Número 14 – junho/agosto de 2002 – Salvador – Bahia – Brasil
CONTRATO ADMINISTRATIVO – POSSIBILIDADE DE
RETOMADA, PRORROGAÇÃO OU RENOVAÇÃO DO AJUSTE –
MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO
INICIAL – ATENÇÃO ÀS EXIGÊNCIAS DA LEI DE
RESPONSABILIDADE FISCAL
Prof. Luciano Ferraz
Professor de Direito Financeiro e Administrativo da PUC/MG. Mestre e
doutorando em Direito Administrativo pela UFMG. Assessor jurídico do
Presidente do Tribunal de Contas de Minas Gerais. Advogado.
1–
FATOS
A ________ submete a este parecerista consulta sobre o Contrato
Administrativo n.______, firmado com ______________, cujo objeto é a
execução da obra de abertura e urbanização da Avenida _______________.
Foram fornecidos os seguintes documentos:
a)
cópia do
____________;
contrato
administrativo
n.
____,
assinado
em
b)
cópia da publicação do extrato do contrato no Diário Oficial do
__________, datada de 14 ______________;
c)
cópia da carta-fiança no valor de R$ ______________ subscrita
_______________e apresentada pela consulente _____________;
O contrato foi precedido de licitação, regida pela Lei 8.666/93 e
alterações, na modalidade concorrência (n. _________ ), tipo menor preço
global. A consulente sagrou-se vencedora do certame, apresentando proposta
no importe de R$ ____________________________________________, que
corresponde ao valor total do contrato (cláusula 2.2).
O prazo para a conclusão da obra foi fixado em 240 (duzentos e
quarenta) dias, contados a partir da Ordem de Serviço, podendo a execução
dar-se parcialmente, por trechos da Avenida, a critério da _____________
(cláusula 3ª). A cláusula 5a do contrato previu a possibilidade de prorrogação
do prazo, mediante expressa manifestação das partes, nos termos da Lei.
Os pagamentos seriam realizados, mediante apresentação dos
comprovantes de medição, depois de fiscalizados pela _____________
(cláusula 2.3). Os recursos necessários à realização da obra seriam oriundos
do tesouro ___________ e/ou de convênio (cláusula 4a).
Informa-nos a consulente que a escassez de recursos financeiros
próprios do ___________ ou transferidos, impediu fosse emitida a Ordem de
Serviço, que autorizaria o início da obra. Informa-nos, ainda, que até a presente
data não houve qualquer ato praticado pela _________ tendente a rescindir o
contrato.
Diante desse quadro fático, a consulente apresenta os seguintes
questionamentos:
a) Existindo interesse da ____________, é viável a execução do
contrato?
b) É possível acordar com a ____________a realização do objeto,
observado o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, utilizando-se, para
tanto, tabelas de custos atuais, que refletem a realidade do mercado?
A resposta à consulta basear-se-á nos documentos e nas informações
prestadas pelo consulente e o exame é adstrito ao instrumento contratual.
2 – PRÓDROMOS
2.1 – Administração Pública e Direito Administrativo moderno
Para Otto Mayer o direito administrativo é o direito da administração
pública.1 A expressão administração pública – administração para o público –
reflete a superação do spoil system típico dos regimes absolutistas, em que se
verificava a confusão entre propriedade (e poder) estatal e pessoal do
soberano. Consoante legado de Cirne Lima, no Estado absoluto “não se
conhece a administração pública como atividade distinta; a divisão de poderes
é que a faz aparecer com tal feição.”2
1
Apud LIMA, Ruy Cirne. Conceito fundamental de direito administrativo. Revista
Forense, set./1948, p. 48-50.
2
LIMA, Ruy Cirne. Princípio de direito administrativo, 3. ed., Porto Alegre: Sulina, 1954,
p. 21.
2
O princípio da separação dos poderes, ou melhor, da segregação das
funções é o pressuposto político para a existência do direito administrativo,
enquanto o Estado de Direito é seu pressuposto jurídico.3 O direito
administrativo surge, portanto, como reflexo das revoluções burguesas do
Século XVIII – sobretudo a partir da Declaração francesa dos Direitos do
Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789 – fincado na necessidade de
imposição de limites ao poder estatal, de modo a assegurar o exercício das
garantias e liberdades individuais. Daí a relevância do princípio da legalidade
que “estabelecido como fundamento de direitos individuais e, por natural
desdobramento, de direitos políticos da representação popular na constituição
dos poderes reprime o absolutismo do Poder estatal e condiciona a atividade
da Administração Pública.”4
O direito administrativo no Estado liberal (Século XIX) coincidiu com a
fase da administração pública burocrática, baseada na estrutura lógico-formal
weberiana (organização, competência, hierarquia, divisão do trabalho, carreiras
funcionais, especialização, imparcialidade, racionalidade, formalismo)
sustentado por princípios de autoridade (poder de império, executoriedade,
autotutela, discricionariedade). A literatura do direito administrativo produzida a
partir de então “tornou-se praticamente unânime quanto à articulação
dogmática da disciplina sobre a idéia central de que o interesse público é um
interesse próprio da pessoa estatal, ‘externo e contraposto ao dos cidadãos.’”5
A disfuncionalidade ínsita ao modelo burocrático e a cartelização nos
órgãos administrativos, havidas ao longo do Século XX, explicam, em parte, o
fato de a Administração Pública ter-se tornado um organismo hipertrofiado,
formalista, avesso a novidades, míope. Com efeito, a atividade administrativa,
na essência, não se conforma unicamente com princípios de autoridade – jus
imperii – utilizados pelos e voltados para os próprios agentes públicos. “O fim –
e não a vontade – domina todas as formas de administração.”6
A idéia de finalidade passa a permear a atividade de administração
pública – a visão do princípio da legalidade exclusivamente numa perspectiva
lógico-formal, típica do positivismo clássico, não mais se coaduna com os fins a
que o direito administrativo se propõe. Noutra senda, escrevi que “a incidência
do princípio da legalidade sobre os negócios privados (e diga-se: é essa a
razão da dicotomia público-privado) é meramente formal, enquanto na seara
dos negócios públicos é substancial, preenchida pela finalidade pública que
norteia toda a atividade estatal.”7
3
CUESTA, Rafael de Entrena. Curso de derecho administrativo. 11. ed.,
Tecnos, 1995. Vol. 1.
