A VALORIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DE CRUZ
ALTA – RS, ATRAVÉS DOS SIGNIFICADOS DE SUA PAISAGEM
HISTÓRICA E CULTURAL
MOREIRA, PEDRO COUTO. (1); MELLO, CLAUDIO RENATO CAMARGO DE. (2);
SAAD, DENISE DE SOUZA. (3)
1. Universidade Federal de Santa Maria. Mestre em Patrimônio Cultural pelo Programa em
Pós-graduação Profissionalizante em Patrimônio Cultural - PPGPPC – UFSM; Arquiteto e
Urbanista.
Rua Major Novais, 1606, Bairro Dr. Pinto, Palmeira das Missões – RS – CEP: 98300-000.
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2. Universidade de Cruz Alta - UNICRUZ. Docente do curso de Arquitetura e Urbanismo; Mestre em
Patrimônio Cultural – UFSM; Membro da Comissão do Patrimônio Histórico Cultural de Cruz Alta – RS.
Endereço Postal: UNICRUZ, Universidade de Cruz Alta. Rodovia Municipal Jacob Della Méa, Km 5.6 Parada Benito - CEP 98.020-290 - Cruz Alta/RS.
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3. Universidade Federal de Santa Maria. Programa em Pós-graduação Profissionalizante em
Patrimônio Cultural - PPGPPC – UFSM; Engenheira Civil, Dra. Coordenadora do PPGPPC - UFSM.
Endereço Postal: Universidade Federal de Santa Maria - Av. Roraima, n. 1000
Faixa de Camobi, Km 09 - Campus Universitário, Prédio 74 - sala 2182. CEP: 97105-900
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RESUMO
A formação da identidade cultural de uma sociedade está atrelada ao reconhecimento que a sua
população tem para com a sua própria história e cultura. O presente artigo discorre sobre os aspectos
simbólicos de dois, dos tantos, conjuntos de edificações que conotam importância para o patrimônio
histórico e cultural da cidade de Cruz Alta. São apontados conjuntos de prédios que mantém uma
relação com a cultura e com a história, tanto da cidade quanto da nação, fazendo a ligação entre os
valores imateriais atrelados a eles e a busca da identidade cultural, do cidadão para com o meio
edificado em que habita. Foram analisadas as construções pertencentes à vida e a história do ícone
cruz-altense de grande representação para a cultura nacional, que é o escritor Érico Veríssimo e que
está presente na memória da sociedade, pelo fato de que muitos prédios existentes na região central de
Cruz Alta mantém ligação de alguma forma com a sua vivência. Como o Solar Brandão, que além de
ser a casa de seu tio, foi citado na obra Solo de Clarineta, e a casa em que o autor nasceu e viveu, a
qual atualmente é um Museu dedicado a sua memória. Outro conjunto de edificações analisado foram
as obras ligadas ao período denominado como governo Coronelista, das quais fazem parte uma grande
quantidade de casas particulares e prédios públicos construídos no início do século XX, e que possuem
em suas estruturas além dos significados intangíveis para a sociedade, uma riqueza em suas
estruturas morfológicas. Desse modo o trabalho estabelece as relações entre o significado dos
contextos imateriais que permeiam patrimônio arquitetônico e a sua utilização como instrumento de
preservação dos conjuntos históricos. O estudo procurou através do conhecimento dessas obras e de
sua significação, instigar a população a buscar sua identidade cultural, reconhecendo o valor real de
sua paisagem imediata e criando a consciência coletiva da preservação dos seus elementos
formadores. No seu encerramento o artigo explana sobre a situação atual da paisagem cultural
cruz-altense a partir desses dois conjuntos e sugere ações para a preservação do patrimônio, através
da evidenciação dos significados intrínsecos a esses grupos de edificações expostas.
Palavras-chave: Patrimônio edificado; Paisagem Cultural; Conjuntos Históricos.
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1. INTRODUÇÃO
A cultura de determinado local desenvolve-se e se destaca através de diferentes maneiras,
tomando elas formas materiais ou imateriais, de acordo com o meio em que estão inseridas. O
patrimônio histórico, bem como as paisagens históricas presentes no meio urbano das
cidades são algumas das formas materiais da manifestação cultural de determinada
sociedade, enquanto que os costumes da população, músicas nativas, literatura e folclore são
algumas das formas imateriais dessa manifestação da cultura do local.
