PUC - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Programa de Pós-Graduação em Serviço Social Departamento de Serviço Social Carla Daniel Sartor As políticas públicas culturais e a perspectiva da transformação: a experiência coletiva nos Pontos de Cultura Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Serviço Social. Orientadora: Ana Maria Quiroga Rio de Janeiro Abril de 2011 Carla Daniel Sartor As políticas públicas culturais e a perspectiva da transformação: a experiência coletiva nos Pontos de Cultura Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Serviço Social do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio. Banca Examinadora Adair Leonardo Rocha Irene Rizzini Maria Helena Zamora Maurício Siqueira de Souza Regina Reyes Novaes Orientadora: Ana Maria Quiroga A obra As políticas públicas culturais e a perspectiva da transformação: a experiência coletiva nos Pontos de Cultura de Carla Daniel Sartor foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Uso Não-Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Brasil. Dedicatória Dedico este trabalho, com muito carinho, a Carlos, à minha família, e em especial a Luiz Henrique e Amanda. Agradecimentos Compartilho inúmeros agradecimentos e generosidades. E como não criamos nada sozinhos, mas em interação, agradeço a convivência com os Pontos de Cultura, em especial o Ponto de Cultura Centro de Cultura e Educação Lúdica da Rocinha: Firmino, Martinha, Nathercia, Maria da Paz, Lena, Lucas Pablo, Everton, Thais, Evelin, Ana Carolina, Jordana, Robson, Tio Lino, Vicente, Aerson, Margarida, Arthur, Heitor, Eduardo, Isabelli, Maicon, Tayná, Bruna, Luciana e os demais jovens participantes de diferentes etapas. Obrigada pelas horas de amizade, trocas, aprendizado, leveza, riso e encontro; Ao Ponto de Cultura do PIM, em especial Célia, Cláudio, Jane e Vânia. Ao Ponto de Cultura Nhandeva, à Patrícia e Roque, ao Ponto de Cultura Jongo do Pinheiral, à Fátima e o Ponto de Cultura Manoel Martins, à Laura pela acolhida e sabedorias compartilhadas; Aos companheiros de luta no Fórum dos Pontos de Cultura do Estado do Rio de Janeiro e Espírito Santo, à Célia, Claudio, Nyeta, Luiz, Camila, Denise, Vânia, Geo, Davy, Vinicius, Firmino, Licko, Luiz, Santini, Laura, Davi, Naldinho, Leandro, Roberto, Edilso, Lucicarla, Adriana, Fátima, Mary, dentre tantos outros amigos. Ao Carlos, companheiro de todos os momentos, obrigada pelo apoio absoluto, pela presença, amor, elo. Agradeço à cumplicidade, o vislumbre compartilhado de novos horizontes, a compreensão, sabedoria e a paciência, por todos os dias, obrigada. Aos meus familiares, pelo apoio incondicional, pela força e pelo amor; Aos meus afilhados Luiz Henrique e Amanda Giulia, referências de generosidade, afeto e criatividade. Agradeço a todos que participaram direta ou indiretamente da realização deste trabalho ou no contexto mais amplo da oportunidade de cursar o Doutorado em Serviço Social/PUC-Rio: À Profa. Ana Quiroga, por sua dedicação, seu interesse, sua acolhida. A realização deste trabalho foi possível por ter contado com sua orientação, digna dos mais sinceros agradecimentos; À Irene Rizzini, pela disponibilidade, companheirismo, caminhada compartilhada e sabedoria, uma presença estimulante na busca do conhecimento e na construção desta tese; Aos amigos do CIESPI, pelo apoio, caminho compartilhado, aprendizado em coletivo, trocas e exercícios de cooperação no enfrentamento dos impasses, na construção dos projetos e do conhecimento. Pelo exemplo de profissionalismo, cuidado e afeto no cultivo das relações de verdadeira parceria. Em especial, Irene, Malcolm, Marcelo, Paula, Alexandre, Miriam, Alessandra, Mariana, Nathercia, exemplos de dedicação e de trabalho, muito obrigada também pela amizade; Laura, que ao traçar afetos entre escritas, me ensinou a refletir sobre as escolhas e os “recortes” analíticos na construção de um conhecimento mais sintonizado com a criação e com o coração. Por que não? Perguntava-me, afirmando. Aos companheiros do projeto Rede Brincar do CIESPI: Nathercia, Isabella, Vicente, Alexandra, Gabriela, Gilson, Carol, Cristiane. Em especial a Nathercia, em que a sensível e profunda sabedoria se distribui com discrição, atenta ao que há de melhor no ser humano. Serenidade vivida. Obrigada por tudo que compartilhamos, a confiança e a aposta na vida viva e pulsante, ainda que esteja oculta. Sempre. Isabella, inquieta sabedoria, que instiga o pensamento, a celebração da vida em sua inteireza, obrigada por tudo e pela agradável companhia nessa trajetória profissional e pessoal, amiga. Aos amigos de jornadas iniciais na CESPI/USU, Maria Helena Zamora, Irma Rizzini, Tereza Fonseca, Marcelle Rebelo, Rita, dentre outros não menos importantes, cujas trajetórias e companhia foram estímulos, fonte de aprendizado e de força; Aos amigos de turma do Doutorado/PUC-Rio, pela convivência enriquecedora; À Profa. Regina Novaes, por seu interesse sobre o encaminhamento deste trabalho, e por suas contribuições na ocasião do Exame de Qualificação, o que certamente contribuiu para a qualidade final do trabalho; À Elizabeth Serra, Claudio Barria e Regina Leão amigos que compartilham a crença e a luta pela vida, pelas vidas, que não cessam de nos surpreender. Obrigada pela amizade, presença alentadora, disponibilidade, sabedorias, trocas e, claro, os momentos de alegria e de sintonia com o fluxo incessante da vida. À Adriana e Ana Brito Góes e Jaqueline Pilatti companheiras que mesmo longe estão presentes. Fazem parte daqueles raros momentos que nos tocam para sempre, amizades que nos fazem caminhar mais felizes. Ao Corpo Docente do Doutorado em Serviço Social da PUC-Rio, por sua contribuição acadêmica. Aos funcionários do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio, em especial à Joana, pelo apoio e dedicação; À CAPES pelo incentivo através da concessão de bolsa de estudo, com a qual a oportunidade de cursar o Doutorado foi viabilizada. Resumo Sartor, Carla Daniel. As Políticas públicas culturais e a perspectiva da transformação: a experiência coletiva nos Pontos de Cultura. Rio de Janeiro, 2011. 404 p. Tese de Doutorado - Departamento de Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Esta tese aborda o caráter qualitativo e processual das ações no âmbito do programa Cultura Viva/Ministério da Cultura, nas duas últimas gestões do governo federal brasileiro. O papel social no processo, enquanto “participante-observadora”, e o levantamento de informações por meio da pesquisa ilustram a capilaridade, a incidência, os limites e desafios do programa Cultura Viva, cuja principal ação foi constituída pelo Ponto de Cultura. O trabalho parte de pensamentos-movimentos que, desde o período do Modernismo, mobilizaram intelectuais, artistas e militantes brasileiros, fundamentando perspectivas culturais que antecederam o atual programa aqui analisado. Este foi igualmente pensado à luz dos conceitos de diversidade, interculturalidade crítica, relações de poder e experiência como contraponto ao risco da instrumentalização da cultura. Como um amplo e diversificado programa público de apoio e fomento a iniciativas culturais em quase todo o território nacional, o Cultura Viva foi também analisado por meio das experiências coletivas e criações nos Pontos de Cultura e dos Encontros Regionais e Nacionais dos Pontos de Cultura (TEIAS) bem como da constituição do Fórum dos Pontos do Estado do Rio de Janeiro e Espírito Santo enquanto importantes mobilizações políticas deste coletivo. A burocracia estatal na organização e financiamento das políticas culturais foi desafiada a abrir maiores possibilidades de acesso aos recursos públicos com vistas à concretização do direito à cultura. As disputas e interesses econômicos em torno do aparelho estatal foram tensionados neste período, configurando-se em um dos principais desafios enfrentados pelo Estado na viabilização da proposta do Cultura Viva. Os resultados apontam, entretanto, que as experiências culturais compartilhadas produzem movimento, inquietação e reflexão instituindo-se em ações coletivas que, de certa forma, “reinventam a vida” no enfrentamento das contradições e da desigualdade social. Além de colocar a cultura na pauta da discussão sobre a injusta distribuição de recursos públicos, o Programa Cultura Viva/MinC favoreceu a ampliação e pluralidade das manifestações artístico-culturais reconhecendo as potencialidades locais. Desenham-se assim, situações que explicitam conflitos e o possível enfrentamento, que podem levar a transformações nas relações com as autoridades e com o Estado, com vistas a ultrapassar as dimensões estritamente funcionais e integradoras das políticas públicas. Palavras-chave Programa Cultura Viva; Ponto de Cultura; Políticas Públicas, Política cultural; Experiência coletiva. Abstract Key words Program Cultura Viva (Culture Alive Program), Ponto de Cultura (Culture Point), Public Policy; Collective experience. Sumário 1. INTRODUÇÃO 17 2. AS POLÍTICAS CULTURAIS NO CONTEXTO BRASILEIRO: ENSAIOS E ANSEIOS 33 2.1. Antecedentes: movimentos artísticos, culturais e intelectuais no âmbito da criação 2.1.1. Canibalismo cultural: Oswald de Andrade 2.1.2. Pluralidade das linguagens populares: Mário de Andrade 2.1.3. Arte, política e liberdade: Mário Pedrosa 2.1.4. Pensamentos-Movimentos e a construção da atuação cultural 35 36 39 42 48 2.2. Políticas culturais, abordagens e conceitos 2.2.1. Árduo e recente processo de construção das políticas culturais no Brasil 2.2.2. Em busca da identidade nacional: a articulação dos modernistas e o Estado 2.2.3. Iniciativas de movimentos da sociedade: experiências regionais 2.2.4. Pós 1964: ditadura militar, mecanismos de institucionalização e a redemocratização em 1985 54 60 64 67 69 2.3. Em busca de conexões e construções coletivas 80 3. CULTURA VIVA: UM PROGRAMA QUE SE PRETENDE POLÍTICA PÚBLICA 3.1. Caracterização da história do Programa Cultura Viva: mutações 87 99 3.2. A composição do Programa Cultura Viva 105 3.3. Concepção e forma de acesso ao Programa Cultura Viva 111 3.4. A transversalidade interna e externa: os editais de premiações e bolsas 118 3.5. Contextualização dos Pontos de Cultura no Brasil e no Rio de Janeiro 124 4. A CONSTITUIÇÃO DOS PONTOS DE CULTURA: CRIAÇÃO E EXPERIÊNCIAS COLETIVAS 144 4.1. Os Pontos de Cultura: práticas como reflexões 144 4.2. Fase I: a implementação da Ação Agente Cultura Viva 150 4.3. Fase II: a reedição de uma experiência 159 4.4. ‘Entre’ conceitos: problematizações acerca da diversidade e da interculturalidade nas relações de saber-poder 176 4.4.1. Trocas intergeracionais: a Ação Griô, Escola Viva e os jovens Agente Cultura Viva 190 4.4.2. Na ponta do Ponto: experiências e experimentações 198 4.5. ‘Entre’ Pontos: criações coletivas e o conceito de experiência 4.5.1. Intercâmbios nos Pontos de Cultura 4.5.2. O atrevimento da criação e da experimentação 205 215 219 5. CULTURA E POLÍTICA: TEIAS, FÓRUNS E ENCONTROS 245 5.1. Quadro de caracterização dos Encontros nacionais e regionais (RJ/ES) dos Pontos de Cultura 252 5.2. Apreciação sobre os encontros nacionais e regionais do RJ/ES 5.2.1. Informalidade dos processos organizativos 5.2.2. Dicotomias e dilemas entre a técnica e a política 5.2.3. “A TEIA é um evento dos Pontos ou do Governo?” 5.2.4. Movimentos sociais e Pontos de Cultura 5.2.5. Encaminhamentos, conquistas, desafios e as experiências de mobilizações 259 259 262 267 273 276 5.3. ‘Entre’ reivindicações políticas: o calvário da burocracia nas políticas culturais 5.3.1. A ênfase na inadequação do marco legal 5.3.2. Estrutura administrativa e capacidade de gestão 5.3.3. Reprodução ou instituição de processos e relações sociais 5.3.4. Experiências coletivas e resistência 5.3.5. As dificuldades cotidianas de gestão e suas implicações 286 288 294 297 299 306 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 312 7. BIBLIOGRAFIA 327 8. APÊNDICES 362 8.1. Levantamento dos editais para concessão de Prêmios e Bolsas (2008, 2009 e 2010) 363 8.2. Articulação internacional: Pontos de Cultura nos países do Mercosul e em outros países 372 8.3. Acervo de brinquedos do Ponto de Cultura Centro de Cultura e Educação Lúdica da Rocinha 376 8.4. Eventos, encontros e oficinas do Ponto de Cultura Centro de Cultura e Educação Lúdica da Rocinha 379 9. ANEXOS 382 9.1. Principais documentos produzidos pelo Fórum Regional do Rio de Janeiro e Espírito Santo e Fórum Nacional dos Pontos de Cultura 383 9.1.1. CARTA DO RIO DE JANEIRO (Rio de Janeiro, 2006) 384 9.1.2. CARTA - VIVA A CULTURA! (Belo Horizonte, 2008) 387 9.1.3. CARTA DE BOAS VINDAS AOS NOVOS PONTOS DE CULTURA (Rio de Janeiro, 2008) 389 9.1.4. CARTA DA COMISSÃO NACIONAL DOS PONTOS DE CULTURA (Salvador, 2009) 390 9.1.5. MINUTA DE LEI - LEI CULTURA VIVA (Brasília, 2009) 391 9.1.6. REGIMENTO INTERNO DA COMISSÃO NACIONAL DOS PONTOS DE CULTURA (Brasília, 2009) 394 9.1.7. CARTA DOS PONTÕES, PONTOS E PONTINHOS DE CULTURA DA BAIXADA FLUMINENSE AO BRASIL (Nova Iguaçu, 2010) 397 9.1.8. CARTA DE PIRENÓPOLIS / COMISSÃO NACIONAL DOS PONTOS DE CULTURA (Pirenópolis, 2010) 399 9.2. Programação do Seminário Cultura Viva na TEIA 2010 402 Lista de siglas e abreviaturas ABONG - Associação Brasileira de ONGs ABRE - Associação Brasileira de Escritores AGNU - Assembléia Geral das Nações Unidas AMOC - Associação de moradores do Quilombo Campinho da Independência/Paraty BAC - Base de Apoio à Cultura CAMPO - Centro de Assessoria ao Movimento Popular CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEDAPS - Centro de Promoção da Saúde Centro Lúdico - Ponto de Cultura Centro de Cultura e Educação Lúdica da Rocinha CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe CFC - Conselho Federal de Cultura CIESPI – Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância CISANE - Centro de Integração Social Amigos de Nova Era/Nova Iguaçu/RJ CNC - Conselho Nacional de Cultura CNDA - Conselho Nacional do Direito Autoral CNPdC - Comissão Nacional dos Pontos de Cultura CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNRC - Conselho Nacional de Referência Cultural CONCINE - Conselho Nacional de Cinema CPC - Centro Popular de Cultura CUCA - Centro Universitário de Cultura e Arte CUFA - Central Única de Favelas CULT/UFBA - Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura DAC - Departamento de Assuntos Culturais DIP - Departamento de Imprensa e Propaganda D.O.E. - Diário Oficial do Estado DPHAN - Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional DPI - Departamento de Patrimônio Imaterial EES - Empreendimentos de Economia Solidária EMBRAFILME - Empresa Brasileira de Filmes FGV - Fundação Getúlio Vargas FIARI - Federação Internacional da Arte Revolucionária e Independente FICART - Fundos de Investimento Cultural e Artístico FNC - Fundo Nacional de Cultura FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação FUNARTE - Fundação Nacional de Artes FUST - Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações GESAC - Programa de inclusão digital do Governo Federal, coordenado pelo Ministério das Comunicações IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDC - Internet Data Center IFP - Instituto Paulo Freire IIDH - Instituto Interamericano de Direitos Humanos IPEA - Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPSO - Instituto de Projetos e Pesquisas Sociais Tecnológicos ISEB - Instituto Superior de Estudos Brasileiros LABOEP-FEUFF - Laboratório de Educação Patrimonial da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense LAPS/Fiocruz - Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial/Fundação Oswaldo Cruz LPP/UERJ - Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro MCP - Movimento de Cultura Popular MCT - Ministério da Ciência e Tecnologia MEC - Ministério da Educação e Cultura MES - Ministério da Educação e Saúde MinC - Ministério da Cultura MOST - Management of Social Transformations MS - Ministério da Saúde MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra MUNIC - Pesquisa de Informações Básicas Municipais MTE - Ministério do Trabalho e Emprego ONGs - Organizações não Governamentais ONU - Organização das nações unidas OS - Organizações Sociais OSCIPs - Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público PAC - Plano de Ação Cultural (1969-1973) PAC - Programa de Aceleração do Crescimento (2007-2010) PC - Partido Comunista PCdoB - Partido Comunista do Brasil PEC - Proposta de Emenda à Constituição PIM - Programa Integração pela Música PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro PMN - Partido da Mobilização Nacional PNAD - Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios PNC - Política Nacional de Cultura PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PCs: Pontos de Cultura PP - Partido Progressista PP - Pontos de Presença PPA - Plano Plurianual PPS - Partido Popular Socialista PROCULTURA - Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura PROEXT Cultura - Programa de Apoio à Cultura e Extensão Universitária Programa Cultura Viva - Arte, Cultura e Cidadania do Ministério da Cultura PRONAC - Programa Nacional de Apoio à Cultura PSB - Partido Socialista Brasileiro PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira PT - Partido dos Trabalhadores PTTFIX - Ponto Federal de Interconexão de Redes RAP da Saúde - Rede de Adolescentes Promotores da Saúde/SMSDC/CEDAPS RECULTURA - Frente Parlamentar para a Reforma da Cultura/RJ RNP - Rede Nacional de Ensino e Pesquisa SAI - Secretaria de Articulação Institucional SAV - Secretaria de Audiovisual SCC - Secretaria de Cidadania Cultural SEAC - Secretaria de Assuntos Culturais SEC - Secretaria da Cultura SEGIB - Secretaria Geral Ibero-Americana SICONV - Sistema de Gestão de Convênios e Contrato de Repasses SID - Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural/MinC SIES - Sistema de Informações em Economia Solidária SIPS - Sistema de Indicadores de Percepção Social SMSDC - Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil SNC - Sistema Nacional de Cultura SPHAN - Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional SPPC - Secretaria de Programas e Projetos Culturais do Ministério da Cultura TEIAS - Encontro nacional dos Pontos de Cultura UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro UnB - Universidade de Brasília UNE - União Nacional dos Estudantes UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas USP - Universidade de São Paulo Lista de mapas Mapa 1 - Pontos de Cultura no Brasil (2009) Mapa 2 - Expansão dos Pontos de Cultura no Estado do Rio de Janeiro (1º. Edital MinC/ 2004 e 1º. Edital Governo do Estado RJ/2008) Mapa 3 - Pontos de Cultura no Município do Rio de Janeiro (1º. Edital MinC/2004) Mapa 4 - Pontos de Cultura na região central, norte e sul do Município do Rio de Janeiro (1º. Edital MinC/2004) Mapa 5 - Pontos de Cultura no Município do Rio de Janeiro (1º. Edital MinC/2004 e 1º. Edital Governo do Estado RJ/2008) Lista de gráficos Gráfico 1 - Pontos de Cultura por 100 mil habitantes e Unidade da Federação Gráfico 2 - Pontos de Cultura por 100 mil habitantes e Partidos Políticos nos Governos Estaduais/Distrito Federal Gráfico 3 - Número de Pontos de Cultura, Pontões e Redes, por Unidade da Federação e Tipo de Rede Gráfico 4 - Número de Pontos de Cultura, Pontões e Redes, por Região e Tipo de Rede Gráfico 5 - Bolsa Agente Cultura Viva Gráfico 6 - Prêmio Areté de apoio a pequenos eventos Lista de tabelas e quadros Tabela 1 - Pontos de Cultura por Região e população Tabela 2 - Número de Pontos de Cultura, Pontões e Redes, por Unidade da Federação e Tipo de Rede Tabela 3 - Número de Pontos de Cultura, Pontões e Redes, por Região e Tipo de Rede Tabela 4 - Situação do conveniamento dos Pontos de Cultura até setembro de 2010 Quadro 1 - Diagrama sobre o Programa Cultura Viva Quadro 2 - Caracterização dos Encontros regionais (RJ/ES) e nacionais dos Pontos de Cultura Lista de figuras e fotos Figura 1: Brinquedo - primeiras ideias (Proposta 1) Figura 2: Brinquedo - primeiras ideias (Proposta 3) Figura 3: Brinquedo - primeiras ideias (Proposta 4) Figura 4: Brinquedo - primeiras ideias (Proposta 5) Figura 5: Brinquedo (Proposta Final / Síntese do processo coletivo) Foto 1: Processo de construção do mapa jogo em Vassouras-Pinheiral Foto 2: Jovens Agente Cultura Viva em oficina para elaboração coletiva de um brinquedo coletivo Foto 3: Parte das Equipes dos Pontos de Cultura Centro Lúdico, Quilombo Campinho/Paraty e Nhandeva, em convivência para elaboração de um brinquedo coletivo 1. Introdução A arte consiste em liberar a vida que o homem aprisionou. O homem não cessa de aprisionar a vida, de matar a vida...(Gilles Deleuze, 1989). Iniciamos este texto com o fôlego que o percurso da construção da tese nos trouxe, sobretudo por materializar aspectos de uma longa e profícua trajetória profissional no CIESPI1 e em especial no Ponto de Cultura Centro de Cultura e Educação Lúdica da Rocinha, parte do Programa Cultura Viva do Ministério da Cultura do Brasil (MinC), como um dos maiores desafios a que nos propusemos. Ao oxigenar as experiências apreendidas até aqui, o que nos ecoa mais forte é o desejo de compartilhálas e contribuir para a construção de políticas públicas não só mais próximas das pessoas e das suas demandas, mas também vislumbrar a construção de uma sociedade mais equitativa. Situado em um contexto de prática social, cultural e de militância 2, ressaltamos alguns aprendizados, como o de que o conhecimento é produzido por várias pessoas, por um coletivo, e também pela dinâmica da própria vida em que os processos invariavelmente não estão isolados. Não se trata de negar a experiência e a reflexão individual, mas de situar as implicações das práticas no fluxo do fazer e no reconhecimento das partes contidas na totalidade da experiência humana. Paradoxalmente, o lugar da compreensão racional é o do controle, o da classificação e o do estático, mas que, somado às descobertas advindas de uma 1 Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância/CIESPI, onde participamos da coordenação de projetos de pesquisa desde 1996 e do qual fizemos parte da Secretaria Executiva. 2 Nesse caminho destacamos a participação em fóruns públicos desde 2001. Em 2003, iniciamos a participação na Comissão de Políticas Básicas do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA/RJ) como membro da Rede Rio Criança, voltada para a questão das crianças e adolescentes em situação de rua, e do Fórum de instituições da sociedade civil que atuam na área da infância e adolescência (Fórum Rio). A partir do diálogo com conselheiros acerca da deliberação de Políticas Públicas, passamos a colaborar no debate e na elaboração da política de atendimento para crianças e adolescentes em situação de rua nas gestões 2003 a 2005 e 2005-2007 do CMDCA/RJ. Em 2006, participamos da fundação do Fórum dos Pontos de Cultura e da organização dos seus encontros regionais. percepção sensorial, nos permite maior proximidade com as histórias e o conhecimento em movimento. E também o lugar da vida, permitindo a reflexão sobre o vivido e sobre o que é produzido no cotidiano, principalmente por nos envolver por inteiro em labirintos, cujas saídas são encontradas à medida que são construídas de forma conjunta. A experiência na constituição de um Ponto de Cultura em interação com outros Pontos que enfrentaram as mesmas problemáticas possibilitou o desenvolvimento da percepção de que a aproximação e o afastamento nos trazem diferentes ângulos e perspectivas dos problemas que compreendem mudanças que ocorrem a todo o momento. Isto, em contraposição à velocidade, vertigem contemporânea que nos impõe uma produção incessante, alienada e aprisionada ao objeto “recortado” de uma realidade muito maior e complexa. Estas são constatações advindas de uma maior “consciência” das sucessivas e ininterruptas mudanças na realidade, ou ao contrário, diante da percepção de que às vezes tudo parece igual, mesmo não sendo, o que realmente passa a fazer diferença é a maior possibilidade que passamos a ter de fazer escolhas sem sermos simplesmente arrastados pelas circunstâncias. Somente assim, podemos criar, e nossas buscas tornamse mais claras. Ou seja, ao que aspiramos, quais os problemas com que nos deparamos, como cada pessoa, encontro ou acontecimento nos afeta. Saímos da inércia. Passamos a reconhecer cada fragmento, registrando os mais significativos, que nos marcaram, mas que a princípio nos pareciam confusos, confirmando a importância da totalidade. Assim, optamos por delimitar algumas experiências, sem pretender esgotar a riqueza dos processos de criação nos Pontos de Cultura, mas refletir sobre algumas potencialidades e limitações. Enquanto digressões que se conectam com o conteúdo apresentado, ressaltamos alguns tópicos nos capítulos denominados de “Entre”, que consistem em reflexões que se configuram como conexões e fornecem o terreno para o entre-lugar, onde se torna possível evitar a política da dicotomia e emergir com possibilidades de reflexões que nos apoiam neste estudo. A experiência vive nas práticas sociais, nas histórias contadas, nos corpos, nas expressões mais diversas, nos espaços habitados e abandonados. Pensar a arte e a cultura para além do caráter instrumental, enquanto possibilidade de emancipação, não única, mas em conjunto com outros direitos básicos implica valorizar a sua importância e o seu papel na criação humana. A arte e a cultura como uma das formas de conhecimento é uma das maneiras de acessar a realidade, uma percepção sensível que 18 não apenas traz à tona tensões invisíveis, mas que também envolvem outros aspectos, dentre os quais ideológicos, que requerem análise crítica e atenção. Isto envolve também sair do lugar do eu e assumir um lugar no fazer conjunto, afirmando a alteridade, a partir do nós, que surge invariavelmente do desejo de superação de uma realidade vivenciada, sobretudo, contra a dominação de uns sobre outros e em prol da dignidade humana. Assim, o compromisso com a transformação da sociedade, em que pese a superação das condições de opressão e miserabilidade é o ponto de partida para guiar nossas reflexões, para além da compreensão do funcionamento da sociedade, e em busca de possibilidades enquanto resistência criadora, principalmente na criação de alternativas que enfrentem as desigualdades. Desde que a nossa prática começou a nos instigar, principalmente no caminho com os Pontos de Cultura, experimentamos movimentos se fazendo, se gestando e se extinguindo sucessivamente. Desdobramentos e convergências inscritas em saberes, sons, movimentos, palavras, frases, encontros, histórias, imagens, trocas. Tradicionais ou reinventadas a Cultura Viva e entrelaçada ressurgia no desejo de conhecê-la mais de perto. Composições híbridas desviadas, ignoradas e até desconhecidas do próprio brasileiro, esquecimentos naturalizados enquanto parte de um jogo político que invariavelmente reproduz narrativas extenuantes, que fazem esquecer aquilo que não se fala ou não se registra: histórias relegadas à margem da memória oficial que temos da história do país. Rememorando todo o caminho que percorremos sempre em companhia das questões e inquietações iniciais que nos mobilizaram, valorizamos os aprendizados sobre o contexto e o que se impunha enquanto problema de um coletivo e não apenas pontual ou individual. Além disso, outras inúmeras questões foram se colocando e a cada leitura, a cada experiência o que mais ficava forte eram as incertezas. No início deste estudo, nossa primeira afirmação era a de que os projetos sociais ligados aos programas/políticas públicas culturais eram novos sujeitos sociais coletivos, e nos perguntávamos quais eram as possíveis resistências. Que ações instituintes contestavam o instituído e o opressor sistema de desigualdade social em que vivemos, principalmente diante da força e exuberância das manifestações artístico-culturais nos Pontos de Cultura? Em seguida, após constatar que as resistências existiam, apesar das condições materiais de produção e reprodução, serem tão efêmeras e fugazes quanto a incessante produção de novos desejos e necessidades que nos aprisionam neste sistema, tempo e 19 contexto, compreendemos que, uma forma de resistir era, principalmente, problematizar o que estava instituído e colocado como inquestionável, além das inúmeras criações tão presentes, mas também tão distantes do conhecimento da sociedade em geral. E então nos fizemos outras perguntas. Como aliar lógicas que, a priori, são contraditórias, como a da arte e a da cultura, linguagens vivas e processuais que se caracterizam por não anteciparem os resultados com a lógica das políticas públicas que exigem controle e resultados? Ou seja, nos interessava entender como os Pontos de Cultura se apropriavam do Programa Cultura Viva e, assim, uniam estas lógicas, porém com inúmeros impasses. Estas questões suscitaram outras3, como a de que: a cultura é finalidade e a política é apenas um dos meios? Ou a cultura ainda serve como instrumento para inúmeros fins, dentre eles os políticos? Tácitas, por fim, estas questões nos levaram a considerar que: quase sempre o caminho que se destina à cultura e à arte se apresenta como naturalizado, que é o da mera instrumentalidade, em que a cultura está a serviço de algo e não por ela mesma, mesmo que nos discursos se defenda verborragicamente o contrário, ou ainda como uma ordem acabada. Isto passou a nos incomodar de uma maneira mais proeminente, pois o caminho do pragmatismo, geralmente, impede o desenvolvimento da maior parte da riqueza de um processo que exige tempo, espaço e liberdade. Afinal, num país tão desigual quanto o Brasil é comum ouvirmos que a cultura tenha que salvar, que profissionalizar, ou tantas outras coisas. Ter o direito de apenas usufruir dela, de experimentá-la, de criá-la e de escolhê-la, sem nenhuma outra obrigação ou condição é algo bastante distante para a maioria das pessoas. Especialmente para as pessoas das classes trabalhadoras pobres, que, ao se destacarem em determinada área cultural, a ponto de serem reconhecidas como “talentosas” são quase sempre consideradas como frutos de um milagre ou como raras exceções, ou ainda, portadoras de um dom excepcional. Desconsideram-se as diferenças sociais e econômicas, a própria condição de classe que as impede de ter igualdade de 3 Segundo Thompson (1981), os fenômenos estão sempre em movimento, “que evidenciam mesmo num único momento - manifestações contraditórias, (...) assim como o objeto de investigação se modifica também se modificam as questões adequadas” (1981, p. 48). O autor discute proposições que o distinguem pela elaboração de categorias articuladas numa totalidade conceitual, na direção de um conhecimento em desenvolvimento, que se dá tanto pela teoria quanto pela prática. “Assim como o ser é pensado, também o pensamento é vivido” (Idem, p. 17). 20 oportunidades e o desenvolvimento das suas habilidades. Falamos da maioria da população. Assim, para além de fáceis e ligeiras classificações, que geralmente consideram as ações dos Pontos de Cultura como parte de políticas “assistencialistas”, “focalizadas” ou “seletivas”, buscamos apreender estas ações como pontos de partida, como possibilidades diversas e livres de criação e fruição das manifestações artísticas e da cultura em seu sentido ampliado, importante constatação a ser considerada nas políticas culturais. São ações que inclusive contestam estes rótulos, por estarem ainda em processo, não como mera oposição, mas como metáfora de todas as opressões, que nos impedem de alcançar a equidade e a liberdade, sobretudo, numa sociedade, onde imperam valores relacionados a sua utilidade prática e imediatista ou que remetem à esfera empreendedora do mercado como única saída. Desta forma, somos induzidos a produzir, reproduzir e consumir padrões estéticos e técnicas pré-definidas, por uma indústria já consolidada que impõe padrões e inovações que induzem ao consumo, por meio de estratégias de marketing e de negócio, que se irradiam no mercado, e/ou pelos supostos saberes e culturas já consagrados enquanto “corretos”, “verdadeiros”, “universais”, ou “eruditos”, e que desvalorizam os demais. A política de editais públicos, em substituição às leis de incentivo emblematizadas pela Lei Rouanet, embora exijam aprimoramento, vem permitindo o início de um processo de ampliação do acesso à cultura em todo o País, rompendo barreiras que em princípio incomodam as estruturas já instituídas de distribuição de recursos. As organizações não-governamentais, os movimentos sociais, os grupos artísticos e manifestações culturais captam demandas cotidianas, invariavelmente muito distantes do Estado, viabilizando que os movimentos organizados encaminhem questões relevantes e afinadas com a dinamicidade da realidade social. São subsídios importantes para a construção de políticas públicas coerentes com estes processos, além da possibilidade da criação de alternativas de transformação do sistema social em que vivemos, bem como dos próprios mecanismos que os geraram e os mantém. Deste modo, o compartilhamento das experiências se tornou central neste estudo. Em especial as criações coletivas, cujo exemplo mais concreto é o dos brinquedos construídos na itinerância, tanto física, quanto do pensamento com os Pontos de Cultura. Partimos do Ponto de Cultura da Rocinha, em interação com outros, além da organização conjunta de projetos, reuniões e encontros regionais e nacionais 21 dos no âmbito do Fórum dos Pontos de Cultura do Estado do Rio de Janeiro e Espírito Santo. Assim, os projetos sociais culturais e de pesquisa de que participamos sempre nasceram de alguma inquietação com o já-determinado, com os processos ditos inquestionáveis, como os rótulos e preconceitos que se perpetuam e que enfatizam a falta, as fragilidades e as “carências”. Assim, obscurecem as forças e as possibilidades de criação e de transformação da vida, em condições mais dignas para todos. Diante da pluralidade cultural e das desigualdades sociais, nos soava incoerente e destoante os modelos, as tentativas de controle, e de adequação, de tornar “produtivos” e “replicáveis” determinados processos, quase sempre impostos por alguma instituição ou algum saber considerado superior. Deste modo, traçando afetos, escritas, reflexões e experiências, encontramos nos Pontos de Cultura possibilidades de interação e construção de um conhecimento e de processos mais sintonizados com o coletivo e com o incessante movimento da vida, além da possibilidade de refletir sobre as políticas culturais, no singular contexto brasileiro. Em torno de um encontro entre este estudo e a experiência que nos toca e transforma, construímos o conjunto deste texto. Muito além das falsas harmonias que insistem em reificar a vida, o período do doutorado, enquanto um momento singular de reflexão, favoreceu o confronto das inúmeras questões e inquietudes, muitas serenadas pelas leituras, pelos autores, pelas trocas e pelos próprios encontros, que demarcam a tônica desse percurso. Muitos foram os momentos em que nos sentimos desafiados, tamanha a complexidade e riqueza da pluralidade da cultura brasileira, com a qual convivemos. Distinções e aproximações que exercitaram a nossa capacidade de indignação e de perseverança. Embora o Cultura Viva seja um programa de acesso aos meios de formação, criação, difusão e fruição cultural, cujos parceiros imediatos são agentes culturais, artistas, educadores, dentre outros profissionais e militantes que compreendem a cultura não somente como linguagens artísticas mas também como direitos, modos de vida e possibilidade de uma economia outra4, focalizaremos neste estudo a importância do âmbito da criação cultural sem que esteja subordinada a outras áreas ou funções. 4 Como a Economia Solidária, a troca de serviços e apoio entre os Pontos, a estruturação do Sistema Nacional de Cultura que efetive diferentes formas de apoio a produção cultural, além da necessidade da criação de um novo marco legal para regulamentar as novas relações de trabalho geradas pela arte e pela cultura. 22 Interessa visibilizar a formação dos sujeitos e artistas para a vida, e não de talentos ou a promoção do sucesso, o que pode acontecer, porém, não é o nosso foco. Considerada crucial, a cultura e as manifestações artísticas podem produzir controle ou liberdade e se situam no limiar de serem instrumentalizadas em benefício de algo, sendo, muitas vezes, distorcidas e convenientes a manutenção do instituído e dos saberes e poderes vigentes e hegemônicos que reproduzem desigualdades. Assim, temos como pressuposto a possibilidade dos Pontos de Cultura serem o lugar da criação e da não instrumentalização da cultura, sobretudo sem a exigência do produto em si, mas onde o processo vivido por um coletivo é o mais importante, uma vez que são ampliadas as perspectivas, a possibilidade de escolha e de horizontes. O desconforto que provocou este estudo foi à percepção de que, nas relações presentes nestes locais, particularmente as que se desenvolvem em e com comunidades de favela, de periferia, ou do interior, as diferenças de ordem cultural, linguística, social e econômica, têm sido, histórica e concretamente, produzidas a partir e como desigualdade social, hierarquização, mantendo o isolamento e reproduzindo a homogeneização. Os espaços dos Pontos de Cultura seriam possibilidades de consolidação de entendimentos outros, em que as diferenças não fossem percebidas como dons ou excepcionalidades, ou ainda como deficiências ou carências. A realidade das demais instituições sociais, como a escola, tem dificuldades de absorver a diferença e a liberdade, que a arte e a cultura trazem e propõem, e invariavelmente reproduzem, no âmbito das classes populares, histórias de fracassos, em que crianças, adolescentes, jovens, e as pessoas em geral são culpabilizadas por sua própria condição. A possibilidade de pensar os processos desencadeados no âmbito da educação/criação não formal envolve muitas polêmicas. A sua alusão explica-se por objetivar uma referência aos processos de aprendizagem que ocorrem fora do ambiente escolar regular, baseado em sistemas formalmente estruturados ou institucionalizados. A escolha por este termo, educação não formal, facilita a diferenciação da educação formal que ocorre nas escolas, e também na educação informal, aquela em que se aprende por meio da socialização cotidiana na família, nos grupos de amigos, nas igrejas e na própria convivência nas escolas, dentre outros. Na educação não formal destaca-se uma intencionalidade na ação: os sujeitos querem e decidem aprender e trocar sobre um assunto (Gohn, 1999), em cuja definição acrescentamos a instauração 23 de processos de criação, como os que ocorrem nos Pontos de Cultura, lócus desta análise. No entanto, enfatizamos que não se trata de aprofundar a relação entre cultura e educação, nem de confundi-las, mas de admitir que, mesmo sem a intenção pedagógica formal ou instrumental como fim, em espaços como os Pontos de Cultura, a arte e a cultura teriam considerável alcance educativo e, sobretudo, social. Assim, ao destacarmos o âmbito da criação coletiva e livre, evitamos que a cultura seja instrumental ou mero recurso. Ela é entendida enquanto experimentação, diversão, em que se exerce o direito de ser criança, jovem, adulto ou velho que possam exercitar práticas culturais que potencializem suas experiências, conhecimento e saberes diversos. Situada no âmbito da experiência e da experimentação, nos interessa demonstrar a relação destas questões com os Pontos de Cultura e as políticas culturais. Assim, contaremos ao longo deste texto com alguns, dentre os inúmeros, Mestres Griôs, Tuxáuas5, Jovens Agentes Cultura Viva, Pontistas ou Ponteiros (pessoas oriundas dos Pontos de Cultura), cujas apreciações, práticas e experiências são imprescindíveis para a composição deste estudo. Enfatizamos, no entanto, a menção de uma pequena parte, dentre tantas outras, da intensa obra nacional, sábia, ligeira e por isso, não menos complexa e instigante, tal como a pluralidade da cultura brasileira nos inspira, inquieta, e às vezes até destoa, por ser original. Tradições e riquezas, forças que foram subestimadas e fragilizadas historicamente, cujas histórias, lutas e coragem não são veiculadas e, portanto, não são apropriadas e/ou valorizadas pela maioria da população brasileira. Interessa refletir sobre o caráter qualitativo e processual das ações, principalmente para subsidiar o processo mais amplo da construção e acompanhamento das políticas públicas culturais, sem adequar estes grupos às lógicas capitalistas, mas nos apoiarmos em outras lógicas, solidárias e equitativas, para além do instituído. Buscamos evidenciar o que constatamos nas ações, para além dos discursos, das concepções elaboradas e sistematizadas, do aparato criado, mas também da ruptura 5 Tuxáua, termo de origem tupi guarani, que também pode ser “murumuxaua” ou “tubixaba”, tem o sentido original de liderança, aquele que “arregimenta vontades” dentro do seu grupo étnico. O termo foi retomado e “apropriado” pelo Ministério da Cultura em 2009, por meio do Prêmio Tuxáua Cultura Viva, que premiou pessoas com um histórico de mobilização no contexto do Programa Cultura Viva, cujas propostas se baseavam na continuidade das ações de mobilização e articulação em rede. 24 trazida pelo Programa Cultura Viva, e pelo MinC, no cenário da cultura no país, com base nas duas últimas gestões do governo federal. Ressaltamos que a maior dificuldade encontrada nesta trajetória foi delimitar o objeto de estudo, escolhas que em determinados momentos nos pareciam “erradas”, mas que também nos ensinaram e nos fizeram refletir sobre as inúmeras dúvidas, caminhos e algumas poucas certezas. Deste modo, dialogamos com autores que nos pareceram abertos, que nos inquietaram e nos mobilizaram, em vez de nos trazerem respostas prontas ou pretensamente verdadeiras, e que, sobretudo, nos inspiraram a caminhar. Autores que de certa forma, acolheram nossas fragilidades e o incessante movimento que nos unia e nos diferenciava, tendo como perspectiva empírica os Pontos de Cultura, mais especificamente o Ponto de Cultura Centro de Educação Lúdica da Rocinha e as experiências vivenciadas com os demais Pontos do primeiro edital de 2004 do Programa Cultura Viva/MinC, localizados no Rio de Janeiro, e fundadores do Fórum dos Pontos de Cultura na região. Situamos também a relação com os Pontos de Cultura em âmbito nacional, uma vez que as itinerâncias entre os Pontos, nos seminários, nos encontros regionais e nacionais propiciaram o diálogo, as trocas, a interação e a realização de atividades conjuntas. As escolhas deste estudo compreendem a relação que estabelecemos anteriormente ao convênio com o MinC, que tornou parte das ações do projeto Rede Brincar e Aprender/CIESPI, do qual participávamos, em um Ponto de Cultura Centro de Educação e Cultura Lúdica da Rocinha. As questões e problematizações foram compostas nessa relação, sendo inerente a todo o processo, a convivência e as práticas. Ao longo deste processo de pesquisa, constatamos implicações que envolviam as relações entre cultura, política, diversidade e interculturalidade, experiências, relações de poder e a questão do acesso, fruição e produção cultural, dentre inúmeras outras que escapam ao alcance desta pesquisa. Assim, as correlações que estabelecemos entre o desenvolvimento das políticas culturais e os processos coletivos nos Pontos de Cultura nos apontaram perspectivas e questionamentos sobre a produção de relações hierarquizantes, explicitadas em dificuldades de acesso (burocracias) aos recursos e bens públicos, bem como possibilidades no processo de reconhecimento e valorização dos sujeitos como produtores de cultura, e não apenas como meros reprodutores e/ou consumidores de uma cultura já consagrada. Questões relacionadas à efetivação ou não dos direitos, delineando uma compreensão de como as políticas culturais ainda estão distantes da maioria da 25 população, instaurando questionamentos sobre como isto se naturalizou. Advinda da preocupação com a contínua produção do parâmetro da eficiência e pragmatismo na área social e cultural, além da simultânea produção/reprodução dos mecanismos de controle/burocráticos no acesso aos direitos, este estudo enfatizará a dimensão da criação no cotidiano do Ponto de Cultura da Rocinha e sua interação e produção com outros Pontos de Cultura no Estado do Rio de janeiro. As metodologias ou “jeitos de fazer” no Ponto de Cultura são construídos durante os processos, sem que se utilizem, a priori, modelos que poderiam direcionar ou impor caminhos, ou ainda, antecipar obrigatoriamente uma produção de “resultados”. Desta forma, nos interessou aprofundar em que medida estas práticas afirmam outra lógica, não tutelada, e muitas vezes, localizada geopoliticamente fora dos centros do poder. Partimos ainda da crença de que não é profícuo, como os modismos conjunturalmente disseminam, eleger a cultura como “central” e como “recurso”, algo que a isola, tornando-a ora “salvacionista”, ora “instrumental”, logrando mais do que esclarecendo a complexidade dos processos sociais, que envolvem questões econômicas, políticas, sociais, e, portanto, de hegemonias e contra-hegemonias ou de resistências. Assim, enquanto um labirinto, o processo de construção da pesquisa e análise neste estudo tomou outras dimensões diante das inquietações sobre o que realmente permeava a produção de discursos sobre a eficiência e ou controle dos projetos culturais associados à cidadania (como no caso do Programa Cultura Viva), tornando-se crucial conhecer quais as possibilidades de resistência ou de entre-lugares que realmente se configuram em ações instituintes e se contraponham a produção de relações tuteladas e de controle: a possibilidade de criação e o exercício da cultura por ela mesma. O interesse e foco nos processos de criação que se efetivam nos Pontos de Cultura levaram-nos a delimitar, mais precisamente, a criação de outras possibilidades de reflexão, a partir da análise e socialização de experiências vividas nesse âmbito como referencial empírico e perspectiva a partir da qual falamos. Estabelecemos a partir daí uma relação que busca ser dialógica, enquanto relação de troca, aliando os nossos interesses acadêmicos aos interesses específicos e também coletivos envolvidos, tanto políticos quanto utópicos. Apesar de todas as dificuldades impostas pelo contexto, pelas situações vividas e também por nossas próprias limitações, não se trata de estudar para tentar aplicar algo, mas de considerar possibilidades de mediação dialógica nas relações 26 que envolvem ações de políticas culturais, construções polifônicas de conhecimento, sujeitos e saberes plurais. Estes processos estão em curso nos Pontos de Cultura, tentativas e criações coletivas com base nas experiências vivenciadas, cuja continuidade e descontinuidade, remetem às configurações das políticas culturais buscando encontrar conjuntamente as formas de tornar possível um fazer coletivo, solidário e transformador. Não se trata de considerar que exista algum modelo ou linguagem artística que seja em si libertadora, mas de buscar, e de querer compartilhar possibilidades cotidianas de tessituras de relações equitativas que possam produzir outros efeitos de saber e de poder, e, portanto, de emancipação e autonomia. Enquanto espaços politizáveis e alternativos que possam incorporar efetivamente as demandas, os desejos, as diferenças, e que permitam a quaisquer pessoas a criação e não apenas o consumo de algo que é imposto, naturalizado e alheio. No segundo capítulo, apresentamos alguns autores, artistas e intelectuais militantes, como representantes de pensamentos-movimentos que refletiram e agiram em prol da cultura brasileira, sobretudo a sua relação com a política, com a arte e a cultura, na emergente formação da nação. Os questionamentos libertários sobre estas questões, bem como a indissociabilidade entre cultura e política, caracterizaram os movimentos artísticos, culturais e intelectuais como antecedentes das políticas culturais brasileiras. Abordamos também a relação de alguns intelectuais detentores de um saber relacionado à identidade nacional, com o Estado, contexto em que se delineia o árduo e recente processo de construção das políticas culturais no Brasil. O que empreendemos ao longo do terceiro capítulo foi cotejar o lugar da cultura no Programa Cultura Viva e os elementos considerados cruciais para a formulação de políticas culturais. O foco no Programa Cultura Viva, cuja principal ação é o Ponto de Cultura, seus antecedentes, mudanças, composição, forma de acesso, ações transversais, e alguns dados estatísticos, também compõem o segundo capítulo, configurando a o cenário histórico e atual, lócus em que se tece este estudo, onde as experiências constituem as questões que aqui serão tratadas. Além disso, apresentamos dados e informações que nos apoiaram no desenvolvimento das reflexões e na visualização dos desafios ainda presentes. Situamos o conteúdo dos diversos editais do Programa Cultura Viva, contexto em que desenvolvemos a análise das experiências nos Pontos de Cultura, além de apresentar 27 alguns dados nacionais que ilustram a capilaridade, incidência, limites e desafios do programa. No quarto capítulo priorizamos o debate sobre os processos relacionados às experiências coletivas nos Pontos de Cultura, abordando a constituição dos Pontos, os sujeitos do processo, cujos relatos são intercalados com a problematização dos termos da diversidade e da interculturalidade crítica, permeados pelas relações de poder e o conceito de experiência. Aqui desenvolvemos reflexões que perpassam as ações do Programa Cultura Viva, suas criações, intercâmbios e experimentações nos Pontos, como um contraponto ao risco da instrumentalização da cultura. Por fim no quinto capítulo, delimitamos os encontros regionais e nacionais dos Pontos de Cultura, bem como a constituição do Fórum dos Pontos do Estado do Rio de Janeiro que compõem as reflexões sobre a organização política deste coletivo, suas contradições e impasses. Questões e problemas que perpassam relações de saber e poder, permeadas pelos encontros e pelos enfrentamentos com o aparato burocrático, configurando algumas das reivindicações mais comuns. Ao escolher falar a partir das diversas experiências com os Pontos de Cultura, não os consideramos um espaço acabado, mas um lugar de possibilidades, de criação e de enunciação do diverso, geralmente pulverizado no cotidiano, onde estão invisíveis e inúmeras capacidades inventivas. Ao viabilizar possibilidades da emergência de outras histórias e geografias, não se pretende substituir uma verdade por outra, mas, compartilhar o silenciado, considerado vazio, relegado a um segundo plano ou suprimido, sem, no entanto considerá-los únicos ou panacéia, mas que podem vir a se configurar em alternativas. Alguns autores nos trazem elementos para entender a incessante produção subalterna do outro, diante de todas as ambivalências inerentes a esses processos. Dialogamos com várias perspectivas críticas que consideramos abertas ao diálogo, como os autores, artistas e militantes brasileiros abordados no segundo capítulo, bem com outros como Foucault e Walter Benjamin, os quais, embora reflitam sobre um determinado contexto e tempo histórico, identificamos aproximações com o pensamento Catherine Walsh, cuja realidade mais próxima e atual, sul-americana, apresentou similaridades e diferenças que se tornaram proximidades de um diálogo crítico. Destacamos que a escolha destes interlocutores corresponde ao fato de que não se pretenderam modelos ou fundadores de nenhuma nova discursividade, mas questionaram paradigmas e verdades colocadas como absolutas. Ainda em comum, 28 nestas múltiplas contribuições, situamos a crítica à racionalidade moderna, realizada muitas vezes no interior e do interior do sistema, mas que também buscam o seu exterior, críticas que supõem rupturas políticas e epistemológicas que envolvem relações de saber-poder. Abordar brasileiros, latino-americanos e europeus, consiste em acionar referências geopolíticas diferenciadas. Mas, também supôs incorporar a ousadia que nos inspiraram ao se referirem aos jogos de saber-poder e dos saberes não hegemônicos, mas legítimos de parte da população, que geralmente não são considerados. Enquanto interstícios e em construção, evitamos as cristalizações de identidade dos sujeitos, em que se exigem padrões ou normalidades impostas, posições únicas ou modelos, mas como entre-lugares6 que são espaços/tempos liminares, potencialmente inovadores, que intervêm para transformar o próprio cenário de articulação. É o espaçotempo de encontro que possibilita a emergência do múltiplo, do polifônico cultural e da diferença, sobretudo confrontando o estereótipo da subalternização, tutela ou do assujeitamento, promovendo reconstruções como possibilidade de ressignificação da história, do cotidiano e das relações, transformando-as. Preocupávamos em entender os processos que são produzidos na articulação das diferenças culturais, elementos que nos faziam duvidar dos sentidos consagrados e hegemônicos e das fatalidades propagadas, nos impelindo a investigar e questionar a nossa própria prática reelaborando-a. O comprometimento ético-político suscita a necessidade de cruzar fronteiras, questionando sistemas de dominação, tornando os conflitos mais visíveis, e, portanto, visibilizando diferentes demandas. Isto, sem determinar ou enfatizar o certo ou o errado, o verdadeiro ou o falso, tão enraizados e fortes na cultura e hierarquia ocidental, mas, considerando a criação histórica incessante de relações, cujos efeitos produzem poder. Ao abranger os múltiplos referenciais disponíveis, pretendemos enriquecer o entendimento sobre a 6 O termo entre-lugar foi concebido por Bhabha, originalmente in-between (1998) e utilizado por Silviano Santiago (1978) sobre o papel do intelectual periférico latino-americano no âmbito da literatura. Os “momentos ou processos que são produzidos na articulação de diferenças culturais” inspirados por Bhabha (1998, p.20), entre-lugares são os interstícios, o liminar, o contingente, a passagem: “fornecem o terreno para a elaboração de estratégias de subjetivação singular ou coletiva - que dão início a novos signos de identidade e postos inovadores de colaboração e contestação” (idem, p.20). É o espaço de fronteira, com possibilidades de ultrapassá-la, é o entre: “o fio cortante da tradução e da negociação, o entre-lugar que carrega o fardo do significado da cultura, onde se torna possível evitar a política da polaridade e emergir como os outros de nós mesmos” (Bhabha, 1998, p.69). Emergem assim, possibilidades de transformar o contexto de articulação e de mobilização. 29 complexidade da realidade em que vivemos e atuamos, sendo, por isso, produzida por diferentes sujeitos. As escolhas deste estudo consideram a intrínseca relação entre o social, o cultural, a esfera da criação, da experimentação, da experiência e da política que envolvem relações de saber e poder. Assim, a pesquisa realizada nos Pontos de Cultura baseou-se na compreensão da cultura como um movimento de criação, para além da produção voltada para o mercado e da lógica privada, distinguindo as escolhas livres na ocupação do tempo, valorizando a lógica coletiva e pública, criando alternativas de formação e criação à indústria do lazer e da cultura. A intenção é trazer para a área do Serviço Social questões e abordagens, com o intuito de contribuir com outras ferramentas na busca de alternativas de ação, pensadas e operacionalizadas como possibilidades de relações interculturais, dialógicas, ou como entre-lugares que valorizem práticas e saberes, muitas vezes considerados subalternos ou desconsiderados. O percurso deste estudo nos levou ao entendimento de que são possíveis outras leituras sobre a utilização da cultura enquanto finalidade e não mero instrumento pela via da produção e reprodução de mecanismos que impedem ou viabilizam o engajamento de grupos legítimos e a cultura por ela mesma. Nesse percurso de muitas dimensões, é que este texto foi sendo organizado. As inúmeras dificuldades enfrentadas na participação do cotidiano dos Pontos de Cultura, nos permitiram o aprendizado da atenção para as sutilezas que foram movendo caminhos e possibilidades de promoção de um saber em constante movimento, como uma das formas de interrogar e de enfrentar mecanismos opressores de saber e de poder. Assim, a metodologia utilizada abrangeu o acompanhamento desde 2004 da constituição e cotidiano de um Ponto específico, o Centro Lúdico da Rocinha, cujo contato se intensificou na convivência com diversos Pontos do Estado do Rio de Janeiro e do Brasil, via o Fórum dos Pontos, a criação conjunta de brinquedos e na participação em reuniões mensais de organização do Fórum e de suas ações, e em encontros regionais e nacionais. Neste processo, foram utilizadas complementarmente técnicas diversificadas de pesquisa, tais como registros de falas, de atas e dinâmicas de grupo, diários de campo, entrevistas, depoimentos, análise de documentos oficiais e reportagens on line, dados estatísticos, relatórios de atividades e de seminários. Todos derivados da participação no cotidiano, e também em atividades e reuniões com os demais Pontos de Cultura em 30 âmbito regional e nacional, nos eventos e Fóruns, além dos seminários nacionais e um seminário internacional do Programa Cultura Viva. A rigor, enquanto “observadora participante privilegiada”, tínhamos um papel social no processo com o levantamento de dados utilizados posteriormente na pesquisa, os quais propiciaram a reflexão de experiências significativas e que nos mobilizaram a empreender este estudo. Embora o nosso projeto de doutorado tenha iniciado com as ações que originaram o Ponto de Cultura Centro Lúdico da Rocinha, em interação com outros Pontos, e o contexto destes territórios sejam fundamentais, não produziremos um estudo aprofundado e linear das localidades, mas faremos referências em momentos oportunos, sobretudo aos processos anteriormente iniciados por moradores no sentido de registrar e reconstituir estas histórias, que perpassam outros recortes e aprofundamentos enfatizados pelos próprios moradores locais7. Além disso, iniciativas similares têm sido efetivadas pelos outros Pontos com os quais interagimos e citamos neste estudo, a exemplo dos livros Pontão de Integração Regional do PIM, denominado Raízes do Vale, cultura, memória e tradição editado em 2009 com a participação do Centro Lúdico da Rocinha e dos registros dos Pontos de Cultura Manoel Martins8 no Quilombo Campinho da Independência, em Paraty e da Associação artístico cultural Nhandeva9, e Jongo do Pinheiral10, Pontos com os quais efetivamos experiências de construções coletivas como veremos ao longo do quarto capítulo deste estudo. 7 Esta história envolve o registro já realizado em conjunto com moradores, como o livro Varal de Lembranças, as ações do Fórum de Cultura da Rocinha, que vem sendo apoiado pelo Ponto de Cultura Centro Lúdico, além de diversos moradores que vem se apropriando deste fazer, ao rememorarem e registrarem memórias a serem organizadas no museu comunitário da Rocinha, em processo de construção coletiva. 8 Este Ponto de Cultura já editou um livro denominado: Vivência de Saberes: Educação com arte e tradição oral. Projeto de educação do Ponto de Cultura Manoel Martins. Coord. geral do projeto: Laura Maria dos Santos. Coord. pedagógica: Patrícia Solari. Quilombo Campinho da Independência, Paraty, Rio de janeiro, 2008. 9 Ponto de Cultura Nhandeva - Recuperação da cerâmica guarani e seu registro áudio visual. Nhandeva em guarani significa “o que somos nós, os que são dos nossos, nossa gente, denominação guarani. Subdivisão do grupo guarani”. Livro Ymaguaré Mokôi po há mbohapy. Associação artístico cultural Nhandeva (Solari, Gonzalez, 2010). 10 Esta em curso a edição de um vídeo-documentário sobre o Ponto de Cultura de Pinheiral faz parte do Pontão de Cultura do Jongo/Caxambu/Unidade de Formação de Professores/UFF/Observatório Jovem/UFF, Laboratório de História Oral e Imagem/Núcleo de Pesquisa em História Cultural/UFF, que reune outras comunidades jongueiras da região sudeste com vistas à articulação e desenvolvimento de suas atividades por meio das ações de ensino, pesquisa e extensão universitária. 31 O processo coletivo supõe um caminhar mais lento, por respeitar o tempo e os saberes diferenciados, além disso, considerando que tudo está em constante transformação, o enfrentamento desta realidade cria e instaura dinâmicas que fomentam transformações que envolvem experimentações constantes. Embora o sonho de um mundo melhor esteja recorrentemente ameaçado pela insistência em se tratar assuntos importantes, como a dignidade para todos, como banalidades. Acreditamos que alguns espaços, dentre eles os Pontos de Cultura, possam ser férteis para experimentações, podendo ainda promover círculos de formação baseados na importância do papel da arte e da cultura na criação e desenvolvimento humano e societário. Como fonte de conhecimento, como forma de acessar o real e de ampliar horizontes, sem impor saberes, poderes ou hierarquias, a construção coletiva envolve a vivência de experiências, sem abdicar do papel do Estado e das políticas públicas e das transformações que promovam as diferentes potencialidades dos sujeitos, respeitandoas. Aprendo com abelhas do que com aeroplanos. É um olhar para baixo que eu nasci tendo. É um olhar para o ser menor, para o insignificante que eu me criei tendo. O ser que na sociedade é chutado como uma barata - cresce de importância para o meu olho. Ainda não aprendi porque herdei esse olhar para baixo. Sempre imagino que venha de ancestralidades machucadas. Fui criado no mato e aprendi a gostar das coisinhas do chão Antes que das coisas celestiais. Pessoas pertencidas de abandono me comovem: tanto quanto as soberbas coisas ínfimas. MANOEL DE BARROS Retrato do Artista Quando Coisa, Ed. Record, 1998 32 2. As políticas culturais no contexto brasileiro: ensaios e anseios O capitalismo é liberticida por definição (...) O que queremos: a independência da arte - para a revolução. A revolução - para a liberação definitiva da arte. Manifesto por uma Arte Revolucionaria Independente, 1938. Inspirado em Leminski, poeta, ensaísta e tradutor paranaense, o subtítulo deste capítulo - ensaios e anseios - está contíguo ao questionamento, à liberdade, à inquietude e ao processo que envolve a cultura, a criação e a política. A partir de pensamentosmovimentos que refletiram e agiram em prol da cultura brasileira, e a sua relação com a política, com a arte e a cultura, na emergente formação da nação, aborda-se neste capítulo os movimentos artísticos, culturais e intelectuais como antecedentes das políticas culturais brasileiras. São destacados os elementos considerados cruciais para a formulação de políticas públicas culturais no Brasil. Iniciamos com a abordagem do período do Modernismo brasileiro, nas décadas de 1920 e 1930, época de inúmeras experimentações e de valorização das diversas linguagens artísticas, em especial as populares. Abordamos também outros períodos subsequentes, porém marcadamente originários do anterior, e que apresentam correlações com o desenvolvimento das políticas públicas culturais contemporâneas, delimitadas para este estudo. Contextualizar a cultura no contexto brasileiro implica situar suas conexões, transversalidades e a indissociabilidade das demais áreas, sobretudo a social, bem como suas possibilidades e limitações. Assim, o intuito é compreender as transformações históricas e as implicações da arte e da cultura vinculadas às práticas sociais e, principalmente, às políticas públicas culturais no país. Optamos por uma abordagem não linear e sucessiva, mas fruto de um processo que incorpora diferentes autores, diferenças e contradições, evocando relações com os momentos históricos, para situar, sobretudo, a última década, foco deste estudo, e que envolve os Pontos de Cultura, principal ação/estratégia do Programa Cultura Viva (2004-2010) - Arte, Cultura e Cidadania, do Ministério da Cultura (MinC). 33 Este capítulo se propõe a desvendar esse processo, considerando a maciça presença dos esquemas de dominação na sociedade brasileira, dos dispositivos de poder e da desigualdade social. Tais macro-processos não são lineares, mas produzem dialeticamente reações e contraposições. Identificar as práticas e políticas implícitas em determinadas épocas do contexto brasileiro nos apoiará na compreensão de fenômenos contemporâneos, cruciais para o desenvolvimento deste estudo. Dentre os autores, destacamos alguns interlocutores, personalidades brasileiras que serão acionadas em diferentes momentos deste estudo, principalmente, por caracterizarem pensamentos-movimentos, realizados por meio de conjunções que afirmam com veemência peculiar a heterogeneidade do país, sua viabilidade, alegria, irreverência e capacidade de produzir, de festejar e simultaneamente de refletir. Muito mais do que conceitos acabados e inquestionáveis, nos inspiraram por meio do seu pensamento e militância, a abertura e a coragem para seguir caminhos cujas companhias foram muito fecundas e instigantes. Sem esquecer o rigor histórico que a abordagem destes autores exigiria, delimitamos alguns aspectos relacionados ao nosso tema, fundamentais as nossas buscas. A abordagem dos três autores artistas11 militantes corresponde a uma produção que não se ateve às formas tradicionais, além de estabelecerem um vínculo entre os movimentos artísticos e intelectuais, especialmente aqueles preocupados com a transformação social inconformados com a situação desigual do país. Não pretendemos esgotar a trajetória e a complexidade do pensamento e da produção dessas personalidades, mas destacar alguns textos e contribuições pertinentes para este estudo e para a cultura brasileira, principalmente enquanto criadores, artistas (escritores, poetas, ensaístas e músicos), militantes e intelectuais. Parte significativa desta produção pautava-se no movimento que norteava as manifestações artístico-culturais em curso no país, bem como incidirão de diferentes formas em épocas posteriores. 11 Optamos pelos artistas e autores aqui mencionados, sem desconsiderar outros importantes nomes da história cultural brasileira, mas que não serão aprofundados, a saber: Victor Brecheret na literatura, Anita Malfatti , Tarsila do Amaral, Candido Portinari, Di Cavalcanti na pintura, o Grupo de Santa Helena formado por Francisco Rebolo, Alfredo Volpi, Clóvis Graciano, dentre outros, e Vicente do Rego Monteiro, Antonio Gomide e Zina Aita, além de vários intelectuais importantes como Darcy Ribeiro e tantos outros. 34 2.1. Antecedentes: movimentos artísticos, culturais e intelectuais no âmbito da criação Inicialmente destacamos alguns expoentes que nos remetem a movimentos importantes no contexto brasileiro. Intervenções que antecedem a institucionalização das políticas culturais na década de 1930 e que se situam no campo das relações simbólicas, mas que interferem na política cultural mais ampla. Oswald de Andrade, que tem inspirado a tradição antropofágica de devorar as influências estrangeiras, transformando-as: um processo denominado de canibalismo cultural. Mário de Andrade, que abriu diferentes caminhos nas políticas culturais brasileiras, participando da criação de instituições que financiaram uma das primeiras expedições etnográficas no Brasil, destoando da orientação geral de uma formação clássica, erudita e eminentemente europeia. E, sobretudo, por ter inspirado as atuais gestões do Ministério da Cultura, de 2003 a 2010. E, por fim Mário Pedrosa, comunista e artista, que, desde a juventude, debateu arte e política como formas sublimes da expressão humana, propondo, assim, o engajamento militante e crítico como homem, mas sempre considerando a plena liberdade da criação artística. 35 2.1.1. Canibalismo cultural: Oswald de Andrade Oswald12 iniciou sua ação político-cultural como jornalista, lutou com os modernistas e se uniu ao partido comunista, voltando-se finalmente para a filosofia13, situando seus primeiros estudos em São Paulo. O Homem do Povo, periódico anarcocomunista é considerado um marco na fase politizada de Oswald. Fruto de uma fase de rompimentos, inclusive com velhos amigos, como Mário de Andrade, desentende-se com Paulo Prado, mecenas da Semana de 1922, dentre outros. A sede de O Homem do Povo, em São Paulo, foi atacada por estudantes em abril de 1931. Esses incidentes foram acompanhados pela imprensa. “Um justo revide dos estudantes de Direito contra os ataques de um antropófago” foi a manchete da “Folha da Noite”. Este periódico fazia referência à antropofagia 14, a “filosofia do primitivo tecnizado”, desenvolvida alguns anos antes pelo poeta que lançou, em 1928, o “Manifesto Antropófago”. Ao narrarem “a depredação nos escritórios da redação” e a intervenção da polícia, os jornais afirmavam que assim impediram o iminente linchamento dos diretores. Oswald tinha publicado violenta crítica à Faculdade de Direito afrontando o que considerava um “cancro” a minar a sociedade paulista. Assim também denominava os cafeicultores de São Paulo. Membro da elite, Oswald caracteriza a possibilidade, apontada por José Salvador Faro, de “o intelectual transcender seu lugar de classe e 12 Em 1912, uma viagem a Europa acendeu suas inquietações, proporcionando fundamentação teórica a suas posições agressivamente antiacadêmicas e em oposição ao homem cartesiano. Um dos precursores do movimento modernista que aboliu as exigências da métrica e da rima na poesia. Em 1917, conheceu Mário de Andrade no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, e em conjunto articularam a realização da “Semana de Arte Moderna” de 1922. Publicou os versos de Pau Brasil; e lançou a Revista de Antropofagia, a qual difundia os esforços libertários da cultura brasileira, que não poderia dispensar as expressões artísticas produzidas por outros povos. No entanto, era necessária uma atitude “antropofágica”, que em vez de imitar ou copiar, devorava, como os índios fizeram com o bispo Sardinha, que naufragou no litoral da Bahia. 