Madrid:
4
TÁCITO, Caio. O princípio da legalidade: ponto e contraponto. In: Estudos em
homenagem a Geraldo Ataliba., MELLO. Celso Antônio Bandeira (Coord.). São Paulo:
Malheiros, 1998.
5
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo. Rio de
Janeiro: Renovar, 1999, p. 11.
6
LIMA. Princípios..., cit. p. 22
7
FERRAZ, Luciano. Controle da Administração Pública, Belo Horizonte: Mandamentos,
1999. p. 99.
3
O abalo do modelo burocrático reclama formas menos rígidas de
organização, numa onda de resgate da colaboração entre Estado, sociedade e
indivíduos. O modelo de administração gerencial que se anuncia decanta –
não exclui – a burocracia; prestigia fins e não meios; “o racionalismo cede
espaço a novas concepções [...] a ênfase em conexões, a relatividade e a
incerteza, acrescentando-se, porque interessantes para o tema em foco, a
flexibilidade, a interdisciplinariedade e a idéia de finalidade.”8
Nessa perspectiva de superação da rigidez lógico-formal, o princípio da
legalidade – ícone do direito administrativo –, ganha colorido. O ordenamento
jurídico-administrativo passa a angariar manifestações exógenas, traduzidas
em princípios, tais como moralidade, razoabilidade, proporcionalidade,
eficiência, amalgamando substância e brilho, num verdadeiro arco-íris
normativo.
Em tempos hodiernos, a imperatividade e a estrita legalidade cedem
espaço, respectivamente, à consensualidade e à legitimidade. Nas palavras de
Moreira Neto,
“ao refluxo da imperatividade [...] reconhece-se que ela não só tem
limites jurídicos, opostos a seu emprego para evitar abusos, como
condicionantes políticos, para que possa alcançar maior eficiência
administrativa.[...]. Com o Estado de Direito surgiu o limite da legalidade,
estabelecido pela lei. Com o Estado Democrático, de feição pluriclasse,
afirma-se o limite da legitimidade...”9
Ao direito administrativo – direito da administração pública – resta
percorrer o mesmo caminho. “Assim, enquanto o Direito Administrativo do
século XIX, caracterizou-se pelo seu caráter autoritário e pela possibilidade de
predeterminação de todas as situações, num mundo considerado seguro,
estável, a rápida evolução dos fatos tecnológicos e financeiros, as constantes
modificações legais e a impossibilidade de qualquer previsão, a médio ou longo
prazo, no plano econômico exigiram uma reformulação do Direito
Administrativo, que, como os demais ramos do direito, passou a constituir um
direito flexível, na feliz expressão de Jean Carbonnier.” 10
Sob o influxo dos modernos, administração pública e direito
administrativo, impõe-se a busca de uma relação dinâmica, legítima e
consertada entre a Administração Pública e os particulares que com ela
colaboram, notadamente em âmbito contratual.
8
MOREIRA, João Batista Gomes. Modelos de administração pública – correspondente
evolução no conceito e objeto do direito administrativo. Monografia vencedora do prêmio
professor Vitor Nunes Leal, XIIIº Congresso Brasileiro de Direito Administrativo, Florianópolis,
1999.
9
MOREIRA NETO. Op. cit., p. 40.
10
WALD, Arnold. Novas tendência do direito administrativo: flexibilidade no mundo da
incerteza. Revista de Direito Administrativo, n. 202, out./dez., 1995. p. 44.
4
2.2 – Considerações sobre a interpretação dos contratos administrativos
O direito administrativo rege os contratos administrativos. Submetem-se
eles – os contratos – a regime especial (Lei 8.666/93), mas não desprezam, na
sua exegese, regras da teoria geral do direito. Pode-se mesmo afirmar que o
regime jurídico dos contratos administrativos combina elementos públicos e
privados, regras de direito administrativo – que têm prevalência – e regras de
direito privado. Pontifica Hely Lopes Meirelles que:
“...na interpretação do contrato administrativo é preciso ter sempre em
vista que as normas que o regem são as de Direito Público,
suplementadas pelos princípios da teoria geral dos contratos e do Direito
Privado [...] Não se nega a aplicação das regras de hermenêutica
comum, mas nessa operação não se pode olvidar que o objeto da
contratação é, sempre e sempre, o atendimento do interesse público.”11
À guisa de definições claras e precisas nos textos legais de direito
administrativo, o intérprete pode (e deve) lançar mão das fórmulas integrativas
da teoria geral do direito, sempre que isso seja necessário para atingir o
interesse público. Parece-me, destarte, correto dizer que no direito público (e
nos contratos administrativos) é possível fazer aquilo que o ordenamento
jurídico em sua plenitude (conjunto de princípios e preceitos) autoriza.
2.3 – Considerações sobre o equilíbrio econômico-financeiro do contrato
O regime jurídico a que estão submetidos os contratos administrativos
dita-lhes fisionomia própria. As cláusulas exorbitantes garantem à
Administração posição privilegiada na relação (jurídica) com o contratado – o
interesse público que está sob sua cura demanda, não raro, mutabilidade
unilateral das regras da avença.
