ARTHUR DANTO E GIANNI VATTIMO: FIM DA ARTE, MASS MEDIA E
ESTETIZAÇÃO
ARTHUR DANTO AND GIANNI VATTIMO: END OF ART, MASS MEDIA
AND AESTHETICIZATION
Cláudia Dalla Rosa Soares1
Resumo: Este artigo objetiva apresentar as interpretações de Arthur Danto e Gianni Vattimo
sobre a questão “fim da arte”, introduzida por Hegel em seus Cursos de Estética. Segundo
Danto há, no presente, uma transformação radical nas condições de produção das artes. As
definições da arte não podem mais se fundamentar na inspeção direta das obras, exigindo uma
mudança na forma de se refletir sobre a arte. O “vazio” das definições de arte no momento em
que “tudo é permitido” traz a questão do “fim da arte”. Ora, para Danto, o “fim da arte” não
significa o fim das produções artísticas na contemporaneidade, mas o fim das narrativas
mestras. É um meio de se mostrar que as narrativas que definiram a arte tradicional chegaram a
um fim e que a arte contemporânea não mais permite uma representação por narrativas.
Vattimo, discorre, em consonância com Danto, acerca das transformações da arte e das
insuficiências da Estética tradicional na contemporaneidade. Contudo, Vattimo destaca a
incapacidade da Estética em compreender os mass media e suas possibilidades positivas. Para
Vattimo, a reprodutibilidade técnica e a massificação são inconciliáveis com as definições
tradicionais da Estética. Assim, a reflexão vattimiana busca apreender o sentido do estético na
sociedade dos mass media, remetendo-se à questão do “fim da arte” em um sentido “pervertido”
como generalização da esfera dos meios de comunicação.
Palavras-chave: Estética. Fim da arte. Pós-modernidade. Mass media.
Abstract: This article presents the interpretations of Arthur Danto and Gianni Vattimo of the
“end of art” introduced by Hegel in his Lectures on Fine Art. There is presently a radical
transformation in the artistic production according to Danto. The concept of art can no longer be
determined by the direct observation of the works of art, thus demanding a transformation in art
reasoning. The “emptiness” of the definitions of art at the moment in which “everything is
allowed” brings up the question of the “end of art”. According to Danto, the “end of art” does
not mean the end of the contemporary artistic productions but the end of master narratives. It is
a way of showing that the narratives, which defined traditional art, came to an end and that
contemporary art is can no longer be a representation of narratives. Vattimo discusses, in
harmony with Danto, the transformation of art and the narrowness of contemporary Aesthetics.
Vattimo emphasizes, however, the ineptitude of Aesthetics to understand the media and its
emancipatory sense. According to Vattimo, technical reproducibility and mass production are
irreconcilable with the traditional definition of Aesthetics. Vattimo’s reflection seeks therefore
to understand the meaning of the aesthetic in media society hence interpreting the question of
the “end of art” in a corrupt sense: as the generalization of the mass media.
Keywords: Aesthetics. End of art. Post-modernity. Mass media.
***
1
Doutoranda em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Email:
[email protected]
Arthur danto e gianni vattimo
1. Introdução
Por meio da leitura e interpretação das obras de Arthur Danto, em especial, The
Transfiguration of Commonplace [1981], After the End of Art [1997] e The End of Art:
A Philosophical Defense [1998] e das obras de Gianni Vattimo, especialmente, La fine
della modernità [1985], La società trasparente [1989], Filosofia al Presente [1999] e
La cultura del novecento [2007], este artigo objetiva apresentar as interpretações de
Danto e Vattimo acerca da temática do “fim da arte” introduzida por Hegel em seus
Cursos de Estética. Deve-se destacar que a abordagem hegeliana2 de tal temática não
será discutida nesse artigo, apenas a leitura contemporânea do “fim da arte” que tais
filósofos realizaram com base nas transformações históricas, culturais e artísticas do
tempo presente.