13 Os principais ensaios sobre antropofagia encontram-se neste âmbito, segundo Augusto de Campos, que considera “a única filosofia original brasileira” (Campos, 1978, p. 124). O conceito de antropofagia foi uma estratégia para a discussão da cultura e do poder, cuja audaz abstração da realidade, propôs a “reabilitação do primitivo” no homem civilizado, devorador da cultura alheia transformando-a em própria e desestruturando oposições dicotômicas como colonizador/colonizado, civilizado/bárbaro, natureza/tecnologia. O canibal enquanto sujeito transformador, social e coletivo, produz a reescrita não só da história do Brasil, mas também da própria construção da tradição ocidental na América (Almeida, 2005). 14 A prática dos índios tupis inspira a criação do termo de antropofagia, que consistia em devorar os inimigos, que fossem considerados bravos guerreiros. Assim, ritualizava-se uma relação com a alteridade, que selecionava o outro em função da potência vital que a sua proximidade intensificaria, a ponto de absorvê-lo no corpo, para que sua virtude se integrasse à química da alma, promovendo o seu refinamento. 36 assim ultrapassar os limites impostos por forças econômicas e políticas” (Faro, 2007, p.15). Oswald era devastador em suas críticas. “A causa do comunismo, a que tinha aderido num movimento de ‘conversão’ (e com a exaltação dos ‘convertidos’), fortalecia-o na convicção da legitimidade de seus rompantes mais destrutivos: se a sociedade comunista era possível, em nome da revolução capaz de criá-la os golpes mais truculentos podiam ser considerados justos” (Konder, 1991, p.38). Idealizado juntamente com Patrícia Galvão (Pagu), o polêmico pasquim O Homem do Povo teve sua breve carreira encerrada, com apenas oito edições. O desafio lançado por Oswald de Andrade: “Tupi or not tupi” (1928), inscrito no Manifesto Antropófago, sugere importantes reflexões. Este texto foi uma resposta do escritor às questões postas pela Semana de Arte Moderna (1922), sugerindo que a renovação da arte brasileira nasceria da retomada dos valores indígenas, o que não significava a rejeição da civilização europeia, mas sua absorção como alimento, transformado em sangue e energia para uma cultura brasileira. Após a Revolução de 1930, Oswald radicaliza sua posição e passa a defender uma arte social. Ao se fazer um paralelo com o discurso da colonização e da catequese que incidia sobre o índio, observa-se que “no discurso das descobertas se falava do índio para se falar de tudo no Novo Mundo” (Orlandi, 1993, p.137). Conexões que envolvem o discurso da “pobreza, inclusão e exclusão” e estão presentes, portanto, mais ainda, no corpo das periferias e das pessoas. “O povo brasileiro é sempre visto como alguém que precisa ser transformado (...). Os projetos educacionais, por mais bem intencionados que sejam, costumam fazer tabula rasa dos conhecimentos e da vivência anteriores. (...) A população pobre é definida em termos de carência, pela ausência de alguma coisa e não pela presença de algo” (Paulilo, 1996, p.145-6, grifo nosso). Desta forma, no Brasil, temos muitos autores como Oswald, rebelde, irreverente e nem sempre bem compreendido, mas que teve um importante papel na história cultural brasileira. Oswald foi pioneiro, se insurgiu contra uma tradição literária conservadora e abriu caminho para a busca de formas de expressão mais livres. Ao se interessar desde cedo pela literatura, passou a frequentar círculos boêmios, se aproximou, na juventude, do inconformismo anarquista, e, mais tarde, adere ao comunismo. Em 1933 e 1934 respectivamente, escreve O rei da vela e o O homem e o cavalo, dois textos publicados anos depois, em que manifestava a sua admiração pelo 37 comunismo 15. Abelardo I, de O rei da vela, explicita o ímpeto fascista: “há um momento em que a burguesia abandona a sua velha máscara liberal. Declara-se cansada de carregar nos ombros os ideais de justiça da humanidade, as conquistas da civilização e outras besteiras! Organiza-se como classe. Policialmente (...) esse momento já soou na Itália e implanta-se pouco a pouco nos países onde o proletariado é fraco e dividido” (Andrade, 1967, p, 75). No fim do Estado Novo, em 1937 passou a preconizar a autodissolução, propondo que os comunistas se integrassem a uma frente progressista hegemonizada pelas “forças avançadas da burguesia”. Segundo Konder (1991) estava convencido de que “o eixo da revolução se achava na burguesia progressista e não no proletariado amortecido pelas leis sociais (entrevista ao Diário de São Paulo, 11-11-45, reproduzida no volume Os dentes do dragão). Nessa época, estava fascinado pelas idéias de Earl Browder, um marxista norte-americano que tinha proposto nos Estados Unidos a transformação do PC em elemento impulsionador de um novo movimento democrático, mais amplo, no interior do qual os comunistas atuariam em perfeita simbiose com outras correntes” (Konder, 1991, p. 41). Assim, decepcionado por não seguirem suas recomendações, Oswald desligouse do Partido Comunista do Brasil vendo-se obrigado a repensar suas posições teóricas e sua relação com o marxismo. Por fim, de todas as influências e impacto da obra de Oswald, destacamos alguns pequenos, mas decisivos deslocamentos provocados, como as reflexões-resistência-ruptura suscitadas também pelo movimento do Modernismo como um todo, bem como o pressuposto de Oswald, por meio da antropofagia, de que os saberes podem ser deglutidos incessantemente, revigorando a capacidade de criação e invenção. Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz. (...) Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador do Império (...). Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses. (...) Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia do exercício da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Mathias16. Comia. (Andrade, 1928, p.12). 15 Na época estes textos não puderam ser encenados, o que ocorreu somente trinta anos depois pelo Grupo Oficina, sob a direção de José Carlos Martinez. 16 Galimatias. 1. discurso arrevesado, confuso, obscuro; babel de palavras cujo significado mal se pode entender. 2. Mus. Composição híbrida, sem forma definida. (Ferreira Aurélio Buarque de Holanda, 1999). 38 Temos assim, a afirmação do múltiplo, do que é devorado, construído e reconstruído sempre em relação ao outro. Macunaíma e o Manifesto Antropófago nasceram juntos, embora Mário de Andrade tenha se desvinculado do grupo de Oswald, mantendo-se independente, como veremos a seguir. 2.1.2. Pluralidade das linguagens populares: Mário de Andrade Com a experiência advinda de suas viagens pelo território brasileiro17, Mário de Andrade18 e Raul Bopp19 coletaram um rico material que influenciou toda a sua obra. Em Macunaíma (1928), aborda a formação do estereótipo do brasileiro. O registro das características orais, das falas regionais, dos lugares que o poeta visitou é matéria-prima da sua escrita, lócus da celebração da mestiçagem, mesmo que isso leve ao branqueamento, como ironiza, além de o livro basear-se em metáforas para abordar a primitividade incorporada à civilização urbana. Mário de Andrade satiriza por meio do personagem Macunaíma a norma culta que não correspondia à realidade brasileira, mas à portuguesa, abordando a formação do caráter e seu processo e não a falta de caráter. A tradição canônica em oposição ao povo que não a tinha, caracterizava o brasileiro, que, todavia, apresentava uma extraordinária capacidade de improvisar e de surpreender. As fontes desta tendência, embora distintas, são a Antropofagia de Oswald de Andrade e, Macunaíma de Mário de Andrade, uma espécie híbrida de manifesto e ficção. Mitos que se alimentam de fontes populares e exercem inúmeras influências que 17 Cabe destacar também, sem que aprofundemos aqui, a trajetória de Villa Lobos, cujas incursões e material coletado em suas expedições pelo Brasil, trouxeram respeito e devoção pelo popular. O que chamou a atenção da elite brasileira da época, em que a família Guinle financiou por exemplo, sua ida a Paris em 1920 para buscar uma orquestra que pudesse tocar a música brasileira, já que não possuíamos uma orquestra brasileira. 18 Mário Raul de Moraes Andrade (1893-1945). Poeta, cronista e romancista, crítico de literatura e de arte, musicólogo e pesquisador do folclore brasileiro e fotógrafo. Integra o Grupo dos Cinco com Tarsila do Amaral (1886-1973), Anita Malfatti, Oswald de Andrade (1890-1954) e Menotti del Picchia (1892-1988). Um dos idealizadores da Semana da Arte Moderna, em fevereiro de 1922. Em 1927, viaja pela região amazônica, e, no ano seguinte, pelo Nordeste brasileiro, registrando em fotos as paisagens, a arquitetura e a população dos locais visitados. Em 1928, lança Macunaíma: O Herói sem nenhum Caráter e Ensaio Sobre Música Brasileira; dentre outros, continuamente interessado pela música erudita e popular, busca promover pesquisas de nacionalização da música brasileira. 19 Raul Bopp escreveu Cobra Nonato, publicado em 1931. A obra foi retomada e coletivamente reelaborada por Oswald e Tarsila. Bopp foi um personagem ativo na construção do modernismo. “O mito de um Brasil verdadeiro oculto por debaixo das catedrais de contornos europeus trouxe à obra boppiana um confronto da técnica clássica com a estrutura de um pensamento interiorano, cuja aclimatação do idioma fugia à linguagem “culta” e às formulações acadêmicas. Bopp tinha consciência desse frescor escondido sob a fala rural” (Riggi, 2010, p.2). 39 são propagadas por diversas formas. Em especial no caso do malandro, a ressonância popular se expressou numa série infindável de anedotas em que o brasileiro resolve problemas de forma surpreendente (Silva, 2009a), pois a despeito da desigualdade social, o brasileiro tem a capacidade de absorver universos mais sutis. De 1933 a 1935, Mário de Andrade é crítico do Diário de São Paulo. Em 1935, funda, com Paulo Duarte, o Departamento de Cultura de São Paulo, do qual se torna o primeiro diretor. Em 1937 criou o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN)20 a convite do Ministro Gustavo Capanema. Com Dina Lévi-Strauss, funda a Sociedade de Etnografia e Folclore e se torna seu primeiro presidente. Realiza uma das primeiras expedições etnográficas no Brasil, experiências posteriormente relatadas em livros como Tristes trópicos, de Lévi-Strauss, e O turista aprendiz, do próprio Mário de Andrade. Para além do Estado de São Paulo, pretendia conhecer o Brasil, descortinando a autêntica tradição brasileira: “pintar o mapa da brasilidade” (Sandroni, 1988, p. 121). Assim, rompe com a orientação para uma formação clássica, erudita e eminentemente europeia vigente no Brasil. Mário organiza o Congresso de Língua Nacional Cantada e é eleito membro da Academia Paulista de Letras. “(...) Há uma preocupação com a diversidade da produção e da vivência cultural das camadas populares (o que se define melhor como democracia cultural). Mário acredita que a arte é fundamental para o aperfeiçoamento do ser humano” (Revista MinC/IPHAN, 2002, p. 9). Todavia, há nas políticas públicas para a cultura como veremos adiante, a apropriação de uma ideia de construção e fortalecimento da nação, que coincidiu com o governo do Getúlio Vargas. A discussão sobre a cultura popular foi essencial para criar a imagem do brasileiro, no entanto, serviu para a reprodução de um governo que descartou as propostas de Mário de Andrade,o que se revelou um longo processo em transformação constante, como veremos. Mário de Andrade fala do brasileiro como um “tupi tangendo um alaúde21” (1922), buscando as raízes brasileiras nesse imaginário constitutivo dos povos que viviam no Brasil. Porém, a “civilização” procurou erradicar esse imaginário, ainda que seja muito comum ouvirmos falar e até afirmarmos - a nossa malemolência, o nosso descumprimento de horários, o pouco apreço que temos pelo que é rígido e cristalizado. 20 O SPHAN foi criado pelo decreto-lei no . 25 de 30/11/1937. Esta frase é um verso de “O Trovador” poema de Mário de Andrade que integra “Paulicéia desvairada” de 1922. 21 40 Isso, no entanto, quase sempre ressaltado como defeito, como limitação, deixando de se perceber a riqueza, a potencialidade desses traços culturais que herdamos dos vários grupos que deram origem ao povo brasileiro. No início da década de 1920, Mário se insurgiu contra o conservadorismo que dominava a linguagem literária brasileira e, ao longo da vida, suas preocupações em relação à política, por exemplo, vão se tornando mais definidas e críticas e seu posicionamento frente ao comunismo também se altera. Por volta de 1930, numa carta ao jovem amigo Carlos Drummond de Andrade, admitia que a sua sensibilidade era receptiva a “apelos vagos porque sempre líricos, sociais, porventura comunistas (sem Rússia) carta de 1-7-1930, constante do livro A lição do amigo, Ed. José Olympio” (Konder, 1991, p.44). Em 1938, dirige o Instituto de Artes da Universidade do Distrito Federal no Rio de Janeiro, além de ocupar a cátedra de história e filosofia da arte. Retorna a São Paulo em 1941 e como técnico da seção paulista do SPHAN, viaja por todo o Estado realizando pesquisas, conferindo-lhe uma visão panorâmica abrangente. A partir destes anos suas reflexões, pautam-se por um movimento crítico e autocrítico assinalando as limitações no movimento modernista. Em 1942, juntamente com outros intelectuais, contrários ao regime ditatorial do Estado Novo, funda a Associação Brasileira de Escritores (ABRE), entidade que luta pela redemocratização do país. Considerado o mais plural, dentre os demais modernistas, segundo Kossovitch (1990), a vastidão de conhecimentos de Mário de Andrade provinha das suas inúmeras leituras, mas também da conversa, do empenho em ouvir e compreender, da abertura para o outro, de uma postura permanentemente reflexiva, que se superava. A relação entre o pluralismo visceral de Mário, notório no poema “Eu sou trezentos”, dentre outros, e seu interesse desconfiado, porém simpático pelo comunismo, é conferido num artigo intitulado “Comunismo”, publicado no Diário Nacional (de São Paulo) em 3011-1930. Ao se referir ironicamente à imagem do comunismo russo como “’uma espécie de assombração medonha’ e, de passagem, através do advérbio ‘verbalmente’, sugeria certa desconfiança em relação à identificação do comunismo com a União Soviética, ‘a primeira e a única nação que o aplicou verbalmente até agora’. Observava que a propaganda anticomunista havia exagerado as ‘mazelas’ da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e os dirigentes russos reagiam, se defendendo, negando os problemas que tinham e sustentando que o regime por eles implantado assegurava a 41 felicidade dos cidadãos. Mas havia uma ‘confusão pueril’ na questão. Porque - como dizia Mário de Andrade - ‘um sistema de governo jamais dará felicidade pra ninguém. (...) ‘Minha maior esperança é que se consiga um dia realizar no mundo o verdadeiro e ainda ignorado Socialismo. Só então o homem terá o direito de pronunciar a palavra civilização’ (citado por Drummond em A lição do amigo). (...) Mário de Andrade jamais pretendeu assimilar o marxismo, mas utilizava conceitos marxistas como instrumentos de análise e de conhecimento da realidade. Essa atitude se manifesta em diversos trabalhos que abordam a relação da música com a história e a sociedade” (Konder, 1991, p.43), pois enquanto incentivador da pluralidade da cultura brasileira, destacou dentre outros, as obras de Chiquinha Gonzaga, por exemplo. Mulher que fez parte do abrasileiramento das polcas no século XIX, derivando a maneira “chorada” com que os músicos populares, como Pixinguinha, criaram um gênero musical, o choro. Sua trajetória revela a múltipla atenção no desenvolvimento, registro e difusão da cultura brasileira. O artista, escritor e intelectual expressou suas inquietações em O banquete (1945) um longo e envolvente diálogo que abrangia questões coletivas e pessoais, valores relacionados à arte, às questões éticas e estéticas, às demandas coletivas e às supostas contradições da possível renúncia ao individualismo. Neste texto, os personagens ora expressam a disposição de Mário de Andrade para assumir o compromisso da arte com a afirmação do caráter nacional e com a crítica social, ora a convicção de que a arte, de algum modo, se justifica por si mesma, por sua qualidade, por sua capacidade de durar. “As contradições irresolvidas da estética remetem às tensões e conflitos do movimento da sociedade. A cultura não pode resolver questões que a vida não resolveu: o que ela pode (e precisa) fazer é nos proporcionar maior familiaridade com elas” (Konder, 1991, p.44). 2.1.3. Arte, política e liberdade: Mário Pedrosa A postura de Pedrosa22 é atribuída a sua ligação com o Manifesto por uma Arte Revolucionária Independente, elaborado em 1938 na cidade do México num encontro histórico do qual participaram o fundador do surrealismo e poeta francês André Breton, o fundador da Quarta Internacional, o russo Leon Trotsky, e Diego Rivera. Afirmava-se 22 Nascido em 1900, em Pernambuco foi crítico titular do Correio da Manhã de 1945 a 1951 e do Jornal do Brasil em 1957. Filiado ao Partido Comunista, foi expulso em 1929 por sua ligação com o movimento trotkista. Em 1931 juntamente com Aristides Lobo, Lívio Xavier, Fúlvio Abramos e Benjamin Peret fundou a Liga Comunista ligada a Oposição de Esquerda Internacional e em 1980 participa da fundação do Partido dos Trabalhadores. 42 que a arte tem um potencial libertário e revolucionário em si, partindo de uma luta pela independência da arte e pela revolução socialista mundial, o manifesto foi uma tentativa de resposta ao chamado de Stalin, em 1934, por uma arte e literatura proletária. Os argumentos aproximam-se das teses desenvolvidas por Trotsky (1924), na sua obra Literatura e Revolução. Em 1935, rompe definitivamente com o Partido Comunista Francês, no Congresso Internacional de Escritores em Defesa da Cultura. O Manifesto de 1938 conclama a construção da Federação Internacional da Arte Revolucionária e Independente (FIARI), que será criada às vésperas do início da Segunda Guerra Mundial, porém teve uma breve existência. Apesar disso, a FIARI, tendo sido extinta no início de 1939, juntamente com o Manifesto cumpriram o papel ao qual se propunham: veicular a voz dos artistas das novas gerações que ansiavam a liberdade de criação, emancipação e independência em relação a qualquer Estado, mas sem se desviar do rumo da revolução socialista mundial. As questões que perpassam a relação entre arte e revolução, sobretudo no século XX e que envolveram inicialmente a defesa da arte explicitamente a favor da luta revolucionária, foram revistas por Pedrosa, cerca de nove anos depois, no início da década de 1940, quando passou a apoiar uma arte mais libertária por si mesma. Precursor em diversas questões, suas reflexões sobre arte, estética e a realidade brasileira o tornam um dos grandes pensadores brasileiros que enfrentou o debate sobre a relação entre política e artes, cujas implicações sempre foram tensionadas na modernidade. Pedrosa foi um socialista revolucionário que teceu fortes críticas às concepções instrumentais da arte a serviço da política. No jornal Vanguarda Socialista, lançado em 1945, Pedrosa difundia a premissa de que a arte é potencialmente libertária e revolucionária, para além da propaganda de posições políticas. Esta visão impregnou a II Bienal Internacional de Arte de São Paulo em 1953, da qual foi curador, trazendo para o Brasil as obras dos principais mestres da vanguarda artística como os surrealistas, cubistas, futuristas e abstracionistas, como Paul Klee, Mondrian, Alexander Calder, Munch, Marcel Duchamp, Juan Gris e Pablo Picasso. 43 O engajamento político de Pedrosa o levou a publicar vários livros23. Tanto militância política quanto no campo das artes foi um internacionalista, polemizando, ampliando perspectivas e tendências, considerando a unidade da arte e da política. Todavia, no período da Guerra Fria24, não é só uma vinculação estreita e instrumentalizante com o mundo da política que começa a ficar ameaçada no âmbito das artes, mas também a sua própria dimensão política em um contexto mais amplo, com poder de transformação social. A perda dessa dimensão ameaça suas possibilidades emancipatórias, as quais sustentavam a concepção da arte e de sua função educadora e revolucionária no pensamento de Pedrosa. Desta forma, veremos mais adiante como o exílio chileno é um momento de dúvida, reflexões e experimentações em torno destas implicações. Diante desses sinais de mudança, Pedrosa passa a chamar de pós-moderna a arte produzida após o advento do Pop Art norte-americano. Afinal, esta estética estava vinculada aos objetos de consumo mercantis, da “civilização do desperdício”. Pedrosa considera também que estas práticas artísticas representam uma “nostalgia do objeto”, devido, principalmente, à perda de seu valor de troca, mas que, enquanto expressão cultural mais ampla, significaria uma virada na relação entre arte e mundo (Pedrosa, 1975). Nessa época, não tem ainda um conceito formalizado a respeito do pós-moderno, mas faz um diagnóstico das práticas artísticas e sociais que se afastam dos parâmetros da modernidade, sobretudo, ao fato dos artistas se apropriarem de objetos do design comercial e da cultura de massa (Kern, 2008). Para Pedrosa, portanto, no final dos anos 1950, o mundo, o homem e as artes entravam em crise. No “Discurso aos Tupiniquins ou Nambás”, no qual se mostra perplexo e revoltado com o caminho da arte na Europa e nos Estados Unidos chama atenção para as expressivas forças dos povos indígenas brasileiros, que representavam o lugar em que se uniam arte organização social, meio ambiente e vida. Para ele, tanto a Europa quanto os Estados Unidos estavam em 23 Dentre os livros destacamos: Arte necessidade vital, de 1949, que enfatiza a ação, presença e força da arte. Dimensões da Arte, de 1964; Arte, forma e personalidade, 1979; Arte, reflexão e revolução, 1992; Mundo, homem, Arte em crise, 1975; Modernidade Cá e lá, 2000, Política das Artes, 1995; Dos murais de Portinari nos Espaços de Brasília, s/d. 24 Harvey estabelece uma relação entre a despolitização das vanguardas, o protecionismo estatal das artes e a propaganda acerca das liberdades ocidentais e seu tom supostamente apolítico no período de Guerra Fria (Harvey, 1992). 44 processo narcisita de autodestruição, resultado de uma visão cínica e niilista da realidade. No plano internacional pode se considerar que este é momento onde há uma aceleração do processo de institucionalização da arte, da experimentação estética e também de um crescente apoliticismo dos artistas e da arte, algo muito diferente do ambiente das vanguardas do entre-guerras (Harvey, 1992). Enquanto crítico da modernidade, Pedrosa identifica a arte como meio de libertação do homem e valoriza a sua autonomia. No entanto, até os anos 1940, Pedrosa não se define como crítico de arte, embora já tivesse elaborado artigos de crítica de arte. Seu primeiro texto crítico foi sobre a mostra da gravurista alemã Kaethe Kollwitz, realizada em São Paulo em 1933, tornando-se famosa por inaugurar a crítica de arte marxista no país. Porém, ao mesmo tempo, trata-se de uma postura não alinhada às teses estéticas do que seria chamado Realismo Socialista. Suas concepções políticas, estéticas e críticas estão assentadas em uma concepção democrática e emancipadora da atividade artística, crítica e política. O pensamento de Pedrosa implicou o trabalho sobre a forma, na criação de uma linguagem que permitiria a comunicação de uma experiência humana e a possibilidade de educação sentimental, da ordem da sensibilidade, dos homens e mulheres. Esta é a essência do pensamento de Mário Pedrosa: o artista deve buscar na força expressiva da forma a possibilidade de reeducação da sensibilidade do homem, de modo a fazê-lo “transcender a visão convencional”, obrigando-o a enxergar o mundo com outros olhos, e, assim, a “recondicionar-lhe o destino” (Arantes, 1991, grifo nosso). Esta ponderação deriva, dentre outros escritos, da sua reflexão sobre arte e educação em sua tese de livre-docência, intitulada: “Da Natureza Afetiva da Forma na Obra de Arte”, de 1949. Pedrosa faz uma análise sobre a busca da boa forma, a Gestalt, como princípio formador, bem como as teorias gestaltianas, em que, por meio do domínio da forma, o homem se educaria em um processo no qual a sua totalidade estaria sendo educada: seus sentidos, sua apreciação do mundo, a apreensão de princípios científicos, e especialmente, sua formação política. Neste estudo, elabora uma descrição dos vínculos entre o desenvolvimento do homem e de sua sensibilidade, em busca do “sentir” a forma do mundo através da arte, dando forma ao mundo. Pedrosa incorpora debates e autores até então desconhecidos no campo intelectual brasileiro, o que explica, em parte, a marginalização da sua tese na época. 45 Algumas propostas baseadas nestas ideias foram veiculadas no Brasil, como, por exemplo, no projeto do museu de Brasília que Pedrosa enviou a Oscar Niemeyer em 1958, no qual afirma: “(...) O museu a constituir-se em Brasília deve ter caráter sui generis, a fim de atender, sobretudo, aos objetivos de ordem educacional e documental. (…) o museu de Brasília não procurará adquirir obras originais para seu acervo. Será todo ele um museu de cópias, reproduções fotográficas, moldagens de toda espécie, maquetes, etc. (...) Deve-se criar para cada espaço histórico-cultural seu ambiente propício, uma atmosfera sugestiva capaz de despertar curiosidade, interesse e emoção do público” (Pedrosa, 1995, p. 288, grifos nossos). Destacamos que é notável neste projeto, a subversão do sentido tradicional de museu e também do sentido tradicional das obras de arte. Mário Pedrosa propõe um museu vivo, com o uso de elementos em torno do que Benjamin25 chama de “aurático”, que permitam criar novas experiências a partir das ações cotidianas, não-hierárquicas e próximas, que reeducassem homens e mulheres, por meio de experimentações e formação de novas sensibilidades, tornando-os mais íntegros, porque capazes de apreender o mundo não só de maneira racional-instrumental, mas através de outras formas de sentir e racionalizar. Experiências que os tornariam aptos a exigir na vida uma adequação às expectativas emancipatórias que a experiência estética proporcionaria (Cáceres, 2010, p. 102-103, grifo nosso). Além disso, foi diretor do Museu de Arte Moderna de São Paulo, colaborou na criação do Museu de Arte do Rio de Janeiro, bem como influenciou o surgimento do movimento concretista. Nos anos 1970, exilado, fundou em Santiago do Chile o Museu da Solidariedade (Museo de la Solidaridad), com um acervo de mais de cinco mil obras de arte, entre as quais peças de artistas como Alexandre Calder, Miró e Picasso, que foram doadas graças ao prestigio pessoal de Mário Pedrosa no mundo artístico internacional. Em sua primeira carta de apresentação do museu já está articulada a 25 Como veremos no terceiro capítulo, com maiores detalhes, a discussão sobre a “aura” da obra de arte em Walter Benjamin, que remete à sua perda devido a reprodutibilidade técnica, que Pedrosa não só a aceita como a saúda, pois a possibilidade do acesso público a um museu de cópias, possibilita o contato com toda a história da arte. Remetemo-nos ao clássico artigo de Benjamin: “A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica”, onde o autor defende a tese de que as artes, sobretudo as artes plásticas, perdem a “aura” com que estavam cobertas em seu uso tradicional e em sua acepção romântica clássica a partir do desenvolvimento de tecnologias que lhe permitiriam a reprodução e portanto sua massificação. Desta forma o “aurático” tem a possibilidade de se reinstalar na cópia dependendo do local de sua recepção, sobretudo, diante do impacto de um público que jamais teria acesso ao original (Pedrosa apud Cáceres, 2010). 46 intenção que embasará a defesa de sua fundação: a estreita relação entre democracia, socialismo e liberdade de criação, que deveria ser exemplar em seus métodos museográficos e seus fins culturais e educacionais. Ao deixar em aberto, neste documento, questões técnicas e metodológicas concernentes ao museu, delineou uma diretriz mínima a este equipamento cultural que se iniciava da forma inversa como os museus de arte moderna costumam constituir-se: primeiro havia a ideia e as obras e posteriormente, haveria um espaço físico. Ao ser questionado por membros europeus do Comitê Internacional de Solidariedade Artística com o Chile/CISAC sobre as suas propostas técnicas e metodológicas, (por se tratar de um acervo organizado a partir de doações), respondeu que mesmo sendo um conjunto contraditório, esse museu representaria a trajetória da arte moderna no século XX, com suas contradições (Cáceres, 2010, p.85). Assim, a primeira função social deste museu foi promover o apoio internacional ao governo Unidad Popular de Salvador Allende. Entretanto, conciliar a função imediatamente política do museu sem instrumentalizar a arte implicou, nos registros de Pedrosa, a elaboração de espécies de traduções para os diferentes segmentos com que o museu lidaria. Considerada uma instituição viva, deveria ser pensada de maneira relacional, não sendo apenas um abrigo de objetos de arte consagrados, mas, um local de experimentação26 e produção de conhecimento, daí a importância da definição dos marcos políticos que embasavam as experiências produzidas nesse espaço, tal como a sua proposta de uma gestão democrática. Em um cartaz explicativo sobre o Museo de la Solidaridad, redigido para a primeira mostra de obras recebidas, Pedrosa argumenta que o museu é formado por obras que indicam uma “muestra de adhesión (dos artistas doantes) al Programa de la Unidad Popular, al proceso que vive el pueblo chileno y su Gobierno” (Pedrosa apud Cáceres, 2010, p. 114). Ao mesmo tempo em que não se ignora a introdução política, não é desprezado também a possível forma como o grande público tenderia a olhar as obras expostas; e no que diz respeito a isso, algumas ideias que surgem em textos, como Crise do Condicionamento Estético, ressurgem tendo como interlocutor o grande público. (Idem, p.114). 26 O Museo de la Solidaridad, tinha outra denominação, no projeto que o embasava: Museu de Arte Moderna e Experimental. Nome com o qual também é descrito em algumas notas e matérias na mídia chilena. Mais do que um nome, é uma concepção museal desenvolvida na reflexão de Pedrosa ao longo de 20 anos, que somente em seu exílio chileno foi gestado e enfim materializado (Cáceres, 2010). 47 No entanto, em meio à reviravolta do governo Salvador Allende, salvar obras e documentos do furor destruidor das primeiras semanas do golpe militar, em 1973, implicou destruir parte dos registros para eventualmente salvar os registros maiores, e as próprias obras de arte. Contudo, mais do que registros e obras, era necessário que as pessoas poupassem suas vidas; era necessário voltar para casa, buscar abrigo, exilar-se. Findava desta forma uma experiência que ambicionava retomar a tradição do modernismo revolucionário e sua vontade de reeducação-transformação do mundo, do homem e da arte. Mário Pedrosa, e seu engajamento militante e crítico, não desconsiderou a liberdade da criação artística, além de ser comprometido com o vislumbramento de novos caminhos e horizontes para o mundo. Esta sua busca estava vinculada à possibilidade de experimentação e à conexão moderna entre arte e transformação social. Intelectual destemido e militante trotskista, enfrentou inúmeras adversidades para defender suas ideias, desde a juventude, período do início da militância socialista, e sua ligação com a IV Internacional trotskista, conformando suas convicções sobre o socialismo democrático. Seu exílio no Chile de Salvador Allende e a criação do Museo de la Solidaridad o fazem vivenciar a aposta num caminho para o socialismo, que passava pela defesa da democracia. Diante desta trajetória, não pretendemos esgotar a riqueza da sua produção e de toda a sua experiência artística e política, mas destacarmos o seu apoio e importância considerável a uma arte libertária por si mesma. O anseio e a tentativa de articulação com o tema deste estudo, sem incorrer em uma tarefa simplista, objetivou, sobretudo, destacar a fundamental referência deste brasileiro nas reflexões sobre as relações entre arte, cultura, política e transformação social, assim como os demais autores destacados neste capítulo. A seguir apresentamos algumas ponderações acerca das implicações abordadas até o momento, bem como subsídios para a contextualização dos debates deste estudo, em que destacamos a primeira fase do Modernismo, de cunho nacionalista, seguido de outra voltada para o social. 2.1.4. Pensamentos-Movimentos e a construção da atuação cultural Para continuar as reflexões sobre os movimentos artísticos e intelectuais antecedentes ao estabelecimento das políticas culturais no Brasil, iniciamos este item com o enfoque sobre os pensamentos-movimentos que foram importantes para o Estado 48 construir sua atuação cultural. A predominância do ideário conservador, cuja visão contundente das ideologias encobriu as lutas sociais, também contribuiu para perpetuar as enormes desigualdades do país, como demonstra Mota27 (2008). A formação do patronato político brasileiro de inspiração weberiana constitui sua história a partir do enfoque que privilegia o estamento burocrático na sequência da História do Brasil, responsável pela instalação e persistência de instituições anacrônicas, frustradoras de rompimentos que poderiam conduzir a emancipação política e cultural, configurando, portanto, a perpetuação do poder estamental-burocrático onde a ideologia exerce o seu papel. A alternativa se encontraria no livre desenvolvimento de um capitalismo industrial que ensejaria a criação de uma sociedade nacional e, consequentemente, apta a desenvolver uma cultura genuína. Sem mudanças significativas na estrutura brasileira, configurou-se a permanência do modelo autocrático-burguês que engessa a história do Brasil contemporâneo. No processo de formação da sociedade de classes, a noção liberal de Cultura Brasileira teve o papel de diluir as tensões, permitindo ‘a liberdade de expressão’ em múltiplas direções - na produção de instrumental crítico voltado contra a sociedade oligárquica (o Brasil ‘arcaico’) e nos apelos e entusiasmos à mobilização da cultura popular. Nesse plano, ao lado de indicações sobre os componentes do sistema cultural, preocupamo-nos com manifestações do pensamento radical - que por vezes logrou abrir brechas no sistema (...). Não existe, nesse sentido, uma Cultura Brasileira no plano ontológico, mas sim na esfera das formações ideológicas de segmentos altamente elitizados da população, tendo atuado, ideologicamente, como um fator dissolvente das contradições reais (...). Os intelectuais sempre estiveram integrados nos aparelhos de Estado - participando, portanto, do estamento burocrático, conforme a crítica de Raymundo Faoro, no bloqueio às manifestações da ‘genuína’ cultura brasileira (Mota, 2008, p. 326; 328, grifos nossos). Deste modo, nos identificamos com as preocupações de Schwarz, ao constatar que a literatura e a arte, muitas vezes, refletem a realidade social, mas também podem superá-la, desde que a desconfiança e o questionamento permanente levem a um cuidado criterioso. Destacamos os seus ensaios sobre Machado de Assis e as metáforas utilizadas para tratar das relações de poder entre ricos e pobres, além do preconceito social, enquanto síntese dos dois momentos, pelos quais passaram a literatura brasileira, antes de constituir um "sistema". O primeiro, um momento "universalizante" e o segundo marcado pela preocupação acentuada com "a cor local". 27 Em Ideologia da Cultura Brasileira, sua tese de livre docência de 1975, em sua terceira edição. 49 Integrados na sociedade escravista, os intelectuais da época se acostumavam a conviver com os ritmos e os absurdos do “atraso”. Ora adotavam o raciocínio econômico burguês, comprometido com a busca eficiente do lucro, ora eram atraídos pelo "afrouxamento" proveniente da escravidão onde o tempo precisava ser esticado, para preencher e disciplinar o cotidiano do escravo. Contradições visualizadas por Machado28, para quem o desajuste reinante no Brasil estava relacionado ao colonialismo, Um mestre na periferia do capitalismo29. Ao considerar inútil se insurgir contra o que via, Machado de Assis teve a genialidade de assimilar o movimento sinuoso da burguesia brasileira e explicitá-lo em sua literatura, cuja insatisfação se manifestava em relação à própria dominação de uma classe social. Desarmado para combater a prepotência, o autoritarismo, a irresponsabilidade e a insensibilidade dos ricos e dos poderosos, Machado desvelou essas peculiaridades, de forma sutil, desmascarando-as ideologicamente. A desfaçatez estava na sociedade, demonstrada com elegância por meio da literatura, sua arte, conjugava estética e ética, proporcionando uma visão mais esclarecedora e crítica da sociedade brasileira. A análise desenvolvida por Schwarz (1990) demonstra que o princípio formal reproduz o movimento assumido na história pela classe dominante na sociedade brasileira. A rápida assimilação e superação das posturas e das ideias, a alternância entre o entusiasmo pelo novo e o fastio logo em seguida em relação ao que foi adquirido com facilidade e sumariamente descartado; o reconhecimento e a banalização dos antagonismos e a volubilidade desrespeitosa que constituíam a conduta habitual das elites no país. Assim, afirma no ensaio, Idéias fora do lugar, que no Brasil oitocentista as ideias estavam fora do centro em relação ao contexto europeu, deixando claras as contradições da sociedade brasileira naquela época, quando o liberalismo importado convivia com as iniquidades do regime escravocrata, ou seja, o caráter desfocado dos 28 Schwarz analisa o caso de Machado de Assis, tratando-o como um intelectual da periferia do capitalismo. Muricy (1987) afirma que a obra de Machado de Assis confere um certo “malestar” à história literária brasileira, pois sua ironia e seu ceticismo com respeito aos direitos da razão universal, do progresso e da verdade da ciência, indicam uma dimensão radical da crítica do autor àquilo que aparece no projeto de transformação da sociedade oitocentista, veiculado aí pelo discurso médico. Sua “resistência” aos valores e ao discurso que a nova ordem burguesa enunciava se explica pela sua postura conservadora nos romances de sua primeira fase (ótica moral da família), que se aproximam muito às normas médicas, e o radicalismo de sua postura crítica nos romances chamados de segunda fase (Muricy, 1987, p.72 grifo nosso). 29 Schwarz (1990). 50 ideais liberais e democráticos no período escravocrata brasileiro. O autor não afirma que as ideias, no caso do liberalismo, sejam impróprias porque descentradas; pelo contrário, sugere que sua propriedade se encontra precisamente neste descentramento: seu lugar na estrutura social brasileira. “Schwarz explicita certa estratégia da elite nacional, ainda hoje atuante: ela veste trajes progressistas a fim de obter benefícios, ao mesmo tempo em que adota figurinos conservadores, para evitar sua redistribuição. Trata-se, por assim dizer, de uma esquizofrenia social bem sucedida; superá-la é condição indispensável para virmos a constituir uma nação” (Rocha, 2000, p.101 grifo nosso). Cabe ressaltar nessa discussão alguns traços enraizados na sociedade brasileira: “relações altamente hierarquizadas, determinando a discriminação em diversos âmbitos; relações sociais e políticas fundadas em contatos pessoais, favorecendo a relação sociopolítica do favor, da clientela e da tutela; desigualdades econômicas extremas levando à polarização entre a carência e o privilégio; a lei não opera como lei, opera como repressão do lado dos carentes e como conservação de privilégios do lado dos dominantes” (Chauí, 1995, p. 82-87). Enquanto ícones de um tempo em ebulição e também de movimentos importantes na história do Brasil, os intelectuais-artistas-militantes abordados nos proporcionaram um encontro com os nossos anseios, nos estimulando alguns ensaios, sobretudo, por sempre manterem a capacidade de reflexão sobre uma época, que também ajudaram a transformar. A partir de 1930, os modernistas de uma forma geral, estavam envolvidos com preocupações políticas, em especial a consciência da função social da cultura e mais especificamente, da literatura e das responsabilidades dos escritores em relação à sociedade, devido à intensificação das lutas ideológicas em todo o mundo. Foram autores que suscitaram o debate sobre a arte engajada ainda que ele tenha ocorrido somente após a Segunda Guerra Mundial e, portanto, subsequente ao falecimento de Mário de Andrade, dentre os demais abordados. Todavia, esta concepção de arte de combate ou de ação converge também em Mário de Andrade. Ainda que ele não tenha feito uso explícito do vocábulo "engajar", os conceitos andradianos contemplam o sentido de empenho, apoiados no seu anseio de interferir na realidade. Isto se constata no depoimento do próprio autor em 1942, inferindo sua crença no fato de que poderiam ter atuado mais intensamente na vida pública do país. Em comum nas trajetórias e produção dos intelectuais-artistas-militantes abordados, destacamos: 51 a) a vinculação/simpatia/rompimento com o partido comunista e a preocupação política; b) a ênfase e a centralidade dos movimentos no eixo Rio-São Paulo; c) a utilização de jornais como veículo e porta-voz de suas preocupações e a publicação de livros; d) empenho pessoal e social em busca de alternativas para a sociedade e a transformação social. Assim, a revisão pessoal crítica da própria trajetória e atuação, bem como o enfrentamento de dilemas em relação à situação do país, se destacam dentre os momentos comuns, contudo, por meio de diferentes formas de luta por uma arte livre e revolucionária, com maior ou menor intervenção, em diferentes momentos da história brasileira. Mantinha-se vivo o compromisso com a sociedade e a sua transformação. Enfatizamos, também a simpatia e a dúvida em relação à adesão ao partido comunista, aflições em relação ao país que inquietavam Mário de Andrade, como vimos, bem como a sua rica experiência no Departamento de Cultura de São Paulo (1935-1938), mas que foi relegada ao esquecimento no Governo Vargas, e retomada muito tempo depois como veremos no capítulo seguinte. Mário de Andrade cultivou certa amargura, assim como Oswald e Pedrosa que provém do intenso combate a questões relacionadas à realidade social e política brasileira. Oswald, diante da adesão convicta ao partido comunista, porém, com atribulações, nos trazem também algumas reflexões. A crítica baseada no exercício criterioso da razão e da sensibilidade, bem como a ousadia de Oswald em pensar questões de uma forma muito original, sobretudo, com o conceito de antropofagia30, seguida de sua desilusão e isolamento, contribuíram e inspiram até hoje ações transformadoras. E, por fim as revisões e a ação de Mário Pedrosa em relação à arte utilitária e social, posição que foi revista, ao reconhecer a sua função libertária e 30 Como vimos, a antropofagia oswaldiana não repudiou a influência estrangeira européia, nem a influência negra e indígena, como é possível constatarmos em obras que fizeram esta articulação, como em Macunaíma, de Mário de Andrade, e também na obra de Tarsila do Amaral. 52 independente, porém sem renunciar à utopia e a uma práxis31 responsável por novas relações com o mundo. Com destaque a sua convicção de que a luta pela libertação da humanidade passava pela preservação e ampliação de um mínimo de iniciativa que se pudesse dispor na sociedade capitalista, possibilidades quase inexistentes, mas fundamentais para o exercício experimental da liberdade. Comprometido com um projeto de construção da identidade brasileira, em oposição ao um nacionalismo regional e sufocante do período ditatorial, buscava uma singularidade que marcasse a diferença em meio à pluralidade das diferentes culturas. Fatos que nos levam a reflexões sobre as críticas, as dissidências e as rupturas, não somente com o partido a que os intelectuais-artistas abordados neste capítulo estavam ligados, mas com ideais que foram repensados e reorientados, como a primeira fase do Modernismo que foi essencialmente nacionalista, seguida de outros momentos, relacionados contexto social. Estas fases influenciavam o contexto nacional como um todo e correspondiam, por exemplo, à pintura, que ajudava a redescobrir e construir um país “diminuído pelo complexo colonial”, que embora repudiados confiavam fortemente na proposta de renovação estética que traziam. Assim, não eram concebidas atividades culturais que não estivessem a serviço da construção da imagem do país, considerado ainda muito incerto. Já a arte abstrata, vista como a arte da alienação, uma espécie de realismo versus abstração, que negava a realidade social do país desencadeou a defesa de Pedrosa, principalmente em favor de uma arte não utilitária, que atuaria sobre a sensibilidade, e muito menos pelos temas, mas em favor de um novo ciclo, “aberto e crítico!” (Pedrosa, 1970, Arantes, 1991). Atento à presença do social no interior do estético observava com cuidado e astúcia, posicionando-se além da arte dita engajada, quanto daquela que se pretendia totalmente descomprometida com a vida, opondo-se à arte pela arte, à racionalidade ocidental, ou à redução da arte a uma mera combinação de elementos agenciados pela 31 Para Marx, a questão da objetividade só pode ser formulada no âmbito da práxis, e no centro de toda relação humana da atividade prática, transformadora do mundo, trazendo consequências profundas para a questão do conhecimento (Marx apud Konder, 1992). Consideramos que é na obra Teses sobre Feuerbach que Marx esclarece o sentido da práxis e torna preciso o alcance deste conceito central em sua filosofia. Contudo, não aprofundaremos o conteúdo das Teses, mas, segundo Konder, há nelas a superação das duas unilateralidades, a do materialismo e a do idealismo pensando “simultaneamente a atividade e a corporeidade do sujeito, reconhecendo-lhe todo o poder material de intervir no mundo. (...) Atividade revolucionária, subversiva, questionadora e inovadora, ou ainda, numa expressão extremamente sugestiva, crítico-prática” (Konder, 1992, p.115). Assim, “a práxis é a atividade concreta pela qual os sujeitos humanos se afirmam no mundo, modificando a realidade objetiva e, para poderem alterá-la, transformam-se a si mesmos”. (idem). 53 razão científica. Mário Pedrosa permaneceu convicto de que o modernismo revolucionário deflagrado na construção de um espaço, mesmo que em outro país, a exemplo do museu de solidariedade no Chile visava um mundo mais solidário e livre. Destacamos, portanto, que, além de Pedrosa, Mário de Andrade, como intelectual e artista, não se isolou, mas foi ao encontro das pessoas e da vida, especialmente, em suas viagens, momentos em que tinha contato direto com a cultura popular brasileira, além de se corresponder com jovens escritores de todo o país. Oswald também experimentou por meio da fundação do jornal e envolvimento em questões partidárias uma ação engajada e transformadora. Incidências relevantes para as reflexões sobre as políticas culturais no país, sem desconsiderar as implicações do artista, da arte e da própria vida cultural na sociedade, ideário que se interliga a uma práxis. Assim, os artistas, intelectuais e militantes abordados nos fazem vislumbrar maiores possibilidades de participação nas questões relacionadas ao contexto brasileiro como um todo, com vistas a sua melhoria e transformação. Elencamos, portanto, a seguir alguns conceitos de políticas culturais para delimitar o embasamento deste estudo para em seguida situar alguns marcos importantes no processo de construção destas políticas no Brasil. 2.2. Políticas culturais, abordagens e conceitos Quando o consumo da ‘cultura’ é apenas sinônimo de adequação à engrenagem, cessam as suas virtudes de liberação. Alfredo Bosi Consideramos fundamental a participação de diversos sujeitos, movimentos organizados e diferentes instâncias institucionais na elaboração de políticas, sobretudo, por se configurarem enquanto decisões coletivas que podem manter determinada ordem ou promover a implementação dos direitos sociais com base nas garantias constitucionais em vigência. A transversalidade a outros temas é indispensável para uma política cultural, além disso, cabe evidenciar que todo o conceito de política cultural está relacionado a uma concepção privilegiada de cultura, delineando, portanto, a extensão e alcance das diretrizes das políticas culturais, bem como das questões a serem enfrentadas. Desta forma, voltaremos a fazer referência a diferentes períodos, pois, embora alguns fatos mencionados estejam periodicizados neste item, não seguimos uma 54 abordagem estritamente linear, mas evocamos constantes relações com os momentos históricos, em decorrência das reflexões tratadas anteriormente. O conceito de políticas culturais não é consensual e envolve complexidades subjacentes que derivam, inevitavelmente, dos densos e amplos conceitos de cultura e política. Assim, delimitamos a definição apresentada na Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais de 2005: "Políticas e medidas culturais" referem-se às políticas e medidas relacionadas à cultura, seja no plano local, regional, nacional ou internacional, que tenham como foco a cultura como tal, ou cuja finalidade seja exercer efeito direto sobre as expressões culturais de indivíduos, grupos ou sociedades, incluindo a criação, produção, difusão e distribuição de atividades, bens e serviços culturais, e o acesso aos mesmos (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, 2005, p.6, grifo nosso). Esta definição, aparentemente simples, ao mencionar “o foco na cultura como tal”, simplifica bastante a questão, algo bastante diferente do que postula Melo (1997), que aponta a complexidade das políticas culturais, em especial o seu estudo, principalmente quando se trata de definir os próprios objetivos da política cultural: “As clivagens políticas e ideológicas se cruzam com os simples jogos de linguagem e que por isso servem frequentemente para alimentar discussões equivocadas, em que uma insuficiente classificação de noções permite arrastar polêmicas cujo verdadeiro alcance e conteúdo acaba por não chegar a ser perceptível” (Melo e Costa, 1997, p. 1). Já Yúdice e Miller (2004), ao partirem de um ponto de vista estético e antropológico da cultura, fazem uma abordagem histórica do percurso da gestão cultural no ocidente, do feudalismo ao Estado contemporâneo, apontando como a cultura se converteu, ao longo do tempo, em um bem comum, como se constata: Política cultural refere-se aos suportes institucionais que canaliza tanto a criatividade estética quanto os estilos coletivos de vida: é uma ponte entre os dois registros. A política cultural se materializa em guias para as ações sistemáticas e reguladoras que adotam as instituições a fim de alcançar as metas. Em suma, é mais burocrática que criativa ou orgânica (Yúdice, Miller, 2004, p. 11). Esta definição é bastante restrita e rígida, e também não expressa a complexidade do conceito. Outros autores, como Coelho (1997) agregam a essa definição que as iniciativas desses agentes visam a “promover a produção, a distribuição e o uso da cultura, a preservação e divulgação do patrimônio histórico e o ordenamento do aparelho burocrático por elas responsável” (Coelho, 1997, p.292); e considera, ainda, a política cultural como uma “ciência da organização das estruturas culturais” que tem 55 como objetivo “o estudo dos diferentes modos de proposição e agenciamento dessas iniciativas, bem como a compreensão de suas significações nos diferentes contextos sociais em que se apresentam” (idem). Os debates suscitados pelo conceito de políticas culturais estão focalizados no campo de atuação dessas políticas e nos agentes envolvidos em sua formulação e prática, tendo importância as motivações, legitimações e fontes, as orientações, o objeto e os circuitos de intervenção. A definição de Teixeira Coelho é questionada por Barbalho (2005), que aponta várias ambiguidades, dentre as quais, a discordância de que a política cultural seja uma “ciência”. Nesse sentido argumenta que o conjunto de intervenções práticas e discursivas no campo da cultura não são científicas. Outra critica diz respeito à distinção, que considera necessária, entre política e gestão cultural, sendo a política relacionada ao pensamento das estratégias e a gestão pautada pela sua execução. Conforme Rubim (2007a), no Brasil, Teixeira Coelho e Barbalho apresentam perspectivas de definição para política cultural, diversamente dos demais autores, que ao tratarem do tema, o fazem sobre outras perspectivas metodológicas, sem preocupações conceituais. Para Teixeira Coelho as políticas culturais são formulações e propostas desenvolvidas pela administração pública, organizações não-governamentais e empresas privadas, com o objetivo de promover intervenções na sociedade através da cultura. Rubim, por sua vez, considera que a noção de política cultural e de cultura envolvem as formulações e ações a serem implementadas, os objetivos e as metas, a criação, a difusão, e a circulação, bem como os instrumentos, os meios e os recursos para organizar e estimular a cultura, além dos públicos envolvidos e, finalmente, a delimitação e caracterização dos atores. Ao reconhecermos o caráter público de uma política cultural, nos deparamos com mais um dilema na definição deste termo. Para além do aparato institucional do Estado, as políticas culturais podem ser realizadas por inúmeros setores e agentes sociais, inclusive atuando em conjunto. O que corresponde a um alinhamento exigido pelas novas demandas sociais provenientes das constantes transformações culturais na contemporaneidade, que demandam uma interação e discussão com os setores da sociedade civil organizada: Uma política pública se formula a partir de um diagnóstico de uma realidade, o que permite a identificação de seus problemas e necessidades. Tendo como meta a solução destes problemas e o desenvolvimento do setor sobre o qual se deseja atuar, cabe então o planejamento das etapas que permitirão que a intervenção seja eficaz, no sentido de alterar o quadro atual. Por ser conseqüente, ela deve prever meios de 56 avaliar seus resultados de forma a permitir a correção de rumos e de se atualizar permanentemente, não se confundindo com ocorrências aleatórias, motivadas por pressões específicas ou conjunturais. Não se confunde também com ações isoladas, carregadas de boas intenções, mas que não têm conseqüência exatamente por não serem pensadas no contexto dos elos da cadeia de criação, formação, difusão e consumo (Botelho, 2007, p. 3-4). Em um texto anterior, a autora assinala duas dimensões da cultura que deveriam ser consideradas alvos das políticas culturais. A dimensão sociológica, distintamente privilegiada, refere-se ao mercado, à cultura elaborada com a intenção explícita de construir determinados sentidos e de alcançar algum tipo de público, através de meios específicos de expressão. Já a dimensão antropológica remete à cultura produzida no cotidiano, representada pelos pequenos mundos construídos pelos indivíduos, que lhes garante equilíbrio e estabilidade no convívio social. Portanto, esta última perspectiva é um grande desafio para o alcance dos gestores da cultura (Botelho, 2001). Esta última concepção foi adotada pela gestão 2003-2010 do MinC como veremos com maiores detalhes no próximo capítulo, pois envolve elementos constitutivos da sociedade como um todo, compreendida para além do fazer artístico, e, enquanto um conjunto de linguagens e símbolos que se modificam no tempo e no espaço, em um processo dinâmico que envolve o passado, o presente e o futuro. Destacamos também a definição de políticas culturais adotada pelo IPEA, em 2010, na mais recente avaliação realizada sobre o Programa Cultura Viva, e, portanto, com ênfase nos Pontos de Cultura, campo de pesquisa deste estudo. Assim, afirma-se que é possível definir as políticas culturais por sua conformação em processos de democratização de acesso a bens tradicionais ou legítimos, a exemplo da disseminação da música ou balé clássico, do teatro e das belas letras. Entretanto, se diz que estes são um subconjunto do objetivo da política cultural, porquanto esta intenção é apenas uma possibilidade dentre outras. Da mesma forma, é possível valorizar certas práticas populares como contra-hegemônicas, ou mesmo como alternativas a uma suposta atitude aristocratizante. Há múltiplas possibilidades de definir os objetivos de políticas culturais, tais como integração nacional, desenvolvimento da indústria cultural nacional, fomento ao turismo cultural. Contudo, ressalte-se, estas intenções são subconjuntos da política cultural. Assim, com base nestas considerações, a perspectiva para a avaliação do Programa Cultura Viva, pelo IPEA aufere que o principal objetivo das políticas culturais seria a democracia cultural: 57 (...) que está também associada à democracia social e política, ou seja, a democracia cultural é instrumento de objetivos sociais e políticos e finalidade em si. Associa direitos culturais com democracia e com ampliação dos canais de participação e exercício da política. (...) Longe de se limitarem aos seus objetivos gerais, como democracia cultural e promoção da diversidade, as políticas culturais devem traduzir seus objetivos em ações e processos específicos, os quais são chamados de circuitos culturais. (...) As políticas culturais estão ancoradas nos direitos e na idéia de universalidade do acesso a bens culturais, simbólicos ou materiais. A democratização e o acesso à cultura são valores de amplo acolhimento entre os diferentes atores sociais. De maneira geral, os objetivos gerais que guiam outras políticas sociais se aplicam às políticas culturais, que também são consideradas como meios para enriquecer a existência das pessoas e criar igualdade social. No entanto, as instituições culturais encontram-se diante de fortes restrições que limitam sua abrangência e acesso (IPEA, 2010a, p 15). Todavia, sob este entendimento permanecemos no campo das alternativas do possível reconhecimento das inúmeras manifestações artísticas e de culturas, que são importantes e podem vir a contribuir para o desenvolvimento e a promoção da real participação das pessoas no processo democrático, cujos circuitos de decisão requerem experiência e conhecimento. As políticas de democratização cultural surgem nos anos 1960-1970 com o objetivo de superar as desigualdades de acesso da maioria da população à Cultura (com C maiúsculo), considerada a mais ”legítima” (Botelho, 2001). No entanto, a autora defende que democratização cultural configura-se na disponibilização, para todos, da possibilidade de escolher a que cultura quer ter acesso, sobretudo, evitando a indução da população a determinadas opções. A efetiva “democracia cultural” pressupõe a existência de públicos diversos e heterogêneos, bem como a inexistência de um parâmetro único para a legitimação das práticas culturais, o que abrange uma dimensão bastante ampla e que exige o reconhecimento do vínculo indissolúvel entre cultura e política, especialmente, diante da desigualdade social e dos projetos políticos diferenciados. Assim, a definição elaborada por Canclini (2001), é abrangente e contribui com estas reflexões por considerar que não é suficiente que uma política cultural seja concebida como administração cotidiana do patrimônio histórico, ou ainda como ordenamento burocrático do aparato estatal dedicado à arte e à educação, ou as etapas programadas de ações de cada governo. Para o autor as políticas culturais resumem-se a: “um conjunto de intervenções realizadas pelo Estado, instituições civis e grupos comunitários organizados a fim de orientar o desenvolvimento simbólico, satisfazer as necessidades culturais da população e obter consenso para um tipo de ordem ou de transformação social” (Canclini, 2001, p.65). 58 Portanto, consideramos que a criação e produção cultural estão no âmbito da sociedade e dos movimentos organizados, cabendo ao Estado apoiá-las em suas manifestações, bem como na participação da construção de políticas públicas e alocação de recursos que atendam às suas demandas, ainda que, estas manifestações provoquem o questionamento da própria estrutura social, provocando transformações que contemplem o coletivo. Constatamos assim, que os estudiosos da área de políticas culturais assinalam os anos 193032 como um marco referencial da atuação mais sistemática do Estado nesta área da cultura brasileira. Algo muito recente, descontínuo e difuso, tal como as demais políticas públicas brasileiras. Dentre os estudos históricos, destacamos: Miceli (1984 e 2001), Botelho (2001), Coelho (1997), Calabre (2005) e Rubim (2007). Assim, temos como referência o início da era Vargas e a atuação do ministro Gustavo Capanema no Ministério da Educação e Saúde (MES), cuja denominação passou a ser Ministério da Educação e Cultura (MEC) (194533 a 1960), bem como à fase democrática pós Estado Novo, de 1945 a 1963, período em que a ação do Estado não foi tão constante como na fase anterior, caracterizando o desenvolvimento na área cultural no campo da iniciativa privada. No entanto, isto não significou uma total ausência do Estado, mas foi marcado pelas ações de segmentos progressistas como o Centro Popular de Cultura (CPC), da União Nacional dos Estudantes (UNE), e também a indústria cultural que se fortaleceu por meio do rádio, do cinema e da televisão. Já o período posterior, o do autoritarismo militar, entre 1964 e 1985 foi caracterizado pela volta aos assuntos culturais pelos militares, principalmente baseados pela ideia de que a cultura era uma esfera de legitimação do regime político conforme nos aponta Moisés (2001). Outro período significativo é o da criação do Ministério da Cultura em 1985, do financiamento da cultura brasileira, que se inicia em 1986, tendo como marco legal a Lei no. 7505, a Lei Sarney. Tal dispositivo permitiu e regulou a participação da iniciativa privada como financiadora da cultura, mediante compensação fiscal, os 32 Outros autores, como Souza (2000) do qual discordamos, consideram que as políticas culturais foram inauguradas no período do segundo Império, entre 1808 a 1929, com o objetivo de melhorar o nível social de uma colônia atrasada. 33 Destacamos que entre 1939 e 1945, as atividades culturais do país foram supervisionadas pelo Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP, órgão de controle e censura do Estado Novo, cujo Decreto-lei n° 1.949, de 30/12/1939, estabeleceu as normas que regeram as atividades de imprensa e propaganda em todo o país. 59 chamados “incentivos fiscais”. Desta forma, empresários e agentes de financiamento passaram a atuar no campo cultural, porém acarretando inúmeras críticas devido à falta de transparência dos empresários-investidores, bem como por se constituírem em beneficiários de isenção e não como co-participantes de uma política de financiamento. 2.2.1. Árduo e recente processo de construção das políticas culturais no Brasil A trajetória e as concepções das políticas culturais brasileiras estão relacionadas à história e às mudanças econômicas e sociais enfrentada pela nação e que implica a incidência de decisões vinculadas a diversos fatores, como a forma de governo do país, ideologias defendidas, e nos diversos contextos de governos, sejam eles ditaduras ou governos democráticos. No caso brasileiro, as políticas culturais têm sido objeto de estudo recente e plural, disperso em inúmeras áreas de conhecimento e que envolvem a transversalidade do campo cultural. Ao nível mundial, enquanto ação organizada e integrada, a política cultural surge no período pós-guerra, por volta da década de 1950, pois, até então, existiam apenas relações entre o campo político e o da cultura e o da arte em geral, com ações isoladas. Fernandez (2007), apesar de mencionar as iniciativas político-culturais da segunda república espanhola nos anos 1930 e a instituição do Arts Council na Inglaterra na década de 1940, afirma que, enquanto ação de maior densidade e impacto, a criação do Ministério da Cultura na França, em 1959, é um marco na institucionalização da cultura no ocidente. Todavia, esta não é uma demarcação sem polêmicas, mas intenta substituir complexos e dinâmicos processos, que estariam supostamente fixados. De acordo com Rubim (2009), a intervenção do novo Ministério francês objetivava também a retomada do poderio cultural francês no ocidente e no mundo, bastante abalado no período posterior à segunda guerra mundial, mas subordinava claramente esta perspectiva política a uma finalidade cultural. Ao contrário, historicamente a relação entre cultura e política sempre foi caracterizada pelo predomínio da finalidade política e pela instrumentalização da cultura, contudo a França inaugura uma radical guinada, instaurando uma nova conexão, na qual a cultura passou a ser a finalidade e a política apenas o meio para atingi-la. Deste modo, André Malraux, que dirigiu o Ministério dos Assuntos Culturais francês, “inventou”, conforme Urfalino (2004), a política cultural em sua acepção contemporânea. 60 No Brasil, a década de 1930 inaugura a concretização de políticas nacionais de cultura, enquanto ações sistemáticas e organizadas, ainda que contemplando apenas algumas áreas, e sem a participação da população. Em 1940, no recenseamento realizado, a cultura mereceu a publicação de um volume específico, com considerações sobre as diversas áreas de abrangência, bem como foi registrada pelo governo a intenção de criar um órgão de pesquisa estatística específico para as áreas de educação e cultura. A área da radiodifusão teve uma atenção especial do governo Vargas, porém nunca esteve sob a gestão dos ministérios da Educação ou da Cultura. Assim, os estudos de política cultural contribuem para a constituição de uma espécie de história da ideologia cultural do Estado (Calabre, 2007). Ao perpassar todas as áreas da vida social, tais como economia, comunicação, direito, costumes, diversidade, política nacional e internacional, exige-se das políticas culturais uma articulação capaz de romper as fronteiras da dimensão sociológica da cultura. A história das políticas públicas culturais brasileiras é perpassada por “três tristes tradições”, como nomeia Rubim (2007): ausência, autoritarismo e instabilidade. A tradição da ausência de políticas públicas é demarcada desde o Brasil colonial, com a inexistência ou lacuna de políticas; em segundo lugar, o autoritarismo se configura nos períodos em que o Estado é mais ativo e enfrenta a tradição de ausência, porém evidenciado por uma estrutura desigual e elitista. Em terceiro, a tradição da instabilidade que é conformada pela junção das duas anteriores: a da ausência e a do autoritarismo, e concebida por fatores como fragilidade organizacional, ausência de políticas mais permanentes, descontinuidades administrativas, abusos e situações autoritárias. As políticas culturais no país foram precedidas e derivadas de movimentos artísticos e intelectuais, caracterizando o governo Vargas como marco da instauração das políticas culturais, com base, principalmente, no longo período anterior, considerado de “ausência”, o Brasil colonial. Nesta época, Portugal infligiu inúmeras limitações ao acesso cultural, bem como à educação, excluindo de forma nítida as culturas africanas e indígenas. No entanto, o modelo de colonialismo lusitano não se estendeu a toda a 61 América, onde os espanhóis, por exemplo, fundaram trinta universidades34 na América espanhola no período do século XVI, até o XIX, constituindo um padrão específico de dominação. Assim, os intelectuais-artistas cujos pensamentos e ações foram abordados no primeiro item deste capítulo nos remetem a vários momentos históricos para refletir sobre a cultura brasileira no plano político. Ao criar uma ampla rede de comunicação entre intelectuais e o aparelho estatal, a cultura popular foi neutralizada e mobilizada para quadros de massificação que desintegraram as variadas formas de produção cultural em nome da cultura nacional, dissolvendo contradições sociais e políticas e conformando uma sociedade de classes e a manutenção de um status ideológico. Esses elementos nos trazem reflexões acerca do desenvolvimento de tais políticas, bem como revela a questão da correlação entre arte e política, permeada pela noção de cultura. Nesse movimento, havia um ideal universalista e a crença num processo que garantiria o acesso do Brasil no plano das nações cultas e modernas. Isto, diante dos diferentes e complexos aspectos do cenário cultural brasileiro, como o passado colonial, a escravidão, a formação racial heterogênea, a posição periférica em relação aos países desenvolvidos, motivos que demandavam a criação de uma unidade coerente. Para Mário de Andrade a cultura genuinamente nacional estava presente nas manifestações culturais populares. Os “verde-amarelos” organizados em torno de Menotti Del Picchia e Plínio Salgado pretendiam, via “Revista de Antropofogia” realizar um conceito-síntese da diversidade brasileira. Mário de Andrade atribuiu a um único personagem, Macunaíma, traços culturais das mais variadas regiões brasileiras. Somente no Estado Novo, apesar de todas as vicissitudes próprias a uma ditadura, houve um empenho em sistematizar a cultura e torná-la emblema do nacionalismo, sobretudo, para o estabelecimento de uma ordem social, até o período do golpe militar de 1964. O governo Getúlio Vargas priorizou o setor, estabelecendo leis e criando instituições como o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) em 1937, depois Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional 34 Com a intenção de mencionar alguns fatos considerados relevantes, sem, contudo, aprofundar o extenso período colonial, a côrte criou mecanismos de desenvolvimento que diminuíssem de certa forma, o infortúnio de estar longe da “civilização”, e que mantivessem o poder e a manutenção de sua superioridade e domínio, restringindo a cultura e o conhecimento à elite consolidada em torno do império. A independência não significou um novo espectro para a cultura, e mesmo com a propagação de que Dom Pedro II foi o patrono da cultura, seu interesse particular não visava a ampliar e institucionalizar o acesso público aos bens culturais. 