OS TRÊS TIPOS ORIGINÁRIOS DE OFICIAIS DA BRIGADA MILITAR
A Brigada Militar foi criada em 15 de outubro de 1892, por ato de
Fernando Abbott, então na presidência do Estado do Rio Grande do Sul, para
se constituir no bastião militar do castilhismo na guerra contra os seus
opositores (federalistas) que se tornava cada vez mais iminente. Ela foi
idealizada por Júlio de Castilhos tomando como modelo a organização do
exército nacional – menos a artilharia – para se constituir no exército estadual
do Rio Grande, uma especie de exército pretoriano do seu regime. No entanto
ela necessitava de um corpo de oficiais que pudesse comandá-la de imediato
com fins bélico, de modo que os castilhistas recorreram principalmente aos
oficiais do Exército Nacional para dirigi-la e aos subalternos da extinta Guarda
Cívica. O corpo inicial de oficiais da Brigada Militar pode ser classificado por
três tipos originários que acabaram por fundamentar a predominância do ethos
militar da recém criada força gaúcha como um dos mais importantes valores da
corporação. Esse três tipos originários demonstram, entre outras coisas, a
sedimentação da milícia gaúcha como uma força militar profissional, sendo que
cada um desses três grupos de oficiais contribuiu na sua dimensão para a
edificação desse profissionalismo militar. Por essa razão é importante
identificar o papel de cada um desses três grupos e a sua importância na
evolução da milícia rio-grandense. O primeiro tipo originário são os oficiais
oriundos da Guarda Cívica/Corpo Policial. A Brigada Militar depois da sua
criação em outubro de 1892, incorporou a maior parte do quadro de oficiais da
extinta força pública reestruturada por Barros Cassal em março de 1892. Esse
grupo era constituído basicamente por oficiais subalternos, ou seja, alferes e
tenentes que, grosso modo, foram incorporados nas fileiras da nova força.
Esse processo somente foi possível graças a reorganização da força pública
estadual realizada por Barros Cassal. Até então a Guarda Cívica era uma força
pública formada por um corpo único, sem carreiras definidas de praças e de
oficiais. Barros Cassal reorganiza essa força, inclusive alterando o seu nome
para Corpo Policial, mas dando-lhe um formato muito mais militarizado e
complexo definindo claramente as funções das praças e dos oficiais, inclusive
preservando os oficiais do arbítrio dos governos que não mais podiam exonerálos sem julgamento de crimes transitado em julgado e isso assegurava a
carreira do oficialato. Assim, o Corpo Policial passa a ter um sentido muito mais
profissional no sentido militar em relação à Guarda Cívica, com padrão de
oficiais e praças divididos em um batalhão de infantaria e um regimento de
cavalaria. Essa militarização da força pública rio-grandense permitiu que à
Guarda Cívica/Corpo Policial contribuísse com grande parte da oficialidade da
recém criada Brigada Militar, principalmente nos quadros de alferes, tenentes e
capitães. Oficiais tais como o coronel Aristides da Câmara e Sá, coronel
Augusto Januário Correia (Patrono do 5º BPM) e o major Miguel Pereira – que
estão entre os mais ilustres da força – são os nomes que representam esse
grupo de oficiais originários proveniente da Guarda Cívica/Corpo Policial,
sendo na época que foram incorporados pela Brigada Militar esses oficiais
galardavam os postos de alferes e tenente. O segundo tipo originário é
composto pelos oficiais do Exército Nacional que estiveram a serviço da
Brigada Militar, a começar pelo seu primeiro comandante-geral o então major
engenheiro Joaquim Pantaleão Teles de Queiroz, que Fernando Abott
comissionou no posto de coronel para exercer o mais alto posto da nova força
pública do Rio Grande do Sul. Os oficiais do Exército constituíram grande parte
do oficialato superior originário da Brigada Militar que comandou a corporação
por mais de vinte e cinco anos, contribuindo decisivamente com seu
profissionalismo militar, formado na Escola Militar de Praia Vermelha, para
torná-la a mais temida força pública do Brasil. Desse grupo originário estão os
oficiais superiores que comandaram a Brigada Militar e algumas de suas
unidades nos primeiros decênios da sua história. Além do major (coronel
comissionado) Joaquim Pantaleão Teles Queiroz pertencem a esse grupo
originário o capitão do Exército Fabrício Batista de Oliveira Pilar –
comissionado no posto de tenente coronel para comandar o recém criado 1º
Regimento de Cavalaria, vindo a tombar na frente do mesmo no combate de
Capão das Laranjeiras (Santiago) em setembro de 18941 –, também o coronel
1
Fabrício Batista de Oliveira Pilar nasceu em São Vicente no dia 24 de agosto de 1856. Era capitão do
Exército quando foi comissionado no posto de tenente-coronel por Fernando Abott, no comando do recém
criado 1º regimento de cavalaria da Brigada Militar, participou intensamente em grande parte dos
combates da Revolução Federalista, constituindo-se em um dos mais importantes oficiais da legendária
Divisão do Norte. Fabrício Pilar tombou, aos 38 anos de idade, no combate de Capão das Laranjeiras no
dia 6 de setembro de 1894, mês de um mês depois de Gumercindo Saraiva que morreu no Combate de
Carovi em 10 de agosto. Ele foi promovido post- mortem ao posto de major do Exército Nacional. O
Decreto estadual nº 7.489/38 denominou o 1º Regimento de Cavalaria da BM: Regimento “Coronel
Pilar”.
