Liderança na Era do Conhecimento Cláudio Senna 1 O conhecimento é único bem de valor que possuímos que quanto mais nós o dividimos, mais ele aumenta. 2 BIBLIOGRAFIA 1- Rockwell, Theodore – The Rickover Effect: how one man make the difference - United States Naval Institute – Annapolis - 1992 2- Moreira Leite, Dante – O Caráter Nacional Brasileiro – São Paulo – Ed Ática – 1992 3- Maslow, Abraham H. – Motivation and Personality – Harper Collins Publishers – New York – 1987 4- Ribeiro, Darcy – O Povo Brasileiro – Ed. Shwarcz – São Paulo -1995 5- Blades, Jon W. – Rules for Leadership, inproving unit performance – National Defense University Press – Whashington DC – 1986 6- DePree, Max - Leadership is an art - Dell Publishing - 1989 3 LIDERANÇA NA ERA DO CONHECIMENTO Escapa-nos a verdade de que não são as leis escritas, fabricadas pelos jurisconsultos, as mais legítimas garantias de felicidade para os povos e de estabilidade para as nações. (Sérgio Buarque de Holanda) 1 - INTRODUÇÃO Este livro não é uma teoria sobre liderança, cuja elaboração estaria muito além de minha capacidade. Uma teoria implicaria modelar a liderança, algo que não vislumbro, pois as possibilidades e situações onde ela se insere são tão diversas e variadas que não podem ser encaixadas em qualquer modelo, sem limitar sua abrangência. Este livro é fruto da experiência direta em cargos de liderança e planejamento que exerci ao longo de minha carreira. Procurei elaborar um texto eminentemente prático, voltado mais para os profissionais – ou seja, os que têm que aplicar diariamente a liderança, quaisquer que sejam suas atividades - do que para os que apenas se dedicam a estudar o assunto. Acredito que essas ideias possam contribuir para que os primeiros ampliem sua capacidade de liderança. Penso que o tema liderança é cada vez mais importante, pois nos encontramos em um período de transição social, na qual deixamos para trás um modo de viver característico da era industrial e entramos em um novo modo de vida, voltado para a era do 4 conhecimento. A importância da liderança hoje em dia pode ser dimensionada pela diferença entre o processo de produção intelectual anterior e a atual. Tomemos como exemplo o trabalho de Isaac Newton. Newton formulou as teorias da matemática e da física que serviram de base para a revolução tecnológica que transformou a humanidade, levando-a de uma sociedade agrícola para uma industrial. Suas principais teorias foram produzidas em um período relativamente curto, de um ano, em 1697. Durante este período, o Trinity College, onde trabalhava, foi fechado por causa da peste negra e Newton ficou na residência de sua mãe. Após um ano trabalhando sozinho, e de modo surpreendente, ele havia concluído a formulação da lei gravitacional, das leis da física moderna, a decomposição da luz branca em cores e a base do cálculo diferencial. A partir das ideias de Newton começou uma transformação social sem precedentes, tendo a Inglaterra como matriz inovadora. O surpreendente no caso de Isaac Newton foi o fato de que ele trabalhou sozinho e de forma reclusa para formular suas criações. Na era industrial que se seguiu, muitas vezes esse mesmo modelo, de criação individual foi repetido. Se tentarmos imaginar quais foram os principais produtos da era industrial, você provavelmente se lembrará dos seus inventores. O avião foi inventado por Santos Dumont; a lâmpada por Thomas Edison; a máquina a vapor por James Watt; o rádio por Marconi e o motor diesel por Rudolf Diesel. 5 Se pensarmos nas principais descobertas teóricas que ocorreram na era industrial também veremos que, na maior parte das vezes, estão associadas a um indivíduo. A teoria da relatividade foi descoberta por Einstein; a psicanálise por Freud; o raio X por Rontgen e a penicilina por Fleming. Por outro lado, se pensarmos nos principais inventos da era atual, dificilmente se encontrará em nossa memória o nome de seus inventores. Pensemos em três dos mais importantes: o celular, a internet e o genoma. Será que você é capaz de apontar os inventores/descobridores envolvidos? Provavelmente não. Nós não conseguimos apontar o indivíduo responsável por esses avanços pelo simples fato de que essas descobertas não foram fruto do trabalho de uma única pessoa, mas sim um longo trabalho coletivo, envolvendo inúmeros pesquisadores e cientistas. No caso do genoma, uma descoberta importantíssima, ela foi um trabalho que envolveu inúmeras equipes de cientistas espalhados pelo globo. A principal diferença que vemos nesses exemplos entre a era anterior e a atual é que hoje é indispensável o trabalho coletivo, a partir de equipes, para se criar qualquer coisa nova. E isso não se aplica apenas ao trabalho de inovação, no dia-a-dia das empresas essa é, também, uma característica visível. A vida profissional nos dias atuais demanda, na maioria das vezes, o trabalho em equipe. E para conseguir que um grupo de pessoas coordene suas atividades, 6 some suas capacidades e alcance objetivos comuns, o papel da liderança torna-se fundamental. A era do trabalho individual está ultrapassada, no mundo contemporâneo, com suas complexidades, é preciso formar equipes para criar algo que seja relevante. É nesse contexto que considero a importância da liderança. A liderança se tornou em nossa era um fator estratégico de desenvolvimento. Nunca foi tão importante termos líderes. Uma boa ideia não é suficiente para alterar uma situação. É preciso um longo e complexo trabalho em equipe para realizar as coisas. É claro que nas eras anteriores houve necessidade de líderes, e temos diversos exemplos de grandes lideranças que fizeram a diferença. Mas, de um modo geral, no dia-a-dia das empresas e organizações do passado, a liderança era voltada para que as pessoas fizessem algo imaginado pelo líder. Elas perseguiam os objetivos traçados por um líder talentoso ou cumpriam instruções detalhadas em uma linha de montagem industrial. O trabalho da maior parte das pessoas era repetitivo e dispensava criatividade. Hoje a situação é outra. Estamos, mais ainda, necessitando de líderes competentes, mas para desempenhar um papel diferente daquele que era necessário anteriormente. Os líderes atuais devem ser capazes, principalmente, de aglutinar talentos e fazer com que eles produzam serviços e produtos complexos de forma coordenada e criativa. O líder não detém o monopólio do conhecimento e do saber, mas possui a obrigação de coordenar os talentos de uma equipe. Seja 7 na gestão de um projeto complexo de tecnologia, seja na administração de uma pequena empresa logística, há necessidade de que a equipe tenha capacidade de inovar e solucionar criativamente os problemas que surgirem. Nós brasileiros, de uma maneira geral, pensamos que somos criativos. Temos muitas ideias boas e ficamos satisfeitos com isso. Acontece que ideias não são suficientes para fazer as coisas acontecerem; elas são apenas uma parte do caminho. A ideia é, na verdade, a parte imaginativa, lúdica, da criatividade. Para ser criativo, temos que possuir essa capacidade imaginativa; mas outra capacidade, igualmente importante, não pode ser desprezada. Não podemos esquecer a parte concreta da criatividade, que é a capacidade de transformar a imaginação em realização. Nossa sociedade produz inúmeras ideias, mas quando partimos para a realização, já não somos tão bons assim. Outras sociedades, menos imaginativas, conseguiram alcançar níveis de bem-estar superiores ao do Brasil, principalmente pela sua capacidade de realização. Para que essa combinação entre o imaginativo e o concreto “pegue liga” e gere o que é realmente a criatividade, é necessário que entre em cena a liderança. Para fazer uma analogia, vamos supor que exista um caminho entre a ideia e a realização. Esse caminho nunca é uma estrada perfeitamente asfaltada e com boa sinalização, mas, pelo contrário, cheia de buracos e desvios, sem qualquer indicação. O ônibus que vai nos 8 levar não tem ar condicionado e, logo na primeira meia hora, uma dúzia de passageiros já começa a reclamar do calor e da poeira. Para chegar ao destino, é preciso algo mais que, de maneira geral, é bastante trabalhoso. Como pensamos, erradamente, que as boas ideias são suficientes para resolver nossos problemas, damos pouca atenção a coisas como liderança. O resultado é que nosso ônibus fica pelo meio do caminho e as boas ideias viram apenas bons sonhos. Para termos um exemplo desse fenômeno, podemos olhar os nossos políticos. Quantas vezes não vemos um político falando coisas maravilhosas, diagnosticando os problemas com exatidão e apontando soluções inteligentes? Mas, logo depois de sua posse no governo, percebemos que suas ideias maravilhosas não conseguiram resolver as coisas tão bem como se esperava. Isso é típico e rotineiro. Tal falha acontece por acreditarmos que ideias boas são suficientes para resolver os problemas, que leis boas são capazes de modificar alguma situação. Isso é totalmente falso. Ideias não resolvem nada. Leis não modificam situação alguma. Somente as pessoas são capazes de modificar as coisas. É aí que a liderança faz mais falta. Acreditando em sua capacidade, os chefes, quase sempre, se esquecem de que não modificarão nada, hospitais públicos, não não atenderão quem quer que seja nos patrulharão as ruas de madrugada, não virarão o cimento para erguer obras, muito menos terão paciência com os alunos que não conseguem entender as matérias. Na verdade, quem vai, em uma primeira instância, transformar suas 9 ideias em realizações, são os seus funcionários, os quais ele deveria liderar. Nenhum chefe, por mais brilhantes que sejam suas ideias, vai alcançar o sucesso se não sair de seu gabinete, se não conseguir fazer com que seus funcionários trabalhem em equipe e coordenadamente para realizá-las. Paradoxalmente, alguns chefes não enxergam seus funcionários como os seus principais realizadores, mas, pelo contrário, como seus principais inimigos, vistos apenas como números, normalmente muito grandes, que atrapalham a montagem de seu orçamento. Pensando assim, não vão conseguir modificar realidade alguma. Não podemos nos esquecer que, para realizar, é preciso liderança, e liderar dá um bocado de trabalho. Vivemos em uma sociedade com muitas injustiças e desigualdades, com muitas carências e problemas e que vive um momento onde uma janela de oportunidade está se abrindo. Não podemos ficar, comodamente, justificando nossos problemas no passado que tivemos, em nossa herança histórica. As gerações que irão nos seguir não nos perdoarão se deixarmos escapar as oportunidades que estão se oferecendo hoje, agora. As organizações, tanto públicas como privadas, precisam ser mais eficientes, mais inovadoras e criativas, para que possamos alcançar o desenvolvimento. Nossos governos precisam melhorar e oferecer serviços de boa qualidade para a população. Nossas empresas precisam ser melhores, para crescerem e ajudarem a desenvolver a economia. A sociedade precisa de líderes competentes, que saibam 10 dar espaço para o talento e a criatividade que existe em abundância em nossa população. A presença da liderança, normalmente, faz a diferença entre o sucesso e o fracasso, entre o bom funcionamento de uma empresa ou a sua falência. Liderança é fundamental em qualquer área de atuação. Normas não produzem nada, técnicas de gerenciamento também não, uma rede de computadores de último tipo e acesso à Internet não garantem nada. O que produz são as pessoas. São elas que fazem acontecer, que podem conseguir o desempenho acima do esperado, superar as expectativas ou, por outro lado, colocar tudo a perder. Qualquer organização, pequena ou grande, estatal ou privada, militar ou civil, só terá sucesso se houver liderança. As pessoas podem trabalhar de forma coordenada, motivadas e satisfeitas, tendo pessoas de confiança a quem possam recorrer para tirar dúvidas ou contar seus problemas quando se sentirem em perigo. Nenhuma organização poderá crescer se ninguém aceitar o fato de que uma liderança é importante e que a melhor maneira de produzir líderes de qualidade é termos muitos líderes e muitas pessoas pensando nisso. Devemos aprender isso para poder crescer melhor. Com liderança efetiva, tiraremos melhor proveito das oportunidades e venceremos com menos traumas as dificuldades que aparecerem. Nosso ônibus vai passar pela estrada esburacada e perigosa e chegar ao seu destino. 11 2-LIDERANÇA É UMA CAPACIDADE O que é necessário para se fazer um trabalho não pode ser aprendido na sala de aula. É, principalmente, um problema de experiência, atitude e bom senso, e nada disso se aprende na sala. A experiência humana mostra que pessoas, e não organizações ou sistemas de gerência, fazem as coisas acontecerem. (Almirante H G Rickover)1 Se quisermos ter uma dimensão do que a liderança representa para o desempenho de um profissional, devemos considerá-la uma capacidade. Um profissional precisa ter capacidade de se comunicar bem por meio da fala e da escrita, para poder desempenhar seu trabalho. Esses são atributos fundamentais para a realização de quase todas as atividades humanas. O profissional que não consegue colocar no papel uma ideia, ou escrever um relatório de forma clara ou objetiva irá , de alguma forma, enfrentar problemas. Um funcionário que não consegue falar com clareza o que aconteceu quando a máquina que estava operando apresentou uma falha, também pode vir a ter problemas para progredir em sua empresa. Não há dúvidas de que a boa capacidade de expressão, pelo menos O Almirante Rickover foi o responsável pela construção do primeiro reator nuclear, transformando uma tecnologia até então sem utilidade ou aplicação além da bomba em algo que pudesse gerar eletricidade. 