62 (DPHAN) em 194635, que se tornou Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 1970 (Duarte, 1977, p. 61-62). Porém, alguns autores como Calabre, pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa e Albino Rubim, coordenador do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (CULT/UFBA), não consideram que estas iniciativas constituam políticas públicas culturais, pois seriam ações que não foram discutidas e legitimadas pela sociedade. “(...) É fundamental distinguir políticas estatais de cultura de políticas públicas de cultura, pois estas últimas implicam sempre em políticas negociadas com a sociedade”. Deste modo, este período se caracteriza como vimos, desde a sua gênese, pela incidência do signo de uma multiplicidade de referências e mistura36 sobre a cultura brasileira. Contudo, as manifestações artísticas estariam a serviço da política e integração nacional via criação de mecanismos e instituições voltadas para a cultura e para a construção de uma identidade nacional, embora a transformação social fosse o horizonte que conduzia os intelectuais-artistas. Todavia ressaltamos que não aprofundaremos alguns acontecimentos históricos, como o movimento cultural que persistiu com muita força no Brasil, sobretudo, via contracultura, expressada pelo Tropicalismo e o Cinema Novo, cujo ideário antropofágico foi reativado por este movimento, convocando as marcas desta tradição por meio da liberdade de experimentação, tendo gerado propostas artísticas de grande força e originalidade. Atualmente como veremos com maiores detalhes, estas condições coexistem com mudanças e com uma enorme complexidade de fatores. A possibilidade de vínculos livres, que ultrapassam fronteiras e autoritarismos, em que as utopias são renovadas com um sentido de pertencimento e de efetiva participação, bem como a possibilidade de acesso a diversos direitos com prazer (cultura como expressão e não como instrumento), envolve a disputa de valores e do espaço público. Enquanto 35 O ano de 1946 é um marco na esfera político-educacional, ano em que a “Reforma Capanema” completou-se, além de ser o ano do estabelecimento de uma nova Constituição com base no regime “liberal-democrático e no direito de todos”, cuja expressão “diretrizes e bases” aparece pela primeira vez, sendo a educação vista como instrumento da ação do Estado a serviço do desenvolvimento econômico-social do país. 36 Como vimos, a antropofagia, nos anos 1930 adquire um sentido que extrapola a literalidade do ato de devoração praticado pelos índios. Nasce assim o chamado Movimento Antropofágico que extrai e reafirma o processo ético da relação com o outro que preside este ritual, fazendo-o migrar para o terreno da cultura. 63 sentido da vida, a cultura é indissociável do movimento da própria vida e das pessoas, que em seu cotidiano as produzem, bem como dos movimentos libertários por sociedades mais justas. Como desafios, temos a crescente desigualdade social, o baixo investimento público na área dos direitos básicos, que incluem a cultura, a inexistência e/ou precariedade dos fluxos públicos, dependendo das regiões, que inviabilizam o acesso, a produção e a fruição, além da histórica fragmentação e descontinuidade das políticas públicas no país. 2.2.2. Em busca da identidade nacional: a articulação dos modernistas e o Estado O parâmetro da dimensão antropológica da cultura, como vimos, incorpora o âmbito dos costumes, das crenças coletivas e dos saberes tradicionais relacionados ao modo de viver, e foi fundado no Brasil por Mário de Andrade. As matrizes do conceito ampliado de cultura se encontram no anteprojeto que ele elaborou em 1936, para a criação de uma instituição nacional de proteção do patrimônio artístico nacional, por solicitação do Ministro da Educação e Saúde Gustavo Capanema (1934-1945), do governo Getúlio Vargas. Apesar de conservador, o Ministro acolheu muitos intelectuais e artistas progressistas em seu ministério, mesmo em plena ditadura do Estado Novo, a exemplo do poeta Carlos Drummond de Andrade, seu chefe de gabinete, Oscar Niemeyer e Cândido Portinari. Nessa época, Mário de Andrade dirigia o Departamento de Cultura da cidade de São Paulo, além de ser chefe da Divisão de Expansão Cultural, criado em 1935. O anteprojeto elaborado por Mário de Andrade é reconhecidamente inovador para a época, pois antecipava preocupações que somente mais tarde foram incorporadas em documentos internacionais como a Carta de Veneza de 1964, que estabelecia princípios sobre a conservação e o restauro de monumentos e sítios (Botelho, 2007). O decreto37 de criação do SPHAN definia como patrimônio histórico e artístico nacional “o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação 37 No artigo 1º do Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, o patrimônio histórico e artístico nacional é constituído pelos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação é do interesse público. Os bens somente serão considerados parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional depois de inscritos em um dos quatro Livros do Tombo, que são: o Arqueológico, o Etnográfico e Paisagístico; o Histórico; o de Belas-Artes; e o de Artes Aplicadas, sobre a constituição do SPHAN. 64 seja do interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da História do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”. Classificavam-se também como patrimônio “monumentos naturais, bem como sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana”. Tais definições constituíam-se na abrangente concepção de cultura adotada pelo Estado, similar a que foi seguida pela gestão 2003-2010 do MinC, como veremos no terceiro capítulo, e que abrange todo o universo da produção cultural, desde as ações cotidianas como a culinária e modos de vida até as inúmeras atividades artísticas, além de incluir todas as camadas da população. Entretanto, constatamos que as razões no âmbito da década de 1930 eram outras, e consistiam, sobretudo, na convicção de que a apropriação do passado era um instrumento para educar a população, sobretudo, a respeito da unidade e da permanência da nação. Mário de Andrade era um dos mais importantes modernistas da época e assim poderia fortalecer a formação da mentalidade futura do homem brasileiro. Por sua importância, Mário de Andrade assumiu a execução da principal tarefa do Ministério da Educação e Saúde, que teve Gustavo Capanema cumprindo um extenso mandato de 1934 a 1945 e que pretendia consolidar o que importava do passado do país. Em 1936, o Ministério foi o responsável pela seleção de uma estética para o Estado e reconheceu nos “modernos” a capacidade de erigir os novos monumentos, assim como os considerava dignos de tornar honrada, em nome do Estado, a produção da história passada, que seria protegida para a posteridade. Cabe destacar, no entanto, que o anteprojeto de Mário de Andrade foi modificado significativamente e não conduziu a ação do SPHAN, pois foi reescrito por Rodrigo Melo Franco de Andrade38, que dirigiu a instituição de 1937 a 1967. Optou-se pela especialização e o insulamento institucional, como afirma Miceli, “sem levar em conta as preferências dos consumidores ou do público usuário potencial dos bens tombados e restaurados” (Miceli, 1984, p. 364). Portanto, abandonado, o anteprojeto de Mário de Andrade, deixou de realizar o que trazia de mais desafiador e avançado para o seu tempo: “a memória dos grupos populares, das etnias que compõem a brasilidade, da diversidade dos saberes e fazeres do país. Permaneceu, no entanto, como um norte a ser citado e perseguido” (Botelho, 2007, p. 7, grifo nosso). 38 Jornalista, escritor e advogado, herdeiro dos ideais modernistas da Semana de 1922. 65 Alguns estudiosos como Miceli (1984) consideram este anteprojeto, como um projeto global, principalmente em relação à cultura popular, enquanto norteador geral para a área da cultura. Porém, Botelho (2007) enfatiza que a visão abrangente de Mário de Andrade está no conjunto de sua obra, aliada a sua ação no Departamento de Cultura de São Paulo, de onde provêm seus posicionamentos acerca do papel da arte, do artista, questões relacionadas à formação de todas as camadas da população, ao registro, à análise e à democratização do acesso à cultura. Processo em que a cultura passa a ser vista de forma plural, valorizada e respeitada em sua diversidade. Em 1938 é criado o Conselho Nacional de Cultura (CNC)39, um ano depois da criação do SPHAN, em 1937, ano em que também foi criado o Serviço Nacional de Teatro40 e também o Instituto Nacional do Livro41. Já o Serviço de Radiofusão Educativa foi criado a partir de uma doação realizada por Roquete Pinto ao Estado em 1936, ano da criação do Instituto Nacional de Cinema. Além disso, foram incorporadas ao sistema, as instituições42 existentes desde o período do Império, tais como a Biblioteca Nacional, o Museu Nacional de Belas Artes, o Museu Histórico Nacional e ainda a Casa Rui Barbosa, criada em 27 de maio de 1929, e incorporada ao Ministério da Educação e Saúde a partir de 1 de dezembro de 1930. Em 1953 o Ministério da Educação e Saúde foi dividido em Ministério da Saúde (MS) e Ministério da Educação e Cultura (MEC). Deste modo, as ditaduras do Estado Novo (1937-1945) e dos militares (19641985), além da censura e de diferentes formas de repressão e autoritarismos realizaram uma consistente intervenção no campo cultural. No entanto, o objetivo era instrumentalizar a cultura; adestrar seu caráter crítico; além de submetê-la aos interesses autoritários vigentes; bem como buscar a legitimação do regime das ditaduras e, também, como meio para o estabelecimento de um sentido de nação. 39 Decreto-lei nº. 526 de 1938. Em 1961, o presidente Jânio Quadros recriou o CNC, subordinado à presidência da república e formado por comissões das áreas artísticas e de alguns órgãos do governo. A proposta era instalar um órgão responsável pela elaboração de planos nacionais de cultura. Contudo, com as mudanças políticas do país, já em 1962, o Conselho retorna para a subordinação do MEC, mantendo as suas atribuições. 40 Decreto-lei no. 92 de 21/12/1937. 41 Decreto-lei no. 93 de 21/12/1937. 42 Outras instituições privadas como o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, o Museu de Arte de São Paulo, a Fundação Bienal, dentre outras, foram declaradas de utilidade pública e passaram a receber subvenções do governo federal, mas que por sua descontinuidade não caracterizava um política de financiamento. Grupos, como o Teatro Brasileiro de Comédia também receberam auxílio financeiro do governo. 66 Contraditoriamente, esta valorização e aporte da área cultural também colaborou para a criação de uma dinâmica cultural e de políticas culturais que percorreram as fronteiras possíveis das ditaduras. 2.2.3. Iniciativas de movimentos da sociedade: experiências regionais Na década de 1960, como já observou Roberto Schwarz (1978), a produção cultural respirou o oxigênio da atividade política, garantindo uma razoável saúde social. Ao longo dessa história, destacamos algumas iniciativas regionais que buscaram preencher ausências de políticas públicas e de ações consistentes, com projetos de educação popular, como o Movimento de Cultura Popular (MCP), no Recife, e do grupo “De Pé no Chão Também se Aprende a Ler”, em Natal, que ocorreram nos anos 1960. Ambos contaram com o financiamento da municipalidade local e a participação do educador Paulo Freire. Dentre as diversas atividades, configuravam a alfabetização até os grupos teatrais, os cursos de corte e costura, de cerâmica, dentre outros. Milhares de pessoas passaram pelos grupos, ou acompanhavam os programas educativos pelo rádio. Além disso, as iniciativas também influenciaram outros movimentos posteriores, como o Centro Popular de Cultura (CPC), da União Nacional dos Estudantes (UNE). Deste modo, os vínculos entre a produção cultural e a vida política foram vivenciados nos CPCs, que almejaram o estabelecimento de uma verdadeira cultura popular revolucionária e desenvolveram um projeto original e único no cenário cultural do Brasil, já que o processo de modernização brasileiro não era homogêneo, ao contrário, era mais intenso em alguns setores do que em outros. O caráter ambíguo do CPC se atribuía a sua produção, devido à natureza ideológica de sua identificação tanto entre o intelectual e o povo, como a de sua valorização da linguagem "das massas" que, de certa forma, tornou possível o estabelecimento de certo modo de criar. Ao mesmo tempo, configurava uma cultura que, sob muitos aspectos, eram contrários às tendências mais modernizantes de inserção no mercado. O militante cultural do CPC não buscava seu reconhecimento por esse mercado e sua consequente afirmação profissional. Pôde, assim, desenvolver uma prática cultural que envolvia, simultânea e diretamente, vários meios artísticos expressivos. Esta cultura almejava a criação de um vínculo direto entre autor e público, sem a mediação do mercado. Dessa forma, o intelectual-criador podia se comunicar politicamente com as camadas populares, particularmente com os membros da classe operária. No entanto, é 67 esta natureza ambígua que lhe confere a capacidade de resistir à modernização conservadora imposta ao país pelos militares. Porém, nisto também residia o seu caráter explosivo e rebelde que despertaram a ira dos militares golpistas. Se por um lado, todavia, a produção direcionada à população foi bem sucedida na educação, por outro, são apontadas algumas ressalvas no campo das manifestações artísticas. Como aponta o escritor Ferreira Gullar, que dirigiu o CPC e que questionava a proposta de fazer “obras fáceis e acessíveis”, consideradas assim por ele, subestimando a capacidade dos trabalhadores de apreender algo considerado mais “erudito”, porém, Gullar reconhece o CPC como um importante momento na organização de uma arte contestadora. Outrora, Leminski reflete: “- nós - intelectuais do 3º mundo - vivemos desesperados por comunicação. O abismo entre as classes nos repugna e revolta. Temos que cuidar para que esse desespero não dê pontos à mediocridade” (Leminski e Bonvicino, 1999, p.148). O escritor aponta para uma renúncia quanto ao posicionamento esquerdista relativo ao CPC, que pregava uma literatura de educação para as massas: “Invoca-se o interesse das grandes massas para legitimar a mediania e a banalidade. Em nome do povo, produz-se uma literatura ou subliteratura dos padrões da elite. Essa literatura não é popular, no verdadeiro sentido do termo. Não é efetivamente consumida pelo povo ou - muito menos - produzida por ele. É apenas a média da literatura da classe dominante de gosto médio” (Leminski, 1997, p. 22, grifo nosso). Leminski rejeita, deste modo, o conceito de arte popular como inferior ou de padrão estético menor, mas que efetivamente difere dos padrões e formas de criação e produção, tidos como hegemônicos43 ou já consagrados. Destacamos, por conseguinte, que, com o golpe militar, fecharam-se o CPC, o MCP e o grupo De Pé no Chão, ao mesmo tempo em que, aos poucos, formalizou-se a separação institucional entre educação e cultura. Esta trajetória, portanto, foi efetivamente afetada pelo golpe militar de 1964, pois de um modo geral, os intelectuais e os artistas foram reprimidos, perseguidos, assassinados e exilados. Porém, também foi viabilizado a (re) configuração da cultura no território nacional, como nos lembra Schwarz (1978), pois a ditadura investiu maciçamente no desenvolvimento das indústrias culturais no país, estabelecendo toda a infraestrutura sócio-tecnológica imprescindível à cultura midiatizada. O golpe reafirmou mais uma 43 O conceito de hegemonia presente neste estudo corresponde ao sentido postulado por Gramsci (1978), associado ao conceito de contra-hegemonia e ideologia, enquanto forças históricas. 68 vez a “triste tradição” de relacionamento da cultura como o autoritarismo. Em sua fase inicial, a ditadura foi capaz de conviver, apesar das tensões, com uma cultura nacional popular de esquerda, hegemônica em determinados setores sociais. 2.2.4. Pós 1964: ditadura militar, mecanismos de institucionalização e a redemocratização em 1985 Como resultado desse período, particularmente entre 1964 e 1968, o país sofreu intensa radicalização ideológica, particularmente na música popular e na experiência teatral que, efetivamente, eram os meios expressivos mais valorizados por uma cultura articulada à tradição política pré-64. Isto não só tornou possível a tematização das questões políticas da conjuntura como auxiliou o desenvolvimento da movimentação política de setores da classe média, a exemplo dos estudantes, que saíram às ruas para protestar contra a ditadura militar, configurando, deste modo, uma resistência política. Com o início do governo militar em 1964, os rumos da produção cultural são alterados, e foi retomando o projeto de uma maior institucionalização do campo da produção artístico-cultural. Durante a presidência de Castelo Branco (1964-1967), surgiu o debate sobre a necessidade da elaboração efetiva de uma política nacional de cultura, chegando a ser formada uma comissão para estudar a reformulação do Conselho Nacional de Cultura, reestruturando-o para que pudesse assumir o papel de formulador de uma política cultural de alcance nacional. Nesse difícil trajeto da produção cultural, foram criados o Conselho Federal de Cultura (CFC em 1966, composto por 24 membros indicados pelo Presidente da República, com o objetivo de “preservar a nacionalidade”. Em 1968, 1969 e 1973, alguns planos de cultura foram apresentados ao governo, porém nenhum deles foi integralmente posto em prática. Como questão central, estes planos previam a recuperação das instituições nacionais, dentre as quais a Biblioteca Nacional, o Museu Nacional de Belas Artes, o Instituto Nacional do Livro, etc., objetivando também que pudessem exercer o papel de construtores de políticas nacionais para suas respectivas áreas. O CFC tinha a atribuição de analisar os pedidos de verba ao MEC instituindo uma política de apoio a uma série de ações, papel exercido efetivamente até 1974, mas durante muito tempo a estrutura do Ministério esteve toda voltada para a área de educação. O Departamento de Assuntos Culturais (DAC), dentro do MEC, foi criado somente em 1970, por meio do Decreto 66.967. 69 A consequente mobilização política desse período produziu uma anomalia, como assevera Schwarz (1978), na vida brasileira: se por um lado, a direita tinha efetivamente a hegemonia da vida política, por outro, a esquerda era hegemônica na vida cultural. Contradição nada desprezível diante do Estado Militar. Em dezembro de 1968, promulgou-se o AI-5, desencadeando, mais uma vez, violenta repressão, que almejava estancar imediata e definitivamente a contestação política e também suprimir a cultura politizada e ideologicamente contestadora do período. Pode-se inferir que foram também estratégias para o novo estabelecimento da produção cultural. A ação imediata do Estado Militar após a edição do AI-5, por meio do qual alterava sua postura diante da vida cultural, foi basicamente repressiva. Havia uma determinação em suprimir efetivamente qualquer herança ou consequência da prática cultural anterior a 1968. Assim, por meio da censura, foram suprimidas todas as formas expressivas que pudessem ter qualquer eventual significação política. Reprimiuse indistintamente todo tipo de obra, bem como a sua circulação e distribuição afetando gravemente tanto seu destino como sua qualidade. Demitiram-se e perseguiram alguns professores, produtores culturais, dentre outros intelectuais e artistas. Calou-se a voz da sociedade e impediram-se suas manifestações culturais. A censura diária à imprensa parecia almejar o estabelecimento de um silêncio social e de um vazio cultural que comprometiam a qualidade da formação dos cidadãos e estabelecia uma atmosfera cultural desanimadora. A atividade criadora dos primeiros anos da década de 1970 foi, desde sua gênese, forçada a romper o vínculo estreito com a vida política que caracterizou o período anterior. O processo de despolitização impelia as aventuras experimentais, fazendo ressurgir vanguardas, dentre outras, na área da literatura44 que praticava a “supressão dos eixos temáticos do discurso em busca de uma 44 Heloísa Buarque de Holanda (1980) pesquisou a produção da literatura do início da década, identificando seus principais traços. Reconheceu a existência de duas tendências predominantes: a dos "pós-tropicalistas" e a da "geração do mimeógrafo", bem como o áspero debate travado entre elas, no início dos anos 1970. Suas divergências não eram originais e remetiam a década anterior, pois a principal polêmica consistiu, por exemplo, numa espécie de revisão do debate travado entre os adeptos do concretismo e os cepecistas. Indagava-se em que condições devia se dar a produção cultural e, particularmente, a literária. Como deveria ser socialmente concebida, ou produzida por pessoas não especializadas, em condições independentes e sem que recaísse sobre ele as determinações imediatas do mercado consumidor. Ou ainda, ao contrário, por escritor especializado que concebia o livro como um produto sofisticado e que recorreria, por isso mesmo, às mais modernas técnicas de composição gráfica e editorial. A rivalidade concentrava-se no modo de ser da cultura e de sua relação com a modernização social. Outras questões surgiram como a indagação sobre a origem social da figura do escritor e qual seria sua relação com o aparato tecnológico de produção concentrado nas indústrias culturais. 70 ordenação não linear do texto; substituição da metáfora pela paronomásia e busca de ficção não-mimética" (Antônio Candido, 1981). Outras consequências para a condução das políticas culturais brasileiras advêm, portanto, da década de 197045, considerado o segundo momento importante para a organização institucional da área. Mais uma vez foram criadas outras instituições para atender às novas demandas do período, acarretando uma grande reformulação. Desde o período da ditadura militar, como o golpe de 1964, havia uma preparação para a abertura democrática, o que demandava a melhoria da imagem do país. Segundo Botelho (2007), apesar do regime ditatorial, predominava uma relativa hegemonia cultural de esquerda no país, mais um motivo para, junto à oposição, mudar a imagem do governo. O Conselho Federal de Cultura formula uma política de cultura em nível federal, denominada Política Nacional de Cultura (PNC) em 1975, que previa, dentre outros, a criação de novos órgãos. Assim nasce a Fundação Nacional de Artes (FUNARTE), que passou a apoiar de forma sistemática a produção de arte contemporânea até então negligenciada devido ao predomínio da noção de patrimônio histórico, além da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e a fusão de institutos já existentes, como a Empresa Brasileira de Filmes (EMBRAFILME). O Serviço Nacional de Teatro foi ampliado e conselhos foram criados para tratar de aspectos legais dos setores ligados à indústria cultural, a exemplo do Conselho Nacional do Direito Autoral (CNDA) e do Conselho Nacional de Cinema (CONCINE). Essa estrutura consolidou posteriormente a criação do Ministério da Cultura em 198546. Aloísio de Magalhães geriu o IPHAN nos anos 1970 e ampliou a noção de patrimônio, incluindo os bens imateriais e aumentando as ações voltadas para os povos originários. Ainda em 1975, articula a criação do Conselho Nacional de Referência Cultural (CNRC), um grupo de trabalho no âmbito do Ministério da Indústria e do Comércio em convênio como o governo do distrito federal, no espaço cedido pela 45 No governo do Presidente Médici (1969-1974), na gestão do ministro Jarbas Passarinho (1969-1973), foi elaborado o Plano de Ação Cultural (PAC), apresentado pela imprensa da época como um projeto de financiamento de eventos culturais e que abrangia o setor de patrimônio, as atividades artísticas e culturais e a capacitação de pessoal em diversas regiões do país. Configurava-se um processo de fortalecimento da atuação no campo da promoção e difusão de atividades artístico-culturais, cujos recursos vinham do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Todavia, não se evitou a falta de integração e, mesmo com recursos consideráveis, as ações foram pulverizadas. 46 Em 1985 ocorreu a separação do Ministério da Educação e da Cultura. 71 Universidade de Brasília. Pretendia-se debater questões relativas ao desenvolvimento econômico aliado à preservação dos valores da formação cultural brasileira, preocupação que passava pelo papel do desenho industrial na definição de uma fisionomia dos produtos brasileiros, já que Aloísio de Magalhães era designer 47. Inicialmente a proposta do CNRC era desenvolver um banco de dados, um sistema de indexação, sobre a cultura brasileira, cujo trabalho de “referenciar” consistia em considerar o produto brasileiro focalizado enquanto processo, tendo em vista sua dinâmica de produção e de interrelação com os contextos local e nacional. Magalhães, Severo Gomes e Vladimir Murtinho, conceberam a criação de um órgão que objetivava produzir, no Brasil, alternativas ao processo de “achatamento”48 cultural, que ameaçava a sobrevivência dos processos culturais “espontâneos”. Assim a criação do CNRC evidenciaria a produção cultural localmente produzida, passando a “captar a dinâmica dos processos culturais” para disseminá-lo pelo país, propiciando que um processo cultural pudesse alimentar o outro sucessivamente. Para os idealizadores do CNRC, somente dessa forma, a partir de uma “rede de referências” da cultura brasileira, seria possível evitar a descaracterização e extinção das culturas locais e promover, no país, um desenvolvimento verdadeiramente autônomo. De acordo com Botelho (2007), Aloísio de Magalhães conseguiu rapidamente reunir muitas organizações em torno de um só projeto, evidenciando sua capacidade política de articulação, bem como a sua consciência da fragilidade do setor cultural e sua marginalidade diante de outras questões. Assim, procurou comprometer órgãos diversos e assinou um convênio multiinstitucional, em 1976, para a estruturação definitiva do CNRC49, com o Ministério de Relações Exteriores, a Secretaria de Planejamento da Presidência da República, a Caixa Econômica Federal, o Ministério do Interior, o Ministério da Educação e da Cultura, o Ministério da Indústria e do Comércio, a Fundação Cultural do Distrito Federal e a 47 Pernambucano, Magalhães graduou-se em Direito, foi gravurista e artista plástico, projetou as notas do cruzeiro, moeda corrente na época, e também a logomarca da Petrobrás. 48 Aloísio Magalhães considerava como “achatamento do mundo”, um processo decorrente da aceleração da industrialização do mundo ocidental, “uma espécie de fastio, monotonia, achatamento de valores causado pelo próprio processo de industrialização muito acelerado e sofisticado. Enfim, o mundo começou a ficar chato” (Magalhães, 1997, p. 115). Este processo induzia a perda das características e dinâmicas próprias e locais, sua maior preocupação. 49 O CNRC foi organizado em quatro programas de estudo: mapeamento do artesanato brasileiro, Levantamentos Sócio-culturais, História da Ciência e da Tecnologia no Brasil e Levantamento de documentação sobre o Brasil. 72 Fundação Universidade de Brasília, estes três últimos envolvidos desde 1975 como já mencionamos. Em 1978, aderem outros, dentre os quais, o CNPq e o Banco do Brasil, garantindo a sobrevivência do projeto, apesar das turbulências políticas e constantes mudanças ministeriais. Em 1979, Aloísio de Magalhães foi convidado a presidir o IPHAN, e em sua gestão foram agrupados, o Programa de Reconstrução de Cidades Históricas, órgão da Secretaria de Planejamento da Presidência da República e o CNRC, que se desmembraram em duas instituições: a Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e a Fundação Nacional Pró-Memória SPHAN/Pró-Memória, a parte executiva do patrimônio, transformado em subsecretaria. É relevante mencionar ainda que o IPHAN, no período de 1979 e 1980, criou representações regionais em varias regiões do país, apesar de que os criadores do CNRC compartilhavam a ideia de que Brasília representava a redenção para o Brasil. A partir da experiência na capital-federal, e em função de suas trajetórias profissionais pessoais, conceberam um projeto comum, que partia da proposta de Brasília para ampliá-la, deslocando suas premissas básicas para o campo da produção cultural. Assim, Magalhães, Gomes e Murtinho vislumbraram a possibilidade da atuação do CNRC como lócus de experimentação no campo das políticas culturais, baseada na proposta de um Brasil novo, via capital-federal. Como ápice do desejo de construção de uma nova realidade nacional, a construção de Brasília representa o encontro entre o Estado brasileiro e a ideologia modernista. A recriação do país compreendia a sua consolidação enquanto um país urbano, industrial e capitalista. Aloísio Magalhães e o grupo do CNRC estabelecem, de certa forma, uma continuidade em relação às propostas nacionais veiculadas pelos modernistas, na primeira metade do século XX. O período em que Magalhães esteve à frente do IPHAN é denominado de “fase moderna”’, em contraposição à primeira fase do órgão, liderada por intelectuais modernistas, chamada de “heroica”, cujo representante, dentre outros, foi Mário de Andrade. Propostas e transformações que foram gestadas para as relações societárias como um todo, mas que se iniciam em nível pessoal, grupal e posteriormente institucional. O processo de institucionalização do campo cultural no âmbito federal, na década de 1970, estendeu-se para os estados e municípios. 73 Em 1981, o General Rubem Ludwig era o titular da Secretaria de Assuntos Culturais que se transformou em Secretaria da Cultura (SEC)50 do MEC, em abril deste mesmo ano, quando Aloísio Magalhães promove as reestruturações que vinha articulando desde 1975, refazendo ligações com o projeto de Gustavo Capanema. Sua gestão, porém, teve um curto período, de 1981 a 1982. A dimensão antropológica da cultura, prevista no anteprojeto de Mário de Andrade é retomada privilegiando o que era preconizado pela UNESCO nos anos 1970, a de que não poderia haver desenvolvimento se não fosse considerada a dimensão da cultura. O documento denominado Diretrizes para a operacionalização da política cultural do MEC, redigido em 1981, cujos destaques nos interessam para este estudo, são apontados abaixo, no item Considerações básicas: (...) A Secretaria da Cultura reivindica uma conceituação ampla e abrangente de cultura, entendida como todo sistema interdependente e ordenado de atividades humanas na sua dinâmica. Assim, privilegia não só os bens móveis e imóveis impregnados de valor histórico e/ou artístico, mas também uma gama importantíssima de comportamentos, de fazeres, de formas de percepção que, por estarem inseridos na dinâmica do cotidiano, não têm sido considerados na formulação das diversas políticas. Cultura, portanto, é vista como o processo global em que não se separam as condições do meio ambiente daquelas do fazer do homem, em que não se deve privilegiar o produto - habitação, templo, artefato, dança canto, palavra - em detrimento das condições históricas, sócio-econômicas, étnicas e do espaço ecológico em que tal produto se encontra inserido. Nesse processo, destacam-se alguns bens culturais - aqueles fortemente impregnados de valor simbólico e continuamente reiterados - ao lado de outros, manifestações em processo que se constituem em evidências da dinâmica cultural. E é na interação entre os contextos que elegem e desenvolvem esses bens que se instaura a tensão criadora que impulsiona o processo cultural. (...) estimular o fluxo criador contemporâneo que, exatamente por se realizar ao nível do vir a ser da Nação, dispensa a preocupação de retorno imediato, cabendo ao Estado resguardar o espaço da criação, mantendo-o livre das pressões dos mais diversos fatores que possam dificultar o desenvolvimento de uma cultura verdadeiramente pluralista e democrática (Diretrizes MEC, 1981, p. 7, grifos nossos). Esses pressupostos indicam a indissociabilidade dos fazeres e saberes nos seus diferentes contextos, e, sobretudo, o papel do Estado, que não é o responsável pela criação, mas deve garantir as suas condições, bem como a produção e a preservação da cultura pela população, respeitando a sua pluralidade. No entanto, a distância entre estas 50 A SEC era composta por duas subsecretarias: a do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional SPHAN e a de Assuntos Culturais - SEAC, cada qual com suas respectivas fundações, a PróMemória e a FUNARTE, órgãos executivos da política da SEC. Já a Embrafilme, a Fundação Casa de Rui Barbosa e a Fundação Joaquim Nabuco eram subordinadas diretamente ao Secretário da Cultura, devidos as suas especificidades. 74 diretrizes, os discursos e a ação institucional é recorrente nas políticas públicas brasileiras, em especial na área cultural. Somente durante a chamada Nova República, na década de 1980, o setor cultural tem um novo parâmetro com a criação do Ministério da Cultura em 1985. Porém, o que poderia instaurar uma valorização da cultura brasileira acabou por deflagrar novos questionamentos, com a implementação de leis de incentivo à cultura, ativadas por mecanismos de isenção fiscal, que passou o poder de legitimação da cultura do Estado para a iniciativa privada. Assim, o Estado passou a mero financiador, refreando as tentativas de pensar e organizar as diretrizes de políticas públicas de cultura, de uma forma mais ampla, período que coincide com o início da vigência do modelo neoliberal. Portanto, após a criação do Ministério da Cultura, a instabilidade foi a palavrachave que preponderou, pois, em dez anos, dez dirigentes51 passaram pelo órgão. No governo Collor, o ministério chegou a ser extinto, voltando a ser apenas uma secretaria e retomando o status anterior somente em 1992, no mandato do presidente Itamar Franco. As ações no contexto da redemocratização, em meio à turbulência, tinham em comum a lógica dos incentivos fiscais. Apesar de exercida desde a gestão de Mário de Andrade no Departamento de Cultura de São Paulo, esta prática se tornou a base das políticas culturais em um ciclo iniciado com a Lei Sarney52 (1986), até 1990, quando foi revogada pelo presidente Collor e instituída a Lei Rouanet (1991) pelo segundo titular da Secretaria de Cultura Sérgio Paulo Rouanet, que consistia num aprimoramento da Lei anterior. O governo de Fernando Collor desfavoreceu o setor, seguido de Itamar Franco, implementou e consolidou uma política de transferência de responsabilidade das decisões sobre a cultura para a iniciativa privada, na medida em que a principal ação do 51 Foram cinco ministros: José Aparecido, Aloísio Pimenta, Celso Furtado, Hugo Napoleão e novamente José Aparecido no período Sarney (1985- 1990), dois secretários: Ipojuca Pontes e Sérgio Paulo Rouanet, no governo Collor (1990-1992) e três ministros: Antonio Houaiss, Jerônimo Moscardo, Luiz Roberto Nascimento de Silva no governo Itamar Franco (1992-1995). 52 A Lei Sarney foi baseada em legislações semelhantes em vigor em outros países. Como uma espécie de complementação de uma política cultural de Estado, porém, mais benéfica com o empresariado no Brasil. “(...) nos países que dispunham desse tipo de legislação, incentivo fiscal era o direito do contribuinte de abater de sua renda bruta doações a instituições culturais. A lei brasileira permitia, além disso, que parte do valor fosse deduzido do imposto a pagar” (Sarkovas, 2005, p. 2). Portanto, esta distorção colocava o mercado como um novo ator no campo cultural, beneficiando-se da isenção de impostos. A lei do Audiovisual foi outro dispositivo legal de financiamento com a possibilidade de isenção de 100% do capital investido em cinema e vídeo. 75 governo foi o fortalecimento da utilização dos mecanismos da Lei Rouanet. Assim, destacamos a gestão do cientista político Francisco Weffort53, por oito anos, fato inédito para o histórico nacional na pasta de Cultura (1994-2002), implementando os chamados “mecanismos de estabilidade”, pressupostos de Fernando Henrique Cardoso, cujo lema era “Cultura é um bom negócio 54”. Cabe destacar também parte do discurso de posse da gestão Weffort, em que afirmava que o caminho da cultura estava no mercado55. Já os movimentos como a tropicália e o manguebeat seguiram outros caminhos, como o da invenção e reinvenção misturando conteúdos populares como o maracatu, com guitarras elétricas ou ainda coco de roda com hip-hop. Imaginados por jovens músicos do Recife, o movimento mostrava não só a fome de ampliações estéticas, mas também de anseios e inquietações, veiculadas como crítica social por meio da obra do geógrafo Josué de Castro (1908-1973) como referência em diversos momentos. O Manifesto Manguebeat, batizado inicialmente como manguebit, derivado do byte computacional, foi concebido inicialmente por Fred Zero Quatro, o jornalista Renato Lins e apoiado por Francisco de Assis Viana, o Chico Science. Assim, o manguebeat ultrapassou a música, tornando-se uma influência estética mais ampla e social. Inicialmente, suas propostas modernizadoras criaram atritos com as políticas públicas do governo que pretendia preservar intactas as raízes da cultura nordestina. Este era um dos objetivos do Movimento Armorial, liderado por Ariano Suassuna, cuja divergência conceitual assumiu traços bastante reais durante a gestão do escritor na Secretaria de Cultura de Pernambuco, exatamente no momento em que o manguebeat ganhava fôlego. Ariano Suassuna desaprovava e não dispendia apoio as atividades dos músicos, além de fazer críticas abertas ao movimento. Contudo, a maior ameaça para a cultura popular foi atribuída às leis de incentivos fiscais, que transferiam para a iniciativa privada a decisão de quais projetos seriam apoiados, via a Lei Rouanet e a do Audiovisual, que, enquanto forças hegemônicas, se mostraram fortemente atuantes. Como reflexo da forma extremamente burocratizada necessária para a aprovação dos projetos e da dificuldade de acesso dos 53 Professor da USP foi fundador e secretário-geral do Partido dos trabalhadores (PT) na década de 1980 e transferiu-se posteriormente para o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). 54 Conforme publicação do MinC. Cultura é um bom negócio. Brasília, 1995. 55 Cabe lembrar que, nos 1980, a arte fortemente patrocinada por grandes empresas era também uma reivindicação do presidente Ronald Reagan nos Estados Unidos. Como um dos representantes dos burocratas, fez da cultura um veículo para a imposição de modismos e de políticas, além de ser valor de troca para a difícil publicidade de alguns produtos, como o cigarro. 76 grupos menos organizados, configurou-se a concentração de recursos no sul e sudeste do país. Os principais proponentes eram basicamente os mesmos, grandes corporações transnacionais e também empresas de capital misto e que atuam como mecenas com recursos públicos direcionados às suas estratégias competitivas. O Projeto de Lei 6722/10, do Poder Executivo, que cria o Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura (PROCULTURA), que revoga a legislação vigente, a Lei Rouanet (8.313/91), ainda que aprovado em 08/12/2010 na Comissão de Educação e Cultura, ainda será analisado pelas comissões de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania, depois seguirá para o Senado. Desta forma, estão em curso alguns embates com o intuito de universalizar e estabelecer diretrizes públicas para as políticas culturais, em detrimento do parâmetro até então vigente em que o Estado se constituía como financiador de ações já consagradas, e, sobretudo, de caráter comercial, concedendo benefícios públicos para empresas e alguns poucos grupos somente. As demais manifestações artísticas foram desfavorecidas até a gestão 20032010 do Ministério da Cultura, em que as diversas ações, dentre as quais, o Programa Cultura Viva, apresenta uma tentativa de rompimento de paradigmas na submissão de projetos para a área cultural como veremos no terceiro capítulo. “O Ministério da Cultura incorpora formas de expressão até então marginalizadas, abandonando a ideia preconceituosa de ‘levar ilustração ao povo” (Leite, 2008, p.1). Contudo, as políticas culturais continuam enfrentando inúmeras questões, dentre elas, o empobrecimento que ocorre quando a opção pela visão antropológica é acompanhada de uma desconfiança diante da criação e produção artística da população. Como numa reportagem, em 2007, que questionou a possibilidade de projetos sociais produzirem cultura. Tal abordagem suscitou respostas e argumentos a favor dessa aliança, tais como: 1) “(...) A maior riqueza dessa gestão do MinC está no diálogo do Estado formulador com o Estado fomentador’, ou ainda; 2) ‘(...) a visão de cultura limitada às artes há muito foi superada. Cultura hoje envolve todo o conjunto das manifestações humanas em suas mais diversas formas’, 3) ‘O MinC reconhece e potencializa uma ação já forte na comunidade. E se essas ações comunitárias envolvem assistência social e de saúde, óbvio, elas não são interrompidas para fazer cultura. Todas as ações de qualificação do ser humano são, em parte, ações culturais, pois o tornam mais capaz e, portanto, mais disposto e com mais condições de se expressar e canalizar sua expressão (...). E por fim, dentre outros; 4) ‘(...) Cultura é um conceito cada vez 77 mais vivo, elástico e mutante, reapropriado cotidianamente pela sociedade (Mautner, 2007). Assim, como já mencionamos, as tristes tradições brasileiras (Rubim, 2008) coadunam uma íntima e inusitada relação entre cultura e autoritarismo no país, cujo desafio contemporâneo, ainda é inverter a tendência histórica brasileira, segundo a qual os avanços institucionais do setor se realizaram em períodos autoritários. Nesse período, como vimos, o Brasil teve ações culturais mais sistemáticas, nas quais o Estado assumiu um papel mais ativo e, por conseguinte, superou em parte, a tradição de ausência. Mas, não podemos deixar de mencionar que as consequências mais nefastas de todo regime totalitário talvez não sejam somente aquelas que são visíveis, como as prisões, torturas, repressões e a censura, mas tantos outros, mais sutis e invisíveis. Como nos lembra Rolnik (1998), a paralisia da força de criação e a frustração subsequente da inteligência coletiva pode ficar associada à ameaça aterrorizadora de um castigo que pode levar à morte ou à loucura. As manifestações psicóticas, em parte decorrentes do terror da ditadura, mas que incidiram igualmente no âmbito das experiências-limite, características do movimento contracultural56, que consistiam em toda espécie de experimentação sensorial, incluindo geralmente o uso de alucinógenos, caracterizaram uma postura de resistência à política de subjetivação burguesa. Todavia, Rubim (2008), Chauí (2000), Coutinho (2000), dentre outros, assinalam que a relação entre autoritarismo e cultura não se restringe aos momentos de políticas culturais dos regimes ditatoriais, mas está impregnado em diferentes períodos e áreas da sociedade brasileira, sobretudo devido a sua estrutura desigual e elitista. No entanto, grande parte da trajetória das políticas culturais privilegiou apenas a cultura monumental, ocidental, branca e católica, enfatizando somente palácios, igrejas e fortes militares como objeto de tombamento e preservação (Miceli, 1979; Gonçalves, 1996). As culturas populares, indígena e afro-brasileira foram muito pouco contempladas pelas políticas culturais nacionais, não sendo consideradas manifestações 56 O mesmo processo que fortaleceu os movimentos contraculturais no Brasil recrudesceu, por outro lado, os efeitos do neoliberalismo. Isso se deve a esse caráter antropofágico que sustenta os brasileiros, facilitando a adaptação e a despolitização contemporânea. “Neste país, ficamos embevecidos por sermos tão contemporâneos, tão à vontade na cena internacional das novas subjetividades pós-identitárias, de tão bem aparelhados que somos para viver esta flexibilidade pós-fordista (o que nos torna por exemplo), campeões internacionais de publicidade e nos posiciona entre os grandes no ranking mundial das estratégias midiáticas” (Rolnik, 1992, p.8). 78 dignas de serem denominadas e tratadas como cultura57, quando não eram simplesmente reprimidas e silenciadas (Rubim, 2008). O SPHAN/IPHAN perpassou grande parte da história do Brasil, não havendo precedente ou similar enquanto instituição permanente. Apesar de sua criação ter sido voltada para as culturas populares, poucas mobilizações aconteceram no período de 1945 a 1964, a exemplo da Campanha Nacional do Folclore e do Movimento de Cultura Popular, porém centrado somente pelos governos de Arraes, em Recife, Pernambuco, cujas manifestações já tinham sido reprimidas. A cultura indígena foi completamente desconsiderada, e até sistematicamente aniquilada. Já a cultura afro-brasileira, perseguida durante anos, começou a ser respeitada pelo estado nacional, somente no período pós-ditadura militar, com a criação da Fundação Palmares em 198858. Conquista que envolveu várias pressões do movimento negro organizado e do clima criado pela redemocratização do país. Já a cultura midiática televisiva e radiofônica nunca foram consideradas como algo da esfera da ação ministerial, denotando o descompasso entre estas modalidades de cultura vivenciadas pela população brasileira, o que demandaria cuidado, principalmente diante dos problemas de padronização e submissão à lógica mercantil das indústrias culturais. O elitismo e autoritarismo do Estado brasileiro na área cultural ficam evidentes, diante da opção por uma concepção restrita de cultura, que abrange apenas as expressões mais reconhecidas pela elite econômica. Diante das particularidades socioculturais do Brasil, os inúmeros e diversos agentes que interagem no campo cultural enfrentam muitos desafios na elaboração e na prática de políticas culturais. As desigualdades regionais e a vasta extensão territorial do país e entre os diferentes grupos sociais são aspectos que revelam a necessidade de políticas de acesso a bens culturais; que permitam o seu conhecimento e a convivência 57 No início do século XX, a pluralidade sociocultural homogeneizada pelas políticas de unificação ou mestiçagem dos Estados nacionais, afirmavam que "ser autenticamente brasileiro não era sinal de civilização" (Mascarenhas apud Almeida, 1987). Afinal, tudo o que era “civilizado” vinha da Europa ou da América do Norte, tanto os artigos materiais como as ideias e costumes. Os modos de ser da população pobre das cidades foram radiografados e analisados por médicos preocupados em descobrir causas sociais e morais da doença, da mortalidade infantil e da loucura, pois o retrato da população era o da degradação pela miséria e ignorância (Rago, 1985). 58 A Constituição Federal de 1988 reconheceu como legítimas as manifestações culturais e as formas de organização próprias dos povos indígenas, retirando o fundamento legal da tutela e reconhecendo a capacidade civil dos indígenas, bem como a criação da Fundação Palmares, por pressões do movimento organizado. 79 com as diferenças; bem como o apoio a uma maior pluralidade de manifestações e segmentos sociais e culturais. Embora majoritariamente considerada como secundária no contexto das políticas governamentais, historicamente a área cultural teve um papel importante no período da ditadura como já foi visto. Contemporaneamente o setor cultural vem participando e enfrentando uma série de situações para conquistar maior importância e espaço. Um dos fatores que demonstra essa movimentação é o aumento dos estudos das políticas públicas culturais, que teve início por volta dos anos 1980 e que vem se ampliando nos últimos anos. 2.3. Em busca de conexões e construções coletivas Devido à complexidade da área cultural, procuramos abordar o seu contexto e incidência, configurando o caminho percorrido neste capítulo. Com destaque para os períodos de repressão e censura na época da ditadura, em que várias personalidades fizeram a cultura possível naquele cenário. Foram anos de enfrentamentos, de descobertas, mas, sobretudo, de atitudes de sobrevivência e de coragem. Foram tempos também de gritos e sussurros, mais do que da palavra plena e articulada, como nos lembra o poeta Chacal. Além disso, um tempo de mudança de paradigmas em que a arte dava lugar ao entretenimento e à indústria cultural, bem como à institucionalização da cultura. A fragilidade das políticas públicas culturais brasileiras ficou evidente ao longo deste percurso, principalmente quando constatamos que apenas uma instituição, a exemplo da trajetória e concepções do IPHAN, órgão fundado há 73 anos, foi o único que perpassou grande parte da história das políticas culturais no país. Simbólico até o final dos anos 1960 e início da década de 1970, superou a “tradição” da instabilidade. A ação do Estado ficou restrita à preservação daquilo que comporia o conjunto dos símbolos formadores da nacionalidade, tais como o patrimônio edificado e as obras artísticas ligadas à cultura erudita, dentre outros, os escritos, as composições, as pinturas e as esculturas. A preservação da memória nacional abrangia a manutenção de um conjunto restrito de manifestações artísticas, relegando as manifestações populares o que poderia ser denominado como o folclore nacional. Apesar de importante, as ações na área de patrimônio foram esporádicas no contexto brasileiro e ainda que o marco do início das políticas culturais seja estipulado por diversos estudiosos como tendo início em 1930, constatamos que as ações eram 80 fragmentadas e vinculadas diretamente à obtenção de um tipo de consenso à ordem e coesão nacional. Isto, principalmente por ignorar experiências políticas e culturais que abrangeram o estudo das inúmeras culturas no país, como as realizadas por Mário de Andrade, bem como ações as demais que foram abordadas neste capítulo. Contraditoriamente o período ditatorial é o que mais apresenta investimentos na área cultural, tanto na área do patrimônio, quanto no desenvolvimento da indústria cultural, bem como na infraestrutura midiática e criação de instituições diversas. No entanto, perpetuou-se também a estrutura desigual e elitista deste período, sobretudo, advindos do aniquilamento de culturas, inúmeras perseguições, além das implicações do modelo autoritário no âmbito macro-social que perpassa o período ditatorial, como já apontaram Fernandes (1975), Coutinho (2000) e Chauí (2000). A ditadura militar incidiu em 1964 no fechamento do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), os CPCs, UNE e o MCP, além do período posterior que aniquilou grande parte das instituições culturais do país. Somente 32 anos depois foi criado um ministério específico para a cultura, em 1985, todavia sua instalação foi adversa com o predomínio da instabilidade da área cultural nos governos Sarney, Collor e Itamar Franco. Pouco tempo depois da sua criação, o Ministério da Cultura foi extinto por Collor e transformado em secretaria, em 1990, seguido da sua recriação em 1992, por Itamar Franco. Além disso, como já vimos, passaram dez dirigentes responsáveis pelos órgãos nacionais de cultura em apenas dez anos, constrastando com a estabilidade dos oito anos seguintes do presidente Fernando Henrique Cardoso e do ministro Francisco Weffort. Contudo, ressaltamos que os artistas e intelectuais como Mário de Andrade e Aloísio de Magalhães incidiram sobre os processos institucionais criando órgãos e influenciando a valorização e ampliação da cultura brasileira. Apesar desta importante contribuição, não se efetivou uma base popular organizativa que viesse a sustentar a continuidade desse processo. Talvez a distância mantida entre os grupos derivados dos movimentos, alijados pelo contexto ditatorial subsequente, tenha acirrado o desmantelamento das propostas destes intelectuais, prevalecendo apenas o aparato institucional e burocrático que manteve restritos os circuitos culturais ao eixo Rio-São Paulo. É interessante observar pressupostos fundamentais como contribuição destes intelectuais, dentre eles, o de que a cultura poderia agregar outros setores da gestão 81 pública, considerado um pressuposto geral do governo e não apenas da área da cultura. Consideramos que isto seja crucial, pois a transversalidade da área cultural, para além da sua secretaria e ministério podem garantir a unicidade das políticas e sua incidência sobre o conjunto dos direitos do cidadão, visando a superação da fragmentação das políticas públicas, tão recorrentes no país. Assim, com base primeira metade do século XX, a partir da edificação da sede do Ministério da Educação e Saúde, diversos intelectuais modernistas estabeleceram vínculos com dirigentes da esfera estatal, ambos interessados na construção de uma identidade nacional, bem como na busca manifestações políticas, artísticas e literárias. Como um importante movimento, o Modernismo despertou o interesse do Estado brasileiro em se aliar aos seus representantes, já que a ideia de identidade nacional que esse movimento esboçava seria útil ao projeto de criação de um “novo país”, tal como o entendiam Vargas e, posteriormente, Kubitschek, guardadas as devidas diferenças. O engajamento de um número expressivo de intelectuais modernistas, como Mário de Andrade, Lucio Costa, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, e Heitor Villa-Lobos, dentre tantos outros, com um regime autoritário como o do Estado Novo, sempre causou certo desconforto. Entretanto, Araújo (2004) nos informa que este engajamento, longe de se pautar apenas pelas demandas de interesse individual, primava pelo significativo conjunto de propostas para a reorganização e a modernização do país, unindo ética e estética. Deste modo, o que nos mobilizou neste capítulo foi a busca pela compreensão das ideias e práticas que embasaram a construção e a implementação de políticas culturais, a partir de intelectuais e grupos, pensamentos-movimentos ou forças-motriz, que procuraram valorizar a cultura nacional, sobretudo com o objetivo de construir novos caminhos para o país. Otimistas e por vezes utópicos decidiram pela ação publica no âmbito das chamadas “políticas culturais”, nos levando a concluir que esta arena demarcou alguns pressupostos do movimento modernista brasileiro. Destacamos por exemplo, a valorização das raízes culturais, bem como a sua manutenção e a busca da elaboração e consolidação da produção nacional, dentre outros, enfatizamos também que o intento modernista estava vinculado a um ideário utópico e de justiça social que, aliada à intervenção governamental, configurava-se na expectativa e no desejo de transformação nacional, bem como de se redesenhar o futuro, com base em grande esforço em se resgatar o passado. Forças que reverberaram em diversas áreas. 82 Já por volta da década de 1970, conseguiu-se agregar diferentes instituições em torno do projeto do CNRC, evidenciando a importância política da articulação e o envolvimento de outras áreas. Destacamos, portanto, que neste período se considerava importante que as equipes de trabalho e os projetos fossem multidisciplinares e multiinstitucionais, além disso, os projetos e programas eram objeto de constantes reconsiderações, fazendo com que as metodologias de cada projeto pudessem ser replanejadas com base nos fenômenos da realidade cultural pesquisada (CNRC, 1979). Todavia, esse discurso não previa a articulação e o diálogo com os movimentos sociais, o que não observamos em suas intenções principais. Porém, constatamos implícita outra possibilidade, no caso das ações do CNRC, por exemplo, de que, a partir da organização da produção cultural, os intercâmbios e retroalimentações futuras pudessem ser promovidas. Contudo, isto evidencia a forte convicção de que os intelectuais59 tivessem sempre a função de organizar, propor e viabilizar a incorporação dos demais setores, principalmente os populares, sem incorporá-los, de fato, nesta etapa decisória e de planejamento inicial. Portanto, delimitamos alguns momentos históricos significativos do processo de construção das políticas culturais no Brasil: a) a influência dos movimentos artísticos, culturais e intelectuais - detentores de um saber - a busca artística da identidade nacional, com ênfase para a atuação dos modernistas no Estado no início da era Vargas; b) as iniciativas dos movimentos nas experiências regionais na década de 1960, embora tenha sido também o período de fortalecimento da indústria cultural; c) as políticas do Estado Novo e também da ditadura militar pós 1964, com destaque para os mecanismos de institucionalização e criação de instituições; d) o período de redemocratização e a criação do MinC em 1985, bem como a sua posterior dissolução; 59 As políticas culturais não são objeto central do estudo de Micelli, mas o autor problematiza esta questão em pleno regime militar do Estado Novo, onde aborda a intelectualidade brasileira neste período (Miceli, 1979). 83 e) a gestão 2003-2010 que promoveu uma maior participação da sociedade e dos movimentos organizados na concepção sobre o Plano Nacional de Cultura60, a implementação do Programa Cultura Viva, dentre outros como o da Identidade e Diversidade Cultural, e o estímulo as culturas locais e populares, à visibilidade da área cultura que foi conquistada, além das propostas de mudanças no marco legal. Estes fatos nos remetem às reflexões acerca do contexto contemporâneo e à gradativa ampliação das ações do MinC nos últimos oito anos, bem como as dificuldades ainda presentes para a viabilização da continuidade dos programas e políticas, um grande desafio ainda a ser superado em conjunto com os movimentos sociais, para a efetivação das mudanças no marco legal. São possibilidades que envolvem as inúmeras complexidades e disputa de valores mais solidários, pois as experiências existem, mas requerem articulação e apoio do Estado. Tais dificuldades, contudo, não se resolvem com o discurso salvacionista ou de defesa de que somente determinada área tem a “centralidade” sobre as demais, o que acarreta a reprodução de interesses corporativos que não viabilizam a promoção do bem comum, nem a transversalidade e a interação entre as diversas áreas e políticas. Deste modo, a cultura não é a nova panaceia, nem o campo privilegiado da resolução das inúmeras questões que, historicamente, se recolocam. O que a cultura nos proporciona é uma maior familiaridade com estas questões, um reencontro entre arte e vida, como nos lembrou Pedrosa. Outro aspecto que ressaltamos é o tensionamento, em vários momentos históricos, da área cultural e a sua relação com a modernização social. Questões que surgiam sobre a origem social do artista e qual seria sua relação com o aparato tecnológico de produção concentrado nas indústrias culturais, bem como o tardio reconhecimento da importância da produção de arte contemporânea que, somente em 1975, foi contemplada com a abertura da FUNARTE, como vimos. Este órgão passou a 60 Nesse contexto, desde 2003, o MinC vem realizando um amplo sistema de consultas com a sociedade civil. Artistas, produtores, gestores públicos, organizações profissionais e empresários culturais elaboraram diagnósticos para a formulação da política cultural do MinC. A primeira consulta pública ocorreu no primeiro semestre de 2003 com o Seminário Cultura para Todos que organizou uma ampla série de seminários sobre o tema do financiamento público de cultura e as leis de incentivo. Esses insumos foram fundamentais para a elaboração do decreto de alteração das leis federais de incentivo, apresentada pelo MinC em 2005. O Plano Nacional de Cultura, Lei 12.343, foi sancionado pelo presidente da república em 02 de dezembro de 2010. 84 apoiar a área das artes de forma sistemática, pois até então tinha sido negligenciada devido ao predomínio da noção de patrimônio histórico. Assim, dentre os desafios, um dos quais “se impõe é combinar processos culturais particulares com direitos de cidadania universais” (Ventura. 2005. p. 88), sobretudo, contrapondo um entendimento limitado que considera a ação cultural como algo episódico e eventual, como um espetáculo, apenas de caráter mercantil ou de produção de resultados imediatos, desconsiderando os processos de desenvolvimento e de criação envolvidos e que exigem continuidade por meio das políticas públicas. Outros desafios situam-se na formulação de políticas nacionais para a gestão de acervos que permitam ao Estado o seu maior conhecimento, proteção e fomento para uma série instituições como centros culturais, museus, galerias de arte, bibliotecas, teatros, sob administração indistinta da União, dos Estados e dos municípios, viabilizando maior acesso e possibilidades de torná-los abertos a criação cultural, e à convivência com a população. Espaços de liberdade que propiciem diferentes manifestações e práticas. Historicamente a fragilidade do setor cultural, a sua monopolização por algumas forças e sua marginalidade diante de outras áreas são outros fatores que enfatizamos neste capítulo. São desafios ainda fortemente presentes na contemporaneidade, mas que também vêm sendo enfrentados, embora de forma incipiente, frente à posição da cultura no âmbito da legislação nacional e internacional e pela gestão 2003-2010, como veremos com maiores detalhes no próximo capítulo. A política como uma dimensão da cultura contribui para refletir sobre a indissolubilidade de ambas. O movimento cultural tem características relacionadas à própria cultura, que é, basicamente, processo e não somente produto, o que requer tempo, o tempo processual, além da interação coletiva e do enfrentamento dos conflitos societários. Contudo, não desconsideramos que os processos culturais também são compreendidos enquanto ações que correspondem à captura e ao controle dos grupos e movimentos por parte do Estado e também do mercado. Velhas contradições sempre presentes, no entanto, as experiências dos Pontos de Cultura a serem tratadas neste estudo suscitam formas de ruptura, embora também sejam instrumentos de manutenção de determinadas ordens. Considerando ainda que o contexto histórico cultural e econômico traz diferentes formas de racionalidades e critérios, julgamos importante analisar e questionar as concepções criadas pela cultura, muitas delas aprisionantes e excludentes, 85 como nos lembra Foucault. Ao afirmar a diferença, afirmamos o seu potencial subversivo e criador de outras possibilidades contra-hegemônicas ou de resistência. A cultura enquanto expressão do cotidiano e da vida social, para além da expressão apenas das artes, supõe que a ação do Estado contemple a viabilidade destes planos de expressão e práticas para todas as camadas sociais, viabilizando espaço e apoio para a criação, bem como para as formas de circulação e de distribuição, provocando trocas e construções conjuntas. A abordagem histórica deste capítulo não esgota a riqueza dos acontecimentos no país, nem a produção dos autores abordados. Este percurso também não foi movido pela nostalgia de um tempo perdido, mas como busca da memória enquanto uma das forças políticas e inspiração para promover a continuidade no caminho da construção coletiva e sua implicação com a construção de políticas públicas sensíveis e flexíveis as dinâmicas da vida. A seguir abordaremos o recente parâmetro da gestão 2003-2010 do MinC, em especial o Programa Cultura Viva e a sua principal ação, os Pontos de Cultura, sua estrutura, forma de concepção e acesso. Adoecer de nós a Natureza: - Botar aflição nas pedras (Como fez Rodin). Manoel de Barros 86 3. Cultura Viva: um programa que se pretende política pública A liberdade é assim, movimentação. Guimarães Rosa Consideramos que o Programa Cultura Viva apresenta características de uma política cultural, condição que atribuímos à dimensão da sua concepção, capilaridade, transversalidade e articulação com outras esferas da política governamental e com a condução política do país. Temos, portanto: a) uma concepção mais ampla de cultura que envolve símbolos, diversidades e modos de vida e diferentes manifestações artístico-culturais, para além da visão da cultura enquanto produto, de caráter eventual ou apenas como espetáculo; b) a recusa da dicotomia e oposição entre o popular e o erudito61; passando a considerar a capacidade criadora de todos, desde que as condições sejam disponibilizadas enquanto direito, e não apenas restritas a alguns artistas ou classes sociais; c) apoio, valorização e respeito às manifestações artístico-culturais e às ações que já estavam em curso e fazem parte da pluralidade/originalidade da cultura brasileira; d) rompimento da concentração do financiamento em apenas algumas regiões geográficas ou de cunho publicitário e mercantil; e) diálogo e abertura para as demandas e pressões dos sujeitos e movimentos organizados, e, portanto, ampliação do acesso aos recursos públicos e do “direito à cultura”, e tentativa do estabelecimento de uma “gestão compartilhada”. O Ministério da Cultura adotou uma conceituação ampla de cultura, considerando-a em sua dimensão antropológica e simbólica, assegurada pela aprovação do Plano Nacional de Cultura em dezembro de 2010 (Lei 12.343/10). Importa evidenciar que “O Plano reafirma uma concepção ampliada de cultura, entendida como 61 Apesar da importância disso para a ampliação e reconhecimento da criação cultural no país, ponderamos a afirmação de Guattari, que supõe a distinção entre cultura popular e cultura erudita como um falso problema, pois há “uma cultura capitalística que permeia todos os campos de expressão semiótica” (Guattari; Rolnik, 1999, p. 36). O sufixo “ístico” ao termo “capitalista” produziu para ele um neologismo que expressa a reprodução dos padrões semelhantes de constituição dos países industrializados da vanguarda capitalista. Contudo, acreditamos também que a força das hegemonias e dos padrões podem ser superados. 87 fenômeno social e humano de múltiplos sentidos. Ela deve ser considerada em toda a sua extensão antropológica, social, produtiva, econômica, simbólica e estética” (Lei 12.343/10). Ou ainda como o conjunto dinâmico dos atos criativos da população, aquilo que, em cada objeto que um brasileiro produz, transcende o aspecto meramente técnico. Cultura como “usina de símbolos” de cada comunidade e de toda a nação, eixo construtor de espaços de realização da cidadania. Essas são formulações presentes nos discursos do Ministério e estão em diversos programas e ações, como o Programa Cultura Viva, por exemplo. O posicionamento e a compreensão da área cultural se transformaram nas duas últimas gestões do Ministério da Cultura (2003-2010). Em primeiro lugar, destacamos a mudança conceitual em que a dimensão sociológica da cultura deu lugar à antropológica. Essa perspectiva propiciou que o conceito de cultura fosse ampliado e as políticas culturais passaram a abranger, para além da cultura erudita, as diversas culturas construídas no cotidiano, antes alijadas desse processo, como a africana, a indígena, a popular, dentre outras. Por meio da interação social dos sujeitos, que elaboram seus modos de pensar e sentir, valores são construídos e renovados. A ciência da informação revoluciona alguns paradigmas vigentes e questiona a possibilidade do desenvolvimento de uma cultura à margem da base material como mero reflexo das atividades econômicas. A cultura, entendida como modo de vida, “é constitutiva de um processo social, é um modo de produção de significados e valores mais básicos para o funcionamento da sociedade do que a noção de uma esfera separada. São esses significados e valores que organizam a vida comum” (Cevasco, 2003, p. 110-112). Ao traçar a trajetória do conceito de cultura e das mudanças dos seus significados pós Revolução Industrial, Raymond Williams (1969) aponta as “hostilidades” e os “constrangimentos” que o termo geralmente provoca. Em publicações seguintes, o autor assume a concepção gramsciana de hegemonia, ressaltando que a dominação de uma classe sobre as demais se mantém, inevitavelmente, pela cultura do vivido, por meio da saturação do hábito, da experiência, das visões de mundo. Tudo isso continuamente renovado em todas as etapas da vida, desde a infância, sob pressões específicas e no interior de significados definidos, de tal forma que o que as pessoas vêm a pensar e a sentir é, em larga medida, a reprodução de uma 88 ordem social profundamente arraigada. As pessoas podem até pensar que de algum modo se opõem e, muitas vezes, isso acontece efetivamente, mas se torna difícil romper a ordem estabelecida, além da tendência de supervalorização do âmbito cultural em detrimento do político. Contudo, consideramos que estas instâncias não estão separadas. Ao contrário, influenciam-se mutuamente. Na verdade, apenas a sua conjugação permitirá ações transformadoras em prol do bem coletivo. Dentre as importantes contribuições apresentadas pelos intelectuais-artistas e demais autores abordados no segundo capítulo, fica evidente a complexidade da área das políticas culturais, que, por envolver diferentes momentos sócio-históricos, nos remete à importância de problematizar, portanto, a instrumentalização que se faz da cultura. Segundo Cevasco (2008), mais importante que a periodização de estilos é a demonstração de que a lógica que “azeita” o funcionamento do capital nessa sua fase de expansão máxima é cultural. Isso quer dizer que cada vez mais o sistema requer uma sociedade de imagens voltada para o consumo, para “resolver” as contradições que continua criando. Muito mais do que um espaço possível de contradição, a cultura tem funcionado de forma simbiótica com a economia: a produção de mercadorias serve a estilos de vida que são criações da cultura e até mesmo a alta especulação financeira, que se apoia em argumentos culturais, como o da “confiança” que se pode ter em certas culturas nacionais ou as mudanças de “humor” que derrubam índices e arrasam economias. A produção cultural, cujos investimentos62 tem sido crescentes, também se tornou econômica e orientada para a produção de mercadorias. Deste modo, amplia-se a sujeição econômica aliada à sujeição subjetiva. Contudo, ao nos debruçarmos, neste estudo, sobre algumas ações dos Pontos de Cultura, objetivamos evitar as generalizações e visibilizar que, embora incipiente, há lugar para a cultura enquanto espaço de criação autônoma e coletiva que não seja direcionada apenas para o mercado, ou que esteja necessariamente a serviço de algo. Ao 62 Yúdice (2004), ao analisar movimentos culturais brasileiros, afirma que a cultura é vista atualmente como atração para o desenvolvimento econômico e turístico, ou ainda como mola propulsora de indústrias culturais e de empreendimentos, se expandido para as esferas política e econômica, sendo recurso para a melhoria sociopolítica e para o crescimento econômico. Assim, o autor demonstra que somente aquelas ações que geram retorno serão financiadas de acordo com os critérios das fundações internacionais, inferindo que a “cultura pela cultura” não receberá fomentos. Os “retornos” referem-se, sobretudo, aos incentivos fiscais, a comercialização institucional ou valor publicitário, a conversão da atividade não comercial em comercial ou ainda como recurso para a resolução de problemas sociais. 