III SEMINÁRIO POLÍTICAS SOCIAIS E CIDADANIA
AUTORES DO TRABALHO: Maria da Conceição Vasconcelos Gonçalves; Vera Núbia
Santos
Reflexões sobre participação e controle social na formação em Serviço Social
RESUMO: A proposta deste trabalho é a de elaborar algumas reflexões sobre as
categorias Participação e Controle Social e estabelecer uma relação com a formação
profissional desencadeada no espaço de uma universidade pública e mais
especificamente no curso de Serviço Social. A motivação para a análise recair na
formação do assistente social tem relação com uma multiplicidade de determinantes,
entre eles a defesa dos direitos sociais presente no projeto ético político da profissão e
nas diretrizes curriculares que traçam as bases da formação. Lembramos que
participação e controle social permeiam uma multiplicidade de profissões e de ações na
dinâmica da sociedade, elas não são específicas do Serviço Social, mas a sua
compreensão na perspectiva dialética contribui para efetivar o projeto ético político da
profissão e para capacitar os assistentes sociais na operacionalização das políticas sociais
na direção de ampliação dos direitos sociais e da emancipação humana.
Introdução: Participação e controle social são duas categorias que ganharam uma nova
dimensão a partir da Constituição de 1988. As lutas sociais empreendidas em torno da
elaboração da nossa carta magna possibilitaram um redesenho das políticas públicas.
Estas passaram a assumir um formato onde a descentralização, a participação e o
controle social constituem os eixos norteadores para pensar a sua formulação,
operacionalização e avaliação. A proposta deste trabalho é a de elaborar algumas
reflexões sobre estas categorias e estabelecer uma relação com a formação profissional
desencadeada no espaço de uma universidade pública e mais especificamente no curso
de Serviço Social.
A motivação para a análise recair na formação do assistente social tem relação
com uma multiplicidade de determinantes. Entre eles, a defesa dos direitos sociais
presente no projeto ético político da profissão e nas diretrizes curriculares que traçam as
bases da formação. O Serviço Social é uma profissão interventiva inserida na divisão
social do trabalho que lida diretamente com as diferentes expressões da questão social
através de políticas públicas. Daí a importância da formação ressaltar aspectos relativos
ao manejo das políticas públicas, entre eles descentralização, a participação e o controle
social.
Para atender este propósito vamos inicialmente elaborar algumas reflexões sobre
políticas públicas com ênfase na participação e no controle social. Em seguida,
traçaremos um panorama da formação profissional na atualidade, apontando aspectos
que convergem com a participação e controle social como uma forma de garantir os
direitos sociais, num cenário em que os direitos conquistados são gradativamente
conflitados com a direção que as mudanças no sistema capitalista impõem ao Estado e à
sociedade e com a luta geral dos trabalhadores.
No caso do Serviço Social, buscamos aproximar o tema em foco às
transformações societárias e suas implicações na formação profissional. Pretendemos
compreender como, numa realidade social diversa, o projeto ético-político da profissão,
expressão de uma direção social que colide frontalmente com o modelo de sociedade em
vigor, redesenha um fazer profissional vinculado a uma perspectiva de garantia de
direitos e emancipação humana. Por fim, serão feitas algumas observações sobre a
participação e o controle social exercido através dos conselhos de políticas públicas, ou
simplesmente conselhos de direitos.
Políticas públicas: participação e controle social
Antes de apresentar fragmentos do debate sobre participação e controle social
vamos contextualizar a nossa compreensão de políticas públicas tendo em vista os
diferentes projetos que estão em disputa na sociedade. A perspectiva adotada é a que
concebe a política pública envolvendo a relação dialética entre interesses diferenciados
do Estado e da sociedade civil atendendo simultaneamente, em graus diferenciados, às
pretensões dos diversos sujeitos sociais que se confrontam na formulação,
operacionalização de projetos, programas e diretrizes políticas para atender as
necessidades sociais. Neste sentido a política pública representa a reprodução da ordem
burguesa, mas também as lutas sociais dos trabalhadores organizados em prol de
direitos sociais (PEREIRA, 2008; BEHRING; BOSCHETTI, 2006).