12 de forma clara e objetiva, ainda que puramente gestual, é importante para o exercício de qualquer atividade. Com a liderança ocorre o mesmo. Assim como a fala, a escrita e a expressão corporal, a liderança nada mais é que uma capacidade. Uma capacidade importante para quase todos os profissionais. Para ter um bom desempenho profissional, é fundamental conseguir trabalhar em equipe e, principalmente, chefiar uma equipe, quando necessário. As organizações precisam de pessoas com essa capacidade desenvolvida. É a essas pessoas que ela vai confiar tarefas que necessitem do trabalho de equipes, congregando indivíduos de diferentes formações e setores, para alcançar os seus objetivos. Desde já é importante saber-se que, diferentemente do que muitos possam pensar, a liderança não é um “dom”, uma característica que já nasce com alguns privilegiados e que falta em outros. Isso não é, absolutamente, a verdade. Não existe a menor possibilidade de que uma pessoa não possa desenvolver a sua capacidade de liderança. Em condições normais, todos temos esse potencial, que pode, ou não, vir a ser desenvolvido. Algumas pessoas, no entanto, sentirão dificuldade para desenvolver a capacidade de liderança. Nada mais natural. Assim como alguns têm dificuldade em falar em público e outros sentem dificuldade em escrever um relatório, a liderança também poderá ser algo que traga alguma dificuldade para ser desenvolvida. Mas difícil não significa impossível. Dizem que a liderança é uma capacidade 13 encontrada em todos e desenvolvida por poucos. Esse é um ponto importante. No momento em que se descobre que liderança não é um dom, uma inspiração que só alguns privilegiados possuem, estaremos começando a encarar a liderança como uma capacidade que pode e deve ser desenvolvida. Lembre-se que você não nasceu nem falando nem escrevendo, mas mesmo assim aprendeu. E esse aprendizado permitiu que você ampliasse suas possibilidades de realização. É muito parecido. A diferença entre a capacidade de liderar e a de expressar-se através da fala e da escrita é a forma como esta última se desenvolve. A liderança, diferentemente da fala, não se aprende apenas imitando os outros, mas, principalmente, observando a si mesmo. Observando como se age ou como o grupo com o qual se trabalha reage às nossas atitudes, vai-se aprendendo a liderar. A liderança, também, ao contrário da escrita, não se aprende com um professor, muito menos em sala de aula, pois ninguém consegue ensinar alguém a ser líder, a não ser o próprio indivíduo. Essas diferenças são importantes e não devemos nos esquecer delas. Liderança não pode ser imitada nem aprendida em bases teóricas. Mas, apesar dessas duas diferenças importantes, as similaridades da liderança com a capacidade de escrever e falar são muitas e bastante úteis para se extrair alguns exemplos. Primeiramente, vamos pensar na escrita. Você pode escrever um cartão para a namorada, um e-mail para um colega de trabalho, 14 uma carta para um cliente ou um relatório para o seu chefe. São quatro situações bastante diferentes e você, naturalmente, vai utilizar estilos de escrita diferentes. Em todas as situações é a mesma pessoa que está escrevendo, mas os estilos são diferentes. Na liderança ocorre algo parecido. Cada situação requer uma abordagem diferenciada. Chefiar sua divisão com pessoas que você já conhece há muitos anos vai demandar uma atitude diferente da que seria adotada ao representar sua empresa em uma reunião com clientes estrangeiros. Orientar um grupo de novos funcionários é bem diferente da tarefa de chefiar um grupo de trabalho com pessoas de outras filiais que vieram de diversos estados para tentar solucionar um problema. Em todas essas situações, a mesma pessoa estará em posição de liderança, mas a postura, a atitude, será diferente em cada situação. Assim como o ato da escrita se renova a cada texto novo, a capacidade de liderança também se transforma a cada nova oportunidade. Com a prática, a capacidade de liderar vai sendo aperfeiçoada e começamos a perceber que cada situação merece uma abordagem diferente, para que o trabalho da equipe possa alcançar o melhor desempenho. Pensando agora na fala, percebemos que, da mesma forma que a escrita, adotamos modos diferentes de falar, que variam de acordo com a situação. Quando falamos, levamos em conta dois aspectos distintos: 15 Primeiro, adaptamos nossa linguagem ao ouvinte. Quando é um adulto, a linguagem que utilizamos emprega termos compatíveis com o seu nível cultural, para que possamos ser compreendidos. Se nos dirigimos para uma criança, utilizaremos termos que ela seja capaz de entender. Agindo dessa maneira, adaptando o discurso ao ouvinte, nosso objetivo é obter o sucesso na transmissão de nossas ideias. Similarmente, a liderança também deve considerar quem são os subordinados, para condicionar o modo de agir do líder. Subordinados com elevado grau de maturidade (não confundir com idade cronológica), que têm experiência, sabem suas atribuições perfeitamente e demonstram um elevado senso de responsabilidade e dever, demandarão uma liderança específica. Já um grupo de novatos, sem experiência e sem vínculos fortes com a organização deverão receber outro tipo de liderança. Por outro lado, quando falamos, além de nos adaptarmos ao nosso ouvinte, modificamos o nosso modo de falar de acordo com o ambiente. Quando conversamos com colegas de trabalho na hora do lanche, adotamos uma atitude bem diferente do que se estivéssemos com esses mesmos colegas, no auditório da empresa, apresentando uma palestra sobre nosso novo projeto. Nesse caso, embora os ouvintes sejam os mesmos, nossa atitude é bem diferente. Podemos dizer que adaptamos a nossa postura de acordo com a situação, levando em consideração, não apenas o ouvinte, mas também o ambiente em que estaremos inseridos. 16 Com a liderança ocorre o mesmo. O modo como será exercida a liderança deve levar em conta quem são os seus subordinados e qual o ambiente em que essa liderança estará sendo exercida. Essas adaptações são muito mais frequentes do que pensamos. Um gerente chega ao seu escritório e se reúne com seus 3 subordinados diretos para falar sobre as atividades do dia. Nessa ocasião sua postura será uma. Logo em seguida, ele comparece a uma reunião com os 5 novos estagiários que começam a trabalhar essa semana para passar suas orientações. Sua postura será totalmente diferente. Embora os seus princípios, a sua ética profissional e os objetivos da organização sejam os mesmos, sua atitude será diferente. Ele muda sua atitude para que, de uma forma eficaz, possa obter o melhor desempenho de seus subordinados. Esse desempenho estará vinculado à sua capacidade de perceber as mudanças nas situações e se adaptar de maneira adequada. De maneira geral, podemos dizer que, na reunião com os seus subordinados diretos, que ele conhece há muito tempo e que já sabem bem suas responsabilidades, o gerente vai transmitir suas orientações através de objetivos a alcançar. Para os estagiários recém chegados, entretanto, sua orientação será por meio de tarefas a empreender, pois os novatos não possuem maturidade profissional, nem conhecimento organizacional, para realizar sua função orientada puramente por objetivos. 17 Pelo exemplo acima, podemos entender que o líder deve guiar sua conduta para atender às necessidades de seus subordinados. Sua orientação, além de manter-se fiel aos objetivos da organização, deve ser orientada para permitir que seus subordinados possam saber o que deve ser feito e possibilitar que atinjam o melhor desempenho possível. O bom líder entende que suas atitudes devem se adaptar com a situação e que, no fundo, todo líder também está a serviço de seus subordinados. A capacidade de liderar, diferentemente do que alguns pensam, não é um dom, mas um potencial latente em todas as pessoas. Algumas desenvolvem esse potencial plenamente, outras não. De qualquer forma, a capacidade de liderança não é uma atividade fixa e concreta, pois sua eficácia pode variar de situação para situação. O bom líder entende isso e sabe que cada situação é um novo desafio, diferente de todos os anteriores, e que a solução não pode ser copiada de uma situação para outra. Saber desenvolver sua capacidade de liderança e adaptar-se a diferentes situações deve ser uma preocupação constante de todo profissional. 18 3-LIDERAR NÃO É MANDAR Nós, latinos, quando governamos, vamos a extremos: muita ordem e pouca liberdade ou muita liberdade e pouca ordem. (Muñoz Martin) A maior habilidade de um líder é desenvolver habilidades excepcionais em pessoas comuns. (Abraham Lincon) Na Marinha, aquele que ocupa o mais alto posto em um navio é chamado de Comandante. Isso não é à toa. Quando se assume a função de Comandante, assume-se, também, uma enorme responsabilidade. A partir daquele momento, tudo o que acontecer, de bom ou de ruim, no seu navio, será responsabilidade do Comandante. Se houver um acidente, independente de quem tenha sido o culpado, o Comandante será o responsável. Se ocorrer uma avaria nos motores, acarretando um prejuízo de grande valor, causada por uma manutenção inadequada, o Comandante será o responsável. Se ocorrer uma manobra com tanques no final de semana e o navio afundar por erro do pessoal que estava de serviço, o Comandante, mesmo ausente, será o responsável. Se um relatório sair do navio com dados incorretos, o Comandante será chamado a ter mais atenção. É bom saber disso logo. Quanto mais cedo se aprende, melhor. Responsabilidade não é culpabilidade. Responsável é aquele que dará as explicações, que vai responder pelos erros, independentemente de ter sido o culpado ou não. Todos os 19 Comandantes sabem disso e serão sempre os primeiros a ser questionados quando qualquer coisa acontecer. Na vida corporativa ocorre a mesma coisa, há cargos nos quais você é o responsável por tudo o que acontece. Um gerente de projeto, um presidente de empresa, por exemplo, devem entender essa questão e saber que o escopo de sua responsabilidade vai muito além de seus atos. Sua responsabilidade abrange também os atos e resultados de seus subordinados. Para assumir toda essa responsabilidade e dormir com alguma paz de espírito, é preciso saber o que fazer, para manter seu navio trabalhando de maneira correta. Para que um navio cumpra sua função (além de diversas coisas não darem errado) é preciso desempenhar bem muitas atividades. Devemos ter equipes de manutenção altamente qualificadas, para assegurar que nenhum equipamento vá falhar em alto mar, no momento em que mais se precisar dele. É necessário ter um bom time de navegação, que mantenha as cartas náuticas atualizadas com as modificações constantes que são divulgadas, que saiba empregar todos os recursos disponíveis, para que o navio navegue por águas seguras e trabalhe em harmonia e com precisão. É preciso, também, ter bons oficiais de manobra, aqueles que conduzirão o navio quando o Comandante estiver descansando, comendo ou fazendo qualquer outra atividade que não seja manobrar (na verdade, o Comandante não fica muito tempo manobrando o navio, pois tem sempre outras coisas para fazer). No caso de um navio de guerra, vai precisar de 20 uma boa equipe tática, que saiba empregar o navio em situações de combate. Enfim, um Comandante tem sempre muitas preocupações, muitas coisas para fazer, muitas pessoas para fiscalizar, muitas atividades para verificar e, infelizmente, nunca pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. Ele vai saber que não conseguirá fazer tudo e estar presente sempre que for necessário. Sua tripulação é que vai fazer a maior parte das tarefas e ele dependerá dela para ter sucesso. Vai ser necessário que cada um, independentemente de o Comandante estar por perto, faça as coisas de maneira correta e responsável. Nos navios, mesmo os marinheiros mais novos, com pouca experiência, terão tarefas importantes a fazer que, caso não sejam feitas corretamente, poderão comprometer uma missão ou colocar pessoas e materiais em risco. O Comandante percebe que mandar não é suficiente. Se tudo que tiver de ser feito depender de uma ordem do Comandante, nenhum navio conseguirá, sequer, largar do cais. O Comandante terá que desenvolver sua habilidade de liderança. É nesse momento que entra a diferença entre mandar e comandar. Quando se manda, espera-se que a pessoa que recebe a ordem vá fazer exatamente o que foi instruído. Nem mais, nem menos. Isso, obviamente, não é suficiente. Quando há liderança, consegue-se desenvolver algo a mais nas pessoas. É o que se pode chamar de “iniciativa consciente”. Cada um, dentro da organização, desenvolve o senso de dever e reconhece que 21 suas tarefas são importantes e devem ser feitas da melhor maneira possível, independentemente de haver fiscalização sobre o trabalho realizado. Esse sentimento, em um navio, é indispensável. Nos navios, as pessoas são sempre em número limitado e não sobra muito tempo para acompanhar tudo o que é feito, pois todos têm sempre muito o que fazer. Deve-se inspecionar as coisas mais importantes e perigosas, mas nunca é possível inspecionar todos os trabalhos. Quando as pessoas começam a ser responsáveis pelo seu trabalho e desenvolvem a iniciativa, percebem-se duas coisas bem distintas. Primeiro, as tarefas passam a ser feitas automaticamente, independentemente de alguém dar a ordem. Segundo, as tarefas são bem feitas, mesmo que não haja uma fiscalização ameaçadora para apontar qualquer falha. O comando