89 contrapormos esta lógica, compreendemos a cultura por ela mesma e apostamos nela enquanto elemento de valorização da vida humana, dos lugares, das tradições e reinvenções, qualificando-a e ampliando as perspectivas de relações sociais mais equitativas e solidárias, embora isto implique também maiores investimentos públicos e lutas por transformações sociais. O processo de mudança desencadeado com vistas à superação do parâmetro de oposição entre o popular e o erudito, valorizando ambos, além das mudanças nas estruturas e no conteúdo programático das políticas públicas mobilizados pelas pressões e demandas dos movimentos organizados foram instaurados pelas duas últimas recentes gestões do MinC. A ampliação do conceito de cultura propiciou a disponibilização de condições e apoio na produção diretamente para quem faz cultura, sobretudo por meio do reconhecimento e interação com a população, viabilizando, ainda que de forma incipiente, a manifestação de diferentes tipos de linguagens, de todas as regiões do país. Há uma recusa, portanto, em perpetuar a dicotomia cultura popular versus cultura erudita, como se fossem pólos excludentes, pois a variedade de programas e projetos da gestão 2003-2010 contempla questões de identidades e culturas diversas, que não se reduzem à defesa do popular entendido como atributo de valor de autenticidade e exotismo. Diferentemente do que ocorreu em momentos históricos anteriores, quando se defendia a formação de uma nação, para colaborar com a efetivação de uma ordem social de um regime autoritário, bem como da desigualdade social. O Programa Cultura Viva, bem como outros programas instauraram e ampliaram o debate sobre a perspectiva predominante da Lei Rouanet, cujos resultados e críticas apontam para a necessidade de reestruturações e a ampliação da concepção de cultura, dos usuários e do território de incidência das políticas e das ações. Isso consiste na inversão da ordem até então vigente, de implementar políticas e projetos via “balcão de negócios”, a exemplo da lei Rouanet, que utiliza a pareceria pública e privada com a maioria das propostas de cunho mercantil, transferindo recursos do Estado para a iniciativa privada. 90 Desde a criação do Cultura Viva63, o Ministério defende o princípio de “subversão estatal” que consiste na inversão da ordem até então vigente, “a partir da vontade do governo, é preciso passar do paradigma da autonomia para a subversão estatal. Por isso, procuramos iniciativas já existentes, ao invés de abrir editais para novas ideias. Chegamos aonde já existiam coisas encaminhadas. Só queremos ajudá-los a acertarem seu percurso” (TEIA, 2006, Ministro da Cultura). A Lei Rouanet ficou usualmente assim conhecida pelo fato de o ministro da Cultura à época de sua publicação ser o diplomata Sérgio Paulo Rouanet. Lei 8.313, de 23 de dezembro de 1991, que instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura PRONAC, com o objetivo de promover e fomentar ações para o desenvolvimento do setor cultural, por meio dos mecanismos de financiamento Fundo Nacional da Cultura (FNC), Incentivos Fiscais e Fundos de Investimento Cultural e Artístico (FICART). O Fundo Nacional da Cultura permite ao Ministério da Cultura obter e destinar recursos para projetos culturais compatíveis com as finalidades do PRONAC, mediante a celebração de convênio e outros instrumentos similares, como intercâmbio e programas realizados através de edital. Constituem o Fundo: o contribuinte do Imposto sobre a Renda e Proventos de qualquer natureza, pessoa física ou jurídica, que efetue doação ou patrocínio em favor de programas, projetos e ações culturais aprovados pelo Ministério da Cultura, com vistas a obter incentivos fiscais. Como resultado, o capital investido pela empresa gera um retorno estratégico de intervenção competitiva no mercado, porém constituído por dinheiro público proveniente de impostos. Assim, a aplicação destes recursos públicos fica à mercê de uma lógica do investidor do setor privado, caracterizado pelo privilégio da região sudeste, área que fornece aos seus patrocinadores um alto retorno do marketing. O Fundo Nacional de Cultura “jamais foi operado pelas regras primárias de um fundo público: transparência de critérios, acessibilidade paritária e primazia do mérito público. Desde que foi criado, seus recursos são arbitrariamente distribuídos segundo 63 Na gestão 1995-2002 do MinC, o FNC contou com os seguintes recursos: em 1995, foram aplicados apenas R$ 12,9 milhões; com um pequeno aumento em 1996, para R$ 16 milhões; em 1997, o aporte foi de R$ 24,3 milhões; em 1998, uma pequena redução, para R$ 20,9 milhões. Em 1999, o aporte foi de R$ 19,1 milhões; em 2000, houve um significativo aumento, para R$ 46,6 milhões; em 2001 os repasses chegaram a R$ 64,3 milhões; em 2002, nova redução, chegando a R$ 43,6 milhões. Já em 2003, o aporte foi de R$ 46,9 milhões. Em 2004, ocorreu um significativo aumento, para R$ 85,6 milhões. Os anos seguintes coincidem com a implementação do Cultura Viva, e em 2005, o volume de repasses foi de R$ 132,4 milhões; e em 2006 o volume foi de R$ 138,0 milhões (Brasil. MinC, 2006, 2009). 91 predileções e interesses do Ministério da Cultura” (Sarkovas, 2005). Assim ao privilegiar a estrutura de financiamento para o que se convencionou “produtos culturais de interesse do mercado”, a gestão 1995-2002 efetiva a contradição presente na sociedade e no Estado. No caso da cultura, se realiza no direcionamento dos fundos públicos, de forma que alguns podem ter acesso a um determinado tipo de fundo e outros não. Isto se comprova ao considerarmos que, “dos 17.356 projetos apresentados entre 1996 e 2000, 77,5% foram aprovados, e, desses, apenas 30% conseguiram captação” (Silva, 2007, p. 175). Isto se explica também pelas forças que exigem maiores investimentos na “indústria criativa”, a exemplo dos produtores Luiz Carlos Barreto e Mariza Leão, que se pronunciaram em reportagem de 09/12/201064, pleiteando mudanças na política cultural que vem sendo desenvolvida pelo MinC na gestão 2003-2010 e reivindicando maior ênfase aos processos industriais ligados aos artistas e o maior desenvolvimento da “indústria criativa”. Algo que nos remete à disputa de projetos e de valores que beneficiam diferentes parcelas da população, cujas forças não são equivalentes. Além disso, outra dificuldade apontada pelos estudos se refere ao acesso dos grupos menos organizados devido à forma burocratizada dos projetos, o que propiciou a liberação de recursos em sua maioria para grandes corporações. Portanto, com base em renúncia fiscal, o Estado financiou projetos de forma concentrada frequentemente para iniciativas culturais pasteurizadas, chancelando projetos que nem sempre representavam a totalidade das relações culturais existentes na sociedade. A Lei Rouanet, em seus 20 anos de existência não beneficiou o acesso público da população à cultura produzida no Brasil, uma vez que o financiamento permaneceu concentrado: cerca de 80% dos investimentos federais foram e são realizados pelo mecanismo de renúncia fiscal e apenas 20% por recursos orçamentários, vindos da administração direta e do Fundo Nacional de Cultura (FNC). Nesse âmbito, como já abordamos no segundo capítulo, foi aprovado em 08/12/2010 na Comissão de Educação e Cultura, o Projeto de Lei 6722/10, do Poder Executivo, que cria o Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura (PROCULTURA), que revoga a legislação vigente, a Lei Rouanet. Contudo a proposta ainda será analisada pelas comissões de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania, depois seguirá para o Senado. Objetiva-se com esse novo 64 Benevides (09/12/2010). 92 projeto, diversificar a captação de recursos destinados a projetos culturais em todo o país, beneficiando programas e locais que até então não eram contemplados por esses recursos65. Considerado vagos, os critérios de avaliação existentes na proposta do Executivo para a Lei 6722/10 foram questionados, dentre eles a: “contribuição para preservação, memória e tradição”; “contribuição à pesquisa e reflexão”; e “desenvolvimento das cadeias produtivas culturais”. Além disso, o texto original não estabelecia o peso de cada critério avaliado. Sendo assim, a proposta de Lei 6.722/10 foi alterada pela relatora, que o apresentou em novembro de 2010. As modificações foram negociadas com artistas, produtores, patrocinadores, autores, professores, gestores e técnicos da área da cultura. As alterações consistem na definição de critérios para a avaliação dos projetos culturais, dentre os quais uma pontuação diferenciada para cada um, que determinará a faixa de isenção fiscal (40%, 60% ou 80%), dentre outros como segue: 65 Destacamos também a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição - PEC 150/2003 na Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados em 23/09/09, que determina que anualmente 2% do orçamento federal, 1,5% dos estados e 1% dos municípios, advindos de receitas resultantes de impostos, sejam aplicados diretamente na Cultura. Atualmente o Governo Federal investe entre 0,7% e 0,8% do Orçamento da União na área cultural. 93 Se aprovadas, estas mudanças incidirão sobre os valores destinados aos projetos culturais, que ficarão concentrados no Fundo Nacional de Cultura (FNC), criado em 199166, formado principalmente por doações de empresas (que deduzirão os valores do Imposto de Renda) e de no mínimo 40% do orçamento do Ministério da Cultura. Propõe-se que 80% dos recursos do FNC sejam destinados aos proponentes 66 A Lei Rouanet restabelece os princípios da Lei n. 7505, de 2 de julho de 1986, e institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura – PRONAC, cria o Fundo Nacional de Cultura, Leis e portarias subsequentes a regulamentaram. 94 culturais da sociedade civil não vinculados a patrocinador incentivado ou ao poder público nos estados e municípios. Por meio desse mecanismo, os artistas e produtores com um projeto cultural, principalmente aqueles das classes populares que não tem acesso às grandes empresas, e que não promovam grandes espetáculos não precisarão mais recorrer às empresas para conseguir recurso, como estabelece a Lei Rouanet, e diante dos projetos aprovados recebem o valor diretamente do Fundo. Este novo formato viabiliza a desconcentração dos incentivos culturais que historicamente predominam no eixo Rio-São Paulo, ampliando o benefício para todas as regiões do País. Além disso, a análise dos projetos será feita por uma comissão, composta por representantes do governo e da sociedade civil, corrigindo distorções da Lei Rouanet, que estabelecia faixas pré-fixadas de abatimento de imposto que variavam de acordo com o tipo de produção artística financiada, como dança, música, circo, dentre outros, cuja isenção poderia chega a 100% do valor investido, beneficiando as empresas com recursos públicos sem que dispusessem de recursos próprios. A nova Lei 6.722/10 exclui essa possibilidade, e as empresas terão que contribuir com os projetos culturais, passando os benefícios, antes restritos a estas entidades, para toda a população. A partir destas considerações e críticas, o Programa Cultura Viva foi criado com a portaria nº 156, de 06 de julho de 2004, e se propõe, a contemplar o conceito de cultura ampliado, entendido como o conjunto de saberes e fazeres da sociedade, valorizando a diversidade cultural brasileira, bem como aliar de forma abrangente as diretrizes políticas do MinC, reiventando-o. A dimensão da cultura como direito e cidadania objetivou a ampliação dos meios de fruição, produção e difusão cultural, por meio da potencialização das “energias” sociais e culturais, privilegiando a própria dinâmica das comunidades e visando à construção de novos valores de cooperação e solidariedade. O Artigo 3º da referida portaria prevê que “O Programa se destina a populações de baixa renda; estudantes da rede básica de ensino; comunidades indígenas, rurais e quilombolas; agentes culturais, artistas, professores e militantes que desenvolvem ações no combate à exclusão social e cultural”. Consideramos que esse recorte, estratégico e 95 inicial, privilegia uma parcela da população considerada “excluída67” do acesso aos recursos públicos, uma opção que consistiu em operar algumas mudanças no direcionamento das políticas culturais, ainda que, não se tenha efetivado mudanças estruturais que as garantam. Afinal, ainda são poucos recursos para a área, sem a devida aprovação dos percentuais garantidos por Lei, que permitam efetivar o acesso universal às políticas públicas estabelecido pela legislação brasileira. Tal horizonte nos instiga a persegui-lo. Assim, os critérios e mecanismos que optam por priorizar locais, públicos e regiões ainda não beneficiados pelas políticas públicas, podem evitar a reprodução e a lógica da “exclusão”, desde que evitem arbitrariedades decisórias. Estas mudanças não se efetivam por decretos ou imposições, mas por respeito a um tempo processual que compreende a ampliação do debate, a apropriação e a experiência de cada vez mais pessoas nesta luta, que envolve transformações na estrutura do financiamento público, ainda bastante concentrado e inacessível. Assim, ponderamos que há uma aposta na criação de movimentos que, ao experimentarem possibilidades de interação com o Estado, no acesso aos recursos e bens públicos, passem a exigir e reivindicar com mais propriedade e força, o que lhes é de direito. Além disso, considerar as diferentes singularidades no debate, reflexão e enfrentamento dos conflitos aumenta a visibilidade das demandas da sociedade e dos movimentos organizados, abrindo perspectivas e alternativas a serem forjadas com vistas a transformações. São possibilidades que envolvem vivências concretas, e, portanto, referências que mobilizam ações coletivas e valores muito presentes nas ações culturais. Outrossim, podem desencadear outros movimentos que contestem as formas individualistas, sectaristas e mercadológicas instituídas, beneficiando efetivamente o conjunto da sociedade como um dos caminhos que construam modificações no conjunto das relações sociais, diante da crescente desigualdade social. Assim, destacamos uma importante mudança na condução das políticas culturais brasileiras: o abandono da proposta preconceituosa da gestão anterior de "levar 67 Os termos “exclusão social e excluídos” são compreendidos enquanto produtos do funcionamento do sistema capitalista, uma vez que a sociedade sofre as inúmeras refrações da questão social advindas da crescente desigualdade social. As consequências desse processo não se resolvem em termos de inclusão ou de combate a uma pretensa exclusão, pois a maioria da população está “incluída” de forma subalterna, precária e controlada (Martins, 1997, 2008). Assim, mudanças significativas requerem o debate do sistema de produção/reprodução no sistema capitalista e políticas que efetivem transformações no conjunto de relações sociais e econômicas. 96 ilustração ao povo", como defendia o ministro Weffort (gestão 1994-2002), passando a vigorar na gestão (2003-2010) o estímulo as diferentes formas de expressão antes desconsideradas. A política adotada nesta gestão baseia-se na Declaração Universal Sobre a Diversidade Cultural, da UNESCO (2001), enfatizando que a cultura deixa de ser somente produto de exibição, passando a ser valorizados também o cotidiano das pessoas, suas criações e produções. Apesar de ser igualmente funcional ao sistema e aos discursos vigentes, como problematizaremos no quarto capítulo, este documento aquilata a diversidade cultural como patrimônio da humanidade, o que supõe o dever do Estado em afirmar as culturas que até então estavam submersas e que se expressavam apenas como folclore ou arte exótica: mitos, rituais, centenas de linguagens diferentes dos povos indígenas, além das reinventadas como o funk, o hip hop, dentre outros. Importa agora considerar a cultura como dimensão do processo societário de desenvolvimento e criação humana e não apenas como espetáculo ou produto de exibição. Assim, o MinC pontuou a sua atuação a partir de três estratégias: 1) produção simbólica, com ações de estímulo à produção cultural; 2) direito à cidadania, acentuando a dimensão social da cultura; 3) economia, pressupondo que há uma indústria que movimenta economicamente a sociedade. É importante destacar que no Brasil, em 2002, o caderno A imaginação a serviço do Brasil reuniu diretrizes e propostas do Programa de Políticas Públicas de Cultura do Partido dos Trabalhadores tendo como base o conceito de desenvolvimento humano em conteúdos programáticos para a gestão pública de cultura. Enquanto um direito social básico, a cultura foi conjugada com o respeito à diversidade das experiências culturais e expressões artísticas, passando a constituir premissa básica para a proposição de uma política pública nacional que, ao estimular o caráter humanista do desenvolvimento, evite a sobreposição da economia de mercado à política. Esta proposta de Políticas Públicas de Cultura buscava revitalizar o papel da esfera pública por meio da cultura e da garantia de uma política continuada de estímulo à cidadania cultural, com a prática da descentralização e a ampliação do acesso e da participação popular: O governo democrático e popular deve conduzir sua ação tendo como pressuposto que a política cultural deve obedecer a uma lógica de política pública e estar comprometida com a universalização de seus serviços - bibliotecas interativas, centros 97 culturais, teatros, circos, etc. -, mediante a extensão dos serviços públicos de cultura, com a organização de instrumentos legitimadores de participação social e comunitária, da formação e qualificação de agentes e gestores capazes de formularem e empreenderem projetos e planos de ação, do diagnóstico e da avaliação permanentes, de um rol de instrumentos financiadores diferenciados e suficientes em volume de recursos (PARTIDO DOS TRABALHADORES/PT, 2002, p. 16). Ainda que haja especificidades e diferentes posições internas em relação à cultura neste partido e nos demais partidos de esquerda, em seu discurso de posse, o Ministro da Cultura68, em consonância com o que foi previsto no Programa do PT, afirmou: Sabemos muito bem que em matéria de cultura, assim como em saúde e educação, é preciso examinar e corrigir distorções inerentes à lógica do mercado - que é sempre regida, em última análise, pela lei do mais forte. Sabemos que é preciso, em muitos casos, ir além do imediatismo, da visão de curto alcance, da estreiteza, das insuficiências e mesmo da ignorância dos agentes mercadológicos. Sabemos que é preciso suprir as nossas grandes e fundamentais carências (GIL, 2003, p. 11). Na gestão governamental 2003-2010, além do Cultura Viva, outros programas foram dedicados aos mestres, grupos e comunidades praticantes das expressões culturais populares, desde os de infra-estrutura, direitos à saúde, promoção da igualdade racial, até projetos específicos como o da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, coordenada pelo Ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Social. Contemplado no Plano Plurianual (PPA) de 2003/2007 e de 2008/2011, o Programa da Diversidade Cultural (Brasil Plural), do Ministério da Cultura previu ações como seminários de formulação de políticas públicas, editais públicos, capacitação para criação de projetos e atendimento a demandas espontâneas através do Fundo Nacional de Cultura (FNC). Além deste programa, outras secretarias e instituições coligadas do Sistema MinC possuem programas que contemplam as Culturas Populares, como o Mais Cultura69, da Secretaria de Articulação Institucional (SAI), Revelando os Brasis, da Secretaria de Audiovisual (SAV) e Patrimônio Imaterial, do Departamento de Patrimônio Imaterial (DPI - IPHAN). 68 Gilberto Gil assumiu a primeira gestão (2003-2008) do cargo de Ministro da Cultura do Governo Luiz Inácio Lula da Silva. 69 Criado em outubro de 2007, por meio do Decreto nº 6226, o programa Mais Cultura passa a integrar a agenda social do Governo Federal com ações que visavam a descentralizar o Programa Cultura Viva. Assim, o MinC realizou convênios com 20 governos estaduais e duas secretarias municipais, que viabilizaram a criação de editais de seleção de projetos e instituições para implementação de Pontos de Cultura em âmbito estadual ou municipal. 98 Destacamos ainda que, no programa de governo, elaborado na campanha eleitoral do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o campo da economia da cultura abrangia tanto a indústria de entretenimento como a produção e difusão das festas populares e objetos artesanais, ou seja, foi considerada a área capaz de gerar ativos econômicos independentemente de sua origem, suporte ou escala (Tierra, 2005). Todavia, isto implica em desconfiança por diversos setores, sobretudo devido aos fortes interesses econômicos e àqueles que dizem respeito ao comércio internacional de bens e serviços culturais, além do risco destas criações serem capturadas e subvertidas pela indústria cultural criativa70. A seguir situaremos a gênese e a história do Programa Cultura Viva, bem como as suas implicações. 3.1. Caracterização da história do Programa Cultura Viva: mutações Avivar o velho e atiçar o novo, porque a cultura brasileira não pode ser pensada fora desse jogo, dessa dialética permanente entre a tradição e a invenção, numa encruzilhada de matrizes milenares e informações e tecnologias de ponta (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2006, p.7). Em 2003 o Ministério da Cultura concretizou o início a um intenso processo de discussão e reorganização do papel do Estado na área cultural. Houve um amplo investimento visando não só à recuperação do orçamento como também à discussão de mecanismos que pudessem possibilitar uma melhor distribuição do seu pequeno recurso e o seu aumento, a fim de alcançar um equilíbrio regional, questão que voltou a ser prioritária. Consideramos crucial também a retomada do conceito ampliado de cultura, a articulação entre cultura e cidadania, além da sua correlação com a economia do país. Ainda que esta última seja a área menos desenvolvida, e exija maior articulação, 70 Entendemos que as “Indústrias criativas” são um conjunto de atividades econômicas relacionadas à geração de conhecimento e de informação como: publicidade, arquitetura, artes e antiquários, artesanato, design, moda, cinema e vídeo, música, artes performáticas, edição, software e serviços de informática, tevê e rádio. Trata-se de um setor heterogêneo que mantém importantes relações econômicas com os setores de turismo, museus e galerias, patrimônio e esporte. De acordo com Szanieck e Silva, este modelo das indústrias criativas soa anacrônico e aponta uma contradição: enquanto o termo “criativas” sugere a substituição da repetição industrial pela invenção sobre a qual se baseia a produção pós-industrial. Já o termo “indústrias” parecer insistir na redução do imprevisível à criação do previsível de uma linha de montagem, que não se limita ao chão de fábrica, mas se estende a toda a metrópole, integrando produção e consumo. A tensão interna ao termo “indústrias criativas” aponta a esquizofrenia do capitalismo contemporâneo e a esquizofrenia dos nossos políticos (Szanieck, Silva, 2010). 99 investimento e cuidado foi feita uma tentativa de articulação com a área da economia solidária e a produção colaborativa. A seguir, reproduzimos um trecho do discurso do ministro da Cultura, em que recorda e reconhece a importância de Mário de Andrade, cuja importância no cenário cultural brasileiro foi abordado no capítulo anterior, a quem atribui a inspiração da atual gestão do MinC (2003-2010): Mário de Andrade foi quem desenhou nosso Iphan nos anos 30, que deu às suas idéias míticas uma forma institucional. Foi ele quem estabeleceu as balizas antropológicas e estéticas para a preservação da diversidade cultural brasileira. Pensou um modo de conservar a memória que a tornava viva, tirando o patrimônio das gavetas e botando ela nas ruas, no atrito vivo da multidão, fazendo objetos sagrados experimentarem da incerteza do cotidiano. Autor de teorias e peças literárias que mostraram à nossa imaginação como poderíamos nos tornar aquilo que já éramos. E éramos, sem saber, uma cultura verdadeiramente brasileira. Mas tínhamos receio e preconceito de ser, medo da nossa afirmação, de nossa identidade de muitas identidades. Foi Mário, com suas fantasias, que nos libertou de nosso complexo de inferioridade simbólica. Grande abridor de trilhas (Gil. 2006, grifos nossos). Contudo, no primeiro ano da gestão 2003-2008, o MinC criou o programa Refavela, com o objetivo de apoiar iniciativas culturais nas periferias das grandes cidades e no interior do Brasil. A Portaria nº 515 instituiu a criação do programa publicada no Diário Oficial em 2 de dezembro de 2003, e que se propunha a fornecer: (...) apoio institucional e técnico para o desenvolvimento de atividades culturais às comunidades locais, bem como o acesso a métodos modernos de comunicação que permitam a troca de informações e de experiências na área da cultura; será executado de forma descentralizada, em nível dos governos locais, utilizando como principal infra-estrutura logística a Base de Apoio à Cultura (BAC), a ser construída com recursos advindos de parcerias estabelecidas com governos estaduais e municipais, com empresas públicas e privadas, com associações comunitárias e outras organizações da sociedade civil, e recursos orçamentários consignados na lei orçamentária. As parcerias referidas poderão, quando for o caso, utilizar-se dos benefícios fiscais previstos na legislação que criou o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac). (De olho em Brasília, 2003). O lançamento do programa previa a construção de 50 BACs nas periferias e cidades do interior do país. De acordo com o Ministério da Cultura (BRASIL, 2007c), se contaria na época, com apoio da Petrobrás, que previa investir R$ 70 milhões para as instalações das BACs, cuja estrutura ofereceria apoio institucional e técnico a artistas e produtores dessas localidades. Esta proposta contava com o entusiasmo de alguns, principalmente nas localidades em que se projetava a construção dessas Casas de Cultura. Por outro lado, esta iniciativa foi duramente criticada por uma parcela do meio político e artístico100 cultural do país. A crítica se referia predominantemente ao custo, considerado oneroso, bem como a sua manutenção que dependeria do Estado e das políticas conjunturais, já que o programa seria implementado em localidades que não dispunham de recursos que as viabilizassem, além de não garantir o estímulo às iniciativas artísticas e culturais locais. Essas considerações foram ganhando força inclusive dentro do próprio Ministério, argumentações que sustentaram a alteração da proposta. O programa Refavela não chegou a ser efetivado, o que acarretou um significativo deslocamento de prioridades políticas nas alterações e foco principal programa da Secretaria de Programas e Projetos Culturais do MinC. Gestado com uma série de problemas o Refavela era um programa de acesso à cultura “que não tinha dado muito certo porque ele tinha o foco muito voltado pra estrutura, pra construção de centros culturais em periferias e favelas no Brasil e não tinha muito substrato em termos de conteúdo, do uso e da ação permanente. E cultura é, sobretudo, isso. Muito mais que prédio, cultura são pessoas. Cultura é um processo contínuo” (Turino apud Portilho, 2009, p. 2). A ação pública que se propunha a instalar equipamentos culturais em cidades, bairros e regiões com pouco acesso à cultura foi alterada para um novo programa, o Cultura Viva. Assim, além do problema em priorizar apenas o investimento em infraestrutura foi delineada uma questão conceitual, que implicava em reconhecer a produção cultural em todo o país. Nasce, então, a proposta que tinha como orientação política o apoio à realização de projetos e iniciativas artísticas em equipamentos culturais já existentes e que possuíssem ações sociais e culturais há mais de dois anos: o Programa Cultura Viva. Célio Turino afirma que o objetivo passava a ser a união de arte com educação, cidadania e economia solidária, chegando aonde o Estado nunca alcançou, acreditando na inventividade do povo. “Limitamos as imposições e dirigismo. Invertemos a lógica da estrutura para a lógica do fluxo. Repassamos a verba e os Pontos utilizam da forma que acharem melhor” (Turino, TEIA, 2006). Turino afirmava ainda que era preciso ir além das tradições e avançar nas novas produções dos morros, periferias e do campo. “É a habilidade do nosso povo que se transforma no contato com o outro (...) não se trata de levar cultura e sim de afirmar a cultura que existe numa localidade” (Turino, TEIA, 2006, grifo nosso). Essa mudança é fundamental e reflete uma enorme mudança de paradigma em relação às políticas culturais anteriores, sobretudo em relação à ideia original das BACS/ Refavela, pois seria um contrassenso imaginar que a cultura seria incentivada em 101 comunidades e favelas a partir da construção de edifícios estranhos à realidade local, exigindo das pessoas que se adequassem a um projeto pensado sem a sua participação. A iniciativa de criação de uma proposta governamental executada de forma descentralizada, que articulasse as diferentes esferas do poder público e integrasse a cultura com a comunicação, ganhou corpo e destaque no discurso de formulação do Programa Cultura Viva. Acrescentou-se a esta orientação a perspectiva cidadã de promover a participação de grupos sociais e o incentivo às expressões culturais já existentes nas comunidades locais, além da conexão entre cultura e educação. Em julho de 2004, baseada nesses princípios, a Secretaria de Programas e Projetos Culturais do Ministério da Cultura (SPPC71/MinC) criou o Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania - Cultura Viva. Tendo como objetivo promover o acesso aos meios de fruição, produção e difusão cultural, o programa se propôs a potencializar “energias” sociais e culturais, apoiando a realização de iniciativas artísticas e culturais já existentes. Além disso, o MinC adotou uma visão de cultura como “produto das subjetividades em movimento”, advinda da inspiração que deu origem ao Programa Cultura Viva que partiu do seu desejo de realizar um do-in antropológico, que consistia em estimular os pontos vitais de expressão da cultura brasileira, por meio de recursos que potencializassem suas ações e dinamizassem sua comunicação. O nome Ponto de Cultura surge do discurso de posse do ministro Gilberto Gil (2003): “Pontos vitais da nação”. Esta ideia foi incorporada por Turino (2005), que partiu da consideração de que a nação não é uma massa compacta e estática, ou um conjunto de estereótipos e tradições importadas, mas um organismo vivo, pulsante, envolvido em contradições e que necessita ser constantemente energizado e equilibrado, daí a ideia de uma acupuntura social que vai direto aos Pontos. O Programa Cultura Viva nasceu dentro dessa compreensão da cultura. Dentre as suas ações, inicialmente, o Ponto de Cultura era considerado a ação prioritária do programa, “mas o seu caráter articulador das demais ações ganhou grande dimensão e alargado alcance, sendo possível hoje considerar o Ponto de Cultura como eixo estruturante do programa, a espinha dorsal do Cultura Viva” (Vilutis, 2009). Os Pontos 71 De acordo com a estrutura regimental do Ministério da Cultura (MinC), publicada no Diário Oficial da União de 4 de maio de 2009, a Secretaria de Programas e Projetos Culturais (SPPC) passou a ser denominada Secretaria da Cidadania Cultural (SCC). 102 de Cultura são considerados como iniciativas que articulam as dimensões simbólica, cidadã e econômica da cultura por meio de suas práticas e atuações junto às comunidades em que estão inseridos. Aqui reside uma das contradições e impasses do programa, pois nem toda manifestação cultural tem o potencial para a área econômica, por exemplo. O marco de reformulação do papel do Estado na cultura, que incluía o Programa Cultura Viva se propôs a estabelecer novos parâmetros de gestão e democracia na relação entre Estado e sociedade orientados pela articulação dos conceitos de empoderamento72, autonomia e protagonismo social, apresentados em seminários e publicações. A partir dessa perspectiva, instituíram-se os Pontos de Cultura como espaço de ressignificação da criação cultural ao suscitarem práticas de diversas linguagens estéticas relacionadas entre si, que consideram a dinâmica cultural local e incorporam o conhecimento apreendido ao patrimônio cultural de suas comunidades. A forma do acesso ao programa ocorre por meio de editais públicos que convidam instituições privadas e públicas de caráter cultural, como organizações sem fins lucrativos da sociedade civil, a apresentarem projetos nas cinco ações do programa: Pontos de Cultura, Cultura Digital, Agente Cultura Viva, Ação Griô e Escola Viva. A implementação das ações do programa se concretiza com os recursos que advêm fundamentalmente da Lei Orçamentária. Dentre os critérios, as instituições da sociedade civil que querem se tornar Pontos de Cultura devem aliar características tais como: configurar pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, de natureza cultural, como associações, sindicatos, cooperativas, fundações privadas, escolas caracterizadas como comunitárias e suas associações de pais e mestres; ou organizações tituladas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) e Organizações Sociais (OS), com atuação comprovada na área social e cultural há pelo menos dois anos. Segundo a primeira avaliação do Programa Cultura Viva, realizada em 2006 pelo Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (LPP/UERJ), 59% das instituições proponentes de Pontos de Cultura são organizações não governamentais (ONGs); 6% constituem fundações e instituições privadas. Já a 72 O termo “empoderamento” origina-se da tradução de empowerment que, na literatura educacional crítica anglo-saxônica, refere-se ao processo pelo qual grupos sociais subalternos adquirem, pela via da educação, meios de fortalecer seu poder para resistir a estruturas de opressão e dominação. A tradução do termo na obra de Homi Bhabha é configurada na expressão “aquisição de poder” ao se referir a este conceito (1998, p.10). Outros autores utilizam a expressão “fortalecimento dos grupos populares”, “apoio social”, dentre outros (Valla, 1998; 2002). 103 pesquisa/avaliação realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)73, feita em 2007 e 2008 e publicada em 2010, se refere à “anterioridade das atividades ao programa e formas de instituição predominantes”, constatando que 17% não eram realizadas, 66% eram realizadas por associações, 9% pela comunidade, 17% por grupos artísticos, 6% por pessoas, 0% por empresas e 3% responderam “outros”. Em um paralelo entre as duas pesquisas, as ações, em sua maioria, continuaram a ser exercidas por organizações não-governamentais. Ao propor o entrelaçamento das ações e suportes dirigidos ao desenvolvimento de uma cultura cooperativa, solidária e transformadora, a promoção da cultura enquanto expressão e representação simbólica, articulada ao direito de cidadania e, ainda, da cultura enquanto economia refletem a intenção de propor experimentações por meio de várias frentes de ação. A formação de redes sociais, outro objetivo do Programa, buscou apoiar o desenvolvimento e o aperfeiçoamento das alternativas autônomas para a gestão cultural. O Programa Cultura Viva abrange os mais variados grupos sociais: crianças, jovens, mulheres, indígenas, comunidades da periferia de grandes metrópoles do País, comunidades afrodescendentes, associações de bairro e populações camponesas, ribeirinhas, rurais e sem-terra, dentre outros. As organizações são selecionadas por edital público e passam a receber recursos do Governo Federal para potencializar seus trabalhos. É possível identificar também neste programa as diretrizes políticas referentes à descentralização da gestão cultural, a integração das diversas linguagens artísticas, a articulação com a educação e outros setores sociais, além da busca pela convivência na diversidade cultural ao reunir um perfil variado dentre os participantes do programa. Historicamente, conforme vimos no capítulo anterior, essas diretrizes nos remetem à reformulação do papel do Estado na cultura, incluindo contemporaneamente a proposta de democratização cultural ainda incipiente. O Programa Cultura Viva, enquanto uma das propostas do MinC para enfrentar esse desafio, é colocado da seguinte forma: Precisamos moldar o Estado brasileiro à imagem de seu povo. (...) O Cultura Viva deseja contribuir para essa aproximação, em busca de um Estado ampliado. É um programa de acesso aos meios de formação, criação, difusão e fruição cultural, cujos parceiros imediatos são agentes culturais, artistas, professores e militantes sociais que 73 A pesquisa incidiu sobre o universo de 526 Pontos de Cultura conveniados até dezembro de 2007, dos quais 16% estavam com as atividades suspensas, não haviam iniciado ou estavam desativados. 104 percebem a cultura não somente como linguagens artísticas, mas também como direitos, comportamentos e economia (BRASIL, 2004b, p. 15, grifos nossos). Destacamos o termo de Estado ampliado, que evidencia a intenção de atuar no conjunto da sociedade em diferentes âmbitos, supondo que o Estado possibilite a criação mecanismos de articulação e de participação desses parceiros, bem como viabilize a democratização cultural. Ao incidir na organização do espaço público e no exercício dos direitos, as políticas culturais implicam o estabelecimento de diálogos com o contexto social, seus limites e necessidades para atuar de forma integral. Outra perspectiva que destacamos, aliada a esta reflexão, diz respeito a noção de que 99% das instituições entrevistadas pelo LPP/UERJ (2006) responderam realizar atividades de formação, evidenciando a articulação entre cultura e educação muito presente na execução do programa. Quanto à motivação em participarem da iniciativa do Programa Cultura Viva, 67% responderam que a falta de acesso a bens e produtos culturais foi um elemento motivador para a realização da atividade proposta. Isso indicava que há uma proximidade entre o objetivo do Programa Cultura Viva de incentivar o acesso à cultura e o objetivo das instituições e de suas ações culturais propostas. Já na pesquisa do IPEA (2007/2008) a resposta sobre a motivação foi diferente: 49% apontaram a “busca de recursos”, seguida da “necessidade de preservar’ com 23%, e em terceiro lugar aparece a “diversificação da cultura local” com 21%, demonstrando a mudança em relação à primeira pesquisa. 3.2. A composição do Programa Cultura Viva O caráter articulador do Ponto de Cultura em relação às demais ações do Programa Cultura Viva o caracterizou como eixo estruturante, embora tenha sido considerado, desde o início, ação prioritária. Ao longo do desenvolvimento do Programa, os Pontos tiveram sua dimensão e alcance ampliados, sendo possível tomá-lo hoje espinha dorsal do Cultura Viva. É por meio dos Pontos de Cultura que as iniciativas artísticas e culturais são impulsionadas e se articulam, tornando-se referência para o Programa e constituindo a sua principal iniciativa em termos de visibilidade e produção. Como premissa e justificativa do programa foi colocado que as comunidades têm dinâmicas culturais próprias. Ou seja, a princípio, qualquer comunidade pode constituir um Ponto de Cultura. Contudo, em que situações o poder público reconhecerá tais Pontos de Cultura? Quais os critérios de reconhecimento? Pelas justificativas do programa, deveriam ser consideradas várias modalidades de inserção 105 no programa, sendo que para tal é necessário empregar conceitos diferenciados de Ponto de Cultura. Em primeiro lugar, é necessário enfatizar que i) qualquer instituição pode participar do Edital, desde que cumpra os requisitos ali definidos, ii) o critério geral para a definição de um Ponto de Cultura é a existência de oficinas culturais e iii) todos poderão ser visitados nas expedições culturais. Isso posto, é importante que a definição do Ponto de Cultura contemple diferentes modalidades que reconheçam a diversidade organizacional de experiências e formas de interação com o Estado, a comunidade e a sociedade (Silva, MinC, 2007, grifo nosso). As demais ações que compõem o Cultura Viva, como a Cultura Digital, Agente Cultura Viva, Griôs74 e Escola Viva, apontam diretrizes, orientam iniciativas e comportam princípios que são incorporados nos Pontos de Cultura, responsáveis pela sua dinamização em seu território e também em rede. Com a entrega inicial de 100 kits multimídia a 100 Pontos de Cultura, a ação Cultura Digital teve como base inicial o repasse de orientações aos demais Pontos de Cultura que receberam o recurso para a compra de seu kit. O conjunto dos equipamentos multimídia sugerido pelo MinC reúne filmadora, gravador digital, mesa em dois canais de áudio e dois computadores que funcionam como ilha de edição, o que permite experimentações e intercâmbios nos Pontos de Cultura, bem como a gravação de músicas, captação e edição de imagens, confecção de vídeos, e disponibilização do trabalho na Internet. 74 A ação Griô Nacional foi baseada na experiência da Associação Grãos de Luz. Contemplada no primeiro edital, a Associação localiza-se em Lençóis (Bahia), e em 2005, com o projeto Grãos de Luz e Griô: a tradição viva desenvolveu a iniciativa vinculada à tradição oral e à cidadania por meio de uma proposta pedagógica que proporciona a vivência afetiva, o diálogo ritualizado, o envolvimento comunitário e a convivência intergeracional. Atualmente a Ação Griô compreende uma rede com 130 Pontos de Cultura, envolvendo cerca de 750 griôs e mestres bolsistas de tradição oral, 600 escolas, universidades e outras entidades de educação e cultura. Além da coordenação realizada pelo Ponto Grãos de Luz e Griô e pelo Ministério da Cultura, conta-se com mais sete Pontões de Cultura regionais, a parceria da Secretaria de Cultura da Bahia, da FUNJOPE, atual Secretaria de Cultura e da Secretaria de Educação do estado de João Pessoa. 106 Quadro 1: Diagrama sobre o Programa Cultura Viva PROGRAMA CU LTURA V IVA O Programa Cultura Viva contempla iniciativas culturais que envolvem a comunidade em atividades de arte, cultura, cidadania e economia solidária. O Programa é desenvolvido por intermédio de 5 ações principais. P ONT OS DE CULTUR A É a ação prioritária do Programa e que articula as demais ações. A implantação foi iniciada pelo MinC em 2004. Os Pontos de Cultura são iniciativas da sociedade civil em parceria com o Ministério da Cultura (MinC). Atualmente, há mais de 650 Pontos de Cultura no país. Diante do desenvolvimento do Programa, foram criados mecanismos de articulação entre os Pontos: as Redes de Pontos de Cultura e os Pontões de Cultura. Um aspecto comum a todos os Pontos é a transversalidade da cultura e a gestão compartilhada entre poder público e a comunidade. AGEN TE CU LTURA VIV A O Agente Cultura Viva é a ação que se articula ao Ponto de Cultura para despertar no jovem o interesse em iniciar, futuramente, uma profissão relacionada à cultura. O objetivo é fomentar a geração de renda nas próprias comunidades, a partir de uma economia solidária. Na primeira etapa da ação Agente Cultura Viva foi estabelecida uma parceria entre o Programa Cultura Viva e o Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Esta ação foi extinta em 2006 e reeditada em 2009. C ULTURA D IGITAL A Cultura Digital promove o uso do software livre e as ações de inclusão digital, assim como a bandeira da ampliação infinita da circulação de informação e criação. Estas novas possibilidades de difusão e acesso à cultura impactam o marco legal dos direitos autorais conforme a disposição atual, e fomenta a discussão sobre novas formas de licenciamento e gestão de conteúdos. E SCOLA VI VA A Escola Viva visa integrar os Pontos de Cultura à escola, de modo a colaborar para a construção de um conhecimento reflexivo e sensível por meio da cultura, possibilitando resgatar a interação entre cultura e educação. São duas as frentes: transformar experiências inovadoras das escolas em Pontos de Cultura ou Pontos em escola de cultura brasileira. A ação foi lançada com o Prêmio Escola Viva, em 2007, cujo objetivo é premiar Pontos de Cultura, Pontões, Redes de Pontos ou organizações vinculadas às Redes, que possuam iniciativas de ensino/aprendizagem. G RIÔ A ação Griô consiste em estimular a tradição oral nas comunidades, realizada por “contadores de estórias”, sujeitos que adquiriram conhecimentos de antepassados e os repassam contando estórias. O principal objetivo é reaprender com os griôs e mestres da tradição oral o jeito de construir o conhecimento integrado à ancestralidade, além de estimular e sistematizar o vínculo entre educadores e comunidade, e a dinâmica de fortalecimento da identidade local. O Pontão de Cultura Ação Griô Nacional articula essa iniciativa entre os Pontos de Cultura. Fonte: http://www.cultura.gov.br/programas_e_acoes/cultura_viva/programa_cultura_viva. Síntese e adaptação: Sartor, 2009. A Cultura Digital considerada inicialmente como central no Programa Cultura Viva enfrentou impasses na implementação da sua estrutura. Em 2005, a equipe da ação Cultura Digital realizou uma série de visitas aos Pontos de Cultura para levantamento de informações para a criação de uma plataforma agregadora de comunicação, gestão e publicação da produção imaterial e material dos Pontos no ciberespaço. Esta plataforma agregadora consistiu em uma estrutura que reunia ferramentas de diálogo, armazenamento de informações e produções de materiais culturais. Essa plataforma era composta por três ferramentas: o Mapsys, o Conversê e o Estúdio Livre. O Mapsys consistiu na organização de dados, reunidos inicialmente por meio das visitas da equipe da Cultura Digital e, posteriormente, também pela equipe da SPPC/MinC para realizar o acompanhamento da gestão dos convênios. O Conversê que funcionava como uma rede social, um espaço de diálogo, troca de informações, conversas e articulações entre os Pontos de Cultura. Já o Estúdio Livre, consistiu na terceira ferramenta dessa plataforma, que permitia aos Pontos de Cultura inserirem seus vídeos, disponibilizarem suas músicas, editarem materiais e compartilharem dados, informações e criações artísticas. 107 Produzidas em software livre, essas três ferramentas não pertenciam a um proprietário, mas eram programas que podiam ser usados, copiados, modificados e redistribuídos sem restrições, a partir de licenças livres em que fosse possível escolher os direitos que se queria preservar e disponibilizar, tanto os programas como as criações. O princípio do software livre é orientador de todas as iniciativas da ação Cultura Digital e do Programa Cultura Viva. O Ministério da Cultura firmou parcerias que ampliaram a equipe atuante na ação Cultura Digital para orientar os Pontos de Cultura a utilizarem essas tecnologias, e passaram a desenvolver oficinas multimídia para a formação e manejo das ferramentas nos Pontos de Cultura. Em 2006, foram realizados mais de 10 Encontros de Conhecimentos Livres, onde aconteciam oficinas de produção de áudio, edição de vídeo, metarreciclagem, montagem de blogs e sites, tudo em software livre. As oficinas visavam a proporcionar aos Pontos de Cultura a apropriação da proposta conceitual e política do software e do conhecimento livre, bem como incentivavam o trabalho colaborativo e de intercâmbio da produção dos Pontos de Cultura. Estes encontros de Conhecimentos Livres visavam também a colaborar para a articulação dos Pontos de Cultura em rede, sendo as primeira iniciativas do MinC na promoção de espaços de encontro, diálogo, articulação e produção conjunta entre os Pontos de Cultura. Assim, destacamos que a Cultura Digital, parte das ações deste contexto, foi considerada desde o início peça-chave na articulação em rede dos Pontos de Cultura proposta pelo Programa Cultura Viva para viabilizar a criação e a apropriação de novas formas de expressão. No entanto, as dificuldades e limites da implementação dessa ação também foram expressivas e tinham relação direta com o acesso à cultura e a perspectiva da transversalidade do Programa. Inicialmente, o MinC firmou um Termo de Cooperação com o Ministério das Comunicações que previa a instalação de mil antenas GESAC (Programa de inclusão digital do Governo Federal, coordenado pelo Ministério das Comunicações) para proporcionar o acesso à internet aos Pontos que não o dispusessem, mas essa ação não se efetivou e muitos Pontos de Cultura ainda hoje não possuem conexão. Destacamos que a luta pela ampliação da banda larga e respectivo acesso a essa tecnologia ainda é uma reivindicação dos Pontos de Cultura, dificultando a socialização pretendida pelo Programa Cultura Viva desde 2004. De acordo com a pesquisa nacional de avaliação do Programa GESAC/2009, do total de 3.570 Pontos de Presença (PP), localizados em escolas públicas, ong’s, telecentros, quilombos, ribeirinhos, tribos 108 indígenas e unidades militares em funcionamento, 727 foram sorteados para fazer parte de uma amostra avaliativa em outubro de 2008. A pesquisa pretendia identificar as inúmeras dificuldades, dentre as quais as de conexão lenta e descontínuas e de contato com o suporte técnico. Em 2009, cerca de 10.800 PPs estavam distribuídos nos estados brasileiros, porém sem ter atingido os Pontos de Cultura, estando presentes apenas em um Ponto na cidade do Rio de Janeiro (Centro Cultural Cartola e 2 no Estado, Centro de Integração Social Amigos de Nova Era/Cisane/Nova Iguaçu e AMOC/Associação de moradores do Campinho/Paraty). A proposta da metarreciclagem também não foi efetivamente implementada, pois requeria um acompanhamento técnico maior e mais consistente para efetivar o reaproveitamento dos equipamentos ultrapassados ou sem uso em tecnologias adequadas às necessidades de várias comunidades. Este processo previa a princípio uma apropriação simbólica, física e conceitual dos equipamentos que seriam desmontados e remontados de forma criativa, transformando a relação do usuário com a máquina, como se constata em algumas experiências: O Ponto deu um salto na comunicação com outros e estímulo para outros desafios no Ponto, como dominar a cultura digital. A gente percebe que a globalização pode estar a nosso favor. Podemos filmar nossas brincadeiras, nossas ações e divulgar. A batalha não é mais pelo meio de produção, pois até celular filma... (...) a batalha é pela dica, a batalha é para democratizar os meios. O direito humano, a comunicação com outros humanos. Não é só ligar a TV e receber, isso não é comunicação. Na cultura digital, sim pode, é diálogo. Do preconceito que a gente tinha, passou a fazer parte. O trabalho grande hoje é para colocar mestres na rede (Simões - Ponto de Cultura Invenção Brasileira - DF, 2010, grifo nosso). Ainda que incipiente, destacamos também a prática do uso comunitário e colaborativo, outra característica instigada pela Ação Cultura Digital, como o empréstimo do kit multimídia para vários eventos e outros Pontos de Cultura, o que “(...) estimulou e faz com que os alunos também tenham essa postura (...) como o caso do aluno que montou um estúdio em casa e a vizinhança tem acesso” (Coordenadora de Ponto de Cultura, 2009). No entanto, temos no país grandes restrições para o acesso, pois, segundo o IPEA, que divulgou em 26 de abril de 2010 um estudo para melhoria do plano nacional de banda larga, a sua expansão não depende apenas da infraestrutura. O custo no Brasil é dez vezes maior do que em países desenvolvidos (IPEA, 2010b). Até o final de 109 dezembro de 2007, 53,1% dos Pontos de Cultura, ao todo 38675 conveniados e pesquisados pelo IPEA (2010a), em âmbito nacional, receberam ou compraram o kit multimídia; 37,3% adotaram ferramentas livres como o Linux; 35,5% utilizaram conhecimentos técnicos; 29,5% adotaram conceitos da Ação Cultura Digital; 17,4% participaram da rede e 10,1% criaram rede. Assim, constatamos uma realidade bastante distante da intenção de socializar e expandir as tecnologias digitais, pois, apesar do crescimento em ascensão, em 2008, dos 58 milhões de domicílios brasileiros, 79% não tinham acesso à internet, ou seja, 46 milhões e apenas 21%, cerca de 12 milhões acessavam esse serviço (IPEA, 2010b). A meta do Plano Nacional de Banda Larga é a de levar Internet rápida a 50% dos domicílios brasileiros até 2014, o que tem pouca chance de se efetivar se não forem empregadas políticas integradas do governo, como a revisão do regime jurídico ao qual o serviço está submetido e o uso efetivo do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), além de investimentos direcionados às regiões onde a desigualdade é maior. A reforma na regulamentação do serviço de internet é outro empecilho, pois ela ainda não é juridicamente considerada como um serviço essencial para a população. Apenas a telefonia fixa tem sido suplantada em importância pelo acesso a banda larga. Assim torna-se necessário discutir a inclusão das operadoras de banda larga no regime público de prestação do serviço, por meio do estabelecimento de metas de universalização e qualidade, bem como o comprometimento com a modicidade tarifária e com a garantia da continuidade. O Estado, portanto, tem o papel de fazer cobrança às operadoras, já que estão previstas no regime público (IPEA, 2010b). Assim, os desafios persistem e exigem tanto das experiências vivenciadas nos Pontos de Cultura, quanto da sociedade, questões que envolvem aspectos relacionados ao contexto social como um todo, requerendo ações integradas e que contemplem a população em geral. A gestão desse processo foi compartilhada depois que os convênios passaram a ser efetivados também através dos estados, num princípio de descentralização que viabilizou um contato mais próximo com as secretarias regionais de Cultura, facilitando o acompanhamento, suporte e diálogo entre os gestores e as manifestações artísticoculturais. A seguir, veremos o processo de implementação das ações do Cultura Viva. 75 De um total de 550 Pontos de Cultura, foram coletados dados de 386, cerca de 70%, pois os demais tiveram problemas, ou encerraram atividades, ou ainda não tinham recebido nenhuma parcela. 110 3.3. Concepção e forma de acesso ao Programa Cultura Viva Os dois primeiros editais do Programa Cultura Viva foram lançados em julho de 2004 e março de 2005. Com um perfil mais específico, o segundo edital focalizou projetos socioeducativos de capoeira da Bahia e a sua estrutura era semelhante ao edital anterior, em termos de tempo de execução do projeto, montante de recursos repassados e forma de prestação de contas. Além de não contemplar diversos projetos como no primeiro edital, houve um recorte muito específico, dirigido e restrito no segundo edital, relativo a um tipo de manifestação cultural, a capoeira, e a um determinado local, a Bahia. Para justificar o caráter focalizado do edital de 2005, o Ministério destacou sua natureza enquanto iniciativa piloto de implantação de Pontos de Cultura da capoeira. Este enfoque desencadeou editais específicos, o “Capoeira Viva76”, lançado em 2006, 2007 e 2010, em âmbito nacional. O terceiro e o quarto editais do Programa Cultura Viva foram lançados ainda em 2005. O terceiro tinha muita semelhança com o primeiro no que diz respeito ao público ao qual se destinava e ao foco de seleção de projetos para a constituição de Pontos de Cultura. Porém, devido ao lento processo de conveniamento vivenciado nos dois editais anteriores, este edital objetivava constituir uma reserva de projetos de instalação de Pontos de Cultura a serem conveniados de acordo com a disponibilidade orçamentária do Ministério. As parcerias do Programa Cultura Viva com o poder público municipal e estadual foram inauguradas pelo quarto edital, que iniciou uma abordagem específica voltada à constituição de Redes de Pontos de Cultura. Foram convidadas as instituições governamentais estaduais, distritais e municipais para que apresentassem projetos de estímulo às iniciativas da sociedade, como movimentos populares, entidades ou manifestações culturais, valorizando as tradições mantidas por segmentos da população e que explorassem diferentes expressões, linguagens artísticas e lúdicas. 76 Idealizado pelo Ministério da Cultura, com coordenação técnica do Museu da República e Associação de Apoio ao Museu da República, com patrocínio da Petrobras, o projeto tem como objetivo fomentar a implementação de políticas públicas para a valorização e promoção da capoeira como bem constituinte do patrimônio cultural brasileiro, apoiando uma das diretrizes de política cultural da atual gestão do Ministério da Cultura. A Chamada Pública permitirá, ainda, o mapeamento de diferentes experiências e iniciativas ligadas à capoeira em todas as macro regiões brasileiras e, eventualmente, no exterior. Em 2010, foi lançado o edital de apoio à formulação e implantação do Programa Nacional de Salvaguarda e Incentivo à Capoeira/PróCapoeira (MinC, 2005, 2010a). 111 A forma do repasse dos recursos às instituições públicas selecionadas por meio deste edital foi efetuada de forma diferenciada dos demais editais, configurando três parcelas anuais, que variaram de acordo com o número de habitantes sob jurisdição da instituição. Até 50 mil habitantes, o recurso repassado foi de até R$ 100 mil/ano; até 200 mil habitantes, o recurso foi de até R$ 300 mil/ano; população de até 1 milhão de habitantes, o recurso repassado chegou a R$ 500 mil/ano e acima de 1 milhão de habitantes, o valor foi de até R$ 1,5 milhão/ano. A viabilização do projeto contou com o investimento público de forma compartilhada: além de recursos federais, a execução do projeto contou também com a contrapartida da instituição governamental de, no mínimo, 20% do valor do objeto. Ao conceber a possibilidade das instituições públicas proporem projetos de implementação de mais de dez Pontos de Cultura em um mesmo município ou estado, dá-se início à concepção de Redes de Pontos de Cultura no Programa Cultura Viva. Em casos como esse, para executar o projeto, a entidade governamental passou a ser um Pontão de Cultura, com o objetivo de se constituir em um “(...) espaço cultural de articulação dos Pontos de Cultura, de irradiação da ação cultural regional e de apresentações das diversas linguagens artísticas, de cursos e oficinas, de experimentações em software livre, e outras iniciativas culturais que a gestão compartilhada entre poder público e comunidade achar conveniente” (BRASIL, 2009a, p. 2). Após cinco anos de vigência, o Programa Cultura Viva lançou vários editais77 públicos. Ao longo desse período, é possível constatar mudanças nos formatos desses instrumentos, denotando orientações diferenciadas em relação à diretriz política do Programa e sua gestão. Até 2008, houve um aumento significativo do número de editais lançados pela SPPC/MinC por ano, passando de um edital público em 2004 para seis editais nacionais em 2008, além das parcerias realizadas nesse ano com governos estaduais, via programa Mais Cultura, que lançaram cerca de 20 editais públicos estaduais no ano de 2009 e 24 editais em 2010. O aumento do número de seleções públicas para implementação de Pontos de Cultura via conveniamento ocorreu simultaneamente, a partir de 2007, com o lançamento de outros editais, que foram elaborados no formato da concessão de 77 Os editais, bem como as portarias com os resultados são publicados no Diário Oficial da União, com os habilitados, classificados e premiados. A comissão avaliadora das propostas é composta por representantes do MinC e da sociedade civil. As solicitações de recursos administrativos têm um prazo de cinco dias úteis, a contar do dia subsequente à data da publicação do edital, para ser enviado à Secretaria de Cidadania Cultural, SCC/MinC. 112 Prêmios e Bolsas de Incentivo. A modalidade de conveniamento, com três anos de duração, prestação de contas semestrais de acordo com o Plano de Trabalho aprovado previamente, está submetida à lei 8.666/93 e às instruções normativas incoerentes com os valores recebidos e as propostas dos Pontos, um dos fatores que tem mobilizado a criação de movimentos, ações e manifestações para exigir mudanças no marco regulatório legal. A seleção de projetos nos níveis estadual e municipal para a implementação de Pontos de Cultura segue o mesmo perfil de abrangência do público participante como constatamos: Estudantes da rede pública de ensino; crianças em situação de vulnerabilidade social; populações de baixa renda, habitando áreas com precária oferta de serviços públicos e de cultura, tanto nos grandes centros urbanos quanto nos pequenos municípios; habitantes de regiões e municípios com grande relevância para a preservação do patrimônio histórico, cultural e ambiental; habitantes de comunidades indígenas, quilombolas e rurais; e portadores de necessidades especiais. Já em relação às atividades e iniciativas dos Pontos de Cultura destacadas em sua seleção, identificamos o desenvolvimento de: a) processos criativos integrados e continuados; b) integração da comunidade com universidades e museus; c) interface com a cultura digital em software livre; d) ações de formação cultural, documentação e registro nas comunidades em que atuam; e) geração de renda através da cultura; f) capacidade em agregar outros atores sociais e parceiros públicos ou privados, garantindo a sustentabilidade futura da proposta; g) comprovação do espaço físico onde funcionará como sede e referência para o Ponto de Cultura; h) integração de linguagens artísticas e da cultura com outras esferas do conhecimento e da vida social (ciência e tecnologia, esporte e lazer, educação, trabalho, comunicação e informação e outros); 113 i) integração entre culturas de tradição oral e educação formal e/ou novas tecnologias culturais, sociais e científicas; j) gestão cultural compartilhada. Os Pontos de Cultura do primeiro edital receberam R$ 150 mil e, no segundo edital, passaram para R$ 185 mil. A diferença dos valores corresponde ao kit multimídia e às inúmeras dificuldades em operacionalizar a compra pública dos equipamentos, pois, na licitação de compra, o Ministério não recebeu proposta de venda para os acessórios e a compra tardou em ser operacionalizada. O Ministério conseguiu entregar apenas 100 kits multimídia em maio de 2006, quase dois anos após o lançamento do edital. Isso fez com que a equipe da ação Cultura Digital realizasse um mapeamento dos projetos aprovados no primeiro edital, além de um levantamento das necessidades e condições de utilização dos equipamentos como subsídios para definir os 100 Pontos de Cultura que seriam priorizados para recebimento dos kits. Os demais Pontos de Cultura receberam o recurso para efetuar a compra direta dos equipamentos. Assim, já no segundo edital o kit passou a ser comprado pelos Pontos, com os recursos da primeira parcela. A despeito da mudança de valores, os procedimentos de redistribuição de recursos e prestação de contas se mantiveram os mesmos, com o repasse executado em cinco parcelas semestrais e a prestação de contas feita mediante a utilização de cada parcela, condicionando o recebimento da parcela seguinte. Porém, não foi exatamente assim que os processos ocorreram, devido, principalmente, à reduzida equipe do MinC para acompanhar, avaliar e aprovar as prestações de contas, acarretando inúmeros problemas burocráticos e cotidianos para os Pontos de Cultura como veremos no quinto capítulo. Apesar dos problemas, fica evidente que o escopo do Programa é diverso, aberto e vasto, principalmente diante da intenção de incidir na área das linguagens artísticas integradas, na geração de renda, na promoção da cidadania e na área de educação. A promoção, financiamento e a visibilidade dessas ações, considerando-as estratégias de formação humana e de desenvolvimento, bem como a geração de renda e para a articulação comunitária são responsabilidades do Estado, porém atribuídas ao acúmulo dos Pontos de Cultura, cujo recurso recebido não viabilizava impacto em todos estes âmbitos, ou além do que o Ponto já realizava. Outra forma de acesso ao Programa Cultura Viva, lançada em julho de 2007, pela SPPC/MinC, foi um edital de Pontões de Cultura, com a novidade de que, dessa 114 vez, a seleção estava voltada não apenas a entidades públicas, mas envolvia também entidades privadas sem fins lucrativos. O edital foi dividido em duas categorias: Pontões de Cultura e Pontões de Cultura Digital, este último com a peculiaridade de utilizar meios digitais para difusão e promoção de suas atividades. O edital de seleção de préprojetos tinha como objetivo conveniar 15 projetos e fazer um banco de projetos com as demais iniciativas aprovadas a serem futuramente conveniadas. Neste edital, o Pontão de Cultura é considerado o instrumento de promoção do intercâmbio e difusão cultural, baseados na articulação de Pontos de Cultura em rede e no apoio a iniciativas que integrem as diferentes linguagens e expressões artísticas. Os Pontões de Cultura são assim responsáveis por realizar as seguintes ações: a) a capacitação e formação dos agentes de cultura vinculados aos Pontos de Cultura; b) a criação e apresentação de obras artísticas realizadas em conjunto por dois ou mais Pontos de Cultura; c) a criação de mecanismos de distribuição, comercialização e difusão dos produtos culturais produzidos pelos Pontos de Cultura; d) a organização de festivais, encontros, fóruns e atividades correlatas que promovam o encontro, a troca de experiências e articulação entre Pontos de Cultura. Assim, foi proposta a articulação das três esferas do poder público na implementação de suas ações, mais especificamente na gestão dos Pontões de Cultura e Rede de Pontos, conveniados com governos municipais ou estaduais e geridos de forma compartilhada com parte dos recursos do Governo Federal, bem como foi exigida a contrapartida dos governos estaduais ou municipais. Entretanto, o alcance dos objetivos de democratização e acesso à cultura implicavam considerar, dentre outras, determinadas condições, como a disponibilização de maiores recursos, políticas de proteção dos mercados internos, a formação de recursos humanos profissionalizados na produção e na gestão públicas da cultura, a atenção aos diversos usos culturais e a preocupação com a equidade regional na distribuição de recursos públicos, fatores que nos aproximariam do propósito de tornar a cultura democratizada e acessível. Em 2009, por meio do edital n.º 04/09, foram selecionados 80 Pontões de Cultura a serem implementados e desenvolvidos por entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, de natureza cultural. Das 385 propostas avaliadas, 244 foram 115 consideradas habilitadas e 141 inabilitadas pela comissão de seleção. Originalmente proposto para selecionar 40 propostas, diante da grande demanda e da qualidade dos projetos, a Secretaria de Cidadania Cultural (SCC/MinC) optou por readequar o valor orçamentário para contemplar um número maior de propostas, selecionando 80 iniciativas. Além disso, os editais de Prêmios se diferenciam dos demais editais abordados até então, por serem iniciativas pontuais de incentivo, operadas sem os trâmites burocráticos dos convênios e viabilizadas por meio de repasse direto de recursos, em uma única parcela. Por não exigir um plano de trabalho, ou prestações de contas, solicitava-se apenas um planejamento das ações e a apresentação de um relatório de aplicação dos recursos até 180 dias após a data de recebimento do prêmio, com maior capilaridade e apoio a pequenos projetos como veremos no próximo item. Neste processo, destacamos que os fundos públicos são elementos determinantes para compreender as contradições do modo de produção da cultura e da economia da cultura no país, em que a perspectiva da economia solidária não foi desenvolvida suficientemente, pois a redistribuição dos recursos e a tentativa de inserção dos destinatários da política no campo do trabalho78, bem como as possibilidades de construção de um rede colaborativa e auto-sustentável em torno da economia solidária exige o financiamento estatal. Entretanto, ainda que tentativas de mudanças estejam em curso, perdura no país uma relação de dependência que se construiu entre a economia da cultura e o Estado que privilegia linguagens e regiões específicas, via Leis de incentivo e renúncia fiscal. O financiamento do Cultura Viva está vinculado ao Fundo Nacional de Cultura (FNC), que funciona como um dispositivo para compensar a hegemonia da lógica distributiva dos recursos das leis de incentivo. Entre 2003-2007, o FNC passa a ser 78 As iniciativas neste âmbito, em sua maioria populares “são negócios que se ressentem de um plano de investimento viável, de uma organização eficiente, (...) além de se inserirem de forma muito desvantajosa no mercado” (Pochmann, 2006, p. 141). 