Segundo Potyara Pereira (2008, p. 94) há duas interpretações competitivas:
a que privilegia o Estado como produtor exclusivo de política pública,
a ponto de conceber o termo público como sinônimo de estatal; e a
que privilegia a relação dialeticamente contraditória entre Estado e
sociedade como o fermento da constituição e processamento dessa
política.
A primeira prioriza a ação estatal como a principal responsável para o
desenvolvimento de qualquer interferência ou regulação das relações sociais no âmbito da
sociedade. Já a segunda enaltece o embate de interesses que estão em disputa para melhor
atender às demandas dando visibilidade ás lutas sociais. Em ambas as interpretações, as
diferentes expressões da questão social, tais como as demandas por educação, saúde,
trabalho, habitação, assistência social, segurança, cultura, subsidiam o conteúdo das
respectivas políticas. Somente a análise da política através da segunda perspectiva
possibilita vislumbrar a existência de um processo que envolve diferentes sujeitos sociais,
trazendo à tona aspectos que denotam a competição e conquista de interesses divergentes.
A citada autora (2008) coloca que o termo público é mais abrangente que o termo
estatal e que, tanto a política social quanto a política econômica são espécies do gênero
política pública. As suas reflexões partem da origem latina do termo „público‟ que se
identifica com “res publica, isto é, res (coisa), publica (de todos) e por isso, constitui algo
que compromete tanto o Estado quanto à sociedade” (PEREIRA, 2008, p. 94). Ressalta a
autora, ainda, que
(...) quando se fala de política pública, está se falando de uma política
cuja principal marca definidora é o fato de ser pública, isto é, de
todos, e não porque seja estatal (do Estado) ou coletiva (de grupos
particulares da sociedade) e muito menos individual. O caráter público
desta política não é dado apenas pela sua vinculação com o Estado e
nem pelo tamanho do agregado social que lhe demanda atenção
(Rua), mas pelo fato de significar um conjunto de decisões e ações
que resulta ao mesmo tempo de ingerências do Estado e da
sociedade. (PEREIRA, 2008, p. 95)
Por meio desta colocação queremos esclarecer que as políticas públicas envolvem as
políticas econômicas e as sociais e que os mecanismos de participação e de controle social
podem estar presentes na operacionalização de ambas. Ressaltamos que as nossas reflexões
vão ter como principal referência textos de autores que abordam o formato de políticas
sociais, e em especial da política de assistência social, desenhado no movimento social que
culminou com a elaboração da Constituição Brasileira, aprovada em 05 de outubro de 1988.
E, também nas lutas sociais para aprovação de leis complementares regulamentando as
políticas sociais, por exemplo, da assistência social, da saúde, da educação.
É fundamental pontuar que o contexto histórico brasileiro da década de 1980 estava
permeado de diferentes lutas sociais em prol de direitos que garantissem a democracia após
um longo período de ditadura militar. A conquista de um poder constituinte revelando a
soberania popular está apresentada no parágrafo único do artigo 1º da Constituição de 1988
que diz: “todo o poder emana do povo, que exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição”.
A ênfase na participação e no controle social está presente em diferentes artigos da
Constituição de 1988, entre eles citamos o artigo 204, que ao abordar sobre as formas de
organizar as ações governamentais da política da assistência social coloca no inciso II, a
seguinte diretriz: “participação da população, por meio de organizações representativas, na
formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.”
Ressaltamos, entre os mecanismos de participação e controle social da população, os
conselhos de direitos constituídos com representação paritária da sociedade civil e do Estado
com função deliberativa. São espaços idealizados para o exercício democrático do debate e
da tomada de decisões pertinentes aos interesses em conflito. No entanto, convém sinalizar
que este importante momento histórico da sociedade brasileira foi brutalmente afetado com
a crise do capital iniciada na década de 1970 e o avanço do neoliberalismo resultando na
apropriação, por parte de governantes brasileiros, a partir da década de 1990 de medidas
reduzindo a ação estatal no social, a focalização e seletividade das políticas sociais. Ademais,
as raízes culturais da sociedade brasileira têm colocado obstáculos para romper com as
amarras da dominação próprias de uma política centralizadora do Estado com traços
oriundos do coronelismo, em que a “troca de favores”, as “benesses” querem se perpetuar.