Contudo, essa posição contratual ‘para mais’ da Administração tem um
contraponto – o contratado não é obrigado a suportar alterações contratuais
motivadas por condutas da própria Administração (fato da administração) ou
por eventos exteriores (teoria da imprevisão) que prejudiquem a justa
remuneração que lhe é inerente. Com efeito,
“se para a Administração é vital a satisfação do interesse público, para o
particular contratante o móvel do contrato é o interesse financeiro, o
lucro.”
“Verifica-se, pois, no contrato administrativo, nítida eqüipolência entre as
obrigações do particular contratante e a quantia que convencionou
11
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, 20. ed., São Paulo:
Malheiros, 1995, p. 202.
5
receber. Tal equilíbrio é traduzido, em linguagem matemática, por uma
equação, que se resume, em sua simplicidade, no equilíbrio financeiro
do contrato. É a chamada equação financeira.”12
O contraponto das cláusulas exorbitantes, portanto, é a regra da
imutabilidade da cláusula de remuneração. Esta regra, nas lições de Péquignot,
expressa uma relação dinâmica em favor do contratado, matematicamente
representada pela equação – x : y :: x’ : y’.
A garantia ao equilíbrio econômico-financeiro, constitui direito subjetivo
do contratado, conforme expresso no inciso XXI do artigo 37 da Constituição
donde se lê que as obras, serviços, compras e alienações serão contratadas
com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as
condições efetivas da proposta.
Alteradas as condições da execução do contrato, o particular tem o
direito de pleitear a manutenção de sua proposta, o que poderá ocorrer
mediante recomposição e/ou reajuste. A distinção dessas figuras é feita por
Marçal Justen Filho:
“A recomposição de preços é o procedimento destinado a avaliar a
ocorrência de evento que afeta a equação econômico-financeira do contrato e
promove adequação das cláusulas contratuais aos parâmetros necessários
para recompor o equilíbrio original. Já o reajuste é procedimento automático,
em que a recomposição se produz sempre que ocorra a variação de certos
índices, independente de averiguação efetiva do equilíbrio.”13
Mais à frente, pontua:
“Reserva-se a expressão ‘recomposição’ de preços para os casos em
que a modificação decorre de alteração extraordinária nos preços,
desvinculada da inflação verificada. Envolve a alteração dos deveres
impostos ao contratado, independentemente de circunstâncias meramente
inflacionárias. Isso se passa quando a atividade de execução do contratado
sujeita-se a uma excepcional e anômala elevação (ou redução) de preços
(que não é refletida nos índices comuns de inflação) ou quando os encargos
contratualmente previstos são ampliados ou tornado mais onerosos.
Já o reajuste de preços é uma solução desenvolvida a partir da prática
contratual pátria. Convivendo em regime de permanente inflação,
verificou-se a impossibilidade e a inconveniência da prática de preços
nominais fixos.”14
12
CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro, 2. ed., Rio de Janeiro:
Forense, 2000, p. 367.
13
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos,
7. ed., São Paulo: Dialética, 2000, p. 409.
14
JUSTEN FILHO. Op. cit., p. 557.
6
Como se vê, a garantia do contratado nos ajustes administrativos,
residente na intangibilidade da cláusula de remuneração, engloba reajustes –
provenientes da corrosão do poder aquisitivo da moeda (art. 3º da Lei 10.192,
de 14 de fevereiro de 2001) –, e recomposições – oriundas de alterações nos
parâmetros equacionais da proposta.
3 – MÉRITO
As incursões propedêuticas, é fácil perceber, comparecem no texto
como pertinentes à análise geral das questões formuladas. O cerne relacionase com o prazo de execução e vigência do Contrato Administrativo n. _______,
com a possibilidade de dar-se continuidade ao ajuste e, finalmente, com a
necessidade de se garantir o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
3.1 – Contrato de obra – contagem do prazo de execução – retomada e
prorrogação
A rigor, os contratos administrativos se extinguem com o advento do
termo final, é dizer: expirado o prazo fixado no instrumento contratual, desfazse, automaticamente, o ajuste. É necessário, contudo,
“distinguir os contratos que se extinguem pela conclusão de seu objeto e
os que terminam pela expiração do prazo de sua vigência: nos primeiros,
o que se tem em vista é a obtenção de seu objeto concluído, operando o
prazo como limite de tempo para a entrega da obra, do serviço ou da
compra sem sanções contratuais; nos segundos, o prazo é de eficácia
do negócio jurídico contratado, e assim sendo, expirado o prazo,
extingue-se o contrato, qualquer que seja a fase de execução de seu
objeto, como ocorre na concessão de serviço público ou na simples
locação de coisa por tempo determinado. Há, portanto, prazo de
execução e prazo extintivo do contrato.”15
Os contratos de obra pública são contratos de resultado – o que
interessa é o produto final, servindo a cláusula que fixa o prazo de execução,
como limite de tempo para a entrega do objeto, sem que o contratado sofra
sanções contratuais. O dies a quo do prazo contratual, geralmente, é
contemporâneo à formalização do ajuste, mas é possível que o negócio jurídico
esteja submetido a condição futura (suspensiva), que impeça seja ele
imediatamente iniciado. Esclarece Orlando Gomes:
“A condição é requisito voluntário de eficácia do negócio jurídico.[...] A
condição é suspensiva quando a eficácia do negócio fica na
15
MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo, 11. ed., São Paulo:
Malheiros, 1997. p. 197.