Através da análise e reflexão da correlação estabelecida entre o patrimônio cultural edificado
no município de Cruz Alta e a identidade que a população cruz-altense tem para com ele, o
presente texto discorrerá no intuito de propor a utilização de preceitos que promovam a
valorização de sua arquitetura histórica, por meio do conhecimento e assimilação dos
elementos intangíveis que a sua paisagem centenária mantém com a cultura de sua
sociedade. O conhecimento da história da cidade e dos significados que as edificações
históricas formam no seu contexto, auxilia para que os cidadãos possam ambientar-se com o
meio em que vivem estabelecendo assim uma relação harmônica com a sua cultura e o seu
papel como cidadão.
Para que exista a interação entre a população e o seu entorno urbano edificado é importante o
reconhecimento do valor histórico e cultural que as construções possuem diante das cidades
e quais os significados que elas trazem consigo situando assim os habitantes como seres
atuantes perante esse conjunto de patrimônio. Define-se patrimônio cultural como “o conjunto
de bens culturais, materiais e imateriais, que possuem valores históricos, artísticos, científicos
ou associativos e que definem, em diferentes escalas, a identidade de uma comunidade, um
Estado ou uma Nação e que devem ser preservados como legado às gerações futuras”
(IPHAE, 2009, p.16).
A preservação desse patrimônio histórico está atrelada diretamente na identidade da
população com a sua cultura, sendo uma forma de garantir o conhecimento técnico e os
costumes de uma época além de estabelecer parâmetros de crescimento da sociedade, tanto
em formas materiais, com padrões de expansão urbana e técnicas construtivas como através
de formas imateriais com a promoção social de algumas camadas da sociedade pela inserção
do conhecimento cultural na vida da população. O patrimônio histórico edificado é a
demonstração viva da cultura social, pois faz parte, como cenário, de todas as atividades e
eventos históricos que ocorrem no meio urbano, servindo como espaço de conservação da
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memória da sociedade, situando assim os cidadãos como seres pertencentes ao meio em que
habitam.
O município de Cruz Alta localiza-se na mesorregião noroeste do Rio Grande do Sul, sendo
um dos primeiros núcleos urbanos do estado e possui em seu meio, um vasto acervo de
construções históricas, que remontam desde a fundação do município no ano de 1821,
apresentando uma grande variação estilos consagrados da arquitetura mundial, até os anos
atuais. Entretanto, não são somente os prédios históricos, através de seus estilos e técnicas
construtivas, que possuem grande importância frente à cultura local, mas o valor simbólico e
intangível que pode ser atrelado a eles e a toda paisagem histórica cruz altense, que recebeu
ao longo dos anos importantes acontecimentos e personalidades que de alguma forma
marcaram profundamente a história, tanto da região como da nação, entre as quais se podem
citar o período em que a cidade foi governada pelo comando coronelista, sendo que de
alguma forma, os resquícios simbólicos daquela época ainda perduram, e a imagem
consagrada do célebre autor literário Érico Veríssimo, o qual contribuiu profundamente para a
cultura nacional.
Além dos acontecimentos e personalidades citadas, existem outros diferentes contextos com
considerável importância cultural para o município de Cruz Alta, que aliadas ao patrimônio
histórico edificado podem ser utilizadas como instrumentos de sua própria preservação,
promovendo a cultura de forma pedagógica, simplificada e objetiva, para o pleno
entendimento da população.
2. OS FRAGMENTOS HISTÓRICOS DE CRUZ ALTA
A região que hoje abrange o município de Cruz Alta teve o começo de sua colonização no
século XVII, quando os jesuítas espanhóis ingressaram no Rio Grande do Sul, a fim de
catequizar os índios, sendo que nessa época havia um pequeno povoado, próximo de onde
atualmente se situa a cidade. Os constantes ataques dos bandeirantes paulistas as aldeias
indígenas, com a finalidade buscar mão de obra escrava, fez com que fossem aos poucos se
extinguindo essas reduções jesuíticas (MELLO, 2006).
Após essa primeira povoação, o local voltou a ser colonizado de maneira mais intensa após a
descoberta de jazidas de minérios na região sudoeste do Brasil, no estado de Minas Gerais,
impulsionando assim toda a economia da colônia, tendo nessa época o início do período
compreendido como Ciclo do Tropeio, entre os anos de 1700 e 1760. Cruz Alta estava em
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ponto que fazia parte da rota dos tropeiros, que levavam produtos, como animais de carga, do
sul da colônia até as regiões consumidoras, sendo que se caracterizou como local de repouso
desses tropeiros, devido aos seus aspectos ambientais e climáticos propícios. Com essa
movimentação de população pelo local, foram edificados os primeiros ranchos, formando os
primeiros núcleos de colonização, com pouca densidade, porém, de forma organizada na
região (MELLO, 2006).