envolve, então, não apenas a vontade do Comandante, mas a vontade e a dedicação dos subordinados. Essa comunhão de vontades é o caminho mais eficaz para se alcançar a excelência no desempenho. Não é à toa que a Marinha nomeia Comandantes, e não “mandantes”. Um bom Comandante é sobretudo alguém presente. O fato de não conseguir estar em todos os lugares não quer dizer que sua presença não faça falta. Ficar em seu camarote ou na sua cadeira no passadiço é muito cômodo, mas não vai ajudá-lo a comandar. O empresário que fica apenas no seu escritório, atrás de uma bela mesa com um computador de último tipo, mandando e-mails para os seus funcionários, também estará falhando nas suas atribuições. É preciso 22 estar presente, visitar todos os setores, conhecer o trabalho do seu pessoal, saber que, quando é preciso ligar uma bomba na praça de máquinas, o eletricista faz um bocado de esforço. Saber como estão as ferramentas que o pessoal anda empregando, se elas são as melhores que se pode oferecer. Conhecer os equipamentos de segurança que são utilizados e seu estado de conservação. Verificar se os manuais são bem elaborados e se os técnicos receberam os ensinamentos necessários para realizar seu trabalho. Constatar se os treinamentos são bem ministrados, se os instrutores são bem formados e sabem o que estão ensinando. Sempre que for possível, deve ir até o local onde foi realizada uma tarefa difícil, elogiando quando for bem feita e criticando quando for necessário. Cada um de nós sente necessidade de ter o trabalho reconhecido. É muito desestimulante fazer um enorme esforço para realizar uma tarefa e ninguém se importar com isso. Mesmo que seja necessária uma correção no que foi feito, mesmo que seja necessário melhorar ou até mesmo fazer tudo de novo, assim mesmo será melhor do que a ausência de qualquer observação - a indiferença. Para liderar é necessário ouvir muito. Conversar com o pessoal de todos os níveis dentro da organização. Quando se conversa, normalmente as pessoas falam aquilo que mais as incomoda, que mais as preocupa. Não tente se enganar atrás de uma bela tela de computador, ela vai mentir para você muitas vezes. Reuniões formais também produzem grandes ilusões, muitas coisas deixam de ser ditas 23 ou o são de forma amena, quando se tem que assinar uma ata de reunião. Os corredores, sim, esses não mentem nunca; é onde as verdades das empresas e organizações são faladas sem pudor. Quando algum assunto começa a ser falado nos corredores, deve-se ter atenção. Um bom líder está sempre em contato com os subordinados, para que estes saibam exatamente como você quer as coisas, qual o seu nível de exigência, onde quer chegar. A presença do Comandante dará à tripulação do navio a referência de que se precisa para desenvolver o trabalho de equipe. Ao estar presente, verificando, corrigindo e direcionando as diversas tarefas realizadas, o líder estará valorizando o trabalho de seus subordinados, fazendo com que cada um sinta a importância do que está realizando, e assim possa se orgulhar dos bons resultados. Quando o orgulho de seu próprio trabalho começa a ser percebido, esse é um ótimo sinal; indica que está nascendo o “sentimento de dono”. Esse sentimento é o zelo e a dedicação que cada um nutre por sua contribuição. Nesse momento o chefe deixa de ser um “mandante” e passa a ser o verdadeiro Comandante. Nós, brasileiros, costumamos associar a liderança à ideia de obediência ao ato de mandar. Essa associação é equivocada; o conceito de liderança deve estar diretamente associado ao de desempenho. Essa é uma diferença fundamental. Para que uma equipe ou uma organização alcance o sucesso e tenha um bom 24 desempenho, é preciso que sua liderança esteja comprometida em desenvolver algo que vai muito além da obediência, algo que esteja diretamente relacionado com a capacidade pessoal e permita ao grupo alcançar objetivos e superar expectativas. Acreditar que o bom líder é o que consegue desenvolver a obediência na sua equipe é um erro. A verdadeira liderança existe quando cada tripulante do navio ou membro de uma equipe consegue desenvolver seu potencial e alcançar o melhor desempenho possível, contribuindo para a excelência de sua organização, independente de seu chefe estar ou não dando ordens e fiscalizando. Henry Ford foi um dos maiores industriais americanos. Ele dizia que, em suas fábricas, não queria dois tipos de funcionários: “aqueles que não cumprem ordens e aqueles que só cumprem ordens”. Liderar não é mandar, é comandar. 25 4-INTEGRIDADE Quando estou fraco, então é que sou forte. (Coríntios 12:10) Benito Mussolini foi um ditador. Seu plano era transformar a Itália em uma grande potência, anexar territórios e expandir a economia. Para isso era necessário muito trabalho. Sua política envolvia um enorme esforço de marketing que pretendia manter a população absorvida por suas ideias, através da esperança e do medo. A esperança seria responsável por manter a impressão de que os enormes sacrifícios exigidos eram necessários para garantir um futuro melhor. O medo se encarregaria de manter o mesmo comportamento naqueles cuja esperança já tivesse ido embora. Em Roma, a capital, todos os italianos que passavam pela rua em frente ao prédio do governo percebiam que a luz do escritório do governante ficava acesa até a madrugada. Era possível presumir que o “Duce”, como Mussolini era chamado, estava trabalhando pelo bem do país, sacrificando seu merecido descanso. Após ter sido derrubado do poder, descobriu-se que, na verdade, Mussolini dormia bem cedo; seu empregado era encarregado de manter o escritório aceso e apagar a luz somente quando já era bem tarde. Liderança efetiva é algo bem diferente do exemplo acima. A integridade é fundamental para que uma relação de confiança e respeito seja estabelecida. Muito mais importante do que o trabalho 26 de marketing ou o relacionamento pessoal é a manutenção da integridade de suas atitudes com os valores que se defende. Valores e atitudes devem estar coerentes para que se tornem a base de uma liderança. No caminho do estabelecimento da liderança existem algumas armadilhas em que não devemos cair. A primeira delas é pensar que a liderança é a obediência de um grupo a uma pessoa. Mais importante do que desenvolver a fidelidade ao líder é fazê-lo para com valores. Se o líder defende determinados valores, suas atitudes são coerentes com eles e as pessoas os assumem sim, terá sido como seus, aí estabelecida a liderança efetiva. Os indivíduos que a História consagrou como grandes governantes tiveram, quase todos, como característica comum, a continuidade de seus projetos, mesmo após suas saídas dos cargos. Percebe-se, assim, que uma boa liderança adquire caráter permanente, transcendendo o líder e mantendo a continuidade dos valores implantados. Esse fenômeno pode ser notado em qualquer nível administrativo, seja em um país ou em uma empresa. Um grande líder deixa o seu cargo, é transferido de função, mas o seu modo de trabalho e suas ideias permanecem entre aqueles que compuseram sua equipe. É muito comum encontrar-se determinados departamentos de uma empresa que trabalham orientados por valores sólidos e de forma eficiente. Quando se procura o responsável por esse comportamento, somos surpreendidos pela descoberta de que o idealizador e implementador 27 desse modo de trabalho já deixou o departamento há muito tempo. É comum que o líder associe à sua pessoa os valores e ideias que defende; isso é normal e não costuma causar embaraços; todavia, se ele pensar que o culto à sua pessoa é mais importante que aos valores que defende, estará cometendo um equívoco sério, que poderá levar sua equipe a depender exclusivamente dele, ou de sua presença, para as coisas saírem bem. Integridade é um compromisso muito sério que assumimos com nós mesmos. Para sermos íntegros e decidirmos de acordo com nossos valores, temos que ter a coragem de enfrentar as resistências que sempre aparecem. Não adianta se iludir, ninguém consegue agradar a todos. Tentar agradar a todos é impossível e antiproducente. Não se consegue liderar agradando a todo mundo. Se fizermos isso, seremos obrigados a variar nossos valores ao sabor das situações e mudar nossas ideias a todo momento, para não contestarmos ninguém. Agindo dessa forma, pessoas que não merecem serão tratadas da mesma maneira que aqueles que mais se dedicam e se comprometem com o trabalho. Se você tenta agradar a todos, os mais importantes para sua equipe serão justamente aqueles que ficarão mais decepcionados com sua atitude. Não se deve evitar confrontos com quem deve ser confrontado, com pessoas que não estão preocupadas com valores, e muito menos, com integridade. Como resultado final, sua liderança será superficial e o desempenho de sua equipe, medíocre. Para liderar de verdade é 28 preciso enfrentar quem deve ser enfrentado, desagradar quem deve ser desagradado, corrigir quem deve ser corrigido e tomar todas as atitudes com imparcial justiça. Não vou escrever um livro dizendo que a liderança não trás nenhum aborrecimento e que tudo pode ser conseguido de maneira fácil e sem tensões envolvidas; estaria sendo falso se fizesse isso. Qualquer equipe de trabalho tem suas próprias tensões e atritos que necessitam ser superados pelo líder. Ter coragem para enfrentar essas situações é uma característica indispensável. A coerência entre valores e atitudes facilitará a importante transmissão do exemplo. Não há necessidade de forçar situações e tentar passar a ideia de que o líder é um ser perfeito, que trabalha mais que todos e está acima dos outros mortais. Se suas atitudes são coerentes com os seus valores, o exemplo é passado naturalmente. As pessoas em posição de liderança acabam sendo colocadas em situação de destaque e passam a ser observadas pelo seu grupo com maior atenção. Nos momentos de decisão, suas escolhas serão cuidadosamente observadas. Essas são as melhores oportunidades de transmitir para a equipe os valores em que se acredita. Não adianta ter um discurso bonito, se é desvinculado de suas atitudes. Principalmente, é nos momentos de decisão que esse vínculo entre discurso e atitude é verificado. O exemplo dado pelo líder é, naturalmente, absorvido pelos seus liderados. Liderar sem dar bom exemplo é muito difícil. 29 Embora o bom exemplo seja uma grande força a favor da liderança, o líder deve ter muito cuidado com a força do mau exemplo, pois esta costuma ser muito mais poderosa. O grupo observa da mesma forma os bons e os maus exemplos do líder. Se ele assumir um comportamento que julgar importante para sua equipe, alguns, ao observá-lo, comentarão o seu exemplo. Por outro lado, se ele se comportar de maneira incorreta e contra os valores que defende, todos irão notar e comentar seu deslize. As notícias de um chefe fazendo algo errado se espalham mais rapidamente do que “spam” na internet. Alguns irão abandoná-lo, caso sintam que suas atitudes estão ferindo os valores pessoais dos subordinados. Outros aproveitarão seu mau exemplo para justificar suas próprias atitudes erradas. Um mau exemplo de um líder porá o trabalho de um longo período a perder. Tão importante quanto dar bons exemplos é, acima de tudo, policiar-se para não dar maus exemplos. Ser uma pessoa íntegra, coerente com seus valores, permitirá que suas atitudes sejam exemplos positivos em todas as situações. Finalmente, ser íntegro significa agir coerentemente com os seus valores nas mais diversas situações, independentemente de esses valores facilitarem ou dificultarem as coisas. Não é possível ser um líder, cobrando das pessoas uma atitude econômica na manutenção de seus ambientes de trabalho, e realizar obras luxuosas em sua sala. Também não é possível cobrar pontualidade das pessoas 30 na obediência aos prazos estabelecidos e dilatar seus próprios prazos, quando ocorrer qualquer dificuldade. Ter uma liderança vinculada a valores não significa, entretanto, ficar engessado quanto a possibilidades de mudanças. Quando era jovem, cursando o que hoje se chama de ensino médio, recebemos em nosso colégio um ex-aluno, que tinha conseguido muito sucesso na carreira. Após o almoço em sua homenagem, no imenso refeitório, ele fez um discurso. Suas palavras iniciais nunca mais esqueci: “... se eu tivesse que começar tudo de novo, faria tudo, exatamente, da mesma maneira...”. Ao ouvir isso fiquei chocado, pois uma de minhas diversões favoritas era imaginar como agiria se tivesse a oportunidade de voltar o tempo e fazer tudo novamente. Pensava em fazer tudo diferente, evitando os antigos erros que havia cometido e, até mesmo, tentando alterar os acertos, pois repeti-los seria extremamente entediante. Ao ouvir aquele senhor, com sua experiência, falar que faria tudo exatamente igual, minha primeira reação foi pensar como eu era estúpido, pois não conseguia acertar nada na primeira tentativa. Pensei que o sucesso dele era consequência de sua capacidade em acertar de primeira e não se arrepender daquilo que havia feito. O raciocínio dos jovens é mesmo um tanto complicado. Toda vez que me arrependia de alguma coisa, ficava mais arrependido ainda ao lembrar o velho senhor defendendo sua repetência existencial. Passados alguns anos, acabei a ideia de que repetir tudo exatamente 31 aceitando da mesma forma não é a melhor decisão. Hoje, sinto-me bem com essa capacidade de alterar meus paradigmas. Embora os valores que tento seguir sejam simples e poucos, eles conseguiram se manter inalterados por longo período. Aos meus valores sou extremamente fiel, mas isso não implica ser uma pessoa parada no tempo. Os valores são os mesmos, mas as soluções para os problemas devem estar constantemente em evolução. Um mesmo problema pode ter soluções diferentes em momentos diferentes. Não devemos confundir a coerência com determinados valores com a experiência vivida em determinado momento. As pessoas que costumam citar constantemente: “no meu tempo...” estão ligadas a um momento definido e não conseguem se adaptar a novas realidades. Como o mundo está em constante mudança, essas pessoas poderão perder sua capacidade de achar soluções, pois suas soluções são sempre referenciadas a um paradigma que não mais existe. Para evitar tornar-se uma pessoa paradigmática, estacionada em uma determinada realidade, o líder deve estar compromissado com valores e não com soluções definidas. Qualquer solução que se adote deve ser exequível dentro do ambiente em que está situada. Sendo íntegro, não há por que temer as mudanças que vierem no futuro. A integridade é uma característica importante e sutil. Sua ausência, embora seja dificilmente percebida pelo líder, é facilmente detectada pela equipe. 