PARTICIPAÇÃO POLÍTICA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988:
INDEPENDÊNCIAS E DESAFIOS DOS MOVIMENTOS
SOCIOAMBIENTAIS BRASILEIROS
Atílio Viviani Neto
Pesquisador bolsista do Programa de Mudança Social e Participação Política da Escola de Artes Ciências e
Humanidades - Universidade de São Paulo (ProMuSPP-USP).
[email protected]
Participação política na constituição de 1988: independências e desafios dos movimentos
socioambientais brasileiros (Resumo)
A America Latina passa por mudanças políticas iniciadas há pouco mais de vinte anos
posteriormente ao período obscuro de décadas anteriores, governadas por ditaduras com
escassos direitos sociais e políticos. Essas mudanças buscam revigorar a governança,
consagrando a democracia através da participação política garantida por normas presentes nas
constituições desses países. Em paralelo aos esforços pela consolidação da democracia, a
questão socioambiental ganha relevância em diversos segmentos, e as tensões amplificam-se.
No caso brasileiro a articulação da sociedade foi crucial para a inclusão de artigos na nova
Constituição que garantissem a participação e o tratamento apropriado aos bens ambientais.
Passadas duas décadas, ainda persistem diferenças entre cidadania formal e a cidadania real.
A presente análise tem como intuito refletir sobre a conquista de independências e desafios
que impedem a mudança socioambiental para o povo brasileiro, servindo como experiência
aos latino-americanos.
Palavras-chave: participação política, movimento socioambiental, mudança social e América
Latina.
Political participation in the 1988 constitution: challenges and independence of the
brazilian environmental and social movements (Abstract)
The Latin America is going through political changes initiated just over twenty years after the
inglorious period of the previous decades, ruled by dictatorships with few social and political
rights. These changes seek to reinvigorate governance by consecrating democracy through
political participation guaranteed by these norms in the constitutions of these countries. In
parallel with efforts to consolidate democracy, the social and environmental aspects gain
relevance in several segments, and the tensions arising from these are increasing. In Brazil,
1
the articulation of society was crucial to the inclusion of articles in the new constitution that
would guarantee social participation and protection of natural resources. After two decades,
there are still differences between formal citizenship and citizenship real. The purpose of this
analysis is to reflect on the achievement of independences and on challenges that impede
social and environmental change for the Brazilian people, serving as experience to the Latin
American.
Key-words: political participation, socio-environmental movement, social change and Latin
America.
Independência e soberania ambiental na constituição
Há pouco mais de vinte anos teve início nos países Latino Americanos a promulgação de
constituições que buscaram garantir a democracia e a justiça social, utilizando como
ferramenta a ampliação do espectro de participação da sociedade civil na vida pública.
Atualmente, a maioria desses países se tornaram politicamente independentes com garantias
de co-gestões e controles sociais consolidadas em suas cartas magnas. Porém persiste grande
diferença entre a cidadania formal ou legal, garantida pelas leis nacionais, e a cidadania real
traduzida na violação cotidiana de diretos dos cidadãos, conforme aponta pesquisa sobre
políticas de participação na America Latina, organizada por Serafin (2009).
No caso brasileiro após arbitrariedades impostas por duas décadas de regime militar ditatorial,
durante os anos de 1964 a 1985, emergiram reações de setores da sociedade no sentido de
libertar-se das “amarras autoritárias” introjetadas, utilizando como estratégia demandas por
inclusão de preceitos democráticos participativos durante o processo de manufatura do texto
da 6ª Constituição republicana.
Destarte essas reações por democracia ganharam apoio popular luzindo no horizonte da
segunda metade da década de oitenta mobilizações de movimentos de distintas missões,
dentre eles estavam presentes os movimentos ambientalistas que exigiam a incorporação de
princípios e garantias socioambientais no texto da futura Constituição, e tinham como
partícipes a sociedade civil organizada, cientistas, políticos, legisladores constituintes e povos
tradicionais, conforme relata a antropóloga Manoela Carneiro da Cunha (2009).
O movimento socioambiental não se ateve apenas a reivindicar proteção e usos racionais dos
recursos naturais e de garantias sociais, batalhou também pela inclusão do direito à
participação cidadã na construção das políticas públicas, em meio a elas políticas ambientais
inovadoras e respeito ao modo de vida das comunidades tradicionais pré-industriais com
ênfase às comunidades indígenas.
Esta bem sucedida articulação teve seu clímax durante os debates da Assembléia Constituinte
iniciada em 1987, que se desenvolveu durante um ano e meio com a participação dos 559
congressistas. Neste período setores da sociedade civil exerceram pressões e conseguiram
influir decisivamente na regulamentação de parte de suas demandas. Nascia assim a primeira
“Constituição cidadã” (batizada pelo presidente da Assembléia Constituinte, o então deputado
Ulisses Guimarães) pelo fato de contemplar mecanismos de democracia direta e participação
social nas políticas públicas.
2
Após sua promulgação os recursos ambientais brasileiros passaram a ser tratados como
assunto intersetorial, não restringindo seus propósitos apenas em capítulo próprio (no caso
Capítulo do Meio Ambiente), mas articulou a questão socioambiental com diversos outros
temas, repercutindo posteriormente nas normas infraconstitucionais. Dessa forma as
premissas ambientais passaram a transitar por assuntos distintos, fazendo-se presentes em
capítulos da Constituição tais como: dos Direitos e Garantias Fundamentais, na Organização
do Estado e dos Poderes e na Ordem Econômica. Importante frisar que pela primeira vez foi
incluído em Constituição Brasileira capítulo específico sobre o meio ambiente, disposto no
artigo 225.