7
dependência do seu implemento. [...] É a eficácia do ato que fica
subordinada. A condição não afeta sua existência, mas somente a
execução.”16
Portanto, se o contrato existe e prevê providências a cargo de uma das
partes como condição para o início de sua eficácia, somente após o
implemento dessa condição, há se falar em execução do contrato. A cláusula n.
3 do Contrato n. _____ previu que o prazo contratual seria contado a partir da
ordem de serviço dada pela ____________, obviamente depois de obter os
recursos financeiros necessários, o que funcionou como condição suspensiva
do negócio.
Nos contratos administrativos, quando existem providências a cargo da
Administração a condicionar a execução do objeto, aplica-se o inciso VI do § 1º
do art. 57 da Lei 8.666/93:
“Art. 57 ................................................................
§ 1º - Os prazos de início e etapas de execução, de conclusão e entrega
admitem prorrogação, mantida as demais cláusulas do contrato e
assegurada a manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro,
desde que ocorra algum dos seguintes motivos, devidamente autuados
em processo:
.............................................................................................
VI – omissão ou atraso de providências a cargo da Administração,
inclusive quanto aos pagamentos de que resulte diretamente,
impedimento ou retardamento na execução do contrato, sem prejuízo
das sanções legais aplicáveis aos responsáveis.”
Complementando o preceito está o art. 79, § 5º da Lei 8.666/93, que
estipula:
“............................................................................................
§ 5º - Ocorrendo impedimento, paralisação ou sustação do contrato, o
cronograma de execução será prorrogado automaticamente.”
A inércia da Administração em dar a ordem de serviço para o começo da
obra, motivada pela escassez de recursos financeiros, inviabilizou o início da
vigência do contrato.17 Se o prazo de vigência está paralisado por ato omissivo
da Administração, é de se entender que o contrato continua em vigor e pode
ser executado.
16
GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 10.ed., Rio de Janeiro: Forense, 1990.
p. 401-404.
17
Segue-se o magistério de Hans Kelsen para quem um mínimo de eficácia é condição
de vigência da norma jurídica, dentre as quais está o contrato. (KELSEN, Hans. Teoria pura do
direito, trad. João Batista Machado, São Paulo: Martins Fontes, 1995.)
8
Não obstante, ainda que se entendesse que a vigência do contrato
estava expirada (desprezando-se a condição suspensiva) a devolução do prazo
afigura-se medida factível, com base nos dispositivos citados da Lei de
Licitações. Orienta, nesse sentido, Carlos Pinto Coelho Motta:
“O contrato não prorrogado extingue-se automaticamente. Entretanto, no
direito público, nem sempre a extinção do contrato decorre do término de
seu prazo. Pode-se mesmo ter um contrato, com prazo de vigência
expirado e sem término da execução do objeto; o que permite, em
determinadas circunstâncias, a devolução do prazo, como previsto no
art. 79. § 5º, da Lei 8.666/93. Nesse particular, o intérprete deve estar
atento aos ‘fatos da administração’, à legislação de vigência e à análise
objetiva.”18 19
Depreende-se que nos contratos administrativos existe a supremacia da
Administração, mas hipóteses há em que sua inércia tem implicações práticas.
Os prazos de execução não se iniciam ou se suspendem, a vigência dos
contratos se prorroga, o valor da contraprestação sofre incidência da correção
monetária.
Sobre o prazo da prorrogação nos contratos de obra, preceitua Hely
Lopes Meirelles,
“Nos contratos que só se extinguem pela conclusão do seu objeto a
prorrogação independe de previsão e de licitação, porque, embora
ultrapassando o prazo, o contrato continua em execução.
O prazo de prorrogação pode ser igual ou inferior e até mesmo superior
ao do contrato inicial, observadas as limitações do art. 57 da Lei
8.666/93 [...] Muito embora o prazo máximo dos contratos
administrativos se adstrinja à vigência dos respectivos créditos
orçamentários, com as ressalvas da lei (art. 57, II e IV), são legítimas as
prorrogações sucessivas desde que essa possibilidade tenha sido
prevista no instrumento convocatório ou no ajuste inicial.”20
Note-se bem que a cláusula 5a do Contrato n. ______ dispõe que “Os
serviços poderão ser prorrogados ou alterados, através de termo aditivo,
mediante expressa manifestação das partes, em conformidade com a Lei.”
A prorrogação do contrato, segundo averba Marçal Justen Filho,
constitui direito do contratado e por conseguinte dever da Administração:
“Inexiste margem de discricionariedade para a Administração negar a
prorrogação, nos casos enfocados. Trata-se de atividade vinculada,
18
MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas licitações e contratos, 7. ed., Belo
Horizonte: Del Rey, 1998, p. 294.
19
Considera-se ‘fato da administração’ “toda ação ou omissão do Poder Público que,
incidindo direta e especificamente sobre o contrato, retarda ou impede sua execução.”
(MEIRELLES. Direito administrativo...., cit. p. 223).
20
MEIRELLES. Licitação..., cit., p. 201.
9
cujos pressupostos estão arrolados no texto legal. Não se remete à
liberalidade da Administração escolher entre conceder ou não a
prorrogação. A lei exige, isto sim, a rigorosa comprovação da presença
dos requisitos legais. Uma vez presentes, surge o direito do particular a
obter a prorrogação.”21
A jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU) confirma a tese
da prorrogação contratual. Confira-se o teor da Decisão n. 606/96: (Processo n.
