Liderança na Era do
Conhecimento
Cláudio Senna
1
O conhecimento é único bem de valor que possuímos que
quanto mais nós o dividimos, mais ele aumenta.
2
BIBLIOGRAFIA
1- Rockwell, Theodore – The Rickover Effect: how one man make
the difference - United States Naval Institute – Annapolis - 1992
2- Moreira Leite, Dante – O Caráter Nacional Brasileiro – São Paulo
– Ed Ática – 1992
3- Maslow, Abraham H. – Motivation and Personality – Harper
Collins Publishers – New York – 1987
4- Ribeiro, Darcy – O Povo Brasileiro – Ed. Shwarcz – São Paulo
-1995
5- Blades, Jon W. – Rules for Leadership, inproving unit
performance – National Defense University Press –
Whashington DC – 1986
6- DePree, Max - Leadership is an art - Dell Publishing - 1989
3
LIDERANÇA NA ERA DO CONHECIMENTO
Escapa-nos a verdade de que não são as leis escritas,
fabricadas pelos jurisconsultos, as mais legítimas garantias
de felicidade para os povos e de estabilidade para as nações.
(Sérgio Buarque de Holanda)
1 - INTRODUÇÃO
Este livro não é uma teoria sobre liderança, cuja elaboração
estaria muito além de minha capacidade. Uma teoria implicaria
modelar a liderança, algo que não vislumbro, pois as possibilidades e
situações onde ela se insere são tão diversas e variadas que não
podem ser encaixadas em qualquer modelo, sem limitar sua
abrangência. Este livro é fruto da experiência direta em cargos de
liderança e planejamento que exerci ao longo de minha carreira.
Procurei elaborar um texto eminentemente prático, voltado mais
para os profissionais – ou seja, os que têm que aplicar diariamente a
liderança, quaisquer que sejam suas atividades - do que para os que
apenas se dedicam a estudar o assunto. Acredito que essas ideias
possam contribuir para que os primeiros ampliem sua capacidade de
liderança.
Penso que o tema liderança é cada vez mais importante, pois
nos encontramos em um período de transição social, na qual
deixamos para trás um modo de viver característico da era industrial
e entramos em um novo modo de vida, voltado para a era do
4
conhecimento. A importância da liderança hoje em dia pode ser
dimensionada pela diferença entre o processo de produção
intelectual anterior e a atual. Tomemos como exemplo o trabalho de
Isaac Newton.
Newton formulou as teorias da matemática e da física que
serviram de base para a revolução tecnológica que transformou a
humanidade, levando-a de uma sociedade agrícola para uma
industrial. Suas principais teorias foram produzidas em um período
relativamente curto, de um ano, em 1697. Durante este período, o
Trinity College, onde trabalhava, foi fechado por causa da peste
negra e Newton ficou na residência de sua mãe. Após um ano
trabalhando sozinho, e de modo surpreendente, ele havia concluído
a formulação da lei gravitacional, das leis da física moderna, a
decomposição da luz branca em cores e a base do cálculo diferencial.
A partir das ideias de Newton começou uma transformação social
sem precedentes, tendo a Inglaterra como matriz inovadora.
O surpreendente no caso de Isaac Newton foi o fato de que ele
trabalhou sozinho e de forma reclusa para formular suas criações. Na
era industrial que se seguiu, muitas vezes esse mesmo modelo, de
criação individual foi repetido. Se tentarmos imaginar quais foram
os principais produtos da era industrial, você provavelmente se
lembrará dos seus inventores. O avião foi inventado por Santos
Dumont; a lâmpada por Thomas Edison; a máquina a vapor por
James Watt; o rádio por Marconi e o motor diesel por Rudolf Diesel.
5
Se pensarmos nas principais descobertas teóricas que ocorreram na
era industrial também veremos que, na maior parte das vezes, estão
associadas a um indivíduo. A teoria da relatividade foi descoberta por
Einstein; a psicanálise por Freud; o raio X por Rontgen e a penicilina
por Fleming.
Por outro lado, se pensarmos nos principais inventos da era
atual, dificilmente se encontrará em nossa memória o nome de seus
inventores. Pensemos em três dos mais importantes: o celular, a
internet e o genoma. Será que você é capaz de apontar os
inventores/descobridores envolvidos? Provavelmente não. Nós não
conseguimos apontar o indivíduo responsável por esses avanços pelo
simples fato de que essas descobertas não foram fruto do trabalho
de uma única pessoa, mas sim um longo trabalho coletivo,
envolvendo inúmeros pesquisadores e cientistas. No caso do
genoma, uma descoberta importantíssima, ela foi um trabalho que
envolveu inúmeras equipes de cientistas espalhados pelo globo.
A principal diferença que vemos nesses exemplos entre a era
anterior e a atual é que hoje é indispensável o trabalho coletivo, a
partir de equipes, para se criar qualquer coisa nova. E isso não se
aplica apenas ao trabalho de inovação, no dia-a-dia das empresas
essa é, também, uma característica visível. A vida profissional nos
dias atuais demanda, na maioria das vezes, o trabalho em equipe. E
para conseguir que um grupo de pessoas coordene suas atividades,
6
some suas capacidades e alcance objetivos comuns, o papel da
liderança torna-se fundamental.
A era do trabalho individual está ultrapassada, no mundo
contemporâneo, com suas complexidades, é preciso formar equipes
para criar algo que seja relevante. É nesse contexto que considero a
importância da liderança. A liderança se tornou em nossa era um
fator estratégico de desenvolvimento. Nunca foi tão importante
termos líderes. Uma boa ideia não é suficiente para alterar uma
situação. É preciso um longo e complexo trabalho em equipe para
realizar as coisas. É claro que nas eras anteriores houve necessidade
de líderes, e temos diversos exemplos de grandes lideranças que
fizeram a diferença. Mas, de um modo geral, no dia-a-dia das
empresas e organizações do passado, a liderança era voltada para
que as pessoas fizessem algo imaginado pelo líder. Elas perseguiam
os objetivos traçados por um líder talentoso ou cumpriam instruções
detalhadas em uma linha de montagem industrial. O trabalho da
maior parte das pessoas era repetitivo e dispensava criatividade.
Hoje a situação é outra. Estamos, mais ainda, necessitando de líderes
competentes, mas para desempenhar um papel diferente daquele
que era necessário anteriormente. Os líderes atuais devem ser
capazes, principalmente, de aglutinar talentos e fazer com que eles
produzam serviços e produtos complexos de forma coordenada e
criativa. O líder não detém o monopólio do conhecimento e do saber,
mas possui a obrigação de coordenar os talentos de uma equipe. Seja
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na gestão de um projeto complexo de tecnologia, seja na
administração de uma pequena empresa logística, há necessidade de
que a equipe tenha capacidade de inovar e solucionar criativamente
os problemas que surgirem.
Nós brasileiros, de uma maneira geral, pensamos que somos
criativos. Temos muitas ideias boas e ficamos satisfeitos com isso.
Acontece que ideias não são suficientes para fazer as coisas
acontecerem; elas são apenas uma parte do caminho. A ideia é, na
verdade, a parte imaginativa, lúdica, da criatividade. Para ser criativo,
temos que possuir essa capacidade imaginativa; mas outra
capacidade, igualmente importante, não pode ser desprezada. Não
podemos esquecer a parte concreta da criatividade, que é a
capacidade de transformar a imaginação em realização. Nossa
sociedade produz inúmeras ideias, mas quando partimos para a
realização, já não somos tão bons assim.
Outras sociedades, menos imaginativas, conseguiram alcançar
níveis de bem-estar superiores ao do Brasil, principalmente pela sua
capacidade de realização. Para que essa combinação entre o
imaginativo e o concreto “pegue liga” e gere o que é realmente a
criatividade, é necessário que entre em cena a liderança. Para fazer
uma analogia, vamos supor que exista um caminho entre a ideia e a
realização. Esse caminho nunca é uma estrada perfeitamente
asfaltada e com boa sinalização, mas, pelo contrário, cheia de
buracos e desvios, sem qualquer indicação. O ônibus que vai nos
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levar não tem ar condicionado e, logo na primeira meia hora, uma
dúzia de passageiros já começa a reclamar do calor e da poeira. Para
chegar ao destino, é preciso algo mais que, de maneira geral, é
bastante trabalhoso. Como pensamos, erradamente, que as boas
ideias são suficientes para resolver nossos problemas, damos pouca
atenção a coisas como liderança. O resultado é que nosso ônibus fica
pelo meio do caminho e as boas ideias viram apenas bons sonhos.
Para termos um exemplo desse fenômeno, podemos olhar os nossos
políticos. Quantas vezes não vemos um político falando coisas
maravilhosas, diagnosticando os problemas com exatidão e
apontando soluções inteligentes? Mas, logo depois de sua posse no
governo, percebemos que suas ideias maravilhosas não conseguiram
resolver as coisas tão bem como se esperava. Isso é típico e rotineiro.
Tal falha acontece por acreditarmos que ideias boas são suficientes
para resolver os problemas, que leis boas são capazes de modificar
alguma situação. Isso é totalmente falso. Ideias não resolvem nada.
Leis não modificam situação alguma. Somente as pessoas são capazes
de modificar as coisas. É aí que a liderança faz mais falta. Acreditando
em sua capacidade, os chefes, quase sempre, se esquecem de que
não modificarão nada,
hospitais públicos,
não
não
atenderão quem quer que seja
nos
patrulharão as ruas de madrugada,
não
virarão o cimento para erguer
obras, muito menos
terão
paciência com os alunos que não conseguem entender as matérias.
Na verdade, quem vai, em uma primeira instância, transformar suas
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ideias em realizações, são os seus funcionários, os quais ele deveria
liderar. Nenhum chefe, por mais brilhantes que sejam suas ideias, vai
alcançar o sucesso se não sair de seu gabinete, se não conseguir fazer
com que seus funcionários trabalhem em equipe e coordenadamente
para realizá-las. Paradoxalmente, alguns chefes não enxergam seus
funcionários como os seus principais realizadores, mas, pelo
contrário, como seus principais inimigos, vistos apenas como
números, normalmente muito grandes, que atrapalham a montagem
de seu orçamento. Pensando assim, não vão conseguir modificar
realidade alguma. Não podemos nos esquecer que, para realizar, é
preciso liderança, e liderar dá um bocado de trabalho.
Vivemos em uma sociedade com muitas injustiças e
desigualdades, com muitas carências e problemas e que vive um
momento onde uma janela de oportunidade está se abrindo. Não
podemos ficar, comodamente, justificando nossos problemas no
passado que tivemos, em nossa herança histórica. As gerações que
irão nos seguir não nos perdoarão se deixarmos escapar as
oportunidades que estão se oferecendo hoje, agora. As organizações,
tanto públicas como privadas, precisam ser mais eficientes, mais
inovadoras
e
criativas,
para
que
possamos
alcançar
o
desenvolvimento. Nossos governos precisam melhorar e oferecer
serviços de boa qualidade para a população. Nossas empresas
precisam ser melhores, para crescerem e ajudarem a desenvolver a
economia. A sociedade precisa de líderes competentes, que saibam
10
dar espaço para o talento e a criatividade que existe em abundância
em nossa população. A presença da liderança, normalmente, faz a
diferença entre o sucesso e o fracasso, entre o bom funcionamento
de uma empresa ou a sua falência. Liderança é fundamental em
qualquer área de atuação. Normas não produzem nada, técnicas de
gerenciamento também não, uma rede de computadores de último
tipo e acesso à Internet não garantem nada. O que produz são as
pessoas. São elas que fazem acontecer, que podem conseguir o
desempenho acima do esperado, superar as expectativas ou, por
outro lado, colocar tudo a perder. Qualquer organização, pequena ou
grande, estatal ou privada, militar ou civil, só terá sucesso se houver
liderança. As pessoas podem trabalhar de forma coordenada,
motivadas e satisfeitas, tendo pessoas de confiança a quem possam
recorrer para tirar dúvidas ou contar seus problemas quando se
sentirem em perigo. Nenhuma organização poderá crescer se
ninguém aceitar o fato de que uma liderança é importante e que a
melhor maneira de produzir líderes de qualidade é termos muitos
líderes e muitas pessoas pensando nisso. Devemos aprender isso
para poder crescer melhor. Com liderança efetiva, tiraremos melhor
proveito das oportunidades e venceremos com menos traumas as
dificuldades que aparecerem. Nosso ônibus vai passar pela estrada
esburacada e perigosa e chegar ao seu destino.
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2-LIDERANÇA É UMA CAPACIDADE
O que é necessário para se fazer um trabalho
não pode ser aprendido na sala de aula.
É, principalmente, um problema de experiência,
atitude e bom senso, e nada disso se aprende na sala.
A experiência humana mostra que pessoas, e não organizações
ou sistemas de gerência, fazem as coisas acontecerem.
(Almirante H G Rickover)1
Se quisermos ter uma dimensão do que a liderança representa
para o desempenho de um profissional, devemos considerá-la uma
capacidade. Um profissional precisa ter capacidade de se comunicar
bem por meio
da fala e da escrita, para poder desempenhar seu
trabalho. Esses são atributos
fundamentais para a realização de
quase todas as atividades humanas. O
profissional que não
consegue colocar no papel uma ideia, ou escrever um relatório de
forma clara ou objetiva irá , de alguma forma, enfrentar
problemas.
Um funcionário que não consegue falar com clareza o que aconteceu
quando a máquina que estava operando apresentou uma falha,
também pode vir a ter problemas para progredir em
sua empresa.
Não há dúvidas de que a boa capacidade de expressão, pelo menos
O Almirante Rickover foi o responsável pela construção do primeiro reator nuclear, transformando uma
tecnologia até então sem utilidade ou aplicação além da bomba em algo que pudesse gerar
eletricidade.