Em alguns momentos as referências normativas à questão ambiental apresentam-se implícitas,
necessita de uma análise conjunta dos artigos para entendimento. Em outros momentos as
referências aparecem explícitas, fica claro no próprio texto da lei o intuito do legislador,
conforme analises do jurista Paulo Afonso (2011). No que concerne à participação política da
sociedade em matéria socioambiental, o legislador constituinte acolheu muitas demandas e
possibilitou a institucionalização dos movimentos ambientalistas da sociedade civil, pleito
esse que vinha de vários anos, e que foi recepcionado pela carta magna através do caput do
artigo 225, no qual estabelece que o poder público junto com a sociedade possui o dever
compartilhado de propor políticas ambientais com vistas a manter o tripé norteador: direito a
todos terem o meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial a sadia qualidade de vida, citado na integra abaixo.
Caput do artigo 225 da Constituição Federal: “Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações.”
Devido à preocupação socioambiental contida na Constituição Brasileira de 1988, conseguiuse dotar de outra qualidade os usos e usufrutos 1 dos seus patrimônios naturais. A atual
configuração possibilitou condições de independências principalmente de sermos servis aos
governos militares, e o meio ambiente brasileiro passou a pertencer a seu povo, exemplo
seguido posteriormente pela Venezuela através da constituição de 1999 em seus artigos 127,
128 e 129, e pela Bolívia na constituição de 2009 em seus artigos 33 e 34.
Essa nova forma de interpretar “soberania sobre os recursos naturais” por alguns países Latino
Americano resultou em processos importantes de nacionalização desses bens. No ano de 2006
houve o término do domínio de empresas nacionais e internacionais de todo setor petrolífero e
petroquímico, assim como de toda a siderurgia e extração mineral, no caso da Venezuela sob
a presidência de Hugo Chaves, e dos hidrocarbonetos na Bolívia com Evo Morales.
As nacionalizações ocorridas foram fundamentadas em normas constitucionais que
determinam os recursos naturais como soberanos de seu povo. Isso gerou certo mal estar
internacional, principalmente através do apelo midiático de governos e empresas acostumadas
a relações comerciais pautadas em uma ordem hegemônica, revestidas de desigualdades
contratuais e práticas expropriadoras de recursos naturais.
Porém, como o processo político é dinâmico e necessita de aprimoramentos com vistas a
acompanhar a complexidade dos interesses dos atores e das demandas, tomando como
inspiração as reflexões de Bobbio (1994), a simples existência de uma lei, mesmo que seja a
3
Constituição de um país, não garante sua efetividade, é preciso esforço dos governos e da
sociedade civil para fazer valer as normas através de uma moralidade coletiva e consumar as
independências preteridas através da construção da cultura cidadã.
Contudo, passados vinte quatro anos da promulgação da Constituição Brasileira, a euforia e
otimismos iniciais assentaram-se, e muitas garantias e soberanias apresentadas ainda estão no
campo do abstrato, tensionados por interesses enviesados principalmente por pressões do
mercado e de caráter estrito econômico.
Estudiosos de peso como Mara da Gloria Gohn e Evelina Dagnino tecem severas críticas ao
atual modelo democrático ocidental e especificamente ao modelo brasileiro, no qual os
cidadãos são convocados uma vez a cada quatro anos para participar de escolhas políticas e
efetivar a vontade pública. Esse formato apresenta deficiências por parte dos governos,
evidenciados pela falta de diálogo que impede relação próxima com seus eleitores. E por parte
da sociedade brasileira pelo fato de sua passividade frente aos desvios que acontece,
evidenciando assim urgência de aprimoramento dos mecanismos estatais de participação e
controle social com vistas a continua ampliação da democracia e construção coletiva do
contrato social. E os atores (Estado, mercado e sociedade) necessitam aprender a consolidar
diálogos e articulações, e serem propositivos na resolução de problemas, coresponsabilizando-se em buscar o bem estar socioambiental garantindo prioridade dos
interesses difusos e coletivos 2 sobre os privados. Entretanto a responsabilidade
socioambiental do mercado ainda é ficção, com limites frágeis principalmente pela submissão
dos governos aos seus interesses.
Paralelo a necessidade do aprimoramento do modelo democrático, a crise crescente
socioambiental e os problemas derivados das intervenções humana nos recursos naturais, cada
vez mais são incluídos nas pautas centrais das políticas, e as sociedades locais, regionais e
globais anseiam/exigem em participar da construção dessas políticas contemporâneas. Em
muitos países, como no caso do Brasil e parte dos países da America Latina, a participação é
legalmente garantida, mas permanece o desafio de aperfeiçoar suas práticas com vistas à
concretização do poder decisório desses fóruns (exercido geralmente através dos Conselhos,
Comissões, Comitês etc.) de produção de políticas entre Estado e sociedade.
E diante das circunstâncias e da consagração formal da democracia participativa nas políticas
socioambientais brasileiras, pretendemos apresentar argumentos que indiquem indícios de
onde ocorrem os desvios para a realização da participação, e dessa forma construirmos
(governos e sociedade) alternativas verdadeiramente sustentáveis e socialmente justas
levando-se em conta as vocações socioambientais da América Latina, fazendo contraponto a
ordem econômica mundial.
Entendimento de participação política
No presente item pretende-se construir significados a respeito da participação e suas
modalidades, estruturantes para a reflexão. Não é tarefa fácil, conforme apontada por diversos
autores, devido à dificuldade de universalização do termo pelo fato de cada campo do
conhecimento identificar Participação de uma maneira específica, entretanto aspecto
interdisciplinar, e as dimensões empíricas e ideológicas serão preponderantes nessa tentativa.