Esta breve contextualização das políticas públicas serve de pano de fundo para situar
o debate sobre participação e controle social. A participação é uma temática que envolve
diferentes conceitos e definições e que sempre carrega um conteúdo ideológico que mantém
uma estreita relação com o momento histórico e político vivenciado. Segundo Nogueira
(2004, p.129)
Quem participa almeja afirmar-se diante de alguém, sobrepujar
alguém, resolver algum problema ou postular a posse de bens e
direitos, modificando sua distribuição. Vale-se, para tanto, de recursos
(políticos, técnicos, financeiros, intelectuais) próprios ou disponíveis
em alguns espaços comuns. Quem participa procura projetar-se como
sujeito que porta valores, interesses, aspirações e direitos: constrói
assim uma identidade, formula uma “teoria” para si e traça um plano
de ação.
Ainda de acordo com este autor é possível destacar quatro modalidades de
participação que coexistem na sociedade expressando “os diferentes graus da
consciência política e coletiva, correspondendo, assim, à maior ou menor maturidade,
homogeneidade e organicidade dos grupos sociais” (NOGUEIRA, 2004, p.130). Assim
sendo, segundo Nogueira (2004), podemos observar: 1 – A participação assistencialista,
cuja natureza é filantrópica e solidária e está presente em qualquer época e sociedade
(NOGUEIRA, 2004, p.130); 2 – A participação corporativa, dedicada à defesa de
interesses específicos de determinados grupos sociais ou de categorias profissionais
(NOGUEIRA, 2004, p.131); 3 – A participação eleitoral, que supera a defesa dos
interesses particulares, interferindo na governabilidade e produzindo efeitos para toda a
coletividade (NOGUEIRA, 2004, p.132); 4 – A participação política, que se constitui numa
prática ético política relacionada às questões do poder, da dominação, do consenso e da
hegemonia (NOGUEIRA, 2004, p.133).
Esta última modalidade nos permite pensar, segundo o citado autor, na
participação enquanto construção política que abre caminhos para a gestão participativa
ao estabelecer “conexões dinâmicas e criativas com a política: com a representação, seus
espaços, atores e instituições, com partidos e eleições, com os tempos, os ritmos e a
ética específica da política, em suma, com o Estado” (NOGUEIRA, 2004, p. 158) e exige
capacitação contínua.
Aliado ao debate da participação emerge o de controle social. Este passou a
assumir uma nova dimensão com o processo de redemocratização vivenciado, durante a
década de 1980, pela sociedade brasileira especialmente, a partir da Constituição de
1988. O conjunto de regulamentações das leis orgânicas vinculadas às distintas políticas
sociais (saúde, assistência, educação e outras) coloca o controle social como um
mecanismo a ser exercido, principalmente no âmbito dos conselhos (municipais,
estaduais e nacional) de cada política, por diferentes segmentos sociais organizados,
sobre as ações do Estado. Os conselhos de direitos, os conselhos populares, os fóruns e
demais canais de representação popular, tem sido defendido com uma das formas de
participação popular visando, sobretudo, assegurar os direitos conquistados na
Constituição Federal. Segundo Raichelis (2006, p.110) os conselhos são:
(...) espaços públicos com força legal para atuar nas políticas
públicas, na definição de suas prioridades, de seus conteúdos e
recursos orçamentários, de segmentos sociais a serem atendidos e
na avaliação dos resultados. A composição plural e heterogênea,
com representação da sociedade civil e do governo em diferentes
formatos, caracteriza os conselhos como instâncias de negociação
de conflitos entre diferentes grupos e interesses, portanto, como
campo de disputas políticas, de conceitos e processos, de
significados e resultantes políticos.