TC 008.151/94-6).22
“A bem da verdade, impende frisar que a questão do prazo máximo de
duração dos contratos previsto nas normas atinentes à licitação e
contratos sempre se operou, no que diz respeito à construção de obras e
serviços de engenharia, computando-se, para efeito de contagem de
tempo, as devoluções das interrupções de responsabilidade da
Administração, que via de regra patrocina as tão conhecidas e
combatidas ‘obras paralisadas ou inacabadas’ muitas vezes fruto da
insuficiência de dotação orçamentária gerada pelos constantes
contigenciamentos de recursos feitos pelo Governo Federal. [...]
A esse respeito, vale colher o seguinte ensinamento de Carlos Pinto
Coelho Motta (in Eficácia nas Licitações e Contratos, 4. ed., Livraria Del
Rey, p. 213) ao tecer comentários à Lei 8.666/93, verbis:
Quanto ao tema da devolução de prazo contratual, conforme prevê a
Súmula 191 do TCU, entendo que a prorrogação, nas hipóteses do § 1º
do art. 57, não é como dantes, um ato discricionário da Administração.
Ao contrário: o § 5º do art. 79 da Lei expressa o direito subjetivo público
do contratado à continuidade da avença. A prorrogação do cronograma
de execução prevista no § 5º do art. 79, combinado com o § 1º do art.
57, impõe o restabelecimento da diretriz fixada pela Súmula 191 do
TCU, que havia sido considerada alterada pela redação do inciso XV, do
art. 68 do Decreto-lei 2.300/86. [...]
Em harmonia com o entendimento acima creio que a exegese correta
dos dispositivos do já revogado DL 2.300/86 não pode deixar de
considerar a hipótese de que dando causa às interrupções dos contratos
a Administração concorreu para a não execução a bom termo das
avenças, impondo, desse modo, em regra, vultosos prejuízos ao
contratado, decorrente do não cumprimento integral do objeto pactuado,
sendo pois, bastante razoável que a suspensão do contrato por
conveniência administrativa autorize a devolução do prazo
correspondente a essa suspensão, conceito este que se coaduna tanto
com a Súmula 191 do TCU, bem assim com os dispositivos da atual Lei
n. 8.666/93...”
21
JUSTEN FILHO. Op. cit., p. 527.
22
DOU de 15.10.1996, p. 20931.
10
Como se vê, a legislação de regência das licitações (Lei 8.666/93, art.
57, § 1º e 79, § 5º), a doutrina e a jurisprudência do TCU, reconhecem, em
casos tais como o do Contrato n.______, a possibilidade de prorrogação.
Dessarte, é de se concluir este tópico numa das seguintes vertentes:
a) se o prazo de execução do contrato não se iniciou em virtude de fato
da administração – inexistência da ordem de serviço motivada pela falta de
recursos financeiros –, que se afigura condição suspensiva, o ajuste continua
vigente, devendo ser executado pelo mesmo contratado a partir do momento
em que houver o cumprimento da providência a cargo do Poder Público. Tratase de retomada do contrato.
b) se o contrato iniciou sua vigência e a execução foi suspensa por fato
atribuível à Administração – falta de recursos financeiros –, a contagem do
prazo também é suspensa, tornando o ajuste passível de prorrogação.
3.2. – Contrato de obra pública – renovação – possibilidade
A despeito da possibilidade de retomada ou prorrogação, vislumbra-se,
ainda, hipótese de renovação do contrato. Aqui, diferentemente de alhures,
reconhece-se ter operado a extinção do ajuste.
A propósito da renovação do contrato, o leading case no TCU é a citada
Decisão n. 606/96 (Processo n. TC 008.151/94-6). O decisum da Corte de
Contas federal é auto-explicativo e tem como base o escólio de Hely Lopes
Meirelles:
“... vale trazer à colação o seguinte excerto da consagrada Obra do
mestre Hely Lopes Meirelles, Licitação e Contrato Administrativo, 10a
edição, p. 234, que diz: “Renovação do contrato é a inovação no todo ou
em parte do ajuste, mantido porém o seu objeto inicial, para
continuidade de sua execução, com o mesmo contratado ou com
outrem. A renovação do contrato pode exigir ou dispensar licitação,
conforme as circunstâncias ocorrentes em cada caso.
Normalmente, a renovação do contrato é feita através de uma nova
licitação em busca do melhor para continuidade da atividade
anteriormente contratada (...). Mas pode ocorrer que as circunstâncias
justifiquem uma contratação direta com o atual contratado, renovando-se
apenas o contrato vigente em prazo e outras condições de interesse da
Administração. Nesse caso, a Administração deverá enquadrar a
renovação de contrato na permissão cabível de dispensa de licitação,
como se fora um contrato inicial, embora escolha o mesmo contratado
do ajuste anterior pelas vantagens resultantes de sua continuidade.”[...]
11
... ainda que os contratos originais de remanescentes de obras sejam
considerados extintos por decurso de prazo, assim mesmo vejo que, à
luz do novo mandamento legal (Lei 8.666/93) e com base nas
circunstâncias que motivaram as correspondentes extinções contratuais,
os novos contratos firmados de remanescentes de obra encontram
arrimo legal, nos termos do preceito contido no inciso XI do art. 24 da Lei
8.666/93, que diz, verbis:
Art. 24. É dispensável a licitação:
(...)
XI – na contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento,
em conseqüência de rescisão contratual, desde que atendida a ordem
de classificação da licitação anterior e aceitas as mesmas condições
oferecidas pelo licitante vencedor, inclusive quanto ao preço
devidamente corrigido; [...]
... importa ressaltar que admitir a exclusão do vencedor da licitação e
futura renovação da avença original, desde que este não tenha dado
causa à rescisão de que trata o inciso, seria um contra-senso e uma
afronta aos princípios da isonomia de tratamento e da competição, não
se justificando, aliás, o seu preterimento em favor de um outro licitante
que em condições de igualdade ofereceu proposta menos vantajosa à
Administração [...]”