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de forma clara e objetiva, ainda que puramente gestual, é importante
para o exercício de qualquer atividade.
Com a liderança ocorre o mesmo. Assim como a fala, a escrita
e a expressão corporal, a liderança nada mais é que uma capacidade.
Uma capacidade importante para quase todos os profissionais. Para
ter um bom desempenho profissional, é fundamental conseguir
trabalhar em equipe e, principalmente, chefiar uma equipe, quando
necessário. As organizações precisam de pessoas com essa
capacidade desenvolvida. É a essas pessoas que ela vai confiar tarefas
que necessitem do trabalho de equipes, congregando indivíduos de
diferentes formações e setores, para alcançar os seus objetivos.
Desde já é importante saber-se
que, diferentemente do que
muitos possam pensar, a liderança não é um “dom”, uma
característica que já nasce com alguns privilegiados e que falta em
outros. Isso não é, absolutamente, a verdade. Não existe a menor
possibilidade de que uma pessoa não possa desenvolver a sua
capacidade de liderança. Em condições normais, todos temos esse
potencial, que pode, ou não, vir a ser desenvolvido.
Algumas pessoas, no entanto, sentirão dificuldade para
desenvolver a capacidade de liderança. Nada mais natural. Assim
como alguns têm dificuldade em falar em público e outros sentem
dificuldade em escrever um relatório, a liderança também poderá ser
algo que traga alguma dificuldade para ser desenvolvida. Mas difícil
não significa impossível. Dizem que a liderança é uma capacidade
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encontrada em todos e desenvolvida por poucos. Esse é um ponto
importante. No momento em que se descobre que liderança não é
um dom, uma inspiração que só alguns privilegiados possuem,
estaremos começando a encarar a liderança como uma capacidade
que pode e deve ser desenvolvida. Lembre-se que você não nasceu
nem falando nem escrevendo, mas mesmo assim aprendeu. E esse
aprendizado permitiu que você ampliasse suas possibilidades de
realização. É muito parecido.
A diferença entre a capacidade de liderar e a de expressar-se
através da fala e da escrita é a forma como esta última
se
desenvolve. A liderança, diferentemente da fala, não se aprende
apenas imitando os outros, mas, principalmente, observando a si
mesmo. Observando como se age ou como o grupo com o qual se
trabalha reage às nossas atitudes, vai-se aprendendo a liderar. A
liderança, também, ao contrário da escrita, não se aprende com um
professor, muito menos em sala de aula, pois ninguém consegue
ensinar alguém a ser líder, a não ser o próprio indivíduo. Essas
diferenças são importantes e não devemos nos esquecer delas.
Liderança não pode ser imitada nem aprendida em bases teóricas.
Mas,
apesar
dessas
duas
diferenças
importantes,
as
similaridades da liderança com a capacidade de escrever e falar são
muitas e bastante úteis para se extrair alguns exemplos.
Primeiramente, vamos pensar na escrita. Você pode escrever
um cartão para a namorada, um e-mail para um colega de trabalho,
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uma carta para um cliente ou um relatório para o seu chefe. São
quatro situações bastante diferentes e você, naturalmente, vai
utilizar estilos de escrita diferentes. Em todas as situações é a mesma
pessoa que está escrevendo, mas os estilos são diferentes. Na
liderança ocorre algo parecido. Cada situação requer uma abordagem
diferenciada. Chefiar sua divisão com pessoas que você já conhece há
muitos anos vai demandar uma atitude diferente da que seria
adotada ao representar sua empresa em uma reunião com clientes
estrangeiros. Orientar um grupo de novos funcionários é bem
diferente da tarefa de chefiar um grupo de trabalho com pessoas de
outras filiais que vieram de diversos estados para tentar solucionar
um problema. Em todas essas situações, a mesma pessoa estará em
posição de liderança, mas a postura, a atitude, será diferente em
cada situação. Assim como o ato da escrita se renova a cada texto
novo, a capacidade de liderança também se transforma a cada nova
oportunidade. Com a prática, a capacidade de liderar vai sendo
aperfeiçoada e começamos a perceber que cada situação merece
uma abordagem diferente, para que o trabalho da equipe possa
alcançar o melhor desempenho.
Pensando agora na fala, percebemos que, da mesma forma
que a escrita, adotamos modos diferentes de falar, que variam de
acordo com a situação. Quando falamos, levamos em conta dois
aspectos distintos:
15
Primeiro, adaptamos nossa linguagem ao ouvinte. Quando é
um adulto, a linguagem que utilizamos emprega termos compatíveis
com o seu nível cultural, para que possamos ser compreendidos. Se
nos dirigimos para uma criança, utilizaremos termos que ela seja
capaz de entender. Agindo dessa maneira, adaptando o discurso ao
ouvinte, nosso objetivo é obter o sucesso na transmissão de nossas
ideias.
Similarmente, a liderança também deve considerar quem
são os subordinados, para condicionar o modo de agir do líder.
Subordinados com elevado grau de maturidade (não confundir com
idade cronológica), que têm experiência, sabem suas atribuições
perfeitamente e demonstram um elevado senso de responsabilidade
e dever, demandarão uma liderança específica. Já um grupo de
novatos, sem experiência e sem vínculos fortes com a organização
deverão receber outro tipo de liderança.
Por outro lado, quando falamos, além de nos adaptarmos ao
nosso ouvinte, modificamos o nosso modo de falar de acordo com o
ambiente. Quando conversamos com colegas de trabalho na hora do
lanche, adotamos uma atitude bem diferente do que se estivéssemos
com esses mesmos colegas, no auditório da empresa, apresentando
uma palestra sobre nosso novo projeto. Nesse caso, embora os
ouvintes sejam os mesmos, nossa atitude é bem diferente. Podemos
dizer que adaptamos a nossa postura de acordo com a situação,
levando em consideração, não apenas o ouvinte, mas também o
ambiente em que estaremos inseridos.
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Com a liderança ocorre o mesmo. O modo como será exercida
a liderança deve levar em conta quem são os seus subordinados e
qual o ambiente em que essa liderança estará sendo exercida. Essas
adaptações são muito mais frequentes do que pensamos. Um
gerente chega ao seu escritório e se reúne com seus 3 subordinados
diretos para falar sobre as atividades do dia. Nessa ocasião sua
postura será uma. Logo em seguida, ele comparece a uma reunião
com os 5 novos estagiários que começam a trabalhar essa semana
para passar suas orientações. Sua postura será totalmente diferente.
Embora os seus princípios, a sua ética profissional e os objetivos da
organização sejam os mesmos, sua atitude será diferente. Ele muda
sua atitude para que, de uma forma eficaz, possa obter o melhor
desempenho de seus subordinados. Esse desempenho estará
vinculado à sua capacidade de perceber as mudanças nas situações e
se adaptar de maneira adequada. De maneira geral, podemos dizer
que, na reunião com os seus subordinados diretos, que ele conhece
há muito tempo e que já sabem bem suas responsabilidades, o
gerente vai transmitir suas orientações através de objetivos a
alcançar. Para os estagiários recém chegados, entretanto, sua
orientação será por meio de tarefas a empreender, pois os novatos
não
possuem
maturidade
profissional,
nem
conhecimento
organizacional, para realizar sua função orientada puramente por
objetivos.
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Pelo exemplo acima, podemos entender que o líder deve guiar
sua conduta para atender às necessidades de seus subordinados. Sua
orientação, além de manter-se fiel aos objetivos da organização,
deve ser orientada para permitir que seus subordinados possam
saber o que deve ser feito e possibilitar que atinjam o melhor
desempenho possível. O bom líder entende que suas atitudes devem
se adaptar com a situação e que, no fundo, todo líder também está a
serviço de seus subordinados.
A capacidade de liderar, diferentemente do que alguns
pensam, não é um dom, mas um potencial latente em todas as
pessoas. Algumas desenvolvem esse potencial plenamente, outras
não. De qualquer forma, a capacidade de liderança não é uma
atividade fixa e concreta, pois sua eficácia pode variar de situação
para situação. O bom líder entende isso e sabe que cada situação é
um novo desafio, diferente de todos os anteriores, e que a solução
não pode ser copiada de uma situação para outra. Saber desenvolver
sua capacidade de liderança e adaptar-se a diferentes situações deve
ser uma preocupação constante de todo profissional.
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3-LIDERAR NÃO É MANDAR
Nós, latinos, quando governamos, vamos a extremos:
muita ordem e pouca liberdade ou
muita liberdade e pouca ordem.
(Muñoz Martin)
A maior habilidade de um líder é desenvolver
habilidades excepcionais em pessoas comuns.
(Abraham Lincon)
Na Marinha, aquele que ocupa o mais alto posto em um navio
é chamado de Comandante. Isso não é à toa. Quando se assume a
função de Comandante, assume-se, também, uma enorme
responsabilidade. A partir daquele momento, tudo o que acontecer,
de bom ou de ruim, no seu navio, será responsabilidade do
Comandante. Se houver um acidente, independente de quem tenha
sido o culpado, o Comandante será o responsável. Se ocorrer uma
avaria nos motores, acarretando um prejuízo de grande valor,
causada por uma manutenção inadequada, o Comandante será o
responsável. Se ocorrer uma manobra com tanques no final de
semana e o navio afundar por erro do pessoal que estava de serviço,
o Comandante, mesmo ausente, será o responsável. Se um relatório
sair do navio com dados incorretos, o Comandante será chamado a
ter mais atenção. É bom saber disso logo. Quanto mais cedo se
aprende, melhor. Responsabilidade não é culpabilidade. Responsável
é aquele que dará as explicações, que vai responder pelos erros,
independentemente de ter sido o culpado ou não. Todos os
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Comandantes sabem disso e serão sempre os primeiros a ser
questionados quando qualquer coisa acontecer. Na vida corporativa
ocorre a mesma coisa, há cargos nos quais você é o responsável por
tudo o que acontece. Um gerente de projeto, um presidente de
empresa, por exemplo, devem entender essa questão e saber que o
escopo de sua responsabilidade vai muito além de seus atos. Sua
responsabilidade abrange também os atos e resultados de seus
subordinados. Para assumir toda essa responsabilidade e dormir com
alguma paz de espírito, é preciso saber o que fazer, para manter seu
navio trabalhando de maneira correta.
Para que um navio cumpra sua função (além de diversas coisas
não darem errado) é preciso desempenhar bem muitas atividades.
Devemos ter equipes de manutenção altamente qualificadas, para
assegurar que nenhum equipamento vá falhar em alto mar, no
momento em que mais se precisar dele. É necessário ter um bom
time de navegação, que mantenha as cartas náuticas atualizadas com
as modificações constantes que são divulgadas, que saiba empregar
todos os recursos disponíveis, para que o navio navegue por águas
seguras e trabalhe em harmonia e com precisão. É preciso, também,
ter bons oficiais de manobra, aqueles que conduzirão o navio quando
o Comandante estiver descansando, comendo ou fazendo qualquer
outra atividade que não seja manobrar (na verdade, o Comandante
não fica muito tempo manobrando o navio, pois tem sempre outras
coisas para fazer). No caso de um navio de guerra, vai precisar de
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uma boa equipe tática, que saiba empregar o navio em situações de
combate. Enfim, um Comandante tem sempre muitas preocupações,
muitas coisas para fazer, muitas pessoas para fiscalizar, muitas
atividades para verificar e, infelizmente, nunca pode estar em dois
lugares ao mesmo tempo. Ele vai saber que não conseguirá fazer
tudo e estar presente sempre que for necessário. Sua tripulação é
que vai fazer a maior parte das tarefas e ele dependerá dela para ter
sucesso. Vai ser necessário que cada um, independentemente de o
Comandante estar por perto, faça as coisas de maneira correta e
responsável. Nos navios, mesmo os marinheiros mais novos, com
pouca experiência, terão tarefas importantes a fazer que, caso não
sejam feitas corretamente, poderão comprometer uma missão ou
colocar pessoas e materiais em risco.
O Comandante percebe que mandar não é suficiente. Se tudo
que tiver de ser feito depender de uma ordem do Comandante,
nenhum navio conseguirá, sequer, largar do cais. O Comandante terá
que desenvolver sua habilidade de liderança. É nesse momento que
entra a diferença entre mandar e comandar.
Quando se manda, espera-se que a pessoa que recebe a
ordem vá fazer exatamente o que foi instruído. Nem mais, nem
menos. Isso, obviamente, não é suficiente.
Quando há liderança, consegue-se desenvolver algo a mais nas
pessoas. É o que se pode chamar de “iniciativa consciente”. Cada um,
dentro da organização, desenvolve o senso de dever e reconhece que
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suas tarefas são importantes e devem ser feitas da melhor maneira
possível, independentemente de haver fiscalização sobre o trabalho
realizado. Esse sentimento, em um navio, é indispensável. Nos
navios, as pessoas são sempre em número limitado e não sobra
muito tempo para acompanhar tudo o que é feito, pois todos têm
sempre muito o que fazer. Deve-se inspecionar as coisas mais
importantes e perigosas, mas nunca é possível inspecionar todos os
trabalhos. Quando as pessoas começam a ser responsáveis pelo seu
trabalho e desenvolvem a iniciativa, percebem-se duas coisas bem
distintas. Primeiro, as tarefas passam a ser feitas automaticamente,
independentemente de alguém dar a ordem. Segundo, as tarefas são
bem feitas, mesmo que não haja uma fiscalização ameaçadora para
apontar qualquer falha. O comando envolve, então, não apenas a
vontade do Comandante, mas a vontade e a dedicação dos
subordinados. Essa comunhão de vontades é o caminho mais eficaz
para se alcançar a excelência no desempenho. Não é à toa que a
Marinha nomeia Comandantes, e não “mandantes”.