Com base em sua experiência filosófica e artística, Danto3 discorre sobre a
distância que há entre a arte contemporânea e “ortodoxia estética do moderninsmo”: a
arte contemporânea deixou de ser moderna, uma vez que evoluiu de tal modo que
assumiu uma forma jamais vista na história da arte4. No presente, o mundo da arte é
definido por um imenso pluralismo e, por isso, exige uma revisão radical na forma de se
refletir sobre a arte e no modo de se lidar com ela institucionalmente. Nesse sentido,
Danto sustenta:
que nenhuma definição pode fundamentar-se numa inspeção direta das
obras de arte. [...] O inquestionável vazio das definições de arte
tradicionais provém do fato de que todas elas se basearam em aspectos
que as caixas de Wahrol tornaram irrelevantes para definições bemintencionadas dessa natureza, quer dizer, as revoluções no mundo da
arte deixam as definições bem-intecionadas sem quaisquer recursos
em face do arrojo das novas obras de arte. Qualquer definição que
pretenda sustentar-se precisa adquirir imunidade contra essas
revoluções, eu gostaria de crer que depois das caixas de Brillo as
possibilidades para isso se encerraram e a história da arte chegou ao
seu fim. A história da arte não foi interrompida, mas acabada, no
sentido de que passou a ter uma espécie de autoconsciência,
2
Limitar-nos-emos a citar aqui a famosa passagem dos Cursos de Estética com base na qual se
introduziram as discussões acerca do fim da arte: “o fato é que a arte não mais proporciona aquela
satisfação das necessidades espirituais que épocas e povos do passado nela procuravam e só nela
encontravam [...]. A arte é e permanecerá para nós, do ponto de vista de sua destinação suprema, algo do
passado”. HEGEL, F. Cursos de Estética, vol. 01, p.35 (grifo nosso).
3
Arthur Danto possui não apenas interesses especulativos e filosóficos acerca da arte. Relaciona-se com
a arte de forma prática, uma vez que parte importante de sua vida profissional é dedicada à critica da arte.
4
Cf. DANTO, A. Após o fim da arte, p.12.
36
Kínesis, Vol. V, n° 09, Julho 2013, p. 36-46
Arthur danto e gianni vattimo
convertendo-se, de certo modo, em sua própria filosofia: um estado de
coisas que Hegel previu em sua filosofia da história5.
Por isso, o “fim da arte” é um tema de enorme relevância nas reflexões
filosóficas de Danto. É importante mencionar que o “fim da arte” não significa o fim
das produções artísticas na contemporaneidade, mas o fim das narrativas mestras da
arte:
[é] um meio dramático de declarar que as narrativas mestras que
primeiro definiram a arte tradicional, e após a arte modernista, não só
chegaram a um fim, mas que a arte contemporânea não mais se
permite ser representada por narrativas mestras de modo algum.
Aquelas narrativas mestras que inevitavelmente excluíam certas
tradições e práticas artísticas como “além dos limites da história”6.
Danto fala do “fim da arte” como um dos elementos que caracterizam o
momento contemporâneo da arte, em que não há mais limites para a produção da arte: o
momento presente é de um profundo pluralismo e total tolerância, ao menos no que
concerne à esfera artística.
Nesse contexto histórico-cultural de pluralismo, Gianni Vattimo defende a
importância de uma teoria estética que tenha no tempo presente sua fonte de informação
e legitimação. Nesse sentido, a “Estética vattimiana” pretende ser uma interpretação das
mudanças tecnológicas ocorridas na contemporaneidade, em especial, do advento dos
mass media. Vattimo defende, em consonância com Danto, a relevância do conceito
hegeliano de “morte da arte” 7. Para Vattimo, tal conceito revelou-se profético, não com
o mesmo sentido expresso por Hegel, mas
como Adorno nos ensinou constantemente, num sentido,
estranhamente pervertido [...] como generalização da esfera dos meios
5
DANTO, A. A transfiguração do lugar-comum, p.26.
DANTO, A. Após o fim da arte, p.xvi.
7
É importante destacar que Vattimo utiliza o termo “morte da arte” e não “fim da arte”. Werle critica o
uso da primeira expressão, defendendo que fim da arte “não se refere ao fato de algo, a arte, acabou,
chegou ao término, mas indica um conjunto de fatos duradouros. Por isso, situada a questão devidamente
sob a ótica hegeliana, a expressão posteriormente consagrada ‘morte da arte’ é completamente desajeitada
e desastrada. Poder-se-ia dizer que o fim da arte é uma ideia, um determinado conceito aberto que
compreende nele mesmo um complexo de causas e efeitos”. (WERLE, M.A. A questão do fim da arte em
Hegel, pp.11-12). Defende-se aqui que, não obstante a utilização vattimiana do termo “morte da arte”,
Vattimo, ao interpretá-lo em um sentido “pervertido”, usa esse termo de forma inequívoca. Nesse sentido,
Werle sustenta que, para Vattimo, a morte da arte “é tomada no sentido de ‘término’ de uma certa
experiência quando, na acepção hegeliana em momento algum se põe em dúvida que o homem continuará
fazendo arte segundo uma certa comunidade histórica. Obviamente a interferência da técnica no meio
artístico e a estetização geral da existência pelos fenômenos da mídia [...] nos um puseram em grande
medida no lugar de uma experiência ‘genuinamente’ artística. No entanto, isso não implica o término do
caráter poiético da arte” (Ibidem, p.66).
