, acabando por apossar-se da quantia total. A obra é uma só, a sua construção é que obedeceu a dez etapas. Ressalte-se que, no crime continuado, há uma extensão temporal do crime, mas a diferença com o crime permanente reside no fato de que, na linha temporal, existem várias ações e resultados que se sucedem. Ao contrário, no delito permanente, a ação é uma só, a consumação é que se estende no tempo. E isso acontece tanto nos crimes puramente permanentes como nos eventualmente permanentes. Veja-se a lição de Damásio Evangelista de Jesus: “Crimes instantâneos são os que se completam num só momento. A consumação se dá num determinado instante, sem continuidade temporal. Ex.: homicídio, em que a morte ocorre num momento certo. 16 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 Crimes permanentes são os que causam uma situação danosa ou perigosa que se prolonga no tempo. O momento consumativo se protrai no tempo, como diz a doutrina. Exs.: seqüestro ou cárcere privado (art. 148), plágio (art. 149) etc. Nesses crimes, a situação ilícita criada pelo agente se prolonga no tempo. Assim, no seqüestro, enquanto a vítima não recupera sua liberdade de locomoção, o crime está em fase de consumação. O crime permanente se caracteriza pela circunstância de a consumação poder cessar por vontade do agente. A situação antijurídica perdura até quando queira o sujeito, explica José Frederico Marques. Segundo uma opinião muito difundida, o crime permanente apresenta duas fases: 1ª) fase de realização do fato descrito pela lei, de natureza comissiva; 2ª) fase de manutenção do estado danoso ou perigoso, de caráter omissivo. Ocorre, porém, que há muitos crimes permanentes que consistem em pura omissão, pelo que se pode falar em fase inicial comissiva. Ex.: deixar de pôr em liberdade um louco restabelecido. Por outro lado, a continuidade dessa situação pode dar-se através de ação, como, p. ex., com atos de vigilância no sentido de impedir o agente a fuga da vítima, de reiteração de ameaças etc. O crime permanente pode atingir bens jurídicos materiais ou imateriais. O crime permanente se divide em: a) crime necessariamente permanente; b) crime eventualmente permanente. No primeiro, a continuidade do estado danoso ou perigoso é essencial à sua configuração. Ex.: seqüestro. No segundo, a persistência da situação antijurídica não é indispensável e, se ela se verifica, não dá lugar a vários crimes, mas a uma só conduta punível. Ex.: usurpação de função pública (CP, art. 328). No crime necessariamente permanente, o prolongamento da conduta está contido na norma como elemento do crime. No eventualmente permanente, o crime, tipicamente instantâneo, prolonga a sua consumação, como no exercício abusivo de profissão. Ao lado dos crimes instantâneos e permanentes há os instantâneos de efeitos permanentes. São os crimes em que a permanência dos efeitos não depende do agente. Exs.: homicídio, furto, bigamia etc. São crimes instantâneos que se caracterizam pela índole duradoura de suas conseqüências. É preciso distinguir o delito necessariamente permanente do eventualmente permanente e daquele que é permanente só em seus efeitos (instantâneo de efeitos permanentes). Assim, temos crimes: 1º) instantâneos; 2º) necessariamente permanentes; 3º) eventualmente permanentes; 4º) instantâneos de efeitos permanentes. Pode-se falar em delito necessariamente permanente quando a conduta delitiva permite, em face de suas características, que ela se prolongue voluntariamente no tempo, de forma que lesa o interesse jurídico em cada um dos seus momentos. Daí dizer-se R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 17 que há essa espécie de crime quando todos os seus momentos podem ser imputados ao sujeito como consumação. No seqüestro, qualquer fragmento da atividade do sujeito, posterior ao momento inicial, constitui crime sob o mesmo nomen juris. Nesse crime, qualquer momento posterior ao ato inicial pode ser designado pela forma equivalente ao particípio presente do verbo da figura típica (estar seqüestrando). No eventualmente permanente, o momento consumativo ocorre em dado instante, mas a situação criada pelo agente continua. No instantâneo de efeito permanente, o crime se consuma em dado instante e os efeitos perduram (ex.: homicídio). A distinção entre crimes instantâneos e permanentes tem relevância no terreno da prescrição (CP, art. 111, III); da competência territorial (CPP, art. 71) e do flagrante (estatuto processual penal, art. 303). Também apresenta interesse em casos de sucessão de leis, de legítima defesa e de concurso de agentes.” (Direito Penal, parte geral, Ed. Saraiva, 1995, 19ª edição, pp 170/172) Quanto ao crime continuado, diz Francisco Muñoz Conde: “Consiste em duas ou mais ações homogêneas, realizadas em tempo diverso, que infringem a mesma norma jurídica (Antón Oneca, Derecho Penal, 1949, pág. 464). O delito continuado caracteriza-se pelo fato de cada uma das ações que o constituem representar por si um delito consumado ou tentado, sendo todas elas valoradas juntas, como um só delito.” (Teoria Geral do Delito, Ed. Sergio Antonio Fabris, 1988, p. 221) Portanto, restaram bem diferenciadas as espécies de crime instantâneo, permanente e continuado. 2. O crime de estelionato contra o INSS O sistema previdenciário nacional gerido pelo INSS concede benefícios mediante a instrução de um procedimento destinado a comprovar os requisitos para obtenção do direito previsto em lei: aposentadorias, pensões, auxílios etc. Os setores próprios da autarquia federal, encarregados de analisar a documentação trazida, acabam por proferir parecer ou relatório em que se evidencia o reconhecimento do direito postulado e o comando para pagamento dos valores relativos ao benefício. Este, então, é concedido. Recebido o comando por outro setor, que é encarregado do pagamento dos benefícios, é cientificado o segurado ou beneficiário para a percepção da vantagem. O dinheiro, em regra, é depositado na rede bancária onde comparece o beneficiado para a retirada. Na hipótese de fraude, assim, desenvolve-se a ação delituosa no procedimento, com a produção de prova baseada em documentos 18 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 falsificados. Tal comportamento fraudulento se materializa e se esgota no procedimento administrativo destinado à concessão do benefício. Concluído o mesmo, considera-se acabada a fase executiva do crime que configura o estelionato. O primeiro recebimento de valores constitui o início da fase de consumação. No mês seguinte, o novo recebimento caracteriza ainda fase consumativa, e assim por diante. A hipótese, então, caracteriza perfeitamente o crime eventualmente permanente, como antes examinado. Ressalte-se que se o crime puramente permanente tem sua consumação representada por uma linha contínua, o eventualmente permanente tem a fase consumativa representada por uma sucessão de pontos. Todavia, ao contrário do crime continuado, como se viu, esses pontos não contêm ações e resultados, simplesmente são permanência da eficácia consumativa. 3. O estelionato Observe-se que o estelionato é crime instantâneo, porque em geral o prejuízo e a vantagem obtida se esgotam num ato só. Mas pode configurar crime eventualmente permanente, como no caso de estelionato contra o INSS. O crime do artigo 171 do Código Penal configura- se por um comportamento que viabiliza o engano da vítima, mediante artifício ou ardil, tendo por resultado a obtenção da vantagem indevida. É algo semelhante ao crime de sonegação fiscal previsto no artigo 1º da Lei nº 8.137/90, em que se suprime ou reduz tributo mediante variadas condutas que estão descritas nos incisos. Ensinava Heleno Cláudio Fragoso: “A ação incriminada consiste em obter vantagem ilícita (para si ou para outrem), em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro (mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento). É, assim, necessário, para que se configure o crime: 1. O emprego de artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento; 2. para induzimento ou manutenção da vítima em erro; 3. com a obtenção de vantagem patrimonial em prejuízo alheio (do lesado ou de terceiro). Impõe-se, portanto, em primeiro lugar, que o agente induza ou mantenha alguém em erro, como meio ou processo para obtenção de vantagem ilícita. A fórmula da manutenção da vítima em erro preexistente, não causado pelo agente, não consta do CP italiano, tendo sido inspirada pelo CP alemão (§ 263). Nossa lei equipara, para todos os efeitos, o induzimento e a manutenção em erro. Ali, tem o agente a iniciativa, levando R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 19 o lesado ao erro; aqui, aproveita-se ele dolosamente do erro anterior, espontâneo ou não devido à sua ação.” (Lições de Direito Penal, parte especial, vol. 2, Ed. Bushatsky, 1978, p. 75) A ação delituosa, ou seja, a execução do delito se perfaz com o emprego de ardil ou artifício para falsear a realidade e iludir a boa-fé da vítima. Com isso se pretende obter vantagem em prejuízo alheio, sendo a tutela do crime o patrimônio. Exatamente por isso é forçoso concluir que o estelionato pode caracterizar um crime eventualmente permanente, o que ocorre com a fraude previdenciária, conforme se notou. A conduta fraudulenta se traduz no procedimento viciado, em regra, por documentos falsos, do que resulta a obtenção da vantagem indevida. A reiteração de recebimento dos benefícios é apenas um dos pontos que indicam a permanência da consumação. 4. Jurisprudência. Estelionato contra o INSS e prescrição. O posicionamento sustentado neste texto encontra integral respaldo na orientação da 5ª e da 6ª Turmas do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, Corte competente para apreciar a matéria. Dos inúmeros acórdãos, citase apenas um de cada órgão fracionário referido do Colendo Tribunal: “PENAL. ESTELIONATO PRATICADO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL. (ART. 171, § 3º, DO CP). CRIME PERMANENTE. CONTAGEM DO LAPSO PRESCRICIONAL A PARTIR DA CESSAÇÃO DA PERMANÊNCIA. PRESCRIÇÃO RETROATIVA NÃO CONFIGURADA, IN CASU. OCORRÊNCIA, TODAVIA, DA PRESCRIÇÃO SUPERVENIENTE À SENTENÇA CONDENATÓRIA COM TRÂNSITO EM JULGADO PARA A ACUSAÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DECRETADA, DE OFÍCIO. A prática da fraude para obtenção de benefício previdenciário de forma sucessiva, com recebimento de prestações periódicas, indica a natureza permanente de ação delituosa, devendo o termo inicial do prazo prescricional retroativo contar-se da cessação da permanência, ou seja, da data da interrupção do recebimento das prestações. (art. 111, III, do CP) In casu, todavia, da publicação da sentença condenatória (que transitou em julgado para a acusação) até o julgamento do presente recurso especial transcorreu lapso de tempo suficiente à configuração da prescrição intercorrente, ausente qualquer causa interruptiva. (art. 117, CP) Recurso prejudicado. Reconhecimento, de ofício, da extinção da punibilidade do réu pela ocorrência da prescrição intercorrente, nos termos do art. 107, IV, c/c os artigos 109, V, e 110, § 20 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 1º, todos do Código Penal.” (REsp 231141/RN, 5ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, unânime, DJ 22.10.01, p. 345) “PENAL. ESTELIONATO. FRAUDE NO RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CRIME PERMANENTE. PRESCRIÇÃO. ART. 111, INCISO III, DO CP. 1. O estelionato praticado sob a forma de recebimento fraudulento de benefício previdenciário, denota a natureza permanente da infração penal, atraindo, ipso facto, a incidência do art. 111, inciso III, do Código Penal, no tocante à prescrição. Precedentes desta Corte. 2. Recurso conhecido e provido.” (REsp 206084/SP, 6ª Turma, rel. Min. Fernando Gonçalves, unânime, DJ 02.10.2000, p. 187) Poderia surgir a dúvida no sentido de saber se, nos crimes eventualmente permanentes, é aplicável a tese de que o termo inicial da prescrição é a cessação da permanência. Nesse sentido, veja-se o seguinte aresto do Egrégio Supremo Tribunal Federal: “PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A CONDENAÇÃO: EXAME DE PROVA. CRIME DE GESTÃO FRAUDULENTA. LEI 1.521/51, ART. 3º, IX. CRIME EVENTUALMENTE PERMANENTE. PRESCRIÇÃO: INOCORRÊNCIA. I. - A alegação de falta de justa causa para a condenação não pode ser examinada pelo Supremo Tribunal, por não ser o habeas corpus a via adequada para o reexame de fatos e provas. II. - Nos crimes eventualmente permanentes, o termo inicial da prescrição contase a partir da cessação da permanência. No caso, a partir da liquidação extrajudicial. III. - Liquidação extrajudicial decretada em 08.02.85. Pena prevista no art. 3º, IX, da Lei 1.521/51: detenção de 2 (dois) anos a 10 (dez) anos. Prescrição: 16 (dezesseis) anos (CP, art. 109). IV. - H.C. indeferido.” (HC 76441/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, unânime, DJ 30.10.98, p. 002) Vê-se, pois, que as Cortes superiores confirmam que a prescrição dos crimes eventualmente permanentes obedece aos mesmos critérios dos puramente permanentes, ou seja, incide o art. 111, inciso III, do Código Penal. Ademais, ditos tribunais ratificam o posicionamento que considera existir no estelionato para recebimento de benefício continuado do INSS um estelionato que configura um crime eventualmente permanente. Em nenhuma hipótese, admite-se existir, nesse contexto, o crime continuado. Disso resulta a contagem do lapso prescricional a partir do último ato da permanência. Na continuidade delitiva é possível, contrariamente, 21 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 reconhecer prescrição parcial de certos capítulos que compuseram a obra. No crime eventualmente permanente isso não pode acontecer. 5. A relevância do tema A diferenciação feita quanto ao estelionato contra o INSS, como antes mencionado, tem muito relevo, como de resto a distinção quanto aos crimes em geral. Em primeiro lugar, há solução distinta quanto à contagem da prescrição, como se viu. Lembre-se do ensinamento de Sebastián Soler: “La clasificación de un delicto como instantáneo o permanente tiene suma importancia. Por ella se determina el momento inicial de la prescripción (art. 63, C.P.). Por ella asumen distinto carácter las participaciones de terceros en las acciones posteriores al acto inicial, pues la que se preste en un delicto instantáneo sólo será encubrimiento, mientras que el que participa en un delicto permanente, durante la permanencia, participa en la consumación y será coautor o cómplice, según el caso. 22 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 RIO + 10 Desenvolvimento sustentável: A contribuição do Poder Judiciário Federal1 O homem tem direito ao desenvolvimento sustentável, de tal forma que responda eqüitativamente às necessidades ambientais e de desenvolvimento das gerações presentes e futuras. Princípios fundamentais de Direito Ambiental. Paulo Affonso Leme Machado Direito Ambiental Brasileiro Introdução Atendendo ao honroso convite da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ para o Fórum Permanente de Debates sobre o Direito do Consumidor e do Ambiente, apresento a contribuição do Poder Judiciário Federal da 4ª Região no Desenvolvimento Sustentável a partir do marco referencial Rio + 10. Assim, para enfrentar o tema, devemos inicialmente verificar o que se entende por desenvolvimento, o que é sustentabilidade, como se articulam as duas questões, em que medida são garantidas em nossa Carta Política. Qual o reflexo da globalização e as conseqüências socioeconômicas. Como o Judiciário Federal tem enfrentado as questões referentes ao Palestra proferida na Escola da Magistratura Estadual do Rio de Janeiro – EMERJ, Tribunal de Justiça, 23 ago. 2002, pela Desa. Federal Marga Barth Tessler, Diretora da Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 4ª Região - EMAGIS. Mestranda em Direito do Estado, PUCRS. 1 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 23 desenvolvimento sustentável. 1. O que é desenvolvimento O Dicionário Houaiss da língua portuguesa estabelece que desenvolvimento é a ação ou efeito de desenvolver-se, é o aumento da capacidade ou das possibilidades de algo, crescimento, progresso, adiantamento no comércio, economia, ciências, ainda é o crescimento econômico, social e político de um país, região ou comunidade. O dicionário em comento apresenta ainda a definição de desenvolvimento sustentável, conceito econômico, igual ao desenvolvimento planejado com base na utilização de recursos e na implantação de atividades industriais, de forma a não esgotar ou degradar os recursos naturais. Para Wolfgang Sachs,2 a pauta oculta do desenvolvimento é a ocidentalização do mundo e o resultado foi a perda da diversidade, conclusões extraídas do discurso de posse do Presidente Truman, em 1949. 2. O que é sustentabilidade? O que é consumo sustentável? Já sustentável, segundo a mesma fonte, é o que se pode sustentar, suster, suportar, conservar, garantir e fornecer os meios necessários à realização e continuação de uma atividade. Sustentabilidade ambiental significa mudanças no estilo de vida que permitam manter o capital natural.3 3. A definição das organizações internacionais A Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento define como sustentável o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem suas próprias necessidades.4 Por outro lado, consumo sustentável, na definição dada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, é o consumo que se estabelece com o fornecimento de serviços e produtos que atendam às necessidades básicas, proporcionando SACHS, Wolfgang. Dicionário do Desenvolvimento. Petrópolis : Vozes, 2001. GOODLAND, Robert. Sustentabilidade ambiental: comer melhor e matar menos. In : CAVALCANTI, Clóvis (org.). Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e políticas Públicas. São Paulo : Cortez, 1997. 4 Nosso Futuro Comum. New York. Oxford University Press, 1987. 2 3 24 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 uma melhor qualidade de vida enquanto minimizam o uso dos recursos naturais e materiais tóxicos como também a produção de resíduos e a emissão de poluentes no ciclo de vida do serviço ou do produto, tendo em vista não colocar em risco as necessidades das futuras gerações. 4. A doutrina Paulo de Bessa Antunes5 refere sobre o tema sustentabilidade que a história recente do Brasil, como, de modo generalizado, os países ditos em vias de desenvolvimento, demonstra que foram concedidos significativos incentivos à degradação ambiental e isso reflete uma errônea concepção de desenvolvimento que não considera a sustentabilidade dos recursos naturais. Nada impede, contudo, que os estímulos econômicos se voltem para a utilização sustentável dos recursos naturais, ao contrário, tal seria desejável e urgente. Mais adiante na obra mencionada lembra dos instrumentos de natureza econômica que a administração ambiental pode utilizar para exercer o controle social sobre o mercado, são eles: a suspensão de incentivos para aqueles que atuam em desacordo com as normas ambientais, a instituição de contribuições pela utilização de recursos ambientais e a imposição de multas, os princípios do poluidor pagador (ppp) e da compensação econômica pelo uso de recursos naturais. 5. O princípio da sustentabilidade Já Cristiane Derani, 6 ao tecer comentários sobre a teoria do desenvolvimento sustentável, refere que “a sustentabilidade é um princípio válido para todos os recursos renováveis, para com recursos não renováveis ou para atividades capazes de produzir danos irreversíveis este princípio não se aplica”. Prossegue dizendo que “a realização do desenvolvimento sustentável assenta-se sobre dois pilares, um relativo à composição de valores materiais e outro voltado à coordenação de valores de ordem moral e ética. O conteúdo da definição de desenvolvimento sustentável passa por uma relação intertemporal ao vincular a atividade presente aos resultados que dela podem retirar as futuras gerações”. ANTUNES, Paulo de Bessa. Dano Ambiental: Uma Abordagem Conceitual. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2000. 6 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. Rio de Janeiro : Max Limonad. 2001. 7 FREITAS, Vladimir Passos de (coord.). Águas: Aspectos Jurídicos e Ambientais. Curitiba : Juruá, 2000. 5 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 25 Vladimir Passos de Freitas 7 recomenda urgente mudança de comportamento em relação à proteção da água. O acesso à justiça parece ser a única forma de alterar antigos comportamentos, ressaltando a importância da água como bem econômico e finito, sublinhando o importante papel que os juízes têm a cumprir. 6. Questões próximas Ainda há necessidade de agregar aos nossos referenciais de abordagem alguns aspectos relacionados com o desenvolvimento, a ecologia,8 e a entropia.9 Impera ainda o senso comum de que os recursos naturais são inesgotáveis. Esta concepção é do século XVII. Ocorre que a moderna cartografia e a química moderna sepultaram o mito da inesgotabilidade. No século XIX, forma-se o pensamento econômico com a visão de que só o que é apropriável e tem valor de troca tem valor. Assim, a água e o ar não tinham valor. Em 1860, Ernst Haeckel propõe a criação de uma nova disciplina científica chamada Ecologia. Desenvolveu-se a segunda lei da Termodinâmica, a da entropia do universo que nega a possibilidade de permanente reciclagem dos bens ambientais, é a medida de energia não-disponível para a realização de um trabalho, tendência à inércia, à degradação, podendo ser interpretada como desordem do sistema. Os organismos vivos consomem entropia negativa do meio ambiente e produzem alta entropia. Está-se, na visão de Guilherme Purvin de Figueiredo,10 diante de uma grave contradição entre natureza e o modelo econômico da sociedade industrial.11 7. A declaração do Rio na Eco 92 Estabelecidos esses conceitos, avançamos no conceito de “Desenvolvimento Sustentável” – Rio + 10. Ele foi introduzido na Declaração do Rio na Eco 92. O conceito de desenvolvimento sustentável figura em 12 dos 27 princípios da Declaração do Rio e significa inserir FÁBIO, Nusdeo. Desenvolvimento e Tecnologia. São Paulo : Saraiva, 1975. Entropia: é a medida de variação ou desordem em um sistema. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. 10 FIGUEIREDO, Guilherme Purvin de. Consumo Sustentável. BENJAMIN, Antônio Herman (org. e editor). 10 anos da Eco 92. 11 São exemplos: O MASSACRE da motosserra. Revista Veja. São Paulo, n. 7, 7 abr. 1999. O PLANETA pede socorro. Revista Veja. São Paulo, n. 33, 21 ago. 2002. 8 9 26 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 nos processos decisórios de ordem política e econômica, como condição necessária, as considerações de ordem ambiental. Foi um ganho importantíssimo da Eco 92. A adição do conceito de sustentabilidade ao desenvolvimento lhe dá duas características novas, quais sejam: ela se universaliza, pois não há qualquer país que não se alie à idéia de desenvolvimento sustentável, e tira do meio ambiente o seu pecado mais terrível que é o ingrediente desumano que ele contém, o vínculo com o desenvolvimento humaniza o meio ambiente”.12 Instituiu-se uma recomendação internacional de ponderação ambiental. 8. Desenvolvimento sustentável na Constituição de 1988. Em que medida pode ser o conceito identificado na Constituição? No preâmbulo na nossa Carta Política, percebemos a primeira referência ao desenvolvimento que juntamente com os direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, a igualdade e a justiça é visto como valor supremo da sociedade. No art. 3o, verifica-se que constituem objetivos fundamentais da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades. Entre os princípios fundamentais (art. 1º da Constituição Federal de 1988), depois da soberania e cidadania, temos a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da iniciativa livre. A Emenda Constitucional nº 29/2000 trouxe aos artigos 34 e 35 referência ao desenvolvimento do ensino e das ações e serviços públicos de saúde. Disse a Constituição Federal de 1988 que será caso de intervenção federal da União no Estado e Município que não aplicar o mínimo legal da receita no desenvolvimento educacional e sanitário. No artigo 43, vemos que a ação administrativa da União poderá ser articulada em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando ao seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais, sendo possível na via da lei complementar dispor sobre as condições para a integração das regiões. No artigo 48, IV, dentre as atribuições do Congresso Nacional, está a de elaborar planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento. No artigo 58, VI, as comissões permanentes das duas casas do Congresso apreciarão os planos nacionais 12 ECO 92. Primeira Avaliação da Conferência. Embaixador Marcos Castrioto Azambuja. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 27 e regionais de desenvolvimento, emitindo parecer. O Conselho de Defesa Nacional, artigo 91, IV, tem a tarefa de estudar, propor e acompanhar o desenvolvimento de iniciativas necessárias a garantir a independência nacional e a defesa do Estado democrático. O artigo 174, no título da ordem econômica e financeira, prevê que a lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacional e regional de desenvolvimento. No artigo 180, há a obrigação de promoção e incentivo ao turismo como fator de desenvolvimento social e econômico. No artigo 182, na política urbana, o desenvolvimento urbano, obrigação a ser executada pelo Município, prevê o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. Como instrumento básico de desenvolvimento das cidades está previsto o plano diretor. O artigo 192, no capítulo do Sistema Financeiro Nacional, prevê que o sistema será estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País. Foi ainda estabelecido no inc. VII que haveria restrições à transferência de poupança de regiões de renda inferior à média nacional para outras de maior desenvolvimento. No artigo 200, no bloco da saúde, há competência do Sistema Único de Saúde – SUS para incrementar em sua área o desenvolvimento científico e tecnológico. No artigo 212, no bloco da educação, há a previsão de aplicações mínimas dos entes da federação no desenvolvimento do ensino. Na seção da cultura, § 1o, do artigo 216, há os meios de proteção do patrimônio cultural e o dever de promover tal proteção, até por outras formas de acautelamento e preservação, o que se inclui no conceito de sustentabilidade. No capítulo da ciência e tecnologia, segundo o artigo 218, o Estado promoverá o desenvolvimento científico e a pesquisa tecnológica voltar-se-á para o desenvolvimento do sistema produtivo regional e nacional. No artigo 219, vemos que o mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico da população. Por último, nas disposições constitucionais gerais, vemos que para o desenvolvimento econômico (artigo 239, § 1o) há possibilidade de direcionamento de, pelo menos, 40% dos recursos do Programa de Integração Social – PIS, Lei Complementar nº 7/70. 28 9. O bloco ambiental R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 O artigo 225 da Constituição Federal de 1988, com a seguinte redação: “Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, tem sido visto como pouco expressivo no que se refere à sustentabilidade. São lançadas algumas críticas, pois estaria a consagrar um equilíbrio estático, e a sustentabilidade exigiria uma mudança dos paradigmas. Pode-se, contudo, dele extrair a idéia de sustentabilidade na medida em que é intergeracional, refere patrimônio a ser conservado. 10. Como se articulam os conceitos? A principal dificuldade. Poder-se-ia perguntar: o ambiente ecologicamente equilibrado é sustentável? Ou, desenvolvimento e sustentabilidade são conceitos compatíveis? Estas questões são de difícil articulação. A sustentabilidade tem sido dividida em graus, sustentabilidade forte e fraca. A sustentabilidade fraca é levada em conta para efeito de medição de renda. A renda tem que ser sustentável para ser renda. A sustentabilidade forte interessa-se pela manutenção do estoque dos recursos naturais.13 O desenvolvimento fundamenta-se na idéia de acumulação de riquezas materiais, e aí estaria o equívoco e o dilema, a alternativa de “ter” versus “ser”. No individualismo possessivo, para viver devemos ter coisas, em uma cultura na qual a meta suprema é ter. Na visão clássica, não só posses individuais são riquezas. A riqueza comum também existe e encontra sua expressão física em uma paisagem, por exemplo esta do Corcovado, de Copacabana, de parques, igrejas, bibliotecas, rios, florestas, festas populares como o Carnaval. A riqueza pública, mais do que a pessoal, promove o bem comum, realça o “ser” e assegura a sustentabilidade. 11. A Globalização O conceito de desenvolvimento sustentável e o seu maior prestígio nas legislações nacionais e ainda uma maior conscientização sobre SERAFY, Salah El . Contabilidade verde e política econômica. In : CAVALCANTI, Clóvis (org.). Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Políticas Públicas. São Paulo : Cortez, 1997. 14 SOARES, Guido Fernando Silva. Direito Internacional do Meio Ambiente. São Paulo : Atlas, 2001. 13 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 29 os problemas ambientais é um dos pontos positivos do fenômeno denominado globalização. Foram construídas, na via de tratados e protocolos, obrigações internacionais relativas ao meio ambiente, já temos o Direito Internacional do meio ambiente.14 Há compromissos ambientais internacionais. É interessante observar que no comércio internacional, que na verdade não parece ter como objetivo principal a defesa do meio ambiente, mas, sim, a queda de barreiras comerciais, o livre comércio, no tribunal da Organização Mundial do Comércio – OMC, já foram objeto de decisão algumas questões, a saber: o case US-Gasoline, o case Shrimp-Turtle, o case Asbestos, o case Dolphin’s e o case Swordfish, que até o momento não foi julgado. A contribuição na via internacional, então, começa a existir.15 12. A globalização e as conseqüências socioeconômicas O sociólogo Octavio Ianni, na obra Teorias da Globalização,16 enfrenta o tema comentando as metáforas da globalização, recolhe-se em apertada síntese: a metáfora da aldeia global, torre de Babel, a economia-mundo, financeirização, fim da geografia, interdependência, ocidentalização, racionalização, capitalismo rampante. Para Held e McGrew, na obra Prós e Contras da Globalização,17 vemos que a questão pode ter várias vertentes, os autores dividem os defensores da globalização distinguindo-os entre céticos que não acreditam possa a globalização trazer qualquer benefício, só dentro das fronteiras do Estado-nação é possível materializar soluções legítimas para o problema das desigualdades. Entre os globalistas, distinguemse aqueles de orientação neoliberal, seria a mobilidade do capital e a competição o arauto da modernização e do desenvolvimento. A solução para as desigualdades seria a abertura dos mercados. Por outro lado, há os globalistas de orientação social-democrata que sustentam que ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO. Disponível em <http://www.wto.org>. 2002. IANNI, Octavio. Teorias da Globalização. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1999. 17 HELD, David ; MACGREW, Anthony. Prós e Contras da Globalização. Rio de Janeiro : Zahar, 2001. 18 MÜLLER, Friedrich. Jurista e filósofo. Universidade de Heidelberg, palestra “O que a globalização faz contra a democracia e o que os democratas podem fazer contra a globalização”. In : PETERSEN, Nikolai ; SOUZA, Draiton Gonzaga de (org.). Globalização e Justiça. EDIPUCRS, Coleção Filosofia. 15 16 30 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 a globalização econômica é diretamente responsável por aumentar as disparidades no mundo, “a menos que a globalização econômica seja refreada, um novo barbarismo irá prevalecer”, o que se requer é o dever de “cuidar além fronteiras”. Friedrich Müller,18 respondendo ao “o que fazer”, diz que não se deve “esperar que uma esfera pública global se construa sozinha”, faz-se mister ação multiforme, impulsionar mediante iniciativas grupais e ações individuais bem-refletidas, formar autonomamente redes, instrumentar a competência na esfera pública, construir sistemas móveis, “quanto mais pessoas estiverem ativas neste campo mais dificilmente sua ação poderá ser desqualificada como irrelevante”. No sentido da democracia tradicional, o povo é ficção, hoje, para ser eficaz, ele precisa ser ator”. John Rawls,19 na vertente globalista, quase idealista ou utópico, articula a idéia de um contrato social à sociedade dos povos, “os povos bem ordenados”, não necessariamente liberais, seriam aqueles que respeitam os direitos humanos e sociais básicos , os que tal não fazem são tidos como “sociedades fora da lei”. Na linha do autor, a sustentabilidade com desenvolvimento seria uma doutrina abrangente razoável. 13. Em que medida são garantidos, desenvolvimento e sustentabilidade, em nossa Carta Política? Pelo romaneio dos artigos, podemos concluir que o desenvolvimento é garantido desde o preâmbulo como profissão de fé, de princípio, com a nota de sustentabilidade ao encontrarse ali relacionados com a justiça, a igualdade, o bem-estar e a fraternidade. A sustentabilidade pode ser vista no art. 1 o, no princípio da dignidade humana, na promoção do bem de todos, na preocupação com a educação e a saúde e o meio ambiente, além do domínio econômico. Então, a sustentabilidade é garantida no domínio econômico, político, social, educacional e cultural. A economia sustentável depende de um “uso de recursos que não os esgote irreversivelmente e de padrão de manejo de resíduos que não destrua a vida. A sustentabilidade política se baseia em dar a todos os 19 20 RAWLS, John. O direito dos povos. São Paulo : Martins Fontes. GOULET. Denis. Desenvolvimento autêntico: fazendo-o sustentável. São Paulo : Cortez. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 31 membros da sociedade uma responsabilidade na sua sobrevivência e tal não pode ser conseguido a menos que todos gozem de liberdade, direitos pessoais e garantia de atendimento das necessidades básicas. Todos devem acreditar que o sistema político no qual vivem persegue algum bem comum e não só interesses da classe dominante”, este seria o desenvolvimento autêntico, sustentável, segundo Denis Goulet.20 14. O princípio do desenvolvimento sustentável O princípio do desenvolvimento sustentável é intergeracional, impõese o atendimento das necessidades das gerações presentes sem que isto comprometa o atendimento das necessidades das gerações futuras.21 O princípio do desenvolvimento sustentável é eqüitativo, preocupa-se com a promoção do bem de todos e de uma qualidade de vida presente e futura. O princípio do desenvolvimento sustentável é precautório, a falta de certeza científica não é razão para impedir uma medida de proteção, aliás, deve determiná-la. O princípio de desenvolvimento sustentável é multidisciplinar, articula-se com a economia, a saúde, o meio ambiente, o consumo e a cultura. O princípio do desenvolvimento sustentável é relacional, articula-se o direito ao desenvolvimento com o dever de considerar as necessidades do homem e do ambiente de forma eqüitativa e solidária. Finalmente, desenvolvimento autêntico não pode existir quando necessidades de primeira ordem de muitos (necessidades básicas) são sacrificadas em favor das necessidades de luxo de poucos. 15. A contribuição do Poder Judiciário Federal no desenvolvimento sustentável Concluindo, então, passo a examinar algumas possíveis contribuições no sentido da sustentabilidade do desenvolvimento feitas pelo Judiciário FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais. RT, 2000, p. 42. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Consumo Sustentável. In: BENJAMIN, Antonio (org. e editor). O Direito e o Desenvolvimento Sustentável. 22 A carne foi reexportada para a África. 21 32 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 no âmbito da 4ª Região. Acrescento que o Poder Judiciário, como um dos poderes do Estado, também tem deveres em relação ao meio ambiente. Destaco, inicialmente, a questão discutida, em 1990, nos Embargos Infringentes nº 90.04.09456-3/RS, tratando-se de uma Ação Civil Pública que pedia a proibição da comercialização de carne alegadamente contaminada por radioatividade. O episódio foi amplamente discutido pela imprensa e ficou conhecido como o da “carne de Chernobyl”. Havia divergência técnica sobre a efetividade da contaminação e imprestabilidade do produto, mas, por maioria, a comercialização ficou proibida (TRF-4ª Região, Rel. Des. Federal Teori Albino Zavascki). Houve voto divergente e em Embargos Infringentes a carne foi liberada, houve um acordo entre a União e o Ministério Público Federal, já no Superior Tribunal de Justiça. 22 Na AMS nº 70000027425, a 2a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve o decreto de interdição de 453 ha de terra pelo Estado do Rio Grande do Sul de plantação de soja Roundup Ready (geneticamente modificada) (Rel. Des. Maria Isabel de Azevedo Souza, em 06.10.99). Protegeu-se o meio ambiente e o consumidor. Na Apelação Cível nº 91.04.01871-0/RS, foi proibida obra irregular no entorno do parque tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, e como patrimônio da humanidade pela UNESCO, ruínas de São Miguel das Missões, sustentabilidade do patrimônio cultural. (Rel. Des. Federal Vladimir Passos de Freitas) Na Apelação Cível nº 594186215, Rel. Des. Elvio Schuch Pinto, em Ação Civil Pública contra a construção da Estrada Rota do Sol, obra pública realizada pelo DAER com supressão da Mata Atlântica e impacto na fauna aquática (1972 a 2002), concluída com alteração do projeto. Na Apelação Cível nº 96.04.43429-2/SC, em Ação Civil Pública, o Ministério Público Federal pediu a procedência da ação para sustar todas as atividades que implicassem supressão da Mata Atlântica em Santa Catarina, ao fundamento de que as autorizações concedidas pelo IBAMA não obedeciam à legislação ambiental, carecendo o Decreto nº 750/1993 da devida regulamentação. Houve um acordo em primeiro grau, onde o IBAMA se comprometeu a fazer um levantamento da Mata Atlântica e o juiz julgou procedente a ação para condenar o IBAMA a fazer o levantamento especificando os graus de regeneração da mata. Houve R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 33 apelação de todos, Ministério Público Federal, IBAMA e Fundação do Meio Ambiente – FATMA. No julgamento da apelação, a 4a Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmou o provimento liminar para proibir qualquer processo que vise à supressão da Mata Atlântica sob o fundamento de que falta lei estrita para essa atividade, caso a caso. A superveniência da regulamentação do Decreto nº 750/1993 não esvazia o pedido. Os requeridos interpuseram substanciosos embargos declaratórios, a estes, a 4a Turma emprestou efeitos também infringentes, reformulando o voto condutor no que diz com a exigência da lei em sentido estrito, caso a caso, para toda e qualquer supressão. O acórdão declarou que prevalece o Decreto nº 750/93 e normas regulamentadoras posteriores, restringindo a liminar amplíssima para apenas paralisar os empreendimentos que não estivessem de acordo com os atos normativos mencionados. Declarou-se ainda que o art. 225, § 1o, inc. IV, e § 4o, da Constituição Federal de 1988 permite a utilização da Mata Atlântica mediante os requisitos e condições previstas na própria Constituição Federal de 1988 e normatização posterior. Fazendo um brevíssimo comentário, percebe-se na situação descrita como é difícil fixar limites e critérios. Em uma primeira aproximação, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região fez uma leitura bastante radical do conteúdo do art. 225 da Constituição Federal de 1988. A posição fundamentalista, e aqui não vai crítica, é idealista, rígida e, se refletirmos, não se adequa ao primado da sustentabilidade. Ela não é sustentável neste caso concreto, pois não permitiu qualquer atividade humana no espaço territorial do Estado de Santa Catarina, bastando que houvesse vestígio histórico de Mata Atlântica. Retomou-se, após, posição mais flexível, nos declaratórios, reconhecendo-se a competência do Poder Executivo para regulamentar a questão e reconhecendo-se a função administrativa ambiental dos órgãos do IBAMA e FATMA que, em princípio, cumprem o seu dever-poder de proteger os remanescentes florestais de Mata Atlântica. Ao permitir, pelo menos em tese e de acordo com os marcos e limites legais e regulamentares, alguma atividade humana na área, optou-se por prestigiar a própria sustentabilidade. Na linha da sustentabilidade, ainda as decisões que proíbem a 34 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 A importância de modernizar a administração da justiça Maria Lúcia Luz Leiria* A administração da Justiça útil e efetiva neste tempo de fim de século, neste planeta cada vez mais reunido em face dos grandes avanços da tecnologia, é, sem sombra de dúvida, um dos maiores pilares para garantir a realização do Estado Democrático de Direito. Sabido que nossa Constituição de 1988 vem do chamado constitucionalismo moderno, reforçado pela queda dos governos totalitários, sendo exemplo de Carta dirigente e normativa do tão almejado Estado Democrático de Direito. Portanto, é de ser anotado que, nos últimos 50 anos, grandes alterações ocorreram nas sociedades organizadas, que demonstram aos teóricos da doutrina do Estado a ocorrência de problemas (guerras, crises econômicas, sociais) que fazem o Estado assumir novas funções, passando a ter outro perfil em razão das novas demandas sociais. A partir de 1970, começam grandes crises econômicas com o decréscimo da distribuição de riqueza e o crescimento de demandas dos indivíduos. Estamos, pois, vivendo um momento em que o Estado precisa moldar* Desa. Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Mestre e Doutoranda em Direito – UNISINOS/RS. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 35 se à nova cultura, haja vista o poder da democracia crescente, suprindo e buscando criar a consciência de que o homem atual só sobreviverá se for solidário. A cultura da solidariedade deve ser instaurada em todos os setores. A partir, pois, desta constatação inevitável em face da atualidade das crises e mudanças no atendimento das crescentes demandas da sociedade organizada, veja-se o amplo campo da chamada biodiversidade, dos direitos difusos e transindividuais, da busca do ambiente saudável para manutenção da vida no planeta, modernizar o Judiciário nacional não é só um processo básico, como urgente e indispensável para o pleno e efetivo exercício da cidadania. Modernizar traz à mente tornar atual, deixar o velho que deu resultado e apropriar-se do novo, mas do novo testado e comprovado, sem a histeria da mudança apenas pela mudança, sem o radicalismo da destruição no processo de reconstrução. E, sim, modernizar, trazendo para dentro de toda a atividade jurisdicional as conquistas de todas as áreas do conhecimento humano, com o objetivo último de servir, adequar, realizar a Justiça para todos, na mesma velocidade e na mesma qualidade com que, no século passado e no alvorecer deste, se a dava ao indivíduo como sujeito isolado de direitos. Portanto, modernizar implica não derrubar o que foi construído, mas, sim, amoldá-lo à nova realidade pós-moderna. E isso se faz na constante e ininterrupta conscientização de que se deve formar, atualizar, aperfeiçoar, utilizar-se dos recursos da tecnologia, abreviar-se os procedimentos desnecessários de todos e de tudo que envolva a grande máquina que configura a Justiça Brasileira. Sem dúvida, aí a importância de modernização da Justiça, que entendo como um processo evolutivo com o fim de efetivação dos princípios constitucionais tão bem-insculpidos em nossa Carta Constitucional. Tarefa árdua em tempos de realidade complexa, em tempos de comunicação instantânea, em tempos de grandes mudanças, em tempos de fim de século, em tempos onde a globalização das relações fáticas vai se acelerando, em tempos onde a soberania das nações cede espaço aos tratados de mútua cooperação, onde nações se agrupam buscando igualar seus nacionais, buscando acima de tudo o progresso, em nome de um valor mais alto que é o da própria sobrevivência do ser humano. 36 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 Trabalhos imensos de todos os envolvidos no desenrolar válido do processo não o tornam eficaz se caducos pelo tempo. Esforços hercúleos não matizam de oportunas decisões que não encontram efetividade. Dentro deste efetivo processo de modernização, ao lado das necessidades ditas materiais, eletrônicas, tecnológicas, sobressai a necessidade do contínuo aperfeiçoamento do ser humano, que serve como membro do poder, aperfeiçoamento que passa pela constante formação intelectual e emocional, para que não se veja o novo com os olhos do velho, para que não se julgue com os conceitos antigos, para que não se aplique o novo texto constitucional com as interpretações do passado, como se o mundo da Justiça estivesse dissociado do mundo real. Como se a vida não passasse de uma tela de computador onde os anseios, as angústias, as necessidades, os direitos existissem apenas virtualmente. Não há, pois, apenas “importância em modernizar a justiça”, há urgência, emergência, sob pena de privatizar-se o espaço público, enterrando um Poder sob o manto dos árbitros privados. Rasga-se a Constituição sob o comando da inércia daqueles que não querem perder o Poder. Modernizar é vital para a obtenção e a manutenção do almejado Estado de Bem-Estar, do Estado Providência, do Estado Democrático Social. A importância de modernizar a Justiça só será necessária na medida em que a palavra modernizar seja efetiva e adequadamente conceituada como interpretação das condições atuais postas à disposição do homem pelas conquistas da modernidade com o fim último de melhorar e de implementar as conquistas determinadas pela Constituição Federal para a obtenção da vida digna, da erradicação da marginalização, da sociedade justa e solidária. Há, pois, que entender modernizar como todas as formas de utilização dos meios e instrumentos da modernidade postos à disposição e a serviço do homem como ferramenta para o bem- R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 37 Branca 38 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 Considerações acerca do prazo decadencial nas ações edilícias (Análise do art. 445, §§ 1º e 2º, do Código Civil de 2002) Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz* A teoria dos vícios redibitórios desempenha papel de grande relevo no Código Civil, promulgado com a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, procurando resguardar o comprador contra abusos porventura praticados pelo alienante, pondo-o a salvo de falhas e defeitos apresentados pelos bens adquiridos. Os vícios redibitórios, no ensinamento dos Mestres, são defeitos ocultos existentes na coisa alienada, objeto de contrato comutativo, não comum às congêneres, que a tornam imprópria ao uso a que se destina ou lhe diminuem consideravelmente o valor, de tal forma que o negócio não se realizaria se esses defeitos fossem conhecidos, ensejando ao adquirente a opção de rejeitar a coisa defeituosa, rescindindo o contrato, por meio da ação redibitória, ou, então, conservar o bem reclamando abatimento no preço, lançando mão da ação estimatória ou quanti minoris. Ambas as ações encontram a sua razão de ser no princípio que veda o enriquecimento ilícito, preservando o adquirente de prejuízos, evitando que o transmitente à custa dele se locuplete. *Des. Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 39 Na vigência do Código Civil de 1916, numerosas dúvidas foram suscitadas quanto ao dies a quo para o ajuizamento das ações edilícias. A respeito, reza o art. 445 do Código Civil de 2002, verbis: “Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade. § 1º Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis. § 2º Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos serão os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se o disposto no parágrafo antecedente se não houver regras disciplinando a matéria.” A posição consagrada no texto legal representa a acolhida de uma evolução da jurisprudência, sobretudo do Supremo Tribunal Federal, reafirmando o acerto do pensamento externado por Niboyet, quando participava dos trabalhos da Comissão de Reforma do Código Civil francês, ao dizer que “le but d’un Code est de codifier la jurisprudence”.1 Com efeito, em voto lapidar que proferiu quando do julgamento do RE nº 76.233-GO, assinalou o saudoso Ministro Thompson Flores, verbis: “...na literalidade do dispositivo (art. 178, § 2º), está claro nele qual seja o momento, o marco zero da contagem: é o momento da tradição. Mas em certas situações de fato, conforme a natureza da coisa ou do defeito que porte, não seria possível o exercício da ação dentro desse prazo exíguo, se contado da tradição, não tanto pela exiguidade, mas pela impossibilidade da revelação do defeito... Nesse caso, se atendermos à lei, na sua letra fria, estaríamos condenando a um abortamento inapelável o direito dos adquirentes, contra todos os princípios de direito e o bom senso... a ação redibitória objetiva a garantia do comprador contra os defeitos ocultos da coisa adquirida... para que se possa exercer efetivamente o direito à ação, decorrente da garantia... há de ser proporcionado ao comprador um prazo razoável e que este seja contado a partir de quando for possível a revelação do defeito oculto...”.2 Nesse sentido, igualmente, deliberou o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, verbis: “Ação redibitória. Decadência. Início do prazo. Não maltrata o art. 178, § 5º, inciso IV, do Cód. Civil, acórdão que, ao afastar a decadência, dispõe no sentido de contar-se o prazo a partir do momento em que o vício tornou-se conhecido pelo adquirente do imóvel. Recurso especial não conhecido.”3 In Travaux de La Commission de Réforme du Code Civil - Année 1948-1949, Librairie Du Recueil Sirey, Paris, 1950, p. 33. 2 In RTJ 68/224-7. 1 40 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 Esse, também, é o entendimento firmado pela melhor doutrina, consoante se extrai da lição de Henri de Page, verbis: “Si le vice doit se révéler normalement à 1’usage, c’est à compter de la délivrance que le délai commencera à courir. Si, exceptionnellement, il s’agit d’un vice qui ne peut se révéler que tardivement, ou qui échappe aux investigations le plus attentives de 1’acheteur, le délai ne prend pas cours à ce moment. C’est la solution de la loi elle-même (naturè du vice: art. 1648).” 4 Da mesma forma, o magistério de Jérôme Huet, verbis: “... pour des matériels de haute technicité, la durée du délai a sans doute lieu d’être allongée. Ce peut être le cas en matière d’informatique où les juges admettent voluntiers qu’un vice n’est susceptible de se révéler qu’après une longue période de mise au point...”5 Outro não é o pensamento de Dernburg, arrimado às lições do Direito Romano, verbis: “L’azione redibitoria si prescrive in sei mesi dopo la vendita, ma calcolati utiliter. L’ignoranza nel compratore del difetto impedisce perciò l’inizio della prescrizione, salvochè essa non riposi su grave negligenza.” 6 Em obra clássica acerca da matéria, anota Riccardo Fubini, verbis: “...solo diremo che al compratore non si può imporre di scoprire vizi che solo dopo lungo e maturo esame della merce si possono constatare; nè sarebbe ragionevole obbligarlo a sperimentare e usare la cosa senza bisogno e contro il proprio interesse per favorire il venditore che avesse consegnato cosa viziata.”7 A jurisprudência estrangeira de maior relevo, do mesmo modo que a doutrina, sempre orientou-se nesse rumo. Em seu precioso Code Civil Annoté, o Magistrado Fuzier-Herman, ao comentar o art. 1.648 do Código Civil francês, faz referência aos julgados REsp nº 4.152-MT, rel. Min. Nilson Naves, in RSTJ 21/371. Henri de Page, in Traité Élémentaire de Droit Civil Belge. 2. ed., Établissements Émile Bruylant, Bruxelles, 1943, t. 4ª, pp. 210/1. 5 Jérôme Huet, in Responsabilité du Vendeur et Garantie contre les vices cachés, Editions Litec, Paris, 1987, p. 287. 6 A. Dernburg, Diritto Delle Pandette-Obbligazioni, tradução de F. Cicala, Fratelli Bocca Editori, Torino, 1903, pp. 434/5. 7 Riccardo Fubini, in La Teoria dei Vizi Redibitorii, Fratelli Bocca Editori, Torino, 1906, p. 410. Nesse sentido, ainda, Marcel Planiol e Georges Ripert, in Traité Pratique de Droit Civil Français, Librairie Générale de Droit & de Jurisprudence, Paris, 1932, t. X, pp. 142/4, nº 136; Ludovico Arndts, in Trattato delle Pandette, tradução de F. Serafini, Arnaldo Forni Editore, Ristampa -1981, t. II, pp. 248/251, § 304. 3 4 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 41 dos tribunais franceses, verbis: “Le délai de l’art. 1648 court du jour où le vice s’est révélé à l’acheteur. - Cass. req., 27 juin 1887; ...Il a été jugé spécialement à 1’appui de cette thèse que le vice d’une machine ne pouvait apparaitre que du jour où elle est en plein fonctionnement. - Cass. civ., 12 nov. 1884.”8 No mesmo sentido, são os julgados do “Tribuna1 Féderal Suisse”, verbis: “... le délai (de péremption ATF 61 II 148) dépend de la nature de la chose et du genre de défauts; il peut aller de quelques jours à quelques mois (machines agricoles, chasseneige) AFT 81 II 56 JT 1955 I 562; ...En cas d’installation d’un software, le délai ne court qu’à partir du moment où celui-ci est instal1é et prêt à fonctionner avec des données réelles ATF 124 III 456.”9 Por conseguinte, o Código Civil de 2002, encerrando com a polêmica que persistiu na jurisprudência e na doutrina sob a égide da Lei Civil de 1916, estabeleceu que o prazo decadencial nas ações edilícias, quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, contar-se-á a partir do instante em que dele teve conhecimento o adquirente, até o prazo máximo de 180 dias, em se tratando de bem móvel, e de um ano, se imóvel. A opção revelada pelo legislador de 2002 atende, assim, aos reclamos da doutrina e da jurisprudência, bem como à própria finalidade da codificação das leis civis, magistralmente sintetizada por Cambacérès, no final do século XVIII, em seu Projeto de Código Civil, verbis: “La meilleure législation est celle qui favorise 1’intérêt général de la société et les progrès de la morale publique...Il s’agit ici de lois civiles, c’est-à-dire, des préceptes qui s’associent à toutes les actions, qui embrassent les rapports de tous les instans, et qui, par leur influence, peuvent embellir les divers âges de la vie, ou du moins en adoucir les inévitables amertumes.”10 Ed. Fuzier-Herman, in Code Civil Annoté, 1940, t. 5º, p. 575, nota nº 4. G. Scyboz & Pierre Robert Gilliéron, in Code Civil Suisse et Code des Obligations Annotés, Editions Payot Lausanne, 1999, p. 120, nota nº 201. 10 Cambacérès, in Projet de Code Civil, Librairie Edouard Duchemin, Paris, 1977, pp. 15 e 68. 8 9 42 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 13-42, 2002 DISCURSOS R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 43-58, 2002 43 Branca 44 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 43-58, 2002 Discurso em homenagem à Desembargadora Federal Luiza Dias Cassales 29 de maio de 20021 Designada para saudar em nome do Tribunal Regional Federal da 4ª Região a Desembargadora Luiza Dias Cassales por ocasião de sua aposentadoria é com grande honra e emoção que inicio este suave rumor de lembranças com a intenção de homenagear Sua Excelência, servir-nos de acalanto e manter intacta a memória. Luiza Dias Cassales é natural de Livramento, mulher gaúcha, conhecedora da vida campeira, um pouco “Luiza Fierro”, nos sentimentos pampeanos, filha dedicada de Concesso Cassales, advogado; e Marina Dias Cassales, do lar. Estudante aplicada, mas rebelde. Iniciou seus estudos na cidade de Livramento, concluindo o primário em Porto Alegre, no Colégio Americano, o curso científico no Rio de Janeiro, no Colégio Benetti. Fruto da convivência escolar, cultiva amizades que a acompanham até hoje. Mãe ainda muito jovem, de Maria Luiza, Juíza do Trabalho; Walter Jorge, Médico Veterinário; e Carlos Eduardo, Advogado. É avó de Marcelo, Luiza, Marina, Pedro e Walter; casada com o Doutor José Cutin, médico, professor, e sempre companheiro. Graduada em História e Geografia pela Faculdade de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica, com Licenciatura, em 1961. Graduouse também na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul em Desa. Federal Marga Barth Tessler, Diretora da Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 4ª Região – EMAGIS. 1 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 43-58, 2002 45 Ciências Jurídicas e Sociais, em 1964. Pós-graduada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em Direito Internacional/Mercosul, em 1999. Professora apreciada e inesquecível das disciplinas de História e Geografia no Colégio Liberato Vieira da Cunha, em Livramento; e Cândido José de Godói, em Porto Alegre; Professora Universitária em Prática de Processo Penal no curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, de 1975 a 1978. Prossegue na atividade do magistério superior até hoje em cursos preparatórios à magistratura. Conferencista em encontros jurídicos nacionais e internacionais, especialista na área do Direito Administrativo, onde enfrenta qualquer tema, tendo proferido palestra no Departamento de Medicina do Havard Medical School de Londres, em 1978, sobre o tema Aspectos éticos da medicina no Brasil. Vocacionada inicialmente para o magistério, iniciouse muito jovem na atividade político-partidária, tendo sido Vereadora do Município Sant’Ana do Livramento, durante o período de 1963/1965, e Presidente da Câmara de Vereadores, de 1963 a 1964. Prefeita de Sant’Ana do Livramento, no período de 1964 a 1965. Advogada militante desde 1964, advogou intensamente por 18 anos, inscrita na OAB/RS sob o nº 5862. Integrou o escritório liderado pelo Dr. Romeo de Almeida Ramos, Heitor Galant, Marco Aurélio Farias de Vasconcellos. Dedicouse também às áreas assistencial e comunitária, tendo sido Presidente da Câmara Municipal da Legião Brasileira de Assistência – LBA, em Livramento. Procuradora da República aprovada em concurso público, em 1972. Assumiu como órgão do Ministério Público Federal o Conselho Penitenciário do Estado, sempre promovida por merecimento, foi Procuradora-chefe da Procuradoria da República no Rio Grande do Sul, em 1982; e Procuradora Eleitoral junto ao Tribunal Regional Eleitoral, de 1976 a 1982. Admitida na Ordem Militar de Honra ao Mérito, Grau de Cavaleiro, em 1978; e agraciada com a Medalha do Pacificador, em 1978. Juíza Federal aprovada no concurso público promovido pelo saudoso Tribunal Federal de Recursos, em 1987. Foi titular da 8ª Vara Criminal e da 5ª Vara Cível, em Porto Alegre, tendo-as jurisdicionado simultaneamente durante longo período. Diretora do Foro da Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul, de 1990 a 1991. Convocada para compor o Tribunal Regional Federal 46 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 43-58, 2002 da 4ª Região, de agosto de 1991 a julho de 1992, ocasião em que foi promovida por merecimento para compor o Tribunal Regional Federal. Integrou o Conselho de Administração durante o período de 1994 a 1997, como suplente, e a Banca Examinadora do Concurso para Juiz Federal Substituto, em 1995. Foi membro efetivo da Comissão de Jurisprudência, em 1995. Eleita Diretora da Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, biênio 1995/1997. Presidente da 3ª Turma em dois períodos. Membro efetivo do Conselho de Administração, de 1997 a 1999, e indicada pelo Plenário para integrar o Tribunal Regional Eleitoral, de 1999 a 2001, aposentando-se em 05 de fevereiro de 2002. Extraordinária e invejável trajetória, muito rica e pontuada por episódios emocionantes resumidos aqui sem muita arte e contidos frente à solenidade do momento discursivo. Juíza criminal firme, magistrada exemplar muitíssimo produtiva, modelo a ser seguido. Sempre pronta a participar de novos empreendimentos, atenta às mudanças sociais que reclamam soluções mais efetivas e equânimes dos juízes. Sensível e comprometida com os direitos fundamentais, não só civis e políticos, mas com os sociais, culturais e ambientais, muito contribuiu e ainda contribuirá para o aprimoramento da ordem jurídica, com ars e prudentia, para a construção de uma sociedade menos injusta e mais solidária. Apaixonada pela vida, apreciadora da música clássica, leitora atualizada, grande companheira de viagem, enriquecendo os itinerários com referências históricas e geográficas. Dona de lendária perspicácia e fino senso de humor, tornou o nosso Tribunal mais rico e alegre, integra as nossas memórias, a nossa alma coletiva. Luiza, amiga de tantos, conta dedicadas amizades entre os servidores e colegas. Costuma referir-se às integrantes do Gabinete como as “minhas filhotas”, algumas acompanharam-na desde o primeiro grau, são elas: Josandra, Nice, Tetê, Rochelle, Sonia, Isabel, Claudiane, Claudia, Maira; e ainda o Sr. Raul, e os estagiários Guilherme, Eduardo e Alexandre. Luiza, amiga, soube cultivar amizades dedicadas na longa trajetória, o que honra esta Casa, onde se convive amavelmente. “Acordo no pensar engendra amizade” teria dito Demócrito no Fragmento 186. Prodigiosa comunidade a nossa, em que se consegue cultivar e manter amizades 2 SILVA, Jason de Lima e. Aristóteles e Cícero: Amizade, Virtude e Política. Inédito. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 43-58, 2002 47 mesmo com vigoroso desacordo, pois juízes freqüentemente divergem. Diz Aristóteles,2 na “Ética a Nicômaco”, que uma das artes do bem viver é a amizade, não haveria maior valor para o homem, exceto a felicidade contemplativa, que aquela chamada “amizade”, a “filia”. Na “Política”, segundo o filósofo, a amizade é a concórdia, e a justiça é a garantia da concórdia. Platão, reticente, identifica um “quase amor” no diálogo Lisias, falava da amizade, mas não saía dos domínios do amor. Quando a amizade se converte em virtude, algo é guardado em comum, o afeto amoroso. O primeiro acontecimento da amizade é uma “disposição recíproca”. É por meio da correspondência que a amizade completa o círculo de sua virtude. Não ser amado, mas amar, é o que busca o homem cujo maior tesouro só um deus conhece: o bastar-se a si mesmo. Afinal, o homem feliz necessita de amigos? Conclui o filósofo que sim, seria absurdo dar todos os bens ao homem feliz e não dar-lhe amigos. Ainda, citando Aristóteles, “viver a virtude enfim é cultivar tanto os atos belos quanto os bons amigos por si mesmo, é numa palavra, cuidar de si”. Já Cícero começa “Laelius” dizendo que a amizade é preferível a todos os bens desta terra. A amicitia é “uma unanimidade entre todas as coisas divinas ou humanas, acompanhada de afeto e benevolência”. Para Foucault,3 a amizade é o mais subversivo dos sentimentos, na medida em que não é exclusiva, não tem limites nem fronteiras. Nietzsche,4 ao dissertar para os espíritos livres, aborda a amizade, distinguindo aqueles que utilizamna como escada, daqueles outros que fazem dela um círculo. Entre estes últimos está a nossa homenageada. O amigo: um ser que a vida não explica e o espelho da alma multiplica, segundo o poeta Vinícius.5 “Amigo é coisa para se guardar”.6 Guardamos com imensa alegria a lembrança da diária convivência. O Poder Judiciário, a Jurisdição, que com tanta dedicação e amor Vossa Excelência exerceu, não podem mais retê-la. Desfrute, pois, da merecida aposentadoria, dedicando-se aos seus múltiplos talentos, com saúde, alegria e a proteção de Deus. Intacta memória – se nós chamássemos ERIBON, Didier. Michel Foucault. São Paulo : Cia das Letras, 1990. NIETZSCHE, Friedrich. Humano Demasiadamente Humano.Cia. das Letras. versículo 368. Idem. A gaia ciência. São Paulo : Hemus. 279, amizade estelar. 5 MORAIS, Vinícius de. Soneto do Amigo. 6 NASCIMENTO, Milton.Cancioneiro Popular. 7 ANDRESEN. Sophia Breyner. Obra Poética II. Lisboa : Editorial Caminho. ARISTÓTELES. Ética Nicomáquea. Madrid : Gredos, 1988. CÍCERO. Das Leis. Da República. Saber Envelhecer. Lelio. Porto Alegre : L&PM, 2001. 3 4 48 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 43-58, 2002 Preleção aos juízes (posse dos novos juízes federais, 05 de agosto de 2002) Amir José Finocchiaro Sarti* O juiz, como disse Aristóteles, há de ser “a justiça viva”. Se não buscar encarnar a justiça, exercerá funções de juiz, mas nunca será um verdadeiro juiz. Atento a tão grave advertência, peço licença para iniciar esta manifestação dando cumprimento, antes de mais nada, a um estrito dever de justiça, que é tornar público o meu sincero, profundo e imperecível sentimento de gratidão a todos os membros da devotada e laboriosa Comissão do Concurso, que tive a insuperável honra de presidir, composta pelos eminentes Desembargadores Federais Marga Inge Barth Tessler e José Luiz Borges Germano da Silva, pelos ilustres Professores Drs. Marco Aurélio Costa Moreira de Oliveira e Flávio Cavalli, que, acompanhados pelos digníssimos Desembargadores Federais João Surreaux Chagas e Tadaaqui Hirose, membros suplentes, mas sempre atuantes, não mediram esforços para realizar com êxito absoluto a espinhosa missão que hoje vemos alcançar o seu termo final e que nos consumiu um ano inteiro de extenuantes trabalhos na preparação e na correção das provas escritas, nas reuniões intermináveis, nas discussões cansativas sobre as mais complicadas questões de direito e, por último, *Des. Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 43-58, 2002 49 na torturante maratona de aplicação das provas orais, durante um mês inteiro, sem interrupção nem descanso, às vezes por mais de 10 horas diárias – e tudo isso sem nos afastarmos das nossas rotinas na jurisdição, na advocacia e no magistério. Faltaria, outrossim, ao meu compromisso com a justiça se deixasse de assinalar, com toda a devida ênfase, os méritos inexcedíveis da valorosa equipe de funcionários que, dirigidos pela insubstituível Secretária do Concurso Dra. Isabel Cristina Lima Selau, prestou assessoramento à Comissão, oferecendo-nos permanentemente uma contribuição inestimável, em todas as horas, sem pausa nem limite, muitas e muitas vezes além do expediente judiciário, inclusive em sábados, domingos e feriados. Em nome do Tribunal, quero, assim, registrar uma nota de especial louvor ao trabalho irrepreensível dos nossos estimados servidores Dra. Delfina Maria Pereira Valério, Dr. Ivan Bolten Lúcio, Dr. César Figueiredo Muller, Dr. Eduardo Boger, Psicóloga Elizabeth Eliana Schefer, Sra. Luzia Farias Pinto, Sra. Áurea Terezinha Vasconcelos, Sra. Maria José Tavares Alves, Sr. Ronaldo Carvalho Martins, Sr. Antônio Altemir Ziegler da Silva e, last but not least, o nosso prestativo e sempre atencioso Sr. Paulo Mariano Semensato. Caros juízes: ao falar em solenidade semelhante, dois anos atrás, tive a oportunidade de lembrar aos colegas que então tomavam posse que a escolha dos magistrados, na Grécia antiga, era feita por eleição ou até por sorteio, ora entre a massa dos cidadãos ora apenas dentro da classe dominante, sem nenhuma exigência de formação especializada – e, portanto, obviamente, sem concurso para aferição de conhecimentos jurídicos. Em Roma, o critério de recrutamento da magistratura, pelo menos no período republicano, também era o de eleição. Com o império, os juízes passaram a ser designados diretamente, atuando como longa manus soberano. A seleção dos magistrados, durante a Idade Média, parece ter seguido a linha romana: os juízes são agentes do rei, que os escolhe e lhes confere autoridade. Mesmo assim, parece intuitivo admitir que gregos, romanos, as demais antigas nações européias, enfim, certamente, não devem ter ficado privados, mais do que qualquer outro povo, em qualquer outro 50 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 43-58, 2002 momento da história, de seus bons juízes, provavelmente mesmo de excelentes juízes. Segundo Carlos Maximiliano, em sua Hermenêutica, nos tempos modernos, é na Inglaterra que se encontra a melhor magistratura do mundo: lá, como é bem sabido, os juízes são indicados pela Coroa dentre os grandes advogados – profissionais com pelo menos vinte anos de exercício, que recebem a investidura como honraria, ou antes como verdadeiro dever cívico, sem jamais pensar em “fazer carreira” no Judiciário e, naturalmente, sem nenhum certame formal para verificação de suas aptidões no trato das questões de Direito. Já para o Ministro Carlos Mário, ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal, conforme se pode ver em discurso gravado nos anais daquela Casa, o mais eficiente sistema judicial do mundo estaria hoje nos Estados Unidos, onde curiosamente também não se conhece “carreira judiciária”, nem se usa do concurso público como regra para o acesso aos quadros da magistratura: os juízes são provenientes, na maioria, do corpo de advogados militantes e, não raro, são escolhidos por eleição direta. Na América, aliás, como observou Dalmo Dallari, “muitos dos melhores juízes das mais altas Cortes do país não tiveram nenhuma experiência judiciária prévia” e, mesmo assim, é fato notório que lá existe grande respeito pela magistratura, cujo prestígio é considerado fator essencial para o bom funcionamento do sistema de freios e contrapesos que garante as suas liberdades públicas naquela grande democracia. Entre nós, a composição da magistratura tem sido feita principalmente pelo método do concurso público – fórmula consagrada em nossa cultura, que muitos consideram, não sem justa razão, a melhor de todas as alternativas. É, com efeito, o processo do concurso, senão o único, aquele que melhor garante a igualdade entre os candidatos, a apuração do seu conhecimento jurídico, a escolha dos mais capacitados. Eventualmente, o mecanismo há de apresentar os seus defeitos, mas, como disse Zaffaroni, ninguém minimamente sensato haverá de negar que a democracia também padece de falhas e nem por isso se há de pretender suprimi-la, na busca de uma utópica e inatingível perfeição. Prezados juízes: estou propositadamente repetindo passagens de uma oração que já vai ficando velha para adverti-los de que é relativamente recente e está longe de ter aceitação universal a idéia R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 43-58, 2002 51 de magistratura como profissão. Bem mais recente e menos ainda universal, como visto, é o sistema de seleção por concurso. Mesmo assim, parece absolutamente indiscutível que, em todos os tempos e em todos os lugares, sempre terá havido bons juízes e maus juízes, juízes obscuros e juízes notáveis, juízes pequenos e grandes juízes. Jovens juízes, hoje é o seu dia, dia de glória, dia de vitória, dia de consagração: desfrutem-no, gostosa e intensamente, com os seus amores – pais, cônjuges, filhos, amigos – pois esse é um momento mágico e único, em que toda a comunidade forense reúne-se especificamente para prestar-lhes o devido tributo pelo sucesso alcançado nessa jornada longa e árdua, em que tantos ficaram pelo caminho: começamos com mais de 6.000 (seis mil) candidatos, não preciso dizer mais nada! Aplaudimos de pé, senhores juízes, esperançosos e emocionados, o seu ingresso na magistratura – essa “ordem de ascetas civis”, cujos membros estão irrecorrivelmente condenados, como assinalou Calamandrei, à solidão, ao isolamento, não raro também à miséria e à fome, e, mesmo numa sociedade cada vez mais displicente com os valores morais, condenados à dignidade e à discrição. Permitam-me, entretanto, queridos colegas – a mim que já me preparo para afastar-me da atividade jurisdicional e que, certamente, só por essa particular razão fui honrado, mais uma vez e provavelmente pela última vez, com o privilégio ímpar de falar em nome do Tribunal – permitam-me, nesta hora festiva, o atrevimento de convidá-los para que me acompanhem num breve exercício de reflexão sobre algumas verdades, nem sempre agradáveis de se ouvir, certamente duras de se dizer, algumas verdades que, a meu juízo, deveriam ser gravadas a fogo no coração de todos os juízes. Ser juiz, ilustres juízes, não é deter um cargo, é cumprir um encargo; não é apenas desempenhar uma profissão, é exercitar uma vocação. Diante do juiz, é certo, curvam-se os humildes e os poderosos, os pobres e os ricos; à sua ordem abrem-se e fecham-se as portas das prisões; ao seu comando submetem-se os destinos de muitas vidas, mas ao contrário do que possam imaginar os despreparados, porém, esse poder não é dado aos juízes como prêmio pelas suas excelsas virtudes intelectuais, nem é prerrogativa conferida para o desfrute pessoal de uma restrita casta de privilegiados. Trata-se, na verdade, esse suposto poder, de um fardo 52 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 43-58, 2002 pesado e terrível, do qual não são dignos – como escreveu certo juiz – do qual não são dignos os que se deixam invadir pelo orgulho, atrair pela tentação do mal, fascinar pelas honrarias e seduzir pelas vaidades do cargo. “Faze da minha toga um manto incorruptível”, pediu aquele magistrado, “e da minha pena não o estilete que fere, mas a seta que assinala o caminho da justiça. Ajuda-me, Senhor, a ser justo e firme, honesto e puro, comedido e magnânimo, sereno e humilde. Que eu seja implacável com o erro, mas compreensivo com os que erraram. Amigo da verdade e guia dos que a procuram. Aplicador da lei, mas antes de tudo seu mais fiel cumpridor. Não permitas, jamais, Senhor, que eu lave as mãos como Pilatos diante do inocente, nem atire, como Herodes, sobre os ombros do oprimido, a túnica do opróbio. Que eu não tema César, nem, por temor dele, pergunte ao poviléu, ‘Barrabás ou Jesus’?” Nobres juízes, volto a repetir-me porque não saberia dizer-lhes de forma melhor o que penso seja meu dever dizer-lhes nesta hora. Embora dificilmente se possa exagerar quanto à magnitude do papel que o juiz deve desempenhar na sociedade, a sua legitimação democrática não decorre, pura e simplesmente, de ter ingressado na magistratura por essa ou por aquela das vias de acesso, pois qualquer uma delas tem idêntico assento constitucional. A legitimação democrática do juiz não vem sequer da própria Constituição, como é costumeiro ouvir-se, já que, obviamente, a regular investidura é pressuposto indispensável da jurisdição; nem deriva, tampouco, como muitos sustentam, da motivação jurídica dos seus julgados, porque mesmo nas ditaduras mais cruéis e sangüinárias, incontáveis brutalidades têm sido cometidas sob o amparo de sentenças belissimamente fundamentadas. A legitimação democrática do juiz resulta, isso sim, e só, da persistente correção no cumprimento do seu ministério – todos os dias, em todos os momentos, por toda a vida. Acredito firmemente – e continuo repetindo aquela antiga preleção - que é correto o desempenho do juiz que cumpre e faz cumprir, com independência, serenidade e exatidão todas as disposições legais, mesmo aquelas que sejam contrárias ao seu interesse particular; que trata com urbanidade as partes, os membros do MP, os advogados e os servidores, inclusive aqueles que não gozam da sua simpatia pessoal; que comparece pontualmente à hora de iniciar-se o expediente e não se ausenta, sem justo motivo, antes do seu término, embora a rua lhe ofereça muito mais atrativos; que mantém conduta irrepreensível, tanto na vida pública R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 43-58, 2002 53 quanto na vida particular, ainda que isso lhe possa custar renúncias e sacrifícios. Tudo isso está na lei, mas não precisaria estar se todos compreendessem, desde o primeiro momento, que a independência – o maior de todos os atributos do magistrado – não é licença para gestos isolados de rebeldia juvenil contra certas formalidades tradicionalmente consagradas na sadia convivência social; nem é mandato para desprezar a lei válida e decidir de acordo com critérios personalíssimos de justiça, conforme a variação de seus soberanos e insondáveis humores. A garantia da independência, evidentemente, não autoriza a subversão da ordem jurídica, a usurpação de competências, o julgamento discricionário inspirado em particulares concepções filosóficas ou em peculiares convicções ideológicas e, muito menos, não tolera veredictos ditados por pressões espúrias de qualquer natureza. A independência, observou velho mestre, é, antes de tudo, “um privilégio duro, que impõe, a quem dele desfruta, a coragem de ficar só consigo mesmo”. É isso, nada além disso: a independência é dada ao juiz para bem servir, não para dela servir-se. Não se esqueçam, contudo, eminentes juízes, que a lei não exprime necessariamente o justo e que não raro serve de instrumento para a perpetuação de injustiças e privilégios. Lembrem-se de que “boa é a lei, quando executada com retidão” e de que “a moderação, a inteireza e a eqüidade, no aplicar das más leis, as podem, em certa medida, escoimar da impureza, dureza e maldade, que encerram”: eis aí o extraordinário, imensurável, estupendo papel da justiça – muito “maior do que o da própria legislação, porque, se dignos são os juízes, como parte suprema, que constituem, no executar das leis, em sendo elas justas, lhes manterão eles a sua justiça, e, sendo elas injustas, lhes poderão eles moderar, se não, até, no seu tanto, corrigir-lhes a injustiça”. Está na lei, mas não precisaria estar, se todos compreendessem que as qualidades mais respeitadas nos juízes são a imparcialidade, a resistência a todas as seduções, a indiferença sacerdotal diante das paixões em conflito, o que, entretanto, não desculpa o desinteresse, a frieza, a insensibilidade, pois neste ofício, senhores juízes, como acentuou o nosso insigne colega Desembargador Federal Teori Albino Zavascki, em discurso de paraninfo aos seus alunos, “nós lidamos, invariavelmente, com pessoas e não com artefatos sem alma; pessoas que sentem, que sofrem, que se alegram e 54 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 43-58, 2002 que choram”. É dizer, com Calamandrei, nas sentenças deve haver razão, mas nas sentenças deve haver também sentimento. Está na lei, mas não precisaria estar, se todos compreendessem que sem probidade não pode haver justiça, mas que probidade quer dizer também pontualidade. Ofende o dever de probidade, registrou em certa passagem o imortal autor do Elogio, não apenas o juiz que se deixa corromper, mas também o que faz esperar no corredor, durante horas, sem qualquer satisfação, os advogados e as pessoas convocadas para uma audiência. Ofende o dever de probidade, advertiu a célebre Oração aos Moços, o juiz que se demora, além da conta, nos despachos e sentenças, e muito mais – digo eu – se o fizer movido pela pretensão fútil de produzir apenas para o encanto intelectual das elites, insensível à angústia dos que esperam simplesmente a prestação jurisdicional. Porque, afinal de contas, o que as partes querem é só justiça, e, já dizia Ruy, “justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”. Cuidem-se, pois, digníssimos juízes, para que nunca se tornem “desses magistrados nas mãos de quem os autos penam como almas do purgatório, ou arrastam sonos esquecidos como o das preguiças do mato”. Está na lei, mas não precisaria estar, se todos compreendessem, como ensinou o inesgotável mestre florentino, que o juiz que falta com respeito devido ao advogado, ignora que beca e toga obedecem à lei dos líquidos em vasos comunicantes: não se pode baixar o nível de um, sem baixar igualmente o nível do outro. Até porque a verdadeira autoridade não precisa esconder-se sob a carranca antipática da prepotência arrogante. Está na lei, mas não precisaria estar, se todos compreendessem que a injustiça envenena, mesmo em doses homeopáticas, e que, assim, o juiz deve habituar-se a fazer justiça, até nos mínimos gestos do mister: “Feliz o magistrado que, até o dia que precede o limite da idade, sente, ao julgar, a consternação quase religiosa que o fez tremer cinqüenta anos atrás, ao pronunciar a sua primeira sentença”. Finalmente, está na lei, mas não precisaria estar, se todos compreendessem que o juiz tem de ser um exemplo de compostura no agir, no falar, no vestir: tanto em público quanto na vida privada, o seu comportamento deve ser um modelo de virtudes, fonte de inspiração e motivo de respeito para toda a sociedade. Em outras palavras, não basta que o juiz seja bom, honrado e justo, é preciso que assim pareça, aos 55 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 43-58, 2002 olhos de todos, em todos os sentidos, em todas as circunstâncias. Como aceitar, por exemplo, falando em compostura, a conduta de certos juízes que, talvez desejando parecer modernos, não se respeitam, nem à sua Instituição, nem aos jurisdicionados, apresentando-se publicamente em trajes estranhos e modos incompatíveis, manifestamente incompatíveis, com a austeridade esperada de quem usa a toga? Honrados juízes: de todos os ofícios conhecidos, como vêem, talvez outro não haja que se equipare à magistratura em exigências, imposições, encargos, vedações, restrições – deveres, enfim. Mas é bem compreensível que assim seja, pois se existe alguma verdade na opinião de que a nossa é “a mais eminente das profissões a que um homem se pode entregar neste mundo”, certamente também menos verdadeira não é a conclusão de que, afinal de contas, é precisamente disso que se nutre a legitimação democrática dos juízes: de um permanente, rigoroso, fiel e absoluto cumprimento de todos os seus deveres. Bendito aquele que tem a humildade necessária para compreender e aceitar essas verdades, porque os sábios são humildes e o que mais se espera dos juízes é que sejam sábios; não que saibam muito, mas – como não se cansa de lembrar-me o nosso eminente colega Desembargador Federal Germano da Silva – que julguem com sabedoria: “e tanto mais se afastam da sabedoria os que mais se preocupam não em serem sábios, mas em parecerem sábios”. Os grandes juízes são precisamente os que sabem “introduzir nas fórmulas impiedosas das leis, a compreensão humana da razão iluminada pela piedade”; não aqueles que nunca erram, mas os que têm a coragem de corrigir os seus erros; não os que jamais têm medo, mas os que não se dobram senão à própria consciência; não os que se gabam de tratar com o mesmo rigor pobres e ricos, miseráveis e poderosos, fracos e fortes, “doa a quem doer”, mas os que conseguem perceber que a essência da justiça está em tratar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. Esses, insisto, são os grandes juízes. Quando Deus, aparecendo-lhe num sonho, perguntou a Salomão qual a dádiva que desejaria receber, o jovem rei fez-lhe essa prece: “Senhor, não passo de um adolescente, que não sabe ainda se conduzir. Dai, pois, ao vosso servo um coração sábio, capaz de julgar o vosso povo e discernir entre o bem e o mal”. 56 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 43-58, 2002 Deus agradou-se dessa oração e respondeu: “Porque me fizeste esse pedido, e não me pediste longa vida, nem riqueza, nem a morte de teus inimigos, mas sim entendimento para praticar a justiça, vou satisfazer o teu desejo: dou-te um coração tão sábio e inteligente como nunca houve igual antes R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 43-58, 2002 57 Branca 58 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 43-58, 2002 ACÓRDÃOS R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 43-58, 2002 59 Branca 60 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO CIVIL R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 61 Branca 62 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.081020-1/RS Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler Apelante: Ivo da Silva Advogado: Dr. Paulo Fernando Melo Correa Apelado: Estado de São Paulo Advogado: Dr. Marcelo Martin Costa Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS Advogado: Dr. Ricardo Rocha de Vasconcellos EMENTA Administrativo e Processual Civil. Competência. Danos materiais e morais. Indenização. Erro judiciário. Ônus de sucumbência. 1. Rejeitada a preliminar de incompetência do Juízo Federal, pois o INSS tem foro especial, que acaba atraindo também o Estado de São Paulo. 2. Modificada a sentença que julgou improcedente o pedido de indenização por danos materiais e morais, pois restou comprovada a ocorrência de erro judiciário. 3. Os danos materiais consistem na devolução das parcelas descontadas que ainda não tenham sido objeto de restituição, devidamente atualizadas. 4. O dano moral, no caso, dispensa maiores discussões, pois evidente o abalo causado a um matrimônio de mais de trinta anos a revelação de um suposto relacionamento extraconjugal. Esse mal-estar em família foi causado por um erro tanto do INSS quanto do Poder Judiciário, que não tiveram a mínima cautela em cruzar dados para verificar se estavam 63 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 descontando a pensão da pessoa certa. 5. A indenização por danos morais deve ser fixada em cem salários mínimos, quantia que fará com que as rés tenham mais cuidado na verificação de dados. 6. Invertidos os ônus de sucumbência para condenar as rés no pagamento de custas e de honorários de advogado, fixados no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. 7. Apelação provida. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo, nos termos do relatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 25 de junho de 2002. Desa. Federal Marga Barth Tessler, Relatora. RELATÓRIO A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler: Trata-se de ação na qual Ivo da Silva pleiteia indenização por danos morais, decorrentes de erro judiciário que teria causado grandes prejuízos à sua honra. A sentença julgou improcedente o pedido, dispensando o pagamento dos ônus de sucumbência devidos à AJG. O autor apelou, dizendo que ficou claramente reconhecido que o desconto efetuado nos seus proventos não era devido, de sorte que evidenciado o erro judiciário. Por outro lado, o apelante viu-se em situação tão constrangedora perante sua família e seus amigos que dispensa qualquer comprovação. O dano à imagem é incontestável. Com contra-razões do Estado de São Paulo, nas quais alega, preliminarmente, a incompetência absoluta do juízo e, no mérito, postula a manutenção da sentença. É o relatório. À douta revisão. VOTO 64 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler: Sobre a preliminar de incompetência absoluta, não há o que acrescentar aos fundamentos da sentença, no sentido de que: “a forma como a parte-autora formulou sua pretensão, buscando uma única indenização contra os dois réus, que entendeu solidariamente responsáveis pelo desencadeamento de uma única cadeia causal, faz com que a ação tenha necessariamente de ser proposta contra os dois réus, cuja responsabilidade a parte-autora pretende solidária. Se há solidariedade, há responsabilidade de ambos pelos atos ilícitos que a parte-autora lhe atribui. Se é assim, este Juízo é competente para processar e julgar a ação, porque a competência especial do art. 109-I da CF/88 faz com que os dois réus permaneçam neste Juízo. Os autos não poderiam ser remetidos à Justiça Estadual Paulista, porque o INSS tem foro especial neste Juízo, que acaba atraindo também o Estado de São Paulo. Portanto, este Juízo é competente”. Cabe, agora, um relato dos fatos. O apelante chama-se Ivo da Silva e, conforme cópia de sua documentação, fl.09, sua identidade é nº 5040218405, expedida em 09.09.85 pelo SSP/RS. É natural de Encantado, Rio Grande do Sul, filho de Acacio Silva e Araci Parecy. Sua data de nascimento é 21.08.32. É casado com a Sra. Santa Ivone Silva desde novembro de 1953. Em setembro de 1996, o INSS passou a descontar de seus proventos de aposentadoria determinado valor, a título de pensão alimentícia, em decorrência de uma ordem judicial advinda do processo nº1261/93, 8ª Vara de Família e Sucessões do Foro Central da Comarca de São Paulo. Cabe, agora, esclarecer o conteúdo desse feito. Trata-se de uma Conversão de Separação em Divórcio proposta por Ordália Maciel Silva contra seu ex-esposo, Ivo Silva, com quem teve uma filha. Requer a referida autora, nesta ação, o pagamento de pensão alimentícia a Márcia Maciel Silva. Para obter êxito no seu intento, a Sra. Ordália, no documento cuja cópia está nas fls. 96 e 97 dos autos, forneceu os dados necessários à intimação de seu ex-esposo: “(...) Cédula de Identidade – RG – Nº 1.830.488 – SSP/SP CPF/MF – 037.055.448/53 Endereço – Avenida São João, nº 1.297 – Apto. 304 – S. Paulo – Capital Data de Nascimento – 22 de agosto de 1932 – Franca – São Paulo Filiação – Pai: DORMOVIL SILVA Mãe: IRMA SILVA” É óbvio, apenas pela análise dos dados, que o Sr. Ivo Silva, autor 65 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 da presente ação, não é o mesmo Ivo Silva réu da ação que tramita em São Paulo. Logo, absolutamente indevido o desconto realizado em seus proventos. Eram pessoas homônimas e com datas de nascimento muito semelhantes, mas o erro foi injustificável, considerando-se os demais elementos de identificação, como identidade, filiação, CPF, residência. O Poder Público de fato cometeu um erro grave ao determinar um ônus a pessoa que nada tinha a ver com as prestações alimentícias descontadas. Ambos os réus contribuíram para o lamentável equívoco, o INSS, ao não fornecer corretamente os dados do verdadeiro réu do processo, e o Judiciário, ao determinar o desconto da pessoa errada, que morava inclusive em outro Estado, quando no processo constava o endereço em São Paulo. Como se pode verificar, não foram tomadas as cautelas básicas de conferência de dados por nenhum dos entes públicos. Descabidas, portanto, as alegações em que um tenta responsabilizar o outro pelo incidente. Ademais, a responsabilidade neste caso é objetiva, com base no § 6º do art. 37 da Constituição. Caracterizado, assim, um dano de ordem no mínimo patrimonial que deve ser reparado, mediante liquidação de sentença, considerando-se as quantias já pagas. Sobre a questão do erro judiciário, é preciso tecer mais algumas considerações. É muito importante salientar que a jurisprudência dos tribunais superiores tem sido muito cautelosa nesse aspecto. Dificilmente é reconhecida a ocorrência de erro judiciário. Ocorre, entretanto, que duas situações distintas devem ser levadas em consideração. A primeira é a liberdade que o juiz tem na formação do seu convencimento, para dar a solução que julgar a mais adequada à lide. Nesse aspecto, indiscutível que o fato de o magistrado adotar tal ou qual posição não configura o erro judiciário. Essa margem de atuação é indispensável, o juiz decide conforme o convencimento que os elementos dos autos lhe proporcionam. Certamente, se mais de um magistrado tivesse acesso aos mesmos autos, cada um deles daria um deslinde próprio à questão. Tanto isso ocorre que não são raras as divergências jurisprudenciais. Observe-se que essa diversidade de pensamento é extremamente salutar, dá às partes armas poderosas na defesa de seus interesses. 66 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Outra situação, completamente diversa, ocorre no erro judiciário. Ele diz respeito à atuação dos entes públicos na organização de seu funcionamento. O Poder Judiciário está autorizado pelo ordenamento jurídico, por exemplo, a realizar a constrição de bens e a limitar a liberdade das pessoas. Para isso, o mínimo que se espera é cautela, ou seja, que os bens certos e das pessoas certas sejam constritos. Da mesma forma, esperase o constrangimento da liberdade da pessoa que foi condenada, e não de uma inocente. Com isso, quero dizer que para o bom funcionamento da Justiça deve haver uma organização básica e elementar, exatamente para que não sejam cometidos erros que venham a prejudicar pessoas que sequer estão sendo acionadas, como o autor deste processo. Não há como deixar de reconhecer os direitos da parte que se sente lesada pela desorganização dos entes públicos, inclusive do Judiciário. Já a questão do dano moral também merece considerações à parte. Segundo Yussef Said Cahali, “Dano moral é a dor resultante da violação de um bem juridicamente tutelado, sem repercussão patrimonial. Seja a dor física — dor-sensação, como a denomina Carpenter — nascida de uma lesão material; seja a dor moral — dor-sentimento — de causa material”. (O Dano Moral e Sua Reparação, 1980, Rio de Janeiro, p. 7) Disse o Desembargador Ladislau Fernando Rohnelt, no julgamento publicado na Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul nº 63, pp. 254-259, que na indenização por dano moral “não se trata de pagar o preço da dor, mas de uma satisfação em relação à vítima e de uma expiação em relação ao autor da infração civil.” Vale, também, referir-se ao direito francês, no qual assinala René Savatier (Traité de la Responsabilité Civile, nº 527, 2/92-93, 2ª ed., Paris, 1949), que o dano moral é convertido em pecúnia atendendo ao duplo objetivo de compensar a vítima e aplicar ao ofensor uma pena. Nessa situação, consideram-se a condição social da vítima e o grau de culpabilidade do agente. Recevoir une indemnité confortable effacera donc la doleur de la victime, ou seja, receber uma indenização confortável amenizará a dor da vítima. Então, para fins didáticos, pode-se analisar o dano moral sob dois ângulos. Ele tem um caráter expiatório, punitivo, que consiste na punição do R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 67 infrator em virtude da ofensa ao bem jurídico da vítima. Essa é a lição de Caio Mário da Silva Pereira, na obra Responsabilidade Civil, 1ª ed., Editora Forense, Rio de Janeiro, 1989. Isso significa colocar-se nas mãos do ofendido não o pretium doloris, mas um meio de satisfação do dano, seja de ordem intelectual, moral ou material. O dano moral tem, ainda, um sentido pedagógico, que significa que a indenização seja uma forma de inibir novas práticas que atentem contra a pessoa humana. E, a melhor forma para isso é estipular-se indenização de tal monta que haja repercussão nas finanças do causador do dano. No caso dos autos, o MM. Juízo a quo entendeu não ter havido comprovação de danos morais no equívoco do Judiciário e do INSS. Sou obrigada a discordar dessa assertiva. O desconto foi a título de pensão alimentícia, o que certamente levou toda a família a concluir que o autor teria um filho de uma relação extraconjugal. Não há como negar a evidente discórdia que pode gerar a desconfiança, a suspeita de traição. Como relata Sônia Maria Teixeira da Silva, no artigo entitulado Traição e dano moral, à disposição na internet, endereço http://faroljuridico.vsp. com.br/art-traicaodanomoral.htm: “A traição fere os direitos concernentes aos valores próprios do ser humano, que se projetam nos seus sentimentos. A violação das obrigações oriundas do casamento ou da união estável, indubitavelmente, pode acarretar prejuízo moral ao cônjuge ou ao convivente”. Assim, não se pode dizer que a dor causada a um cônjuge pela possibilidade de uma traição deve ser comprovada. Por mais liberal que seja a visão que a sociedade atual tem dos relacionamentos, ainda é muito forte a noção de fidelidade e do mal que é a suspeita de infidelidade para os membros da família. É evidente o abalo causado a um matrimônio de mais de trinta anos a revelação de relacionamento extraconjugal. No caso dos autos, todo esse desconforto em família foi causado por um erro tanto do INSS quanto do Poder Judiciário, que não tiveram a mínima cautela em cruzar dados para verificar se estavam descontando a pensão da pessoa certa. É preciso lembrar o que foi dito acima, a indenização por danos morais tem um sentido pedagógico, evitar o cometimento de novos erros. Na hipótese dos autos, essa função é muito importante, pois os órgãos públicos têm o dever de fornecer dados corretos e de verificar se estão tomando atitudes contra as pessoas certas. 68 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Logo, é devida a indenização por danos morais. A quantificação dos danos morais é uma das questões sobre a qual se omitiu o legislador; portanto, cabe à doutrina e à jurisprudência estipular critérios para a realização desta tarefa, que, aliás, é das mais árduas. Os critérios de quantificação dos danos morais é problema de difícil solução. Como medir a dor, o sofrimento? Trata-se de sentimentos não-mensuráveis, e torna-se quase impossível traduzi-los em quantia pecuniária. A autora não definiu qual a quantia desejada a esse título. Encontrei, entretanto, um julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que auxilia muito na busca de critérios para a fixação da importância devida pelos danos morais. Trata-se do julgamento da Apelação Cível nº 593133689, pela 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, publicado na Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nº 164, pp. 312-318, Relator Desembargador Sérgio Gischkow Pereira. Transcrevo, a seguir, partes do voto do Eminente Desembargador: “Alguns critérios podem ser postos como balizas de meu raciocínio. O primeiro diz com o fato de que a reparação do dano moral tem um caráter também de punição ao infrator (...) auxiliará a todos, às pessoas comuns (como nos autos já se chamou o povo), que se livrarão de situações análogas. (...) Em segundo lugar, evidente deve ser levada em conta a condição sócio-financeira do ofensor, sob pena de não haver nenhum caráter punitivo ou aflitivo. (...) Em terceiro lugar, influir o grau de culpa do ofensor. (Arnaldo Marmitt, Perdas e Danos, AIDE Editora, Rio de Janeiro, 1ª ed., 1987, p. 138) (...) Em quarto lugar, também se pondera a posição familiar, cultural e social da vítima (como se o faz para o autor do dano), segundo lembra Arnaldo Marmitt. (ob. cit., p. 138) (...) Em quinto, é preciso levar em conta a gravidade e a repercussão da ofensa. (Arnaldo Marmitt, ob. cit., p. 139) (...)”. A meu ver, o Ilustríssimo Des. Sérgio Gischkow Pereira conseguiu reunir alguns critérios muito interessantes para que se chegue a uma valoração do dano moral, quais sejam: a) condição econômica de quem causou o dano; b) grau de culpa do ofensor; c) posição, tanto da vítima como do ofensor; d) gravidade e repercussão da ofensa. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 69 Devem ser analisados todos esses critérios para, depois, verificarmos se a quantia de cem salários mínimos fixada na sentença traduz uma justa indenização. O valor sugerido na inicial é muito elevado, não tem coerência com a situação apresentada. Mil e oitocentos salários mínimos é uma quantia que hoje representa R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais), evidentemente demasiada, tendo-se em vista os critérios acima. Cem salários mínimos, isto é, hoje, R$ 20.000,00 (vinte mil reais), é valor mais razoável para oferecer algum consolo pelas aflições e constrangimentos, devendo ser pago por metade por cada uma das rés. Embora não se trate de quantia muito elevada, fará com que se tenha mais cuidado na verificação de dados. Essa indenização, em termos financeiros, não acarretará prejuízos às apeladas, mas se persistirem no equívoco e surgirem novas ações, acabarão despendendo grandes quantias, pagando caro por sua negligência. Dessa forma, deve ser julgado procedente o pedido, para condenar o Estado de São Paulo e o INSS, solidariamente, a pagarem ao autor indenização por danos materiais, consistente na devolução das quantias descontadas e por eventualidade ainda não restituídas, com a devida atualização, bem como indenização por danos morais, fixados na quantia de cem salários mínimos. Devem ser invertidos, também, os ônus de sucumbência, para condenar as rés no pagamento de custas e de honorários de advogado, fixados no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. 70 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Isso posto, dou provimento ao apelo. É o voto. APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.091761-5/SC Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz Apelante: Associação Catarinense de Supermercados -ACATS Advogados: Drs. Everaldo Luis Restanho e outros Apelante: União Federal Advogado: Dr. João Paulo Veiga Sanhudo Apelados: (Os mesmos) Estado de Santa Catarina Advogado: Dr. Osni Alves da Silva EMENTA Direito do consumidor. Preço. Produtos. Supermercados. Exigência. Arts. 6º, III, e 31 do CDC. Os donos dos supermercados devem fornecer ao consumidor informações adequadas, claras, corretas, precisas e ostensivas sobre o preço de seus produtos à venda. O fato de já existir, em cada produto, o código de barras não é suficiente para assegurar a todos os consumidores essas informações, pois para atender o que estabelece o CDC, além do código de barras e do preço nas prateleiras, devem os supermercados colocar o preço em cada produto. Precedentes do STJ. Apelação a que se nega provimento. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 71 ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 12 de março de 2002. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: O parecer do MPF, às fls. 598/9, expõe com precisão a controvérsia, verbis: “Trata-se de apelação interposta pela Associação Catarinense de Supermercados - ACATS - contra a sentença de fls. 534/543 que julgou improcedente ação ordinária proposta por ela contra a União Federal e o Estado de Santa Catarina com o intuito de ver reconhecida a inexistência de relação jurídica que obrigue os seus associados a fixarem preços diretamente nos produtos que expõem à venda. A determinação teria sido imposta pelo despacho de 20.05.98, do Diretor do Departamento Nacional de Proteção e Defesa do Consumidor - DNPDC, o qual reputam ilegal e inconstitucional. Aduz a apelante que não há previsão legal que obrigue os supermercadistas a efetuarem a precificação individual dos produtos, havendo os arts. 6º, III, e 31 do CDC, apenas determinado que a identificação do preço deve ser correta, clara e precisa. Além disso, referem que a utilização do sistema de código de barras e leitor ótico, com a identificação dos preços nas prateleiras (e não em cada produto), encontra respaldo no Decreto 90.595/84, bem como na Portaria SUPER 02/96, da extinta SUNAB, estando o despacho do Diretor do DNPDC a ferir, não apenas o princípio da legalidade, por extrapolar os limites da lei, mas os princípios da finalidade e da razoabilidade dos atos administrativos e da livre iniciativa.” Em sua peça recursal, à fl. 551, alega a entidade apelante verbis: “Como já exposto na exordial, a utilização do código de barras atende as exigências do Decreto 90.595/84, bem como a Portaria SUPER 02/96, da extinta SUNAB, que regula tal prática, permitindo a adoção do sistema hoje em vigor. Ora, diante das exigências acima referidas, entendemos que o despacho do ilustre Diretor está carente de legalidade, pois a Lei nº 8.078/90 em nenhum momento determina a fixação de preços diretamente no produto comercializado. O que a Lei determina é que o consumidor tenha a informação clara e precisa dos preços dos produtos colocados à venda, jamais exigindo que os preços estejam afixados diretamente nos mesmos. Ao contrário da fundamentação da r. sentença de fls. 534-543, tanto o Decreto 72 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 90.595/84 permite a utilização do código de barras nas relações comerciais do mercado interno, sem impor a afixação dos preços direto no produto, quanto a Portaria SUPER 02/96, que também não faz essa exigência. Não podemos aceitar as conclusões da r. sentença de fls. 534-543, pois, como vimos, as normas de proteção ao consumidor já estão sendo cumpridas fielmente, tendo o consumidor a informação clara e precisa dos preços dos produtos adquiridos nas prateleiras dos supermercados. Ou seja, ao contrário da inteligência da r. sentença de fls. 534-543, data venia, está evidente nos autos que a Lei nº 8.078/90, em seus artigos 6º, III, 30 e 31 (norma de cunho geral) determina que o consumidor tenha a informação clara e precisa dos preços dos produtos colocados à venda, jamais exigindo que os preços estejam afixados diretamente nos mesmos.” Os recorridos apresentaram contra-razões. Em seu parecer, às fls. 598/607, opinou o MPF pelo improvimento do recurso. É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Conheço da apelação, negando-lhe provimento. Ao emitir o seu pronunciamento nos autos, às fls. 599/607, anotou, com inteiro acerto, o douto representante do MPF, verbis: “2. O Código de Defesa do Consumidor, em implementação ao direito assegurado no art. 5º, inc. XXXII, da Constituição Federal, garante ao consumidor, em seus arts. 6º, inc. III, e 31, a informação clara do preço do produto oferecido: ‘Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: (...) III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço bem como sobre os riscos que apresentem; (...)’ ‘Art. 31. A oferta e a apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.’ A informação do preço do produto, para ser clara e precisa, deve estar visível em cada uma das mercadorias, ser facilmente identificada pelo consumidor que a pretende adquirir, e permanecer a ele acessível desde a sua obtenção até a efetivação da compra R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 73 da mercadoria. Ocorre que a adoção em massa do sistema do código de barras vinha sendo insuficiente para este fim. A substituição da precificação individual (através de etiquetas) das mercadorias pela leitura ótica dos códigos de barras, complementada pela fixação do preço dos produtos nas gôndulas, não vinha garantindo a clareza e a suficiência da informação do preço ao consumidor. Visando resolver esta situação, a administração pública federal, por intermédio do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), integrante da Secretaria de Direito Econômico (SDE) e do Ministério da Justiça, no desempenho de suas atribuições normativas (CDC, art. 55; Decreto nº 2.181/97, art. 63) como órgão de coordenação da política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (CDC, arts. 105; 106, I e II; Decreto nº 2.181/97, arts. 2º, 3º, II e III), não criando nenhuma norma nova, mas apenas explicitando e concretizando as regras acima transcritas do CDC, determinou, em 20.05.98, por despacho de seu Diretor proferido nos autos do procedimento administrativo nº 08012.001558/98-15, instaurado a pedido do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor, que: ‘Despacho: Diante dos diversos elementos coligidos, e dos constantes noticiários veiculados sobre o assunto, e, principalmente, por considerar que em assim continuando, a conduta dos agentes econômicos fere dispositivos da Lei nº 8.078/90, regulamentada pelo Decreto nº 2.181/97, quanto aos direitos básicos do consumidor de ter informações claras e precisas, sobre (...) neste caso, especificamente, PREÇO, e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços, e, considerando, ainda, que esta decisão de relevante interesse social, DETERMINO, no uso das atribuições conferidas a este Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, e neste específico caso, o disposto nos arts. 30 e seguintes da Lei nº 8.078/90, que, na OFERTA e PUBLICIDADE de produtos comercializados no território nacional, ficam os estabelecimentos obrigados a afixarem, o PREÇO À VISTA através de etiquetas ou similares, diretamente nos bens expostos à venda, (...). Existindo, no local, sistema de código de barras, instituído pelo Decreto nº 90.595/84, é obrigatório, também a afixação dos preços à vista, dos produtos correspondentes aos referidos códigos, de tal forma a evitar o constrangimento, quando do acesso do consumidor ao caixa do estabelecimento para o devido pagamento do que adquire. (...). Os agentes econômicos e prestadores de serviços, ainda que autônomos, alcançados por esta decisão têm o prazo de 05 (cinco) dias, contado da data da publicação deste Ato, para se adequarem ao aqui determinado. Ficam os órgãos públicos legitimados na proteção e defesa do consumidor incumbidos de acompanhar o cumprimento deste Despacho, adotando todos os meios previstos em Lei, inclusive penalizando, tudo em favor do seu fiel cumprimento. Recomendo às entidades representativas das categorias alcançadas por este Despacho que promovam os meios necessários para que todos tomem conhecimento do seu teor e, procedam como determinado. Oficie-se a todos os órgãos do Sistema Nacional de Proteção e Defesa do Consumidor.’ (grifei) Posteriormente, o Secretário de Direito Econômico despachou em 27.05.98 recebendo apenas no efeito devolutivo o recurso interposto pela ABRAS (Associação 74 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Brasileira de Supermercados) contra a referida determinação. A mesma autoridade pública em 29.08.98 despachou dilatando em mais, 10 (dez) dias o prazo inicial de cinco (05) dias para que os agentes econômicos envolvidos voltassem a afixar os preços diretamente nos produtos expostos à venda, adotando como suas as razões contidas no despacho de 29.05.98 do Diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, de seguinte teor: ‘1. Os agentes de comércio deixaram de utilizar a sistemática de preços diretamente no produto, uma vez que o sistema de leitura ótica possibilita sua própria informação e controle sobre preços e produtos; 2. a retomada da prática de afixação dos preços - uma exigência da oferta e da publicidade previstas como direito do consumidor nos artigos 31 e 37, § 1º, da Lei 8.078/90 - poderá demandar prazos superiores ao inicialmente estipulado, para alguns agentes econômicos; 3. a intenção precípua do despacho não é a aplicação de penalidades, mas sim o equilíbrio e a harmonia das relações de consumo, sugiro a dilação do prazo em mais 10 (dez) dias, a contar do final do prazo anteriormente estabelecido, para a perfeita adequação de todos os setores envolvidos, dando-se ciência aos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.’ (...) (grifei) Posteriormente, em 14.08.98, foi publicada decisão do Secretário de Direito Econômico, com base nas razões contidas em novo despacho do Diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor - DPDC (publicado na mesma data), mantendo a decisão anterior e negando provimento ao recurso da ABRAS. A mesma decisão dilatou o prazo para o cumprimento da obrigação por parte dos Supermercados para o dia 11.09.98. Finalmente, no mesmo dia 14.08.98, o Ministro da Justiça, como coordenador da política do SNDC (Sistema Nacional de Defesa do Consumidor), no exercício de atribuição estabelecida no art. 106, I e II, do CDC e no art. 14, XI, f, da Lei nº 9.649/98, que estabelece as competências dos Ministérios da República, fez publicar decisão final sobre o tema: ‘Despacho nº 17 - (...) Em contrapartida, alio-me às ponderações dos representantes dos PROCONS, do Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor, do Ministério Público Federal, bem assim às considerações e propostas apresentadas pela Secretaria de Direito Econômico desta Pasta. Malgrado reconheça os benefícios da evolução tecnológica, com a adoção do código de barras, sou forçado a reconhecer, também, diante dos lamentáveis fatos concretos trazidos ao conhecimento do Ministério da Justiça, que as exigências de informações claras e adequadas, erigidas em proteção ao consumidor, somente serão plenamente atendidas com o preço afixado no produto exposto à venda. Rejeito, pois, qualquer argumento que violente a dignidade do consumidor. Desse modo, apoiado na legislação mencionada e na Constituição Federal, que consigna a defesa do consumidor como princípio da ordem econômica, referendo o despacho do Senhor Diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, (...), razão pela qual estabeleço a data de 11 de setembro do corrente ano como limite para a afixação dos preços diretamente nos produtos expostos à venda. Oriento, por derradeiro, o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor a agir de acordo com o teor R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 75 da precitada manifestação do DPDC.’ (Ministro da Justiça - Renan Calheiros) Embora fossem notórias a insatisfação e as dificuldades do consumidor em exercer, a partir da instituição do sistema de código de barras, o seu direito ao pleno conhecimento do preço das mercadorias expostas nos supermercados, a medida ministerial lastreou-se em conclusões obtidas por Comissão Especial criada para estudar o problema, a qual embasou-se, inclusive, em pesquisa realizada com o fim específico de analisar o impacto da ‘modernização’ das empresas supermercadistas com o direito dos consumidores. Esta pesquisa, realizada na cidade de Salvador, utilizada como modelo por seu porte médio-superior, incluindo 31 estabelecimentos e 96 diferentes produtos variados, constatou inúmeros itens cujo preço não figurava nas prateleiras e um impressionante número de produtos cujos preços resultantes de leitura ótica superavam em até 182% o preço assinalado na prateleira. Além disso, pesquisa de opinião também realizada por iniciativa da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça revelou que 69% dos consumidores não se considera apto a memorizar o preço de mais de 10 produtos assinalados em prateleiras, para posterior conferência no caixa. Enquanto 74% entende que os preços devem ser afixados diretamente no produto (64%) ou no produto e nas prateleiras (10%). Ressalte-se, sempre com base na citada pesquisa, que, mesmo assim, 51 % dos consumidores já identificou diferenças de preços entre a prateleira e o caixa. Entre outros dados relevantes, a pesquisa indica também que 55% dos consumidores não considera a presença do código de barras na embalagem e de leitoras óticas na loja como suficientes para sua informação. Assim, a interpretação do direito fundamental do consumidor à informação clara e precisa do preço da mercadoria, como disposto nos arts. 5º, inc. III, e 31 do CDC, mostra-se incompatível com a existência do sistema de código de barras, unicamente, sem a identificação individual dos preços, através de etiquetas. Como se vê no próprio dia-a-dia, e igualmente constatado na referida pesquisa, o referido sistema mostra-se incapaz de dar ao consumidor a informação a que tem direito, colocando-o muitas vezes em situações que ferem a sua dignidade, fazendo-o colocar-se na obrigação de memorizar preços das inúmeras mercadorias que adquire, de procurar, muitas vezes sem sucesso, entre inúmeras plaquetas afixadas nas prateleiras, o preço dos produtos, etc. Neste sentido, têm decidido nossos Tribunais, ao reconhecer a necessidade da precificação individual das mercadorias como forma de implementar o direito básico do consumidor assim definido nos arts. 6º, III, e 31 do CDC, como se verifica dos julgados adiante citados: ‘DIREITO DO CONSUMIDOR - PREÇO - PRODUTOS - SUPERMERCADOS - EXIGÊNCIA - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Um dos princípios básicos em que se assenta a ordem econômica é a defesa do consumidor. A Lei 8.078/90, em seu art. 6º, inciso III, relaciona entre os direitos básicos do consumidor: ‘A informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com 76 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentam’. Os donos dos supermercados devem fornecer ao consumidor informações adequadas, claras, corretas, precisas e ostensivas sobre o preço de seus produtos à venda. O fato de já existir, em cada produto, o código de barras não é suficiente para assegurar a todos os consumidores estas informações. Para atender realmente o que estabelece o Código do Consumidor, além do código de barras e do preço nas prateleiras, devem os supermercados colocar o preço em cada produto. Segurança denegada.’ (STJ, 1ª Seção, Mandado de Segurança nº 5.986/DF, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 29.11.99) ‘(...) 3. A necessidade de se informar o preço de produtos colocados à venda decorre do disposto no art. 31 da Lei 8.078/90, sendo que a interpretação do aludido dispositivo legal deverá ser feita em consonância com o art. 5º da Lei de Introdução do Código Civil, a qual manda que na aplicação da lei o juiz atenda aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. (...)’ (TRF3ª Região, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 98.030671456/SP, Rel. Des. Fed. Souza Pires, decisão de 16.09.98) 3. Portanto, como se pode ver, a determinação ministerial, e, antes dela, o próprio despacho do Diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, não criaram regra nova, apenas deram a devida interpretação aos arts. 6º, III, e 31 do CDC, regulamentando-os. Dessa forma, conclui-se que a exigência da precificação individual dos produtos deriva da própria implementação do comando contido nos arts. 6º, III, e 31 do CDC, não havendo que se cogitar de ofensa ao princípio da legalidade ou de conferência de valor jurídico-normativo ao referido despacho da administração. Por outro lado, no âmbito do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, o Diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) e o Ministro da Justiça (Coordenador da Política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor) são competentes para exarar as referidas determinações, com força vinculante para todo o território nacional. Conforme estabelece a legislação (Decreto nº 2.181, de 20 de março de 1997), o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor tem como integrantes a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça por meio do seu Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor e os demais órgãos federais, estaduais e municipais de defesa do consumidor, além de entidades civis voltadas a estes fins. (art. 2º) Compete ao DPDC a coordenação da política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (art. 3º, caput), cabendo-lhe coordenar e executar a política nacional de proteção e defesa do consumidor (inciso I). Enquanto isto, os PROCONs exercem praticamente as funções de coordenação e execução, no âmbito estadual, da política estadual de proteção e defesa do consumidor (art. 4º, caput). R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 77 No entanto, embora os Estados-membros possuam, inclusive, competência concorrente em matéria legislativa, toda a estrutura nacional está organizada de modo, que, territorialmente, na prática, os PROCONs estaduais e municipais sejam os destinatários finais das diretivas emanadas do Ministério da Justiça e da Secretaria de Direito Econômico. Dessa maneira, na ausência (como é comum) de regulamentação estadual, a interpretação da lei federal dada através de determinação da autoridade administrativa federal competente vincula legitimamente os estados-membros. Ademais, o despacho do Sr. Ministro da Justiça, de 14.08.98, revoga as regulamentações administrativas anteriores em contrário, restringindo, portanto, a interpretação da pretendida Portaria SUPER/96. Por outro lado, há de se ressaltar que não seria possível aos estados-membros alterar a obrigação dos estabelecimentos supermercadistas de etiquetarem os produtos expostos à venda, pois o mesmo consubstancia direito básico do consumidor previsto no CDC. Além disso, o tratamento uniforme nacional é de todo conveniente pois uma mesma empresa possui estabelecimentos em diversos Estados da Federação e a sistematicidade da proteção institucional dada ao consumidor, tanto na atuação desconcentrada como descentralizada dos diversos órgãos estabelecidos, redunda em logicidade da exigência uniforme, conferindo coerência ao arcabouço das normas estabelecidas em prol de sua defesa e vulnerabilidade. 4. Da mesma forma que a determinação do Diretor do DNPDC, referendada por despacho do Ministro da Justiça, não fere o princípio da legalidade, por apenas dar efetivação às normas contidas nos arts. 6º, III, e 31 do CDC, também não fere os princípios da razoabilidade e finalidade dos atos administrativos. Inicialmente cumpre referir que o despacho administrativo, exarado pelo Diretor do DNPDC e referendado pelo Sr. Ministro da Justiça nas suas atribuições de chefe de política do SNDC, que regulamentou o direito já expresso no Código de Defesa do Consumidor, está cumprindo exatamente a sua finalidade, qual seja, a de esclarecer as dúvidas pertinentes à efetivação da norma contida nos arts. 6º, III, e 31 do CDC. Por outro lado, a exigência da precificação individual dos produtos através de etiquetas é, mais que razoável, necessária. Descabe alegar-se que o próprio consumidor não reclamou, em profusão, das falhas no sistema de código de barras, ou da sua dificuldade em saber o preço das mercadorias, quando ausente a precificação individual. Como já observado anteriormente, a própria experiência, comum a todos nós, demonstra a insatisfação da população. São constantes as reclamações ouvidas no dia-a-dia, principalmente de pessoas mais simples e mais idosas, da dificuldade que possuem em identificar o preço dos produtos que querem adquirir nos supermercados e, o que é ainda mais grave, a constatação de que, chegando ao caixa, são incapazes de conferir (pela memorização) se o preço registrado era aquele afixado na gôndola. No entanto, como é, igualmente, de conhecimento comum, o consumidor brasileiro, desacostumado e exercer, com êxito, sua garantia constitucional de exigir a implementação de seus direitos, prefere atribuir eventuais ‘erros de cálculo’ no supermercado a lapsos seus que à impropriedade do sistema de identificação do preço. A existência de milhões de produtos a serem etiquetados no estabelecimento, e de 78 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 dezenas de milhares de itens, como alegado pelas próprias agravantes, ao contrário de demonstrar a irrazoabilidade da exigência, demonstra, mais uma vez, sua necessidade. A enorme diversidade de produtos oferecidos, e, conseqüentemente, de preços, torna ainda mais árdua e confusa a identificação e memorização destes pelo consumidor. Além disso, as alegações de que a etiquetação trará aumento de preços e que resultará num injustificável retrocesso, com a substituição do código de barras e do leitor ótico, são totalmente inverídicas. O preço em si das etiquetas, assim como das máquinas etiquetadoras é ínfimo, além do procedimento poder ser facilmente executado, por funcionário não treinado, não levando mais que alguns minutos para que toda uma linha de produtos seja individualmente precificada. Ademais, a tecnologia do sistema de código de barras, que permite a agilização dos caixas, dispensando a digitação do preço, coabita num mesmo teto com o sistema tradicional da etiquetagem produto a produto (em atenção ao consumidor). Não se excluem; ao contrário, complementam-se, sendo esta a solução adotada por inúmeros países do primeiro mundo como lá se disse. 5. Por fim, também não há violação ao princípio da livre iniciativa, uma vez que esta deve estar submetida à lei e, jamais, sobrepor-se aos direitos básicos do consumidor, garantidos constitucionalmente. Afinal, não, há conflito entre as garantias constitucionais; estas se aplicam de forma conjugada, prevalecendo, para o caso em concreto, com maior força, a que tiver maior prevalência e relevância. Esta preponderância verificada no caso dos autos, aliás, não tem a força impeditiva da livre iniciativa dos destinatários da norma, vez que é bom lembrar as frenéticas remarcações promovidas a todo momento por ocasião dos tempos de inflação desenfreada. Naqueles tempos, etiquetava-se até quatro vezes o mesmo produto. O discurso de hoje, sim, parece tornar tudo impossível. 6. Diante disto, este agente do Ministério Público Federal requer opina pelo improvimento do presente recurso.” Com efeito, a r. sentença recorrida interpretou com fidelidade os arts. 6º, III, e 31 do CDC, pois a informação do preço do produto, para ser clara e precisa, como a exige o citado estatuto, deve estar visível em cada uma das mercadorias, possibilitando ao consumidor a perfeita identificação do produto que pretende adquirir. A respeito, precioso o ensinamento de Jean Calais-Auloy, em sua consagrada obra Droit de la Consommation, 4ª ed., Dalloz, Paris, 1996, p. 292, nº 279, verbis: “Pour choisir en connaissance de cause les produits et les services qui leur sont proposés, les consommateurs ont besoin d’être préalablement informés.(...) L’information sur les prix est si importante qu’elle a donné lieu à des règles et à des initiatives spécifiques”. E, mais adiante, à p. 294, acrescenta o mesmo autor, verbis: R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 79 “Pour les produits exposés à la vue du public, que ce soit en vitrine ou à l’intérieur du magasin, le prix doit faire l’objet d’un marquage par écriteau ou d’un étiquetage. Le prix doit être indiqué sur le produit lui-même ou à proximité de celui-ci, de façon qu il n’existe aucune incertidune quant au produit auquel il se rapporte. Il doit être parfaitement lisible (le code barre ne l’est pas), soit de l’extérieur, soit de l’intérieur de l’établissement, selon le lieu où sont exposés les produits”. É de inteira procedência, pois amparada na melhor doutrina, a conclusão da r. sentença, às fls. 542/3, verbis: “A alegação de que os fatos descritos não se revestem dos requisitos exigidos pela norma legal não procede. O princípio da legalidade, base constitucional, de que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, é fato incontroverso. Contudo, o Despacho ora em análise não extrapola as normas assinaladas porque foi expedido com base no art. 3º do Decreto nº 2.181/97 e também no art. 55, § 1º, do CDC. A interpretação do disposto nos arts. 6º e 31 do CDC está em consonância com o determinado no Despacho, pois não inovou, apenas explicitou a exigência determinada pelo contido nos artigos citados, onde obriga a informação adequada e clara, na oferta e apresentação de produtos, cujas informações devem ser corretas, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem entre outros dados. Admitir que essas informações sobre os produtos pudessem apenas constar na prateleira, sem estarem na embalagem do produto não é possível. A disciplina do artigo 31 deve ser interpretado apenas de uma forma. Assim, todos os demais informes que o produto deve ostentar deverão estar conjugados no produto, inclusive o preço. Sendo a interpretação deste artigo 31 única, não podendo dividi-la de acordo com as várias informações obrigatórias que o produto deva ostentar, como prazo de validade e preço. Conclui-se que os artigos mencionados devem ser interpretados de forma sistemática com o restante do Código de Defesa do Consumidor, obedecendo os princípios que o regem. Dessa forma, a que melhor se coaduna com os interesses do consumidor é a coexistência entre o preço no produto e o código de barras, este último viabiliza o atendimento mais rápido nos caixas, a modernidade do sistema. O primeiro - preço diretamente no produto - garante a transparência da operação, permite o acompanhamento das oscilações dos preços dos produtos, harmoniza os interesses dos consumidores quando optam pela compra de certo produto, retiram-no da prateleira, colocando-o nos carrinhos ou cestas de compras, tendo a certeza de que o valor do referido produto o acompanhará até seu consumo final. Preservados, assim, o equilíbrio nas relações entre os consumidores e supermercadistas, sendo correto o ato normativo veiculado no Despacho de 20 de maio de 1998, publicado no dia 25.05.98.” Realmente, consoante dispõem os arts. 6º, III, e 31 do CDC, os donos dos supermercados devem fornecer ao consumidor informações 80 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 adequadas, corretas, precisas e ostensivas acerca do preço de seus produtos à venda. O fato de já existir, em cada produto, o código de barras não é suficiente para assegurar a todos os consumidores essas informações. Assim, para atender efetivamente o que estabelece o CDC, além do código de barras e do preço nas prateleiras, devem os supermercados colocar o preço em cada produto. Dessa forma, o Despacho proferido pelo Diretor do Departamento Nacional de Defesa do Consumidor tem caráter geral e abstrato, regulamentando a Lei nº 8.078/90, disciplinando a informação précontratual ao consumidor, forcejando o dever de que a oferta e a apresentação dos produtos e serviços assegurem informações corretas, claras, precisas, ostensivas e no idioma nacional, notadamente sobre o preço, consoante exige o CDC nos arts. 31 e 32. Nesse sentido, pertinente o magistério de Ugo Ruffolo, em sua monografia Clausula Vessatorie e Abusive (Gli artt. 1.469-bis ss.c.c. e i contratti col consumatore), Giuffrè Editore, Milano, 1997, p. 22, verbis: “L’intervento regolatore dello Stato, al contrario, non solo in funzione della repressione di abusi (come avviene attraverso la disciplina della concorrenza sleale) ma, altresì, in funzione correttiva della disparità di potere contrattuale(anche) nei rapporti fra imprese e consumatori, quando si manifestino in forme di intollerabile ostacolo alla libertà e alla razionalità delle scelte economiche individuali, contiene implicito il riconoscimento che il sistema concorrenziale non è da solo in grado di correggere l’asimmetria delle posizioni contrattuali fra grandi produttori e distributori, da un lato, e utenti o consumatori del prodotto (o altri contraenti parimenti deboli), dall’altro.” Por esses motivos, conheço da apelação, negando-lhe provimento. É o meu voto. APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.70.09.003225-3/PR Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 81 Apelantes: Emilson Barros e outro Advogado: Dr. Gilson dos Santos Apelada: Caixa Econômica Federal - CEF Advogados: Drs. Cláudia Lorena Carraro e outros EMENTA SFH. Novação da dívida com desconto de 50% do saldo devedor e exclusão do FCVS. Contrato excessivamente oneroso aos mutuários. Nulidade. CDC. Execução extrajudicial baseada em título nulo. Nulidade. Revisão do contrato originário. Inaplicabilidade do IPC de março/90 e da TR. Limitação dos reajustes das prestações. Padece de nulidade, por ser excessivamente oneroso e desvantajoso ao mutuário, o contrato de novação da dívida que, sob o ilusório atrativo de redução de 50% do saldo devedor, estabelece, em relação ao antigo contrato, prestação mensal de valor superior, com reajustes desvinculados dos da categoria profissional, por um prazo superior, taxa de juros superior e, principalmente, exclui a cobertura do FCVS, cuja cláusula é, sem dúvida, abusiva por suprimir garantia fundamental pactuada no contrato originário. (art. 51, inc. IV, do Código de Defesa do Consumidor – CDC) É nula a execução extrajudicial baseada em título declarado nulo. É o BTN o indexador a ser utilizado em março de 1990 na correção dos saldos devedores de contratos do SFH que adotam o mesmo critério de atualização das contas de poupança. (RE 206.048/RS) Conquanto não excluída do universo jurídico, é inconstitucional a aplicação da TR a contratos celebrados anteriormente à publicação da Lei 8.177/91. Reajustes das prestações limitados à variação integral do IPC acrescido de 0,5% para cada mês contido no período a que corresponder o aumento salarial. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. 82 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Porto Alegre, 28 de fevereiro de 2002. Des. Federal Valdemar Capeletti, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti: Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que, simultaneamente, julgou improcedentes a ação cautelar de suspensão de execução extrajudicial e a presente ação ordinária revisional e de nulidade de novação de contrato firmado entre as partes no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação. A parte-autora foi condenada ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios fixados em R$ 600,00 para ambas as ações, suspensa a exigibilidade em face do benefício da assistência judiciária gratuita. Nos autos da ação cautelar, na qual não houve recurso, foi deferida parcialmente a liminar requerida proibindo à CEF a expedição de carta de arrematação ou adjudicação do imóvel até posterior decisão do Juízo. Sentenciando, o MM. Juízo a quo justificou o indeferimento de ambas as ações sob os seguintes fundamentos: a) constitucionalidade do DL 70/66; b) “apenas o contrato referente à obrigação novada e às questões a ela atinentes podem ser caracterizadas como objeto de disputa” (fl. 192); c) os cálculos apresentados pela parte-autora, segundo a qual a dívida já estaria quitada quando da novação, foram feitos com base em critérios equivocados; d) pelo contrato de novação, não há qualquer vinculação entre o valor da prestação e a variação salarial da categoria profissional do mutuário. Por fim, cassou a liminar anteriormente deferida. Inconformada com a referida decisão, dela recorre a parte-autora alegando, em síntese, a inconstitucionalidade do DL 70/66 e, ante a prejudicialidade das novas cláusulas, a hipossuficiência dos mutuários e o Código de Defesa do Consumidor, a nulidade da novação. Requer o provimento do recurso para que, nos termos da inicial, seja julgado totalmente procedente o pedido para o fim de declarar a anulação do contrato de novação; restabelecer as obrigações originárias, inclusive o PES, condenando a CEF a revisar o contrato nestes termos; condenar a apelada a devolver as diferenças apuradas pela referida revisão, inclusive as oriundas do contrato de novação; inverter os ônus sucumbenciais. Apresentadas as contra-razões, subiram os autos a este Tribunal. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 83 É o relatório. À revisão. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti: Em 29.05.87, as partes celebraram contrato de financiamento, pelo SFH, estabelecendo o Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional –PES/CP como critério de reajustamento das prestações (cláusulas 7ª a 15ª), a correção do saldo devedor pelos mesmos índices de atualização dos depósitos de poupança (cláusula 16ª), o Sistema Francês de Amortização (Tabela Price), taxas de juros nominal e efetiva de 7,4% e 7,65%, respectivamente, prazo de 180 meses, e cobertura pelo FCVS. (fls. 10/15) Entretanto, em 21.12.99, quando já haviam pago 146 prestações, e tinham um saldo devedor de R$ 12.196,55, optaram por liquidar antecipadamente o financiamento, nos termos da MP 1.981-42, de 10 de dezembro de 1999 (posteriormente convertida na Lei 10.150, de 21.12.2000). Para tanto, firmaram “CONTRATO PARTICULAR DE MÚTUO DESTINADO ESPECIFICAMENTE À LIQUIDAÇÃO ANTECIPADA DE FINANCIAMENTO HABITACIONAL REFERENTE A CONTRATO ENQUADRADO NA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.635/98, COM MANUTENÇÃO DA GARANTIA HIPOTECÁRIA ORIGINAL E OUTRAS OBRIGAÇÕES.”. (fls. 16/20) Obtiveram desconto de 50% do saldo devedor, que passou a ser de R$ 6.085,50, excluída, todavia, a cobertura do FCVS (cláusula 12ª). O novo prazo de amortização pactuado foi de 36 meses (cláusula 3ª), pelo Sistema de Amortização Crescente – SACRE (cláusula 5ª), com taxas de juros nominal e efetiva de 9,00% e 9,38%, respectivamente (cláusula 4ª). O encargo mensal passou de R$ 190,80 para R$ 221,19. O PES/CP foi substituído pelo sistema de recálculo do valor do encargo, a cada doze meses, com base no saldo devedor atualizado (cláusula 7ª), que continuou sendo corrigido pelos mesmos índices de atualização dos depósitos de poupança. (cláusula 8ª) Embora inexista qualquer vício formal, a novação da dívida foi substancialmente prejudicial aos mutuários. Restavam-lhes somente 34 prestações de R$ 190,80, reajustáveis pelos mesmos índices de aumento salarial de suas categorias profissionais, para quitarem sua dívida, sendo 84 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 do Fundo de Compensação das Variações Salariais – FCVS, para o qual contribuíram desde o início do contrato, a responsabilidade por eventual saldo residual. Com a novação da dívida, os mutuários comprometeramse a pagar 36 prestações de, inicialmente, R$ 221,19, recalculadas anualmente pelo saldo devedor atualizado, e perderam a cobertura do FCVS, tornando-se os responsáveis pelo pagamento do saldo residual. Assim, comparando as duas situações, desconsiderando, para tanto, os futuros reajustamentos das prestações, tem-se que, pelo contrato originário, os mutuários, em 34 meses, pagariam o total de R$ 6.487,20 e, desta forma, quitariam sua dívida. Já, com a novação, em 36 meses, teriam de pagar o total de R$ 7.962,84, sendo que a quitação da dívida e liberação da hipoteca ficariam condicionadas, ainda, ao pagamento de eventual saldo residual. Evidente, pois, que os mutuários, sob o ilusório atrativo de redução de 50% do saldo devedor, e como parte hipossuficiente, foram demasiadamente prejudicados com a novação da dívida: assumiram prestação mensal de valor superior, com reajustes desvinculados dos de suas categorias profissionais, por um prazo superior, taxa de juros superior e, principalmente, perderam a cobertura do FCVS, cuja cláusula de exclusão (décima segunda do contrato de novação) é, sem dúvida, abusiva por suprimir garantia fundamental pactuada no contrato originário, nos termos do art. 51, inc. IV, do Código de Defesa do Consumidor – CDC. Aliás, cumpre referir que o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão (CC nº 29088/SP. S2. Unânime. Rel. Min. Waldemar Zveiter. DJU 13.11.2000, pg. 130), pronunciou-se pela submissão das instituições financeiras, como prestadoras de serviço especialmente contempladas no art. 3º, § 2º, às disposições do CDC. Portanto, e tendo em vista que, mesmo com a nulidade da cláusula de exclusão de cobertura pelo FCVS, o contrato continuaria excessivamente oneroso e sem qualquer benefício para mutuários, declaro a nulidade da novação da dívida e a subsistência do contrato originário. Via de conseqüência, e, em que pese não merecer acolhida a alegação de inconstitucionalidade do DL-70/66, declaro a nulidade da execução extrajudicial procedida contra os mutuários, vez que baseada em título nulo. Sobre a pretensão revisional dos mutuários em relação ao contrato R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 85 originário, apesar de ter o MM. Juízo a quo entendido não poder ser objeto de discussão, analisou o mérito do pedido, indeferindo a substituição do IPC de 84,32% pelo BTN de 41,28% em março de 1990, o afastamento da TR, e a amortização antes da correção do saldo devedor (itens 2.2 a, c, e b, respectivamente, da sentença – fls. 192/197). Desta forma, e, nos termos do art. 515 do CPC, passo à análise das referidas questões. O indexador que deve ser aplicado na atualização das contas de poupança em março de 1990 – e, por conseguinte, nos saldos de financiamentos do SFH que adotam este mesmo critério – é o BTN, cuja variação, naquele mês, foi de 41,28%. Assim decidiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, ao julgar o RE 206.048/RS, em 15.08.2001, ainda não publicado. Também sobre os indexadores utilizados na atualização do saldo devedor, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADIns nos 493, 768 e 959, não excluiu, por certo, a Taxa Referencial – TR do universo jurídico, mas, tão-somente, reconheceu a inconstitucionalidade de sua aplicação a contratos firmados anteriormente à Lei nº 8.177/91. Nesse sentido: “CONSTITUCIONAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. UTILIZAÇÃO DA TR COMO ÍNDICE DE INDEXAÇÃO. 1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADIns 493, Relator o Sr. Ministro Moreira Alves, 768, Relator o Sr. Ministro Marco Aurélio, e 959, Relator o Sr. Ministro Sydney Sanches, não excluiu do universo jurídico a Taxa Referencial, vale dizer, não decidiu no sentido de que a TR não pode ser utilizada como índice de indexação. O que o Supremo Tribunal decidiu, nas referidas ADIns, é que a TR não pode ser imposta como índice de indexação em substituição a índices estipulados em contratos firmados anteriormente à Lei nº 8.177, de 01.03.91. Essa imposição violaria os princípios constitucionais do ato jurídico perfeito e do direito adquirido. (CF, art. 5º, XXXVI) 2. No caso, não há falar em contrato em que ficara ajustado um certo índice de indexação e que estivesse esse índice sendo substituído pela TR. É dizer, no caso, não há nenhum contrato a impedir a aplicação da TR. 3. RE não conhecido.” (RE 175678/MG. STF. T2. Rel. Min. Carlos Velloso. Unânime. DJ 04.08.95, vol. I, pág. 527) Em assim sendo, considerando-se que o contrato em tela foi firmado em 29 de maio de 1987, ou seja, antes da edição daquela Lei, tenho que a aplicação da TR, no período em que esta ficou atrelada à poupança, 86 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 deve ser substituída pelo INPC. Já com relação à forma de amortização adotada, sistema francês, permito-me valer da explanação do ilustre Juiz Amaury Chaves de Athayde, feita quando do julgamento da AC nº 1998.04.01.031524-4/ PR (DJU 27.09.2000): “Ora, não se pode excluir o reajustamento mensal da parcela do saldo devedor embutido na prestação mensal, a título de amortização do financiamento, pois configuraria enriquecimento sem causa dos mutuários, posto que a dívida deve ser atualizada no momento de sua quitação plena, por força da inflação ocorrida ao longo do período. A única diferença é que os empréstimos, ao invés de serem concedidos em prestação única, foram prestacionados por vários anos.” Nesse aspecto, correta a prática do agente financeiro. Por último, de se confirmar o direito dos mutuários, constante da cláusula 11ª do contrato, em terem os reajustes de suas prestações limitados à variação integral do IPC, acrescida de 0,5% para cada mês contido no período a que corresponder o aumento salarial. Desta forma, condeno o agente financeiro a proceder à revisão dos valores referentes ao contrato originário, em conformidade com os critérios ora estabelecidos. Eventuais diferenças a maior em favor dos mutuários, verificadas por ocasião da liquidação de sentença, devem ser compensadas até a satisfação da dívida e, a partir daí, restituído o indébito. Em face do exposto, dou provimento à apelação para: a) declarar a nulidade do contrato de novação da dívida e restabelecer o status quo ante entre as partes contratantes; b) declarar a nulidade da execução extrajudicial; c) e condenar o agente financeiro a revisar o contrato originário, em conformidade com os critérios estabelecidos na fundamentação supra. Condeno a CEF ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios que fixo em 10% do valor atualizado da causa. É o voto. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 87 APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.71.02.002228-5/RS Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère Apelantes: Evaristo Reni Rosa de Oliveira e outros Advogados: Drs. Vital Moacir da Silveira e outro Apelada: União Federal Advogado: Dr. João Paulo Veiga Sanhudo EMENTA Civil. Responsabilidade civil. Culpa exclusiva da vítima. Impro cedência da demanda. Se o evento danoso decorreu de culpa exclusiva da vítima, desfaz-se o nexo causal necessário à responsabilização do agente. Hipótese em que a vítima cometeu suicídio na unidade militar em que prestava serviço. Apelação improvida. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 13 de novembro de 2001. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, Relatora. RELATÓRIO A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère: Evaristo Reni Rosa de Oliveira, Maria Luíza Cogo de Oliveira e Camila Cogo de Oliveira ajuizaram a presente ação ordinária de indenização contra a União Federal. A teor da inicial, Tiago Cogo de Oliveira (filho dos autores Evaristo Reni Rosa de Oliveira e Maria Luíza Cogo de Oliveira, e irmão da autora Camila) incorporou as fileiras do Exército Nacional a contar de 06.04.98. Em agosto daquele ano, foi qualificado por conclusão do Curso de Formação de Soldados. E, em 16.03.99, quando estava em serviço, 88 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 cometeu suicídio, conforme comprova a certidão de óbito acostada aos autos. Referem os autores que, com a perda do filho, passaram a não trabalhar, estando em permanente tratamento psicoterápico e sob o efeito de medicação tranqüilizante. Sustentam que é dever do Estado a garantia da integridade física dos convocados, incidindo na espécie o disposto no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, que prevê a responsabilidade objetiva do Estado. Requerem a condenação da parte-ré ao pagamento de indenização por danos morais em quantia a ser arbitrada judicialmente, bem como a fixação de pensão mensal aos dois primeiros autores, devida até a data em que a vítima completaria 65 (sessenta e cinco) anos de idade. Regularmente citada, a União contestou o feito (fls. 241/254), tendo a parte-autora apresentado réplica às fls. 260/264. Oportunizada a produção de provas e nada tendo sido requerido pelas partes, sobreveio a sentença de improcedência do pedido e condenação da parte vencida ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor atribuído à causa. (com suspensão da exigibilidade face ao benefício da Assistência Judiciária Gratuita) Inconformados, apelaram os autores. Sustentaram, em suas razões de desconformidade, que o Exército retira, compulsoriamente, o adolescente de sua família. Se esse adolescente não está preparado psicologicamente ou fisicamente para as agruras do serviço militar e vem a morrer, o Exército é responsável. Pleitearam o provimento do recurso para o fim de que seja julgada procedente a pretensão deduzida em juízo. Com contra-razões, vieram os autos a este Tribunal. Nesta instância, o Agente Ministerial opinou pelo desprovimento do recurso. É o relatório. VOTO A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère: Como é cediço, a responsabilidade do estado é objetiva. No entanto, atualmente consagrada em nossa doutrina e jurisprudência, a responsabilidade por risco administrativo, convalidando-se a admissibilidade de causas R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 89 excludentes da responsabilidade do ente público, quais sejam, culpa exclusiva da vítima e caso fortuito, ou força maior. Como pressuposto à responsabilização do ente público, tem-se por imprescindível a verificação do nexo de causalidade entre a conduta omissiva ou comissiva e o evento danoso. No caso dos autos, é inelutável a ocorrência do dano consistente na morte do jovem militar. Contudo, a análise dos elementos encartados nos autos conduz à conclusão de que não houve ação ou omissão do ente estatal a ensejar a procedência da pretensão ressarcitória, senão vejamos. As investigações levadas a efeito pela autoridade militar através da instauração do competente IPM são conclusivas no seguinte sentido (fls. 204/211): “No dia 16 de março de 1999, por volta das 8:00 horas o Soldado Tiago havia entrado em serviço, encontrando-se tranqüilo e aparentemente sem problemas. Pegou o 2º horário no Posto da Antiaérea, que fica nos fundos do quartel. Permaneceu no seu comportamento habitual ou seja, quieto, pensativo e reservado. O Adjunto ao Oficial de Dia, fez sua ronda normalmente e quando passou pelo Posto da Antiaérea, o Soldado TIAGO já havia pego na ‘hora’ por volta das 10:00 horas e apresentou o serviço ‘sem alteração’, não esboçando nenhuma manifestação de intranqüilidade. Após ter saído da ‘hora’, por volta das 12:00 horas, voltou para o Corpo da Guarda e foi almoçar no rancho dos Cabos e Soldados mantendo seu comportamento normal. Retornou para o Corpo da Guarda e ficou aguardando a chegada do Exmo. Senhor General que iria fazer uma visita ao quartel. Por volta das 13:00 horas, o Soldado Aldori conversou com o soldado Tiago e constatou que ele estava bem tranqüilo e até brincou sorrindo. Com a chegada do General e sua comitiva, foram visitadas algumas instalações. Chegando próximo ao alojamento da guarda, o chefe das 1ª e 2ª seções do 19º Grupo de Artilharia de Campanha, que estava acompanhando o General, observou que havia um soldado dormindo no alojamento da guarda. Após, o comandante da Guarda foi ao alojamento acordar o Soldado. Então o Sargento Roinu chamou a atenção, com energia, do Soldado Tiago dizendo que ‘um fazendo errado estraga todo o conjunto e que se o Comandante da Unidade tivesse visto, daria punição’ e perguntou ao Soldado Tiago o porquê dele estar dormindo no horário do expediente se sabia que não podia. No momento em que o Soldado Tiago soube que o General tinha ido ao Corpo da Guarda e que, provavelmente, o teria visto dormindo, ficou nervoso e disse que ia pedir para ir embora do quartel porque o Comandante já havia lhe dado uma chance de não tê-lo punido por ter sido visto namorando na Vila Militar, por volta das 22:00 horas, quando de serviço no dia 07 de março de 1999. Após o incidente, o Soldado Tiago ficou sentado no banco do Corpo da Guarda, 90 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 cabisbaixo e pensativo e falou que assumia a culpa pelo erro, e pediu ao Sargento Roinu, para falar com o Comandante da Unidade para pedir-lhe desculpas, pois ficou preocupado com seu engajamento. Não foi possível o Soldado Tiago conversar com o Comandante, devido a visita do General ter se estendido além do horário em que o Soldado foi pegar na ‘hora’ no Posto da Antiaérea às 16:00 horas. Quando assumiu o serviço às 16:00 horas, o Soldado Tiago estava triste e cabisbaixo conforme constatou uma das testemunhas do IPM. Aproximadamente às 16:00 horas, o Soldado deixou o armamento na área atrás do Pavilhão da Antiaérea, atravessou a cerca que separa a área do Pavilhão do Campo de Instrução, passou pelos fundos da casa de uma senhora que ali morava e que estava reunida com a família. Depois, o soldado apanhou o fuzil, se fixou no local do acidente, deu o 1º disparo, e com isso a família da Sra. Iza e seu filho olharam para o Pavilhão da Antiaérea e observaram que o Soldado Tiago estava de joelhos tentando se levantar, apoiando-se no Fuzil com o mesmo na vertical, colocou a cabeça no cano da arma, e, rodopiando em volta da mesma fez o 2º disparo, vindo a cair no chão.” Com efeito, as partes não controvertem sobre a ocorrência de suicídio por parte do Soldado Tiago que se utilizou do fuzil que portava durante o serviço, tendo sido descartada qualquer outra hipótese, seja pela prova testemunhal coligida nos autos do IPM, seja pelo exame pericial que, em suas considerações finais, assim consignou: “O Fuzil Automático Leve (FAL) de nº 193082, somente poderia ter sido disparado através de uma ação externa, pois seus mecanismos de tiro e segurança encontram-se em perfeitas condições de funcionamento”. (fl. 64) Em virtude da investigação minuciosa acerca dos fatos que antecederam a morte do soldado, restou descartada, também, a possibilidade de o mesmo ter se afastado do Corpo da Guarda e ingerido bebida alcóolica ou se utilizado de substâncias entorpecentes. (fl. 211) Cumpre assinalar, ainda, que, embora de temperamento reservado e normalmente quieto, nenhuma alteração emocional ou sintomas de depressão foram detectados pelos colegas de quartel e/ou superiores do soldado Tiago, conforme dão conta os depoimentos acostados às fls. 93/192 dos autos. A testemunha Marcos Jean Carniel refere, em seu depoimento de fls.110/111, que, dias antes do ocorrido, o Soldado Tiago teve uma queda de motocicleta e teve poucas escoriações e se apresentava um pouco nervoso. No entanto, afirmou que o soldado Tiago jamais precisou consultar médico em razão de alguma crise nervosa, mostrando-se, 91 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 apenas, reservado em todas as consultas. Embora desprovidas de maior relevância à solução da questão trazida a lume, as anotações encontradas na caderneta do Soldado Tiago revelam a crença de que o desapego à vida terrena conduz à glória da vida eterna (fl. 198): “Se amarem sua vida aqui embaixo – vocês perderão a vida real Se desprezarem sua vida aqui embaixo – vocês trocarão esta vida pela glória eterna.” Por sua vez, o bilhete deixado pela vítima no local do acidente, evidencia o animus em atentar contra a própria vida (fl. 193), verbis: “APENAS PEÇO DESCULPAS. NOS ÚLTIMOS DIAS A VIDA NÃO TEM SIDO BOA PARA MIM. EM 2 MINUTOS MUITA COISA PODE ACONTECER. MAS MESMO ASSIM AINDA ACHO QUE O HOMEM FAZ SEU PRÓPRIO ‘DESTINO’. INFINITAS DESCULPAS AOS MEUS PAIS. PEÇO QUE NADA ACONTEÇA AOS MEUS COLEGAS DE SERVIÇO COM RELAÇÃO A PUNIÇÕES NESTE DIA, DESDE SD ATÉ SGT. ENTREGUEM R$ 500,00 DA MINHA POUPANÇA P/ O SD RODRIGO. O CARTÃO ESTÁ NA MINHA CARTEIRA”. A menção à entrega de R$ 500,00 (quinhentos reais) ao Soldado Rodrigo prende-se à intenção de ressarcimento de despesas de conserto de sua motocicleta, em vista de avarias decorrentes de queda sofrida por Tiago, no dia 13 de março de 1999, conforme depoimento de fl. 126 dos autos. Diante de tais elementos, impõe-se o reconhecimento de que a irresignação objeto do presente recurso não merece prosperar. Isso porque o dano decorreu única e exclusivamente da culpa da vítima. E, embora a morte tenha ocorrido dentro da Unidade Militar, o certo é que a responsabilidade pelo suicídio – ato voluntário por excelência – não pode ser atribuída ao Estado. Não merece prosperar o argumento expendido no sentido de que o soldado apertou o gatilho por estar fragilizado pela infração disciplinar. É que, em sendo a disciplina a própria base da estrutura militar, a eventual ameaça de punição por falta não foge ao previsível na rotina do quartel. Daí por que não se pode imputar ao Estado a responsabilidade por uma situação de contingência adotada nos casos de transgressão disciplinar. Nessas condições, impõe-se o reconhecimento de que o evento danoso 92 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 decorreu de culpa exclusiva da vítima, o que, por si só, exime o ente estatal do dever de indenizar, na medida em que se constitui em causa de rompimento do nexo de causalidade. Sobre o tema, preleciona a doutrina de Rui Stocco (in Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, 4ª edição, 1999, p. 89, verbis: “Embora a lei civil codificada não faça qualquer menção à culpa da vítima como causa excludente da responsabilidade civil, a doutrina e o trabalho pretoriano construiu a hipótese, pois como se dizia no Direito Romano: Quo quis ex culpa sua dammun sentit, non intelligitur dammum sentire. Como ensina Aguiar Dias, a conduta da vítima como fato gerador do dano elimina a causalidade. Realmente, se a vítima contribui com ato seu na construção dos elementos do dano, o direito não se pode conservar alheio a essa circunstância. Da idéia da culpa exclusiva da vítima, que quebra um dos elos que conduzem à responsabilidade do agente (o nexo causal), chega-se à concorrência de culpa, que se configura quando a essa vítima, sem ter sido a única causadora do dano, concorreu para o resultado, afirmando-se que a culpa da vítima ‘exclui ou atenua a responsabilidade, conforme seja exclusiva ou concorrente’. (Aguiar Dias, op. cit. nº 221) Assim emerge importante para apurar-se a responsabilidade considerar-se a parte com que a vítima contribuiu para o evento, de modo que na liquidação do dano calcularse-á proporcionalmente a participação de cada um, reduzindo, em conseqüência, o valor da indenização. Quando se verifica a culpa exclusiva da vítima, tollitur quaestio: inocorre indenização, inocorre, igualmente, se a concorrência de culpas do agente e da vítima chegam ao ponto de, compensando-se, anularem totalmente a imputabilidade do dano.” Em hipótese semelhante, assim decidiu esta Corte, verbis: “ A D M I N I S T R AT I V O . M I L I TA R . S U I C Í D I O . N E X O C A U S A L INDEMONSTRADO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INEXISTENTE. 1. Não se pode tomar como causa de suicídio de militar a vida normal na caserna, naturalmente rigorosa e organizada com base na disciplina e hierarquia ou traços introspectivos de personalidade. 2. Tendo sido considerado ‘apto’ o Militar nas instruções de manejo e uso de armas não há como imputar-se ‘culpa in vigilando ou in eligendo’ no ato de designação do militar para atividade de sentinela. 3. Ausente a demonstração do nexo causal entre a prestação do serviço militar e o suicídio cometido por soldado em sentinela, fica afastada a responsabilidade atribuída à União Federal pela ocorrência do evento danoso. 4. Apelação improvida.”. (AC nº 1999.04.01.090058-1, Rel. Juiz Alcides Vetorazzi, DJU de 02.08.2000) Pelos fundamentos expostos, tenho que a sentença deu à espécie o tratamento preciso, razão pela qual voto no sentido de negar provimento R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 93 à apelação. É como voto. APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.04.01.078684-7/PR Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler Apelante: Atecir Galon Advogados: Drs. Moacir Luiz Gusso e outro Apelado: Banco Central do Brasil Advogados: Drs. Marcia Regina Ferreira e outros EMENTA Civil. Danos morais. Processamento no juízo criminal. Abalo. Inocorrência. 1. Deve ser mantida a sentença que julgou improcedente o pedido de indenização por danos morais, pois a instituição bancária apenas realizou o dever, imposto pela lei, de oficiar ao Ministério Público Federal sobre a possível ocorrência de ato delituoso. 2. O autor passou por situação desconfortável ao ser indiciado em inquérito policial e responder a processo criminal, mas não foi preso nem passou por constrangimento que lhe causasse abalo moral justificador de uma indenização. Por outro lado, foi afastada a tipicidade, de forma que não perdeu sua primariedade, nem foi considerado culpado, obtendo decisão favorável. 3. Apelação improvida. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, voto 94 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 11 de junho de 2002. Desa. Federal Marga Barth Tessler, Relatora. RELATÓRIO A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler: Trata-se de ação na qual Atecir Galon pretende indenização por danos morais. Alega que foi indevidamente processado por estelionato, tanto que o MM. Juízo Criminal acabou por rejeitar a denúncia, com fundamento no art. 43, I, do Código de Processo Penal. A sentença julgou improcedente o pedido, entendendo que a conduta da instituição bancária não causou qualquer abalo. Condenou, ainda, o autor no pagamento de custas e honorários, fixados no percentual de dez por cento sobre o valor da causa. O autor apelou, dizendo que foi apresentada denúncia em virtude de ofício do BACEN, mesmo sabendo-se que não havia qualquer indício do crime. O recorrente jamais teve qualquer protesto ou processo judicial envolvendo seu nome, de modo que o fato de ter sido processado criminalmente durante vinte e um meses causou-lhe abalo. Certamente o BACEN tem o direito e o dever de oficiar ao Ministério Público quando da ocorrência de ato ilícito, mas no caso em análise ultrapassou a sua competência, levando adiante acusação da qual não tinha provas. Com contra-razões. É o relatório. À douta revisão. VOTO A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler: O autor realizou, com o Banco do Brasil, contrato de financiamento para a plantação de milho. Ocorrendo perda, foi requerida indenização, em virtude do PROAGRO. Entendendo haver irregularidades, a instituição bancária enviou ofício ao Ministério Público Federal (fl. 10), o que ensejou processo criminal. O MM. Juízo criminal, entretanto, exarou a seguinte decisão (fls. 23 a 26): R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 95 “(...) Com base no disposto no item anterior, tem-se que ficou patente que em momento algum o denunciado negou a alienação da safra, o que induz o entendimento pela ausência de fraude. Assim que instados, o acusado e bem assim como o responsável pela fazenda, disseram aos representantes do Banco do Brasil que a safra havia sido alienada. O documento de fl. 39 informa que o financiamento que estava sendo garantido foi integralmente satisfeito. (...) A situação evidenciada sugere que se acaso recebida a peça acusatória por este Juízo, estar-se-á constrangendo ilegalmente o denunciado, que jamais demonstrou o interesse em fraudar a garantia a fim de obter vantagem ilícita em proveito próprio. (...) Demais disso, conforme também já decidiu o Eg. Tribunal Federal de Recursos ‘Se o penhor é de coisa fungível e perecível, recaindo sobre bens objeto de produção final, a alienação, mesmo não sendo expressamente permitida, é implicitamente consentida’ (...) Em vista desses motivos, hei por bem rejeitar a presente denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (...)”. O art. 43, I, do CPP diz que a denúncia ou queixa será rejeitada quando “ o fato narrado evidentemente não constituir crime”, de modo que, dessa forma, resta afastada qualquer possibilidade de novo indiciamento, estabelecendo-se que não há tipicidade na conduta. Diante dessa decisão, é preciso verificar se houve conduta ilícita por parte da instituição bancária, ao oficiar ao Ministério Público. Conforme o art. 4º, § 2º, da Lei nº 4.728/65, “Quando, no exercício das suas atribuições, o Banco Central tomar conhecimento de crime definido em lei como de ação pública, oficiará ao Ministério Público para a instalação de inquérito policial”. Veja-se que o papel da instituição bancária, nesses casos, não é fazer uma apuração exaustiva, mas, tomando conhecimento de 96 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 alguma conduta que possa vir a ser considerada como delituosa, as autoridades competentes, Ministério Público Federal e Polícia, devem ser cientificadas, para, após inquérito policial, o Ministério Público formar a opinio delicti. Ao que tudo indica nos autos, foi exatamente isso que ocorreu, o Delegado Regional do BACEN apenas fez essa cientificação. O processo penal decorreu de inquérito policial e denúncia do Ministério Público. Não há qualquer elemento que indique o alegado abuso do BACEN nessa atribuição. Por outro lado, o autor foi sim processado, o que gera uma situação de evidente desconforto. Entretanto, como já salientei em outros julgados, essa sensação de desconforto não pode ser confundida com abalo moral. Em momento algum houve prisão, ou qualquer outro tipo de constrangimento que possa ter gerado um prejuízo de ordem moral. O autor chegou a ser interrogado na polícia, fato que certamente não é motivo de orgulho para ninguém, mas também não é vergonha prestar depoimento. Pelo contrário, às vezes essa colaboração é decisiva para um juízo absolutório, ou como no caso, para afastar a tipicidade. Até aqui, não há qualquer abalo moral. O Ministério Público, por sua vez, entendeu ser pertinente a suspeita levantada pelo BACEN, formando opinio delicti no sentido de promover a denúncia. Cumpre salientar que se trata de ação penal pública, em que apenas por exceção pode o Ministério Público deixar de oferecer denúncia. Isso significa que, havendo a menor possibilidade de procedência das acusações, deve ser formulada a denúncia. Há, inclusive, uma espécie de jargão em que se diz que, em caso de dúvida, o Ministério Público deve dar início à ação penal. Não há, portanto, qualquer ilegalidade. O processo penal, ademais, não teve maiores conseqüências, o recorrente não foi considerado culpado, não perdeu sua primariedade, tendo decisão favorável aos seus interesses. Dessa forma, não havendo qualquer abalo moral que justifique uma indenização, deve ser mantida a sentença que julgou improcedente o pedido. Isso posto, nego provimento ao apelo. É o voto. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 97 APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2001.71.00.015680-0/RS Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère Apelante: Caixa Econômica Federal - CEF Advogados: Drs. Jorge Oscar Crespo Gay da Fonseca e outros Apelada: Michelle Belatto Advogados: Drs. Tatiana Matte de Azevedo e outro EMENTA Mandado de segurança. Administrativo. Concurso. Deficiente visual. Lei nº 7.853/89 e Decreto 3.298/99. Aprovação. Posse. Exame médico. Atividade em agência bancária. Possibilidade de assalto. Inviável a eliminação de candidata aprovada em concurso público para vaga reservada à pessoa portadora de deficiência, sob alegação de que a deficiência impede o exercício das atividades do cargo. O Decreto 3.298 que regulamentou a Lei nº 7.853 estabelece que a verificação da capacidade para o desempenho da função ocorre no estágio probatório. O fato de as agências bancárias sofrerem assaltos não impede o exercício de atividades de funcionária cega. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 09 de abril de 2002. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, Relatora. RELATÓRIO A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère: Michelle Bellato impetrou o presente mandado de segurança contra ato do Gerente da Caixa Econômica Federal. Nos seus dizeres, prestou concurso público para o cargo de técnico bancário, na qualidade de candidata portadora de deficiência visual, classificando-se em primeiro 98 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 lugar dentre os candidatos deficientes e, no entanto, foi barrada no exame médico por ser cega. Pediu o deferimento de medida liminar para tomar posse no cargo. (fls. 2/7) Em informações, a autoridade deu conta de que inexiste direito adquirido à nomeação, citando o artigo 37 da Constituição, na redação que lhe deu a Emenda Constitucional nº 19, de 1998. Alegou que o exame médico é etapa eliminatória do certame e que barrar a candidata em razão da cegueira não é atitude discriminatória, pois os funcionários novos devem realizar todas as atividades relativas ao desempenho do cargo. (fls. 44/49) A liminar foi indeferida. (fl. 52) Após parecer do Ministério Público, opinando pela concessão da segurança, sobreveio sentença, julgando procedente o pedido, ao fundamento de que a CEF homologou a inscrição da candidata no concurso e, após aprovação, não pode recusar a admissão com base em exame de saúde. Só no estágio probatório será examinada a possibilidade de o portador de deficiência desempenhar as funções do cargo. (fls. 60/61) Inconformada, apelou a CEF, alegando que o exame médico é etapa eliminatória do concurso para todos os candidatos e que seria negligência da empresa permitir o ingresso de portador de deficiência visual em local sujeito a seqüestro e assaltos. (fls. 65/70) Sem contra-razões (fl. 74), os autos vieram a este Tribunal. É o relatório. VOTO A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère: A Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, visando a sua integração social, determinando reserva de mercado em favor das pessoas portadoras de deficiência nas entidades da Administração Pública e do setor privado. No artigo 8º, define como crime punível com pena de reclusão “Obstar, sem justa causa, o acesso de alguém a qualquer cargo público, por motivos derivados de sua deficiência”. O Decreto 3.298, de 20 de dezembro de 1999, regulamenta a Lei estabelecendo cotas de cargos a serem preenchidas por empregados portadores de deficiência. O artigo 37 deste diploma tem a seguinte R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 99 redação: “Art. 37. Fica assegurado à pessoa portadora de deficiência o direito de se inscrever em concurso público, em igualdade de condições com os demais candidatos, para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que é portador. § 1o O candidato portador de deficiência, em razão da necessária igualdade de condições, concorrerá a todas as vagas, sendo reservado no mínimo o percentual de cinco por cento em face da classificação obtida. § 2o Caso a aplicação do percentual de que trata o parágrafo anterior resulte em número fracionado, este deverá ser elevado até o primeiro número inteiro subseqüente.” O artigo 39 assim dispôs: “Art. 39. Os editais de concursos públicos deverão conter: I - o número de vagas existentes, bem como o total correspondente à reserva destinada à pessoa portadora de deficiência; II - as atribuições e tarefas essenciais dos cargos; III - previsão de adaptação das provas, do curso de formação e do estágio probatório, conforme a deficiência do candidato; e IV - exigência de apresentação, pelo candidato portador de deficiência, no ato da inscrição, de laudo médico atestando a espécie e o grau ou nível da deficiência, com expressa referência ao código correspondente da Classificação Internacional de Doença - CID, bem como a provável causa da deficiência.” Caso o candidato obtenha aprovação, o órgão responsável pela realização do concurso terá a assistência de equipe multiprofissional composta de quatro profissionais capacitados e atuantes nas áreas das deficiências em questão, sendo um deles médico, e três profissionais integrantes da carreira almejada pelo candidato. Na forma do artigo 43 do Decreto 3.298, a equipe multiprofissional emitirá parecer após avaliar a compatibilidade entre as atribuições do cargo e a deficiência do candidato durante o estágio probatório. A afirmação de que a negativa de posse decorre do fato de que a deficiência impede o exercício das tarefas inerentes ao cargo está em desacordo com o objetivo fixado na Lei, a qual visou justamente a procurar proporcionar aos portadores de deficiência condições de acesso ao mercado de trabalho. Caso o cargo fosse integrante de carreira que exigisse aptidão plena do candidato, assim deveria ter constado do edital ou, quando menos, a vaga não poderia ter sido oferecida à pessoa portadora de deficiência. A alegação de que a nomeação é atividade discricionária da 100 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 administração não procede, no caso, porque a autoridade coatora afirmou que a candidata estava sendo barrada em razão de sua deficiência. Pela teoria dos motivos determinantes, vincula-se a administração ao motivo declinado. Também é descabida a alegação de que a contratação não é possível porque no ambiente de trabalho as pessoas estão sujeitas a seqüestros e assaltos. Por certo, todos os funcionários devem receber a proteção da empregadora e não só os deficientes. A Caixa deve zelar para que tais atos não ocorram em suas agências e não há prova de que o portador de deficiência viria a agravar o problema ou sofrer as conseqüências de assaltos de modo mais trágico que os demais funcionários. Voto, por isso, no sentido de negar provimento à apelação e à remessa oficial. APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.72.00.003026-0/SC Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann Apelante: Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal de Santa Catarina - SINTRAFESC Advogados: Drs. Luis Fernando Silva e outros Apelante: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA Advogada: Dra. Lúcia Helena Bertaso Goldani Apelados: (Os mesmos) Remetente: Juízo Federal da 3ª Vara Federal de Florianópolis/SC EMENTA Reajuste de janeiro de 1995 aos servidores civis e militares da União. Garantia constitucional de isonomia. Juros de mora. Honorários advocatícios. 101 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 A Lei nº 8.880/94 estabeleceu fórmula de reajuste geral dos servidores públicos da União. Por meio das medidas provisórias nº 583/94 e nº 746/94, foram concedidos a algumas categorias de servidores índices de reajustamento que visavam à correção de distorções salariais, no intuito de implantar a isonomia garantida constitucionalmente. É de considerarse no cálculo do reajuste previsto na lei geral, os índices concedidos por meio das MPs, sob pena de burla ao intuito isonômico presente nas medidas provisórias. Devida a diferença entre o percentual de 22,07% aplicado no reajuste e o índice de 25,94%, efetivamente devido aos beneficiários dos reajustes previstos nas referidas MPs. Juros de mora fixados em 1% ao mês, em face de seu caráter alimentar. Precedente do STJ. Honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação, a teor do CPC, art. 20, §§ 3º e 4º. Entendimento embasado na legislação processual e em posição majoritária do TRF/4ª Região. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo do INCRA e dar parcial provimento ao apelo do SINTRAFESC, e, por maioria, negar provimento à remessa oficial, nos termos do relatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 29 de maio de 2002. Des. Federal Edgard Lippmann, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann: Trata-se de ação ordinária ajuizada pelo SINTRAFESC em face do INCRA, objetivando ver reconhecido o direito dos substituídos ao reajuste de vencimentos no percentual resultante da diferença entre o índice aplicado e o realmente devido (22,07% e 25,94), na mesma forma que concedido a outros servidores, a teor da Lei nº 8.880/94, arts. 28 e 29, e art. 37, X, da CF. Regularmente processado o feito, em sentença o MM. Juízo a quo julga procedente o pedido, devendo o INCRA proceder à revisão dos vencimentos/proventos dos substituídos, em janeiro de 1995. Sujeito o quantum devido à correção monetária e a juros moratórios de 1% (um por cento), estes computados desde a citação. Condenado o Réu ao reembolso 102 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 de custas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa. Demanda sujeita ao reexame necessário. Em sede de apelo, o SINTRAFESC pretende a reforma parcial da sentença de modo que o INCRA seja condenado a arcar com o pagamento dos honorários advocatícios à razão de 20% sobre o valor do montante devido, a teor do contido no CPC, art. 20, § 3º, a, b e c. Requer, a final, seja provido o apelo. Por seu turno, o INCRA alega inexistir erro quanto ao percentual concedido em janeiro/1995, estando em conformidade com os arts. 28 e 29, §5º, da Lei nº 8.880/94. Requer, nesses termos, seja provido o apelo para fim de reforma integral da sentença ou, se outro for o entendimento do órgão ad quem, ao menos, sejam os juros de mora fixados em 0,5% ao mês, em consonância com o art. 1.062 do Código Civil. Com contra-razões, chegam-me conclusos estes autos. É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann: A questão central versada nos autos restringe-se ao direito a reajuste dito geral, previsto para os servidores civis e militares da União, nos termos da Lei nº 8.880/94. Acerca do mérito propriamente, o referido dispositivo legal, em seu art. 28, determinou que os “vencimentos, soldos e salários”, “funções de confiança e gratificadas dos servidores civis e militares da União”, seriam reajustados, considerando-se a média dos valores de cada mês de 1994 - convertidos em URV- como sendo o devido em janeiro de 1995, desde que não resultasse em montante inferior ao percebido em dezembro de 1994, quando, então, seria considerado o valor maior. Já no art. 29, § 5º, a lei de regência dispõe que “sem prejuízo do disposto no art. 28”, tais valores deveriam ser reajustados em percentual equivalente à variação acumulada do IPC-r entre o mês de emissão do Real (julho/94) - inclusive - e o mês de dezembro daquele ano. Portanto, a fórmula criada previa que a base de cálculo do reajuste das tabelas para janeiro de 1995 seria a média dos valores recebidos mês a mês em 1994, devidamente convertida em URV, sobre a qual se aplicaria a variação acumulada do IPC-r entre julho e dezembro de 1994. Ora, quanto à variação acumulada do IPC-r no período em análise, não R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 103 restam dúvidas: 22,07%. A controvérsia se estabelece no que concerne à base sobre a qual incidirá o referido índice. Assim, na tese esposada pela parte-autora, a média prevista no art. 28 é 3,1780% inferior ao valor de dezembro de 1994, devendo, por força da mencionada lei, ser adotado o montante de dezembro como base de cálculo sobre a qual incidirá o percentual de reajuste. A questão, agora, é relativa a considerar-se ou não, na referida média, os índices de reajuste concedidos por meio das Medidas Provisórias nº 583, de 16.08.94, e nº 746, de 02.12.94. Como ambas as normas supracitadas objetivavam a implantação progressiva da isonomia, não há confundir seus intuitos com o destino da norma geral de reajuste. ( Lei nº 8.880/94) Logo, em não sendo considerados os percentuais concedidos a título de correção de determinadas tabelas como computáveis na média dos valores recebidos em 1994, voltar-se-ia a estabelecer as diferenças que as medidas provisórias já mencionadas, em conformidade com a garantia constitucional da isonomia, pretendiam corrigir. A não-inclusão dos índices concedidos em correção de fatores discriminatórios entre carreiras de servidores da União caracterizaria inconstitucionalidade por omissão. Então, há afastar-se o fator de discriminação, incluindo-se os percentuais expurgados na composição da média relativa ao ano de 1994, como forma de resguardo da igualdade garantida pela Constituição. Esse foi, também, o entendimento adotado pelo STJ, tanto na 5ª quanto na 6ª Turma, verbis: “ADMINISTRATIVO. SERVIDORES PÚBLICOS. REMUNERAÇÃO. RESÍDUO DE 3,17%. LEI Nº 8.880/94. O resíduo de 3,17% é devido aos servidores públicos federais, no reajuste concedido em janeiro de 1995, decorrente da incorreta aplicação dos artigos 28 e 29 da Lei nº 8.880/94. Recurso especial conhecido e provido.” (Acórdão, Registro no STJ: 9800399135, REsp nº 176331/DF, decisão unânime, em 1º.10.98, 5ª Turma, Rel. Gilson Dipp, DJ de 26.10.98 p. 00145) “ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO - VENCIMENTO - REAJUSTE DA LEI 8.880/94 (ARTS. 28 E 29) - RESÍDUO DE 3,17%. 1. É devido aos servidores públicos federais o resíduo de 3,17%, além da variação do IPC-r (22,07%), no reajuste de seus vencimentos, com base no art. 28 da Lei 8.880/94, vez que o § 5º do art. 29 não afastou o índice pleiteado. 2. Recurso não conhecido.” (Acórdão, Registro no STJ: 9800565760, REsp nº 104 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 184088/ RN, decisão unânime em 15.10.98, 6ª Turma, Rel. Anselmo Santiago, DJ de 30.11.98 p. 00226) Ainda com relação aos juros moratórios, recorro, mais uma vez, ao R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 105 Branca 106 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 107 Branca 108 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1998.04.01.094579-1/SC e Nº 1999.04.01.033960-3/SC Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti Apelante: A. M. Advogado: Dr. Roberto Carlos de Freitas Apelante: M. S. Advogados: Dr. João Augusto Medeiros Dr. Francisco Amabilino Benetti Apelado: Ministério Público Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle EMENTA Crimes conexos. Competência. Estelionato. Tentativa. Multa. Situação financeira do réu. Diminuição. Substituição da pena. Tendo havido lesão a bens, serviços ou interesse da União, é inafastável a competência da Justiça Federal, mesmo que o crimemeio tenha sido absorvido pelo crime-fim, como no caso do falsum em relação ao estelionato. (Súmula 17, STJ) Comete estelionato quem obtém vantagem ilícita inserindo visto falsificado em passaporte, não havendo falar em tentativa até porque a fraude só veio a ser desmascarada depois da viagem frustrada e do pagamento indevido. As condições financeiras do réu devem ser consideradas para efeito de aplicação da pena de multa. Preenchidas as condições previstas no art. 44 do CP, deve a pena 109 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 privativa de liberdade ser substituída por restritivas de direitos. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento aos recursos, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 08 de abril de 2002. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti: Trata-se de apelações contra a sentença que condenou A. M. e M. S. às penas de 1 ano, 06 meses e 20 dias de reclusão, em regime aberto, e multa de 20 dias-multa, no valor de ½ salário mínimo cada dia-multa, alcançando, na data da sentença, o valor de R$ 1.300,00, por infração ao art. 171 do CP, na forma continuada, ou seja, por suas participações angariando clientes na obtenção de vistos falsificados de entrada em país estrangeiro, bem como em vantagens ilícitas, mediante fraude, enganando as pessoas que contrataram seus serviços de despachante. Foi determinada a unificação dos feitos, sendo recebidas as denúncias em 08.04.96 (ACR. 094579-1/SC) e em 02.04.96 (ACR. 033960-3/SC), e publicada a sentença em 15.05.98. O réu A. S., apesar de intimado, bem como sua defensora constituída, não apelou, apenas o fazendo os réus A. M. e M. S. Diz A. que não restou comprovado nos autos que tivesse cometido o crime de estelionato, pois nunca obteve qualquer tipo de vantagem ilícita em detrimento de terceiros, já que apenas auxiliava as pessoas na obtenção dos vistos junto ao Consulado Americano, recebendo, em troca, apenas “gorjetas”. Quanto à multa, não pode vingar, pois é pessoa de poucos recursos, percebendo, mensalmente, o salário de R$ 400,00 para sustentar a sua família, sem falar que foi imposta além do devido. Já M. recorre também sustentando que não restou provado que tivesse induzido ou mantido alguém em erro, tampouco qualquer meio fraudulento, já que as declarações das testemunhas são insuficientes para manter o decreto condenatório. Portanto, se não há certeza do crime, não 110 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 se pune ninguém, aplicando-se o princípio in dubio pro reo. Por fim, requer a aplicação do disposto no artigo 14, II, do CP. Com as contra-razões, subiram os autos. O Ministério Público Federal opinou pela absolvição dos denunciados por não ter sido descrito na denúncia o crime de estelionato previsto no art. 171 do Código Penal, em todos os seus elementos, notadamente o meio fraudulento. É o relatório. À douta revisão. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti: Muito embora a sentença tenha imputado aos réus a prática do crime previsto no art. 171 do CP, reconheceu, também, que as condutas descritas no art. 297 do CP serviram de meio para a prática do delito de estelionato, decorrendo desse contexto, nos moldes da Súmula nº 17 do STJ, a sua absorção, pelo estelionato. Assim, fica evidente a competência da Justiça Federal para o exame da matéria em se tratando de crimes conexos, pouco importando que a conduta da falsificação tenha servido de meio para a prática do crime imputado aos réus, pois, o que importa, no caso, é a lesão que foi causada à União decorrente das falsificações dos documentos nacionais. (art. 109, IV, CF) A denúncia, ao contrário do pretendido pelos recorrentes, narra adequadamente os fatos delituosos. As condutas dos réus foram devidamente descritas na denúncia, e os fatos foram corretamente classificados. Segundo a peça inicial, A. S. falsificava documentos e declarações de imposto de renda para apresentação nos consulados estrangeiros, com o fim de obter vistos de entrada. Atuava em co-autoria com o denunciado C. O. S., na verdade seu cunhado. Já a participação dos réus M. S. e A. M. na trama criminosa consistia em fazer contatos e angariar “clientes”, vítimas dos golpistas, que pagavam pelos “serviços de despachantes” entre US$ 250,00 e US$ 1.000,00, sendo que nenhum dos clientes conseguiu atingir seu objetivo, pois foram deportados pelas irregularidades constatadas na obtenção do visto. Essa fraude, que se resumia na falsificação de vistos de entrada R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 111 para o México, restou comprovada através do Laudo de Exame Documentoscópico. (fls. 263/272) Assim, as condutas dos réus se amoldam perfeitamente à figura abstratamente descrita no artigo 171 do Código Penal, considerando a absorção dos crimes de falso imputados aos acusados. Os autos comprovam que as vítimas foram induzidas em erro ao se valerem dos serviços dos réus como “despachantes”, certas de que essas pessoas seriam as corretas para obterem o “visto de entrada” para o México. Na verdade, o objetivo era o ingresso nos Estados Unidos da América, mas, por orientação dos réus, o mais fácil seria via México, bastando ver os mapas confeccionados que foram apreendidos pela Polícia Federal. (fl. 65 dos autos 033960-3) Quanto à materialidade do delito, esta é inquestionável. No beminstruído inquérito policial, constam os documentos falsos utilizados pelos réus para possibilitar o visto nos passaportes das vítimas, falsidades essas confirmadas pelos Laudos de Exame Documentoscópico (fls. 149/159 dos autos 033960-3 e fls. 263/272 dos autos 094579-1), inclusive quanto aos próprios vistos firmados do punho do réu A. S. nos passaportes das vítimas. A autoria também é patente. A participação do réu M. S., no crime descrito na denúncia, está bem comprovada pelo depoimento da testemunha Simone Mendes Felipe, que afirmou haver procurado M. para que: “providenciasse a documentação necessária para obtenção do visto consular a fim de ingressar no México, país para o qual viajaria inicialmente”. Disse mais ainda, que entregou o seu passaporte para M., recebendo-o após quinze dias com uma etiqueta de visto colada, tendo-lhe pago a quantia de US$ 1.000,00 por tal providência. Entretanto, no aeroporto do México, foi impedida de deixar o local, sendo informada de que seu visto era falso, retornando ao Brasil. “Que já procurou M. por diversas vezes, com o intuito de lhe ser restituída a quantia paga, sendo que até o presente momento nada conseguiu, pois M. alega que a entregou a A. S., com quem atuava em conjunto”. (fl. 214) E Olice Oliveira Caldas depôs dizendo que, “pretendendo ir para os EUA, há questão de dois anos, via fronteira mexicana, procurou 112 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 através de amigos saber qual era o procedimento necessário; que então lhe foi indicado um rapaz de nome M.; que conversou com M. defronte a revenda de bebidas da Brahma, na cidade de Içara; que M. então lhe informou os documentos necessários, dizendolhe que iria passá-lo para outra pessoa; que lhe foi solicitado apenas o passaporte e a quantia de mil dólares que foram entregues a M. juntamente com o passaporte; que não entregou a M. qualquer outro documento além do passaporte; que M. lhe entregou o passaporte e informou sobre os detalhes da viagem; que chegando no México, no aeroporto, foi impedido de prosseguir sob a alegação de que o visto não era legal; que teve de aguardar três ou quatro dias no México, até que conseguisse um vôo para retornar ao Brasil; que se encontrava acompanhado de Simone, cujo sobrenome não recorda, pois a conheceu na viagem; que Simone também foi obstada de prosseguir na viagem; que não sabe se Simone fez seu visto com M.; que depois da viagem procurou M. para obter a devolução do dinheiro, mas este lhe disse que não poderia fazer a devolução porque havia outras pessoas envolvidas; depois não mais encontrou M.”. (fl. 398) Com relação ao réu A. M., a farta documentação encontrada em sua residência e as provas testemunhais não deixam dúvidas quanto à sua participação criminosa. O próprio réu A. S. confessou que “A. M. era quem levava, em mãos, a documentação para o despachante Celestino” (fl. 183). Já Agenor Silvano, irmão do réu A., foi categórico em afirmar que a tarefa de instruir os pedidos de visto perante consulados estava a cargo de A. M. (fl. 187). E mais, o depoente Rossini da Luz diz que: “A. S. lhe solicitou apenas o passaporte, fotos e a quantia de US$ 250,00 para o visto e mais US$ 680,00 para a passagem até o México...; que o nominado devolveulhe o passaporte com o visto aposto...e o declarante entregou-lhe a quantia em dólares para a passagem, recebendo-a das mãos de A. M.; que viajou para o México... sendo que ao chegar ao aeroporto daquele país foi submetido a uma entrevista e, após, soube que lhe havia sido negado o ingresso..., sendo carimbado seu passaporte; que em vista disso teve de retornar para o Brasil, o que aconteceu com mais dez pessoas, nas mesmas condições; (...) que A. M. está trabalhando na mesma empresa que o declarante... que ofereceu ao declarante US$ 100,00 para cada pessoa que indicasse para confecção de documentos para obtenção de visto”. (fls. 193/194) Se não bastasse, A. foi denunciado (proc. 033960-3) por falsificar documentos simulando a existência e a entrega de declarações de rendas em diversos Bancos, visando à obtenção de visto em passaportes, tudo, como referido na denúncia, “no sentido de atender as pessoas que os procuravam ou eram por eles procuradas para a prestação de tais ‘serviços’ vinculados à obtenção de vistos em passaportes... de brasileiros que pretendiam ingressar no México e nos Estados Unidos da América... que cobravam vultosas quantias (US$ 200,00, US$ 350,00 e assim por diante), para a obtenção de visto de entrada num daqueles países”. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 113 Em seu depoimento na polícia, A. confessou cobrar pelo seu trabalho, fato esse corroborado pelos depoimentos das vítimas. Com efeito, é evidente que os réus montaram um esquema para enganar as pessoas que os procuravam para a obtenção do visto de entrada no México, pessoas essas muitas delas desempregadas que buscavam em um outro País um futuro talvez melhor, mas que viram seus sonhos caírem por terra ao se depararem com a fria realidade: de que foram enganadas, pois os vistos pelos quais pagaram eram falsos. Por outro lado, não há falar em tentativa, pois restou provado que os agentes obtiveram a vantagem e prejudicaram terceiros. Por fim, no que tange à aplicação da multa, como bem-referido pelo douto Procurador da República nas contra-razões, “quando da sentença, as condições financeiras do réu foram consideradas para efeito de aplicação da pena de multa, consoante se verifica à fl. 655 (fixo em 20 (vinte) o número de dias-multa, dado pender em desfavor do acusado, circunstância prevista no art. 59 do Código Penal, atinente a seus antecedentes. Despontando dos autos cuidarse de pessoa de posses medianas, fixo em ½ (meio) salário mínimo o valor de cada dia-multa, alcançando a pena pecuniária o valor de R$ 1.300,00), sendo que o número de dias-multa decorreu dos maus antecedentes do acusado. Assim sendo, a situação financeira atual do réu poderá ser levada em conta para efeito de aplicação do art. 50 do Código Penal, ou seja, para ser permitido o pagamento da multa em parcelas mensais. Saliente-se que a diminuição da pena já aplicada seria um privilégio à impunidade”. Entretanto, considerando o disposto no inciso III do art. 44 do CP, substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito: prestação de serviços à comunidade pelo tempo de duração da pena e prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo em favor de instituição de caridade, a serem fixadas pelo juízo da execução penal. Nessas condições, dou parcial provimento aos recursos tão-somente para determinar a substituição da pena privativa de liberdade, na forma acima mencionada. É o voto. 114 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1999.71.05.004229-4/RS Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro Apelante :Ministério Público Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle Apelante: C. A. C. Advogados: Drs. Antão Abade Vargas e outro Apelante: H. L. Advogados: Drs. Altivo Osmar Ruschel e outro Apelante: S. F. Q. R. Advogado: Dr. Renato Jacob Schorr Apelado: Ministério Público Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle Apelado: H. S. E. Advogado: Dr. Pedro Furian Sessegolo EMENTA Estelionato. INSS. Prova emprestada. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Infração permanente. Termo inicial da prescrição. Absolvição. Provas. Condenação dos co-réus mantida. Redução das reprimendas. Substituição. 1. Não ocorre cerceamento de defesa pela juntada de prova emprestada se produzida, sob o crivo do contraditório, em ação penal onde figuraram os mesmos réus, ainda mais se aqueles elementos trazidos não foram os únicos a embasar a condenação. 2. O entendimento jurisprudencial majoritário é de que a prática de fraude para obtenção de benefício previdenciário, com recebimento de prestações periódicas, indica natureza constante da ação delituosa. Desta forma, o termo a quo do prazo prescricional conta-se da cessação da permanência, ou seja, da data da interrupção do recebimento das parcelas (art. 111, III, do CP). 3. Induvidosa apenas a negligência do funcionário que assinou sem conferir os documentos que incluíam dados falsos, não é possível impor decreto condenatório, porquanto o estelionato somente é punível a título de dolo. 4. Condena-se o beneficiário da fraude que ingressou com pedido de aposentadoria sem ter efetuado recolhimento das necessárias contribuições. 5. Inegável a responsabilidade dos co-réus que, mesmo contando com conhecimentos técnicos e vasta experiência 115 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 profissional, deixaram de obedecer aos procedimentos legais, induzindo em erro a Autarquia, mediante o encaminhamento e concessão de benefício previdenciário fraudulento. Condenação mantida. 6. Redução das reprimendas. 7. Substituição da pena carcerária por serviços à comunidade e prestação pecuniária. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso ministerial e dar parcial provimento aos apelos dos réus, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 20 de maio de 2002. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: O Ministério Público Federal denunciou H. S. E., S. F. Q. R., H. L. e C. A. C. por terem supostamente perpetrado o delito insculpido no artigo 171, § 3º, c/c art. 29 do Código Penal. A exordial, recebida em 03.03.2000 (fl. 135), narrou os fatos nos seguintes termos: “Os denunciados S. F. Q. R., H. S. E. e C. A. C., na qualidade de servidores do INSS lotados e em exercício na agência de Cruz Alta/RS, agindo em unidade de desígnios e em conjugação de esforços com H. L., no período compreendido entre julho de 1992 e fevereiro de 1999, obtiveram vantagem ilícita em favor desse último e em prejuízo da autarquia previdenciária, induzindo e a mantendo em erro mediante fraude no encaminhamento e concessão de benefício previdenciário. As fraudes evidenciadas no processo administrativo de H. L. consistiram na não-comprovação dos recolhimentos das contribuições previdenciárias nos períodos de dezembro de 1956 a maio de 1968 e dezembro de 1989 a junho de 1992 e inserção de falsos valores de contribuição na Relação dos Salários de Contribuição (RSC – fl. 06). A atuação de cada denunciado, sempre imbuída de dolo, foi decisiva para o sucesso da empreitada criminosa, senão vejamos: H. L., conquanto ciente do fato de não fazer jus à aposentadoria, em 22.07.92, firmou e protocolou o requerimento de concessão do benefício previdenciário (fl. 05), instruindo-o com informações mendazes e/ou omissivas acerca de sua vida laboral e das contribuições sociais que realizou, eis que expressamente alegou que jamais recolheu contribuições 116 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 no período de dezembro de 1989 a junho de 1992 (fl. 80); assinou, já sabendo que ia lograr êxito no intento, a Relação dos Salários de Contribuição preenchida com os falsos valores de contribuição (fl. 06) e auferiu, no período compreendido entre julho de 1992 e fevereiro de 1999, os valores pecuniários referentes à aposentadoria fraudulenta no total de R$ 29.961,60 (vinte e nove mil, novecentos e sessenta e um reais e sessenta centavos). C. A. C., embora estivesse restrito a atribuições no setor administrativo do Posto, em evidente desvio de função – circunstância que depõe contra os outros servidores ora denunciados – protocolou requerimento de aposentadoria de H. (fl. 05) e confeccionou, mendazmente, o comando de concessão do benefício fraudulento (fls. 16/17) tendo sido firmado por S. R. e H. E. A esse respeito, repise-se que C. C. não podia atuar no setor de arrecadação nem na seara de benefícios, visto que era adstrito ao setor administrativo. S. F. Q. R. era, ao tempo dos acontecimentos, chefe do posto do INSS em Cruz Alta. Nessa condição e em que pese as notórias irregularidades do processo de concessão, apôs sua firma como ‘conferente’ no requerimento de aposentadoria de H., assinando no verso (fl. 05), e firmou o comando de concessão mendaz confeccionado por C. C. (fls. 16/17) – o qual sequer tinha atribuições no setor de benefícios, juntamente com seu colega, H. E. Este, por sua vez, era então chefe substituto e supervisor do setor de benefícios, ocasião em que deu o comando de concessão do benefício à DATAPREV (fls. 16/17), juntamente com S. R., mesmo ciente das fraudes e irregularidades do processo de concessão. Assim, em concerto de vontades com os demais denunciados, formalizou ato ilícito que permitiu a ludibriação do INSS. O prejuízo ocasionado pela concessão irregular da aposentadoria por tempo de serviço fraudulenta (NB 42/041.117.628-5) aos cofres do INSS perfazia, em março de 1999, R$ 29.961,60 (vinte e nove mil, novecentos e sessenta e um reais e sessenta centavos) – fls. 50/52, afora o inestimável desserviço prestado à credibilidade da Administração Pública no gerenciamento de verbas advindas da coletividade, as quais se destinam, mormente, à parcela menos favorecida da população. A materialidade verte hialina, claríssima, do panorama probatório dos autos e está consubstanciada, especialmente, nos documentos das fls. 05/57”. Após regular instrução, sobreveio sentença publicada em 29.08.2001, julgando parcialmente procedente a denúncia para absolver H. S. E. com apoio no artigo 386, VI, do CPP, bem como condenar pela prática do crime inscrito no art. 171, § 3º, c/c art. 29 do Estatuto Repressivo, em continuidade delitiva, H. L. à reprimenda de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses, C. A. C. e S. F. Q. R. à de 3 (três) anos, 7 (sete) meses e 16 (dezesseis) dias de reclusão. A pena de multa foi estabelecida, igualmente, para todos os condenados, em 80 (oitenta) unidades diárias, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo. H. teve a sanção corporal substituída por prestação de serviços à comunidade, C. e S. pela mesma restritiva de direitos, além da limitação de fim de semana. Quanto aos dois últimos, houve, também, decreto de perda do cargo público com R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 117 base no artigo 92, I, a, do CP. (fls. 580/601) Inconformado, o Parquet apelou (fl. 603), buscando a condenação de H. nos termos da inicial. (fls. 611/615) Da mesma forma, irresignaram-se os réus (fls. 621, 623 e 766). Nas suas razões (fls. 650/738), H. requer, em preliminar, extinção da punibilidade face à prescrição verificada entre a data do fato e o recebimento da denúncia, alegando que o “estelionato previdenciário” é crime instantâneo, devendose considerar como termo inicial do prazo prescricional o dia do primeiro pagamento do benefício. No mérito, alega atipicidade da conduta por ausência de dolo, visando à absolvição com fulcro nos incisos IV ou VI do artigo 386 do CPP. C. pleiteia, inicialmente, nulidade do processo por cerceamento de defesa. Postula decreto absolutório, aduzindo inexistir provas cabais da autoria. Por fim, de modo alternativo, pretende afastamento da continuidade delitiva, com o conseqüente reconhecimento da prescrição. (fls. 743/754) S., por vez, argumenta insuficiência do conjunto probatório, buscando absolvição. (fls. 767/770) Com as contra-razões (fls. 631/647, 756/762 e 773/776), subiram os autos. A Procuradoria da República, oficiando no feito (fls. 780/790), manifestou-se pelo improvimento dos recursos. É o Relatório. À Revisão. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: Inicialmente, cumpre ressaltar não ter ocorrido cerceamento de defesa pela juntada de prova emprestada, uma vez que produzida, sob o crivo do contraditório, em ação penal onde figuraram os mesmos funcionários do INSS. Outrossim, não houve irresignação oportuna (intimados à fl. 409) e demonstração do prejuízo, como se exige nesses casos. Ademais, aqueles elementos não foram os únicos a embasar a condenação de C., inexistindo, pois, qualquer vício. A propósito, veja-se a jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça: 118 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 “HC. PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES (ART. 12) E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA (ART. 14). PROVA INTER ALIOS ACTA. NULIDADE INEXISTENTE. (...) A utilização de prova emprestada, quando não constitui o único elemento a corroborar a condenação, não vicia o processo e a decisão proferida.” (HC 17513/RJ, Quinta Turma, Relator Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 22.10.2001, pág. 00342) “PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. QUADRILHA. ROUBO QUALIFICADO. INTERROGATÓRIO. PROVA EMPRESTADA. VALOR PROBATÓRIO. Não obstante se reconheça a precariedade do valor da prova emprestada, o fato da sentença utilizar informações obtidas em interrogatório realizado em outro processo, por si só, não enseja o reconhecimento de nulidade se este não foi o único elemento de destaque a embasar o decreto condenatório. Habeas corpus indeferido.” (HC 16175/SP, Quinta Turma, Relator Min. Félix Fischer, DJ 13.08.2001, pág. 00193) Antes de analisar o conjunto probatório, insta esclarecer acerca da natureza do dito estelionato de rendas. Os acusados argumentam tratar-se de crime instantâneo, consumando-se na data do primeiro pagamento do benefício, configurando o recebimento das demais parcelas mero exaurimento. Entretanto, esse não é o entendimento dominante, especialmente na jurisprudência desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça. A posição majoritariamente aceita é a de que a prática de fraude contra o INSS, obtendo a vantagem ilícita em prestações periódicas, indica natureza permanente da ação delituosa. (STJ, RHC 10052/SP, DJ 06.11.2000, pág. 00211; TRF-4, HC 1998.04.01.012534-9/SC, DJ 09.12.98, pág. 704) Desta forma, o termo inicial do prazo prescricional retroativo contase da cessação da permanência, ou seja, da data da interrupção do recebimento das prestações (art. 111, III, do CP), in casu, 14.05.99. (fl. 58 v) Na hipótese em análise, tendo sido percebida aposentadoria integral por seis anos e sete meses, ou seja, 79 (setenta e nove) prestações, o fato ilícito se consumou por ocasião do recebimento de cada uma delas. Ultrapassado este ponto, passo à apreciação do mérito. A materialidade do delito ressai inconteste pelas irregularidades evidenciadas no requerimento de aposentadoria (fl. 10), na relação de salários-de-contribuição (fl. 11) e respectivos discriminativos, além do comando de concessão eletrônica (fls. 21 e 22) e carnê para recolhimento R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 119 (fl. 37). Como se não bastasse, o beneficiário, H. L., reconheceu que não efetuou o pagamento das contribuições no período de 12/89 a 06/92. (fl. 85) No que tange ao outro lapso referido na denúncia (dezembro/56 a maio/68), foi reconhecido em ação ordinária, não havendo discussão a respeito. Quanto à autoria, faz-se necessário o exame individual das condutas. O Ministério Público Federal defende a existência de prova suficiente a incriminar H. Contudo, não lhe assiste razão. Embora esteja comprovado que sua participação contribuiu para a fraude ao INSS, uma vez que assinou, na condição de conferente, o comando de concessão eletrônica (fl. 22) sem que estivessem presentes os requisitos para tanto, não restou evidenciado o dolo. O MM. Juiz a quo bem apreciou a questão, verbis: “A sua culpa é evidente, pois assinou os documentos das fls. 21/22 sem conferir a veracidade das informações, negligenciando dever funcional, mormente que era chefe do setor de benefícios e atuava, às vezes, como conferente e, às vezes, como concessor. Contudo, as alegações de que teria assinado referidos documentos em vista da confiança que depositava nos demais servidores, bem assim de que essa forma de proceder era praxe entre os servidores, restaram confirmadas pelos funcionários que, na época, trabalhavam no Posto de Benefícios do INSS de Cruz Alta, arrolados como testemunhas pelo réu H. (...) Nos depoimentos de Regina Beatriz Floriano da Silva, servidora do INSS que atuou na auditoria, infere-se, também, que era comum, entre os servidores, a assinatura de documentos sem conferência e a pedido de outro colega, face à exigência de duas assinaturas: ‘o H. disse que normalmente assinava o que o colega pedia para assinar. Até hoje isso é praticado. Quem tem cargo de chefia assina o que os colegas pedem’ (fls. 373/378). ‘Na ocasião, eu disse ao delegado e em alguma outra audiência também que a única pessoa que me deixou dúvida teria sido o H., porque ele assinava diretamente como conferente no comando de concessão eletrônica. E ali havia uma certa praxe de as pessoas assinarem sem conferir (...) e só um assinar no lado, porque eram exigidas duas assinaturas para passar no computador. (...) Assinava depois, como conferente. (...) Então, por eu me lembrar de como era feito antes, de a gente só fazer a segunda assinatura, botar no malote e mandar para a Dataprev, foi onde eu fiquei com a dúvida só em relação a ele. Porque o fato não era correto, mas era a praxe de que só assinasse do lado’ (fls. 392/408). (...) tenho, pelo que consta destes autos, que tais elementos comprovam, sem sombra de dúvidas, apenas sua culpa, sua negligência, em vista da omissão na conferência dos documentos que lhe eram entregues para assinar. Com efeito, as provas colacionadas pela acusação nestes autos, oriundas de processos administrativos e de auditoria levada a efeito pela autarquia previdenciária, embora suficientes para a comprovação da culpa e dos efeitos dela decorrentes na 120 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 seara administrativa e cível, não são hábeis para formação de um juízo condenatório com declaração de responsabilidade criminal do réu H. E. pelo delito em apreço. Ressalta-se que o crime de estelionato somente é punido a título de dolo”. (fls. 592/594) Importante registrar, ainda, que, da série de apurações promovidas no posto do INSS de Cruz Alta a fim de verificar as aposentadorias concedidas irregularmente, não veio aos autos qualquer prova de ligação de H. com os segurados, bem como de ter exigido ou recebido vantagem destes ou dos colegas para contribuir na obtenção dos benefícios. As pessoas ouvidas afirmam não ter tratado com ele quando do encaminhamento do pedido (fls. 364v e 434/439). Da mesma maneira, os funcionários informaram que qualquer deles fazia, como era habitual, a segunda assinatura exigida no comando de concessão eletrônica sem conferir, atendendo pedido de outro colega, normalmente o chefe do Posto, S. (fls. 429 e 431) Ademir Clóvis da Costa Neri, membro da auditoria realizada à época, perguntado se, nos depoimentos e provas que coligiu, houve alguma acusação direta de segurados ou testemunhas de que H. tivesse recebido alguma propina ou qualquer vantagem dos beneficiários, respondeu, verbis: “No trabalho da Auditoria, eu nunca recebi esse tipo de acusação”. (fl. 390) Cumpre destacar, também, que a testemunha, em outro trecho do depoimento, referiu terem sido ouvidos cerca de trinta segurados. Deste modo, impõe-se manutenção do decreto absolutório de H., com apoio no art. 386, VI, do CPP, porquanto não há provas suficientes de que tenha participado dos eventos dolosamente. O mesmo não ocorre com os demais réus. H., consciente do nãorecolhimento das contribuições de dezembro/89 a junho/92, assinou o requerimento de aposentadoria e relação de salários-de-contribuição incluindo tal lapso temporal. As alegações de que entregou o numerário suficiente para pagamento daquele período a alguém conhecido simplesmente como Nogueira sem exigir qualquer recibo, pois lhe “inspirava confiança”, não são convincentes. O acusado, que guardava com zelo os comprovantes referentes a 1968, não deixaria de verificar, juntando as guias, se tal pessoa tinha realmente quitado as contribuições atrasadas para lhe possibilitar o deferimento da aposentadoria. De outra parte, naturalmente incumbia aos funcionários da Previdência 121 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 examinar toda a documentação pertinente para concessão do benefício. Porém, isso não afasta a responsabilidade do segurado H., pelos dados falsos inseridos, já que tinha ciência a respeito. C. admite ter protocolado o requerimento de aposentadoria e relação de salários-de-contribuição (fls. 10/11), bem como confeccionado o devido discriminativo (fl. 21) além de ter visado o documento de fl. 10 (fls. 96 e 177). Tratando-se de servidor experiente do INSS, bacharel em Ciências Jurídicas, impossível negar tivesse perfeito conhecimento de que os valores e datas informados para pleitear o benefício deveriam ser comprovados documentalmente, ainda que fosse lotado no setor administrativo. No entanto, não observou os procedimentos corretos no caso em tela, como se depreende da simples verificação, por exemplo, do carnê acostado à fl. 37, referente ao ano de 1989, onde o recolhimento não foi integral, razão por que não poderia ser computado. Difícil crer, dessa forma, que o acusado não tenha atuado dolosamente no intuito de obter vantagem ilícita para si ou terceiro. Tal circunstância, aliás, ressai do confronto de outras denúncias oferecidas contra o réu por fatos idênticos, originárias das mesmas investigações promovidas no posto do INSS de Cruz Alta (fls. 321/331 e 336/342). A partir daí, foi demonstrada a forma de atuação de C. na série de fraudes constatadas, como se vê no seguinte depoimento: “Em 1992, interessado em se aposentar, procurou a agência local do INSS, onde foi encaminhado para tratar do assunto com o co-denunciado C. Relatou-lhe que faltava três anos de contribuição previdenciária e que tinha interesse em se aposentar percebendo em torno de cinco salários mínimos. Entregou toda a documentação para o denunciado. C. lhe sugeriu que recolhesse o período faltante sobre dez salários. O depoente chegou a comentar que teria dinheiro para recolher os valores necessários, visto que estava vendendo uma casa. Posteriormente, após os cálculos realizados por C., este disse que teria que pagar a importância de vinte e um milhões de cruzeiros, moeda da época. Inicialmente, o depoente entregou um milhão de cruzeiros que tinha em casa. Na ocasião, C. mandou que o co-denunciado J. o acompanhasse para pegar o dinheiro. O restante do numerário estava depositado na Caixa Econômica Estadual. O depoente trouxe um cheque administrativo do banco, mas o acusado disse que somente aceitava dinheiro vivo. Retornou à agência, C. e J. fizeram questão de acompanhá-lo. (...) após receber o dinheiro, C. disse que estava tudo encaminhado e que o depoente aguardasse em casa a notícia da aposentadoria, o que aconteceu cerca de oito meses após. Antes disso, como estava atravessando dificuldades financeiras, procurou o acusado que, por um período de três meses, emitiu três ordens de pagamento ao Banco do Brasil, para que o depoente recebesse quantia em dinheiro que hoje não tem condições de estimar. 122 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Tais valores foram posteriormente abatidos diretamente pelo INSS quando o depoente recebeu o primeiro pagamento de sua aposentadoria. Esclarece que, na ocasião em que foi receber este pagamento, mais uma vez C. fez questão de acompanhá-lo ao banco. Na oportunidade, o acusado exigiu que o depoente lhe desse uma gratificação, ‘uma gorja’, pelos serviços prestados. Colocou o depoente e esposa no interior do seu carro e praticamente o constrangeu a lhe pagar quase metade do valor que havia recebido”. (fl. 364 – Aristides de Moraes Dias) Tal depoimento é confirmado pelo testemunho de Ademir Clóvis da Costa Neri, membro da auditoria. Note-se: “(...) O servidor C. trabalhava no setor de arrecadação. Conseqüentemente, quando os segurados iam ao posto de benefício e diziam que tinham alguma dívida com o Instituto, procuravam aquele servidor, que fazia todo o encaminhamento, dizendo que não tinha problema, bastando fazer uma confissão de dívida para fechar o tempo. Só que essa confissão era feita de modo informal, não sendo nada registrado no Instituto. E, segundo alguns segurados, o pagamento era feito no próprio balcão quando na realidade sabe-se que há anos se faz isso através da rede bancária”. ( fls. 386/387) C., em acareação promovida no curso de apuratório que investigava fraude na aposentadoria de Aristides de Moraes Dias, chegou a confessar a prática criminosa (fls. 343/344), o que é mais um elemento a corroborar a conduta ilícita nas concessões de benefícios no posto de Cruz Alta. As alegações de que estava apenas auxiliando no setor de benefícios em atividade extraordinária, cabendo-lhe apenas transcrever dados e não conferir os documentos (atribuição dos funcionários “do balcão”), são inaceitáveis, em vista dos seus conhecimentos técnicos e tempo de serviço no INSS, como já salientado. Os vários testemunhos trazidos de outros feitos dão conta de que o inquérito administrativo confirmou o envolvimento de S. e C., entre outros, em conluio, demonstrado, inclusive, documentalmente. (fl. 347) S. reconheceu como suas as assinaturas constantes às fls. 10v, 21 e 22, bem como as inscrições constantes às fls. 10 v e 22. (fls. 74 e 173) Seu envolvimento nas fraudes perpetradas na unidade do INSS de Cruz Alta é certo, como se constata da declaração seguinte: “(...) O problema, no caso desses processos envolvendo fraudes, é que foi constatado pela equipe de auditoria uma verdadeira inversão no processo administrativo de recebimento da documentação e deferimento da inativação, com extração dos respectivos carnês e comandos de pagamento. Tudo era feito diretamente pelo próprio S., que, a rigor, como chefe do Posto, só deveria conferir”. (fl. 369 – Ademir Clóvis da Costa Neri) R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 123 Regina Beatriz Floriano da Silva, que auxiliou a Polícia Federal na elucidação dos crimes, também funcionária do INSS, perguntada sobre quem efetivamente analisava os documentos e concedia as aposentadorias, respondeu, verbis: “(...) o concessor em si pegava a documentação, fazia o cálculo do tempo de serviço à mão, fazia tudo isso e preenchia o comando. (...) em vários casos que eu observei, o concessor era o S.” (fl. 403) O depoimento dos funcionários ouvidos no inquérito administrativo é no mesmo sentido. Veja-se, ad exemplum: “(...) o servidor S. montava os processos de benefícios e levava para os demais assinarem sem conferência”. (fl. 431 – Elaine Beatriz Zuse Teixeira) Assiste razão a S. quando afirma que “erro não pressupõe culpa, nem dolo”. Entretanto, houve, no encaminhamento do pedido de aposentadoria de H. L., deliberada inclusão de períodos de contribuição inexistentes, o que propiciou o recebimento indevido do benefício por mais de seis anos. Da mesma forma, descabidas as pretensões de se ver isento da responsabilidade criminal em virtude de “excesso de trabalho no Posto”, impedindo-lhe de conferir os documentos que instruíam os requerimentos, o que seria, ademais, atribuição dos chefes setoriais. Ora, embora se saiba das dificuldades estruturais e de pessoal que enfrentava a autarquia previdenciária, não podem justificar a conduta delituosa, pois o conjunto probatório não deixa dúvidas de que suas ações, in casu, conjuntamente com C., eram dolosamente dirigidas para obtenção de vantagem ilícita por parte de terceiros em prejuízo do INSS. De outra parte, chega a ser heresia aduzir que não possuía capacitação técnica para atuar, visto tratar-se de funcionário com doze anos de exercício à época do fato, sendo inclusive chefe do Posto da cidade há cerca de sete anos. No que pertine à tese de erro quanto à pessoa a viciar o feito, não faz qualquer sentido, uma vez que operado pela Procuradoria do INSS ao dar a notitia criminis, ao passo que o inquérito policial e o presente feito qualificaram e identificaram perfeitamente S. como um dos envolvidos na concessão fraudulenta de benefícios. Igualmente, a alegação de que não pode ser incriminado, já que H. tinha plena confiança de contar tempo suficiente de contribuição ainda que 124 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 excluído o período de 12/89 a 06/92, é desarrazoada, pois não basta sua convicção, devendo fazer esta prova, ônus do qual não se desincumbiu. Assim, é de ser mantido o decreto condenatório com relação à H., C. e S. nos seus exatos termos, destacando-se que a continuidade delitiva resta evidente, visto tratar-se de estelionato previdenciário em que a vantagem indevida foi percebida mediante prestações periódicas de julho/92 a fevereiro/99. No entanto, verifico que houve exacerbação nas reprimendas impostas a cada um dos réus. Com relação a H., não sendo desfavoráveis as vetoriais do artigo 59 do CP, fixo a pena-base em 1 (um) ano. Ausentes circunstâncias legais, aplico a majorante inscrita no § 3º do art. 171 do mesmo Diploma, perfazendo 1 (um) ano e 4 (quatro) meses; pela continuidade delitiva, opero aumento de 1/6 (um sexto), tornando definitiva em 1 (um) ano, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão. A multa fica estabelecida em 13 (treze) unidades diárias, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo. Insta destacar que, embora este réu tenha sido condenado a mais de um ano de reclusão, permanece a substituição apenas por prestação de serviços à comunidade como determinado em primeiro grau, pois o Parquet não se irresignou quanto a este ponto, sendo vedada a reformatio in pejus. C. e S. reclamam imposição das reprimendas inicialmente em 1 (um) ano e 6 (seis) meses, uma vez que apresentam diversas ações em andamento, indicando culpabilidade acima do grau mínimo, além das conseqüências do delito serem desfavoráveis, em vista do prejuízo não ressarcido. Tendo ambos cometido o crime com violação de dever inerente a cargo (art. 61, II, g, do CP), aplico aumento de três meses, perfazendo 1 (um) ano e 9 (nove) meses. Pela incidência do disposto no art. 171, § 3º, do mesmo Diploma, e da continuação delitiva, majoro as sanções em 1/3 (um terço) e 1/6 (um sexto) respectivamente, tornandoas definitivas para cada réu em 2 (dois) anos, 8 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão. A multa fixo em 22(vinte e duas) unidades diárias no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo. Considerando presentes os requisitos do artigo 44 do Estatuto Repressivo, substituo a pena carcerária de S. e C. por serviços à comunidade e prestação pecuniária consistente em doar um salário R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 125 mínimo mensal à entidade assistencial definida em sede de execução, durante o prazo da condenação. Diante do exposto, nego provimento ao apelo ministerial e dou parcial provimento aos apelos dos réus para reduzir as penas carcerárias, bem como determinar sua substituição por restritivas de direitos, consoante explicitado. APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.04.01.015914-9/RS Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti Apelantes: M. L. C. J. S. Q. M. Advogado: Dr. Dagoberto Mendes Apelado: Ministério Público Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle EMENTA Estelionato. Benefícios previdenciários. Prestação periódica. Natureza permanente. Termo inicial da prescrição. Septuagenário. Tratando-se de estelionato de rendas mensais, que dura no tempo, há permanência na consumação (delito eventualmente permanente), devendo o termo inicial da prescrição contar-se da cessação da permanência. Transitada em julgado a sentença para a acusação, regula-se a prescrição pela pena em concreto. E se a pena foi fixada definitivamente em um ano e quatro meses, prescreve a pretensão punitiva em quatro anos, nos termos do art. 109, V, do CP. Se a ré era, na data da sentença, maior de setenta anos, contam-se os prazos da prescrição pela metade. (art. 115, CP) 126 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, declarar, de ofício, a extinção da punibilidade da acusada M. L. C. e negar provimento ao apelo do réu J. S. Q. M., nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 08 de abril de 2002. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti: Trata-se de apelações contra a sentença que condenou M. L. C. e J. S. Q. M. ao cumprimento das penas de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime aberto, pela prática do delito capitulado no art. 171, § 3º, c/c o art. 29, ambos do Código Penal, e multa de cada um em 10 (dez) diasmulta, correspondendo cada dia-multa a um trigésimo (1/30) do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato. Deferiu aos réus a substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos, consistente na prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, através de trabalho gratuito em entidade conveniada com o juízo. O benefício previdenciário foi obtido, segundo a denúncia, em 06.01.92, tendo a denúncia sido recebida em 28.07.97. A sentença foi proferida em 02.09.99. Recorrem os réus, sustentando que a culpabilidade e a consciência da ilicitude não restaram provadas nos autos. Os réus, pessoas analfabetas, foram induzidos em erro quando da campanha eleitoral, pois assinaram os documentos para a aposentadoria da ré M. L. C. em um Comitê Eleitoral, onde prometiam aos seus correligionários o benefício junto ao INSS. Por fim, dizem que os réus não confessaram a autoria, mas apenas narraram como realmente se passaram os fatos. Com as contra-razões, subiram os autos. O Ministério Público Federal perante esta Corte opinou pela prescrição retroativa da pretensão punitiva, prejudicado o mérito do recurso. É o relatório. À douta revisão. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 127 VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti: Muito embora já tenha entendido de forma diversa, terminei convencido de que “a prática de fraude para obtenção de benefícios previdenciários de forma sucessiva, com recebimento de prestações periódicas, indica natureza permanente de ação delituosa, devendo o termo inicial da prescrição contar-se da cessação da permanência, ou seja, da data da interrupção do recebimento das prestações”. (STJ, RHC nº 10052/SP, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 5ª T., DJ 06.11.2000) É que, “no crime permanente, a ação é contínua, indivisível. O estado violador da lei se prolonga sem intervalos, numa duração, digamos assim, sem colapsos e sem limites, e a qualquer momento o crime está sendo cometido, porque esse ininterrupto estado antijurídico é que é, exatamente, o crime. A prescrição, portanto, há de correr de quando cessa a permanência da ação (Aloysio de Carvalho Filho, Com. ao Código Penal, vol. IV/315, Forense, 1944)”. (Alberto Silva Franco, CP e sua Interpretação Jurisprudencial, vol. 1, Tomo I, pág. 1.734, ed. RT) Na mesma linha, a lição do Ministro José Arnaldo da Fonseca, in verbis: “tratando-se de estelionato de rendas mensais, que dura no tempo, há permanência na consumação (delito eventualmente permanente), devendo o termo inicial da prescrição contar-se da cessação da permanência (art. 111, III, do CP)”. (HC nº 12.214/SC, DJ de 07.08.2000) E como já ensinava o Ministro Assis Toledo, no extinto Tribunal Federal de Recursos, em voto proferido na ACR 7.625-RJ, “o Código Penal, no art. 14, define o crime consumado como sendo aquele no qual se reúnem todos os elementos de sua definição legal. O estelionato, em sua definição legal (art. 171), contém como elemento essencial o ‘prejuízo alheio’. Isso significa que a consumação do estelionato se dá com a ocorrência desse elemento material – o prejuízo alheio. Tal prejuízo pode ocorrer de modo instantâneo, quando o agente obtém de uma só vez a vantagem ilícita, ou de modo permanente, quando o agente obtém, através de uma única fraude (uma única ação fraudulenta), prestações periódicas, sucessivas, como ocorre no caso destes autos: obteve o agente, por meio fraudulento, a concessão de benefício previdenciário; esse benefício produziu, como resultado, um prejuízo que se subdividiu, ao longo do tempo, em prestações periódicas, sucessivas, pagas mensalmente. Não era necessário que o agente reiterasse a ação fraudulenta a cada nova percepção da vantagem ilícita; bastava-lhe manter a situação ilícita já instalada e receber os seus frutos mensalmente o que de fato fez. Isso caracteriza, a meu ver, uma das modalidades do denominado delito permanente que, segundo tive a oportunidade de salientar, tem o 128 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 seu momento consumativo em ‘uma situação duradoura, cujo início não coincide com o de sua cessação’.” (Princípios Básicos de Direito Penal, Saraiva, 3ª ed., p. 135) Note-se que, no caso em exame, a consumação do crime – e só ela –, consistente no prejuízo alheio, perdurou no tempo, a cada nova percepção da vantagem indevida. A doutrina apóia esse entendimento. Segundo Maggiore, a permanência pode ser necessária ou eventual. É necessária quando o prolongamento da ação está previsto na própria lei como elemento essencial do crime (ex.: quadrilha, seqüestro etc.). É eventual quando o crime, tipicamente instantâneo, se prolonga em algum aspecto indefinidamente. (ex.: relação incestuosa, adulterina etc.) Creio que melhor exemplo de delito eventualmente permanente temo-lo nestes autos, onde se dá notícia de um autêntico “estelionato de prestações periódicas”, “o estelionato de rendas” dos alemães cuja prescrição começa “com o pagamento da última renda recebida”. (Jescheck, Tratado de Derecho Penal, 2º vol.) No caso vertente, muito embora o benefício tenha sido concedido em 06.01.92, houve recebimento indevido até 02/97, quando ele foi suspenso. Como a denúncia foi recebida em 28.07.97 e a sentença proferida em 02.09.99, não há falar em prescrição em relação ao réu J. S. Q. M., pois não se passaram quatro (4) anos, conforme artigo 109, V, do Código Penal. Entretanto, como a ré M. L. C., ao tempo da sentença, já era septuagenária, pois, segundo consta na Certidão de Casamento e CIC/ MF, nasceu no dia 05.01.29 (fls. 7 e 8), beneficia-se do disposto no artigo 115 do Código Penal. E como a sentença transitou em julgado para a acusação, passado-se mais de dois (2) anos entre o recebimento da denúncia e a sentença, efetivamente ocorreu a prescrição retroativa da pretensão punitiva da ação. (art. 110, §§ 1º e 2º, c/c art. 109, V, do Código Penal) No mérito, como bem fundamentou a decisão hostilizada, “a materialidade delitiva exsurge da representação das fls. 04/37. Os réus confessaram a autoria em juízo. M. L. C., na fl. 55, afirmou ter trabalhado em campanha dos doze aos sessenta anos de idade, mas nunca foi empregada de J. M. Pediu a este para que preenchesse o contrato de trabalho na CTPS como um favor, pois J. é casado com uma prima da interroganda. J., por seu turno (fl. 56), confirmou ter assinado a CTPS de M. para que esta pudesse aposentar-se, pois ela nunca lhe prestou qualquer serviço. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 129 (...) Como já visto acima, no caso vertente, estão caracterizados o emprego de meio fraudulento e o induzimento e, por certo tempo, a manutenção da vítima em erro. A vantagem patrimonial indevida em prejuízo do INSS está demonstrada nas fls. 31/33 dos autos.(...) Em alegações finais, a defesa sustentou a ausência de antijuridicidade na conduta dos réus, ante o consentimento da vítima e o induzimento dos denunciados à conduta delitiva por práticas eleitoreiras clientelistas.(...) Não é o que se verifica, pois os réus inseriram na CTPS da co-denunciada M. elementos que não correspondem à expressão da verdade, e a fraude foi apta a enganar a vítima, não se verificando nos autos o seu consentimento implícito com o fato. Quanto às práticas eleitoreiras, não ignora este juízo a circunstância de que a expectativa dos trabalhadores rurais em conseguir aposentadoria de maneira expedita foi utilizada como meio de captação de votos em época eleitoral. Trata-se de prática nefasta, pois emprega recursos públicos para iludir pessoas que, no mais das vezes, são ignorantes. Entretanto, um erro não legitima outros, mormente em casos como o dos autos, em que os réus admitiram a consciência e a vontade de praticar o ato ilícito. Por fim, também considero configurado o concurso de pessoas, nos termos do art. 29 do CP, já que restaram demonstrados a pluralidade de comportamentos, o nexo causal e o vínculo subjetivo entre os agentes”. A pena aplicada está bem dosada e a sua substituição, muito embora tenha sido por apenas uma restritiva de direitos, deve permanecer, ante a falta de recurso da acusação. Nessas condições, declaro, de ofício, a extinção da punibilidade da acusada M. L. C. pela ocorrência da prescrição e nego provimento ao apelo do réu J. S. Q. M., nos termos da fundamentação. É o voto. APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.04.01.019165-3/PR Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas Rel. p/Acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa Apelante: J. A. A. S. Advogado: Dr. Ulisses Silvio Gelbert 130 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Apelante: M. A. R. S. Advogado: Dr. Claudio Henrique Stoeberl Apelado: Ministério Público Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle EMENTA Penal. Tentativa de saque indevido dos valores depositados em conta vinculada ao FGTS. Estelionato tentado e uso de documento falso consumado. Suspensão condicional do processo. Descabimento. Crime impossível não-configurado. Inaplicabilidade do concurso formal de crimes. Inaplicabilidade da Súmula 17 do STJ. Consunção. Absorção do crime menos grave (estelionato tentado) pelo mais grave (falso). Dosimetria das penas. Substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos. Multa. 1. Incabível a suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/95, uma vez que os antecedentes e a conduta social dos acusados não demonstram que eles virão a cumprir as condições legais do sursis processual. 2. O fato de o benefício não ter sido concedido por providência prévia do gerente da Caixa Econômica Federal não configura crime impossível, de vez que apenas não retirados os valores por circunstâncias alheias à vontade dos réus, que empregaram todos os recursos necessários à comprovação de que possuíam os requisitos necessários para o saque. 3. No presente caso, é de ser aplicado o concurso aparente de normas penais e não o concurso formal de crimes. A diferença entre ambos está na qualidade do fato. No concurso aparente de normas, há a incidência de tipos com núcleos idênticos e somente com suas variações diversas e, por isso, se excluem, respeitando certos princípios que a lógica impõe. Ao passo que, no concurso ideal, o conteúdo nuclear dos tipos é diverso. Não há uma implicação necessária na linha causal, que faça subsumir-se um crime em outro, nem identidade de figura penal. 4. O princípio da consunção é aplicável quando uma conduta humana, em vez de realizar a descrição contida em diversos tipos penais que se excluem entre si, realiza o conteúdo de mais de um tipo penal não excludente, mas que, em virtude de uma conexão lógica e justa, deve ser considerado absorvido pelo outro. 5. O princípio de que lex consumens derogat legi consumptae incidirá 131 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 nos casos de exaurimento, ou seja, quando o ato posterior ao delito configura novo tipo, que fica absorvido. 6. Para que uma infração penal possa ser totalmente absorvida pela outra, devem estar preenchidos os seguintes requisitos: pluralidade de elementos subjetivos; inexistência de relação de necessariedade entre crime absorvido e o crime absorvente; o crime absorvido deve ser um meio ou um fim do intuito criminoso; o crime absorvido deve ser menos grave que o crime absorvente; ausência de exclusão legislativa da absorção. 7. Descartada a possibilidade de aplicação da absorção do delito de falso pelo crime do art. 171, § 3º, do CP e, conseqüentemente, da Súmula 17 do STJ, uma vez que o meio (falso) é superior ao fim (estelionato tentado). 8. Aplicável à espécie o princípio da consunção, sendo que o uso de documento público falso, tipificado no art. 304 do Código Penal, por consistir infração mais grave, deve absorver o tipo do estelionato tentado, de forma a justificar uma intervenção justa e proporcional do Direito Penal, uma vez que a realidade jurídica não pode manter-se inerte diante de um elemento supremo e absoluto da realidade. 9. Conforme entendimento desta Turma, o fato de os réus terem vários inquéritos policiais contra si instaurados configura maus antecedentes. 10. Havendo duas circunstâncias judiciais do art. 59 do CP desfavoráveis aos acusados, deve ser a pena-base fixada um pouco acima do mínimo legal. 11. Penas definitivas fixadas em 02 anos e 06 meses de reclusão, a serem cumpridas em regime aberto. 12. Ainda que os denunciados possuam maus antecedentes, cabível a substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos, as quais serão suficientes para a repressão da infração praticada. Assim, restam substituídas as penas corporais, conforme o § 2º do art. 44 do CP, por prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e por prestação pecuniária. 13. Tendo em vista o conjunto das circunstâncias judiciais em relação aos condenados, resta o número de dias-multa fixado em 30 para cada réu, mantidos os valores unitários arbitrados na sentença de primeiro grau. 14. Apelações parcialmente providas. 132 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, dar parcial provimento às apelações, vencido o Desembargador Federal Vladimir Freitas, que negava provimento às apelações e declarava, de ofício, a prescrição da pretensão punitiva, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Lavrará o acórdão o Desembargador Federal Fábio Bittencourt da Rosa. Porto Alegre, 25 de junho de 2002. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa, Relator p/Acórdão. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas: J. A. A. S. e M. A. R. S. foram denunciados pelo Ministério Público Federal, como incursos nas sanções dos artigos 171, caput, c/c seu § 3º, e 304, e esta última ainda nas sanções do art. 71, todos do CP, perante a 3ª Vara Federal de Curitiba/PR. Narra a denúncia que os acusados, de comum e prévio acordo, em 26.11.96, utilizaram documentos falsos (CTPS, carteira de identidade, comprovante de pagamento de FGTS, pedido de alteração de cadastro em conta vinculada, solicitação de saque em conta inativa) perante a Caixa Econômica Federal, agência Bigorrilho, em Curitiba/PR, a fim de sacar R$ 723,09 da conta do FGTS de titularidade de Josiane Aparecida de Oliveira. Face à desconfiança quanto à autenticidade dos documentos, foram encaminhados à Gerência-Geral, atribuindo-se M. A. R. S. identidade falsa, passando-se por Josiane. Ao verificar se esta possuía direito ao saque, obteve-se informação que ela residia em Limeira/SP, estando a gozar de licença-maternidade, razão pela qual foram presos em flagrante, antes de obter a vantagem ilícita. Perante a autoridade policial, relataram que os documentos falsos eram advindos de mulher não-identificada, mediante o pagamento da quantia de R$ 200,00. A denúncia foi recebida em 29.09.97 (fl. 05). Devidamente citados (fls. 18 e 65), foram os réus interrogados (fls. 26/28 e 68/70). Após regular instrução, com a oitiva de 4 testemunhas, todas de acusação (fls. 105/112 e 126/127), foi indeferida a oitiva das testemunhas arroladas pela defesa de M. A. R. S. (fl. 119) e aberto, mas nada requerido no prazo do art. 499 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 133 do CPP. Ofereceram, então, as partes suas alegações finais, tanto o órgão ministerial (fls. 160/161) como a defesa (fls. 163/165 e 176/187). Em 06.07.99, foi publicada a sentença (fls. 189/209), condenando os réus J. A. A. S. e M. A. R. S. às penas de 2 anos e 4 meses de reclusão e multa, com fulcro nos artigos 171, c/c § 3º, e 14, II, do CP. As defesas interpuseram apelações. Em suas razões, a de J. A. A. S.(fls. 220/223) alega que o crime de estelionato absorve o crime de uso de documento falso, inexistindo o concurso de crimes. Infere a verificação de crime impossível, visto que o meio utilizado pelos agentes era absolutamente ineficaz à prática delituosa. A de M. A. R. S., a seu turno (fls. 229/234), inferindo a necessidade de suspensão condicional do processo, visto que preenchidos os requisitos do art. 89 da Lei 9.099/95, comprovada a inexistência de Inquérito Policial em andamento e tampouco condenação anterior. Repisa a existência de crime impossível, não havendo ofensa ao bem jurídico, pois os funcionários da CEF possuíam conhecimento prévio da tentativa de retirada do FGTS pelos réus. Em suas contra-razões, o Ministério Público Federal sustentou a necessidade de manutenção da sentença recorrida. (fls. 241/244) Oficiando perante esta Corte, a Procuradoria Regional da República, em seu parecer, opinou (fls. 248/251) pelo improvimento dos recursos. É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas: Trata-se de Apelações Criminais interpostas pelas defesas, ante a sentença que condenou os réus J. A. A. S. e M. A. R. S. às penas de 2 anos e 4 meses de reclusão e multa, com fulcro nos artigos 171, c/c § 3º, e 14, II, do CP. O Apelo de J. A. A. S. sustenta que o estelionato absorve o crime de uso de documento falso, inexistindo o concurso de crimes. Infere a verificação de crime impossível, visto que o meio utilizado pelos agentes era absolutamente ineficaz à prática delituosa. O de M. A. R. S. aduz a necessidade de suspensão condicional do processo, visto que comprovada a inexistência de Inquérito Policial em andamento e tampouco de condenação anterior. Repisa a existência de crime impossível, não havendo ofensa ao bem jurídico, pois os funcionários 134 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 da CEF possuíam conhecimento prévio da tentativa de retirada do FGTS pelos réus. Preliminarmente, segundo as disposições do art. 89 da Lei nº 9.099/95, é cabível a suspensão do processo nas hipóteses em que a pena mínima cominada ao crime for igual ou inferior a um ano, devendo ela ser proposta se o réu não estiver sendo processado ou não for reincidente, e as operadoras do artigo 59 do CP indicarem ser necessário e suficiente o sursis processual. Cumpridos tais requisitos, o réu receberá o benefício de que trata o dispositivo. No caso em tela, contudo, apesar de a pena mínima cominada ao crime de estelionato ser de 1 ano (art. 171 do CP), mesmo desconsiderando-se o aumento do § 3º desse dispositivo, os documentos de fls. 134/138, 141, 144 e 150/152 demonstram que os réus possuem antecedentes, ainda que não possam ser considerados reincidentes, evidenciando que desfavoráveis as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP. Ademais, M. A. R. S. ausentou-se, injustificadamente, de sua residência, mesmo havendo sido advertida (fl. 42 dos autos em apenso) a não fazê-lo, havendo referido que viajava para Cananéia, em São Paulo, aos finais de semana, para venda de roupas que confeccionava durante a semana em Curitiba, havendo igualmente viajado para Guarapuava/PR, ali permanecendo por uma semana, por problemas de apendicite, havendo inclusive sido internada por quatro ou cinco dias no Hospital Santa Teresa (fls. 69/70). Essas circunstâncias revelam sua falta de interesse para com o feito em que se viu envolvida, reputando-se, acertadamente, que a Apelante não possui conduta social que assegure o cumprimento das condições legais da suspensão condicional do processo, principalmente no que concerne ao seu comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, de que trata o art. 89, § 1º, IV, da Lei dos Juizados Especiais. Nesse contexto, acertada a decisão monocrática que deixou de conceder-lhes o benefício. (fl. 200) Os réus confessaram a autoria delitiva, buscando suas defesas afastar a condenação com base nas teses de crime impossível e de absorção do crime de uso de documento falso pelo crime de estelionato. Quanto à alegação de crime impossível, há que se salientar que nem o meio era absolutamente inidôneo, ineficaz e nem o objeto era impróprio. Nosso Código Penal adota a Teoria Objetiva Temperada, no que concerne ao crime impossível, que exige absoluta inidoneidade para R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 135 que este se configure. A apresentação de documentos forjados como se verdadeiros fossem e a assunção de identidade falsa, a fim de proceder ao saque do FGTS, denotam um meio eivado de eficácia. Não estava o documento grosseiramente falsificado, tanto que a funcionária da Caixa que atendeu aos Apelantes nada notou acerca de sua apresentação formal (fl. 110). No mesmo contexto, os documentos apresentados eram os hábeis a propiciar, mediante sua verificação, a retirada do benefício, ou seja, a carteira de identidade, a de trabalho e a assinatura do titular da conta, consistindo, portanto, em objetos próprios para a caracterização do crime, pois, preenchidos os ditames legais, a comprovação, via tais documentos, legitima o requerente a retirar os valores depositados na conta vinculada ao fundo. O fato de o benefício não haver sido concedido por providência prévia do gerente não configura crime impossível, de vez que apenas não retirados os valores, por circunstâncias alheias à vontade dos réus, que empregaram todos os recursos necessários à comprovação de que possuíam os requisitos necessários para o saque. Para o reconhecimento da excludente de tipicidade é necessário o emprego de meios absolutamente ineficazes ou o ataque a objetos impróprios, tornando inviável o resultado. Na espécie, há ineficácia relativa do meio empregado, e não absoluta. Os apelantes iniciaram o intento criminoso, não o consumando por circunstâncias estranhas a sua vontade, qual seja, a cautela do ofendido ao verificar que não se faziam presentes os requisitos autorizadores do saque. Era, pois, eficaz o meio para enganar a vítima, idôneo à consumação, só abortada por diligência da empresa pública. Não há, então, que se falar em crime impossível, ante a circunstância de não ter o agente conseguido levar avante seu intento. A tentativa não implica ocorrência de crime impossível. As decisões colacionadas refletem tal entendimento: “EMBARGOS INFRINGENTES – ESTELIONATO – TENTATIVA E CRIME IMPOSSÍVEL – DELITO QUE SÓ NÃO SE CONSUMOU PELA CAUTELA DA VÍTIMA – IDONEIDADE DO OBJETO – RECURSO IMPROVIDO – Se a vítima não desconfiou, de plano, do golpe pretendido pelo agente, cujo delito só não se consumou porque aquela foi extremamente cautelosa, configura-se a tentativa, e não o crime impossível. (TJMS – EI 2000.002516-0 – S.Crim. – Rel. Des. João Carlos Brandes Garcia – J. 18.12.2000); 136 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 ESTELIONATO – UTILIZAÇÃO DE MEIO SUFICIENTE PARA LUDIBRIAR O HOMEM MÉDIO – CRIME IMPOSSÍVEL – INOCORRÊNCIA – TENTATIVA – CONFIGURAÇÃO – Crime impossível. Meio empregado suficiente para ludibriar o homem médio. Configuração. Inadmissibilidade. – Se foram utilizados, sem êxito, meios suficientes para ludibriar o homem médio, a hipótese é de tentativa de estelionato. O crime impossível somente ocorre se o meio empregado pelo agente é absolutamente ineficaz ou se o objeto visado é de impropriedade absoluta.”. (TACRIMSP – AP 1.019.661 – 1ª C – Rel. Juiz Luís Ganzerla – J. 06.03.97) O agir dos agentes não estava, desde o início, fadado ao insucesso, já que os documentos apresentados possuíam condições para dar sustentáculo ao fim colimado, apenas não se consumando, pois que abortado com a ação da gerência da Caixa, ocorrendo, assim, tentativa punível, não se havendo como falar em crime impossível ante a circunstância de não ter o agente conseguido levar avante seu intento. De vez que a vítima não desconfiou, de plano, do golpe pretendido pelos agentes, cujo delito só não se consumou porque o gerente foi extremamente zeloso, configura-se a tentativa, e não o crime impossível. Iniciada a execução, mantendo-se em erro a CEF, não sabedora do intuito delitivo, caracteriza-se o crime como o emprego de artifícios ou ardil, na sua forma tentada, visto que não obtido o benefício. A incidência do aumento do § 3º do art. 171 do CP também é tranqüila. Nos termos da majorante, será ela aplicada se o crime for cometido em detrimento de entidade de direito público. Não se cogita da existência de lesão patrimonial junto à entidade de economia popular. Dirigindo-se a conduta contra tal sujeito passivo, verifica-se a hipótese do inciso, pois patente a tentativa de buscar junto à empresa pública federal os valores depositados na conta vinculada do FGTS, em prejuízo do erário público, por parte de pessoa que não satisfazia as condições para o respectivo saque, ao menos na forma como a documentação fora apresentada. Quanto à absorção do crime subsumido no art. 304 pelo crime do art. 171, ambos do CP, assiste razão aos Recorrentes. Nos termos da Súmula nº 17 do STJ, quando o uso de documento falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido. A contrario sensu, admite-se que haverá concurso formal de crimes se a falsificação tiver potencialidade para prática de outros crimes, o que não é o caso dos autos, em que a falsificação das carteiras R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 137 de identidade e de trabalho, bem como o comprovante de pagamento do FGTS, o pedido de alteração de cadastro em conta vinculada e a solicitação de saque em conta inativa foram utilizados para o fim exclusivo de levantamento das contas em que depositado o FGTS. O uso desses documentos deu-se com único e privativo intento de constituir o meio fraudulento para iludir as vítimas e obter as vantagens ilícitas, ocorrendo a absorção desse crime pelo estelionato. Não se nega, pois, que tenham os réus praticado o crime subsumido no art. 304 do CP. Contudo, fica este absorvido pelo crime mais grave, estelionato, tendo em conta que aqueles foram utilizados como meio para o delito-fim. As decisões colacionadas reforçam esse entendimento: “APELAÇÃO CRIMINAL – ESTELIONATO E FALSIDADE DE DOCUMENTO PARTICULAR – CONCURSO MATERIAL – CUMULAÇÃO INVIÁVEL EM RAZÃO DO FALSO CONSTITUIR-SE EM MEIO PREPARATÓRIO PARA O ESTELIONATO – ABSORÇÃO DO CRIME-MEIO PELO CRIME-FIM – APELO PROVIDO EM PARTE PARA EXCLUIR DA CONDENAÇÃO O DELITO DO ART. 298 DO CÓDIGO PENAL – Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido. Inteligência e aplicação da Súmula 17 do Colendo STJ.”. (TJMT – ACr 2.688/98 – Classe I – 14 – Alta Floresta – 2ª C.Crim. – Rel. Des. Antônio Bitar Filho – J. 22.04.98) “ESTELIONATO – FALSIDADE DOCUMENTAL – ABSORÇÃO DE UM CRIME POR OUTRO – Apelação criminal. Crime contra a fé pública. Falsidade documental. Preliminar de nulidade da sentença inconsistente. Prova idônea e suficiente para embasar o Juízo de reprovação da conduta ilícita. O falso, como crime-meio, é absorvido pelo estelionato. Parcial provimento do recurso. I- Referindo-se o Juiz, no relatório da sentença, às alegações finais da acusação e defesa, e motivando suas razões de decidir com apreciação das alegações da defesa, sem fazer menção expressa a esta, não há nulidade da sentença. Sentença nula é a não motivada. II- Constituindo o falso o meio de que se utilizou o agente para a obtenção do benefício patrimonial (fim visado pelo agente), prevalece o crime de estelionato, com a absorção do falsum, não se aplicando o princípio majus absorbet minorem.”. (RC) (TJRJ – ACr 1276/94 – (Reg. 260795) – Cód. 94.050.01276 – Niterói – 1ª C.Crim. – Rel. Des. José Carlos Watzl – J. 23.05.95) “ESTELIONATO – Mediante falsidade (arts. 171, § 3º, e 299 do CP). Prescrição. Termo inicial de sua contagem. Se o falso é crime-meio para a prática do estelionato, em que se exaure, é por ele absorvido. O lapso prescricional, no entanto, só se inicia quando, descoberta a falsidade, cessa a obtenção da vantagem ilícita (art. 109, III, do CP).” (TRF 4ª R. – HC 1998.04.01.014559-2 – SC – 1ª T – Rel. Juiz Antônio Albino Ramos de Oliveira – DJU 08.07.98) Não se pode considerar lesiva a conduta que num futuro possa vir 138 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 a configurar crime, porque daí estaremos a incriminar o risco de dano. Se não verificada lesão efetiva ao bem jurídico tutelado, não há por que considerar a autonomia do crime de uso de documento falso em relação ao crime de estelionato, devendo ser afastado, por conseguinte, o concurso formal considerado. Por outro lado, se o agente falsifica outros documentos não utilizados no estelionato, dá-se o concurso, com punição autônoma para a falsidade. No caso dos autos, os documentos utilizados o foram com a intenção de perpetrar o crime do art. 171 do CP, razão pela qual, na melhor interpretação da Súmula 17 do C. STJ, fica por este absorvido. Diante de tais circunstâncias, a dosagem da pena aplicada deve ser redimensionada, eis que ausente o concurso formal, face à absolvição do crime de uso de documento falso. Aplicando-se o critério trifásico e individualizando as penas, considero acertadas as penas-base aplicadas, bem assim a atenuante do art. 65, III, do CP, a causa de aumento do § 3º do art. 171 e a diminuição máxima de 2/3 face à tentativa (art. 14, II, do CP). Há apenas que ser desconsiderado o concurso com o crime do art. 304 e a pena de multa, razão pela qual bem arbitrada a reprimenda em 5 meses e 10 dias de reclusão para ambos os réus. Quanto à pena de multa, face às circunstâncias do art. 59 do CP, fica arbitrada em 10 dias-multa, para ambos os réus, na razão de ¼ do salário mínimo vigente à data dos fatos, em valor a ser devidamente atualizado, face às condições econômicas dos réus. Pelo apenamento, possuem os réus direito à substituição das penas privativas de liberdade pela pena restritiva de direito. No caso dos autos, considero mais eficaz a aplicação do art. 44, § 2º, em comparação ao art. 60, § 2º, do mesmo diploma legal, mesmo havendo a pena sido definitivamente fixada em patamar inferior a 6 meses. Substituo-as, pois, pela prestação de serviços à comunidade, na forma a ser definida pelo juízo da execução. Mas, depois de tudo, forçoso é reconhecer-se a incidência da prescrição da pretensão punitiva. Compulsando os autos, verifico que, com o novo apenamento, de 5 anos e 10 dias, a prescrição consuma-se, diante do inciso VI do art. 109 do CP, em 2 anos. Tendo em vista que a data da sentença remonta a 06.07.99 (fl. 210) e de tal referência até hoje já transcorreram-se, entre R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 139 os dois lapsos temporais, mais de 2 anos (CP, arts. 107, IV, e 109, VI, c.c art. 110, § 1º), imperiosa é a declaração da extinção da punibilidade pela pena aplicada. Em face do exposto, nego provimento aos recursos e, de ofício, declaro a prescrição da pretensão punitiva, no que se refere a ambos os réus. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa: No tocante às alegações referentes ao crime impossível e à necessidade de suspensão condicional do processo, acompanho integralmente o voto do eminente relator. Entretanto, no que tange ao enquadramento da conduta praticada pelos denunciados, meu posicionamento é divergente, pelas razões especificadas a seguir. O caso em tela efetivamente reclama a aplicação do chamado concurso aparente de normas, cuja formulação teórica representa uma conquista do processo civilizatório do Direito Penal, na medida em que proporciona uma aplicação da pena mais razoável em relação ao crime efetivamente praticado. Sobre o tema, assim leciona Luiz Regis Prado: “O concurso aparente de leis penais (segundo alguns, concurso ideal impróprio, concurso aparente de tipos), diz respeito à interpretação e aplicação da lei penal. Verifica-se na situação em que várias leis são aparentemente aplicáveis a um mesmo fato, mas, na realidade, apenas uma tem incidência. Sendo assim, não há verdadeiramente concurso ou conflito, mas tão-somente aparência de concurso, visto que existe transgressão real de apenas uma lei penal, o que dá lugar também a um único delito. Com base em alguns princípios ou critérios elaborados pela doutrina, aplica-se exclusivamente uma norma penal, com o afastamento de todas as demais, já que suficiente para esgotar o total conteúdo de injusto da conduta. A propósito, Beling conceituou o conflito aparente de leis como a ‘relação que medeia entre duas leis penais, pela qual, enquanto uma é excluída, a outra é aplicada.’ ”. (Curso de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral, 2ª ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 130) Fala-se em concurso aparente de normas toda vez que uma conduta humana realizar a descrição contida em mais de um tipo penal, mas, não obstante nem todos eles tenham incidência, seja em razão da inexistência abstrata de um plus em uma das normas, seja porque uma das normas foi concretizada conscientemente como meio para a realização de outro fim, posterior ou anterior a ela. 140 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Como no concurso ideal de crimes, o chamado conflito aparente de normas penais, que Wessels chama de “concurso impróprio” (Direito Penal – Parte Geral, p. 179), acontece quando uma ação se subsume no conteúdo de dois ou mais tipos. Tais crimes podem coexistir numa lei ou em leis diferentes. Ocorre que o reflexo de um comportamento faz colorir várias condutas típicas, simultaneamente. Costa Júnior, analisando as afinidades e diferenças existentes entre o concurso aparente e o concurso formal (ideal de crimes), assim esclarece: “Em ambos há um único fato e uma pluralidade de normas. No concurso formal, entretanto, todas as normas concorrentes são aplicáveis; ao passo que no concurso de normas, quando uma delas é aplicada, todas as demais são descartadas. Por isso, o concurso de normas é chamado aparente, já que, em realidade, uma só norma irá regular a espécie fática. Aparentemente, várias delas disputam a regência do fato. Diante da harmonia do ordenamento jurídico, porém, não se concebe a pluralidade normativa diante da unidade fática.”. (COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito Penal – curso completo. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 236) Porém, a diferença entre o concurso formal e o de leis está na qualidade do fato. No concurso aparente de normas, há a incidência de tipos com núcleos idênticos e somente com suas variações diversas e, por isso, se excluem, respeitando certos princípios que a lógica impõe. Ao passo que, no concurso ideal, o conteúdo nuclear dos tipos é diverso. Por exemplo: o dano e a lesão corporal, quando alguém fere outrem com uma pedrada, que vai destruir o vidro de uma vitrine. Não há uma implicação necessária, na linha causal, que faça subsumir-se um crime em outro, nem identidade de figura penal. Refere Nelson Hungria: “Ou o fato, apesar de unitário no seu processo material, é idealmente fragmentável, de modo que, considerando em suas partes, representa violação concomitante de normas distintas e autônomas (concurso formal de crime), e então não há falar-se em conflito, pois todas as normas violadas tem aplicação simultânea (embora unificadas as penas segundo o chamado ‘cúmulo jurídico’); ou o fato incide sob várias normas, mas estas apresentam entre si uma tal relação de dependência ou hierarquia, que só uma delas é aplicável, ficando excluídas ou absorvidas as outras.”. (Comentários ao Código Penal, pp. 118/119) Luiz Jimenez de Asúa cita Grispigni: “Tanto no concurso aparente como no concurso formal, um mesmo fato está conforme com dois tipos legais. No entanto, enquanto no concurso aparente as diversas partes do fato correspondente aos dois tipos legais são as mesmas, no concurso formal uma parte R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 141 do fato corresponde igualmente aos tipos legais, e as outras partes do fato se conformam, uma a um tipo legal e a outra a outro. Quer dizer, no concurso formal as duas disposições tomam em consideração uma mesma parte do fato, e, além disso, cada uma distinta parte do fato mesmo.”. (Tratado de Direito Penal, tomo II, pp. 540/514) Diz-se que o conflito é aparente, porque, na verdade, apenas uma lei será aplicável por força dos princípios, que orientam sua incidência. Esses princípios funcionam como fator eletivo sobre a aplicação ao fato de uma norma com a exclusão da outra. Novamente citamos o saudoso Hungria: “O direito penal não constituiria um sistema ou deixaria de ser uma unidade coordenada e harmônica, se as suas normas pudessem entrar em efetivo conflito. Não é admissível que duas ou mais leis penais ou dois ou mais dispositivos da mesma lei penal se disputem, com igual autoridade, exclusiva aplicação ao mesmo fato. Para evitar a perplexidade ou a intolerável solução pelo bis in idem, o Direito Penal (como o Direito em geral) dispõe de regras, explícitas ou implícitas, que previnem a possibilidade de competições em seu seio.” (Obra citada, p. 118) A teoria do concurso aparente de normas decorre, portanto, da inadequação da repressão penal a um dado fato da realidade, decorrente da conjugação de elementos típicos que, isoladamente, são tipos penais autônomos, mas que, em determinadas circunstâncias, representam uma única ação final. Os fatores final e normativo são apresentados pela doutrina como capazes de distinguir a unidade da pluralidade de delitos. Muñoz Conde (Teoria Geral do Delito, 1987, p. 216 e 217) explica que o fator final é a vontade que rege e dá sentido a uma pluralidade de atos físicos isolados (plano de ação único) e que o fator normativo deve ser deduzido através do processo hermenêutico em relação a cada tipo penal. Zaffaroni arrola como um dos casos distintos de consideração típica unitária da pluralidade de movimentos voluntários com plano comum a seguinte hipótese: “d) quando o segundo tipo se realiza como uma forma de exaurimento do primeiro, porque embora não se exija no tipo a finalidade de realizar o segundo, sua relevante possibilidade ou perigo, por si ou por outro, é presumida. Isso é o que acontece no caso da falsificação e ulterior circulação de moeda, da falsificação de documentos e do estelionato, com o uso do documento adulterado, o porte de arma proibida e a sua ulterior utilização no cometimento de um delito.” (PIERANGELLI, José Henrique e ZAFFARONI, Raúl Eugenio. Manual de Direito Penal Brasileiro – parte geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 724) A solução do concurso aparente de normas se utiliza de diversos 142 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 princípios, assim resumidos por Muñoz Conde: “O problema do concurso é, na prática, fundamentalmente, um problema de fixação da pena, pois os preceitos que o disciplinam figuram entre as regras de aplicação desta. Diante do problema, o legislador tem várias opções: princípio da acumulação, pelo qual a pena de cada delito é fixada separadamente e depois somada; princípio da absorção, pelo qual só se impõe a pena correspondente ao delito mais grave; princípio da exasperação, pelo qual se impõe a pena mais grave em seu grau máximo; princípio da combinação, pelo qual se reúnem em uma só pena as penas distintas aplicáveis; princípio da pena unitária, pelo qual se impõe uma única pena, sem consideração do número de infrações delitivas.” (CONDE, Francisco Muñoz. Teoria Geral do Delito – Tradução de Juarez Tavares e Luiz Regis Prado. Porto Alegre: 1988, p. 219) Em que pese o art. 5º do Anteprojeto Hungria, sintetizando as sugestões da maior parte da doutrina, ter apontado três princípios para dirimir conflitos decorrentes do concurso aparente de normas penais (princípio da especialidade, princípio da subsidiariedade e princípio da consunção), o sistema de nosso Código Penal adotou apenas o princípio da especialidade no seu art. 12, de modo que a solução do conflito aparente de normas deve ser feita pelo julgador de modo a atender à razoabilidade necessária na aplicação da pena. Em relação aos crimes de falsidade e estelionato, a solução do concurso aparente de normas penais recorre ao princípio da consunção, assim definido pela doutrina: “Verifica-se este caso quando um fato (ou seja, um tipo penal) não está necessariamente compreendido em um outro, mas concorre regular e tipicamente no cometimento deste outro, de maneira que seu conteúdo de injusto e o de culpabilidade são abrangidos e consumidos pela forma mais grave de delito.”. (WESSELS, Johannes. Direito penal (aspectos fundamentais) – Tradução do original alemão e notas por Juarez Tavares. Porto Alegre: Fabris, 1976, p. 180) “Consunción: el contenido de injusto de un tipo comprende típicamente también el contenido de injusto de otro, de modo que la punición por el hecho acompañante es compensada por la del hecho principal...”. (WELZEL, Hans. Derecho Penal – Parte General. Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1956, p. 229) “Pelo princípio da consunção, ou absorção, a norma definidora de um crime constitui meio necessário ou fase normal de preparação ou execução de outro crime. Em termos bem esquemáticos, há consunção quando o fato previsto em determinada norma é compreendido em outra, mais abrangente, aplicando-se somente esta. Na relação consuntiva, os fatos não se apresentam em relação de gênero e espécie, mas de minus e plus, de continente e conteúdo, de todo e parte, de inteiro e fração.”