116 considerado política redistributiva, com um significativo aumento de recursos79 e o estabelecimento de conteúdo programático com diretrizes de políticas públicas que não se baseiam nos critérios de produção do mercado. Apesar disto, o sistema de financiamento permaneceu inalterado, exigindo maior prazo, e, portanto a continuidade das políticas públicas, com base nas mudanças no marco legal e maior volume de recursos para efetivar transformações significativas em contraponto a maior incidência dos recursos voltados para as leis de incentivo e renúncia fiscal. A gestão dos fundos públicos “e o apoio a projetos via leis de incentivo deveria significar que o incentivador coloca recursos próprios adicionais, aliás, esse é o objetivo dessas leis. Quer dizer, a renúncia fiscal não deveria ser integral, mas o poder público brasileiro abriu essa possibilidade” (Silva, 2004, p. 144). Oliveira (1998) afirma que os fundos públicos são como um complemento ao salário-real, na forma de salário indireto, cujo financiamento da reprodução da força de trabalho se faz por meio dos gastos sociais (Chauí, 2006), ou seja, socializa-se parte dos custos de produção do capital. Isto efetiva contraditoriamente a reprodução do capital, e amplia a capacidade de consumo das classes trabalhadoras, vislumbrando também possibilidades de construção de outros projetos políticos, via o deslocamento de parte da luta de classes para o controle e direção destes fundos, tendo o Estado como gestor. Contudo, a forte pressão financeira na regulação da economia impõe sobre o Estado a construção de políticas sociais cuja função se limitaria à administração da precariedade e da desigualdade (Oliveira, 2003), consistindo em um risco para as políticas públicas. Assim, a possibilidade de redução ou contingenciamento dos recursos para a cultura é maior em qualquer contexto de crise econômica, restando um pequeno espaço para os grupos populares aos direitos culturais. As limitações das mudanças estruturais nas políticas de financiamento envolvem o debate sobre o investimento dos recursos em um programa, o Cultura Viva, que ainda não se constituiu como uma política de Estado, e, portanto, sem garantia de continuidade. 79 Na gestão 1995-2002, o FNC contou com os seguintes recursos: em 1995, foram aplicados apenas R$ 12,9 milhões; com um pequeno aumento em 1996, para R$ 16 milhões; em 1997, o aporte foi de R$ 24,3 milhões; em 1998, uma pequena baixa, para R$ 20,9 milhões; para 1999, o aporte foi de R$ 19,1 milhões; em 2000, um significativo aumento, para R$ 46,6 milhões; em 2001 os repasses chegaram a R$ 64,3 milhões; em 2002, nova baixa, chegando a R$ 43,6 milhões. Já em 2003, primeiro ano da nova gestão, o aporte foi de R$ 46,9 milhões; em 2004, ocorreu um significativo aumento, para R$ 85,6 milhões. Os anos seguintes coincidem com a implementação do Cultura Viva, em 2005, o volume de repasses foi de R$ 132,4 milhões; e em 2006 o volume foi de R$ 138,0 milhões (BRASIL. MinC, 2006f). 117 3.4. A transversalidade interna e externa: os editais de premiações e bolsas Em relação à transversalidade das políticas, persiste no país uma dificuldade de interação e trabalho conjunto e contínuo entre os Ministérios, uma marca das políticas públicas brasileira, que ainda assim, apesar de incipiente e frágil, foi iniciada no âmbito do Programa Cultura Viva/MinC com outros ministérios e da SCC com outras secretarias do MinC80. Uma das primeiras interfaces do Programa Cultura Viva se efetivou com o Ministério do Trabalho e Emprego na gestão da ação de formação de jovens Agente Cultura Viva, contudo, este convênio foi extinto, por pressão e demanda dos Pontos de Cultura, como aprofundaremos no quarto capítulo. Já a articulação com o Ministério das Comunicações na implementação da Cultura Digital e a tentativa de ampliação da banda larga/mídias enfrentam antigas forças políticas e o monopólio da área da comunicação no país. Além destes, temos a elaboração conjunta do Prêmio Cultura e Saúde, que se efetivou via acordo de colaboração com o Ministério da Saúde, e com a Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural (SID/MinC), também em parceria com o Ministério da Saúde, por intermédio do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/Fiocruz). Outra articulação foi realizada com a Câmara Interministerial de Cultura e Educação, criada em 2006 para o desenvolvimento de programas envolvendo ações integradas entre o MinC e o Ministério da Educação (MEC). Segundo dados do MinC, dentre os eixos estratégicos para a aproximação dos ministérios, estão a Política do Livro e Leitura, a formação de professores da Rede Pública, as TVs Públicas brasileiras e a questão da extensão universitária no campo cultural, além de publicações sobre a realização do Seminário Nacional de Cultura e Extensão. Além destas ações, faz parte desta articulação o Programa de Apoio à Cultura: Extensão Universitária (PROEXT Cultura), que visa à “inclusão de grupos sociais”, à modernização de Centros Culturais Universitários, a ampliar a extensão universitária, a mapear as iniciativas e práticas 80 Foram criadas as secretarias de Políticas Culturais, de Articulação Institucional, da Identidade e da Diversidade Cultural, de Programas e Projetos Culturais (atual Secretaria de Cidadania Cultural/SCC) e a de Fomento a Cultura. 118 inovadoras81 e está em fase de reformulação. Apesar disso, em grande parte, o lugar da cultura nas universidades, por exemplo, limita-se a manutenção de corais e orquestras, além de ações pontuais e desarticuladas com as demais áreas. Embora o direito a cultura esteja garantido na Constituição Federal82 sob diversas perspectivas, o desafio é concretizar a sua implementação, para além do lugar periférico que tem nas políticas públicas em geral e no recurso destinado a sua realização. Outras iniciativas e articulações realizadas para a execução de ações do Programa Cultura Viva foram feitas com Fundação Nacional de Artes (Funarte) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Secretaria de Articulação Institucional (SAI) do MinC. Os editais, bem como as portarias com os resultados são publicados no Diário Oficial da União, com os habilitados, classificados e premiados. A comissão avaliadora das propostas é composta por representantes do MinC e da sociedade civil e as solicitações de recursos administrativos têm um prazo cinco dias úteis, a contar do dia subsequente à data da publicação do edital, para ser enviado à Secretaria de Cidadania Cultural, SCC/MinC. Assim, a trajetória dos editais de premiação teve início com a realização de três edições do Prêmio Cultura Viva entre os anos de 200583, 2006 e 2010, uma iniciativa do Ministério da Cultura que contou com o apoio do Canal Futura, patrocínio da Petrobrás e coordenação técnica do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária - CENPEC. A primeira edição teve como objetivo premiar iniciativas de valorização da cultura brasileira, com caráter de continuidade e forte participação 81 Os temas do edital em 2008 foram a Memória Social e Patrimônio; a Inclusão e Sustentabilidade Econômica; a Leitura e Cidadania; a Inovação de Linguagem; a Produção de Conteúdo Audiovisual e Linguagens Alternativas. Destacamos a parceria realizada entre o Centro Lúdico da Rocinha e Em outubro de 2009, em parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, realizado na UFF e na Rocinha, no âmbito do Projeto Memória/ProExt MEC Cultura, um curso de extensão sobre Museus comunitários. www.laboep.uff.br 82 A cultura é mencionada em vários artigos da Constituição Federal de 1988, dentre os quais o 210º, 215º, 216º; 220º e 221º ainda não regulamentados, que preveem a programação regional ainda não visibilizada nos canais televisivos e mescla ambos os sentidos de cultura, restrito e ampliado. O primeiro sentido refere-se às manifestações artísticas e intelectuais, e o segundo está relacionado aos modos de viver, fazer e criar, com base nas diferentes culturas, além de outros, que seguem uma singular trajetória na história das Constituições brasileiras. 83 A primeira edição do Prêmio teve mais de 1.530 iniciativas inscritas, as quais passaram pelo processo de análise e seleção de todos os estados da Federação. A inscrição não se restringiu aos Pontos de Cultura e havia a possibilidade de grupos informais inscreverem suas práticas e serem contemplados no Prêmio. 119 comunitária, com o objetivo de mobilizar, reconhecer e dar visibilidade a práticas culturais existentes nas diferentes regiões do país. Organizado em três categorias, o Prêmio contemplava: gestão pública, manifestação tradicional e tecnologia sociocultural, e foram premiadas três iniciativas de cada categoria. A edição do primeiro Prêmio Cultura Viva84, de 2005/2006, cujo público foi definido como sendo as iniciativas formais e não formais, sem fins lucrativos e órgãos do governo e todo o território nacional. Com os maiores percentuais nas regiões brasileiras, a Tecnologia sociocultural foi a que recebeu o maior número de inscrições 59%, no universo de 1.185 classificadas e 1.500 inscritas, de 500 municípios brasileiros, sendo nove premiados nas categorias gestão pública, manifestação tradicional e tecnologia sociocultural. Esta foi uma categoria definida pelo CENPEC, com base no conceito de tecnologia social, que foi associado ao caráter cultural. Contudo, é uma área que nem sempre se utiliza de alguma tecnologia. Assim, foi estabelecida uma nova categoria, a de tecnologia sociocultural definida como “o conjunto de práticas de intervenção social no âmbito da cultura que propiciam formas democráticas de tomada de decisão, a partir de estratégias de mobilização e de participação da população, envolvendo apropriação e aprendizagem, por parte das pessoas do local e de outros atores, e gerando modelos que possam servir de referência para novas experiências. (...) É oportuno notar, também que esta é a categoria em que vemos claramente que a cultura é usada como um meio para se atingir um fim social” (Prêmio Cultura Viva, 2007, p.39-40). Isso caracteriza, muitas vezes, uma estratégia para o recebimento de verbas, uma vez que já foi constatado por alguns estudiosos como Yúdice (2004) e Porto (2004), que a demanda por recursos na área cultural é grande, e as fundações limitam-se a segmentos específicos na área. Assim, são financiados aqueles que podem gerar retorno, sendo a “cultura pela cultura” pouco financiada pelas fundações, sobretudo quando se utilizam dos incentivos fiscais, cujo interesse é a comercialização 84 Em 2007, a segunda edição contou com mais de 2.000 mil inscrições de 874 municípios e premiou 21 ações. A partir de 2008, o Prêmio Cultura Viva promoveu encontros presenciais e à distância para a formação dos grupos. Participam do projeto de capacitação representantes das 100 iniciativas semifinalistas da primeira edição, 120 da segunda e 120 Pontos de Cultura contemplados pelo Prêmio Escola Viva 2007. O Prêmio Cultura Viva está na sua terceira edição e foi dirigido às iniciativas que articulam cultura e comunicação no campo das Artes e do Patrimônio Cultural, em 2010. As 120 iniciativas semifinalistas recebem o Selo Prêmio Cultura Viva, uma chancela de reconhecimento às iniciativas que se destacam no processo do Prêmio Cultura Viva. 120 institucional e de valor publicitário. Contudo, os benefícios fiscais que as empresas recebem são compartilhados por toda a sociedade, sendo este um dos equívocos e fonte de polêmicas, mas que se espera ser modificado pela nova legislação que substituirá a Lei Rouanet, o PROCULTURA em trâmite, mas ainda não aprovado. Deste modo, constatamos que a “cultura pela cultura”, ou a cultura não instrumental é um direito a ser assegurado pelo Estado, pois não interessa às fundações e empresas o seu financiamento. Isto porque incidem no âmbito do desenvolvimento processual e de longo prazo, com poucos resultados imediatos, e que envolve a valorização da cultura brasileira tal como se apresenta, em sua livre expressão, potencializando lugares, pessoas e favorecendo a emancipação, e não como um instrumento de controle, ou visando lucro. O CENPEC constatou, na análise dos projetos que concorreram ao Prêmio, que uma parte das ações justificavam sua atuação em prol de algum benefício social ou a serviço de algo, contudo, outras invertiam esta lógica, reforçando outras perspectivas que denotavam a realização de atividades culturais por elas mesmas e possibilitando a afirmação das manifestações e das suas potencialidades nos diversos territórios85 . Ainda em 2006, a segunda edição do Prêmio Cultura Viva foi realizada e se dirigiu às iniciativas culturais e educativas em desenvolvimento, que envolvessem artes, patrimônio cultural e/ou comunicação cultural. Dividido por categorias, o Prêmio priorizava Escola Pública de Ensino Médio, Fundação e Instituição Empresarial, Gestor Público, Grupo Informal, Organização da Sociedade Civil e Ponto de Cultura. As três primeiras iniciativas de cada categoria foram premiadas com um troféu e prêmios em dinheiro, de acordo com a sua colocação. As 200 iniciativas dos Pontos de Cultura selecionadas participaram do processo de seleção e premiação do “Prêmio Escola Viva”, atividade integrante da ação Escola Viva, anunciada em seu respectivo edital. O enfoque do Prêmio Cultura Viva do ano de 2010 foi o de Cultura e Comunicação, cuja edição busca estimular e dar visibilidade a iniciativas culturais que propiciam a criação de situações comunicativas e a construção de espaços de diálogos, favorecendo o reconhecimento e a divulgação do “saber fazer” das comunidades. Além desses, mais nove prêmios lançados em 2009. Foram realizados onze editais nacionais e vinte e quatro estaduais em 2009. Dentre esses, destacamos abaixo os 85 O CENPEC atribui o maior número de projetos inscritos da região Sul e Sudeste devido a maior facilidade de acesso às informações e a sua maior concentração populacional. 121 editais nacionais, alguns com edição em 2010, cujo levantamento detalhado consta no apêndice 8.3. Cabe ressaltar que os dados foram contabilizados por esta pesquisa até o período de junho de 2010. Assim, temos os seguintes editais: 1. Prêmio Cultura e Saúde, 2. Prêmio Interações Estéticas/Residências Artísticas em Pontos de Cultura, 3. Bolsas de Intercâmbio Cultura Ponto a Ponto; 4. Prêmio Ludicidade/Pontinhos de Cultura; 5. Prêmio Asas do Programa Cultura Viva; 6. Concurso Pontos de Leitura; 7. Prêmio Tuxáua Cultura Viva; 8. Prêmio Pontos de Valor: SCC/MinC e Pnud; 9. Bolsa Agente Cultura Viva; 10. Prêmio Estórias de Pontos de Cultura; 11. Bolsa Agente Escola Viva; 12. Prêmio Areté: apoio a pequenos eventos culturais; 13. Prêmios Pontos de Mídia Livre; 14. Prêmio Economia Viva; 15. Cultura Digital: Esporos de Pesquisa e experimentação; 16. Prêmio Cultural Loucos pela Diversidade; 17. Programa de Apoio à Cultura: Extensão Universitária/PROEXT Cultura. O recurso do Prêmio é repassado à instituição selecionada em uma única parcela. Esta, por sua vez, tem a obrigação de encaminhar à SPPC/SCC/MinC um relatório de aplicação dos recursos em até 180 dias após o recebimento do prêmio. Parte das iniciativas colaborou para o mapeamento das instituições que atuam na área da Cultura da Infância, fornecendo dados e configurando, em certa medida, a transferência de ações de cadastro/banco de dados ás próprias organizações, que preenchiam inúmeros formulários. Os critérios e o levantamento realizado sobre os projetos enviados, habilitados e selecionados pelo MinC por região, demonstram que o percentual de aprovação dos projetos é bastante variável. Alguns chegam a 20% do número total enviado, outros a 10%, e até 80%. Alguns editais mencionam a premiação “das melhores práticas” de implantação na execução dos projetos já apoiados pelo Ministério, configurando estratégias de continuidade do apoio, devido a alguns fatores, como a escassez de 122 recursos para o estabelecimento de novos convênios, bem como a dificuldade de administrá-los, tanto por parte do Estado, quanto dos grupos de Pontos de Cultura. Portanto, os valores destinados aos Prêmios variam em torno R$ 5 mil, R$ 15 mil, R$ 18 mil, R$ 30 mil, até R$ 50 e R$ 90 mil para cada projeto, dependendo do período e do prazo de realização das ações, caracterizando maior distribuição de pequenos projetos do que aqueles disponibilizados nos convênios, correspondente a 180 mil. As bolsas para os jovens Agente Cultura Viva têm o valor de R$ 380,00 mensais, por 12 meses, sendo R$ 10 mil para o projeto que consta com quatro bolsistas. Destacamos o edital Agente Escola Viva que destina R$ R$ 20 mil para a escola pública de nível fundamental ou médio, com R$ 5 mil para o professor responsável, R$ 10 mil para o Ponto de Cultura e bolsa de R$ 4.560,00 para cada um dos três alunos, correspondendo a R$ 380,00 mensais. É oportuno destacar que somente em 2008, após três anos de vigência do Programa Cultura Viva, que a Ação Escola Viva se inicia por meio da modalidade de premiação. Ainda que não se restrinja apenas ao prêmio, realizando também encontros de articulação dos Pontos de Cultura contemplados pela ação, não tem ocorrido, por parte dos Ministérios uma iniciativa efetiva de aproximação das escolas ao Programa Cultura Viva, cabendo aos Pontos isoladamente, fazerem as articulações com as escolas. Em geral, todas as regiões do país foram contempladas com percentuais diferenciados. Mas em alguns casos não foram enviado projetos por alguns Estados. As demais informações referentes aos editais e aos percentuais dos projetos aprovados e apoiados em cada Prêmio/Bolsa segundo as regiões encontram-se no apêndice 8.3, deste estudo. Os editais de Prêmios e bolsas foram uma forma recorrente e estratégica de viabilizar o acesso aos recursos públicos. Mostraram-se como uma alternativa diante das dificuldades do estabelecimento de convênios com o Ministério. Voltados para ações pontuais e complementares as ações dos Pontos de Cultura, estes editais consistiram num único repasse de recurso, além de uma prestação de contas simplificada e um relatório de atividades. A ampliação dos sujeitos beneficiados, portanto, diante do baixo recurso orçamentário86 do Ministério, envolveu algumas ações articuladas com outros 86 O Governo Federal investe entre 0,7% e 0,8% do Orçamento da União na área cultural, o aumento desse percentual está condicionado a aprovação da PEC 150/2003 que determina que anualmente 2% do orçamento federal, 1,5% dos estados e 1% dos municípios, sejam aplicados diretamente na Cultura. 123 ministérios, mas que não foram consolidadas enquanto diretrizes de políticas públicas. Apesar da ampliação dos espaços geográficos beneficiados pelos investimentos, e embora ainda de forma incipiente, destacamos duas questões importantes: a instauração de um processo de apoio e visibilidade a uma produção cultural antes invisível, apesar do pequeno recurso para área, e a explicitação da fragilidade da estrutura institucional e legal, que utiliza estratégias pontuais, como os editais de prêmios para estabelecer parcerias e acesso aos recursos públicos. 3.5. Contextualização dos Pontos de Cultura no Brasil e no Rio de Janeiro A apreciação sobre o Mapa 1, a seguir, apresenta dados coletados até 2009, revela que há visível concentração na região sudeste e nordeste em detrimento das demais, o que pode ser atribuído a maior facilidade de acesso às informações e apoio para os pequenos grupos confeccionarem os projetos, em especial na região sudeste. Além disso, estas regiões concentram maior densidade populacional. Mas, isso não significa o atendimento da maioria da população, haja vista que bairros e municípios mais populosos e periféricos tem poucos equipamentos culturais básicos, como bibliotecas, cinemas, salas de teatro e mesmo espaços informais para a realização de diferentes manifestações artísticas. 124 Mapa 1 - Pontos de Cultura no Brasil (2009) Fonte: Adaptação própria a partir dos Relatórios/Banco de dados Mapas da Rede IPSO/Google Earth. Embora o maior investimento na região Nordeste seja um dado novo, e a intenção de distribuir os recursos públicos tenha sido uma das metas do MinC, ainda se observa a concentração dos investimentos, como vemos no mapa 1. Essa realidade envolve o longo e complexo processo histórico estrutural que reproduziu desigualdades, em detrimento da valorização da diversidade brasileira, que passa a ser reconhecida pela gestão 2003-2010, porém, com um longo um caminho para a transformação desse cenário e a efetiva potencialização das suas criações artístico-culturais, seu escoamento e circulação. Após quatro anos e meio de existência, ao final do ano de 2008, o Programa Cultura Viva contava com 824 Pontos de Cultura em todas as Unidades da Federação, no entanto, com o lançamento dos editais estaduais, esse número aumentou para 1.396 Pontos (Relatórios Pontão Mapas da Rede, IPSO, 2009), Em 2010, segundo este órgão, o número corresponde a estimativas de 2.500 Pontos de Cultura. Deste modo, consideramos, neste estudo, os dados que já foram contabilizados nesta base de dados, número abaixo da estimativa projetada de 2.500 Pontos de Cultura, além disso, optamos pela soma dos 224 Pontos de Cultura em fase de conveniamento com a Secretaria Estadual de Cultura do Rio de Janeiro, totalizando, desta forma, 1.620 Pontos de Cultura ao todo. Ressaltamos, porém, que este número esta sendo constantemente alterado, na medida em que são incluídos nos dados dos “Mapas da Rede IPSO87”. Contudo, a Secretaria de Cidadania Cultural/MinC contabiliza aproximadamente 4.000 Pontos de Cultura distribuídos em 1.122 municípios do Brasil (Silveira, SCC/MinC, 2010). Esta diferença corresponde ao procedimento de coleta e sistematização de dados do IPSO. Sua metodologia dos “Mapas da Rede IPSO” contabiliza um único Ponto, mesmo que este corresponda a vários projetos. Já a SCC/MinC considera, por exemplo, o próprio Ponto de Cultura IPSO como dois Pontos, por ser tanto um Ponto, como também um Pontão de Cultura, daí a discrepância nos números. Isto ocorre com outros que associam ao mesmo espaço do Ponto de Cultura, um Pontinho de Ludicidade, ou um Ponto de Mídia livre, ou ainda um Ponto de Leitura. 87 O Pontão de sistematização de dados do Instituto de Projetos e Pesquisas Sociais Tecnológicos localizado em São Paulo/IPSO foi criado para desenvolver durante três anos, a coleta, mapeamento e sistematização dos dados e informações obtidas junto aos Pontos de Cultura. Os produtos deste trabalho são os relatórios mensais e trimestrais, com mapas georreferenciados, infográficos, cruzamento com indicadores sociais e outras ferramentas, que tem o objetivo de identificar padrões e tendências para que sejam usados como instrumentos de gestão. 126 Tabela 1 - Pontos de Cultura por Região e população Região Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul Total geral População (Censo IBGE, 2000) Número de Pontos de Cultura (Mapa Rede IPSO, Secretarias de Estado de Cultura) 11.636.728 47.741.711 12.900.704 72.412.411 25.107.616 169.799.170 Pontos por 100 mil habitantes 102 472 98 850 98 1.620 0,88 0,99 0,76 1,17 0,39 0,95 Legenda: Acima de 1 Ponto de Cultura por 100 mil habitantes. Fonte: Elaboração própria a partir dos Relatórios/Banco de dados Mapas da Rede IPSO e Secretaria Estadual de Cultura do Rio de Janeiro, 2010. A tabela 1 demonstra que o número de Pontos a cada 100mil habitantes só é ultrapassado pela região Sudeste, cujos índices correspondem a 1,17% de Pontos de Cultura por 100 mil habitantes, embora haja diferenças importantes entre os Estados, de acordo com o número populacional. É importante destacarmos que, conforme dados projetados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, a Região Sudeste compreende aproximadamente 42,6% da população brasileira e as Regiões Norte e Nordeste, em conjunto, apresentam 35,7 % da população, o que não justifica a distribuição desigual dos recursos para investimentos culturais. Contudo, as regiões Nordeste, Centro-Oeste e o país como um todo, apresentam índices bem próximos dos 100.000 habitantes, com exceção da região Norte e da região Sul com o índice mais baixo. É interessante observar que, segundo o relatório do MinC 2009, não tem sido o tamanho da população à qual o Ponto de Cultura atende o que mais tem explicado um maior ou um menor resultado/índice de acesso à cultura nos Pontos, mas, sim, o seu potencial de atingir determinados grupos. As informações deste relatório revelam ainda que os Pontos com índices de acesso à cultura mais elevados são aqueles que atendem ao quantitativo populacional de até 100.000 habitantes, um número que consideramos demasiado para se atribuir ao escopo e alcance de um Ponto de Cultura apenas. 127 Gráfico 1 - Pontos de Cultura por 100 mil habitantes e Unidade da Federação Pontos de Cultura por 100 mil habitantes 6,00 5,55 5,00 4,00 3,00 2,59 2,51 2,20 2,06 2,00 1,87 1,58 1,52 1,27 1,16 1,05 1,00 0,88 0,64 0,63 0,54 0,54 0,42 0,41 0,38 0,36 0,35 0,34 0,34 0,32 0,32 0,26 0,21 Amazonas Goiás Espírito Santo Pará Sergipe Maranhão Santa Catarina Paraná Rondônia Minas Gerais Bahia Rio Grande do Sul Mato Grosso do Sul Rio Grande do Norte Paraiba Amapá Distrito Federal Piauí Alagoas São Paulo Pernambuco Ceará Mato Grosso Rio de Janeiro Acre Roraima Tocantins 0,00 Unidades da Federação Fonte: Elaboração própria a partir do Banco de dados Mapas da Rede IPSO e Secretaria Estadual de Cultura do Rio de Janeiro, 2010. Os dados levantados no gráfico 1 demonstram que, ao serem dissociados, os percentuais dos Estados apresentam algumas diferenciações importantes da sua região. São exemplos Acre, Alagoas, Amapá, Ceará, Mato Grosso, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Roraima, São Paulo e Tocantins, que têm Pontos de Cultura por 100 mil habitantes acima da média dos demais, sobretudo acima das suas próprias regiões como podemos verificar na tabela 1 em comparação com este gráfico. Enfatizamos o caso do Estado de Roraima, que, por apresentar uma população bem menor em sua região, conta com 5,5 Pontos para cada 100 mil habitantes, um dado relevante se considerarmos a proporcionalidade da população das demais regiões. “(...) A gente se sente no mapa cultura” (Chacon. Ponto de Cultura A bruxa tá solta. Roraima, TEIA, 2010). Algo a ser considerado como fundamental no âmbito das políticas públicas como um todo, e que pode levar a um maior equilíbrio regional, em especial no âmbito das políticas culturais tratadas neste estudo, pois o investimento em regiões menores em população promove maior alcance. Já as grandes cidades e regiões metropolitanas exigem maior investimento e articulação. 128 Gráfico 2 - Pontos de Cultura por 100 mil habitantes e Partidos Políticos nos Governos Estaduais/Distrito Federal 3,00 2,51 2,50 2,00 1,87 1,58 1,52 1,50 1,24 1,05 1,00 0,96 0,85 0,54 PMN/PMN 0,26 0,21 PMDB/PSDB PP/PR 0,36 0,33 0,32 PT/PSB PT/PMDB PMDB/DEM PMDB/PT PSB/PSB PSDB/PSDB PP/PP PMDB/PMDB PSDB/PMDB PSB/PDT PSB/PT PT/PP 0,00 PSDB/DEM 0,42 0,50 PPS/PPS 0,64 0,63 PMDB/PDT Pontos de Cultura por 100 mil habitantes 2,59 Coligações nos Governos Estaduais/Distrito Federal (2007 a 2010) Fonte: Elaboração própria a partir dos Relatórios/Banco de dados Mapas da Rede IPSO e Secretaria Estadual de Cultura do Rio de Janeiro, 2010. Constatamos que as coligações dos partidos políticos nos Estados88, ainda que configurem influências políticas e caracterizem maior ou menor investimento, revelam não só o prestígio da iniciativa, como a aceitação da proposta, já que os partidos políticos são diversos. Entretanto, isto não garantiu a aprovação das mudanças no marco legal propostas, nem a consolidação do Programa Cultura Viva enquanto uma política 88 O número de Estados governados pelo mesmo partido do Governo Federal PT (Partido dos Trabalhadores) corresponde a quatro: (Acre (PT/PP), Bahia (PT/PMDB), Pará (PT/PSB) e Sergipe (PT/PSB), seguido do PSB (Partido Socialista Brasileiro) com o mesmo número, isto é, quatro Estados, correspondentes ao Ceará (PSB/PT), Pernambuco (PSB/PDT); Piauí (PSB) e Rio Grande do Norte (PSB). Com seis Estados, temos o PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), relativos a Alagoas (PSDB/PMDB); Minas Gerais (PSDB); Rio Grande do Sul (PSDB/DEM); Roraima (PSDB); São Paulo (PSDB) e Santa Catarina (PSDB). Já com o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), temos nove Estados, que compreendem Distrito Federal (PMDB/PMDB); Espírito Santo (PMDB/PSDB); Maranhão (PMDB/PMDB); Mato Grosso (PMDB); Mato Grosso do Sul (PMDB/DEM); Paraíba (PMDB/PT); Paraná (PMDB); Rio de Janeiro (PMDB/PMDB); Tocantins (PMDB/PDT). Por fim, com dois Estados, temos o PP (Partido Progressista), com o Amapá (PP) e Goiás (PP/PR). Um Estado pelo PMN (Partido da Mobilização Nacional), o Amazonas (PMN), e Rondônia pelo (PPS) (Partido Popular Socialista). 129 de Estado, como foi demandado. Os dados do gráfico 2 demonstram os índices de forma decrescente, em que destacamos o caso do PSDB, partido de oposição ao Governo, que aderiu ao Programa Cultura Viva, mesmo que isto tenha implicado em certa resistência. Isto ocorreu especialmente no Estado de São Paulo. Isto porque, somente após a organização, influência e articulação da comissão paulista de Pontos de Cultura que o Edital Estadual foi realizado no final de 2009, principalmente devido às diferenças de governos e partidos. Para o representante da Comissão dos Pontos de Cultura do Estado de São Paulo, o apoio direto dos governos representa uma nova forma de fazer política cultural, que contempla a diversidade dos produtores, agentes e criadores culturais. “Significa não só mais recursos, mas também mais transparência nos recursos destinados à cultura, democratizando a produção criativa do país” (MinC, 2009c). O Estado de São Paulo contava até então com aproximadamente 200 Pontos de Cultura apoiados pelo primeiro edital do Governo Federal de 2004 e passou para 472 com e edital estadual como demonstra a tabela 2, a seguir. Para viabilizar a descentralização do Programa Cultura Viva, foi utilizada a estratégia de descentralizar também os recursos orçamentários viabilizados por convênios do MinC com outros ministérios, e com Governos Estaduais e Municipais via o Mais Cultura. Além disso, esta estratégia objetivou reforçar e ampliar o conceito dos Pontos de Cultura ao propor o seu desdobramento em Pontões, Pontos de Mídia Livre, Pontos de Leitura e Pontinhos de Ludicidade. Como já vimos, o Programa Mais Cultura foi criado em outubro de 2007, e em 2009 a seleção e o gerenciamento de novos Pontos de Cultura foram efetuados de maneira descentralizada pelos governos, cabendo ao MinC o repasse de parte dos recursos, investidos de forma compartilhada com a contrapartida das outras representações governamentais. A ação de descentralização, diante da emergência das desigualdades regionais, demonstra que, dentre os 27 Estados brasileiros apenas o Paraná (PR), o Rio Grande do Sul (RS) e o Espírito Santo (ES), não lançaram editais estaduais, sendo que este último só o fez em setembro de 2010. Todavia, os Estado do Rio Grande do Sul e do Paraná lançaram editais municipais como em Canoas e Curitiba, ambos em 2010. 130 Tabela 2 - Número de Pontos de Cultura, Pontões e Redes, por Unidade da Federação e Tipo de Rede UF Municipal Federal Estadual Total geral SP 66 106 300 472 RJ 3 68 225 296 CE 1 138 139 PE 124 1 125 MG 10 63 1 74 BA 13 56 1 70 MT 14 41 55 RS 5 38 43 AL 42 1 43 PR 11 25 36 PI 16 16 1 33 TO 29 1 30 PB 1 20 1 22 PA 18 2 20 SC 18 1 19 MA 18 1 19 DF 17 1 18 RR 12 6 18 GO 15 1 16 RN 14 1 15 AC 7 7 14 MS 12 1 13 ES 8 8 AM 5 1 6 SE 6 6 AP 4 1 5 RO 4 1 5 Total geral 138 891 591 1620 Fonte: Elaboração própria a partir dos Relatórios/Banco de dados Mapas da Rede IPSO e Secretaria Estadual de Cultura do Rio de Janeiro. Tabela 3 - Número de Pontos de Cultura, Pontões e Redes, por Região e Tipo de Rede Região Municipal Federal Estadual Total geral Centro-Oeste 58 44 102 Nordeste 31 434 7 472 Norte 12 73 13 98 Sudeste 79 245 526 850 Sul 16 81 1 98 Total geral 138 891 591 1620 Fonte: Elaboração própria a partir dos Relatórios/Banco de dados Mapas da Rede IPSO e Secretaria Estadual de Cultura do Rio de Janeiro. 131 Gráfico 3 - Número de Pontos de Cultura, Pontões e Redes, por Unidade da Federação e Tipo de Rede 500 450 Número de pontos/pontões/redes 400 350 300 Estadual 250 Federal Municipal 200 150 100 50 0 SP RJ CE PE MG BA MT RS AL PR PI TO PB PA SC MA DF RR GO RN AC MS ES AM SE AP RO Região Fonte: Elaboração própria a partir dos Relatórios/ Banco de dados Mapas da Rede IPSO e Secretaria Estadual de Cultura do Rio de Janeiro, 2010. Gráfico 4 - Número de Pontos de Cultura, Pontões e Redes, por Região e Tipo de Rede 900 800 Número de pontos/pontões/redes 700 600 500 Estadual Federal Municipal 400 300 200 100 0 Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul Região Fonte: Elaboração própria a partir dos Relatórios/Banco de dados Mapas da Rede IPSO e Secretaria Estadual de Cultura do Rio de Janeiro, 2010. 132 Os dados das tabelas 2 e 3 e gráficos 3 e 4 demonstram o número de Pontos de Cultura e de Pontões de Cultura financiados pelas redes municipal, estadual e federal por unidade da federação. O financiamento via recurso federal ainda mantém a maior parte com 891 Pontos de Cultura, seguido da rede estadual que corresponde a 591 e a rede municipal 138 Pontos. A região Sudeste compreende o maior número de Pontos, com 850 unidades, seguido da região Nordeste com 472, da região Centro-oeste com 102. A região Norte e Sul acumulam 98 Pontos de Cultura cada uma. Destacamos que, além dos Estados da região Sudeste, o investimento do Governo Estadual é maior na região Centro-oeste. Todavia, enfatizamos que muitos Pontos de Cultura dos demais Estados ainda não foram contabilizados no banco de dados do “Mapas Rede IPSO”, em que nos apoiamos, denotando que alguns Estados estão com dados defasados. O âmbito municipal é o que apresenta dados mais baixos de conveniamento com o Governo Federal, com um número de Pontos bem menor em relação ao Estado e a União. Destacamos também que foram contemplados no primeiro edital do Governo Federal, em 2004, para constituir Pontos de Cultura, as Secretarias de Estado e de Municípios. Assim, o quarto edital consolidou as parcerias do Programa Cultura Viva com o poder público municipal e estadual e iniciou uma abordagem específica voltada à constituição de Redes de Pontos de Cultura, Pontos gestados pelas Secretarias Estaduais e Municipais. O edital foi direcionado, portanto as instituições governamentais estaduais, distritais e municipais, se referiam a projetos caracterizados pelo estímulo às iniciativas da sociedade, como movimentos populares, entidades ou manifestações culturais, com valorização das tradições mantidas por segmentos da população e que explorassem diferentes meios e linguagens artísticas e lúdicas. Ao final de dezembro de 2007, correspondiam, conforme dados da pesquisa realizada pelo IPEA (2010) a 11 Pontos de Cultura. Contudo, o levantamento realizado pelo IPSO contabilizou, diante do processo de descentralização via Programa Mais Cultura, aproximadamente 41 Pontos de Redes em todas as Unidades da Federação. O investimento público para viabilizar o projeto foi realizado de forma compartilhada, pois, além de recursos federais, a execução do projeto contou também com a contrapartida da instituição governamental de, no mínimo, 20% do valor do projeto. Para executar o projeto, a entidade governamental passou a ser um Pontão de Cultura, com o objetivo de se constituir em “(...) um espaço cultural de articulação dos Pontos de Cultura, de irradiação da ação cultural regional, e de apresentações das 133 diversas linguagens artísticas, de cursos e oficinas, de experimentações em software livre, e outras iniciativas culturais que a gestão compartilhada entre poder público e comunidade achar conveniente (BRASIL, 2009i, p. 2). Deste modo, a perspectiva de rede foi integrada a concepção de gestão compartilhada, sendo repassada a condução de gestão para a rede dos Pontos, configurando certa ambiguidade, pois até então, a gestão compartilhada se situava no programa enquanto aspecto a ser priorizado nos critérios de seleção e julgamento dos projetos, mas não enquanto uma forma de gestão do próprio projeto, como é colocado a partir deste edital, enquanto uma diretriz política e requisito de execução e conveniamento. Assim, o edital definiu que a gestão da Rede de Pontos de Cultura e do próprio Pontão de Cultura deveria ser compartilhada entre as entidades sem fins lucrativos, representantes dos movimentos populares, de manifestações culturais participantes da Rede e a instituição pública proponente. Apesar do avanço em considerar a proposta de gestão compartilhada de forma mais contextualizada neste edital para as instituições governamentais estaduais e municipais, não definiram as especificidades ou as orientações de como poderia ser exercida e, inclusive, qual a participação do Ministério da Cultura nesse exercício de compartilhamento. Portanto, esse conceito foi abordado inicialmente dentro do programa de forma diversa e abarcou diferentes concepções e dimensões do Cultura Viva. Dentre as dimensões, Vilutis (2009) destaca que a relação dos Pontos de Cultura com o Governo Federal e a perspectiva de gestão compartilhada do Programa Cultura Viva foram inicialmente pensadas no âmbito da relação dos Pontões de Cultura com o Governo Federal, principalmente no sentido de garantir uma responsabilização mútua pela execução do projeto dos Pontos de Cultura. Isso ocorreu, com alguns Pontos de Cultura que foram convidados pela antiga SPPC/MinC, atual SCC/MinC, a se tornarem Pontões de cultura e compartilharem objetivos e responsabilidades na gestão de algumas ações do Programa Cultura Viva, a exemplo da Ação Griô Nacional e da ação Escola Viva. Além disso, houve a experiência de gestão compartilhada entre o Governo Federal e Governos Estaduais e Municipais na elaboração conjunta de editais, na composição de recursos de ambas as esferas do poder público para efetivar projetos de Pontos de Cultura e de Redes de Pontos de Cultura. A seguir, faremos uma análise de informações sobre os Pontos de Cultura do Estado e do Município Rio de Janeiro, contemplando os editais de financiamento 134 federal e estadual (2004 e 2008, respectivamente), por intermédio de mapas que situam os Pontos apoiados. No mapa 2, a seguir, estão representados os Pontos de Cultura no Estado do Rio de Janeiro, apoiados pelo 1º. Edital MinC/2004 e 1º. Edital Governo do Estado RJ/2008, em que constatamos uma distribuição dos Pontos de Cultura; com destaque para os Municípios de Niterói e da Baixada Fluminense. As demais regiões também foram contempladas, porém não com a mesma densidade de Pontos apoiados. Embora neste mapa não estejam demonstrados os Pontos do Município do Rio de Janeiro, cabe ressaltar que são 41 Pontos, o que expressa forte concentração na Capital do Estado. O detalhamento dos Pontos no Município do Rio de Janeiro consta do Mapa 5, adiante. A ampliação e expansão numérica dos Pontos no Estado do Rio de Janeiro se efetivou via edital estadual, de outubro de 2008, atingindo 150 novos Pontos que, somados aos 80 Pontos suplentes que estão em via de conveniamento, além dos 72 já existentes via edital do Governo Federal, configuram um aumento para 302 Pontos. 135 Mapa 2 - Expansão dos Pontos de Cultura no Estado do Rio de Janeiro (1º. Edital MinC/2004 e 1º. Edital Governo do Estado RJ/2008) Fonte: Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro (2009). Adaptação própria. Todavia, como veremos na tabela 4 a seguir, seis Pontos não estão aptos ao conveniamento, totalizando, portanto, 296 Pontos no Estado do Rio de Janeiro. Destacamos ainda que permaneceram as dificuldades para este processo de conveniamento, advindas do edital nacional89, pois muitos, até setembro de 2010, não tinham conseguido efetivá-lo, após quase dois anos do lançamento do edital. Em princípio a demora estava relacionada à reelaboração dos planos de trabalho que, inicialmente, seguiram o modelo nacional e posteriormente foi exigido que fossem adaptado ao modelo estadual. Em seguida, enfrentou-se outra dificuldade de oficializar a abertura da conta corrente sem a cobrança das taxas bancárias, o que é proibido pela modalidade “convênio”. As agências bancárias, porém, com grande resistência, não efetivaram este tipo de modalidade. Isso obrigou a Secretaria Estadual de Cultura a intervir e a solicitar diretamente as agências. Por fim, foram diversas as dificuldades, conforme tabela abaixo, solicitada pelo Fórum dos Pontos de Cultura, diante dos questionamentos dos grupos, devido a Secretaria não ter uma estimativa de prazo para a efetivação dos convênios. Assim, segue abaixo a situação de conveniamento dos Pontos de Cultura do Estado do Rio de Janeiro em setembro de 2010: Tabela 4 - Situação do conveniamento dos Pontos de Cultura (até setembro de 2010) Conveniamento dos Pontos de Cultura do Estado do Rio de Janeiro Departamentos Situação em 29 de setembro de 2010 Coordenadoria de Diversidade Cultural Protocolo Diretoria Geral de Administração e Finanças Coordenadoria de Prestação de Contas Assessoria Jurídica ( AJUR) Escritório de Gerenciamento de Projeto da Casa Civil Coordenadoria de Diversidade Cultural Coordenadoria de Diversidade Cultural Diretoria Geral de Administração e Finanças Coordenadoria de Prestação de Contas Aguardando entrega de documentos para abrir processo conveniamento Abertura de processo Certificação Orçamentária Conferência de Documentação e anexar minuta do termo de convênio Análise jurídica Análise da Casa Civil Aguardando proponente cumprir exigências do Escritório de Gerenciamento de projetos (EGP) Em análise das exigências para retornar a Casa Civil Para fazer empenho Elaborar termo de convênio Pontos de Cultura 3 Pontos Suplentes 0 0 4 0 0 2 0 1 0 6 10 27 0 10 1 2 1 1 12 89 De acordo com o IPEA (2010), a complexidade dos procedimentos (formulários, prestação de contas, etc.) foi o terceiro problema apontado pelos Pontos de Cultura. 137 Conveniamento dos Pontos de Cultura do Estado do Rio de Janeiro Departamentos Situação em 29 de setembro de 2010 Coordenadoria de Diversidade Cultural Coordenadoria de Diversidade Cultural Diretoria Geral de Administração e Finanças Diretoria Geral de Administração e Finanças Coordenadoria de Diversidade Cultural Total Aguardando assinatura do convênio pelo proponente Publicação no D.O.E. Diário Oficial do Estado Para pagamento Receberam Não podem conveniar. Pontos de Cultura 3 Pontos Suplentes 2 0 2 118 4 150 11 6 2 80 2 Fonte: Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro. 2010. Todavia, apesar destes incidentes no processo de conveniamento, que afetam principalmente os grupos menores, houve o aumento desses grupos que começam a ter acesso a recursos públicos, algo inédito no âmbito das políticas públicas culturais brasileiras. Além disso, ficam explícitas as dificuldades de acesso e de ampliação das ações, que, a priori, são direitos de qualquer cidadão. De acordo com o critério de densidade populacional estabelecido no edital do Estado, houve a distribuição dos recursos pelo interior do Estado, como se constata: Região Noroeste Fluminense: 12; Região Norte Fluminense: 13; Região Serrana: 15; Região das Baixadas Litorâneas: 15; Região do Médio Paraíba: 14, Região Centro-Sul Fluminense: 9, Região da Costa Verde: 5 e Região Metropolitana: 67. Como parte do Programa Mais Cultura, o Governo Federal, repassou recursos correspondentes a R$ 18 milhões para a Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, cujo Governo do Estado participou do projeto com R$ 9 milhões (BRASIL. MinC, 2009e). Além disso, as linguagens artísticas foram ampliadas, embora as diferenças de organização institucional ainda sejam marcantes. A desigualdade de acesso às mídias/recursos tecnológicos e ao domínio/treinamento tecnológico/administrativo também permanecem. O conjunto dos três mapas a seguir demonstra, por sua vez, o Município do Rio de Janeiro. Inicialmente, o Mapa 3 demonstra 41 Pontos no Município, referentes ao 1º. edital federal de 2004, concentrados na região central e entorno do centro. Dentre estes, 37 grupos foram reconhecidos como Pontos de Cultura, 3 como Pontões de Cultura (Pontão Casa da Gávea/Gávea, Pontão Circo Voador/Lapa e Pontão Centro do Teatro do Oprimido/Lapa), e 1 Ponto de Redes (Rede do Estado do Rio de Janeiro). 138 Mapa 3 - Pontos de Cultura no Município do Rio de Janeiro (1º. Edital MinC/2004) Fonte: Relatórios/Banco de dados Mapas da Rede IPSO. Adaptação própria. Mapa 4 - Pontos de Cultura na região central, norte e sul do Município do Rio de Janeiro (1º. Edital MinC/2004) Fonte: Relatórios/Banco de dados Mapas da Rede IPSO/Google Earth. Adaptação própria. 140 Mapa 5 - Pontos de Cultura no Município do Rio de Janeiro (1º. Edital MinC/2004 e 1º. Edital Governo do Estado RJ/2008) Fonte: Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro (2009). Adaptação própria. No Mapa 4, podemos constatar a concentração de Pontos coordenados por ONGs/manifestações culturais que já atuam há um tempo considerável na área cultural e se encontram na região da Lapa e central da cidade. No Mapa 5 verifica-se a ampliação do número de Pontos de Cultura no Município do Rio de Janeiro, considerando o resultado dos editais do Governo Federal de 2004 e Estadual de 2008, contudo, permanecendo a concentração no centro e arredores, mas também cabe destacar a ampliação para áreas periféricas, em especial a Zona Norte. Contemporaneamente, alguns movimentos e organizações especificamente culturais são caracterizados por Ramos (2007), que aborda a produção cultural de jovens de favelas, principalmente as ações que optam por “empreenderem”, no mercado de trabalho. Estes grupos, tais como os grupos Olodum, em Salvador, o Afroreggae, o Nós do Morro, a Cia Étnica de Dança e a Central Única de Favelas (CUFA), no Rio de Janeiro, além de outros nas periferias de São Paulo, vilas de Porto Alegre, nos aglomerados de Belo Horizonte e em bairros pobres de Recife, Brasília e São Luis. Grupos com diferentes propósitos, mas que segundo a autora, utilizam uma sedução ligada ao glamour da arte, à visibilidade e ao sucesso. Ou ainda, grupos que utilizam a cultura como um recurso, na mídia, no consumismo e no turismo, como afirma Yúdice (2004). Assim, alguns desses grupos se profissionalizam sem perder sua dimensão comunitária e política, passando a intervir no mundo cultural e, às vezes, no mercado cultural, de forma consistente, como os grupos de hip hop de São Paulo, de mangue beat no Nordeste ou de reggae e funk na Bahia e no Rio de Janeiro, ora capturados pela indústria cultural, ora resistentes. Todavia, a apropriação de linguagens artísticoculturais também ocorre sem a vinculação com a profissionalização e a inserção no mercado, mas em torno da dimensão cultural, da organização, da articulação, e da expansão da própria expressão artística sem vinculá-las a adaptações, obrigações comerciais ou a servirem para a publicidade e o consumo apenas. Porém, estes grupos não alcançam, algumas vezes por opção, a publicidade que os demais. Deste modo, são visibilizadas as suas questões cotidianas, suas condições de vida, suas inquietações com a situação local e do país ou ainda, há grupos que operam via a manifestação artístico-cultural, valorizando os saberes locais na perspectiva do conceito de cultura ampliado, para os diferentes modos de vida. De certa forma, estes grupos abrem caminho na contramão do regime do espetáculo e de produção de eventos 142 com vistas ao sucesso apenas, valorizando com maior ênfase os seus processos, mais do que os produtos. É neste âmbito que situamos os Pontos de Cultura, mais especificamente o Centro Lúdico e os Pontos com os quais interagiu na construção coletiva, e que não se limitam a formarem artistas somente, mas também pessoas comprometidas com o seu entorno e com o coletivo. Ainda que, neste processo alguns optem por aprimorarem os talentos descobertos, com o interesse em aprofundarem caminhos no contexto artísticocultural, profissionalizando-se, o mais importante é que estas experiências mobilizam desejos, oportunidades de desenvolvimento pessoal e possibilidades bastante amplas e fundamentais na formação dos sujeitos para as diversas escolhas pessoais, profissionais e coletivas. O que consideramos fundamental enquanto papel das políticas públicas culturais, sobretudo em contextos de graves desigualdades sociais. Por fim há aqueles projetos que se limitam a reproduzir técnicas e modelos e ministrar oficinas. Até assumem que apenas “levam cultura”, desconhecendo e, muitas vezes, desvalorizando o contexto encontrado, como se efetivamente existisse apenas uma ou algumas culturas em detrimentos de outras, sem instigar críticas ou reformulação destes parâmetros, perpetuando ideologias dominantes, lógicas individualistas e competitivas. Isto ocorre, principalmente, quando se envolvem as populações das classes trabalhadoras e ou vulneráveis, ora contida, ora reprimida, ora “incluída” por poderes punitivos difusos, implementando de fato a instrumentalização da cultura e da arte para “salvar”, “recuperar”, dentre outros. Temos, portanto, ambíguas estilizações de diferentes linguagens artísticas, configuradas nas fronteiras entre os territórios, entre os conflitos e as diferenças que, geralmente são escamoteadas e as desigualdades sociais naturalizadas. Assim, não é por acaso que estes impasses nos inquietam, pois ainda estão presentes nas práticas e expressões de diversos artistas, grupos, gestores e na condução de políticas públicas. Com base nestas contextualizações sobre o Programa Cultura Viva e os Pontos de Cultura, abordaremos no próximo capítulo as experiências coletivas e suas implicações, além dos desafios e conceitos que embasam as análises realizadas. 143 4. A constituição dos Pontos de Cultura: criação e experiências coletivas Só se aprende liberdade brincando. Brincar é o maior exercício de liberdade que a gente pode ter (Lydia Hortélio) 4.1. Os Pontos de Cultura: práticas como reflexões O campo de estudo sobre o Programa Cultura Viva e os Pontos de Cultura abrange um número crescente de pesquisas, estudos de caráter acadêmico90 e debates de diferentes áreas, além daquelas que foram solicitadas e/ou apoiadas pelo Ministério da Cultura enquanto instrumentos de gestão e monitoramento. Algumas delas já foram abordadas no terceiro capítulo, mais especificamente nos dados dos “Mapas da Rede IPSO” do Instituto de Projetos e Pesquisas Sociais Tecnológicos, localizado em São Paulo/IPSO, as pesquisas empreendidas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada/IPEA e pelo Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio Janeiro/LPP/UERJ91, uma prática que se adotou também em outros Ministérios da gestão governamental 2003-2010. 90 Em 2009, a Casa Rui Barbosa, com o objetivo de conhecer e promover a divulgação dos estudos e incentivar a formação de uma rede de pesquisadores realizou o I Seminário do Programa Cultura Viva e os Pontos de Cultura - novos objetos de estudo com a apresentação de vinte pesquisas. Nesse mesmo, ano ocorreu o Seminário Internacional do Programa Cultura Viva e, em 2010, na TEIA, em Fortaleza, ocorreu outra edição do Seminário “O Programa Cultura Viva e sua ações como objetos de estudo” com a apresentação de vinte pesquisas. 91 O LPP/UERJ foi contratado pelo MinC para construir indicadores que possibilitassem avaliar a gestão da política cultural bem como os efeitos que vinham gerando a implementação dos primeiros Pontos de Cultura nas comunidades brasileiras. Além de fornecer dados e indicadores que permitiriam apreciar a dinâmica de desenvolvimento e implementação dos primeiros Pontos de Cultura promovidos pelo Programa, o projeto de avaliação constituiria um espaço de reflexão e debate acerca dos sentidos que assume a política cultural do governo federal. 144 Temos ainda os relatórios de sistematização das pré-Teias/Encontros regionais, realizados pelo Fórum Nacional dos Pontos de Cultura, os quais apontam os desafios para as políticas de cultura, e os estudos realizados pela Universidade de Brasília92 (UnB) durante a TEIA Brasília 2008. Já os registros dos relatórios do Instituto Paulo Freire (IPF) abordam os debates sobre participação política e sobre planejamento participativo do Programa Cultura Viva. O IFP foi contratado pelo MinC no período de 2005 a 2007, para construir conjuntamente com os Pontos de Cultura o conceito de Gestão compartilhada e colaborativa, demanda que surgiu após o processo de avaliação sobre a Ação Agente Cultura Viva. Uma dissertação derivada desta experiência foi a de Vilutis (USP, 2009), cuja abordagem se concentrou na formação dos jovens nos Pontos de Cultura, suas ações culturais enquanto expressão de suas identidades e do direito à cultura. Outras quatro pesquisas de mestrado utilizam o referencial analítico gramsciano, Santos (2007), Assis (2007), Domingues (2007) e Pardo (2010), para demonstrar que o Programa Cultura Viva é contra-hegemônico na área cultural, por apresentar uma nova forma de relacionamento entre Estado e “outras sociedade civis”, diametralmente oposta àquela que norteou as ações do MinC vigentes até então (Santos, FGV, 2007). Outro objetivo dessas pesquisas é deixar evidente que essa contra-hegemonia existe porque o Programa Cultura Viva expressa a cultura e sua percepção como um elemento central da luta de classes, cujos antagonismos, presentes nestas relações, são um campo de disputa, e também representam riscos de uma “refilantropização da questão social” (Assis, UERJ, 2007). A análise sobre o processo de aproximação entre as políticas culturais e as políticas sociais pelo Programa Cultura Viva é realizada por Domingues (UERJ/2007), e, embora esta associação não dê conta da totalidade das relações implicadas, sobretudo da reorganização do poder, o autor aponta também a co-gestão do programa como um eixo fundamental para o êxito das políticas sociais/culturais. Outrossim, aborda a possibilidade de redistribuição dos fundos públicos vir a ser um fomento às ações da economia solidária, além de consistir num desafio para os intelectuais da cultura historicamente presentes nas gestões do MinC. Já Pardo, (UERJ/2010) apresenta três Pontos de Cultura enquanto possibilidades contra-hegemônicas ao sistema vigente, abordando suas práticas e lutas, 92 A parceria desenvolvida entre o Ministério da Cultura e o Centro de Memória Digital da UnB viabilizou o trabalho de sistematização das propostas apresentadas na TEIA 2008, a construção de um banco de dados, além da elaboração do relatório final. 145 dentre os quais o Centro de Cultura e Educação Lúdica da Rocinha. Silva (FGV/2009b) também aborda este mesmo Ponto de Cultura, focalizando o desenvolvimento da Ação Griô na Rocinha e as adaptações das ações de um projeto concebido no interior do país para outro território urbano e complexo de uma favela carioca. Outros estudos93 utilizam diferentes abordagens e se encontram em diferentes áreas, como a educação, ciências sociais, serviço social, história, turismo, dentre outras abordadas em Seminários nacionais e um de caráter internacional sobre o Programa Cultura Viva. Além disso, foram criados estudos mais amplos como indicadores do “Índice de Gestão Municipal”, pelo MinC, e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, em março de 2008, como um trabalho pioneiro no tratamento das informações sobre a gestão cultural nos municípios, e os estudos estatísticos produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE94 em parceria com o MinC. Nesse contexto, desde 2003, o MinC realizou um amplo sistema de consultas à sociedade civil para a elaboração do Plano Nacional de Cultura. Artistas, produtores, gestores públicos, organizações profissionais e empresários culturais elaboraram diagnósticos para a formulação da política cultural do MinC. A primeira consulta pública ocorreu no primeiro semestre de 2003 com o Seminário Cultura para Todos que organizou uma ampla série de seminários sobre o tema do financiamento público de cultura e as leis de incentivo. Esses insumos foram fundamentais para a elaboração do decreto de alteração das leis federais de incentivo, apresentada pelo MinC em 2005. Já os eixos do nosso estudo compreendem outros aspectos como: a) a abordagem da experiência e da criação artística-cultural e intergeracional coletiva nos Pontos de Cultura, como um fértil campo de protagonismos e enquanto base para a reflexão sobre as diretrizes e a opção política pela ampliação do conceito de cultura, e o rompimento com padrões dicotômicos entre o erudito e o popular, e o favorecimento apenas da indústria cultural; questões fundamentais para o estabelecimento de políticas culturais que não 93 Rocha (UFBA); Lacerda (UFBA); Lima (UFBA); Gomes (UFBA); Oliveira (UEBA); Marinho (UFPE); Andries (UnB); Rebello (UFF); Santos (FGV); Fér (Cásper Líbero); Souza e Silva (USP); Dorneles (UFRGS); Souza (UFRJ). 94 Em parceria com o Ministério da Cultura (MinC), foram elaborados o Suplemento de Cultura da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic - 2006), e o Sistema de Informações e Indicadores Culturais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 2003-2005, com abrangência nacional. Configura-se desta forma o desafio de produzir indicadores, tornando-os subsídios para a criação e a implementação de políticas públicas. 146 sejam instrumentais e funcionais, apenas reproduzindo contextos de desigualdade social. b) a construção coletiva advinda das experiências nos fóruns dos Pontos de Cultura, com base nas experimentações e interações provocadas nos Pontos de Cultura, bem como nos impasses vivenciados, instaurando um processo de questionamento da estrutura do Estado no acesso aos recursos públicos e aos direitos. A diversidade, a interculturalidade crítica, as relações de poder e a experiência são perspectivas problematizadas que embasam a possibilidade de intercâmbios de saberes e práticas, valorizando-os enquanto potencialidades que envolvem efetivamente a participação dos sujeitos em experiências coletivas, buscando transformações. Assim, iniciamos este capítulo situando o contexto e as situações em que foram analisadas tais perspectivas. Em uma primeira fase do Programa Cultura Viva, houve a predominância da lógica do emprego, via parceria do MinC com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE); o empenho de monitoramento da equipe do ministério; a tentativa de articulação e transversalidade com outras áreas e objetivos do governo federal com outros programas, em especial com a Agenda Social do Governo Federal. Todavia, o âmbito da criação no Ponto de Cultura envolve experiências e experimentações que são possíveis locais, onde o mais importante não é fixar uma definição canônica dos processos, nem fechá-los, viabilizando espaço para a criação e não apenas a reprodução de modelos e a adaptação das pessoas. Deste modo, a criação e a provisoriedade estão presentes o tempo todo configurando uma permanente tensão entre o herdado e o que pode ser transformado, envolvendo, sobretudo, a dimensão da ética, do tempo processual e da política, em lugar da soberania da técnica, do pragmatismo, da imposição de saberes e normas que mantêm segregações. Neste texto, abordaremos experiências registradas pelos jovens Agente Cultura Viva, pelos Griôs95 e mestres de tradição oral96, griô aprendiz97 e demais participantes 95 O perfil do griô de tradição oral estabelece, via Ação Nacional Griô, a idade mínima de 50 anos, seja um líder de grupos culturais ou que trabalhem com as tradições orais e/ou animação popular, que transmita com facilidade a sabedoria de tradição oral por meio da fala e da palavra, dentre os quais músicos, dentre outros e que se identifiquem com a figura do caminhante, viajante e ou contador de histórias (http://www.graosdeluzegrio.org.br/html/acao_grio/ grios_e_mestres.htm). 147 dos Pontos de Cultura, além de registros sobre as experiências coletivas que abordam a constituição dos Pontos e a sua prática, enquanto subsídios para a implementação de políticas públicas que envolvem o âmbito social e o cultural, respeitando suas especificidades, sem torná-los necessariamente utilitários. Partimos da compreensão de que o ato da criação é um ato de liberdade, e, por conseguinte, está relacionado à preservação e ampliação de um mínimo de iniciativa de que se podem dispor na sociedade capitalista. A categoria de experiência de Benjamin, como veremos, nos apoia na reflexão da dinâmica da vida contemporânea, bem como na superação das dicotomias, considerando o contexto de desigualdade e lutas sociais, mas com possibilidades de criação de novas relações societárias que contemplem oportunidades de crescimento para o coletivo e não apenas para alguns. A proposição de que a arte, a cultura e a política são exercícios experimentais de liberdade98 não supõe, contudo, que haja uma transposição direta entre uma e outra, o 96 Perfil dos mestres: Reconhecidos (as) nas comunidades como líderes espirituais, com a sabedoria da cura ou de iniciação para a vida, buscados(as) por pessoas de diversas regiões (por exemplo: curador, parteira e rezadeira, pajé, pai e mãe-de-santo, mestre de capoeira etc.); Conhecedores/as e fazedores/as de conhecimentos, iniciados ou iniciadores/as de um ramo tradicional em artes e ofícios diversos relacionados às ciências da vida (por exemplo: tecelão, ferreiro, sapateiro, pescador, caçador, rendeira, construtor de instrumentos musicais ou brinquedos, baiana de acarajé etc.); História de vida de tradição oral; Que se identifique com a figura do/a sábio/a e do/a mestre; Idade mínima de 60 anos (http://www.graosdeluzegrio.org.br/html/acao_grio/grios_e_mestres.htm). 97 Perfil do Griô Aprendiz: Experiência em pesquisa e mobilização social, diálogo e mediação política; Líder de grupos culturais e/ou associações locais que trabalham com as tradições orais; Transmite com facilidade a sabedoria de tradição oral por meio da fala e da palavra, como uma arte ou magia; Autodidata em história, antropologia, artes cênicas e/ou jornalismo; Educador(a) comunitário(a) iniciado(a) em facilitação de vivências em grupo; Participante de rituais e/ou atividades de iniciação com um mestre de tradição oral de sua escolha. (http://www.graosdeluzegrio.org.br/html/acao_grio/grios_e_mestres.htm). 98 Como já abordamos no primeiro capítulo, reiteramos que Pedrosa nos remete aos “Exercícios experimentais da liberdade”, cuja frase é de 1970 (In Amaral, 1975) e que se refere às pesquisas artísticas. Contudo, outra abordagem deste termo foi feita em 1967, no texto “O ‘bicho-da-seda’ na produção em massa”. Nele, aborda as condições sociais e culturais do advento da liberdade, e a posição do artista na economia, em que questiona: “mas onde estão as condições sociais e culturais que permitam a esses bichos continuar produzir incessantemente a sua seda e a usar de seu dom natural em toda a liberdade? Como conservá-la em sua autenticidade originária e como distribuí-la, sem alterá-la na sua existência intrínseca, ou como doá-la, trocá-la numa sociedade com sedas sintéticas em abundância e entregue às mobilizações em massa e aos divertimentos em massa?” (Pedrosa apud Arantes, 1991, p. 29). Como vimos, nos anos 1930, Pedrosa propôs provisoriamente uma “arte proletária”; já nos anos 1970, propôs a ação política como única forma de romper o círculo, criando novas condições para que um novo homem surja e uma nova arte floresça; enquanto isso, restaria ao artista assumir uma posição de resistência. Deste modo, segundo Arantes (1991), Pedrosa sempre foi partidário de uma arte independente, todavia, interpretou essa independência de formas diferentes, variando a sua avaliação, de acordo com o contexto e as mudanças históricas. 148 que implicaria riscos, principalmente o da instrumentalização da arte e da cultura, por exemplo, o que nos remete à circunspecção das práticas com claras influências na formação e autonomia, mas também na alienação dos sujeitos. A experiência supõe um saber que nos permite apropriar-nos da vida, além de possibilitar a expansão vital. Ainda que sejam poucas as possibilidades que sobram para o exercício experimental da liberdade na sociedade capitalista, consideramos que a políticas públicas culturais podem viabilizar experiências estéticas e coletivas que permitam aos sujeitos inúmeras escolhas em sua vida pessoal, profissional e coletiva. Além disso, a leitura crítica aliada ao conhecimento sensorial despertado pelas linguagens artístico-culturais refina a percepção e a apreensão da realidade do mundo. Outros canais, conexões e saberes derivados da sensibilidade dos artistas, da cultura e da arte, como na seguinte reflexão: (...) a divisão do trabalho parece que também divide a humanidade do homem: enquanto trabalha, o professor é professor, o policial é policial, o médico é médico. Esquecemo-nos de que somos homens todo o tempo e de que não vivemos para cumprir ordens ou para desempenhar simples funções. E de que a nossa humanidade adquire-se numa luta diária concentrada, principalmente na forma como produzimos e no que produzimos. Ou seja, até a humanidade só se adquire como prática política. Não se pode trabalhar sem relações afetivas e sem emoções, sem prazer (Leal, 2003, p.64, grifo nosso). Com bases nestas considerações, apresentaremos a seguir algumas práticas no Ponto de Cultura, situando as relações entre as ações do Programa Cultura Viva, que compreendem a Ação Agente Cultura Viva, Ação Escola Viva, Ação Cultura Digital, e a Ação Griô. Isso em contraponto ao risco de confundir o excesso informação, tão comum na contemporaneidade com sabedoria, ou com libertação, mas como uma forma valorizar diferentes saberes e experiências. E, ainda enquanto expressões da vontade de liberdade e de criação, e que envolve também a construção do conhecimento e transformações de caráter processual, e, portanto, de alternativas à atroz ordem vigente. A subjugação milenar do homem pelo próprio homem, bem como a dependência secular dos vínculos estabelecidos pela tradição colonizadora no país envolvem a luta pela libertação da humanidade. Essas reflexões são importantes para este estudo, de forma a viabilizar uma atuação mais vigorosa na realidade e também com maior sensibilidade e reflexão como nos inspira Mário Pedrosa, aumentando as possibilidades de ações transformadoras. Ousamos considerar antropofagicamente, que o intercâmbio de culturas e saberes de diferentes tempos e espaços é uma das formas de 149 emancipação humana. Dizem respeito, portanto a criações que podem libertar e produzir resistências às formas instituídas, sem desconsiderar a sua complexidade e a forte relação entre a arte, a cultura, a liberdade, a ética, a política e a economia. Com base nestas breves considerações, iniciamos a abordagem das ações que compõe o Programa Cultura Viva, considerando o Ponto de Cultura enquanto o lócus das nossas reflexões. 4.2. Fase I: a implementação da Ação Agente Cultura Viva Consideramos que a ação do Agente Cultura Viva foi um importante marco na constituição dos Pontos e incidiu primeiramente na articulação entre cultura e formação de jovens nas áreas de atuação de cada Ponto. Todavia, esta ação foi extinta em 2006 devido a primeira e difícil experiência que vigorou desde o segundo semestre de 2005, com a participação de aproximadamente onze mil jovens em um total de 197 Pontos de Cultura. Esse convênio foi realizado em parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), e ofereceu auxílios financeiros mensais de R$ 150,00 aos jovens, para participarem das ações de formação realizadas pelos Pontos de Cultura e manterem sua frequência escolar. O programa Primeiro Emprego/MTE foi incorporado pela ação Agente Cultura Viva, para a inserção dos jovens no mercado de trabalho, por meio de colocação em relação empregatícia no setor formal da cultura. Entretanto, no catálogo do Programa Cultura Viva a intencionalidade da ação Agente Cultura Viva expressa que “O objetivo é fomentar a geração de renda nas próprias comunidades, a partir de uma economia solidária.” (BRASIL, 2004a, p. 24). Já a definição do Sistema de Informações em Economia Solidária (SIES) afirma que a Economia solidária compreende “O conjunto de atividades econômicas - de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito organizadas e realizadas solidariamente por trabalhadores e trabalhadoras sob a forma coletiva e autogestionária” (BRASIL, 2010), em contraposição aos pressupostos do mercado formal de emprego que foi adotado posteriormente. Todavia, o Termo de Cooperação assinado entre o MinC e o MTE foi assinado e assegurava que a organização do processo de seleção e escolha dos jovens a serem contemplados com o auxílio financeiro seria realizado pelos respectivos ministérios. Todavia, esse processo foi realizado direta e exclusivamente pelos Pontos de Cultura, num prazo muito curto estipulado pelos ministérios. Instaurou-se um processo seletivo que contou com critérios previamente definidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego. 150 O perfil dos jovens beneficiados por essa ação atendeu aos mesmos critérios estabelecidos pelos Consórcios Sociais da Juventude99cujos critérios eram: - idade entre 16 a 24 anos; - renda familiar per capita de até ½ salário mínimo; - estar cursando o ensino fundamental ou médio; - 25% dos auxílios poderão ser para os jovens que já concluíram o ensino médio; - não possuir experiência prévia no mercado de trabalho formal/ou desempregado; - priorizam-se os quilombolas e afro-descendentes, indígenas, egressos de unidades prisionais ou que estejam cumprindo medidas socioeducativas, - portadores de necessidade especiais e trabalhadores rurais; - ter interesse pelo curso proposto ou já desenvolver atividades culturais. - os critérios listados acima são prioridades na seleção dos jovens bolsistas. Em caso de excesso de vagas, podem também ser incluídos: - pessoas que trabalham em condições autônoma, por conta própria, cooperativa, etc. - trabalhadores(as) domésticos(as); - pessoas beneficiárias de políticas de inclusão social100 ; ações de combate à discriminação, etc.; - gestores(as) em políticas públicas e representantes em fórum, comissões e conselhos de formulação e implementação de políticas públicas e sociais; - em caso de consanguinidade, o auxílio será disponibilizado somente para um dos familiares (BRASIL, 2004a, p. 16-17). Ressaltamos que, em todos esses casos, a renda familiar per capita não poderia ultrapassar meio salário mínimo. Embora não fosse um critério de seleção, o fato de ser necessário apresentar o CPF, RG e a Carteira de Trabalho fez com que os jovens se mobilizassem para emitir esses documentos, indicando a precariedade com que se encontram significativa parcela da população. O perfil muito focalizado do público beneficiário do programa restringiu o alcance dessa ação, além da enorme contradição em definir o desemprego como um critério de participação, “ou”, simultaneamente, exigir que o jovem nunca tenha sido empregado. Adaptado ao Programa Cultura Viva, ao incidir sobre o campo cultural, o programa Primeiro Emprego101 não efetivou a adequação dos critérios, bem como as 99 Iniciativa do Ministério do Trabalho, o Consórcio Social da Juventude (CSJ) previu a capacitação de jovens em situação de vulnerabilidade social e a realização de ações de qualificação sócio-profissional por meio de convênios com instituições da sociedade civil. http://www.mte.gov.br/pnpe/juventude.asp. 100 Inclusão/exclusão é uma das falácias reproduzidas no âmbito do sistema capitalista, que reforça a lógica de controle e ameaça relacionada às regras morais e monetárias, pois todos estão incluídos mesmo que subalternamente. A concepção de "exclusão" é antidialética, uma vez que nega o princípio da contradição, da história e da historicidade das ações humanas. É, portanto, um “conceito” ideologicamente útil às classe dominantes, no seu afã de “mudar para manter”. Este termo oculta o verdadeiro problema a ser debatido que são as formas perversas de inclusão social que decorrem de um modelo de reprodução ampliada do capitalismo, que produz escravidão, desenraizamentos, pobreza e também ilusões de inserção social (Martins, 1997, 2008). 