6
37
Kínesis, Vol. V, n° 09, Julho 2013, p. 36-46
Arthur danto e gianni vattimo
de comunicação, do universo das representações difundidas por esses
meios, que hoje não se distingue (mais) da “realidade”8.
Por isso, Danto sustenta que Vattimo compreende o fenômeno do fim da arte de
uma perspectiva mais ampla, a saber:
ele pensa o fim da arte sob a perspectiva da morte da metafisica em
geral, bem como de certas respostas filosóficas a problemas estéticos
suscitados por uma “sociedade tecnologicamente avançada”. [...] O
ensaio de Vattimo [Morte ou ocaso da arte] é uma proposta bastante
objetiva, das preocupações da escola de Frankfurt. Mais ainda, é para
a “volatilidade” da ideia, qualquer que seja a perspectiva, que estou
chamando a atenção9.
Após esse breve introdução, a temática do “fim da arte” será discutida de forma
aprofundada, de acordo com a orientação de cada pensador, destacando-se as
insuficiências da Estética tradicional na interpretação desse fenômeno. Nesse sentido,
esse artigo foi dividido em duas partes: i) Danto e a arte após o “fim da arte” e ii)
Gianni Vattimo e a “morte da arte”: mass media e estetização.
2. Danto e a arte após o “fim da arte”
Na obra Após fim da arte, Danto destaca que, no presente, há diversas mudanças
nas condições de produção das artes visuais, ainda que, de um ponto de vista externo, os
complexos institucionais do mundo da arte- galerias, escolas de arte, periódicos,
museus, o establishment da crítica, as curadorias- parecessem relativamente estáveis.
Agora é possível pensar na “arte depois do fim da arte”, como se estivéssemos
emergindo da era da arte para algo diferente, cuja forma e estrutura exatas ainda
precisam ser compreendidas10.
Por isso, no presente, as narrativas históricas da arte passaram a ser consideradas
falsas. Tais narrativas caracterizaram a modernidade artística (1880-1960) que se define
por certos movimentos que se consideravam artisticamente superiores e se proclamavam
como os únicos dignos de consideração: “todos os movimentos eram direcionados por
uma percepção de verdade filosófica da arte: que a arte é essencialmente X e que todo
8
VATTIMO, G. La fine della modernità. p.39.
DANTO, A. Após o fim da arte, p.3.
10
Cf. DANTO, A. Após o fim da arte, pp.3-5.
9
38
Kínesis, Vol. V, n° 09, Julho 2013, p. 36-46
Arthur danto e gianni vattimo
resto exceto X não é- ou não é essencialmente- arte11”. Então, cada um dos movimentos
via a sua arte em termos de uma “narrativa redescoberta, divulgação ou revelação” da
“verdadeira arte”.
Por isso, para Danto, na contemporaneidade, o que está em questão não é a
“morte da arte”, mas o fim das narrativas que se completaram objetivamente na história
da arte:
Uma história havia acabado. Não era meu ponto de vista que não
haveria mais arte, o que certamente significa “morte”, mas o de que,
qualquer que fosse a arte que se seguisse, ela seria feita sem o
benefício da narrativa legitimadora, na qual fosse vista como a
próxima etapa apropriada da história. O que havia chegado ao fim era
a narrativa e não o tema da narrativa12.
É em parte o sentimento de não pertencer mais a uma grande narrativa que
marca a sensibilidade histórica do presente e ajuda a definir a diferença marcante entre a
arte moderna e a contemporânea. É também uma característica da contemporaneidade
que ela não tenha nada contra o passado, nenhum sentimento de que seja preciso se
libertar do passado e de que tudo deva ser completamente diferente, como comumente
defendeu a arte moderna. Por isso, o passado artístico é algo que se encontra disponível
para um uso totalmente livre: o museu é um campo disponível para constantes
reorganizações13 e de certa maneira “o museu é causa, efeito e materialização das
atitudes e práticas que definem o momento pós-histórico da arte14”.
A história da arte evoluiu internamente e a arte contemporânea passou a
significar uma arte produzida dentro de uma estrutura de produção jamais vista em toda
história da arte. No passado, nas fases de estabilidade artística defendia-se que as obras
de arte possuíam certas propriedades, cuja ausência bastava para pôr seriamente em
dúvida seu status de arte.