. (BITTENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 143 1997, p. 160) Concordo parcialmente com Von Hippel, quando refere: “que o princípio da consunção não tem substantividade própria e distinta do de especialidade e subsidiariedade, porque os casos que envolve podem todos enquadrarse em um ou outro desses critérios”. (Luiz Jimenez de Asúa, Instituições de Direito Penal, vol. I, tomo II, p. 558) Os exemplos trazidos à colação pelos autores, em regra, para confirmar o princípio da consunção, devem ser resolvidos à luz da especialidade ou da subsidiariedade. Reporta-se Asúa à tentativa-consumação, cumplicidade-conduta de autor, casos de progressão delitiva, delito complexo. O princípio de que lex consumens derogat legi consumptae, todavia, incidirá nos casos de exaurimento, ou seja, quando o ato posterior ao delito configura novo tipo que, segundo certos autores, fica absorvido. O exemplo mais comum é o do ladrão que vende a coisa furtada, iludindo o terceiro de boa-fé. O estelionato seria o esgotamento do furto e, por isso, restaria consumido naquele. Sobre esse assunto, vejase exaustivo estudo de Luiz Jimenez de Asúa. (Obra citada, pp. 574 e seguintes) Creio que se faz necessário esclarecer que a consunção em relação ao antecedente se confunde com a subsidiariedade. Nesse sentido, o crime-meio estaria consumido pelo crime-fim. Em verdade, a progressão ínsita no crime-meio faz com que permaneça subsidiário ao crime-fim. A consunção referentemente ao conseqüente é que há de ser reconhecida. Quer dizer, se o crime que caracteriza o exaurimento deve ficar consumido pelo principal aí, então, estaremos diante da regra que resolve o conflito aparente pela consunção. Não é aceitável confundir-se consunção do antecedente com subsidiariedade, porque prevalece este último princípio. Em síntese, o princípio da consunção é aplicável quando uma conduta humana, em vez de realizar a descrição contida em diversos tipos penais que se excluem entre si, realiza o conteúdo de mais de um tipo penal não-excludente, mas que, em virtude de uma conexão lógica e justa, deve ser considerado absorvido pelo outro. Ocorre que, para que uma infração penal possa ser totalmente absorvida pela outra, certos requisitos devem estar preenchidos. São eles: 144 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 a) pluralidade de elementos subjetivos: a absorção decorrente da aplicação do princípio da consunção só ocorre quando o elemento subjetivo do agente abranja todos os tipos penais realizados; b) inexistência de relação de necessariedade entre crime absorvido e crime absorvente: isso porque, do contrário, estaremos diante de um crime complexo, que se forma pela adesão de um tipo penal autônomo a outro tipo penal, seja para a formação de um terceiro, seja para constituir um deles; c) o crime absorvido deve ser um meio ou um fim do intuito criminoso: a ausência de necessariedade não afasta a exigência de que o crime absorvido seja, ou um crime-meio em relação ao crime-fim (ante-fato impunível), ou um simples exaurimento do intuito criminoso (pós-fato impunível); d) o crime absorvido deve ser menos grave que o crime absorvente: justamente por ser um critério de legitimação externa, o princípio da consunção pressupõe, como solução justa, que o crime absorvido seja de menor gravidade que o crime absorvente. Admite-se também a absorção quando os delitos são de igual gravidade; e) ausência de exclusão legislativa da absorção: não pode ser caso em que o legislador, expressamente, impôs o concurso real de crimes. (como ocorre no art. 1º, § 2º, da Lei nº 9.437/97, em que o delito de contrabando ou descaminho não resta absorvido pelo porte ilegal de arma de uso proibido ou restrito) O tipo penal do estelionato prevê no seu enunciado a utilização de meio fraudulento como um dos elementos integrantes do mesmo. A solução do conflito aparente de normas a partir da aplicação do princípio da consunção em relação ao crime de falsidade ideológica parece ser uma decorrência lógica face à estreita relação do chamado crime-meio (falsidade) em relação ao crime-fim (estelionato), uma vez que existe além do fator normativo – previsão da conduta típica do crime-meio no crime-fim – o fator final, ou seja, no plano subjetivo dos apelantes a prática da primeira conduta delitiva constituiu-se em uma etapa inicial para a consumação do crime efetivamente almejado. No entanto, a consumação do estelionato, através da falsidade documental, introduziu grandes controvérsias na doutrina e na jurisprudência. A problemática foi apresentada em sintético trabalho da R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 145 lavra do promotor paulista Valdir Sznick, em que esboça as principais posições a respeito. (“Falso e Estelionato e o Conflito Aparente de Normas”, in Atualidades Forenses nº 23, p. 13) Apontam alguns a solução do concurso material ou formal entre a falsidade e o artigo 171 (como fez o ilustre magistrado a quo). Outros, a prevalência ora de um ora de outro crime, que fica subsumido. Seria, assim, uma questão a ser resolvida segundo critérios do concurso aparente de normas. Considerando ser o falso um dos possíveis meios fraudulentos para prática do embuste, por muito tempo defendi a subsunção do estelionato, consumindo-se aquele outro tipo, que se caracterizaria como crime-meio. Ocorre que, analisando melhor a questão, percebi que o delito-meio, que restava absorvido pelo crime-fim, não era o menor. No crime complexo, a absorção pode se dar (crime composto propriamente dito especializante) por expressa escolha do legislador, caso em que o crime mais grave pode ser absorvido pelo crime menos grave. O mesmo inocorre na consunção, como visto quando da análise dos pressupostos desse instituto. Sendo assim, é preciso atentar para o fato de que o estelionato não é um crime composto, muito menos o falso. E o estelionato é crime menos grave em confronto com a falsidade, quando ela diz respeito a documento público, ainda mais sendo o estelionato apenas tentado. Logo, descartada a possibilidade de aplicação da absorção do delito de falso pelo crime do art. 171, § 3º, do CP. Em outras palavras, não há como se justificar a incriminação exclusiva da tentativa de estelionato, no caso em exame. Tampouco existe regra especial a aplicar. Quanto ao conteúdo fático e jurídico, as normas se distanciam. Uma protege o patrimônio, outra a fé pública. Inexiste relação de minus ad majus, porque o meio (falso) é superior ao fim (estelionato tentado) e, dessa maneira, inviável visualizar o delito em progressão. Como salienta Valdir Snick, adotando tal posicionamento, estaríamos diante de um verdadeiro “crime regressivo”, o que fere a sistemática. Resta o socorro ao princípio da consunção, mas aplicado de forma distinta. Já foi afirmado que ele se ajusta aos casos de exaurimento, ou seja, absorve o delito, que constitui conseqüência de uma ação criminosa. Saliento, entretanto, que a absorção, em casos de exaurimento, respeita 146 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 apenas um princípio de política criminal. Discordo, pois, de Luiz Jimenez de Asúa, que vê na conduta criminosa conseqüente de outra um termo final do iter criminis (Obra citada, p. 578). Essa tese não suporta uma investigação lógica, em termos rigorosamente científicos. Em face do que foi dito e revendo o posicionamento por mim adotado anteriormente, tenho que, no presente caso, não tem aplicação a Súmula 17 do Superior Tribunal de Justiça, com o seguinte enunciado: “Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido.”. (DJ (Seção I) de 28.11.90, p. 13.963) Ao apresentar documentos falsos à funcionária da Caixa Econômica Federal, os réus praticaram o primeiro ato criminoso do chamado iter criminis, com o intuito de viabilizar o cumprimento do seu objetivo principal, ou seja, o saque indevido dos valores depositados na conta vinculada ao FGTS de titularidade de Josiane Aparecida de Oliveira. Conforme já foi dito, o princípio da consunção tem como fundamento um critério de justiça, uma vez que, restando claro que o agente objetivava praticar apenas um crime, não seria legítimo puni-lo por duas condutas delituosas. Isso decorre da impossibilidade de enquadramento de uma conduta humana em tipo legal sem que se examine o desiderato do sujeito ativo, já que um tipo penal não se analisa somente sob a ótica do fato praticado, mas também de acordo com o elemento subjetivo do agente. Não há dúvidas de que as condutas dos ora apelantes sofrem a incidência de dois tipos penais: o de uso de documento falso e o da tentativa de estelionato. Essa realidade – da qual não podemos nos afastar –, entretanto, acarretaria a imposição de uma pena deveras injusta no caso do concurso real de crimes, já que o documento falsificado foi utilizado apenas e tão-somente para induzir a CEF em erro e proporcionar vantagem ilícita aos ora apelantes. Assim, impõe-se a aplicação do princípio da consunção, neste caso, a fim de tornar justa uma efetiva realidade. O reconhecimento do concurso real de crimes, como fez o ilustre magistrado a quo, a meu ver, implica exacerbação severa da sanção dos apelantes e violação à proporcionalidade que deve existir entre os delitos praticados e a punição recebida, a justificar a intervenção do Direito Penal. No entanto, a condenação apenas pela tentativa de estelionato, como fez o eminente Desembargador Federal relator desta apelação criminal, 147 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 por sua vez, acarreta redução demasiada das penas. Ocorre que, na consunção, deve ocorrer a absorção do crime menos grave pelo crime mais grave, e não o contrário. No presente caso, tendo em vista que os documentos utilizados são de natureza pública (Carteira de Trabalho e Previdência Social, Cédula de Identidade, comprovante de pagamento do FGTS, Pedido de Alteração Cadastral em Conta Vinculada – PAC e solicitação de saque em conta inativa), o crime maior é aquele relativo ao falso, e o menor é o de estelionato tentado. Sendo assim, inaplicável a Súmula nº 17 do STJ, como já referido. Em conclusão, penso que, na hipótese de ser a falsidade meio para obter a vantagem ilícita, a única solução técnica aplicável é a da absorção da tentativa de estelionato, ficando punível somente o falso consumado. A consunção faz com que se elimine o delito posterior menos grave, restrita às espécies de esgotamento do crime maior. Sendo assim, tenho que merece ser reformada a sentença, a fim de ser aplicado o princípio da consunção, sendo que o uso de documento falso, tipificado no art. 304 do Código Penal, por consistir infração mais grave, deve absorver o tipo do estelionato, de forma a justificar uma intervenção justa e proporcional do Direito Penal, uma vez que a realidade jurídica não pode manter-se inerte diante de um elemento supremo e absoluto da realidade fática. Procedo, pois, à nova dosimetria das penas, aplicando somente as sanções cominadas ao crime de uso de documento falso. O art. 304 do CP determina que quem cometer o delito de uso de documento falso estará sujeito a uma pena idêntica àquela cominada à falsificação ou adulteração. Conforme as lições de Paulo José da Costa Júnior, na obra Comentários ao Código de Processo Penal: “São, pois, incriminados o uso de documento público (art. 297) ou particular (art. 298), material ou ideologicamente falso (art. 299), o uso de documento com falso reconhecimento de firma (art. 300), de certidão ou atestado ideológica ou materialmente falso (art. 301), bem como o uso de atestado médico falso (art. 302).”. (São Paulo, Editora Saraiva, 2000, p. 954) Sendo assim, tendo em vista que os acusados fizeram uso de documentos públicos falsificados, as sanções a serem aplicadas são aquelas estabelecidas no artigo 297 do Código Penal. Por serem as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP idênticas para 148 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 os dois acusados, assim como as agravantes, atenuantes, majorantes e minorantes, fixo as penas de ambos conjuntamente. Analisando as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, verifico que duas delas são desfavoráveis aos acusados, de modo que a pena-base deve ser fixada um pouco acima do mínimo legal. No que respeita à culpabilidade, o juízo de censura em relação aos condenados é maior, eis que a etapa inicial para a consumação do crime efetivamente almejado constituiu outra conduta delitiva, ainda que sejam aplicadas as sanções de apenas um dos tipos penais por um critério de justiça. Inexistem nos autos informações objetivas capazes de precisar a personalidade e a conduta social dos denunciados, pelo que essas circunstâncias não lhes podem ser desfavoráveis. Os réus têm vários inquéritos policiais contra si instaurados, fato que, conforme entendimento desta Turma, configura maus antecedentes. A vítima em nada colaborou para o ilícito em questão. As conseqüências do crime não foram graves. Os motivos e as circunstâncias do delito também são normais à espécie. Sendo assim, fixo a pena-base um pouco acima do mínimo legal, ou seja, em 2 anos e 06 meses de reclusão. Inexistem agravantes e/ou atenuantes no caso em tela, de modo que a pena provisória fica mantida em 02 anos e 06 meses de reclusão. Ante a ausência de majorantes ou minorantes, torno as penas definitivas naquele patamar. O regime inicial de cumprimento da pena deverá ser o aberto. (art. 33, § 2º, c, do CP) Ainda que os denunciados possuam maus antecedentes, entendo cabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, as quais serão suficientes para a repressão das infrações praticadas. Assim, substituo a pena corporal, conforme o § 2º do artigo 44 do CP, por prestação de serviços à comunidade ou entidade pública a ser definida pelo juízo da execução, e por prestação pecuniária, esta correspondente ao pagamento mensal de 01 salário mínimo à entidade beneficente, pelo período de 02 anos e 06 meses. Passo a analisar a dosimetria da pena de multa. Na fixação da pena de multa deve ser calculado, em primeiro lugar, o número de dias-multa, conforme o art. 59 do CP, e, a seguir, o valor de R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 149 cada dia, em função da situação econômica do réu, nos termos do art. 60 também do Código Penal. Nesse sentido, o seguinte precedente desta Egrégia Corte: “CRIMINAL. OMISSÃO NO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. CRIME CONTINUADO. LEI PENAL NO TEMPO. LEI NOVA MAIS SEVERA. PERÍCIA CONTÁBIL. ELEMENTO SUBJETIVO. CRIME OMISSIVO PRÓPRIO. DOLO GENÉRICO. LEI Nº 9.714/98. SUBSTITUIÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA DE MULTA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. (...) 5. Na fixação da pena de multa, deve-se calcular, em primeiro lugar, o número de dias-multa, conforme o art. 59 do CP e, a seguir, o valor de cada dia, em função do rendimento do sujeito e de seu nível de vida, nos termos do art. 60 também do Código Penal. (...)”. (TRF-4ªRegião, ACR nº 1999.04.01.011305-4/SC, Rel. Juíza Ellen Gracie Northfleet, 1ª Turma, DJ 13.10.99, p. 832) Dispõe o caput do art. 60 do Código Penal: “Na fixação da pena de multa o juiz deve atender, principalmente, à situação econômica do réu.” Como se pode extrair da leitura do texto desse dispositivo legal, o critério da situação econômica do réu utilizado para a quantificação do dia-multa não é exclusivo. Além dele, o juiz poderá considerar a natureza do injusto e as conseqüências do delito. Na realidade, é a culpabilidade o que fundamenta e limita todas as penas, sejam elas privativas de liberdade, restritivas de direitos, pecuniárias etc. Isso significa dizer que o juiz graduará a pena de multa do mesmo modo como graduou a pena privativa de liberdade: culpabilidade em grau mínimo, número de dias no mínimo ou próximo dele; culpabilidade em grau médio, um pouco acima e culpabilidade extrema, número de dias na direção do limite máximo. Depreende-se do que foi dito acima que, ao individualizar o número de dias-multa, o juiz deve atentar e resguardar a simetria que a culpabilidade produzirá relativamente à espécie e quantidade de pena privativa de liberdade. Desse modo, analisando o conjunto das circunstâncias judiciais em relação aos condenados, fixo em 30 o número de dias-multa para cada réu, mantidos os valores unitários arbitrados na sentença de primeiro grau. Com o novo apenamento, não há que se falar em ocorrência de 150 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 prescrição a ensejar a declaração da extinção da punibilidade dos acusados. Com efeito, aos réus foram aplicadas as penas de 2 anos e 6 meses. Segundo a redação do art. 110, §1º, do Código Penal, uma vez transitada em julgado a decisão condenatória para a acusação, a prescrição regulase pela pena aplicada. No presente caso, a prescrição somente ocorreria se houvesse transcorrido lapso temporal superior a 8 anos entre alguns dos marcos interruptivos taxativamente arrolados no art. 117 do CP, o que não se verifica no caso em tela. Em face do exposto, conheço das apelações para dar-lhes parcial provimento, nos termos da fundamentação. APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.04.01.056441-0/RS Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas Apelante: Ministério Público Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle Apelante: H. L. O. Advogado: Dr. Valdir José Romanini Apelados: (Os mesmos) EMENTA Penal. Não recolhimento de tributos. Imposto de renda descontado de terceiros. Lei nº 8.137/90. Dificuldades financeiras inexistentes. Substituição da pena privativa de liberdade. Aplicabilidade. 1. O crime de omissão de tributos previsto no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90 é puramente formal, dispensando a existência de dolo específico, assim como outras circunstâncias que não o simples desconto e o posterior não recolhimento do valor devido. 2. Não pode ser aceita a tese de dificuldades financeiras para justificar a 151 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 omissão no recolhimento dos tributos, quando o acusado registra aumento em seu patrimônio pessoal. 3. Sempre que possível deve ser concedida a substituição da pena corporal pela prestação de serviços e prestação pecuniária, porque são mais adequadas à ressocialização do condenado, especialmente nos crimes de cunho patrimonial. 4. A pena imposta em juízo de apelação deve ser executada de plano, uma vez que eventuais recursos às Cortes Superiores não têm efeito suspensivo. 5. Havendo nos autos notícias de que o condenado responde a inquéritos policiais e ações penais por diversos crimes, em várias cidades e na Justiça Federal e Estadual, revela-se oportuna a remessa de cópia de acórdão que confirmou sentença condenatória às Autoridades Judiciárias, a fim de que possam bem avaliar a sua personalidade. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso do Réu e negar provimento ao recurso do Ministério Público Federal nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 25 de junho de 2002. Des. Federal Vladimir Freitas, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas: O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra H. L. O., dando-o como incurso nas penas previstas no artigo 2º, II, da Lei nº 8.137/90, com o acréscimo decorrente da continuidade delitiva expressa no artigo 71 do Código Penal porque, na condição de sócio-gerente da empresa IBF – Indústria Brasileira de Formulários Ltda., deixou de recolher ao erário, no prazo legal, Imposto de Renda retido na fonte descontado de pagamentos feitos a terceiros. A denúncia foi recebida em 20.11.96 (fl. 317), procedendo-se ao interrogatório do réu (fls. 381-383), citado por edital (fl. 368). Na apresentação da defesa prévia, argüiu o réu incompetência do juízo em 152 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 razão do lugar, dado que é residente e domiciliado no Estado de São Paulo (fls. 384-389). Tal pedido foi indeferido pelo douto juiz (fls. 393394) no momento da audiência de inquirição das testemunhas arroladas na peça acusatória (fls. 395-398). Ouvidas as testemunhas requeridas pela defesa técnica (fls. 424, 463-465, 472-474 e 502-504), abriu-se prazo para o disposto no artigo 499 do Código de Processo Penal. Nesta oportunidade, o Ministério Público Federal requereu fossem juntadas aos autos as declarações de Imposto de Renda do réu (fl. 55), enquanto a defesa nada disse. Apresentadas as alegações finais (fls. 613-621 e 626-635), converteuse o julgamento em diligência para a juntada de cópias autenticadas de processo movido pelo réu contra a União Federal (fls. 637-638). Ato contínuo, foram os autos conclusos para sentença. Publicado o decisum em 16.08.99 (fls. 887-907), o douto magistrado entendeu por bem condenar o réu às penas de 1 ano e 8 meses de detenção e 1.380 dias-multa, no valor unitário de 1/10 de salário mínimo, sendo que a pena corporal foi substituída por duas restritivas de direitos nas modalidades de prestação de serviços à comunidade e perda de bens. Interpostos embargos de declaração pelo Ministério Público Federal (fls. 909-912) e julgados parcialmente procedentes (fls. 914-918), apelaram as partes inconformadas com a sentença proferida, requerendo a defesa técnica a apresentação de razões em superior instância, o que foi deferido. Em suas razões, alega o representante do parquet a impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, pois incabíveis os requisitos previstos no artigo 44 do Código Penal. Alternativamente, requer a aplicação da modalidade de limitação de fim de semana em vez de perda de bens (fls. 920-931). Subiram os autos. A defesa técnica aduziu, em preliminares, a invalidade dos documentos instrutórios apresentados pela parte-autora na denúncia, exceção de incompetência em razão do lugar, cerceamento de defesa, pois negado o pedido de realização de perícia e, finalmente, inépcia da denúncia, dado que não especifica a participação efetiva do réu ora condenado no crime apontado. No que tange ao mérito, alega, basicamente, dificuldades financeiras, ausência de dolo e inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei nº 8.137/90, o que faz juntando documentos, tais como procurações, R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 153 sentença de abertura de falência, petições diversas, entre outros. (fls. 1.171-1.197) O ilustre representante da Procuradoria Regional da República ofereceu parecer, opinando pelo provimento do apelo ministerial e pelo improvimento do recurso da defesa (fls. 1.199-1.219). Juntados documentos pelo defensor de H. L. O. (fls. 1.221-1.380), manifestouse o Ministério Público Federal, ratificando o parecer oportunamente apresentado. (fls. 1384-1385) Conclusos os autos, a defesa técnica apresentou mais documentos (fls. 1.394-1.605), sendo que novamente foi dada vista ao representante do parquet, o qual considerou ser a conduta do réu protelatória e requereu julgamento imediato do feito. (fl. 1.610) É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas: H. L. O. foi processado por infração ao artigo 2º, II, da Lei nº 8.137/90, combinado com o artigo 71 do Código Penal, perante o Juízo Federal de Porto Alegre-RS, porque se omitiu no recolhimento do Imposto de Renda retido na fonte descontado de pagamentos feitos a terceiros, findando por ser condenado a cumprir a pena de 1 ano e 8 meses de detenção e multa, a primeira substituída por duas restritivas de direitos. (fls. 887-907) Inconformadas, apelaram ambas as partes. Sustenta o Ministério Público Federal, em síntese, que há a impossibilidade legal da substituição da pena privativa de liberdade concedida, além do que considera imprópria a aplicação da perda de bens, indicando como mais pertinente a limitação de fim de semana. De outra banda, a defesa aduz, preliminarmente, a invalidade dos documentos instrutórios apresentados pela parte-autora na denúncia, exceção de incompetência em razão do lugar, cerceamento de defesa, pois negado o pedido de realização de perícia e, finalmente, inépcia da denúncia, dado que não especifica a participação efetiva do réu ora condenado no crime apontado. No que tange ao mérito, alega, basicamente, dificuldades financeiras, ausência de dolo e inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei nº 8.137/90. Antes de enfrentar as razões de mérito, cumpre registrar que os crimes praticados em detrimento da Ordem Tributária mereceram a atenção 154 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 do legislador desde a edição da Lei nº 4.729/65. Com efeito, pode-se afirmar que a preocupação em reprimir tais condutas, cujas conseqüências sociais por vezes geram maior dano à sociedade do que os habituais crimes de furto ou roubo, por exemplo, tem-se incrementado cada vez mais. Exemplo disso foi a edição da Lei nº 8.137/90, mencionada da presente denúncia, e cujo escopo foi o de aperfeiçoar a redação dos tipos até então existentes, permitindo-se, assim, a sua eficaz repressão pelos órgãos estatais. Deve ser dito, ainda, que tais infrações podem ser perfeitamente classificáveis dentro do que hoje se denomina de macrocriminalidade. E isso significa, em linhas gerais, a preocupação do Estado em conter a prática das condutas de sonegação fiscal e também do chamado white collar crime, que, por sua especial e complexa natureza, traduzem enorme lesão à ordem jurídica, porquanto interferem diretamente no bom funcionamento do sistema tributário e econômico nacional e, por conseqüência, dos serviços públicos que devem ser prestados à sociedade. No que concerne aos apelos ora interpostos, passo a analisar as razões do réu. Preliminarmente, impugna os documentos acostados pelo Ministério Público Federal, pois não-autenticados. Porém, entendo que esta tese não merece prosperar, dado que, como bem-analisado pelo douto juiz singular em sua decisão, as peças informativas foram fornecidas pela Secretaria da Receita Federal e firmadas por seus funcionários, sendo o suficiente para a existência da presunção legal de legitimidade. Ademais, claro é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no tangente ao assunto: “é pacífico o entendimento adotado por esta Corte Superior no sentido de que as cópias de documentos não autenticadas são equiparadas ao original desde que a parte adversa não comprove sua falsidade”. (REsp nº 352.011 – Rel. Min. Garcia Vieira – D.J.U 11.03.2002). Concluindo o debate sobre o tema, vale transcrever o artigo 365, III, do Código de Processo Civil, como segue: “Fazem a mesma prova que os originais: (...) III – as reproduções dos documentos públicos, desde que autenticadas por oficial público ou conferidas em cartório, com os respectivos originais”. Argúi o réu exceção de incompetência em razão do lugar, pois este R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 155 é residente e domiciliado no Estado de São Paulo, entendendo ser competente para a presente demanda circunscrição federal daquele ente federativo. Contudo, não deve ser acolhido o entendimento exposto pela defesa técnica, pois, de acordo com a leitura do Código de Processo Penal, em seu artigo 69, concluímos que: “Art. 69. Determinará a competência jurisdicional: I – o lugar da infração; (...)”. Sendo cristalina a norma aventada, afasto a pretensão do apelante, pois, ocorridas as omissões na cidade de Alvorada – RS, em conseqüência, é competente para o julgamento da respectiva ação penal a Justiça Federal de Porto Alegre – RS, desconsiderando o local da sede da empresa ou mesmo da localização física de seu responsável. Ainda em sede de preliminares, aduz a defesa a ocorrência de cerceamento de defesa, porque indeferido o pedido de realização de perícia. Novamente, não vejo razão nesta alegação, dado que se trata de crime formal, não-material, bastando, para sua consumação, a simples omissão no recolhimento dos valores descontados. Nessa linha jurisprudencial, cito, do STJ, as palavras do eminente Ministro Fernando Gonçalves, relator do recurso em Habeas Corpus nº 10.183, publicado no DJU de 18.12.2000, ao ensinar: “É prescindível a realização de perícia contábil para a caracterização do crime de omissão do recolhimento de contribuições previdenciárias, sendo suficiente a apuração realizada pelo órgão arrecadador”. No mesmo sentido: “(...) CERCEAMENTO DE DEFESA IRRECONHECIDO (...). 1. Inconcebível o deferimento de provas inúteis, tal como a perícia contábil requerida pela defesa, mormente se a penúria financeira alegada para o não recolhimento das contribuições previdenciárias poderia ser provada de outra forma. (...)”. (STJ - REsp nº 159447/SC – Relator Ministro Anselmo Santiago – 6ª Turma – DJ 01.02.99) Ainda em preliminar, da Tribuna sustentou o eminente Defensor que o crime em tela é da competência do Juizado Especial Federal Criminal, uma vez que a pena máxima é de 2 anos e se aplica o artigo 2º da Lei nº 10.259/2001. Sem razão, contudo. A própria lei, no artigo 25, dispõe que: “Art. 25. Não serão remetidas aos Juizados Especiais as demandas ajuizadas até a data de sua instalação”. 156 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Quanto à alegação de inépcia da peça acusatória, analisarei juntamente com o mérito, pois ambos se confundem. Passando à análise do mérito, trato da materialidade e da autoria do crime em questão. Como já dito anteriormente, trata-se de crime omissivo puro, independendo de outras circunstâncias que não apenas a simples omissão de valores que a lei ordena sejam recolhidos. Sendo assim, basta o desconto formal do imposto dos pagamentos feitos a terceiros e o posterior não repasse ao erário para a configuração do delito em tela, sendo desconsiderado o dolo específico de lesar o Fisco, o animus rem sibi habendi para o cometimento da ação. Frente a isso, através da Representação Fiscal para Fins Penais (fls. 08-13) e dos documentos instrutórios, percebo que a materialidade está suficientemente demonstrada, tornando desnecessárias quaisquer provas que nos autos não se encontrem. Com relação à autoria, afirma a defesa técnica ser a indicação da mesma demasiadamente frágil. Entretanto, não assiste razão ao recorrente, dado que a jurisprudência deste Tribunal e do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de entender lícita a narrativa genérica do delito, desde que não tolha o exercício de defesa. No caso em tela, a responsabilidade geral pela empresa, em princípio, é de seu administrador, não sendo exigido que a peça vestibular precise a conduta. No curso da instrução criminal se apura por completo a culpa existente, não ofendendo, assim, o princípio da ampla defesa nem do contraditório. As cópias de procurações e alterações contratuais referentes à empresa IBF – Indústria Brasileira de Formulários Ltda. (fls. 105-135) mostram claramente o apelante na posição de diretor da mencionada pessoa jurídica. Tendo o mesmo poderes de administração, é pessoalmente responsável pela infração detectada, sendo que esta simples documentação é bastante para a devida comprovação da autoria do delito. Desta forma, qualquer causa excludente, extintiva ou modificativa deste fato incumbe à defesa provar, como dito acima, à época da fase instrutória. Assim, firma-se a autoria através da presunção explicitada no corpo da ação penal. Sendo assim, firmadas a autoria e a materialidade do delito, deve-se atentar à existência de causa excludente da culpabilidade, qual seja, inexigibilidade de conduta diversa. Este fato, extintivo da pretensão punitiva estatal, deve ser demonstrado pelo réu, forte no artigo 156 do R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 157 Código de Processo Penal. Cotejando esta possibilidade com a prova dos autos, vejo que não prospera a tese apresentada pelo Apelante ao aduzir a impossibilidade de efetuar os recolhimentos do valor devido. Com efeito, a absoluta impossibilidade financeira pode constituir causa excludente de culpabilidade, pela configuração do estado de necessidade, mas não a mera dificuldade financeira. No caso dos autos, percebe-se que o réu pôde optar entre pagar ou não o devido ao erário. Isso se dá pelo vasto patrimônio apresentado, o qual não sofreu nenhuma diminuição capaz de demonstrar o esforço do administrador em manter regular as obrigações da empresa, especialmente as fiscais. O que se quer dizer é que não é lícito ao responsável utilizar-se de produto público, pertencente à sociedade como um todo, para manter viva sua atividade comercial. De acordo com a farta documentação acostada aos autos, é simples perceber que, de fato, H. L. O., livre e conscientemente, deu preferência a outros compromissos financeiros, que não os para com o Fisco. O que se conclui, pela simples leitura das Declarações de Imposto de Renda (fls. 136-183 e 586-612), é a mais absoluta contradição entre a tese e a realidade, pois o patrimônio existente jamais poderá corroborar com a tese de dificuldades financeiras apresentadas no interrogatório do réu e em suas razões finais e recursais. Finalizando e concluindo por não acolher a tese que aponta as dificuldades financeiras como responsáveis pelas omissões ocorridas, cito acórdão do Des. Fed. Amir José Finocchiaro Sarti, no julgamento da Apelação Criminal nº 96.04.30199-3, ao dizer: “PENAL - OMISSÃO DE RECOLHIMENTO - CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DESCONTADAS DE EMPREGADOS - DIFICULDADES FINANCEIRAS -EXCLUSÃO DE CULPABILIDADE OU DE INJURIDICIDADE - PROVA. Dificuldades financeiras muito graves podem justificar a exclusão de culpabilidade (ou de injuridicidade) de quem deixa de recolher no prazo devido as contribuições previdenciárias descontadas dos empregados, tendo em vista o interesse relevante de manter a empresa em funcionamento, evitando a extinção de empregos, única fonte de sustento para a maior parte dos trabalhadores e suas famílias. É incensurável, nessa circunstância, a conduta de quem opta por dar prioridade ao pagamento da folha de salários e de fornecedores, em detrimento da arrecadação tributária. A sanção penal deve ser reservada para os espertalhões que enriquecem às custas do patrimônio alheio, especialmente do patrimônio público, não para quem, apesar de todos os esforços, não consegue atender tempestivamente todas as obrigações da sua empresa. O real empobrecimento dos responsáveis pela firma, resultante da comprovada dilapidação do 158 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 seu patrimônio particular em benefício da pessoa jurídica, é um dos sinais eloqüentes da ocorrência da situação excludente (ou justificante).” No que tange à alegada inconstitucionalidade do artigo 2º, II, da Lei nº 8.137/90, afasto de pronto, pois, de acordo com o entendimento pacífico desta Corte, a prisão por omissão de valores descontados não é prisão por dívida. É tipo penal, regularmente editado pelo Congresso Nacional no uso de suas atribuições constitucionais. É por tal motivo que não há ofensa a qualquer dispositivo constitucional e nem houve revogação pelo Pacto de São José da Costa Rica. É possível, por exemplo, discutir se a prisão em caso de alienação fiduciária ofende a Carta Magna ou o Pacto referido. Mas não os crimes de ordem tributária. Aliás, é fato notório que em todo o mundo ocidental há crimes contra a ordem tributária. Finalmente, analiso a dosimetria da pena, apesar de tal tema não ter sido objeto de resignação específica. Além desta espécie de pena traduzir – a meu juízo – matéria de ordem pública, pois quem pede o mais (a absolvição), pede o menos. (eventual retificação de penas) Examinando a dosagem da pena de multa, vejo discrepâncias em seu cálculo, fixada em 1.380 dias-multa, no valor unitário de 1/10 do salário mínimo vigente em fevereiro de 1996, atualizado desde então. Contudo, pela letra da lei, no artigo 49, combinado com o parágrafo único do artigo 60 do Código Penal, vê-se que, por mais desfavoráveis que sejam as circunstâncias delitivas, a pena de multa nunca poderá exceder o valor de 1.080 dias-multa. (360 dias-multa com aumento do triplo) A pena de multa, inicialmente dosada em 20 dias-multa, teve seu número elevado para 1.380, em virtude da continuidade delitiva. Com efeito, o entendimento desta Turma é no sentido de que se deve aplicar o sistema bifásico, isto é, inicialmente calcula-se o número de dias-multa, conforme previsto no artigo 59 do Código Penal e, a seguir, fixa-se a importância para cada dia-multa, baseando-se na situação financeira do acusado, consoante o disposto no artigo 60 do mesmo diploma legal. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 159 Assim sendo, considerando a margem estabelecida no artigo 49 do Código Penal e as circunstâncias e conseqüências do crime, assim como a culpabilidade do agente, diminuo a pena de multa para o máximo cominado em lei, qual seja, 1.080 dias-multa. Adiante, apesar da situação financeira do réu permitir seja majorado o valor unitário, devo manter como fixado monocraticamente em 1/10 de salário mínimo, dada a inexistência de recurso ministerial neste sentido, respeitando a proibição de reformatio in pejus. Diante disso, altero a dosimetria da pena de multa, fixando-a em 1.080 dias-multa no valor unitário de 1/10 de salário mínimo vigente em fevereiro de 1996, atualizado monetariamente. No que diz respeito ao recurso ministerial, pretende a aplicação efetiva da pena corporal, desprovida da benesse da substituição concedida pelo douto magistrado singular, afirmando, para tanto, a impossibilidade de aplicação do disposto no artigo 44 do Código Penal. Em princípio, tratando-se de condenação a penas privativas de liberdade em patamar não superior a quatro anos, na conformidade com o referido artigo do diploma penal, há a possibilidade de substituição dessas penas pelas restritivas de direitos. Confesso que fiquei inclinado a negá-la. Afinal, verificando os antecedentes criminais do réu, percebo estar frente a reiterado criminoso no que tange à Ordem Tributária, de modo que, em tese, não se lhe recomenda tal medida, por insuficiente à reprimenda, nos termos do artigo 44, III, do CP. Com efeito, os autos revelam a existência de grande número de ações penais contra o Apelante. Confira-se na Justiça Federal do RS (fl. 517), Justiça Federal de SP (fls. 520-524), ações apurando estelionato, apropriação indébita, contra fé pública, contra a administração da justiça e outros, na Justiça Estadual da Comarca de São Paulo – SP (fl.527) e inquéritos policiais de crimes de ordem tributária na Justiça Estadual da Comarca de São Bernardo do Campo – SP. (fl. 531) Todavia, esta 7ª Turma tem entendido que sempre que possível deve ser concedida a substituição da pena corporal pela prestação de serviços e prestação pecuniária, porque são mais adequadas à ressocialização do condenado. Neste caso com maior razão, pois inexiste ainda condenação contra o Apelante transitada em julgado. Requer, ainda, o representante do parquet, em suas razões, a aplicação de pena de limitação de fim de semana, em vez de prestação pecuniária. 160 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Porém, entendo não merecer respaldo esta tese, pois esta pena restritiva só se justifica em casos especiais. Assim, a pretensão ministerial não se revela conveniente, porque a prestação pecuniária atende bem o caráter educativo da pena, considerando-se, também, o cunho patrimonial do delito e, se descumprida, poderá ser convertida em prisão. Frente a todo o exposto, dou parcial provimento ao recurso do réu e nego provimento ao recurso do Ministério Público Federal. Se unânime a decisão desta Turma, oficie-se ao MM. Juiz Federal, instruído com cópia da sentença, do acórdão e outros de interesse, para que se dê início à execução da pena corporal imposta (STF – HC 81.5804/SP – 1ª T. – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJU 22.03.2002; STJ – HC 16.820/SP – Rel. Min. Vicente Leal – DJU 15.10.2001, p. 301), tendo em vista que eventual recurso especial ou extraordinário não possui efeito suspensivo, nos termos da Súmula 267 do STJ. Finalmente, remeta-se cópia deste Acórdão (inteiro teor) aos Juízes Federais e Estaduais onde o Apelante registra inquéritos policiais ou ações penais, conforme mencionado neste voto. (fls. 517, 520-524, 527 e 531) APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.04.01.111516-6/SC Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho Apelante: J. V. S. Advogado: Dr. Cesar Eugenio Zucchinali Apelado: Ministério Público Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle EMENTA Direitos autorais. Violação. Fitas magnéticas de cantores brasileiros 161 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 e estrangeiros (“piratas”). Convenção de Berna. Competência federal. 1. O comércio ilegal de fitas tidas como “piratas” de cantores brasileiros e estrangeiros caracteriza o delito de violação de direitos autorais, de competência federal a teor do inc. V do art. 109 da CF (Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas). 2. Comprovadas a autoria e a materialidade delitivas, dolo e consciência da ilicitude, mantém-se a condenação do réu, dando-se provimento, em parte, ao seu recurso tão-só para reduzir o valor unitário do dia-multa para o mínimo legal, e para alterar a substituição de limitação de fim de semana para prestação de serviços à comunidade, bem como para reduzir a pena pecuniária. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao apelo, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 13 de maio de 2002. Des. Federal Volkmer de Castilho, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho: O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra J. V. S., C. H. M. L. e M. J. O., como incursos nas sanções do artigo 184, § 2°, do Código Penal, pela prática dos seguintes fatos delituosos: “Na manhã do dia 13 de fevereiro de 1998, policiais rodoviários federais receberam uma denúncia anônima de que um ônibus, parado próximo ao restaurante Vitória Régia na BR-101, em Biguaçu/SC, estaria descarregando junto a dois carros (FIAT Prêmio, placas IAX-6784 e um VW Voyage, placas BMK-88661) caixas contendo em seu interior fitas cassetes. Quando dirigiram-se ao local, avistaram os veículos supramencionados juntamente com outro carro, um FORD Belina, placas LXU-5951, veículo também mencionado em outra denúncia anônima recebida pelo posto da Polícia Rodoviária Federal. Os Policiais Federais abordaram os três veículos e após verificarem suas documentações, procederam busca nos mesmos, oportunidade em que encontraram, em todos os três veículos, a quantidade de fitas K-7 adiante relacionadas .Conduziam os veículos os indiciados J. V. S., C. H. M. L. e M. J. O., que, por não possuírem notas fiscais 162 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 das referidas mercadorias, foram encaminhados a Superintendência da Polícia Federal. O laudo merceológico nº 3706 caracteriza as mercadorias apreendidas como ‘fitas magnéticas gravadas/lacradas de maneira clandestina no território nacional, conhecidas como fitas ‘piratas’, cujo valor atinge o montante de R$ 10.480,00 (dez mil, quatrocentos e oitenta reais), segundo o preço médio praticado pelo mercado de Florianópolis/SC no mês de maio/98’ (fl. 104), estando a posse de mercadorias assim distribuída entre os denunciados: 1. Setecentos e sessenta e uma (761) fitas cassetes gravadas e lacradas, devidamente acondicionadas em embalagens próprias, de origem nacional, apreendidas em poder de M. J. O., avaliadas em R$ 1.902,50; 2. Um mil e setecentas e cinqüenta (1750) fitas cassetes gravadas e lacradas, devidamente acondicionadas em embalagens próprias, de origem nacional apreendidas em poder de C. H. M. L., avaliadas em R$ 4.375,00; 3. Um mil seiscentas e oitenta e uma (1681) fitas cassetes gravadas e lacradas, devidamente acondicionadas em embalagens próprias, de origem nacional apreendidas em poder de J. V. S., avaliadas em R$ 4.202,50.” A denúncia foi recebida em 22.02.99 (fl. 03). Em 28.04.99, o processo foi suspenso (art. 89 da Lei 9.099/95), mediante condições propostas e aceitas, em relação aos denunciados C. H. M. L. e M. J. O., prosseguindo, no entanto, com relação ao denunciado V. S. ante a informação de que responde a outro processo-crime na Comarca de Florianópolis/SC e de que este se encontra suspenso. (fls. 173 e 174) O acusado J. V. S. foi interrogado (fl. 173/174), oportunidade em que lhe foi nomeado defensor dativo (fl. 174), o qual ofereceu defesa prévia à fl. 185. Encerrada a instrução processual com a oitiva das testemunhas de acusação que coincidem com as de defesa (fls. 187/189), foi aberto o prazo do art. 499 do CPP, no qual o Ministério Público Federal solicita o esclarecimento dos peritos acerca dos elementos de convicção da procedência nacional encontrados na mercadoria apreendida (fl. 190), e a defesa, por sua vez, concordando, formula quesitos (fls. 192/193), vindo os esclarecimentos aos autos às fls. 197 e 199. Em alegações finais, o Ministério Público Federal manifesta-se, preliminarmente, pela competência da Justiça Federal, porquanto o denunciado foi flagrado com fitas cassete piratas oriundas provavelmente do exterior, violando direitos autorais de artistas nacionais e principalmente estrangeiros, sendo pelo último fator, o crime em tese, praticado pelos réus, da competência federal, de acordo com a Convenção de Berna para a proteção das Obras Literárias e Artísticas de 9 de novembro de 1886, revista em Paris em 24 de julho de 1971. No mérito, postulou a R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 163 condenação do réu nos termos da denúncia. (fls. 207/210) A defesa dativa do réu, por sua vez, alegando ausência de dolo na conduta do réu pede a sua absolvição, ou, sucessivamente, pena alternativa de multa em valor razoável e, se condenado à pena privativa de liberdade, sursis por tecnicamente primário. (fls. 213/214) Sentenciando, o Juízo a quo julgou procedente em parte a denúncia e condenou o denunciado J. V. S. como incurso nas sanções do art. 184, § 2º, do Código Penal, à pena de um ano e seis meses de reclusão e multa no valor unitário de 30% do salário mínimo vigente no mês de fevereiro de 1998, em regime aberto, e, com base no art. 43, I e VI, do CP, substituiu a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consubstanciadas no pagamento de prestação pecuniária no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a ser recolhida mediante Guia DARF e limitação de fim de semana, observado o disposto nos arts. 46, § 3º, e 48, do CP (redação atual), pelo mesmo espaço de tempo da condenação. (fls. 216/224) Inconformado, apela o réu, sustentando, em suas razões, ausência de dolo, falta de consciência da ilicitude e redução do quantum da pena pecuniária em face do seu estado de pobreza. (fls. 228/233) Contra-arrazoado o apelo (fls. 235/238), nesta instância, o parecer ministerial é pelo desprovimento do apelo. (fls. 242/245) É o relatório. À revisão. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho: Como relatado, a ação penal prosseguiu somente quanto ao réu J. V. S., porquanto, diferentemente dos demais, não preencheu os pressupostos para a concessão do benefício previsto no art. 89 da Lei 9.099/95. Preliminarmente, reafirma-se a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento do delito pelo qual o réu foi denunciado (art. 184, § 2º, CP), pois, inobstante tratar-se de violação de direito autoral comumente da competência da Justiça Estadual, aqui houve ferimento a direitos autorais de cantores estrangeiros, evidenciando lesão a interesse da União frente ao que o Brasil se obrigou a proteger quando ratificou a convenção internacional pertinente ao tema (Convenção de Berna para 164 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, assinada a 09 de setembro de 1886, revista em Bruxelas a 26 de junho de 1948, sendo que o texto resultante da Conferência diplomática de Bruxelas foi ratificado pelo Brasil a 10 de dezembro de 1951 - Decreto de promulgação nº 34.954, de 18.01.54, entrando em vigor, para o nosso País, na conformidade do disposto no seu art. 28), incidindo, assim, a norma constitucional do inciso V do art. 109 da Constituição Federal, que estabelece como sendo da competência federal os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente. O art. 184 do CP, no caput, tipifica a conduta de violação do direito autoral, e no seu § 2º, a figura de quem vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, empresta, troca ou tem em depósito, com intuito de lucro, original ou cópia de obra intelectual, fonograma ou videofonograma produzidos ou reproduzidos com violação de direito autoral, dispondo como pena a do parágrafo anterior, ou seja, reclusão, de 1 a 4 anos, e multa, de Cr$ 10.000,00 (dez mil cruzeiros) a Cr$ 50.000,00 (cinqüenta mil cruzeiros). Cuida-se de delito de ação múltipla, bastando para sua configuração a realização de apenas uma das condutas ali descritas. O dolo é a vontade de praticar as ações descritas, com consciência de que o original ou cópia foi produzido ou reproduzido “com violação de direito autoral”, e o elemento subjetivo do tipo, que é o intuito de lucro, pois sem tal intenção o delito não é punível. Constata-se pela prova dos autos que o réu J. V. adquiriu grande quantidade de fitas gravadas de artistas nacionais e estrangeiros, oriundas provavelmente do exterior, sem, no entanto, haver demonstrado em relação a tais mercadorias ter pago os direitos autorais, devidos por lei, aos respectivos autores das obras. A materialidade delitiva está comprovada pelo laudo de avaliação direta realizada pelo Instituto de Criminalística, constante às fls. 112 e ss. dos autos. Os experts afirmaram ter sido apreendidas em poder do réu 1.681 fitas cassetes gravadas e lacradas, devidamente acondicionadas em embalagens próprias, de origem nacional, avaliadas em R$ 4.202,50, esclarecendo os peritos que a referência ao termo “origem” quer dizer o local onde a mercadoria foi produzida (fls. 197 e 199) e, inobstante a produção nacional, do total acima de fitas, 216 referem-se a cantores estrangeiros. (Queen - 9, Jimmy R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 165 Cliff – Reggae Grats - 77, Pink Floyd – The Wall - 59, Laura Pausini 10, Shakira - 16, Bob Marley - 45) A autoria, por sua vez, encontra-se comprovada, não somente pela prova testemunhal do flagrante e a produzida em juízo, mas também pela própria confissão do acusado nas duas oportunidades em que foi ouvido (flagrante e interrogatório), onde revela principalmente a aquisição das fitas, a consciência da ilicitude e o intuito comercial: “que trabalha como camelô aproximadamente dois anos, tendo iniciado em Camboriú/ SC; (...) resolveu mudar de produtos, passando a trabalhar com fitas; que, como tem problema de pressão, nunca chegou efetivamente a viajar ao Paraguai para buscar mercadorias.; que, desde que mudou para Canasvieiras, sempre comprou suas mercadorias de um conhecido Carlos; (...) que, na semana passada, Carlos esteve em sua barraca, ocasião em que solicitou que trouxesse 800 (oitocentas) fitas; que, nesse contato, relacionou a quantidade por cantores; que, ficou acertado que as mercadorias seriam entregues no dia de hoje, devendo o interrogando deslocar-se ao restaurante Vitória Régia na BR 101 para recebê-las; (...) que, logo após guardarem as mercadorias no carro, foram abordados por policiais rodoviários federais; que foi perguntado se aquelas mercadorias tinham nota fiscal, tendo respondido negativamente;...” (fl.09); “(...) que são verdadeiros os fatos descritos na denúncia com relação ao interrogando, que não apresentou na oportunidade nenhum documento fiscal da regular introdução da mercadoria no País...que o objetivo era comercial e que a margem de lucro variava entre setenta e oitenta centavos, que o interrogando é camelô de rua e comprava as mencionadas fitas para revendê-las; que o interrogando não ia ao Paraguai comprar mencionadas fitas, sendo que as adquiria de um fornecedor, de nome Carlão, residente em Curitiba/PR, o qual não foi detido no dia dos fatos.; que atualmente continua camelô de rua, mas não trabalha mais com fitas K-7; que afirma ser muito difícil, quase impraticável, o camelô comercializar produtos emitindo a nota fiscal correspondente...”. (fl. 173) O pleiteado afastamento da consciência da ilicitude, pressuposto da culpabilidade, pela suposta “ignorância” do apelante, não merece guarida. A alegação de que não estava consciente de que as cópias adquiridas tivessem sido produzidas com violação de direitos autorais e de que não sabia que as fitas eram “piratas” não encontra ressonância nos depoimentos que prestou e nas provas pericial e testemunhal produzidas nos autos. O réu tem como profissão a de camelô, não se tratando de novato como ele próprio afirma, tendo adquirido numa só compra centenas de fitas cuja margem de lucro sabia significativa, conjugada ao ambiente e à própria atividade que exerce, à duvidosa qualidade das fitas, à facilidade de introdução do produto no mercado e a forma e o modo de aquisição 166 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 desacompanhada de notas fiscais, tudo, por certo, evidencia destreza em atividade rotineira e sabidamente ilícita onde a finalidade lucrativa a qualquer preço é manifesta. Afigura-se mais frágil ainda o argumento de atipicidade da conduta por ausência de dolo em razão de pensar o réu que as fitas provinham do Paraguai, pois a caracterização do tipo penal que se imputa ao réu independe da verificação da procedência das fitas. Por outro lado, conquanto bem-dosada a pena privativa de liberdade imposta ao acusado, que culminou definitiva em 01 ano e 06 meses de reclusão e igualmente o quantum dos dias-multa em cinqüenta, o valor unitário de 30% do salário mínimo vigente no mês de fevereiro de 1998 mostra-se muito elevado diante da situação econômica do réu revelada nos autos, donde se extrai que o recorrente não é uma pessoa de posses e, segundo consta de seu interrogatório (fl. 174), possui renda mensal em torno de seiscentos reais, da qual, subtraindo o pagamento de aluguel e outras despesas, remanesce cerca de cento e cinqüenta reais, motivo por que foi lhe nomeado defensor dativo para custear a sua defesa. Diante desse contexto, e não há outro nos autos, mantida a multa em cinqüenta dias-multa, altero tão-somente o valor de cada dia-multa para um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato. No respeitante às penas substituídas, igualmente merece adequação a sentença, porque a limitação de fim de semana ali imposta não se mostra a melhor para a espécie e para a reparação do delito, convindo que se imponha, em seu lugar – o que é mais favorável – uma pena de prestação de serviços à comunidade pelo tempo da pena, bem como redução do valor da pena pecuniária para a metade do valor arbitrado pelo juiz sentenciante (R$ 1.000,00), pois essa é suficiente para a prevenção e reprovação do delito, consideradas a situação econômica do condenado e a extensão dos danos sofridos pelas vítimas. Ante o exposto, dou parcial provimento ao apelo do réu. É o voto. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 167 APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2001.04.01.006513-5/PR Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva Apelante: Ministério Público Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle Apelante: J. C. M. N. Advogado: Dr. Ulisses Silvio Gelbert Apelante: A.S. Advogado: Dr. Marcelo Arthur Gomes Osti Apelados: (Os mesmos) EMENTA Penal. Crime contra o sistema financeiro. Art. 16 da Lei nº 7.492/86. Consórcio. Erro de proibição. Não-ocorrência. Pena-base. Revisão. 1. Constitui crime contra o sistema financeiro nacional, fazer operar consórcio sem a devida autorização legal, previsto no art. 16 da Lei nº 7.492/86. Precedente. 2. O tipo penal em tela não exige resultado material, configura-se pela realização de atividade financeira, própria ou equiparada, por envolver recursos de terceiro. 3. Afastada a tese de erro de proibição, uma vez que os réus tinham experiência no ramo de consórcios e, de qualquer forma, um deles, apesar de advertido pela autoridade policial da ilicitude de seu agir, permaneceu com a conduta delituosa. 4. Revisão da pena-base de um dos réus, aumentando-a, em razão do reconhecimento dele possuir maus antecedentes. 5. Apelações da defesa improvidas. Apelação da acusação parcialmente provida. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações das defesas e dar parcial provimento ao apelo da acusação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 18 de junho de 2002. Des. Federal José Germano da Silva, Relator. 168 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva: Os réus foram denunciados pelo Ministério Público Federal pela prática do crime tipificado no art. 16, c/c art. 1º, parágrafo único, I, da Lei nº 7.492/86. Os fatos foram assim narrados na inicial acusatória: “No dia 14 de agosto de 1992, os denunciados, de comum acordo, resolveram que a Sociedade Newplan Representações Comerciais Ltda., sediada nesta cidade, na Avenida Visconde de Guarapuava, 3965, CGC ., originalmente criada para comercializar veículos usados e novos, deveria passar a ter como objeto social o comércio, locação, administração de linhas telefônicas e representação comercial (cf. fl. 15 dos autos 94.0012877-0 em apenso), propósito este que formalizaram perante a Junta Comercial. Contudo, ao invés de apenas operar com a comercialização de linhas telefônicas, os denunciados usavam a sociedade para captar e administrar recursos de terceiros, sem qualquer autorização do Banco Central. A Newplan, para alcançar esse fim, oferecia linhas telefônicas ao público, que seriam adquiridas mediante pagamento parcelado, operando-se a alienação apenas após a quitação final. Os compradores eram organizados em grupos, cujo número de participantes deveria ser igual ao de parcelas necessárias para a aquisição de um terminal telefônico. Formado o grupo, o que recebia o nº tal (cf. fl. 05 dos autos 94.12877-0), qualquer participante poderia apossar-se de um terminal telefônico antes da quitação final das parcelas, conforme comprova o documento contido na folha 11 dos autos citados. Enquanto não sorteado ele não detinha a posse do terminal e contribuía mensalmente, tanto quanto os sorteados, para um fundo destinado à aquisição das linhas, administrado pela Newplan. O fato de captar e administrar recursos de terceiros, sob a promessa de formar poupança para a aquisição futura de uma linha telefônica, caracteriza sem dúvida, atividade privativa de instituição financeira, que, para se desenvolver regularmente, necessita de autorização do Banco Central, requisito não observado pela sociedade administrada pelos denunciados. Como comprova o documento contido na folha 15 dos autos em apenso (128770), as atividades da Newplan iniciaram-se em 04 de agosto de 1992 (fl. 19, rodapé), e os quatro denunciados gerenciavam a sociedade, substituindo-se um ao outro sem especificação de atribuições. No dia 21 de dezembro de 1992, houve a primeira reclamação de um dos clientes da empresa à polícia, como se pode perceber pelo registro de ocorrência contido na folha 05. Nesta data, os administradores da empresa jactavam-se de já terem entregue 18 terminais a clientes diversos, ‘em apenas três meses de atividade’ (fl. 07) No próprio dia 21 de dezembro de 1992, às 20:10 horas, a polícia compareceu à sede da Newplan e constatou que ali se realizava uma reunião destinada a sortear linhas telefônicas a participantes dos grupos organizados pela empresa, registrando-se que o sorteio era dirigido pelos denunciados J. C. M. N. e A. S., mediante o uso de um globo e 25 bolinhas numeradas (fls. 11 dos autos 12877-0). R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 169 No dia 07 de junho de 1993, os denunciados I. A. S. e A. A. S. retiraram-se da sociedade. Em 31 de julho do mesmo ano, foram seguidos por A. S. O sócio remanescente – J. C. M. N, porém, prosseguiu na atividade criminosa. No dia 31 de maio de 1994, agora já na Av. Sete de Setembro, 3038, onde passou a funcionar a Newplan sob a denominação de Ciatell – Comércio e Administração de Linhas Telefônicas Ltda., agora sob a exclusiva direção de J. C., a polícia constatou que por volta das 20:30 horas realizava-se novo sorteio nos mesmos moldes daquele verificado na Av. Visconde de Guarapuava, em 1992. Os clientes ali se encontravam, quando ouvidos, confirmaram que as linhas telefônicas eram sorteadas a participantes de grupos que pagavam mensalmente a Ciatell para formar uma poupança administrada pela empresa, destinada a financiar a aquisição de linhas telefônicas que seriam distribuídas entre eles. Disseram também que conheciam a empresa há quatro anos, revelando que a conduta criminosa não sofreu solução de continuidade. (fls. 02 e 03 autos 13002-0) Tanto a Newplan quanto a Ciatell captavam e administravam recursos de terceiros sem qualquer autorização do Banco Central. (fls. 03/17)”. A denúncia foi recebida em 28.05.96. (fl. 06v) Aos denunciados foi concedido o benefício da suspensão condicional do processo, art. 89 da Lei nº 9.099/95, mas foi revogado em razão do descumprimento das condições, em relação aos réus J. C. e A., pelo que foi o processo cindido, tendo prosseguimento apenas em relação a estes. Encerrada a instrução, sobreveio a sentença em 26.05.2000 (fls. 238253), na qual foram condenados os réus J. C. N.(às penas de 02 anos de reclusão e 20 dias-multa) e A. S. (às penas de 01 ano de reclusão e 10 dias-multa), ambos pela prática do delito descrito no art. 16 da Lei nº 7.492/86, o primeiro por duas vezes, em concurso material, o segundo por apenas uma vez. O MM. Juízo a quo substituiu a pena privativa de liberdade de J. C. M. N. por penas de prestação de serviços à comunidade e de limitação de fim de semana, e substituiu a de A. S. por prestação de serviços à comunidade, apenas. Fixou o valor do dia-multa em 03 salários mínimos vigentes em julho de 1993, devidamente atualizados. Inconformados com a decisão proferida, ambos, Ministério Público e defesa interpuseram apelação, pugnando por sua reforma. O Ministério Público Federal alegou, em síntese, que, em vista da gravidade do crime cometido e de sua repercussão social, lesando inúmeros consumidores paranaenses, a pena aplicada não condiz com a reprovabilidade necessária, seja em seu caráter punitivo, seja em seu caráter educativo. Quanto ao réu J. C. M. N., sustentou que a pena-base 170 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 não deveria ter sido aplicada no mínimo legal, porquanto a certidão de fl. 221 dá conta de que o réu responde a outras 03 ações penais e 01 inquérito policial, o que caracteriza maus antecedentes, elevando a pena para além do mínimo; que os motivos sórdidos do crime não podem ser desconsiderados; que as conseqüências do crime foram enormes, atingindo as relações de consumo de muitos paranaenses. No que diz respeito ao réu A. S., aplica o mesmo raciocínio elaborado em relação à pena do réu J. C. M. N., exceto quanto aos antecedentes. Requereu, pois, a reforma da sentença com o aumento das penas dos réus. O réu A. S. requereu a absolvição, pelas razões lançadas em suas alegações finais de fls. 223/230. J. C. M. N., por sua vez, afirmou que não agiu com dolo; que houve erro sobre a ilicitude do fato, uma vez que não sabia que estaria cometendo algum delito ao sortear entre os clientes uma linha telefônica, pelo que deve incidir o art. 21 do CP. Regularmente processados os recursos e com contra-razões, subiram os autos a esta Corte. O Ministério Público Federal, por meio de sua Procuradoria Regional, ofertou parecer pelo improvimento dos recursos das defesas e pelo parcial provimento da apelação da acusação, apenas para aumentar a pena aplicada ao réu J. C. M. N. É o relatório. À douta revisão. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva: Trata-se no presente caso de apelações criminais acerca da prática do delito tipificado no art. 16, c/c art. 1º, parágrafo único, inc. I, ambos da Lei nº 7.492/86, que assim dispõem: “Art. 1º. Considera-se instituição financeira, para efeito desta Lei, a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros (vetado) de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários. Parágrafo único. Equipara-se à instituição financeira: I – a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros; . R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 171 (...) Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração (vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio: Pena – Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.” Segundo a jurisprudência deste Regional, operar consórcio sem autorização configura o delito acima tipificado, in verbis: “DESCAMINHO – ART. 334, CAPUT, CP – CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO – ADMINISTRAÇÃO DE CONSÓRCIO SEM AUTORIZAÇÃO LEGAL – ART. 16, LEI Nº 7.492/86 – PENA-BASE – FIXAÇÃO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL – SUBSTITUIÇÃO DA PENA – INCABIMENTO. Provada a procedência estrangeira de mercadoria adquirida e sua destinação comercial, está caracterizado o crime tipificado no art. 334, caput, do Código Penal. Quem, sem a devida autorização legal, opera com grupos de consórcios, pratica crime contra o sistema financeiro previsto no art. 16 da Lei nº 7.492/86. Correta a sentença que, justificadamente, fixou a pena-base acima do mínimo legal, pois o acusado responde a outro processo por descaminho, sendo, portanto, incabível a substituição da pena privativa de liberdade prevista no art. 44 do CP.” (ACR nº 97.04.23751-0/PR, Rel. Juiz Amir José Finocchiaro Sarti, 1ª Turma, un., DJ 03.05.2000) Materialidade e Autoria A materialidade e a autoria restaram plenamente demonstradas e confirmadas pela sentença, não tendo sido, inclusive, objeto das apelações. Apelação do réu A. S. O réu A. S. requereu a absolvição, pelas razões lançadas em suas alegações finais de fls. 223/230, as quais dizem, resumidamente, que o acusado não causou nenhum dano ao ordenamento jurídico, uma vez que só aconteceram problemas com consumidores em época na qual ele não mais se encontrava na empresa; que a empresa constituída por ele e seus sócios era lícita, regularmente constituída e o sistema de sorteios das linhas telefônicas derivou dos próprios clientes; que a acusação não conseguiu provar efetivamente o delito imputado ao acusado pois não houve vítima; enfim, que não há provas suficientes para um juízo condenatório. Não lhe assiste razão, entretanto. A lei, o tipo penal em tela, para restar configurado, não exige a lesão ao consumidor. O tipo objetivo em questão, segundo a doutrina, é fazer 172 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 operar, pôr em funcionamento, atuar no mercado, como instituição financeira. Ou seja, configura-se a prática delituosa versada nos presentes autos pela realização de atividade financeira, própria ou equiparada, por envolver recursos de terceiros. De outra parte, ainda que a empresa tivesse sido constituída legalmente, como afirmou o réu, a partir do momento em que passou a operar na forma de consórcio, sem autorização, incidiu no tipo especificado, sendo irrelevante o argumento de que os sorteios teriam se incorporado no modus operandi da empresa por interesse dos próprios clientes, o que, evidentemente, não representa a realidade dos fatos. Apelação do réu J. C. M. N. J. C. M. N., por sua vez, afirmou que não agiu com dolo; que houve erro sobre a ilicitude do fato, uma vez que não sabia que estaria cometendo algum delito ao sortear entre os clientes uma linha telefônica, pelo que deve incidir o art. 21 do CP. Aqui também não há respaldo para a tese defensiva. Os réus mesmos, como bem afirmou o douto Procurador Regional da República em seu parecer de fls., admitiram, implicitamente, a ausência de autorização para operar consórcio. Além disso, mais especificamente ao réu J. C. M. N., asseverou o n. Magistrado a quo, “mesmo depois de advertido formalmente pela Polícia quanto à ilicitude da conduta que empreendia em 21.12.92 (fls. 11 e seguintes do inquérito 94.012877-0), ainda assim dispôs-se a persistir praticando-a até 07.06.93 (flagrante dos autos 94.0013002-3), o que evidencia que agia ele não por desconhecer a ilicitude de seu comportamento, mas sim por acreditar que persistia coberto pelo manto da impunidade”. Logo se vê que não pode prosperar a tese do erro sobre a ilicitude do fato, possibilidade veiculada pelo art. 21 do CP. Sobre este ponto, colhem-se dos Comentários ao Código Penal, de Celso Delmanto et alli (Ed. Renovar, 5ª edição, 2000), os seguintes ensinamentos: “... O caput do art. 21 inicia-se com a declaração de que o desconhecimento da lei é inescusável. Obedece, assim, ao princípio da inescusabilidade do desconhecimento formal da lei, que é indispensável sob risco das leis não serem mais obedecidas. Em seguida, porém, preceitua a respeito do erro sobre a ilicitude do fato (erro de proibição) e indica sua relevância. Explica-se a diferença: se de um lado ninguém pode ignorar R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 173 a existência formal da lei (que proíbe matar, furtar etc.), pode faltar ao sujeito o potencial conhecimento da proibição contida, levando-o a atuar com desconhecimento do injusto. Este é o erro de proibição, que incide na ilicitude do fato. Portanto, para o CP são diferentes em suas essências e efeitos o desconhecimento da lei e sua errônea compreensão (erro de proibição). ... Noção: como se viu, o erro de proibição pode ser evitável ou inevitável, decorrendo dessa diferença distintas conseqüências. Dispõe o parágrafo único deste art. 21 ser evitável o erro quando era possível ao agente, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência, ou seja, era-lhe possível alcançar o conhecimento da ilicitude (antijuridicidade) de sua conduta.” (p. 39) Além disso, veja-se que não há como se sustentar a tese apresentada pela defesa, porquanto um dos sócios, o réu A. S., em seu interrogatório (fls. 106-107) – J. C. M. N., embora intimado, recusou-se a comparecer, tendo sido decretada a sua revelia –, afirmou que: “constituiu a empresa referida na denúncia tendo em vista a experiência que detinha na venda de cotas de consórcio, atividade restringida pelo Governo quanto à abertura de novos grupos em 1990”. Ora, não se pode admitir que se um dos sócios tinha este conhecimento, o outro, que apesar de advertido explicitamente pela polícia, venha alegar erro de proibição por ausência de conhecimento do ilícito. Assim, entendo que deve ser mantida a sentença condenatória. Apelação do MPF O Ministério Público Federal alegou que, em vista da gravidade do crime cometido e de sua repercussão social, lesando inúmeros consumidores paranaenses, a pena aplicada não condiz com a reprovabilidade necessária, seja em seu caráter punitivo, seja em seu caráter educativo. Quanto ao réu J. C. M. N., sustentou que a pena-base não deveria ter sido aplicada no mínimo legal, porquanto a certidão de fl. 221 dá conta de que o réu responde a outras 03 ações penais e 01 inquérito policial, o que caracteriza maus antecedentes, elevando a pena para além do mínimo; que os motivos sórdidos do crime não podem ser desconsiderados; que as conseqüências do crime foram enormes, atingindo as relações de consumo de muitos paranaenses. No que diz respeito ao réu A. S., aplica o mesmo raciocínio elaborado em relação à pena do réu J. C. M. N., exceto quanto aos antecedentes. Requereu, pois, a reforma da sentença com o aumento das penas dos réus. 174 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Necessário faz-se, pois, a análise da dosimetria da pena. - Com relação ao réu J. C. M. N., o Magistrado assim se manifestou: “3.2.1 O réu J. C. M. N. é maior, mentalmente são, e, portanto, imputável. 3.2.1.1 Em análise das circunstâncias do caput do art. 59 do Código Penal para a primeira fase de aplicação da pena, tem-se que o réu portou-se com culpabilidade elevada, posto que alto o grau de reprovabilidade de sua conduta, sendo que, entretanto, tal fator não é tomado em conta no presente momento por já ter sido considerado para afastar o reconhecimento da continuidade delitiva; não há registro de fatos que se enquadrem dentro do conceito técnico de antecedentes (inquéritos e processos pendentes de condenação definitiva não se inserem nesse conceito); não há informações suficientes para dizer-se que sua conduta social e personalidade revelem desvirtuamento exagerado; os motivos de seu agir mostram-se reprováveis, guardando relação com o egoísmo tendente a auferir vantagem em proveito próprio, ainda que gerando prejuízo a terceiros, mas, em verdade, são normais à espécie de crimes praticados; as circunstâncias dos crimes foram normais à espécie; não foram graves as conseqüências da conduta criminosa; quanto ao comportamento da vítima, tem-se-no como irrelevante neste caso dos autos. Partindo de tal análise das circunstâncias judiciais, tem-se que, no tocante à sanção corporal cominada pelo legislador, a pena-base deve ser fixada em 01 ano de reclusão e 10 dias-multa para o primeiro delito do art. 16 da Lei nº 7.492/86, e em 01 ano de reclusão e 10 dias-multa para o segundo delito do art. 16 da Lei nº 7.492/86 que pelo referido réu foi praticado. 3.2.1.2 Na segunda fase de aplicação da pena, não observo a presença de agravantes. Eventual aplicação de atenuantes restaria prejudicada por já terem sido as penas-base fixadas no mínimo legal. 3.2.1.3 Por fim, na terceira fase de aplicação da pena, não vislumbro presença de causa especial de aumento ou diminuição das penas até aqui aplicadas, cabendo apenas somá-las em função da regra do concurso material, prevista no art. 69 do Código Penal (a continuidade delitiva foi afastada, consoante parte final da fundamentação desta sentença), para, enfim, quantificar definitivamente a resposta penal em 02 (dois) anos de reclusão e 20 dias-multa.” Com relação à pena-base, especificamente aos antecedentes, assiste razão ao Ministério Público Federal, pois, de fato, o STF tem, de há muito, considerado que “maus antecedentes não resultam exclusivamente de decisões judiciais com trânsito em julgado, mas também das situações de vida pregressa do réu que, pela reiteração e desígnios, autorizem o magistrado a aumentar a pena imposta” e, no caso sob exame, o réu possui 03 ações penais e 01 inquérito policial. (cf. fl. 221) Quanto aos motivos sórdidos, penso não haver razão ao recorrente, porquanto a sordidez é praxe na atividade criminosa e, no que diz 175 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 com as conseqüências, embora, sim, tenha potencialmente atingido a credibilidade do sistema financeiro como um todo, tenha ferido a credibilidade das relações de consumo, quantitativamente, não é significativo a ponto de impor mais uma elevação na pena. Assim, entendo que, em razão dos antecedentes do réu J. C. M. N., a penabase de cada um dos delitos deve ser aumentada para 01 ano e 03 meses de reclusão, para cada um dos delitos, resultando, em face do concurso, em 02 anos e 06 meses de reclusão, a qual torno definitiva ante a ausência de agravantes/atenuantes, causas de aumento/de diminuição. Mantida a pena de multa, porquanto esta deve levar em consideração, além das circunstâncias do art. 59 do CP, principalmente, as condições econômicas do réu (art. 60 do CP). - Com relação ao réu A. S., determinou o Sentenciante: “3.2.2 O réu A. S. é maior, mentalmente são, e, portanto, imputável. 3.2.2.1 Em análise das circunstâncias do caput do art. 59 do Código Penal para a primeira fase de aplicação da pena, tem-se que o réu portou-se com culpabilidade normal à espécie de crime praticado; não há registro de fatos que se enquadrem dentro do conceito técnico de antecedentes (inquéritos e processos pendentes de condenação definitiva não se inserem nesse conceito); não há informações suficientes para dizer-se que sua conduta social e personalidade revelem desvirtuamento exagerado; os motivos de seu agir mostram-se reprováveis, guardando relação com o egoísmo tendente a auferir vantagem em proveito próprio, ainda que gerando prejuízo a terceiros, mas, em verdade, são normais à espécie de crime praticado; as circunstâncias do crime foram normais à espécie; não foram graves as conseqüências da conduta criminosa; quanto ao comportamento da vítima, tem-se-no como irrelevante neste caso dos autos. Partindo de tal análise das circunstâncias judiciais, tem-se que no tocante à sanção corporal cominada pelo legislador, a pena-base deve ser fixada em 01 ano de reclusão e 10 diasmulta para o delito do art. 16 da Lei nº 7.492/86 que pelo referido réu foi praticado. 3.2.2.2 Na segunda fase de aplicação da pena, não observo a presença de agravantes. Eventual aplicação de atenuantes restaria prejudicada por já ter sido a pena base fixada no mínimo legal. 3.2.1.3 Por fim, na terceira fase de aplicação da pena, não vislumbro presença de causa especial de aumento ou diminuição da resposta penal até aqui quantificada, razão pela qual cabe-me apenas fixá-la definitivamente em 01 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa”. Quanto a este réu, A. S., entendo que a pena foi fixada adequadamente, devendo ser a sentença mantida, com a pena definitivamente fixada em 01 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Da prescrição 176 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 - Em relação ao réu J. C. M. N. No concurso material, as penas não são somadas quando para efeito do cálculo do prazo prescricional. Cada crime tem de ser tomado isoladamente. Ainda assim, não houve prescrição em relação ao condenado, uma vez que não ultrapassado o prazo de 04 anos (pena de cada um dos delitos fixada em 01 ano e 03 meses, incide o inciso V do art. 109 do CP) entre qualquer dos marcos interruptivos da prescrição. - Em relação ao réu A. S. Da mesma forma, que, em relação ao réu J. C. M. N., não foi ultrapassado o prazo de 04 anos (pena de 01 ano, incidindo o inc. V do art. 109 do CP) entre qualquer dos marcos interruptivos da prescrição. Dispositivo Ante o exposto, nego provimento aos recursos das defesas e dou parcial provimento ao apelo da acusação. É o voto. APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2001.04.01.067669-0/RS Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva Apelante: Ministério Público Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle Apelantes: J. R. G. C. E. G. A. G. G. F. J. G. Advogados: Dr. Flavio Luiz Luly Cavedini Dr. Eduardo José Teixeira de Oliveira Apelados: (Os mesmos) R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 177 EMENTA Apelação Criminal. Crime contra a ordem tributária. Lei nº 8.137/90. Art. 1º, I e III. Materialidade. Autoria. Réu septuagenário. Prescrição. Lei nova. Continuidade. Aplicação. Sentença condenatória. Penas mantidas. Recursos improvidos. 1. Comprovada a materialidade do crime narrado na denúncia (art. 1º, II e III, da Lei nº 8.137/90), essencialmente, pelos documentos apreendidos junto à empresa que agenciava as operações de exportação dos calçados da empresa dos réus e mantinha um controle paralelo das operações subfaturadas. 2. Extingue-se a punibilidade do réu septuagenário, com base na prescrição da pretensão punitiva do Estado, por aplicação do art. 115 do Código Penal (c/c os arts. 107, IV; 109, III; 111, I; e 117, I, todos do mesmo diploma legal). 3. Se a direção da empresa era exercida por todos os réus, conforme se depreende da prova dos autos (Teoria do Domínio do Fato), deve ser rejeitada a tese de negativa de autoria apresentada pela defesa. 4. Nos crimes societários, a denúncia que descreve genericamente a atuação dos responsáveis, sem individualização rígida das condutas, apontando também a prova da materialidade, preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal e não é inepta. 5. Ainda que se considere que alguns dos crimes se consumaram à época da vigência da Lei nº 4.729/65 e, portanto, fulminados pela prescrição, tratando-se de continuidade delitiva, aplica-se a lei nova, mesmo que mais gravosa, aos fatos remanescentes que se deram na vigência da Lei nº 8.137/90. 6. Mantidas as penas aplicadas e como aplicadas, corporal e de multa, bem como a substituição da privativa de liberdade, nos termos da Lei nº 9.714/98, tendo em vista o rigor técnico utilizado na dosimetria e a adequação ao caso concreto em sua aplicação. 7. Apelações improvidas. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações da acusação e da defesa, 178 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 18 de junho de 2002. Des. Federal José Germano da Silva, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva: Trata-se de apelações interpostas pela acusação e pela defesa contra sentença que condenou os réus, empresários do ramo calçadista de Novo Hamburgo/ RS, pela prática dos delitos previstos no art. 1º, II e III, da Lei nº 8.137/90, c/c os arts. 11, da mesma lei, e 29, caput, e 71, ambos do CP. Os fatos pelos quais restaram condenados foram assim narrados na exordial: “1. Os denunciados, na qualidade de responsáveis pela empresa HAAS S.A. INDÚSTRIA E COMÉRCIO, ..., atuando, o primeiro como diretor administrativo comercial, o segundo como diretor industrial, o terceiro como diretor administrativo e, o quarto, como gerente financeiro, respectivamente, no período compreendido entre 18.08.90 e 14.05.91, fraudaram a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos em documentos exigidos pela lei fiscal, como por exemplo, guias de exportação, faturas comerciais (commercial invoice) e notas fiscais de venda, através da conduta conhecida como subfaturamento na venda de calçados destinados ao importador SAM & LIBBY, empresa sediada nos E.U.A. Dessa forma, os denunciados reduziam o pagamento de tributos, de forma continuada, ao deixar de recolher os valores tributários devidos ao Tesouro Nacional ao operacionalizarem exportações de calçados por valores inferiores aos efetivamente recebidos dos importadores, ou seja, mediante a alteração de valores que deveriam constar nos documentos para exportação de mercadorias, fazendo consignar nesses documentos e nos da contabilidade da empresa valores menores (não reais) aos preços realmente praticados na venda de mercadorias para o estrangeiro, contabilizando apenas parte dos valores recebidos em dólares. 1.1 As operações de exportação realizadas pela empresa administrada pelos denunciados era intermediada, aqui no Brasil, pela empresa SAM & LIBBY DO BRASIL – Importações e Exportações Ltda., ..., a qual mantinha controles paralelos que foram apreendidos pela fiscalização tributária, conforme documentos de fls. 1.312/1.317 dos autos do procedimento administrativo-fiscal, constatando-se ter ocorrido tal prática criminosa com relação ao envio das mercadorias adquiridas pelo importador referente aos pedidos de números 200.864, 200.797, ... .Tal subfaturamento pode ser visualizado através da análise do ‘demonstrativo do subfaturamento nas exportações’ de fls. 1.308/1.311, encontrando-se os documentos referidos nesse quadro demonstrativo juntados às fls. 03/234 da representação fiscal. 1.2 Os preços unitários contratados e praticados coincidem com os preços indicados nos controles paralelos elaborados pelo agente local intermediador das exportações, de R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 179 onde foram retidos. Trata-se de controles onde estão registrados os dados relativos às exportações por ele agenciadas, tais como: nº do pedido, nº da commercial invoices, nos de pares de calçados, data de embarque, preço unitário oficial e não oficial, valor total não oficial, entre outros dados, conforme documentos de fls. 1.312/1.217. 1.3 As comissões pagas pela empresa administrada pelos denunciados, em cruzeiros, para o agente no Brasil, eram de 5% (cinco por cento) sobre o valor das mercadorias exportadas, conforme informações recebidas do próprio agente, documento de fl. 955, em atendimento à intimação fiscal. Os valores faturados a este título, conforme notas fiscais de serviços emitidas pelo agente, e os pagos, correspondem exatamente a 5% (cinco por cento) do valor real (praticado mas não declarado) constante do pedido e dos demais controles paralelos, conforme se pode concluir da análise do conteúdo destas notas fiscais, que se encontram juntadas às fls. 956/964, com a análise exemplificativa elaborada pelos fiscais fazendários às fls. 1.321/1.325. 1.4 Outro elemento comprobatório da prática do subfaturamento é um fax, cuja cópia foi apreendida pela fiscalização em 13.11.91, no escritório da SANDERS Importação e Exportação Ltda., representante, em Novo Hamburgo, da SAM & LIBBY, Califórnia, cuja tradução se encontra à fl. 952 e, o original, à fl. 953. 1.5 Ao praticar o subfaturamento nas exportações, a empresa administrada pelos denunciados começou a sentir a necessidade de reingressar em sua contabilidade, parte dos recursos anteriormente omitidos para fazer frente ao pagamento de seus custos, despesas e credores em geral. Só que tal ingresso ocorreu à margem da apuração de seus resultados. Para isso, efetuou diversos depósitos em instituições financeiras, cujos valores e datas estão relacionados às fls. 1.328/1.329, do relatório de trabalho fiscal, e com documentação comprobatória das operações juntadas às fls. 547/1030 desta representação fiscal. Intimada pela fiscalização para comprovar a origem dos depósitos bancários, a fiscalização não justificou de forma convincente, eis que tais valores eram provenientes do subfaturamento das exportações, praticados anteriormente, que retornavam à empresa. 1.6 Das atividades ilícitas praticadas pelos denunciados resultaram omissão de receitas operacionais que, apurado o débito tributário através do lançamento de ofício, resultou num crédito de 465.380,14 UFIR, referente ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica; 5.841,55 UFIR, referente ao PIS/faturamento; 15.438,60 UFIR, referente ao FINSOCIAL/faturamento; 365.768,51 UFIR, referente ao Imposto de Renda Retido na Fonte; e, 90.804,29 UFIR, referente à Contribuição Social, conforme demonstrativo consolidado do crédito tributário do processo constante de fls. 1.345/1.380 desta representação. 