4
A Participação Política para Maria da Gloria Gohn (2008) é:
“Um processo de vivência que imprime sentido e significado a um grupo ou movimento social,
tornando-o protagonista de sua história, desenvolvendo uma consciência crítica desalienadora,
agregando força sociopolítica a esse grupo ou ação coletiva, e gerando novos valores e uma
cultura política nova”.
Não é, portanto, qualquer tipo de participação que a autora se refere, e sim uma forma
especifica que leva a mudança e à transformação social, com ganhos coletivos, difusos,
impossível por vezes de quantificar seus beneficiários, que repercuti hoje e nas gerações
vindouras. Porém antes que produza desdobramentos no que concerne a ganhos sociais, passa
por um processo subjetivo à medida que os atores sociais adquirem competência durante o
processo. Competência no sentido de apreender, ser ou se tornar apto aos diversos assuntos
que se apresentem nos espaços de participação política, clareando o significado das coisas e
fenômenos com que se defrontam. Estes significados apreendido na aquisição de
competências é socializado, compartilhado de forma comunitária.
Para Toni (2006), a participação articula-se como um processo contra hegemônico com
repercussão na dimensão política, sendo que a participação exerce sua plenitude real quando
revestida de poderes deliberativos, não apenas propósitos consultivos e/ou informativos do
poder público para com a sociedade civil. Portanto, constituem-se condição prévia para a
consolidação da democracia e efetivo combate às desigualdades econômicas e sociais às
deliberações co-geradas (governo e sociedade) na maior quantidade de arenas possíveis.
Em sua concepção a participação social nas políticas públicas caracteriza-se pelas relações
entre economia, política, cultura e sociedade definidas por esquemas flexíveis, sem
determinação universal, sujeitas aos momentos históricos e contextos. Os Processos sociais
passam a ser autônomos em relação à sua base estrutural, configurando-se desta forma cada
sociedade com uma matriz sociopolítica própria, com as dimensões do Estado, sociedade
civil, partidos políticos, mercado e base social inter-relacionadas.
Nogueira (2004) apresenta ponto de vista interessante. Ele classifica a participação em quatro
modalidades crescente de aprimoramento conforme o grau de consciência política,
maturidade, homogeneidade e organização. As modalidades são: Participação
Assistencialista, Participação Corporativa, Participação Eleitoral e Participação Política da
sociedade civil.
A Participação Assistencialista apresenta-se com características filantrópicas e paternalistas,
constituindo a forma mais antiga de participação. É presente geralmente entre os grupos
pobres e excluídos da sociedade, utilizado como estratégia de sobrevivência, especialmente
nos momentos de maior crise social. Tem a elaboração comum e primitiva de participação,
com menor grau de consciência política coletiva, visa atender requerimentos imediatos
materiais de manutenção da vida ou do bem estar de grupos ou segmentos sociais. É
freqüentemente relacionada a atividades religiosas, comunitárias e de políticas assistenciais
estatais.
A próxima modalidade graduada crescentemente no âmbito da participação é a Corporativa, e
ocorre quando o objetivo de um movimento social está limitado aos interesses de um
segmento ou grupo social específico. É base do sindicalismo moderno e se relaciona
diretamente com a forma Assistencial de participação, motivada principalmente por lutas
5
econômicas e melhores condições de trabalho. Em casos excepcionais pela natureza das
reivindicações, a Participação Corporativa pode ampliar sua esfera de representação ganhando
terreno amplo ao invés de categorias específicas. Assim como a Participação Assistencialista,
a Participação Corporativa pode ser considerada anterior à Participação Política.
A Participação Eleitoral faz parte do espectro de ação política do cidadão na sua relação com
o Estado. Além de direitos civis, torna vigoroso os direitos políticos, a cidadania e a questão
da governabilidade. Esta modalidade de participação deriva historicamente do contratualismo
liberal e, portanto, da liberdade individual e da livre iniciativa. Essa forma de participação
sofre, entretanto, um conjunto de limitações típicas daquelas existentes em regimes
democráticos representativos: distorções das preferências pessoais, igualdade formal anulada
pela desigualdade real, falhas do processo eleitoral, mecanismos frágeis de controle pelos
eleitos, falta de diálogo entre governo e sociedade etc.
E no maior grau de competência cidadã e consciência política seria, conforme ponto de vista
de Nogueira, a Participação Política. Ela se relaciona diretamente com o Estado e dialoga com
as formas de organização da vida em sociedade e sua reprodução. Alimenta-se da Participação
Corporativa e Eleitoral, mas vai além delas porque questiona e formula novos consensos
sociais, formaliza conquistas de direitos universais que afetam o conjunto de uma população,
sociedade, nação. Segundo o autor, o que distingue os cidadãos nesta modalidade
participativa não é seu lugar na estrutura social, sua origem de classe ou estoque de bem
materiais, mas as diferentes visões globalizantes dos problemas comuns a todos e das
soluções e estratégias propostas, portanto, da essência do próprio debate político democrático
ou da gestão coletiva (Estado e sociedade) dos conflitos.
O campo da Participação Política é, portanto, a arena da declaração e competição de projetos
de sociedade ou nação. A modalidade política da participação é aquela claramente
identificada como manifestação de poder político, não como simples expressão de direito
público subjetivo (Toni, 2006).
A dimensão política da participação cidadã nos remete a idéia de controle social sobre o
Estado, realizado de modo absolutamente imperfeito e insuficiente através das eleições
periódicas. Mesmo quando são eleições revestidas da maior lisura imaginável nos dias atuais,
livres, igualitárias, decisivas e inclusivas, como reflete O’Donnell (2004). O controle social
pode ser meramente formal ou burocrático.