Da leitura do citado dispositivo, depreende-se que o permissivo ali
configurado, a despeito de em princípio servir para contemplar os casos
onde a rescisão se opera por injustificada conduta do contratado, não
obsta em momento algum que aludida contratação direta se faça com o
mesmo contratado de ajuste anteriormente encerrado, porquanto as
circunstâncias que envolvem a rescisão do pacto original justificam
plenamente a capacitação daquele que não concorreu para o extinção
do contrato, bem assim pelas vantagens resultantes de sua
continuidade, não só quanto a preço, que de igual modo deve ser aceito
pelos demais licitantes remanescentes, mas notadamente pela
qualidade e técnica oferecidas que são intimamente inerentes àquele
que apresentou a proposta mais vantajosa quando do julgamento do
certame original.”
Infere-se que a Decisão do TCU, seguindo a moderna tendência do
direito administrativo, prestigia o caráter finalístico da renovação do contrato,
ao aplicar, para legitimá-la, a previsão de dispensa de licitação constante do
art. 24, XI da Lei 8.666/93, albergando hipótese que se faz implícita, em
homenagem aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, eficiência,
economicidade, finalidade. De certo modo, faz analogia.
Com efeito, ao direito administrativo não repugna o uso da analogia. “A
analogia admissível no campo do direito público é a que permite aplicar o texto
12
da norma administrativa à espécie não prevista, mas compreendida no seu
espírito.”23
Carlos Maximiliano anota os pressupostos que legitimam a invocação da
analogia:
“a) uma hipótese não prevista...;
b) a relação contemplada no texto, embora diversa da que se examina,
deve ser semelhante, ter com ela um elemento de identidade;
c) este elementos não pode ser qualquer, e, sim, essencial,
fundamental, isto é, o fato jurídico que deu origem ao dispositivo. Não
bastam afinidades aparentes, semelhança formal; exige-se a real,
verdadeira igualdade sob um ou mais aspectos, consistente no fato de
se encontrar, num e noutro caso, o mesmo princípio básico e de ser uma
só a idéia geradora tanto da regra existente como da que se busca.”24
A hipótese prevista no art. 24, XI da Lei 8.666/93 tem identidade de
razão, o mesmo princípio básico, tanto da causa decida pelo TCU, quanto da
situação descrita pelo consulente, possibilitando o emprego da analogia para
melhor atender à finalidade pública.
Note-se que a solução pela via da dispensa de licitação em ambos os
casos obriga a Administração a contratar com o vencedor da licitação anterior,
preservando-se as condições oferecidas, inclusive quanto ao preço,
devidamente corrigido.
A recontratação direta, diferentemente da prorrogação contratual,
constitui faculdade da Administração. Esta, sopesando as vantagens oriundas
de sua utilização, tais como benefício social, economia de tempo e custo,
deverá tomar o rumo que melhor atenda ao interesse público.
3.3 – Direito do contratado à manutenção do equilíbrio econômicofinanceiro do contrato
O valor a ser pago pela Administração para a execução do Contrato n.
_____, a rigor, deveria ser idêntico ao que constou da proposta vencedora da
licitação. Todavia, é de reconhecer, em primeiro lugar, o direito do contratado a
atualizar os valores históricos da proposta, consoante índice que garanta a
manutenção do poder aquisitivo da moeda. “Averbe-se que correção monetária
23
MEIRELLES. Direito administrativo..., cit. p. 40.
24
MAXIMILIANO. Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 12. ed., Rio de Janeiro:
Forense, 1992. p. 212.
13
é a simples variação numérica expressiva de um mesmo valor que permanece
inalterado e tão-somente passa a ser expresso por números diferentes.”25
Acontece que da data da apresentação da proposta até os dias atuais,
diversos foram os eventos exteriores ao Contrato n. ______, não passíveis de
previsão pelas partes, que influenciaram diretamente a composição de custos
dos itens da proposta, tais como: crises cambiais, aumento de preços dos
derivados de petróleo (combustíveis, concreto betuminoso), aumento de
alíquotas de contribuições, elevação do preço dos serviços de terceiros,
dissídios coletivos, de sorte que a execução do contrato nas bases anteriores,
tornou-se excessivamente onerosa para o contratado, reclamando o reequilibro
econômico-financeiro.
Deveras, a quebra do equilíbrio econômico do contrato pode advir de
atos imputáveis à Administração, bem como de eventos alheios e estranhos a
ela. Pondera Marçal:
“Assim, a crise econômica poderá produzir uma extraordinária elevação
de preço de determinados insumos; uma greve poderá acarretar a
impossibilidade de fabricação dos produtos; uma crise internacional
poderá provocar elevação extraordinária dos preços dos combustíveis;
etc.”26
Nesse sentido, prescreve o art. 65, II, ‘d’ da Lei 8.666/93, com a redação
dada pela Lei 8.883/94:
“Art. 65 – Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com
as devidas justificativas, nos seguintes casos:
............................................................................
II – por acordo entre as partes:
.............................................................................
d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente
entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a
justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a
manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, na hipótese
de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de
conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução
do ajustado, ou ainda em caso de força maior, caso fortuito ou fato do
príncipe, configurando álea extraordinária e extracontratual.”
25
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo, 11. ed., São Paulo:
Malheiros, 1999, p. 455.
26
JUSTEN FILHO. Op. cit., p. 554.