32 5 - EQUIPES Boas decisões não nascem da unanimidade, mas da divergência. (Peter Drucker) A formulação de um problema é quase sempre mais importante que sua solução. Levantar novas questões, novas possibilidades, abordar velhos problemas de um novo ângulo requer imaginação criativa e permite avanços reais na ciência. (Albert Einstein e L. Infield) Conseguir trabalhar bem em equipe, fazendo com que um grupo alcance resultados positivos, é uma das mais importantes responsabilidades de um líder. Desenvolver um trabalho em equipe pode até parecer uma tarefa fácil, mas não é. Conflitos internos, interesses pessoais e vaidade são alguns dos venenos que podem contaminar um grupo e levá-lo ao fracasso. O medo de ver sua equipe atacada por esses ingredientes também pode, por si só, comprometer todo o seu objetivo. Analisar os fundamentos do trabalho em equipe é uma tarefa complexa, pois depende do contexto, da finalidade, do tamanho e da composição da mesma. Várias abordagens podem ser utilizadas para se estudar a dinâmica do trabalho em equipe e, de qualquer maneira, não é possível elaborar um modelo, ou uma teoria abrangente, para explicar todas 33 as possíveis situações. Não é minha intenção lançar qualquer nova teoria sobre o trabalho em equipe, algo que, por si só, já seria suficiente para um livro. Pretendo dar uma ideia, eminentemente prática, apresentando algumas características que poderão ajudar o desenvolvimento do trabalho em equipe. Essas ideias, naturalmente, não são regras, nem mesmo são válidas para todos os tipos de equipe; basicamente, dizem respeito a equipes formais de contexto urbano/industrial. Mesmo com tantas limitações, acredito que sejam úteis, pois servem para inspirar a observação e análise, necessárias ao desenvolvimento da capacidade de trabalhar em equipe. Uma ideia básica deve-se ter em mente: nenhuma equipe é formada por uma só pessoa. Como assim? Isso é óbvio! Bem, para uma equipe ter algum valor é necessário juntar pessoas diferentes. Se você conseguisse montar uma equipe onde todos pensassem exatamente da sua maneira, a criatividade, a capacidade de resolver problemas ou o conhecimento que você tem não seria acrescido de nenhum valor. Isso parece óbvio mas, na prática, muitas equipes funcionam como se seus componentes fossem clones intelectuais de seu chefe. Se o chefe tem uma solução, ninguém questiona; se o chefe acha que A é melhor que B, todos concordam; e esse clima de “sim senhor” chega a deixar alguns chefes bem satisfeitos. A riqueza de uma equipe reside no lado oposto, justamente no fato de ser formada por pessoas diferentes, que apresentam ideias e soluções variadas. É dessa forma que, juntas, podem superar diversos 34 problemas que, individualmente, seriam incapazes de superar. Para que essa armadilha da homogeneidade não ocorra, é necessária uma liderança corajosa, que aceite correr riscos, que seja tolerante com o diferente e que possa criar, com o decorrer do tempo, espaço para que cada um se expresse e desenvolva, na totalidade, o seu potencial. O líder deve estar muito atento para manter sua equipe trabalhando como equipe, deixar o ego de lado e encorajar as pessoas a discordarem e apresentarem as suas soluções, pois acima do chefe estão os valores que o grupo deve servir. As diferenças de formação dos liderados são, portanto, algo positivo, que cria um ambiente heterogêneo, potencialmente muito útil e criativo. Se na sua equipe existe alguém que sempre concorda com você, um dos dois, provavelmente, é dispensável. Em nossa sociedade moderna, a criatividade, o conhecimento e a capacidade de gerar soluções são atributos indispensáveis e valiosos. A formação de uma equipe homogênea limita justamente esses valores. Uma segunda ideia fundamental é a importância do “espaço”. A liderança deve estar sempre atenta para garantir que todos na sua equipe tenham “espaço”. Isso significa conceder a cada um a oportunidade de manifestar todo o seu potencial, seja ele técnico, intelectual, teórico, prático, enfim, permitir que todos possam se realizar com o seu trabalho. Isso, aparentemente algo óbvio, não é tão fácil de se conseguir. Ao olharmos um organograma de uma empresa, vamos logo perceber que existem departamentos, divisões 35 e diversas “caixinhas” com nomes diferentes e que obedecem a uma formação, aparentemente, lógica. Existem, também, aqueles mais detalhistas, que dentro da sua divisão criam um organograma que divide cuidadosamente as tarefas de cada um. Embora esse sistema seja destinado a privilegiar o conjunto, permitindo que muitas pessoas trabalhem em harmonia, o resultado, muitas vezes, é o oposto, ou seja, limita o trabalho das pessoas e impede que elas trabalhem em conjunto. Parece estranho, mas um organograma, que é um gráfico para mostrar como as pessoas podem trabalhas juntas, acaba sendo uma desculpa para as pessoas trabalharem isoladas, cada uma em sua “caixinha”. Obedecer rigorosamente a organogramas e estruturas burocráticas limita o espaço de atuação das pessoas. Cria a falsa ideia de que se o problema é no departamento vizinho, então o problema não é seu. É natural que as organizações tenham estruturas formais, porém essas estruturas não devem limitar as capacidades das pessoas. A mesma coisa acontece com as funções. Se alguém tem a função de cuidar das finanças, parece que não tem o direito de se interessar ou de apresentar sua sugestão no setor produtivo. Uma equipe, independentemente da sua dimensão, deve dar espaço para todos. Ninguém deve ser limitado pela função formal que está exercendo ou por sua posição no organograma; o único limite que deve existir é a capacidade de cada um. O líder deve garantir o privilégio da realização para todos. 36 Dar “espaço”, é claro, não significa apenas permitir que as pessoas apresentem sugestões. Para quem pensa assim, a caixa de sugestões no corredor resolve o problema. O “espaço” significa participação, envolvimento. O líder deve conceder essa possibilidade para todos. Como em qualquer grupo, reunindo pessoas com características diferentes, existem os mais desinibidos e os mais tímidos, aqueles que não se manifestam nunca. Para esses é que deve ser dada maior atenção. O fato de a pessoa ser mais reservada não significa que ela não tenha como contribuir. Quebrar essas barreiras e incluir todos no processo é um bom sinal de respeito e consideração. Não se deve confundir, também, opinião com voto. A liberdade de opinar é apenas um aspecto do “espaço” que deve existir. A tolerância com o “diferente”, com o pouco usual, também é muito importante. A tolerância vai permitir que se consiga lidar melhor com as diferenças de opiniões que podem, e devem, surgir quando se trabalha em uma equipe heterogênea. Nesse sentido, quanto mais variada for a sua equipe, maior será a riqueza da abordagem de um mesmo assunto e, consequentemente, maior a possibilidade de se encontrar uma solução. Porém, de nada adianta sua equipe ser heterogênea, se ideias diferentes não são aceitas. Se não há tolerância, os mais criativos, normalmente, serão os mais insatisfeitos. Por outro lado, a tolerância não deve trazer prejuízos ao funcionamento da equipe, nem tentar conseguir o consenso em 37 todas as decisões. A liderança deve, então, estar atenta para evitar o “assembleísmo” excessivo, a tendência de levar todas as decisões para o sistema de “colegiado”. Nem sempre essa postura é a mais correta. Uma vez que a responsabilidade da decisão cai sobre apenas uma pessoa - o líder - não é correto que ela queira buscar a proteção coletiva de sua equipe para fugir a isso, até porque estará sendo remunerado de diversas formas para assumir esse encargo. Os conflitos em uma equipe, normalmente, não são gerados pelas diferenças de opiniões, mas sim pelas tentativas de se alcançar a unanimidade. Esse processo de busca pelo consenso, de querer alcançar a unanimidade, é sintoma de falta de liderança. Ser tolerante com as diferenças não é a mesma coisa que agradar a todos. Buscar o consenso pode ser uma enorme perda de tempo, além de criar tensões internas, desnecessárias ao grupo. É importante, também, saber que não nos bastamos; nós precisamos de outras pessoas para realizar as coisas. No mundo atual, onde o individualismo é uma das mais visíveis características, admitir isso pode ser um pouco trabalhoso. Aqui no Brasil, muitas vezes, nos sentimos desamparados, pois a situação econômica é mais vulnerável do que nos países desenvolvidos. Essa instabilidade nos leva a buscar a independência em todos os sentidos. Todo brasileiro sonha em ser patrão, sonha ser independente. Sonha em não precisar de mais ninguém, nem depender de nada. Incutir a ideia de que não somos suficientes, mas dependemos uns dos outros, 38 fazendo com que cada um saiba como é importante somar as habilidades para que o coletivo seja mais capaz que o indivíduo, é um trabalho especial do líder. Inicialmente, para dar o exemplo, o líder não deve tentar ser autossuficiente, o sabe-tudo, aquele que tem sempre razão e que ”comprou a verdade” quando esta se encontrava em liquidação. O exemplo de que até mesmo o líder precisa de sua equipe é um ponto de sustentação para o trabalho de grupo. Lideranças arrogantes, que querem demonstrar sua capacidade intelectual superior, levam a comportamentos semelhantes nos demais componentes do grupo e acarretam a desunião. Finalmente, sempre que nos depararmos com uma boa equipe, certamente iremos encontrar ali uma liderança especial, comprometida, principalmente, em criar as condições mais favoráveis possíveis, para que seus subordinados consigam: desenvolver todo o seu potencial, encontrar o “espaço” necessário para esse desenvolvimento e manter sua energia direcionada para os valores e objetivos que se propõem a alcançar. Assim, encontraremos um tipo de inversão, bastante saudável, em que o líder estará, na verdade, a serviço de seus subordinados, trabalhando para permitir que outros se realizem e atinjam seus potenciais. As decisões serão uma das obrigações que o dirigente terá, mas sempre vinculada à ideia de propiciar as escolhas para a equipe produzir melhor. 39 6 - A BUROCRACIA MALDITA O Brasil é feito por nós, só falta desatar os nós. (Barão de Itararé) Uma das mais fáceis soluções encontradas para suprir a ausência de liderança é a burocracia. Quanto maior a falta de liderança, maior será a burocracia. Nós, brasileiros, temos uma verdadeira paixão por ela – herdada do patrimonialismo ibérico, como bem o demonstraram Raymundo Faoro, José Júlio Senna e outros. Nossas organizações são pródigas em normatizar tudo e todos. Criamos uma norma para os operários, outra para os gerentes e outra para o funcionamento dos conselhos. Definimos o procedimento de compra ou como deve ser elaborado um projeto. Tentamos definir tudo, para que qualquer um dentro da organização saiba exatamente quais são suas obrigações e como deve conduzir seu trabalho. Esse tipo de atitude é muito bom para evitar qualquer aborrecimento, mas é inadequado para conseguir alto desempenho. Você faz assim: escreve um monte de normas, encaderna em vários volumes e distribui cópias para os diversos setores da sua organização. Como você é um democrata, cria uma norma, naturalmente acompanhada de um formulário ou modelo, para que qualquer um dentro da organização possa sugerir uma modificação ou uma nova norma, contribuindo, assim, para melhorar a 40 organização. Quando um novo funcionário é admitido, a primeira coisa que se faz é entregar-lhe os vários volumes, cuidadosamente preparados, para que ele faça uma leitura (não esqueça de fornecer uma garrafa térmica com café forte). Quando ele disser que já leu tudo, pronto, seu computador, quero dizer, sua mente já está formatada e com o sistema operacional da organização gravado. Ele já sabe o que fazer, o que não fazer e o trabalho pode começar. A partir daí, não há com que se preocupar. Se ele cometer algum erro, é só mostrar a norma que ele não cumpriu. Tudo estará escrito. Nessa organização, para se dar bem, basta saber ler e ter boa vontade; fácil, não? Você, que é o chefe, fica totalmente protegido. Quem manda não é uma pessoa, são as normas. Quem exige são as normas e não você. Em resumo, você pode ficar com a consciência tranquila, pois sua única tarefa é fazer as pessoas cumprirem suas obrigações. Não há a menor necessidade de se envolver. Quando alguém tiver uma dúvida, sua obrigação é apenas mostrar onde está escrito o procedimento a ser adotado. Sempre trabalhei de maneira oposta. É claro que algumas normas e regulamentos são necessários e devem ser conhecidos, não existe nenhuma regulamentos. Em organização alguns que casos, não as tenha normas normas são ou mesmo indispensáveis. Mas o erro é pensar que normas e regulamentos são suficientes. Podemos normatizar uma parte do trabalho das pessoas, mas qualquer trabalho tem o seu lado abstrato, subjetivo e criativo. 