Mas esse tempo já passou há muito e assim como qualquer coisa pode
expressar qualquer coisa, desde que se conheçam condições
pertinentes e os fatores que explicam seu status como expressão,
qualquer coisa pode ser uma obra de arte: não há condições
necessárias enunciáveis na forma de predicados de lugar15.
11
DANTO, A. Após o fim da arte, p.32.
DANTO, A. Após o fim da arte, p.5.
13
Cf. DANTO, A. Após o fim da arte, pp.6-7.
14
DANTO, A. Após o fim da arte, p.7.
15
DANTO, A. A transfiguração do lugar-comum, p.113.
12
39
Kínesis, Vol. V, n° 09, Julho 2013, p. 36-46
Arthur danto e gianni vattimo
Isso significa que não é mais possível ensinar o que significa a arte por meio de
exemplos16. Nesse sentido, a contemporaneidade é um período de desordem
informativa, uma condição de perfeita entropia e grande liberdade estética. Hoje não há
mais qualquer limite histórico: tudo é permitido17. É por isso que Danto designa a arte
contemporânea de pós-histórica.
Em tal contexto artístico-cultural qualquer coisa
jamais feita poderia ser feita hoje e ser um exemplo de arte pós-histórica. Para Danto,
no momento em que se reconhece que qualquer objeto pode se tornar obra de arte, a
saber, que “não há nenhuma limitação a priori de como as obras de arte devem parecerelas podem assumir a aparência de qualquer coisa”18.
Por isso, a Estética tradicional é incapaz de dar respostas aos problemas
artísticos contemporâneos19. Danto sustenta que a Estética torna-se cada vez mais
inadequada para lidar com a arte a partir de 1960, uma vez que ela se recusava a
considerar arte não estética ou anti-estética como arte. Nesse sentido, Danto sustenta:
De fato, o maior esforço da filosofia da arte tem sido o desestetizar o
conceito de arte. Foi Marcel Duchamp, um artista bem mais profundo
que Andy Warhol, que apresentou os ‘readymades’ objetos escolhidos
pela falta de qualidades estéticas [...]. ‘Deleite estético é o perigo a ser
evitado’, escreveu Duchamp de sua obra mais controversa, Fonte, de
1917. O maior esforço de Duchamp foi, precisamente, deixar claro
que a arte é uma atividade intelectual, uma empresa conceitual e não
meramente algo em que os sentidos e os sentimentos entram em
jogo20.
Nesse sentido, Danto defende que a Estética enquanto teoria demanda
urgentemente transformação, pois “talvez nada venha a definir melhor a transição do
modernismo para a época atual do que a aplicabilidade cada vez mais reduzida da teoria
estética clássica à arte do momento presente”21.
16
De acordo com o exemplo favorito de Danto, “nada precisa marcar exatamente a diferença entre a
Brillo Box de Andy Warhol e as caixas de Brillo do supermercado. E a arte conceitual demonstrou que
não era preciso nem mesmo ser um objeto palpável para que algo fosse uma obra de arte visual. [...]
Significava que no campo das aparências, tudo poderia ser uma obra de arte” (DANTO, A. Após o fim da
arte p.16).
17
Nesse sentido, é importante destacar que Danto não afirma, de maneira nenhuma, “que a arte estava
deixando de ser feita! Produziu-se uma grande quantidade de arte desde o fim da arte [...]. Com isso, a
questão de uma não-confirmação empírica de minha tese não pode assentar no fato de a arte continuar
sendo produzida, mas muito mais no tipo de arte que se trata, e também no que se poderia chamartomando de empréstimo um termo do filósofo que venho adotando como mestre nesta investigação,
Georg Wilhelm Hegel- de o espírito em que a arte foi feita” (DANTO, A. Após o fim da arte, p.29).
18
DANTO, A. Após o fim da arte, p.19.
19
Para aprofundamento, é interessante conferir os textos de Danto: Art, Philosophy, and the Philosophy
of Art e The End of Art: A Philosophical Defense.
20
DANTO, A. Art, Philosophy, and the Philosophy of Art.
21
DANTO, A. Após o fim da arte, p.87.