do Exército José Carlos Pinto Junior que viria a comandar a Força entre 1897 e
1909, exercendo assim o comando mais longo da história da milícia gaúcha e o
jovem capitão do Exército Cypriano da Costa Ferreira comissionado no posto
de tenente-coronel no comando do 2º batalhão de infantaria que se imortalizou
no Combate de Traíras em novembro de 1894, e que comandou a milícia entre
1909 e 1915, representam esse grupo de oficiais oriundo do Exército. Esse
grupo originário plasmou uma segunda geração de oficiais do Exército que
dedicaram grande parte da sua vida profissional à corporação tais como dos
coronéis Ruy França, João de Deus Canabarro Cunha, Arthur Otaviano
Travassos Alves e do general-de-divisão Emílio Lúcio Esteves constante entre
os mais destacados oficiais da Missão Instrutora do Exército que treinou a
Brigada por quase quarenta anos. Cabe lembrar que o coronel Canabarro
Cunha comandou a Brigada Militar entre 1932 e 1937, e nessa mesma época o
recém promovido general-de-brigada Emílio Lucio Esteves comandou a Polícia
Militar do Rio de Janeiro. O general Emílio Lucio Esteves é patrono do 8º BPM
estacionado no município de Osório. O terceiro e não menos importante tipo
originário são os livres militares e, sobretudo, civis que ingressaram na
Brigada Militar, através dos corpos de reserva e provisórios, em razão da
guerra federalista, cada qual movido por suas razões e convições próprias,
mas sobretudo ao imperioso sentimento de defender a República de seus
inimigos bradado por Júlio de Castilhos e pelo Presidente Floriano Peixoto. A
maior parte desses oficiais originários era civis que se alistaram nos corpos de
reserva e provisórios da Brigada Militar e outros provenientes da Guarda
Nacional nos municípios – que a rigor também eram civis – entrando logo no
batismo do fogo na guerra contra os federalistas ( que passaram a ser
denominados também de maragatos ou libertadores). Juntamente como os
oficiais originários do Exército, esse grupo de imediato teve destacado papel
pelos seus feitos militares nos inúmeros combates que grassaram a revolução
entre 1893 e 1895. Esse tipo originário é oriundo, na sua grande maioria, dos
corpos de reserva e provisórios de modo que exerciam funções e profissões
civis antes de assumirem a atividade das armas, como professores,
advogados, estancieiros, comerciantes e outras ocupações, mas a despeito
disso vieram a se tornar soldados de primeira linha e com fama de guerreiros
temíveis. Outros ingressaram nos corpos de reserva e, sobretudo nos
provisórios, muito jovens, por causa da guerra, por razões pessoais ou por
simples destemor. Tão logo findou a guerra federalista em 1895, parte
considerável, desses oficiais permaneceu na Brigada Militar iniciando carreira
que os fez ocupar mais tarde, alguns dos postos mais importantes da milícia. O
cidadão Utalis Lupi, nomeado tenente-coronel para comandar o 1º batalhão de
infantaria de reserva e que tombou no combate do Rio Negro (Bagé) em
novembro de 1893, pode ser incluído nesse grupo de oficiais. Mas no sentido
de carreira na força rio-grandense esse grupo foi fundamental para plasmar o
sentido profissional do seu oficialato onde pode-se destacar: o coronel Afonso
Emílio Massot, seu irmão coronel Amadeu Massot, coronel Annibal Garcia
Barão (patrono do 7º BPM), capitão Antônio Lucas de Oliveira, coronel David
José do Amaral, tenente-coronel Emerenciano Luiz Braga, tenente-coronel
Francelino Rodrigues Cordeiro, tenente-coronel Gregório Português, coronel
Leopoldo Ayres de Vasconcellos, coronel Manoel Gonçalves Cardoso e do
coronel Juvêncio Maximiliano de Lemos (patrono do 2º RP Mon) são alguns
dos oficiais que destacadamente caracterizam esse tipo originário. Quase