Com a onda de reformas do Estado na América Latina durante os anos oitenta e noventa o
controle social foi associado ao termo accountability, conceito criado na língua inglesa com o
intuito de estabelecer a obrigação de membros de um órgão público ou colegiado de prestar
contas a seus representados e a instâncias auditoras.
Quanto aos mecanismos de gerência do Estado utilizou-se a ideologia da New Public
Management, método importado de teorias dos mecanismos de mercado, pautado na oferta e
procura, que permite o controle e identificação das preferências dos cidadãos para buscar a
eficiência estatal. A participação é qualidade do indivíduo isolado (micro-espaços) com
preponderância da dimensão técnica dos projetos, porém despolitizados, fundada na relação
entre clientes e consumidores.
Os resultados dessa ideologia foram a falta de enfrentamento por espaços de atuação autoreferenciada da administração pública burocrática e aumento do déficit de participação e
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controle social ao substituir clientelismo pelas leis do mercado, conforme elaborações de Toni
(op.cit.) a respeito da governança brasileira da década de 1990.
Construído o entendimento de participação e suas modalidades, passemos agora para análise
normativa da Constituição Brasileira referente à participação política e a questão
socioambiental.
Constituição brasileira: consagração da participação em matérias
socioambientais
As ciências políticas brasileiras deram pouca importância aos movimentos socioambientais
antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, tratando-os como ativismos da classe
média, privilegiando entendimentos de outros movimentos populares. Dessa forma o processo
de formação e a dinâmica interna do movimento socioambiental brasileiro motivaram poucas
análises sistêmicas, restringindo-se, na maior parte a estudos de caso, conforme relatado por
Viola (1987), Antuniassi (1989) e Alonso (2007).
Hoje, os movimentos socioambientais brasileiros conquistaram a importância merecida. A
conquista do reconhecimento teve grande influência dos movimentos de vanguarda dos povos
da floresta Amazônica, principalmente os ocorridos no Acre, iniciados por uma rede de
sindicatos rurais campesinos, igreja e povos indígenas.
As articulações começaram em meados de 1977 através da mobilização desses povos contra a
venda de grandes extensões de terra no Acre pelo governo do estado, por fazendeiros e
especuladores. Essa venda ocorreu como medida desesperada para atração de capital por
causa da decadência dos antigos seringais estruturados em sistemas de aviamento 3.
Como os povos da floresta não tinham títulos das terras, os compradores com o apoio do
governo, agiam de forma violenta na tomada das posses e posteriormente praticavam grandes
desmatamentos para produzir de forma extensiva e através de monoculturas, resultando em
sérios problemas sociais e ambientais. A maior parte das terras usurpadas pelos especuladores
eram públicas, sem proprietários (a não ser seu uso pelas comunidades tradicionais) e não
possuíam documentação legítima. Entretanto documentos falsos eram criados através de
prática chamada “grilagem” 4.
As mobilizações dos povos da floresta contra a venda de terras e derrubada da floresta foi
inicialmente organizada pelo representante dos seringueiros vinculado ao Sindicato dos
trabalhadores Rurais de Brasiléia, Wilson Souza Pinheiro, assassinado no início da década de
1980 por fazendeiros. O líder seringueiro do município vizinho Xapuri, Francisco Alves
Mendes Filho, conhecido como Chico Mendes, assumiu a liderança, continuou a organizar e
amplificou as táticas de enfrentamento pacífico e desobediência civil convocando para luta,
extrativistas e seringueiros de todo estado do Acre. A tática usada por eles para impedir
desmatamentos era através dos "empates", manifestações pacíficas em que os seringueiros
protegiam as árvores com seus próprios corpos. Organizaram também diversas ações em
defesa da posse da terra pelos habitantes nativos. Em 1985 junta-se ao movimento à jovem
professora e sindicalista Marina Silva 5, que viria a ser Ministra do Meio Ambiente do Brasil
quase duas décadas depois.
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O movimento de vanguarda socioambiental iniciado no Acre pelos seringueiros ganhou
tamanha repercussão que se transformou num movimento nacional em 1985, quando se
organizam no Conselho Nacional dos Seringueiros. Em meados de 1987 percebendo o caráter
ambiental e identitário, aliam-se a União das Nações Indígenas formando em 1988 a Aliança
dos Povos da Floresta, com a missão de proteger os patrimônios naturais e seus habitantes.
Nasce dessa percepção (liderados por Chico Mendes) o conceito de Reservas Extrativistas.
As Reservas Extrativistas fazem parte dos Espaços Especialmente Protegido, de domínio da
União e garantidos pela Constituição de 1988 (artigo 225 parágrafo 1º, III). São áreas de
grandes extensões que aliam o extrativismo pré-industrial com a proteção dos mananciais da
biodiversidade. Esse conceito concebido pelos extrativistas foi incorporado às regras
brasileiras do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) criado em 2000. O
SNUC transmite a posse permanente e usufruto exclusivo aos povos da floresta. Importante
dizer que a maior parte dos expoentes dos Povos da Floresta, nasceu na Amazônia legal
brasileira e tinham limitados conhecimentos do ensino formal. Chico Mendes aprendera a ler
com 19 anos de idade. Morreu assassinado no dia 22 de dezembro de 1988 pelos fazendeiros
Darly Alves da Silva e Darcy Alves Ferreira condenados em 1990 pelo crime. Sua luta é
lembrada até os dias de hoje, e em sua homenagem foi criado órgão no governo brasileiro de
proteção à biodiversidade e comunidades extrativistas, o Instituto Chico Mendes de
Biodiversidade (ICMBio) 6.