14
Enquadram-se no prescritivo citado diversos fatores que podem conduzir
à necessidade de as partes pactuarem o reequilibro econômico-financeiro do
contrato. Ao caso vertente amolda-se a teoria da imprevisão. Com efeito,
adverte Celso Antônio, “a condição de imprevisibilidade tornou-se menos
severa. [...] O imprevisível passou a se referir apenas ao imprevisto, ao
razoavelmente não-previsto, e a indenização de imprevisão transmudou-se de
ajuda parcial temporária em meio de garantia do equilíbrio econômicofinanceiro estipulado por ocasião do contrato, nele incluído o lucro.”27
A jurisprudência do TCU reconhece a aplicabilidade da teoria da
imprevisão:
“Equilíbrio econômico-financeiro. Contrato. Teoria da imprevisão.
Alteração contratual. A ocorrência de variáveis que tornam
excessivamente onerosos os encargos do contrato, quando claramente
demonstradas, autorizam a alteração do contrato, visando ao
restabelecimento inicial do equilíbrio econômico-financeiro, com
fundamento na teoria da imprevisão, acolhida pelo Decreto-lei 2.300/86
e pela atual Lei n. 8.666/93.”28
Na mesma linha, manifesta-se o Tribunal de Contas do Estado de Minas
Gerias (TCMG):29
“...se por ocasião da definição do vencedor do certame, os preços [...]
integraram o bojo das propostas, o futuro aumento refletirá no seu
conteúdo, de modo a implicar o reequilibro financeiro inicial do contrato.
Nestes casos, a recomposição dos valores, a manutenção da equação
econômico-financeira, constitui verdadeiro direito fundamental dos que
ajustam com o poder público, consoante assevera Marcel Waline (Droit
Administratif, 9. ed., Paris, 1963, p. 617).”
Dúvidas não pairam acerca do direito do contratado ao reequilíbrio
econômico-financeiro do Contrato n. ______. De toda sorte, é mister que as
partes se valham de parâmetros razoáveis para estabelecê-lo faticamente. Aí
têm lugar as ponderações de Arnold Wald:
“como a rescisão sempre tem efeitos negativos, importando prejuízos
para ambas as partes, foi introduzida nos contratos de Direito
Administrativo uma nova variante, que é a chamada ‘flexibilização’
(souplesse do Direito francês), significando uma interpretação
construtiva e negociada do pactuado, para preencher os eventuais
vazios e superar as dificuldades geradas por normas que não previram
os fatos da maneira pela qual aconteceram.”30
27
MELLO. Op. cit., p. 472.
28
TCU, TC-500.125/92-9, Rel. Min. Bento José Bugarin, 27/10/94, Boletim de Direito
Administrativo n 12/96. P. 834.).
29
TCMG, Consulta n. 612.523, Rel. Cons. José Ferraz, publicada na Revista do
Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, n. 1, 2000. p. 243-248.
30
WALD. Op. cit., p. 44.
15
Em se tratando de contrato de obra, o reflexo das variações econômicas
irradiam-se sobre os custos do empreendimento, os quais, em regra, constam
de tabelas existentes nos próprios órgãos públicos. De fato, durante a fase
interna da licitação, é dever elaborar orçamento detalhado em planilhas que
expressem a composição de todos os custos unitários do objeto (art. 7º, § 2º,
II). A propósito dos custos e sua distinção em relação aos preços, registrei:
“...cabe ressaltar que preço e custo são conceitos distintos. Custo é a
denominação dada à importância necessária à execução direta de uma
obra ou serviço; preço é a expressão monetária equivalente ao total da
proposta comercial a ser formulada pelo licitante (preço de venda).
Os custos diretos para obras e serviços de engenharia são os que se
relacionam propriamente com a execução dos serviços que fazem parte
da obra. Englobam as despesas com material, mão-de-obra empregada
na execução dos serviços, além dos encargos sociais, serviços de
terceiros e equipamentos utilizados diretamente na obra.”31
O parâmetro obrigatório para a mensuração dos custos é o mercado.
Jessé Torres Pereira Júnior pontua:
"tais custos foram, ou deveriam ter sido, estimados de acordo com o que
a Administração apurou no mercado; este é o referencial permanente e
obrigatório das aquisições administrativas. Nada mais revelam, portanto,
do que os dados que todas as empresas do ramo já conhecem, que são
os preços praticados no mercado. Não se percebe como a exibição, no
ato convocatório desses custos e valores estimados no mercado, possa
comprometer a competitividade." 32
A consensualidade e a razoabilidade pedem espaço para que o
reequilibro econômico-financeiro integral do Contrato n. ______ seja
restabelecido com base nas atuais tabelas de custo de obras da Administração,
as quais refletem posições aferíveis no mercado – que já comporta eventuais
reajustes e recomposições –, obedecidos, por óbvio, os quantitativos da
proposta original. O que não poderá ocorrer é a execução do contrato fora de
parâmetros de mercado, configurando sobrepreço. Enfim, os patamares de
lucratividade da proposta do contratado devem manter-se inalterados.33
Os benefícios são visíveis para ambas as partes. O particular executará
o contrato nos mesmos termos econômico-financeiros da proposta inicial, o que
lhe garante lucratividade. A Administração não necessitará realizar novo
31
FERRAZ, Luciano. Licitações. 2. ed. (no prelo),
32
PEREIRA JÚNIOR. Op. cit., p. 7.
33
O TCMG utilizou parâmetro semelhante na resposta à consulta citada no corpo do
texto, verbis: “Para fins de aferição do montante a ser recomposto, via termo aditivo entre as
partes, deverão ser consideradas as planilhas constantes dos anexos ao instrumento
convocatório que descrevam os preços (custos) unitários [...]; na ausência estas planilhas
acostadas ao edital ou convite, outra idônea... A recomposição dar-se-á na exata proporção do
aumento pecuniário para o custeio do número de litros de combustíveis, consoante o menor
preço da praça.”