151 exigências dessa ação à realidade do setor cultural, em termos da geração de trabalho na área da arte e da cultura. Destacamos que no início da projeção da formação dos Agentes Cultura Viva pelos Pontos de Cultura, o Ministro do Trabalho e Emprego, afirmou: “Mais do que a necessidade de aprender um ofício, os alunos terão a possibilidade de conseguir um emprego formal ou partir para alguma ação empreendedora” (BRASIL, 2008c, p. 7). Algo irrealizável, diante da proposta dos Pontos/Programa Cultura Viva e da realidade brasileira, além de se tratar do início do Programa Cultura Viva, que não poderia profissionalizar os jovens, diante das bolsas oferecidas por apenas seis meses e dos planos de trabalhos já aprovados pelo MinC. A lógica do emprego foi a tônica. O Termo de Referência previa ainda a meta de inserção de 30% dos jovens beneficiários no mercado de trabalho, outra limitação, num cenário em que a na maioria dos Pontos de Cultura não há contratação formal, muito menos “mercado” que os absorva. Inicialmente, dentre as ações do MTE, previase apenas os jovens inseridos no Serviço Civil Voluntário receberiam auxílio financeiro, porém correspondiam a perfil específico, jovens em conflito com a lei, que estivessem cumprindo medidas socioeducativas e não estivessem estudando nem trabalhando. O Serviço Civil Voluntário previa ações de estímulo à inserção social e profissional de jovens por meio da prestação de serviços comunitários. No contexto de ampliação da transferência de renda condicionada, a ação Agente Cultura Viva foi dirigida aos jovens beneficiários das ações de qualificação do Primeiro Emprego que, até então, estava restrito aos jovens participantes do Serviço Civil Voluntário, incorporando o auxílio financeiro e a contrapartida de prestação de serviços comunitários por parte dos jovens. A partir dessa iniciativa, houve uma mudança no perfil das ações do programa. “O auxílio financeiro acabou se generalizando para as demais ações de qualificação no âmbito do Primeiro Emprego, sob a justificativa de que seria necessário compensar o ‘custo de oportunidade’ para que jovens de baixa renda e baixa escolaridade permanecessem em qualificação sócio-profissional, já que poderiam ser 101 Este programa foi criado em 2003, pela Lei nº 10.748, que introduziu a categoria social da juventude na agenda pública dos programas de geração de emprego e renda do Governo Federal. Originalmente previa o pagamento, por parte do MTE, de uma subvenção econômica às empresas que contratassem os jovens inscritos no programa Primeiro Emprego, porém não houve interesse das empresase, em 2004, com apenas 31% do orçamento executado, a ação Agente Cultura Viva fez parte da reformulação das ações prioritárias do Primeiro Emprego. 152 facilmente cooptados por trabalhos precários ou mesmo por atividades criminosas” (Silva e Cunha apud Vilutis, 2009, p. 91). Estas foram justificativas bastante utilizadas para argumentar a favor das bolsas que substituíram a subvenção econômica às empresas, dando lugar a ações de qualificação social e profissional com recebimento de auxílio financeiro e prestação de serviços comunitários por parte dos jovens. Segundo Vilutis (2009) com essa reorientação política, a responsabilidade pela obtenção do emprego deixou de ser do Estado, tampouco foi assumida de forma conjunta pelas empresas e recaiu inteiramente sobre o jovem e os Pontos de Cultura, por meio da ação Agente Cultura Viva. Assim, identificamos inúmeros problemas e conflitos oriundos da inoperância do sistema de gestão e liberação dos auxílios financeiros dos jovens e também das dificuldades de comunicação entre os ministérios e do Ministério da Cultura com os Pontos de Cultura. O cadastro e seleção dos jovens Agente Cultura Viva iniciou em setembro de 2005 e os cursos de formação em novembro, mediante acordo de que o depósito da primeira parcela do pagamento dos auxílios financeiros dos jovens seria feito no início de dezembro. Todavia, o Ministério do Trabalho não cumpriu o prazo e o pagamento dos auxílios atrasou seis meses, sendo efetuado apenas em fevereiro de 2006. Diante da grande expectativa por parte de aproximadamente onze mil jovens em todo o país, de seus familiares e da rede de Pontos de Cultura para o recebimento desse pagamento ainda antes do Natal de 2005 e do atraso do início dos pagamentos, foram enormes também as tensões, que tiveram que ser contornadas entre os jovens e os Pontos de Cultura. “Um inferno burocrático” (Turino, 2009, p. 158). Foi uma situação confusa também para os gestores públicos, que foram acionados insistentemente até resolverem os problemas. Assim, devido à fragilidade do sistema, os pagamentos foram suspensos por mais de dois meses, entre agosto e outubro de 2006, configurando atrasos de cerca de nove meses a um ano, quando os ministérios regularizaram a conferência da documentação, comprovando a prestação do Serviço Civil Voluntário e a execução das atividades de qualificação, fundamentando o pagamento do auxílio. No entanto, o sistema continuou a apresentar inconsistências e a efetuar pagamentos indevidos até o término da ação, resultando num total de 70 parcelas sacadas a mais pelos jovens (Vilutis, 2009). O Instituto Paulo Freire fez uma avaliação da Ação Agente Cultura Viva (2007) planejada em conjunto com o MinC e constatou que a maioria dos Pontos entrevistados, 153 73,85%, considerou como a maior dificuldade, o atraso na liberação do pagamento do auxílio financeiro dos jovens Agente Cultura Viva. As consequências diretas relacionadas ao atraso dos auxílios financeiros indicaram a dificuldade em manter o jovem motivado e comprometido com o projeto, bem como a desistência/evasão dos jovens e a falta de credibilidade no Programa Cultura Viva gerada. Como alternativa para superar essa dificuldade, foi apontada a realização de reuniões e diálogo com os jovens para esclarecimento e elaboração conjunta de propostas de trabalho (26% das citações) (Instituto Paulo Freire, 2006a). Dentre as alternativas criadas pelos Pontos de Cultura para enfrentar a desmotivação dos jovens e reafirmar o compromisso com o trabalho de formação dos jovens Agente Cultura Viva, 8% das citações referiram-se ao estreitamento da relação com os jovens e o fortalecimento da confiança interpessoal. Há outras dificuldades citadas pelos entrevistados e que obtiveram menos recorrências, mas são significativas por expressarem questões relativas ao perfil do jovem e ao seu contexto social. A dificuldade de deslocamento dos jovens por falta de recursos para transporte foi expressão de 10% das citações referentes às dificuldades enfrentadas no desenvolvimento da ação. As dificuldades relativas à realidade social e cultural da família e dos jovens foram apontadas por 6% das citações, o que envolve questões como a convivência com inúmeras situações adversas oriundas da pobreza, além da maternidade juvenil, da falta de documentação e da necessidade que os jovens têm de trabalhar. Algumas alternativas encontradas para superar essas dificuldades voltam-se ao desenvolvimento de conteúdos e ações de solidariedade e motivação coletivas, expressos em caronas solidárias e no revezamento entre as jovens mães no cuidado das crianças (Instituto Paulo Freire, 2006a). Esta avaliação identificou ainda que o desenvolvimento e habilidades artísticas foi trabalhado menos em uma perspectiva voltada à profissionalização artística e mais no sentido de experimentação e trabalho coletivo de expressão criativa. Assim, constatamos que as atividades realizadas nos Pontos de Cultura continuaram acontecendo, tal como o edital de seleção previa, sem que, apesar da exigência, do conveniamento com o MTE, viesse a mudar radicalmente a proposta, principalmente por não receberem recursos adicionais para o atendimento de mais jovens, com casos em que o número foi quintuplicado, conforme foi solicitado pelo MinC. Assim, configura-se a segunda dificuldade mais apontada pelo conjunto dos entrevistados, ou 154 seja, a ausência de recursos do Ponto de Cultura para desenvolver a ampliação da ação Agente Cultura Viva, expressa em 23% das citações. Comprovou-se, assim, a precariedade das condições oferecidas pelo Ministério para que os Pontos de Cultura operassem essa ação, sem o incremento da base material, humana e financeira. Portanto, a falta de recursos humanos dos Pontos de Cultura também aparece na avaliação, quando 10% dos Pontos de Cultura entrevistados indicaram a dificuldade relativa ao despreparo de seus profissionais para atender às novas necessidades de formação e alocação profissional dos jovens Agente Cultura Viva. Isso evidencia outro prejuízo vivenciado na ação devido ao imediatismo apresentado pelos ministérios para iniciar sua implementação, sem oferecer bases adequadas para os Pontos de Cultura se organizarem, capacitarem e/ou contratarem corpo técnico preparado. Para solucionar a falta de recursos humanos, 5% das citações dos Pontos indicaram espontaneamente terem trabalhado a formação de jovens educadores do Ponto e a inclusão de profissionais voluntários para a realização das atividades da nova proposta da Ação Agente Cultura Viva. Outra forma de lidar com o atraso foram as reuniões que ocorreram nos Pontos de Cultura e nos fóruns. Esses encontros não só fortaleceram a organização coletiva e a participação dos jovens, como também contribuíram para sua potencialização além de garantiram o seu envolvimento no processo de reivindicação do pagamento ao MinC/MTE. Estas dificuldades acarretaram a apropriação da Ação Agente Cultura Viva por parte dos jovens e da equipe do Ponto de Cultura, redefinindo e transformando a sua execução, diante dos impasses e imposições. Em busca de informações, apoio e alternativas conjuntas para resolver os problemas provocados por essa ação, foi consolidado o Fórum dos Pontos de Cultura do Rio de Janeiro que, a partir de então, intensificou sua atuação agregando mais pessoas para debates e ações conjuntas, fortalecendo o movimento. Este Fórum possui intensa presença nos encontros e espaços de articulação em rede do Programa Cultura Viva experiência que será analisada no quinto capítulo, com base na participação e acompanhamento que realizamos deste coletivo em âmbito regional e nacional para este estudo. Como todo processo de construção coletiva, tem-se os fluxos e refluxos de organização e atuação conjunta. Vários foram os impasses e momentos de esfriamento das lutas, uma vez que os problemas eram encaminhados, ora protelados, ora resolvidos 155 parcialmente, além do surgimento de outros. Diante das oscilações inerentes ao funcionamento dos movimentos, destacamos o que eles produzem no sentido de serem lócus de debates, explicitação de conflitos e o seu enfrentamento, aumentando as possibilidades de problematizações e criação de alternativas dialogadas no reconhecimento e encaminhamento das diferentes demandas. Por mais difíceis que tenham sido, estas circunstâncias provocaram um estreitamento do vínculo dos Pontos de Cultura e dos jovens que permaneceram ao longo da ação. A situação chegou a momentos tão profundamente complicados, de envolvimento da família, dos parceiros e da comunidade, que obrigou os Pontos de Cultura a comunicarem ao máximo suas ações e compartilharem informações, buscando alternativas conjuntas para resolver o problema. Isto, para esclarecer também que as bolsas não estavam sendo retidas pelo próprio Ponto e sim pelo longo processo de resolução dos trâmites burocráticos, que envolvia desde a espera pela emissão dos documentos dos jovens, à lentidão do sistema on line, no qual deveriam ser lançados os dados e cumpridos os critérios de cadastramento, para que fossem efetivados, até a ida dos jovens às agências bancárias e serem mal recebidos e informados de que não havia chegado nenhum recurso para eles. Por inúmeras vezes, os funcionários dos sistema bancário não “sabiam de nada”. Assim, a busca de um contato mais próximo com estes técnicos foi outra medida tomada pelos gestores dos Pontos, na tentativa de mediar relações e torná-las menos problemáticas e frustantes para os jovens envolvidos. Com esta experiência, almejamos não apenas enfatizar o desgaste que este processo acarretou, mas também evidenciar o quanto as situações conflitivas explicitaram a fragilidade da estrutura estatal quando esta inicia um processo de ampliação de sua atuação para junto de setores populares. Com isto, desencadearam-se forças que tiveram que expor suas diferenças e possíveis aproximações para se unirem e tentar resolver os problemas. Embora ambígua, esta situação revelou certo potencial transformador e a possibilidade de criação de outros parâmetros de organização coletiva para o encaminhamento de questões também coletivas. Tratava-se de dar visibilidade aos enfrentamentos e contradições e não a busca de um equilíbrio entre o Estado, projetos e os movimentos sociais, na obtenção apenas de políticas públicas. Mas fomentar a visibilidade dos conflitos no acesso aos recursos públicos, da relação dos sujeitos com o Estado, enquanto possibilidades da emergência 156 de forças instituintes102 que resistem às normalizações, às moralizações, à lógica do mercado/emprego que foi imposta, e à velha estrutura estatal autoritária, permeada pela burocracia, distante e não apropriada pelos cidadãos. Lutas que visam à libertação do confinamento que as pessoas se encontram, à mercê das tentativas de integração social subordinada. Na primeira avaliação do MinC, a ação Agente Cultura Viva foi considerada um imenso fracasso (BRASIL. MinC/IFP, 2006a). No entanto, o Instituto Paulo Freire (IPF, 2007), também com o apoio do MinC, constatou e registrou toda a riqueza desse processo de participação dos jovens Agente Cultura Viva. Esse conteúdo, porém, não foi disponibilizado, nem editado como se previa. O IPF propôs nesta época a realização de um seminário para discutir esse processo e a partir disso construíram um questionário que foi respondido por 130 Pontos. A partir daí foi realizada outra avaliação para pautar o debate e pensar questões comuns no que se referia à participação dos jovens. Dentre outros, esse estudo criticava e destacava como a questão da juventude passou a ter uma leitura muito instrumental, em que os jovens apareciam como ícones para se romper a violência, à mercê de questões relativas à questão do trabalho para essa faixa etária, sem, contudo, mencionar questões pedagógicas programáticas que permitiriam a efetiva participação e uma formação integral. Além disso, o IPF foi contratado para construir conjuntamente com os Pontos de Cultura o conceito de Gestão compartilhada e colaborativa, por meio de debates sobre participação política e sobre planejamento participativo, o qual surgiu posteriormente como demanda dos Pontos. Foram realizadas uma série de oficinas, no entanto, esse processo não se concretizou devido à fragilidade da estrutura do MinC, em diversos aspectos, sobretudo para viabilizar o contato com todos os Pontos. Isso aconteceu no âmbito dos Encontros da equipe do programa de Cultura Digital, já agendados, invibializando a concentração no trabalho proposto pelo IPF. Para aproveitar a reunião das pessoas que se deslocaram para os Encontros Regionais, e, portanto, propiciar a otimização de recursos, o IPF acabou “disputando a atenção daqueles que ali estavam para operar mídias e não para debater e participar de dinâmicas para a reflexão e construção do conceito de Gestão compartilhada” (Vilutis, 102 O conceito de instituinte refere-se aos processos emergentes que levam à renovação da vida e das relações institucionais. O instituído refere-se ao que está estabelecido e institucionalizado. Estes conceitos derivam do grupo de teóricos do grupalismo e institucionalismo. Vide Lourau in Altoé (2004). 157 entrevista concedida, 2009). Embora muitos problemas tenham ocorrido, os dossiês do IPF revelam caminhos que apontam uma reversão na nossa tradição no fazer das políticas culturais: “a participação chegando mais perto da sociedade, a inversão do sentido para elaboração da política pública cultural” (IPF, 2006a, p.62). Destacamos que esta é uma nova perspectiva neste âmbito e demonstra a importância de um programa como o Cultura Viva para uma nova organização dos sujeitos na elaboração da materialidade de sua criação cultural. O Instituto Paulo Freire constatou ainda que, em alguns Pontos de Cultura, houve experiências em que o auxílio financeiro foi trabalhado coletivamente como meio para acessar a atividade produtiva e a organização social dos jovens. Assim, a compreensão do trabalho de forma reduzida ao emprego foi uma tônica identificada muito fortemente em todos os materiais gerados para orientar a formação do jovem Agente Cultura Viva por parte do MinC, bem como em seus informes e documentos. O foco dessa atividade voltado à sua relação com o mercado representava a característica central do discurso dessa ação. No entanto, a avaliação da ação Agente Cultura Viva revelou que apenas 2,8% do total dos jovens conseguiram ingressar no mercado de trabalho. Muito diferente da lógica do emprego formal, com base nas relações de capital e trabalho, essas iniciativas estiveram centradas no processo produtivo e criativo e na aprendizagem resultante desse processo e das relações estabelecidas a partir dele. Ao alterar a perspectiva do mercado de trabalho para o mundo do trabalho, a dimensão da práxis pedagógica ganha ainda mais sentido e conecta o processo produtivo à dimensão criadora. Assim a qualificação de jovens realizada por meio da ação Agente Cultura Viva ofereceu elementos que proporcionaram o desenvolvimento de linguagens artísticas e a orientação profissional dentro do campo da cultura, mesmo que não viesse a estabelecer vínculos formais de trabalho. Assim, constatamos a relevância da criação cultural para garantir sentido à vida e oferecer meios para a sociabilidade e a organização política, foi o que sobressaiu. Mas, por todos os problemas enunciados, Ação Agente Cultura Viva foi extinta, assim como a parceria com o MTE, desvinculando o recebimento do valor monetário, as bolsas. Assim, desde 2006, os editais para os Pontos de Cultura não contemplaram o Agente Cultura Viva. Todavia, os Pontos do primeiro edital continuaram trabalhando com os jovens, vinculando-os a atividades artísticas e 158 educativas, sendo que a Ação Cultura Viva somente foi reeditada em 2009, como veremos a seguir. 4.3. Fase II: a reedição de uma experiência Somente no final de 2009, retomou-se por meio de um edital em formato de “Bolsa Agente Cultura Viva”, reeditando, de certa forma, a visão integrada dos projetos que compuseram essa ação desde o início. Deste modo, consideramos que os inúmeros problemas da edição anterior, bem como a organização política dos Pontos para exigir a extinção do convênio com o MTE e a avaliação realizada pelo IFP foram importantes para a reformulação da Ação Agente Cultura Viva. Além disso, um dos pressupostos importantes a serem considerados no apoio e no financiamento das políticas culturais é o fomento e o estímulo do potencial articulador das diferentes ações de um programa, promovendo dinamicidade e articulações variadas. No caso do Rio de janeiro, grande parte dos 72 Pontos de Cultura primeiro edital, por exemplo, mantiveram o desenvolvimento dos projetos com os jovens da primeira experiência de conveniamento, cujos vínculos foram consolidados diante da identificação com as diferentes propostas artístico-culturais realizadas, apesar dos inúmeros problemas relatados. Assim, em 2010, foi divulgado o resultado do edital de 2009: 90 projetos foram habilitados, dos quais 86 selecionados, em que o foco foi o do protagonismo juvenil, empoderamento social e o desenvolvimento pessoal de quatro jovens para cada projeto na faixa etária de 15 a 29 anos envolvidos em uma das ações do Programa Cultura Viva. Gráfico 5 - Bolsa Agente Cultura Viva Centro-Oeste 7 8% Sul 7 8% Norte 12 13% Nordeste 40 45% Sudeste 23 26% Fonte: Fonte: Mapas da Rede IPSO. 2009. Adaptação da autora. 159 A região nordeste, conforme se observa no gráfico 5, apresenta o maior índice de projetos: 45%, com 40 propostas aprovadas ao todo, seguido da região o sudeste com 23 projetos correspondente a 26%. Em terceiro, encontra-se a região norte, com 12 projetos e 13%. Com o mesmo número de projetos, temos a região sul e centro-oeste, com 7 projetos e 8% para cada região. Em comparação com os dados do conveniamento anterior, neste edital os resultados foram apresentados de forma diferenciada, invertendo, pelo menos parcialmente, a lógica de que o Sudeste sempre tenha o maior número de propostas. A abordagem das experiências analisadas neste capítulo, embora tenha iniciado com a participação dos jovens nos Pontos de Cultura, cujo papel tem sido efetivamente importante neste processo, são consideradas também como fundamentais a ação de outros sujeitos nos processos de criação, caracterizados pelos adultos, crianças e os idosos, chamados neste estudo de “mais velhos” participantes dos Pontos. Esta configuração envolve, portanto, relações intergeracionais que remetem ao passado, ao presente e também ao futuro baseadas em um fazer e em criações coletivas. Deste modo, para situarmos como estes projetos se concretizam, ressaltando as possibilidades de experimentação e afirmação dos próprios sujeitos e da sua pluralidade, a seguir apresentamos a experiência no último edital de seleção de jovens, em 2009, no Centro de Cultura e Educação Lúdica da Rocinha103 (Centro Lúdico). O processo de seleção compreendeu a elaboração de uma redação, e uma dinâmica sobre temas relacionados às linhas desenvolvidas pelo Centro Lúdico, bem como a sua ligação com outras ações comunitárias. Compareceram para o processo seletivo, atendendo à chamada pública, conforme determinava o edital do MinC, que também foi veiculada através de cartazes em espaços públicos e rede virtual através do 103 Este Ponto de Cultura origina-se do Projeto Rede Brincar e Aprender, um projeto do Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância/CIESPI em parceria com ações de quatro comunidades do Rio de Janeiro, Horto, Rocinha, Santa Marta e Mangueira de Botafogo, promovendo atividades não formais de apoio à educação infantil por meio de atividades lúdicopedagógicas. Especificamente na Rocinha, este projeto reabriu a Brinquedoteca Peteca, em 2002, que foi criada pela organização não governamental CAMPO - Centro de assessoria ao movimento popular, em 1987 em parceria com a Associação Padre Anchieta/ASPA que atua na Rocinha desde 1963. O Ponto de Cultura, Centro de Cultura e Educação Lúdica da Rocinha se concretiza a partir destas experiências, em que a ampliação da parceria teve como novo desafio a construção, de forma coletiva, de um espaço de discussão e ação que valorizasse a história, a memória, a cultura e a prática educacional da Rocinha tendo a ludicidade como eixo. 160 BLOG do Centro de Cultura e Educação Lúdica da Rocinha, com a seguinte chamada/texto criado e redigido pelos jovens104 do Pontos de Cultura, como segue: O QUE É O QUE É O CENTRO DE CULTURA E EDUCAÇÃO LÚDICA DA ROCINHA?! É NEXO OU COMPLEXO? É SÉRIO OU É BRINCADEIRA? É ANTIGO OU É NOVO? Você jovem, morador da Rocinha, com idade entre 15 e 29 anos, está convidado a participar do encontro de seleção de jovens Agente Cultura Viva. O encontro será realizado no dia 14 de outubro (quarta-feira), ás 10:00 h, no Adolescentro (Prédio Dr. Rinaldo de Lamare 12º andar). Obs: Nesse dia traga sua resposta à adivinha! O Objetivo desta convocação foi o de criar uma rede de comunicação lúdica entre crianças de diferentes localidades da Rocinha por meio da realização de “oficinas brincantes”. Configurou-se como um convite a brincar, a inventar, a contar histórias, a criar e recriar brinquedos e brincadeiras, a comunicar seu cotidiano de desejos, referências, lembranças, aprendizados, criações e invenções. Experimentações e experiências que contemplam o novo e o imprevisível, algo fundamental para abrir espaço para a construção de sociabilidades e a valorização das potencialidades e saberes locais. Os principais pressupostos deste Ponto de Cultura compreendem que, enquanto ações planejadas, os projetos exigem certa previsibilidade, porém a esfera da arte e da cultura está no campo do imprevisível e do não direcionamento ou imposição. Assim, as trocas e experiências movem as ações que estão sempre em transformação, de onde surgem outras criações que, irrompem algumas dificuldades, que muitas vezes não trazem resultado imediato, mas são do âmbito do desenvolvimento processual de médio e longo prazo. Ações diferentes daquelas esperadas e passíveis de controle, e que geralmente não tem impacto mensurável, mas incidem na formação do sujeito, dão sentido à vida e ao coletivo. 104 Estes jovens são oriundos da seleção do primeiro edital em 2005 e permaneceram mesmo após a extinção da bolsa vinculada ao MTE. Durante o ano de 2010 foram realizados encontros de trocas e debates entre os grupos de jovens do Centro de Cultura e Educação Lúdica da Rocinha e Adolescentro Paulo Freire/RAP da Saúde. Como síntese desses encontros foi pensada a exposição “Brinquedo vira rua, rua vira brinquedo” com o objetivo de apresentar as ações e propostas desenvolvidas pelos grupos de jovens; criar um espaço de debate que promova uma troca de conhecimentos sobre saúde e cultura com o foco na primeira infância e abrir um debate sobre a possibilidade de criação de um espaço lúdico para crianças e pais tendo jovens como mediadores. 161 Todavia, o que é novo e incerto, geralmente assusta e angustia, sendo invariavelmente repelido. A diferença, assim, reverbera enquanto não é trazida para o visível, pois a cada vez que incorporamos uma diferença, nos tornamos outros e ampliamos as perspectivas de crescimento e de articulações. Constitui-se um debate que nos remete às experiências tratadas neste estudo, mas também relacionadas à questão da alteridade e do reconhecimento de outras culturas, que até então foram mantidas fora do campo das políticas públicas. O processo de criação, portanto, é indeterminado, está submetido ao acaso, à liberdade e à imprevisibilidade, em contraposição à falsa segurança dos conceitos, classificações, modelos, roteiros, e processos rígidos e propensos a se converterem em dogmas. Assim, nos reportamos a Benjamin e a sua concepção de história aberta, assim como Foucault que visava a libertar o presente das sucessivas interpretações e determinações que davam sentido a determinadas épocas. Outra perspectiva é a da atenção para que não se confunda liberdade e emancipação humana com liberdade necessária ao liberalismo econômico. Portanto, a importância do tempo presente está aliada ao processo histórico, a força de algumas determinações e imposições estruturais, principalmente em contraposição à ansiedade moderna de impor o futuro às demais temporalidades e, sobretudo, sobre a experiência compartilhada. Deste modo, situamos o contexto da experimentação e da experiência, que é diferente do caráter de tipificação e conservação na área cultural, para enfatizar a formação artística experimental livre, em que a cultura é o fim em si mesmo. Algo relacionado à disponibilização do acervo de brinquedos artesanais criados e confeccionados pela equipe do Centro Lúdico para crianças, jovens, adultos e os mais velhos moradores das diversas localidades da comunidade através de oficinas brincantes, que integram também os saberes de tradição oral, aprendidos na convivência com os mestres griôs por meio da proposta Rocinha ontem e hoje:histórias brincantes, denominação do projeto da Ação Griô deste Ponto de Cultura105. Com base em uma metodologia participativa e aberta, articulamos o brincar como um campo de desafio, de experimentação, de transformação em que regras podem 105 Os demais Pontos de Cultura na Rocinha são: ‘Ponto de Cultura Projeto de Cordas da Rocinha’ da Associação Coral Jovem Adventista do Rio de Janeiro; ‘Ponto de Cultura Rocinha em cena musical’ da Associação Cultural Professor Hans Ulrich Koch (Escola de Música da Rocinha) pelo edital do governo estadual em 2008, além de um Ponto de mídia livre, que foi um prêmio recebido pelo ‘Programa Rocinha Hip Hip Blog GBCR’ do Grupo de Break Consciente da Rocinha (GBCR) via edital de junho de 2010. 162 ser revistas, ideias revisitadas e ampliadas para diferentes âmbitos como uma forma singular de convivência. Trata-se de um campo fértil de investigação, de descobertas e aprendizados, o que supõe respeito ao tempo e ao saber do outro, além da mistura e diálogo entre diferentes perspectivas, ainda que muitas vezes conflitantes. Deste modo, consideramos equivocado reduzir a ação artístico-cultural a sua instrumentalidade, colocando de antemão a obrigatoriedade da produção de determinados resultados, viabilizando o espaço e a abertura para os processos mais livres e autônomos. Portanto, as preocupações relativas a algumas questões, tais como serve para quê? ou que pretendam apenas a inclusão de um público considerado “excluído”, na verdade, muitas vezes o desrespeita, podendo instaurar processos de autoridade, controle e imposição de saberes e modelos, em que se pensa o que é “certo” para outros fazerem. Isso também nos remete à proposta, muito comum nas políticas públicas, de prioridade para determinados públicos, que poderia operar simultaneamente com objetivos claros e planejados com vistas a incorporar também os demais, de maneira processual, em vez de ignorar ou descartar outros públicos que também tem direitos conquistados, com base na perspectiva de universalidade dos direitos garantidos pela Constituição Federal de 1988. Deste modo, como resultado de um longo e difícil processo da primeira experiência com os jovens na Ação Agente Cultura Viva106, no início da vigência do Programa Cultura Viva foi concretizado o Mapa-jogo: No caminho, uma Rocinha Lúdica. Este brinquedo foi criado junto aos jovens Agentes Cultura Viva ao final de 2007 com base no levantamento sócio cultural realizado na Rocinha por eles por meio de caminhadas e conversas com moradores. Este jogo de trilha criado coletivamente com a participação dos jovens e adultos na identificação de histórias e informações que compuseram o formato e conteúdo final, com o apoio de Vicente Barros, professor da 106 Inicialmente, no projeto enviado ao MinC, o número de jovens participantes era de 25, contudo, após o início do projeto foi solicitado que este número aumentasse para 300, para colaborarmos com o escoamento das bolsas do Ministério do Trabalho, o que não foi aceito pelo Ponto, que aceitou aumentar para 50 o número de participantes. Os jovens participantes do Ponto de Cultura Centro Lúdico, em sua maioria, desligaram-se após o término da vigência da bolsa. Todavia outros identificaram-se com a proposta e permaneceram no projeto até a presente data. Outros ainda, mantêm contato esporádico e encontram-se cursando universidade ou trabalhando. Os jovens que permaneceram já participaram de várias outras ações sociais e culturais, sendo um deles coordenador de um grupo de jovens ligado à secretaria de saúde do governo municipal, além de terem escrito projetos e ações em que assumem a responsabilidade da realização. Estas propostas são dialogadas com a equipe do Ponto que opina e apoia no encaminhamento das ações, porém são ideias gestadas e baseadas na experiência vivenciada por eles no Ponto. 163 PUC-Rio e participante do Ponto. O Mapa-jogo tem como tabuleiro o mapa da Rocinha; um jogo participativo no qual não existe um número pré-determinado de participantes, nem existem ganhadores ou perdedores. Os participantes da brincadeira percorrem a trilha formada por casas de diferentes cores e, de acordo com a cor da casa onde param, retiram cartelas que indicam histórias e causos da Rocinha, brincadeiras populares, saberes de tradição oral, cantigas, adivinhas e parlendas. Esse é um jogo em aberto, pois outras cartelas podem ser acrescentadas e novas regras podem ser criadas. A história de sua criação confundese com a história do Ponto de Cultura, pois todas as informações e experiências vividas desde o início do levantamento sócio-cultural estão contempladas neste brinquedo, que é utilizado em brincadeiras com todos os públicos, crianças, jovens e adultos. Deste modo, as atividades envolvem o processo de registro das histórias locais em diferentes formatos e com informações dos espaços da comunidade, dos relatos dos moradores, que vêm sendo incluídas nas cartelas do mapa-lúdico criado no Ponto de Cultura, além de interagir com as diversas ações realizadas nos Ponto: (...) AGF: é bom lembrar que em 2007, já desenvolvíamos o projeto da Ação Griô de tradição oral, apoiada pelo Ministério da Cultura. Tentávamos identificar e mobilizar moradores mais antigos de diferentes áreas para contar histórias de como era a Rocinha tempos atrás, a partir da ludicidade. Nessas prosas Griô, com café e bolo, os mais velhos falavam sobre as brincadeiras dos seus tempos de meninos. Era jogo de bola, patinete, ciranda, descidas de rolimã que se emendavam, nas recordações, às corridas de baratinha na estrada da Gávea que faziam sucesso nos anos 1930. A partir dessas histórias e de outras do Varal de Lembranças107 criamos o Mapa-jogo: no caminho, uma Rocinha lúdica. A idéia do jogo é conhecer a comunidade fazendo um percurso lúdico, visitando as diferentes localidades (Segala, Firmino. 2010, texto no prelo, grifos nossos). Ou ainda: (...) É um dos objetivos do mapa-jogo fazer com que a criança interaja com os pais. Quando a equipe pergunta para criança onde você mora? E a criança não sabe 107 Livro organizado por moradores da Rocinha (Varal de Lembranças) e Segala editado em 1984 com entrevistas com redes diversas de moradores. “O trabalho, que se desdobrou no livro, surgiu na minha sala de aula, da Escola comunitária da ASPA, em 1977. Nos livros da escola não encontrávamos qualquer referencia às favelas da cidade nem à Rocinha. Os textos disponíveis quase sempre descreviam esses ‘aglomerados’ pelo viés da patologia social: favela era câncer urbano, espaço social ‘onde reina a contravenção e a vagabundagem’. Tratamos então de ouvir as versões dos moradores sobre a ‘história do morro’, desmontar, pelo confronto de dados, as sentenças preconceituosas da história oficial, investir na afirmação de uma nova identidade social não estigmatizada. Esse exercício compilatório mobilizou muito rapidamente os alunos, suas redes de relações, membros da diretoria da Associação de Moradores- União Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha (Segala, Firmino, 2010, no prelo). 164 responder, a gente fala: quando você chegar em casa pergunte ao seu pai, sua, mãe ou qualquer outra pessoa onde você mora aqui na Rocinha. Assim, estamos provocando um diálogo entre a criança e a família, e temos visto resultados positivos. Ao retornarmos com a turma na semana seguinte, eles já sabem se localizar. Esse é o ponto de partida para as conversas entre griôs e crianças. Levamos a proposta de trabalharmos com outras turmas onde buscaremos realizar um trabalho a partir da indicação da própria criança e da valorização da família dentro da ação griô: saber se na família tem um cantor, uma bordadeira. Que saberes e fazeres existem na sua família? (Roda de prosa com os professores, 14/04/10). Assim, em decorrência destas experiências e aprendizados, no projeto enviado em 2009, e em curso ao longo do ano de 2010, Os Arautos brincantes108, apresentaram o acervo de brinquedos criados até então109, propondo experimentações por meio do universo das brincadeiras populares, aliando diversas formas de comunicação entre as crianças. Cartas, desenhos, bilhetes, objetos, pequenas lembranças são como conexões, desenhando, em seus passos e gestos, um novo mapa da Rocinha, ampliando o acervo artesanal e reinventando espaço e tempo como se constata: O projeto Arautos Brincantes propõe transformar e transportar os jovens Agente Cultura Viva a um tempo onde as notícias distantes eram levadas e anunciadas através da figura dos arautos. Apresentam-se na Rocinha como Arautos Brincantes - que anunciam e propõem a comunicação entre crianças das diferentes localidades da comunidade com proporções e complexidade de cidade. Duas moças e dois rapazes. Saias e aventais serão seus figurinos com bolsos coloridos que guardarão notícias e presentes. Nas mochilas e bolsas, seguirão os brinquedos do acervo a serem compartilhados e redescobertos por cada grupo visitado. Adereços coloridos reforçarão o convite a conhecer esses curiosos personagens andarilhos Como atuar e por onde andar? Andarão por ruas, becos, vielas e escadas alcançando espaços onde se encontrarão com grupos de crianças. Circularão pela comunidade como se atravessassem o tabuleiro do jogo de trilha já criado no Ponto (Projeto Arautos, 2009/2010). Os jovens arautos, portanto, vislumbram uma rede brincante de comunicação entre as crianças dessa comunidade-favela-cidade tendo, como elos e estímulos a vontade de comunicarem-se, por meio das trilhas lúdicas da Rocinha, “levando em seus 108 Este projeto inclui-se também no eixo Educação e Memória e no eixo entendido pela equipe como Criação Estética. Nesse eixo inclui-se a criação e ampliação de um acervo de brinquedos artesanais singulares e únicos, que são a marca do Centro Lúdico e a materialização da metodologia proposta. 109 Os 19 brinquedos do acervo do Centro Lúdico foram criados em momentos diferentes e com metodologias participativas criadas e recriadas, no âmbito do projeto Rede Brincar/CIESPI e do Ponto de Cultura com a interação de diversas pessoas, conforme detalhamento no apêndice 8.6, deste estudo. Inicialmente criados em parceria com Vicente Barros professor do Departamento de Design PUC-Rio, e as bordadeiras Lena e Maria da Paz (Grupo da Rocinha: Mulheres Solidárias Confecção e artesanato). O Mapa-jogo Vassouras/Pinheiral e o brinquedo jogo Paraty/Quilombo/Rocinha em processo de construção são apresentados e analisados no item 4.4.2 deste capítulo. 165 bolsos gestos, palavras, escritos, objetos, histórias, cantigas, brincadeiras que anunciam e revelam as crianças da Rocinha em seus desejos, peraltices e invencionices” (Projeto Arautos, 2009/2010). A proposta dos jovens arautos é aberta para criações que, a partir dos brinquedos já construídos, abrirão canais de expressão e liberdade para novas ideias e atividades. A proposta é de uma ação contínua que se renova em suas diferentes possibilidades. Assim, os jovens conduzem as atividades, incentivam-nas e as mantêm por meio da experimentação nos diferentes lugares e formas de utilização. Destacamos que esta postura tem despertado nos jovens o interesse em pesquisar novos instrumentos relacionados à atividade de criar, recriar, modificar e propor formas inventivas de convivência, principalmente por estarem com crianças como Arautos Brincantes realizando oficinas em diferentes locais da Rocinha, o que permite a experimentação e ampliação de seus próprios conhecimentos, enquanto sujeitos ativos no espaço comunitário. A construção e o planejamento das ações envolvem o debate com o grupo, que, neste caso, se iniciou pelas questões territoriais, devido à amplitude da Rocinha e às diferentes áreas que a compõem, a dificuldade de se conhecer a Rocinha como um todo devido a sua dimensão territorial, a importância da comunicação entre os moradores dessas áreas, a importância de dar visibilidade às diferenças entre essas áreas no que diz respeito à qualidade de vida e ao cotidiano das crianças moradoras, a importância de criar espaços de expressão e canais de comunicação e conexão entre diferentes grupos de crianças, por meio da ludicidade, dos brinquedos e figurinos que compõem o acervo do Centro Lúdico. Nesse processo, a caminhada pela comunidade foi fundamental para encontrar e conversar com as pessoas e com as crianças, para somente então compor a forma final das ações de acordo com a realidade e o que foi encontrado. Algo que não é muito comum nos projetos e políticas públicas em geral, principalmente quando se considera que os técnicos e profissionais tem um saber110 que dispensa interações, o que não é verdade. Isto supõe certa desconstrução do papel do profissional enquanto alguém que 110 Com relação ao poder inerente ao saber, por exemplo, nos referimos ao papel do intelectual, que não deveria ser o de revelar a verdade às massas como se elas fossem inconscientes, ou falar em seu nome. O intelectual pode contribuir para que o saber daqueles que lutam não seja obliterado pelas práticas de poder. Não se trata também de traduzir práticas, mas considerá-las singulares, locais e não totalizadoras (Foucault e Deleuze, 2008), vislumbrando possibilidades de questionamentos do instituído, do imposto, dos poderes que dominam e fazem obedecer. 166 detém um saber superior, o que não dispensa o estudo e as reflexões, mas em composição com as reflexões, saberes e o aprendizado que ocorrem nas práticas e nos diferentes lugares. Assim, foram registradas as mudanças na Rocinha, que tem acontecido muito rapidamente, pois devido às obras do PAC111, os espaços já estão diferentes da ocasião em que foram realizadas as caminhadas de reconhecimento. Os jovens fizeram, a partir desta experiência, uma apresentação em PowerPoint para o grupo, demonstrando o que encontraram e a partir deste levantamento para pensar e planejar as ações do projeto. O exercício de criação, portanto, não corresponde necessariamente ao estabelecimento de significações, explicações ou interpretações que pretendem revelar verdades, mas abre perspectivas de alternativas de ação construídas de forma coletiva e dialogada, respeitando as dinâmicas do lugar e a pluralidade cultural, sem julgar as diferenças de antemão. Deste modo, derivou desta primeira ação do projeto, o reconhecimento da Rocinha e dos locais que pudessem vir a comunicaram-se por meio da identificação dos espaços em que as crianças brincavam e “como” brincavam. Durante as caminhadas, a Rocinha foi delimitada para uma melhor organização das ações, cujas impressões foram socializadas um uma reunião coletiva e apresentação do que mais chamou a atenção dos jovens. Passamos pelas áreas da comunidade para conferirmos onde as crianças brincam ou tentam brincar, encontramos algumas áreas com bom acesso para todos (...) mas muito sujas, ou estavam ocupadas com alguma atividade ou projeto comunitário. Outras bem limitadas ou sem nenhuma área de lazer. (...) Devido à força maior (podíamos brincar mas sem registro fotográfico) (...). (Jovem Agente Cultura Viva, 2010, relatório de atividades Ponto de Cultura Centro de Cultura e Educação Lúdica da Rocinha). Deste modo, a realização de um projeto envolve flexibilidade para mudanças durante sua execução, devido, principalmente, à atuação direta com pessoas em uma comunidade. Em conversas com os jovens, constatamos que a falta de lugares pra brincar é uma perspectiva dos adultos, pois as crianças veem espaços para brincar e se 111 Moradores da Rocinha fizeram várias reuniões nas dependências da Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem para debater as formas de acompanhamento das obras de reurbanização do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal em parceria com o governo estadual, em 2009 e 2010. Uma das pautas foi a cultura local, cuja "tabela de desafios e ações propostas" aprovada por representantes da Rocinha foi distribuída aos presentes, contendo uma lista denominada RESULTADOS PRIORIZAÇÃO CULTURA, que enumerou como meta um Banco de Talentos, o Museu da Rocinha, Rocinha Cine e cursos profissionalizantes, em ordem de prioridade. Centros Culturais, Cultura para a Terceira Idade e valorização local foram apresentados como desafios de prioridade média (www.rocinha.org.br). 167 apropriam deles inclusive como desafio. Todavia, permanece invisível a necessidade de espaços para atividades simples e fundamentais como o brincar, denotando que os problemas do cotidiano não são considerados como questões importantes para a maioria da sociedade e dos governantes. Afinal, isto exigiria o enfrentamento do sistema vigente baseado na descartabilidade da vida, a desconsideração dos direitos básicos como estes, tão fundamentais ao desenvolvimento de qualquer criança. Em uma das atividades de reflexão sobre as inúmeras “andanças” neste projeto, destacamos: (...) recordei uma atividade que os Arautos fizeram na Macega (um dos locais mais pobres da Rocinha), no qual chegamos para conhecer e em poucos minutos estávamos brincando com as crianças, pois nos convidaram para conhecer o que eles faziam, e no dia que voltamos para mostrar nosso trabalho apenas dois pequenos nos receberam muito bem e começaram a mexer nos brinquedos artesanais que levamos. Quando nos demos conta, tinham 16 crianças conosco. E o interessante é que eles tomaram a iniciativa de chamar os colegas, de inventar novas brincadeiras com o que a gente tinha levado. Parando para pensar e relacionando com a viagem a Paraty, as crianças do Quilombo me fazem lembrar essas crianças da Macega, a forma como nos acolheram e as brincadeiras que nos ensinaram, e nossa bagagem voltou não só cheia, mas transbordando de coisas novas (Agente Cultura Viva, grupo focal Ponto de Cultura Centro Lúdico, 2010). Ousamos afirmar, inspirados por Benjamin (1994), que a aura112 presente na arte se materializa em fagulhas cotidianas, em espaços jamais imaginados ou “autorizados” pelas forças hegemônicas, pois a despeito das desigualdades, o brasileiro reconstrói o que chamamos de realidade, com uma sutileza única, conferindo novos sentidos, criando e se recriando. As práticas dos Pontos de Cultura, no âmbito das políticas culturais, instigam diversos questionamentos relacionados à cultura e à arte enquanto direito, e o seu lugar na sociedade. Ao não se restringir este direito a uma mera instrumentalização das técnicas e métodos com fins ditos “inclusivos”, evitamos a concepção reificadora e pragmática que ignora o tempo processual do desenvolvimento do potencial humano, 112 Para Benjamin, o culto era a forma primitiva da inserção da obra de arte na tradição, sendo que as primeiras obras de arte, embora não reconhecidas como tais pelos membros dessas comunidades estavam a serviço de um ritual mágico ou, posteriormente, religioso. Para Benjamin a função ritual da obra de arte é indissociável da sua forma de ser aurática, reconhecendo uma nova forma de percepção caracterizada pela extração do objeto do seu invólucro, a capacidade de reconhecer “o semelhante no mundo” que, por meio da reprodução, consegue fazê-lo no fenômeno único (Benjamin, 1994, p. 170). Desde que os critérios de autenticidade não são mais aplicados à arte, a sua função social muda profundamente: não é mais ritual e sim política. Para Benjamin, se a técnica se transformou em instrumento de opressão e destruição, isto não se deve à técnica em si, mas à sua apropriação pelo capitalismo. 168 sobretudo, quando se pensam ações exclusivas para as classes de baixa renda, evitando também a produção e a reprodução histórica apenas do fracasso, da falta e da carência. E o mais grave: desconsiderando saberes, práticas e culturas. Estas reflexões articuladas como que foi abordado no segundo capítulo deste estudo, acerca do papel da cultura e da arte na sociedade capitalista moderna e contemporânea, e sem incorrer em dicotomias entre o erudito e o popular, levam a nossa perspectiva de análise: os Pontos de Cultura estão inseridos em contextos plurais e avançam nessas fronteiras delimitadas por padronizações e imposições hegemônicas. Como base para criar e recriar seu repertório, o cotidiano, a vida e sua dinâmica são terrenos férteis, operando processualmente transformações no modo de produção material e simbólico da sociedade. Num paralelo com o período da primeira metade do século XX, a proposta de politizar a arte servia como um contraponto à estetização da política fascista, fazendo com que Benjamin (1994) intercedesse pela reprodutibilidade técnica e pela eliminação do conceito de originalidade no âmbito da arte. No Brasil, como já abordamos, a politização da arte se deu em período similar, em oposição a regimes conservadores e que criticavam o capitalismo e o caráter instrumental atribuído a cultura e a arte. Posteriormente, no século XXI, o contraponto da cultura e da arte está no embate com as sutis fronteiras da mercantilização, que desfigura, homogeneiza, captura, mas também induz à afirmação de subjetividades plurais, utilizadas como justificativa para que, mais uma vez, a cultura seja vista essencialmente como meio de incutir doutrinas, bem como a sua manutenção. Contudo, existem também possibilidades relativas à capacidade de subversão da lógica de concentração de riqueza no sistema capitalista, situações que afirmem a capacidade de produção de outras relações societárias, principalmente colaborativas e que levem a maiores contestações das injustiças sociais, enquanto potenciais transformações processuais. Assim, com Benjamin (1994), refletimos sobre a função social da arte, para situar a imanência do plano político e cultural e o que se transforma ao passar do ritual para a práxis política. Há uma condição política da arte e mais amplamente da cultura plural, que, em alguns momentos, se tornam oposições frente a uma realidade hegemônica, e não apenas a reprodução das relações sociais. Isto nos parece crucial para não incorrermos em análises fatalistas e totalizantes que desconsideram e subestimam a capacidade da população, em especial no âmbito da arte e da cultura, que, embora plena de 169 contradições, traz oportunidades de certo olhar visionário, ainda que utópico advindo das manifestações artísticas e culturais. Embora a produção e os movimentos artísticos e culturais sejam, às vezes, contraditoriamente, determinados e determinantes de formas estéticas particulares, nem sempre se reduzem a mero reflexo das condições materiais, embora também sejam derivados disso, como veremos nas reflexões de Benjamin no item três deste capítulo. Isto nos remete a um breve, mas importante aspecto do pensamento de Thompson113 (1989), que abordou a constituição dos sujeitos pelo fazer da classe operária, tanto da história política e cultural quanto da econômica114, portanto, para além de uma produção dos sujeitos derivada das circunstâncias materiais e sociais apenas. As experiências podem transformar a nossa relação com o mundo, e em especial nos Pontos de Cultura, com suas diversas linguagens nas quais existem possibilidades de escolha via experimentação, forjando reflexões e, por conseguinte novas práticas sociais. A ludicidade, o brinquedo e a brincadeira como dispositivos115, dentre outras linguagens e manifestações artísticas e culturais, pode ter um papel libertador, embora também possa ser alienante. Isso se efetiva pelos caminhos do humor, da imaginação, da fantasia e da poesia, levando à descoberta de saídas para a 113 Edward Thompson (1924-1993) trabalhou como professor de adultos em aulas para trabalhadores e sindicalistas, participou com Hobsbawm e Christopher Hill, do grupo de historiadores do Partido Comunista Inglês, abandonando-o em 1956 por não concordar com as posições políticas, tendo em vista a sangrenta repressão do levante na Hungria pelo exército vermelho. Foi ativista do movimento antinuclear na Europa e elaborou, a partir da década de 1950, estudos em que resgata a história das classes trabalhadoras inglesas, abrangendo aspectos pouco estudados até então, nos marcos do materialismo histórico, dentre os quais a experiência histórica na obra A formação da classe operária inglesa, valorizando as tradições, costumes, experiências e modos de vida dos sujeitos sociais. 114 Esta é a tese central da obra A formação da classe operária inglesa em que Thompson (1989) afirma que a classe operária formou a si própria, via suas experiências e tradições culturais, tanto quanto foi formada, não tendo sido gerada espontaneamente pelo sistema fabril ou somente por alguma força exterior, como a revolução industrial. 115 No pensamento foucaultiano (Castro, 2009, Foucault, 1999a; 2001), o dispositivo estabelece a natureza do nexo que pode existir entre elementos heterogêneos, justificando ou ocultando uma prática, ou um modo de funcionamento, podendo lhe oferecer um novo campo de racionalidade, tendo ainda uma função estratégica. Todavia, esta noção remete, em primeiro lugar, a uma rede de relações que se estabelecem entre elementos heterogêneos, como os discursos, instituições, arquiteturas, regulamentos, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas, e o dito e não dito. Os dispositivos sócio-históricos tem uma função estratégica, como Foucault demonstrou ao abordar os diferentes dispositivos sócio-históricos, como o carcerário, o da sexualidade, da aliança entre o saber e o poder, dentre outros. O dispositivo é ainda um analisador e nos permite desvendar situações, e também pode produzir liberdades e ou poderes que são construídos dentro e a partir destes dispositivos. 170 construção de outras realidades/mundos em que seja possível o estabelecimento de relações em que o ser humano não valha pelo que possa ter, ou pelo que possa ser mensurado e comercializado, e que não haja exploração de um ser humano pelo outro. O enfrentamento das tensões, contradições e conflitos, por meio de uma abordagem que remeta a “brincadeiras’, traz leveza, riso e a possibilidade de dizer o “não dito”, abrindo possibilidades de diálogo de questões e situações de perigo com que os jovens convivem diariamente na favela. As dinâmicas que os brinquedos construídos coletivamente no Ponto Centro Lúdico, por exemplo, trazem oportunidades que ajudam a atenuar dificuldades no trabalho com grupos, como a inibição, timidez, desconfiança, inflexibilidade, medo, dentre outros. Isso é especialmente importante em segmentos tão diferenciados como o dos jovens, que se caracterizam por falas lacônicas, gírias e códigos, sobretudo, diante dos adultos. Já em grupos de crianças sempre é encontrada a disposição e espontaneidade para brincar. Em grupos de adultos e mais velhos, num primeiro momento, preservam-se, mas se engajam à medida que as brincadeiras vão permitindo uma soltura e descontração, trazendo memórias e infinitas histórias que são compartilhadas, invariavelmente rompendo possíveis barreiras e criando vínculos. Assim, entre o jovens algumas das “brincadeiras” recorrentes eram: “o projeto vai tirar “fulano” das drogas...” jovem Agente Cultura Viva ou “fulano morreu”, em alusão aos parceiros no projeto “para zoar”, mas também a casos reais, o que muitas vezes ocasionou a conversa e a problematização de inúmeras questões a partir destas experiências, que sempre são densas e marcantes. O lúdico traz possibilidades de mediação de questões ideológicas, ou difíceis de serem abordadas, ampliando perspectivas de elaborações e enfrentamento de inúmeros problemas e questões. Algo muito diferente da angústia trazida pela ciência, que objetiva trazer verdades116 prontas e respostas “verdadeiras”, mas não se resumem a busca de soluções, podendo incidir na análise genealógica, e, sobretudo, apoiar a formulação de problematizações que questionem os determinismos e desnaturalizam os processos construídos e reproduzidos ideologicamente e que mantêm as desigualdades e opressões. Assim, provocar deslocamentos trazendo o inusitado, a partir interação das 116 Os determinismos e a sua incessante produção enquanto “verdades” hegemônicas são questionadas por Foucault e também de forma original por Oswald de Andrade no Manifesto Antropófago, quando afirma: “a verdade (...) é a mentira muitas vezes repetida” (Andrade, 1928, grifo nosso). 171 pessoas e de seus saberes, a cultura passa a ser vista também como um viés importante da vida e não apenas acessória. Isto faz parte da esfera da experimentação que provoca desejo e movimento, e que compreendem a expressão das diversas culturas, cuja dimensão está no cotidiano, confrontando a capacidade/incapacidade e a potência/impotência do Estado e das políticas públicas diante disso. Ou seja, considerar efetivamente a maior participação dos sujeitos e das suas demandas traz um desafio para os formuladores de políticas públicas de cultura. A falta de oportunidades de usufruir e vivenciar experiências talvez explique que o desejo por cultura raramente seja uma reivindicação clara por parte da população. Quanto isto acontece, geralmente se refere à demanda por mais por equipamentos e espaços de lazer, quase como um sinônimo de cultura. Ainda assim, se pensarmos sobre a infraestrutura e os equipamentos necessários para garantir este direito e os demais direitos humanos, constatamos que eles estão assegurados apenas nas Leis. As culturas locais como o jongo, a capoeira, o funk117 e o samba118, dentre outros, historicamente discriminados, que fogem a algo que se pretenda instrumental ou salvacionista, ou apenas palco para eventuais espetáculos de caráter apenas 117 Facina (2010) questiona os estigmas que vigoram sobre a juventude favelada, relacionando a perseguição ao funk enquanto expansão do modelo político que Loïc Wacquant (2008) denomina de Estado Penal, cuja política repressiva substitui o Estado de Bem Estar Social e as políticas sociais de redistribuição dos recursos. Para a autora, está em curso uma política de extermínio de pobres voltada prioritariamente para jovens e pretos, habitantes de favela. “A construção da imagem do ‘traficante’ como ameaça à sociedade, substituindo outros estereótipos, como o do ‘comunista’, cria um novo inimigo que justifica a continuidade da opressão do povo pobre em novos marcos. O próprio termo ‘traficante’, largamente utilizado para nomear o comerciante varejista de drogas que atua nas favelas, superdimensiona o papel dos bandidos locais num comércio internacional que envolve substâncias ilícitas e armamentos que não são produzidos nas comunidades pobres (Facina, 2010, p.3). Como exemplo, temos o recente acontecimento, que em seguida a ocupação de favelas pela polícia no Rio de Janeiro, foi preso um grupo de MCs acusado de apologia ao crime por causa das letras de suas músicas. “Proibidão ou não, o funk é uma expressão cultural e ninguém deveria ser preso por se expressar e cantar seu cotidiano. Essa é opinião do músico Marcelo Yuka” (Jucá, Viva Favela, 17/12/10). 118 O samba sempre foi uma resistência ao controle que impediam a circulação, sendo inteceptado pela cultura de elite e “folclorizado”, além de discriminado. Todavia, Mário de Andrade afirmava, nas primeiras décadas do século XX, que a música popular brasileira era a mais completa, mais totalmente nacional, “mais forte criação de nossa raça até agora” (Mário de Andrade, 1962, p.4). O maxixe, o fado, a modinha e a polca historicamente o antecederam, e o samba que surgia formava conjuntos seresteiros, ‘chorões’, além de inúmeras danças rurais, colaborando para a formação da identidade nacional, preocupação maior na época (Mário de Andrade, 1962). Mesmo cantando a malandragem o samba foi disciplinado, sobretudo, no Estado Novo, que estava em busca de um “povo”, sendo parcialmente capturado para constituir a “mestiçagem”, além de ser absorvido pela indústria cultural que produziu clichês como o da “mulata”, “do povo simpático e cordial”, dentre outros. 172 mercadológico e de “massa119”, nos remetem à importância de espaços e oportunidades para as experimentações artístico-culturais diversas. Espaços que se constituam em trocas, reflexões e criações/produções locais e/ou conjuntas, sem que fosse necessária a utilização de argumentos de segurança pública para implementar e ampliar o direito à cultura. Todavia, os Pontos de Cultura parte do Programa Cultura Viva e do Mais Cultura integram a Agenda Social do Governo Federal, cujas ações são direcionadas, preferencialmente, à população de baixa renda, especialmente jovens das classes C e D, residentes nos Territórios da Cidadania120 e nas áreas atendidas pelo Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania/Pronasci121. Ainda que incorporada desta forma, paradoxalmente, a experiência dos Pontos instaurou mobilizações a favor da ampliação do direito à cultura por ela mesma, ainda que haja certo desprezo pela dimensão cultural na sociedade em geral, e as lutas sejam longas e árduas, por envolverem interesses econômicos, fortes relações de poder e de controle já instituídas. De qualquer modo, estas ações incorporam e viabilizam a manifestação de linguagens culturais, que não tinham lugar na sociedade brasileira, viabilizando, portanto, o estabelecimento de novas relações de poder e ampliação de 119 O conceito de “cultura de massas” a que nos referimos advém da Teria Crítica da Escola de Frankfurt, que remete à indústria do entretenimento e seus mecanismos de fruição por parte da população. Apesar disso, não concordamos que a produção artística popular esteja sempre relacionada a uma expressão alienada e/ou funcional aos interesses mercantis, ainda que, a função indiscutível da obra de arte na “cultura de massas” na sociedade pós-industrial é a de ser comercializada. Contudo, concordamos com Benjamin, que nos reporta a reprodução da obra de arte caracterizada pela extração do objeto do seu invólucro ou “rótulo”, e a capacidade de tornála um fenômeno original. 120 Em 2008, o governo federal lançou o Programa Territórios da Cidadania, que tem como objetivo promover o desenvolvimento econômico e universalizar programas básicos de cidadania por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável. A participação social e a integração de ações entre Governo Federal, estados e municípios são fundamentais para a construção dessa estratégia. www.territorriosdacidadania.gov.br 121 Desenvolvido pelo Ministério da Justiça, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) marca uma iniciativa inédita no enfrentamento à criminalidade no país. O projeto articula políticas de segurança com ações sociais; prioriza a prevenção e busca atingir as causas que levam à violência, sem abrir mão das estratégias de ordenamento social e segurança pública. Entre os principais eixos do Pronasci, destacam-se a valorização dos profissionais de segurança pública; a reestruturação do sistema penitenciário; o combate à corrupção policial e o envolvimento da comunidade na prevenção da violência. Para o desenvolvimento do Programa, o governo federal investirá R$ 6,707 bilhões até o fim de 2012. Além dos profissionais de segurança pública, o Pronasci tem também como público-alvo jovens de 15 a 24 anos à beira da criminalidade, que se encontram ou já estiveram em conflito com a lei; presos ou egressos do sistema prisional; e ainda os reservistas, passíveis de serem atraídos pelo crime organizado em função do aprendizado em manejo de armas adquirido durante o serviço militar. www.portal.mj.gov.br/pronasci/data/pages/ grifos nossos. 173 horizontes, mesmo diante do conflito entre o que passa e o que perdura, sobretudo, pelo fato do programa não ter se consolidado como política pública ainda. Ao buscarmos apreender as contradições nesses processos, importa pensar quais os movimentos e conexões podem nos mobilizar e agregar, sem perder de vista a transitoriedade da vida, dando margem e potência para o porvir, já que o movimento caracteriza o ser humano. Em um paralelo com o trabalho corporal, que muitas vezes traz o desconforto e a consciência do aprisionamento, é o que também ocorre quando um pequeno programa, como o Cultura Viva potencializa diversos movimentos já existentes na sociedade, provocando reflexões e questionamentos sobre a precária estrutura pública que limitam as pessoas, bem como o desenvolvimento dos lugares. Em consonância com Foucault, o poder enquanto um conceito concreto e historicamente determinado aparece e desaparece nas relações de poder e em determinados momentos. Assim, as liberdades são construídas localmente e no dia a dia, sendo necessário aprender a identificá-las, rastreando os dispositivos de poder nos quais estamos inseridos. Como não existe noção abstrata, jamais nos colocamos do lado de fora, sempre estamos envolvidos em situações específicas, dentro dos dispositivos de captura, sempre historicamente determinados. Onde, portanto, as políticas públicas criam dispositivos de poder? Na burocracia, nos critérios de controle de acesso e de permanência. De maneira muito concreta, produz efeitos no corpo das pessoas, que é objeto dos dispositivos das relações de poder. As tecnologias políticas122, um termo foucaultiano, podem ser inferidas para os tecnólogos políticos: os gestores de políticas. A imanência entre poder e liberdade faz com que as relações de poder ora capturem, ora libertem os sujeitos, pois as lutas cotidianas se concretizam em um mesmo plano nos permitindo identificá-las. Deste modo, as liberdades e os poderes são construídos dentro e a partir dos dispositivos, produzindo também autonomia e não somente mais poder e controle. A participação que ocorre por meio de matrizes diversificadas, permite vislumbrar a ampliação das atividades culturais, e do reconhecimento da diversidade, principalmente em oposição a uma tolerância que apenas leva à conformidade. Isto não altera a dinâmica das relações, sobretudo ao se considerar que o outro nada tem a 122 As tecnologias políticas remetem a um complexo conjunto de procedimentos, instrumentos, mensurações e diversos aparatos para padronizar preferências e modos de agir de acordo com determinadas metas programáticas. Foucault (2008, 1999b) contrapõe a visão determinista da tecnologia, mas reconhece o seu papel ao garantir sentido e estabilidade às instituições. 174 acrescentar, referendando, desta forma, as desigualdades. Sentir e compreender que se aprende na interação de um processo requer uma entrega às atividades e uma disponibilidade para elas, o que nos remete à importância das ações culturais e artísticas para o fortalecimento pessoal e coletivo, como constatamos em alguns depoimentos: “Mostramos que simples iniciativas podem mudar o rumo das nossas próprias vidas, numa brincadeira, numa conversa, numa musica, nós podemos descobrir novos horizontes, podem nascer grandes amizades, enfim, descobrimos que nossa própria vida é uma descoberta todos os dias” (Pique Pega Cultural. Boletim dos jovens do Ponto de Cultura Centro Lúdico, 2005-2006). Os textos do boletim dos jovens foram impressos e alguns também foram publicados no blog do Ponto. Compartilhar as experiências e os aprendizados é também mais uma possibilidade de favorecer a construção de uma humanidade baseada em valores, como os da coletividade, do bem comum e outros que contraponham os individualismos, o consumismo, e a competição. Assim, a proposta do trabalho artístico-cultural no Ponto envolve movimento, criação, e a redefinição do que foi planejado em função das inúmeras dinâmicas cotidianas e da relação entre as pessoas, dos encontros e das experiências vivenciadas. Arte, cultura, liberdade e política, desenvolvimento pleno, emancipação humana, trabalho digno e prazeroso podem parecer crenças quixotescas. Mas, para além do favorecimento das questões particulares e privadas, a identificação de problemas e potencialidades coletivas, aliada a não imposição e subjugação, faz com que as pessoas se exercitem nas trocas. Afinal, muitas vezes, inviabilizam-se possibilidades de se ecoar propostas e ideias simples, daí a luta por processos permanentes e contínuos, políticas públicas que permitam o acesso aos meios de criação, fruição e produção artística e cultural, ampliando as possibilidades das pessoas e grupos agirem por si mesmos e lutarem por uma sociedade mais justa e solidária. O contexto histórico cultural e econômico traz diferentes formas de racionalidades e critérios que a própria razão cria para si mesma, Foucault (2008, 2004, 2001) analisa e questiona as concepções criadas pela cultura, muitas delas aprisionantes e excludentes. Assim, considerando que a cultura não leva necessariamente apenas à coesão cultural, mas leva também ao conflito de poderes e à disputa por um lugar no mundo, as possibilidades de construções mais articuladas, que contemplem o todo, podem ser construídas, contrapondo-se à ideia da existência de racionalidades únicas, erudição e moral que colocam a maioria da população “abaixo” de alguns outros. 