Um bom Comandante é sobretudo alguém presente. O fato de
não conseguir estar em todos os lugares não quer dizer que sua
presença não faça falta. Ficar em seu camarote ou na sua cadeira no
passadiço é muito cômodo, mas não vai ajudá-lo a comandar. O
empresário que fica apenas no seu escritório, atrás de uma bela mesa
com um computador de último tipo, mandando e-mails para os seus
funcionários, também estará falhando nas suas atribuições. É preciso
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estar presente, visitar todos os setores, conhecer o trabalho do seu
pessoal, saber que, quando é preciso ligar uma bomba na praça de
máquinas, o eletricista faz um bocado de esforço. Saber como estão
as ferramentas que o pessoal anda empregando, se elas são as
melhores que se pode oferecer.
Conhecer os equipamentos de
segurança que são utilizados e seu estado de conservação. Verificar
se os manuais são bem elaborados e se os técnicos receberam os
ensinamentos necessários para realizar seu trabalho. Constatar se os
treinamentos são bem ministrados, se os instrutores são bem
formados e sabem o que estão ensinando. Sempre que for possível,
deve ir até o local onde foi realizada uma tarefa difícil, elogiando
quando for bem feita e criticando quando for necessário. Cada um de
nós sente necessidade de ter o trabalho reconhecido. É muito
desestimulante fazer um enorme esforço para realizar uma tarefa e
ninguém se importar com isso. Mesmo que seja necessária uma
correção no que foi feito, mesmo que seja necessário melhorar ou
até mesmo fazer tudo de novo, assim mesmo será melhor do que a
ausência de qualquer observação - a indiferença.
Para liderar é necessário ouvir muito. Conversar com o pessoal
de todos os níveis dentro da organização. Quando se conversa,
normalmente as pessoas falam aquilo que mais as incomoda, que
mais as preocupa. Não tente se enganar atrás de uma bela tela de
computador, ela vai mentir para você muitas vezes. Reuniões formais
também produzem grandes ilusões, muitas coisas deixam de ser ditas
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ou o são de forma amena, quando se tem que assinar uma ata de
reunião. Os corredores, sim, esses não mentem nunca; é onde as
verdades das empresas e organizações são faladas sem pudor.
Quando algum assunto começa a ser falado nos corredores, deve-se
ter atenção.
Um bom líder está sempre em contato com os subordinados,
para que estes saibam exatamente como você quer as coisas, qual o
seu nível de exigência, onde
quer chegar. A presença do
Comandante dará à tripulação do navio a referência de que se
precisa para desenvolver o trabalho de equipe.
Ao estar presente, verificando, corrigindo e direcionando as
diversas tarefas realizadas, o líder estará valorizando o trabalho de
seus subordinados, fazendo com que cada um sinta a importância do
que está realizando, e assim possa se orgulhar dos bons resultados.
Quando o orgulho de seu próprio trabalho começa a ser percebido,
esse é um ótimo sinal; indica que está nascendo o “sentimento de
dono”. Esse sentimento é o zelo e a dedicação que cada um nutre por
sua contribuição. Nesse momento o chefe deixa de ser um
“mandante” e passa a ser o verdadeiro Comandante.
Nós, brasileiros, costumamos associar a liderança à ideia de
obediência ao ato de mandar. Essa associação é equivocada; o
conceito de liderança deve estar diretamente associado ao de
desempenho. Essa é uma diferença fundamental. Para que uma
equipe ou uma organização alcance o sucesso e tenha um bom
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desempenho, é preciso que sua liderança esteja comprometida em
desenvolver algo que vai muito além da obediência, algo que esteja
diretamente relacionado com a capacidade pessoal e permita ao
grupo alcançar objetivos e superar expectativas. Acreditar que o bom
líder é o que consegue desenvolver a obediência na sua equipe é um
erro. A verdadeira liderança existe quando cada tripulante do navio
ou membro de uma equipe consegue desenvolver seu potencial e
alcançar o melhor desempenho possível, contribuindo para a
excelência de sua organização, independente de seu chefe estar ou
não dando ordens e fiscalizando. Henry Ford foi um dos maiores
industriais americanos. Ele dizia que, em suas fábricas, não queria
dois tipos de funcionários: “aqueles que não cumprem ordens e
aqueles que só cumprem ordens”.
Liderar não é mandar, é comandar.
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4-INTEGRIDADE
Quando estou fraco, então é que sou forte.
(Coríntios 12:10)
Benito Mussolini foi um ditador. Seu plano era transformar a
Itália em uma grande potência, anexar territórios e expandir a
economia. Para isso era necessário muito trabalho. Sua política
envolvia um enorme esforço de marketing que pretendia manter a
população absorvida por suas ideias, através da esperança e do
medo. A esperança seria responsável por manter a impressão de que
os enormes sacrifícios exigidos eram necessários para garantir um
futuro melhor. O medo se encarregaria de manter o mesmo
comportamento naqueles cuja esperança já tivesse ido embora. Em
Roma, a capital, todos os italianos que passavam pela rua em frente
ao prédio do governo percebiam que a luz do escritório do
governante ficava acesa até a madrugada. Era possível presumir que
o “Duce”, como Mussolini era chamado, estava trabalhando pelo
bem do país, sacrificando seu merecido descanso. Após ter sido
derrubado do poder, descobriu-se que, na verdade, Mussolini dormia
bem cedo; seu empregado era encarregado de manter o escritório
aceso e apagar a luz somente quando já era bem tarde.
Liderança efetiva é algo bem diferente do exemplo acima. A
integridade é fundamental para que uma relação de confiança e
respeito seja estabelecida. Muito mais importante do que o trabalho
26
de marketing ou o relacionamento pessoal é a manutenção da
integridade de suas atitudes com os valores que se defende. Valores
e atitudes devem estar coerentes para que se tornem a base de uma
liderança.
No caminho do estabelecimento da liderança existem algumas
armadilhas em que não devemos cair. A primeira delas é pensar que
a liderança é a obediência de um grupo a uma pessoa. Mais
importante do que desenvolver a fidelidade ao líder é fazê-lo para
com valores. Se o líder defende determinados valores, suas atitudes
são coerentes com eles e as pessoas os assumem
sim, terá sido
como seus, aí
estabelecida a liderança efetiva. Os indivíduos que a
História consagrou como grandes governantes tiveram, quase todos,
como característica comum, a continuidade de seus projetos, mesmo
após suas saídas dos cargos. Percebe-se, assim, que uma boa
liderança adquire caráter permanente, transcendendo o líder e
mantendo a continuidade dos valores implantados. Esse fenômeno
pode ser notado em qualquer nível administrativo, seja em um país
ou em uma empresa. Um grande líder deixa o seu cargo, é
transferido de função, mas o seu modo de trabalho e suas ideias
permanecem entre aqueles que compuseram sua equipe. É muito
comum encontrar-se determinados departamentos de uma empresa
que trabalham orientados por valores sólidos e de forma eficiente.
Quando se
procura o responsável por esse comportamento, somos
surpreendidos pela descoberta de que o idealizador e implementador
27
desse modo de trabalho já deixou o departamento há muito tempo. É
comum que o líder associe
à sua pessoa os valores e ideias que
defende; isso é normal e não costuma causar embaraços; todavia, se
ele
pensar que o culto à sua pessoa é mais importante que aos
valores que defende, estará cometendo
um equívoco sério, que
poderá levar sua equipe a depender exclusivamente dele, ou de sua
presença, para as coisas saírem bem.
Integridade é um compromisso muito sério que assumimos
com nós mesmos. Para sermos íntegros e decidirmos de acordo com
nossos valores, temos que ter a coragem de enfrentar as resistências
que sempre aparecem. Não adianta se iludir, ninguém consegue
agradar a todos. Tentar agradar a todos é impossível e
antiproducente. Não se consegue liderar agradando a todo mundo.
Se
fizermos isso, seremos obrigados a variar nossos valores ao
sabor das situações e mudar nossas
ideias a todo momento, para
não contestarmos ninguém. Agindo dessa forma, pessoas que não
merecem serão tratadas da mesma maneira que aqueles que mais se
dedicam e se comprometem com o trabalho. Se você tenta agradar a
todos, os mais importantes para sua equipe serão justamente
aqueles que ficarão mais decepcionados com sua atitude. Não se
deve evitar confrontos com quem deve ser confrontado, com pessoas
que não estão preocupadas com valores, e muito menos, com
integridade. Como resultado final, sua liderança será superficial e o
desempenho de sua equipe, medíocre. Para liderar de verdade é
28
preciso enfrentar quem deve ser enfrentado, desagradar quem deve
ser desagradado, corrigir quem deve ser corrigido e tomar todas as
atitudes com imparcial justiça. Não vou escrever um livro dizendo
que a liderança não trás nenhum aborrecimento e que tudo pode ser
conseguido de maneira fácil e sem tensões envolvidas; estaria sendo
falso se fizesse isso. Qualquer equipe de trabalho tem suas próprias
tensões e atritos que necessitam ser superados pelo líder. Ter
coragem para enfrentar essas situações é uma característica
indispensável.
A coerência entre valores e atitudes facilitará a importante
transmissão do exemplo. Não há necessidade de forçar situações e
tentar passar a ideia de que o líder é um ser perfeito, que trabalha
mais que todos e está acima dos outros mortais. Se suas atitudes são
coerentes com os seus valores, o exemplo é passado naturalmente.
As pessoas em posição de liderança acabam sendo colocadas em
situação de destaque e passam a ser observadas pelo seu grupo com
maior atenção. Nos momentos de decisão, suas escolhas serão
cuidadosamente observadas. Essas são as melhores oportunidades
de transmitir para a equipe os valores em que se
acredita. Não
adianta ter um discurso bonito, se é desvinculado de suas atitudes.
Principalmente, é nos momentos de decisão que esse vínculo entre
discurso e atitude é verificado. O exemplo dado pelo líder é,
naturalmente, absorvido pelos seus liderados. Liderar sem dar bom
exemplo é muito difícil.
29
Embora o bom exemplo seja uma grande força a favor da
liderança, o líder deve ter muito cuidado com a força do mau
exemplo, pois esta costuma ser muito mais poderosa. O grupo
observa da mesma forma os bons e os maus exemplos do líder. Se ele
assumir um comportamento que julgar importante para sua equipe,
alguns, ao observá-lo, comentarão o seu exemplo. Por outro lado, se
ele
se comportar de maneira incorreta e contra os valores que
defende, todos irão notar e comentar seu deslize. As notícias de um
chefe fazendo algo errado se espalham mais rapidamente do que
“spam” na internet. Alguns irão abandoná-lo, caso sintam que suas
atitudes estão ferindo os valores pessoais dos subordinados. Outros
aproveitarão seu mau exemplo para justificar suas próprias atitudes
erradas. Um mau exemplo de um líder porá o trabalho de um longo
período a perder. Tão importante quanto dar bons exemplos é, acima
de tudo, policiar-se para não dar maus exemplos. Ser uma pessoa
íntegra, coerente com seus valores, permitirá que suas atitudes
sejam exemplos positivos em todas as situações.
Finalmente, ser íntegro significa agir coerentemente com os
seus valores nas mais diversas situações, independentemente de
esses valores facilitarem ou dificultarem as coisas. Não é possível ser
um líder, cobrando das pessoas uma atitude econômica na
manutenção de seus ambientes de trabalho, e realizar obras luxuosas
em sua sala. Também não é possível cobrar pontualidade das pessoas
30
na obediência aos prazos estabelecidos e dilatar seus próprios
prazos, quando ocorrer qualquer dificuldade.
Ter uma liderança vinculada a valores não significa, entretanto,
ficar engessado quanto a possibilidades de mudanças. Quando era
jovem, cursando o que hoje se chama de ensino médio, recebemos
em nosso colégio um ex-aluno, que tinha conseguido muito sucesso
na carreira. Após o almoço em sua homenagem, no imenso
refeitório, ele fez um discurso. Suas palavras iniciais nunca mais
esqueci: “... se eu tivesse que começar tudo de novo, faria tudo,
exatamente, da mesma maneira...”. Ao ouvir isso fiquei chocado, pois
uma de minhas diversões favoritas era imaginar como agiria se
tivesse a oportunidade de voltar o tempo e fazer tudo novamente.
Pensava em fazer tudo diferente, evitando os antigos erros que havia
cometido e, até mesmo, tentando alterar os acertos, pois repeti-los
seria extremamente entediante. Ao ouvir aquele
senhor, com sua
experiência, falar que faria tudo exatamente igual, minha primeira
reação foi pensar como eu era estúpido, pois não conseguia acertar
nada na primeira tentativa. Pensei que o sucesso dele era
consequência de sua capacidade em acertar de primeira e não se
arrepender daquilo que havia feito. O raciocínio dos jovens é mesmo
um tanto complicado. Toda vez que me arrependia de alguma coisa,
ficava mais arrependido ainda ao lembrar o velho senhor defendendo
sua repetência existencial. Passados alguns anos, acabei
a ideia de que repetir tudo exatamente
31
aceitando
da mesma forma não é a
melhor decisão. Hoje, sinto-me bem com essa capacidade de alterar
meus paradigmas. Embora os valores que tento seguir sejam simples
e poucos, eles conseguiram se manter inalterados por longo período.
