FAMÍLIA : ORIGEM E PROPÓSITO Hortelinda Gal (Licenciada em teologia) Introdução Existem muitas teorias sobre a origem e formação da família. Para uns, os “idealistas”, a família é a incarnação de ideias platónicas relativas à justiça e ao amor; para outros, os “bio-lógicos”, a família resulta da necessidade de garantir a sobrevivência da espécie, para outros ainda, os “materialistas” a família é uma instituição resultante da evolução social e histórica da Humanidade. Segundo todas estas teorias a família seria um produto do génio criativo do homem e da sociedade o que, consequentemente, pode levar à conclusão que são possíveis outras formas de organização humana e a família como instituição poder desaparecer. É, aliás, o que alguns pensadores no Séc.XX preconizaram. A Bíblia e a família - três declarações Segundo a Bíblia e, bem ao contrário das filosofias mencionadas acima, a família não surge, nem da lógica nem das necessidades físicas, económicas ou sociais humanas, ainda que todos estes aspectos tenham, certamente, influenciado o seu funcionamento ao longo da história. A família não é uma invenção humana, mas uma criação divina. Antes de ser uma questão biológica, social e económica, a família foi um projecto, um lindo projecto de Deus para o Humano; projecto cujo objectivo supremo era realizar no Homem a imagem e a semelhança com Deus. As três declarações no Éden sobre a família mostram-nos o propósito de Deus para a mesma. 1ª Declaração “E disse o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só, far-lhe-ei uma adjutora que esteja como diante dele.” Génesis 2:18 Esta é a declaração com que Deus forma o casal. Na Sua sabedoria Deus usa o lapso, a falha, como se só naquele momento se apercebesse de que faltava algo ao homem, o que faz aparecer a mulher como o fruto duma criação rápida, feita à pressa, uma criação de 2ª classe. No entanto o que Deus pretende com a estratégia do lapso é fazer sentir ao homem, que não estava completo que lhe faltava a presença de alguém que lhe fosse suficientemente igual para o compreender e suficientemente diferente para o complementar, alguém com quem pudesse partilhar a existência, destino e mistério. Deus quis que a presença da mulher fosse desejada para melhor ser apreciada e valorizada. Deus queria, também, que o olhar do homem sobre o casamento, base da família, fosse um olhar diferente daquele que teria sobre o resto das coisas daí tê-lo criado num momento especial e à parte. No projecto de Deus para o humano, não há lugar para a solidão, nem para a auto-suficiência cada um necessita do outro para ser, nem o homem nem a mulher tem a completude em si mesmos atingem-na na relação um com o outro e é nessa unidade que mais perfeitamente são a imagem de Deus. 2ª Declaração “ Deixará o homem seu pai e sua mãe se apegará à sua mulher e serão ambos uma só carne.”Genesis2:24 Se na primeira declaração Deus institui o casamento, nesta 2ª declaração Deus indica o caminho a seguir, os passos a dar, para que o casamento tenha êxito. Três verbos são usados: deixará, apegar-se-á e serão. Como podes ver os dois primeiros são verbos de acção, o terceiro é um verbo de estado, além disso os três estão no tempo verbal do futuro. Deus quer dizer, em primeiro lugar, que cada casal que se forma só pode atingir a maturidade se cada cônjuge for autónomo em relação à sua família de origem. A autonomia é a condição indispensável para que possa eclodir a independência, a ousadia a confiança e a criatividade, tão necessárias para a formação do casal. Tal como um bebé o casal nasce e cresce até à maturidade. Nasce quando se dá o casamento, cresce quando cada cônjuge, renunciando ao seu egoísmo natural, dá e investe do seu melhor para que o outro cresça ou seja feliz; aliás é a essa atitude que a Bíblia chama Amor o que não é propriamente a mesma coisa para os nossos contemporâneos, não achas? Se o pecado não tivesse existido este processo de unir-se ou apegar-se seria natural e adaptado mas por causa do pecado este processo exige esforço, determinação e renúncia de cada um para o bem do outro. Mas finalmente, se o amor venceu, o casal atingirá a maturidade revelada através duma verdadeira comunhão de corpos, almas e vidas. É a esse estado de intimidade total que Deus chama “uma só carne”. Mas, claro, como o tempo verbal indica, o atingir esta maturidade exige tempo. O verdadeiro amor necessita de tempo, conta com o futuro, para realizar a sua Obra; tempo para se conhecer, para se compreender, para se Amar. Perspectiva bem diferente da do nosso tempo, em que as pessoas se conhecem de manhã, enamoram-se à tarde e dormem juntas à noite...e chamam a isso, amor! 3ª Declaração “Crescei, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a” Génesis 1:28 Ao dar a ordem “crescei e multiplicai-vos” ao casal, Deus indica o momento da sua passagem a família. È interessante que antes da ordem para multiplicar venha a ordem para crescer; gosto de ler este “crescei” ou “frutificai”, não como uma questão numérica mas como um crescimento pessoal, humano, em maturidade. Segundo o plano de Deus cada ser humano deve nascer de um casal minimamente maduro. Vemos hoje, infelizmente, tantos adolescentes e jovens assumindo a paternidade sem preencherem este prévio requisito de crescer. Podemos perguntar-nos, o que é que eles, na realidade, multiplicam…? Como sabes no ser humano, ao contrário dos outros seres vivos, não predomina o instinto mas a aprendizagem. Qualquer animal separado da sua espécie virá a desenvolver todas as características da mesma, jamais o ser humano. O humano não nasce Humano precisa de aprender a sê-lo. A família é pois o enquadramento ideal proporcionado pelo Criador para o desenvolvimento e crescimento da pessoa humana. Os pais oferecem aos filhos o modelo do agir e do ser. É no olhar carinhoso da mãe, na bondade e firmeza do pai, no bulício estimulante dos irmãos que os “filhotes de homem” aprender a ser gente. É na família que aprendem os valores que norteiam a existência e, sobretudo, sendo amados, aprendem a amar, atingindo assim o objectivo da Criação: serem imagem de Deus, pois Deus é Amor. Conclusão Satanás, a fim de desfigurar a criação e desonrar o Criador tem levado o homem a destruir todas as coisas que Deus criou para o seu bem-estar e realização. Do habitat ao corpo, do social ao moral, nada tem escapado a esse instinto de destruição. A família, não só não escapou como tem sido o objecto principal dessa atitude destrutiva. Desde cedo os homens buscaram alternativas ao projecto original de Deus. Inventaram a bigamia, a poligamia, a poliandria, o concubinato, o amor livre, o par homossexual, etc. No nosso tempo e na nossa sociedade o divórcio faz verdadeiras razias na família. Mas Deus, continua fiel ao seu projecto original. Ele sabe que a família é o único instrumento capaz de potenciar o ser humano para que este seja tão bom, tão grande, tão feliz quanto pode ser. O importante é que as famílias também sejam fiéis a esse Projecto. É por isso que vários milhares de anos após a Criação, vivendo no meio da Humanidade, Deus considerou necessário fazer uma 4ª declaração sobre a família: “… O que Deus ajuntou não o separe o homem.”Mateus 19:6