175 4.4. ‘Entre’ conceitos: problematizações acerca da diversidade e da interculturalidade nas relações de saber-poder Basta começar a ver a cultura como algo que resulta em utilidade e logo se confundirá utilidade com cultura. Friedrich Nietzsche. A diferença tem sido traduzida muitas vezes como incompetência, impotência, incapacidade, e, de certo modo, naturaliza a desigualdade123 como um fato dado. Como, então, rever e superar essa lógica binária vigente que, ao promover uma inclusão excludente, sem que se superem as contradições, impede um pleno exercício de direitos a que todos os cidadãos deveriam acessar? Compreendemos, contudo, que a efetiva transformação requer o enfrentamento da complexa e heterogênea realidade do mundo capitalista, que reproduz incessantemente as desigualdades sociais, o que demanda a participação dos sujeitos políticos e a construção de alternativas de forma coletiva. A afirmação das diferenças pode possibilitar espaços para o efetivo exercício libertário das diferentes manifestações artístico-culturais presentes e criadas no âmbito da diversidade humana, algo além de uma integração, tolerância ou acirramento das desigualdades, mas que, ao contrário, provocam-nos movimento seja de identificação ou indignação para superarmos as formas de mera adaptação dos sujeitos, rompendo com o discurso dominante. Isto estimula diálogo, debate e mobilizações conjuntas em prol do bem comum, sem negar o enfrentamento dos conflitos e a correlação de forças que isto supõe, devido à hegemonia das forças que mantém o conjunto das relações sociais existentes. Afinal, a desvalorização do outro e das diferenças ocorre geralmente sob alguns aspectos como, considerá-los assujeitados às dádivas ou concessões, sem que seja reconhecido o seu protagonismo e direitos, ou enquanto fonte de todo o mal, sujeitos plenos de marcas ou rótulos culturais, ou ainda pessoas “excluídas” a se tolerar. Em muitos discursos a referência à “diferença” apenas justifica as inúmeras imposições para finalmente liquidá-la e afirmar o outro como vítima, culpado, incapaz, vagabundo, réu ou excluído de uma suposta universalidade normativa e padronizadora. Mas, que exige reparação e integração numa suposta sociedade funcional, pois estes outros são 123 No caso brasileiro, a combinação de indicadores econômicos/renda, educação e ocupação com variáveis de cor e gênero, além do processo histórico de negação de dignidade aos exescravos, aumentou a desigualdade social, que não se estrutura isolada das vicissitudes entre as diferenças identitárias e culturais, pois o simbólico é constitutivo do social e dos valores (Vaitsman, 2002), o que de certa maneira legitima os processo de desigualdade. 176 vistos quase sempre como ameaça, o que nos coloca o desafio de substituir idéias totalitárias sem cair em outras. Cabe lembrar que, para Foucault, o poder da normalização se formou e se instalou, sem jamais se apoiar numa só instituição, mas pelo jogo que conseguiu estabelecer entre diferentes instituições e relações de força, estendendo sua soberania em nossa sociedade. Cabe indagar, como o autor aponta nos seus últimos textos, as reais possibilidades dos sujeitos tornarem-se motores de ações políticas transformadoras. Mas, para muito além do viés jusnaturalista em o “Nascimento da biopolítica 124”, Foucault discorre sobre o mercado como a instância suprema de formação da verdade no mundo contemporâneo, definindo por meio da reconstituição do aparato jurídicopolítico o que devemos seguir, obedecer e fazer. Foucault apresenta as formas flexíveis e sutis de controle e governo das populações e dos sujeitos, exercidas por meio das incontestáveis regras da economia do mercado mundializado, muito além das decisões da política tradicional. Governa-se para o mercado. Assim, o desafio consiste na criação de formas de superação destas determinações, que ora reproduzem medidas repressivas, ora assistencialistas de acordo com o momento histórico. Para Bhabha125 (1998) “a diversidade cultural é um objeto epistemológico - a cultura como objeto do conhecimento empírico” (Idem, 1998, p.63). Já a diferença cultural captura o processo de constituição e hierarquização desses significados múltiplos, como explicita: “o problema não é de cunho ontológico, em que as diferenças são efeitos de alguma identidade totalizante, transcendente” (Ibidem, 1998, p.301). Assim, enquanto a diversidade cultural limita-se ao “reconhecimento de conteúdos e costumes culturais diferentes” ou à “representação de uma retórica radical da separação de culturas” a diferença cultural é “um processo de significação, através do qual, afirmações da cultura ou sobre a cultura diferenciam, discriminam e autorizam a “produção de campos de força” (Idem, 1998, p. 63). Para o autor, o conceito de diferença cultural concentra-se no problema da ambivalência da autoridade cultural, que consiste “na tentativa de dominar em nome de uma supremacia cultural”, uma espécie 124 “O nascimento da biopolítica” é o “último curso” de 1978-79 ministrado por Foucault, em que traz uma discussão analítica inusitada, expressa na articulação inovadora entre biopolítica, biogenética e governo econômico de populações. 125 Homi K. Bhabha é professor de Teoria da Cultura e Teoria da Literatura na Universidade de Chicago. É também professor visitante de Ciências Humanas no University College, de Londres. 177 de consenso manipulado que é produzido apenas no momento da diferenciação, contudo, há possibilidades de acolher a diferença “sem uma hierarquia suposta ou imposta” (Idem, 1998, p.22). Compreendemos desta forma, a diferença cultural como produção, sendo construída, não estando “naturalmente” determinada. A ambivalência tem sido a característica das identidades individuais e coletivas, já que a maioria se encontra dividida até mesmo no ato de se articularem num corpo coletivo. Assim, “a diferença cultural é uma categoria enunciativa, não se atendo a noções relativistas ou ao exotismo da diversidade de culturas” (Bhabha, 1998, p.97). Deste modo, o autor se remete a Hall126, em que o conceito de diferença cultural trata da enunciação da cultura, da própria organização das relações de saber-poder, cujo processo é bastante complexo e contínuo, por meio do qual se produzem afirmações, ou práticas discursivas que constituem e engendram diferenças e discriminações. Ao mesmo tempo em que estes processos estão na base da articulação de práticas sociais muito concretas, de institucionalização e de dominação, também se encontram nas práticas de resistência. O conceito de resistência adotado aqui não é essencialmente da ordem da denúncia moral ou apenas da reivindicação de um direito determinado, mas é da ordem estratégica, da criação e da luta. “Eu quero dizer que as relações de poder suscitam necessariamente, reclamam a cada instante, abrem a possibilidade de uma resistência; porque há possibilidade de resistência e resistência real (...) o poder daquele que domina trata de manter-se com tanto mais força, tanto mais astúcia quanto maior a resistência. Deste modo, é mais a luta perpétua e multiforme o que eu trato de fazer aparecer do que a dominação obscura e estável de um aparato uniformizante” (Foucault, 2001, p.407). Todavia, a diferença cultural produz subalternidades e forças, sendo necessário refletir sobre as formas em que a diferença é produzida como desigualdade e subalternização. Neste mesmo raciocínio, com o qual nos identificamos, Canclini (2009) assevera que os modos atuais da diversidade compreendem a transição do multicultural parra o intercultural, pois o multiculturalismo nas últimas décadas do século XX admitiu a “diversidade” de culturas, destacando sua diferença e propondo políticas relativistas que muitas vezes reforçam a segregação. Por outro lado, 126 Stuart Hall (1932), de origem jamaicana, migrou para a Inglaterra em 1951, para prosseguir os estudos. Iniciou a docência em 1957, numa escola secundária frequentada por alunos de classes populares. De 1969 a 1979, foi diretor do CCCS (Center for Contemporary Cultural Studies), em Birmingham, onde tiveram origem os Estudos Culturais. A partir de 1979, atua na Open University, em Londres. 178 interculturalidade remete à confrontação e à mistura entre sociedades, que acontece quando os grupos estabelecem relações e intercâmbios. Assim, ambos implicam dois modos de produção do social. O primeiro, “multiculturalidade” sugere a aceitação do heterogêneo; e a “interculturalidade” implica que os diferentes se encontram em um mesmo mundo, e convivem em relações de negociação, conflito e trocas recíprocos, como veremos no próximo tópico o conceito de interculturalidade crítica. A diversidade não deriva apenas de distintos setores da sociedade que se desenvolvem de formas diferentes, mas também devido às oportunidades desiguais a que tiveram acesso. Portanto, existem diferenças de caráter étnico, linguístico, de gênero, de idade, que não necessariamente estão condicionadas pela desigualdade e outras que estão diretamente relacionadas às desigualdades sociais. Além disso, o autor nos traz importantes reflexões acerca da problematização do termo interculturalidade, quase sempre referente aos indígenas ou a grupos precarizados, embora esteja sendo reconhecido também entre os sistemas econômicos e nas relações políticas internacionais. Assim, ambas as formas de diversidade, as que existem historicamente entre culturas e as geradas pela desigualdade socioeconômica, têm sido afetadas pela variedade de estilos e formas de interação e convivência das culturas que se reduzem na medida em que são capturadas pelos meios midiáticos. Atualmente, diante de inúmeros reducionismos, mas proporcional ao grau de concentração e monopólio da indústria cultural, em especial a editorial e a audiovisual, momento em que as ciências sociais e as políticas culturais de muitos Estados reconhecem a heterogeneidade, contraditoriamente ela sofre um empobrecimento. Ao refletir sobre estas mudanças, Canclini (2009), nos apresenta o que é colocado como necessário saber para ser cidadão atualmente, bem como postula a exigência de uma revisão das antigas políticas do pluralismo cultural, e questiona as ações da escola e da mídia para formar este outro tipo de cidadão. Em estudos sobre as culturas juvenis, em especial alguns resultados da Enquete Nacional de Juventude realizada no México em 2005, uma das provocações utilizadas pelos entrevistadores foi a frase “O futuro é tão incerto que é melhor viver cada dia”. A metade dos entrevistados disse que compartilha o sentido dessa afirmação, e o maior número de desiludidos com o futuro estava nas zonas rurais (65,9%) e nas camadas baixa de renda (54,5%). Constatou-se, assim, que é comum essa perda do sentido histórico e utópico, sobretudo diante da intensidade da comunicação instantânea possibilitada pelas mídias eletrônicas e redes sociais e pela 179 obsolescência planejada dos produtos e das mensagens; a fugacidade das modas, da informação e das comunicações nos chats. Deste modo, a gestão midiática e mercantil do tempo empobrece a experiência do passado e as projeções sobre o futuro, subordinando-os ao imediatismo da contemporaneidade. Por um lado, encontramos mais interesse pela diversidade e pela inovação momentâneas do que pela estabilidade e pela ordem. Por outro, essa decomposição da institucionalidade moderna se manifesta no predomínio dos arranjos informais e dos recursos ilegais nos arranjos cotidianos. Assim, as políticas culturais já não podem ser indiferentes aos lugares e aos meios onde a maioria se informa e se entretém, não sendo possível centrar o debate na diversidade e a democratização social somente na comunicação escrita e tampouco na manipulação televisiva. Torna-se necessário, portanto, ir além das concepções políticas da diversidade centradas nas diferenças pessoais, étnicas e nacionais. Nas declarações de órgãos governamentais do ocidente, os direitos culturais costumam se concentrar no desenvolvimento de potencialidades pessoais e no respeito às diferenças de cada grupo: “proteção do idioma, da história e da terra próprios”, conforme a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e do Instituto Interamericano de Direitos Humanos (IIDH) (CepalIIDH, apud Canclini, 2009). Já os “direitos socioeconômicos” se associam geralmente com o direito ao trabalho, à Previdência Social, à alimentação, à educação, à moradia e com a equidade no acesso a esses bens, além de ampliar a noção de “direitos culturais”, via valorização das diferenças associada aos “direitos conectivos”, ou seja, “a participação na indústria cultural e nas comunicações”. Assim, o direito à diferença é considerado juntamente com o direito à equidade e a participação nas diversas redes de intercâmbios, tendo a cultura, a diversidade e o pluralismo reinventados (Ibid., 2009). A UNESCO, que esteve à frente do processo de aprovação e adesão da Declaração e da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais de 2005, mantém um programa Gerenciamento das Transformações Sociais (Management of Social Transformations - MOST) que utiliza o termo “políticas multiculturais”. Nesse sentido, reconhece-se a diferença, porém, tornando-a funcional a ordem estabelecida. Com ele, a UNESCO realiza estudos sobre temas, tais como as migrações internacionais, as políticas multiculturais e temas urbanos através de projetos com municipalidades de base, consultas e redes acadêmicas. 180 Afirmam ainda que “este programa busca fortalecer os vínculos entre a pesquisa, as políticas e a prática, bem como criar sinergias em estratégia, programas e presença geográfica, enfatizando a inclusão social e a erradicação da pobreza” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA, 2010, p. 1, grifos nossos). Ressaltamos que a menção ao “multiculturalismo”, à “inclusão social” e à “erradicação da pobreza” denotam a apreensão de termos geralmente não problematizados, mas que requerem uma abordagem crítica da diversidade. Estas correlações e discursos apresentados pela UNESCO também foram debatidos no III Fórum Mundial da Aliança de Civilizações127 realizado no Rio de Janeiro em 2010. O tema do evento 'Interligando Culturas, Construindo a Paz' demonstra que o caminho escolhido, o da promoção da paz128, tem sido eloquentemente veiculado e inculcado pela mídia em geral. Outro objetivo é o de apresentar propostas que têm o potencial de serem replicadas nos diferentes países do mundo, confirmando mais uma vez a contradição e a incoerência de se defender a diversidade e ao mesmo tempo reproduzir e impor modelos, desconsiderando verdadeiramente a pluralidade e as diferentes formas de viver. Assim, para este grupo o desafio é o de promover a integração em sociedades “multiculturais”, como são denominadas, das influências da globalização no sentimento de pertencimento e de identidade, o impacto dos meios de comunicação sobre a percepção de outras culturas, vinculando “projetos inovadores”, outro termo bastante 127 A Aliança de Civilizações foi proposta pelo Presidente do Governo da Espanha José Luis Rodríguez Zapatero, no debate geral da 59ª Assembléia Geral das Nações Unidas (AGNU), logo após os atentados terroristas ocorridos em 2004 no metrô de Madri. Foi co-patrocinada, desde o início, pelo Primeiro-Ministro da Turquia Recep Tayyip Erdogan. Em julho de 2005, o Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, formalizou seu lançamento estabelecendo a criação de um “Grupo de Alto Nível” composto por 20 personalidades, entre elas o brasileiro Cândido Mendes, que, atendendo a convite da Espanha, integrou-se em novembro de 2006. O primeiro Fórum Mundial da Aliança de Civilizações, realizado em Madri, em janeiro de 2008, recomendou aos Estados que elaborassem Plano de Ação Nacionais com atividades planejadas e experiências consolidadas nas áreas prioritárias da Aliança. O segundo Fórum mundial foi em Istambul, em 2009, e o terceiro Fórum foi realizado no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, em 2010. 128 Em novembro de 2010, foi lançado o edital “Microprojetos Mais Cultura para os Territórios de Paz”, que é uma ação que contemplará 700 projetos culturais em bairros definidos como de Territórios de Paz pelo PRONASCI, localizados em 11 estados e no Distrito Federal, por meio do fomento e incentivo a artistas, grupos artísticos independentes, grupos étnicos de tradição cultural e pequenos produtores culturais residentes. 181 em voga, com o objetivo de propor novas políticas públicas para envolver todas as comunidades. Constatamos assim, que a cultura se encontra no centro dos debates contemporâneos sobre a identidade, a coesão social e o desenvolvimento de uma economia fundada no estabelecimento da “criatividade” e do controle social. Algo muito diferente da compreensão e promoção da diversidade orientada pela aproximação do ponto de vista dos sujeitos diretamente envolvidos e protagonistas de uma dinâmica da produção, circulação e consumo dos bens culturais não hegemônicos. Em última instância, consiste no reconhecimento legítimo, enquanto detentores não apenas de um saber-fazer, mas também do destino de sua própria cultura. Deste modo, são completamente diferentes as implicações políticas dessa perspectiva, bem como os seus limites. Reconhecer a diversidade supõe valorizar o saber produzido, pois dados aparentemente insignificantes podem ser fundamentais para uma localidade, uma cidade, ou um grupo étnico, dentre outros. Trata-se de identificar na dinâmica social em que se inserem as práticas culturais, sentidos, valores vivos e experiências que conformam uma cultura para os sujeitos que com ela se identificam. E que estão em constante produção e reelaboração, podendo ampliar a compreensão do patrimônio cultural, tanto para os habitantes de uma determinada região, quanto para os sujeitos externos. Ao serem evidenciadas oportunidades de recuperação e valorização dos bens culturais, incorporados ao processo de conhecimento e reconhecimento do que impede a maioria das pessoas de ser, o que podem ser, estabelecem-se também possibilidades de transformação da sociedade. Assim, a defesa da diversidade como elemento fundamental para a continuidade da existência das sociedades, comporta proposições que apreendam os vários aspectos sócio culturais e econômicos, e não apenas a sua mera preservação, por serem exóticos e passíveis de comporem “museus vivos” para o deleite dos demais, “os de fora”. Assim, a promoção da diversidade só faz sentido enquanto lugar de diálogo e relação entre diferentes e não como lugar da formação de grupos isolados ou que visem à sua uniformização. A defesa da diversidade e a sua institucionalização via Estado, sobretudo, no que se refere aos bens culturais, enquanto produtos de um mundo cultural, ou seja, de uma economia cultural, exige a ação sobre o mercado, regulando a circulação e os possíveis excessos, por meio da implementação de ações de políticas públicas que inibam a intervenção mercadológica que os descaracterizaria. Exemplos 182 disso são as alterações nos calendários e no tempo de duração de festejos e celebrações tradicionais, ou ainda a interferência no grau de autonomia de decisão dos grupos. A adoção de medidas que estimulem a realização de intercâmbios diversos, e não o seu isolamento suscitam o apoio a ações pautadas em relações transnacionais, sem submissões ou dependências. Assim, a criação de políticas de defesa da circulação da produção cultural em níveis mundiais pode ampliar as trocas diferenciando-as da dominação cultural hegemônica vigente, principalmente em relação aos grupos, tradição ou manifestação que estejam ameaçados de desintegração e/ou desaparição, sendo necessário a formulação de procedimentos que recuperem a capacidade do Estado de regular, de proteger e fomentar a preservação e a criação cultural. Enquanto um conceito importante para este estudo, a interculturalidade crítica supõe o enfrentamento dos conflitos para uma real valorização das diferenças. Não se confunde, consequentemente, com um novo multiculturalismo, pois tem como pressuposto o sentido crítico, político, construtivo e transformador. Walsh129 (2009) distingue muito claramente a diferença entre pensar a interculturalidade no contexto europeu e na América do Sul, cujo lugar foi ambicionado pela dominação do mundo, a emergência do mercado mundial e da imposição da modernidade via colonização. Deste modo, compreender a diferença étnica-racial-cultural implica a instauração de uma possível (des) colonialidade. Estas reflexões relacionam-se a lugares, a história-memória, à experiência, à realidade e às relações de saber-poder, e, portanto, ao passado e ao presente da América do Sul. Assim, a autora nos remete a memória colonial e escravocrata que perpetua preconceitos de classe, de raça, e de culturas, dentre outros. A responsabilidade na construção da realidade, e, portanto, perante a construção da vida e do coletivo, nos constituindo, tem sido pouco considerada, sendo mais comum a exploração da despolitização exacerbada da atualidade. Assim, temos diferentes sentidos e múltiplos usos da interculturalidade. Contudo, há diferenças entre a interculturalidade a serviço do sistema dominante por um lado e, por outro, como projeto político, social, epistêmico e ético de transformação e descolonialidade. Walsh (2009) argumenta que a interculturalidade somente terá impacto e valor quando for assumida de maneira crítica, enquanto ação, projeto e 129 Catherine Walsh é coordenadora do Doutorado em Estudos Culturais Latino-americanos, e também do Taller Intercultural da Universidade Andina Simón Bolívar, sede em Quito no Equador. 183 processo que intervenha na refundação das estruturas e ordenação da sociedade que racializa, inferioriza e desumaniza aspectos centrais da matriz ainda fortemente presente, o poder da colonialidade. Nessa perspectiva, a recente e contemporânea atenção à diferença e à diversidade baseia-se em reconhecimentos jurídicos e uma necessidade cada vez maior, de promover relações positivas entre distintos grupos culturais e confrontar a discriminação e o racismo130. Isso em oposição ao aniquilamento da diferença, e em busca da construção conjunta de uma sociedade justa, equitativa e plural, âmbito da interculturalidade crítica. Em um paralelo com estas problematizações, Foucault, ao cunhar o termo biopoder, procurou discriminá-lo do regime que o havia precedido, denominado de soberania, no século XVII, que consistia em “fazer morrer e deixar viver”, uma vez que cabia ao soberano a prerrogativa de matar, de forma “espetacular” os que ameaçassem seu poderio, e deixar viverem os demais. Contudo, no contexto biopolítico, surge uma nova preocupação. Já não cabe, assim, ao poder fazer morrer, mas, sobretudo fazer viver, isto é, cuidar da população, da espécie, dos processos biológicos, otimizando a vida e ressignificando o biopoder. Mas, que vida? Aquela que pode ser estendida, potencializada, competitiva, produtiva e vigiada, invertendo o processo, pois contemporaneamente vivenciamos o “fazer viver, e deixar morrer”. A morte passa a ser anônima e insignificante, temos a sobrevivência para uns, e a vida plena para poucos. Hardt e Negri (2001) problematizam esta noção foucaultinana de biopoder/biopolítica, enquanto base da nova ordem mundial denominada Império131. 130 Segundo Foucault, ao longo do século XIX, há uma transformação decisiva no próprio racismo, que deixa de ser um mero ódio entre raças ou a expressão de preconceitos religiosos, econômicos e sociais para se configurar em doutrina política estatal, como instrumento de justificação e implementação da ação mortífera dos Estados. Para o autor, a descoberta da importância política do racismo como forma privilegiada de atuação estatal, intensamente aplicada empregada ao longo do surto imperialista europeu do século XIX e radicalizada cotidianamente ao longo do século XX, encontra no nazismo e no stalinismo seu ápice, uma espécie de mutação na própria natureza do poder soberano do século XVII. Assim, o contexto biopolítico é caracterizado pela concentração poder no Estado e em suas políticas pretendendo administrar a vida e o corpo da população. Deste modo, o que se passou a produzir por meio da incidência deste biopoder não era mais apenas o indivíduo dócil e útil, mas a própria gestão da vida do corpo social, exercendo inclusive o direito de matar em nome da preservação, intensificação e “purificação da vida”. 131 Os autores falam em “multidão” plural, descentrada, em rede de inteligências, de sensibilidades e de criatividade, não como massa compacta e homogênea, mas como heterogeneidade, afirmam ainda que o poder, na sua modalidade contemporânea se organiza na forma do Império e domina a potência da vida. 184 Deste modo, o poder passa a ser exercido por máquinas que organizam diretamente os cérebros e os corpos em direção a um estado de alienação autônoma, minimizando o papel do Estado, bem como implementando o gradativo desmonte do welfare state. As tecnologias de informação e comunicação, não são impostas, mas desejadas, a ponto de cada sujeito acionar um sentido de vida e uma criatividade própria. A sociedade de controle é uma intensificação e uma generalização dos aparelhos normalizadores e disciplinadores132, que estimulam as práticas cotidianas, e se estendem para muito além das instituições. Neste complexo contexto, a interculturalidade enquanto um termo atual tem sido utilizado em diferentes conjunturas e com interesses sociopolíticos muitas vezes opostos, ofuscando a sua compreensão. Assim, o destacamos sob três perspectivas diferentes: a primeira racial relacional, que se refere ao contato e intercâmbio entre culturas de um modo geral, seja entre pessoas, práticas, saberes, valores e tradições culturais diferentes, que podem se efetivar em condições de igualdade e desigualdade. Desta forma, constatamos que a interculturalidade sempre existiu na América do Sul, diante dos vestígios da mestiçagem, dos sincretismos e as transculturações que formam a centralidade da historia e origem latino-americana. Assim, a identidade nacional é defendida, ocultando ou minimizando os conflitos e os contextos de poder e dominação, limitando o contato e a relação, muitas vezes em nível individual, encobrindo ou ignorando as estruturas sociais, políticas, econômicas e também epistêmicas, relegando a diferença cultural em termos de superioridade ou inferioridade. A segunda perspectiva da interculturalidade é funcional, enraizada no reconhecimento da diversidade e diferença cultural, esta perspectiva visa à inclusão da mesma no interior da estrutura social estabelecida. Considerada liberal por Walsh (2009), esta perspectiva, ao promover a convivência e a tolerância, torna-se funcional ao sistema existente e às causas da assimetria e desigualdade social e cultural. Isso torna-se compatível com a lógica do modelo neoliberal existente de acumulação capitalista ao “incluir”, os grupos historicamente excluídos e a diferença. Esta lógica tem raízes no multiculturalismo neoliberal norteamericano, cujas raízes remontam a democracia liberal e a liberdade do mercado, garantindo a liberdade à diferença, a tolerância da diferença, mas também sua 132 Foucault (2008) demonstra como as instituições totais, como os hospitais, manicômios, prisões e escolas cumpriram esse papel, via estratégias de disciplina e confinamento. 185 mercantilização, apontando para um novo humanismo 133 do diverso, que consiste em humanizar o neoliberalismo. A interculturalidade é funcional ao sistema e ao bem-estar individual, promovendo a modernização da cultura ocidental, já considerada como a própria cultura latino-americana. A terceira perspectiva, a interculturalidade crítica, não parte do problema da diversidade ou diferença em si, nem da tolerância ou inclusão culturalista neoliberal, mas considera que o ponto central é o problema estrutural colonial racial e a sua ligação ao capitalismo de mercado. E enquanto processo e projeto, “questiona profundamente a lógica irracional e instrumental do capitalismo”, apontando para a construção de sociedades diferentes, de outra ordem social. Esse enfoque e essa prática não são funcionais ao modelo societário vigente, mas o questiona a partir da questão do poder134 e seu padrão de segregação. Assim, corresponde à população que tem sofrido uma histórica submissão e subalternização. Esses setores lutam pela refundação social e pela descolonização, na construção de um mundo melhor. Desta forma, a interculturalidade entendida criticamente ainda não está efetivada, pois é algo em construção. Advém daí o seu posicionamento como projeto político, social, ético e também epistêmico, de saberes e conhecimentos, projeto que poderá viabilizar a transformação das estruturas, condições e dispositivos de poder que mantém a desigualdade, a subalternização e a inferiorização dos sujeitos, dos saberes, lógicas e racionalidades. Trata-se de um caminho que não se limita apenas às esferas políticas, sociais e culturais, mas também se entrecruza com a esfera do saber, do ser e da vida em si 133 Esta perspectiva orienta e define as políticas da maioria dos Ministérios da Cultura na América Latina, sob a argumentação da necessidade da “inclusão” dos sujeitos, da promoção do desenvolvimento humano sustentável ou integral, dos grupos historicamente excluídos, um dos mecanismos para efetivar coesão social e articular a diversidade para que ela não seja fonte de ameaça e insegurança. As iniciativas do PNUD e EUROSOCIAL também atuam sob esta perspectiva, este último em aliança com a Comissão Européia, BID, CEPAL, com o apoio do Banco Mundial e do FMI. De acordo com Walsh (2009) os documentos de EUROSOCIAL indicam que a incorporação da coesão social na agenda da América Latina é produto do dialogo com Europa, adequando o conceito à realidade latino-americana desde a academia, organismos internacionais e governos nacionais. 134 Walsh (2009) aprofunda estas questões com base no contexto específico do Equador, onde a interculturalidade crítica é um conceito e projeto assumido, sobretudo de cunho indígena, princípio ideológico e político. Na década de 1990, foi iniciada uma transformação radical nas estruturas, instituições e relações, ainda coloniais, existentes. Esta transformação não esta circunscrita apenas aos povos e nacionalidades indígenas, mas ao conjunto da sociedade, que, deste modo, considera como problema central a diferença construída como padrão de poder colonial, que segue transcendente a praticamente todas as esferas da vida, e não do que parte a interculturalidade européia, cujo problema central é a diversidade étnico-cultural. 186 mesma. A descolonialidade, portanto, supõe visualizar e enfrentar a matriz colonial do poder, denominada por Quijano 135 de “colonialidade do poder”, em que a ideia de “raça” como instrumento de classificação e controle social está atrelada ao desenvolvimento do capitalismo mundial moderno, colonial e eurocêntrico. Estas questões nos remetam aos processos em construção, para o reconhecimento dos sujeitos como criadores de cultura, como possibilidades, ainda que incipientes, de questionamento da estrutura colonial de saber-poder, um horizonte que consideramos necessário na construção de políticas públicas e de projetos de sociedade. Assim, Walsh (2009) delineia quatro áreas ou eixos que se interconectam sobre a colonialidade: 1) colonialidade do poder; 2) colonialidade do saber; 3) colonialidade do ser; 4) colonialidade cosmogônica. O primeiro, a colonialidade do poder se refere ao estabelecimento de um sistema de classificação social baseado na categoria de “raça” como critério fundamental para a distribuição, dominação e exploração da população mundial, no estilo e lugar da estrutura capitalista-global do trabalho, categoria que por sua vez altera todas as relações de dominação, incluindo as de classe, gênero, sexualidade, etc. Este sistema de classificação fixou-se na formação de uma hierarquia e divisão de identidade racializada, com o branco (europeu ou europeizado masculino), seguido dos mestiços e finalmente os índios e negros como identidades impostas, homogêneas e negativas que pretendiam eliminar as diferenças históricas, geográficas, socioculturais e linguísticas entre povos de origem e descendência africana. Em segundo lugar, a colonialidade do saber diz respeito ao posicionamento do eurocentrismo como ordem exclusiva da razão, conhecimento e pensamento, que descarta e desqualifica a existência e a viabilidade de outras racionalidades epistêmicas e outros conhecimentos. Ao atravessar o campo do saber, usando-o como dispositivo de dominação, são organizados e aprofundados os marcos epistemológicos, acadêmicos e 135 Aníbal Quijano é sociólogo, pesquisador do Centro de Investigaciones Sociales - CIES Lima, Peru, que conjuntamente com Walter Mignolo e outros nos remetem ao final do século XV e início do XVI, quando os europeus ocidentais, após a guerra dos cem anos e reconquistados aos mouros os territórios da Península Ibérica, sentiam-se o centro do universo, base para compreender a produção subalternizada do resto do mundo, ou seja, tudo o que não era a Europa ocidental cristã. Estes autores referem-se, portanto, ao debate sobre a constituição do sistema mundo colonial-moderno. 187 disciplinares. Advém daí a produção de Mignolo136, Walsh, Quijano, dentre outros, sobre o conhecimento historicamente existente entre muitos povos e comunidades ancestrais, como as emergentes tentativas de construir e posicionar “pensamentos próprios” de caráter descolonial, muitas vezes desacreditado pelas lógicas e racionalidades vigentes que os caracterizam como invenções fundamentalistas e essencialistas. Assim, como um terceiro eixo a colonialidade do ser é caracterizada pelas práticas que se exercem por meio da inferiorização, subalternização e desumanização, pondo em dúvida o valor humano destes seres, pessoas que pela sua cor e suas raízes ancestrais, ficaram claramente “marcadas” (Cesaire apud Walsh, 2009). Ou ainda, o entendimento de que os homens colonizados são supostamente distanciados da modernidade, da razão e das faculdades cognitivas. Como quarto e último eixo, um tema pouco refletido e discutido e até ousado, que é o da colonialidade cosmogônica137 da mãe natureza e da vida mesma. A divisão binária natureza/sociedade descarta o “mágico-espiritual-social”, a relação milenar entre mundos bio-físicos, humanos e espirituais, incluindo dos ancestrais, espíritos, deuses, e orixás, a que sustentam os sistemas integrais de vida, conhecimento e a própria humanidade. A mãe natureza, a mãe de todos os seres é a que estabelece a ordem e o sentido ao universo e a vida tecendo conhecimentos, território, historia e corpo, mente, espiritualidade e existência dentro de um marco cosmológico relacional e complementar de convivência. Contudo, essa memória permanece obstinadamente em disputa, como vimos com Walsh (2009), que nos afirma que a terra pode ser sagrada, que somos parte da natureza, que ela não termina em nós. Fica manifesto também que há possibilidades de organizar a vida coletiva, em formas comunitárias que não estão baseadas no dinheiro e no lucro. Consequentemente, a competição não é o único caminho, podendo ser estabelecidas outras relações. 136 Walter Mignolo é o pseudônimo de William H. Wannamaker, semiólogo e antropólogo argentino, professor da Universidade de Duke, nos Estados Unidos. 137 A Constituição equatoriana (2008) desenvolve o “direito da natureza”, pois no âmbito estatal, a natureza historicamente tem sido considerada como bem de uso controlado pelos seres humanos como superiores a ela, ou seja, a partir da lógica cartesiana. Ao posicionar a mãe natureza, ou Pachamama como sujeito de direitos, esta Constituição modifica essa conceitualização moderna-ocidental-colonial, reconhecendo o direito de existir da natureza. 188 Heranças que persistem porque sobreviveram a tudo, manifestando-se agora de outras maneiras, a exemplo, da nova Constituição do Equador (2008), que tem nome indígena e que, pela primeira vez na história da humanidade, consagra a natureza como um sujeito de direito. Algo bastante diferenciado das práticas “etno-eco-turísticas”, tornando exótico estes povos, diante da primazia do individuo e seu “bem-estar individual-neoliberal” orientado pelo dispositivo civilizatório da razão modernoocidental-colonial. Evidencia-se, portanto, que a diferença construída e imposta desde a colônia até a contemporaneidade não é uma diferença simplesmente assentada sobre a cultura, e também não é reflexo de uma dominação enraizada somente em questões de classe. Assim, a interculturalidade crítica e a descolonialidade são projetos entrelaçados e emergentes e que caminham juntos. Sua construção em pleno curso requer transgressão e interrupção da matriz colonial hegemônica, bem como a criação de outras condições de poder, saber, ser, estar e viver que se distanciem do capitalismo. Apesar de terem sido pensadas e formuladas no contexto equatoriano138, estes pressupostos nos instigam a fazer reflexões sobre o contexto brasileiro. Implicam, portanto, a possibilidade da interculturalização e da descolonização, enquanto contrapontos ao determinismo da modernidade eurocêntrica e universalizante em favor da pluralidade da experiência humana. Isto se aproxima das nossas reflexões, principalmente por situarmos nossas preocupações no sentido de qualificar a criação coletiva e enfatizar que as diferentes experiências podem apontar diferentes perspectivas, problematizações e saberes historicamente negados e subordinados. O direito à diferença incomoda no sentido de ser um contraponto ao poder instituído, aos discursos e práticas de normalidade e ordem, em que os modelos, os padrões e a suposta competência são estabelecidos e naturalizados como verdades. Todavia, devido aos limites e recortes estabelecidos neste estudo, não aprofundamos a construção de pressupostos epistemológicos que envolvem conhecimento e pensamento. Também não nos ativemos à totalidade das atitudes e sentidos, que desafiam a epistemologia contemporânea que valoriza apenas o saber 138 A recente Constituição equatoriana atribui um lugar central à ciência e o conhecimento, reconhecendo-os em sua pluralidade. Enfatiza a herança dos saberes ancestrais, colocando-os no mesmo âmbito, ou seja, considerando-os tecnológicos e científicos, enquanto “conhecimento”. e econômicas, mas epistêmicas. 189 constituído, oficial e científico em detrimento de outros saberes ancestrais e não hegemônicos. Mas, nos ocupamos de situar a “experiência” nos processos de criação no âmbito do Ponto de Cultura, sem desconsiderar, no entanto, o contexto e complexidade em que estão inseridos. Este percurso se fez necessário, portanto, para demarcar a realidade que envolve o longo processo histórico estrutural colonial que reproduz subalternidades, e a falácia do “respeito pelas diferenças" que favorece somente o poder constituído, as indústrias culturais e “criativas”. Esse contexto é central para questionar os as contingências históricas, os determinismos e as desigualdades econômicas, sociais, de saber e de poder dominantes que invariavelmente desvalorizam a diferença e a diversidade brasileira. “É tentar a análise de nós mesmos enquanto seres historicamente determinados (...) e a probabilidade de não ser, fazer ou pensar o que somos, fazemos ou pensamos (...) ao mesmo tempo, a análise histórica dos limites que nos são impostos e prova de sua possível transgressão” (Foucault, 2007, p. 572, 574, 577). Isso supõe cultivar a capacidade de se surpreender, de não perder perspectivas transformadoras, ainda que processuais e de médio e longo prazos. Fissuras que podem levar ao adensamento dos movimentos em prol do direito à diferença. 4.4.1. Trocas intergeracionais: a Ação Griô, Escola Viva e os jovens Agentes Cultura Viva Encontro de gerações Quem faz a ponte entre as idades, entre as crianças e os mais velhos, são os jovens; eles têm esse papel de interagir. Uma das ações que cada vez mais vai enriquecendo é que os griôs vão chamando os mais velhos da comunidade para darem seus depoimentos. Quando mostramos o mapa-jogo, eles vão corrigindo as informações das cartelas e contando sobre os brinquedos e brincadeiras. Um saber que mexeu muito comigo, e que é parte da pedagogia Griô, é essa coisa do ‘impacto de gerações’. Sempre que temos alguma atividade com os mais velhos, procuro estar presente, pois acho super interessante ouvi-los. Como sou jovem e conseqüentemente não desfrutei das vivências contadas por eles, fico imaginando e desenhando todo esse processo e isso pra mim é fantástico.” (jovem Agente Cultura Viva In Livro Nação Griô, 2008, grifo nosso). Isto nos remete a Benjamin, que afirma que “O narrador figura entre os mestres e os sábios. Ele sabe dar conselhos: não para alguns casos, como o provérbio, mas para muitos casos, (...). Pois pode recorrer ao acervo de toda uma vida {uma vida que não inclui apenas a própria experiência, mas em grande parte a experiência alheia (...)}. O narrador é a figura na qual o justo se encontra consigo mesmo (Benjamin, 1994, p. 221), 190 algo próximo dos saberes griôs, contadores de histórias abordados neste item e que nos inspiram a reflexão sobre a realidade vivida e compartilhada, que instigam outras conexões e aprendizados. A transversalidade das propostas do Programa Cultura Viva e, portanto, do Ponto de Cultura, configuram-se pelo diálogo com a Ação Griô proposta na Rocinha pelo projeto Rocinha ontem e hoje: histórias brincantes, cujo espaço de convivência e descobertas é ativado nas oficinas brincantes que caminham em itinerância por escolas, creches e os poucos espaços abertos que existem e permitem movimento. Assim, integram-se a Ação Escola Viva, a Ação Ludicidade e a Ação Griô no Ponto de Cultura da Rocinha. Com início em 2007, destacamos as prosas Griô foram realizadas mensalmente durante o ano de 2009, caracterizando as rodas de conversa com antigos moradores. Sambistas, compositores, curandeiros, artesãos, dentre outros, como nos diz um dos jovens: “Sentimos muito orgulho de não só dar espaço, como valorizar essa ancestralidade tão rica e que sente a necessidade de falar. Essas conversas são sempre registradas em áudio” (Agente Cultura Viva, Formulário Formação Prêmio Cultura Viva, 2009). Como parte do acervo do Ponto de Cultura, estas experiências são base para a continuidade da história local, por meio dos próprios moradores, além de configurarem ações de aprendizado com os recursos de mídia por meio da Ação Cultura Digital, como observamos: Prosa Griô. Seu Sebastião e dona Brasilina “É proseando que se aprende!” E aprendemos mesmo. Vivendo na Rocinha desde a época dos lobisomens, lamparinas e barracos de madeira, Seu Sebastião e Dona Brasilina tem é história pra contar. Falaram de quase tudo. Dos barracos de madeira com peso no telhado para não voar, das noites em que se brincava com a sombra das lamparinas, e do finca-finca139, brincadeira sempre lembrada pela griô aprendiz. Era uma época de dificuldades em que não se tinha nem energia, mas seu Sebastião e Dona Brasilina contam que não faltava era brincadeira e espaços pra brincar. Era a época também das histórias de lobisomens e assombrações, que muitos contam e dizem até que já viram, dona Brasilina diz que lobisomem era um senhor muito peludo e que todos tinham medo, mas ela ria. Contaram também sobre as enchentes que assolaram a comunidade, muitos morreram e até se cantava a tristeza com um samba sobre o fato. Dona Brasilina lembra até hoje a letra. Falaram das marchinhas de carnaval, das letras para políticos, da passarela e até dos blocos de carnaval da comunidade. Muitas histórias contadas por quem viveu essa Rocinha de grandes acontecimentos, que se transformou 139 “Quando parava de chover íamos para a rua com um prego e começava a fincar o prego no chão formando vários círculos, ou qualquer desenho, eu desenhava casinhas” (Griô aprendiz, 2009). 191 em uma das comunidades mais populosas do mundo (Blog Centro Lúdico, 10 de julho de 2009). Este depoimento nos remete a Foucault quando se refere ao pensamento hegemônico ao afirmar a necessidade de “ativar saberes locais, descontínuos, desqualificados, não legitimados, contra a instancia teórica unitária que pretenderia depurá-los, hierarquizá-los, ordená-los em nome de um conhecimento verdadeiro, em nome de uma ciência detida por alguns” (Foucault, 2008b, p.171). Ainda que de forma incipiente se abre espaço para o reconhecimento da diferença, possibilitando a emergência de vozes, culturas, e histórias silenciadas ou nomeadas apenas e geralmente por suas carências. Já em outras experiências constatamos mais algumas trocas: Prosa Griô. Muito prazer, eu sou Zé Rhomma! "Uma prosa leva a outra!" E foi assim, proseando, que chegamos a uma das grandes figuras da Rocinha, José Carlos Rhomma, ou simplesmente, “Zé Rhomma”. Cantor e compositor de sambas, ele até se arriscou na produção de fantasias para os blocos da Rocinha, mas se destacou mesmo foi compondo Sambas para blocos e festivais de musica quando era jovem. Zé Rhomma conta que naquela época se fazia musica de tudo, desde letras exaltando a comunidade e suas localidades, a rimas para zombar de amigos e causos. Falou também dos festivais de musica na Rocinha, dos grupos de seresta e blocos de carnaval, e cantou pra nós algumas de suas composições, e até poemas que escreveu naquela época. Inclusive cantou o Samba que embala o bloco Coração das Crianças, do qual participei por dois carnavais quando criança, e que não sabia que era dele. Alias cantamos juntos. Quanta honra, muita história (Blog Centro Lúdico, 10 de julho de 2009). Ação Griô na escola pública Na última semana, os Griôs da Rocinha estiveram na escola, dentro da comunidade, e agitaram a garotada. Os griôs apoiados pela equipe do Centro Lúdico realizam atividades com crianças de 4 a 6 anos, em diversas turmas da escola visando a realização de um cortejo. Apresentamos às crianças brinquedos e brincadeiras que as guiam pelas diversas localidades da comunidade em suas diferentes épocas. Trabalhamos também a música que um compositor de samba local produziu para o Bloco de carnaval Coração das Crianças. Na escola com a Ação Griô, trabalhamos da seguinte forma com cada turma: Na primeira semana é apresentado para as crianças o mapa da Rocinha, estimulando as crianças a brincarem e se localizarem - dizendo onde ficam suas casas e locais de lazer - no mapa. No 2° e 3° dias são apresentados músicas criadas por compositores da comunidade e instrumentos de percussão, como caxixi, xequerê, pau de chuva, criados pelo griô. Finalmente, no 4° dia - que foi realizado semana passada - a griô mestre contou histórias da comunidade, falando de como eram as coisas antigamente na Rocinha. Este conjunto de atividades é apenas um exemplo do que podemos juntos fazer em nosso meio, em nossa comunidade, pela nossa cultura. Cultura Viva! (Blog Centro Lúdico, 10 de julho de 2009). Estas experiências são importantes na medida em que valorizam diversos sujeitos, artistas, artesãos, músicos, dentre outros que detêm um saber local geralmente 192 não conhecido ou não valorizado para além da localidade. Um conhecimento que não está sistematizado, registrado e muito menos é veiculado, pois é comum falarmos do conhecido, do divulgado e noticiado pela mídia ou pelos saberes “oficiais”. É por meio desse caminho um pouco mais nômade, que se busca a arte e a cultura da própria cidade e localidade. Destacamos também que a valorização e a confiança na dimensão processual de médio e longo prazo das ações sociais e culturais é uma forma de resistência aos apelos pragmáticos, utilitaristas e instrumentais em voga. Reconquistar a cultura com sentido político passa por este processo, sobretudo, com o desafio de produzir identificações, construções conjuntas e lutas comuns no contexto da interculturalidade crítica como vimos no item anterior. Sendo assim, fazemos uma correlação da proposta da Ação Griô, focada no saber e na prática das comunidades locais, e que tem potencial para romper com a dicotomia entre os saberes, em que uns são superiores a outros. “São espaços distintos de pensamento, que evidentemente incluem também a universidade”, pois para Walsh, ambos são espaços importantes para promover a necessária “descolonialidade”. (...) ACF: É certo que as realidades dos moradores das Favelas sempre foram escritas de fora para dentro sob os olhares racistas, preconceituosos e excludentes, e pela academia como objeto de pesquisa. Quando o morador de uma Favela ou da Periferia tem a oportunidade de se expressar escrevendo a sua própria realidade isto incomoda. Os que são contra, logo expressam: nós já relatamos sobre o modo de vida dos moradores desta classe social! Temos muitas publicações sobre as favelas! O que este pessoal quer mais? A idéia de criar um museu na Rocinha140 não é nova. O que esta colocado na ordem do dia é o direito à Memória e à Historia se escrita, relatada por aqueles que sempre foram excluídos desde processo. Inúmeros profissionais ligados à cultura, educação e militantes sociais locais, sempre tentaram manter viva, na memória da comunidade, as suas lutas pelo direito básico à moradia, à educação, à saúde, fazendo assim Historia. As diversas formas de reivindicações por melhorias para sua localidade sempre se transformaram em conflito com os poderes públicos. (...) Estamos agora preparando o Chá de Museu141 e a Grafitagem de muros de arrimo e postes na estrada da Gávea142, tendo como tema os acontecimentos da história da 140 Há informações, por exemplo, de que a Rocinha tenha sido um quilombo e refúgio de escravos, tema de pesquisa de moradores locais, que vem recolhendo histórias e depoimentos de antigos moradores. 141 O Centro de Cultura e Educação Lúdica da Rocinha foi mais um estímulo, dentre outros, para retomar o processo, de construção de um projeto conjunto de um museu comunitário, que vem sendo organizado pelo Fórum de Cultura. O Chá de Museu é uma proposta que surgiu em uma das reuniões e se caracteriza por ser “um tipo particular de coleta em que moradores interessados são convidados a participar dessa reunião festiva, dando seus depoimentos sobre a história da Rocinha, contribuindo eventualmente para a formação do acervo do Museu com documentos, objetos, guardados de família” (Segala, Firmino, 2010). 142 A estrada da Gávea é a principal via que atravessa a Rocinha. Ficou conhecida na agenda carioca, da década de 1930, pelas corridas automobilísticas, denominadas de “baratinhas” devido ao formato dos carros, que eram realizadas. 193 Rocinha. Eventos que objetivam socializar e preparar o lançamento público do Museu da Rocinha. (...) A expectativa é discutir com os moradores o próprio sentido do Museu. Se interessados, poderiam até doar, em confiança, algum documento, um objeto, alargando a mostra, as lembranças. Importa trazer para esse sentido de exposição móvel, a prosa Griô, a contação de histórias. Queremos filmar e fotografar esses eventos para apresentá-los nas escolas estimulando novas atividades (Segala, Firmino. Texto no prelo, 2010, grifos nossos). A partir das práticas e posturas, vislumbramos também no domínio do saber e do poder; algumas saídas para além dos autoritarismos, das generalizações e dicotomias que servem para invalidar o outro, considerado sempre menor e menos sábio, sobretudo, se pertencer às classes populares. Assim, desarrumamos a lógica, principalmente em oposição às “boas cópias”, aos “modelos”, às “naturalizações e aos fatalismos”, que mantêm e reproduzem a desigualdade social, por exemplo. Os primeiros passos na direção da construção coletiva da Ação Griô na Rocinha, onde os jovens, as crianças, os adultos e os mais velhos têm participação ativa, consolidaram-se em um caminho desenhado passo a passo como um esboço que se organizou em trilhas brincantes, de histórias, de memórias, de oralidade, dos artistas e artesãos da comunidade. Fizeram parte desta constituição os brinquedos já criados no Ponto e que trazem uma memória viva, a proposta de criação de outros, a música e os instrumentos de percussão criados pelo griô Luthier143, construtor de instrumentos e compositor. Além disso, as maquetes criadas por mãos do griô artista plástico; figurinos e estandartes confeccionados pela griô de mãos fiandeiras; que contam uma Rocinha de antes e de hoje que instigam a curiosidade ao serem manuseadas. À sombra do jambeiro Ao pé de um jambeiro, ladeado por um coqueiro e um pé de urucum, os griôs e tecem lembranças. Essas rodas de conversas semanais sob o jambeiro mostraram um celeiro rico em grãos de histórias e causos a serem maturados e germinados no terreno da escola. Esses encontros incensados pelo fumo do cachimbo do Vô mestre de tradição oral), pelo olhar visionário do griô de tradição oral e pela energia brincante da griô aprendiz, trouxeram à tona muitas traquinagens, causos, folias, descrições de uma Rocinha de antes com suas construções em estuque, com aparições de seres fantásticos, brinquedos construídos com sobras caseiras, pessoas marcantes que se foram, ervas que curam e não se encontram mais com tanta facilidade. Risadas, curiosidades, perguntas e conversas, lembranças adentro movem as tardes desses 143 O termo luthier ou luteiro ou lutiê se refere a um profissional especializado na construção e no reparo de instrumentos de corda com caixa de ressonância, tal como a guitarra e violino, mas não daqueles dotados de teclado. O termo luteria designa a arte da construção de instrumentos. A denominação "luthier" teve origem na construção do alaúde, que em italiano se chama liuto, portanto, liutaio significa quem faz alaúdes. Segundo Antonio Houaiss, o termo chegou à língua portuguesa por meio da palavra frances luthier (fabricante de instrumentos de corda), derivada da palavra luth ("alaúde") mais o sufixo-ier (Wikipédia, 2009). 194 griôs, que as transmitem com alegria contagiante para as crianças e jovens. Passo a passo, de tarde em tarde, ensolaradas ou friorentas, mas sempre cercada de crianças que brincam, perguntam e olham curiosas o grupo que conversa, a história da Rocinha vai sendo mostrada através da palavra de griôs e mestres que partilham suas memórias do tempo de menina e meninos, montando, como em um quebra-cabeça, as peças de uma história vivida. Vô Aerson tem a palavra: ‘É com a raiz que estamos trabalhando’ (Livro Nação Griô, 2008). Os saberes de tradição oral e a história da Rocinha são contados numa roda de conversa, estratégia encontrada pelo Ponto de Cultura, que reúne os mais velhos. Esta experiência foi realizada ao longo de 2008 e 2009 e posteriormente passou a ser realizada de outros modos. Como na escola, em que os grupos de crianças foram divididos de diversas formas, ora com a presença das professoras das turmas de educação infantil, ora apenas com os Griôs, os jovens e a griô aprendiz. A Ação Griô desenvolve várias atividades com as crianças, como contação de histórias, jogos e brinquedos lúdicos do Ponto de Cultura, além das brincadeiras com as crianças na brinquedoteca peteca localizada na ASPA144, que foram realizadas até o início de 2009. Após as atividades com as crianças na escola, a equipe do Ponto de Cultura realizava uma reunião, para conversar sobre a dinâmica do dia, discutir o planejamento e as pendências. A parceria com a Escola e a ida da turma de crianças da educação infantil ao Ponto de Cultura foi uma importante estratégia, já que o espaço era desconhecido para a maioria das crianças, as quais demonstram surpresa e encantamento com os brinquedos e com o jacaré (em tamanho real) criado pelo griô de tradição oral, a partir de material reciclado. Esse griô fez também uma casinha que retrata como era a Rocinha de antes: a casa de taipa e de estuque: “Fizemos também um barco, pois quando falamos de jacaré, as crianças sugeriram que tinha que ter um barco. Lembrando que se usava barco para chegar a uma parte da praia da Gávea, este barco rendeu em torno de um mês de histórias” (Relatório de atividades, 2009. Equipe coordenadora do Centro Lúdico). 144 A sede do Ponto de Cultura funcionou em uma sala da ASPA até fevereiro de 2009 e tinha em sua fachada uma placa com o nome do Ponto. A sala do centro lúdico foi planejada como um espaço de ambientação e mobiliário reversíveis, podendo abrigar múltiplas e diferenciadas atividades. Encontros com crianças para brincar, ouvir, contar e criar histórias; rodas de conversas; debates; exibição de filmes; dentre outras. Sua concepção retrata a própria metodologia utilizada pela equipe, que compreende a construção contínua dos processos desde a as primeiras propostas e idéias, o planejamento e a realização. A inexistência de um modelo préestabelecido faz inventar e reinventar o fazer a cada passo, respeitando a realidade encontrada. Os aprendizados são mútuos e se estabelecem por meio de um intercâmbio de experiências e de diferentes saberes (Folder do centro lúdico, 2008). Em outro espaço menor, foram acomodados os equipamentos multimídia recebidos do MinC via o conveniamento. 195 Conversa vai, conversa vem, o griô transforma as lembranças em objetos; faz surgir, através das mãos, o tempo de hoje e de antes, antenado com o futuro. Conversas que viram casa. Casa que conta as tantas histórias. Casa de estuque, casa de terra, casa da terra, casa-raiz. (...) E a casa de sapê… eu já tô montando essa casa e trouxe aqui pra vocês. Então acontece uma coisa interessante: as pessoas passam no meu ateliê e falam assim: Caramba, tio Lino, o senhor vai dá isso pra quem? Não, isso é do projeto, eu não vou dá isso pra ninguém porque isso aqui é um histórico, é pra todo mundo vê e aí vai ter uma placa de como as casas de primeiro eram feitas. Essa casa tá ficando um mistério, todo mundo quer essa casa! Falta um bocado de coisa. Vai ter o fogão à lenha. O chão vai ser o seguinte: vou jogar areia da praia por fora, depois vou jogar o barro com pincel e verniz. Eu tô com a idéia de botar uns móveis aqui dentro. Não vou esquecer do poço não, tá tudo aqui na cabeça. Aqui são as janelas e as portas. Aqui vai ter uma cerca de arame farpado… E essa casa seria dos anos 40, 1940 até 60. Hoje você ainda acha casa assim. A gente pode fazer o seguinte: vou encher a casa de barro até aqui, mal acabado, pra aparecer o bambu e em cima vou deixar cru. O bambu, aqui… vou pegar um barbante, porque de primeiro existia cipó, era feito com o cipó, cipó caboclo. Meu dom está nas minhas mãos. Agradeço a Deus esse dom. Meus filhos me dizem: Pai, seu saber tá nas suas mãos (Griô de tradição oral. Livro Nação Griô, 2008). Estes relatos demonstram a riqueza vislumbrada pelos griôs, parte de histórias não contadas ou de esquecimentos produzidos. São histórias e memórias transmitidas “ao vivo” para as crianças e jovens nas ações do Ponto de Cultura, uma interação que estimula a curiosidade, além da valorização dos mais velhos, que invariavelmente não são ouvidos como gostariam. Isto já foi verbalizado por um dos griôs da seguinte forma: “(...) acho que vou voltar a estudar e aprender mais, pois não sabia que os meus conhecimentos eram tão importantes” (Griô de tradição oral, 2007). Destacamos também outra griô mestre de tradição oral que tem compartilhado seus conhecimentos. Nascida em 1933, em uma fazenda de Bom Jardim, município do Rio de Janeiro, veio para a cidade do Rio de Janeiro aos oito anos, com uma família para trabalhar como babá. Em geral, as famílias já sofreram inúmeros desenraizamentos, em busca de melhores condições de trabalho e de vida como um todo. Assim, a griô é moradora da Rocinha desde 1952, quando se casou; é conhecedora dos segredos da culinária aprendidos com sua mãe ao pé do fogão da fazenda onde nasceu. É também conhecedora de ervas curativas e “benzedora” de crianças, além de dirigir uma casa de umbanda localizada na Rocinha. Como parte de um mundo espiritual-social, a relação milenar entre mundos biofísicos, humanos e espirituais, como vimos com Walsh, inclui diversas ancestralidades, marcos relacionais de convivência, que podem contrapor subalternidades sem que sejam ignoradas ou naturalizadas as diferenças que, 196 historicamente, foram aliadas às condições materiais de produção e reprodução social, justificando e reproduzindo as desigualdades sociais. Ao aguçar a prática do pensamento e da ação, realizam-se oficinas brincantes e itinerantes, dinamizadas pelos jovens Agente Cultura Viva, articulando a Ação Griô e Escola Viva, e também os campos do saber e do poder, que existem para além daqueles oficiais, que animam as ações cotidianas. As brincadeiras de um tempo remoto são apreendidas de geração em geração, por brinquedos artesanais confeccionados com materiais simples do cotidiano, histórias de tradição oral, histórias autorais, manuseio de objetos lúdicos, cantigas, poesias, e o que mais se quiser contar ou inventar. Escola Caminhante A mediação da griô aprendiz entre crianças, jovens, educadores e griôs é brincante, alegre e estimulante, integrando saberes, histórias e vivências. As conversas à sombra do jambeiro são fonte inspiradora e ponte para a valorização do saber de tradição oral no processo da educação formal. Estabelece com os jovens uma relação de compromisso e companheirismo possibilitando uma importante interlocução entre diferentes gerações. Sua atuação na escola está ligada a uma presença constante que se realiza a cada semana. As ações itinerantes nas escolas públicas são anteriores à Ação Griô, (...). Seu caminho para repensar e propor uma nova prática escolar está na sintonia com as crianças. O estar junto brincando e conversando gera um encantamento mútuo que se expande para professores, pais e crianças de outras séries que se aproximam curiosas. Sua forma de agregar emana de sua energia brincante, do corpo flexível no espaço, do sentar no chão, em roda, onde cada um se vê e se descobre abrindo um espaço de convivência do brincar e aprender. Com as crianças, sua prática metodológica parte de histórias, brincadeiras, brinquedos e objetos lúdicos que funcionam como ativadores de curiosidades, perguntas e conversas (Livro Nação Griô, 2008). Assim, a convivência pode ser prazerosa e instigante, quando é uma consequência derivada de uma proposta que envolve o sujeito de forma inteira, corpo e mente, além da participação efetiva no processo. Pode ainda ser aliado a não imposição da forma, do conteúdo ou do método, em respeito aos diversos saberes que passam a interagir, pressuposto fundamental deste estudo. Enquanto pressuposto de uma política cultural, que analisamos como importante, qualquer manifestação cultural ou comunidade pode constituir um Ponto de Cultura. Assim, consideramos que o Ponto de Cultura otimiza a realização de outras ações enquanto premissa e justificativa colocada inicialmente pelo Programa Cultura Viva, algo já verificado pela pesquisa MinC/IPEA em 2008, principalmente por se basear em dinâmicas culturais próprias de cada localidade, como constatamos: (...) a ligação com outros programas e projetos locais com o Centro Lúdico demonstra a direção que a equipe sempre teve de enxergar a interrelação de todas as áreas 197 cultura-saúde-educação-memória-geografia... e o brincar permeando todos os processos e práticas como linguagem sem fronteiras ou fragmentações. O brinquedo de Vassouras-Pinheiral é um retrato dessa visão-interação, pois mergulhamos em memórias; exploramos espaços geográficos diversos; misturamos escolas, ONGs, griôs, curiosos-passantes; apostamos na convivência intergeracional (E-mail, 19/11/2010). Este princípio é verificável nos exemplos mencionados em que as Ações Agente Cultura Viva, Ação Griô, Cultura Digital e Escola Viva têm um potencial de interação que viabiliza outras ações que se misturam e criam novas possibilidades. Esse perfil se mostra bem diferente dos projetos ou programas que impõem delimitações e focos que visam apenas a manter suas especificidades, a ponto de comprometer o próprio desenvolvimento das ações. O espaço de convivência do Ponto de Cultura configura-se, portanto, em bases já existentes, mobilizando pessoas, algo bastante interessante enquanto um lócus de criação local. A produção de saberes presentes nas experiências dos Pontos implicam estreitas relações de saber-poder instituídos na sociedade, bem como com a valorização de outros saberes não hegemônicos, ética e política, cujas características dependem do contexto e história local e das articulações com o processo específico de colonialidade de poderes, de saberes e do próprio ser, ou seja, que envolve a interculturalidade crítica. Estas ações estão integradas e com base na Ação Griô, nos dados levantados, nas histórias e brincadeiras registradas, criam-se brinquedos derivados de experiências coletivas que agregam informações e formatos diferenciados a eles, conforme as interações e conexões de diferentes saberes são realizadas, conforme algumas experiências analisadas a seguir. 4.4.2. Na ponta do Ponto: experiências e experimentações Como não concebemos o pensamento desvinculado da vida, aprender com a prática supõe que as descobertas sobre a própria localidade são ativadas nas oficinas brincantes que caminham em itinerância por escolas, creches e os poucos espaços abertos que permitem movimento. As ações que lidam com situações de imprevisibilidade, que escapam ao planejamento inicial, requerem “jogo de cintura” para lidar com situações não previstas, o que faz desenvolver a sensibilidade, aprender e criar formas de superação de determinadas situações, como constatamos a seguir: 198 Paraty / ITAE e Quilombo da Independência Um dia antes da oficina para professores da rede pública e estudantes do curso de formação para o magistério em Paraty, nós (jovens) ficamos sabendo que íamos articular a oficina sozinhos. A primeira informação era de mais ou menos 25 pessoas, mas depois descobrimos que cerca de 80 pessoas iriam participar da oficina. Discutimos que atividades fazer, quem faria e o tempo das atividades. Depois da reunião só um sentimento nos dominava, o de ansiedade. No dia da oficina tinham aproximadamente 50 pessoas. Fizemos uma roda gigante, nos apresentamos, falamos sobre o objetivo das nossas atividades e começamos as brincadeiras. Correu tudo maravilhosamente bem, nós nos portamos muito bem e soubemos dirigir as atividades. Depois todos, professores, alunos e nós, discutimos importância dessas brincadeiras, de como elas influem na educação das crianças. Depois do fim da conversa, descansamos um pouco e fomos para o Quilombo da Independência, outro Ponto de Cultura. Fomos muito bem recebidos e acomodados, nos arrumamos e fomos conhecer todo o Quilombo e sua cultura através de duas garotas. As pessoas de lá são muito unidas e, independente de sofrimentos, sempre carregavam sinceros sorrisos em seus rostos. Lá descobrimos a importância de não deixar morrer nossas raízes e nossa cultura, de nos orgulharmos de nossas origens. Quando estivemos lá, nos sentíamos em família, parecia que nossas amizades eram de décadas (...), enfim, algumas sensações são inexplicáveis. Fomos embora super felizes depois de ter vivido experiências fan-tás-ti-cas! (Pique Pega Cultural, boletim dos jovens do Ponto e Cultura, 2005-2006). Sobressai, desta forma, uma expressão inventada que caracteriza a prática nos Pontos de Cultura: coletivo-vivência. No entanto, nos interessa refletir não apenas sobre o quanto são importantes para o desenvolvimento humano, indo além do aspecto pedagógico, sem desvalorizar a sua importância, mas também o quanto despertam perspectivas diversas de crescimento e aprendizado: Foi uma das melhores oficinas que nós desenvolvemos. Talvez pelo fato de nada do que nós tínhamos planejado ter dado certo por causa de uma apresentação musical ao nosso lado. Nós fizemos um cortejo por toda a bienal, chamamos algumas crianças de escola que estavam vendo a mostra, e começamos a dançar e brincar com elas. As crianças ficaram super empolgadas com a apresentação e nós também. No final tudo deu certo e todos nós saímos felizes. Além da nossa oficina participamos de atividades muito interessantes como a visita ao Museu da língua portuguesa, as palestras no SESC Vila Mariana entre outros. Na Bienal, que era onde estava acontecendo a amostra de cultura nacional (TEIA), descobrimos diversas formas de cultura o que pra nós foi muito interessante, o Brasil inteiro de alguma forma estava manifestando sua forma de cultura, seja na música, artesanato, pintura e muitas outras !!! (Pique Pega Cultural, boletim dos jovens do Ponto e Cultura, 2005-2006, grifo nosso). Ao voltarem desse encontro os jovens puderam verbalizar outras perspectivas e posturas diante da sua própria história, pois passaram a se interessar com mais entusiasmo pelas histórias e culturas locais. Algo próximo de um reencontro com o próprio lugar, após ter contato com outras histórias, outras possibilidades, culturas e perspectivas críticas. Processos que colaboraram para que os jovens pudessem rever as construções que não eram suas e as que passaram a ser, apropriando-se de um fazer nas 199 atividades lúdicas, artísticas e culturais do Ponto de Cultura. Com base nessa experiência, o jovem, ao conhecer e acessar outros universos passou a se interessar por suas raízes de uma forma mais curiosa e mais instigante. Por meio de caminhadas na Rocinha, nas conversas, entrevistas e prosas145 no projeto Ação Griô de tradição oral, parte do Programa Cultura Viva foram identificados e mobilizados os moradores mais antigos de diferentes áreas para contar historias da Rocinha pelo viés das brincadeiras do seu tempo. Outros exemplos que demonstram a importância de lidar com situações imprevistas em que o planejado tem que ser repensado, devido a inúmeras circunstâncias, que envolvem o encontro com um público e ambiente diferenciado do previsto, dentre outros como: Na Teia regional de 2008, que juntou Pontos de Cultura do Rio de Janeiro e Espírito Santo e ainda ações de economia solidária, aconteceu na praça dos Pilotis do Palácio Capanema, no centro da cidade. O evento foi planejado e organizado pelo Fórum dos Pontos de Cultura RJ. Nossa participação se daria logo no início com um cortejo e algumas brincadeiras, o que não aconteceu. Primeiro participamos de uma roda de Jongo com o Ponto de Cultura “Jongo da Serrinha”. Depois lanchamos e demos início a nossa oficina. Literalmente começamos dançando de acordo com a música. Pegamos a Ciranda das cores e dançamos no embalo da música que um Ponto de Cultura estava apresentando. Depois fizemos algumas brincadeiras com a Ciranda e sentamos para bolar uma brincadeira para o nosso “Tapete Colorido” (brinquedo composto de círculos coloridos) com uma galera do “Cisane”. Depois almoçamos e descansamos um pouco. Em seguida apresentamos o Mapa para algumas pessoas, falando do processo de criação dos brinquedos. Depois assistimos a algumas apresentações (Pique Pega Cultural, boletim dos jovens do Ponto e Cultura, 2008, grifos nossos). Ou ainda, no evento realizado no Ponto de Cultura Jongo da Serrinha: ‘‘Quando chegamos na Serrinha já vimos mais ou menos como seria a oficina” (Pique Pega Cultural, boletim dos jovens do Ponto e Cultura, 2005-2006). Estas experiências em que o improviso passa a fazer parte de um repertório, cujos aprendizados passam pelo conhecimento de várias brincadeiras, jogos e dinâmicas, além do contexto e do apredinzado de lidar com a própria sensibilidade e sintonizar e respeitar o movimento do público encontrado foi algo bastante importante para todos, além disso, a experiência de participação na criação dos brinquedos nos demonstrou que o método, a priori, não deveria atropelar ninguém. 145 As “prosas” foram gravadas em vídeo, aproximadamente vinte, e estão em processo de catalogação e edição pelos jovens como parte do acervo do Centro Lúdico. 