40
Kínesis, Vol. V, n° 09, Julho 2013, p. 36-46
Arthur danto e gianni vattimo
3. Gianni Vattimo e a “morte da arte”: mass media e estetização
Assim como Danto, Vattimo discorre acerca da insuficiência da Estética
moderna, na contemporaneidade. Contudo, Vattimo destaca a incapacidade da Estética
tradicional de compreender os mass media e suas possibilidades positivas. A Estética
moderna ainda busca “salvar” a “essência da arte” (originalidade, criatividade, gênio,
etc.) das “ameaças” que as novas condições de existência da sociedade pós-moderna
representam: não apenas para a experiência artística, mas para a própria “essência do
homem”. A reprodutibilidade técnica e a massificação são inconciliáveis com a noção
de “gênio”, que aparece ainda como indispensável à concepção “clássica” da arte22. A
reflexão estética vattimiana ultrapassa os limites da teoria moderna, uma vez que não é
mais possível, com base Estética moderna, se compreender, nem a experiência artística
nem a experiência cultural do presente. Hoje nem a estética teórica, nem a crítica são
capazes de apreender o sentido do estético na sociedade dos mass media23.
Com efeito, os conteúdos divulgados pelos media assumem um caráter de
precariedade e superficialidade que choca os preceitos da estética moderna, ainda
fundada no ideal da obra de arte como “monumentum aere perennius” e da experiência
estética como experiência que envolve o sujeito autenticamente e profundamente.
Estabilidade e perenidade da obra, profundidade e autenticidade da experiência artística
são algo que, certamente, não se pode mais esperar na experiência estética da
contemporaneidade, dominada pelos mass media24.
Não só porque a rápida difusão das comunicações tende a banalizar
imediatamente a mensagem (que de resto, para satisfazer as exigências
dos media, nasce sempre já banalizada); mas, sobretudo, porque se
reage a este consumo de símbolos através da invenção de “novidades”
que, como as da moda, não possuem a radicalidade que parece
necessária à obra de arte, antes se apresentando como jogos
superficiais [...]. Contra a nostalgia pela eternidade (da obra) e pela
22
Cf.VATTIMO, G. La societá trasparente, pp.79-80.
Em tal contexto, é relevante mencionar ainda as reflexões do filósofo italiano Mario Perniola. Ele
reconhece as insuficiências da teoria estética moderna e sustenta que, na contemporaneidade, se deu “o
desgaste de todas as coordenadas teóricas e críticas nas quais se baseava a arte contemporânea. [..] De
resto, as orientações mais inovadoras da reflexão filosófica consideram, há tempos, a estética uma
abordagem redutora e inadequada à obra de arte. [...]. Uma deterioração ainda maior corroeu a crítica de
arte [...]. No melhor dos casos ela produz discursos que têm uma relação fortuita com as obras e os
artistas; mas em geral, ela não vai além da crônica e da promoção publicitária” (PERNIOLA, M. “Idiotice
e esplendor da arte atual”, p.308).
24
Cf.VATTIMO, G. La societá trasparente, pp.79-80.
23
41
Kínesis, Vol. V, n° 09, Julho 2013, p. 36-46
Arthur danto e gianni vattimo
autenticidade da experiência, é preciso reconhecer claramente que o
Shock é tudo aquilo que resta da criatividade da arte na época da
comunicação generalizada25.
Vattimo sustenta que a experiência estética na contemporaneidade é
profundamente marcada pela vertiginosa proliferação de “belezas” e por sua dissolução
em uma multiplicidade de imagens. Daí não ser mais “possível falar de experiência
estética como pura expressividade [...] como se fazia quando se pensava que este
mundo-base fosse de alguma forma dado, ‘encontrável’ com os métodos da ciência”26.
Essas transformações, que ocorrem na contemporaneidade, deixam certamente em
aberto o problema da redefinição da Estética.
Nesse sentido, a Estética vattimiana pretende ser uma interpretação da sociedade
contemporânea, interpretando a “morte da arte” com base no do advento meios de
comunicação de massa.
Antes de um aprofundamento da “morte da arte”, como
consequência do advento dos mass media, é importante explicitar as concepções
tradicionais da “morte da arte”27 apresentadas por Vattimo: a vanguardista, o design e a
marxista. A primeira compreende esse fenômeno como a “explosão” do estético para
além dos limites tradicionais, a saber, a negação das expressões tradicionais do estético:
o museu, o livro, a galeria, a sala de teatro. A segunda busca realizar o sonho de um
resgate estético na experiência cotidiana concreta por meio da otimização dos objetos e
da harmonização, no estabelecimento de equilíbrios entre os indivíduos e o ambiente. Já
a última se caracteriza pela utopia de uma existência resgatada e reintegrada por meio
das transformações das relações entre a experiência estética e a cotidianidade:
unificação entre o significado existencial e estético28.