2. Assim agindo, os denunciados incidiram nas penas dos incisos II e III do art. 1º da Lei nº 8.137/90, c/c o art. 11, do mesmo diploma legal, arts. 29, caput, e 71, do Código Penal Brasileiro.” A denúncia foi recebida em 09.06.97. Encerrada a instrução, sobreveio a sentença em 14.05.2001, fls. 18031825, na qual a MM. Juíza a quo condenou: 180 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 I) – os réus J. R. G. e F. J. G. pelo cometimento do delito pelo qual foram denunciados, à pena de reclusão de 03 anos, 10 meses e 20 dias em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade, e multa no valor de 55 dias-multa para cada réu, considerando-se o valor do dia-multa em 01 salário mínimo, na data do fato, atualizado até o efetivo pagamento, podendo a pena de multa ser parcelada. Cada réu deverá, ainda, recolher mensalmente a importância de 04 salários mínimos atuais à entidade de cunho social pelo mesmo período da pena privativa de liberdade, a título de pena pecuniária. As penas restritivas serão individualizadas em execução. II) – os réus C. E. G. e A. G. G., pelo cometimento do crime referido, à pena de reclusão de 03 anos e 06 meses em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade, e multa no valor de 50 dias-multa para cada réu, considerando-se o valor do dia-multa em 01 salário mínimo, na data do fato, atualizado até o efetivo pagamento, podendo a pena de multa ser parcelada. Cada réu deverá, ainda, recolher mensalmente a importância de 04 salários mínimos atuais à entidade de cunho social pelo mesmo período da pena privativa de liberdade, a título de pena pecuniária. As penas restritivas serão individualizadas em execução. Inconformados com a decisão proferida, acusação e defesa interpuseram apelações. O Ministério Público Federal irresignou-se com o quantum da pena aplicada, para quem ela foi “aquém do necessário e suficiente à reprovação do grave delito perpetrado pelos réus”. Sustentou, em síntese, a necessidade de elevar-se a pena-base, porquanto a culpabilidade foi intensa, mormente ante o fato de serem os réus empresários experientes, pessoas esclarecidas, com plena consciência da ilicitude; que a Magistrada deixou de analisar os antecedentes, especialmente em relação aos réus J. R. G. e A. G. G., já que foram denunciados em outras três ações penais; os motivos, que dizem respeito, no caso, à obtenção de lucros indevidos associados a uma ganância desmedida; que as conseqüências foram as mais danosas possíveis, porquanto traduziram-se em 943.233,09 UFIRs, ou R$ 1.003.694,33, atualizado até as alegações finais. Por estas razões, sustentou que a pena-base deve ser fixada acima do termo médio, qual 181 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 seja, quatro anos. Aduziu, ainda, que a pena de multa deveria ser fixada bem acima dos 50 ou 55 dias-multa, porquanto esse montante aplicado estaria muito próximo do mínimo e muito afastado do máximo, devendo, ante as condições judiciais e as condições econômicas dos réus, atingir o patamar de 200 dias-multa, cada dia-multa em valor adequado à condição econômica dos condenados, bem-sucedidos empresários. Por fim, aduziu que não há como se promover a substituição da pena corporal. A defesa, por sua vez, sustentou: a) em relação ao réu A. G. G., que, além da idade avançada (79 anos à data da apelação), é portador do Mal de Parkinson, entre outras enfermidades, necessitando do auxílio constante da família, motivo pelo qual não pode prevalecer a pena fixada, devendo ser-lhe aplicado o disposto no art. 115 do Código Penal, extinguindose a punibilidade; b) quanto ao réu F. J. G., alegou que a sentença foi contrária à prova dos autos, uma vez que teria restado comprovado ser ele um “funcionário” da sociedade, contador, e, como tal, sujeitava-se às determinações da Direção; que, sendo contabilista, apenas organizava a documentação que lhe era entregue, fatos passados, sobre os quais não tinha qualquer poder decisório; que, sendo funcionário, não poderia ter sido penalizado com multa idêntica àquelas atribuídas aos diretores, uma vez que seus ganhos eram restritos a sua atividade; c) no que se refere ao réu C. E. G., sustentou que lhe afetava apenas a parte industrial da empresa, pelo que não poderia ter sido apenado pela prática do delito; que só algumas vezes tomava parte em decisões de administração, conforme seu depoimento; que a prova não conduz à participação dele, ou de qualquer dos réus no ilícito denunciado, não tendo a acusação se desincumbido de tal ônus. De forma mais genérica, a defesa alegou ainda: d) que a denúncia não demonstrou ações individualizadas; e) que deveria ter sido aplicada a lei mais benigna; f) que a pena restritiva de liberdade deve ser diminuída, uma vez que a análise das circunstâncias judiciais foi equivocada, já que todas as circunstâncias e atenuantes são favoráveis aos apelantes; g) que não houve continuidade delitiva, pois não se está diante de crime habitual; h) que a pena de multa e a pena pecuniária substitutiva foram exacerbadas, devendo ser reduzidas ao mínimo legal, mormente ante o fato que: “... apenas o réu F. J. G. possui hoje atividade rendosa, porém com ínfimos ganhos, suportando tão-somente as necessidades primárias de suas famílias. Todos os demais, 182 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 após a decretação da falência da sociedade ‘HAAS’ enfrentam sérios problemas de ordem financeira”. Requereu, a final, a absolvição dos réus ou a diminuição da pena. Com contra-razões. Nesta instância, o Ministério Público Federal opinou pelo parcial provimento dos apelos. É o relatório. À douta revisão. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva: Trata-se de apelações interpostas pela acusação e pela defesa contra sentença que condenou os réus, empresários do ramo calçadista de Novo Hamburgo/ RS, pela prática dos delitos previstos no art. 1º, II e III, da Lei nº 8.137/90, c/c os arts. 11, da mesma lei, e 29, caput, e 71, ambos do CP. Materialidade Compulsando-se os volumosos autos deste processo, não restam dúvidas acerca da materialidade delitiva. Como bem afirmou a Julgadora monocrática, a prova da materialidade se dá, no caso, essencialmente, pelos documentos que foram apreendidos junto à empresa Sam & Libby do Brasil – Importações e Exportações Ltda. (S&L), que agenciava as operações de exportação da empresa dos réus, HAAS S.A., e mantinha um controle paralelo das operações. Com base nos demonstrativos fiscais de fls. 1318/1321 e documentos de fls. 1322/1326, depreende-se que entre os preços declarados e a receita declarada houve uma diferença significativa, caracterizadora do delito. Nas próprias palavras da Magistrada: “Em outras palavras, as operações de exportação realizadas pela pessoa jurídica administrada pelos réus era intermediada, no Brasil, pela SAM & LIBBY DO BRASIL – Importações e Exportações Ltda., em poder da qual foram apreendidos controles paralelos, denotando-se a prática criminosa nos pedidos de nos 200.864, 200.797, 200.881, 200.818, 201.268, 200.197, 201.266, 201.289, 201.290, 200.228, 201.423, 201.472, 200.212, 200.213 e 201.507 (fls. 1318 a 1321) – Demonstrativo de Subfaturamento nas Exportações, e fls. 1322 a 1326.” Logo, inquestionável a materialidade do delito. Autoria A autoria confunde-se com o apelo da defesa dos réus, pelo que passo R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 183 a analisar o referido recurso. a) Em relação ao réu A. G. G. De fato, o réu apresenta idade avançada, sendo que à época da sentença (14.05.2001) contava com 79 anos, já que nasceu em 24.09.22, motivo pelo qual se impõe a aplicação, tanto do disposto no art. 65, I, 2ª parte, quanto do disposto no art.115 do CP. De qualquer modo, ainda que se não tomasse em consideração o disposto no art. 65, I, e que a pena fixada fosse a máxima cominada para o delito, o prazo prescricional não ultrapassaria 12 anos, os quais contados pela metade (aplicação do art. 115 do CP), 06 anos, foram excedidos entre a data do último fato (maio de 1991) e a data do recebimento da denúncia (junho de 1997). Assim, a teor dos arts. 107, IV; 109, III; 111, I; 115; 117, I, todos do Código Penal, extingue-se a punibilidade do réu A., pela ocorrência da prescrição. b) Quanto ao réu F. J. G. Tenho que não procede a alegação de que a sentença foi contrária à prova dos autos, uma vez que teria restado comprovado ser ele apenas “funcionário” da sociedade, na função de contabilista, sem qualquer poder decisório. À fl. 411, procedimento fiscal, consta cópia de documento da empresa, uma ficha na qual o referido réu está assim qualificado: “PROFISSÃO: GERENTE FINANCEIRO...; RELAÇÃO COM A EMPRESA: CONTADOR E GERENTE FINANCEIRO (CONTADOR ATÉ 1990 E GERENTE FINANCEIRO ATÉ A ATUALIDADE)”. Além disso, os autos dão conta, como bem asseverou a Sentenciante, “tem-se que a direção da sociedade era exercida por todos os réus, conforme cópias das Atas de Assembléias (fls. 501/509), bem como documentos (fls. 246/286, 287/319, 320/348 e 411/439), ciência do Termo de Intimação Fiscal (fls. 555/558 e 713/715) e do Relatório do Trabalho Fiscal (fls. 1330/1355)”. c) No que se refere ao réu C. E. G. Também não lhe assiste razão. Faço minhas as palavras do i. Procurador Regional da República, Dr. Victor Luiz dos Santos Laus, ao referir-se à parte da apelação em que é questionada a autoria: “É de destacar-se que a materialidade e a autoria restaram bem avaliadas na r. decisão recorrida. Sem embargo do alegado na irresignação acerca da ausência de participação 184 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 de C. E. G. e F. J. G., cumpre referir que assiste inteira razão ao reconhecimento da responsabilidade criminal dos apelantes, endossado pelo procedimento administrativo nº 11065.003401/94-46 (fls. 08/1391), onde constam as Atas de Assembléias da HAAS S.A. Indústria e Comércio (fls. 501/517), que estão em perfeita consonância com os termos dos interrogatórios acostados às fls. 1415 e 1416, pois o primeiro assumiu que cuidava de todo o setor industrial da empresa; contratava pessoal, tomando parte, algumas vezes, em decisões de administração, demonstrando sua importância na continuidade da atividade empresarial, e o segundo por ser o profissional contador responsável da empresa, controlando contas a pagar e assinando balanços do empreendimento. Portanto, a contribuição funcional nas manobras utilizadas para a sonegação de IRPJ, PIS, FINSOCIAL, IRRF e Contribuição Social dos apelantes era inegável, razão por que se mostravam presentes o domínio do fato e o elemento subjetivo do tipo.” (fls. 1.947-1.948) Sobre as demais razões de recurso da defesa d) Descrição das ações dos réus na denúncia É pacífica a posição de que, em crimes societários, a denúncia enuncie de forma genérica a atuação dos responsáveis, sem individualização rígida das condutas, desde que, no decorrer do processo, como no presente caso, reste comprovada a real responsabilidade de cada qual no delito a si imputado. Nesse sentido, o precedente do e. STJ a seguir transcrito: “PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO DE HABEAS CORPUS. CRIME CONTINUADO. SUCESSÃO DE LEIS PENAIS. LEI NOVA. AGRAVAMENTO DA PENA. PRESCRIÇÃO. DENÚNCIA. INÉPCIA. CRIME SOCIETÁRIO. INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS. DESNECESSIDADE. INDICAÇÃO DE PEÇAS DO INQUÉRITO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO DIREITO DE DEFESA. I - Não obstante a determinação legal, por ficção jurídica, para que o crime continuado seja considerado como um único delito, o CP, em seu art. 119, determina que, no concurso de crimes, a extinção de punibilidade deve ser considerada sobre a pena de cada um deles, isoladamente. II - Desse modo, se a denúncia somente foi recebida em fevereiro de 1997, reconhece-se a extinção da punibilidade, por prescrição da pretensão punitiva, em relação aos delitos praticados anteriormente à vigência da Lei 8.137, sob pena de se aplicar retroativamente a lex gravior, o que é vedado em nosso ordenamento jurídico. (CF, art. 5º, XL, e CP, art. 2º) III - Não há inépcia da denúncia que, ao imputar a prática de delito societário aos acusados, deixa de individualizar pormenorizadamente a conduta de cada um deles, R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 185 mas fornece dados suficientes à admissibilidade da acusação, permitindo a adequação típica (Precedentes). Recurso a que se dá parcial provimento.” (STJ, RHC 9617/SP, Rel. Min. Félix Fischer, 5ª Turma, un., DJ 04.09.2000) Logo, afasta-se a alegação da defesa. e) Da aplicação da lei mais benigna Verifica-se dos autos que, de fato, alguns dos fatos criminosos se deram na vigência da Lei nº 4.729/65 (agosto a dezembro de 1990), outros já na vigência da Lei nº 8.137/90 (janeiro a maio de 1991), todos em continuidade delitiva. Tendo isso por base, ou seja, a continuidade, a Magistrada a quo resolveu a questão de direito intertemporal posta, no sentido de que, uma vez que os réus persistiram na continuidade delitiva, não se motivando pelos imperativos da lei nova, aplicar-se-ia, a toda a série delitiva, a lei nova, ainda que mais gravosa. Entretanto, assiste razão parcial à defesa e deve ser acolhido o parecer ministerial, no que diz respeito ao fato de que a consumação de algumas das condutas se deu apenas no momento do provável lançamento dos créditos. Assim o parecer: “Ressalte-se, porém, que parte da carga tributária devida no ano de 1990, deveria ter sido informada ainda neste período (PIS, FINSOCIAL, e Contribuição Social, cujo recolhimento era mensal), estando regrada, então pela Lei nº 4.729/65 e atingida, conseqüentemente, pela pretendida causa extintiva da punibilidade, auferida pela pena em abstrato do tipo violado. Diverso, todavia, é o posicionamento sobre o Imposto de Renda, onde o exercício fiscal efetivou-se em 1991, e, assim, já sob a incidência típica do art. 1º, II e III, da Lei nº 8.137/90.” Sendo induvidoso que sobre o remanescente deve ser aplicada a lei mais moderna, ainda que mais gravosa ao réu, já que sua vigência é anterior ao final da cadeia delitiva. (cf. com jurisprudência do STF e STJ citadas no parecer) Os demais aspectos do recurso da defesa dizem respeito à necessidade de que seja diminuída a pena aplicada, e o recurso da acusação refere-se à necessidade de que seja ela aumentada. Assim, passa-se, de imediato, à análise da fixação da pena. Da dosimetria da pena Para a defesa, a pena restritiva de liberdade deve ser diminuída, uma 186 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 vez que a análise das circunstâncias judiciais foi equivocada, já que todas as circunstâncias e atenuantes são favoráveis aos apelantes e não houve continuidade delitiva, pois não se está diante de crime habitual. Para a acusação há necessidade de elevar-se a pena-base, porquanto a culpabilidade foi intensa; a Magistrada deixou de analisar os antecedentes, especialmente em relação aos réus J. R. G. e A. G. G., já que foram denunciados em outras três ações penais; os motivos, que dizem respeito, no caso, à obtenção de lucros indevidos associados a uma ganância desmedida; e as conseqüências foram as mais danosas possíveis, traduzindo-se em 943.233,09 UFIRs, ou R$ 1.003.694,33, atualizado até as alegações finais, devendo ser fixada acima do termo médio, qual seja, quatro anos. Entendo pertinentes algumas considerações. Em linhas gerais, tenho que as operadoras do art. 59 do CP foram bem dosadas pela Magistrada, exceto no que pertine a dois aspectos, um a favor dos réus, um da acusação. Quais sejam: a favor da acusação levar-se-ia em conta o fato de que realmente os réus J. R. G. e A. G. G. não têm bons antecedentes, pois respondem a outras ações penais e isso, para esta Turma, com base em precedentes do e. STF, configura os maus antecedentes; a favor da defesa, vem o que muito bem lembrou o i. Procurador da República, já citado, sobre o fato de que o grande valor sonegado não pode ser levado em conta nas aplicadoras do art. 59, uma vez que é elemento que integra a causa de aumento insculpida no art. 12 da Lei nº 8.137/90, aplicado pela Julgadora de Primeiro Grau. Caso contrário, estar-se-ia em face de bis in idem. Tendo isso em vista, não vejo razão para que seja modificado o quantum da reprimenda aplicada na sentença. Não há o que discutir acerca da aplicação da majorante da continuidade delitiva, porquanto os fatos se deram na conformidade do que vem disposto no art. 71 do CP, ou seja, houve renovação da conduta, o mesmo modo de agir e a mesma relação de oportunidade. E, tendo em vista a prescrição de alguns dos fatos da cadeia delituosa, com mais razão, entendo adequado ao caso que tal aumento reste fixado no mínimo de 1/6, como o fora já na sentença. Com relação à pena de multa, ao contrário do que alegado por ambas as partes, aliás sem qualquer suporte fático veemente, penso que também R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 187 foi adequadamente dosada, não encontrando razão suficiente para modificá-la, seja para mais, seja para menos, uma vez que suficientes à resposta estatal necessária ao presente caso, tendo em vista as condições econômicas dos réus e a ressalva sentencial de que tais valores poderão ser parcelados, ajustando-se, ainda mais, às condições individualizadas de cada réu. Assim, deve ser mantida a sentença condenatória, inclusive no que diz respeito à substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos, com as ressalvas deste voto. Ante o exposto, nego provimento às apelações da defesa e da acusação. É o voto. APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2001.04.01.079268-9/PR Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa Apelante: Ministério Público Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle Apelado: A. J. F. Advogado: Dr. Paulo Roberto Lemos de Jesus EMENTA Penal. Processual Penal. Emendatio libelli. Art. 383 do CPP. Circunstância elementar contida na denúncia. Concurso aparente de normas. Peculato. Art. 312, § 1º, do CP. Estelionato. Art. 171, § 3º, do CP. Obtenção de dinheiro mediante financiamentos fraudulentos. Crime continuado. 1. É permitido ao Juiz dar ao fato delituoso definição jurídica diversa da capitulada na denúncia, desde que nesta constem todas as elementares da nova capitulação jurídica a ser dada ao fato denunciado. (art. 383 do 188 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 CPP) 2. A conduta do réu, funcionário da Caixa Econômica Federal, consistiu na obtenção de valores decorrentes de três financiamentos concedidos pela referida instituição bancária, em razão de fraude perpetrada pelo denunciado. 3. Hipótese em que o bem objeto do crime foi entregue pela vítima iludida, induzida em erro pelo agente, sem que tenha havido subtração da coisa, devendo, portanto, o fato ser subsumido no estelionato (art. 171, § 3º, do CP), e não no peculato-furto. (art. 312, § 1º, do CP) 4. Pelas condições de tempo, lugar e modo de execução, bem como pela unidade de desígnio nas ações do réu, caracterizou-se o crime continuado. (art. 71 do CP) 5. Apelação improvida. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Vencido o Desembargador Federal José Germano da Silva, que deu provimento à apelação. Porto Alegre, 11 de junho de 2002. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa: O Ministério Público Federal ofereceu denúncia (fls. 03/06) contra A. J. F., como incurso nas sanções do art. 312, § 1º, c/c o art. 71, e art. 299, na forma do art. 69, todos do Código Penal, por ter, em tese, no período compreendido entre 01.01.98 e 04.08.98, aproveitando-se da sua condição de funcionário da Caixa Econômica Federal, forjado a concessão de financiamentos bancários, através da falsificação de assinaturas e do uso indevido de carimbos, apropriando-se indevidamente de valores estimados em R$ 14.702,62 (quatorze mil, setecentos e dois reais e sessenta e dois centavos). A inicial acusatória foi recebida em 20.09.99. (fl. 08) Regularmente instruído o feito, sobreveio a sentença de fls. 82/94, 189 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 publicada em 24.08.2001 (fl. 95), que julgou parcialmente procedente a denúncia para, aplicando o art. 383 do Código de Processo Penal (emendatio libelli), condenar o réu pela prática do delito tipificado no art. 171, § 3º, c/c o art. 71, ambos do Código Penal, às penas de 1 (um) ano, 7 (sete) meses e 6 (seis) dias de reclusão, em regime inicialmente aberto, e de 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de 1/15 (um quinze avos) do salário mínimo vigente em agosto de 1998. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, sendo uma de prestação de serviços à comunidade a ser estabelecida, e outra de prestação pecuniária no valor de 2 (dois) salários mínimos. O parquet federal interpôs recurso de apelação (fls. 97/102), sustentando, em suma, que a conduta pela qual o denunciado foi condenado subsume-se na figura típica do art. 312, § 1º, do Código Penal (peculato-furto), uma vez que a condição de funcionário público ostentada pelo agente do delito foi o que lhe proporcionou a subtração dos valores referidos na inicial, sendo esta característica a que distingue o peculato de outros crimes como a apropriação indébita, o furto e o estelionato. Alega, ainda, que o réu praticou três diferentes fatos, tendo realizado operações distintas para a consecução das fraudes, situação que configura o concurso material de crimes (art. 69 do Código Penal), e não a continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal), conforme reconhecido na sentença. O apelado apresentou contra-razões às fls. 104/106. Nesta instância, o Ministério Público Federal ofereceu parecer pelo provimento do recurso. (fls. 125/126) É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa: A conduta imputada ao ora apelado foi assim descrita na inicial de fls. 03/06: “No período compreendido entre 01 de janeiro de 1998 e 04 de agosto de 1998, o denunciado A., aproveitando-se da sua condição de funcionário da Caixa Econômica Federal do município de Campo Largo/PR, forjou a abertura de três contratos de financiamento para a aquisição de material de construção do plano SIINC – Sistema Integrado de Construção, no nome de Alcemir Davi Braga, Claudenilson Luiz Ferreira e João Pereira, vindo a seguir, mediante a falsificação de assinaturas e utilização de carimbos de funcionários da CEF, a obter a liberação dos referidos financiamentos, 190 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 apropriando-se indevidamente das parcelas liberadas. A fraude foi descoberta na agência CEF através de procedimento de rotina de conferência e autuação de processos habitacionais no setor de Fomento, quando verificou-se a irregularidade nos três processos da modalidade financiamento para aquisição de material de construção mencionados. Constatou-se que na realidade o denunciado somente formalizou a abertura dos procedimentos de liberação, utilizando-se das pessoas de seu sogro e dois funcionários de seu pai, de quem colheu as assinaturas para formalizar os pedidos de financiamento, sem que as mesmas em verdade tivessem conhecimento da pretensão delituosa do denunciado. Nas declarações prestadas pelos mutuários Alcemir Davi Braga e João Pereira (fls. 254/256 do volume 1 e 310/313 do volume 2), estes negaram o reconhecimento das assinaturas constantes das guias de retiradas (fls. 185,187,245,246 e 248) a eles apresentadas, tendo a falsificação sido comprovada pelo laudo pericial de exame grafotécnico, realizada pelos peritos da CEF. (fls.191/193 do apenso I) De acordo com o apurado pela CEF, na averiguação das irregularidades, foram analisados os extratos das contas do denunciado A., de seu pai e dos três mutuários, Alcemir Davi Braga, Claudenilson Luiz Ferreira e João Pereira, quando foi possível estabelecer o cruzamento dos lançamentos feitos entre as referidas contas, pelo denunciado A., no período de 01.01.98 a 04.08.98, constatando-se a apropriação indébita dos recursos pelo mesmo. Concomitantemente à narrada fraude, a partir de março de 1998, o denunciado A. ainda desviou para sua conta corrente, na própria CEF, outros créditos provenientes de contas de diversos clientes da referida Instituição bancária, sempre referentes à contratação de aquisição para material de construção, do plano SIINC (Sistema Integrado de Construção), conforme narrado às fls. 156/159, desviados para sua conta corrente. No total, o denunciado foi responsável por mais de 40 (quarenta) operações de desvio de parcelas do referido financiamento, conforme descrito às fls. 260/263 do IPL. Os documentos das transações fraudulentas (fls. 102/136,143/146,151/190 do apenso I), em sua grande maioria, eram assinados pelo próprio denunciado A. Em outros documentos, todavia, o denunciado A. falsificou as assinaturas dos funcionários da CEF, Celso José Massinhã (fls.192/195 e 200/203 do apenso I) e José Chezanoski (fls.190/191 do apenso I), os quais, em declarações prestadas às fls.281 e 284, não reconheceram tais firmas como suas. Destaca-se, que a maioria das transações realizadas pelo denunciado A. eram feitas mediante Avisos de Débito, Avisos de Crédito, Guias de Depósito e Guias de Retirada (fls.102/190 do apenso I), documentos esses que correspondem aos lançamentos e movimentações das contas supracitadas (fls.156/159 do volume I). O denunciado A., ao prestar depoimento (fls.316/319), assumiu a autoria fraudulenta dos três processos em nome de Claudenilson, Alcemir e João, confessando que na verdade as parcelas dos financiamentos liberados pelo SIINC (Sistema Integrado de Construção) eram pelo mesmo apropriados. Admitiu também ter falsificado as assinaturas de Alcemir Davi Braga e João Pereira e ter usado os carimbos dos funcionários da CEF Celso José R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 191 Massinhã e José Chezanoski, para a consecução da fraude. Ainda, confessou a apropriação indébita de valores de outros correntistas da CEF, que deveriam ser liberadas às lojas de materiais de construção, conforme supranarrado. Expostos os fatos, resta claro que o denunciado A., aproveitando-se da sua condição de funcionário da CEF, forjou a concessão de financiamentos bancários e apropriou-se indevidamente de dinheiro de correntistas, através de falsificação de assinaturas e uso indevido de carimbos de funcionários da CEF, acarretando prejuízo à CEF estimado em R$ 14.702,62 (quatorze mil, setecentos e dois reais e sessenta e dois centavos).” Regularmente instruído o feito, sobreveio a sentença de fls. 82/94, que julgou parcialmente procedente a denúncia para, aplicando o art. 383 do Código de Processo Penal (emendatio libelli), condenar o réu pela prática do delito tipificado no art. 171, § 3º, c/c o art. 71, ambos do Código Penal. Este foi o entendimento adotado pelo MM. Juiz a quo, na sentença condenatória (fls. 85/89): “(...) Pois bem, como salientado pelo Digno Procurador da República em suas derradeiras alegações (fls. 71/77), ‘a materialidade do crime perpetrado pelo denunciado restou comprovada através dos documentos referentes à concessão dos financiamentos a João (fl. 48), a Claudenilson (fl. 50) e a Alcenir (fl. 52), bem como dos documentos pertinentes às transações fraudulentas (quando se consumou o crime), constando inclusive os extratos das contas correntes envolvidas, confirmando-se os débitos e créditos respectivos (fls. 102-136, 143-146 e 151-190)’. No tocante à autoria, igualmente não pairam dúvidas. Isso porque o Réu a confessou, tanto na apuração realizada no âmbito da CEF quanto em Juízo. Transcrevo aqui sua confissão judicial, por revelar-se de grande utilidade até mesmo para melhor compreensão e como os fatos se deram: ‘(...) QUE são verdadeiros os fatos descritos na denúncia, mas com alguns detalhes, no tocante à execução, que são incorretos; Que em novembro/97, sua residência sofreu inundação, consoante comprova as fotografias que ora apresenta e requer sejam juntadas ao feito; Isso acarretou grandes perdas, e não dispunha de recursos para providenciar a restauração da casa; Também era inviável a obtenção de novo financiamento para esse fim, vez que o imóvel já era financiado junto à CEF; Ante esse quadro, procurou seu sogro, sr. Alcemir Davi Braga, seu primo, sr. João Pereira, e seu amigo, sr. Claudenilson Luiz Ferreira, pedindo-lhes para que emprestassem seus nomes para conseguir, através de financiamento, recursos para restauração do imóvel; Como eles concordaram, o interrogado montou um processo de financiamento, junto ao sistema SIINC, utilizandose na entrada de dados dos nomes daquelas três pessoas que ali constavam como mutuários; Que tal processo somente existia no sistema e não fisicamente, em papéis; Que sabia que estava fazendo coisa errada, pois nem mesmo dispunha de notas fiscais, documentos necessários para obtenção de financiamento junto ao banco; Que os créditos 192 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 do aludido financiamento foram efetuados em três contas de poupança de titularidade de Alcemir, João Pereira e Claudenilson; Essas três contas foram normalmente abertas, sendo que as três pessoas nominadas compareceram na agência da CEF em Campo Largo e assinaram toda a papelada necessária para abertura das poupanças; Que eles tinham conhecimento de tudo que o interrogado estava realizando para obtenção do financiamento; Que fazia as transferências entre as contas dos três ‘mutuários’ para a conta-corrente do interrogado através de ordens de débitos e crédito, na própria agência, independentemente de assinaturas deles; Que somente em duas ou três ocasiões, em virtude do excesso de serviço e por ser mais rápido o procedimento através de guia de retirada, falsificou as assinaturas de seu sogro e de seu primo; Que os valores obtidos através dos créditos do financiamento realmente foram utilizados para compra de materiais de construção e reforma de sua casa; Que à época dos fatos era escriturário daquela agência da CEF; Foi demitido em agosto/99 por conseqüência dos fatos que lhe são imputados; Quanto aos carimbos utilizados, ‘necessários’ para passarem as guias de ordem de débito e crédito pelo caixa, não falsificou as assinaturas dos gerentes, pois as rubricas ali constantes são as suas próprias; Que o interrogado é casado há onze anos e trabalhava desde 14.03.90 na CEF; Atualmente trabalha como mecânico; Que está arrependido do que fez e não tinha ciência de que seu proceder poderia acarretar repercussões tão graves perante a Justiça; Que foram cerca de quarenta operações de transferências, sendo que algumas envolviam contas de outros correntistas, das quais se utilizava somente para ‘triangular, tabelar’, os valores, ‘para não dar tão na cara’; Que seu sogro Claudenilson e João Pereira abriram suas contas poupança especificamente para que o interrogado conseguisse o empréstimo; Que já ressarciu a CEF da importância aproximada de onze mil reais, e parcelou pelo prazo total de três anos o restante de aproximadamente três mil reais; Para comprovação disso apresenta neste ato fotocópias de documentos, requerendo sua juntada ao feito’. Vale anotar que as palavras do Réu guardam harmonia com os depoimentos dos testigos arrolados na exordial e ouvidos durante a instrução processual (vide fls. 45/49), merecendo, portanto, total credibilidade. Pois bem, esses fatos perpetrados por A. são penalmente típicos. Porém, sua capitulação, salvo melhor juízo, não aquela apontada pelo MPF na inicial, razão pela qual aqui faço uso do disposto no art. 383, CPP (emendatio libelli). As condutas, em verdade, enquadram-se na figura do estelionato, e não na do peculato. Colaciono, para fundamentar essa conclusão, o seguinte precedente: ‘(...) No peculato próprio, definido no caput do art. 312 do CP, a ação do agente consiste no apropriar-se ou no desviar o dinheiro ou bem móvel de que tem a posse em razão do cargo. Na figura do parágrafo 1º, ele subtrai o dinheiro ou bem, embora dele não tenha a posse, ou concorre para que seja subtraído, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário. Não ocorreu, no caso vertente, apropriação, desvio ou furto, mas o emprego de meio fraudulento com vistas à consecução de proveito ilícito, em prejuízo da autarquia; a nota dominante foi o ardil, o logro, a burla, com a qual se pode dar por configurado o delito de estelionato’. (TFR – Rel. Min. Torreão Braz – ementa inserta em Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, de Alberto R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 193 Silva Franco e outros, pp. 2192/2193) Assim, ante o emprego de meios fraudulentos – três financiamentos forjados, valendo-se o Réu de nome de terceiras pessoas – para a obtenção de indevidas vantagens (que totalizaram, à época dos fatos, R$ 14.702,62), em prejuízo da CEF, as condutas em verdade se amoldam ao arquétipo do art. 171, caput, c/c parágrafo 3º, do CP, in verbis: ‘Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa. (...) § 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência’. Incidente o parágrafo 3º, do art. 171, do CP, já que a vítima, a Caixa Econômica Federal – CEF, é ‘instituto de economia popular’. A propósito da aplicação desse dispositivo (que prevê uma causa especial de aumento de pena), trago à colação os seguintes precedentes: ‘ESTELIONATO – CAIXA ECONÔMICA – MAJORANTE DO § 3º DO ART. 171 DO CP – Aplica-se a causa legal específica de aumento de pena prevista no § 3º do art. 171 do CP no caso de fraude praticada contra a Caixa Econômica Federal. Recurso Provido’. (STJ – REsp 166.260 – PE – 5ª T. – Rel. Min. Félix Fischer – DJU 16.11.98 – p. 111) ‘ESTELIONATO – CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – INSTITUIÇÃO DE ECONOMIA POPULAR – Como tal se qualifica a Caixa Econômica Federal, consoante as suas finalidades legais (Decreto-Lei nº 759/69, art. 2º), a par, ademais, da sua condição de empresa pública, tudo considerado para os efeitos do aumento penal previsto no § 3º do art. 171 do Código Penal’. (STJ – REsp 33.547-0/PE – 5ª T. – Rel. Min. José Dantas – DJU 14.06.93) Quanto às falsificações efetuadas, serviram tão-só de meio para consumação dos crimes e aí se exauriram, sem mais potencialidade lesiva, razão pela qual não são puníveis autonomamente, nos termos da Súmula nº 17, do Egrégio Superior Tribunal de Justiça. (...) Em síntese, pois, reconheço que A. J. F. praticou três condutas (esse é o número de financiamentos fraudulentos) típicas, ilícitas e culpáveis, enquadradas no art. 171, parágrafo 3º, do CP. Entre elas vislumbro continuidade delitiva (art. 71, caput, CP), à vista das mesmas circunstâncias de tempo e de lugar, bem como identidade de vítima e de modo de execução. (...)”. Transitada em julgado a ação para a defesa, recorre o Ministério 194 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Público Federal, sustentando, em síntese, que a conduta delituosa do réu subsume-se à figura típica do art. 312, § 1º, c/c o art. 69, ambos do Código Penal. Portanto, a presente irresignação diz respeito tão-somente à definição jurídica a ser dada ao fato criminoso. Nesse contexto, impõe-se uma análise mais detida das figuras típicas do estelionato (art. 171 do CP) e do peculato-furto (art. 312, § 1º, do CP), a fim de que se possa determinar qual delas se amolda melhor à conduta praticada pelo réu. Inicialmente, vale observar que o ora apelado praticou o ilícito contra a Caixa Econômica Federal, empresa pública, valendo-se da sua condição de funcionário público, nos termos do art. 327 do Código Penal. Como se sabe, o peculato está previsto no capítulo do Código Penal que trata dos crimes praticados por funcionário público contra a Administração. Portanto, trata-se de crime próprio, do qual somente pode ser autor o funcionário público, salvo nas hipóteses do art. 30, in fine, do Código Penal. Contudo, para que haja peculato, não basta que o sujeito ativo do crime seja servidor público e que o seu sujeito passivo seja a Administração Pública. Obviamente, é imprescindível que a conduta praticada esteja prevista no correspondente tipo penal. (art. 312 do CP) Por outro lado, em relação ao delito de estelionato, nada impede que este seja praticado por um funcionário público. Da mesma forma, pode um ente público figurar como vítima de estelionato, hipótese na qual incide o § 3º do art. 171 do Código Penal. Assim sendo, não é pela simples condição dos sujeitos ativo e passivo do crime que se vai esclarecer se o delito praticado foi o de peculatofurto ou o de estelionato. É necessário que se proceda a uma análise das demais circunstâncias que caracterizam uma e outra figura típica. Para um melhor exame acerca dos elementos constitutivos do crime de estelionato, valho-me da lição doutrinária de Nelson Hungria, in Comentários ao Código Penal, vol. VII, Forense, 4ª edição: “73. Fraude patrimonial. O estelionato é crime patrimonial mediante fraude: ao invés da clandestinidade, da violência física ou da ameaça intimidativa, o agente emprega o engano ou se serve dêste para que a vítima, inadvertidamente, se deixe espoliar. É uma R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 195 forma evoluída de captação do alheio. (...) Já não se coage, pela força ou pelo medo, a vítima escolhida: esta é espoliada como o corvo da fábula, ou tão habilmente iludida, que ela mesma é que, de bom grado, se desapossa da própria fazenda em proveito do embusteiro.” (pp. 164/165) “(...) A definição que COELHO DA ROCHA nos dá de fraude é corretíssima, quer do ponto de vista do direito privado, quer do ponto de vista do direito penal: ‘artifício malicioso, que se emprega para enganar uma pessoa, e levá-la a praticar uma ação, que sem isso não praticaria’.” (p. 170) “76. Estelionato no seu tipo fundamental. O art. 171 do Código define o estelionato na sua configuração básica: ‘Obter para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento’. Na estrutura do crime, apresentam-se, portanto, quatro momentos, que se aglutinam em relação de causa a efeito: a) emprego de fraude (isto é, de ‘artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento’); b) provocação ou manutenção (corroboração) de erro; c) locupletação ilícita; d) lesão patrimonial de outrem.” (p. 202) “Já acentuamos, de início, que entre os momentos do estelionato deve existir uma sucessiva relação de causa a efeito: o meio fraudulento, comissivo ou omissivo, deve diretamente induzir ou manter o erro em virtude do qual se realiza a locupletação ilícita, de que resulta a lesão patrimonial. Entende-se por ‘erro’ a falsa ou nenhuma representação da realidade concreta, funcionando como vício do consentimento da vítima. (...)”. (p. 209) “A lesão, no estelionato, pode atingir a qualquer bem, interêsse ou direito patrimonial (pessoal ou real), sem exclusão dos direitos imobiliários. Pode consistir em desfalcar de alguma coisa o patrimônio alheio, onerá-lo com alguma obrigação sem a correlativa contraprestação, ou privá-lo de uma dívida ou obrigação ativa ou de não aleatórios lucros futuros.” (p. 210) “95. Estelionato qualificado. Dispõe o § 3.º do art. 171 que ‘a pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência’. (...) A ratio da especial agravação da pena é a difusão do eventus damni, pois este, nos casos mencionados no texto legal, afeta interesse da coletividade ou de indeterminado número de pessoas.” (pp. 256/258) Ainda em relação ao crime tipificado pelo art. 171 do Código Penal, colho da jurisprudência os seguintes ensinamentos: “Caracteriza-se o estelionato pela presença de seus elementos constitutivos, a saber: o artifício fraudulento, o induzimento, por meio dele, das vítimas em erro, o prejuízo por estas sofrido, o correspondente locupletamento ilícito dos agentes e do dolo.” (TARS – AC – Rel. Pedro Henrique Rodrigues – RT 572/385) “O estelionato é caracterizado pelo emprego de meio fraudulento, para obter 196 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 vantagem indevida. Reside aí a ação física do crime ‘... induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento, diz o dispositivo do art. 171 do CP.” (TACRIM-SP – AC – Rel. Silva Rico – JUTACRIM 94/215) Em contrapartida, no que diz respeito à figura do peculato-furto (art. 312, § 1º, do CP), colaciono a seguinte nota doutrinária: “Aqui, não se trata mais de apropriação, porém, de furto: subtrair é o verbo empregado. Assim como o peculato-apropriação atende, em regra, aos princípios relativos ao delito do art. 168, o peculato-furto se sujeita aos do crime do art. 155, dandose, nas mesmas circunstâncias deste, a consumação e a tentativa. Consuma-se o crime quando o dinheiro ou bem móvel sai da posse do ofendido – a Administração Pública – para entrar na do agente. Esta substitui, então, aquela. Há inversão de posse. (...) Claro que o parágrafo se subordina ao artigo e daí não há excogitar se o bem subtraído é público ou particular: em qualquer caso haverá o delito. A figura em questão distingue-se da precedente apenas em que aqui o agente não tem a posse do bem móvel, pois o parágrafo fala em subtrair o que já mostra não estar a coisa na posse do funcionário. Como se vê da oração da lei, duas são as hipóteses consideradas. Na primeira, o funcionário subtrai, ele mesmo, o bem: v.g., o fiscal ou o lançador da Prefeitura verifica que o tesoureiro deixou aberta a porta do cofre e daí retira certa importância. Na segunda, há um delito plurisubjetivo ou de concurso necessário: o funcionário, voluntária e conscientemente, concorre para que outrem subtraia a coisa, como se conversa com o caixa ou pagador, para que terceiro se aposse do dinheiro. (...) Elemento do tipo é que o agente se valha da facilidade que sua qualidade de funcionário público lhe proporciona. (...) Ao contrário do que se passa no artigo, o fato de o agente ser funcionário não é causa, mas simples ocasião do delito. Não é em virtude da função que o crime ocorre, mas da facilidade que seu cargo cria, o que, aliás, é consentâneo com a teoria da equivalência dos antecedentes, abraçada pelo Código, não distinguindo entre causa, condição e ocasião (E. Magalhães Noronha, ob. cit., pp. 238 e 239)”. (Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, Alberto Silva Franco e outros, ed. RT, 5ª edição, pg. 3022) Como se vê, a distinção encontra-se no núcleo do tipo penal, vale dizer, o verbo descrito na norma incriminadora. Assim, temos que, no peculato-furto (art. 312, § 1º, do CP), o núcleo do tipo é subtrair, ou seja, tomar de outrem coisa alheia móvel de que não se detém a posse. Já no estelionato (art. 171 do CP), não ocorre essa subtração, uma vez que o objeto do crime vem parar nas mãos do sujeito ativo que, mediante fraude, vicia a vontade da vítima que lhe entrega a coisa que pretende obter. 197 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Essa é, a meu ver, a distinção fundamental para solucionar a questão posta nesta fase recursal. Veja-se que, no caso dos autos, o dinheiro do qual o réu pretendeu dispor foi obtido mediante fraude consistente na obtenção indevida de financiamento, em detrimento da Caixa Econômica Federal, que, por sua vez, disponibilizou os recursos, creditando-os nas contas dos três correntistas que emprestaram seus nomes para que o denunciado elaborasse a sua conduta criminosa. Desse modo, é possível observar com clareza que, em nenhum momento, houve subtração dos valores liberados em razão do financiamento. Uma vez enganada, a instituição financeira entregava os bens que poderiam ser, posteriormente, disponibilizados pelo autor da fraude. Em conformidade com esse entendimento, os seguintes precedentes: “PENAL. ESTELIONATO. PECULATO. EMPREGADO DA CEF. RETIRADA FRAUDULENTA DE ALTAS SOMAS EM DINHEIRO DE CORRENTISTA. 1 – O réu falsificava a assinatura da correntista na guia de retirada e era por ele visada, para atribuir veracidade e, em seguida, valendo-se de sua condição de supervisor de captação de recursos da CEF, dirigia-se ao caixa, pela parte interna do balcão, apresentava a guia fraudada ao operador do caixa, que efetuava a entrega do dinheiro, sem fazer conferência de assinatura e saldo. Essa conduta repetiu-se várias vezes, tendo o réu se apropriado de altas somas em dinheiro, para uso próprio. 2 – A conduta acima descrita caracteriza o crime de estelionato, pois o réu necessitou empregar artifício fraudulento para alcançar seus objetivos delituosos – obtenção de dinheiro de forma ilícita – , não se caracterizando o crime de peculato.” (TRF 4ª Região, ACR nº 97.04.50029-7, 2ª Turma, Rel. Juiz Jardim de Camargo, DJ 22.04.98, p. 505) “PENAL. FALSIFICAÇÃO. ESTELIONATO. PECULATO-FURTO. ABSORÇÃO. AGRAVAÇÃO DA PENA-BASE. PRESCRIÇÃO. I. Se o réu não tem a posse dos valores mas sim pretende obtê-la por meio de ressarcimentos fraudulentos, caracteriza-se o estelionato e não o peculato-furto, pois não houve a efetiva subtração das quantias. (...)”. (TRF 4ª Região, ACR nº 95.04.23471-4, 1ª Turma, Rel. Juiz Gilson Langaro Dipp, DJ 02.10.96, p. 74472) “Se a coisa não foi retirada da vítima contra a sua vontade, mas com sua plena concordância foi ela em verdade, induzida em erro. Se, em função desse erro o agente obteve um proveito ilícito com conseqüente prejuízo patrimonial do ofendido, caracteriza-se o delito de estelionato.” (TACRIM-SP – Rev. – Rel. Leite Cintra – JUTACRIM 93/372) 198 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Dessarte, entendo que a conduta criminosa levada a efeito pelo réu amolda-se perfeitamente ao delito tipificado no art. 171 do Código Penal. Por outro lado, levando-se em consideração a relação de especialidade que existe entre o peculato, na forma § 1º do art. 312 do Código Penal, e o crime de furto, em razão da condição dos sujeitos ativo e passivo do crime, importa fazer a distinção entre as figuras típicas do estelionato (art. 171 do CP) e do furto cometido mediante fraude. (art. 155, § 4º, inc. II, do CP) É que, no estelionato, a fraude figura como elemento que vicia a vontade da vítima que, induzida ou mantida em erro, concede a vantagem ilícita ao sujeito ativo do crime. No furto qualificado, o emprego de fraude destina-se a afastar ou diminuir o poder de vigilância do ofendido sobre o bem objeto do delito, de modo a facilitar a sua subtração por parte do agente. Nesse sentido, a jurisprudência: “No furto qualificado pela fraude o agente subtrai a coisa, após conseguir diminuir ou anular a vigilância sobre a mesma. No estelionato, o agente consegue que a coisa lhe seja entregue, induzindo ou mantendo a vítima em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer meio fraudulento.” (RJD 1/98) “Se o engano antecedeu ao apossamento da coisa e foi em virtude dele que esta foi entregue ao acusado, sem subtração, portanto, não há falar em furto mediante fraude e, sim, em estelionato.” (RT 579/349) “Quando a coisa é entregue pela vítima iludida, viciada em erro pelo agente, sem que tenha sido necessário subtrair, ou seja, tirar às escondidas, o fato deve ser subsumido no estelionato e não no furto praticado mediante fraude.” (JUTACRIM 84/437) R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 199 Especificamente em relação ao conflito aparente de normas envolvendo estelionato e peculato, encontramos, ainda, os seguintes julgados: “Pratica estelionato, com abuso da condição de funcionário, e não o delito de peculato, aquele que falsifica as assinaturas de diversos subalternos do serviço público, em cheques a favor dos mesmos emitidos pela Administração Pública, recebendo dinheiro a eles devido.” (RT 446/389) “A falsidade utilizada pelo funcionário público para, ardilosamente, levantar depósitos judiciais e embolsar, em proveito próprio, as respectivas importâncias, configura o delito de estelionato e não o de peculato ou falsificação documental.” (RT 510/532) Nessa linha de entendimento, não vejo outra conclusão a ser dada ao caso concreto senão aplicar à conduta criminosa do réu as sanções do art. 171 do Código Penal, pois, como já se disse anteriormente, a fraude foi utilizada não para facilitar a subtração, mas para viciar a vontade da vítima, que entregou o objeto do crime ao seu sujeito ativo. Ocorre que, no presente feito, o fato de o crime ter sido praticado por funcionário público contra a Administração Pública, induz à idéia de que se trata de crime próprio, no caso, peculato. Entretanto, essa dúvida não existiria se uma conduta idêntica à do ora apelado tivesse sido praticada por um funcionário de um banco privado. Nessa hipótese, indubitavelmente, estar-se-ia diante de um crime de estelionato. Com efeito, o fato de o delito ter sido realizado por um funcionário da Caixa Econômica Federal, contra a referida empresa pública, não muda a tipificação a ser dada ao fato. Isso porque, no tocante às condutas descritas nos tipos penais dos arts. 155 (furto) e 168 (apropriação indébita), ambos do Código Penal, o legislador conferiu uma relação de especialidade. Diante disso, quando o funcionário público apropria-se de algo de que tem a posse em razão de sua função, ou subtrai determinado bem diante da facilidade de acesso que seu cargo proporciona em relação ao objeto do crime, comete o delito do art. 312 do Código Penal. Nota-se, portanto, que o legislador entendeu por apenar mais severamente tais condutas, porque praticadas com violação ao dever de fidelidade que se espera do servidor público perante a Administração. Todavia, no que diz respeito à fraude, enquanto meio para viciar a vontade ou o consentimento do ofendido, não há essa relação de 200 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 especialidade. Logo, a prática da conduta descrita no art. 171 do Código Penal contra a Administração Pública, mesmo nos casos em que o sujeito ativo for um funcionário público, não configura crime próprio, e sim estelionato. Dizer que a ação levada a efeito pelo réu, no presente caso, configurou o delito de peculato, somente porque foi praticada por funcionário público contra a Administração Pública, sem que este tenha realizado nenhuma das condutas descritas no art. 312 do Código Penal, implicaria ofensa ao princípio da legalidade. Sobre a questão, valho-me das seguintes considerações doutrinárias: “O princípio da legalidade, segundo o qual nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada, sem que antes desse mesmo fato tenham sido instituídos por lei o tipo delitivo e a pena respectiva, constitui uma real limitação ao poder estatal de interferir na esfera das liberdades individuais. (...) Significa, em outras palavras, que a elaboração das normas incriminadoras e das respectivas sanções constitui matéria reservada ou função exclusiva da lei.” (Princípios Básicos de Direito Penal, Francisco de Assis Toledo, ed. Saraiva, 5ª edição, p. 21) “Naturalmente, enquanto o princípio da reserva legal se refere às fontes do direito penal, o princípio da determinação taxativa deverá estar presente no instante da elaboração técnica da norma penal (Nullum crimen sine lege penale scripta et stricta). E nele se compreendem, afora a descrição clara e concreta da conduta punível, suas conseqüências jurídicas, ou seja, a forma e o grau de pena cominada, que haverá de ser igualmente determinada, para que a discricionariedade do julgador fique vinculada à obra do legislador.” (Comentários ao Código Penal, Paulo José da Costa Jr., ed. Saraiva, 6ª edição, p. 3) Como se sabe, a interpretação extensiva não é admissível para qualificar crimes ou aplicar-lhes penas, não podendo o juiz criminal substituir o legislador em sua tarefa exclusiva de incriminar condutas e cominar-lhes sanções. No tocante à aplicação da pena, entendo que não merece qualquer reparo a sentença ora recorrida. Alega o recorrente que se estaria diante de hipótese de concurso material de crimes (art. 69 do CP), e não de crime continuado (art. 71 do CP), conforme reconhecido pela decisão de primeiro grau. Sustenta o apelante que o réu obteve três financiamentos indevidos, tendo realizado em torno de 40 (quarenta) operações distintas para a consecução da fraude. Segundo a acusação, as inúmeras ações praticadas pelo condenado, R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 201 envolvendo datas, pessoas e documentos distintos, seriam incompatíveis com a continuidade delitiva. Contudo, entendo que, também neste ponto, não assiste razão ao apelante. No presente feito, verifica-se que foram cometidas três fraudes, cada qual envolvendo uma série de operações, todas relacionadas ao serviço desempenhado pelo réu na agência bancária em que trabalhava. Inegavelmente, as condições de tempo, lugar e maneira de execução indicam, como bem frisou o douto magistrado a quo, a ocorrência de crime continuado. Além disso, não resta dúvida de que se trata de hipótese na qual o réu agiu com unidade de desígnio, pois restou amplamente comprovado que todas as suas ações foram sempre dirigidas a um mesmo fim, a obtenção de vantagem ilícita. Desse modo, não vislumbro qualquer reparo a ser feito na decisão recorrida, também no que diz respeito à aplicação da pena. Por estes fundamentos, tenho que merece ser mantida integralmente a sentença apelada, para condenar o réu pela prática do crime de estelionato. (art. 171, § 3º, do CP) Em face do exposto, voto no sentido de conhecer da apelação para negar-lhe provimento. VOTO VENCIDO (excerto extraído das notas taquigráficas) O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva: “...Então, o ardil é só o meio. Em vez de abrir o cofre e pegar o dinheiro, criou um ardil para enganar, para disfarçar o seu gesto, para deixar menos grosseiro, mas, ao fim e ao cabo, apropriou-se de dinheiro do empregador como servidor público. É a orientação dessa jurisprudência, há acórdão do Supremo: ‘Falsificação de papéis públicos... (lê) ...apropriação da diferença.’ Quer dizer, o que eu sustento, e foi acolhido pelo STJ, é que o fato de usar o ardil não transforma o peculato em estelionato pela circunstância, porque o fato de o autor ser servidor público é mais importante do que o ardil. Dou provimento.”. 202 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 HABEAS CORPUS Nº 2002.04.01.007778-6/RS Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas Impetrantes: Andrei Zenkner Schmidt e outros Impetrado: Juízo Federal da 2ª Vara Federal de Canoas/RS Pacientes: J. M. W. J. L. I. M. M. D. F. M. H. C. M. EMENTA Constitucional. Penal. Processo. Prova. Interceptação telefônica. Prazo de duração. Indispensabilidade da prova. Transcrição da prova. Crimes de detenção. Constituição Federal, arts. 5º, XII, e 63, IX. Lei 9.296/96, art. 2º, inc. III. 1. A denúncia atribui aos réus os crimes contra a ordem tributária, a saúde pública, o sistema financeiro nacional, agiotagem, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, fatos estes que se situam na chamada macrocriminalidade, cuja investigação passou a ser uma exigência da comunidade internacional e cuja interpretação das normas deve ser feita atentando-se para esta nova e preocupante realidade. 2. Se a interceptação telefônica foi feita pela Autoridade Judiciária com equilíbrio e atenção às exigências do art. 5º da Lei 9.296/96, não poderá ser declarada nula porque foi renovada várias vezes posteriormente em razão da necessidade do prosseguimento das investigações. 3. Não é nula a interceptação que junto com os crimes de reclusão acaba apurando a existência de crimes apenados com detenção, porque é impossível em escuta interceptada separar as conversas em razão dos fatos serem apenados de forma mais grave ou mais branda. 4. A interceptação de conversa telefônica do suspeito com o seu advogado é proibida e se vier a acontecer em razão de chamada de um ao outro, o caminho será a inutilização da prova, aplicando-se por analogia o art. 9º da Lei 9.296/96. 5. Ser ou não a prova indispensável, as circunstâncias em que se deram as conversas, a eventual presença do advogado na comunicação R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 203 e a validade formal das transcrições são aspectos que exigem exame da prova, motivo pelo qual se torna inviável a análise na via estrita do habeas corpus. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, denegar a ordem, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 04 de junho de 2002. Des. Federal Vladimir Freitas, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas: Trata-se de habeas corpus em que os Impetrantes pretendem o reconhecimento incidental da ilegalidade e, pois, da inconstitucionalidade das interceptações telefônicas levadas a efeito nos autos do Procedimento Criminal Diverso nº 2001.71.12.0001244-0, bem como o seu desentranhamento dos autos da ação penal nº 2001.71.12.004460-0, sob a alegação de ofensa aos arts. 5º, 6º, caput, e 6º, § 1º, todos da Lei 9.296/96, bem como aos arts. 5º, inc. XII, e 63, inc. IX, da CF/88, e, sucessivamente, a anulação da ação penal. Alternativamente, requerem o reconhecimento incidental da ilegalidade e inconstitucionalidade das referidas interceptações, relativamente aos delitos punidos com pena de detenção, por violação ao art. 2º, inc. III, da Lei 9.296/96 e ao art. 5º, inc. XII, da CF/88. (fls. 02/34) A medida liminar foi indeferida face à imprescindibilidade da ouvida da Autoridade Judiciária (fl. 414), que prestou informações (fls. 418/435), dando conta de que as investigações contra os Pacientes tiveram início antes da participação da Polícia Federal, mais precisamente a partir de constatações feitas pela CPI do Crime Organizado, instaurada pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, relacionadas a roubos de cargas de medicamentos, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e outros crimes. Após, foram feitas por 10 meses investigações policiais, período durante o qual foi determinada a quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico dos envolvidos. O Ministério Público Federal denunciou os Pacientes com base em toda a documentação carreada ao Inquérito pela polícia, bem como na que foi encontrada no cumprimento 204 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 dos mandados de busca e apreensão, além dos documentos enviados pela Receita Federal e as escutas telefônicas, por infração aos artigos 2º, incs. I e V, da Lei 8.137/90; 22 da Lei 7.492/86; 278 e 280 do CP; 4º, a, da Lei 1.521/51; 1º, incs. VI e VII, da Lei 9.613/98 e 288 do CP, c/c a Lei 9.034/95. Com vista à douta Procuradoria Regional da República, o Parquet opinou pela denegação da ordem, ao fundamento de que o procedimento policial de interceptação telefônica foi realizado com observância da Lei nº 9.296/96, inexistindo a alegada ilegalidade e inconstitucionalidade das provas obtidas por meio da interceptação. (fls. 647/654) Após conclusos os autos, os Impetrantes apresentaram petição, informando sobre o aditamento à denúncia, com a inclusão de M. A. M. Ao final, requereram fosse a denunciada incluída no rol de Pacientes neste writ, a notificação do Ministério Público para manifestar-se a respeito e, no mérito, reprisaram o pedido da inicial desta ação constitucional. (fls. 657/659) Juntada a petição, a Autoridade Impetrada prestou informações, dando conta do aditamento à denúncia para incluir M. A. M. e acrescentando que, em nenhum momento, foi determinada a quebra do sigilo telefônico da denunciada, nem gravada qualquer conversa sua com os demais denunciados. (fls. 667/668) Instado a se manifestar, o órgão do Ministério Público Federal reportou-se ao parecer (fls. 647/654). Retornaram os autos. É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas: Os Pacientes foram denunciados pelo Ministério Público Federal pela prática, em tese, dos crimes previstos no art. 2º, incs. I e V, da Lei 8.137/90; art. 22 da Lei 7.492/86; arts. 278 e 280 do CP; art. 4º, a, da Lei 1.521/51; art. 1º, incs. VI e VII, da Lei 9.613/98 e art. 288 do CP, c/c a Lei 9.034/95. A acusação, em síntese, é de terem os denunciados se organizado em quadrilha para praticar crimes através da Rede de Farmácias Econômica e de J. e W., que orientaram os demais, terem efetuado venda de medicamentos, agiotagem, constituição fraudulenta de pessoas em nome de terceiros, crimes contra a ordem tributária, contra o sistema financeiro nacional e a saúde pública. (fls. 61/87) 205 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Observo que tudo começou com investigações de uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, destinada a investigar a ação da Rede de Farmácias Econômica. Depois as investigações passaram ao âmbito policial. Em outras palavras, estamos diante de acusações que atribuem aos pacientes a macrocriminalidade, ou seja, o crime organizado. A propósito desta nova modalidade de crime, merecem ser citadas as palavras do magistrado francês Jean de Maillard, em Crimes e Leis, ed. B.B.C.C., Lisboa, 1995, pp. 92/93: “O acto delinquente já não é directamente sensível, nem detectável segundo elementos objectivos, mas depende de considerações exteriores que não o tornam imediatamente conhecível. O crime é, cada vez menos, um acto e, cada vez mais, um conjunto de actos imperceptíveis ou de comportamentos incertos, e só a reconstituição do todo revela os traços de cada uma das partes. O branqueamento do dinheiro da droga, por exemplo, é uma actividade financeira como qualquer outra que percorre os mesmos circuitos e utiliza as mesmas técnicas que uma qualquer operação financeira, não se tornando culpável senão pelo conhecimento que o banqueiro tenha da origem criminosa dos fundos que reintegra na economia.” Note-se que a denúncia, inclusive, atribui aos pacientes o crime de lavagem de dinheiro, preocupação maior dos povos civilizados. A propósito deste tema, a Comissão Andina de Juristas, externando a relevância do assunto, promoveu, em 24.07.2000, um Seminário Internacional em Lima, Peru, do qual se extraiu a obra Lavado de Dinero, editada pela C.A.J. Nela, Luis Bustamante Belaunde, Reitor da Universidade Peruana de Ciências Aplicadas, escreveu (págs.18/19): “Pero quizás el más grave de sus impactos es el deterioro de la convivencia civilizada, al pervertir las reglas en las que ella debe descansar. Cuando los individuos y las empresas constatan que sus sanos propósitos productivos concurren con elementos viciados, puede originarse y extenderse el desaliento y parecen abrirse las puertas a los atajos y a los caminos fáciles como peligro que acecha a quienes, para desenvolverse, prefirieron inspirarse en principios y en valores.” A presente impetração insurge-se contra a investigação policial preliminar, autuada como Procedimento Criminal Diverso nº 2001.71.12.001244-0, em que, além de outros atos investigatórios, foi deferida a quebra do sigilo telefônico dos Pacientes. Defendem os Impetrantes o cabimento do habeas corpus para reparar lesão à liberdade de ir e vir dos Pacientes, conforme previsto no art. 5º, inc. LXVIII, da 206 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 CF/88, seja porque é nulo o procedimento de interceptação telefônica levado a efeito pela Polícia Federal, seja porque eventual sentença condenatória fundar-se-á em provas ilícitas. Antes de ingressar nos motivos que embasaram a impetração, repito que não estamos diante de uma ação penal de rotina. Bem ao contrário, cuida-se de uma sucessão de fatos graves, envolvendo diversas pessoas e com diferentes graus de hierarquia. Neste particular, a denúncia, expondo com clareza os fatos, não deixa margem a dúvidas. (fls. 61/87) Feitas essas considerações, passo ao exame das alegações. a) Prazo de duração e renovação da interceptação telefônica Segundo os Impetrantes, o MM. Juiz Federal da 2ª Vara de Canoas decretou a quebra do sigilo telefônico dos Pacientes, entre os meses de abril e outubro de 2001, sendo que o art. 5º, primeira parte, da Lei 9.296/96 estabelece o prazo máximo de 15 dias, renovável, por igual período, para a interceptação telefônica. O dispositivo em comento está assim redigido: “Art. 5º A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.” Os documentos que instruíram a impetração dão conta de que o pedido de quebra do sigilo telefônico foi deferido pelo Juiz Federal em 17.04.2001 (doc.04 – fls. 105/107). As renovações que se seguiram foram deferidas em 30/04 (fl. 124), 09/05 (fl. 132), 16/05 (fl. 144), 31/05 (fl. 181), 18/06 (fl. 187), 03/07 (fl. 199), 17/07 (fls. 213/215), 31/07 (fls. 225/226), 14/08 (fls. 236/237), 30/08 (fl. 247), 10/09 (fl. 255), 18/09 (fls. 269/270), 02/10 (fls. 287/288) e, finalmente, 15/10. (fl. 299) A lei fixou um prazo para que se proceda à escuta telefônica: 15 dias. Dispôs também que este prazo pode ser renovado por igual tempo. Já quanto à quantidade de renovações, o texto legal silenciou. Vale dizer, o dispositivo dito violado não tem o alcance que lhe querem emprestar os Impetrantes, a não ser condicionar cada diligência a um novo pedido perante o Juiz, cautela, aliás, imperiosa por atingir o direito à intimidade. A propósito, as palavras de Vicente Grecco Filho (in Interceptação Telefônica, Saraiva, 1996, p. 31), no seguinte sentido de que: “A lei não limita o número de prorrogações possíveis, devendo entender-se, então, R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 207 que serão tantas quantas forem necessárias à investigação, mesmo porque 30 dias pode ser prazo muito exíguo.” E, em nota de rodapé, o mesmo autor analisa gramaticalmente o dispositivo, acrescentando que: “A leitura rápida do art. 5º poderia levar à idéia de que a prorrogação somente poderia ser autorizada uma vez. Não é assim; ‘uma vez’, no texto da lei, não é adjunto adverbial, é preposição. É óbvio que se existisse uma vírgula após a palavra ‘tempo’, o entendimento seria mais fácil.” Há outro aspecto a considerar. Segundo os Impetrantes (fl. 14), algumas renovações foram autorizadas após ultrapassados os 15 dias. Todavia, o prazo legal refere-se à execução da diligência, e não à data da decisão do Juiz. Ou seja, o dia em que se iniciou a escuta telefônica propriamente dita é que deve ser tomado como marco para a contagem do prazo. Assim, como a execução da diligência dependia da implantação do terminal pela companhia telefônica, dificilmente essa providência teria sido tomada no mesmo dia da decisão que determinou a expedição de alvará de escuta (fl.106). E, se o foi, não há como saber à vista dos documentos que instruíram a impetração. b) Indispensabilidade da prova Nos dizeres da impetração, a quebra do sigilo foi decretada antes de qualquer outro meio investigatório ser efetivado pela autoridade policial, em afronta ao inc. II do art. 2º da Lei 9.296/96. Além disso, as renovações das interceptações telefônicas foram autorizadas sem a comprovação da indispensabilidade da prova, contrariamente ao que dispõe a parte final do art. 5º da lei que rege a matéria. Aduzem que ambas as decisões carecem de fundamentação. A matéria vem disciplinada nos arts. 2°, inc. II, e 5º, in fine, todos da Lei 9.296/96. Os dispositivos tratam da proibição da interceptação das comunicações telefônicas quando a “prova puder ser feita por outros meios disponíveis” (art. 2º, II), exigindo a prova de sua indispensabilidade (art. 5º). Alegam os Impetrantes que os artigos mencionados foram violados, porque a quebra do sigilo teria sido decretada antes de qualquer outro meio investigatório. A denúncia ofertada pelo Ministério Público Federal (fls. 61/87) e o relatório da Polícia Federal (fls. 38/59) dão conta de que as investigações contra os Pacientes foram deflagradas a partir de notícias-crime apuradas 208 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 pela CPI do Crime Organizado, levada a efeito pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, em julho de 2000, sobre comprovadas ilicitudes perpetradas nas atividades da Rede de Farmácias Econômica. Por sua vez, o Juiz Impetrado informou às fls. 418/435 que, com o pedido de quebra do sigilo telefônico dos envolvidos, recebeu 52 páginas de documentos trazidos pela Polícia Federal, relatando a existência de várias empresas em nome de “laranjas”, uma delas com conexão no Uruguai (fl. 426). E do “Relatório Parcial de Missão” elaborado pela Delegacia de Polícia Fazendária extrai-se a seguinte passagem (fl. 41), verbis: “(...) ‘Por volta do mês de junho de 2000, chegou a esta Delegacia Fazendária denúncia anônima de uma série de irregularidades e fatos criminosos atribuídos a J. M., proprietário de fato da rede de Farmácias Econômica e da Distribuidora de Medicamentos Disfarmasul (...)’. Com base na denúncia, a equipe de análise constatou a veracidade das informações, com riqueza de detalhes, e chegou aos seguintes envolvidos: (...) A operação foi denominada ‘OPERAÇÃO ECONÔMICA’, e os principais envolvidos nos crimes são (...)” . Ou seja, da análise dos documentos mencionados, depreende-se que ao pedido de interceptação telefônica antecedeu toda uma operação deflagrada a partir da CPI realizada em 2000. A tese de que não foi comprovada a indispensabilidade da prova não pode ser apreciada nesta via. Nesse sentido, entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em acórdão da lavra do Exmo. Min. Félix Fischer, no julgamento do HC nº 15820, DJ 04.02.2002, p. 430, conforme ementa que se transcreve em parte: “PENAL. HABEAS CORPUS. CABIMENTO. MULTA. PERDIMENTO DE BENS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. LEI Nº 9.296/96. PENA. FIXAÇÃO. QUANTIDADE DE DROGA CRIME DE ASSOCIAÇÃO. ARTIGO 14 DA LEI Nº 6.368/76. PROGRESSÃO DE REGIME. (...) II – Interceptações telefônicas que foram autorizadas judicialmente, nos moldes da Lei nº 9.296/96, não havendo, pois, que se falar em prova ilícita. A tese de que poderia a prova ser produzida por outros meios, o que seria óbice à referida autorização, não pode ser apreciada nesta sede, uma vez que demandaria o exame minucioso do material cognitivo constante nos autos. Por outro lado, não há, no referido diploma legal, a exigência de que a degravação da escuta deva ser submetida a perícia. (...)”. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 209 c) Transcrição da comunicação interceptada Segundo os Impetrantes, no período em que as interceptações telefônicas estavam sendo efetivadas, a autoridade policial enviava relatórios quinzenais ao juízo federal, sem as transcrições das conversas interceptadas, violando a previsão contida no art. 6º, § 1º, da Lei 9.296/96, que tem por objetivo coibir abusos durante a violação do sigilo. O § 1º do art. 6º da Lei 9.296/96 dispõe que: “No caso de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será determinada a sua transcrição.” Sobre o tópico, o MM. Juiz Impetrado informou, às fls. 430 e 431, o seguinte: “As transcrições foram efetivamente realizadas pela Polícia Federal, e fazem parte dos autos, constituindo-se na totalidade dos diálogos gravados nos CDs.” “A cada período de quinze dias eram trazidas informações pela Polícia Federal que, no final das gravações, trouxe os CDs, assim como a totalidade das transcrições efetivadas. (...)”. Informou ainda o Juiz Federal que, findo o sigilo, a totalidade das gravações e transcrições foi colocada à disposição dos pacientes. (fl. 431) Já na decisão judicial que deferiu o requerimento de interceptação telefônica, determinou que: “Ao final do prazo estabelecido, ou em havendo motivo relevante, deverá a Autoridade enviar a Juízo relatório circunstanciado das diligências, a transcrição das comunicações interceptadas, que foram gravadas, nos termos da Lei 9.296/96, bem como os documentos obtidos mediante tais procedimentos, para verificação de sua utilidade como prova na investigação criminal.” (fl. 107) Pois bem, o § 1º do art. 6º da Lei 9.296/96 prevê que, sendo possível a gravação da conversa interceptada, ela será transcrita. E a decisão, em conformidade com a lei, determinou a transcrição das comunicações “que foram gravadas”. Significa dizer que a escuta poderá, ou não, ser gravada. Se o for, deverá ser transcrita. A Autoridade Impetrada informa que elas foram realizadas pela Polícia Federal e constam nos autos da ação penal. (fls. 430/431) Por sua vez, os Impetrantes afirmam que todas as interceptações foram objeto de gravação, haja vista a remessa ao juízo de 43 CDs (fls. 301 e 303). Sustentam que as transcrições juntadas aos autos (fls.305/387) 210 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 não suprem a irregularidade. Em primeiro lugar, porque isso foi feito somente em 14.11.2001 e, ademais, porque a confiabilidade de tais provas é questionável, tendo em vista que não há qualquer timbre ou identificação do responsável pelas transcrições. Ao meu ver, tais alegações não podem ser examinadas neste momento, seja porque não há elementos suficientes para formar um juízo seguro a respeito, seja porque a validade probante que será dada ao material em análise não dispensa exame aprofundado da prova. A propósito, é pacífica a jurisprudência no sentido de que o habeas corpus não se presta a exame de prova. Confira-se: “Habeas corpus. - Esta Corte, de há muito, firmou jurisprudência no sentido de que a verificação da justa causa ‘subtrair-se-á ao âmbito estreito do habeas corpus, sempre que a apreciação jurisdicional de sua alegada ausência implicar indagação probatória, análise aprofundada ou exame valorativo dos elementos de fato em que se apóia a peça de acusação penal’ (HC 70.763, relator Ministro Celso de Mello, citando precedentes). É o que ocorre no caso. Habeas corpus indeferido.” (HC-80559/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 22.03.2002, p. 00031) d) Participação do Ministério Público durante a fase executiva Outro vício formal apontado pelos Impetrantes na fase executiva da interceptação é que o Ministério Público não foi cientificado da quebra do sigilo telefônico autorizada pela Autoridade impetrada e, tampouco, das sucessivas renovações judiciais da medida, em afronta ao art. 6º, caput, da Lei 9.296/96, assim redigido: “Art. 6º Deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização.” Todavia, não tenho como comprovada essa alegação nos autos deste habeas. O que se tem como certo é que a decisão que deferiu o requerimento de quebra do sigilo telefônico, bem como dos sigilos fiscal e bancário dos Pacientes, determinou fosse cientificado o Ministério Público da condução dos procedimentos de interceptação e, ainda, ouvido o Parquet Federal após o recebimento das informações prestadas pela autoridade policial sobre as diligências. (fl. 470) Além disso, conforme ressalta o Procurador Regional da República, no parecer de fls. 647/654, item 23, o Ministério Público acompanhou o processo investigatório e tomou ciência da interceptação, sendo R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 211 desnecessária nova intimação a cada pedido de renovação. (item 24) De resto, porque pertinentes, transcrevo as informações da Autoridade Judicial, no sentido de que: “A não intimação do parquet parece não ter trazido nenhum prejuízo ao Ministério Público, parte na demanda, até porque, em nenhum momento, mesmo após o início da ação penal, fez qualquer manifestação quanto ao fato. Parece claro que as intimações só ao MP interessavam, não cabendo argüição de nulidade pela defesa, conforme o art. 565 do Código de Processo Penal.” (fl. 432) e) Interceptação de conversa entre o indiciado e o advogado Alegam os Impetrantes que as interceptações incluíram conversas telefônicas dos Pacientes com o Dr. Luiz Otávio Barbosa, advogado das empresas e procurador dos réus durante o início do procedimento investigatório, contrariando o disposto no art. 7º, inc. II, da Lei 8.906/96. A posição da doutrina a respeito, e com a qual concordo plenamente, é equânime, no sentido da impossibilidade de interceptação das comunicações entre o investigado e o seu Advogado. Ressalva é feita no caso de envolvimento do profissional na conduta delituosa. Mas, em tese, muitas vezes pode ocorrer de, interceptadas as ligações, o advogado telefonar para o indiciado ou vice-versa. Tal tipo de fato jamais poderá ser previsto em lei e se vier a ocorrer o caminho será desprezar-se aquela ligação, em respeito ao sigilo profissional. Não, contudo, concluir-se que todas as ligações interceptadas serão inválidas, porque daí seria uma interpretação que leva ao absurdo. Aliás, se esta conclusão fosse aceita pelos Tribunais, bastaria ao indiciado telefonar ao seu advogado e com isso precaver-se de qualquer prova que viesse a ser produzida contra a sua pessoa. Por outro lado, nas informações, sustenta o Juiz que: “em nenhum momento este Juízo usou tais provas para basear quaisquer decisões, ou muito menos fez menção de utilizá-las. Isso até porque, nenhum destes contatos se refere a qualquer dos delitos, nem muito menos merecem ser usados como prova. O nome do advogado – que não defende os réus no processo criminal – nunca foi referido em nenhum momento nos autos, e sequer citado quando das audiências.” (fl. 433) Nesse contexto e considerando as informações do Juiz Impetrado a respeito, não vejo, pelo menos sob o ângulo permitido nesta ação constitucional, a alegada violação ao art. 7º, inc. II, da Lei 8.906/96. f) Delitos punidos com detenção 212 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 O art. 2º da Lei 9.296/96 proíbe a interceptação telefônica em três hipóteses: não houver indícios razoáveis, a prova puder ser feita por outros meios disponíveis ou se o fato investigado for apenado, no máximo, com detenção. Os motivos são evidentes. O legislador quer que a escuta telefônica fique reservada para situações excepcionais e que o delito investigado seja grave. Não quer o legislador que a medida extrema seja banalizada, utilizada de forma rotineira e em casos de crimes sem maior repercussão. Em outras palavras, a quebra da privacidade do cidadão só se justifica se os fatos criminosos forem de tal importância que o interesse público exija a medida extrema. Se assim é que dispõe a lei, vejamos no caso concreto quais os crimes atribuídos aos pacientes e se as sanções corporais respectivas são de reclusão ou detenção: – CP, art. 280 (fornecer medicação em desconformidade com a receita) – pena de detenção (todos os pacientes); – CP, art. 288 (quadrilha) – pena de reclusão (todos os pacientes); – Lei 8.137/90, art. 2º, I e V (sonegação fiscal) – pena de detenção (J., W., I. e M.); – Lei 7.492/86, art. 22 (evasão de divisas) – pena reclusão (J. e W.); – Lei 1.521/51, art. 4º, a (usura) – pena de detenção (J., W., H. e D.); – Lei 9.613/98, art. 1º, VI e VII (lavagem de dinheiro) – pena de reclusão (J. e W.); – CP, art. 278 (vender substância nociva à saúde) – pena de detenção. (I., H. e D.) A alegação, com a devida vênia, não procede. A distinção feita pelo legislador, aceitando a interceptação telefônica nos crimes de reclusão e negando-a nos apenados com detenção, suscita posições opostas na doutrina. Vicente Grecco Filho, em Interceptação Telefônica (Saraiva, 1996, pp. 14/15), assim se manifesta: “A possibilidade de interceptação telefônica com relação a todos os crimes de reclusão precisa ser restringida, porque muito ampla. Há muitos crimes punidos com reclusão que, de forma alguma, justificariam a quebra do sigilo das comunicações telefônicas, considerando-se especialmente o ‘furor incriminatório’ de que foi tomado R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 213 o legislador nos últimos anos e, em muitos casos, a desproporcionalidade da pena cominada.” Em sentido oposto, Lenio Luiz Streck, em As Interceptações Telefônicas e os Direitos Fundamentais (Livraria do Advogado, 1997, p. 50): “(...) primeiro, o legislador foi além, elegendo os crimes apenados com reclusão como autorizadores da escuta telefônica por ordem judicial; segundo, foi aquém, quando deixou de contemplar os crimes de ameaça e contra a honra, quando cometidos por meio telefônico, ou as contravenções penais mais fortemente recriminadas pela sociedade, como é o caso do jogo do bicho.” No caso em tela, não há que se discutir se a lei foi severa demais ou branda em excesso. O fato é que existem crimes punidos com reclusão e outros com detenção. No entanto, todos conexos, objeto de uma só apuração. Ora, se a conexão está evidenciada nos autos, seja pelo concurso de várias pessoas, seja porque a prova de uma infração influenciará a prova de outra (CPP, art. 76), é óbvio que a investigação só poderá ser feita em conjunto. A não ser assim, a Polícia ficaria impedida de vislumbrar, de reconhecer mesmo, a existência de um crime punido com detenção. Quando isso acontecesse ela deveria cessar a apuração dos delitos apenados com reclusão, porque no meio deles havia um de menor importância cuja sanção era menos grave. Tal raciocínio levaria ao absurdo de chegar-se à conclusão de que o fato menor impede a investigação do fato maior. Ademais, a alegação da inicial de que as gravações envolvendo crime de detenção devem ser desentranhadas (fl. 30) não pode ser acatada, pois nem sempre isso é possível (as conversas podem referir a fatos envolvendo dois ou mais tipos penais). Finalmente, a análise da prova será feita na sentença de mérito, sendo descabida qualquer avaliação nesta fase e, menos ainda, expurgar-se parte da prova colhida. Em suma, guiou-se o MM. Juiz Federal pelo equilíbrio e atenção ao princípio da proporcionalidade, na linha das recomendações da doutrina de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho (em As Nulidades no Processo Penal, RT, 2001, p. 184/185), que observam: “Decorre daí a conseqüência da inconstitucionalidade da previsão desarrazoada da lei, quando estende a possibilidade de interceptação a todo e qualquer crime apenado 214 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 com reclusão, daí surgindo a necessária cautela com que o juiz deverá portar-se, ao autorizar a operação técnica de quebra do sigilo.” (...) “Para tanto, poderá o magistrado guiar-se pelas legislações mais adiantadas, como, por exemplo, o art. 266 do Código de Processo Penal italiano, tomado, aliás, como modelo, nesse tópico, pelo já mencionado Projeto Miro Teixeira (art. 1º). É oportuno lembrar, a esse respeito, que a Lei de Introdução ao Código Civil, no art. 4º, remete expressamente o juiz, na omissão da lei (e lei inconstitucional é lei nula e írrita), aos princípios gerais de direito, neles incluído o direito comparado.” (...). Face a todo o exposto, sobressai a conclusão de que não há qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade na prova colhida, diga-se de passagem, com o acompanhamento e o equilíbrio da Autoridade Judiciária impetrada. Voto, pois, acolhendo o parecer da Procuradoria Regional da República (fls. 647/654), pela denegação da ordem impetrada. HABEAS CORPUS Nº 2002.04.01.011278-6/RS Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho Impetrante: Danilo Knijnik Impetrado: Juízo Substituto da Vara Federal de Lajeado Paciente: J. L. G. Q. EMENTA Omissão do recolhimento de contribuição. Gerente não-sócio. Absolvição em outro processo criminal. Exclusão da tipicidade. Reconhecido categoricamente, em outro processo criminal, que na mesma época o paciente não era o responsável pelas decisões financeiras da empresa e por isso não participara das decisões sociais que resultaram na omissão de recolhimentos, resulta atípica a conduta em relação ao mesmo, por inexistência material do fato. Ordem concedida. Agravo R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 215 regimental prejudicado. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencido o Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti, conceder a ordem para trancar a ação penal e julgar prejudicado o agravo regimental, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 29 de abril de 2002. Des. Federal Volkmer de Castilho, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho: O bacharel Danilo Knijnik impetra habeas corpus em favor de J. L. G. Q. contra ato do MM. Juízo Substituto da Vara Federal de Lajeado/RS, que, nos autos do processo nº 2001.7114.004684-4, recebeu a denúncia onde ao ora paciente é imputada a prática do delito previsto no art. 168-A, § 1º, I e II, do CP, em continuidade delitiva e concurso de pessoas, porque, na condição de diretor da empresa Corbetta S/A Indústria e Comércio – Massa Falida teria deixado de recolher contribuições previdenciárias dos salários dos empregados de Muçum/RS, bem como contribuição incidente sobre a comercialização de produtos rurais, retidas dos produtores rurais em Muçum/RS, no período de janeiro a fevereiro e junho a julho de 1997. Requereu liminar para suspender interrogatório designado para 03 de abril p.p., às 17 horas. Alega ausência de justa causa para ação penal em face da existência de sentença absolutória com trânsito em julgado em outro processo reconhecendo sua não-participação nas decisões financeiras da empresa. Sustenta, também, inépcia da peça acusatória que se limitou a invocar sua condição de diretor, o que implicaria responsabilidade objetiva, cuja aplicação é vedada em Direito Penal. A liminar foi indeferida (fl. 48), tendo o impetrante interposto agravo regimental da decisão. (fls. 55/60) A autoridade impetrada presta informações às fls. 61/66, manifestandose o Ministério Público Federal pela denegação da ordem. (fls. 68/72) É o relatório. 216 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho: Examino em conjunto o agravo regimental e o mérito da impetração. A sentença absolutória a que o paciente faz referência foi proferida na ação penal em que o mesmo respondeu pela prática do delito previsto no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90, porque, na condição de responsável pela empresa Corbetta S/A Indústria e Comércio, juntamente com os demais diretores, não teria recolhido aos cofres públicos os valores descontados e retidos a título de Imposto de Renda Retido na Fonte, no período de 31 de outubro a 29 de novembro de 1996. Naquela decisão, restou categoricamente reconhecido que o ora paciente não participava das decisões financeiras da empresa – situação de fato que afastou completamente a existência material do delito em relação a sua pessoa, acarretando sua absolvição. Nesse particular, assim decidiu a Juíza Federal de Novo Hamburgo/RS nos autos da ação penal nº 98.180.79345 (fls. 29/38): “... Percebe-se, assim, que apesar de o acusado J. L. exercer atividades ligadas ao setor administrativo-financeiro, não detinha poder de decisão com relação às prioridades de pagamentos a serem efetuados, uma vez que a palavra final cabia sempre ao co-réu I. (...) Tendo restado claro que o acusado J. L. não era o responsável pelas decisões financeiras da empresa, não pode ser responsabilizado pelo delito tipificado no art. 2º, inciso II, da Lei n.º 8.137/90, conforme precedentes do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região: ‘A responsabilidade penal é imposta a quem efetivamente pratica atos decisórios sobre o recolhimento de impostos e contribuições’. (ACR nº 97.04.39564-7/PR, Rel. Juiz Gilson Dipp, 1ª T, un., DJU 04.02.98, p. 143) (...) Desta forma, com base no conjunto probatório, deve o réu J. L. G. Q. ser absolvido, nos termos do art. 386, IV, do Código de Processo Penal. (...)”. Dessa sentença não recorreu o Ministério Público Federal, transitando em julgado. Ora, se em novembro de 1996 o paciente não era responsável pelas decisões financeiras da empresa, é bastante razoável que, em janeiro de 1997 (um mês após), da mesma forma, inexistindo alteração contratual e das atividades desempenhadas, continuava o réu sem participação em tais decisões, pelo que não há se cogitar em sua responsabilização 217 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 criminal. Aliás, no tocante à análise da questão, a i. autoridade impetrada refere que não fez tal exame porque não foi carreada aos autos da ação penal nº 2001.71.14.004684-4 a sentença absolutória a que se refere o impetrante, nem qualquer outro documento oriundo da ação penal de nº 1998.1807934-5. (fl. 76) De qualquer modo, se de acordo com o disposto no art. 66, CPP, a ação civil fica inviabilizada se ficar provada na ação penal a inexistência material do fato, com maior razão na própria jurisdição penal, havendo sentença trânsita em julgado, o fato da não-participação do réu ora paciente na gerência financeira da empresa acaba por se impor também aqui. Aliás, é bom recordar que o paciente não era sócio, mas gerente empregado, não sendo comum entregar as decisões financeiras da empresa a quem não é sócio, o que reforça a conclusão daquela sentença. Ante o exposto, reconhecendo a falta de justa causa, concedo a ordem para o trancamento da ação penal, prejudicado o agravo regimental. É o voto. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti: O voto de V. Exa. é, como sempre, repassado de inteiro e absoluto bom senso. Mas noto, Sr. Presidente, que, entre novembro de 1996 e julho de 1997, data em que o paciente deixou a sociedade, medeiam cerca de oito meses, nos quais, formalmente pelo menos, ele foi administrador da empresa. Em tese, não é impossível que o administrador tenha, naquele período, praticado atos que não havia praticado antes, até 1996, de modo que não há incompatibilidade lógica entre a absolvição anterior e a nova acusação. Isso parece indiscutível. O problema, portanto, não é bem de eficácia preclusiva da coisa julgada: todos sabemos que a eficácia preclusiva protege as premissas da decisão, para garantir a coisa julgada, mas não tem força maior do que a própria coisa julgada, tornando imutáveis e indiscutíveis, em outro processo, os fatos examinados na causa que foi julgada. Se a coisa julgada não preserva os fatos declarados pela sentença e se a eficácia preclusiva da coisa julgada não se expande além do próprio caso julgado, então, tecnicamente, não é possível, data venia, pretender impor ao Juiz do processo pendente decisão sobre os fatos no processo anterior. Até porque, se incompatibilidade houver - isso estamos todos cansados de 218 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 saber - será meramente lógica, nunca jurídica, e o sistema repele somente a incompatibilidade jurídica, ou seja, a lesão à coisa julgada. Mas não há lesão à coisa julgada porque não se repetem, nesta ação, os elementos identificadores daquela outra. (partes, causa e objeto) Então, eminentes Colegas, realmente me parece que não podemos resolver a questão em nível de habeas corpus: se decisão precedente não é vinculativa para Juízes de processos futuros que não repitam exatamente a mesma causa - e não se está repetindo exatamente a causa julgada, porque os fatos aqui são diversos e o período também é diverso e se a denúncia não aponta uma impossibilidade material intransponível, porque o réu permaneceu na empresa durante o período em que foram cometidos os crimes pelos quais foi denunciado, não há como deixar de aplicar a jurisprudência de que não se resolve em habeas corpus matéria de fato controvertida, ou seja, matéria que demanda investigação mais aprofundada sobre fatos. Até acho que o desfecho do processo provavelmente será a absolvição. O meu problema, e o ilustre advogado tem acompanhado os nossos julgamentos, é de critério, de princípio, de precedente. Se eu, e tenho dito isso tantas vezes, conceder o habeas corpus neste caso, porque estou com a fortíssima impressão de que a denúncia não vai levar a nada, posso ter a tentação de aplicar o mesmo critério em outros casos, nem sempre para absolver. Quando tiver a fortíssima impressão de que o réu é culpado, poderia ficar tentado a condená-lo, sem o devido processo legal, o que não tem cabimento. Em resumo, repito, estou com a fortíssima impressão de que o paciente realmente não participou dos fatos delituosos e de que fatalmente resultará absolvido. Mas, para confirmar essa impressão preciso investigar mais aprofundadamente a prova, e isso não posso fazer em sede de habeas corpus. De qualquer forma, o que me parece indiscutível é que a sentença anterior não vincula o Juiz do novo processo, nem pela coisa julgada e muito menos pela eficácia preclusiva da coisa julgada. Em tais condições, fiel à nossa jurisprudência, segundo a qual não se examina aprofundadamente matéria de prova em sede de habeas corpus, peço vênia para divergir do eminente Relator, denegando a ordem. É o voto. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 219 HABEAS CORPUS Nº 2002.04.01.016453-1/SC Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro Impetrante: Cezarino Inacio de Lima Filho Impetrado: Juízo Substituto da Vara Federal de Lages/SC Paciente: C. V. S. EMENTA Direito Processual Penal. Habeas corpus. Prisão preventiva. Excesso de prazo. Constrangimento ilegal. Inocorrência. Exame de dependência toxicológica solicitado pela defesa. Inquirição de testemunhas. Súmula nº 64 do STJ. 1. Os limites de 76 dias (em se tratando de crimes previstos na Lei nº 6.368/76) e 81 (no caso dos demais delitos) para a manutenção da custódia preventiva resultou de construção pretoriana considerando a mera soma aritmética dos prazos estabelecidos na Lei de Tóxicos bem como no Estatuto Penal Adjetivo. No entanto, em termos de Processo Penal, impõe-se considerá-los sob a perspectiva da razoabilidade, devendo haver mitigação frente às peculiaridades do caso concreto. 2. Na hipótese dos autos, em que pese o lapso temporal transcorrido desde a decretação da prisão preventiva, não houve excesso na formação da culpa, uma vez que a demora na instrução se justifica pela necessidade de ser realizado exame de dependência toxicológica do réu – procedimento que, por sua própria natureza, é complexo e demorado – bem como em face da expedição de cartas precatórias para inquirição de testemunhas. 3. Ademais, incomprovadas a primariedade, residência fixa e ocupação lícita do acusado, justifica-se com maior razão seu decreto prisional. 4. Ordem denegada. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, denegar a ordem, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 20 de maio de 2002. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, Relator. 220 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: Cuida-se de habeas corpus, com pretensão liminar, impetrado por Cezarino Inacio de Lima Filho em favor de C. V. S., buscando a revogação da custódia preventiva decretada pelo MM. Juiz Federal Substituto da Vara Criminal de Lages/SC no processo nº 2001.72.06.002666-1. Segundo se depreende dos autos, em 22.09.2001, o acusado foi preso, na companhia de E. S. O., pela prática dos delitos insculpidos no artigo 12 da Lei nº 6.368/76 (tráfico de entorpecentes), art. 10 da Lei nº 9.437/97 (porte de arma), além do crime previsto no art. 289, § 1o, do Código Penal (moeda falsa). O Juízo de Direito da Comarca de Santa Cecília declinou da competência para a Justiça Federal. Solicitado o relaxamento do flagrante, foi deferido em virtude da inobservância do prazo de 05 (cinco) dias imposto pelo art. 21 da Lei de Tóxicos como limite para envio dos autos a juízo (fls. 06/08). Decretou-se, contudo, a prisão preventiva do paciente como garantia da ordem pública, “evitando que o indiciado venha a cometer novos crimes”. Contra esse decisum, foi interposto o presente mandamus (fls. 02/04). Aduz o impetrante estar C. cerceado em seu status libertatis há mais de 180 (cento e oitenta) dias, o que caracteriza constrangimento ilegal. Elucida, nesse sentido, que: “o exame toxicológico de dependência diz que o réu é dependente de drogas. O processo aguarda o cumprimento de precatórias para oitiva de testemunhas, o que naturalmente demorará, no mínimo, mais 60 (sessenta) dias, onde haverá abertura de prazo posterior às partes (...), constituindo ‘um abuso’ a manutenção do paciente na prisão”. Para melhor compreensão das alegações vertidas na inicial, o exame do pedido liminar foi postergado até o recebimento dos informes (fls. 10/11), os quais foram prestados pela autoridade coatora em fls. 13/14. A tutela de urgência restou indeferida. (fls. 18/22) Oficiando no feito (fls. 31/34), a douta Procuradoria Regional da República opinou pela concessão parcial da ordem. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 221 Branca DIREITO PREVIDENCIÁRIO Branca 224 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 EMBARGOS INFRINGENTES EM AC Nº 1999.04.01.007365-2/RS Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado Embargante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS Advogado: Dr. Clovis Juarez Kemmerich Embargada: Almira Bittencourt da Silva Advogados: Drs. Paulo Alberto Villas-Boas e outro EMENTA Previdenciário. Aposentadoria por idade. Natureza urbana. Requisitos. Preenchimento não simultâneo. Perda da qualidade de segurada. Segundo precedentes do e. STJ, acolhidos por esta Terceira Seção no julgamento dos EI nº 1999.04.01.090605-4/SC (DJU de 15.05.02), tendo a segurada logrado preencher os requisitos da Lei 8.213/91, referentes à outorga da aposentadoria por idade, quais sejam, o cumprimento da carência e idade mínima exigidas, ainda que não de forma simultânea, faz jus ao indigitado benefício. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento aos embargos infringentes, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte do presente julgado. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 225 Porto Alegre, 12 de junho de 2002. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: Cuida-se de Embargos Infringentes interpostos contra acórdão prolatado pela Quinta Turma desta Corte que, em sua anterior composição, por maioria, deu provimento ao recurso formulado pela parte-autora no sentido de condenar o INSS a lhe conceder o benefício de aposentadoria por idade (área urbana), a contar do respectivo indeferimento (03.08.97), além dos demais consectários. O Instituto-embargante requer a prevalência do voto vencido, prolatado pelo e. Relator Juiz Altair Antônio Gregório, que concluiu pelo improvimento do apontado recurso para manter a sentença de improcedência da ação, ao fundamento de que a postulante não contava, em 1997, com a carência exigida à outorga do benefício reclamado, porquanto afastada do RGPS de 01.02.64 a 1997, à luz da legislação de regência, cumpria-lhe verter com mais 20 contribuições (1/3 de 60) a partir do respectivo reingresso no sistema, pressuposto este desatendido no caso concreto. Decorrido in albis o prazo para impugnação, vieram os autos conclusos. É o sucinto relatório. Dispensada a revisão. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: Os embargos infringentes opostos pelo INSS objetivam a prevalência do voto vencido, que concluiu no sentido de manter o julgamento de improcedência da ação, à luz dos seguintes fundamentos (fls. 79/80): “(...) No caso dos autos, o requisito etário restou cumprido, uma vez que, tendo nascido em 01.06.24 (fl. 08), a parte autora completou a idade mínima exigida em 01.06.84. Igualmente, preenche a parte autora o requisito da filiação previdenciária em data anterior à edição da LBPS, restando à análise a comprovação do recolhimento de contribuições na forma do art. 142, a contar da data em que a parte autora implementou o requisito etário . 226 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Dessa forma deve a parte autora comprovar o recolhimento de 60 contribuições, uma vez que implementou o requisito etário em 01.06.84, conforme dispunha o art. 37 da CLPS. Para tanto juntou aos autos, dentre outros documentos, sua CTPS, à fl. 75, onde se constata que a demandante possui 78 contribuições vertidas aos cofres da Previdência Social, no período de 22.07.57 a 31.01.64. (fl. 03) Entretanto, a parte autora permaneceu de 01.02.64 a 1997 sem estar filiada à Previdência Social, perdendo a qualidade de segurada. Assim, só poderia computar as contribuições anteriores a 01.02.64 se tivesse, em novo período de trabalho, somado o total de contribuições igual a 1/3 do período de carência, no caso, 20 contribuições, como prescreve o parágrafo único do art. 24 da LBPS, o que não ocorreu no caso dos autos.” O voto majoritário, prolatado pelo e. Des. Fed. Tadaaqui Hirose, traz argumentos em sentido oposto quanto ao implemento dos requisitos para a outorga da inativação postulada, in verbis (fls. 81/82): “(...) Em que pesem as exigências legais, deve ser aqui salientado que a perda da qualificação, enquanto segurada, não elide o fato de que por seis anos e meio ela contribuiu para a manutenção do Sistema. Assim, mesmo que tenha completado 60 anos de idade muito depois da última contribuição, tudo o que verteu aos cofres do INSS justifica o amparo agora, na sua velhice, o que vem a consignar a finalidade da própria Previdência Social. O Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão, assim se manifestou: ‘EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. IRRELEVÂNCIA. 1. Para concessão de aposentadoria por idade, não é necessário que os requisitos exigidos pela lei sejam preenchidos simultaneamente, sendo irrelevante o fato de que o obreiro, ao atingir a idade mínima, já tenha perdido a condição de segurado. 2. Embargos rejeitados’. (EREsp 175265/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 3ª Seção, j. 23.08.2000, DJ 18.09.2000, p. 00091) Desta forma, faz jus a autora ao benefício da aposentadoria por idade urbana, desde a data em que comunicado o indeferimento (03.08.97), por restar comprovado que no período de seis anos e meio exerceu atividade laborativa, como subordinada, e possuir mais de 60 anos de idade, completados em 01.06.84.” Como se depreende da leitura acima, a solução jurídica do caso concreto cinge-se ao exame de se admitir, ou não, o preenchimento, em épocas distintas, dos requisitos exigidos à outorga do benefício de aposentadoria por idade reclamado pela autora. A matéria em foco já foi analisada no âmbito desta Terceira Seção, quando do julgamento dos EI nº 1999.04.01.090605-4/SC, Relatados pelo e. Des. Fed. Antônio Albino Ramos de Oliveira (j.10.04.2002, DJU R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 227 de 15.05.02, p. 420/422), ocasião em que restou repelido o recurso do INSS, amparado em idênticos fundamentos aos que agora veicula, no sentido de ser indevida a outorga da inativação por idade àquele (a) que perdeu a condição de segurado (b) quando do requerimento do indigitado benefício, exigindo-se complementação da carência, com o pagamento de mais 1/3 das contribuições previstas a esse título. Colhe-se das ponderações tecidas pelo voto condutor dos precitados EI a seguinte análise: “(...) 1- A perda da qualidade de segurado, conforme art. 8º da anterior CLPS, importava ‘na caducidade dos direitos inerentes a essa qualidade, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 98’. Este, por sua vez, dispunha: ‘O direito à aposentadoria ou pensão para cuja concessão foram preenchidos todos os requisitos não prescreve, mesmo após a perda da qualidade de segurado.’ A vigente Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, tem disposições semelhantes. Seu art. 102, na redação original, dizia que, ‘a perda da qualidade de segurado não importa em caducidade dos direitos inerentes a essa qualidade’. A Lei nº 9.528/97, oriunda da MP 1.596-14, de 10.11.97, acrescentou-lhe dois parágrafos, o primeiro dos quais explicita: ‘§ 1º A perda da qualidade de segurado não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que estes requisitos foram atendidos.’ Essas disposições têm recebido do Egrégio Superior Tribunal de Justiça interpretação teleológica. Sua Terceira Seção, na esteira da jurisprudência anteriormente adotada pelo Egrégio Tribunal Federal de Recursos, posicionou-se no sentido de que ‘para a concessão de aposentadoria por idade, não é necessário que os requisitos exigidos pela lei sejam preenchidos simultaneamente, sendo irrelevante o fato de que o obreiro, ao atingir a idade mínima, já tenha perdido a condição de segurado’. (EREsp nº 175.265/ SP, Relator o Ministro Fernando Gonçalves, DJU de 18.09.2000) 2. Essa interpretação tem a autorizá-la a natureza específica da aposentadoria por idade, que se destina a dar amparo ao trabalhador idoso, tendo como única contrapartida o requisito atuarial da carência. Cumprido este, a perda da condição de segurado não seria óbice à concessão do benefício (art. 102, § 1º, da Lei 8.213/91). Solução diversa levaria ao paradoxo apontado pelo ilustre Ministro Gilson Dipp, em seu voto proferido no Recurso Especial nº 327.803-SP (DJ de 08.10.2001): ‘Aliás, se fosse dada à norma a interpretação desejada pela Autarquia, o segurado que vertera as 180 contribuições e em seguida completasse os 65 anos, teria direito ao benefício, mas o que vertera igual número de contribuições, porém bem antes dos 65 anos (mais de 24 meses) não teria o direito – o que é um absurdo, mesmo porque à medida que a idade avança para o limite, torna-se mais difícil a manutenção como empregado, seja por condições físicas ou restrições do próprio mercado de trabalho. 228 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 O caráter social da norma previdenciária impõe que seja interpretada finalisticamente, em conformidade com seus objetivos.’ Aparentemente, essa jurisprudência entra em choque com o art. 102 da Lei 8.213/91. No entanto, se lermos atentamente seu parágrafo 1º, introduzido pela Lei nº 9.258/97, chegaremos a conclusão diversa. Voltemos a seu texto: ‘§ 1º. A perda da qualidade de segurada não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que estes requisitos foram atendidos.’ A lei, portanto, não diz que a perda da qualidade de segurado, após terem sido preenchidos todos os requisitos para a concessão do benefício, não o prejudica, e sim que a perda da qualidade de segurado – genericamente, sem delimitação temporal – não o prejudica. Parece que a intenção do legislador foi, exatamente, deixar claro que a qualidade de segurado não é requisito cumulativo para a concessão da aposentadoria, como se poderia entender da leitura do texto original do art. 102, que novamente transcrevo: ‘Art. 102. A perda da qualidade de segurado após o preenchimento de todos os requisitos exigíveis para a concessão de aposentadoria ou pensão não importa em extinção do direito a esses benefícios.’ (Destaquei). Nessa versão, ficava explícito o momento temporal após o qual a perda da qualidade de segurado tornava-se irrelevante. No novo texto, essa referência foi excluída, afastando qualquer dúvida que houvesse quanto à compatibilidade da interpretação adotada pelo E. STJ e a literalidade da lei. Também não é obstáculo a esse entendimento a regra do art. 24, parágrafo único, da Lei 8.213/91, segundo o qual, ocorrendo perda da qualidade de segurado, as contribuições anteriores só serão consideradas, para efeito de carência, depois que o segurado contar, a partir da nova filiação, com no mínimo 1/3 do número de contribuições exigidas para o cumprimento daquela carência. Essa disposição deve ser entendida como dizendo respeito à perda da qualidade de segurado antes de completado o período de carência. É regra que diz respeito à soma de períodos incompletos para o cálculo da carência. Não se aplica quando o segurado já cumpriu, por inteiro, o respectivo prazo.” Com efeito, amparado em idênticos fundamentos, bem ajustados à orientação emanada do e. STJ, aos quais aderi por ocasião do meu voto nos prefalados EI nº 1999.04.01.090605-4/SC e que se aplicam à situação do caso concreto, relatada no voto majoritário antes transcrito, concluo por negar provimento aos presentes Embargos Infringentes. É o voto. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 229 APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.04.01.059457-0/RS Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS Advogado: Dr. Lisandro Luis Wottrich Apelada: Ana Maria Bento Advogados: Drs. Luiz Natalbor Thorstenberg e outros Remetente: Juízo de Direito da Comarca de Tenente Portela/RS EMENTA Previdenciário. Pensão por morte do pai. Indígena. Trabalho em regime de economia familiar. Comprovação. 1 – Cabe aos indígenas o usufruto permanente da riqueza existente nas terras tradicionalmente ocupadas por eles. 2 – A declaração do Chefe do Posto Indígena da FUNAI é documento hábil para comprovar o desempenho das atividades de agricultura e de artesanato, indispensáveis para a subsistência do grupo familiar indígena (Portaria nº 4.273/97 do Ministério da Previdência e Assistência Social). A falta de homologação desse documento pelo INSS não lhe retira o valor probatório, que deverá ser examinado no contexto total do processo. 3 – Comprovada a qualidade de segurado especial do de cujus, sua filha faz jus ao benefício de pensão por morte. 4 – Nas ações de cunho previdenciário, os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% sobre o valor das parcelas da condenação vencidas até a data da sentença. 5 – O art. 8º, parágrafo 1º, da Lei 8.620/93 não isenta o INSS das custas judiciais, quando demandado na Justiça Estadual (Súmula nº 20 do TRF da 4ª R). A autarquia previdenciária deve responder pela metade das custas devidas (Súmula nº 2 do TARS). ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 8 de agosto de 2002. 230 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira: Ana Maria Bento, representada por sua mãe, Suzana Claudino, ajuizou ação ordinária contra o INSS postulando a concessão do benefício da pensão por morte de seu pai, Afonso Bento, na qualidade de segurado especial, desde a data do óbito, ocorrido em 01.02.95. Citado, o INSS alegou que inexiste início de prova material a comprovar a qualidade de segurado especial do falecido e que, no caso de procedência do pedido, o benefício deve ser concedido a partir do requerimento administrativo, nos termos do art. 74 da Lei nº 8.213/91. Encerrada a instrução, a MM. Juíza a quo julgou procedente a demanda para condenar o INSS a conceder a pensão por morte requerida pela autora e a pagar retroativamente à data do óbito de seu progenitor, 01.02.95, com valores corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora, na forma da fundamentação. Condenou, ainda, o réu ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas. Irresignado, interpôs o INSS recurso de apelação, repisando os termos da contestação e aduzindo que a verba honorária há de ser estipulada em percentual de 10% sobre o valor atualizado da causa e que as custas processuais são devidas por metade. Com contra-razões, subiram os autos a esta Corte. O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso de apelação. É o relatório. À revisão. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira: 1 – O conflito cinge-se à comprovação da qualidade de segurado especial do falecido. A autora alega que o de cujus era indígena e que ele exercia a atividade rural, em regime de economia familiar, na Área Indígena Terra do Guarita, na comarca de Tenente Portela/RS. A declaração da FUNAI, juntada aos autos à fl. 28, dá conta de que Afonso Bento exerceu a atividade de agricultor, em regime de economia familiar, no período de 05.06.84 a 05.12.94. Nesse documento, a FUNAI salienta que cabe aos indígenas o usufruto permanente da riqueza 231 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 existente nas terras tradicionalmente ocupadas por eles. Dessa forma, desempenham atividades de agricultura e de artesanato, produzindo para subsistência e comercialização. E, como não possuem documentos comprobatórios, a única forma de comprovar sua atividade é através de declaração do Chefe do Posto Indígena da FUNAI, a que se encontra adstrito. Essa declaração constitui documento hábil para comprovar a condição de segurado especial do indígena, conforme dispõe o art. 3º, letra g, da Portaria nº 4.273, de 12 de dezembro de 1997, do Ministério da Previdência e Assistência Social, cuja cópia foi juntada às fls. 31-38. Dispõe seu art. 3º e alínea g: “Art. 3º. A comprovação do exercício de atividade rural do segurado especial, bem como de seu respectivo grupo familiar – cônjuge, companheiro ou companheira e filhos maiores de quatorze anos e dependentes a estes equiparados – e desde que devidamente comprovado o vínculo familiar, será feita mediante a apresentação de um dos seguintes documentos: ... b) – declaração fornecida pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI atestando a condição do Índio como trabalhador rural, homologada pelo INSS na forma do art. 9º.” É certo que essa declaração, para ter eficácia probatória plena, deveria ser homologada pelo INSS. No entanto, a falta de sua homologação não lhe retira o valor probatório, que deverá ser examinado no contexto total do processo. No caso, trata-se de indígena da tribo Kaigang, que vivia na respectiva comunidade, que, sabidamente, sobrevive de agricultura rudimentar, habitualmente desenvolvida em regime de economia familiar. Veja-se que os pais do falecido Afonso Bento são qualificados, na certidão de nascimento deste, como agricultores (fl. 25). Essa também é a profissão do avô materno da autora, consignada na certidão de nascimento de sua mãe (fl. 24). Assim, residente numa comunidade basicamente agrícola e sendo filho de rurícolas, é de fácil conclusão que o falecido pai da autora exercia a mesma atividade, laborando na terra. Considerando, pois, a condição peculiar de indígena do falecido e a dificuldade da produção de prova de sua atividade, considero esses documentos como bastantes para configurar o início de prova material exigido pelo art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, notadamente a declaração da FUNAI. Dessa forma, comprovada a qualidade de segurado especial do de cujus, a autora faz jus ao benefício de pensão por morte. 232 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 O termo inicial do benefício é a data do óbito, ocorrido em 01.02.95, conforme dispunha a redação do art. 74 da Lei nº 8.213/91 vigente à época. 2 – A fixação dos honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação está em conformidade com jurisprudência desta Corte para ações de cunho previdenciário. Entretanto, por força da remessa oficial, essa verba somente é devida sobre as parcelas vencidas até a data da sentença, excluídas as vincendas (Súmula 111 do STJ), assim consideradas as posteriores a essa data, conforme orientação pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça e jurisprudência desta Corte. (EREsp 195.520/SP, 3ª Seção, Rel. Min. Félix Fischer, unânime, DJU 18.10.99, p. 207) 3 – Pacificou-se neste Tribunal o entendimento de que o “art. 8º, parágrafo 1º, da Lei 8.620/93 não isenta o INSS das custas judiciais, quando demandado na Justiça Estadual” (Súmula nº 20). Contudo, a autarquia previdenciária deve responder pela metade das custas devidas. (Súmula nº 2 do Egrégio Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul) Em face do exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial para fixar as custas processuais e os honorários advocatícios na forma acima explicitada. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 233 APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.04.01.067885-6/RS Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira Apelante: Neiva Terezinha Ramos Ferreira Advogado: Dr. Giovani Quadros Andrighi Apelada: Nilce Zancan Advogados: Drs. Carlos Alberto Campos de Oliveira e outro Apelada: Clarisse da Silva Boeira Advogado: Dr. Jarbas Quadros Andrighi Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS Advogado: Dr. Gladimir Antonio Casarin EMENTA Previdenciário. Pensão por morte. Segurado que mantinha concomitantemente duas companheiras, em união estável. Divisão entre elas do benefício. 1 – A união estável é fato, ao qual a norma atribui conseqüências jurídicas. Ao contrário do matrimônio, e embora não seja a regra, pode ocorrer mais de uma união estável, com formação de mais de um núcleo familiar, em torno de uma só pessoa, varão ou mulher, embora seja rara esta última hipótese. Configurada tal hipótese, comprovada a dupla união estável, caberá dividir a pensão entre as companheiras concorrentes, como ocorre quando ao mesmo benefício concorrem a esposa e a companheira do beneficiário. 2 – Apelo e remessa oficial desprovidos. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 8 de agosto de 2002. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira: Nilce 234 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Zancan ajuizou ação ordinária contra o INSS, postulando o rateio do benefício da pensão por morte de seu companheiro, desde a data do óbito, em concorrência com outra companheira do de cujus. Alegou que conviveu maritalmente com o falecido desde 08.03.88 até a data da morte, em 11.09.99, período em que ele se encontrava separado de fato da esposa, Clarisse da Silva Boeira, e mantinha outra união estável com Neiva Teresinha Ramos Ferreira. Citado, o INSS aduziu que, após o falecimento do segurado Alaor Edson Boeira de Carmo, vem pagando o benefício da pensão por morte a Neiva Teresinha Ramos Ferreira, em face de esta ter comprovado a sua condição de companheira e dependente do de cujus, devendo a autora comprovar tais requisitos para fazer jus ao rateio da pensão. Como litisconsortes passivas necessárias foram citadas a esposa legítima do falecido e a outra companheira. Clarisse da Silva Boeira, em contestação, alegou que está separada de fato há mais de 20 anos e que “abriu mão” do benefício em favor de Neiva Teresinha R. Ferreira, em função de que esta estava convivendo com o falecido há 20 anos e cuidava da mãe dele. Disse, também, que o falecido tivera vários casos extraconjugais, como a autora, a qual nunca dependeu economicamente do mesmo. Contestando a ação, Neiva Teresinha Ramos Ferreira disse que sempre dependeu economicamente do falecido e que conviveu maritalmente com ele por mais de 20 anos, inclusive morando na mesma casa, juntamente com a mãe dele. Aduziu que os documentos juntados com a inicial comprovam apenas mais um “caso” do falecido fora de sua relação estável, fato pelo qual deve continuar a ser a única beneficiária da pensão. Referiu, ainda, que a mãe do falecido permanece vivendo na sua casa e sob seus cuidados. Encerrada a instrução, o MM. juiz a quo julgou parcialmente procedente o pedido para condenar o INSS ao rateio da pensão por morte, a partir de sua intimação, em parcelas iguais entre a autora e a ré Neiva Teresinha, cabendo 50% a cada uma. Condenou, ainda, os réus ao pagamento das custas processuais em proporção, cabendo ao INSS pagar a sua quota-parte pela metade (Súmula nº 02 do TARGS), e ao pagamento proporcional de honorários advocatícios, fixados em 20 % sobre o valor da causa atualizado. Suspendeu, contudo, a exigibilidade R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 235 da verba sucumbencial em relação às rés Neiva Teresinha e Clarisse, na forma do art. 12 da Lei nº 1.060/50, uma vez que concedida a assistência judiciária gratuita. Irresignada, apelou a ré Neiva Teresinha Ramos Ferreira, sustentando que restou comprovado nos autos apenas um caso extraconjugal entre a autora e o falecido, e não uma relação estável e duradoura, razão pela qual não se configura o direito de receber parte da pensão. Alegou, ainda, que não existira coabitação e nem periodicidade de visitas próprias de quem vive com outra pessoa. Com contra-razões, subiram os autos. É o relatório. À revisão. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira: O conflito sob exame gira em torno da caracterização da união estável entre a autora e o falecido, tendo em vista que este manteve, no mesmo período, outra relação estável com Neiva Teresinha Ramos Ferreira, a qual já está percebendo o benefício da pensão por morte. Dispõe o art. 16 da Lei nº 8.213/91: “Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; (...) § 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal. § 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada.” É certo que não é possível, no âmbito do direito de família, reconhecerse a simultaneidade de duas uniões estáveis, tendo-se presente, também, o art. 226, § 3º, da Constituição Federal, que erigiu a união estável à condição de entidade familiar. Contudo, no caso concreto, trata-se de uma situação muito peculiar. Constitui fato incontroverso que o de cujus convivia maritalmente com Neiva Teresinha. Outrossim, a autora carreou aos autos provas de que manteve com o falecido uma relação pública e duradoura de aproximadamente 10 anos. 236 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Com efeito, nesse sentido, a autora juntou cópias de recibos de pagamento de alugueres (fls. 15 e 24), feitos pelo falecido, relativos a períodos entre 03.10.91 e 03.05.93. Os documentos das fls. 16, 17, 20, 21, 22 e 23 demonstram que a autora assinava notas fiscais de compras emitidas em nome do falecido em datas compreendidas entre 13.08.91 e 18.04.97. Também, na cópia da nota fiscal da fl. 18, emitida em 03.05.99, consta como endereço do de cujus o mesmo fornecido na inicial pela autora. Ainda, encontram-se fotos (fls. 32 a 34) nos autos, que evidenciam momentos de convivência comum do casal em âmbito familiar e em ocasiões públicas. Ademais, a prova testemunhal colhida (fls. 117v a 119) confirmou a tese ventilada na inicial de que a autora convivia maritalmente com o falecido, que dele dependia economicamente e que ele constantemente era visto em sua casa. Dessa forma, a autora comprovou sua condição de companheira do falecido, do mesmo modo que Neiva Teresinha, tratando-se, in casu, de duas companheiras simultâneas. A união estável é fato ao qual a lei atribui efeitos jurídicos. Ao contrário do vínculo conjugal, não se exige que a união seja exclusiva, e sim que seja estável, caracterizando o ânimo de constituir família. Não é possível deixar de reconhecer que, no mundo dos fatos, podem se constituir várias famílias, simultaneamente, em torno de um só varão. É rara, mas não impossível, a situação inversa, em que mais de um núcleo familiar se forma em torno de uma mesma mulher. Ao julgador cabe retirar dessa multifacetada realidade as conseqüências jurídicas, de acordo com a finalidade da norma, que é a proteção à família. Ocorrendo, assim, concorrência de duas companheiras do segurado, há que ser a pensão dividida entre elas. Nesse sentido, têm decidido os Tribunais quando se trata da concorrência entre esposa e companheira do segurado. Por analogia, o mesmo princípio deve ser aplicado ao caso em questão. Segue precedente jurisprudencial: “MILITAR – PENSÃO – COMPANHEIRA 1. A família de fato tem hoje sua existência consagrada na própria Constituição Federal e produz efeitos jurídicos bem definidos pela jurisprudência, que já consagrou a decisão salomônica da pensão entre a esposa e a companheira quando a concubina tem direito próprio a opor ao da mulher. No presente caso, trata-se de duas companheiras cada qual com direito próprio e reunindo os pressupostos legais para fazer jus à pensão, R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 237 pois viviam ambas sob a dependência econômica do de cujus em uniões estáveis. O direito surgiu para encontrar soluções razoáveis para os absurdos da vida e não solução acadêmica. Assim, nada há a reformar na sentença impugnada. 2. Remessa necessária improvida.” (REO nº 92.02.20041-6/RJ, TRF2, 1ª Turma, Rel. Juiz Castro Aguiar, DJ 13.10.94, p. 58103) (grifei) Destarte, a autora faz jus ao rateio do benefício da pensão por morte de seu companheiro, na razão de 50%. Quanto ao termo inicial do benefício, dispõe o art. 74 da Lei nº 8.213/91: “Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data: I – do óbito, quando requerida até trinta dias depois deste; II – do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior; III – da decisão judicial, no caso de morte presumida.” Desse modo, como a autora não formulou requerimento no âmbito administrativo, o termo inicial do benefício deve ser a citação do réu. Nesse sentido, precedente desta Corte: “PENSÃO POR MORTE DE COMPANHEIRO. TERMO INICIAL. Na ausência de requerimento administrativo, o termo inicial da pensão deve ser a data da citação. Apelação provida em parte e recurso adesivo desprovido.” (AC nº 95.04.10213/RS, 6ª Turma, Rel. juiz Surreaux Chagas, DJ de 20.05.98, p. 798) Outrossim, a verba honorária fixada em 20% sobre o valor da causa atualizado e rateada proporcionalmente entre os réus, não se mostra excessiva e nem desborda dos parâmetros adotados por esta Turma. Pelo exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação e à 238 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 remessa oficial. APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.71.01.000617-2/RS Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado Apelante: Marina Saraiva Camargo Advogados: Drs. Teresinha Flores Matos e outro Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS Advogada: Dra. Mariana Gomes de Castilhos Apelados: (Os mesmos) Remetente: Juízo Federal da 1ª Vara Federal de Rio Grande/RS EMENTA Previdenciário. Valor real do benefício. FAS de fevereiro/94 aplicado em maio seguinte. Reajustes de maio/96, junho de 1997, junho de 1999 e junho de 2000. 1. A CF/88, ao garantir a preservação do valor real dos benefícios previdenciários, delegou ao legislador infraconstitucional a tarefa de fixar os critérios para a consecução de tal desiderato. 2. Na linha de precedentes do STF, inexiste direito adquirido a determinada forma de reajuste. 3. Tendo sido alterada a sistemática antes de transcorrido o período necessário à implementação do reajuste de maio de 1994, falece à autora o direito de pleitear que seja aplicada ao seu benefício a variação do FAS referente a fevereiro de 1994, nos termos da legislação revogada. 4. A substituição do INPC pelo IGP-DI para efeito de reajustamento dos proventos a cargo da previdência, ordenada pela MP 1.415/96, não constitui ofensa à garantia de preservação do valor real dos benefícios contida na Magna Carta, sendo certo que os índices junho/97, junho/99 e junho/2000 devem ser mantidos segundo os parâmetros fixados pelas MPs 1572-1/97, 239 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 1824/99 e 2022-17/00. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso da autora e dar provimento ao apelo do INSS e à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte do presente julgado. Porto Alegre, 21 de maio de 2002. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: Cuida-se de remessa oficial e apelações interpostas contra sentença que, acolhendo a prescrição qüinqüenal, julgou parcialmente procedente a ação para condenar o INSS a reajustar a renda mensal da parte-autora de acordo com a variação do IGP-DI nos meses de junho/97 (9,96%), junho/99 (7,9%) e junho/2000 (14,19%), deduzidos os percentuais já aplicados nessas competências, bem como ao pagamento das diferenças corrigidas monetariamente desde os respectivos vencimentos, acrescidas de juros de 6% ao ano, a contar da citação. Considerando a sucumbência mínima da autora, o julgador monocrático arbitrou em 10% sobre o valor atualizado da causa, a verba honorária a ser suportada pelo réu. Irresignada, apelou a parte-autora, batendo-se pela aplicação: a) do FAS de fevereiro/94 que corresponde à inflação de janeiro/94, com o abatimento da antecipação de 30,25%, a partir de 1 de maio de 1994, de modo a preservar o valor real do benefício; b) do reajuste no mês de maio/96 com base na variação do IPC-r/ INPC. Recorreu adesivamente o INSS, sustentando, em síntese, a reforma da decisão recorrida, com o julgamento de total improcedência da demanda, eis que os reajustes aplicados ao benefício em tela foram consonantes com a legislação de regência, de modo que inexistem diferenças em prol da segurada. Apresentadas contra-razões pelas partes, subiram os autos a este Tribunal. 240 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 É o relatório. Dispensada a revisão. (RI deste TRF/4ª R, art. 37, IX) VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: Trata-se de revisão de pensão outorgada em 01.09.74. (fl. 25) a) Da aplicação do FAS em maio/94 Nos termos da peça vestibular, sustenta a parte-autora restar consolidado o direito à aplicação integral do FAS de fevereiro/94, que corresponde à inflação de janeiro/94 (40,25%), no reajuste de seu benefício na competência de maio seguinte, como forma de manter o valor real dos respectivos proventos. Por ocasião da réplica, deixou a demandante anotado à fl. 40: “- CONVERSÃO DA URV Não é matéria discutida na peça exordial.” Ao analisar a controvérsia, no ponto, referindo-se à sistemática de reajuste prevista no art. 9º, II, § 1º, da Lei 8.542/92, com a redação dada pela Lei 8.700/93, assim observou com propriedade o sentenciante (fl. 51): “A norma acima, no entanto, vigorou apenas até fevereiro de 1994; a partir de março, por força do art. 20 da Lei 8.880/94 (precedida das Medidas Provisórias 434, de 27.02.94, 457, de 29.03.94, e 482, de 28.04.94) os benefícios previdenciários foram convertidos em URV, seguindo-se que, desde março/94 até a conversão dos benefícios em Reais, ocorrida em julho/94, os proventos do autor mantiveram-se permanentemente atualizados pela URV. (...) Tendo sido alterada a sistemática antes de transcorrido o período necessário à implementação do reajuste de maio/94, falece ao autor o direito de pleitear que seja aplicada a seu benefício a variação do FAS referente a fevereiro/94, nos termos da legislação revogada.” Com efeito, diante dos contornos antes relatados, onde não se está a discutir os critérios atinentes à conversão do benefício em URV (tal como expressamente fez questão de assinalar a parte-autora por ocasião da réplica) cumpre referir que, se a CF/88, de fato, garantiu a preservação do valor real dos benefícios previdenciários, o que resta, à evidência, indiscutível, de outra feita também delegou ao legislador infraconstitucional a tarefa de fixar os critérios para a consecução de tal desiderato, não só quanto aos indexadores incidentes, como também 241 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 quanto à periodicidade dos indigitados aumentos. Nessa linha, a segurada tem direito ao reajuste em si e na forma disposta pela legislação de regência, e não pelo modo que lhe pareça mais adequado, motivo por que a escolha de indexador estranho ao eleito pelo legislador deve ser repelida. b) Do reajuste de maio/96 (INPC): A controvérsia que se pretende dirimida, quanto ao ponto, prende-se ao exame de ser devido, ao benefício em tela, o indigitado reajuste em maio/96 com base na variação do INPC/IBGE, por ser este, nos dizeres da vestibular, o indexador adequado à preservação do valor real dos proventos, assegurada, inclusive, em sede constitucional. Contudo, estando em vigor na data prevista para o reajuste em maio/96 (1º.05.96) a Medida Provisória 1.415/96 (DOU 30.04.96), dispondo quanto à aplicação do IGP-DI como índice escolhido a esse fim, descabe amparo ao Judiciário para se utilizar de índice já revogado, mormente diante do pacífico entendimento jurisprudencial, embasado em precedente do STF (RE nº 148.607-4, Rel. Min. Celso de Mello), no sentido de inexistir direito adquirido a uma determinada forma de reajuste de vencimentos e/ou proventos. A propósito do tema, confira-se julgado do STJ, in verbis: “PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-DE-BENEFÍCIO. CRITÉRIOS DE REAJUSTE. ÍNDICES. IGP-DI/FGV. LEI Nº 9.711/98. - A fórmula de cálculo do reajuste dos benefícios mantidos pela Previdência Social obedece aos critérios fixados infraconstitucionalmente pelo art. 41 da Lei dos Planos de Benefícios da Previdência Social, sucedidos pelas alterações introduzidas pelas Leis nos 8.542/92 e 8.880/94. O atual critério de reajuste encontra-se definido na Lei nº 9.711/98, que determina a atualização monetária pela aplicação da variação acumulada do IGP-DI/FGV, em substituição ao índice do IPC-r. Recurso Especial não conhecido.”. (REsp nº 216.119/SP, Rel. Min. Vicente Leal, in DJ de 17.04.2000) Em suma, à luz dos argumentos antes expendidos no sentido de ser o IGP-DI o indexador adequado para o reajuste dos benefícios em maio/96, impõe-se a manutenção da sentença quanto a esse tópico. c) Dos aumentos nos meses de junho/97 (9,96%), junho/99 (7,9%) e junho/2000 (14,19%), de acordo com a variação do IGP-DI: Discute-se, ainda, nos autos a majoração dos proventos da autora em junho/97, junho/99 e junho/2000 em patamar diverso do concedido 242 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 administrativamente, tendo o julgado reconhecido a procedência do pedido, quanto ao tópico, para deferir ao postulante, nas indigitadas competências, aumentos pelos índices de 9,96%, 7,9% e 14,19%, respectivamente, assegurado o desconto dos percentuais já aplicados nesses meses. Entretanto, tenho que merece acolhida o recurso do INSS, eis que a Medida Provisória 1.572-1, de 28 de maio de 1997, em seu art. 2º, dispôs, in verbis: “Art. 2º - Os benefícios mantidos pela Previdência Social serão reajustados, em 1º de junho de 1997, em 7,76%.” Dentro desta ótica, descabe concluir tenha ocorrido qualquer ofensa ao princípio da preservação do valor real dos benefícios consagrado na Magna Carta, orientação essa também aplicável às majorações de junho/99 (4,61%) e junho/2000 (5,81%) praticadas legitimamente por índices estabelecidos nas MPs 1.824/99 e 2.022-17/2000. A propósito de tal entendimento, confira-se aresto da 5ª Turma desta Corte, assim ementado: “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LITISPENDÊNCIA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO EM URV. LEI 8.880/94. PRESERVAÇÃO DO VALOR REAL DOS BENEFÍCIOS. REAJUSTE PELO IGP-DI. MÊS JUNHO DE 1997. ÍNDICE DE 7,76%. CORREÇÃO MONETÁRIA. LEI 6.899/81. INDEXADORES. (...) omissis; 6. É constitucional o índice de 7,76% previsto pela Medida Provisória 1572-1/97 para o reajuste dos benefícios previdenciários em junho de 1997. (...) (AC nº 1998.04.01.042625-8, TRF 4ª Região, 5ª Turma – unânime – Re. Juíza Maria Lúcia Luz Leiria, DJU de 12.07.2000).” Não restando providos quaisquer dos pleitos formulados pela parteautora, impõe-se reformar a sentença para reconhecer a improcedência da ação, cabendo-lhe, daí, arcar exclusivamente com a verba honorária, a qual, em atenção aos parâmetros de regência, fixo em 10% sobre o valor atribuído à causa, restando suspensa a respectiva exigibilidade em face de se encontrar a litigante ao abrigo da assistência judiciária gratuita. Frente ao exposto, voto no sentido de negar provimento ao apelo da autora e dar provimento ao recurso do INSS, bem como à remessa oficial, nos termos da fundamentação supra. É o voto. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 243 APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2001.72.00.003278-4/SC Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS Advogada: Dra. Patricia Helena Bonzanini Apelados: Luiz Cesar da Cunha – Esp. Advog. Carlos Alberto Umbelino e outros Remetente: Juízo Federal da 2ª Vara Federal de Florianópolis/SC EMENTA Previdenciário. Benefício por invalidez decorrente de acidente do trabalho. Restabelecimento. Mandado de segurança. Competência da Justiça Estadual. A despeito da regra inscrita no inciso VIII do art. 109 da Constituição Federal, é competente a Justiça Estadual para julgar mandado de segurança que tenha por objeto a concessão ou revisão de benefício previdenciário decorrente de acidente do trabalho. Se o legislador constitucional excluiu da competência federal a matéria relacionada com acidente do trabalho, não se pode sobrepor a esse desígnio regra de natureza instrumental, ainda que tenha esta última também sede na Carta Constitucional. Na ponderação dos interesses em conflito, deve prevaler a substância sobre a forma. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso do INSS e à remessa oficial, anulando a sentença e determinando a remessa dos autos à Justiça Estadual, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 23 de maio de 2002. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz: Espólio de Luiz Cesar da Cunha impetrou mandado de segurança com o objetivo de 244 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 compelir o INSS a conceder-lhe o benefício de acidente de trabalho. Prestadas as informações, sobreveio sentença concedendo a segurança para anular o ato de indeferimento do benefício de acidente do trabalho e conceder ao impetrante esse benefício. Apela o INSS, alegando que a sentença trabalhista que reconheceu o vínculo de trabalho somente opera efeitos entre as partes naquele processo. Entende que se trata de incompetência absoluta da Justiça Federal, uma vez que o objeto da lide é a concessão de benefício acidentário. Afirma que a mera confissão da relação de emprego, tal como ocorreu no processo trabalhista, vale tão-somente contra o confitente, sendo necessário o reconhecimento de relação jurídica previdenciária com o INSS, por meio de ação que enseja dilação probatória. Com contra-razões, vieram os autos a esta Corte, também por força do reexame necessário. É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz: Consoante relatado, o impetrante postulou a condenação do INSS a conceder-lhe o benefício de acidente de trabalho, sofrido em 05.08.99 (fl. 35). O juiz a quo deu procedência ao pedido do autor. Nos termos do art. 19 da LBPS, “Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do artigo 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.” (grifei) Como se vê, trata-se de incapacidade decorrente de acidente do trabalho. Segundo o art. 109, I, da Constituição Federal, compete à Justiça Federal processar e julgar as causas em que a União, entidades autárquicas ou empresa pública federal forem interessadas como autoras, rés, assistentes ou oponentes, com exceção das causas de acidentes do trabalho, entre outras (grifei). Em se tratando de mandado de segurança, a competência é determinada pela hierarquia funcional da autoridade coatora, que, sendo federal, atrai, nos termos do art. 109, VIII, da Constituição Federal, a competência da Justiça Federal. O conflito entre as regras constitucionais deve, a meu ver, ser R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 245 solucionado em favor da tese – que ora advogo – de que compete, no caso, à Justiça Estadual a apreciação do litígio. Se o legislador constitucional excluiu da competência da Justiça Federal a matéria relacionada com acidente de trabalho, não se pode conceber que a esse desígnio se sobreponha uma regra de natureza instrumental, ainda que tenha ela sede também na Carta Política. É sabido que o conflito entre normas constitucionais não é suscetível de solução pelos mecanismos da legislação infraconstitucional – critérios temporal, de especialidade e hierárquico. Em suma, a prevalência de um princípio ou regra da Constituição não pode anular o outro, pois não se pode declarar a inconstitucionalidade de norma constitucional. A solução que melhor harmoniza o conflito instaurado, portanto, é aquela que, mantendo a regra do inciso VIII do art. 109 da CF, a excepciona nos casos em que o objeto do litígio deduzido em mandado de segurança diga respeito a benefício previdenciário decorrente de acidente de trabalho. Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento ao recurso do INSS e à remessa oficial para que, anulada a sentença, sejam os autos remetidos à Justiça Estadual. É como voto. APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2002.04.01.004532-3/RS Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS Advogada: Dra. Patricia Helena Bonzanini Apelada: Alvina Antonia da Silveira 246 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Advogado: Dr. Luiz Celso José Indio Diniz Remetente: Juízo Federal da 2ª Vara Federal Previdenciária de Porto Alegre/RS EMENTA Mandado de segurança. Processual Civil. Direito Previdenciário. Cancelamento de benefício previdenciário. Revisão administrativa. Fraude não comprovada. Cancelamento que se deu depois de decorridos oito anos desde a data da concessão. A despeito de as atividades administrativas estarem adstritas ao princípio da legalidade, a Administração, salvo comprovada má-fé e fraude, somente pode invalidar os atos praticados em desconformidade com a lei dentro do prazo de cinco anos. É que a Administração Pública deve preservar também a segurança das relações jurídicas consolidadas. Hipótese em que se revela impossível o cancelamento, em 1998, de benefício concedido no ano de 1990. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 02 de maio de 2002. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz: Alvina Antonia da Silveira impetrou mandado de segurança com o objetivo de compelir o INSS a restabelecer o pagamento do seu benefício de pensão por morte, desde a data do cancelamento. A liminar foi deferida (fls. 23/24). Prestadas informações, sobreveio sentença concedendo a segurança para o fim de determinar à autoridade coatora o restabelecimento definitivo do pagamento da pensão rural por morte (NB 01/51030763-9), em favor da impetrante. Apela o INSS (fls. 56/58), alegando que o procedimento revisional que R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 247 culminou na cessação do benefício foi regular e se insere no poder-dever da Administração, devendo este procedimento ser prestigiado, uma vez que, na hipótese, não restou comprovado que a impetrante fosse companheira do falecido. Com contra-razões do impetrado (fls. 63/65), subiram os autos a esta Corte, também por força do reexame necessário. Opinou o Ministério Público Federal pelo improvimento da apelação e da remessa oficial. (fls. 70/71) É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz: A autora impetrou o presente mandado de segurança com o objetivo de manutenção da pensão por morte rural que percebe desde 09.06.90 e cancelada pela Autarquia em 1998. É cediço que a Administração pode anular seus próprios atos quando eivados de ilegalidade, pois deles não se originam direitos. É certo também que o juiz, encontrando nulidades no ato administrativo, mesmo que não argüidas, poderá decretá-las, bem assim que não corre prescrição à pretensão da nulidade. Não é estranha ao Direito, entretanto, a idéia de convalidação do ato administrativo nulo ou anulável. A possibilidade de haver-se como legítimo um ato nulo ou anulável é reconhecida pelas doutrinas nacional e estrangeira. Em certas situações, especiais, admite-se tanto o reconhecimento da existência de direitos adquiridos como o exaurimento do poder revisional ex officio da Administração quando decorrido um lapso de tempo razoável a partir da prática do ato. A respeito do tema, invoco o ensinamento de Miguel Reale (in Revogação e Anulamento do Ato Administrativo, Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 69): “... A idéia de recorrer à doutrina civilista da ‘prescrição aquisitiva’ é engenhosa, mas revela ainda certo apego a critérios privatísticos, sendo preferível reconhecer, pura e simplesmente, que o problema da sanatória ou convalidação dos atos nulos se coloca em termos menos rígidos na tela do Direito Administrativo, não por desamor ou menosprezo à lei, mas por ser impossível desconhecer o valor adquirido por certas situações de fato constituídas sem dolo, mas eivadas de infrações legais a seu tempo 248 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 não percebidas ou decretadas. O que se não pode é recusar à autoridade administrativa, como expressão que é do organismo estatal, o poder de convalidar dada situação de fato, cuja permanência lhe pareça justa, em virtude não só do tempo transcorrido, mas à vista de circunstâncias que excluam a existência de dolo, ou quando se revelem, sem maiores indagações, valores éticos ou econômicos positivos a favor da permanência do ato irregular.” Sob outro enfoque, vale citar o escólio de Weida Zancaner: “O princípio da legalidade, fundamento do dever de invalidar, obriga a Administração Pública a fulminar seus atos viciados não passíveis de convalidação. Só que a invalidação não pode ser efetuada sempre e indistintamente, com referência a todas as relações inválidas não convalidáveis que se apresentem ao administrador, em razão das barreiras ao dever de invalidar. Os limites ao dever de invalidar surgem do próprio sistema jurídico-positivo, pois, como todos sabemos, coexistem com o princípio da legalidade outros princípios que devem ser levados em conta quando do estudo da invalidação. Claro está que o princípio da legalidade é basilar para a atuação administrativa, mas como se disse, encartados no ordenamento jurídico estão outros princípios que devem ser respeitados, ou por se referirem ao Direito como um todo, como, por exemplo, o princípio da segurança jurídica, ou por serem protetores do comum dos cidadãos, como, por exemplo, a boa-fé, princípio que também visa protegê-los quando de suas relações com o Estado. Assim, em nome da segurança jurídica, simetricamente ao que referimos quanto à convalidação, o decurso de tempo pode ser, por si mesmo, causa bastante para estabilizar certas situações fazendo-as intocáveis. Isto sucede nos casos em que se costuma falar em prescrição, a qual obstará a invalidação do ato viciado. Esta é, pois, uma primeira barreira à invalidação. Por sua vez, o princípio da boa-fé assume importância capital no Direito Administrativo, em razão da presunção da legitimidade dos atos administrativos, presunção esta que só cessa quando esses atos são contestados, o que coloca a Administração Pública em posição sobranceira com relação aos administrados”. (Da Convalidação e da Invalidação dos Atos Administrativos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p. 58) Com efeito, não seria legítimo, para fundamentar a invalidação a qualquer tempo pela Administração dos atos ilegais, afirmar, pura e simplesmente, a primazia do princípio da legalidade sobre o princípio da segurança jurídica. O fato de as atividades administrativas estarem adstritas ao princípio da legalidade não significa que os atos praticados em desconformidade com a lei fiquem indefinidamente sujeitos à invalidação. Da Administração, exige-se, portanto, não apenas que obedeça aos termos da lei, mas também que preserve a segurança jurídica das relações que R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 249 estabelece com os administrados. A propósito do tema, vale lembrar que o art. 54 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que trata do processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, expressamente dispõe que: “o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.” Ressalvados os casos de má-fé – aí incluídas, obviamente, as situações que envolvam fraude –, a Administração, a despeito da ilegalidade do ato, terá o prazo de cinco anos para proceder à revisão, decorrido o qual será ele convalidado. Em se tratando de benefícios previdenciários de índole rural, é certo que a Lei nº 9.032, de 28 de abril de 1995, previu a possibilidade de revisão nos casos de “fraude, irregularidades e falhas existentes”. Aquele dispositivo legal, entretanto, é omisso a respeito do prazo que teria a Administração para levar a efeito a revisão ali prevista. Para suprimento da omissão legislativa, deve-se recorrer ao art. 54 da Lei nº 9.784/99. Pode-se então estabelecer o seguinte critério: a) em caso de fraude ou má-fé, a revisão é possível a qualquer tempo; b) na hipótese de simples ilegalidade na concessão do benefício, o INSS terá o prazo de cinco anos para proceder à sua revisão; c) a mudança posterior de interpretação da legislação de regência não autoriza a revisão do ato administrativo, em respeito à coisa julgada administrativa, o mesmo ocorrendo com a nova valoração da prova. A respeito do tema discutido, colaciono o seguinte precedente: “PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE ATO CONCESSÓRIO DE APOSENTADORIA POR IDADE DE TRABALHADOR RURAL. POSSIBILIDADE. DEVIDO PROCESSO E DIREITO DE DEFESA. GARIMPEIRO. ... 3. Se o vício não fulmina o ato de nulidade, podendo ser suprido mediante iniciativa da administração ou do interessado, a administração dispõe do prazo de cinco anos para revisar o ato, sob pena de infringência à segurança das relações. 4. Hipótese em que desde o ato de concessão da aposentadoria até a primeira notícia de revisão transcorreram mais de cinco anos, impossibilitando assim a cessação do benefício, porquanto a hipótese não envolve fraude na documentação que embasou o procedimento administrativo, simulação dolosa de uma situação fática inverídica ou erro da autoridade administrativa na aplicação da legislação de regência, mas sim mera interpretação de fatos já conhecidos ao tempo da concessão”. (TRF da 4a Região, AC 250 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 nº 0401121816-9, relatora Juíza Eliana Paggiarin Marinho, 08.08.2000) Por fim, penso que a sentença muito bem analisou a questão, in verbis: “Com efeito, embora seja lícito à administração revisar e até mesmo cancelar os atos administrativos que contenham vícios, isso não pode servir para a perpetração de exageros. Se o benefício previdenciário foi deferido há mais de oito anos, não parece razoável a exigência de apresentação de novos documentos para a comprovação da qualidade de companheira do ex-segurado, a não ser nos casos em que há evidência de fraude. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 251 Branca DIREITO PROCESSUAL CIVIL Branca 254 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 AÇÃO RESCISÓRIA Nº 95.04.41304-8/RS Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann Autor: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS Advogado: Dr. Adão Pedro Albino Réus: J. C. M. e outros EMENTA Questão de ordem em ação rescisória. Citação de parte que possivelmente comporá o pólo passivo da lide quando, e se, analisado o juízo rescisório. A ação rescisória que objetiva o reconhecimento de ilegitimidade passiva do réu que compôs a ação precedente não deve prosseguir sem que à parte que possivelmente integrará a lide, no caso de se chegar ao Juízo rescisório, seja oportunizado acompanhar a instrução do feito. Questão de ordem acolhida para determinar a citação da União. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, em questão de ordem, determinar a citação da União, nos termos do relatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 13 de maio de 2002. Des. Federal Edgard Lippmann, Relator. RELATÓRIO R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 255 O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann: A presente ação visa a rescindir, ao argumento de violação à literal disposição de lei (CPC, art. 485, V), sentença proferida pelo MM. Juízo Federal que julgou procedente a pretensão das autoras de ação ordinária que versou sobre pagamento integral de pensão pós-morte instituída por servidor do INAMPS, falecido antes do advento do RJU. (em 11.03.89) A ofensa à lei, nos dizeres da inicial, ocorre em razão da ilegitimidade passiva do INSS para aquele feito, visto referir-se a servidor do extinto INAMPS - sucedido pela União -, restando impossível juridicamente ao Autor desta rescisória, a teor das disposições do Dec. 99.350/90, dar cumprimento ao julgado. Alega, ainda, violação às disposições dos arts. 248 da Lei nº 8.112/90; e 267, inc. VI, § 3º, e 301, § 4º, ambos do CPC. Após longa tramitação e regularmente processado o feito, vieram conclusos para julgamento, em 18.02.2002. É o relatório. QUESTÃO DE ORDEM O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann: A ação que versou sobre o pagamento integral de pensão por morte de servidor do INAMPS foi julgada procedente, com fundamento na Lei nº 8.112/90 e no art. 40 da CF. A necessidade de rescisão posta neste feito diz com a ilegitimidade passiva da autarquia condenada ao cumprimento da sentença – INSS – visto que a própria Lei nº 8.112/90, no art. 248, estabeleceu que as pensões estatutárias concedidas até a vigência do RJU passavam à manutenção do órgão/entidade de origem do servidor. Considerando o longo tramitar da presente ação e vista a inarredável cumulação de pedidos prevista no art. 485, I, do CPC, inerente à própria ação rescisória, proponho a presente questão de ordem, para que, em colegiado, seja analisada a possibilidade de prosseguimento do julgamento, caso cheguemos à procedência do pedido de rescisão da sentença em questão. Explicito melhor a questão referindo que, no estado em que se encontra o processo, se esta Egrégia Seção concluir pela procedência da rescisão – em iudicium rescindens –, dever-se-ia prosseguir, em caminho lógico, ao julgamento da matéria trazida na ação precedente – em iudicium recissorium. E, caso configurada a suposição, ter-se-ia que extinguir o 256 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 feito, sem julgamento de mérito, pela inexistência de pólo passivo na lide. Aqui, neste ponto, chamo a atenção para as datas que constam dos autos. A parte-autora da ação precedente buscou a tutela judicial, distribuindo o feito em 17.07.92, a sentença de procedência do pedido foi proferida em 01.09.94, tendo transitado em julgado em novembro do mesmo ano. De tais dados, presumo que, desde então, os dependentes do servidor falecido estão recebendo a pensão, nos moldes da sentença, cujo mérito não é discutido e encontra-se sob o manto da coisa julgada. Prosseguindo, vê-se que a Autora da rescisória ajuizou este feito em agosto de 1995, concluindo-se pela agilidade tanto da Autora da ação precedente – que ajuizou o feito em menos de dois anos do ato que lesou o direito tutelado – e também da Autora da rescisão, que buscou esta Corte em menos de dois anos do trânsito em julgado da sentença guerreada. Constatado isso, tenho que a possível procedência da rescisão e a conseqüente extinção da ação precedente sem apreciação de mérito configuraria prejuízo irreparável a ambas as partes. Isto porque, em assim ocorrendo o julgamento, as partes retornariam ao estado anterior à sentença: as rés daquela ação privadas da integralidade da pensão – talvez devedoras da devolução dos valores recebidos –, e a autora desta ação sem qualquer título que lhe possibilite o ressarcimento dos valores pagos no período. Ora, o Direito moderno, cada vez mais, afirma que o processo é instrumento e, como tal, não pode ser considerado um fim em si mesmo. Assim, considerando os princípios da instrumentalidade, da economia processual e da efetividade do processo e, considerando que a teor das disposições do art. 267, § 3º, do CPC, ao Juiz é dado analisar as condições da ação em qualquer tempo, proponho, em absoluto privilégio ao resultado, que se proceda à citação da União, possivelmente legítima passivamente para a lide. Acrescento, ainda, que encontro respaldo para tal ato no entendimento de que ao Magistrado é autorizado, muitíssimo mais do que aplicar a lei, proceder a sua aplicação norteado pelos fins sociais a que se dirige, superando o formalismo dos meios que desprestigiariam o fim. Reporto-me, por fim, ao aresto que a seguir transcrevo, ressaltando a unanimidade do julgamento efetuado pela Douta 3ª Seção do STJ: “AÇÃO RESCISÓRIA. DOCUMENTO NOVO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 257 INADMISSIBILIDADE DA AÇÃO. PECULIARIDADE DO CASO. Tratando-se de pessoa idosa, em que a extinção do processo sem julgamento de mérito pode ensejar a propositura de nova ação ordinária, mas da qual pouco ou nada lhe seria de utilidade, julga-se, de logo, com os documentos juntados, comprovada a condição de rurícola e procedente a ação, para assegurar-lhe o benefício previdenciário postulado, atendo-se ao disposto no art. 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil.” (AR 1012/SP (1999/00592875) DJ de 23.10.2000, p. 0102, JBCC, vol. 0185, p. 00507, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, Rev. Min. Fernando Gonçalves, 3ª Seção do STJ, unânime) Diante de todo o exposto, em questão de ordem, voto por determinar a citação da União, a fim de propiciar o prosseguimento do feito de forma válida e regular. É como voto. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM EAC Nº 1998.04.01.077115-6/SC Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria Embargante: Luiz Kienen Bebidas Ltda. Advogados: Dra. Jaqueline Oliveira dos Santos Drs. Romeo Piazera Junior e outros Embargante: União Federal (Fazenda Nacional) Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin Embargado: O v. Acórdão de fl. 190 EMENTA Embargos de declaração. Omissão. Prequestionamento. Verba honorária. 1. Os embargos declaratórios são meio hábil para sanar omissão, contradição ou obscuridade no acórdão, não servindo para reexame da prova apresentada ou para reparar contrariedade à tese do recorrente. 2. Embargos de declaração providos parcialmente para fins de 258 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 prequestionamento. 3. Modificada a proporção da sucumbência pelo voto dissidente, com alteração da verba honorária, sua prevalência em julgamento de embargos infringentes autoriza, como consectário lógico, que os honorários sejam alterados nos termos do voto vencido. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Primeira Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento aos embargos de declaração da parte-autora e dar parcial provimento aos embargos de declaração da União Federal, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 7 de agosto de 2002. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora. RELATÓRIO A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Trata-se de embargos de declaração opostos pela União Federal e pela parte-autora contra acórdão julgado pela Primeira Seção que, por unanimidade, deu provimento aos embargos infringentes, assim ementado (fl. 190): “PIS. CORREÇÃO MONETÁRIA DA BASE DE CÁLCULO – MP 1.212/95. A correção monetária da base de cálculo do PIS é devida a partir da vigência da MP 1.212/95.” A parte-autora, em suas razões, sustenta a existência de omissão, pois, embora fixada no voto divergente a verba honorária de 10% sobre o valor dado à causa, corrigido monetariamente, no acórdão inexiste pronunciamento acerca da verba honorária devida aos patronos da empresa, o que requer, nos termos do art. 21 e seus parágrafos do CPC. A União Federal, em suas razões, sustenta que a Lei nº 7.691/88, em seu artigo 1º, inciso III, determina a aplicação de correção monetária à base de cálculo do PIS, de modo que é descabida a atualização somente a partir da Medida Provisória 1.212/95. Aduz que impedir a correção monetária da base de cálculo do PIS contraria os princípios constitucionais da legalidade e da isonomia tributárias, bem como da razoabilidade (art. 5º, inciso LIV, e art. 150, I e II, 259 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 da Carta Magna). Por fim, requer o prequestionamento expresso dos arts. 5º, LIV; 150, incisos I e II, e 239, todos da Constituição Federal de 1988, bem como do art. 1º da Lei nº 7.691/88, caso se entenda inexistir omissão no julgado. É o relatório. VOTO A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: No que diz com a correção monetária da base de cálculo do PIS desde a vigência da Lei nº 7.691/88, entendo que os embargos de declaração da União Federal não podem prosperar. As questões jurídicas postas na ação já foram devidamente analisadas e fundamentadas com convencimento da Seção julgadora. O voto é claro quanto à aplicação da correção monetária da base de cálculo do PIS somente a partir da vigência da Medida Provisória nº 1.212/95. Não há, assim, qualquer obscuridade, omissão ou contradição no julgado. O que ocorre neste caso, efetivamente, é que começa a ser formada uma corrente jurisprudencial com tendência a conceder aos embargos de declaração uma função retificadora quando se verificar que da omissão do julgador puder resultar prejuízos irreparáveis às partes, como é exemplo acórdão do Superior Tribunal de Justiça, assim ementado: “Doutrina e jurisprudência têm admitido o uso de embargos declaratórios com efeito infringente do julgado, mas apenas em caráter excepcional, quando manifesto o equívoco e não existindo no sistema legal outro recurso para a correção do erro cometido.”. (STJ - 4ª Turma, REsp 1.757-SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 13.03.90, deram provimento, v.u., DJU 09.04.90, p. 2.745, 2ª col., in Código de Processo Civil e Legislação Processual em vigor, Theotonio Negrão, Ed. Saraiva) No entanto, o que se nos afigura nestes embargos é que a pretensão da Embargante não é esclarecer contradição ou omissão; o que se quer, à guisa de declaração, é, efetivamente, a modificação da decisão atacada. Então, o efeito de infringência que se quer emprestar aos embargos de declaração não pode ser aceito, já que visa a modificar a decisão. Quanto aos embargos de declaração interpostos pela parte-autora, tenho que a fixação da verba honorária no voto vencido, sendo corolário lógico do posicionamento dissidente, deve acompanhá-la obrigatoriamente, pois 260 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 a parte-autora restou vencida em menor parte. Assim sendo, voto no sentido de dar provimento aos embargos de declaração opostos pela parte-autora para declarar que os honorários são devidos pela União Federal no percentual de 10% sobre o valor atualizado da causa. Para o fim específico de prequestionamento, dou parcial provimento aos embargos de declaração da União Federal, apenas para considerar prequestionados os artigos 5º, inciso LIV; 150, incisos I e II, e 239, todos da Constituição Federal de 1988, bem como o art. 1º da Lei nº 7.691/88. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1999.04.01.123702-4/RS Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon Agravantes: Cláudio Gaspar Fialho Severo e outro Advogados: Drs. Procelina Santanna Fernandes e outro Agravado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS Advogada: Dra. Suzana Fialho Campos Interessado: Mainard Machado Tappes Advogado: Dr. Mainard Machado Tappes Interessados: Construtora e Imobiliária Santanense Ind. e Com. Ltda. e outros EMENTA Processual Civil. Execução fiscal. Arrematação. Intimação dos credores hipotecários. Preferência. Ausência de prejuízo. Venda judicial. Cancelamentos dos gravames. 1. A cientificação do credor hipotecário acerca dos atos constritivos incidentes sobre o bem objeto da sua garantia real tem o intento de lhe oportunizar a exibição do seu direito de preferência, o qual, a teor do art. 186 do CTN, encontra-se em posição desvantajosa frente aos créditos 261 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 fiscais. 2. Manifesta a preferência dos créditos fiscais sobre aqueles emergentes dos direitos reais de garantia, inexiste prejuízo do credor hipotecário que não foi intimado da penhora e excussão do imóvel lhe dado em garantia. 3. A arrematação tem natureza de aquisição originária, operando-se o efeito purgativo dos direitos reais de garantia, razão por que se impõe o cancelamento dos respectivos registros perante o Ofício Imobiliário. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 8 de agosto de 2002. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Trata-se de agravo de instrumento que investe contra decisão que rejeitou a argüição de nulidade da arrematação por falta de intimação dos credores hipotecários, e manteve determinação para cancelamento do registro da hipoteca perante o competente Ofício Imobiliário. Os agravantes registram em suas razões, em síntese, que: a) embora Sandra Severo D’Abreu, ora agravante, figurasse como co-responsável na CDA, apenas a empresa Construtora e Imobiliária Santanense Indústria e Comércio foi citada no executivo fiscal; b) os credores hipotecários jamais tomaram ciência da existência do executivo fiscal, no qual fora penhorado o bem gravado pela hipoteca que garantia seus créditos; c) embora prescritos os créditos fiscais, a execução fiscal prosseguiu até a fase de arrematação, sem que os co-responsáveis e os credores hipotecários fossem cientificados da penhora do imóvel e muito menos da venda judicial; d) a falta de alguma solenidade que a lei considere essencial nulifica o ato jurídico (art. 145, V, do CCB); e) o direito real de hipoteca garante aos credores preferência, cujo registro só poderá ser cancelado pela arrematação do bem no executivo hipotecário; f) o 262 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 arrematante, antes de fazer o lanço, deveria investigar a real situação do bem, a fim de se prevenir de eventuais percalços que poderiam advir da aquisição; g) o cancelamento da hipoteca só poderia ser efetuado com respaldo no inciso VII do art. 849, CCB; h) aos credores hipotecários é permitido arrematar o bem penhorado no intento de garantir seu direito de preferência, de modo que era imperiosa a intimação pessoal acerca do leilão; i) o imóvel foi arrematado por preço vil – menos de 60% do valor real do imóvel, podendo o juiz, de ofício, anular a arrematação. O agravado apresentou contra-razões, pugnando pelo improvimento do recurso. É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Instado pelo arrematante no fito de remover empeço oposto pelo Ofício imobiliário para ingresso da carta de arrematação na tábula registral, o i. Julgador a quo determinou a intimação dos credores hipotecários para, em 48 horas, promoverem o cancelamento do registro da hipoteca que gravava o imóvel praceado. (fl. 59) Os credores hipotecários, ora agravantes, dissentindo da determinação judicial, apontaram a nulidade da arrematação em face de não terem sido cientificados acerca da venda judicial. (fl. 61) A resposta judicial à impugnação dos credores hipotecários foi vazada nos seguintes termos (fl. 63): “Rh. Inicialmente, registro que somente Cláudio Severo possui interesse jurídico na nulidade da arrematação, pois Sandra D’Abreu é co-devedora na presente execução fiscal. (Art. 698 do CPC) A falta de intimação do credor hipotecário sobre o leilão do imóvel constrito é causa de nulidade da arrematação, como preceituam os artigos 826 do C.C. e 698 do CPC. Entretanto, em sede de execução fiscal, a decretação de nulidade por falta deste ato não aproveita ao credor hipotecário, pois o crédito tributário prefere a todos os demais, salvo o trabalhista. Não se decreta nulidade de ato que não acarretou prejuízo a quem a argüiu. (Art. 249, § 1º, do CPC) Já a alegação de venda por preço vil deve ser apresentada em embargos à arrematação. Indefiro o pedido retro. Data supra.” R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 263 Desta decisão ocupa-se o presente recurso. Não merece acolhimento a súplica. A legislação processual, notadamente o fraseado dos arts. 615, II, 619 e 698, bem assim o preceituado no art. 826, segunda parte, do CCB, confirma a necessidade de se dar ao conhecimento do credor hipotecário a constrição e o praceamento do bem que suporta o seu direito real de garantia. A ratio essendi da regra cifrada emerge do direito de prelação estampado pela garantia real, outorgando ao credor hipotecário o direito de opor o seu crédito ao do exeqüente, fazendo-se pagar com prioridade. A jurisprudência registra: “Na linha jurisprudência desta Corte, a preferência do credor hipotecário independe de sua iniciativa na execução ou na penhora. A arrematação de imóvel gravado de hipoteca garante ao credor hipotecário a preferência no recebimento de seu crédito em relação ao exeqüente (STJ – 4ª Turma - REsp. 162.464-SP Min. Sálvio de Figueiredo, j. 03.05.2001, deram provimento, v.u. DJU 11.06.2001, p. 223).” (Theotonio Negrão, in Código de Processo Civil e Legislação Processual em vigor, ed. 33ª, Ed. Saraiva, p. 753) Porém, a providência, in casu, mostra-se inteiramente estéril. É que os créditos fiscais, logo após os de natureza trabalhista, gozam de absoluta preferência, desimportando elementos de cunho cronológico ou subjetivos dos créditos em confronto, como deixa entrever o conteúdo do art. 186 do CTN, in verbis: “O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for a natureza ou o tempo da constituição deste, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho.” Assim, à vista da supremacia dos créditos fiscais, a exceção de preferência não poderia ser exibida pelos credores hipotecários, do que não se lhes exsurge qualquer prejuízo da falta de cientificação dos atos constritivos perpetrados sobre o imóvel praceado objeto do ônus real de garantia. Registra a jurisprudência: “EMBARGOS DE TERCEIROS. CONCURSO DE CREDORES: CREDOR HIPOTECÁRIO E IAPAS. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO CREDOR HIPOTECÁRIO PARA REALIZAÇÃO DE PRAÇA DE IMÓVEL. 1. A providência preconizada pelo art. 698 do CPC somente se afigura imprescindível quando o crédito objeto da execução ocupar, no concurso de preferências, posição inferior ao do credor com garantia real, é o que não se verifica nas execuções fiscais, a teor do art. 186 do CTN. 2. Impossibilidade de modificação da causa de pedir, após a citação sem a ausência 264 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 do réu. 3. A impenhorabilidade do bem de família não pode ser alegada pelo credor hipotecário, haja vista lhe faltar legitimidade ad causam, por ausência de interesse na pretensão. 4. Apelação improvida.” (AC n° 53307/RN, rel. Des. Federal José Delgado – TRF 5ª Região) “COMERCIAL. FALÊNCIA. LEILÃO DE BENS GRAVADOS COM HIPOTECA. EMBARGOS À ARREMATAÇÃO. INTIMAÇÃO DO CREDOR HIPOTECÁRIO. 1. Ante a existência de créditos tributário e trabalhistas torna-se supérflua a intimação de eventual credor hipotecário, eis que não poderá adjudicar o bem objeto do leilão. 2. Recurso especial não conhecido.” (REsp n° 10044/SP, rel. Min. Bueno de Souza, DJ 14.06.99, p. 191) Como, é sabido, não se empresta valor à nulidade, ausente o requisito prejuízo às partes, pois nossa legislação aceitou o vetusto princípio pas de nullitte sans grief, deixo de decretar a nulidade da hasta pública em face da inobservância das indigitadas regras processuais e do art. 826 do CCB. Por outro lado, o cancelamento do gravame que pende sobre o imóvel arrematado em hasta pública, que constitui obstáculo para ingresso da carta de arrematação no fólio real, se impõe. É que a transmissão judicial do bem para fazer pagar o credor tem cunho de aquisição originária, operando-se pela arrematação, na abalizada lição de Araken de Assis, o fenômeno da purgação dos direitos reais de garantia, in verbis: “A arrematação e a adjudicação originam o efeito purgativo dos direitos reais de garantia (hipoteca, penhor, anticrese) na forma dos artigos 849, VII; 802, IV; e 808, § 1°, do CCB. Esses direitos têm a dupla função de pré-constituírem o bem destinado à solução da dívida e pré-excluírem ‘até que se solva a dívida, a solução, com ele, ou o valor dele, de outras dívidas’ (1.369). Em decorrência do gravame, o bem se sujeita ao crédito ‘com eficácia real’ (1.370), quer dizer, o Estado, que articula os meios executórios contra quaisquer bens do devedor (artigo 591 do CPC), investe no patrimônio de outrem graças ao gravame, no encalço do bem gravado. O destino desses gravames, na execução individualista do nosso CPC (retro n° 7), teria de gozar absoluta indiferença, ao contrário de execução universal do CPC italiano onde a purgação decorre ‘del sistema adottato dalla nostra legge per la quale il pignoramento, e con esso la espropriazione che così si inizia, non è fatto nell’esclusivo interesse del creditore procedente, bensì nell’interesse di tutti i creditori che vi partecipano, primi tra i quali i creditori inscritti che sono avvertiti dell’sespropriazone in corso’ na lição de Gian Antonio Micheli (1.371), mas a técnica legislativa,. Fruto do medievo francês (1.372), considerou o bem livre e desembaraçado – na avaliação se desprezam os gravames – ‘de modo que os direitos reais limitados se atendem no preço’ (1.373). O artigo 615,II, do COC é uma universalização do processo (retro, n° 19). Em suma, o efeito purgativo não tem o R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 265 sentido radical de extinguir o direito de garantia, mas de o sub-rogar no preço. Adverte João de Castro Mendes: ‘a idéia de caducidade no fundo se opõe à de transferência de objecto (persistência com objecto sub-rogado). Se o direito real se transfere para outro objecto, não caduca, não se transfere’ (1.374). Os direitos reais de garantia que caducam são os que tenham sido registrados depois da penhora porque o registro é ineficaz, ‘inoponível ao processo de execução’ (1.375) ex vi do artigo 592, V, do CPC. A regra é, portanto, de o vínculo real se sub-rogar no preço (o credor anticrético tem direito de retenção) e sujeitar-se à graduação do concurso de preferências (infra, n° 296).” (in Comentários ao Código de Processo Civil; arts. 612 a 735; do processo de execução, Ed. LeJur, p. 371-2) Finalizando, além dos credores hipotecários não ostentarem legitimidade para opor exceções vinculadas à prescrição do crédito exeqüendo e da nulidade da arrematação efetuada por preço vil, tenho não ser este o foro apropriado para a agitação de tais alegativas, que teriam espaço no âmbito dos embargos à execução e à arrematação, respectivamente. Refuto, pois, a fundamentação empolgada pelos recorrentes, mantendo os termos da decisão combatida. Voto no sentido de negar provimento ao agravo. É o voto. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2000.04.01.054926-2/PR Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde Agravantes: Moisés Adão Batista e Elsa Saramella Batista Advogado: Dr. Moisés Adão Batista Agravada: Caixa Econômica Federal - CEF Advogados: Drs. Eduardo Amaral Pompeo e outros EMENTA Execução judicial (Lei nº 5.741/71). Embargos do devedor – efeito 266 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 suspensivo. Os embargos à execução judicial embasada na Lei nº 5.741/71 processam-se com efeito suspensivo, ainda que ausente o atendimento às condições estipuladas pelo mesmo diploma legal (art. 5º, I e II), por força do poder geral de cautela, haja vista que ao devedor é cominada a expedita desocupação do imóvel que, aliás, já se presta ao serviço da garantia real da dívida. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do relatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 18 de outubro de 2001. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: Trata-se de agravo de instrumento tempestivo interposto de r. decisão (fl.176) proferida em embargos à execução promovida com base na Lei nº 5.741/71, em processo perante o MM. Juízo da 2ª Vara Federal de Maringá/PR. A insurgência é posta contra o não-recebimento dos embargos no efeito suspensivo, por não implementados os requisitos do artigo 5º daquele diploma legal. Os recorrentes alegam a insustentabilidade do r. decisum, pois está a ferir o princípio do devido processo legal, da inafastabilidade do Poder Judiciário, bem como do contraditório e da ampla defesa. (CF, art. 5º, XXXV, LIV e LV) Em exame preambular, foi indeferido o pleiteado efeito suspensivo. (fl. 179) Instada a parte ex adversa, apresentou resposta. (fls. 188 a193) Foram prestadas as informações. (fl. 186) É o relatório. Dispensada a revisão. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: É verdade que a Lei nº 5.741/71 prevê, de maneira específica, as hipóteses em que 267 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 os embargos à execução de que cuida submetem-se a processamento com efeito suspensivo, abstraindo as demais causas de suspensão contempladas pelo Código de Processo Civil (art. 5º, I e II, e parágrafo único). Esse comando, porém, comporta tempero. É o que impende afirmar, sob melhor exame. Com efeito. Especialmente, a partir da Carta Política de 1988, o Direito pátrio direciona-se ao máximo resguardo dos direitos do indivíduo em sua estrita pessoalidade. De aí que se erige ao status de garantia individual pétrea o due process of law, imanente a assecuração, aos litigantes em processo judicial ou administrativo, do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV). E isso assim é ao estofo da utilidade efetiva, expressão no sentido teleológico último do preceito fundamental. Portanto, ainda que a Lei apenas permita a alienação do imóvel gravado ao depois da rejeição dos embargos (art. 6º, caput), isso não é suficiente para a preservação do direito argüido pelo mutuário/devedor. Não o é porque a mesma Lei lança contra esse mutuário a ordem de desocupação expedita do imóvel (art. 4º), excepcionável apenas em face da purgação da mora, com consectários processuais, ou do depósito do inteiro saldo devedor do financiamento (configurações que consubstanciam a condição ao próprio recebimento dos embargos com efeito suspensivo – art. 5º, I e II) – exatos temas centrais da oponibilidade à execução –, apesar de no imóvel mesmo residir a garantia real do débito. Assim, é forte concluir que o império da Lei nº 5.741/71, conquanto especial, não se coaduna com a orientação do Direito atual. Encontra-se em dessintonia com a ordem vigente, de aí impondo-se adequá-la a essa, submetendo-a aos preceitos gerais – relevo dado àquele (“os embargos serão sempre recebidos com efeito suspensivo” – CPC, art. 740, § 1º) introduzido pela reforma de 1994 –, ademais porque, de toda sorte, lhe são de aplicação subsidiária (art. 10), o que cabe ao Julgador aplicar com fincas no poder geral de cautela que detém. No sentido, é bastante expressiva a posição firmada pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça, por sua douta 2ª Turma, como se lê, in verbis: “PROCESSO CIVIL. AÇÃO CAUTELAR. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. Se o título executivo extrajudicial autoriza a imediata imissão na posse 268 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 do imóvel hipotecado, independente de qualquer discussão sobre a exigibilidade do crédito nele referido (hipótese prevista pelo artigo 4 º, § 2º, da Lei nº 5.471, de 1971), o juiz pode, sem exorbitar dos limites próprios do poder geral de cautela, deferir medida liminar impedindo o ajuizamento da execução enquanto indigitado crédito é discutido na ação principal.” (STJ, 2ª T, AgRg 00135415/PR, Relator Ministro Ari Pargendler, DJU II , j. 19.05.97) Ante o exposto, dou provimento ao recurso. É como voto. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2000.04.01.104919-4/PR Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde Agravante: Caixa Econômica Federal - CEF Advogados: Drs. Rogério Ampessan Coser Bacchi e outros Agravada: Salete Monteiro Advogado: Dr. Emerson Luiz Bachmann EMENTA Processual Civil. Agravo de instrumento. Execução extrajudicial (DL nº 70/66). Suspensão ou óbice à instauração. Suspende-se cautelarmente a execução extrajudicial embasada no Decreto-Lei nº 70/66, ou obsta-se a sua instauração, conquanto não se lhe negue a constitucionalidade, quando o mutuário do SFH promove medida judicial ao propósito da revisão dos reajustes contratuais de valores, para o atendimento eficaz a garantia fundamental (CF, art. 5º, XXXV), eis que naquele procedimento não é dado ao devedor promover a defesa de direito que entender sustentar, senão, apenas, proceder à purgação da mora ou quitar o débito pelos valores reclamados. ACÓRDÃO R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 269 Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencido o Desembargador Federal Valdemar Capeletti, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 18 de outubro de 2001. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: Trata-se de agravo de instrumento tempestivo interposto de r. decisão (fls. 88/89) exarada em ação cautelar incidental que tramita perante o MM. Juízo da 1ª Vara Federal de Curitiba/PR. A irresignação é lançada contra o deferimento de liminar no sentido de suspender o praceamento do bem, até julgamento final da ação. Sustenta, a agravante, a possibilidade da determinada atuação, eis que a execução extrajudicial prevista no Decreto-Lei 70/66 é constitucional, sendo que o contraditório se dá a posteriori. O recurso foi processado sem efeito suspensivo. (fl. 105) Foram prestadas as informações. (fl.113) Instada, a parte ex adversa não apresentou resposta. (fl. 114) É o relatório. Dispensada a revisão. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: Não merece acolhida a pretensão da agravante em reformar a decisão a quo, no sentido de liberar o praceamento do bem, ato que entende legítimo, já que o Decreto-Lei nº 70/66 prevê execução extrajudicial específica e constitucional. Isso posto, embora pacificada a constitucionalidade da execução extrajudicial nos termos do Decreto-Lei nº 70/66, o seu regramento não prevê, em primeira fase, a intervenção do mutuário em sua pessoal defesa senão, apenas, o seu comparecimento para proceder à purgação do débito. E mesmo em fase posterior, efetivada a alienação do imóvel (fato consumado), ainda assim não é prevista a intervenção do mutuário, salvo em pólo passivo de relação processual que se instaurar por iniciativa 270 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 do arrematante ao propósito da imissão da posse no imóvel. Logo, a garantia fundamental ínsita do artigo 5º, inciso XXXV (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”), não é suprida na espécie, não com aptidão para impedir a alienação do domínio que se consuma com a transcrição do título. Não sendo causa de inconstitucionalidade, impende, porém, proceder à integração do direito, na linha a qual o faz a moderna jurisprudência desta Corte, bastante os rr. julgados. “EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL (DL 70/66) — PENDÊNCIA DE AÇÕES EM QUE O MUTUÁRIO DISCUTE O CONTRATO — SUSPENSÃO CAUTELAR — CABIMENTO — SENTENÇA MANTIDA. ... 2. Pendente a ação direta, não é lícito ao agente financeiro promover aquela execução, sendo cabível sua suspensão pela via da ação cautelar.” (AC nº 1998.04.01.027789-7/RS, 4ª Turma, Rel. Juiz Antônio Albino Ramos de Oliveira, DJU-II 19.07.2000.) “SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. DECRETO-LEI Nº 70/66. SUSPENSÃO DE ATOS DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. Na execução extrajudicial o ajuizamento da ação consignatória ou revisional do valor da dívida, transfere a discussão para o âmbito do poder judiciário. Enquanto são discutidos critérios de reajuste, juros e outros componentes do débito a execução extrajudicial é obstada, porque a lide se instalou e o órgão competente para dirimi-la é o Judiciário.”. (AG nº 1999.04.01.031985-9/PR, 3ª Turma, Rel. Juíza Maria de Fátima Freitas Labarrère, DJU-II 19.04.2000) Não fora o suficiente, ao norte da igual conclusão há motivação outra, de ordem processual. Confiro. Cuidasse-se de execução em sede judicial, naturalmente, a defesa do devedor, em via de embargos, estaria a sustar o próprio curso daquele processo. Os embargos, ausentes de autonomia, dependem da execução, sendo imanente, indissociável, a conexão entre ambos os processos. Em relação à execução extrajudicial, não contemplada a defesa do devedor, a defesa que esse tiver – cujo exercício lhe é insonegável –, certamente, há de ser deduzida em ação judicial própria. Nessa equação, inexistente fundamento para erigir-se a execução extrajudicial à dignidade da intangibilidade, não valendo ela mais do que a própria execução judicial, a fortiori, para resolver-se a conexão, ela, objetivamente, há de paralisar, se instaurada; se não instaurada, a precedência da ação judicial obstará a sua mesma instauração. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 271 Destarte, não merece qualquer reparo a r. decisão objurgada, que está assentada na linha desse posicionamento. Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento. É como voto. APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.139082-7/RS Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon Apelante: Agropecuária Posto Branco Ltda. Advogados: Drs. Carlos Alberto Mascarenhas Schild e outros Apelada: União Federal (Fazenda Nacional) Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin EMENTA Processual Civil. Complementação das custas iniciais. Cancelamento da distribuição. Art. 257. Inaplicabilidade. Abandono da causa. Art. 267, III, do CPC. Intimação pessoal. Art. 267, § 1º, do CPC. 1. A medida de cancelamento da distribuição, prevista no art. 257 do CPC, tem aplicação apenas ao caso de inexistência de preparo das custas iniciais, o que, a toda evidência, não se equipara à insuficiência das custas recolhidas. 2. Configura abandono da causa (art. 267, III, do CPC) o nãoatendimento de comando para complementação das custas iniciais, imposta pela emenda da inicial, que redefiniu o valor dado à causa. 3. A extinção do processo por abandono da causa, reza o art. 267, § 1º, do CPC, deve ser precedida de intimação pessoal da parte-autora para suprimento da falta. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide 272 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 8 de agosto de 2002. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Trata-se de recurso de apelação em face de sentença que extinguiu os embargos à execução com amparo no art. 257 do CPC, porquanto a parte-autora não atendeu à determinação para recolhimento de custas complementares. Alude a recorrente que o cancelamento da distribuição, como descreve o art. 257 do CPC, não tem aplicação na hipótese, porquanto foram pagas custas segundo o valor atribuído à causa. Por outro lado, registra que o cancelamento da distribuição nos moldes do art. 257 do CPC depende da intimação da parte, na forma do art. 267, § 1º, do CPC. Mantida a decisão pelo i. Julgador a quo, vieram os autos a esta Corte. É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Regularmente distribuídos os embargos à execução, inclusive com recolhimento das custas processuais iniciais (fl. 08 e verso), o Julgador a quo determinou fosse emendada a inicial para adequação do valor da causa, o qual deveria corresponder ao da execução, e não ao de alçada. (fl. 09) Atendendo à determinação judicial, a embargante atribuiu à causa o valor de R$ 75.057,72, requerendo fosse apurada a diferença de custas. (fl. 11) Confeccionado o cálculo das custas complementares (fl. 13), a embargada foi intimada, via imprensa oficial, para o respectivo pagamento (fl. 14). Na inércia da embargante, o processo foi extinto com espeque no art. 257 do CPC. Com razão a recorrente. A distribuição será cancelada, está consignado no art. 257 do CPC, quando, no prazo de 30 dias, o feito não for preparado no cartório em que deu entrada. A previsão abstrata, observe-se, diz apenas com a ausência 273 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 de preparo da ação, o que não se confunde com preparo deficiente, caracterizado pelo recolhimento de custas a menor do que o devido. Sua zona de incidência está limitada à situação em que a parte-autora procede à distribuição da demanda sem o depósito inicial de custas, nem invoca benefício isentivo que lhe autorizasse tal proceder. A regra processual em comento, desta forma, não tem aplicabilidade à hipótese em que se delibera seja completado o preparo, como in casu. Diz melhor a jurisprudência: “Processo Civil. Recurso Especial. Custas Complementares. Recolhimento. Prequestionamento. Tratando-se de custas complementares, em decorrência de incidente de impugnação ao valor da causa, não tem aplicação a norma do art. 257 do CPC, diz com cancelamento de distribuição. Falta de prequestionamento patenteada quanto aos arts. 249, § 1º, e 264 CPC, 63 da Lei 4.591/63, eis que o acórdão não tratou das questões sobre versam tais dispositivos. Não é dado divisar ofensa a um dispositivo em razão de sua aplicação analógica. Dissídio não caracterizado. Recurso Especial não conhecido.” (REsp nº 156246/SP – 3ª Turma – Relator Ministro Costa Leite, DJ em 01.03.99) “PROCESSUAL CIVIL. COMPLEMENTAÇÃO DE CUSTAS DECORRENTE DE MODIFICAÇÃO DO VALOR DA CAUSA. CANCELAMENTO DA DISTRIBUIÇÃO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. ARTS. 257 E 267, IV, DO CPC. O art. 257 do CPC diz respeito à CUSTAS iniciais, e não com as CUSTAS complementares decorrentes de modificação do valor da causa, sendo descabido o cancelamento da distribuição por falta de complementarão das CUSTAS iniciais. Apelação provida. Sentença anulada.” (AC nº 1999.04.01.077445-9/SC – 3ª Turma – Relatora Desembargadora Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, DJ em 19.04.2000) A omissão da parte-autora, contudo, não pode ser tolerada, mantendose indefinidamente em aberto o atendimento da determinação judicial. A solução, tenho eu, encontra-se na diretriz consignada no art. 267, III, do CPC, ou seja, extinção do processo sem julgamento do mérito, porquanto verificado o abandono da causa por mais de 30 dias, concretizado na nãopromoção de atos e diligência que incumbiam à parte. Porém, a adoção de tal medida tem como pressuposto legal a intimação pessoal do autor para que, no prazo de 48 horas, promova o suprimento da falta. (art. 267, § 1º, do CPC) No caso concreto, a intimação para complementação das custas 274 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 processuais iniciais foi perfectibilizada na pessoa do patrono da causa, o que não atende ao requisito legal, servindo de empecilho para aplicação tout court do comando legal de extinção do processo sem julgamento do mérito. (art. 267, III, do CPC) De ser reformada, pois, a decisão que extinguiu os embargos à execução sem prévia intimação pessoal da parte-autora para que complementasse as custas iniciais, como delineado no art. 267, § 1º, do CPC. Pelo exposto, dou provimento ao recurso. APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2000.71.00.033105-7/RS Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares Apelante: Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região - AMATRA Advogados: Drs. Yara Beatriz Cruz de Oliveira e outros Apelada: União Federal (Fazenda Nacional) Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin Remetente: Juízo Substituto da 11ª Vara Federal de Porto Alegre/RS EMENTA Processo Civil. Mandado de segurança coletivo. Legitimidade. Associação. Vínculo entre o interesse dos associados deduzido em juízo e os fins próprios da entidade. Desnecessidade. 1. O cerne da discussão, no presente recurso, é se a legitimidade da impetrante, no mandamus coletivo, decorre do fato de a relação material controvertida (direitos individuais dos substituídos) guardar vínculo com os fins próprios da entidade, ou advém tão-somente da reunião, no quadro social, de diversos titulares de interesses juridicamente protegidos, lesados ou ameaçados de lesão, sem atentar às peculiaridades 275 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 da coletividade. 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 181.438-1/SP (DJU 04.10.96), assentou que “o objeto do mandado de segurança coletivo será um direito dos associados, independentemente de guardar vínculo com os fins próprios da entidade impetrante do writ, exigindo-se, entretanto, que o direito esteja compreendido na titularidade dos associados e que exista ele em razão das atividades exercidas pelos associados, mas não se exigindo que o direito seja peculiar, próprio da classe”. 3. Assim, tendo em conta que o pedido veiculado na exordial é o reconhecimento do direito de seus associados terem o Imposto de Renda retido na fonte calculado com base em tabela reajustada pela UFIR de 01.01.2000 e, em relação aos exercícios financeiros seguintes, com os valores calculados com base na UFIR dos respectivos exercícios, transparece a legitimidade ativa da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região para a presente demanda. Precedente desta Corte. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 7 de maio de 2002. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares: Tratase de mandado de segurança coletivo interposto pela Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região visando ao reconhecimento do direito de seus associados terem o Imposto de Renda retido na fonte calculado com base em tabela reajustada pela UFIR de 01.01.2000 e, em relação aos exercícios financeiros seguintes, com os valores calculados com base na UFIR dos respectivos exercícios. Deferida a liminar. (fls. 91-93) Processado o feito, adveio sentença extintiva do processo sem julgamento do mérito, diante da ilegitimidade ativa da impetrante. Aduziu a MM. Juíza a quo que a inclusão das associações no pólo ativo do 276 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 mandamus coletivo limita-se à defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais dos associados enquanto grupo. Apelou a impetrante, postulando a reforma do decisum. Com contra-razões, vieram os autos a este Tribunal. O Ministério Público opinou pelo provimento da apelação, determinando-se, em conseqüência, a baixa dos autos para a análise do mérito. É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares: O mandado de segurança coletivo albergado no art. 5º, LXX, da Constituição Federal é instrumento processual apto a veicular a defesa de direitos individuais de forma coletiva, oferecendo, quando impetrado pelas pessoas jurídicas elencadas na alínea b, a adequada tutela das posições jurídicas ostentadas pelos trabalhadores, associados ou membros de entidades de classe. Conforme aduziu o eminente Desembargador Federal Teori Albino Zavascki, atual presidente desta Corte, no artigo intitulado “Defesa dos Direitos Coletivos e Defesa Coletiva de Direitos” (Revista de Informação Legislativa nº 127/83), “em verdade, para a proteção de direitos coletivos ou mesmo difusos, desde que líquidos e certos, contra ato ou omissão de autoridade, não se fazia necessário modificar o perfil constitucional do mandado de segurança. Muito antes da Constituição de 1988, que criou o mandado de segurança coletivo, a jurisprudência já admitia, por exemplo, que sindicatos ou a Ordem dos Advogados do Brasil impetrassem mandado segurança – individual – para defender interesses gerais da classe, vale dizer, típicos direitos coletivos, pois que transindividuais, indivisíveis, pertencentes a um grupo determinado de pessoas. (...) Assim, a única novidade introduzida pelo constituinte de 1988 foi a de autorizar que o mandado de segurança possa ser utilizado por certas entidades para, na condição de substitutas processuais, buscarem tutela de um conjunto de direitos subjetivos de terceiros. O que há de novo, destarte, é apenas uma forma de defesa coletiva de direitos individuais, e não uma forma de defesa de direitos coletivos. (...)”. A legitimidade para a impetração do mandamus está prevista no dispositivo constitucional referido, que inseriu como possíveis condutores do processo os seguintes entes: “a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 277 ou associados;” A atuação dos mesmos ocorre na condição de substitutos processuais dos titulares dos direitos deduzidos em juízo, razão pela qual é desnecessária a autorização dos substituídos. Nessa espécie de legitimação extraordinária, postula-se, em nome próprio, direito alheio, cindindo-se, em caráter excepcional (art. 6º do CPC), a conexão entre a parte legítima à defesa do interesse em juízo e aquela presente na relação jurídica substancial. Diversa é a hipótese prevista no art. 5º, XXI, também do Texto Maior, o qual prescreve que “as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial e extrajudicialmente”, pois a exigência constitucional de anuência dos titulares do objeto litigioso acarreta a constatação de se estar diante de mera representação. A decisão monocrática extinguiu o feito sem julgamento do mérito diante da ilegitimidade da impetrante para ajuizar a presente demanda. Transcrevo excerto da fundamentação sentencial: “É certo que as organizações sindicais, entidades ou associações legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano, têm legitimidade para, em defesa dos interesses de seus membros ou associados, manejar, como substituto processual dos seus associados, mandado de segurança coletivo, nos termos do art. 5º, LXX, b, da Carta Política. Todavia, tal legitimidade limita-se à defesa dos ‘direitos e interesses coletivos ou individuais dos associados enquanto grupo. Tanto é assim que o citado artigo inclui entre os legitimados para a impetração do mandado coletivo também os sindicatos, sendo que o art. 8º, III, da Constituição Federal ressalva que a defesa que autoriza dirige-se aos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria. A outorga constitucional, por óbvio, não seria diferente em relação às associações.” (fls. 156/157) Infere-se daí que o cerne da discussão é se a legitimidade da impetrante, no mandamus coletivo, decorre do fato de a relação material controvertida (direitos individuais dos substituídos) guardar vínculo com os fins próprios da entidade, ou advém tão-somente da reunião, no quadro social, de diversos titulares de interesses juridicamente protegidos, lesados ou ameaçados de lesão, sem atentar às peculiaridades da coletividade. Ocorre que há leading case do Supremo Tribunal Federal (Recurso Extraordinário nº 181.438-1/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 04.10.96) 278 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 em que a Corte assentou que: “o objeto do mandado de segurança coletivo será um direito dos associados, independentemente de guardar vínculo com os fins próprios da entidade impetrante do writ, exigindo-se, entretanto, que o direito esteja compreendido na titularidade dos associados e que exista ele em razão das atividades exercidas pelos associados, mas não se exigindo que o direito seja peculiar, próprio da classe”. No voto condutor, da lavra do ilustre Ministro Carlos Velloso, expôsse com clareza a questão: “No caso, o objeto da segurança é a contribuição do PIS. A pretensão de não pagar o PIS, tal como é cobrado, é de todos os associados da impetrante. Mas essa pretensão, ou o PIS, não guarda vínculo com os fins próprios da entidade. E foi por isso que o acórdão recorrido deu pela ilegitimidade do sindicato impetrante. O que sustentamos é que o objeto a ser protegido pelo mandado de segurança coletivo será um interesse ou um direito subjetivo dos associados, independentemente de guardar esse interesse ou direito um certo vínculo com os fins próprios da entidade. Esse entendimento eu o sustentei em trabalho que escrevi a respeito do tema, logo que promulgada a Constituição de 1988 – ‘Mandado de Segurança, Mandado de Injunção e Institutos Afins na Constituição’, em Temas de Direito Público, Del Rey Ed., 1994, págs. 165-166. Escrevi: ‘O que pensamos é que o constituinte quis, como registrou José Carlos Barbosa Moreira, que se julgasse ‘num único processo o conjunto de todos os litígios entre os integrantes de determinado grupo ou categoria e o Poder Público’, evitando-se a pluralidade de processos que têm por objeto a mesma pretensão e ajuizados por iniciativa de diversos indivíduos, pleitos, que, tramitando separadamente, correm o risco de serem decididos de modo conflitante. Com o mandado de segurança coletivo, ‘tudo ficará simplificado’, pois, ‘em vez de dezenas ou centenas de processos’, apenas um se realizará, ‘movido pela entidade coletiva, com resultados extensivos a toda categoria interessada.’ Acrescentei que a interpretação restritiva, de outro lado, não presta obséquio à garantia constitucional, cujo raio de ação deve ser alegado na defesa de direitos e interesses. A interpretação restritiva, ademais, contraria a disposição inscrita no art. 8º, III, da Constituição. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 279 J. J. Calmon de Passos, registrei no trabalho indicado, opina no sentido de que ‘os direitos que podem ser objeto do mandado de segurança coletivo são os mesmos direitos que comportam defesa pelo mandado de segurança individual. Aqui, ao invés de se exigir que cada sujeito, sozinho ou litisconsorciado, atue em Juízo na defesa de seu direito (individual), a Carta Magna proporcionou a solução inteligente e prática de permitir que a entidade que os aglutina, mediante um só writ, obtenha a tutela do direito de todos’. (J. J. Calmon de Passos, Mandado de Segurança Coletivo, Mandado de Injunção, Habeas Data – Constituição e Processo, Forense, Rio, 1989, p. 22) O que deve ser salientado é que o objeto do mandado de segurança coletivo poderá ser um direito dos associados, independentemente de guardar vínculo com fins próprios da entidade. O que se exige é que esse direito esteja compreendido na titularidade dos associados e que exista ele em razão das atividades exercidas pelos associados, não se exigindo, todavia, que esse direito ou interesse seja peculiar, próprio, da classe, ou exclusivo da classe ou categoria representada pela entidade sindical ou de classe”. O aresto restou assim ementado: “CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. AUTORIZAÇÃO EXPRESSA. OBJETO A SER PROTEGIDO PELA SEGURANÇA COLETIVA. CF, ART. 5º, LXX, b. I – A legitimação das organizações sindicais, entidades de classe ou associações para a segurança coletiva, é extraordinária, ocorrendo, em tal caso, substituição processual, CF, art. 5º, LXX. II – Não se exige, tratando-se de segurança coletiva, a autorização expressa aludida no inciso XXI do art. 5º da Constituição, que contempla hipótese de representação. III – O objeto do mandado de segurança coletivo será um direito dos associados, independentemente de guardar vínculo com os fins próprios da entidade impetrante do writ, exigindo-se, entretanto, que o direito esteja compreendido na titularidade dos associados e que exista ele em razão das atividades exercidas pelos associados, mas não se exigindo que o direito seja peculiar, próprio da classe. IV – RE conhecido e provido.” Assim, tendo em conta que o pedido veiculado na exordial é o reconhecimento do direito de seus associados terem o Imposto de Renda retido na fonte calculado com base em tabela reajustada pela UFIR de 01.01.2000 e, em relação aos exercícios financeiros seguintes, com os valores calculados com base na UFIR dos respectivos exercícios, transparece a legitimidade ativa da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região para a presente demanda. Na mesma linha, o seguinte julgado desta Turma: “MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO – DIREITO SUBJETIVO INDIVIDUAL DOS MEMBROS – ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – 280 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 ILEGITIMIDADE ATIVA – INOCORRÊNCIA – RECURSO PROVIDO. 1. A Ordem dos Advogados do Brasil possui legitimidade para impetrar mandado de segurança coletivo, mesmo que a pretensão veiculada no writ não esteja vinculada aos objetivos institucionais da entidade. Precedentes. 2. Apelação provida.” (AMS nº 1999.04.01.009964-1, Rel. Juiz Federal João Pedro Gebran Neto, 19.07.2000) Em face do exposto, dou provimento à apelação, a fim de determinar o retorno dos autos à Vara de origem para que seja julgado o mérito, nos termos da fundamentação supra. AGRAVO EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.71.04.007783-8/RS Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz Apelantes: Altair Rodrigues da Silva e outros Advogados: Drs. Luiz Rottenfusser e outro Apelante: Caixa Econômica Federal - CEF Advogados: Drs. Lucio Andre Paiva e outros Apelados: (Os mesmos) EMENTA Processo Civil. Direito intertemporal. Condenação em honorários advocatícios nas ações relativas ao FGTS. Direito adquirido processual. Art. 29-C da MP n.º 2.164-40/2001. Inteligência. O disposto no art. 29-C da MP nº 2.164-40, publicada no D.O.U. de 27.07.2001, somente incidirá nas ações ajuizadas a partir de 27.07.2001, sob pena de violação ao art. 5º, XXXVI, da CF/88. Agravo a que se nega provimento. ACÓRDÃO R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 281 Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 26 de fevereiro de 2002. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Trata-se de agravo onde a CEF insurge-se contra decisão que, com fulcro no art. 557, caput e § 1º-A, do CPC, o Relator julgou monocraticamente a apelação interposta pela agravante, condenando-a no pagamento de honorários advocatícios, em violação ao art. 29-C da MP nº 2.164-40, publicada no D.O.U. de 27.07.2001, que, ao alterar a Lei nº 8.036/90, não deixa dúvidas acerca do descabimento da condenação em honorários advocatícios nas ações relativas ao FGTS. É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Conheço do agravo, negando-lhe provimento. Improcede a irresignação da CEF. Com efeito, como sabido, a lei nova não pode atingir situações processuais já consolidadas sob o império da norma anterior, sob pena de violar os respectivos direitos processuais adquiridos. Nesse sentido, o magistério autorizado de Galeno Lacerda in O Novo Direito Processual Civil e os Feitos Pendentes, Forense, Rio, pp. 12/3, verbis: “Ensina o clássico ROUBIER, em sua magnífica obra Les Conflits de Lois dans le Temps (I/371), que a base fundamental do direito transitório reside na distinção entre efeito retroativo e efeito imediato da lei. Se ela atinge facta praeterita é retroativa; se facta pendentia, será necessário distinguir entre situações anteriores à mudança da legislação, que não podem ser atingidas sem retroatividade, e situações posteriores, para as quais a lei nova, se aplicável, terá efeito imediato. Como o processo compreende uma seqüência complexa de atos que se projetam no tempo, preordenados para um fim, que é a sentença, deve ele ser considerado, em 282 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 termos de direito transitório, como um fato jurídico complexo e pendente, sobre o qual a normatividade inovadora há de incidir. A aplicação imediata será sempre a regra de direito comum (ROUBIER, I/558). A retroatividade, ao contrário, não se presume; decorre de disposição legislativa expressa, exceto no Direito Penal, onde constitui princípio a retroação da lei mais benéfica. Estudando a aplicação da lei nova aos fatos pendentes, distingue ROUBIER na situação jurídica três momentos: o da constituição, o dos efeitos e o da extinção. O primeiro e o último representam a dinâmica, o segundo a estática da situação. Quando a constituição (ou extinção) da situação jurídica se operou pela lei antiga, a ela será estranha a lei nova, salvo disposição retroativa, se permitida pelo sistema jurídico. Quando a constituição estiver pendente, a regra será a aplicação imediata, respeitado o período de vigência da lei anterior. Quanto aos efeitos da situação jurídica constituída, a norma é que a lei nova não pode, sem retroatividade, atingir os já produzidos sob a lei anterior. O processo não se esgota na simples e esquemática relação jurídica angular, ou triangular, entre partes e juiz, este como autoridade representativa do Estado. Razão inteira assiste a CARNELUTTI quando considera o processo um feixe de relações jurídicas, onde se vinculam não só esses sujeitos principais, senão que também todas aquelas pessoas - terceiros intervenientes, representante do Ministério Público, servidores da Justiça, testemunhas, peritos - que concorrem com sua atividade para a obra comum da Justiça em concreto, todas elas, concomitantemente, sujeitos de direitos e deveres, em razão dessa mesma obra. Nem é por outro motivo que forte corrente, liderada por processualistas do tomo de GUASP e COUTURE, considera o processo uma instituição, isto é, um relacionamento jurídico complexo, polarizado por um fim comum. Isto significa que podemos e devemos considerar a existência de direitos adquiridos processuais, oriundos dos próprios atos ou fatos jurídicos processuais, que emergem, em cada processo, do dinamismo desse relacionamento jurídico complexo. Aliás, o novo Código é expresso, no art. 158, no reconhecimento desses direitos. Existem direitos adquiridos à defesa, à prova, ao recurso, como existem direitos adquiridos ao estado, à posse, ao domínio. Acontece que os direitos subjetivos processuais se configuram no âmbito do direito público e, por isto, sofrem o condicionamento resultante do grau de indisponibilidade dos valores sobre os quais incidem. Em regra, porém, cumpre afirmar que a lei nova não pode atingir situações processuais já constituídas ou extintas sob o império da lei antiga, isto é, não pode ferir os respectivos direitos processuais adquiridos. O princípio constitucional de amparo a esses direitos possui, aqui, também, plena e integral vigência.” Nesse sentido, ainda, é a lição do Direito norte-americano, recolhida no Corpus Juris Secundum (“A Complete Restatement Of The Entire American Law”), The American Law Book CO., Brooklyn, N.Y., 1956, v. 16, p. 127, verbis: “Particular constitutional provisions changing rights or action from one class of R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 283 persons to another, removing statutory limitations as to amounts to be recovered, changing the right to a special fund or the rate of interest recoverable, changing rules of procedure, abrogating the jurisdiction of a court, creating or abrogating rights of appeal, changing the procedure for removals from office, or otherwise changing the form of procedure have been held not to affect the rights of parties to proceedings pending at the time such provisions take effect...”. Ora, quando entrou em vigor a MP nº 2.164-40, de 27.07.2001, a sentença de há muito já havia sido proferida e, na ocasião, não vigorava o referido estatuto legal. A limitação instituída pela MP nº 2.164-40 somente incidirá nas ações ajuizadas a partir de 27.07.2001, sob pena de violação ao art. 5º, XXXVI, da CF/88. Por esses motivos, conheço do agravo, negando-lhe provimento. É o meu voto. CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 2001.04.01.019085-9/RS Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria Suscitante: Juízo Federal da 3ª Vara das Execuções Fiscais de Porto Alegre/RS Suscitado: Juízo Federal da 1ª Vara Federal de Pelotas/RS Parte-autora: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS Parte-ré: Frigorífico Extremo Sul S/A Advogado: Dr. Edison Freitas de Siqueira EMENTA Conexão. Ação consignatória, ação ordinária e ação de execução fiscal. Ausência de embargos à execução. Descabe a conexão entre ação consignatória e execução fiscal que não tenha sido objeto de embargos. 284 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Primeira Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, julgar procedente o conflito de competência, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 7 de agosto de 2002. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora. RELATÓRIO A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Trata-se de conflito de competência suscitado pelo MM. Juízo Federal da 3ª Vara das Execuções Fiscais de Porto Alegre/RS, nos autos da execução fiscal ajuizada pelo INSS contra Frigorífico Extremo Sul S/A. A ação foi proposta, originariamente, perante o Juízo Federal da 1ª Vara Federal de Pelotas/RS, onde, regularmente citada, a empresa executada ofereceu exceção de incompetência, alegando que tramitavam na 3ª Vara Federal Cível de Porto Alegre as ações declaratória, nº 990001096-5, e consignatória, nº 990001097-3, as quais seriam conexas à execução fiscal. Os autos foram remetidos para o Juízo Federal da 3ª Vara Federal das Execuções Fiscais de Porto Alegre para o julgamento conjunto das ações, evitando decisões conflitantes. O MM. Juízo suscitado alegou que por se tratar de competência absoluta em razão da matéria os autos deveriam ser devolvidos às Varas Especializadas em execução fiscal. O Ministério Público Federal opina, em parecer lançado às fls. 2324, pelo conhecimento do conflito para declarar a competência do juízo suscitado. É o relatório. VOTO A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Não obstante a previsão do art. 105 do CPC, que deixa ao juiz certa margem de discricionariedade para avaliar a conveniência da reunião dos processos, entendo que as ações conexas devem ser processadas e julgadas no mesmo juízo, haja vista ser a conexão de causas matéria de ordem pública, R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 285 conforme se depreende da análise do art. 301, § 4º, do referido diploma legal, devendo ser conhecida de ofício pelo juiz. O objetivo da norma acima referida é evitar decisões contraditórias, que possam ser gravosas às partes ou até mesmo inviáveis na execução de seus julgados. Ademais, verificada a identidade do objeto das ações e seus fundamentos fáticos e jurídicos, além de conveniente e oportuno, o julgamento conjunto é uma forma de respeito ao princípio da economia processual. Nesse sentido: “As ações conexas devem ser processadas e julgadas no mesmo juízo, considerados os fatos e visando evitar decisões contraditórias”. (STJ – 1ª Turma Seção, CC1.227-ES, rel. Min. Vicente Cernicchiaro, j.5.690, p.6.021col.,em) “CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA - MANDADO DE SEGURANÇA - CONEXÃO - MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA - EXAME EX OFFICIO. 125 1 - A conexão é causa de modificação de competência, não um critério de fixação de competência. Envolve, pois, matéria de ordem pública, examinável de ofício, nos moldes da autorização legal contida no art. 301, § 4º. 2 - Embora não seja cogente a regra do art. 105 do CPC, uma vez, oportuna a reunião dos processos conexos e havendo possibilidade de grave incidência de contradição dos julgados deve o juiz reunir as ações, ligadas pelo objeto ou pela causa de pedir, para julgamento conjunto. 3 - Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 18ª Vara da Seção Judiciária de São Paulo.” (STJ – 1ª Turma, CC 25735-SP; rel. Min. Nanci Andrighi; j. 07.04.00, p.114) Entretanto, neste caso, não vejo como reconhecer a alegada conexão entre as ações declaratória e consignatória e a ação de execução fiscal, na medida em que o objeto da execução simplesmente é o pagamento do débito cobrado, que, por revestir-se da presunção de liquidez e certeza, não carece de dilação probatória para ser exigido. Não possuindo, assim, a execução natureza de processo de conhecimento, impossível a conexão deste com processo de natureza diversa. Apenas com o aforamento de embargos de devedor, ação incidental, com natureza de processo de conhecimento, ocorrerá a conexão de ações. Aliás, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também segue essa interpretação, como se vê in verbis: “PROCESSUAL CIVIL. AÇÕES DE EXECUÇÃO FISCAL E ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. CONEXÃO. LITISPENDÊNCIA. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO. ADMISSIBILIDADE. ARTS. 585, § 1º, E 791, DO CPC. 286 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 1. Há de ser reformada decisão que salientou a possibilidade de se admitir suspensão do processo de execução fiscal apenas pelo fato de ter sido ajuizada ação anulatória de débito fiscal. 2. A conexão, a configurar litispendência, com a ação de conhecimento (anulatória) somente se dá quando o devedor oferece embargos à execução e oferece garantia à execução, que também tem a natureza de processo de conhecimento, daí sua inviabilidade em casos nos quais não foram opostos embargos. 3. ‘A jurisprudência tem reiteradamente entendido ser inadmissível a suspensão da execução após a fase dos embargos que já lhe foram opostos.’ (REsp nº 36043/SP, 1ª Turma, Rel. Min. DEMÓCRITO REINALDO, DJ de 04.10.93) 4. Conforme assinalado pela 4ª Turma, deste Tribunal, no Recurso Especial nº 8.859/ RS, da relatoria do insigne Ministro Athos Carneiro: ‘Opostos e recebidos embargos do devedor, e assim suspenso o processo da execução - CPC , art. 791, I - poder-se-á cogitar da relação de conexão entre a ação de conhecimento e a incidental ao processo executório, com a reunião dos processos de ambas as ações’. 5. Recurso provido.”. (Recurso Especial-2000/0123778 - DJ: 02.04.2001- p. 262, Relator - Min. José Delgado) A jurisprudência desta Corte é clara no sentido de conhecer a conexão R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 287 Branca DIREITO TRIBUTÁRIO Branca 290 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1999.04.01.047507-9/SC Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida Agravante: Município de Otacilio Costa Advogado: Dr. Ramon da Silva Agravado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS Advogada: Dra. Marcia Pinheiro Amantea EMENTA Tributário. Crédito constituído contra a Fazenda Pública municipal. Ação anulatória. Suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Rito do art. 730 do CPC. Art. 100 da CF/88. Certidão positiva com efeito de negativa. Não-inscrição no CADIN. 1. A execução dirigida contra a Fazenda Pública sujeita-se ao rito previsto no artigo 730 do CPC (Súmula nº 58 deste Tribunal) o qual não compreende a penhora de bens, considerando o princípio da impenhorabilidade dos bens públicos, bem como a solvabilidade de que gozam as unidades políticas. 2. A Fazenda Pública pode propor ação anulatória sem o prévio depósito do valor do débito discutido e, no caso de ser executada, interpor embargos sem a necessidade de garantia do juízo. Ajuizados os embargos ou a anulatória, está o crédito tributário com a sua exigibilidade suspensa. 3. Suspensa a exigibilidade do crédito tributário, assiste ao Município o direito de obter a certidão positiva com efeito de negativa e de não ter sua dívida inscrita no CADIN, segundo a previsão do art. 7º da MP 291 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 nº 1.490/96, com a redação dada pela MP nº 2.176/79, de 24.08.2001. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento e julgar prejudicado o agravo regimental, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 25 de abril de 2002. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida: Cuida-se de agravo de instrumento que investe contra decisão que indeferiu a antecipação da tutela para que fosse suspensa a exigibilidade da NFLD nº 32.637.379-9, bem como expedida certidão negativa de débito ou certidão positiva com efeito de negativa, em razão do débito discutido na ação anulatória, e não-incluído o Município no CADIN – Cadastro de Inadimplentes ou qualquer outro cadastro restritivo de direito. Aduz o Município que ajuizou ação anulatória de débito com o objetivo de desconstituir lançamento tributário relativo às diferenças de contribuições previdenciárias dos servidores públicos municipais, visto que possui sistema próprio de previdência social, carecendo o INSS de legitimidade para exigir contribuições pretéritas, por não estar sendo onerado com o pagamento de benefícios. Assevera, ainda, que é o INSS quem deve compensar financeiramente o sistema previdenciário municipal, proporcionalmente ao período de contribuição dos servidores que se aposentarem pelo Município. Sustenta que a negativa de fornecimento da certidão prevista no art. 206 do CTN constitui forma coativa de exigir o débito, juridicamente inválida, porque inviabiliza o convênio com o Fundo Nacional de Assistência Social, que fornece recursos financeiros para o suprimento alimentar de crianças carentes da rede pública municipal de ensino. Alega que a decisão agravada ignora os princípios constitucionais que asseguram a autonomia municipal e os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que disciplinam a execução contra a Fazenda Pública, contidos no art. 100 da Constituição e no art. 730 do CPC, sem 292 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 a necessidade de prévio depósito ou segurança do juízo. Deferido o efeito suspensivo tão-somente para determinar que o agravado expeça certidão positiva com efeito de negativa, foi interposto agravo regimental. É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida: A execução dirigida contra a Fazenda Pública, seja Federal, Estadual ou Municipal, sujeita-se ao rito previsto no artigo 730 do CPC (Súmula nº 58 deste Tribunal) o qual não compreende a penhora de bens, considerando o princípio da impenhorabilidade dos bens públicos, bem como a solvabilidade de que gozam as respectivas unidades políticas. Diversamente, prevê a citação do executado para opor embargos e, na ausência destes, impõe o pagamento do valor devido segundo ordem de apresentação do respectivo precatório, consoante sistemática prevista na Constituição Federal. (artigo 100) Entre os privilégios processuais concedidos à Fazenda Pública, estão o de propor ação anulatória sem o prévio depósito do valor do débito discutido e, no caso de ser executada, de interpor embargos sem a necessidade de garantia do juízo. Disso resulta que, ajuizados os embargos ou a anulatória, está o crédito tributário com a sua exigibilidade suspensa, porquanto as garantias que cercam o crédito devido pelo ente público são de ordem tal que prescindem de atos assecuratórios da eficácia do provimento futuro. Ressai evidente o direito que assiste ao Município de obter a certidão de regularidade fiscal, ante a suspensão da exigibilidade do débito. A regra do art. 206 do CTN há de ser interpretada em consonância com as disposições processuais de que se serve. Isto é, autoriza-se a concessão da certidão positiva com efeitos de negativa quando, em havendo execução fiscal, tenha tido lugar a penhora de bens do executado. Mas se a lei processual não prevê a penhora como parte do rito em face da natureza jurídica daquele que está na posição de executado (art. 730 do CPC), não há negar o direito à certidão positiva com efeito de negativa ao Município. Saliento que a suspensão da exigibilidade do crédito tributário não impede que o INSS efetive a inscrição do débito em dívida ativa; apenas R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 293 impossibilita que o credor realize qualquer ato tendente a compelir o devedor a pagar a dívida. A propósito, transcrevo o seguinte precedente: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITOS DE NEGATIVA DE DÉBITOS. AUSÊNCIA DE GARANTIA. EXECUÇÃO FISCAL CONTRA MUNICÍPIO. PRECATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE DE EFETIVAÇÃO DA PENHORA. CERTIDÃO DEFERIDA. 1. A expedição de certidão positiva com efeitos de negativa, com relação aos débitos já ajuizados, condiciona-se à efetivação da penhora, nos autos da execução, conforme o disposto no art. 206 do CTN. 2. Entretanto, se a execução movida pelo INSS é dirigida contra um município, não há como obstar-lhe o direito à certidão, face à inexistência de penhora, uma vez que as pessoas jurídicas de direito público não se sujeitam a essa modalidade de garantia. 3. Agravo improvido.”. (TRF-4ª. AG 2000.04.01.058678-7. 1ª Turma. Unânime. Relator Juiz José Germano da Silva. J. de 19.09.00. DJU de 18.10.00, p. 126) No tocante à determinação para que o agravado não inscreva a autora no CADIN, registro que o STF, nas ADIns 1.178-2 e 1.454-4/DF, entendeu que a inclusão no cadastro, por si só, não restringe direitos e não causa danos, porque o cadastro serve como fonte informativa, sendo suspensos apenas os efeitos do art. 7º da MP nº 1.490/96, que estabelecia restrições a empresas inscritas no CADIN para a prática de atos perante o Poder Público. Atualmente, o art. 7º da MP nº 1.490/96 foi modificado pela MP nº 2.176-79, de 24.08.2001, assegurando a suspensão do registro no CADIN quando o devedor comprova o ajuizamento de ação com o objetivo de discutir a obrigação ou o seu valor, desde que tenha oferecido garantia idônea e suficiente ao Juízo, ou esteja suspensa a exigibilidade do crédito objeto do registro, nos termos da lei. Uma vez que se apresenta suspensa a exigibilidade do lançamento fiscal, merece prosperar a irresignação. Presente, por fim, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, porque se o Município não apresentar a certidão de regularidade fiscal, não lhe serão repassados os recursos financeiros para o suprimento alimentar de crianças carentes da rede pública escolar. Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento ao agravo de instrumento, julgando prejudicado o agravo regimental. 294 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1999.04.01.119949-7/SC Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida Agravante: Amanda Equipamentos Industriais Ltda. Advogados: Drs. Juliano Fernandes de Oliveira e outros Agravado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS Advogado: Dr. Antonio Valter Hennemann Pacheco Interessados: Miraglia Prestadora de Serviços Ltda. e outros Advogados: Drs. Cesar Tadeu de Menezes e outros EMENTA Tributário. Responsabilidade solidária. Redirecionamento da execução contra o devedor solidário. Existência de lançamento somente contra um devedor. Necessidade de constituição de crédito contra o devedor solidário. 1. O contrato de terceirização de serviços não ilide a responsabilidade solidária da empresa contratante, tomadora dos serviços, com fulcro no art. 31 da Lei nº 8.212/91. 2. Embora os devedores solidários se encontrem na mesma situação jurídica, na condição de sujeitos passivos da obrigação tributária, para que a execução seja redirecionada contra a empresa tomadora, contratante, é necessário que haja crédito formalmente constituído mediante lançamento contra a mesma, visto que na certidão de dívida ativa consta somente a empresa prestadora, contratada. 3. Não obstante a responsabilidade solidária decorra de expressa disposição legal, o lançamento é condição para que o sujeito ativo pratique atos no sentido de cobrar seu crédito. 4. A interrupção da prescrição em favor ou contra um dos devedores solidários aproveita ou prejudica os demais. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, julgando prejudicado o agravo regimental, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 295 Porto Alegre, 25 de abril de 2002. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida: Trata-se de agravo de instrumento que investe contra decisão que acolheu o pedido de redirecionamento da execução contra a agravante, na qualidade de responsável solidária, nos termos do art. 31 da Lei nº 8.212/91, determinando a citação da devedora e a inclusão no pólo passivo da execução. Aduz a agravante que mantinha contrato atípico com a empresa Miraglia Prestadora de Serviços Ltda., pois o conteúdo de suas cláusulas não permite classificá-lo como contrato de locação de estabelecimento comercial e fundo de comércio, tampouco como cessão de mão-de-obra, uma vez que a mão-de-obra não era colocada à disposição da agravante, sendo que todos os serviços eram executados para a própria Miraglia, e não para a agravante. Assevera que, antes da sua citação, obrigatoriamente deveria ter sido instaurado procedimento administrativo para apuração de sua responsabilidade, no qual fosse propiciada a ampla defesa e o contraditório, possibilitando-lhe comprovar que não se enquadra na hipótese do art. 31 da Lei nº 8.212/91 discutir o lançamento ou mesmo pagar o débito. Argumenta que não possui patrimônio suficiente para garantir a execução, o que lhe acarretará danos como a restrição de crédito, indeferimento de certidão negativa de débito e de concessão de CNPJ à pessoa jurídica que possua sócios em comum. Alega que é imprescindível a existência de lançamento fiscal contra si, no qual tenha sido cogitada a responsabilidade solidária, que não pode ser presumida e deve ser prevista em lei. Indeferido o efeito suspensivo, foi oposto agravo regimental. Houve resposta do agravado. É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida: Com efeito, o contrato pactuado entre a agravante e a empresa Miraglia Prestadora de 296 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Serviços Ltda. não se enquadra no perfil típico do contrato de prestação de serviços, porquanto a contratada assumiu integralmente a realização dos serviços que eram realizados pela contratante. A matéria-prima era adquirida pela contratante, executando-se os serviços nas dependências da mesma, de acordo com o cronograma e os padrões de qualidade estipulados por ela. Na verdade, assemelha-se ao contrato de terceirização de serviços, o qual não ilide a responsabilidade da agravante. Prova disso é que o Sr. Walternei Fidencio Loch, sócio da empresa contratada, era ex-empregado da empresa contratante. Consoante os comunicados internos juntados pelo INSS, a empresa Miraglia era efetivamente administrada pela agravante, quanto a aumentos salariais e aperfeiçoamento de recursos humanos. Ademais, ambas as empresas possuíam o mesmo endereço, perante o Município de Forquilhinha. (fls. 124/135) Em juízo perfunctório, configura-se a responsabilidade solidária da empresa agravante, com fulcro no art. 31 da Lei nº 8.212/91. A respeito, Luciano Amaro assenta que: “...não se pode, na solidariedade, cogitar de substituição, já que ninguém é substituído, nem de transferência, pois a obrigação não se transfere de ‘A’ para ‘B’, em razão de certo evento, como ocorre na sucessão. Um devedor (responsável solidário) é identificado sem que se ausente da relação de débito a figura do outro (que não é, pois, nem substituído nem sucedido). Opera-se aí uma extensão da subjetividade passiva, em razão da qual passam a figurar, como devedores da obrigação, dois ou mais indivíduos...”. (Direito Tributário Brasileiro, Saraiva, 7ª ed., p. 299) A questão a ser enfrentada é se é possível o redirecionamento da execução contra a empresa agravante, embora na certidão de dívida ativa que instrumentaliza a execução conste apenas o nome da empresa prestadora de serviços. Por certo que ambas se encontram na mesma situação jurídico-tributária, na condição de sujeitos passivos da obrigação tributária; todavia, se o crédito foi lançado somente contra um devedor solidário, que não cumpriu a obrigação no tempo e modo determinados pela legislação, não se pode exigir que o outro devedor o faça, sem que haja crédito formalmente constituído mediante lançamento. O lançamento é, no dizer de Luciano Amaro, condição para que o sujeito ativo pratique atos no sentido de cobrar seu crédito. Portanto, há necessidade de que o devedor solidariamente responsável pelo tributo devido, não obstante tal solidariedade decorra de expressa disposição legal, tenha contra si 297 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 efetivamente constituído crédito tributário, para que possa ser cobrado em juízo. Registro que na solidariedade tributária não se concede o benefício de ordem, podendo o Fisco lançar o crédito contra qualquer um dos coobrigados. Saliento, outrossim, que a interrupção da prescrição em favor ou contra um dos devedores solidários aproveita ou prejudica os demais. Sobre o tema, colaciono os seguintes precedentes: “TRIBUTÁRIO – RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO. O contratante de quaisquer serviços executados mediante cessão de mão-de-obra, inclusive em regime de trabalho temporário, responde solidariamente com o executor pelas obrigações decorrentes desta Lei, em relação aos serviços a ele prestados, exceto quanto ao disposto no art-23 (art-31, caput, da Lei-8.212/91).” (TRF-4ª - AI nº 1998.04.01.089379-1/SC, 1ª Turma, Rel. Des. Fed. Amir José Finocchiaro Sarti, DJU 28.04.99, p. 860) “CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS. PRETENSÃO DA AUTARQUIA DE NÃO RESPONDER SOLIDARIAMENTE PELAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DA CONTRATADA. DÉBITO QUE ESTÁ SENDO EXECUTADO APENAS CONTRA A CONTRATADA. CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO PRETENDIDA PELA AUTARQUIA. 1. Não pode a autarquia desobrigar-se, perante a Fazenda Pública, da responsabilidade solidária pelas contribuições previdenciárias devidas pela empreiteira, com relação à obra contratada entre ambas, porque a solidariedade, no caso, decorre de lei. 2. omissis 3. Não havendo crédito tributário constituído contra a autarquia e nem figurando ela na Execução Fiscal de débito em relação ao qual poderá vir a ser chamada à responsabilidade solidária, não lhe pode ser negada a expedição de certidão negativa. 4. Apelação improvida.”. (TRF-4ª – 2ª Turma – AC 96.04.51921-2 – Unânime – Relator Juiz José Ribeiro (convocado) – J. de 19.08.99 – DJ 03.11.99 – p. 254) “TRIBUTÁRIO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. PROPRIETÁRIO DA OBRA. LEI Nº 8.212/91, ART. 30, INCISO VI. AUSÊNCIA DE LANÇAMENTO DO CRÉDITO. CLÁUSULA CONTRATUAL EM SENTIDO DIVERSO. OPONIBILIDADE À FAZENDA PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 123 DO CTN. DÉBITOS AJUIZADOS GARANTIDOS PELA PENHORA. CERTIDÃO POSITIVA DE DÉBITO COM EFEITOS DE NEGATIVA. POSSIBILIDADE. ARTIGO 206 DO CTN. 1. O proprietário da obra de construção civil tem responsabilidade solidária, juntamente com o construtor, pelos débitos previdenciários apurados em função da obra, a teor do disposto no art. 30, inciso VI, da Lei nº 8.212/91. Entretanto, a responsabilidade fixada em lei, por si só, não importa em inadimplência do devedor solidário se, contra ele, inexiste lançamento do crédito tributário apurado. 298 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 ... (omissis)”. (TRF-4ª, AMS nº 2000.72.05.003718-9/SC, Rel. Des. Fed. Wellington Mendes de Almeida, 1ª Turma, j. 14.03.2002) Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento ao agravo de instrumento, julgando prejudicado o agravo regimental. APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.70.00.022041-5/PR Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas Apelante: União Federal (Fazenda Nacional) Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin Apelante: EBEC Eng. Brasileira de Construções S/A Advogados: Drs. Reinaldo Chaves Rivera e outros Apelados: (Os mesmos) Remetente: Juízo Federal da 3ª Vara Federal de Curitiba/PR EMENTA Tributário. Repetição de indébito. Imposto de renda sobre o lucro líquido. Acionista. Art. 35 da Lei 7.713/88. Compensação de tributos. Art. 66 da Lei 8.383/91. Correção monetária. O Pleno do Colendo STF, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 172.058-1/SC, declarou a inconstitucionalidade da expressão “o acionista”, contida no art. 35 da Lei 7.713/88, tornando inexigível o Imposto de Renda Sobre o Lucro Líquido em relação ao acionista de sociedade anônima. A compensação regulada no art. 66 da Lei 8.383/91 não se confunde com a compensação do art. 170 do CTN, regulamentado pela Lei 9.430/96 e pelo Decreto 2.138/97. A compensação do art. 66 é dirigida ao contribuinte para ser aplicada no âmbito do lançamento por homologação e não importa em extinção imediata do crédito tributário. Essa compensação não depende de requerimento. É efetuada pelo próprio contribuinte, estando sujeita à homologação da autoridade fiscal. Se esta entender que a compensação foi mal efetuada, o Fisco pode deixar de homologá-la, procedendo ao lançamento de ofício. O contribuinte pode optar na execução pela compensação ou pelo precatório, visto que ambas são espécies do gênero repetição. A correção monetária na repetição de indébito é devida a contar do pagamento indevido, na forma da Súmula 162 do STJ. 299 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Apelação da União e remessa oficial desprovidas. Apelação da autora provida. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da União e à remessa oficial e dar provimento à apelação da autora, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 21 de maio de 2002. Des. Federal Surreaux Chagas, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas: EBEC – Engenharia Brasileira de Construções S/A propõe Ação Ordinária contra a União (Fazenda Nacional), pretendendo o reconhecimento da inexigibilidade do Imposto de Renda Sobre o Lucro Líquido, instituído no art. 35 da Lei 7.713/88, bem como a declaração do direito à compensação dos valores indevidamente recolhidos com tributos da mesma espécie ou à restituição dos valores mediante precatório. Requer, ainda, antecipação dos efeitos da tutela para obstar a cobrança dos valores vencidos e vincendos do parcelamento firmado. Refere que as importâncias exigidas a título de Imposto sobre o Lucro Líquido, relativo ao exercício de 1991, foram objeto de parcelamento nº 10.980-003.813/96-61; que o parcelamento teve início em 04/96 e se encontra em curso. A antecipação da tutela é indeferida (fls. 128/129). Dessa decisão a autora agrava de instrumento. O Relator nega seguimento ao agravo por manifesta improcedência, nos termos do art. 557 do CPC. A União contesta a ação. O MM. Juízo, sentenciando, julga procedente a ação para declarar o direito da autora a compensar os valores pagos a título de Imposto sobre o Lucro Líquido, recolhido na forma prevista no art. 35 da Lei nº 7.713/88; declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade da expressão “acionista”, contida no art. 35 da Lei nº 7.713/88; obstar a cobrança dos valores vencidos e vincendos relativos ao parcelamento. 300 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Parcelas corrigidas monetariamente a contar dos pagamentos indevidos pela OTN/BTN/INPC/UFIR/SELIC, incluindo o expurgo inflacionário de fevereiro/91. Condena, ainda, a União no pagamento de honorários advocatícios, fixado-os em 10% sobre o valor da condenação. Inconformada, a União interpõe apelação, alegando que a empresa é parte ilegítima para buscar a restituição do tributo em questão, uma vez que os contribuintes da exação são os sócios e os acionistas, e não a sociedade mercantil; que os lucros apurados pela empresa estão sujeitos à tributação, uma vez que há distribuição automática de dividendos; que a compensação somente pode ocorrer entre créditos líquidos e certos; que é inaplicável a taxa SELIC, conforme previsto no art. 39, § 4º, da Lei 9.250/95. Os embargos de declaração opostos pela parte-autora são acolhidos em parte para declarar o direito da autora de compensar os valores recolhidos de Imposto sobre o Lucro Líquido com outros tributos da mesma espécie, inclusive o Imposto de Renda, conforme disposição da Lei nº 8.383/91, art. 66, ressalvado à União o direito de fiscalizar o correto cumprimento da decisão pelo contribuinte. A autora também apela, pretendendo que seja reconhecido o seu direito de optar em execução pela compensação dos valores pagos indevidamente ou pela expedição de precatório. Regularmente processados os recursos, sobem os autos. Causa sujeita ao duplo grau de jurisdição. É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas: Discute-se sobre a inexigibilidade do Imposto de Renda Sobre o Lucro Líquido, instituído no art. 35 da Lei 7.713/88, e a declaração do direito à compensação com tributos da mesma espécie. A sentença acolhe as pretensões. Ambas as partes recorrem. Analiso cada uma das questões suscitadas pelas partes nos recursos, a começar pela argüição de ilegitimidade ativa. Ilegitimidade ativa Não prospera a tese de que a empresa não é parte legítima ativa para buscar os valores referentes ao Imposto de Renda Sobre o Lucro Líquido, R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 301 instituído no art. 35 da Lei 7.713/88. Nesse sentido, precedentes da Primeira Seção e da Segunda Turma desta Corte: “REPETIÇÃO DE INDÉBITO. RETENÇÃO NA FONTE. LUCRO LÍQUIDO. SUBSTITUTO TRIBUTÁRIO. LEGITIMIDADE AD CAUSAM. A empresa que recolheu imposto indevido – não importa se o fez na qualidade de contribuinte ou de substituto tributário – tem legitimidade para demandar judicialmente a repetição do indébito, porque foi ela que sofreu, e mais ninguém, o prejuízo patrimonial.” (Primeira Seção, EIAC nº 97.04.73478-6/RS, Rel. Juiz Amir José Finocchiaro Sarti, DJU 04.04.2001, p. 412) “IMPOSTO DE RENDA SOBRE LUCROS DISTRIBUÍDOS. LEGITIMIDADE ATIVA. RECOLHIMENTO NA FONTE. SOCIEDADE POR QUOTAS. ARTIGO 35. LEI N° 7.713/88. A empresa, na qualidade de responsável tributário, tem legitimidade ad causam para postular a inexigibilidade do imposto de renda sobre o lucro líquido. O artigo 35 da Lei n° 7.713/88 guarda sintonia com a Lei Básica Federal, na parte em que disciplinada a situação do sócio cotista, quando o contrato social encerra, por si só, a disponibilidade imediata, quer econômica, quer jurídica, do lucro líquido apurado. Se não há distribuição imediata entre os sócios, não incidirá o imposto sobre o lucro líquido.” (Segunda Turma, AC nº 97.04.39503-5/SC, Rel. Juiz João Pedro Gebran Neto, DJU, data: 21.03.2001, p. 185) Rejeito, pois, a preliminar. Mérito O Imposto de Renda sobre o Lucro Líquido foi instituído pela Lei 7.713/88, que determinava em seu art. 35: “Art. 35 – O sócio cotista, o acionista ou o titular da empresa individual ficará sujeito ao imposto de renda na fonte à alíquota de oito por cento, calculado com base no lucro líquido apurado pelas pessoas jurídicas na data do encerramento do período-base.” O Pleno do Colendo STF, quando apreciou a norma em comento no julgamento do Recurso Extraordinário nº 172.058-1/SC, declarou a inconstitucionalidade da expressão “o acionista” e a constitucionalidade da expressão “titular de empresa individual”. Sobre o acionista, bem referiu o Ministro Marco Aurélio, relator do citado recurso extraordinário: “Ora, a ordem jurídica revela-nos que a aquisição da disponibilidade, quer econômica ou jurídica dos lucros líquidos das pessoas jurídicas não ocorre, quanto ao sócio cotista e aos acionistas, na data da apuração, ou seja, do encerramento do período base. É que a legislação vigente – Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1986 – afasta a automaticidade indispensável a que se possa cogitar da aquisição da disponibilidade. À assembléia geral ordinária das sociedades anônimas compete 302 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 deliberar sobre a destinação do lucro líquido do exercício e a distribuição de dividendos (inciso II do artigo 132), sendo que, juntamente com as demonstrações financeiras do exercício, os órgãos da administração da companhia apresentarão à assembléia geral ordinária proposta sobre a destinação acertada ao lucro líquido do exercício (artigo 192). Sendo retirados cinco por cento e o máximo de vinte por cento do capital social para a constituição da reserva legal, pode a assembléia deliberar reter parcela do lucro líquido do exercício previsto em orçamento de capital por ela previamente aprovado (artigo 196), notando-se que, no campo do dividendo obrigatório, alude-se ao comprometimento de metade do lucro líquido do exercício, diminuído ou acrescido de certos valores. Pois bem, diante do contexto legal supra, impossível é dizer da aquisição da disponibilidade jurídica pelos acionistas com a simples apuração, e na data respectiva, do lucro líquido pelas pessoas jurídicas. O encerramento do período-base aponta-o, mas o faz relativamente a situação que não extravasa o campo de interesses da própria sociedade. Ocorre, é certo, uma expectativa, mas, enquanto simples expectativa, longe fica de resultar na aquisição da disponibilidade erigida pelo artigo 43 do Código Tributário Nacional como fato gerador. (...)”. Assim sendo, é inconstitucional a exigência do tributo no tocante à sociedade anônima, pois o lucro líquido não está disponível a cada um dos acionistas ao encerrar-se o período-base, por depender a destinação do lucro (distribuição aos sócios ou outra qualquer) da decisão de órgão societário. Dessarte, cada acionista tomado individualmente não dispõe econômica nem juridicamente do lucro. No caso em tela, a empresa recorrida é sociedade anônima, sendo incabível a exação em relação ao acionista, como bem decidiu o juízo a quo. Ademais, a alegação da União de que os acionistas recebem automaticamente os dividendos da empresa não merece prosperar, haja vista a ata da Assembléia Geral Ordinária juntada à fl. 25, em que os acionistas se reuniram para deliberar sobre o lucro obtido, demonstrando, assim, a indisponibilidade individual de cada sócio. Compensação de tributos Reconhecido o direito à restituição do indébito, cumpre analisar-se a possibilidade de compensação do tributo. Em se tratando de compensação tributária, há que se distinguir duas modalidades distintas. De um lado existe a compensação prevista no art. 170 do CTN, regulamentado pela Lei 9.430/96 e pelo Decreto 2.138/97. 303 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Essa espécie de compensação é dirigida à autoridade fiscal, que a realiza a requerimento do contribuinte ou de ofício. Ela pressupõe créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos do contribuinte contra a Fazenda; assim, se o crédito está sendo discutido judicialmente, somente após o trânsito em julgado pode ser aproveitado na compensação (CTN, art. 170-A). A condição para a compensação é que os tributos estejam sob a administração da Secretaria da Receita Federal, podendo ser de espécies diferentes e ter destinação constitucional diversa (Decreto 2.138/97, art. 1º). Esta compensação implica a extinção do crédito, que é certificada. (idem, art. 5º) Por outro lado, há a compensação prevista na Lei 8.383/91, art. 66, que ganha relevo no caso dos autos. Ela é dirigida ao contribuinte para ser aplicada no âmbito do lançamento por homologação, e não importa em extinção imediata do crédito tributário. A distinção entre as espécies de compensação está demonstrada em precedente elucidativo do STJ: “TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. CONTRIBUIÇÃO PARA O FINSOCIAL E CONTRIBUIÇÃO PARA A COFINS. POSSIBILIDADE. LEI 8.383/91, ARTIGO 66. APLICAÇÃO. I - Os valores excedentes recolhidos a título de FINSOCIAL podem ser compensados com os devidos a título de contribuição para a COFINS. II - Não há confundir a compensação prevista no art. 170 do CTN com a compensação a que se refere o art. 66 da Lei 8.383/91. A primeira é dirigida à autoridade fiscal e concerne à compensação de créditos tributários, enquanto a outra constitui norma dirigida ao contribuinte e é relativa à compensação no âmbito do lançamento por homologação. III - A compensação feita no âmbito do lançamento por homologação, como no caso, fica a depender da homologação da autoridade fiscal, que tem para isso o prazo de cinco anos (CTN, art. 150, § 4º). Durante esse prazo, pode e deve fiscalizar o contribuinte, examinar seus livros e documentos e lançar, de ofício, se entender indevida a compensação, no todo ou em parte. IV - Embargos de Divergência conhecidos e recebidos.” (STJ, 1ª Seção, EREsp nº 89.098/BA, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJU de 30.06.97) A compensação de tributos no âmbito do lançamento por homologação, como referido, está prevista no art. 66 da Lei 8.383/91, assim redigido: “Nos casos de pagamento indevido ou a maior de tributos, contribuições federais, inclusive previdenciárias, e receitas patrimoniais, mesmo quando resultantes de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de importância correspondente a período 304 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 subseqüente.” A compensação é efetuada pelo próprio contribuinte. Em havendo crédito perante o Fisco resultante de pagamento de tributo indevido ou a maior, o contribuinte pode compensar os valores nos pagamentos subseqüentes mediante procedimento contábil. Como já foi dito, esta compensação não implica extinção do crédito tributário. Ela está sujeita à homologação pela autoridade fiscal. Se entender que a compensação foi mal efetuada, o Fisco pode deixar de homologá-la, procedendo ao lançamento de ofício. Portanto, eventuais alegações acerca da imprestabilidade da documentação juntada para comprovação do efetivo recolhimento do tributo são irrelevantes, pois o provimento jurisdicional se limita ao reconhecimento do crédito perante a Fazenda e do direito à compensação. Esta será efetuada pelo próprio contribuinte, resguardando-se à autoridade fazendária a prerrogativa de fiscalização. Da mesma forma, não prospera a alegação de que a compensação é incabível por não ter havido requerimento e por não se tratar de créditos líquidos e certos. Com efeito, estes aspectos são relevantes na outra espécie de compensação, prevista no art. 170 do CTN e na Lei 9.430/96; contudo, na modalidade de compensação realizada no “autolançamento”, não são exigíveis. Requisitos para a compensação Outrossim, os requisitos para a compensação de tributos são: a) a de que se tratem de tributos da mesma espécie (Lei 8.383/91, art. 66, § 1º: A compensação só poderá ser efetuada entre tributos, contribuições e receitas da mesma espécie), e b) a de que tenham a mesma destinação constitucional (Lei 9.250/95, art. 39: A compensação de que trata o art. 66 da Lei 8.383, de 30 de dezembro de 1991, com a redação dada pelo art. 58 da Lei 9.069, de 29 de junho de 1995, somente poderá ser efetuada com o recolhimento da importância correspondente a imposto, taxa, contribuição federal ou receitas patrimoniais de mesma espécie e destinação constitucional, apurados em períodos subseqüentes). No caso, o imposto de renda sobre o lucro líquido pode ser compensado com imposto de mesma espécie e que tenha a mesma destinação constitucional, conforme determinado na sentença. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 305 Prescrição ou decadência prevista no art. 168 do CTN A autora busca a declaração do direito à compensação dos valores indevidamente recolhidos a título de Imposto sobre o Lucro Líquido no parcelamento de débitos em atraso firmado com a Fazenda. O parcelamento de débito fiscal firmado entre as partes não está sujeito à homologação pela autoridade fiscal, extinguindo-se na data do pagamento. (art. 156, I, do CTN) Assim, o direito de pleitear a restituição extingue-se em cinco anos a partir da extinção do crédito, conforme previsto no art. 168, I, do Código Tributário Nacional. No caso, considerando que a ação foi ajuizada em 19.09.2000 e o pagamento do parcelamento do débito iniciou-se em abril de 1996, conclui-se pela inexistência de parcelas atingidas pela prescrição ou decadência, pois todas estão situadas no qüinqüênio que antecede ao ajuizamento da ação. Correção monetária A correção monetária na repetição de indébito é devida a contar do pagamento indevido, na forma da Súmula 162 do STJ. Segundo o entendimento desta Turma, as parcelas deverão ser atualizadas monetariamente pela Taxa SELIC. A Taxa SELIC é aplicável, a partir de 01/96, no cálculo das parcelas para fins de compensação, conforme estatui o art. 39, § 4º, da Lei 9.250/95: “a partir de 1º.01.96, a compensação ou restituição será acrescida de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir da data do pagamento indevido ou a maior até o mês anterior ao da compensação ou restituição e de 1% relativamente ao mês em que estiver sendo efetuada.” Há que se observar, contudo, a modificação no termo inicial da fluência dos juros para o mês subseqüente ao do pagamento indevido produzida pela Lei 9.532/97, art. 73: “O termo inicial para cálculo de juros de que trata o § 4º do art. 39 da Lei nº 9.250, de 1995, é o mês subseqüente ao do pagamento indevido ou a maior do que o devido.” Outrossim, é irrelevante o fato de lei ordinária ter determinado a aplicação da taxa SELIC desde o mês subseqüente ao pagamento, modificando o marco inicial da incidência dos juros de mora previstos 306 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 no art. 167 do CTN (trânsito em julgado), porquanto juros de mora não são matéria reservada à lei complementar, consoante exsurge do art. 146, III, da CF/88. Nesse sentido, já decidiu o STJ: “Os juros SELIC são contados a partir da data de entrada em vigor da lei que determinou a sua incidência no campo tributário (art. 39,§ 4º, Lei 9.250/95).” (REsp 227.901/SC, Primeira Turma, Rel. Min. Milton Pereira, DJU: 01.08.2000, p.198) Observo, por oportuno, que a taxa SELIC substitui o indexador de correção monetária e os juros moratórios, sendo indevida sua aplicação acumulada com qualquer outro índice, como, v.g., a UFIR. (STJ, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJU de 23.03.99) Apelação da autora. Opção do contribuinte pela compensação ou precatório. A autora busca o reconhecimento do seu direito de optar na execução pela compensação ou pelo precatório. O entendimento do STJ vem se firmando no sentido de que a restituição de indébito tributário tem conteúdo idêntico à compensação, sendo ambas as modalidades – restituição e compensação – espécies do gênero repetição, o que permite a opção do credor por uma delas por ocasião da execução de sentença. (REsp 200577/BA, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 01.07.99 e EREsp 227.873, Rel. Min. Eliana Calmon) Assim, merece prosperar a pretensão da autora. Do exposto, nego provimento à apelação da União e à remessa oficial e dou provimento à apelação da autora, na forma da fundamentação. É como voto. APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.04.01.089389-5/RS Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 307 Apelante: União Federal (Fazenda Nacional) Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin Apelante: José Alexandre Guilardi de Freitas Advogados: Drs. Eduardo Dorfmann Aranovich e outros Apelados: (Os mesmos) Remetente: Juízo Substituto da 4ª Vara Federal de Porto Alegre/RS EMENTA Imposto de Renda. Aumento patrimonial a descoberto. Cerceamento de defesa. Prova. Decadência. Multa. Honorários advocatícios. A contagem do prazo decadencial para a constituição do crédito tributário (feita nos moldes do estatuído no inciso I do artigo 173 do Código Tributário Nacional) iniciou-se no primeiro dia de janeiro de 1992, esgotando-se em 31 de dezembro de 1996. Como o lançamento se perfectibilizou com a notificação do autor em 4 de janeiro de 1996 (fl. 241), inocorreu a alegada decadência. A circunstância de ter sido notificado da decisão do Conselho de Contribuintes em 13 de fevereiro de 1998 não altera a situação, uma vez que o crédito já estava constituído anteriormente, como se demonstrou acima. A partir da constituição do crédito tributário, no caso, 04.01.96, inicia-se o prazo para a sua cobrança (prescrição), que pode ser interrompido face a recursos administrativos, os quais suspendem a sua exigibilidade, nos termos do artigo 151, inciso III, do Código Tributário Nacional, razão pela qual inocorreu a alegada decadência. Inexistiu o alegado cerceamento de defesa pelo indeferimento de produção de prova testemunhal requerida pelo autor, uma vez que os fatos que dão substrato à autuação são de prova documental. O fato gerador do Imposto de Renda é o acréscimo patrimonial, de forma que, em verificando o Fisco que houve acréscimo patrimonial sem a necessária, legítima e legal cobertura, cumpre-lhe autuar o contribuinte, exigindo-lhe o Imposto de Renda correspondente. Efetivamente, o percentual da multa tem que se afeiçoar à legislação contemporânea à infração, porém, disto aqui não se trata. Multa moratória constitui penalidade decorrente do descumprimento da obrigação principal no vencimento. Não se confunde com os juros moratórios, pois estes compensam o atraso no pagamento. No feito em julgamento, 308 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 debate-se acerca de multa punitiva, ou seja, sanção pelo descumprimento de obrigação tributária, que está fixada na legislação própria. O demonstrativo lançado pelo Fisco (fls. 333/337) deixa claro que a multa de 100% somente foi aplicada a partir de fatos ocorridos em 1992, com o que se ateve inteiramente nos cânones tributários legais e constitucionais. A multa incide sobre a totalidade do imposto devido, consoante previsão legal, não havendo, desta forma, como acolher a pretensão do autor, que busca neste apelo a incidência somente sobre as diferenças. Os honorários de advogado devem ser fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do § 3º do artigo 20 do Código de Processo Civil, já que se trata de ação em que a Fazenda Pública restou vencida, embora parcialmente. Nesta linha há que atentar para o grau de zelo profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento aos apelos e à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 2 de abril de 2002. Des. Federal Vilson Darós, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: Cuida-se de ação ordinária, com pedido de antecipação de tutela, na qual alega a autora que a parteré agiu ilegalmente ao lançar e cobrar o crédito proveniente de omissão de rendimentos caracterizados pela variação patrimonial a descoberto. Sustenta a inexistência de relação jurídico-tributária referente ao Imposto de Renda sobre acréscimo patrimonial a descoberto, multa excessiva e decadência relativa aos fatos ocorridos nos exercícios de 1990 a fevereiro de 1993. Oferecidos bens para caução, foi deferido o pedido de antecipação R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 309 de tutela, a fim de suspender o crédito tributário, determinando a nãoinscrição do nome do autor junto ao CADIN, expedindo-se certidão negativa de débito (fl. 386). Desta decisão, a ré interpôs agravo de instrumento. Houve realização de perícia. Sobreveio sentença, rejeitando a preliminar e a prejudicial de mérito suscitadas, julgando parcialmente procedente a presente ação ordinária, extinguindo o feito com julgamento de mérito para declarar a inexistência da relação jurídico-tributária relativamente ao imposto de renda incidente sobre o crédito tributário retificado pela decisão de primeira instância, ficando mantida a parcela referente ao crédito admitido pelo contribuinte. Ante a sucumbência recíproca, determinou que os honorários advocatícios e as custas processuais serão suportados por ambas as partes, compensando-se reciprocamente. Opostos embargos de declaração pela parte-autora, os mesmos foram julgados improcedentes. Da r. sentença, apelou a União, sustentando ser o autor carecedor de interesse processual ao postular em juízo a exclusão da parcela que já havia sido excluída por força de decisão administrativa. Sustenta, ainda, caso se mantenha o entendimento esposado, que a sucumbência da União foi mínima, devendo incidir, na espécie, o parágrafo único do artigo 21 do CPC. O autor também apelou, sustentando a decadência do direito de constituição do crédito tributário, inexistência de acréscimo patrimonial a descoberto, excesso de multa. Postula pela responsabilidade integral da recorrida pelos ônus da sucumbência. Com contra-razões, os autos subiram a esta Corte. É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: Da sentença de procedência parcial, ambas as partes apelaram. O autor suscitou preliminar de (a) cerceamento de defesa e prejudicial de mérito e (b) decadência. No mérito, reprisou as razões expostas na inicial. A ré, por sua vez, insiste na existência de patrimônio a descoberto no exercício de 1994 e se rebela contra a fixação de sucumbência recíproca. 310 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Passo a analisar os recursos. 1- Do autor a) Cerceamento de defesa – Inexistiu o alegado cerceamento de defesa pelo indeferimento de produção de prova testemunhal requerida pelo autor. Os fatos que dão substrato à autuação são de prova documental. Veja-se: a.1- A venda do automóvel Santana em março de 1990 está confortada pelo documento de fl. 188 (Declaração de Bens), não impugnado pela ré, o que dispensa qualquer prova testemunhal a respeito. a.2 - A venda/aquisição de imóvel é documentada sempre. Não necessariamente, aliás mui raramente, por Escritura Pública. A praxe é por Arras, Contrato de Promessa de Compra e Venda. O fio de bigode, em nossos tempos, infelizmente não funciona mais e nele ninguém acredita, daí por que prova testemunhal nessa linha e em valor considerável, como os que aqui estão em debate, não é admitida legalmente, nos termos do que dispõe o artigo 401 do Código de Processo Civil. No entanto, o autor fez a prova. A Escritura Pública de Compra e Venda, lavrada em 22 de outubro de 1993, nos dá conta de que a casa nº 311 da Rua Professor Antônio D’Avila foi adquirida pelo autor em 23 de abril de 1991, por Cr$ 30.147.900,00 (fl. 81). Tal assertiva está confortada pela anotação no Registro de Imóveis da 3ª Zona desta capital, matrícula nº 71.109 (fl. 85). Desnecessária qualquer prova testemunhal para confirmar esses fatos. a.3- A mãe do autor está impedida de depor como testemunha para confortar a tese da inicial de doação, consoante prescreve expressamente o artigo 405, § 2º, inciso I, do Código de Processo Civil. Afasto, assim, a preliminar de cerceamento de defesa. b) Da decadência – Inexistiu a alegada decadência do Fisco em constituir o crédito tributário. Trata-se, aqui, de Imposto de Renda sobre patrimônio a descoberto. Esse tributo é de lançamento por homologação. Nessas condições, a autoridade administrativo-fiscal tem o prazo do artigo 150, § 4º, do Código Tributário Nacional para constituir o crédito (cinco anos a contar do fato gerador). Essa é a regra especial a respeito desta matéria. Contudo, se o sujeito passivo nada antecipou, a contagem do prazo decadencial R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 311 segue a regra geral, vale dizer, o artigo 173, inciso I, do mesmo Codex (do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado). Luciano Amaro ensina: “Uma observação preliminar que deve ser feita consiste em que, quando não se efetua o pagamento ‘antecipado’ exigido pela lei, não há possibilidade de lançamento por homologação, pois simplesmente não há o que homologar; a homologação não pode operar no vazio. Tendo em vista que o art. 150 não regulou a hipótese, e o art. 149 diz apenas que cabe lançamento de ofício (item V), enquanto, obviamente, não extinto o direito do Fisco, o prazo a ser aplicado para a hipótese deve seguir a regra geral do art. 173, ou seja, cinco anos contados do primeiro dia do exercício seguinte aquele em que (à vista da omissão do sujeito passivo) o lançamento de ofício poderia ser feito”. (Direito Tributário Brasileiro, 4ª ed., Saraiva, p. 386) É o caso dos autos. Aqui, a autuação fiscal diz com o Imposto de Renda dos anos-base 1990, 1991, 1992 e 1993; exercícios 1991, 1992, 1993 e 1994. Tratando-se de patrimônio a descoberto não houve, de parte do autor, qualquer antecipação de pagamento. E este devia ter sido feito em 1991, relativamente ao ano-base 1990 (débito mais antigo). A contagem, portanto, do prazo decadencial para a constituição do crédito tributário (feita nos moldes do estatuído no inciso I do artigo 173 do Código Tributário Nacional) iniciou-se no primeiro dia de janeiro de 1992, esgotando-se em 31 de dezembro de 1996. Como o lançamento se perfectibilizou com a notificação do autor em 4 de janeiro de 1996 (fl. 241), inocorreu a alegada decadência. A circunstância de ter sido notificado da decisão do Conselho de Contribuintes em 13 de fevereiro de 1998 não altera a situação, uma vez que o crédito já estava constituído anteriormente, como se demonstrou acima. A partir da constituição do crédito tributário, no caso, 04.01.96, inicia-se o prazo para a sua cobrança (prescrição), que pode ser interrompido face a recursos administrativos, os quais suspendem a sua exigibilidade, nos termos do artigo 151, inciso III, do Código Tributário Nacional. Foi o que ocorreu no caso em debate. Afasto, desta maneira, a prefacial suscitada, e passo ao exame do mérito. 