Aos meus valores sou extremamente fiel, mas isso não implica ser
uma pessoa parada no tempo. Os valores são os mesmos, mas as
soluções para os problemas devem estar constantemente em
evolução. Um mesmo problema pode ter soluções diferentes em
momentos diferentes. Não devemos confundir a coerência com
determinados valores com a experiência vivida em determinado
momento. As pessoas que costumam citar constantemente: “no meu
tempo...” estão ligadas a um momento definido e não conseguem se
adaptar a novas realidades. Como o mundo está em constante
mudança, essas pessoas poderão perder sua capacidade de achar
soluções, pois suas soluções são sempre referenciadas a um
paradigma que não mais existe. Para evitar tornar-se uma pessoa
paradigmática, estacionada em uma determinada realidade, o líder
deve estar compromissado com valores e não com soluções
definidas. Qualquer solução que se adote deve ser exequível dentro
do ambiente em que está situada. Sendo íntegro, não há por que
temer as mudanças que vierem no futuro.
A integridade é uma característica importante e sutil. Sua
ausência, embora seja dificilmente percebida pelo líder, é facilmente
detectada pela equipe.
32
5 - EQUIPES
Boas decisões não nascem da unanimidade, mas da divergência.
(Peter Drucker)
A formulação de um problema é quase sempre mais importante
que sua solução. Levantar novas questões, novas possibilidades,
abordar velhos problemas de um novo ângulo requer imaginação
criativa e permite avanços reais na ciência.
(Albert Einstein e L. Infield)
Conseguir trabalhar bem em equipe, fazendo com que um
grupo alcance resultados positivos, é uma das mais importantes
responsabilidades de um líder. Desenvolver um trabalho em equipe
pode até parecer uma tarefa fácil, mas não é. Conflitos internos,
interesses pessoais e vaidade são alguns dos venenos que podem
contaminar um grupo e levá-lo ao fracasso. O medo de ver sua
equipe atacada por esses ingredientes também pode, por si só,
comprometer todo o seu objetivo. Analisar os fundamentos do
trabalho em equipe é uma tarefa complexa, pois depende do
contexto, da finalidade, do tamanho e da composição da mesma.
Várias abordagens podem ser utilizadas para se estudar a dinâmica
do trabalho em equipe e, de qualquer maneira, não é possível
elaborar um modelo, ou uma teoria abrangente, para explicar todas
33
as possíveis situações. Não é minha intenção lançar qualquer nova
teoria sobre o trabalho em equipe, algo que, por si só, já seria
suficiente para um livro. Pretendo dar uma ideia, eminentemente
prática, apresentando algumas características que poderão ajudar o
desenvolvimento do trabalho em equipe. Essas ideias, naturalmente,
não são regras, nem mesmo são válidas para todos os tipos de
equipe; basicamente, dizem respeito a equipes formais de contexto
urbano/industrial. Mesmo com tantas limitações, acredito que sejam
úteis, pois servem para inspirar a observação e análise, necessárias
ao desenvolvimento da capacidade de trabalhar em equipe.
Uma ideia básica deve-se ter em mente: nenhuma equipe é
formada por uma só pessoa. Como assim? Isso é óbvio! Bem, para
uma equipe ter algum valor é necessário juntar pessoas diferentes.
Se você conseguisse montar uma equipe onde todos pensassem
exatamente da sua maneira, a criatividade, a capacidade de resolver
problemas ou o conhecimento que você tem não seria acrescido de
nenhum valor. Isso parece óbvio mas, na prática, muitas equipes
funcionam como se seus componentes fossem clones intelectuais de
seu chefe. Se o chefe tem uma solução, ninguém questiona; se o
chefe acha que A é melhor que B, todos concordam; e esse clima de
“sim senhor” chega a deixar alguns chefes bem satisfeitos. A riqueza
de uma equipe reside no lado oposto, justamente no fato de ser
formada por pessoas diferentes, que apresentam ideias e soluções
variadas. É dessa forma que, juntas, podem superar diversos
34
problemas que, individualmente, seriam incapazes de superar. Para
que essa armadilha da homogeneidade não ocorra, é necessária uma
liderança corajosa, que aceite correr riscos, que seja tolerante com o
diferente e que possa criar, com o decorrer do tempo, espaço para
que cada um se expresse e desenvolva, na totalidade, o seu
potencial. O líder deve estar muito atento para manter sua equipe
trabalhando como equipe, deixar o ego de lado e encorajar as
pessoas a discordarem e apresentarem as suas soluções, pois acima
do chefe estão os valores que o grupo deve servir. As diferenças de
formação dos liderados
são, portanto,
algo positivo, que cria um
ambiente heterogêneo, potencialmente muito útil e criativo. Se na
sua equipe existe alguém que sempre concorda com você, um dos
dois, provavelmente, é dispensável. Em nossa sociedade moderna, a
criatividade, o conhecimento e a capacidade de gerar soluções são
atributos indispensáveis e valiosos. A formação de uma equipe
homogênea limita justamente esses valores.
Uma segunda ideia fundamental é a importância do “espaço”.
A liderança deve estar sempre atenta para garantir que todos na sua
equipe tenham “espaço”. Isso significa conceder a cada um a
oportunidade de manifestar todo o seu potencial, seja ele técnico,
intelectual, teórico, prático, enfim, permitir que todos possam se
realizar com o seu trabalho. Isso, aparentemente algo óbvio, não é
tão fácil de se conseguir. Ao olharmos um organograma de uma
empresa, vamos logo perceber que existem departamentos, divisões
35
e diversas “caixinhas” com nomes diferentes e que obedecem a uma
formação, aparentemente, lógica. Existem, também, aqueles mais
detalhistas, que dentro da sua divisão criam um organograma que
divide cuidadosamente as tarefas de cada um. Embora esse sistema
seja destinado a privilegiar o conjunto, permitindo que muitas
pessoas trabalhem em harmonia, o resultado, muitas vezes, é o
oposto, ou seja, limita o trabalho das pessoas e impede que elas
trabalhem em conjunto. Parece estranho, mas um organograma, que
é um gráfico para mostrar como as pessoas podem trabalhas juntas,
acaba sendo uma desculpa para as pessoas trabalharem isoladas,
cada
uma
em
sua
“caixinha”.
Obedecer
rigorosamente
a
organogramas e estruturas burocráticas limita o espaço de atuação
das pessoas. Cria a falsa ideia de que se o problema é no
departamento vizinho, então o problema não é seu. É natural que as
organizações tenham estruturas formais, porém essas estruturas não
devem limitar as capacidades das pessoas. A mesma coisa acontece
com as funções. Se alguém tem a função de cuidar das finanças,
parece que não tem o direito de se interessar ou de apresentar sua
sugestão no setor produtivo. Uma equipe, independentemente da
sua dimensão, deve dar espaço para todos. Ninguém deve ser
limitado pela função formal que está exercendo ou por sua posição
no organograma; o único limite que deve existir é a capacidade de
cada um. O líder deve garantir o privilégio da realização para todos.
36
Dar “espaço”, é claro, não significa apenas permitir que as
pessoas apresentem sugestões. Para quem
pensa assim, a caixa de
sugestões no corredor resolve o problema. O “espaço” significa
participação, envolvimento. O líder deve conceder essa possibilidade
para todos. Como em qualquer grupo, reunindo pessoas com
características diferentes, existem os mais desinibidos e os mais
tímidos, aqueles que não se manifestam nunca. Para esses é que
deve ser dada maior atenção. O fato de a
pessoa ser mais
reservada não significa que ela não tenha como contribuir. Quebrar
essas barreiras e incluir todos no processo é um bom sinal de
respeito e consideração. Não se deve confundir, também, opinião
com voto. A liberdade de opinar é apenas um aspecto do “espaço”
que deve existir.
A tolerância com o “diferente”, com o pouco usual, também é
muito importante. A tolerância vai permitir que se consiga lidar
melhor com as diferenças de opiniões que podem, e devem, surgir
quando se trabalha em uma equipe heterogênea. Nesse sentido,
quanto mais variada for a sua equipe, maior será a riqueza da
abordagem de um mesmo assunto e, consequentemente, maior a
possibilidade de se encontrar uma solução. Porém, de nada adianta
sua equipe ser heterogênea, se ideias diferentes não são aceitas. Se
não há tolerância, os mais criativos, normalmente, serão os mais
insatisfeitos. Por outro lado, a tolerância não deve trazer prejuízos ao
funcionamento da equipe, nem tentar conseguir o consenso em
37
todas as decisões. A liderança deve, então, estar atenta para evitar o
“assembleísmo” excessivo, a tendência de levar todas as decisões
para o sistema de “colegiado”. Nem sempre essa postura é a mais
correta. Uma vez que a responsabilidade da decisão cai sobre apenas
uma pessoa -
o líder - não é correto que ela queira buscar a
proteção coletiva de sua equipe para fugir a isso, até porque estará
sendo remunerado de diversas formas para assumir esse encargo.
Os conflitos em uma equipe, normalmente, não são gerados
pelas diferenças de opiniões, mas sim pelas
tentativas de se
alcançar a unanimidade. Esse processo de busca pelo consenso, de
querer alcançar a unanimidade, é sintoma de falta de liderança. Ser
tolerante com as diferenças não é a mesma coisa que agradar a
todos. Buscar o consenso pode ser uma enorme perda de tempo,
além de criar tensões internas, desnecessárias ao grupo.
É importante, também, saber que não nos bastamos; nós
precisamos de outras pessoas para realizar as coisas. No mundo
atual, onde o individualismo é uma das mais visíveis características,
admitir isso pode ser um pouco trabalhoso. Aqui no Brasil, muitas
vezes, nos sentimos desamparados, pois a situação econômica é mais
vulnerável do que nos países desenvolvidos. Essa instabilidade nos
leva a buscar a independência em todos os sentidos. Todo brasileiro
sonha em ser patrão, sonha ser independente. Sonha em não
precisar de mais ninguém, nem depender de nada. Incutir a ideia de
que não somos suficientes, mas dependemos uns dos outros,
38
fazendo com que cada um saiba como é importante somar as
habilidades para que o coletivo seja mais capaz que o indivíduo, é um
trabalho especial do líder. Inicialmente, para dar o exemplo, o líder
não deve tentar ser autossuficiente, o sabe-tudo, aquele que tem
sempre razão e que ”comprou a verdade” quando esta se encontrava
em liquidação. O exemplo de que até mesmo o líder precisa de sua
equipe é um ponto de sustentação para o trabalho de grupo.
Lideranças arrogantes, que querem demonstrar sua capacidade
intelectual superior, levam a comportamentos semelhantes nos
demais componentes do grupo e acarretam a desunião.
Finalmente, sempre que nos depararmos com uma boa
equipe, certamente iremos encontrar ali uma liderança especial,
comprometida, principalmente, em criar as condições mais
favoráveis possíveis, para que seus subordinados consigam:
desenvolver todo o seu potencial, encontrar o “espaço” necessário
para esse desenvolvimento e manter sua energia direcionada para os
valores
e
objetivos
que
se
propõem
a
alcançar.
Assim,
encontraremos um tipo de inversão, bastante saudável, em que o
líder estará, na verdade, a serviço de seus subordinados, trabalhando
para permitir que outros se realizem e atinjam seus potenciais. As
decisões serão uma das obrigações que o dirigente terá, mas sempre
vinculada à ideia de propiciar as escolhas para a equipe produzir
melhor.
39
6 - A BUROCRACIA MALDITA
O Brasil é feito por nós, só falta desatar os nós.
(Barão de Itararé)
Uma das mais fáceis soluções encontradas para suprir a
ausência de liderança é a burocracia. Quanto maior a falta de
liderança, maior será a burocracia. Nós, brasileiros, temos uma
verdadeira paixão por ela – herdada do patrimonialismo ibérico,
como bem o demonstraram Raymundo Faoro, José Júlio Senna e
outros. Nossas organizações são pródigas em normatizar tudo e
todos. Criamos uma norma para os operários, outra para os gerentes
e outra para o funcionamento dos conselhos. Definimos o
procedimento de compra ou como deve ser elaborado um projeto.
Tentamos definir tudo, para que qualquer um dentro da organização
saiba exatamente quais são suas obrigações e como deve conduzir
seu trabalho. Esse tipo de atitude é muito bom para evitar qualquer
aborrecimento, mas é inadequado para conseguir alto desempenho.
Você faz assim: escreve um monte de normas, encaderna em
vários volumes e distribui cópias para os diversos setores da sua
organização. Como você é um democrata, cria uma norma,
naturalmente acompanhada de um formulário ou modelo, para que
qualquer um dentro da organização possa sugerir uma modificação
ou uma nova norma, contribuindo, assim, para melhorar a
40
organização. Quando um novo funcionário é admitido, a primeira
coisa que se faz é entregar-lhe os vários volumes, cuidadosamente
preparados, para que ele faça uma leitura (não esqueça de fornecer
uma garrafa térmica com café forte). Quando ele disser que já leu
tudo, pronto, seu computador, quero dizer, sua mente já está
formatada e com o sistema operacional da organização gravado. Ele
já sabe o que fazer, o que não fazer e o trabalho pode começar. A
partir daí, não há com que se preocupar. Se ele cometer algum erro,
é só mostrar a norma que ele não cumpriu. Tudo estará escrito.
Nessa organização, para se dar bem, basta saber ler e ter boa
vontade; fácil, não? Você, que é o chefe, fica totalmente protegido.
Quem manda não é uma pessoa, são as normas. Quem exige são as
normas e não você. Em resumo, você pode ficar com a consciência
tranquila, pois sua única tarefa é fazer as pessoas cumprirem suas
obrigações. Não há a menor necessidade de se envolver. Quando
alguém tiver uma dúvida, sua obrigação é apenas mostrar onde está
escrito o procedimento a ser adotado.
Sempre trabalhei de maneira oposta. É claro que algumas
normas e regulamentos são necessários e devem ser conhecidos, não
existe
nenhuma
regulamentos.
Em
organização
alguns
que
casos,
não
as
tenha
normas
normas
são
ou
mesmo
indispensáveis. Mas o erro é pensar que normas e regulamentos são
suficientes. Podemos normatizar uma parte do trabalho das pessoas,
mas qualquer trabalho tem o seu lado abstrato, subjetivo e criativo.