O caminho percorrido pelo movimento dos seringueiros e dos povos indígenas teve apoio e
participação de ONGs, cientistas de peso, políticos e ganhou repercussão nacional e
internacional. Talvez a participação dos diversos setores urbanos fosse uma forma de lutar
contra a ditadura e todas as injustiças decorrentes do período no Brasil e na America Latina. E
nesse ambiente de crescente mobilização socioambiental a Assembléia Constituinte iniciou
seus trabalhos em 1987 que resultou no texto da nova Constituição na forma que a
conhecemos, promulgada em 5 de outubro de 1988.
Não há dúvidas que a Constituição foi um divisor de águas no que se refere à consagração da
democracia e da soberania nacional, ao tratamento adequado das questões socioambientais e
das garantias e independências ao povo brasileiro. É dedicado (como já dito) importante
capítulo ao meio ambiente, presente na Ordem Social. Porém o entendimento dos princípios
normativos fica comprometido se não levado em conta referências ambientais contidas em
outras partes do texto, ou seja, propósito de ser assunto estratégico intersetorial, por vezes
explícitos, outros implícitos, permeando todo o texto constitucional, conforme argumenta o
jurista Paulo Afonso (2011).
A Constituição inicia definindo a República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos estados e municípios e do distrito federal, e constituído num Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos: soberania, cidadania, dignidade da pessoa
humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.
A articulação entre participação política e a questão socioambiental aparecem como primeira
referência expressa nos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I, artigo 5º, LXXIII, que
atribui legitimidade a qualquer cidadão propor ação popular que vise anular ato lesivo ao
meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, sem custos processuais. Infelizmente é
uma ferramenta jurídica subutilizada devido à grande pressão política aos cidadãos que se
aventuraram a pleitear direitos coletivos em nome próprio.
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No artigo 91 da Constituição cria-se o Conselho de Defesa Nacional (CDN), órgão de
consulta do Presidente da República nos assuntos relacionados com a soberania nacional e a
defesa do Estado democrático, e dele participam como membros natos:
I - Vice-Presidente da República;
II - Presidente da Câmara dos Deputados;
III - Presidente do Senado Federal;
IV - Ministro da Justiça;
V- Ministro de Estado da Defesa;
VI - Ministro das Relações Exteriores;
VII - Ministro do Planejamento.
VIII - Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.
As atribuições do Conselho são a de propor os critérios e condições de utilização de áreas
indispensáveis à segurança do território nacional e opinar sobre seu efetivo uso,
especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com a preservação e a exploração dos
recursos naturais de qualquer tipo; e estudar, propor e acompanhar o desenvolvimento de
iniciativas necessárias a garantir a independência nacional e a defesa do Estado democrático.
Percebe-se que a sociedade não participa diretamente do conselho, apenas é representada por
políticos eleitos democraticamente. Essa situação merece no mínimo reflexões a respeito.
A seguir temos o artigo 129, III, competências do Ministério Público, e determina como uma
de suas funções institucionais a promoção do inquérito civil (investigação) e a Ação Civil
Pública para proteger o patrimônio público, social e o meio ambiente. Portanto qualquer
cidadão que sentir-se lesado em relação aos seus bens públicos pode provocar o Ministério
Público, e este têm o dever institucional de iniciar investigação, apurar e caso seja confirmado
o descumprimento de leis por qualquer um, inclusive governos, poderá ingressar com a ação
civil.
O Ministério Público é o grande fiscal pelo cumprimento das leis e da garantia de participação
nos processos políticos, porém a falta de recursos humanos e técnicos, e interferências
políticas recorrentes impedem uma efetividade maior nas questões socioambientais.
Normanha (2011) defende tese sobre o judiciário brasileiro argumentando que há no sistema
jurídico nacional, uma política entre grupos de juristas influentes para formar alianças e
disputar espaço, cargos ou poder dentro da administração do sistema. Segundo o autor é
difícil de entender a esfera que é um dos pilares dos poderes no Brasil em que as pessoas não
são eleitas e, sim, sobem na carreira, a princípio, por “mérito”.
No artigo 170, VI, que trata da Ordem Econômica, é considerado a defesa do meio ambiente
como um dos princípios do desenvolvimento econômico brasileiro, e envolve a determinação
de que toda atividade econômica só pode desenvolver-se legitimamente enquanto atende a tal
princípio, sob pena de responsabilização dos infratores. Portanto alia o desenvolvimento
econômico com a preocupação socioambiental.
Ainda na Ordem Econômica, a Constituição normatizada a política urbana brasileira através
dos artigos 182 e 183. Neles são descritos a função social da propriedade urbana que deve ser
cumprida, bem como a obrigatoriedade de Plano Diretor para cidades com mais de vinte mil
Habitantes. O Plano Diretor é instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão
urbana, e nele deve haver o respeito aos patrimônios ambientais e aos princípios de
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participação política e controle social por seus habitantes durante o processo. Caso não sejam
observadas essas diretrizes é passível de ser invalidado pela autoridade competente, conforme
normas infraconstitucionais.
A propriedade rural também deve cumprir a função social. O direito de propriedade
tradicional sofre abalo profundo em seus usos. Não é possível usar como bem entender a
propriedade rural, ela deve cumprir função pública, social e ambiental, conforme estabelece o
artigo 186, II, sob pena de desapropriação para fins de reforma agrária.
Em seguida aportamos na Ordem Social da Constituição, com diversas referências às questões
socioambientais, como no artigo 200, VIII, que declara ao Sistema único de Saúde e seus
conselhos (no qual a sociedade civil ocupa cadeiras de representação), a competência de ir
além de suas atribuições específicas e colaborar com a proteção do meio ambiente, e nele
compreendido o meio ambiente do trabalho, onde seus trabalhadores têm direito a um
ambiente salutar.