41 Essa parte do trabalho não é possível normatizar ou regular. O excesso de normas e regulamentos também pode inibir a capacidade das pessoas, impedindo que façam algo mais simplesmente por esse algo não estar escrito. Nunca limitei o trabalho de qualquer um ao cumprimento das normas. Penso que as pessoas devam ter liberdade para realizar suas tarefas e assumir suas responsabilidades. Descrições minuciosas das atribuições de cada função e organogramas muito detalhados acabam limitando as capacidades das pessoas. Responsabilidades devem ser definidas de modo genérico, para não limitar ninguém. Qualquer um deve ter liberdade de buscar ajuda ou informação onde for melhor para conduzir seu trabalho de modo eficaz e eficiente. Organogramas, por sua vez, são um artifício gráfico para mostrar às pessoas de uma organização como elas devem trabalhar juntas. Curiosamente, as pessoas, muitas vezes, baseiam-se nos organogramas para trabalhar de forma separada e egoísta. Já ouvi muitas pessoas dizendo algo do tipo: “esse problema não tem nada a ver comigo, pelo regimento da empresa isso é coisa para o pessoal do departamento financeiro”. Será que existe realmente essa divisão? Será que as pessoas devem considerar os departamentos e divisões como sistemas independentes? Penso que não. Acredito que cada pessoa deva ser limitada não pela sua função ou pela “caixinha” que ela ocupar no organograma, mas unicamente pela sua capacidade. Mas, para trabalhar com essa 42 flexibilidade, certamente, uma liderança bem sólida será indispensável. A orientação do líder aos seus subordinados deverá ser constante e sua presença disponível para tirar dúvidas. Nesse caso, a liderança não pode ser limitada apenas ao nível mais elevado da organização, mas deve estar vigorosamente estabelecida nos diversos níveis. Os líderes devem ser muito bem qualificados e comprometidos com os valores da organização, pois terão a tarefa de promover o desempenho de suas equipes, de acordo com os objetivos a serem alcançados. As normas, organogramas e descrição de tarefas serão uma orientação básica, mas cada um deve explorar suas capacidades ao máximo, realizando mais e ajudando a organização a alcançar seus objetivos. A vantagem desse sistema, baseado na liderança e não na burocracia, é o ganho que se consegue com a agilidade. Bons líderes, diferentemente de boas normas, conseguem perceber pequenas mudanças nas ameaças e nas oportunidades e podem promover os acertos necessários. As normas não fazem isso, são cegas, surdas e muito lentas para se adaptar. No mundo de hoje, a característica mais marcante é a velocidade. Existe velocidade na informação, nos produtos e nos serviços. As organizações que conseguem sobreviver, geralmente, não são as mais fortes, mas aquelas que conseguem se adaptar mais rapidamente, as mais ágeis. A liderança cria a agilidade que a burocracia mata. Esse é, por si só, um ótimo motivo para investir em liderança. 43 Normas muito específicas acabam limitando a iniciativa das pessoas. Uma equipe bem orientada sabe o que deve ser feito e possui iniciativa para resolver problemas e aproveitar oportunidades, característica fundamental para qualquer organização moderna. O líder deve saber a capacidade das pessoas que trabalham com ele e ajudá-las a chegar ao seu máximo desempenho. É preciso mais liberdade para que as pessoas se sintam bem no trabalho e consigam se realizar plenamente. É preciso liderança para transformar a realização pessoal em realização coletiva. Buscar abrigo na burocracia é, na verdade, uma forma de compensar a falta de liderança. Confiar apenas em normas pode ser muito perigoso, pois elas não têm a agilidade que é vital hoje em dia. 44 7 - A HORA DA DECISÃO Não hesite em começar um projeto de maneira precária. Se você for esperar pelas condições ideais, não irá realizar nada. (Almirante Ary Parreiras) Final de campeonato, estádio cheio, 44 minutos do segundo tempo. O placar mostra zero a zero. O nosso valoroso zagueiro derruba o atacante dentro da área. O juiz apita, corre para a marca do pênalti. O melhor atacante do time adversário se dirige para o local da cobrança, segura a bola, olha para o gol, encara o goleiro e coloca a bola novamente na marca do pênalti. O artilheiro toma distância. Nesse momento o tempo passa voando na cabeça do goleiro. Será que ele está preocupado com o possível insucesso? Será que ele está radiante com a possibilidade de salvar o time no último minuto e entrar para a história? Na mente do goleiro o raciocínio é rápido, uma gota de suor escorre e molha seu olho esquerdo. Ele pensa nas suas opções. Devo pular para a direita ou para a esquerda? Devo aguardar o atacante chutar para depois pular ou pulo antes para tentar a sorte? Devo ficar no meio do gol? O juiz apita e autoriza a cobrança. Chegou a hora da decisão. Diariamente, tomamos inúmeras decisões. Algumas são simples e de pouca importância. Outras são complexas, difíceis de 45 serem tomadas e seu resultado pode gerar reflexos significativos na nossa vida, no nosso patrimônio e no nosso futuro. Algumas vezes decidimos sob pressão de pessoas próximas, em outras sob prazos curtos. De qualquer forma que se apresentem, sabemos que algumas decisões são fundamentais e aqueles que conseguem decidir melhor, normalmente, são os que têm maiores chances de sucesso. Para quem está em posição de liderança, o momento da decisão torna-se mais importante ainda. As decisões que um líder toma podem afetar os seus subordinados diretamente. Todo líder possui essa atribuição e deve ter a competência para decidir bem. Outro ponto importante para um líder é que algumas decisões devem ser delegadas aos seus subordinados. Desse modo, selecionar os subordinados que podem receber esse tipo de responsabilidade e saber as decisões que devem ser delegadas também é uma atribuição importante. Mas o processo pelo qual decidimos é poucas vezes compreendido ou conhecido. Afinal de contas, será possível entender como decidimos e empregar esse conhecimento para tomarmos melhores decisões? Não sei responder a essa pergunta, mas acredito que possamos pensar juntos a respeito desse assunto. Quando você decide, quais devem ser os principais aspectos que influenciam a sua decisão? 46 Penso que, em primeiro lugar, vêm os dados e informações de que dispomos sobre o assunto em questão. Se vou comprar um carro, dados como a cor, o modelo, o preço, o consumo, a quilometragem rodada e outros são importantes e vão influenciar minha decisão. Um segundo aspecto que influencia uma decisão é o temperamento do decisor. Será ele uma pessoa arrojada ou precavida? Será apressado, ou calmo e tranquilo? O tempo disponível para raciocinar sobre a decisão a ser tomada, também, é muito importante. Temos que decidir agora, neste instante, ou podemos estudar o assunto por 3 meses? O risco que envolve a decisão também conta. Será uma questão de vida ou morte, ou será apenas uma questão de escolher a cor da gravata pela manhã? Sem nenhuma dúvida, esse aspecto influencia bastante. E o ambiente? O dólar baixou, você tem um bom emprego, ganha bem, suas perspectivas são ótimas e uma promoção está por vir. Sua companhia é uma referência no mercado e apresenta lucros sólidos há muitos períodos. Mas, e se a situação fosse outra, bem pior? É, realmente, muitos aspectos influenciam uma tomada de decisão. São tantos aspectos e tantas variações que fica difícil analisar esse processo como um todo. 47 A forma que encontrei para facilitar o entendimento foi reduzir as variáveis. Embora uma decisão sofra a influência das informações, do temperamento, do tempo, da pressão, do ambiente, do humor e de tantos outros aspectos, vamos pensar apenas em dois deles. O primeiro aspecto a considerar são os dados acerca do assunto em questão. De um modo geral, podemos dizer que as informações sobre o objeto da decisão chegam a nós de formas diversas. Alguns dados são concretos: preço, tamanho, velocidade, lucro. Esses são facilmente representados por números. Porém, alguns dados são mais abstratos, por exemplo: agradável, rápido, provável e possível são dados que dificilmente podem ser representados por números ou quantificados. O segundo aspecto eleito será o tempo. Quanto tempo temos para decidir? Um mês, uma semana, um dia, uma hora, um minuto ou um instante? Pensar nesses dois únicos aspectos, embora não permita cobrir todas as possibilidades das decisões, podem nos ajudar um pouco. 48 Observe a figura abaixo. D dados C B A tempo O eixo vertical representa os dados e sua capacidade de informar. Quanto mais próximo do zero, menos concretas são as informações disponíveis para decidirmos. Quando nos deslocamos do zero para cima, passamos a ter mais dados e suas informações passam a ser mais concretas ou quantificáveis. Já o eixo horizontal é dedicado ao tempo que temos para analisar e pensar a cerca de uma decisão. Esse tempo cresce quando nos deslocamos para a direita. Desse modo, cada ponto do gráfico é uma situação diferente, tanto em relação aos dados quanto em ralação ao tempo disponível para decidir. 49 O ponto “A” é uma decisão onde temos poucos dados concretos e pouco tempo para decidir. É o tipo de decisão do nosso goleiro na hora do pênalti. Ele não sabe o ângulo ou velocidade da bola, seus dados são pouco concretos e por isso se aproximam do zero em relação ao eixo vertical. Quanto ao tempo para decidir, é muito curto e também se aproxima do zero no eixo horizontal. Podemos dizer que o goleiro, na hora do pênalti, toma sua decisão na base do reflexo, pois não tem nem tempo nem dados para decidir de forma mais articulada. O ponto “B” é mais confortável em relação ao tempo, mas os dados também são um pouco abstratos, embora sejam mais concretos do que no caso do goleiro. Podemos dizer que é uma decisão do tipo “onde passar as férias”. Você sabe o preço dos pacotes turísticos e das passagens, mas uma série de outros fatores totalmente abstratos também são relevantes. Queremos descansar ou praticar esportes radicais? Será na montanha ou na praia? O clima e outros fatores são difíceis de serem quantificados, além de sua decisão sofrer a pressão da família. Nesse caso, um bom planejamento é a solução, envolvendo, preferencialmente, todos os interessados. No ponto “C”, a situação é de muitos dados concretos e pouco tempo para analisar e decidir. Você se atrasou e chegou ao aeroporto mais tarde do que queria. O seu voo preferencial já decolou e vai ser preciso decidir um novo voo. Suas opções são 4, 50 mas com horários diferentes, empresas diferentes, alguns com escala, outros com troca de aeronave e isso tudo o irrita bastante. A atendente do balcão olha para você ansiosa pela sua resposta, pois a fila já é grande e tem que andar. Tem que decidir rápido, com pouca análise, mas com muitos dados. Nesse caso, vai valer a sua intuição e ponto final. Finalmente chegamos ao ponto “D”. Este é especial. Você tem dados em abundância e de boa qualidade, muitos valores concretos e bastante tempo para decidir. Um exemplo: sua empresa pretende avaliar a possibilidade de ampliar os negócios investindo em uma nova unidade para a produção de juntas. As análises e taxas de financiamento estão disponíveis e é possível colocar tudo em uma planilha eletrônica para simular o VPL (valor presente líquido) e a TIR (taxa interna de retorno). Você estuda exaustivamente a questão, fazendo diversas simulações, até chegar a uma opinião. Nesse caso, a decisão utilizou a modelagem. Voltando ao nosso gráfico, podemos então pensar em quatro áreas distintas, onde o decisor poderá se posicionar quanto ao tipo de decisão, como a figura a seguir. 