2- Mérito A insurgência do autor é total. Afirma ser a autuação injustificável e arbitrária, devendo o Judiciário reparar o erro administrativo-fiscal. De início, há que lembrar que o fato gerador do Imposto de Renda 312 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 é o acréscimo patrimonial (O imposto de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza, tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica – CTN, art. 43). Desta maneira, em verificando o Fisco que houve acréscimo patrimonial sem a necessária, legítima e legal cobertura, cumpre-lhe autuar o contribuinte, exigindo-lhe o Imposto de Renda correspondente. Passo, pois, ao exame de cada um dos períodos discutidos. Exercício de 1991 – ano-base 1990 O autor argumenta que o lançamento foi indevido em razão de que a alienação do automóvel Santana ocorreu economicamente no mês de março daquele ano, embora a documentação tenha sido regularizada somente no mês de abril. Tal fato está devidamente comprovado nos autos. A Declaração de Bens (fl. 188), que não sofreu qualquer impugnação, tornando-se, assim, prova cabal, informa que o veículo em questão foi vendido em março de 1990, pela importância de Cr$ 1.250.000,00, para Mario Cezar Terra Lima. A presunção é de que, nessa mesma data, o valor da negociação tenha sido pago e recebido. Essa é a praxe desse tipo de negócio em nossa sociedade. O contrário exige comprovação, da qual a ré não se desincumbiu. Como a autuação do ano-base 1990, exercício 1991, limita-se a referir patrimônio a descoberto por não haver prova de que a venda do automóvel Santana ocorreu em março daquele ano, resta ela sem suporte, levando à sua desconstituição. Exercício de 1992 – ano-base 1991 O Fisco lançou Imposto de Renda sobre patrimônio a descoberto porque o autor não comprovou renda suficiente para a aquisição no mês de maio de 1991 do imóvel sito na Rua Prof. Antônio D’Avila. Diz o autor que obteve tal renda com a alienação da Sala nº 505, do Centro Profissional, ocorrida no mesmo mês e ano. Protestou por provar tal fato. Nos autos, porém, tal prova não apareceu. Ao contrário, nos autos está acostada correspondência, por cópia, que o autor assinou de próprio punho, datada de 17 de julho de 1995, dirigida à Divisão de Fiscalização da Delegacia da Receita Federal, na qual informa que a aquisição da casa nº 311 da Rua Prof. Antônio D’Avila deu-se quando se separou de sua esposa, sendo paga parte com recursos próprios e parte mediante financiamento R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 313 junto ao BANRISUL (fl. 69). A mesma informação consta da Declaração de Bens de 1993 (fl. 208). E mais, consta da Escritura Pública de Compra e Venda de 22 de outubro de 1993, quando da alienação dessa casa por parte do autor, que tal imóvel havia sido adquirido por compra e venda em 23.04.91, por Cr$ 30.147.900,00, registrada no cartório de imóveis da 3ª zona desta capital, conforme RI da matrícula 71.109, livro 2 RG (fl. 81). Por fim, as quotas do Condomínio Profissional foram vendidas em 18.09.91, consoante consta da Declaração de Bens feita pelo autor. (fl. 198) Fica, portanto, claro que o imóvel sito na Rua Prof. Antônio D’Avila, adquirido em abril ou maio de 1991, não tinha o necessário suporte financeiro, decorrendo, daí, patrimônio a descoberto, como entendeu a autoridade fiscal, no que foi corroborado pelo MM. Juízo de primeiro grau, não merecendo, nessa parte, qualquer reforma o julgado. Exercício de 1993 – ano-base 1992 Alega o autor que não houve aquisição de patrimônio a descoberto em razão da existência de renda proveniente de uma doação de dinheiro recebida de sua mãe. Ocorre que inexiste nos autos qualquer documento que prove a alegação, como bem ressaltado na sentença a quo. Ademais, qualquer prova testemunhal nessa linha, como pretende o apelante, seria de nenhum valor, especialmente por não constar da Declaração de Rendimentos/Bens que a genitora do autor fez ao Fisco de que tal doação tenha ocorrido. Mantenho, assim, a sentença monocrática quanto a essa autuação. Exercício de 1994 – ano-base 1993 Andou bem a sentença singular neste ponto, uma vez que, como se constata do exame dos autos, pela decisão do Conselho de Contribuintes, concluiu-se que deveria haver o cancelamento da exigência relativa ao exercício de 1994, que fora incluída no crédito tributário retificado pela decisão de primeira instância, mantendo-se apenas a parcela referente ao crédito admitido pelo contribuinte. Ademais, como bem ressaltado na sentença: “Não obstante a União tenha sustentado que o exercício de 1994 não foi incluído nos cálculos de fls. 279/289 e 344, conforme decisão administrativa de fls. 315/326, o auxiliar deste juízo esclareceu em fl. 432 que os cálculos apresentados pela requerida não levaram em consideração o cancelamento da exigência relativa ao exercício de 1994, de forma que converteu para reais os mesmos valores em Ufir retificados pela 314 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 decisão da Delegacia da Receita Federal de Julgamento em Porto Alegre em fl. 279. Por conseguinte, nesse ponto, merece reparo o montante exigido da parte autora”. Verifica-se, portanto, que, no débito exigido do autor neste período, foi incluída uma parcela cuja exclusão fora determinada por decisão do conselho de Contribuintes, motivo pelo qual é de ser mantida a sentença monocrática neste ponto. Da multa Sustenta o autor que houve excesso no valor da multa. Argumenta que a legislação aplicável, quanto à multa, é a contemporânea da infração, que, no caso, é o Decreto nº 85.450, de 4 de dezembro de 1980, e não o Decreto nº 1.041, de 11 de janeiro de 1994, porquanto este último é posterior aos fatos autuados. Aduz que, se houvesse algum tributo a ser lançado, a multa incidente seria a estabelecida no § 2º do artigo 722 do RIR de 1980, segundo o qual “as multas moratórias não poderão ultrapassar, na sua totalidade, a 30% da importância inicial da dívida corrigida monetariamente”. Mas, se assim não for entendido, prossegue o apelante, incidiria o inciso II do artigo 728 do mesmo diploma legal, que estabelece a multa no patamar de 50%, e não de 75% como fez a notificação de lançamento. Afirma, ainda, que multa no percentual de 75% representa confisco, inadmissível em nosso ordenamento jurídico. E, por derradeiro, ressalta que, se for considerada a aquisição de renda a descoberto, a tributação e a respectiva multa poderiam incidir sobre a diferença (renda sobre o patrimônio – remuneração dos fatores patrimoniais trabalho e capital), e não sobre a integralidade (patrimônio em si), como ocorreu no caso em concreto. Tenho que não assiste razão ao autor. Efetivamente, o percentual da multa tem que se afeiçoar à legislação contemporânea à infração. Roque Volkweis ensina: “Tem-se, pois, que, para o cálculo da multa ou penalidade, deve-se levar em conta o valor desta, inclusive seus elementos de apuração (base de cálculo e alíquota), do dia da consumação da infração”. (Direito Tributário Nacional, Ed. Liv. do Advogado, 1997, p. 89) Desta forma, sendo as autuações relativas aos exercícios de 1991 a 1993, não se poderia aplicar a legislação de 1994 (Decreto nº 1.041, de 11.01.94). Este teria aplicabilidade se a penalidade fosse mais favorável R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 315 ao infrator e desde que se tratasse de “ato não definitivamente julgado” (CTN, art. 106, II). Aqui, porém, como se vê do lançamento (fl. 234), o Fisco enquadrou a multa no artigo 728, inciso II, do RIR, aprovado pelo Decreto nº 85.450, de 1980 (50%), e no artigo 4º, inciso I, da Lei nº 8.218, de 1991 (100%), ambos normativos contemporâneos às infrações. Nada a reparar, portanto, quanto a este argumento esgrimido pelo apelante. Tenho por inaplicável o § 2º do artigo 722 do RIR de 1980, como pretende o autor. É que tal disposição dirige-se às multas moratórias (as multas moratórias não poderão ultrapassar, na sua totalidade, a 30% da importância inicial da dívida corrigida monetariamente) e aqui disto não se trata. Multa moratória constitui penalidade decorrente do descumprimento da obrigação principal no vencimento. Não se confunde com os juros moratórios, pois estes compensam o atraso no pagamento. No feito em julgamento, debate-se acerca de multa punitiva, ou seja, sanção pelo descumprimento de obrigação tributária, que está fixada na legislação própria. E por estar fixada na legislação tributária específica e constituir-se em sanção pelo descumprimento de obrigação tributária é que não se pode considerá-la confisco, como pleiteia o apelante. A propósito, o RIR de 1980, em seu artigo 728, inciso II, fixou a multa em 50% sobre a totalidade ou diferença do imposto devido, nos casos de falta de declaração e nos de declaração inexata, excetuada a hipótese de evidente intuito de fraude (inc. III). Já a Lei nº 8.218, de 1991 (art. 4º), a estabelece em 100%, nos casos de falta de recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata, excetuada a mesma hipótese do normativo anterior. Essa é a situação dos autos. O autor não agiu com intuito de fraude, mas houve falta de declaração, com o que incidiu no inciso II do artigo 728 do RIR de 1980 e no artigo 4º da Lei nº 8.218, de 1991, tal qual busca o apelante neste recurso, e tal qual consta da notificação do Fisco. (fl. 234) Importante frisar que o demonstrativo lançado pelo Fisco (fls. 333/337) deixa claro que a multa de 100% somente foi aplicada a partir de fatos ocorridos em 1992, com o que se ateve inteiramente nos cânones tributários legais e constitucionais. Com o advento do novo RIR (Decreto nº 3.000, de 26.03.99), o percentual de multa aplicável para a infração cometida pelo autor passou 316 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 a ser de 75% (art. 957, I). Nessas condições, aos fatos ocorridos a partir de 1992, em que o Fisco na autuação aplicou multa no percentual de 100%, consoante legislação da época, incidirá no percentual de 75%, por aplicação da lei mais benigna e considerando que o ato não está definitivamente julgado, tanto que o autor o discute nestes autos, nos termos do que dispõe o artigo 106 do Código Tributário Nacional. Nada a reparar, por conseguinte, no enquadramento legal da multa, bem como no percentual fixado pela sentença monocrática. Por fim, a multa incide sobre a totalidade do imposto devido, consoante previsão legal: (RIR de 1980: “ ... 50% sobre a totalidade ou diferença do imposto devido, nos casos de falta de declaração e nos de declaração inexata ...” – art. 728, II. Lei nº 8.218, de 1991: “ ... Nos casos de lançamento de ofício, nas hipóteses abaixo, sobre a totalidade ou diferença dos tributos e contribuições devidos ... I- de 100%, nos casos de falta de recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata, ...” – art. 4º. RIR de 1999: “... Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas, calculadas sobre a totalidade ou diferença de imposto ... I. 75% nos casos de falta de pagamento ... falta de declaração ...” – art. 957, I). Foi o que o Fisco fez, como se vê dos demonstrativos acostados aos autos (fls. 333/337), exceto quanto à aplicação do RIR de 1999. Este, no entanto, é aplicado por este Colegiado nos termos do que prescreve o artigo 462 do Código de Processo Civil. Não há, desta forma, como acolher a pretensão do autor, que busca neste apelo a incidência somente sobre as diferenças. Dos honorários advocatícios A sentença entendeu haver sucumbência recíproca e determinou que as despesas de custas e honorários sejam suportadas por ambas as partes, compensando-se. Desta decisão, tanto o autor, quanto a ré, irresignaram-se. Os honorários de advogado devem ser fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do § 3º do artigo 20 do Código de Processo Civil, já que se trata de ação em que a Fazenda Pública restou vencida, embora parcialmente. Nesta linha há que atentar para o grau de zelo profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 317 Tudo considerado e tendo em conta o provimento parcial do pedido, o que representa ganho de ambos os litigantes nesta causa, bem como os precedentes desta Turma, fixo os honorários de advogado, tanto do autor quanto da ré, em 10% (dez por cento) sobre o montante em que cada uma das partes foi vencedora. As custas restam compensadas, como decidido em primeiro grau. Dispositivo Isso posto, dou parcial provimento a ambos os apelos e à remessa oficial, nos termos da fundamentação. É o voto. APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2001.71.00.026060-2/RS Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas Apelante: Trafo Equipamentos Elétricos S/A Advogados: Drs. Cláudio Lafayete Guedes e Silva e outro Apelado: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA Advogado: Dr. Paulo Fernando Airoldi EMENTA Tributário. Taxa de controle e fiscalização ambiental ao IBAMA – TCFA. Lei nº 10.165/2000. Exigibilidade. A taxa de controle e fiscalização ambiental tem como fato gerador o efetivo poder de polícia exercido pelo IBAMA, consubstanciado no controle, monitoramento e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras ou consumidoras de riquezas naturais, realizadas pelas empresas que a lei discrimina, nos termos da Lei nº 10.165/2000. 318 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 A variação dos valores cobrados pela TCFA – de acordo com o potencial poluidor e o consumo de recursos naturais despendidos pelos vinte grupos de empresas que a lei arrola – caracteriza a especificidade que se exige dessa espécie de exação, além de privilegiar os princípios da isonomia e da proporcionalidade. Apelação desprovida. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 11 de junho de 2002. Des. Federal Surreaux Chagas, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas: Trafo Equipamentos Elétricos S. A. impetra Mandado de Segurança contra ato de agente do IBAMA, objetivando o reconhecimento da inexigibilidade da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental - TCFA, instituída pela Lei nº 10.165/2000. Requer a concessão de medida liminar para que seja suspensa a exigibilidade da exação. Alega que a exação é inconstitucional pelos seguintes fundamentos: a) não há ocorrência efetiva do fato gerador eleito pelo legislador, qual seja, o exercício do poder de polícia pelo IBAMA, mediante a fiscalização de atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras dos recursos naturais, porquanto essa atividade é meramente potencial, não podendo se configurar como poder de polícia, em desacordo com o previsto nos arts. 76 a 78 do CTN, e 5º, II, 145, II, e 150, I, da Constituição Federal; b) a cobrança da exação com base no porte da empresa termina por configurá-la como imposto e não como taxa, já que não há relação com a efetiva contraprestação do serviço público; c) sendo a exação configurada como imposto não poderia ter destinação específica, nem a mesma base de cálculo de outros tributos previstos na Constituição, bem como deveria ter sido criada por lei complementar, tendo sua instituição violado, portanto, os arts. 54, I, e 167, IV, da CF/88 e o art. 97 do CTN. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 319 O pedido de medida liminar é indeferido. As informações são prestadas. O MM. Juízo, sentenciando, denega a segurança. Inconformada, a autora interpõe recurso de apelação, repisando os argumentos expostos na inicial. Regularmente processada a apelação, sobem os autos. O Ministério Público Federal, com vista dos autos, opina pelo improvimento da apelação. É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas: Controverte-se acerca da exigibilidade da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental - TCFA, cujo fato gerador é a fiscalização pelo IBAMA de atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras dos recursos naturais, instituída pela Lei nº 10.165/2000, que deu nova redação à Lei 6.938/81. A exação é impugnada pela empresa autora sob o fundamento, em síntese, de que não há ocorrência efetiva do fato gerador eleito pelo legislador, qual seja, o exercício do poder de polícia pelo IBAMA; ademais, a cobrança da exação com base no porte da empresa termina por configurá-la como imposto e não como taxa, já que não há relação com a efetiva contraprestação do serviço público; sendo a exação configurada como imposto, não poderia ter destinação específica, nem a mesma base de cálculo de outros tributos previstos na Constituição, bem como deveria ter sido criada por lei complementar. O exercício do poder de polícia O art. 17-B da Lei nº 6.938/81, com a redação da Lei nº 10.165/2000, assim dispõe: “Fica instituída a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental - TCFA, cujo fato gerador é o exercício regular do poder de polícia conferido ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais.” Importa analisar, então, se a atividade realizada pelo IBAMA constituise em poder de polícia que, na lição do tributarista Edvaldo Brito: “consiste nas medidas utilizadas pelo Estado intervencionista para que o particular ajuste a sua atividade aos princípios fundamentais da convivência”. (in Revista de 320 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Direito Tributário, Vol. 3, nos 7-8, jan/jun’’, 979, p. 245) Poder-se-ia argumentar que, sendo a fiscalização ambiental realizada por órgãos dos Estados e Municípios, e atuando a autarquia federal somente em caráter supletivo, o poder de polícia não seria efetivamente exercido pelo IBAMA, não se justificando a cobrança da taxa em seu favor. Ocorre que a competência material em questões ambientais é comum à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, aos quais compete o combate à poluição, preservação das florestas, fauna e flora, nos termos dos arts. 23 e 24 da Constituição Federal. Na esfera federal, o IBAMA, como órgão executor do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, no âmbito de sua competência, fiscaliza, licencia, monitora, aplica sanções administrativas ou faz valer, em relação a terceiros, quaisquer dos instrumentos da política nacional do meio ambiente, a teor do art. 9º da Lei 6.938/81. Em atenção à competência comum, a Lei nº 10.165/2000 autoriza a celebração de convênios do IBAMA com os Estados, os Municípios e o Distrito Federal para desempenharem atividades de fiscalização ambiental, podendo repassar-lhes parcela da receita obtida com a TCFA. (art. 17-Q) A lei em comento permite ainda a compensação do montante pago pelo estabelecimento ao Estado, Município ou Distrito Federal em razão de taxa de fiscalização ambiental com o valor devido a título de TCFA. (art.17-P) Dessarte, ainda que outros tributos sejam cobrados pelos demais entes federados em decorrência de fiscalização ambiental, tal situação não vai importar em bitributação, tendo em vista tratar-se de competência comum, não havendo, pois, invasão de competência. O fato gerador do tributo é, portanto, o exercício do poder de polícia pelo IBAMA, consubstanciado no controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras ou consumidoras de riquezas naturais, realizadas pelas empresas que a lei discrimina, bem como nas diversas atividades que a autarquia realiza com a finalidade de proteção do meio ambiente. Havendo, pois, efetivo poder de polícia, caracteriza-se a exação como taxa devida pelas empresas potencialmente poluidoras e 321 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 consumidoras de recursos naturais, na medida em que tais empresas exijam uma maior ou menor efetividade no exercício do poder de polícia pela autarquia federal. Variação da taxa conforme o porte da empresa Importa analisar, ainda, se a relação do porte da empresa com a variação do valor devido pela exação, nos termos do § 1º do art. 17-D, vai de encontro ao disposto no art. 77 do CTN, que veda a criação de taxa em função do capital das empresas. O Supremo Tribunal Federal, examinando questão semelhante relativa à taxa de fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários, cujo fato gerador era o poder de polícia do referido órgão, e o valor devido variava de acordo com o patrimônio líquido da empresa, assentou o seguinte entendimento: “É certo que a taxa questionada varia em função do patrimônio líquido das empresas. Isto, porém, não significa seja o patrimônio líquido a sua base de cálculo. Nos tributos fixos não se faz cálculo. O valor do tributo é determinado diretamente pelo legislador. No caso, a variação do valor da taxa em função do patrimônio líquido da empresa é simples fator de realização do princípio constitucional da capacidade contributiva (Ministro Carlos Velloso, RE 177.835-1/PE) (...) sobretudo em matéria de taxa de polícia – que remunera uma atividade permanente e não atos concretos de fiscalização – há de tomar-se como base de cálculo um dado que razoavelmente indique a exigência da atividade de polícia provocada pelo contribuinte.” (Ministro Sepúlveda Pertence, nos autos do mesmo processo) Também a esse respeito manifestou-se a Desembargadora Tania Escobar, no AG nº 2001.04.01.024017-6/RS, nos seguintes termos: “Trata-se de tributo fixo, criado sem base de cálculo e sem alíquota (como, aliás, geralmente são estabelecidas as taxas), em que o faturamento da empresa funciona não como base imponível, mas como um referencial para se estabelecer a classe do contribuinte, e, por conseguinte, o valor do tributo por ele devido. Não há falar, portanto, em ofensa aos artigos 77 do CTN e 145 da CF, que vedam a criação de taxa em função do capital das empresas ou com base de cálculo e fato gerador próprios de imposto, pois não há, no caso, tributação do faturamento da pessoa jurídica, mas tão-somente especificação do quantum do tributo devido com base naquela grandeza, que são coisas distintas. Em se tratando de taxa, e levando-se em conta a sua destinação e finalidade, a única exigência que se impõe, afora aquelas previstas na Constituição e no CTN, é que seu valor seja estabelecido de forma compatível com o custo da atividade estatal a qual está vinculada, pena de restar desvirtuada a sua natureza jurídica de taxa, e vir 322 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 a caracterizar-se como imposto novo.” Dessarte, o faturamento da empresa foi utilizado tão-somente para efeito de conceituação de empresa de pequeno e médio porte, como referencial para fixação do quantum devido (art. 17-D), levando em conta o potencial de poluição e o grau de utilização de recursos naturais de cada uma das atividades sujeitas à fiscalização. (§ 2º do art. 17-D) Também nesse sentido manifestou-se o Desembargador Vilson Darós, que entendeu que: “a relação entre o exercício do poder de polícia para fiscalização de atividades poluidoras, o efetivo potencial de poluição e grau de utilização de recursos naturais e a receita auferida pelo sujeito passivo estabelece-se pelo fato de quem vende mais o produto objeto do processo poluidor, mais polui e, conseqüentemente, exige do poder público maior exercício do poder de polícia.”. (AG nº 2002.04.01.004327-2/SC, Segunda Turma, julg. em 30.04.2002) Questão intimamente associada a esta é a relativa à incidência da taxa sobre cada estabelecimento da empresa, e não sobre a empresa como um todo. A incidência por estabelecimento faz com que uma empresa de grande porte, que tenha muitos estabelecimentos, pague uma TCFA superior àquela que tenha um número menor de unidades. Ocorre que o exercício do poder de polícia – licenciamento, fiscalização, monitoramento etc. – se dá justamente em relação a cada unidade empresarial. Ademais, o impacto ecológico da instalação de uma empresa (impacto de ocupação do solo, subsolo, águas adjacentes e ar) também ocorre em relação a cada um de seus estabelecimentos. Dessa forma, tem-se que o critério estabelecido pelo legislador prestigia os princípios da isonomia e da proporcionalidade. Conclui-se, pois, que a TCFA, instituída pela Lei 10.165/2000, não padece de qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade. Outrossim, não se constituindo o tributo em questão em imposto, mas em taxa devida pelo exercício do poder de polícia, como acabamos de ver, resultam impertinentes as alegações de necessidade de lei complementar, em vícios decorrentes de vinculação específica ou em identidade de base de cálculo com outros tributos. Ante o exposto, nego provimento à apelação. É como voto. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 323 APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2001.71.10.002157-5/RS Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares Apelante: Ind. de Conservas Patzlaff Ltda. Advogado: Dr. Aldo Alfredo Muller Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS Advogada: Dra. Patricia Helena Bonzanini EMENTA Prorural. Declaração de inexigibilidade da contribuição. Repetição do indébito. Ilegitimidade ativa da retentora. Obrigação de reter. Legalidade. Contribuição social sobre comercialização de produtos agrícolas. Prescrição. Exigibilidade. Lei complementar. Desnecessidade. Prazo nonagesimal. Produtor rural pessoa jurídica. ADIn nº 1.103-1/ DF. Cumulatividade de fatos geradores de contribuição e imposto. Compensação. Juros e correção monetária. 1. A empresa adquirente de produção agrícola, na qualidade de retentora da exação, não paga a contribuição sobre a comercialização da produção do produtor rural, mas apenas procede ao recolhimento, não estando legitimada a postular a declaração de inexigibilidade da exação ou a repetição do indébito, pena de enriquecimento ilícito. 2. A obrigação de reter e recolher o tributo devido por terceiro não encontra óbice legal ou constitucional. 3. O parágrafo primeiro do art. 3º da Lei nº 7.787/89 deve ser compreendido no contexto do caput do artigo. Da exegese do dispositivo mencionado subsume-se que a supressão da contribuição ao PRORURAL abrange somente aquela incidente sobre a folha de salários (inc. II do art. 15 da LC n.º 11/71), restando incólume e exigível a contribuição sobre o valor comercial dos produtos rurais (inc. I do art. 15 da LC nº 11/71). 4. Despicienda a edição de lei complementar para a instituição de contribuições constitucionalmente previstas. 5. O art. 23, I, da Lei Orgânica da Seguridade Social obrigou as empresas a contribuir sobre sua receita bruta, contribuição que foi extinta em 1º.04.92 pela LC nº 70/91. 6. Na ADIn nº 1.103-1/DF o eg. Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional apenas o parágrafo segundo do art. 25 da Lei n.º 8.870/94, o qual estendia às empresas agroindustriais a aplicação do dispositivo. 7. O princípio da não-cumulatividade veda a instituição de 324 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 múltiplos impostos ou contribuições com mesmo fato gerador, mas não proíbe a coincidência de fatos geradores entre imposto e contribuição. 8. É possível a compensação dos valores recolhidos a maior a título da exação, nos moldes dos diplomas mencionados, com tributos e contribuições de mesma espécie e destinação constitucional, de acordo com o art. 66 da Lei nº 8.383/91. Precedentes do STJ. 9. A correção monetária deve ser efetuada em conformidade com a Súmula 162 do STJ, utilizando-se os índices do OTN, BTN, INPC e UFIR, incluídos os expurgos da Súmula 37 desta Corte. Juros à taxa SELIC, incidentes a partir de janeiro de 1996 e inacumuláveis com qualquer índice atualizatório. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, de ofício, extinguir parcialmente o feito sem julgamento do mérito e dar parcial provimento ao apelo, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 4 de junho de 2002. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares: Trata-se de apelação de sentença que denegou a segurança pleiteada, julgando improcedente o pedido de declaração de inexigibilidade da contribuição ao FUNRURAL incidente sobre a comercialização de sua produção rural e sobre a aquisição de produtos rurais. Também restou improvido o pleito de compensação dos valores indevidamente recolhidos. A impetrante postulou a reforma do decisum, alegando que a contribuição destinada ao FUNRURAL não fora contemplada pelo art. 195, I, da Constituição Federal de 1988, e, portanto, não fora recepcionada. Aduziu que a contribuição sobre a comercialização de produtos rurais tem a mesma hipótese de incidência da COFINS e do ICMS e que a contribuição do art. 25 da Lei nº 8.870/94 não tem fato gerador previsto na Constituição Federal. Defendeu a adequação da via mandamental para a declaração do direito a compensar o indébito tributário e a inocorrência de decadência. 325 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Com contra-razões, e parecer do Ministério Público Federal pelo improvimento do apelo, vieram os autos. É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares: Trata-se de apelação de sentença que denegou a segurança pleiteada, julgando improcedente o pedido de declaração de inexigibilidade da contribuição ao FUNRURAL incidente sobre a comercialização de sua produção rural e sobre a aquisição de produtos rurais, bem como de compensação dos valores indevidamente recolhidos. Legitimidade Ativa Primeiramente, cabe analisar a legitimidade da impetrante para postular a inexigibilidade da contribuição social sobre o produto rural adquirido do agricultor e a repetição de valores recolhidos indevidamente. Esta Corte tem-se pronunciado pela possibilidade de as cooperativas agrícolas (na condição de adquirentes do produto rural) figurarem no pólo ativo de demanda em que se questiona a inexigibilidade da contribuição. As seguintes ementas ilustram tal entendimento: “CONTRIBUIÇÕES AO FUNRURAL. COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS AGRÍCOLAS. COOPERATIVA. LEGITIMIDADE ATIVA. (...) Sendo a cooperativa responsável pelo recolhimento das contribuições da Previdência Rural, é sujeito passivo da obrigação, logo, legitimada para discutir a exigibilidade da exação. (...)”. (AC nº 2000.71.03.002011-0/RS, Rel. Juiz Federal Marcelo De Nardi, 2ª Turma, DJU 06.03.2002, bol. 52/02) “TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. RESPONSÁVEL. LEGITIMIDADE. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA RURAL. PEQUENO PRODUTOR. ART-25, LEI-8.212/91. CONSTITUCIONALIDADE. 1. O responsável tributário tem legitimidade para impetrar mandado de segurança questionando a cobrança da contribuição. Hipótese distinta da simples repetição de indébito. 2. É constitucional a contribuição do produtor rural (pessoa física e segurado especial) incidente sobre a receita bruta da comercialização de sua produção. 3. Para efeitos fiscais o conceito de faturamento coincide com o de receita bruta. 4. Apelação do INSS e remessa oficial providas. Apelação da Cooperativa improvida.” (AMS nº 96.04.61289-1/PR, Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva, 1º Turma, DJ 27.01.99, p. 343) “EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. LEGITIMIDADE. PREVIDÊNCIA 326 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 RURAL. CONTRIBUIÇÕES. Sendo a cooperativa responsável pelo recolhimento das contribuições da Previdência Rural, é sujeito passivo da obrigação, logo, legitimada para discutir a constitucionalidade da exação.” (AMS nº 94.04.36139-9/PR, Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, 1ª Turma, DJ 27.11.96, p. 91.402) Com a devida vênia, ouso divergir do respeitável entendimento pelas seguintes razões: Ocorre que a Lei nº 8.212/91, ao seu art. 30, III e IV, atribuiu às empresas adquirentes a obrigação de recolher a contribuição devida pelo agricultor sobre a comercialização de sua produção. A contribuição, no entanto, é do produtor rural, como evidencia a redação do artigo 25 do mesmo diploma legal. É que o art. 30 trata da forma de recolhimento e arrecadação, ou seja, o procedimento pelo qual se dará o adimplemento da contribuição, e sub-roga as empresas adquirentes nas obrigações do produtor rural para viabilizar o recolhimento. Para entender essa sub-rogação, é necessário atentar-se para o texto da Lei 8.212/91: “Art. 30 – A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas: (…) III - a empresa adquirente, consumidora ou consignatária ou a cooperativa são obrigadas a recolher a contribuição de que trata o artigo 25, até o dia 2 do mês subseqüente ao da operação de venda ou consignação da produção, independentemente de estas operações terem sido realizadas diretamente com o produtor ou com intermediário pessoa física, na forma estabelecida em regulamento; IV - a empresa adquirente, consumidora ou consignatária ou a cooperativa ficam sub-rogadas nas obrigações da pessoa física de que trata a alínea a do inciso V do artigo 12 e do segurado especial pelo cumprimento das obrigações do artigo 25 desta Lei, independentemente de as operações de venda ou consignação terem sido realizadas diretamente com o produtor ou com intermediário pessoa física, exceto no caso do inciso X deste artigo, na forma estabelecida em regulamento; (...)”. (grifei) Em outras palavras, a empresa adquirente fica sub-rogada nas obrigações do produtor rural pelo cumprimento das obrigações do artigo 25 desta Lei. Embora não esteja clara a redação do inciso, pode-se compreender que a sub-rogação se dá quanto às obrigações de recolhimento, do procedimento de entregar o valor do tributo à autarquia credora. Não há sub-rogação das obrigações do artigo 25 da Lei nº 8.212/91, ou seja, da obrigação de contribuir. Esse entendimento é corroborado pela integração do inciso ao contexto do caput do artigo, 327 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 que refere as formas de arrecadação e recolhimento das contribuições destinadas à Seguridade Social, nada tratando das contribuições em si. Destaque-se: a empresa adquirente está obrigada não no pagamento da exação, mas apenas no seu recolhimento. É o procedimento de reter e recolher que se imputa à empresa adquirente com o fito de tornar funcional a realização do tributo. Dessa forma, a empresa adquirente caracteriza-se como retentora da exação, não se confundindo com a figura do substituto tributário. Sacha Calmon Navarro Coêlho, em seu Curso de Direito Tributário Brasileiro, 6ª Ed., Editora Forense, Rio de Janeiro, 2001, faz a distinção entre responsabilidade tributária e retenção na fonte, assim lecionando (p. 614): “RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA O responsável pelo pagamento da dívida tributária é sempre partícipe de uma relação jurídica de débito, primária ou secundária. (...) - Porque, embora não tenha praticado o fato gerador, deve pagar o tributo por força de lei. (sujeito passivo por substituição daquele que deveria ser o contribuinte) RETENÇÃO NA FONTE O que retém tributo devido por terceiro não é partícipe de uma relação jurídicotributária. Quando entra, torna-se responsável (caso da lei que atribui ao retentor o dever de pagar, se não retiver). Ele simplesmente age como agente de arrecadação, por ter à sua disposição o dinheiro de terceiros obrigados, em razão de relações extratributárias.” Vê-se, desde logo, que não há substituição tributária no presente caso. A empresa adquirente, por dispor do valor a pagar ao produtor rural por sua produção, simplesmente age como agente de arrecadação, retendo o percentual devido pelo contribuinte para posterior repasse à Previdência Social. Porque, do texto legal, exsurge que o produtor não apenas deveria ser o contribuinte como o é. Nesse caso, o produtor rural, na qualidade de contribuinte, não perde a legitimidade para pleitear a inexigibilidade da exação e a repetição dos valores (que, em última análise, foi ele quem recolheu) simplesmente por causa da interposição da figura da empresa adquirente, na qualidade de retentora, entre ele e o Fisco. De outra forma, o produtor, que tem abatido do valor de sua produção a contribuição social, ficaria dependente da iniciativa da retentora para ver declarada inexigível a exação. A prevalecer esse entendimento, estar-se-ia tolhendo o direito de postular a declaração de ilegalidade 328 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 da contribuição daquele que efetivamente sofre com a sua exigência e, de outro lado, outorgando tal direito à parte que tem como obrigação apenas o procedimento de retenção e recolhimento, que não importa em desvantagem econômica direta. Não se diz aqui que a empresa adquirente não se poderia insurgir contra a sua obrigação de reter e recolher a exação. De fato, tal procedimento pode envolver custos administrativos e burocracia indesejáveis. Nesse caso, a empresa adquirente pode requerer a sua desobrigação do recolhimento da exação, pois aí concentra-se seu interesse, e não a declaração de inexigibilidade da contribuição. Isso porque o tributo contra ela não é exigível, mas apenas o procedimento de recolhimento da exação pode ser-lhe reclamado. Esposando o mesmo entendimento, Sacha Calmon Navarro Coêlho (op. cit. p. 614) extrai da distinção entre a substituição tributária e a retenção na fonte as seguintes conseqüências: “- Só ao retentor pode ser imputado o delito de apropriação indébita. Os responsáveis só podem ser inadimplentes, nada mais. - O dever de retentor é fazer (facere) — fazer a retenção e fazer a entrega do tributo retido. O dos responsáveis é de dar (dare). - O retentor jamais tem legitimidade para pedir a repetição, porque nada pagou, só reteve e entregou. Tampouco tem legitimidade para impugnar a exigência, por falta de interesse econômico ou moral. O responsável, seja qual for a modalidade, pode impugnar a exigência. (...)”. Ainda, não alteraria o quadro exposto, ou seja, a definição da parte legítima à discussão judicial da exigibilidade do tributo e à postulação da repetição do indébito, o fato de se vislumbrar, na hipótese, a existência de substituição tributária (art. 121, parágrafo único, II, c/c o art. 128 do CTN). Essa espécie de responsabilidade, cumpre referir, ocorre quando o legislador erige à condição de sujeito passivo da relação jurídico-tributária pessoa diversa daquela que tem “relação pessoal e direta com o fato gerador” (art. 121, parágrafo único, I, do CTN). Logo, em se tratando da contribuição previdenciária versada nos autos, haveria, segundo o entendimento, a qualificação da empresa adquirente como substituta legal. Com efeito, nessa situação, existindo mecanismo institucionalizado de repercussão (jurídica) do tributo recolhido – que se verifica quando R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 329 “o legislador, ao criar a incidência jurídica do tributo, cria regra jurídica que outorga ao contribuinte de jure o direito de repercutir o ônus econômico do tributo sobre determinada pessoa”, por meio de reembolso ou retenção, segundo a lição de Alfredo Augusto Becker (em Teoria Geral do Direito Tributário, Ed. Saraiva, 2ª Edição, São Paulo, 1972, p. 487) – ocorreria a presunção de que a responsável deixou de arcar com o ônus da tributação e, assim sendo, ela não ostentaria legitimatio ad causam. A questão foi assim resumida pelo doutrinador (op. cit., p. 525): “O contribuinte de jure não tem legitimidade para pedir a restituição do tributo por ele pago indevidamente, no caso de repercussão jurídica do tributo, isto é, quando a lei outorga ao contribuinte ‘de jure’ o direito de reembolso ou retenção do tributo perante uma terceira pessoa”. Especificamente acerca do fenômeno da repercussão por retenção, Alfredo Augusto Becker definiu, com clareza, o modo como se opera, nos seguintes termos (op. cit., p. 527): “Em se tratando de direito de ‘retenção’, sua satisfação [do substituto tributário] se processa mediante a compensação com um dever jurídico (‘débito’) do substituído perante o substituto, decorrente de negócio jurídico celebrado entre substituto e substituído e que por eles foi celebrado paralelamente à substituição legal tributária, isto é, sem assumirem a qualidade jurídica de substituto e substituído”. No mesmo sentido, é o escólio de Sacha Calmon Navarro Coêlho (op. cit., p. 615): “Os substitutos, contudo, não podem, por conta própria, repetir o indébito, fato que os aproxima um pouco dos retentores e dos contribuintes dos impostos de repercussão jurídica (art. 166 do CTN). É que os substitutos devem se forrar, pela prática dos negócios, dos ônus da substituição, sem cogitarem do direito civil de regresso, porque não pagam dívidas de terceiros, mas débitos próprios por fatos geradores alheios à sua disposição”. Ora, em casos como o presente, o abatimento do valor da contribuição social incidente sobre a comercialização dos produtos do montante pago pela empresa ao produtor a título de contraprestação nada mais seria do que a retenção do quantum da prestação tributária, como forma de ressarcir-se do recolhimento efetuado. Logo, ainda que se entendesse estar-se diante do fenômeno da substituição tributária, somente se houvesse a comprovação de que efetivamente arcou com o encargo 330 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 ou de que está autorizada a demandar a restituição é que seria lícito à responsável deduzir, em juízo, a pretensão ressarcitória das contribuições indevidamente pagas. O em. Juiz Federal Alcides Vettorazzi esposou o mesmo entendimento em caso análogo, lavrando a seguinte ementa: “TRIBUTÁRIO. FUNRURAL. LC 11/71 ART. 15-I. INSS LEI 8.212, ART. 25 E ALTERAÇÕES PELAS LEIS 8.540 8.870 9.528. AQUISIÇÃO DE PRODUTOS RURAIS JUNTO A PRODUTORES PESSOAS FÍSICAS. PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO ADQUIRENTE. EXTINÇÃO DO FEITO. 1. A empresa pessoa jurídica, desenvolvendo atividade industrial frigorífica, é responsável legal tributária pela contribuição previdenciária, devida pelos produtores rurais pessoas físicas empregadoras, decorrente das vendas, por estes ao frigorífico, de bovinos e suínos. Nessa condição de responsável, o frigorífico não tem legitimidade ativa ad causam para discutir a constitucionalidade da exação porque não é ele quem suporta o ônus econômico do tributo e sim os produtores rurais, vez que o adquirente desconta destes o valor da contribuição limitando-se a repassá-la ao ente público. 2. Processo extinto sem julgamento de mérito (art. 267-VI do CPC). 3. Apelo prejudicado.”. (AMS nº 2000.70.06.001172-7, Rel. Juiz Federal Alcides Vettorazzi, 2ª Turma, DJU 23.1.02, p. 324) Não se nega aqui que a inexigibilidade da exação tenha efeito no campo jurídico da retentora. É claro que, se a contribuição é inexigível, a empresa adquirente não tem o dever de reter e recolher. Assim, pode a empresa adquirente intentar ação em que postule a exoneração do dever de proceder ao recolhimento fundamentada na inexigibilidade da exação. Diferente do caso presente, em que a inexigibilidade do tributo figura não como causa de pedir, mas como o próprio pedido, cumulado ainda com a repetição do indébito. Em vingando tal tese — de que é legitimada a empresa adquirente para litigar pela repetição dos valores retidos a maior — estar-se-ia possibilitando que, no caso de uma eventual procedência, a retentora recebesse de volta um valor que nunca desembolsou, enriquecendo-se ilicitamente às custas da Previdência Social. Assim, deve ser extinto o feito sem julgamento do mérito com relação ao pleito por inexigibilidade da exação devida pelos produtores rurais na comercialização de sua produção com a impetrante e por repetição do indébito, em função da ilegitimidade ativa. Vencido o ponto, passo à análise do pedido de “inexigibilidade do recolhimento da contribuição para o FURURAL” (fl. 24 – sic) e de repetição dos valores pagos pela impetrante a título de contribuição social 331 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 sobre a comercialização de sua própria produção rural. Obrigação de Reter a Contribuição Como visto, a obrigação de reter o tributo é uma obrigação de fazer, e não de dar. Sendo assim, como inexiste interesse da retentora em se desobrigar de fazer o que já fez, a análise a ser feita restringe-se à obrigação de reter a contribuição presentemente exigida. A contribuição do empregador rural e do produtor rural pessoa física sobre a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção está prevista no art. 25, I, da Lei nº 8.212/91, sendo que seu fato gerador encontra previsão na Constituição Federal ao art. 195, I, b, II, e § 8º. Já a obrigação de retenção decorre do art. 30, III e IV, da já referida Lei do Plano de Custeio da Seguridade Social. Ora, a imposição da obrigação de recolher o tributo devido por terceiro não é estranha ao ordenamento jurídico pátrio, inexistindo óbice legal ou constitucional ao procedimento. Dessa forma, improcede a insurgência da impetrante contra a sua obrigação de reter e recolher o tributo devido pelos agricultores de quem adquire o produto rural. Contribuição da Pessoa Jurídica ao PRORURAL: Folha de Salários X Valor Comercial de Produtos Rurais A Lei Complementar nº 11, de 25 de Maio de 1971, instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural – PRORURAL, cuja execução foi incumbida ao Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural – FUNRURAL, com o intuito de prover ao trabalhador rural e seus dependentes amparo previdenciário e social. O art. 15 do referido diploma legal estabeleceu como fontes de custeio do programa a contribuição de 2% (aumentada para 2,5% pelo Decreto nº 83.081/79 para custear as prestações por acidentes de trabalho) a cargo do produtor sobre o valor comercial dos produtos rurais (inciso I, a e b) e a contribuição de 2,6% sobre a folha de salários dos empregados em geral, dos quais 2,4% destinavam-se ao FUNRURAL. (inciso II) A partir de 1973, com a vigência da LC nº 19, as empresas agroindustriais passaram a recolher a contribuição incidente sobre a folha de salários em favor do INPS (setor industrial) e a contribuição sobre a comercialização dos produtos rurais para o FUNRURAL. (setor agrário) Com a instituição do SINPAS – Sistema Nacional de Previdência e 332 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 Assistência Social pela Lei nº 6.439/77, a administração do PRORURAL passou a competir ao INPS (art. 5º, III), sendo mantidas as fontes de custeio do programa do modo como exigidas pelo FUNRURAL até então (art. 2º). A instituição autárquica do FUNRURAL, por sua vez, ficaria extinta a partir da implantação definitiva do SINPAS, conforme prenunciado pelo caput do art. 27 da referida lei. A nova ordem constitucional de 1988 recepcionou expressamente as fontes de custeio do PRORURAL como formuladas na LC nº 11/71, ao determinar a forma de financiamento da seguridade social. Veja-se: “Art. 195 – A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro; (...)”. (redação original) Pouco mais tarde, em 30 de junho de 1989, a Lei nº 7.787, em seu art. 3º, estabeleceu: “Art. 3º. A contribuição das empresas em geral e das entidades ou órgãos a ela equiparados, destinada à Previdência Social, incidente sobre a folha de salários, será: I - de 20% sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados empregados, avulsos, autônomos e administradores; II - de 2% sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e avulsos, para o financiamento da complementação das prestações por acidente do trabalho. § 1º. A alíquota de que trata o inciso I abrange as contribuições para o saláriofamília, para o salário-maternidade, para o abono anual e para o PRORURAL, que ficam suprimidas a partir de 1º de setembro, assim como a contribuição básica para a Previdência Social. § 2º. No caso de bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros privados e capitalização, agentes autônomos de seguros privados e de crédito e entidades de previdência privada abertas e fechadas, além das contribuições referidas nos incisos I e II, é devida a contribuição adicional de 2,5% sobre a base de cálculo referida no inciso I.” (grifei) Entenda-se que a extinção das contribuições ao PRORURAL de que trata o § 1º retro refere-se tão-somente àquela incidente sobre a folha de salários (inc. II do art. 15 da LC nº 11/71), como se denota da R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 333 leitura do caput do artigo, devendo ser compreendido nesse contexto. A supressão não se estende, portanto, às contribuições incidentes sobre o valor comercial dos produtos agrícolas recolhidas pelo produtor. Dessa forma, a contribuição social sobre o valor da comercialização dos produtos agrícolas estabelecida pelo art. 15, I, a e b, da LC nº 11/71 restou incólume e exigível, a despeito da supressão da contribuição incidente sobre a folha de salários, instituída no inciso II do mesmo dispositivo legal pela Lei nº 7.787/89. Nesse sentido, os julgados do eg. Superior Tribunal de Justiça, como o que segue: “TRIBUTÁRIO - AGRAVO REGIMENTAL - RECURSO ESPECIAL – CONTRIBUIÇÃO PARA O FUNRURAL – LEGALIDADE. I. A legislação sobre a contribuição para o FUNRURAL foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. II. O artigo 3º da Lei 7.787/89 suprimiu a contribuição sobre a folha de salários, prevista no artigo 15, inciso II, da Lei Complementar nº 11, de 1971, e não a contribuição sobre o valor dos produtos rurais prevista no inciso I do mesmo artigo. III. Somente com a entrada em vigor do novo regime de Previdência Social, inaugurado com a promulgação da Lei 8.213/91, é que se deu a revogação expressa da contribuição para o FUNRURAL incidente sobre o valor comercial do produto (art. 138 da Lei 8.213/91). IV. Agravo regimental improvido.”. (AGREsp nº 278.751/SC, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ de 11.06.2001, p. 120) No julgamento dos Embargos Infringentes em AC n.º 2000.71.04.001354-0/RS, em 6 de fevereiro de 2002, acórdão publicado no DJU de 27.02.2002, da lavra do eminente Juiz Federal Marcelo De Nardi, a mesma orientação restou pacificada na Primeira Seção desta Corte: “CONTRIBUIÇÕES AO FUNRURAL. COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS AGRÍCOLAS. A contribuição ao FUNRURAL que restou extinta com o advento da Lei nº 7.787/89 é a prevista no art.15, inc. II, da Lei Complementar nº 11, de 1971, incidente sobre a folha de salários. Contudo, a contribuição dos produtores sobre o valor da comercialização dos produtos (art. 15, inc. I) manteve-se plenamente exigível.” Finalmente, em 1991, as Leis nos 8.212 e 8.213 cuidaram de acolher o trabalhador rural no Regime Geral da Previdência Social, extinguindo definitivamente o regime previdenciário do PRORURAL (art. 138 da Lei nº 8.213/91). No mundo fático, entretanto, nada se modificou: o 334 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 trabalhador rural continuou sendo beneficiado pela Previdência Social e a empresa rural continuou a contribuir sobre a receita (proveniente, ou não, da comercialização da produção rural) para custear o regime previdenciário. É o que se denota dos arts. 12, VII (inclusão do trabalhador rural como segurado especial da Previdência Social), e 23, I. (contribuição social sobre a receita bruta) A Lei nº 8.212/91, muito embora faça distinção entre o produtor rural pessoa física e a empresa rural, não excluiu a pessoa jurídica da exigência de contribuição sobre a sua receita bruta, ou seja, sobre a comercialização de sua produção — vide o art. 23, I: “Art. 23. As contribuições a cargo da empresa provenientes do faturamento e do lucro, destinadas à Seguridade Social, além do disposto no artigo 22, são calculadas mediante a aplicação das seguintes alíquotas: I - 2% (dois por cento) sobre sua receita bruta, estabelecida segundo o disposto no § 1º do artigo 1º do Decreto-Lei nº 1.940, de 25 de maio de 1982, com a redação dada pelo artigo 22 do Decreto-Lei nº 2.397, de 21 de dezembro de 1987, e alterações posteriores; (omissis)” (grifei). A redação do dispositivo é explícita, e não faz discriminação quanto à atividade a que se dedica a empresa contribuinte, sendo exigível a alíquota, portanto, de produtores rurais pessoas jurídicas. Há que se esclarecer, neste ponto, que a Lei Orgânica da Seguridade Social apenas regulamentou as contribuições previstas no art. 195, II, e § 8º, da Constituição Federal, sendo, portanto, despicienda a edição de lei complementar para sua instituição. Nesse contexto, ressalve-se que as contribuições instituídas pela Lei nº 8.212/91 só passaram a ser exigíveis decorridos 90 dias da publicação do texto legal, por força do disposto no § 6º do art. 195 da Constituição Federal. A extinção do regime legal da LC nº 11/71, por outro lado, ocorreu imediatamente à publicação da Lei nº 8.213/91. Por essa razão, no período entre 25 de julho de 1991 (data da extinção do regime previdenciário da LC nº 11/71) e 23 de outubro de 1991 (fim do prazo nonagesimal), não havia contribuição social exigível incidente sobre a comercialização da produção rural. A partir de 1º de abril de 1992, foi extinta a alíquota do inc. I do art. 23 da Lei nº 8.212/91 pela Lei Complementar nº 70/91 (art. 9º), que passou a regular as contribuições sobre a receita e o faturamento das empresas. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 335 Por fim, a Lei nº 8.870/94 substituiu, com relação às empresas que se dediquem à produção rural, a contribuição sobre a folha de salários do art. 22 da Lei Orgânica da Seguridade Social por contribuição incidente sobre o resultado da venda dos produtos rurais, exigível a partir de 14 de Julho de 1994, em respeito ao prazo nonagesimal. A propósito, o eg. Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIn nº 1.103-1/DF, entendeu pela inconstitucionalidade apenas do § 2º do art. 25 da Lei nº 8.870/94, que propunha estender às empresas agroindustriais a aplicação do caput do dispositivo. Assim, o caput, incisos e demais parágrafos do art. 25 da referida lei, por constitucionais, restaram vigentes e aplicáveis, a substituir a alíquota incidente sobre a folha de salários por contribuição sobre comercialização. Assim, tem-se que: a) das contribuições que custeavam o PRORURAL, somente a incidente sobre a folha de salários (art. 15, II, da LC n.º 11/71) fora extinta pela Lei nº 7.787, já em 1989; b) a contribuição ao PRORURAL incidente sobre a comercialização de produtos agrícolas (art. 15, I, a e b, da LC n.º 11/71) permaneceu incólume até a edição da Lei nº 8.213/91, quando foi suprimida; c) a Lei nº 8.212, também de 1991, instituiu alíquota sobre a comercialização de produtos agrícolas idêntica a que era cobrada em favor do PRORURAL, mantendo inalterada a situação fática do contribuinte produtor rural pessoa jurídica; d) no período entre 25.07.91 e 23.10.91 não são exigíveis as contribuições sociais incidentes sobre a comercialização da produção rural (receita), em razão do princípio da anterioridade nonagesimal; e) a LC nº 70/91 extinguiu, a partir de 1º.04.92, a alíquota do art. 23, I, da Lei nº 8.212/91, passando a regular as contribuições sociais incidentes sobre a receita e o faturamento das empresas; e f) a Lei nº 8.870/94 substituiu, com relação às empresas que se dedicam à produção agrícola, a contribuição incidente sobre a folha de salários do art. 22 da Lei nº 8.212/91 por contribuição incidente sobre a venda do seu produto, exigível a partir de 14.07.94 (anterioridade nonagesimal). Identidade de Base de Cálculo entre Contribuição e Imposto Por outro lado, a circunstância de o fato gerador das exações em 336 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 comento ter a mesma base de cálculo do ICMS não viola o art. 195, § 4º, da CF, pois não há proibição quanto à coincidência da base de cálculo da contribuição com a base de cálculo de imposto já existente. A vedação se dá quanto à instituição de duas ou mais contribuições (e não impostos) com o mesmo fato gerador. Assim entendeu o Pleno do eg. STF no julgamento do RE nº 228.321-RS, rel. Ministro Carlos Velloso, R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 59-338, 2002 337 Branca ÍNDICE NUMÉRICO Branca 340 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 339-342, 2002 DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO CIVIL 2000.04.01.081020-1/RS (AC) 2000.04.01.091761-5/SC (AC) 2000.70.09.003225-3/PR (AC) 2000.71.02.002228-5/RS (AC) 2001.04.01.078684-7/PR (AC) 2001.71.00.015680-0/RS (AMS) 2001.72.00.003026-0/SC (AC) Rel. Desa. Federal Marga Barth Tessler.................................................63 Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz..................71 Rel. Des. Federal Valdemar Capeletti...................................................81 Rel. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère.........................87 Rel. Desa. Federal Marga Barth Tessler...............................................93 Rel. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère.........................97 Rel. Des. Federal Edgard Lippmann..................................................100 DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL 1998.04.01.094579-1/SC (ACR) 1999.71.05.004229-4/RS (ACR) 2000.04.01.015914-9/RS (ACR) 2000.04.01.019165-3/PR (ACR) 2000.04.01.056441-0/RS (ACR) 2000.04.01.111516-6/SC (ACR) 2001.04.01.006513-5/PR (ACR) 2001.04.01.067669-0/RS (ACR) 2001.04.01.079268-9/PR (ACR) 2002.04.01.007778-6/RS (HC) 2002.04.01.011278-6/RS (HC) 2002.04.01.016453-1/SC (HC) 1999.04.01.007365-2/RS (EIAC) 2001.04.01.059457-0/RS (AC) 2001.04.01.067885-6/RS (AC) 2001.71.01.000617-2/RS (AC) 2001.72.00.003278-4/SC (AC) 2002.04.01.004532-3/RS (AMS) Rel. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti....................................109 Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro........................................115 Rel. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti...................................126 Rel. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa......................................130 Rel. Des. Federal Vladimir Freitas.....................................................150 Rel. Des. Federal Volkmer de Castilho...............................................160 Rel. Des. Federal José Germano da Silva...........................................166 Rel. Des. Federal José Germano da Silva...........................................175 Rel. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa......................................186 Rel. Des. Federal Vladimir Freitas.....................................................200 Rel. Des. Federal Volkmer de Castilho...............................................212 Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro........................................216 DIREITO PREVIDENCIÁRIO Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado...............................225 Rel. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira........................230 Rel. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira........................234 Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado.............................239 Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz.........................................243 Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz.........................................246 DIREITO PROCESSUAL CIVIL 95.04.41304-8/RS (AR) 1998.04.01.077115-6/SC (EEIAC) 1999.04.01.123702-4/RS (AG) 2000.04.01.054926-2/PR (AG) 2000.04.01.104919-4/PR (AG) 2000.04.01.139082-7/RS (AC) 2000.71.00.033105-7/RS (AMS) 2000.71.04.007783-8/RS (AC) 2001.04.01.019085-9/RS (CC) Rel. Des. Federal Edgard Lippmann....................................................255 Rel. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria........................................258 Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon.................................261 Rel. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde...................................266 Rel. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde...................................268 Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon.................................271 Rel. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares......................................274 Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz.....................280 Rel. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria........................................283 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 339-342, 2002 341 DIREITO TRIBUTÁRIO 1999.04.01.047507-9/SC (AG) 1999.04.01.119949-7/SC (AG) 2000.70.00.022041-5/PR. (AC) 2001.04.01.089389-5/RS (AC) 2001.71.00.026060-2/RS. (AMS) 2001.71.10.002157-5/RS (AMS) 342 Rel. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida.............................291 Rel. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida.............................295 Rel. Des. Federal Surreaux Chagas....................................................299 Rel. Des. Federal Vilson Darós..........................................................307 Rel. Des. Federal Surreaux Chagas....................................................317 Rel. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares......................................323 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 339-342, 2002 ÍNDICE ANALÍTICO R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 339-342, 2002 343 BRanca 344 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002 A ABSOLVIÇÃO Vide ESTELIONATO ABSORÇÃO DE CRIME Vide ESTELIONATO AÇÃO CONSIGNATÓRIA Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL ACIONISTA Vide IMPOSTO DE RENDA ADVOGADO Sigilo – Vide INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA APOSENTADORIA POR IDADE Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO ARREMATAÇÃO Bem hipotecado. Registro de imóveis. Cancelamento. Hipoteca. Crédito tributário. Direito de preferência. Ilegitimidade ativa. Credor hipotecário. Argüição de nulidade. Omissão. Intimação. Execução fiscal. Possibilidade. Embargos à execução. Embargos à arrematação...........................................................................................261 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002 345 ASSOCIAÇÃO DE CLASSE Vide LEGITIMIDADE DE PARTE ATIVIDADE RURAL Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO ATO ADMINISTRATIVO Prescrição qüinqüenal – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO AUTORIZAÇÃO Consórcio - Vide CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO AUXÍLIO-ACIDENTE Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL B BEM PÚBLICO Impenhorabilidade – Vide EXECUÇÃO FISCAL BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO Aposentadoria por idade. Trabalhador urbano. Requisitos. Período de carência. Idade mínima. Concessão. Perda da qualidade de segurado. Efeitos...................................................................225 Auxílio-acidente – Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL Pensão por morte. Companheiro. União estável. Duplicidade. Caracterização. Divisão. Pensão previdenciária. Termo inicial. Citação. Réu. Requerimento administrativo. Inexistência................234 Pensão por morte. Pai. Atividade rural. Índio. Regime de economia familiar. Prova. Declaração. FUNAI (Fundação Nacional do Índio). Termo inicial. Data. Óbito........................................................................................230 Pensão por morte. Anulação. Ato administrativo. Concessão. Prescrição qüinqüenal...............................................................................................246 Pensão por morte – Vide LEGITIMIDADE DE PARTE 346 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002 Valor real. Reajuste. Índice de correção monetária...................................................239 Vide ESTELIONATO C CADIN (Cadastro Informativo dos Créditos de Órgãos e Entidades Federais) Vide EXECUÇÃO FISCAL CERTIDÃO POSITIVA Vide EXECUÇÃO FISCAL COMPENSAÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO Vide IMPOSTO DE RENDA Vide PRORURAL (Programa de Assistência ao Trabalhador Rural) COMPETÊNCIA JURISDICIONAL Justiça Estadual. Benefício previdenciário. Auxílio–acidente. Acidente do trabalho. Revisão..................................................................................243 Vara Federal. Ação declaratória. Ação consignatória. Execução fiscal. Conexão. Inocorrência. Embargos à execução. Inexistência.........283 Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA Vide DANO MORAL Vide DIREITO AUTORAL Vide ESTELIONATO CONCURSO APARENTE DE NORMAS Peculato - Vide ESTELIONATO CONCURSO PÚBLICO CEF (Caixa Econômica Federal). Reserva de vaga. Deficiente físico. Cego. Garantia. Acesso. Cargo público. Exame médico. Eliminação. Impossibilidade. Avaliação. Estágio probatório. Necessidade...............................................................87 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002 347 CONEXÃO Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL CONSÓRCIO Vide CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO Vide IMPOSTO DE RENDA CRÉDITO TRIBUTÁRIO Vide ARREMATAÇÃO CREDOR HIPOTECÁRIO Direito de Preferência - Vide ARREMATAÇÃO CRIME CONTINUADO Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA Vide ESTELIONATO CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA Exportador. Subfaturamento. Crime societário. Denúncia. Crime continuado. Prescrição. Lei nova. Aplicabilidade. Réu. Maior de setenta anos. Prescrição da pretensão punitiva. Dosimetria da pena. Circunstâncias judiciais. Substituição da pena........................175 Omissão. Recolhimento. Imposto de Renda. Desconto. Terceiro. Crime formal. Dolo. Desnecessidade. Responsabilidade penal. Administrador. Dificuldade financeira. Inexistência. Competência territorial. Sede. Empresa. Dosimetria da pena. Pena de multa. Limite. Pena privativa de liberdade. Substituição da pena. Pena restritiva de direitos.......................................................150 Vide HABEAS CORPUS CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO Consórcio. Autorização. Inexistência. Erro de proibição. Inaplicabilidade. Dosimetria da pena. Circunstâncias judiciais. Maus antecedentes...........................166 348 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002 CRIME FORMAL Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA CRIME HEDIONDO Vide PRISÃO PREVENTIVA CRIME ORGANIZADO Vide INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA CRIME PERMANENTE Prescrição – Vide ESTELIONATO CRIME SOCIETÁRIO Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA CUSTAS PROCESSUAIS Complementação. Inocorrência. Valor da causa. Alteração. Distribuição. Cancelamento. Abandono da causa. Inaplicabilidade. Intimação pessoal. Autor. Extinção do processo. Necessidade.................................271 D DANO MORAL Indenização. Descabimento. Processo Penal. Estelionato. Absolvição. Atipicidade. Comunicação. BACEN (Banco Central). Suspeita. Fraude. Proagro. Legalidade...................................................................................................................93 Responsabilidade civil. Erro judiciário. Desconto. Pensão alimentícia. Responsabilidade solidária. INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Estado. Competência jurisdicional. Indenização. Critério...................................................................................................63 DEFICIENTE FÍSICO Vide CONCURSO PÚBLICO DENÚNCIA Crime societário – Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA DEPÓSITO JUDICIAL R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002 349 Vide EXECUÇÃO FISCAL DEVEDOR SOLIDÁRIO Vide RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DIREITO AUTORAL Violação. Importação clandestina. Fita magnética. Mercadoria falsificada. Competência jurisdicional. Justiça Federal. Condenação. Substituição da pena. Pena de multa...................................................160 DIREITO DE DEFESA Embargos do devedor – Vide SFH (Sistema Financeiro da Habitação) Processo cautelar - Vide SFH (Sistema Financeiro da Habitação) DIREITO DE PREFERÊNCIA Vide ARREMATAÇÃO DIREITO DO CONSUMIDOR Supermercado. Discriminação de preço de bem. Obrigatoriedade. Código de barras. Insuficiência...................................................................................71 Vide SFH (Sistema Financeiro da Habitação) E EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Vide HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EMBARGOS DO DEVEDOR Vide SFH (Sistema Financeiro da Habitação) ERRO DE PROIBIÇÃO Vide CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO ERRO JUDICIÁRIO Vide DANO MORAL ESTÁGIO PROBATÓRIO Vide CONCURSO PÚBLICO 350 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002 ESTELIONATO Absorção de crime. Falsificação de documento público. Visto. Entrada. País estrangeiro. Competência jurisdicional. Justiça Federal. Participação. Prova. Pena de multa. Observância. Condição econômica. Substituição da pena.................................................................................................109 Benefício previdenciário. Fraude. CTPS (Carteira de Trabalho e Previdência Social). Concurso de pessoas. Crime permanente. Prescrição. Maior de setenta anos. Extinção da punibilidade. Substituição da pena.................................................................................................126 INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Fraude. Recebimento. Benefício previdenciário. Prova emprestada. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Crime permanente. Prescrição. Termo inicial. Absolvição. Servidor público. Negligência. Crime continuado. Dosimetria da pena. Substituição da pena..................................115 Servidor público. CEF (Caixa Econômica Federal). Financiamento bancário. Fraude. Crime continuado. Peculato. Inocorrência. Concurso aparente de normas. Emendatio libelli.......................................................................................................186 Vide USO DE DOCUMENTO FALSO EXCESSO DE PRAZO Vide PRISÃO PREVENTIVA EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL Vide SFH (Sistema Financeiro da Habitação) EXECUÇÃO FISCAL Fazenda Pública. Débito previdenciário. Município. Ação anulatória. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002 351 Suspensão do crédito tributário. Impenhorabilidade. Bem público. Depósito judicial. Dispensa. Embargos à execução. Garantia do juízo. Certidão positiva. Eficácia. Certidão negativa. Concessão. Inscrição. CADIN (Cadastro Informativo dos Créditos de Órgãos e Entidades Federais). Suspensão.............................................................................291 Redirecionamento – Vide RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA Vide ARREMATAÇÃO Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL Vide RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA F FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO Absorção de crime – Vide ESTELIONATO FATO GERADOR Vide TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) Vide HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Vide USO DE DOCUMENTO FALSO G GERENTE Crime contra a ordem tributária - Vide HABEAS CORPUS H HABEAS CORPUS 352 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002 Crime contra a ordem tributária. Omissão. Recolhimento. Contribuição previdenciária. Atipicidade. Gerente. Absolvição. Diversidade. Ação penal. Responsabilidade penal. Inexistência. Trancamento da ação penal..........................212 HIPOTECA Vide ARREMATAÇÃO HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Medida Provisória. Impedimento. Pagamento. Inaplicabilidade. FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço). Lei nova. Irretroatividade da lei. Garantia constitucional. Direito adquirido...........................280 Sucumbência. Proporcionalidade. Embargos de declaração. Omissão. Inocorrência. Reexame. Matéria. Descabimento. Prequestionamento. PIS (Programa de Integração Social). Correção monetária. Base de cálculo........................................................................258 Vide SERVIDOR PÚBLICO I IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais) Vide TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL IMPORTAÇÃO CLANDESTINA Vide DIREITO AUTORAL IMPOSTO DE RENDA Incidência. Lucro líquido. Acionista. Sociedade anônima. Inconstitucionalidade. Compensação de crédito tributário. Lançamento por homologação. Legitimidade ativa. Empresa. Repetição de indébito. Correção monetária. Juros moratórios. Taxa. Selic..................................................299 Incidência. Patrimônio. Constituição do crédito tributário. Decadência. Inexistência. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Prova testemunhal. Indeferimento. Multa fiscal. Aplicação. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002 353 Honorários advocatícios. Sucumbência recíproca....................................................307 Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social) Vide LEGITIMIDADE DE PARTE ÍNDIO Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA Autorização. Aplicabilidade. Investigação. Crime organizado. Comunicação. Réu. Advogado. Sigilo. Obrigatoriedade. Prova. Legalidade. Princípio da Proporcionalidade..................................................200 INTIMAÇÃO PESSOAL Vide CUSTAS PROCESSUAIS IRRETROATIVIDADE DA LEI Vide HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS L LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO Execução fiscal - Vide RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA LEGITIMIDADE DE PARTE Legitimidade ativa. Associação de classe. Mandado de segurança coletivo. Índice de correção monetária. Imposto de Renda retido na fonte.............................274 Questão de ordem. Ação rescisória. Pensão por morte. Servidor público. INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social). Ilegitimidade passiva. INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Citação. União Federal..............................................................................................255 Vide ARREMATAÇÃO Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA Vide ESTELIONATO 354 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002 Vide IMPOSTO DE RENDA Vide PRORURAL (Programa de Assistência ao Trabalhador Rural) M MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO Associação de classe – Vide LEGITIMIDADE DE PARTE MULTA FISCAL Vide IMPOSTO DE RENDA N NOVAÇÃO Vide SFH (Sistema Financeiro da Habitação) P PARTICIPAÇÃO Vide ESTELIONATO PECULATO Vide ESTELIONATO PENA DE MULTA Vide DIREITO AUTORAL Vide USO DE DOCUMENTO FALSO PENSÃO POR MORTE Servidor público – Vide LEGITIMIDADE DE PARTE Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO PODER DE POLÍCIA Vide TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL PREQUESTIONAMENTO Vide HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002 355 PRESCRIÇÃO Interrupção de prazo – Vide RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA Vide ESTELIONATO PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL Ato Administrativo – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO Vide USO DE DOCUMENTO FALSO PRINCÍPIO DA ISONOMIA Vide SERVIDOR PÚBLICO PRISÃO PREVENTIVA Tráfico de entorpecente. Excesso de prazo. Constrangimento ilegal. Inocorrência. Exame de dependência toxicológica. Diligência. Requerimento. Réu. Demora. Justificação. Crime hediondo. Incompatibilidade. Liberdade provisória......................................216 PROCESSO PENAL Vide DANO MORAL PRORURAL (Programa de Assistência ao Trabalhador Rural) Comércio. Produto agrícola. Inexigibilidade. Compensação de crédito tributário. Ilegitimidade ativa. Empresa adquirente. Sub-rogação. Contribuinte. Responsabilidade tributária. Recolhimento. Contribuição previdenciária. Enriquecimento ilícito. Impossibilidade. Legitimidade ativa. Produtor rural. Repetição de indébito. Substituição tributária. Inocorrência. Fato gerador. Coincidência. Imposto. Possibilidade. Lei complementar. Desnecessidade. Prazo nonagesimal..........................................323 PROVA Prova emprestada - Vide ESTELIONATO Prova testemunhal - Vide IMPOSTO DE RENDA Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO 356 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002 Vide INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA R REAJUSTE Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO Vide SERVIDOR PÚBLICO Vide SFH (Sistema Financeiro da Habitação) REDIRECIONAMENTO Execução fiscal – Vide RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA REPETIÇÃO DE INDÉBITO Vide IMPOSTO DE RENDA RESERVA DE VAGA Vide CONCURSO PÚBLICO RESPONSABILIDADE CIVIL União Federal. Militar. Suicídio. Culpa exclusiva da vítima. Nexo causal. Inocorrência...........................................................................................97 Vide DANO MORAL RESPONSABILIDADE PENAL Crime contra a ordem tributária - Vide HABEAS CORPUS Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA Vide DANO MORAL RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA Solidariedade. Terceirização. Prestação de serviços. Redirecionamento. Execução fiscal. Devedor solidário. Lançamento tributário. Necessidade. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002 357 Interrupção de prazo. Prescrição. Efeito jurídico......................................................295 Vide PRORURAL (Programa de Assistência ao Trabalhador Rural) S SALDO DEVEDOR Vide SFH (Sistema Financeiro da Habitação) SERVIDOR PÚBLICO Reajuste. Princípio da Isonomia. Medida Provisória. Aplicabilidade. Honorários advocatícios............................................................................................100 Vide ESTELIONATO SIGILO Vide INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA SFH (Sistema Financeiro da Habitação) Execução extrajudicial. Novação. Dívida. Onerosidade. Título executivo. Nulidade. Violação. Direito do Consumidor. Índice de correção monetária. Saldo devedor. Reajuste. Prestação............................81 Execução extrajudicial. Suspensão. Praça pública. Processo cautelar. Garantia constitucional. Direito de defesa................................................................268 Execução judicial. Embargos do devedor. Efeito suspensivo. Aplicabilidade. Garantia. Direito de defesa. Mutuário.......................................................................266 SUBFATURAMENTO Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA SUBSTITUIÇÃO DA PENA Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA Vide DIREITO AUTORAL Vide ESTELIONATO Vide USO DE DOCUMENTO FALSO 358 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002 SUICÍDIO Vide RESPONSABILIDADE CIVIL SUPERMERCADO Vide DIREITO DO CONSUMIDOR SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO Vide USO DE DOCUMENTO FALSO SUSPENSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO Vide EXECUÇÃO FISCAL T TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais). Fato gerador. Poder de polícia. Autarquia. Valor. Observância. Quantidade. Prejuízo. Princípio da Isonomia. Princípio da Proporcionalidade........317 TERMO INICIAL Pensão por morte – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO TRÁFICO DE ENTORPECENTE Vide PRISÃO PREVENTIVA TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL Crime contra a ordem tributária - Vide HABEAS CORPUS U UNIÃO ESTÁVEL Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO USO DE DOCUMENTO FALSO Documento público. Estelionato. Tentativa. FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço). Saque. Conta vinculada. Princípio da Consunção. Aplicabilidade. Suspensão condicional do processo. Impossibilidade. Circunstâncias judiciais. Prescrição da pretensão punitiva. Inocorrência. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002 359 Dosimetria da pena. Maus antecedentes. Substituição da pena. Pena de multa. Fixação.............................................................................................130 V VALOR DA CAUSA Vide CUSTAS PROCESSUAIS 360 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002 ÍNDICE LEGISLATIVO R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 343-360, 2002 361 BRanca 362 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 361-366, 2002 Código de Defesa do Consumidor Artigo 6º........................................................................................................ 71 Artigo 31....................................................................................................... 71 Artigo 51....................................................................................................... 81 Código de Processo Civil Artigo 20.............................................................................................. 100/307 Artigo 105................................................................................................... 283 Artigo 257................................................................................................... 271 Artigo 267............................................................................................ 255/271 Artigo 301................................................................................................... 283 Artigo 730................................................................................................... 291 Código de Processo Penal Artigo 43....................................................................................................... 93 Artigo 66..................................................................................................... 212 Artigo 368................................................................................................... 109 Código Penal Artigo 29..................................................................................................... 126 Artigo 44....................................................................................... 109/115/130 Artigo 50..................................................................................................... 109 Artigo 109................................................................................................... 126 Artigo 115............................................................................................ 126/175 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 361-366, 2002 363 Artigo 171.......................................................................109/115/126/130/186 Artigo 184................................................................................................... 160 Artigo 297................................................................................................... 109 Artigo 304................................................................................................... 130 Código Tributário Nacional Artigo 186................................................................................................... 261 Constituição Federal/1988 Artigo 5º........................................................................................ 268/274/280 Artigo 37....................................................................................................... 63 Artigo 109............................................................................................ 160/243 Artigo 201................................................................................................... 239 Decreto nº 3.000/99 ................................................................................... 307 Decreto nº 3.298/99 ..................................................................................... 97 Decreto-Lei nº 70/66 ................................................................................. 268 Lei nº4.728/65 Artigo 4º........................................................................................................ 93 Lei nº 5.741/71 Artigo 5º...................................................................................................... 266 Lei nº 6.368/76 .......................................................................................... 216 Lei nº 7.492/86 Artigo 16..................................................................................................... 166 Lei nº 7.691/88 .......................................................................................... 258 Lei nº 7.713/88 Artigo 35..................................................................................................... 299 Lei nº 7.787/89 364 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 361-366, 2002 Artigo 3º.................................................................................................................. 323 Lei nº 7.853/89 ................................................................................................ 97...................................................................................................................... Lei nº 8.072/90 Artigo 2º...................................................................................................... 216 Lei nº 8.137/90 ................................................................................... 150/175 Lei nº 8.212/91 .......................................................................................... 295 Lei nº 8.213/91 .......................................................................................... 225 Artigo 16..................................................................................................... 234 Artigo 74.............................................................................................. 230/234 Lei nº 8.383/91 Artigo 66..................................................................................................... 299 Lei nº 8.870/94 .......................................................................................... 323 Lei nº 8.880/94 .......................................................................................... 100 Lei nº 9.296/96 .......................................................................................... 200 Lei nº 9.784/99 Artigo 54..................................................................................................... 246 Lei nº 10.165/2000 ................................................................................... 317 Lei Complementar nº 11/71 Artigo 15..................................................................................................... 323 Medida Provisória nº 583/94 ................................................................... 100 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 361-366, 2002 365 Medida Provisória nº 746/94 ................................................................... 100 Medida Provisória nº 2.164-40/2001 ....................................................... 280 Medida Provisória nº 2.176-79/2001 ....................................................... 291 Portaria nº 4.273/97 do Ministério da Previdência e Assistência Social ......................................................................................................... 230 Súmula nº 17 do STJ ................................................................................ 109 Súmula nº 64 do STJ ................................................................................ 216 Súmula nº 162 do STJ .............................................................................. 299 366 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 45, p. 361-366, 2002