Os artigos 215 e 216 normatizam a Cultura. Contêm importantes referências na proteção e
conservação dos patrimônios culturais brasileiros, materiais ou imateriais, incumbindo o
poder público com a colaboração das comunidades, através dos Colegiados de Cultura e
Patrimônios, o dever de defendê-los.
No artigo 225 é instituído o Capítulo do Meio Ambiente, ponderado no decorrer do trabalho,
porém vale enfatizar que a incumbência de defendê-lo e preservá-lo devem ser
compartilhados entre o poder público e a sociedade brasileira, justamente para não haver
desvios nas finalidades de proteção e efetivar a participação política e o controle social na
gestão desses bens.
E por fim das referências expressas na Ordem Social, vem o Capítulo dos Índios, presente os
artigos 231 e 232. Nesse capítulo há reconhecimento pela primeira vez em uma Constituição
Brasileira o direito originário indígena sobre as terras que ocupam, competindo a União o
dever de demarcá-las, protegê-las e fazer respeitar seus bens. O direito originário sobre terras
ocupadas é direito de maior consistência que se pode ter, e sem dúvida foi consagrado devido
à bem sucedida articulação dos povos da floresta com outros atores sociais e a repercussão
que teve na Assembléia Constituinte de 1987. Qualquer intervenção em terras indígenas deve
ser precedida de anuência dos povos, com a participação do Ministério Público Federal e
ONGs ligadas à causa.
O conceito de direito originário dos povos indígenas e a inclusão na Constituição Brasileira
também inspirou a Constituição da Venezuela de 1999 em seu artigo 119, e a Constituição da
Bolívia em 2009, em seu artigo 30.
Vistos a consagração da participação política e dos princípios de controle social na carta
magna brasileira de 1988 passemos a analisar alguns exemplos de colegiados e a efetividade
real da participação cidadã.
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Participação para mudança socioambiental?
Com a atual crise representativa do modelo democrático no mundo ocidental em que
pesquisas concebidas pelas ciências políticas apontam ter iniciado no último quarto do século
XX, no qual os cidadãos são geralmente convocados uma vez a cada quatro anos para
participar de escolhas políticas e efetivar a vontade pública, evidenciou-se a urgência em
instituir e amadurecer os mecanismos estatais de participação e controle.
No decorrer da consolidação do modelo democrático na America Latina, a questão
socioambiental emerge como tema mais aflitivo, e a sociedade civil anseia em participar
dessas construções políticas pelo fato dos recorrentes desvios dos governos em prol dos
interesses econômicos.
E neste contexto de crise sistêmica do modelo democrático representativo de visão
hegemônica impositiva do que é “desenvolvimento”, fundado geralmente na degradação
ambiental e social, Leff (2000) elabora a idéia da impossibilidade de resolver os crescentes e
complexos problemas socioambientais e reverter suas causas sem que ocorra uma mudança
radical nos sistemas de conhecimento, dos valores e dos comportamentos gerados pela
dinâmica de racionalidade existente, fundada no aspecto econômico do desenvolvimento.
No Brasil temos três esferas produzindo políticas públicas socioambientais: Federal, estadual
e municipal. O formato legal das políticas socioambientais é obrigatoriamente participativo,
exercido através dos colegiados (Conselhos, Comitês etc.). Sua normatização vem expressa na
lei 6938 de 1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente e foi totalmente
recepcionada pela Constituição Federal de 1988 que aprimorou a ideologia de participação e
trouxe sua concepção para a lei maior de um país, sua carta magna.
Adiante serão abordados os principais colegiados de produção de políticas públicas
socioambientais e quais poderes lhes são conferidos.
Participação nos colegiados ambientais brasileiros
A Política Nacional do Meio Ambiente criou o Sistema Nacional de Meio Ambiente
(SISNAMA) que estabelece as competências e poderes dos órgãos colegiados ambientais
brasileiros, e como deve ser as articulações nos âmbitos federal, estadual e municipal. Oito
conselhos e comitês integram atualmente o Ministério do Meio Ambiente que faz parte do
SISNAMA, pertencentes à competência federal da estrutura, revestidos (em sua maioria) de
poderes deliberativos e consultivos e são eles: Conselho Nacional do Meio Ambiente,
Conselho Nacional da Amazônia Legal, Conselho Nacional de Recursos Hídricos, Comitê do
Fundo Nacional do Meio Ambiente, Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, Comissão
de Gestão de Florestas Públicas, Comissão Nacional de Florestas e o Comitê Nacional de
Biodiversidade.
O Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) é órgão consultivo e deliberativo, tem
como finalidade assessorar, estudar e propor diretrizes de políticas governamentais para o
meio ambiente. Sua competência é de deliberar sobre normas e padrões federais
compatibilizando desenvolvimento com a manutenção do meio ambiente ecologicamente
11
equilibrado, portanto bastante subjetivo devido ao entendimento de desenvolvimento que cada
um tem.
A presidência do CONAMA é exercida pelo Ministro do Meio Ambiente, e os conselheiros
(com direito a voto) são divididos em representantes da sociedade civil, representantes de
Ministérios, representantes dos estados por regiões (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste, Centro
Oeste) e uma quota de representantes dos municípios por estados.
O segundo Conselho de âmbito federal é o Conselho Nacional da Amazônia Legal
(CONAMAZ), que não tem garantia da participação permanente da sociedade civil nesse
colegiado, ficando a critério do presidente da república convidar lideranças regionais e
representantes dos meios acadêmicos e científicos ligados a questão amazônica. Tem como
prerrogativa deliberar sobre questões da Amazônia Legal.