No ano de 1801 foram delineadas definitivamente as fronteiras entre as terras espanholas e
portuguesas, através do Tratado de Badajós, estando o comando de fronteira fixada na cidade
de São Borja, a qual era composta em sua maioria por lusitanos, que após cinco anos de
prestação de serviço militar podiam requerer a concessão de áreas de terra, denominados
sesmarias, sendo que vinte e oito militares fizeram a requisição das terras no local onde
atualmente compreende o município de Cruz Alta (CRUZ, 2000).
No dia 18 de agosto de 1821 foi oficializada através de documento governamental a fundação
da povoação denominada Cruz Alta, o qual continha os padrões urbanos que deveriam ser
seguidos e algumas normas pré-estabelecidas que caracterizassem o povoamento como
núcleo urbano, como a proibição de construção de chácaras próximas, entre outras
determinações. Esse documento além de estabelecer os padrões que o povoado deveria ter,
ordenava que fosse construída uma rua, a qual deu inicio, em conjunto com a construção de
casas por iniciativa privada, da urbanização mais intensa do local (MELLO, 2006).
Com o passar dos anos as necessidades da população do local se intensificaram como
sociedade, sendo que no cunho religioso a cidade foi declarada Comarca Eclesiástica no ano
de 1832 e erigida em Paróquia, por ato do clero católico brasileiro da época (ROCHA, 1964).
Nessa época, em meados dos anos de 1830, foi noticiado que havia diversos serviços e
pequenas indústrias para suprir as necessidades dos moradores e como forma de
movimentação da economia local, com a exportação de certos produtos. A população local
era aproximadamente 2500 pessoas, demonstrando um núcleo urbano com uma organização
estruturada para a época (CASTRO, 2003).
O processo evolutivo adentrou na cidade em diferentes épocas, caracterizado pela fase
contemporânea em que se encontrava a tendência mundial. Um dos fatos importantes para
que fossem feitas as interligações de comunicação com as outras localidades, além da
migração de pessoas para a cidade, foi a instalação da viação férrea no município, inaugurada
no ano de 1894, a qual teve grande importância, não somente na ligação como meio de
transporte e comunicação com outros lugares, mas até mesmo na construção de sua estação,
que possui regras estabelecidas pela Academia de Belas Artes na relação da forma com a
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função e caracteriza-se pela utilização do ferro, material esse importado para o Brasil e que
representava a evolução do sistema técnico de construção (KÜHL, 1998).
Acompanhando uma constante evolução tecnológica mundial, a cidade de Cruz Alta mostra,
através de suas edificações históricas, os traços de correntes estilísticas arquitetônicas de
diferentes épocas, demarcando assim a sua ampla relação com as tendências evolutivas da
arte e da cultura. Dentre os prédios, se destacam dois, que são tombados pelo IPHAE
(Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Rio Grande do Sul), os quais são: o prédio da
Prefeitura Municipal, construída entre os anos de 1911-1914, apresentando uma riqueza de
elementos arquitetônicos, todos dispostos de maneira simétrica, edificada pela administração
do intendente Firmino de Paula Filho, este, conhecido por ser um comandante
contemporâneo ao coronelismo; outro prédio de grande destaque é a Casa e Museu do
célebre escritor cruz altense Érico Veríssimo, do qual, a edificação em traços arquitetônicos
não possui grande distinção, porém, na questão do valor cultural agregado ao local, está
repleta de significações e vivências que influenciaram na história e obra do escritor,
reconhecido mundialmente (MELLO, 2006).
3. OS SIGNIFICADOS DA PAISAGEM URBANA
No decorrer das épocas, muitos elementos arquitetônicos vão se consolidando nas cidades
como símbolos do progresso científico e artístico ocorrido no local, demarcando assim
aspectos interligados com a cultura e aos costumes da sociedade que habita esse espaço. O
meio físico das cidades, tanto, através da presença da arquitetura, como, da organização
urbana, demonstra materialmente os fatos e eventos ocorridos na sua história. Para
reconhecer as particularidades de uma determinada sociedade, podem ser utilizados outros
meios, como através de seu contexto imaterial, analisando a sua cultura de forma subjetiva,
porém, as edificações patrimoniais são elementos objetivos e comprobatórios que facilitam a
compreensão de qualquer contextualização histórica.