todos esses oficiais quando ingressaram na Brigada Militar, através das
unidades de reserva e dos corpos provisórios, auferiam no máximo a patente
de capitão, sendo grande parte deles sargentos, alferes e tenentes
permanecendo nos seus postos conquistados por valor guerreiro na revolução
federalista, quando o conflito terminou, esse tipo de oficial resolveu continuar a
carreira militar na milícia. Os três tipos originários de oficiais demonstram, em
suas características de como a Brigada Militar é nas suas origens uma
instituição complexa e contribuíram decisivamente para a cimentação do seu
ethos militar. Demonstra também a simbiose, senão o compartilhamento da
mesma natureza entre a força pública gaúcha e o Exército Nacional como
comprova os oficiais que dedicaram parte das suas carreiras à formação da
Brigada Militar, principalmente depois do estabelecimento da Missão Instrutora
em 1909. Os oficiais oriundos dos corpos de reserva e provisórios foram
imensamente beneficiados com a chegada da Missão Instrutora, pois além de
especialistas na arte da guerra vieram a ser, graças ao treinamento dessa
Missão Instrutora, profissionais militares consolidando, assim, as suas carreiras
na milícia gaúcha. Não é por outra que Júlio de Castilhos havia concebido a
Brigada Militar com a mesma organização do Exército Nacional, aproveitando o
lastro construido por Barros Cassal quando no início reformulou a força pública
gaúcha como Corpo Polícial, mas com rigoroso formato militar que serviu de
base para a criação da Brigada Militar. Para tanto, contribuíram decisivamente
os oficiais do Exército a serviço da milícia, que com o advento da Missão
Instrutora em 1909, passaram a treinar intensamente os oficiais da corporação,
durante mais de quatro décadas. No quadro abaixo podemos observar os três
tipos originários de oficiais da Brigada Militar:
Os Três Tipos Originários de Oficiais da Brigada Militar
Primeiro Tipo
Segundo Tipo
Terceiro Tipo
Oficiais oriundos da
Oficiais do Exército
Oficiais que eram civis
Guarda Cívica/Corpo
comissionados nos
ou livres soldados que
Policial. Esses oficiais
postos chaves de
ingressaram na força
eram em grande parte
comando da Brigada
por meio das unidades
constituídos por alferes, Militar, tais como o
de reserva e dos
tenentes e capitães.
comando geral (coronel) corpos provisórios por
Mas principalmente dos e das grandes unidades causa da Revolução
oficiais subalternos.
como o 1º regimento de Federalista de 1893/95.
cavalaria (tenentecoronel).
O historiador americano Joseph Love salienta que um dos principais
resultados da Revolução Federalista 1893/95, foi o de ter criado “heróis
militares” no Estado do Rio Grande do Sul (LOVE: 1975, p. 78)2. Desses
“heróis militares” distinguimos dois tipos que acabaram sendo de uma forma ou
de outra, personagens fundamentais na política gaúcha. O Primeiro grupo era
das lideranças civis que se tornaram decantados heróis de guerra. Love
destaca cinco desses civis todos originados nas fileiras da Divisão do Norte: o
Senador Pinheiro Machado (1852-1915) que mais tarde vem a ser o bastião
dos interesses do Rio Grande do Sul e um dos mais poderosos políticos na
Capital Federal (Rio de Janeiro); Firmino de Paula que exerceu seu domínio
político nas regiões de Cruz Alta e Palmeiras das Missões, chamada Serra
Central, e foi o responsável pelo massacre de Boi Preto (Palmeiras); general
Manuel Nascimento Vargas (pai de Getúlio), que na Revolução Federalista, no
posto de coronel exerceu inicialmente o comando da 5ª brigada da Divisão do
Norte e mais tarde a chefia do estado maior da mesma, comandada pelo
2
Ver também FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, Borgismo e Cooptação Política. Porto Alegre:
UFRGS, 1996, p. 106.