Vattimo sustenta terem sido os anos 60 marcados por uma grande difusão de
perspectivas orientadas para o resgate estético da existência, que negavam a arte como
momento “especializado”, como “domingo da vida” no sentido em que falava Hegel29.
Valendo-se de diferentes pontos de vista buscava-se uma unificação global de
significado estético e significado existencial, que podia ser considerado como utopia, a
saber, a utopia da unificação estética da existência, que reunia orientações teóricas e
25
VATTIMO, G. La societá trasparente, p. 80.
Ibidem, p. 93.
27
Para aprofundamento, ver: VATTIMO, G. La societá trasparente, pp.59-72 e VATTIMO, G.. La fine
della modernità, pp.84-100.
28
Cf.VATTIMO, G. La societá trasparente, pp. 84-7.
29
Cf.VATTIMO, G. La societá trasparente, p. 84.
26
42
Kínesis, Vol. V, n° 09, Julho 2013, p. 36-46
Arthur danto e gianni vattimo
políticas diversas. No presente, não subsiste praticamente mais nada de tal utopia
unificadora30.
Para Vattimo, porém, a utopia estética dos anos 60 está se realizando de forma
distorcida e transformada. No presente, o centro da experiência estética se desloca: não
no sentido do design generalizado e de uma universal higiene social das formas, nem
como resgate estético-revolucionário da existência, mas como desenvolvimento da
capacidade que o produto estético- e não apenas “a obra de arte”- tem de “fazer mundo”
e de criar comunidade. A experiência do belo é fundamentalmente experiência de
pertença a uma comunidade. Daí Vattimo sustentar que:
vivemos numa sociedade intensamente estetizada, justamente no
sentido “kantiano” da palavra, isto é; onde o belo age como instituição
de comunidade; na qual, precisamente por essa intensificação parece
ter nos dissolvido o outro aspecto da universalidade de Kant, a
identificação, pelo menos tendencial e reivindicativa, da comunidade
estética, com a comunidade humana tout court31.
Para Vattimo, na sociedade dos mass media, a unidade simbólica é a própria
“essência” da cultura (reconhecer-se como parte de uma comunidade por meio de
símbolos compartilhados). Assim, a cultura de massa é, verdadeiramente “de massa”, no
sentido que cria uma forma de pertença inédita no mundo que não conhecia os media e a
informática32: os mass media são compreendidos como o meio da massa, porque
constituem a esfera pública dos gostos e dos sentimentos. Por isso, para Vattimo, o
momento presente representa:
[a] passagem do significado utópico-revolucionário da morte da arte a
seu significado tecnológico, que se resolve numa teoria da cultura de
massa [...]. Morte da arte33 não é apenas o que podemos esperar da
reintegração revolucionária da existência: é aquela que de fato
vivemos na sociedade da cultura de massas, em que se pode falar de
uma estetização geral da vida na medida em que a mídia, que distribui
informação, cultura, entretenimento, mas sempre sob os critérios
30
Cf.VATTIMO, G. La societá trasparente, p. 88.
VATTIMO, G. La societá trasparente, pp.92-93.
32
Cf. VATTIMO, G. La cultura del novecento, pp.39-40.
33
Vattimo afirma que “estamos diante de uma morte da estética que é simétrica à morte da arte [...].
Todas as dificuldades que a estética filosófica encontra ao encarar a experiência do ocaso da arte [...]
nascem do fato de que ela continua a raciocinar em termos de obra como forma tendencialmente eterna
[...]. A estética pode levar a cabo a sua tarefa de estética filosófica, nessa perspectiva, se souber
apreender, nos vários fenômenos nos quais se pretendeu ver a morte da arte, o anúncio de uma época do
ser em que [...] o pensamento também se abra para acolher o sentido não puramente negativo e dejetivo
que a experiência da esteticidade difusa assumiu na época da reprodutibilidade e da cultura massificada”.
(VATTIMO, G. La fine della modernità. pp.69-75-grifo nosso).
31
43
Kínesis, Vol. V, n° 09, Julho 2013, p. 36-46
Arthur danto e gianni vattimo
gerais da “beleza” (atração formal dos produtos), assumiu na vida de
todos um peso infinitamente maior do que em qualquer outra época do
passado34.