As cidades são constituídas por um espaço que tem na sua formação dois elementos, a sua
materialidade e as suas relações sociais. A materialidade se apresenta como uma
representação do passado e do presente em um mesmo local, pois, ao mesmo tempo em que
demonstra os costumes, usos e a própria cultura contemporânea, ela retrata através de seu
meio físico, aspectos que não estão mais presentes, ou seja, que foram concebidos em
épocas pretéritas. Analisando o tempo, de forma que, o presente é só o instante vivido, a
paisagem sempre será parte do passado, a materialidade, pela sua capacidade de retratar
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esse passado torna-se uma ferramenta elementar para a compreensão de técnicas e
sistemas utilizados na sua concepção (SANTOS, 2002). Assim as relações sociais são mais
facilmente entendidas se antes forem analisadas em concordância com o contexto da época
em que determinado elemento foi concebido, buscando sempre estabelecer a relação entre
as atividades da sociedade com o seu meio edificado.
Ao considerar o meio físico como espaço de arquivamento de memória, os prédios
considerados como patrimônio histórico das cidades se notabilizam pelas singularidades da
época em que foram concebidos, demonstrando nas suas materialidades aspectos relativos
às técnicas utilizadas e aos sistemas, tanto físico como social, do qual estava subordinado,
dando assim parâmetros para uma análise crítica do contexto histórico. O meio urbano da
cidade de Cruz Alta possui muitas edificações repletas de significados subjetivos e demonstra
em suas estruturas, estilos e técnicas próprios de períodos históricos que marcaram de
alguma maneira na formação cultural do município.
Existe na área urbana de Cruz Alta uma diversidade de prédios que podem ser considerados
símbolos de sua história e cultura, tanto pelos seus aspectos materiais, nas suas formas e
características, quanto pelos seus aspectos imateriais, ligados diretamente na formação
cultural da sociedade. Atualmente, o Plano Diretor Municipal em concordância com instruções
normativas do IPHAE, delimitou duas zonas de entorno dos bens tombados, visando a
proteção da paisagem urbana imediata aos dois prédios tombados pelo estado, a Prefeitura
Municipal e a Casa e Museu Érico Veríssimo, estabelecendo alguns critérios específicos para
as construções e reformas nessa região. Nesse espaço delimitado por lei, se encontram a
grande maioria das edificações históricas da cidade, as quais estão inteiramente ligadas a
esses dois contextos debatidos pelo presente texto.
Um estudo aprofundado do patrimônio de Cruz Alta e a aplicação de instrumentos que visem
a sua preservação, que supra as necessidades da população em conhecer a história e
reconhecer o valor simbólico dos prédios, contemplando assim os aspectos culturais da
cidade, deverão basear-se no sentido de relacionar as formas e estilos construídos com a
imagem simbólica que esse patrimônio represente junto à formação histórica do local. Nesse
sentido também deve ser considerado que essa relação do simbolismo com a forma material,
deve estar em consonância com a vivência presente, ou seja, com as funções que essas
edificações exercem na atualidade e como elas se relacionam com o seu entorno.
A construção da identidade cultural é alcançada quando um povo busca o conhecimento de
seus elementos formadores que estão contidos nas suas memórias como coletividade.
Santos (2004, p.59) nos esclarece que “memória e identidade estão interligados, desse
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cruzamento, múltiplas possibilidades poderão se abrir para produção de imaginário
histórico-cultural”. Desse modo, se torna necessário que a sociedade tenha o pleno
conhecimento e entendimento de suas origens, para que assim consiga formar a relação de
pertencimento ao local em que habita.
As relações sociais criadas pela população de determinada cidade com o seu ambiente
urbano, consiste num mundo sistêmico, do qual são postuladas regras, relações de mercado
e com o estado, determinando ainda certos comportamentos sociais dos seres para com o
seu meio de convivência, e o mundo vivido (HABERMAS, 1975). Habermas (1982) ainda
discorre que o mundo da vida ou mundo vivido é o conjunto onde a comunicação acontece
diariamente, onde há a transmissão de cultura, sendo essa atividade muito pessoal e
espontânea, da qual ainda divide os três componentes do mundo da vida, que são a cultura,
sociedade e personalidade. Essa divisão entre duas faces da vida em sociedade mostra-se
bastante importante, visto que o patrimônio deve ser preservado sem retirar o direito de toda a
população ser envolvida e assim harmonizar o dia-a-dia social com o sistema a ser seguido.