general Rodrigues Lima, tornando-se um dos mais destacados lideres na
região missioneira, pois embora ele tivesse nascido em Passo Fundo fixou
domicílio em São Borja depois da Guerra do Paraguai (1865-1870); Fernando
Abbott, o criador da Brigada Militar e destacado chefe político e o então
tenente-coronel comissionado Antônio Borges de Medeiros que sucederia Júlio
de Castilhos (LOVE: 1975, pp. 78-81). O segundo tipo de “heróis militares”
nascidos na Revolução Federalista é constituído pelos três tipos de oficiais
originários da Brigada Militar, tanto os oriundos dos quadros do Corpo
Policial/Guarda Cívica bem com os oficiais do Exército, mas principalmente os
civis que ingressaram na Brigada Militar através dos seus corpos de reserva e
provisórios e que depois da guerra federalista preferiram seguir carreira militar,
sendo o mais notável deles, Afonso Emílio Massot que havia exercido o
magistério de lingua francesa na cidade de Pelotas. Diante disso, podemos
denominar os três tipos originários de oficiais como da geração heróica da
Brigada Militar, provavelmente a mais importante geração de oficiais da história
da força pública rio-grandense. Desse modo, os três tipos originários de oficiais
estão bem delimitados não tanto quanto a quantidade que fizeram o seu
ingresso na força gaúcha, mas muito mais pelas suas características e
peculiaridades determinados por cada grupo originário: Guarda Cívica/Corpo
Policial, Oficiais do Exército comissionados na milícia e os livres soldados
(guerreiros) e civis que permaneceram na carreira militar dentro da corporação
depois da Revolução Federalista. Finalmente, podemos verificar que os três
tipos originários de oficiais não caracterizou ou formou o lastro para tipificação
do “coronel burocrata” cujo modelo, segundo Raymundo Faoro, seria o coronel
da Brigada Militar (FAORO: 1975, p. 638)3. Na verdade, os coronéis e oficiais
da milícia gaúcha, dentro do modelo do coronelismo, não se caracterizaram
como burocratas, embora o terceiro grupo originário tivesse alguns elementos
que indicavam essa possibilidade, pois o primeiro e o segundo grupo
originários eram oriundos de carreiras militares pré-estabelecidas antes de se
afirmarem como oficiais da força gaúcha. O terceiro grupo originário era
constituído por civis e homens de armas que se tornaram soldados por
circunstância da Revolução Federalista e depois se transformaram em militares
profissionais através de suas carreiras na Brigada Militar, onde se destaca o
3
Ver FÉLIX, Loiva Otero. Idem, p. 130.
coronel Afonso Emilio Massot que foi o primeiro comandante geral da
corporação oriundo das suas próprias fileiras.
BIBLIOGRAFIA
FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: Formação do Patronato Político
Brasileiro. Porto Alegre: Editora Globo; São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 1975.
COUTINHO, Albino José Ferreira. Marcha da Divisão do Norte. Porto Alegre:
Renascença/ Edigal, 2011.
FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, Borgismo e Cooptação Política. Porto
Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1996.
FRANÇA, Ruy. Instrução de Infantaria Para a Brigada Militar. Porto Alegre:
Gráfica Oficial, 1910.
LOVE, Joseph. O Regionalismo Gaúcho. São Paulo: Perspectiva, 1975.
PEREIRA, Miguel José. Esboço Histórico da Brigada Militar do Rio Grande
do Sul. Vol. I. 2ª edição. Porto Alegre: Oficinas Gráficas da Brigada Militar,
1950.
RIBEIRO, Aldo Ladeira. Esboço Histórico da Brigada Militar do Estado do
Rio Grande do Sul. Vol. II. Porto Alegre: Oficinas Gráficas da Brigada Militar,
1953.
Romeu Karnikowski
Pesquisador PNPD da PUC/RS
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