Nesse sentido, Vattimo destaca a “estetização” [estetizzazione] como elemento
distintivo do nosso presente. A cultura, na contemporaneidade, não é distinta, com
efeito, da estetização. A estetização é compreendida como a modificação da vida
individual e social pelas formas de comunicação modernas, como extensão dos mass
media. Para o autor, vivemos em uma sociedade em que os significados se multiplicam,
se acumulam e são postos à venda “naquela espécie de supermercado das formas de
vida que é a publicidade”, compreendida por ele, tanto como propaganda e promoção
comercial que transmite estilos de comportamento e status symbols, como a
midiatização da experiência por meio dos mass media que produzem a fragilização do
sentido mediante a proliferação de histórias35. Há, em nossa sociedade, uma
fragmentação dos “valores estéticos”, um tipo de “esteticidade difusa”, não porque
nossa existência seja mais bela, mas porque a quantidade de valores estéticos aumenta
progressivamente. Circulam muitos produtos, muito mais “valores estéticos” e, ao
mesmo tempo, a sua intensidade diminui. Por isso, segundo Vattimo,
torna cada vez menos concebível a própria ideia de uma realidade [...]
se temos uma ideia de realidade esta, na nossa condição de existência
moderna tardia, não pode ser entendida como um dado objetivo que se
situe em um nível inferior, para lá das imagens que nos dão os media
[...]. Realidade, para nós, é, aliás, o resultado do encadeamento das
relações da “contaminação” [...] das múltiplas imagens, interpretações,
reconstruções que [...] os media distribuem36.
Isso significa que hoje se vive no plano da chamada “realidade” virtual, que se
identifica sempre mais com o mundo dos símbolos que sempre constituiu a cultura.
Hoje esse mundo dos símbolos é sempre mais indistinguível do mundo “real” o qual,
por sua vez, perde sua consistência tradicionalmente concebida como diferente do puro
plano dos símbolos37. Assim, na sociedade da comunicação mass midiática ocorre uma
radical transformação no modo de se conceber a “realidade”38. Daí Vattimo
argumentar que a estetização é também uma “desrealização39” [derealizzazione], pois
34
VATTIMO, G. La fine della modernità. p.63.
Cf. VATTIMO, G. et al. Filosofia al presente, pp.19-20.
36
Ibidem, pp.14-15.
37
Cf.VATTIMO, G. La cultura del novecento, pp.30-1.
38
Nesse sentido, é interessante conhecer os argumentos de Pierre Lévy, que também defende uma
35
44
Kínesis, Vol. V, n° 09, Julho 2013, p. 36-46
Arthur danto e gianni vattimo
é, de fato, nesse mundo que se torna razoável [ragionevole] pensar
que “não há fatos, apenas interpretações”. Se em situações históricas
diversas, em que a representação da realidade era monopólio de uma
ou duas instituições (a Igreja, o Império; na Modernidade, a ciência
experimental), se podia e se devia ser “realista”, hoje a pluralidade
cada vez mais visível e vertiginosa das agências interpretativas trouxe
consigo uma consciência aguda e difusa (não apenas entre os
intelectuais) do caráter interpretativo da própria noção de realidade e
verdade. Que o mundo seja “um jogo de interpretações” e nada mais o
sabemos mais ou menos explicitamente todos. É isso que aqui chamo
desrealização40.
Para Vattimo, deve-se assumir a desrealização como único fio condutor
possível: não se trata de contrapor à artificialidade e irrealidade do mundo midiático um
apelo de tipo realístico- nem no sentido de restaurar uma pretensão de se alcançar uma
experiência direta, objetiva do mundo, nem no sentido de idealizar uma autenticidade da
comunicação em termos “essencialistas” ou ainda em termos de transparência.
Conforme Vattimo, as características positivas, emancipatórias e libertadoras do
processo de desrealização, inaugurado com a sociedade dos mass media, não podem ser
senão a liberação da pluralidade das interpretações e a estetização tendencialmente total
da experiência humana do mundo.
Nesse sentido, Vattimo defende que o significado emancipatório da estetizaçãodesrealização só poderá se realizar por meio da redução do domínio realista, a saber, por
meio da oposição à necessidade de horizontes seguros e disciplinantes da razão em seu
sentido forte, iluminista e absolutizante. Por isso, “não se trata de emancipar-se das
transformação na maneira de se conceber a “realidade”, opondo-se, contudo, à noção de desrealização.
Lévy sustenta: “a virtualização não é uma desrealização (...) mas uma mutação da identidade, um
deslocamento do centro de gravidade ontológico do objeto considerado. (...) A virtualização fluidifica as
distinções instituidas, aumenta os graus de liberdade (...). A virtualização é um dos principais vetores da
criação da realidade” (LÉVY, P. O que é o virtual? [1995]. Trad. Br. Paulo Neves. São Paulo: Ed. 34,
1996, pp.17-8).