Desde o inicio do povoamento da região de Cruz Alta, houve muitos fatos e acontecimentos
de nível nacional e regional que marcaram profundamente a formação da cultura que
atualmente se vivencia na cidade. São quase dois séculos de história, marcadas por uma
diversidade de momentos singulares, que podem ser de alguma forma agregados ao
cotidiano da população através de medidas que ativem a memória coletiva para a sua própria
história. Atualmente há uma desvalorização do real valor simbólico das edificações da cidade
devido a diversos fatores, entre eles o desconhecimento da história pela sua própria
população e pelo interesse da especulação imobiliária na região em que estão situadas essas
edificações. A cidade não é um ambiente de negócios ou um mercado banal de espaços, ela
está carregada de um gama significados e valores espirituais da vida humana que ali se
desenvolve. A paisagem urbana é como a história e a cultura se apresenta para o mundo,
evidenciando a sua memória para as gerações futuras (SILVA, 1997).
4. DOIS CONJUNTOS ARQUITETÔNICOS DO POTENCIAL
CRUZ-ALTENSE
Muitas vivências e muitas histórias estão marcadas na paisagem urbana cruz-altense, das
quais, serão citadas apenas duas, que colaboram profundamente para a formação cultural da
cidade, visto que cada prédio, independente da época em que foi construído e se foi ou não
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local onde a história evidenciou-se, está carregado de significados e de memórias para o
grupo de pessoas que ali habitou.
Dentre tantos conjuntos arquitetônicos presentes em Cruz Alta, que estão permeados da
imaterialidade cultural, destacam-se as que se relacionam com as obras e vida do célebre
escritor cruz-altense de renome internacional Érico Veríssimo. Entre as edificações ligadas
diretamente ao escritor, se destacam a casa em que ele morou e que atualmente funciona
como um museu em sua memória, e o Solar Brandão, que foi residência de seu tio, sendo que
este prédio foi citado em seu livro Solo de Clarineta (1973), entre outras tantas edificações e
paisagens que de uma maneira serviram de inspiração para a produção de suas obras
literárias (SILVA, 2000).
O autor Érico Lopes Veríssimo nasceu no dia 17 de dezembro de 1905 em Cruz Alta, filho de
Sebastião Veríssimo da Fonseca e Abegahy Lopes Veríssimo. Iniciou seus estudos no colégio
elementar Venâncio Aires, alternando com aulas particulares, da professora Margarida
Pardelhas, sendo que, atualmente esses dois locais ainda se mantêm como instituições de
ensino, pois ambos se tornaram escolas representativas na cidade. Em toda sua infância e
juventude, Érico sempre teve o gosto pela leitura de autores nacionais e estrangeiros, pois no
ano de 1920 vai morar em Porto Alegre pela primeira vez, estudando assim, outras línguas.
Entre idas e vindas, no ano de 1927, em Cruz Alta, juntamente com o senhor Lotário Müller,
amigo de seu pai, torna-se sócio da “Pharmácia Central”, a qual funcionou em prédio que
existe até os dias atuais, apesar de ter sofrido uma desfiguração em sua fachada e utilizada
para outros fins (NOGUEIRA, 2014).
Por insistência de seu amigo o jornalista Prado Junior, Érico enviou o seu primeiro conto
“Chico” para o periódico Cruz Alta em Revista, Ano I, nº2, 1929 página 19. A partir dessas
primeiras obras, juntamente com a falência da Farmácia em 1930, fizeram com que ele
deixasse Cruz alta para ir definitivamente para Porto Alegre, onde em aproximadamente duas
semanas é contratado pela Revista do Globo para o cargo de secretário, e que em pouco
tempo seria nomeado diretor da mesma (PEREIRA, 2014). Nesse período em que atuou atrás
do balcão da farmácia, conseguiu absorver muito da cultura popular gaúcha, fato este, que lhe
auxiliou para a sua rica produção literária.
Eu vivia em três mundos, pelo menos. O primeiro era o da realidade
cotidiana; a rotina fisiológica, o ritual burguês, os avisos de bancos (um
bombachudo, para variar, me encostou um dia o cano do revólver no peito
porque eu não lhe quis dar a crédito um vidro de xarope contra tosse). O outro
era o mundo dos livros das personagens de ficção que me levaram para
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outros tempos e outras geografias. O terceiro mundo era o da minha própria
fantasia: as estórias que eu escrevia e mandava quase semanalmente para
o Correio do Povo, que as publicava em seu Suplemento Literário.