Terceiro Conselho é o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CONARH). O poder
executivo federal possui a maior parte das cadeiras desse conselho que não pode exceder
cinqüenta por cento mais um. Há também representantes indicados pelos Conselhos Estaduais
de Recursos Hídricos, representantes de usuários e da sociedade civil organizada com missão
de proteger a água.
Compete ao CONARH promover a articulação do planejamento de recursos hídricos com os
planejamentos nacional, regional, estaduais e dos setores usuários; arbitrar, em última
instância administrativa, os conflitos existentes entre Conselhos Estaduais de Recursos
Hídricos; deliberar sobre os projetos de aproveitamento de recursos hídricos cujas
repercussões extrapolem o âmbito dos Estados em que serão implantado e sobre as questões
que lhe tenham sido encaminhado pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos ou pelos
Comitês de Bacia Hidrográfica; analisar propostas de alteração da legislação pertinente a
recursos hídricos e à Política Nacional de Recursos Hídricos; aprovar propostas de instituição
dos Comitês de Bacia Hidrográfica e estabelecer critérios gerais para a elaboração de seus
regimentos; acompanhar a execução e aprovar o Plano Nacional de Recursos Hídricos e
determinar as providências necessárias ao cumprimento de suas metas.
O Conselho Nacional de Recursos Hídricos é gerido por um presidente que deve ser o
Ministro do Ministério do Meio Ambiente.
Comitê do Fundo Nacional do Meio Ambiente é o quarto conselho e tem como objetivo
fomentar e desenvolver projetos que aliem o uso racional dos bens ambientais com o
desenvolvimento da qualidade ambiental das comunidades e de regiões do país, priorizando a
Amazônia Legal. Possui dezessete representantes no total, dentre eles nove do poder público
dos âmbitos federal e estadual, e oito dos movimentos socioambientais.
O quinto é o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, e tem como principais
competências coordenar a implementação de políticas para gestão do patrimônio genético,
estabelecer normas técnicas e critérios para as autorizações de acesso e remessa dos recursos
genéticos, criar diretrizes para elaboração de contratos e repartição de benefícios auferidos,
formar banco de dados para registro de informações sobre conhecimento tradicional e
autorização de acesso ao conhecimento tradicional associado mediante anuência dos titulares.
O conselho é composto de representantes de órgãos e entidades da administração pública
federal e é presidido por representante do Ministério do Meio Ambiente.
12
A Comissão de Gestão de Florestas Públicas e a Comissão Nacional de Florestas são órgãos
colegiados voltados à preservação florestal. A primeira é o órgão de natureza consultiva do
Serviço Florestal Brasileiro, no qual participa apenas servidores públicos, e tem entre as suas
finalidades o assessoramento, avaliação e proposição de diretrizes para gestão de florestas
públicas do país. Já a Comissão Nacional de Florestas fornece diretrizes para implementar as
ações do Plano Nacional de Florestas (PNF) e permite articular a participação dos diversos
grupos da sociedade civil com missão ligada ao desenvolvimento de políticas públicas do
setor florestal brasileiro.
Também ligada à proteção da biodiversidade encontra-se a Comissão Nacional da
Biodiversidade (CONABIO), oitavo órgão colegiado de âmbito federal. Tem como
prerrogativas a promoção e a articulação entre programas, projetos e atividades relativas à
implementação dos princípios e diretrizes da Política Nacional da Biodiversidade. É órgão
colegiado com poderes deliberativos e consultivos, paritário, ou seja, metade das cadeiras do
poder público e metade das cadeiras pertencem aos movimentos socioambientais e
comunidades tradicionais, porém é sempre presidido pelo Ministro do Meio Ambiente.
Nos colegiados ambientais estaduais e municipais faz-se necessário a participação política da
sociedade através dos conselhos regionais e locais de meio ambiente, entretanto não há
descrição normativa de como devem ser compostas as cadeiras. O usual atualmente é a forma
tripartite, dois terços para o poder público e um terço para a sociedade civil, porém há casos
de divisão paritária, metade para o poder público e metade para a sociedade civil.
Os Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, denominados de CONSEMAs, estão presentes
nos vinte seis estados brasileiros e no distrito federal. Em sua totalidade possui poderes
deliberativos e consultivos, isso não quer dizer que esses poderes são exercidos, seria
necessária pesquisa aprofundada destes conselhos. Porém, nem metade dos quase cinco mil e
seiscentos municípios brasileiros possui Conselhos Municipais de Meio Ambiente,
denominados pela política de COMUMAs. Podemos então deduzir que em muitos municípios
não existem fóruns de participação da sociedade em matéria socioambiental.
Essa pulverização de órgãos colegiados no SISNAMA em instâncias federais, estaduais e
municipais possibilita debate amplo, de repercussão nacional por novos critérios de
prioridades em relação às políticas socioambientais brasileiras. Porém as comunidades, que
possuem forte repercussão nos municípios, estão com seus poderes limitados devido à falta de
conselhos que contemplem a participação e que deveriam ser criados pelas prefeituras.
Entretanto o que acontece em muitos colegiados é a ocupação dos espaços sociais por
seguimentos revestidos de práticas corporativistas (ONGs, órgão de classe, empresas etc.),
que reproduzem a lógica predominante de desenvolvimento, e as demandas socioambientais
são tratadas como entraves a serem resolvidos conforme os costumes do atual paradigma. Os
diversos órgãos colegiados do SISNAMA possuem deficiências de macro e micro
articulações, e transmitem a imagem de uma quadra de esportes com diversos jogos
acontecendo ao mesmo tempo, cada qual com suas regras e valores, sem intenção de
organizar a contenda.