41
Essa parte do trabalho não é possível normatizar ou regular. O
excesso de normas e regulamentos também pode inibir a capacidade
das pessoas, impedindo que façam algo mais simplesmente por esse
algo não estar escrito.
Nunca limitei o trabalho de qualquer um ao cumprimento das
normas. Penso que as pessoas devam ter liberdade para realizar suas
tarefas e assumir suas responsabilidades. Descrições minuciosas das
atribuições de cada função e organogramas muito detalhados
acabam limitando as capacidades das pessoas. Responsabilidades
devem ser definidas de modo genérico, para não limitar ninguém.
Qualquer um deve ter liberdade de buscar ajuda ou informação onde
for melhor para conduzir seu trabalho de modo eficaz e eficiente.
Organogramas, por sua vez, são um artifício gráfico para mostrar às
pessoas de uma organização como elas devem trabalhar juntas.
Curiosamente,
as
pessoas,
muitas
vezes,
baseiam-se
nos
organogramas para trabalhar de forma separada e egoísta. Já ouvi
muitas pessoas dizendo algo do tipo: “esse problema não tem nada a
ver comigo, pelo regimento da empresa isso é coisa para o pessoal do
departamento financeiro”. Será que existe realmente essa divisão?
Será que as pessoas devem considerar os departamentos e divisões
como sistemas independentes? Penso que não.
Acredito que cada pessoa deva ser limitada não pela sua
função ou pela “caixinha” que ela ocupar no organograma, mas
unicamente pela sua capacidade. Mas, para trabalhar com essa
42
flexibilidade,
certamente,
uma
liderança
bem
sólida
será
indispensável. A orientação do líder aos seus subordinados deverá
ser constante e sua presença disponível para tirar dúvidas. Nesse
caso, a liderança não pode ser limitada apenas ao nível mais elevado
da organização, mas deve estar vigorosamente estabelecida nos
diversos níveis. Os líderes devem ser muito bem qualificados e
comprometidos com os valores da organização, pois terão a tarefa de
promover o desempenho de suas equipes, de acordo com os
objetivos a serem alcançados. As normas, organogramas e descrição
de tarefas serão uma orientação básica, mas cada um deve explorar
suas capacidades ao máximo, realizando mais e ajudando a
organização a alcançar seus objetivos.
A vantagem desse sistema, baseado na liderança e não na
burocracia, é o ganho que se consegue com a agilidade. Bons líderes,
diferentemente de boas normas, conseguem perceber pequenas
mudanças nas ameaças e nas oportunidades e podem promover os
acertos necessários. As normas não fazem isso, são cegas, surdas e
muito lentas para se adaptar. No mundo de hoje, a característica
mais marcante é a velocidade. Existe velocidade na informação, nos
produtos e nos serviços. As organizações que conseguem sobreviver,
geralmente, não são as mais fortes, mas aquelas que conseguem se
adaptar mais rapidamente, as mais ágeis. A liderança cria a agilidade
que a burocracia mata. Esse é, por si só, um ótimo motivo para
investir em liderança.
43
Normas muito específicas acabam limitando a iniciativa das
pessoas. Uma equipe bem orientada sabe o que deve ser feito e
possui iniciativa para resolver problemas e aproveitar oportunidades,
característica fundamental para qualquer organização moderna. O
líder deve saber a capacidade das pessoas que trabalham com ele e
ajudá-las a chegar ao seu máximo desempenho. É preciso mais
liberdade para que as pessoas se sintam bem no trabalho e consigam
se realizar plenamente. É preciso liderança para transformar a
realização pessoal em realização coletiva. Buscar abrigo na
burocracia é, na verdade, uma forma de compensar a falta de
liderança. Confiar apenas em normas pode ser muito perigoso, pois
elas não têm a agilidade que é vital hoje em dia.
44
7 - A HORA DA DECISÃO
Não hesite em começar um projeto de maneira precária.
Se você for esperar pelas condições ideais, não irá realizar
nada.
(Almirante Ary Parreiras)
Final de campeonato, estádio cheio, 44 minutos do segundo
tempo. O placar mostra zero a zero. O nosso valoroso zagueiro
derruba o atacante dentro da área. O juiz apita, corre para a marca
do pênalti. O melhor atacante do time adversário se dirige para o
local da cobrança, segura a bola, olha para o gol, encara o goleiro e
coloca a bola novamente na marca do pênalti. O artilheiro toma
distância. Nesse momento o tempo passa voando na cabeça do
goleiro. Será que ele está preocupado com o possível insucesso? Será
que ele está radiante com a possibilidade de salvar o time no último
minuto e entrar para a história? Na mente do goleiro o raciocínio é
rápido, uma gota de suor escorre e molha seu olho
esquerdo. Ele
pensa nas suas opções. Devo pular para a direita ou para a esquerda?
Devo aguardar o atacante chutar para depois pular ou pulo antes
para tentar a sorte? Devo ficar no meio do gol? O juiz apita e autoriza
a cobrança. Chegou a hora da decisão.
Diariamente, tomamos inúmeras decisões. Algumas são
simples e de pouca importância. Outras são complexas, difíceis de
45
serem tomadas e seu resultado pode gerar reflexos significativos na
nossa vida, no nosso patrimônio e no nosso futuro.
Algumas vezes
decidimos sob pressão de pessoas próximas, em outras sob prazos
curtos. De qualquer forma que se apresentem, sabemos que algumas
decisões são fundamentais e aqueles que conseguem decidir melhor,
normalmente, são os que têm maiores chances de sucesso.
Para quem está em posição de liderança, o momento da
decisão torna-se mais importante ainda. As decisões que um líder
toma podem afetar os seus subordinados diretamente. Todo líder
possui essa atribuição e deve ter a competência para decidir bem.
Outro ponto importante para um líder é que algumas decisões
devem ser delegadas aos seus subordinados. Desse modo, selecionar
os subordinados que podem receber esse tipo de responsabilidade e
saber as decisões que devem ser delegadas também é uma atribuição
importante.
Mas o processo pelo qual decidimos é poucas vezes
compreendido ou conhecido. Afinal de contas, será possível entender
como decidimos e empregar esse conhecimento para tomarmos
melhores decisões?
Não sei responder a essa pergunta, mas acredito que
possamos pensar juntos a respeito desse assunto. Quando você
decide, quais devem ser os principais aspectos que influenciam a sua
decisão?
46
Penso que, em primeiro lugar, vêm os dados e informações de
que dispomos sobre o assunto em questão. Se vou comprar um
carro, dados como a cor, o modelo, o preço, o consumo, a
quilometragem rodada e outros são importantes e vão influenciar
minha decisão.
Um segundo aspecto que influencia uma decisão é o
temperamento do decisor. Será ele uma pessoa arrojada ou
precavida? Será apressado, ou calmo e tranquilo?
O tempo disponível para raciocinar sobre a decisão a ser
tomada, também, é muito importante. Temos que decidir agora,
neste instante, ou podemos estudar o assunto por 3 meses?
O risco que envolve a decisão também conta. Será uma
questão de vida ou morte, ou será apenas uma questão de escolher a
cor da gravata pela manhã? Sem nenhuma dúvida, esse aspecto
influencia bastante.
E o ambiente? O dólar baixou, você tem um bom emprego,
ganha bem, suas perspectivas são ótimas e uma promoção está por
vir. Sua companhia é uma referência no mercado e apresenta lucros
sólidos há muitos períodos. Mas, e se a situação fosse outra, bem
pior?
É, realmente, muitos aspectos influenciam uma tomada de
decisão. São tantos aspectos e tantas variações que fica difícil
analisar esse processo como um todo.
47
A forma que encontrei para facilitar o entendimento foi
reduzir as variáveis. Embora uma decisão sofra a influência das
informações, do temperamento, do tempo, da pressão, do ambiente,
do humor e de tantos outros aspectos, vamos pensar apenas em dois
deles.
O primeiro aspecto a considerar são os dados acerca do
assunto em questão. De um modo geral, podemos dizer que as
informações sobre o objeto da decisão chegam a nós de formas
diversas. Alguns dados são concretos: preço, tamanho, velocidade,
lucro. Esses são facilmente representados por números. Porém,
alguns dados são mais abstratos, por exemplo: agradável, rápido,
provável e possível são dados que dificilmente podem ser
representados por números ou quantificados.
O segundo aspecto eleito será o tempo. Quanto tempo temos
para decidir? Um mês, uma semana, um dia, uma hora, um minuto
ou um instante?
Pensar nesses dois únicos aspectos, embora não permita
cobrir todas as possibilidades das decisões, podem nos ajudar um
pouco.
48
Observe a figura abaixo.
D
dados
C
B
A
tempo
O eixo vertical representa os dados e sua capacidade de
informar. Quanto mais próximo do zero, menos concretas são as
informações disponíveis para decidirmos. Quando nos deslocamos do
zero para cima, passamos a ter mais dados e suas informações
passam a ser mais concretas ou quantificáveis.
Já o eixo horizontal é dedicado ao tempo que temos para
analisar e pensar a cerca de uma decisão. Esse tempo cresce quando
nos deslocamos para a direita.
Desse modo, cada ponto do gráfico é uma situação diferente,
tanto em relação aos dados quanto em ralação ao tempo disponível
para decidir.
49
O ponto “A” é uma decisão onde temos poucos dados
concretos e pouco tempo para decidir. É o tipo de decisão do nosso
goleiro na hora do pênalti. Ele não sabe o ângulo ou velocidade da
bola, seus dados são pouco concretos e por isso se aproximam do
zero em relação ao eixo vertical. Quanto ao tempo para decidir, é
muito curto e também se aproxima do zero no eixo horizontal.
Podemos dizer que o goleiro, na hora do pênalti, toma sua decisão na
base do reflexo, pois não tem nem tempo nem dados para decidir de
forma mais articulada.
O ponto “B” é mais confortável em relação ao tempo, mas os
dados também são um pouco abstratos, embora sejam mais
concretos do que no caso do goleiro. Podemos dizer que é uma
decisão do tipo “onde passar as férias”. Você sabe o preço dos
pacotes turísticos e das passagens, mas uma série de outros fatores
totalmente abstratos também são relevantes. Queremos descansar
ou praticar esportes radicais? Será na montanha ou na praia? O clima
e outros fatores são difíceis de serem quantificados, além de sua
decisão sofrer a pressão da família. Nesse caso, um bom
planejamento é a solução, envolvendo, preferencialmente, todos os
interessados.
No ponto “C”, a situação é de muitos dados concretos e pouco
tempo para analisar e decidir. Você se atrasou e chegou ao
aeroporto mais tarde do que queria. O seu voo preferencial já
decolou e vai ser preciso decidir um novo voo. Suas opções são 4,
50
mas com horários diferentes, empresas diferentes, alguns com
escala, outros com troca de aeronave e isso tudo o
irrita bastante.
A atendente do balcão olha para você ansiosa pela sua resposta, pois
a fila já é grande e tem que andar. Tem que decidir rápido, com
pouca análise, mas com muitos dados. Nesse caso, vai valer a sua
intuição e ponto final.
Finalmente chegamos ao ponto “D”. Este é especial. Você tem
dados em abundância e de boa qualidade, muitos valores concretos e
bastante tempo para decidir. Um exemplo: sua empresa pretende
avaliar a possibilidade de ampliar os negócios investindo em uma
nova unidade para a produção de juntas. As análises e taxas de
financiamento estão disponíveis e é possível colocar tudo em uma
planilha eletrônica para simular o VPL (valor presente líquido) e a TIR
(taxa interna de retorno). Você estuda exaustivamente a questão,
fazendo diversas simulações, até chegar a uma opinião. Nesse caso, a
decisão utilizou a modelagem.
Voltando ao nosso gráfico, podemos então pensar em quatro
áreas distintas, onde o decisor poderá se posicionar quanto ao tipo
de decisão, como a figura a seguir.
51
dados
INTUIÇÃO
REFLEXO
MODELAGEM
PLANEJAMENTO
tempo
Vemos que o decisor pode se posicionar em qualquer ponto e
aplicar o método para sua decisão de acordo com a área em que se
posicionou.
O perigo nas decisões pode ocorrer quando a situação
posiciona o decisor em uma área propensa a um método específico e
ele escolhe outro para sua decisão.
Um ponto interessante de ser notado é que tanto a
modelagem como o planejamento são métodos que dão muito mais
trabalho. Desse modo, alguns decisores, mais experientes, podem
cair na tentação de levar todas as decisões para a região da intuição,
onde sua experiência pode ajudar. Esse é o tipo de atitude que pode
comprometer um decisor pela sua elevada autoconfiança. De um
52
modo geral, podemos dizer que sempre que houver a oportunidade,
devemos fazer uso dos dados e do tempo que temos disponíveis.
Agindo dessa forma podemos ter maiores chances de sucesso nas
decisões.
Se a experiência e autoconfiança podem atrapalhar, a
imaturidade do decisor também. Imagine um jovem funcionário,
ainda novo em uma empresa, que após tomar um cafezinho
depara-se com o Diretor. Para sua surpresa, o Diretor pergunta se ele
acha que uma nova embalagem para os produtos é uma boa ideia
(vocês sabem, chefes fazem essas perguntas de surpresa). Após
disfarçar um pequeno engasgo com o café, na ânsia de se livrar
daquela pergunta desafiadora e incômoda, responde que sim,
mesmo sabendo que suas informações sobre o assunto eram apenas
superficiais. O jovem não considerou nenhum dado concreto e nem
questionou se teria mais tempo para pensar. Posicionou sua decisão
na área reservada ao reflexo, quando poderia ter tentado levá-la para
a do planejamento ou a da modelagem. Podemos pensar que
devemos sempre verificar se existe um prazo maior para decidirmos
e se podemos melhorar as informações de que dispomos para
justificar nossa decisão.