(VERÍSSIMO, Um certo Henrique Bertaso, 2011, p. 24).
A casa em que nasceu e viveu o autor, e que atualmente abriga um Museu (Figura 01), foi
construída pelo seu avô Francklin Veríssimo no ano de 1883, sendo que no registro de
imóveis, a data mais antiga relacionada ao bem é de 1893, quando a mesma foi reformada e
adotou uma morfologia Eclética, descaracterizando a antiga forma. Foi adquirida pelo
município em 1968 e tombado pelo estado em 1984 (SILVA, 2000). No entorno desta
edificação, ainda permanecem alguns prédios remanescentes do período em que o escritor
viveu na cidade, como a casa Rocha Montenegro na sua lateral esquerda, um prédio
comercial na frente, a casa Dumoncel, além de algumas mais distantes, que são
contemporâneas a ela. Entretanto nota-se que a estrutura urbana não acompanhou a
consciência preservacionista, visto que a Avenida General Osório, que passa na frente do
museu é de muito fluxo, tanto de carros como até mesmo de veículos pesados, além de ter
sido autorizado a implantação e construção de um posto de abastecimento de automóveis
numa das esquinas frontais ao prédio e edificações de grande porte, que atrapalham a
harmonia do conjunto arquitetônico histórico e descaracterizam o seu entorno.
Seguindo nessa mesma avenida do museu, está localizada a casa (Figura 02) que pertenceu
ao tio de Érico, o senhor João Raymundo da Silva Neto. Este nasceu em São Gabriel, filho do
desembargador Tito Prates da Silva, e neto de João Manoel Menna Barreto, herói da Guerra
do Paraguai. Em determinado período de sua vida, chegou a dividir um quarto de pensão em
Porto Alegre com o futuro presidente do Brasil, Getúlio Vargas, e formou-se em direito no Rio
de Janeiro no ano de 1907. Com o decorrer da vida, casou-se com uma tia de Érico e se
mudou para Cruz Alta, construindo uma casa com aspectos formais únicos, de inspiração
francesa e espanhola. Esta residência foi edificada no ano de 1925, e possui características
do estilo Solar Casarão da Aristocracia Rural da época. Atualmente a casa pertence à família
Brandão, a qual ainda conserva um museu informal em memória ao autor (COMPAHC, 2011).
Érico passou o início de sua vida, em meio a esses locais, sendo que no livro Solo de Clarineta
(1973), ele descreve a sua primeira experiência de ver um home morrer: “O doente foi então
levado (...), para a residência que o,Dr. João Raymundo acabara de construir na cidade e em
cuja parte térrea naquele tempo (...) eu costumava passar as noites”(VERÍSSIMO, 1973,
p.205).
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Figura 01 – Entorno Urbano do Museu Érico Veríssimo
Fonte: Pedro Couto Moreira
Figura 02 – Solar Brandão
Fonte: Pedro Couto Moreira
Outro conjunto que se mostra bastante significativo para a formação do imaginário social e da
cultura da população, são as edificações contemporâneas à administração coronelista no
município, no período da Primeira Republica nos primeiros anos do século XX. Época essa
em que o intendente do município era o Coronel Firmino de Paula Filho, importante político,
sendo um dos homens de confiança do presidente do estado do Rio Grande do Sul Borges de
Medeiros e que fazia parte de um grupo dos grandes proprietários de terras locais, detentores
esses, do poder político. Nessa época foram construídos diversos prédios, dentre os quais, se
podem citar o prédio da Prefeitura Municipal no ano de 1911-1914 e a Casa de Firmino de
Paula Filho no ano de 1928, que possuem uma riqueza de detalhes da arquitetura histórica,
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sendo marcos da entrada de estilos arquitetônicos novos no meio urbano (SILVA, 2000). Há
ainda outros tantos prédios construídos nesse mesmo período e que de alguma forma
participaram desse tempo em que o imaginário da sociedade ainda assimila, como a opressão
do governo frente ao povo, devido às tantas ações governamentais da época nesse sentido.