51 dados INTUIÇÃO REFLEXO MODELAGEM PLANEJAMENTO tempo Vemos que o decisor pode se posicionar em qualquer ponto e aplicar o método para sua decisão de acordo com a área em que se posicionou. O perigo nas decisões pode ocorrer quando a situação posiciona o decisor em uma área propensa a um método específico e ele escolhe outro para sua decisão. Um ponto interessante de ser notado é que tanto a modelagem como o planejamento são métodos que dão muito mais trabalho. Desse modo, alguns decisores, mais experientes, podem cair na tentação de levar todas as decisões para a região da intuição, onde sua experiência pode ajudar. Esse é o tipo de atitude que pode comprometer um decisor pela sua elevada autoconfiança. De um 52 modo geral, podemos dizer que sempre que houver a oportunidade, devemos fazer uso dos dados e do tempo que temos disponíveis. Agindo dessa forma podemos ter maiores chances de sucesso nas decisões. Se a experiência e autoconfiança podem atrapalhar, a imaturidade do decisor também. Imagine um jovem funcionário, ainda novo em uma empresa, que após tomar um cafezinho depara-se com o Diretor. Para sua surpresa, o Diretor pergunta se ele acha que uma nova embalagem para os produtos é uma boa ideia (vocês sabem, chefes fazem essas perguntas de surpresa). Após disfarçar um pequeno engasgo com o café, na ânsia de se livrar daquela pergunta desafiadora e incômoda, responde que sim, mesmo sabendo que suas informações sobre o assunto eram apenas superficiais. O jovem não considerou nenhum dado concreto e nem questionou se teria mais tempo para pensar. Posicionou sua decisão na área reservada ao reflexo, quando poderia ter tentado levá-la para a do planejamento ou a da modelagem. Podemos pensar que devemos sempre verificar se existe um prazo maior para decidirmos e se podemos melhorar as informações de que dispomos para justificar nossa decisão. Ao nos depararmos com uma decisão importante, uma boa iniciativa é tentar um posicionamento que não seja definido apenas por um ponto, mas sim uma área, a ser criada dentro do modelo gráfico. Essa área poderá permitir avaliar uma decisão por diversos 53 ângulos e métodos, levando em conta não só a sua primeira impressão (o reflexo) ou a sua primeira análise (a intuição), mas considerando a possibilidade de se modelar e planejar a decisão se isso for possível. A figura que se segue, mostra o desenvolvimento de uma decisão onde havia disponibilidade de tempo para abordar o problema a ser resolvido. Em um primeiro instante, o decisor posicionou-se em um ponto, respondendo reflexivamente ao problema. Com o passar do tempo, buscou outras formas de abordá-lo, considerando sua experiência, o auxílio de modelos matemáticos e o planejamento, voltado para o futuro, evoluindo da um ponto para uma área. dados tempo 54 Pelos exemplos que observamos, podemos ver que um bom posicionamento pode ser um bom auxílio para aqueles que devem decidir. Pensar nesse posicionamento vai ajudá-lo no futuro a marcar e defender muitos gols. 55 8 - O PARADOXO DO ERRO E DA QUALIDADE Ninguém comete erro maior do que não fazer nada porque só pode fazer pouco. (Edmund Burke) As pessoas cometem erros. Exigir que as pessoas sejam perfeitas e que nunca cometam erros é esperar dos outros aquilo que nós mesmos não podemos cumprir. O erro sempre existiu e sempre continuará existindo. Compatibilizar a realidade da existência do erro com as exigências crescentes em relação à qualidade dos produtos e serviços é um grande desafio para os líderes. É claro que quanto menos erros cometermos, melhor será. Todos sabem disso e percebemos que as pessoas se esforçam para cometer o mínimo de erros. Mas é importante saber que evitar erros não significa, necessariamente, aumentar o número de acertos. Quando o ambiente é de alta competitividade, onde a evolução constante é necessária, a audácia das pessoas é fundamental para permitir novas possibilidades. Naturalmente, quanto maior a necessidade de inovação, maior a possibilidade de ocorrerem erros. Quem corre riscos, sempre comete erros. Ao final da década dos 40, já no período conhecido como “pós – guerra”, o então futuro Almirante Rickover, ainda Comandante na Marinha americana, iniciou, modestamente, com mais três 56 engenheiros, o projeto do primeiro submarino nuclear, bastante ambicioso, pois ainda não existiam reatores capazes de produzir qualquer tipo de energia aproveitável. Em menos de 10 anos, Rickover conseguiu desenvolver o uso da energia nuclear de forma controlada e aproveitável. Construiu o primeiro submarino de propulsão nuclear, o primeiro navio com propulsão nuclear e a primeira usina de geração de energia movida por um reator. A humanidade não descobre novas fontes de energia a cada semana. Rickover permitiu a utilização de uma nova fonte energética em 1953. De lá para cá, em uma época que acreditamos ser de surpreendente avanço tecnológico, não foi descoberta nenhuma nova fonte energética que pudesse ser utilizada em escala industrial. O projeto estava engatinhando e só existia no papel quando o Comandante de Operações Navais (CNO – Chief of Naval Operations), o mais alto posto operativo da Marinha, foi substituído. Naturalmente, teve início uma “peregrinação” dos principais subordinados ao gabinete do novo CNO para os cumprimentos e formalidades. Palavras de afeto e admiração se sucediam a cada visita. Quando chegou a vez de Rickover, ele entrou na sala e sem grandes cerimônias perguntou: - Gostaria de saber se o senhor vai me apoiar? O almirante, surpreso com a pergunta direta e inesperada, pensou algum tempo e respondeu: 57 - Meu caro Rickover, quando você estiver certo, naturalmente, irei apoiá-lo. Rickover, então, respondeu: - Almirante, quando eu estiver certo não precisarei do apoio de ninguém. Agradeceu, saiu da sala e voltou para o seu projeto. Rickover resistiu a diversos pessimistas e o projeto só “decolou” mesmo quando pôde contar com o apoio dos seus superiores. Houve “idas e vindas”, como em inovador, mas, ao final, tudo o que é conseguiu realizar algo realmente extraordinário. Para que os subordinados possam produzir coisas realmente surpreendentes, vencer desafios e inovar nas soluções, alguma garantia de que seus erros serão tolerados deve existir. Quem percebe que ao errar será punido ou perderá o emprego, afasta logo qualquer possibilidade de inovação. Conduz seu trabalho de forma medíocre e com o mínimo possível de exposição e risco. As opiniões ficam sempre muito comedidas e pensadas, tem-se receio de falar algo que desagrade aos chefes. Em equipes que trabalham evitando o erro, será muito difícil encontrar qualquer tipo de inovação ou criatividade. A falta de erros não implica, necessariamente, a existência de acertos. Não se deve confundir a busca da qualidade de produtos ou serviços com a eliminação do erro das pessoas. Uma boa estrutura 58 organizacional deve levar em conta a existência de erros e criar dispositivos que permitam absorver os que ocorrerem e evitar sua propagação. Se esse dispositivo for eficaz, os erros não serão passados aos produtos e serviços e a qualidade estará garantida. Tudo isso é fácil de se falar, porém difícil de se aplicar. Temos uma imensa ansiedade em acertar e qualquer falha é logo processada pelo nosso inconsciente como uma perda. Também podemos interpretar as falhas e erros como uma necessidade de trabalhar mais ou executar o retrabalho, seja como for. A verdade é que não sabemos lidar muito bem com os erros. Para piorar essa situação, em determinado momento, nos anos 80 e 90, apareceu a ameaça oriental. Primeiro foi só o Japão, mais tarde os outros “Tigres Asiáticos” começaram a mostrar os dentes para o assustado ocidente. Começou aí a moda da administração oriental. Buscando aumentar sua produtividade, diversas organizações no ocidente tentaram implementar modelos gerenciais inspirados no modo oriental de administrar. Sofremos bastante com isso. O erro foi novamente exorcizado das empresas e organizações. A ansiedade causada pela competitividade levou as pessoas a se tornarem cada vez menos tolerantes com os erros. Tentando imitar o estilo oriental, até mesmo a arrumação dos escritórios passou a ser considerada como um sinal da qualidade do trabalho de seu ocupante. Alguém com uma mesa congestionada de bugingangas, fotos e papeis, geralmente, estava fora do “modelo”. 59 Acredito que se perdeu um bocado de tempo até percebermos que os “Tigres” não eram tão assustadores assim. Você se lembra da crise asiática de 1997, aquela que ninguém conseguiu prever? Estávamos tão empolgados com a moda administrativa oriental que ficamos cegos para os graves problemas que aquele modelo trazia. Para crescer, inovar e competir é preciso aprender a conviver com o erro. O modo organizado e comedido dos orientais é muito apropriado para as empresas lá no Japão, mas no Brasil, com o temperamento do nosso pessoal, esse tipo de formatação não trará bons resultados. Somos muito “personalistas”. Gostamos de trazer lembranças de viagem para o trabalho e colocar fitinha do Senhor do Bonfim nos equipamentos para eles não darem muitos problemas (um velho hábito na Fragata em que servi). Penso que não existe qualquer mal nisso. Além de um convívio pacífico e sem crises com as falhas de seus subordinados, o líder deve utilizar os erros para aprender e melhorar. É claro que erros devem ser evitados, mas temos que saber que, por mais que nos emprenhemos, eles irão ocorrer. Certa vez, quando era comandante de navio, fui procurado pelo pessoal que cuidava da confecção do rancho. Depois de refazer muitos cálculos, conseguiram chegar finalmente ao X da questão: eles haviam cometido um erro e não consideraram um dos fatores necessários ao cálculo do valor dos gastos com alimentação. Era uma diferença de centavos para cada refeição, mas se fosse multiplicada 60 pelo número de dias e refeições servidas, teríamos tido um valor significativamente maior para gastar. Bem, o erro já estava lá, não havia como voltar no tempo e corrigir. Mas, apesar da perda, fiquei satisfeito por vários motivos. O primeiro foi o fato de o erro ter sido detectado pelo meu próprio pessoal, e não pelos auditores; isso mostrou uma grande qualidade: achar onde nós mesmos erramos. Você já percebeu como é difícil detectar os erros nos textos que você mesmo escreve? Até mesmo os grandes escritores recorrem a terceiros para dar uma revisada nos textos, pois é bem difícil encontrar os erros naquilo que nós mesmos produzimos. O meu pessoal conseguiu encontrar o seu próprio erro. O segundo motivo de minha satisfação foi o fato de o erro ter sido trazido com lealdade, para que eu tomasse conhecimento. Acredito que, se não houvessem me falado, o erro, provavelmente, teria ficado invisível, tanto para mim quanto para o pessoal da auditoria. O terceiro motivo de satisfação foi constatar que não estava assustando o meu pessoal, eles sabiam que poderiam ser leais e honestos comigo, que eu não iria tomar nenhuma atitude injusta. E agora, o que fazer? Depois de verificar e refazer todas as contas e cálculos relativos às diferenças, chegamos ao valor que, involuntariamente economizamos. Por telefone, informei imediatamente ao pessoal da auditoria no Rio de Janeiro. Posteriormente, enviei para eles um documento formal com o relato do erro e as contas com os valores envolvidos. No último parágrafo 61 do documento, perguntava se haveria alguma maneira de receber de volta o valor economizado involuntariamente, pois havia muitas necessidades no navio. Para minha alegria, o navio recebeu o valor do erro, para ser utilizado em obras de conforto para a tripulação. Conseguimos reformar dois banheiros que o nosso velho navio já adiava havia muito tempo. Foi uma grande oportunidade de “trabalhar” um erro e acabar tirando boas lições dele. A qualidade deve, também, ser trabalhada de modo adequado para produzir bons resultados. É importante buscar a melhor qualidade não só em todos os serviços e produtos oferecidos, mas nos diversos processos intermediários das organizações. Cada um, dentro de uma organização, deve tentar fazer o seu trabalho da melhor forma possível. Para mim, a melhor forma possível não implica ausência de falhas, pois isso só será conseguido com o sacrifício da iniciativa e da inovação. A busca pela qualidade requer um processo onde aquilo que se está produzindo possa ser verificado por outras pessoas, para evitar que um erro comprometa a qualidade. Comandei um navio de socorro e salvamento, o Rebocador de Alto-Mar Trindade. Era um navio pequeno e muito forte. Construído na década dos 60, era o que se pode chamar de bem conservado. No fundo, tinha algo de verdade. Como todo rebocador, era bem desconfortável. Poucos banheiros, poucos espaços, camas pequenas, enfim, um navio típico. O único com o privilégio de ter um camarote 62 exclusivo era o comandante, onde podia guardar os documentos sigilosos do navio em segurança. Mas o privilégio acabava aí. O pequeno banheiro era dividido com mais cinco oficiais. A tripulação do Trindade era especial, como a tripulação de todos os navios de socorro. O tipo de serviço feito por esse navio leva o pessoal a desenvolver uma resistência pouco comum, assim como a capacidade de enfrentar situações de perigo sem muitas reclamações. Essas características são conhecidas na marinha como “endurance”. Em resumo, para sobreviver em um navio de socorro, você tem que ter “endurance”. Essa característica será especialmente útil quando o navio for chamado para prestar ajuda a alguém. Esses pedidos, normalmente, chegam nas piores horas: finais de semana, madrugada, noites de mar revolto, tempestades e todas as demais situações em que o bom senso indica que o pior lugar para se estar é o alto-mar. Quando isso acontece, lá vão você e seu navio. A situação mais perigosa para esse tipo de navio é o reboque em alto-mar. Para isso temos um cabo de aço especial. Para rebocar, usamos em torno de 500 a 600 metros de cabo. Como cada metro desse cabo pesa 6 kg, só de cabo de aço teremos algo em torno de 3,5 toneladas. Esse peso, somado ao esforço necessário ao deslocamento do navio que se está rebocando, leva o cabo a sofrer pressões de até 25 ton. Para se fazer um reboque, é necessário passar esse cabo ao navio que está em perigo. Nesse momento, a 63 tripulação deve mostrar seu preparo e, principalmente, sua coragem. O convés fica molhado e as ondas entram por cima do pessoal, que vai passando o dispositivo de reboque. Enquanto o pessoal passa o dispositivo, o navio deve ficar parado, posicionado de forma favorável, para que tudo seja feito o mais rápido possível. É aí que entra o Comandante, manobrando o navio para que o trabalho da tripulação seja o mais seguro e simples possível. É preciso muito cuidado, pois qualquer acidente implicará algo muito sério, com graves consequências para quem estiver exposto no convés. No meu primeiro dia de trabalho, conversei com a tripulação e estabeleci que tinha dois objetivos principais para o período de meu comando. O primeiro era que nenhum acidente de pessoal deveria ocorrer a bordo. O segundo era o pleno cumprimento de todas as missões que fossem atribuídas ao navio. Para conseguir esses objetivos, tivemos de investir na qualidade. O serviço que o navio deveria desempenhar deveria ser de alta qualidade. Mas como poderíamos obter qualidade, se erros sempre acontecem? Como os erros são inevitáveis, o caminho até a qualidade deve passar pela correta manipulação dos erros e a elaboração de procedimentos que permitam que erros cometidos involuntariamente não afetem a qualidade final do produto ou do serviço oferecido. Todo erro gera uma cadeia de acontecimentos, que deve ser quebrada, para não comprometer o resultado final. 