Estas considerações colocam à tona outra questão básica que é a capacitação dos
sujeitos sociais que vão exercer a gestão participativa das políticas sociais nestes
espaços fundamentais. Sabemos que são diversos os espaços em que esta capacitação
poderá ocorrer. Mas, segundo o objetivo deste trabalho privilegiamos o espaço da
formação profissional do assistente social, no âmbito da universidade pública para
estabelecer a relação com estas categorias. Segundo Iamamoto (1998), as diretrizes
curriculares aprovadas pela Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
– ABEPSS, em 1996, exigem uma formação de um sujeito profissional que tenha
competência para propor, negociar com a instituição os seus projetos, saiba defender o
seu campo de trabalho, suas qualificações e funções. Conhecemos os limites que existem
no âmbito da formação acadêmica, mas reconhecemos a sua importância na motivação e
reflexão sobre a participação política nas instâncias conquistadas pela sociedade civil
para imprimir “novas relações políticas entre governos e cidadãos” (RAICHELIS, 2006, p.
110).
O espaço da formação profissional é um local por excelência para enfatizar as
lutas sociais na implantação de políticas sociais que representam direitos sociais. É a
partir de algumas disciplinas do curso de Serviço Social tais como, Seguridade Social,
Gestão Social, Política Social que podemos mostrar a relevância da participação na
democratização da sociedade, na construção coletiva de aparatos legais como a Lei
Orgânica da Saúde (LOS), em 1990, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), em
1993. Como dizem Cunha e Pinheiro (2009, p.146)
As leis complementares que regulamentaram os artigos
constitucionais da saúde e da assistência social determinaram a
criação de conselhos como o mecanismo institucional para dar
concretude ao direito constitucional à participação, entendida,
assim, como a intervenção efetiva da sociedade na formulação,
implementação e controle da política pública.
Ao assegurar nesse espaço uma formação profissional que contemple esses
aspectos, buscamos enfatizar a garantia da qualidade dessa formação vinculada a um
projeto profissional que articula no seu marco legal (legislação profissional, código de
ética e diretrizes curriculares) as competências inerentes ao exercício do Serviço Social.
Participação e Controle Social na perspectiva da formação em Serviço Social
Como sinalizado no tópico anterior, a década de 1980 sinaliza no Brasil o avanço
das lutas sociais, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, mas, por outro
lado, gesta um “ataque aberto e declarado aos Estados-nação do capitalismo periférico,
efetivado por um amplo processo de ajustes e reformas” (KOIKE, 2009, p. 203) que
redundou no que Netto (1998) explicitou como a “crise do socialismo e ofensiva
neoliberal”, ofensiva caracterizada pela remoção de obstáculos à expansão do
capitalismo.
Essa ofensiva ampara-se numa crise do capital que altera profundamente as
“relações entre os países no mundo do trabalho, na economia, na cultura, nas práticas
ídeo-políticas e profissionais” (GUERRA, 2005, p. 3). Para a autora,
as alterações no “mundo do trabalho”, na esfera do Estado, nas
políticas sociais, estabelecem novas mediações que se expressam
nas condições objetivas (materiais e espirituais) sobre as quais a
intervenção se realiza e condicionam as respostas dos
profissionais. Frente a estas transformações, a dimensão
instrumental da profissão passa a necessitar de vínculos cada vez
mais estreitos com um projeto ético-político em defesa dos direitos
sociais e da democracia. (GUERRA, 2005, p. 3 – grifos no original)
O impacto dessas transformações incide diretamente na formação e exercício
profissional dos trabalhadores em geral, por apontar como necessárias às mudanças
engendradas no interior do sistema capitalista, mistificando “em suas origens e
desdobramentos, as vertiginosas alterações que se verificam na sociedade
contemporânea [explicadas como] decorrentes da globalização, da crise do Estado, da
crise da modernidade ou dos paradigmas” (KOIKE, 2009, p. 202). Trata-se de um novo
padrão societário que “impõe outra maneira de trabalhar para consolidar a sociabilidade
do capitalismo reatualizado” (KOIKE, 2004, p. 204) e que interfere também na educação.