O Coronelismo se desenvolveu entre anos de 1889 e 1930, no período denominado como
“República Velha”, constituindo-se de uma forma organizacional do governo diretamente nos
estados, sendo os primórdios da democracia representativa (COLUSSI, 1996). Ainda Colussi
(1996, p.16) elucida que “o coronelismo, visto como fenômeno político e social foi expressão
de uma sociedade predominantemente rural e que abrangia a maioria dos municípios
brasileiros”. A liderança estadual e regional da época era composta por grandes latifundiários,
detentores assim do poder tanto político como econômico, destacando-se personalidades em
nível estadual como Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros, Pinheiro Machado, entre outros,
e em Cruz Alta, o General Firmino de Paula e após o seu falecimento, o seu filho o Coronel
Firmino de Paula Filho, todos ligados ao Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) (SILVA,
2012). A presença desses chefes de estado no imaginário social, ainda perdura, visto que
muitas obras estão realmente ligadas ao período em que eles governaram, e muitos eventos
do passado foram atribuídos a esses homens, sejam eles, para o tipo de progresso que
cidade adotou, como atrocidades típicas de épocas de guerra.
Sabe-se que de alguma maneira, todas as edificações construídas neste espaço de tempo,
serviram de paisagem para que a história pudesse se desenrolar, entretanto o artigo trás
somente alguns prédios que estão diretamente ligados ao período. As obras estão na sua
grande maioria, localizadas junto a Praça General Firmino, nome esse dado em homenagem
a essa figura mítica deste político, ora temido ora idolatrado, mas, sobre tudo respeitado.
Dentre as obras de destaque desse período, estão a Prefeitura Municipal (Figura 03),
construída no início do século XIX e que comporta em sua morfologia uma riqueza de detalhes
arquitetônicos, denotando uma plena sensação de poder ao prédio, que foi concebido para
receber a sede do governo da cidade. Há uma perfeita relação entre forma e função, pois
magistralmente o arquiteto alemão Theodor Wiederspahn, fez com que o prédio fosse a
representação do poder do estado. Outra edificação de suma importância foi a casa em estilo
Eclético, do Coronel Firmino de Paula Filho (Figura 04), que está localizada junto à referida
praça, e demonstra também em sua tipologia a magnitude que uma casa de um chefe político
deveria ter, pois se valeu de uma riqueza de elementos decorativos, dispostos
simetricamente.
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Figura 03 – Prefeitura Municipal
Fonte: Pedro Couto Moreira
Figura 04 – Casa Firmino de Paula Filho
Fonte: Pedro Couto Moreira
A partir desses dois conjuntos de prédios de caráter histórico cultural pode-se notar que há
uma grande relação entre a formação imaterial da cultura e a sua materialidade representada
nas edificações. Esse simbolismo auxilia a dar sentido nos atos de preservação do patrimônio
edificado de Cruz Alta, pois relaciona a vivência social e cultural formada pela sua própria
população com o seu meio urbano. Segundo Hall (2000) a identidade da população com a sua
cultura é formada por uma comunicação com o seu passado histórico, determinando as suas
particularidades como grupo social, através de sua língua, costumes e história, produzindo
não o que o conjunto é, mas o que se torna através dessas singularidades. Para que a
sociedade cruz-altense alcance o sentimento de identidade com a sua cultura faz se
necessário que a população conheça os seus elementos formadores, no intuito de formar
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assim, desde os primeiros anos, a consciência da relação material e simbólica que o
patrimônio tem para com os seus cidadãos.
5. A SITUAÇÃO ATUAL E AS DIRETRIZES A SEGUIR
O simples desconhecimento da história e da cultura é extremamente nocivo a subsistência
das edificações que se caracterizam por possuir elementos que a distinguem como patrimônio
de uma sociedade. Dentro de um mesmo ambiente urbano, se tem diferentes pontos de vistas
sobre a paisagem histórica edificada, sejam eles, dos empreendedores, dos políticos, dos
habitantes e dos defensores destes bens, que são totalmente diferentes e que acabam
divergindo em ideias e soluções para os problemas urbanos, que harmonizem o
desenvolvimento da sociedade com a preservação do seu patrimônio. Desse modo o presente
texto busca trazer um pouco da situação atual da paisagem cruz-altense e algumas medidas
que possam ser implantadas, para a valorização da sua arquitetura.