13
Bem vinda cultura de participação
A articulação dos movimentos socioambientais e indígenas antes da promulgação da
Constituição Brasileira de 1988 teve grande influência para a consagração da democracia,
para reforçar a independência de sermos servis aos governos autoritários, destinar atenção a
questão socioambiental de acordo com a relevância que o tema merece e garantir a dignidade
aos povos primeiros habitantes da terra Brasilis.
A necessidade por mudanças socioambientais sinaliza a importância que a participação cidadã
e seu protagonismo têm neste processo. E sua contribuição necessita ser permanentemente
incentivada através do fomento de fóruns que propicie decisões políticas amplas, revestidas
de princípios éticos que devem ter espaço para debates, composto de reivindicação ambiental,
pois o direito ambiental introduz uma forte dinâmica democratizadora no contexto de
desequilíbrio sistêmico, e aumenta significativamente sua repercussão se trabalhado em
diversas escalas (local, regional, nacional e internacional). Esta reivindicação não denota
rechaço integral ao sistema político/econômico conforme reflete O`Riordan (2001), porém é
um esforço para corrigir seus erros e para equalizar distorções das tendências capitalistas
agressivas e degradadoras presentes em muitos países latino-americanos.
Garantir a participação social em diversos temas e especificamente na questão socioambiental
consagrou-se expressamente em nossa Constituição brasileira, como foi defendido. Entretanto
os fóruns de representação da sociedade estão aquém do que poderiam para contribuir com o
Estado na busca do bem estar. Os representantes sociais e políticos estão em processo de
amadurecimento dos significados complexos que o recente arranjo social propõe.
Novos paradigmas de valores precisam ser pactuados coletivamente, a propriedade e a função
social a que deve cumprir se descaracteriza diante do individualismo e da pré-disposição de
setores dominantes em manter os benefícios concentradores. A co-gestão de políticas públicas
entre governos e sociedade poderá auxiliar no estabelecimento de limites e responsabilidades
que o mercado e a razão capitalista não querem enxergar.
No Brasil avançamos com os direitos sociais e políticos que não estavam presentes em
Constituições anteriores, entretanto seus conceitos e ferramentas são subutilizados e
recorrentemente descaracterizados por novas normas 7, guiadas por valores pautados no
aspecto econômico, mas ainda objeto de desejo de grande parte da sociedade. Temos um
longo caminho a percorrer para conquistarmos mudanças efetivas. As normas estão garantidas
e nos esperam para que sejam utilizadas de acordo com seus propósitos originais, porém
questões profundas como os fundamentos éticos e a solidariedade devem ser debatidos e
deslocar-se do papel marginal que atualmente ocupa.
Notas
1
Pelas leis civis brasileiras usufruto é o direito de desfrutar temporariamente de um bem alheio como se dele
fosse proprietário, sem alterar-lhe a substância. Usufrutuário é aquele ao qual é conferido o usufruto. Consiste na
possibilidade de retirar da coisa as vantagens que ela oferece e produz porém sem destruí -la. Sua duração pode
ser vitalícia ou temporária. E uso é o direito de servir-se da coisa na medida das necessidades próprias e da
família, sem dela retirar as vantagens. Difere do usufruto, já que o usufrutuário retira das coisas todas as
utilidades que ela pode produzir e o usuário não.
14
2
Interesses Difusos e Coletivos são os interesses além dos governamentais, ou seja, a sociedade contemplada em
toda sua diversidade. É de difícil quantificação. Um dos principais interesses difusos e coletivos é o meio
ambiente, garantido no Caput do Capítulo do Meio Ambiente (artigo225) da Constituição Federal Brasileira de
1988.
3
No sistema de aviamento não havia possibilidade dos seringueiros acumularem capital algum, pois o uso de
dinheiro era raro, uma vez que as mercadorias eram permutadas com os donos dos barracões, intermediários na
venda do látex. É tido como um sistema de trabalho semi-escravo.
4
Grilagem é o ato de apossar-se de terras mediante falsos títulos de propriedade. O termo nasceu devido à
técnica utilizada de colocar papeis falsos de propriedade em caixa junto com grilos, e que posteriormente dava
aos papeis aspectos de envelhecido e era atestado pelos infratores como documentos originais de posses antigas.
5
Marina Silva foi eleita pela primeira vez para o Senado em 1994 pelo Partido dos Trabalhadores do Acre. Aos
36 anos, ela foi a senadora mais jovem da história da República e foi a com maior votação entre os candidatos de
seu estado. Em 2002, Marina Silva foi reeleita com uma votação quase três vezes superior à anterior. No ano
seguinte, foi indicada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o cargo de Ministra do Meio Ambiente, no
qual ficou até o maio do ano de 2008 quando pede demissão por discordar das posições socioambientais do
governo. A demissão de Marina Silva gerou mal estar no governo e teve forte repercussão no sistema
internacional.
6
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade é uma autarquia em regime especial. Criado dia
28 de agosto de 2007, pela Lei 11.516, o ICMBio é vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e integra o
Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA). Cabe ao Instituto executar as ações do Sistema Nacional de
Unidades de Conservação (SNUC), podendo propor, implantar, gerir, proteger, fiscalizar e monitorar as
Unidades de Conservação instituídas pela União.
7
O texto do Código Florestal Brasileiro esta atualmente em revisão no Congresso Nacional. A chamada
“bancada ruralista” que defende o interesse dos grandes latifúndios e o Partido Comunista do Brasil (PC o B)
propõe flexibilização e diminuição das normas protetoras de flora, o que poderá afetar diretamente os recursos
hídricos e a biodiversidade, conforme diz parecer de setores do governo, de ONGs e pesquisas científicas.
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PARTICIPAÇÃO POLÍTICA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988