Ao nos depararmos com uma decisão importante, uma boa
iniciativa é tentar um posicionamento que não seja definido apenas
por um ponto, mas sim uma área, a ser criada dentro do modelo
gráfico. Essa área poderá permitir avaliar uma decisão por diversos
53
ângulos e métodos, levando em conta não só a sua primeira
impressão (o reflexo) ou a sua primeira análise (a intuição), mas
considerando a possibilidade de se modelar e planejar a decisão se
isso for possível.
A figura que se segue, mostra o desenvolvimento de uma
decisão onde havia disponibilidade de tempo para abordar o
problema a ser resolvido. Em um primeiro instante, o decisor
posicionou-se em um ponto, respondendo reflexivamente ao
problema. Com o passar do tempo, buscou outras formas de
abordá-lo, considerando sua experiência, o auxílio de modelos
matemáticos e o planejamento, voltado para o futuro, evoluindo da
um ponto para uma área.
dados
tempo
54
Pelos exemplos que observamos, podemos ver que um bom
posicionamento pode ser um bom auxílio para aqueles que devem
decidir. Pensar nesse posicionamento vai ajudá-lo no futuro a marcar
e defender muitos gols.
55
8 - O PARADOXO DO ERRO E DA QUALIDADE
Ninguém comete erro maior do que não fazer nada
porque só pode fazer pouco.
(Edmund Burke)
As pessoas cometem erros. Exigir que as pessoas sejam
perfeitas e que nunca cometam erros é esperar dos outros aquilo que
nós mesmos não podemos cumprir. O erro sempre existiu e sempre
continuará existindo. Compatibilizar a realidade da existência do erro
com as exigências crescentes em relação à qualidade dos produtos e
serviços é um grande desafio para os líderes.
É claro que quanto menos erros cometermos, melhor será.
Todos sabem disso e percebemos que as pessoas se esforçam para
cometer o mínimo de erros. Mas é importante saber que evitar erros
não significa, necessariamente, aumentar o número de acertos.
Quando o ambiente é de alta competitividade, onde a evolução
constante é necessária, a audácia das pessoas é fundamental para
permitir novas possibilidades. Naturalmente, quanto maior a
necessidade de inovação, maior a possibilidade de ocorrerem erros.
Quem corre riscos, sempre comete erros.
Ao final da década dos 40, já no período conhecido como “pós
– guerra”, o então futuro Almirante Rickover, ainda Comandante na
Marinha americana, iniciou, modestamente, com mais três
56
engenheiros, o projeto do primeiro submarino nuclear,
bastante
ambicioso, pois ainda não existiam reatores capazes de produzir
qualquer tipo de energia aproveitável. Em menos de 10 anos,
Rickover conseguiu desenvolver o uso da energia nuclear de forma
controlada e aproveitável. Construiu o primeiro submarino de
propulsão nuclear, o primeiro navio com propulsão nuclear e a
primeira usina de geração de energia movida por um reator. A
humanidade não descobre novas fontes de energia a cada semana.
Rickover permitiu a utilização de uma nova fonte energética em
1953. De lá para cá, em uma época que acreditamos ser de
surpreendente avanço tecnológico, não foi descoberta nenhuma
nova fonte energética que pudesse ser utilizada em escala industrial.
O projeto estava engatinhando e só existia no papel quando o
Comandante de Operações Navais (CNO – Chief of Naval Operations),
o mais alto posto operativo da Marinha, foi substituído.
Naturalmente, teve início uma “peregrinação” dos principais
subordinados ao gabinete do novo CNO para os cumprimentos e
formalidades. Palavras de afeto e admiração se sucediam a cada
visita. Quando chegou a vez de Rickover, ele entrou na sala e sem
grandes cerimônias perguntou:
- Gostaria de saber se o senhor vai me apoiar?
O almirante, surpreso com a pergunta direta e inesperada,
pensou algum tempo e respondeu:
57
- Meu caro Rickover, quando você estiver certo, naturalmente,
irei apoiá-lo.
Rickover, então, respondeu:
- Almirante, quando eu estiver certo não precisarei do apoio
de ninguém.
Agradeceu, saiu da sala e voltou para o seu projeto.
Rickover resistiu a diversos pessimistas e o projeto só
“decolou” mesmo quando pôde contar com o apoio dos seus
superiores. Houve
“idas e vindas”, como em
inovador, mas, ao final,
tudo o que é
conseguiu realizar algo realmente
extraordinário.
Para que os subordinados possam produzir coisas realmente
surpreendentes, vencer desafios e inovar nas soluções, alguma
garantia de que seus erros serão tolerados deve existir. Quem
percebe que ao errar será punido ou perderá o emprego, afasta logo
qualquer possibilidade de inovação. Conduz seu trabalho de forma
medíocre e com o mínimo possível de exposição e risco. As opiniões
ficam sempre muito comedidas e pensadas, tem-se receio de falar
algo que desagrade aos chefes. Em equipes que trabalham evitando o
erro, será muito difícil encontrar qualquer tipo de inovação ou
criatividade. A falta de erros não implica, necessariamente, a
existência de acertos.
Não se deve confundir a busca da qualidade de produtos ou
serviços com a eliminação do erro das pessoas. Uma boa estrutura
58
organizacional deve levar em conta a existência de erros e criar
dispositivos que permitam absorver os que ocorrerem e evitar sua
propagação. Se esse dispositivo for eficaz, os erros não serão
passados aos produtos e serviços e a qualidade estará garantida.
Tudo isso é fácil de se falar, porém
difícil de se aplicar.
Temos uma imensa ansiedade em acertar e qualquer falha é logo
processada pelo nosso inconsciente como uma perda. Também
podemos interpretar as falhas e erros como uma necessidade de
trabalhar mais ou executar o retrabalho, seja como for. A verdade é
que não sabemos lidar muito bem com os erros.
Para piorar essa situação, em determinado momento, nos
anos 80 e 90, apareceu a ameaça oriental. Primeiro foi só o Japão,
mais tarde os outros “Tigres Asiáticos” começaram a mostrar os
dentes para o assustado ocidente. Começou aí a moda da
administração oriental. Buscando aumentar sua produtividade,
diversas organizações no ocidente tentaram implementar modelos
gerenciais inspirados no modo oriental de administrar. Sofremos
bastante com isso. O erro foi novamente exorcizado das empresas e
organizações. A ansiedade causada pela competitividade levou as
pessoas a se tornarem cada vez menos tolerantes com os erros.
Tentando imitar o estilo oriental, até mesmo a arrumação dos
escritórios passou a ser considerada como um sinal da qualidade do
trabalho de seu ocupante. Alguém com uma mesa congestionada de
bugingangas, fotos e papeis, geralmente, estava fora do “modelo”.
59
Acredito que se perdeu um bocado de tempo até percebermos
que os “Tigres”
não eram tão assustadores assim. Você se lembra
da crise asiática de 1997, aquela que ninguém conseguiu prever?
Estávamos tão empolgados com a moda administrativa oriental que
ficamos cegos para os graves problemas que aquele modelo trazia.
Para crescer, inovar e competir é preciso aprender a conviver com o
erro. O modo organizado e comedido dos orientais é muito
apropriado para as empresas lá no Japão, mas no Brasil, com o
temperamento do nosso pessoal, esse tipo de formatação não trará
bons resultados. Somos muito “personalistas”. Gostamos de trazer
lembranças de viagem para o trabalho e colocar fitinha do Senhor do
Bonfim nos equipamentos para eles não darem muitos problemas
(um velho hábito na Fragata em que servi). Penso que não existe
qualquer mal nisso.
Além de um convívio pacífico e sem crises com as falhas de
seus subordinados, o líder deve utilizar os erros para aprender e
melhorar. É claro que erros devem ser evitados, mas temos que
saber que, por mais que nos emprenhemos, eles irão ocorrer.
Certa vez, quando era comandante de navio, fui procurado
pelo pessoal que cuidava da confecção do rancho. Depois de refazer
muitos cálculos, conseguiram chegar finalmente ao X da questão:
eles haviam cometido um erro e não consideraram um dos fatores
necessários ao cálculo do valor dos gastos com alimentação. Era uma
diferença de centavos para cada refeição, mas se fosse multiplicada
60
pelo número de dias e refeições servidas, teríamos tido um valor
significativamente maior para gastar.
Bem, o erro já estava lá, não havia como voltar no tempo e
corrigir. Mas, apesar da perda, fiquei satisfeito por vários motivos. O
primeiro foi o fato de o erro ter sido detectado pelo meu próprio
pessoal, e não pelos auditores; isso mostrou uma grande qualidade:
achar onde nós mesmos erramos. Você já percebeu como é difícil
detectar os erros nos textos que você mesmo escreve? Até mesmo os
grandes escritores recorrem a terceiros para dar uma revisada nos
textos, pois é bem difícil encontrar os erros naquilo que nós mesmos
produzimos. O meu pessoal conseguiu encontrar o seu próprio erro.
O segundo motivo de minha satisfação foi o fato de o erro ter sido
trazido com lealdade, para que eu tomasse conhecimento. Acredito
que, se não houvessem me falado, o erro, provavelmente, teria
ficado invisível, tanto para mim quanto para o pessoal da auditoria. O
terceiro motivo de satisfação foi constatar que não estava
assustando o meu pessoal, eles sabiam que poderiam ser leais e
honestos comigo, que eu não iria tomar nenhuma atitude injusta.
E agora, o que fazer? Depois de verificar e refazer todas as
contas e cálculos relativos às diferenças, chegamos ao valor que,
involuntariamente
economizamos.
Por
telefone,
informei
imediatamente ao pessoal da auditoria no Rio de Janeiro.
Posteriormente, enviei para eles um documento formal com o relato
do erro e as contas com os valores envolvidos. No último parágrafo
61
do documento, perguntava se haveria alguma maneira de receber de
volta o valor economizado involuntariamente, pois havia muitas
necessidades no navio. Para minha alegria, o navio recebeu o valor
do erro, para ser utilizado em obras de conforto para a tripulação.
Conseguimos reformar dois banheiros que o nosso velho navio já
adiava havia muito tempo. Foi uma grande oportunidade de
“trabalhar” um erro e acabar tirando boas lições dele.
A qualidade deve, também, ser trabalhada de modo adequado
para produzir bons resultados. É importante buscar a melhor
qualidade não só em todos os serviços e produtos oferecidos, mas
nos diversos processos intermediários das organizações. Cada um,
dentro de uma organização, deve tentar fazer o seu trabalho da
melhor forma possível. Para mim, a melhor forma possível não
implica ausência de falhas, pois isso só será conseguido com o
sacrifício da iniciativa e da inovação. A busca pela qualidade requer
um processo onde aquilo que se está produzindo possa ser verificado
por outras pessoas, para evitar que um erro comprometa a
qualidade.
Comandei um navio de socorro e salvamento, o Rebocador de
Alto-Mar Trindade. Era um navio pequeno e muito forte. Construído
na década dos 60, era o que se pode chamar de bem conservado. No
fundo, tinha algo de verdade. Como todo rebocador, era bem
desconfortável. Poucos banheiros, poucos espaços, camas pequenas,
enfim, um navio típico. O único com o privilégio de ter um camarote
62
exclusivo era o comandante, onde podia guardar os documentos
sigilosos do navio em segurança. Mas o privilégio acabava aí. O
pequeno banheiro era dividido com mais cinco oficiais. A tripulação
do Trindade era especial, como a tripulação de todos os navios de
socorro. O tipo de serviço feito por esse navio leva o pessoal a
desenvolver uma resistência pouco comum, assim como a
capacidade de
enfrentar
situações de perigo
sem
muitas
reclamações. Essas características são conhecidas na marinha como
“endurance”. Em resumo, para sobreviver em um navio de socorro,
você tem que ter “endurance”.
Essa característica será
especialmente útil quando o navio for chamado para prestar ajuda a
alguém. Esses pedidos, normalmente, chegam nas piores horas: finais
de semana, madrugada, noites de mar revolto, tempestades e todas
as demais situações em que
o bom senso indica que o pior lugar
para se estar é o alto-mar. Quando isso acontece, lá vão você e seu
navio.
A situação mais perigosa para esse tipo de navio é o reboque
em alto-mar. Para isso temos um cabo de aço especial. Para rebocar,
usamos em torno de 500 a 600 metros de cabo. Como cada metro
desse cabo pesa 6 kg, só de cabo de aço teremos algo em torno de
3,5 toneladas. Esse peso, somado ao esforço necessário ao
deslocamento do navio que se está rebocando, leva o cabo a sofrer
pressões de até 25 ton. Para se fazer um reboque, é necessário
passar esse cabo ao navio que está em perigo. Nesse momento, a
63
tripulação deve mostrar seu preparo e, principalmente, sua coragem.
O convés fica molhado e as ondas entram por cima do pessoal, que
vai passando o dispositivo de reboque. Enquanto o pessoal passa o
dispositivo, o navio deve ficar parado, posicionado de forma
favorável, para que tudo seja feito o mais rápido possível. É aí que
entra o Comandante, manobrando o navio para que o trabalho da
tripulação seja o mais seguro e simples possível. É preciso muito
cuidado, pois qualquer acidente implicará
algo muito sério, com
graves consequências para quem estiver exposto no convés.
No meu primeiro dia de trabalho, conversei com a tripulação e
estabeleci que tinha dois objetivos principais para o período de meu
comando. O primeiro era que nenhum acidente de pessoal deveria
ocorrer a bordo. O segundo era o pleno cumprimento de todas as
missões que fossem atribuídas ao navio.