Atualmente, o patrimônio arquitetônico de Cruz Alta, por estar em sua maioria localizado em
área central da cidade, vem sofrendo uma constante desvalorização, devido a procura por
terrenos para implantação de novos empreendimentos imobiliários, acarretada pela
especulação imobiliária descontrolada que assola todo o Brasil, aliado a falta de ligação entre
a sociedade e os elementos formadores de sua cultura e história. Recentemente foi
presenciada a demolição do prédio centenário da Escola Margarida Pardelhas, local este, que
estudaram importantes personalidades cruz-altenses, entre eles, Érico Veríssimo e o escultor
de renome internacional Saint Clair Cemin. Esse ato foi pautado em laudos do governo
estadual de que a edificação não tinha condições de abrigar as suas funções e que seria
necessária a construção de uma estrutura nova, entretanto, uma arquiteta perita do IPHAE
atestou o contrário e salientou a sua importância, tanto arquitetônica como histórica. Além
disso, o prédio está localizado em região onde foi o início da povoação urbana do município, o
que mostra uma disparidade de interesses e soluções dentro do mesmo espaço.
Apesar de ainda ocorrem modificações e demolições do patrimônio cruz-altense, algumas
ações de preservação estão sendo realizadas de forma ainda muito superficial, sem o devido
apoio da sociedade civil e do poder público. Entre elas estão, o próprio tombamento dos bens
e proteção das suas zonas de entorno, a frequente utilização para fins culturais do Museu
Érico Veríssimo, algumas pesquisas realizadas em torno do patrimônio por universidades
como a Unicruz (Universidade de Cruz Alta) e UFSM (Universidade Federal de Santa Maria),
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e as visitas orientadas no período da semana da cultura, pela Comissão do Patrimônio
Histórico e Cultural de Cruz Alta.
Qualquer ação que seja realizada tem que ter o apoio pleno do poder público e ser
instrumento de promoção social. Nesse sentido, se faz necessário que sejam realizados as
seguidas medidas protetivas: tombamentos pontuais de outras obras e proteção intensiva de
sua paisagem; um levantamento temático dos conjuntos histórico; aplicação dos instrumentos
legais, tributários e urbanísticos nessas zonas de entorno; inserção do conhecimento cultural
nas escolas e grupos diversos, através da educação patrimonial, incitando desde as primeiras
idades a consciência da preservação e a fomentação da economia local, por meio do turismo
cultural. Seguindo essas orientações, o patrimônio de Cruz Alta poderá ser salvaguardado,
tornando-se uma fonte de produção econômica, desassociando paulatinamente a ideia de
que as edificações históricas são empecilhos de desenvolvimento e auxiliando para que o
progresso seja sustentável, consciente e inclusivo.
6. CONCLUSÃO
A identidade cultural de uma sociedade está ligada ao prévio conhecimento que ela tem para
com a sua história e seu simbolismo. O dia a dia intenso nas cidades não permite que os
cidadãos possam ter contato com a informação que o meio urbano pode passar, restando
assim para a educação de uma maneira geral, basear-se no seu patrimônio edificado para
inteirar a sua sociedade da sua história. Ações de conscientização podem ultrapassar os
bancos escolares e se integrarem na sociedade através da promoção da cultura dentro do
contexto urbano, mostrando na própria paisagem de maneira pedagógica, quais são as
relações de um determinado local com as origens sociais de um povo.
O município de Cruz Alta pelo fato de possuir grande quantidade de exemplares de
edificações denotadas de grande importância, tanto culturalmente quanto historicamente,
pode agir de maneira a integrar a sua sociedade com a seu patrimônio através da educação,
firmando sempre a relação da história e dos elementos subjetivos simbólicos com a estrutura
física que até os dias atuais perdura. Um planejamento de ações nesse intuito pode ter
contribuições importantes, não somente para o ato da preservação dos prédios em si, mas na
conservação da memória da sociedade cruz-altense e na criação da identidade da população,
estabelecendo um respeito e admiração das gerações contemporâneas para com os seus
antepassados.
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Portanto um trabalho contínuo, baseado na utilização do patrimônio histórico como ferramenta
de construção do conhecimento trará benefícios para toda a sociedade, modificando a relação
da população para com a cidade, buscando aproximar as pessoas com a sua história.
Torna-se necessário que sejam realizados trabalhos futuros que possam colaborar com o
conhecimento sobre o conjunto de patrimônio de Cruz Alta e seus significados. A
compreensão da informação atuará em longo prazo para que a própria população estabeleça
um conhecimento pleno de quem ela é, e para onde está caminhando como sociedade.
7. REFERÊNCIAS
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