64 Meu objetivo era que todas as operações de reboque ou socorro fossem realizadas de maneira correta, dentro do mais alto padrão de qualidade. Como as pessoas sempre erram, tudo era feito de forma a diminuir a possibilidade de um erro comprometer a segurança da operação. Começamos pelo treinamento, todos os envolvidos tinham adestramentos e aulas sobre suas atividades e qualquer operação era detalhadamente estudada e ensaiada antes de ser realizada. O segundo passo era o cuidado com o material. Todos os cabos, ferramentas, acessórios e peças utilizadas eram inspecionados e substituídos se apresentassem qualquer sinal de desgaste ou fadiga. Ninguém deveria trabalhar com material suspeito, fosse uma luva ou uma ferramenta. O terceiro e definitivo passo era preparar tudo com antecedência e verificar diversas vezes, por pessoas diferentes. Quando íamos para algum reboque, montávamos o dispositivo no convés e, com o navio ainda no cais, pelo menos 3 pessoas, não diretamente envolvidas na sua preparação, inspecionavam tudo o que havia sido feito em horários diferentes. Caso surgisse alguma dúvida em relação a qualquer material utilizado no dispositivo, do tipo: “será que esse cabo está em boas condições?”, o material em questão era substituído. O lema era: “se há dúvida, então não tem dúvida, algo está errado” e assim conseguíamos eliminar qualquer suspeita com relação à segurança dos materiais. 65 As pessoas com funções específicas realizavam suas tarefas e, logo em seguida, iam para um local abrigado, longe de qualquer perigo. Caso alguma coisa saísse errado e um acidente ocorresse, haveria menores possibilidades de alguém receber um estilhaço ou uma “chicotada” de um cabo. O número máximo de tripulantes no convés em um dado momento era limitado a 5 ou 6 . Essas pessoas recebiam as instruções e, posteriormente, fazíamos um ensaio, onde cada um reconhecia seu posicionamento e verificava o que fazer em caso de emergência. Conseguimos alcançar os objetivos traçados. Nenhuma missão deixou de ser cumprida e não tivemos nenhum acidente de pessoal ou material. O mais importante é que a cultura de trabalhar com qualidade e se preparar para eliminar os erros não comprometeu a iniciativa e a criatividade do pessoal. No dia em que me despedi do navio, um dos meus tripulantes lembrou do incidente do cálculo do rancho e como ficou satisfeito com o desenrolar do problema. Acredito que a qualidade possa ser atingida com uma correta gerência dos erros que, por ventura, venham a ocorrer. 66 9 - COMUNICAÇÃO Nós devemos, continuamente, aprender a desaprender muito do que aprendemos e aprender a aprender o que não nos foi ensinado. (R. D. Laing) Desde muito cedo, ainda sem saber falar, o homem percebe como é importante comunicar-se bem. As crianças tentam se comunicar com os pais desde os primeiros meses de vida. Todo esse interesse pela comunicação vem da necessidade de interagir com o mundo que nos cerca. Essa necessidade de comunicação vai sendo ampliada no decorrer de nossas vidas, e saber se comunicar bem é uma das mais importantes capacidades de uma pessoa. Na vida profissional, a comunicação desempenha papel de grande destaque, influenciando as carreiras e permitindo que o potencial de cada um possa ser realizado. Quanto maior a organização em que está inserido, quanto maior o número de pessoas com as quais se interage e quanto maior o número de contatos externos, mais importante será o papel da comunicação para o líder. Muitos pensam que um bom comunicador é alguém com uma oratória desenvolvida, aquele que tem o “dom” da palavra, ou uma pessoa que escreve muito bem. Não é por aí. O bom comunicador não deve ser confundido com o bom orador ou escritor, alguém com grande capacidade de transmissão de ideias. É claro que escrever e 67 falar bem ajuda muito, mas não é suficiente para permitir uma comunicação plena. Quem se comunica bem, além de conseguir transmitir suas ideias, consegue, também, receber as ideias dos outros. A capacidade de recepção é tão ou mais importante do que a de transmissão. Veja, por exemplo, o que ocorre com um radioamador. Não adianta ter o rádio transmissor mais possante do mundo, se o seu receptor é ruim, pois você não conseguirá receber muitas mensagens e não se comunicará bem com outros radioamadores. Para se comunicar bem é necessário estabelecer canais de ida e vinda de informações, essa é a principal característica de uma boa comunicação. Vivemos em um mundo ligado pelas comunicações: satélites, internet, e-mails, televisão a cabo, smartphones e muitas outras tecnologias. Hoje em dia, temos a possibilidade de nos comunicarmos como não se imaginava há poucas décadas. Mas todas essas ferramentas ou meios de comunicação não devem ser confundidos com a comunicação efetiva. Com tantos recursos, é difícil explicar como as pessoas hoje em dia acabam se sentindo cada vez mais sozinhas. É muito fácil entrar numa rede social e conversar horas com alguém que vive em um país distante, do outro lado do mundo, mas acabamos sentindo uma enorme dificuldade em estabelecer ligações com aqueles que nos são mais próximos. Muitas pessoas conseguem manter longos diálogos com estranhos, pela internet, mas são incapazes de conhecer os nomes de seus vizinhos. 68 Não devemos ter falsas ilusões com a tecnologia, pois ela não consegue aproximar as pessoas. Não podemos deixar que a tecnologia inverta o sentido de sua utilidade e acabe nos inibido a capacidade de comunicação. Saber explorar as novas possibilidades tecnológicas sem perder as capacidades anteriores é muito mais importante do que possamos imaginar. Todos nós temos necessidade de comunicação, essa é uma característica de um ser social e gregário como o homem. Temos a necessidade de interagir, de receber informações e transmitir nossas ideias e pensamentos. O bom líder deve empregar essa mesma necessidade de interação para estabelecer uma boa comunicação com sua equipe. Não adianta ser um bom orador, conseguindo vender suas ideias de maneira brilhante, se você não deixa espaço para que as pessoas participem e possam se expressar e contribuir para o trabalho. A capacidade de receber as ideias de sua equipe é tão importante quanto a de transmitir as suas próprias ideias. Muitas vezes, uma ideia boa ou uma ótima solução para um problema nasce na cabeça de um funcionário, mas por falta de espaço para se expressar, acaba não sendo utilizada pelo chefe. As pessoas gostam de participar das soluções, gostam de dar suas ideias e, geralmente, duas cabeças pensam melhor que uma. É nesse sentido que deve ser desenvolvida a capacidade de comunicação do líder. Para ser um bom líder é preciso escutar muito. 69 Colocando o transmissor para funcionar. Existem diversas maneiras de transmitir suas ideias e pensamentos para a equipe: conversas informais, reuniões, palestras, memorandos, circulares, e-mails, quadros de avisos e muitos outros recursos que possamos imaginar. Podemos utilizar todos as maneiras e acredito que cada uma tenha seu momento pertinente para ser empregada. A única regra que tento seguir é ser natural em todas essas oportunidades. A pior coisa que se pode fazer é transmitir ideias que não sejam compatíveis com sua personalidade e maneira de agir e pensar. Se você agir dessa forma, principalmente com nós brasileiros, que somos muito críticos, vai parecer artificial, e a mensagem que você quer passar não vai ter nenhum efeito, ou terá efeito negativo. Não adianta a pessoa entrar para um curso de oratória e falar com voz de apresentador de telejornal, se o conteúdo do que está transmitindo é fraco ou incompatível com sua pessoa. As aparências enganam, mas esse efeito não dura muito tempo. Ser natural e transmitir sua mensagem com honestidade e simplicidade é a melhor receita. Uma boa transmissão deve buscar um estilo simples, sem muita sofisticação, e ter a linguagem compatível com o público-alvo. Se o assunto é técnico e vai ser discutido com técnicos, “tecnolês” 70 neles. Se o assunto é técnico e o público é leigo, vai dar trabalho, mas o “tecnolês” vai ter de ser traduzido para que seja bem entendido. No momento de transmitir suas ideias ou enunciar um problema, fazê-lo de forma simples e objetiva. Não existe nada pior do que um chefe que não consegue transmitir seu pensamento e os ouvintes têm que ficar adivinhando o que ele quer. As “transmissões” devem ser claras; não se deve ficar “circulando” ao redor do assunto, sem chegar no ponto central. Alguns chefes não gostam de dar más notícias e ficam enrolando o seu pessoal sem chegar a qualquer conclusão. Se alguma notícia ruim tem que ser dada, vamos enfrentar logo esse desgosto e passar para o próximo, pois “enrolar” só vai aumentar a aflição dos aflitos. Concisão também é fundamental. Há indivíduos que adoram ficar devaneando com os seus subordinados em uma reunião e, por se tratar do chefe, dificilmente alguém vai reclamar que está perdendo tempo naquele papo furado e o serviço acumulando na sua mesa. Reunião é uma atividade compulsória e não é lugar para papo informal, que é mais apropriado para voluntários, fora das salas de reunião. Tenho o hábito de ser econômico em reuniões. Outro dia li em uma revista que, só nos Estados Unidos, são realizadas cerca de 2 milhões de reuniões por dia. Creio que nós não ficaremos muito atrás, se fizermos um levantamento semelhante. Quando participo de uma reunião, tenho meus hábitos particulares. Abro uma página na agenda para anotar o que é dito. 71 Escolho sempre os últimos dias úteis da semana, para não atrapalhar os demais compromissos e economizar papel. Se eu, involuntariamente, começo a preencher com meus dotes artísticos o número do dia, ora com motivos geométricos, ora com temas psicodélicos, pronto, já sei que estou perdendo tempo. Sabendo disso, aprendi com um grande chefe que tive, a conduzir reuniões de forma bastante objetiva. Ele era extremamente prático e detestava prender as pessoas em reuniões improdutivas. Nas suas reuniões, sempre marcava uma agenda do que deveria ser discutido durante e o que já deveria ser sabido antes de entrar na sala. Ninguém tomava conhecimento de nada nas reuniões, elas eram para se tomar decisões ou tirar dúvidas. O horário era sempre pela parte da manhã, às 1100, para assuntos com bom andamento, e às 1030, para assuntos mais polêmicos. O horário era explicado pela proximidade do almoço, ninguém gostaria de morrer de fome em uma reunião improdutiva e os assuntos acabavam sendo resolvidos de forma mais rápida. Reuniões no final da tarde não tinham vez; esse horário permite que a reunião se alongue noite a dentro, além de encontrar as pessoas já cansadas pelo trabalho de um dia inteiro. Colocando o receptor sintonizado. Como já falamos antes, ter capacidade de ouvir, de receber ideias e sugestões é tão importante quanto saber transmitir. Não estou falando em colocar no meio do corredor aquela caixinha de 72 madeira, muito bonita, com algumas folhas de papel, naturalmente marcadas com o logotipo da empresa, e uma caneta amarrada com barbante ou uma correntinha, nos casos mais sofisticados. Essa caixa, normalmente com uma ranhura para receber o papel, sempre possui um cadeado, dando a impressão de que alguém irá abri-la para recolher as valiosas sugestões dos colaboradores. Com toda a sinceridade, nunca trabalhei em lugar algum onde a caixa de sugestões fosse utilizada pelos empregados. Se no seu trabalho existe essa peça de decoração, faça o seguinte teste: primeiro, procure saber onde está a chave que abre a tal caixa. Muitas vezes ninguém saberá responder onde está a tal chave. Se encontrar a chave em pouco tempo, prossiga perguntando quem é o responsável pelo recolhimento das sugestões e qual a rotina de recolhimento. Se existir um funcionário responsável por essa tarefa, peça para ver as sugestões do último mês. Se ele trouxer mais de uma, leve os papéis para um exame grafotécnico, pois certamente as sugestões foram colocadas pelo próprio encarregado para garantir a manutenção de seu emprego. A verdade é que brasileiro detesta esse tipo de caixinha e ninguém se dá ao trabalho de enviar sugestão dessa maneira. Pode aposentar a caixinha, porque existem maneiras bem melhores de saber o que o pessoal pensa. A primeira técnica para saber o que as pessoas pensam é bem simples: pergunte para elas. Ao perceberem que você está interessado e que, ao expressar sua opinião, ninguém será punido ou 73 prejudicado, as pessoas vão se sentir à vontade para responder às suas perguntas. Esse clima de confiança mútua é, quando bem aproveitado, uma das mais importantes ferramentas do líder. Mas tenha cuidado, nós brasileiros somos “osso duro de roer”. Se perdermos a confiança, vai ser duro recuperar o terreno. líderes Alguns são muito abertos e gostam de ouvir sua equipe, mas a cada opinião ou sugestão que alguém dá, logo essa ideia se transforma em um estudo ou um relatório com prazos e metas para serem alcançados, é o famoso efeito “bumerange”. Você fala o que pensa, sem grandes pretensões, e seu chefe manda preparar um relatório (o “bumerange”.) até a segunda-feira esmiuçando o assunto. Agindo dessa forma, logo todos terão receio e as respostas para suas perguntas passarão a ser monossilábicas e evasivas. Tento reservar tempo para ouvir. É claro que isso é difícil. O e-mail não para de receber mensagens, temos sempre muitos prazos para atender, muitas reuniões para comparecer, mas não se pode liderar sem ouvir. Também não adianta ouvir só o pessoal do primeiro escalão, aqueles que trabalham diretamente conosco, é preciso ouvir o pessoal de todos os níveis. É claro que não dá para ouvir todos, mas é possível trocar uma ideia com um e outro. Lembre-se de que todas as empresas começaram pequenas e o líder conhecia todo mundo, falava com todo mundo e sabia onde o calo apertava cada um. É assim que se cresce e é assim que se vai sobreviver depois de grande. 