O processo de adequação do sistema educacional às necessidades
de resposta do capital à sua crise contemporânea se desenrola por
dentro da contrarreforma do Estado, no contexto do ajuste
neoliberal iniciado na América Latina nos anos de 1970 e no Brasil,
na década de 1990. (KOIKE, 2009, p. 205)
Guerra (2005, p. 18) lembra que a ofensiva liberal para superação dessa crise
utilizou como estratégia a construção de uma “ambiência cultural necessária a este
período particular do capitalismo”, em que defende a tese do Estado minimalista, que
reduz suas funções e amplia a regulação do mercado sobre a economia. No campo da
educação superior, a lógica mercantil esvazia a sua dimensão emancipadora e “subtrai o
caráter universalista da instituição universitária” (KOIKE, 2009, p. 208), mas no âmbito
da formação em Serviço Social, com as suas particularidades históricas no Brasil,
principalmente decorrentes do processo de reconceituação na América Latina, essa
“formação profissional assume perspectiva distinta e colidente com as concepções
hegemônicas de educação e de sociedade acima referidas” (KOIKE, 2009, p. 209).
Devemos ressaltar que essa direção colidente também se percebe no âmbito das
estratégias para responder à questão social, as políticas sociais, tensionadas, segundo
Iamamoto (2009, p. 357-358), por “projetos partidários e políticos institucionais
distintos, que presidem a estruturação legal e a implementação das políticas sociais
públicas desde o final dos anos oitenta, e convivem em luta no seu interior”. Trata-se,
reforça a autora, de “uma tensão entre a defesa dos direitos sociais universais e a
mercantilização e refilantropização do atendimento às necessidades sociais” (IAMAMOTO,
2009, p. 358).
Ainda que as condições para a universalização dos direitos sociais configurassem
uma aposta da sociedade na Constituição de 1988, que aposta no avanço da democracia
fundada na participação e no controle popular, Iamamoto (2005, p. 358) reforça “a
importância dos espaços públicos de representação e negociação respaldados em bases
efetivas e organizadas”, pois, afinal, o capital já se reorganiza continuamente. Nesses
espaços, a concepção de participação vincula-se à “gestão nas políticas através do
planejamento e fiscalização pela sociedade civil organizada” (BRAVO, 2009, p. 395), tal
qual se defendia a participação nos anos 1980.
Pensar a participação e o controle social no âmbito da formação profissional em
Serviço Social requer considerar: o debate da focalização das políticas sociais públicas,
em detrimento da universalização; a despolitização e os interesses sociais, num processo
de politização com os movimentos sociais e com os conselhos de políticas.
As forças majoritárias da sociedade brasileira precisam debater a
opção política a ser tomada, pois a questão de fundo está
relacionada aos valores em que a mesma se estruturará, ou seja,
se em valores individualistas, como os da sociedade norteamericana, ou em valores solidários, universalistas. (BRAVO,
2009, p. 397).
Ao trazer para a formação profissional esse debate, com ênfase nas disciplinas
anteriormente citadas, mas não só nelas, pois outros enfoques podem ser analisados,
buscamos destacar que ainda que o projeto profissional gestado nos últimos 30 anos
constitua-se num projeto que enfrenta o modelo de sociedade vigente, muito há ainda
para ser construído no sentido da sua consolidação, senão vejamos:
1) As diretrizes curriculares do Serviço Social, aprovadas pela Associação
Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) em 1996,
recomendam a formação de um profissional capaz de formular e implantar
propostas para o enfrentamento da questão social, por meio de políticas
sociais públicas, empresariais, de organização da sociedade civil e movimentos
sociais. Um profissional dotado teórica, técnica e eticamente para
compreender e intervir na realidade social;
2) Nesse processo de formação, Bravo (2009, p. 401) lembra da necessidade de
os profissionais qualificarem suas ações, a fim de contribuir “para a ampliação
de uma cultura política crítica e democrática necessária ao efetivo controle
democrático dos sujeitos coletivos”;
3) No âmbito da legislação profissional, a Lei 8.622/93, de regulamentação da
profissão, assegura como competência no seu artigo 4º: “prestar assessoria e
apoio aos movimentos sociais em matéria relacionada a políticas sociais, no
exercício e na defesa dos direitos civis, políticos e sociais da coletividade”;
4) No âmbito do Código de Ética Profissional, exprime dentre os princípios:
“ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda
a sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos das
classes trabalhadoras” e “defesa do aprofundamento da democracia, enquanto
socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida”;
5) No processo de formação, a participação em instâncias colegiadas internas e
externas, aqui compreendidas nos conselhos de políticas como primordial,
para além de exprimir o atendimento à legislação e ao código de ética, permite
vincular o projeto profissional à direção social por ele proposta.