Para conseguir esses objetivos, tivemos de investir na
qualidade. O serviço que o navio deveria desempenhar deveria ser de
alta qualidade. Mas como poderíamos obter qualidade, se erros
sempre acontecem? Como os erros são inevitáveis, o caminho até a
qualidade deve passar pela correta manipulação dos erros e a
elaboração de procedimentos que permitam que erros cometidos
involuntariamente não afetem a qualidade final do produto ou do
serviço oferecido. Todo erro gera uma cadeia de acontecimentos,
que deve ser quebrada, para não comprometer o resultado final.
64
Meu objetivo era que todas as operações de reboque ou
socorro fossem realizadas de maneira correta, dentro do mais alto
padrão de qualidade. Como as pessoas sempre erram, tudo era feito
de forma a diminuir a possibilidade de um erro comprometer a
segurança da operação. Começamos pelo treinamento, todos os
envolvidos tinham adestramentos e aulas sobre suas atividades e
qualquer operação era detalhadamente estudada e ensaiada antes
de ser realizada. O segundo passo era o cuidado com o material.
Todos os cabos, ferramentas, acessórios e peças utilizadas eram
inspecionados e substituídos se apresentassem qualquer sinal de
desgaste ou fadiga. Ninguém deveria trabalhar com material
suspeito, fosse uma luva ou uma ferramenta. O terceiro e definitivo
passo era preparar tudo com antecedência e verificar diversas vezes,
por pessoas diferentes.
Quando íamos para algum reboque, montávamos o dispositivo
no convés e, com o navio ainda no cais, pelo menos 3 pessoas, não
diretamente envolvidas na sua preparação, inspecionavam tudo o
que havia sido feito em horários diferentes. Caso surgisse alguma
dúvida em relação a qualquer material utilizado no dispositivo, do
tipo: “será que esse cabo está em boas condições?”, o material em
questão era substituído. O lema era: “se há dúvida, então não tem
dúvida, algo está errado” e assim conseguíamos eliminar qualquer
suspeita com relação à segurança dos materiais.
65
As pessoas com funções específicas realizavam suas tarefas e,
logo em seguida, iam para um local abrigado, longe de qualquer
perigo. Caso alguma coisa saísse errado e um acidente ocorresse,
haveria menores possibilidades de alguém receber um estilhaço ou
uma “chicotada” de um cabo. O número máximo de tripulantes no
convés em um dado momento era limitado a 5 ou 6 . Essas pessoas
recebiam as instruções e, posteriormente, fazíamos um ensaio, onde
cada um reconhecia seu posicionamento e verificava o que fazer em
caso de emergência.
Conseguimos alcançar os objetivos traçados. Nenhuma missão
deixou de ser cumprida e não tivemos nenhum acidente de pessoal
ou material. O mais importante é que a cultura de trabalhar com
qualidade e se preparar para eliminar os erros não comprometeu a
iniciativa e a criatividade do pessoal.
No dia em que me despedi do navio, um dos meus tripulantes
lembrou do incidente do cálculo do rancho e como ficou satisfeito
com o desenrolar do problema. Acredito que a qualidade possa ser
atingida com uma correta gerência dos erros que, por ventura,
venham a ocorrer.
66
9 - COMUNICAÇÃO
Nós devemos, continuamente,
aprender a desaprender muito do que aprendemos e
aprender a aprender o que não nos foi ensinado.
(R. D. Laing)
Desde muito cedo, ainda sem saber falar, o homem percebe
como é importante comunicar-se bem. As crianças tentam se
comunicar com os pais desde os primeiros meses de vida. Todo esse
interesse pela comunicação vem da necessidade de interagir com o
mundo que nos cerca. Essa necessidade de comunicação vai sendo
ampliada no decorrer de nossas vidas, e saber se comunicar bem é
uma das mais importantes capacidades de uma pessoa. Na vida
profissional, a comunicação desempenha papel de grande destaque,
influenciando as carreiras e permitindo que o potencial de cada um
possa ser realizado. Quanto maior a organização em que está
inserido, quanto maior o número de pessoas com as quais se interage
e quanto maior o número de contatos externos, mais importante
será o papel da comunicação para o líder.
Muitos pensam que um bom comunicador é alguém com uma
oratória desenvolvida, aquele que tem o “dom” da palavra, ou uma
pessoa que escreve muito bem. Não é por aí. O bom comunicador
não deve ser confundido com o bom orador ou escritor, alguém com
grande capacidade de transmissão de ideias. É claro que escrever e
67
falar bem ajuda muito, mas não é suficiente para permitir uma
comunicação plena. Quem se comunica bem, além de conseguir
transmitir suas ideias, consegue, também, receber as ideias dos
outros. A capacidade de recepção é tão ou mais importante do que a
de transmissão. Veja, por exemplo, o que ocorre com um
radioamador. Não adianta ter o rádio transmissor mais possante do
mundo, se o seu receptor é ruim, pois você não conseguirá receber
muitas
mensagens e não se comunicará bem com outros
radioamadores. Para se comunicar bem é necessário estabelecer
canais de ida e vinda de informações, essa é a principal característica
de uma boa comunicação.
Vivemos em um mundo ligado pelas comunicações: satélites,
internet, e-mails, televisão a cabo, smartphones e muitas outras
tecnologias.
Hoje em
dia, temos a
possibilidade de nos
comunicarmos como não se imaginava há poucas décadas. Mas todas
essas ferramentas ou meios de comunicação não devem ser
confundidos com a comunicação efetiva. Com tantos recursos, é
difícil explicar como as pessoas hoje em dia acabam se sentindo cada
vez mais sozinhas. É muito fácil entrar numa rede social e conversar
horas com alguém que vive em um país distante, do outro lado do
mundo, mas acabamos sentindo uma enorme dificuldade em
estabelecer ligações com aqueles que nos são mais próximos. Muitas
pessoas conseguem manter longos diálogos com estranhos, pela
internet, mas são incapazes de conhecer os nomes de seus vizinhos.
68
Não devemos ter falsas ilusões com a tecnologia, pois ela não
consegue aproximar as pessoas. Não podemos deixar que a
tecnologia inverta o sentido de sua utilidade e acabe nos inibido a
capacidade de comunicação. Saber explorar as novas possibilidades
tecnológicas sem perder as capacidades anteriores é muito mais
importante do que possamos imaginar.
Todos nós temos necessidade de comunicação, essa é uma
característica de um ser social e gregário
como o homem. Temos a
necessidade de interagir, de receber informações e transmitir nossas
ideias e pensamentos.
O bom líder deve empregar essa mesma necessidade de
interação para estabelecer uma boa comunicação com sua equipe.
Não adianta ser um bom orador, conseguindo vender suas ideias de
maneira brilhante, se você não deixa espaço para que as pessoas
participem e possam se expressar e contribuir para o trabalho. A
capacidade de receber as ideias de sua equipe é tão importante
quanto a
de transmitir as suas próprias ideias. Muitas vezes, uma
ideia boa ou uma ótima solução para um problema nasce na cabeça
de um funcionário, mas por falta de espaço para se expressar, acaba
não sendo utilizada pelo chefe.
As pessoas gostam de participar das soluções, gostam de dar
suas ideias e, geralmente, duas cabeças pensam melhor que uma. É
nesse sentido que deve ser desenvolvida a capacidade de
comunicação do líder. Para ser um bom líder é preciso escutar muito.
69
Colocando o transmissor para funcionar.
Existem diversas maneiras de transmitir suas ideias e
pensamentos para a equipe: conversas informais, reuniões, palestras,
memorandos, circulares, e-mails, quadros de avisos e muitos outros
recursos que possamos imaginar. Podemos utilizar todos as maneiras
e acredito que cada uma tenha seu momento pertinente para ser
empregada. A única regra que tento seguir é ser natural em todas
essas oportunidades. A pior coisa que se pode fazer é transmitir
ideias que não sejam compatíveis com sua personalidade e maneira
de agir e pensar. Se você agir dessa forma, principalmente com nós
brasileiros, que somos muito críticos, vai parecer artificial, e a
mensagem que você quer passar não vai ter nenhum efeito, ou terá
efeito negativo.
Não adianta a pessoa entrar para um curso de oratória e falar
com voz de apresentador de telejornal, se o conteúdo do que
está
transmitindo é fraco ou incompatível com sua pessoa. As aparências
enganam, mas esse efeito não dura muito tempo. Ser natural e
transmitir sua mensagem com honestidade e simplicidade é a melhor
receita.
Uma boa transmissão deve buscar um estilo simples, sem
muita sofisticação, e ter a linguagem compatível com o público-alvo.
Se o assunto é técnico e vai ser discutido com técnicos, “tecnolês”
70
neles. Se o assunto é técnico e o público é leigo, vai dar trabalho, mas
o “tecnolês” vai ter de ser traduzido para que seja bem entendido.
No momento de transmitir suas ideias ou enunciar um
problema, fazê-lo de forma simples e objetiva. Não existe nada pior
do que um chefe que não consegue transmitir seu pensamento e os
ouvintes têm que ficar adivinhando o que ele quer. As “transmissões”
devem ser claras; não se deve ficar “circulando” ao redor do assunto,
sem chegar no ponto central. Alguns chefes não gostam de dar más
notícias e ficam enrolando o seu pessoal sem chegar a qualquer
conclusão. Se alguma notícia ruim tem que ser dada, vamos enfrentar
logo esse desgosto e passar para o próximo, pois “enrolar” só vai
aumentar a aflição dos aflitos. Concisão também é fundamental.
Há indivíduos que adoram ficar devaneando com os seus
subordinados em uma reunião e, por se tratar do chefe, dificilmente
alguém vai reclamar que está perdendo tempo naquele papo furado
e o serviço acumulando na sua mesa. Reunião é uma atividade
compulsória e não é lugar para papo informal, que é mais apropriado
para voluntários, fora das salas de reunião. Tenho o hábito de ser
econômico em reuniões. Outro dia li em uma revista que, só nos
Estados Unidos, são realizadas cerca de 2 milhões de reuniões por
dia. Creio que nós não ficaremos muito atrás, se fizermos um
levantamento semelhante.
Quando participo de uma reunião, tenho meus hábitos
particulares. Abro uma página na agenda para anotar o que é dito.
71
Escolho sempre os últimos dias úteis da semana, para não atrapalhar
os
demais
compromissos
e
economizar
papel.
Se
eu,
involuntariamente, começo a preencher com meus dotes artísticos o
número do dia, ora com motivos geométricos, ora com temas
psicodélicos, pronto, já sei que estou perdendo tempo. Sabendo
disso, aprendi com um grande chefe que tive, a conduzir reuniões de
forma bastante objetiva. Ele era extremamente prático e detestava
prender as pessoas em reuniões improdutivas. Nas suas reuniões,
sempre marcava uma agenda do que deveria ser discutido durante e
o que já deveria ser sabido antes de entrar na sala. Ninguém tomava
conhecimento de nada nas reuniões, elas eram para se tomar
decisões ou tirar dúvidas. O horário era sempre pela parte da manhã,
às 1100, para assuntos com bom andamento, e às 1030, para
assuntos mais polêmicos.
O horário era explicado pela proximidade
do almoço, ninguém gostaria de morrer de fome em uma reunião
improdutiva e os assuntos acabavam sendo resolvidos de forma mais
rápida. Reuniões no final da tarde não tinham vez; esse horário
permite que a reunião se alongue noite a dentro, além de encontrar
as pessoas já cansadas pelo trabalho de um dia inteiro.
Colocando o receptor sintonizado.
Como já falamos antes, ter capacidade de ouvir, de receber
ideias e sugestões é tão importante quanto saber transmitir. Não
estou falando em colocar no meio do corredor aquela caixinha de
72
madeira, muito bonita, com algumas folhas de papel, naturalmente
marcadas com o logotipo da empresa, e uma caneta amarrada com
barbante ou uma correntinha, nos casos mais sofisticados. Essa caixa,
normalmente com uma ranhura
para receber o papel, sempre
possui um cadeado, dando a impressão de que alguém irá abri-la
para recolher as valiosas sugestões dos colaboradores. Com toda a
sinceridade, nunca trabalhei em lugar algum onde a caixa de
sugestões fosse utilizada pelos empregados. Se no seu trabalho existe
essa peça de decoração, faça o seguinte teste: primeiro, procure
saber onde está a chave que abre a tal caixa. Muitas vezes ninguém
saberá responder onde está a tal chave. Se encontrar a chave em
pouco tempo, prossiga perguntando quem é o responsável pelo
recolhimento das sugestões e qual a rotina de recolhimento. Se
existir um funcionário responsável por essa tarefa, peça para ver as
sugestões do último mês. Se ele trouxer mais de uma, leve os papéis
para um exame grafotécnico, pois certamente as sugestões foram
colocadas pelo próprio encarregado para garantir a manutenção de
seu emprego. A verdade é que brasileiro detesta esse tipo de
caixinha e ninguém se dá ao trabalho de enviar sugestão dessa
maneira. Pode aposentar a caixinha, porque existem maneiras bem
melhores de saber o que o pessoal pensa.
A primeira técnica para saber o que as pessoas pensam é bem
simples: pergunte para elas. Ao perceberem que você está
interessado e que, ao expressar sua opinião, ninguém será punido ou
73
prejudicado, as pessoas vão se sentir à vontade para responder às
suas perguntas. Esse clima de confiança mútua é, quando bem
aproveitado, uma das mais importantes ferramentas do líder. Mas
tenha cuidado, nós brasileiros somos “osso duro de roer”. Se
perdermos a confiança, vai ser duro recuperar o terreno.
líderes
Alguns
são muito abertos e gostam de ouvir sua equipe, mas a cada
opinião ou sugestão que alguém dá, logo essa ideia se transforma em
um estudo ou um relatório com prazos e metas para serem
alcançados, é o famoso efeito “bumerange”. Você fala o que pensa,
sem grandes pretensões, e seu chefe manda preparar um relatório (o
“bumerange”.) até a segunda-feira esmiuçando o assunto. Agindo
dessa forma, logo todos terão receio e as respostas para suas
perguntas passarão a ser monossilábicas e evasivas.