74 O contato com seu pessoal também permitirá que sua percepção seja ampliada, conhecendo melhor as capacidades e limitações das pessoas. Muitas oportunidades ficam sem ser aproveitadas simplesmente pelo fato de não terem sido reconhecidas pela liderança. Comunicando-se para fora de seu universo Comunicar-se bem para fora do seu ambiente, além das fronteiras de sua responsabilidade na organização, é uma das mais importantes capacidades de um líder. Essa capacidade vai permitir que as ideias de sua equipe sejam levadas para cima de forma apropriada. Também será importante para que as políticas e determinações que você receber de seus chefes sejam corretamente passadas para o seu pessoal, permitindo que eles trabalhem dentro dos objetivos da organização. Um chefe sem essa habilidade vai dificultar muito o trabalho de sua equipe. Imagine que você e seus colegas se empenharam muito em preparar um determinado estudo sobre os recursos necessários para um novo projeto e, na hora de seu chefe apresentar esse trabalho, ele se enrola todo e o esforço de vários meses vai para o cesto de lixo, porque foi mal apresentado. É duro, não? E que tal aquele tipo caladão que não informa nada quando sai de uma reunião com a chefia da organização? Ele vai para a reunião na matriz, que dura duas horas, e ao voltar e ser 75 perguntado como foi, responde que o café estava frio. Só resta mesmo o telefone, para saber de outro departamento o que foi que aconteceu. Mantenha sempre sua equipe informada, isso é sua obrigação. Outra particularidade ao se comunicar para fora de seu universo é saber se colocar dentro de sua área de atuação. Não seja um mero intermediário de informações; acrescente, sempre que for pertinente, o seu juízo de valor. Se algum funcionário seu faz um determinado pleito, por exemplo, ele deseja juntar as férias de dois anos para ter dois meses fora, pois seu grande sonho é fazer a trilha dos doidos perdidos dos Andes em algum fim de mundo esotérico, não seja apenas o pombo correio dessa informação para o departamento de pessoal. Ao encaminhar o pleito para o setor competente, acrescente seu juízo de valor, coloque no documento que encaminhou, além de sua rubrica, se essa ausência prolongada do seu funcionário vai prejudicar muito o trabalho e se você é favorável ou não. Seus superiores vão ficar agradecidos pela sua assessoria e seu pessoal terá suas causas julgadas com maior justiça. Comunicar-se além de sua área de atuação também trará bons entendimentos com as equipes próximas. Se você é o chefe de um departamento, tente conhecer o departamento ao lado e saber o que eles pensam e como trabalham. Comunique-se com eles e perceberá que poderá ajudar e ser ajudado quando preciso. Isolar-se, também, não é um bom negócio. 76 Comunicação é um grande recurso para as pessoas e, em especial, para os líderes. Como dizia o Velho Guerreiro: “quem não se comunica se estrumbica”. 77 10 – LIDERANÇA EM SITUAÇÃO DE RISCO Não tenhamos pressa, Mas não percamos tempo. (José Saramago) Tive a oportunidade de comandar a Fragata Bosisio entre 2007 e 2009. Nesse período participamos de inúmeras operações, mas as operações de resgate que participamos foram, sem dúvidas as mais marcantes. Para mim essas operações foram um grande desafio. Uma operação de resgate muitas vezes requer que você lide com o risco e a incerteza para poder salvar uma pessoa que você nem conhece. É um trabalho muito bonito, mas não é fácil, requer dedicação e muito profissionalismo. No caso de nosso navio, minha responsabilidade era realizar a operação salvando a vida das pessoas em perigo, sem colocar nenhum dos cerca de 230 tripulantes em situação de risco. É importante manter a equipe sob controle e bem liderada para que na emoção da operação ninguém ultrapasse os limites da segurança e cause um acidente. Mas a linha que divide o sucesso de uma operação de resgate e um acidente é bem fina. Na maioria das vezes, para salvar uma ou mais vidas levamos nosso navio até o limite das possibilidades que a segurança permite. 78 Foi assim no resgate do veleiro Dalkiri, um veleiro da África do Sul que fazia a travessia do Atlântico com um casal a bordo. Recebi o chamado de socorro pelo coordenador do Salvamar quando estava jantando com a família em um restaurante na véspera do feriado do dia do trabalho. Quatro horas depois estava com o navio saindo a barra do Rio de Janeiro com minha tripulação para um dos resgates mais difíceis que participei. A dificuldade estava relacionada, inicialmente, com a incerteza. Não sabíamos ao certo onde estava o veleiro. O pedido de socorro foi feito após uma tempestade e não se tinha a posição precisa do local onde ele se encontrava. Sabíamos que estava bem longe e isso criava uma situação complexa. Tínhamos que chegar nessa posição rapidamente, antes da próxima tempestade e a tempo de salva-los antes que o danificado veleiro afundasse. Para isso iríamos utilizar nossa maior velocidade. O problema é que ao empregarmos uma velocidade alta, aumentamos exponencialmente o consumo de combustível. Pelos cálculos de minha equipe, estávamos no limite da nossa autonomia, com o combustível necessário para fazermos o resgate e voltarmos para o porto. Não teríamos reserva nenhuma. Após um dia navegando, conseguimos receber uma posição mais precisa do veleiro. Para minha preocupação o veleiro estava afastando-se levado pela corrente para uma posição mais distante cerca de 300 milhas. Com isso, teríamos combustível para resgatá-los, mas não para voltarmos. A opção era seguir em frente e 79 pedir que um dos dois navios de reabastecimento viesse em meu encontro durante o regresso para reabastecer a fragata no mar. Essa opção tinha dois inconvenientes. O primeiro era que se uma tempestade nos acompanhasse na volta e se as condições fossem ruins como costumavam ser naquela época do ano, não conseguiríamos fazer a manobra de reabastecimento no mar. O segundo inconveniente era mais preocupante ainda, um dos navios estava em período de manutenção geral, e só estaria pronto dali a seis meses. O outro navio estava cumprindo uma rotina de manutenção de motores, e também estava indisponível. Ou seja, naquele momento, indo com a fragata para o resgate, não havia uma chance de voltarmos. Em uma chamada telefônica com o pessoal do Salvamar traçamos o seguinte plano. Iríamos prosseguir no resgate e o pessoal de manutenção da Base iria virar duas noites para preparar o navio tanque, fazendo a manutenção de seus motores em tempo recorde. Após resgatar o casal, iríamos iniciar o regresso em velocidade econômica e aguardar mais um dia até que o navio tanque concluísse a manutenção, fizesse os testes necessários e nos encontrasse passando o combustível para chegarmos ao Rio em segurança. Caso isso não funcionasse, teríamos de aproximar ao máximo de terra e aguardar um rebocador, mas essa opção não era a preferida de ninguém. Agora estava com dois problemas, salvar duas pessoas e depois levar os dois resgatados e mais 230 tripulante de volta em 80 segurança. Havia risco? Sim, com certeza. Mas o risco estava sob controle e tínhamos dois planos. Se um não desse certo, teríamos nosso plano B. Agora havia a necessidade de lidar com a situação junto com a tripulação. Sabia que todos a bordo tinham noção de que as coisas não estavam fáceis. Eram todos profissionais e a maioria tinha muita experiência. Mas, em operações assim devemos ter o máximo cuidado para que a incerteza não gere especulações, e o risco, que estamos correndo, não gere insegurança na equipe. A melhor forma que encontrei para lidar com isso foi manter a tripulação informada durante toda a operação. Tomei o cuidado para que as informações fossem passadas por mim diretamente, utilizando o sistema de som interno do navio. Não gostaria que a falta de informações gerasse boatos. Regularmente, passava o andamento de nossa operação para toda a tripulação. O resultado foi muito positivo. Conseguimos chegar ao local do resgate antes da próxima tempestade. Utilizamos nosso helicóptero para retirar os dois tripulantes do veleiro antes que ele afundasse. Um dos mergulhadores foi lançado na água com instruções em inglês, explicando como seria o resgate pelo helicóptero. O primeiro a ser resgatado foi o que estava em melhores condições físicas. Essa escolha foi feita pelo fato de que subir em um cabo, saindo do mar para um helicóptero, é uma operação pouco confortável para quem nunca fez isso. Uma vez resgatando o que estava em melhores 81 condições, o segundo tripulante veria que essa operação pode ser feita sem dificuldades se você deixar os profissionais fazerem a parte deles e você simplesmente confiar que vai dar certo. Tudo deu certo. Um simpático casal maduro de sul africanos chegou a bordo de nossa fragata em segurança. Foram recebidos por mim e pelo médico que os examinou e verificou que, fora o cansaço, estavam bem de saúde. Invertemos nosso rumo e começamos o longo caminho de volta. Estávamos a 1220 milhas da costa brasileira e, ainda não sabíamos, havíamos feito o resgate mais distante já realizado no Brasil. A volta para casa, entretanto não foi fácil. Logo no final do dia em que iniciamos o regresso fomos alcançados por uma tempestade violenta. O tempo ruim nos acompanhou até a chegada ao Rio de Janeiro. Para economizar combustível assumimos a velocidade mais econômica e começamos a torcer que o navio tanque conseguisse concluir sua manutenção e nos fornecesse o combustível para que chegássemos ao porto. A equipe de manutenção conseguiu realizar o serviço nos motores do navio tanque em tempo recorde, o que permitiu que o navio viesse em nosso encontro e nos passasse o combustível. No momento do reabastecimento o mar estava agitado, mas com a habilidade da tripulação, recebemos o combustível necessário. Foi um momento de grande alegria e realização, cujo sucesso dependeu muito do trabalho em equipe e da gestão correta do risco. 82 O sucesso da operação foi uma realização coletiva. A colaboração veio de vário grupos: operários que trabalharam nos motores do navio-tanque e sua valorosa tripulação, o pessoal do SALVAMAR que nos ajudou com informações valiosas e a tripulação da Fragata Bosísio com sua coragem e profissionalismo. Para gerenciar o risco contei com meus assessores diretos: os chefes de departamento do navio e o Imediato me ajudaram muito para avaliar as opções disponíveis e escolher o melhor caminho a seguir. 83 12 - ALGUMAS PALAVRAS FINAIS Não tenhamos pressa, Mas não percamos tempo. (José Saramago) Vivemos em um mundo cheio de realizações humanas. Podemos nos orgulhar dos avanços tecnológicos que alcançamos e de todo o conhecimento que adquirimos, mas se olharmos com atenção, perceberemos claramente que ainda há muito trabalho para ser feito. Temos que reconhecer que muito do que há por fazer, como sempre, depende menos da tecnologia e mais das pessoas. É preciso ver e crer nisso. Os maiores problemas que enfrentamos atualmente, e aqueles que aparecerão no futuro, não podem ser resolvidos apenas com tecnologia; as pessoas é que irão resolvê-los. Pensar que a tecnologia é a solução para todas as nossas deficiências é um erro. Acreditar que a era da informação, na qual vivemos, pode abrir mão das pessoas, de suas complexidades e relações é totalmente equivocado. Os problemas mais importantes que temos para resolver dependerão muito mais das pessoas e de sua capacidade de trabalhar em conjunto. Acredito que nosso caminhar para o futuro exigirá o emprego da tecnologia de forma planejada e inteligente, em ações coletivas nas quais a liderança será fundamental. É assim que imagino que podemos vencer os desafios que nossa sociedade enfrenta. 84 Este livro se encerra aqui, nosso trabalho não. Em qualquer área ou atividade, o trabalho em conjunto com outras pessoas é uma grande oportunidade para realizarmos mais, conhecermos mais e, principalmente, sermos mais do que seríamos individualmente. No entanto, para que isso seja possível, é preciso que haja uma boa liderança, voltada para ampliar as possibilidades e capacidades de cada um e realizar coisas que poderiam ser, inicialmente, impossíveis. Aqueles que assumem a posição de liderança devem saber suas responsabilidades e ter a coragem de fazer as coisas acontecerem. Se você gostou do livro, peço sua ajuda de duas maneiras: nos dê um feedback sobre sua leitura contando como o livro pôde auxiliá-lo em suas atividades enviando um e-mail para: [email protected]. Peço também que divulgue o link abaixo para seus amigos fazerem o download gratuito deste livro e terem a mesma experiência que você. www.cmsenna.com.br Finalmente, convido você a explorar nosso site e verificar os diversos serviços que oferecemos. 85 CMSENNA Visite nosso site www.cmsenna.com.br 86