39
Nesse sentido, Vattimo destaca ainda a “desrealização” provocada pela ciência e tecnologia
contemporâneas: “a ciência fala de objetos cada vez menos equiparáveis aos da experiência quotidiana,
razão pela qual já não sei muito bem a que é que deve chamar ‘realidade’- aquilo que vejo e sinto ou
aquilo que encontro descrito nos livros de física, de astrofísica; a técnica e a produção de mercadorias
configuram cada vez mais o meu mundo como um mundo artificial, em que também as necessidades
‘naturais’, essenciais, já não se distinguem das que são induzidas e manipuladas pela publicidade, pelo
que também aqui já não tenho nenhum parâmetro para distinguir o real daquilo que é ‘inventado’”
(VATTIMO, G. Acreditar em acreditar, p.21).
a
VATTIMO, G. I limiti della derealizzazione, pp.108-9. (grifo nosso). Por isso, Vattimo enfatiza que a
tese de que “não há fatos, apenas interpretações” é, obviamente, ela própria também uma interpretação
(seria uma contradição se ela se apresentasse aqui como a descrição objetiva de um fato) e sua única
possibilidade de reivindicar uma validade, de se fazer preferir razoavelmente em relação a outras teorias,
consiste em apresentar-se como resposta dialogicamente “adequada” a um apelo, como um modo de
reagir a um evento ou a uma cadeia de eventos, que se identificam com o próprio desenvolvimento da
sociedade moderna como sociedade da comunicação (Cf. VATTIMO, Gianni.
I limiti della
derealizzazione, p. 108).
45
Kínesis, Vol. V, n° 09, Julho 2013, p. 36-46
Arthur danto e gianni vattimo
interpretações, mas de emancipar as interpretações do domínio e das pretensões de uma
verdade ‘verdadeira’”41. O mundo da comunicação mass midiática aparece, para
Vattimo, em oposição às previsões apocalípticas de Adorno e da Escola de Frankfurt:
aparece como o mundo da liberdade das interpretações.
Referências
DANTO, A. 1964. “O mundo da arte”. Trad. Rodrigo Duarte. Artefilosofia. n 1. UFOP.
2006.
_______. 1981. A transfiguração do lugar-comum. São Paulo: Cosac & Naify. 2005.
_______.1983.Art, Philosophy, and the Philosophy of Art, disponível em:
<http://www.csulb.edu/~jvancamp/361_r1.html>.
_______1997. Após o fim da arte: a arte contemporânea e os limites da
história.SP:Odysseus-Edusp, 2006
_______1998. The End of Art: A Philosophical Defense, disponível em: < http://www
.uoguelph.ca/~abailey/Resources/Danto,%20Arthur%20--%20The%20End%20of%20
Art.pdf>
_______.1999. Hegel and the death-of-art thesis, disponível em: <http://www.rae
.com.pt /Danto%20hegel%20end%20art.pdf>
HEGEL, G.W.F. Cursos de Estética. vol. 01 Trad. Marcos Aurélio Werle. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2001.
LÉVY, P. O que é o virtual? Trad. Br. Paulo Neves. São Paulo: Ed. 34, 1996.
PALMERO, P. “Ermeneutica del declinio. Estetica, ontologia e politica alle origini del
pensiero di Gianni Vattimo”. In: Tropos. Rivisita di ermeneutica e critica filosofica.
Anno I. Numero speciale, 2008.
PERNIOLA, Mario. Idiotice e esplendor da arte atual. In: Imagem e conhecimento. São
Paulo: Editora da USP, 2006.
VATTIMO, G. La società trasparente. Milano:Garnzanti,1989.
_______.Oltre l'interpretazione. Roma-Bari: Editori Laterza, 1989.
_______.et al. Filosofia al Presente. Milano: Garzanti, 1990.
_______. La fine della modernità.Milano:Garzanti,1991.
______.Acreditar em acreditar. Tradução : Elsa Castro Neves. Rio de Janeiro: Relógio
D’Água Editores, 1998.
_______. Nichilismo ed emancipazione. Etica, politca, diritto. Milano:Garzanti, 2003.
_______. La cultura del novecento. Caserta: Edizione Saletta dell'Uva, 2007.
_______.I limiti della derealizzazione. Mimeo.
WERLE, M.A. A questão do fim da arte em Hegel. São Paulo: Hedra, 2011.
41
VATTIMO, G.. I limiti della derealizzazione, p. 105.
46
Kínesis, Vol. V, n° 09, Julho 2013, p. 36-46
Download

ARTHUR DANTO E GIANNI VATTIMO: FIM DA ARTE, MASS MEDIA