A temática dos movimentos sociais e as lutas da sociedade foram marcantes no
processo de formação em Serviço Social desde a década de 1980, com um esvaziamento
na década de 1990 em razão do próprio esvaziamento dos movimentos sociais e da lutas
coletivas (BRAVO, 2009). Ao propormos que na formação profissional as categorias
“participação” e “controle social”, ressaltamos a necessidade, inclusive, de pensar a
própria representação institucional em espaços de controle social, por vezes associadas à
figura de docentes da área de Serviço Social, como uma possibilidade de repensar esses
conceitos no processo de formação profissional.
Bravo (2009, p. 406) lembra o crescimento da produção sobre a temática a partir
dos anos 2000, pela “inserção dos profissionais em diversos espaços de controle
democrático, como conselhos, conferências, fóruns, plenárias, comitês, orçamento e
planejamento participativo, bem como de projetos de extensão que articulam ensino e
pesquisa das universidades”. Trata-se de um manancial ainda a desvelar no processo da
formação em Serviço Social.
Considerações Finais
Participação e controle social ganharam nova dimensão e visibilidade a partir da
Constituição Federal de 1988. As lutas sociais desencadeadas para colocar diferentes
institutos legais na Carta Magna garantindo a participação popular em diversas instâncias
da sociedade foram surpreendidas com as implicações advindas da crise do capital que
colocou o capitalismo na fase conhecida como neoliberal. Este aspecto reforça a
necessidade de instigar e socializar o debate sobre a importância de compreendê-las
enquanto conceitos que se concretizam através da capacitação de sujeitos aptos a
intervir no social.
As reflexões mostraram a possibilidade de articular às categorias de participação e
de controle social com a formação profissional do assistente social. São categorias que já
estiveram presentes em distintos momentos históricos da formação profissional, mas que
no atual projeto pedagógico assumem conotações relacionadas ao exercício da cidadania.
Lembramos que participação e controle social permeiam uma multiplicidade de
profissões e de ações na dinâmica da sociedade, elas não são específicas do Serviço
Social. Mas, a sua compreensão na perspectiva dialética contribui para efetivar o projeto
ético político da profissão e para capacitar os assistentes sociais na operacionalização das
políticas sociais na direção de ampliação dos direitos sociais e da emancipação humana.
Essa concepção emancipatória, como sinaliza Koike (2009, p. 209), se faz presente nas
atuais diretrizes curriculares como uma perspectiva que
não está na origem da profissão e nem se fez espontaneamente,
mas que tem história tecida nas lutas sociais pelas quais se deram
condições sociopolíticas que possibilitaram os assistentes sociais
brasileiros estruturar um projeto profissional crítico que em seu
desenvolvimento rompe com as matrizes conservadoras na
profissão.
Trata-se de um caminho que exige clareza sobre a qualidade da participação que
se quer ter e estimular na formação e no exercício profissional. Ao pensar na participação
nos espaços de controle social, por exemplo, que se configuram espaços de lutas e
disputas políticas, não se pode perder de vista que ao mesmo tempo em que se avança
no processo de democratização das políticas públicas, pode ser capturados como espaços
de reiteração de práticas clientelistas que evidenciam o patrimonialismo na formação
social do país.
Trazer esses elementos para a formação profissional e estimular o foco na
participação e no controle social das políticas sociais públicas é um caminho.
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Reflexões sobre participação e controle social na formação