Tento reservar tempo para ouvir. É claro que isso é difícil. O
e-mail não para de receber mensagens, temos sempre muitos prazos
para atender, muitas reuniões para comparecer, mas não se pode
liderar sem ouvir. Também não adianta ouvir só o pessoal do
primeiro escalão, aqueles que trabalham diretamente conosco, é
preciso ouvir o pessoal de todos os níveis. É claro que não dá para
ouvir todos, mas é possível trocar uma ideia com um e outro.
Lembre-se de que todas as empresas começaram pequenas e o líder
conhecia todo mundo, falava com todo mundo e sabia onde o calo
apertava cada um. É assim que se cresce e é assim que se vai
sobreviver depois de grande.
74
O contato com seu pessoal também permitirá que sua
percepção seja ampliada, conhecendo melhor as capacidades e
limitações das pessoas. Muitas oportunidades ficam sem ser
aproveitadas simplesmente pelo fato de não terem sido reconhecidas
pela liderança.
Comunicando-se para fora de seu universo
Comunicar-se bem para fora do seu ambiente, além das
fronteiras de sua responsabilidade na organização, é uma das mais
importantes capacidades de um líder. Essa capacidade vai permitir
que as ideias de sua equipe sejam levadas para cima de forma
apropriada. Também será importante para que as políticas e
determinações que você receber de seus chefes sejam corretamente
passadas para o seu pessoal, permitindo que eles trabalhem dentro
dos objetivos da organização. Um chefe sem essa habilidade vai
dificultar muito o trabalho de sua equipe. Imagine que você e seus
colegas se empenharam muito em preparar um determinado estudo
sobre os recursos necessários para um novo projeto e, na hora de seu
chefe apresentar esse trabalho, ele se enrola todo e o esforço de
vários meses vai para o cesto de lixo, porque foi mal apresentado. É
duro, não? E que tal aquele tipo caladão que não informa nada
quando sai de uma reunião com a chefia da organização? Ele vai para
a reunião na matriz, que dura duas horas, e ao voltar e ser
75
perguntado como foi, responde que o café estava frio. Só resta
mesmo o telefone, para saber de outro departamento o que foi que
aconteceu. Mantenha sempre sua equipe informada, isso é sua
obrigação.
Outra particularidade ao se comunicar para fora de seu
universo é saber se colocar dentro de sua área de atuação. Não seja
um mero intermediário de informações; acrescente, sempre que for
pertinente, o seu juízo de valor. Se algum funcionário seu faz um
determinado pleito, por exemplo, ele deseja juntar as férias de dois
anos para ter dois meses fora, pois seu grande sonho é fazer a trilha
dos doidos perdidos dos Andes em algum fim de mundo esotérico,
não seja apenas o pombo correio dessa informação para o
departamento de pessoal. Ao encaminhar o pleito para o setor
competente, acrescente seu juízo de valor, coloque no documento
que encaminhou, além de sua rubrica, se essa ausência prolongada
do seu funcionário vai prejudicar muito o trabalho e se você é
favorável ou não. Seus superiores vão ficar agradecidos pela sua
assessoria e seu pessoal terá suas causas julgadas com maior justiça.
Comunicar-se além de sua área de atuação também trará bons
entendimentos com as equipes próximas. Se você é o chefe de um
departamento, tente conhecer o departamento ao lado e saber o que
eles pensam e como trabalham. Comunique-se com eles e perceberá
que poderá ajudar e ser ajudado quando preciso. Isolar-se, também,
não é um bom negócio.
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Comunicação é um grande recurso para as pessoas e, em
especial, para os líderes. Como dizia o Velho Guerreiro: “quem não se
comunica se estrumbica”.
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10 – LIDERANÇA EM SITUAÇÃO DE RISCO
Não tenhamos pressa,
Mas não percamos tempo.
(José Saramago)
Tive a oportunidade de comandar a Fragata Bosisio entre 2007
e 2009. Nesse período participamos de inúmeras operações, mas as
operações de resgate que participamos foram, sem dúvidas as mais
marcantes. Para mim essas operações foram um grande desafio. Uma
operação de resgate muitas vezes requer que você lide com o risco e
a incerteza para poder salvar uma pessoa que você nem conhece. É
um trabalho muito bonito, mas não é fácil, requer dedicação e muito
profissionalismo. No caso de nosso navio, minha responsabilidade
era realizar a operação salvando a vida das pessoas em perigo, sem
colocar nenhum dos cerca de 230 tripulantes em situação de risco. É
importante manter a equipe sob controle e bem liderada para que na
emoção da operação ninguém ultrapasse os limites da segurança e
cause um acidente.
Mas a linha que divide o sucesso de uma operação de resgate
e um acidente é bem fina. Na maioria das vezes, para salvar uma ou
mais vidas levamos nosso navio até o limite das possibilidades que a
segurança permite.
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Foi assim no resgate do veleiro Dalkiri, um veleiro da África do
Sul que fazia a travessia do Atlântico com um casal a bordo. Recebi o
chamado de socorro pelo coordenador do Salvamar quando estava
jantando com a família em um restaurante na véspera do feriado do
dia do trabalho. Quatro horas depois estava com o navio saindo a
barra do Rio de Janeiro com minha tripulação para um dos resgates
mais difíceis que participei. A dificuldade estava relacionada,
inicialmente, com a incerteza. Não sabíamos ao certo onde estava o
veleiro. O pedido de socorro foi feito após uma tempestade e não se
tinha a posição precisa do local onde ele se encontrava. Sabíamos
que estava bem longe e isso criava uma situação complexa. Tínhamos
que chegar nessa posição rapidamente, antes da próxima
tempestade e a tempo de salva-los antes que o danificado veleiro
afundasse. Para isso iríamos utilizar nossa maior velocidade. O
problema é que ao empregarmos uma velocidade alta, aumentamos
exponencialmente o consumo de combustível. Pelos cálculos de
minha equipe, estávamos no limite da nossa autonomia, com o
combustível necessário para fazermos o resgate e voltarmos para o
porto. Não teríamos reserva nenhuma.
Após um dia navegando, conseguimos receber uma posição
mais precisa do veleiro. Para minha preocupação o veleiro estava
afastando-se levado pela corrente para uma posição mais distante
cerca de 300 milhas. Com isso, teríamos combustível para
resgatá-los, mas não para voltarmos. A opção era seguir em frente e
79
pedir que um dos dois navios de reabastecimento viesse em meu
encontro durante o regresso para reabastecer a fragata no mar. Essa
opção tinha dois inconvenientes. O primeiro era que se uma
tempestade nos acompanhasse na volta e se as condições fossem
ruins como costumavam ser naquela época do ano, não
conseguiríamos fazer a manobra de reabastecimento no mar. O
segundo inconveniente era mais preocupante ainda, um dos navios
estava em período de manutenção geral, e só estaria pronto dali a
seis meses. O outro navio estava cumprindo uma rotina de
manutenção de motores, e também estava indisponível. Ou seja,
naquele momento, indo com a fragata para o resgate, não havia uma
chance de voltarmos. Em uma chamada telefônica com o pessoal do
Salvamar traçamos o seguinte plano. Iríamos prosseguir no resgate e
o pessoal de manutenção da Base iria virar duas noites para preparar
o navio tanque, fazendo a manutenção de seus motores em tempo
recorde. Após resgatar o casal, iríamos iniciar o regresso em
velocidade econômica e aguardar mais um dia até que o navio
tanque concluísse a manutenção, fizesse os testes necessários e nos
encontrasse passando o combustível para chegarmos ao Rio em
segurança. Caso isso não funcionasse, teríamos de aproximar ao
máximo de terra e aguardar um rebocador, mas essa opção não era a
preferida de ninguém.
Agora estava com dois problemas, salvar duas pessoas e
depois levar os dois resgatados e mais 230 tripulante de volta em
80
segurança. Havia risco? Sim, com certeza. Mas o risco estava sob
controle e tínhamos dois planos. Se um não desse certo, teríamos
nosso plano B.
Agora havia a necessidade de lidar com a situação junto com a
tripulação. Sabia que todos a bordo tinham noção de que as coisas
não estavam fáceis. Eram todos profissionais e a maioria tinha muita
experiência. Mas, em operações assim devemos ter o máximo
cuidado para que a incerteza não gere especulações, e o risco, que
estamos correndo, não gere insegurança na equipe. A melhor forma
que encontrei para lidar com isso foi manter a tripulação informada
durante toda a operação. Tomei o cuidado para que as informações
fossem passadas por mim diretamente, utilizando o sistema de som
interno do navio. Não gostaria que a falta de informações gerasse
boatos. Regularmente, passava o andamento de nossa operação para
toda a tripulação. O resultado foi muito positivo.
Conseguimos chegar ao local do resgate antes da próxima
tempestade. Utilizamos nosso helicóptero para retirar os dois
tripulantes do veleiro antes que ele afundasse. Um dos
mergulhadores foi lançado na água com instruções em inglês,
explicando como seria o resgate pelo helicóptero. O primeiro a ser
resgatado foi o que estava em melhores condições físicas. Essa
escolha foi feita pelo fato de que subir em um cabo, saindo do mar
para um helicóptero, é uma operação pouco confortável para quem
nunca fez isso. Uma vez resgatando o que estava em melhores
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condições, o segundo tripulante veria que essa operação pode ser
feita sem dificuldades se você deixar os profissionais fazerem a parte
deles e você simplesmente confiar que vai dar certo. Tudo deu certo.
Um simpático casal maduro de sul africanos chegou a bordo de nossa
fragata em segurança. Foram recebidos por mim e pelo médico que
os examinou e verificou que, fora o cansaço, estavam bem de saúde.
Invertemos nosso rumo e começamos o longo caminho de volta.
Estávamos a 1220 milhas da costa brasileira e, ainda não sabíamos,
havíamos feito o resgate mais distante já realizado no Brasil.
A volta para casa, entretanto não foi fácil. Logo no final do dia
em que iniciamos o regresso fomos alcançados por uma tempestade
violenta. O tempo ruim nos acompanhou até a chegada ao Rio de
Janeiro. Para economizar combustível assumimos a velocidade mais
econômica e começamos a torcer que o navio tanque conseguisse
concluir sua manutenção e nos fornecesse o combustível para que
chegássemos ao porto. A equipe de manutenção conseguiu realizar o
serviço nos motores do navio tanque em tempo recorde, o que
permitiu que o navio viesse em nosso encontro e nos passasse o
combustível. No momento do reabastecimento o mar estava agitado,
mas com a habilidade da tripulação, recebemos o combustível
necessário. Foi um momento de grande alegria e realização, cujo
sucesso dependeu muito do trabalho em equipe e da gestão correta
do risco.
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O sucesso da operação foi uma realização coletiva. A
colaboração veio de vário grupos: operários que trabalharam nos
motores do navio-tanque e sua valorosa tripulação, o pessoal do
SALVAMAR que nos ajudou com informações valiosas e a tripulação
da Fragata Bosísio com sua coragem e profissionalismo. Para
gerenciar o risco contei com meus assessores diretos: os chefes de
departamento do navio e o Imediato me ajudaram muito para avaliar
as opções disponíveis e escolher o melhor caminho a seguir.
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12 - ALGUMAS PALAVRAS FINAIS
Não tenhamos pressa,
Mas não percamos tempo.
(José Saramago)
Vivemos em um mundo cheio de realizações humanas.
Podemos nos orgulhar dos avanços tecnológicos que alcançamos e
de todo o conhecimento que adquirimos, mas se olharmos com
atenção, perceberemos claramente que ainda há muito trabalho para
ser feito. Temos que reconhecer que muito do que há por fazer,
como sempre, depende menos da tecnologia e mais das pessoas. É
preciso ver e crer nisso. Os maiores problemas que enfrentamos
atualmente, e aqueles que aparecerão no futuro, não podem ser
resolvidos apenas com tecnologia; as pessoas é que irão resolvê-los.
Pensar que a tecnologia é a solução para todas as nossas deficiências
é um erro. Acreditar que a era da informação, na qual vivemos, pode
abrir mão das pessoas, de suas complexidades e relações é
totalmente equivocado. Os problemas mais importantes que temos
para resolver dependerão muito mais das pessoas e de sua
capacidade de trabalhar em conjunto. Acredito que nosso caminhar
para o futuro exigirá o emprego da tecnologia de forma planejada e
inteligente, em ações coletivas nas quais a liderança será
fundamental. É assim que imagino que podemos vencer os desafios
que nossa sociedade enfrenta.
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Este livro se encerra aqui, nosso trabalho não. Em qualquer
área ou atividade, o trabalho em conjunto com outras pessoas é uma
grande oportunidade para realizarmos mais, conhecermos mais e,
principalmente, sermos mais do que seríamos individualmente. No
entanto, para que isso seja possível, é preciso que haja uma boa
liderança, voltada para ampliar as possibilidades e capacidades de
cada um e realizar coisas que poderiam ser, inicialmente, impossíveis.
Aqueles que assumem a posição de liderança devem saber
suas responsabilidades e ter a coragem de fazer as coisas
acontecerem.
Se você gostou do livro, peço sua ajuda de duas maneiras: nos
dê um feedback sobre sua leitura contando como o livro pôde
auxiliá-lo em suas atividades enviando um e-mail para:
[email protected].
Peço também que divulgue o link abaixo para seus amigos
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