16
certame, entregando a obra à sociedade com maior rapidez e com sensível
redução de custos. Ademais, estará ciente de que a proposta aceita não é
inexeqüível, nem contém sobrepreço e de que o contratado possui condições
de habilitação suficientes para honrá-la.
Dessa feita, força admitir a possibilidade de haver, quanto ao contrato
em análise, a recomposição do valor histórico da proposta, em ordem a
viabilizar a execução, pelo consulente, do objeto contratual.
Para que a negociação se implemente é necessário comprovar-se o
desequilíbrio que afetou o contrato. É mister a realização de pesquisa
mercadológica que comprove a compatibilidade dos novos preços do contrato,
anexando-se-lhe as tabelas de custos das obras. Devem ser utilizados os
mesmos quantitativos anteriores, mantendo-se inalterados os patamares de
lucratividade. Após, cabe a assinatura do termo aditivo.
3.4 - Atendimento ao disposto na Lei de Responsabilidade Fiscal
A questão tratada na consulta envolve, ainda, aspectos relativos à Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF). Prescreve o caput do art. 16 e seu § 4º que são
condições prévias para empenho e licitação de serviços, fornecimento de bens
ou execução de obras:
a) estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que
deve entrar em vigor e nos dois subseqüentes;
b) declaração do ordenador de despesa de que o aumento tem
adequação orçamentária e financeira com a Lei orçamentária anual e
compatibilidade com o Plano Plurianual e com a Lei de diretrizes
orçamentárias;
A propósito do impacto dessas novas exigências nos contratos
administrativos escrevi:
“Estes dispositivos dirigem-se aos atos decisórios relativos à
contratação, incluindo os antecedentes necessários à abertura da fase
externa do processo licitatório, ratificação de dispensa ou inexigibilidade.
A menção ao empenho deve ser encarada com reservas, quanto a:
- contratos já executados e pendentes de pagamento;
- contratos que se encontram em execução e que seguiram regular
procedimento da licitação.
17
Em regra, a Administração tem o dever de cumpri-los, sob pena de
violação ao princípio geral do enriquecimento sem causa. É bem
verdade que no último caso (contratos em execução), pode ser
conveniente ao administrador pretender a rescisão unilateral do contrato,
com fulcro no art. 78, XII da Lei 8.666/93, observando, para tanto, as
precauções previstas nos arts. 79, I, § 1º e 2º da mencionada Lei, e
aquilatando a economicidade da medida, em face do que dispõe o § 2º
do citado art. 79.
O diagnóstico é diverso no que se refere às:
- licitações regulares que, na data da entrada em vigor da LRF,
encontravam-se concluídas;
- licitações regulares que, na data da entrada em vigor da LRF,
encontravam-se em curso.
Em ambos os casos deve-se cogitar da atenção aos incisos I e II do art.
16 da LRF.” 34
A retomada, prorrogação ou renovação do Contrato Administrativo n.
________ enquadra-se dentre as licitações que, na data da entrada em vigor
da LRF, encontravam-se concluídas, com o que entendo devam ser atendidas
as exigências do aludido art. 16, a fim de viabilizar a realização das despesas
respectivas, ao abrigo do Código Fiscal. Ressalto, por fim, a necessidade de
autorização orçamentária para a realização das despesas, a teor do art. 167, II
da Constituição.
Tratando-se de recursos oriundos de convênio é pertinente, outrossim,
destacar a necessidade de atenção ao que dispõem o art. 25, § 2º e o art. 8º,
parágrafo único da Lei de Responsabilidade Fiscal.
4 – Respostas aos questionamentos
Ante o exposto, passo a responder as perguntas que me foram
formuladas.
a) Existindo interesse da __________, é viável a execução do
contrato?
Sim. Assistem-me elementos suficientes para formar a convicção de que
é legal e juridicamente viável a execução do Contrato Administrativo n. ______
pela consulente. As figuras da retomada, da prorrogação e da renovação
possibilitam, qualquer delas, a execução da obra pelo contratado.
34
FERRAZ. Luciano et. alli. Lei de Responsabilidade Fiscal: abordagens pontuais. Belo
Horizonte: Del Rey, 2000, p. 177.
18
b) É possível acordar com a __________ a realização do objeto,
observado o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, utilizando-se, para
tanto, tabelas de custos atuais, que refletem a realidade do mercado?
Sim. O direito do contratado ao equilíbrio econômico-financeiro do
contrato garante a manutenção dos parâmetros efetivos da proposta. Desde a
data da assinatura do contrato, os custos para a execução da obra sofreram
diversas variações com nítido reflexo sobre a proposta, ensejando reajustes e
recomposições. As tabelas de custos de obras da Administração contemplam
essas variações, posto que elaboradas segundo parâmetros de mercado.
Adotadas as cautelas referidas nesta razão, é razoável a adoção de tais
tabelas para garantir as condições efetivas da proposta.
É o parecer.
Belo Horizonte, 14 de novembro de 2001.
Luciano Ferraz
OAB/MG 64.572
Referência Bibliográfica (ABNT: NBR-6023/2000):
FERRAZ, Luciano. Contrato administrativo – Possibilidade de retomada, prorrogação ou
renovação do ajuste – Manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial – Atenção às
exigências da lei de responsabilidade fiscal. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ Centro de Atualização Jurídica, nº. 14, junho-agosto, 2002. Disponível na
Internet: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: xx de xxxxxxxx de
xxxx
(substituir x por dados da data de acesso ao site).
Publicação Impressa:
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