200 Pelo contrário, devemos “estranhá-lo” sempre, além de considerá-los descartáveis. Afinal, o método em si é importante na medida em que é criado para cada contexto e experiência, principalmente porque o método único é sempre uma forma de dominação, além de corrermos o risco de embotar a descoberta (Leal, 2003). Enquanto experimentações, os processos nos Pontos de Cultura não seguem regras prontas e fixas, muito menos “modelos”, embora seja sempre prudente ter um plano e saber que podemos utilizá-lo conforme a realidade encontrada, pois invariavelmente a descoberta está sempre fora do plano, assim como as linguagens também estão nas emoções. Ao provocar a criação e a experimentação, os sujeitos se apropriam das ações e podem ampliar suas perspectivas de escolhas em relação à autonomia da própria vida. Por meio da autoconfiança, podem superar dificuldades que remetem ao processo de transformação na sociedade mais ampla, o sentido de coletivo. Fazer cultura antropofagicamente é traçar um mapa de sentidos em que se participa da construção de um território coabitado. “Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros” (Andrade, 1928) repete sete vezes seguidas Oswald de Andrade no Manifesto Antropófago, em um postura crítica em relação aos modelos. Toda experimentação, portanto, vale mais do que a imitação estéril de modelos. Já Benjamin, ao se reportar aos jogos e brinquedos, afirma: “(...) em suas formas mais simples, nesses jogos, com coisas inanimadas, ou antes, é justamente através destes ritmos que nos tornamos senhores de nós mesmos. (...) O adulto alivia seu coração do medo e goza duplamente de sua felicidade quando narra a sua experiência. A criança recria essa experiência, começa tudo de novo, desde o início (...) fazer sempre de novo é a transformação do hábito em uma experiência devastadora” (Benjamin, 1994, p. 253). Deste modo, as implicações pensadas por estes pensadores nos instigam a trazer algumas outras experiências: Cortejo Brincante. Escola Municipal. Ótimo improviso! (...) Conversando com a diretora adjunta da escola, decidimos que faríamos o cortejo, mas abriríamos mão das oficinas. E aí, deu certo? Foi ótimo! Cada um de nós se arrumou com chapéus, calças coloridas, panos do Arco-Íris, roupa do “Visconde Transgênico” (como o foi apelidado) e abrimos a Ciranda das cores como bandeiras. (...) Depois da brincadeira em roda na praça e de uma rápida conversa capitaneada pelo griô de tradição oral, voltamos à escola. Seguimos de sala em sala nos apresentando, contando o que fazemos, o que nos une, do que gostamos. Cantando o samba baixinho, falamos de Zé Rhomma, das muitas histórias da Rocinha e prometemos voltar. Deixamos no ar a história do bicho do pântano que a Jovem 2 gosta de contar. Será que é o jacaré que o griô mestre fez e que mais parece de verdade? Sei lá! Só sei que quero estar lá na 201 escola outra vez no dia de ouvir essa história sem respirar. E a volta? Foi descer a ladeira, a trilha do mato escorregadia cansados mas dando risada. Senti falta de quem não pode estar conosco, mas não faltarão oportunidades de brincar já que isso é o que a gente gosta de levar por aí, mundo afora (E-mail, 16/07/2009). A busca pela ação coletiva é motivo e consequência, na imensa pluralidade cultural brasileira, em que as singularidades geralmente são subjugadas. Momentos raros em que podemos refletir sobre as próprias ações, sobre o acontecido e o que nos faz reiniciar rejuvenescidos. A vitalidade que algumas experiências nos trazem são duradouras na medida em que imprimem fôlego, provocam e implicam, de alguma maneira, as pessoas envolvidas. Assim, as atividades envolvem o processo de registro que são realizadas com informações dos espaços da comunidade e dos relatos dos moradores, que vem sendo incluídas nas cartelas do mapa-lúdico, brinquedo criado no Centro Lúdico. Cultura, Ludicidade, Educação, Memória encontram-se em movimento pelas ruas, escadarias e becos da Rocinha. Este processo envolve a valorização do brincar como um importante canal de comunicação entre crianças, crianças e professores, professores e professores, crianças e jovens, jovens e jovens, crianças, jovens, adultos e os mais velhos em interações que se mesclam e se recriam permanentemente. Aspectos que residem na criação brinquedos concebidos e criados na convivência entre crianças, jovens e adultos envolvem os brinquedos artesanais que refletem a cultura e a forma de conviver de cada grupo; brinquedos únicos confeccionados com materiais simples que nascem da convivência146 entre adultos, jovens e crianças, explorando cor, textura e movimento. São brinquedos orgânicos em sua maioria sem regras previamente definidas, que possibilitam a expressão livre e criadora - um convite à descoberta e à experimentação, como segue: O que será que tem nessa caixa? Fechem os olhos que tem uma surpresa! Encantamento é a palavra para esse encontro dos pequenos olhos curiosos diante da maquete que resume as tantas histórias contadas e brincadas. A moça que se prepara 146 Desde o texto Experiência, Benjamin revelou a sua preocupação e estudos sobre a criança, criticando o moralismo dos livros infantis e a forma infantilista do adulto se relacionar com a criança. E se a modernidade já não nos permite compartilhar conselhos e experiências, as crianças, de alguma forma, ainda mantém laços com a tradição e com a história. Alguns ao vivenciarem difíceis situações de sobrevivência e outros ao se entregarem ao consumo imediatista, deixam de ser tocados pela experiência, ou pouco partilham suas tristeza, demais sentimentos e sonhos, e, portanto não identificam sintonias ou problemas comuns que as levassem a aproximações, lutas e transformações societárias. Assim, para Para Gagnebin (1997) os artistas, os pobres e as crianças, seriam focos de resistência na modernidade, por verem o que não se vê mais, a dimensão das bordas, das falhas, do invisível, e do inaudito. 202 para cozinhar, o cachorro na porta, o poço que guarda a água, o quarto de dormir, o quintal de brincar. Hoje é igual a ontem? Como era antes? Como é hoje? Como será depois? Como tem sido a vida na Rocinha desde os tempos em que era uma grande floresta banhada pelo mar? Vamos conhecer brincando e contando histórias? (Livro Nação Griô, 2008) (Exposição Tio Lino na UFF/Proext Cultura. Texto). Embora a possibilidade deste caminho se realize na experiência e na instantaneidade das ações, não é consequência de um mero acaso, apesar de que eles são considerados como importantes quando nos afetam. Enquanto resultantes de uma parcela de imprevisibilidade, sobretudo, decorrente de uma ampla compreensão das infinitas realidades, descobertas e redescobertas, elaboradas e reelaboradas, invariavelmente são forjadas pelo desenvolvimento da percepção, da sensibilidade e da reflexão crítica. Isto é colocado em oposição à velocidade dos acontecimentos e à obsessão pela novidade e pelo novo. Velocidade e obsessão pelo novo são, aliás características do mundo moderno. Em função delas deixamos de realizar conexões significativas entre os acontecimentos. Além disso, impedem também a memória, principalmente porque cada acontecimento é imediatamente substituído por outro, sem deixar qualquer vestígio. Formam-se, deste modo, sujeitos informados, mas também consumidores vorazes e insaciáveis, eternamente insatisfeitos. O sujeito da experiência é o sujeito passional para Larrosa147 (2002), em que se funda também uma ordem epistemológica e uma ordem ética. O sujeito passional tem também sua própria força, que se expressa produtivamente em forma de saber e em forma de práxis. Mas, um saber distinto daquele derivado da informação, da técnica e do trabalho, que geralmente é instrumental. Constatamos, portanto, que os brinquedos artesanais confeccionados no Ponto de Cultura envolvem a interação de pessoas e propostas como uma espécie de desaceleração nesta sociedade em que a velocidade se torna vertigem, algo correlato a um movimento de resistência, mas não enquanto mera oposição a algo, mas uma resistência criadora. A opção ético-política pela valorização destes saberes não hegemônicos nos processos de políticas culturais tem conexões com a interculturalidade crítica, que não parte do problema da diversidade ou diferença em si, nem da tolerância ou inclusão culturalista, como vimos anteriormente. 147 Jorge Larrosa Bondía é doutor em pedagogia pela Universidade de Barcelona, Espanha, onde é professor titular de filosofia da educação. 203 Enquanto processo e projeto, a interculturalidade critica, “questiona profundamente a lógica irracional e instrumental do capitalismo”, apontando para a construção de sociedades diferentes, de outra ordem social, cuja complexidade e ambiguidade envolvem relações de dominação-subalternização e de resistência de outras subjetividades, ou outros processos de subjetivação mais autônomos. Em Foucault (2004), a subjetividade148 se constitui por meio das “técnicas de si”, em que o sujeito se forma na experiência, num conjunto de processos pelos quais o sujeito coexiste com problemas e obstáculos, mas é capaz de transformá-los. O assujeitamento é a condição primeira da possibilidade de existência, porém essa condição traz simultaneamente possibilidades de resistência, em que a presença de outros sujeitos é imprescindível no processo da autoconstituição (Foucault, 2004, p.40). Além disso, estas questões estão relacionadas, a situações concretas, mas também sutis, pois “(...) a realidade não se restringe ao visível e a subjetividade não se restringe ao eu” (Rolnik, 1992). A arte e a cultura não produzem objetos, mas sujeitos. Enquanto formas de comunicação, favorecem intercâmbios que podem vir a provocar fecundações nos processos de criação e desenvolvimento humano e social. Neste estudo, as linguagens artísticas se inserem no âmbito das práticas de produção de subjetividade, pois na ação cognitiva há um vetor inventivo em que o aprendizado cria o mundo e os sujeitos, formando-os em direção a uma autonomia, em conexão com o coletivo e não os distanciando das práticas e do contexto que os produzem, como se dá no processo do individualismo. Incidindo no âmbito da produção de subjetividades, as experiências aqui analisadas supõem uma forma de resistência à produção de subjetividades assujeitadas e 148 Com base em Foucault, compreendemos a subjetividade enquanto processos de subjetivação que não correspondem à ‘vida privada’, mas designam a operação pela qual as pessoas ou as comunidades se constituem como sujeitos, à margem dos saberes constituídos e dos poderes estabelecidos, que passam a dar lugar a novos saberes e novos poderes. A subjetividade é indissociável da idéia de produção, ao contrário do sujeito fixo, cartesiano, que tem como condição um pensamento que o separa do mundo. As subjetividades estão em constante transformação e têm relação direta com o território histórico e afetivo que habita. Entendemos ainda a subjetividade como efeito da conexão entre um conjunto heterogêneo de sistemas de referência, sejam eles econômicos, políticos, tecnológicos, bem como de sistemas afetivos, perceptivos, corporais, inconscientes, dentre outros. A subjetividade não está relacionada a uma identidade individual e cristalizada, mas é uma constante reelaboração não acabada. Guattari e Rolnik (1986) afirmam que esta lógica conectiva não pode ser pensada nem além, nem aquém, nem ao lado dos processos de produção de subjetividade, mas, sim, como um modo de subjetivação, uma maneira de produzir condições de vida coletiva, com base em relações cotidianas. 204 individualistas e ampliam possibilidades de emancipação e afirmação de outras práticas baseadas em lógicas coletivas e solidárias. Estes processos designam intervenções pela quais os sujeitos, grupos ou comunidades se constituem, geralmente à margem dos saberes constituídos e dos poderes estabelecidos em diferentes instâncias como a econômica, social e cultural, porém com possibilidades de ocupação de outros lugares, bem como a construção/consolidação de outros saberes e poderes. A seguir, abordamos o conceito de experiência em Benjamin, com vistas a contemplar e refletir sobre as questões deste estudo. 4.5. ‘Entre’ Pontos: criações coletivas e o conceito de experiência A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas porém, ao mesmo tempo, quase nada acontece. Dir-se-ia que tudo o que passa está organizado para que nada nos aconteça. Larrosa. A citação de Larrosa, com clara inspiração benjaminiana, reflete a contradição entre a abundância de informações e a pobreza de experiências. A absorção de uma quantidade enorme de dados não implica necessariamente conhecimento, mas um acúmulo de informações, que caracteriza a sociedade contemporânea nos impedindo de ter experiências significativas que provoquem transformações. Em Experiência e Pobreza Benjamin149 aborda o tema da experiência a partir da constatação da perda, em que o empobrecimento da experiência provém da perda de uma tradição compartilhada pela comunidade humana. A tradição é retomada e transformada a cada geração, sobretudo na continuidade da palavra transmitida de pai para filho. Todavia, a perda desta possibilidade ocasiona também o desaparecimento das formas tradicionais de narrativa que têm sua fonte e força nessa prática de transmissão. A arte de narrar se tornou rara, pois ao depender da transmissão de uma experiência que 149 Benjamin, judeu-alemão nascido em Berlim de 1892, participou do Movimento da Juventude Livre Alemã na adolescência defendendo ideais socialistas e colaborando na revista do movimento. Nesta época, há uma nítida influencia de Nietzsche em suas leituras. As elaborações e reflexões originais e particulares feitas por Benjamin nem sempre foram aceitas pela academia germânica, culminando com a recusa de sua tese de livre-docência, pelo Departamento de Estética da Universidade de Frankfurt, sobre as origens do barroco alemão, em 1925, devido ao fato de procurar fundamentar essa origem na comunidade judaica. Em 1933, com a ascensão do nazismo, asila-se em Paris. Em 1940, com a invasão da França, consegue um visto de saída para os Estados Unidos, porém a sua morte envolta em mistério teria ocorrido durante a tentativa de fuga através dos Pirineus, quando, temendo ser entregue à polícia nazista, Gestapo, comete suicídio, ou ainda em outra versão, a de que fora preso pelas tropas franquistas na fronteira espanhola e suicida-se, em 27 de setembro de 1940. 205 já não é possível150, são extintas também as condições de vivermos experiências no mundo moderno. Um mundo excessivamente industrial, época em que o autor publicou os textos abordados, por volta dos anos 1930, e que impedia que as gerações dialogassem entre si. O que nos leva a constatar a vigência do individualismo, que se sobrepõe à troca de experiências, ao fazer conjunto e à criação coletiva. Já em O narrador: observações sobre a obra de Nikolai Leskow, Benjamin (1994) aborda como a narrativa foi destituída por meio da análise psicológica, própria do romance, e de explicações, cujas informações seriam demasiadas, impedindo as pessoas de terem experiências diante do excesso de dados que passaram a circular. Atribui ao periodismo esta mudança, enquanto o dispositivo moderno para a destruição generalizada da experiência, “privados de uma faculdade que nos parecia inalienável: a faculdade de intercambiar experiências” (Benjamin, 1994, p.197). Estas circunstâncias impossibilitam a própria experiência, e, por conseguinte, a capacidade de ouvir o outro e partilhar coletivamente a memória e palavras comuns. No texto Sobre alguns temas em Baudelaire, o autor aborda a dimensão da “atrofia da experiência” por meio da analogia entre o trabalho fabril e o jogo, em que o desaparecimento do desejo está relacionado também à perda da experiência que, para projetar o futuro no presente, requer a rememoração do passado: (...) na vida, quanto mais cedo se formula um desejo, tanto maiores são as suas perspectivas de realização. Quanto mais um desejo remonta no tempo, tanto mais se pode esperar a sua concretização. Mas aquilo que reporta ao tempo passado é a experiência, é o que o preenche e articula. Por isso, o desejo realizado é a coroa destinada à experiência. (...) Quem formula e concretiza um desejo vive um ‘tempo que realiza’, antítese do ‘tempo infernal’ experimentado por aqueles que, como o jogador e o trabalhador assalariado, se dobram sob um eterno presente, pois têm que ‘recomeçar sempre de novo’, não lhes sendo dado ‘realizar nada daquilo que começaram’ (Benjamin, 1983, p. 46, grifo nosso). Assim, para Benjamin, o desejo pertence à ordem da experiência. Esta reflexão é feita com base na comparação entre Londres e Paris, afirmando que esta última, ao 150 Além do advento da industrialização, o contexto em que estes textos foram redigidos também corresponde ao período posterior a primeira Guerra, recente acontecimento que representava a perda da experiência, pois ao voltarem das trincheiras, os sobreviventes ficavam mudos, devido a impossibilidade de assimilar e transmitir, por palavras, tudo o que fora vivenciado. 206 contrário da primeira, ainda reservava espaço para o flâneur151, devido ao período da primeira metade do século XIX, em que Paris ainda conservava alguns aspectos dos bons tempos antigos. Em A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução, a concepção da aura como parte da essência da obra de arte, encontradas no âmbito da experiência e da sensibilidade, compreende a concepção não linear da história, em que Benjamin rejeita as leituras evolucionistas, por meio do conceito de “salto original”. Isso supõe que algo inexistente passa a existir por ruptura e continuidade num processo dialético, em referência à própria vida e as singularidades que remetem às significações universais. A reprodução essencial da obra de arte realizada por mestres e discípulos, bem como por terceiros que visavam ao lucro é diferente da reprodução técnica que compreendeu, ao longo da história, a xilografia, a litografia e a fotografia. Esta última abalou as estruturas da arte, conferindo a reprodução de imagens no mesmo nível da palavra, até o cinema que as contém, além da reprodução do som, assim como a litografia continha o jornal ilustrado. Benjamin responsabiliza a decadência da aura, a perda do seu testemunho histórico e/ou da memória, ou seja, de tudo que foi transmitido desde a sua origem, atrofiando-a na era da reprodutibilidade técnica, desvinculando-a de sua tradição, devido às transformações históricas. Deste modo, passível de reprodução infinita, a obra de arte deixou de ter apenas uma “função ritual” mágica ou religiosa, para fundar-se na prática política, como afirmava: “(...) desde que o critério de autenticidade não é mais aplicável à produção artística, toda a função da arte fica subvertida. Em lugar de se basear sobre o ritual, ela se funda, doravante, sobre outra forma de práxis: a política. (...) E, na medida em que essa técnica permite à reprodução vir ao encontro do espectador, em todas as situações, ela atualiza o objeto reproduzido” (Benjamin, 1994, p. 167, 169), possibilitando o contato e a ampliação para um público mais abrangente, alargando as nossas experiências e a própria razão, bem como as perspectivas da reeducação da sensibilidade do homem e da emancipação como também vimos com Pedrosa. A noção de experiência em Benjamin remete a sua relação com a linguagem e às trocas advindas do compartilhamento. De acordo com Konder (2002), em 1935, 151 Benjamin propõe um debate sobre a figura do flâneur, que desdenha o tempo mercantilizado do capitalismo. Assim, ao passear vagarosamente pelas ruas, orgulhoso de sua ociosidade, o flâneur descrição alegórica do autor, denota a repulsa aos elementos que caracterizam a degradação da vida sob a exploração do trabalho no mundo capitalista (Benjamin, 2000). 207 exilado em Paris, Benjamin escreveu o ensaio “Problemas da sociologia da linguagem”, em que manifesta uma aguda preocupação com os mecanismos teóricos e políticos que obscureciam a luta de classes, na linguagem. Diante da generalização da produção para o mercado e da avassaladora transformação de todas as coisas em mercadoria, a linguagem estava se impregnando cada vez mais de um utilitarismo e de um imediatismo, em que as frases nasciam para ter serventia imediata e as palavras constituíam meros instrumentos para promover o entendimento entre as pessoas num plano estritamente funcional. Contudo, a linguagem é, por sua própria natureza, o nível da nossa existência com a qual falamos das nossas experiências, dos nossos problemas. Desta forma, a pressão deformadora da ideologia não evitava as reações contra ela, em que a defesa dos valores intrinsecamente qualitativos, em oposição à quantificação inerente ao capitalismo em que os valores são mensurados ou traduzidos em preços, obrigou a linguagem na sociedade burguesa a se afastar de certa “magia” que tinha nas suas origens. “E o uso mais livremente e criativo das palavras ligadas aos sentimentos vividos e às tensões da subjetividade ficou mais ou menos relegado á espontaneidade das crianças ou à audácia da expressão dos poetas, dos artistas” (Konder, 2002, p. 157). Assim, enquanto uma polissemia, o termo “experiência” perpassa os estudos de Benjamin, suas críticas literárias, históricas e sociais, sendo utilizado de forma plural. Para ele, a narrativa tem origens remotas e está relacionada a um tipo de experiência que só se realiza com dificuldade na modernidade, devido às pressões ideológicas dominantes, que também reificava a linguagem, configurando riscos no processo de resistência e emancipação da população. Deste modo, na narrativa se encontra certa sabedoria peculiar, que não deve ser subestimada, sem que também não se superestime a capacidade de resistência contra as distorções ideológicas. Para Konder (2003), Benjamin se refere a toda a história da sociedade classista questionando-a nas observações a respeito do declínio da narrativa, uma vez que os revolucionários que se insurgiram contra o capitalismo são atingidos pelos efeitos deformadores da sua dinâmica e não conseguem resgatar tudo que está sendo dilapidado. Com certa melancolia em O narrador, (em que o desalento com as transformações da sociedade estão presentes), mas também com esperança em Sobre alguns temas em Baudelaire, em que afirma os lugares de resistência na modernidade, Benjamin revela sua ambiguidade na apreciação dos problemas colocados aos homens, porém, ele mesmo exaltou a ambivalência como algo grandioso neste mesmo texto. 208 Com base nestas considerações, nos remetemos a seguir e nos próximos itens a algumas considerações que envolvem os Pontos de Cultura e a problematização do processo de experiência, experimentação e criação, uma vez que envolvem o enfrentamento na imposição de modelos considerados “eficazes”, apelos de um sistema que irradia a opção pela compra do que já está pronto, em oposição à criação e construção realizada pelos (e dos) sujeitos. Tais processos abarcam trocas mútuas, para além daqueles rígidos e fixos, em que alguns saberes são superiores a outros, ou ainda em que somente uns ensinam e os outros aprendem. Aqui ao contrário, valorizam-se as trocas, atentos as influências das ideologias tidas como “corretas”: (...) eu tenho muito cuidado com isso, com pessoas que já chegam com a postura de ensinar. É claro que eu ensino, mas a minha postura não é essa. A minha postura é sempre de aprendiz, mas um aprendiz que vai aprendendo e vai trocando aquilo que sabe, mas não entendo aprendiz aquele que só recebe. (...) Funciona um monte de coisas com outros códigos. Esse entendimento de outra forma de estar no mundo eu acho assim, fantástico. E acho que a gente tem que aprender isso também, o que funciona nisso? (...) O espaço de relação, o espaço de discussão é que me encanta fazer, me encanta estar, brincar passando, mas não precisa ser uma brinquedoteca. (...) E tem que ver se o canal que funciona é o brinquedo ou se é o livro, ou se é a musica, etc., eu tenho muito isso, assim (Coordenadora de Ponto de Cultura, 2008). Ao evitarmos os processos de cisão, em que é determinado quem ensina e quem aprende, ou que somente determinada linguagem é “completa ou central”, favorecemos trocas que são permeadas por sensibilidade e respeito ao outro e aos lugares, desnaturalizando e fomentando outras lógicas: a do coletivo e a do reconhecimento desse outro. É importante também não considerar que uma ou outra linguagem artística seja a melhor, a mais propícia a todo e qualquer sujeito, o que não se confirma, pois as habilidades são diferentes, assim como os caminhos escolhidos. Portanto, a oportunidade de experimentar e poder escolher um caminho, isto sim é o mais importante, sendo fundamental para os processos de autonomia e possível emancipação do sujeito, viabilizando realizações pessoais e profissionais, além da possibilidade de agir em benefício de um coletivo e não somente individual. Outra constatação é a de que nem sempre os espaços sejam fundamentais, mas podem ser itinerantes, dinamizados ou transformados a partir das perspectivas locais. Isto supõe também considerar o direito ao espaço da cidade e da circulação, das praças, dos lugares de encontro, que muitas vezes são negligenciados, mas que são fundamentais para a convivência coletiva, ou seja, para a recriação dos lugares. Deste modo, considerando o âmbito da arte e da cultura enquanto o lugar do conhecimento 209 intuitivo e da reflexão sobre o vivido, constatamos com Benjamin (1983, 1994, 2006) que não é possível conhecer a realidade exclusivamente pela razão, mas aliada à sensibilidade. E, sobretudo considerando o passado que a produziu. A razão e os critérios racionais, portanto, não poderiam se sobrepor nos processos históricos, mas serem aliados, além da contextualização e da interferência do sujeito na história, ampliando perspectivas de transformação. Não se trata do registro das contradições apenas, mas o modo de enxergá-las, já interferindo, sendo, portanto, uma construção contínua. As éticas dialógicas não supõem necessariamente conhecer mais, nem estabelecer algo como central ou mais importante, mas considerar os meios de ação em processo e em interação, cujo conhecimento ou modo de funcionamento não são universais, mas se aproximam da realidade, dos diferentes saberes e de seu constante movimento. Isso nos aproxima a Foucault, que recusa a elaboração de teorias acabadas, bem como aborda o termo experiência de diferentes formas e expressões em seus escritos. Todavia, inicialmente, sua abordagem se aproxima da fenomenologia existencial, em que a experiência é o lugar de descoberta e captura das significações. Posteriormente, a experiência é tratada como uma forma histórica de subjetivação, em que sinteticamente, três elementos são necessários: o jogo de verdade, as relações de poder e as formas de relação consigo mesmo e com os outros. Tal conceito foi revisto ao longo de sua obra, momentos em que redimensiona, por exemplo, denominações dadas a experiência da loucura, como um “mal nome, porque não é em realidade uma experiência” (Foucault, 2005; Castro, 2009, p.161). Mas, “uma experiência é sempre uma ficção; (...) que não existe antes e que existirá depois” Foucault (2007, grifo nosso). Os referenciais que buscamos propiciam deslocamentos de reflexão sobre os processos de criação e de experimentação que considerem as experiências dos sujeitos, a indissociabilidade do âmbito político, ético, da cultura e das políticas públicas, em específico das políticas culturais, contexto deste estudo. Benjamin, também não buscou a articulação de um sistema pedagógico completo, fechado e minucioso, mas destacou a importância da experiência e do processo, ambos pouco valorizados na atual sociedade da informação e do produto. Deste modo, esta indagação reflete em certo sentido a nossa escolha pelos autores abordados, principalmente por nos sentirmos “mobilizados”, nos impelindo a 210 vislumbrar as experiências e a pesquisa, neste estudo, como um território de passagem e desafio. Com o intuito de destacar a importância com que Benjamin tratava o conceito de experiência, outro conceito importante em sua obra, que apenas citamos sem aprofundá-lo é o da Alegoria. Isto porque, segundo o autor, a Alegoria facilita o acesso aos conceitos. A expressão da Alegoria é desenvolvida no livro “Origem do Drama Barroco Alemão”. Nessa obra, a defende enquanto categoria estética, em que utiliza imagens para compreender a atualidade dos fenômenos históricos, a partir da sua própria experiência durante e após a guerra de 1914-1918 e da condição do homem na fragmentada e decadente efemeridade histórica152. Destacamos ainda o vínculo com a tradição, feita por Benjamin. Olgária Matos a define como a “dimensão na qual se aloja a ‘aura’ do tempo, a consolidação da experiência coletiva, a autoridade que garante o acesso do indivíduo à dimensão de sua ancestralidade que pertencem a uma mesma comunidade, tradição que pulsa em cada instante do ‘agora’. A recordação (Eigendenken) é a anamnese da experiência coletiva na sua forma social, os rituais” (Matos, 1989, p. 32, grifo nosso). Assim, a memória como uma força política é uma inspiração benjaminiana que supõe refletir acerca do papel da memória coletiva, reconstruindo e disputando concepções históricas que têm como elemento central os embates do presente e a sua permanente construção, apostando em ações instituintes, pois historicamente há indícios do ocultamento das lutas sociais, e, por conseguinte, das suas potencialidades de transformação. O saber da experiência, portanto, ocorre na relação entre o conhecimento, a memória e o movimento da vida humana. Os brinquedos criados no Centro Lúdico nos remete ao potencial criador dos Pontos de Cultura que procuramos abordar, em que se conjugam por meio da experiência, espaço e tempo de um tipo peculiar de saber, o presente, o passado e o 152 Estes escritos datam de 1920, e enfocam a vanguarda do cinema soviético, em que se deflagrava a teoria da montagem, explorando um sentido novo e revolucionário decorrente da contraposição de fragmentos diversos e independentes; além do contexto das artes plásticas, em que crescia a técnica da "collage", com Picasso, dentre outros, além do romance que incorporou tais técnicas de descontinuidades com Proust, que “arrancavam” fragmentos de um lugar colocando-os em outro, reconstruindo contextos. Derivam disso os discursos fragmentados, alegóricos e as citações que compõem o pensamento benjaminiano, “deslocamentos” que ampliavam as percepções, por meio de uma leitura alegórica em que: “o falso brilho do totalitarismo se apaga” (Benjamin, 1984). 211 futuro, cuja rememoração/recordação é o elemento que pode viabilizar a transformação da história, matéria tanto da vida privada, quanto da coletiva (Benjamin, 1994). Enquanto relações que se estabelecem nas experiências, recorremos também à noção de dispositivo de Foucault, que corresponde a determinados instrumentos ou situações produzidas no território da pesquisa, como os brinquedos criados e as situações/experiências advindas da sua experimentação com diferentes grupos. Sinteticamente trata-se de romper o plano discursivo e indagar os movimentos derivados das práticas, suas particularidades, heterogeneidades que articulam, conectam e desconectam formando um dispositivo sempre singular. Somos imanentes ao dispositivo, estamos implicados, além disso, estão envolvidos acasos que não são controláveis, sendo assim, enfatizamos também a seguintes falas, decorrente da nossa convivência em diferentes espaços com os Pontos de Cultura: (...) Aprendi com os mestres mamulengueiros que diziam: - Agora faz, senta aí e faz. Mas eu não sei. - Faça mesmo assim. E mesmo não sabendo a gente ia tentando, aprendendo. A gente aprende por convivência, e a gente é estimulado a errar, o mestre repete: - faça, - mas eu não sei... - faça. A batalha não é mais pelo meio de produção, pois até celular filma... a batalha é pela dica, a batalha é para democratizar os meios. O direito humano, a comunicação com outros humanos. Não é só ligar a TV e receber, isso não é comunicação. Na cultura digital, sim, pode, é diálogo. Do preconceito que a gente tinha, passou a fazer parte. O trabalho grande hoje é para colocar mestres griôs na rede (digital). Colocar em contato e depois fazer um encontro presencial, mas, nós nem temos dado conta, como fortalecer essas dinâmicas... Buscar parceiros sensíveis a essas idéias como a escola (Simões. Ponto de Cultura Invenção Brasileira - Teia, 2010, grifos nossos). Assim, é possível identificar uma relação de troca e descoberta entre os participantes e as diversas atividades realizadas nos Pontos de Cultura, o que nos remete também às reflexões sobre o que se produz no cotidiano, espaço onde a vida acontece e no tempo em que ela transcorre, acontecem também criações anônimas e “perecíveis” que irrompem com vivacidade, mas que dificilmente se ampliam. “(...) O cotidiano se inventa com mil maneiras de caça não autorizada (...). Sua ‘fabricação’ é uma produção e uma poética. Lugar da pessoa ordinária, do herói comum, da personagem disseminada, do caminhante inumerável” (Certeau, 1994, p.13-57). São inúmeras e corajosas as ações que acontecem cotidianamente e que são comumente banalizadas na sociedade brasileira, principalmente por se tratarem de ações localizadas em contextos periféricos considerados, em sua maioria, sem importância social, cultural e econômica. Muitas ações do cotidiano têm sua grandeza e sua importância no sentido de produzir mudanças profundas. Lutas, pequenos embates e 212 situações de superação que se dão cotidianamente fazem diferença na vida de muitas pessoas, mas que, invariavelmente são capturados por um sistema que as torna banais e invisíveis. Como transcender essa atroz realidade? Talvez valorizando as vidas que se multiplicam e se superam a todo momento? Valorizando saberes e trocas que podem vir a desencadear outros mundos? A vida concreta e diária se beneficia de pequenos gestos, pequenos acontecimentos, grandes estratégias de sobrevivência, atos não heróicos, mas sutis, provocadores - quando conhecidos. Cabe a nós nos deixar afetar e sentir que as possibilidades estão presentes, prontas a serem disparadas, para colocar em movimento, transformar. Lutas e diferentes expressões culturais que não têm visibilidade, mas que passam a ser reconhecidas e valorizadas quando veiculadas e apoiadas pelo poder público (Sartor, 2010, no prelo). Deste modo, todas as pequenas descobertas, aparentemente óbvias, também são fascinantes, embora nas sociedades modernas, as lutas coletivas tendam a ser diluídas em provas pessoais (Bourdieu, 2001). Pudera fossem estimuladas, e que em vez de receitas e métodos já elaborados, tivéssemos o desafio constante de abandonar as cartilhas, métodos únicos e, sobretudo, a relação autoritária e superior nas relações sociais, sem reproduzir hierarquias ou saberes “prontos”, condições imprescindíveis para a instauração do inesperado, e também de possíveis transformações societárias, propostas de ações e expressões artístico-culturais como motores da transformação social. O pragmatismo derivado do tecnicismo está fortemente presente na área social e cultural, produzindo processos que não têm sido questionados153, mas atendidos pelos profissionais. Isso nos leva a desobrigar-nos das acepções correntes que vinculam cultura a uma instrumentalidade, que pregam desde o controle travestido de um suposto desenvolvimento humano e social até o cânone da salvação de algum perigo, sobretudo, quando se refere às classes populares e a pobreza. Rejeitamos desta forma o lugar historicamente produzido e destinado a estes sujeitos. Fora do alcance dos holofotes e dos grandes espetáculos, nos interessa destacar e analisar as manifestações artísticas dos Pontos de Cultura, que se encontram na esfera das ações coletivas, em que a experimentação, a troca e o reconhecimento em sua 153 Como os cursos de gestão de projetos para o terceiro setor e para organizações que trabalham com a área social/cultural com metodologias amplamente difundidas para a organização dos processos e resultados como o PMI (Project Management Institute), utilizada por diversas organizações, dentre as quais a Petrobrás a EGP (o Escritório de Gestão de Projetos do Governo do Estado). 213 própria expressão são mais importantes do que os resultados ou produtos mercadológicos. Ações que, em sua maioria, estão alheias aos critérios de eficácia, da tecnificação, da profissionalização e da competência do mundo empresarial, critérios que objetivam a produção e reprodução de interesses particulares, e, sobretudo, subordinados a lógica capitalista de mercado. No entanto, não se trata de um julgamento ou avaliação como já mencionamos no início deste estudo, mas da afirmação de práticas que estimulam outras lógicas, mais solidárias, éticas e coletivas. Assim, é um privilégio vivenciar as experiências, experimentações e a criação, em meio à imensa quantidade de informações, sobretudo, tornada artificial e descontextualizada na mídia contemporânea, devido principalmente a tamanha dimensão e extensão da pobreza e da desigualdade no Brasil. Confiamos, portanto, que a cultura possa existir sem nenhum fim condicional, a não ser ela mesma, em nome do contentamento e da liberdade de escolha de qualquer cidadão que deseje expressar-se, fruir e acessar bens e equipamentos culturais ou produzir cultura, ampliando inúmeras outras perspectivas de desenvolvimento e de questionamento da ordem vigente. Ora elogiada, ora subjugada, a proposta dos Pontos de Cultura/Programa Cultura Viva foi muitas vezes esvaziada, para que fosse reduzida a um método, a uma espécie de manual ou receita. Todavia, isto pressupõe uma preocupação que mobiliza as ações culturais nos Pontos de Cultura envolvendo processos de criação e de conhecimento reflexivo e sensível, que vão além dos métodos inflexíveis ou fechados. Nesse contexto, o papel do Estado é formular as políticas públicas com a participação da sociedade organizada, garantir o financiamento e a infraestrutura necessária para sua realização e ampliar os mecanismos de acesso, fruição e produção de cultura. Deste modo, abordamos a seguir com maiores detalhes algumas outras experiências154 que embasam o nosso estudo. 154 Destacamos que em 2009/2010 o Centro Lúdico participou de um programa denominado Ligando os Pontinhos, que tem como proposta mostrar a diversidade cultural do Brasil através das crianças e dos jovens, por meio da produção de dez documentários que serão disponibilizados para exibição na Rede Mundial de Televisão e TV Escola, um projeto do MinC em parceria com o Pontão Bola de Meia e a Fundação José de Paiva Neto. Neste mesmo ano, houve a participação no projeto do Livro/cd/dvd Brinca Brasil deste mesmo “Pontão de Cultura de São Paulo”, que realizou várias atividades na Rocinha, e finalizada com uma conversa com o Ponto de Cultura Bola de Meia, no formato de entrevista. Mais uma vez a equipe falou e se ouviu sobre o que fazia. “A oportunidade de sempre nos ouvir e ouvir o outro talvez seja uma das chaves, dentre outros ‘acionamentos’ que nos mobilizam, que nos abrem janelas, como disse um dos jovens, ou ainda que nos mantém unidos, como afirma outro, ou ainda, que promove o verdadeiro encontro com as pessoas, como disse outra participante. E cultura é isso, processo e ação permanente, pessoas” (Centro Lúdico. texto para o livro/cd no prelo, grifo nosso). 214 4.5.1. Intercâmbios nos Pontos de Cultura Apresentamos os dados do edital do “Prêmio Areté 2009 e 2010: apoio a pequenos eventos culturais em Rede”, especialmente por se tratar de uma ação pública prevista em edital, em que os Pontos de Cultura puderam candidatar-se, promovendo articulações e a ampliação de suas ações. Relacionamos, portanto, algumas ponderações e reflexões consideradas pertinentes para o âmbito das políticas culturais. As ações dos Pontos de Cultura têm produzido metodologias relativas à esfera da educação não formal, experiências relatadas com o intuito de visibilizar abordagens que envolvem a vida das pessoas nos ensinado a escutá-las. Situações que podem informar as políticas públicas e o tempo processual que as envolvem, incidindo diretamente na sua implementação e impacto. As dinâmicas do cotidiano e do local instauram mobilizações culturais e sociais, que podem superar a estrutura e o contexto desmobilizador, que geralmente provoca o esgotamento do próprio movimento vital, que é sufocado. Pensamos e criamos porque algo de nossa vida cotidiano nos força a inventar novos possíveis, ainda que a liberdade de criação seja uma força recorrentemente capturada pelo contexto capitalista e mercantil que esvazia e dilui os problemas e as tensões, perpetuando-os. Assim, ao visibilizar os processos de criação cotidianos, em especial nos Pontos de Cultura, enfrentamos também o desassossego, o que pode tornar também visíveis, os conflitos, as hierarquizações e a desigualdade, instigando transformações. Assim, contextualizamos as ações relacionadas ao edital do Prêmio, denominado Areté em que constatamos algumas implicações que nos auxiliam nas reflexões deste estudo. Todavia, destacamos que esse edital foi lançado após a vigência do edital Bolsas de Intercâmbio Cultura Ponto a Ponto, em 2008, que previa uma bolsa para o intercâmbio cultural. Os projetos apresentados ao processo seletivo dessa Bolsa tiveram que ser inscritos conjuntamente entre dois Pontos de Cultura que propusessem experiências de ação cultural realizadas em sua comunidade de atuação. Em virtude do valor previsto, cada Ponto de Cultura recebia R$ 2.500,00 para repassar duas bolsas no valor individual de R$ 1.250,00, o que não permitia um amplo deslocamento geográfico para execução da ação. Havia também uma série de atribuições e responsabilidades dos representantes dos Pontos de Cultura para integração do intercambista, que não eram financiadas pelo edital. Esse entrave 215 inviabilizou sua execução em Pontos de Cultura que não dispusessem de infraestrutura, como hospedagem, suporte operacional, logístico e técnico, e pessoal disponível. Segundo a proposta do MinC, a finalidade da Bolsa de Intercâmbio não era apenas partilhar uma experiência de ação cultural entre os dois Pontos de Cultura, mas garantir sua sistematização e promover a documentação recíproca. O produto do intercâmbio seria uma sistematização de cada bolsista em forma de relato escrito e/ou audiovisual da ação cultural. Os bolsistas e os técnicos representantes do Ponto de Cultura deviam elaborar conjuntamente o produto da sistematização do intercâmbio e um relatório final da experiência. Inicialmente o edital foi elaborado prevendo a seleção de 100 projetos de intercâmbio, mas foram inscritos apenas 23 projetos, dos quais foram selecionados 21, com quatro bolsistas cada um, totalizando a seleção de 84 bolsistas no intercâmbio Cultura Ponto-a-Ponto. Assim, nesse edital, a baixa adesão identificada supõe que os poucos recursos financeiros disponibilizados para execução do intercâmbio limitaram o alcance dessa iniciativa e representaram condições de precariedade para implementação de uma ação mais ampla. Vilutis (2009) aponta que este é o único edital do Programa Cultura Viva que utiliza o termo “ação cultural155”, mas que não há nenhuma definição dessa concepção por parte do MinC. Daí depreende-se que há estreita vinculação entre ação cultural e iniciativas comunitárias, pois dentre os critérios de pontuação para a seleção dos projetos, há destaque para a experiência de ação cultural que promova o fortalecimento da autoestima da comunidade e amplie as relações comunitárias (BRASIL, 2009j). A proximidade geográfica entre os Pontos de Cultura foi um dos fatores que evidenciou a forte articulação estadual dos Pontos, além dos demais editais e prêmios, que configuraram as várias iniciativas que estimularam os intercâmbios em âmbito 155 A categoria de “ação cultural” é definida por Teixeira Coelho, contudo, destacamos que em relação ao Programa Cultura Viva, este conceito fundamentou, pelo menos, dois estudos, como identificamos. O primeiro de Vilutis (2009), que utilizou Paulo Freire, em diálogo com as abordagens de Teixeira Coelho, definindo que o acesso à cultura e a fruição cultural por meio do processo político-pedagógico de iniciativas socioeducativas realizadas pelos jovens nos Pontos de Cultura caracterizam uma ação cultural. O segundo de Souza e Silva (2007), que considera a ação cultural, na acepção de Francis Jeanson, que remete à criação ou organização das condições necessárias para que a pessoas inventem seus próprios fins e se tornem sujeitos da cultura. Já para Teixeira Coelho, a ação cultural é um processo com início claro, mas sem um fim específico, portanto, sem etapas intermediárias pelas quais deva necessariamente passar. Na ação cultural, o agente dá início a um processo cujo fim não prevê e não controla. 216 municipal e estadual, fortalecendo as parcerias e espaços como o dos Fóruns e as Redes Estaduais de Pontos de Cultura. Contudo, no ano seguinte, em 2009, foi lançado o prêmio Areté, e o intercâmbio passou a ser realizado em grupo e não apenas entre duas pessoas, por meio de bolsa, ampliando as possibilidades de trocas e de experiências conjuntas. Assim, consideramos que o maior número de inscrições referenda estas constatações, já que se exigia a mesma articulação dos Pontos, porém contemplando um número maior de pessoas e de recursos para o efetivo intercâmbio. De acordo com o edital, o objetivo do prêmio era o de incentivar a troca de saberes em seminários e oficinas, celebração de festividades, mostras de poesia, literatura, artes plásticas, teatro, cinema, circo, capoeira e música, além de viabilização de shows, feiras e exposições. Além disso, fomentar a troca cultural entre Pontos de Cultura com outros agentes da sociedade civil, celebrando a diversidade cultural brasileira como uma ação de política pública que promova, afirme e fortaleça a comunidade, seus saberes e as redes sociais que as compõem (BRASIL, 2009d). Assim, detalhamos as experiências vivenciadas nos últimos editais, para delinear e basear as nossas análises. Em 2009, a equipe do Centro Lúdico interagiu156 com os Pontos de Cultura da região do Vale do Café - PIM (Programa Integração pela Música) e Jongo de Pinheiral. Entre prosas Griô e caminhadas em cortejo pelas ruas das duas cidades, crianças e professores de escolas públicas e particulares uniram-se às equipes, e participaram das oficinas lúdicas que ocuparam quintais, varandas, ruas e praças das cidades de Vassouras e Pinheiral. O intercâmbio objetivou propiciar o compartilhamento entre as equipes e criar um brinquedo-jogo que pudesse contar as muitas histórias e tradições da região. Além disso, foram propostas vivências e dinâmicas a partir do acervo de brinquedos do Centro Lúdico, trocando impressões e informações entre cidades do Estado do Rio de Janeiro. “É a invenção que cria a necessidade e não o contrário” (Barros, 2008, p. 80), assim, os desejos compartilhados mobilizaram a continuidade das ações. 156 Destacamos que o Ponto de Cultura Centro Lúdico participou, posteriormente à realização desta experiência, da publicação idealizada pelo Pontão de Cultura do PIM/Vassouras, que registrou as experiências de 126 iniciativas artístico-culturais da região do Vale do Café, dentre as quais apenas quatorze tinham realizado convênio com o Ministério da Cultura. Isto demonstra a articulação que os Pontos e outras ações não conveniadas efetivam em rede, algumas vezes potencializadas pela perspectiva de atuarem com o reconhecimento e a valorização pelo poder público. 217 Estas possibilidades de criação coletiva, em especial os brinquedos construídos na itinerância tanto física quanto do pensamento, nos leva a destacar algumas posturas, que fazem muita diferença no começo ou no desenvolvimento de qualquer atividade em conjunto, como a postura de aprendiz e de abertura. Contudo, é mais comum encontrarmos rigidez, controle e pragmatismo nas instituições diversas, bem como nas pessoas, que querem conter e controlar cada vez mais. Falar em processo, em longo prazo, em tempo processual em um país repleto de urgências e desigualdades é quase uma heresia. É destoar demais no âmbito da sociedade pragmática e individualista em geral. A ação coletiva do projeto do Ponto de Cultura supõe uma postura de construção permanente de todos os processos. Tais processos envolvem também a troca de conhecimentos. Desde os levantamentos sócio-culturais, da construção dos brinquedos, dos projetos de itinerância e intercâmbio com outros Pontos de Cultura, das diferentes ações no âmbito da Ação Griô, que compreendem inúmeras memórias, e em especial o Chá de museu e o processo de construção coletiva do museu comunitário na Rocinha, (denominado de Sankofa), dentre outros, que consistem em uma forma de conhecer e valorizar outros saberes. Estamos na esfera da disputa de valores mais solidários, mais humanos, principalmente, em contraposição ao que está instituído: o individualismo, o pragmatismo, o controle da vida e o estabelecimento da ordem que beneficia somente uma pequena e privilegiada parcela da população, escamoteando injustiças e a negação da vida, que envolvem a ausência ou falta de continuidade de políticas públicas. É importante frisar também que não é por meio da cultura apenas, mas através da economia, dos projetos que operem grandes investimentos sociais em termos de educação, saúde, habitação, etc., que se operam transformações, e não com a instrumentalização da cultura. A concepção das ações coletivas no Ponto de Cultura tratadas neste estudo propõe o diálogo entre os brinquedos, os saberes locais, as brincadeiras antigas e atuais que remetem à memória e ao processo histórico. A proposta se estabelece uma postura ético-política que desconstrói o processo cognitivo enquanto um modo fechado, verdadeiro, único, disciplinador. Afinal, estes parâmetros geralmente desconhecem e, portanto, desprezam o saber do outro e a possibilidade de realizar ações descomprometidas com a obrigação de se ensinar algo, mas que valorizam o brincar pelo brincar, a arte pela arte, a cultura pela cultura, a entrega, a presença, a alegria, o 218 deslocamento e o encantamento com algo que dentre outras coisas, é muito precioso: a constatação e o sentimento de que o bom da vida é poder compartilhá-la. Assim, consideramos que a principal esfera de atuação para as políticas de arte e cultura é aquela que opera na dimensão simbólica da vida, ampliando as possibilidades de criação e de desenvolvimento das potencialidades subjetivas do sujeito e, portanto, ampliando suas possibilidades de escolha pessoal e coletiva. 4.5.2. O atrevimento da criação e da experimentação O acervo de brinquedos artesanais do Ponto de Cultura Centro de Cultura e Educação Lúdica da Rocinha foi formado pelas ações dos projetos Rede Brincar e Aprender e Centro de Cultura e Educação Lúdica da Rocinha, em que o proponente foi o CIESPI - Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância em parceria com profissionais e articuladores da educação e da cultura de diferentes comunidades do Estado do Rio de Janeiro. Todavia, o processo de construção coletiva foi sendo transformado pela equipe do Ponto, que vem criando novas formas a cada experiência vivenciada, com diferentes grupos. Em continuidade a análise do processo abordado no item anterior, o que foi se delineando ao longo da experiência entre os Pontos de Vassouras, Pinheiral e da Rocinha, é que o brinquedo seria de pano, bem colorido e que representaria o Vale do Café. Pela riqueza da região em história, tradição e informações foi decidido que seria criado também um suporte com bolsos para guardar cartelas indicativas de brincadeiras, causos, fatos, personagens históricos, personagens fabulares, músicas, locais de referência histórica e/ou geográfica, griôs, festas, saberes e fazeres de tradição oral, dentre outros. Deste modo, as criações coletivas só se efetivam após muito diálogo e muita brincadeira, gerando brinquedos únicos e singulares inspirado no acervo de jogos e brinquedos inventados no Ponto de Cultura. A partir dos desenhos esboçados, o desenho final, definido antes de escolhermos os materiais mostrou-se como rodas em movimento. Um círculo maior que guarda em seu centro o mapa de Vassouras ou Pinheiral. Em torno do mapa, pintado no círculo maior, os caminhos que unem o Vale do Café: o caminho das águas (rio Paraíba), o caminho de terra (estradas abertas na mata), o caminho de ferro (trens, hoje somente para transporte de cargas), o caminho de asfalto (o que hoje nos leva de um lado a outro com maior rapidez). 219 Ao redor deste grande círculo, com o mapa e os quatro caminhos, posicionamse dez círculos menores que podem corresponder aos demais municípios que formam o Vale do Café ou a brincadeiras ou a histórias ou a festas ou a qualquer referência definida previamente pelo grupo que brinca. Ao jogar-brincar, os participantes percorrerão o tabuleiro parando em casas e caminhos que desvendarão curiosidades, indicarão brincadeiras, contarão histórias, atravessarão o tempo. Um jogo-brinquedo que oferecerá possibilidades múltiplas; que permitirá transformações, mudanças e permanências, memórias enquanto forças. Para contar essa experiência foi escrito também um relatório em formato de Calango, uma manifestação musical e poética que conhecemos nesta experiência em Vassouras, originada das roças mineiras e fluminenses, mais especificamente na bacia e sub-bacias do Rio Paraíba. Cantado ou declamado como desafio musical, o Calango é uma tradição oral que em última análise é uma expressão da música sertaneja da região Sudeste, que envolve a Zona da Mata de Minas Gerais, o vale do Paraíba e parte de São Paulo (Cândido, 2010). Assim, inspirados pelos griôs de Vassouras e de Pinheiral, cuja companhia, no projeto desenvolvido em conjunto, nos inspirou o registro em textos de uma parte do que nos tocou nesta experiência. Como base nesses textos, o griô Robson do Centro Lúdico produziu um Calango-Relatório: CALANGOTÓRIO Robson Pacífico Calangotango, calango das brincadeiras Fica sem eira nem beira quem diz que nunca brincou. Pois ser criança é uma lição pra vida inteira E foi nessa ludicidade que a Rocinha decolou. Para Barão de Vassouras Que beleza de lugar No aconchego de Betânia O grupo foi desembarcar. E desentoca, desembucha, desenrola Num cortejo rua afora até chegar lá no Pinzão. Pra conhecer culturas e trocar histórias E rimar calangando em versos de improvisação. Tchau Foguinho, Lívia, janeiro Nosso rumo é a pé Salve, salve gente boa Griôs do Vale do Café 220 A realeza deixou marcas na cidade Mas foi na simplicidade que a Jane no levou Pra saber de Manoel Congo e Mariana Criola Mais uma cena da história que a escola não contou. Clima perfeito pr’a um noite erudita Aquela ópera bonita faz o corpo e a alma aplaudir. Na volta foi aquele alô pra vizinhança O papo tava muito bom mas era hora de dormir. Depois do rico desjejum A criançada nos espera E como diz bem o Firmino... Brincadeira é coisa séria. Primeiro turno foi dentro do esperado Parecendo ritmado pela calma matinal. Já o segundo foi assim como encantado Crianças pra todo lado brotam num grande quintal. Nathercia, Marta e Jordana Pablo, Carol, Japa e Firmino Robson, Maria da Paz E pra fechar Carla e Tio Lino Cem contra onze até seria covardia Se não fosse a alegria que esse time tem pra dar. Teatro, música, artesanato e dança E o coração de criança sempre pronta pra brincar. No bagaço a gente volta Pro caminho da Betânia Bolamos um jogo legal Pr’aquela gente bacana Da Paz deu cola, Robson mandou a letra Que sobrou para Martinha o jongo que já é bordão De vez em quando alguém se lembra e logo diz: Não lava a roupa com o meu nome... o meu nome não é sabão Pablo e Japa filmam tudo Sem deixar nada passar Martinha tomou coragem E conseguiu até cantar Teve uma história que rendeu Muita risada o tempo inteiro Foi a mais nova aventura Do tio Lino motoqueiro Terceiro dia rumamos pra Pinheiral E foi na sede do jongo que a prosa recomeçou. Em sintonia tradição, jovem, criança E nessa fonte de riqueza a cultura se alimentou. E foi na margem lá do Rio Paraíba 221 Que a barriga fez a festa e a gente confraternizou. De volta à sede a criançada esperava O nosso circo foi montado e todo mundo ali brincou. Enquanto a tarde caía O povo levantava a voz Essa ciranda não é minha Ela é de todos nós. Na grande roda do Jongo Ninguém deixou de dançar Fatinha acendeu a chama Que nunca vai se apagar Foi show de bola, foi sucesso absoluto Resultado positivo correu tudo numa boa Tem gente aí que até hoje ri à toa Porque passou quatro dias trabalhando em Vassouras A quem possa interessar Demos conta do recado. E o relatório segue assim Na base do calangueado. (Livro PIRPIM, 2009). Foto 1: Processo de construção do brinquedo mapa jogo em Vassouras-Pinheiral Fonte: Acervo do Ponto de Cultura Centro Lúdico, 2009. Esta experiência envolveu a interação dos três Pontos de Cultura numa primeira vivência e experiência em setembro de 2009 e um retorno para finalizar o brinquedo em novembro de 2009, como veremos a seguir: E de repente as vivências se transformaram em brinquedo Volta à Pinheiral Voltamos a Pinheiral no final de novembro, depois de concluirmos a construção dos brinquedos de Pinheiral e Vassouras, precisávamos entregá-los e comemorarmos juntos o sucesso do trabalho. Como de praxe, fomos muito bem recebidos pelo pessoal do Jongo de Pinheiral, que estava em festa depois de uma semana de comemorações da cultura negra. Chegamos em um bom momento. A entrega dos brinquedos aconteceria no inicio da tarde, quando Jane, do PIM, chegaria a Pinheiral para estar junto de nós. Depois do almoço e de muita batucada, demos inicio a 222 “cerimônia” de entrega dos brinquedos explicando o processo de idealização e confecção dos brinquedos. Maria da Paz explicou o porquê das cores e desenhos em cada Mapa (Um de Vassouras, outro de Pinheiral), queríamos representar cada segmento histórico das cidades. A terra, as ferrovias, o Rio Paraíba e o asfalto, todos estavam representados nos mapas. Depois de apresentarmos, explicamos que os brinquedos são como folhas em branco e que as cores e traços dessa folha, são eles que vão dar, pois achamos melhor deixar que eles pensem em formas de brincar, em que histórias contar e etc. Depois de muita festa, batucada e comilança demos adeus àquele dia, e cumprimentado um novo dia, que nasceu muito quente e lindo. Aproveitamos a tarde para passear e conhecer um pouco mais da história da cidade, e também pra nos despedir prometendo voltar. Foi muito gostoso. Obrigado aos parceiros PIM e Ponto de Cultura Jongo de Pinheiral, que nos apoiaram tornando possível essa maravilhosa experiência (Blog Centro Lúdico, fevereiro, 2010). A construção coletiva de um brinquedo envolve uma série de experimentações com diferentes materiais, diferentes formas, a partir de uma intenção identificada, associada às informações e movimentos do grupo em atividade. Assim, os brinquedos sinalizam uma relação mais próxima do adulto com a criança ou com os jovens na troca de saberes sobre as formas de brincar que são passadas de geração em geração. Além disso, novas possibilidades de brincar são expressas, ou ainda surgem atividades dependendo do que esta latente em cada grupo. Entre Pontos: Rocinha, Vassouras e Pinheiral, 16 a 19 de setembro de 2009. (...) Sem medo de ousar, a proposta de construirmos um mapa-jogo em conjunto com as pessoas dos Pontos de Cultura de Vassouras e Pinheiral, nos trouxe imensas surpresas, mas também confirmações, principalmente a de que é possível transitarmos entre os nossos desejos e os desejos dos outros. O respeito, o ouvido atento e a vontade de ver concretizado mais um brinquedo que, passível de ser manuseado de diferentes formas, com diferentes públicos e informações, seja tão flexível e dinâmico quanto a vida. Como se brinca de “Paredinha?” voltamos com essa e outras dúvidas, pois em meio a tantas trocas, um assunto levava a outro, deixandonos curiosos e ávidos para continuarmos. Griôs, Folia de Reis, Calango, terço de São Gonçalo, Jongo, Cantigas, Vale do café, Trem, caminhadas, brincadeiras, crianças, crianças, crianças, música do e no PIM: até ópera!!! La Boheme, e por aí vai... Tradições, histórias, causos, encontros, gargalhadas e afetos. Assim, as inspirações lúdicas nos movem, sobretudo, sem infantilizar a infância e a brincadeira, como bem define Cortázar em uma entrevista a Bermejo (2002): ‘Minha noção de brincadeira demonstrada exaustivamente ao longo de tudo o que fiz - é séria e profunda. Eu acho que a brincadeira é uma atividade essencial do ser humano. Confundir brincadeira com frivolidade é uma primeira distração’ (Blog cespianos, 2009, grifo nosso; C. S. D. S, PIRPIM, 2009). O lúdico abordado por Cortázar é útil para se divertir e forjar novas possibilidades e consequentemente novas práticas. O jogo tem um papel libertador que permite pelos caminhos do humor, da imaginação e da fantasia, a descoberta de outras saídas para as questões que nos são impostas em busca da transformação das nossas relações com o mundo. “A literatura é para mim uma atividade lúdica, lúdica naquele 223 sentido que eu dou ao jogo, à brincadeira” (Bermejo entrevista a Cortázar, 2002). O lúdico é ainda a possibilidade de criar novas funções para aquelas que estão préestabelecidas, inventando outras muito diferentes. Estas são algumas constatações que embasam experimentações que se tornam suporte, não mero instrumento, mas que viabilizam intercâmbios, descobertas de outras memórias e convivência, sendo também experiências essenciais para o desenvolvimento autônomo, crítico e criativo das capacidades humanas. Esses apontamentos nos fornecem indicativos a respeito da articulação dos Pontos de Cultura em ações conjuntas, principalmente na elaboração de projetos diversos conjuntos, voltados às experimentações e uma experiência compartilhada. Algo bastante difícil de acontecer diante do parâmetro vigente do individualismo/pragmatismo que nos consome aliado às condições materiais de produção e de desigualdade em que estamos inseridos. Assim, problematizamos as imposições societárias, que definem lugares como o do pobre e da pobreza, por exemplo, bem como a utilização dos projetos culturais em prol de benefícios alheios. Contudo, ao serem coletivamente construídas, as chances de que as ações e o conjunto de relações sociais possam ser transformadas é maior, ainda que exijam tempo, por serem da ordem das mudanças processuais, que dificilmente se impõem, mas requerem adesão, apropriação e experimentação. Além disso, enquanto parte do funcionamento do sistema capitalista, as transformações exigem políticas públicas que efetivem estas modificações, ou seja, não se pode abdicar do Estado na criação e ampliação destas possibilidades, que exigem investimentos de larga escala. Com base na experiência do Ponto de Cultura Centro Lúdico, os brinquedos construídos coletivamente e utilizado em diversas situações e com diversos grupos, desconstroem uma lógica individual socialmente imposta, propiciando experimentações e possibilidades de interação e criação conjunta. Em última instância, isso depende de uma parcela significativa de exposição à alteridade, em que se dispõe a considerar o outro, aspirar e expressar a singularidade do outro, sem medo da mistura, em que a “contaminação” possibilita a expansão da potência vital (Rolnik, 1998). Segundo Oswald de Andrade (1928), este tipo de relação com a alteridade produz no corpo uma 224 alegria: a prova dos nove”, conforme repetido duas vezes no Manifesto Antropófago, como prova da pulsação de uma vitalidade157. O brincar e a ludicidade forjam novas práticas ao envolver os participantes enquanto cúmplices e parceiros de uma experiência comum, ainda que tenha significados diferentes para cada um e aproxime as diferenças, é um recurso que estabelece outros tipos de relações mais solidárias e compartilhadas, o que nos remete ao que a criança faz o tempo inteiro, e inteira no tempo, investigando, experimentando e explorando. Assim, explorar e experimentar pode ser uma forma de convivência e estabelecimento de vínculos apenas, contudo, trocas são estabelecidas, ou ainda favorecem a base da formação de um espaço de encontro associado a aprendizagem, ou seja, de construção do conhecimento, sem que isso seja imposto. Isto nos remete à experiência vivenciada em um Encontro de Ludicidade em São José dos Campos, em que numa conversa sobre este assunto com um mestre griô, ele contava: “(...) é só na vadiagem que se aprende. Os Violeiros, por exemplo. Na cultura afro-brasileira só aprende quem é vadio. Temos que reaprender. Nossa civilização não deu certo”. Ou ainda, inspirados por Mário de Andrade, cuja celebração da mestiçagem em Macunaíma satiriza a erudição que não corresponderia à realidade brasileira e sim à portuguesa, destacando a capacidade de criação e de surpreender do brasileiro que, ao inventar formas de viver, dribla inúmeros problemas resolvendo-os de forma inusitada. Contudo, o “jeitinho brasileiro” é inegavelmente associado à malandragem rotulado como pejorativo nos meios de comunicação, tornados subalternos e mesquinhos, sem que se ressalte sua solidariedade, vivacidade e peculiaridade brasileiras. Ousamos ainda correlacionar a figura do flâneur de Benjamin, que desdenha o tempo mercantilizado do capitalismo, como vimos. Assim, ao passear vagarosamente 157 A afirmação da potência vital que se expande supõe a superação da “baixa antropofagia” mencionada no Manifesto Antropófago, “(...) aglomerada nos pecados do catecismo, a inveja, a usura, a calúnia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que estamos agindo. Antropófagos” (Oswald de Andrade, 1928). Os exemplos no contexto contemporâneo são inúmeros, como constata Rolnik (1998): a tradição da elite brasileira nega a alteridade que encontra na escravidão sua máxima expressão. Assim, a prática antropofágica torna-se perversa ao reificar o outro que, esvaziado de sua singularidade, será instrumentalizado a serviço dos interesses de quem o incorpora. Esta marca histórica escravocrata encontra-se inscrita na subjetividade de todo brasileiro em que os matizes que estas posições se combinam em diferentes proporções são muitos. “(...) O que há é uma diversidade de modos de afirmação da antropofagia: do mais ético ao menos ético, do vale-tudo em função dos interesses da vida ao vale-tudo em função dos interesses do ego. Estes modos nunca são definitivos, pois dependem da força dominante em cada contexto da existência individual e coletiva” (Rolnik, 1998, p. 12). 225 pelas ruas, orgulhoso de sua ociosidade, o flâneur descrição alegórica do autor, denota a repulsa aos elementos que caracterizam a degradação da vida sob a exploração do trabalho no mundo capitalista. Citamos ainda Lydia Hortélio158 (2007), importante pesquisadora sobre os brinquedos, brincadeiras e cantigas infantis no Brasil, que afirma: (...) ter uma criança perto para ver como é entrar no movimento outra vez, no mundo dela. Para aprender a brincar, é preciso, em primeiro lugar, não querer brincar. Não pense em querer nada. Você está à toa na vida e, de repente, um gesto o chama e você se esquece de você, você entra no brinquedo. É um mistério. Eu não saberia, a esta altura, dizer o que é brincar. Mas é tudo o que mais busco, a inspiração da minha vida. Quando você brinca, você se esquece de si mesmo e faz parte do todo. Na hora, você não tem consciência disso, você é feliz, vive uma inteireza. Brincar é, para mim, o último reduto de espontaneidade que a humanidade tem. É a língua do ser humano (Hortélio, 2007, p.9, grifos nossos). Assim, no Ponto de Cultura, os brinquedos construídos ao longo de uma experiência compartilhada não são o objeto, nem um método ou uma técnica, mas um dispositivo, um suporte que desencadeia relações, intercâmbios, memórias e novas significações, novas possibilidades de experimentação, convivência e outras construções com grupos diferentes. Estas experiências e experimentações nos remetem às situações que ora estão relacionadas ao sentido restrito de cultura, enquanto as criações científicas, artísticas e tecnológicas, ora a cultura em seu sentido ampliado159 relativo aos modos de viver, fazer e criar, e formas de expressão, com base nas diferentes culturas, ou ainda mesclando estas duas importantes dimensões. Mas, sobretudo, nos impelem a reflexões sobre o alcance social e político, bem como o reconhecimento da singularidade/subjetividade, uma vez que a ação política ocorre na pluralidade da ação e na realidade que está em movimento e que não cessa de indicar novos caminhos, gerando novas perguntas e problematizações com base nas ações cotidianas. Surge 158 Hortélio é uma das maiores especialistas em “Cultura da Criança” no Brasil. Estudou música na Alemanha e etnomusicologia na Suíça, pesquisou música, cantigas, brincadeiras e brinquedos no Brasil, em especial no sertão baiano. A pesquisa O Som da Infância em Serrinha - Cem anos de música tradicional da infância em um município do sertão da Bahia (Fundação Vitae), registrou por ano cerca de 600 brinquedos cantados. “Minha tia, que na época tinha 99 anos, me ajudou com 132 cantigas… A infância é atemporal. Hoje, com 102 anos, minha tia se esquece de uma porção de coisas, mas é só eu começar a cantar uma cantiga de sua infância que ela canta junto (...). Friedrich Schiller, diz que o homem só é inteiro quando brinca, e é somente quando brinca que ele existe na completa acepção da palavra homem. O brincar é algo espiritual. E não estou falando de religião, não. Não é nada disso. É algo ainda mais profundo, que tem a ver com a alma do homem” (Hortélio, 2009). 159 Os conceitos “restrito e ampliado” de cultura estão contemplados nos artigos 215 e 216, da Constituição Federal de 1988. 226 assim uma possibilidade de ressignificação da política: para que possa incorporar a reflexão argumentativa e a sensibilidade desencadeada pelas experiências e manifestações artístico-culturais. Um fazer atento, que convida a reflexão, à politização e à emergência de forças transformadoras que, muitas vezes, não se dão conta que estão em um embate. Portanto, aprender de nossas práticas é fundamental para problematizar o que parece natural e imutável, tal como nos tentam convencer, por meio da mídia escrita e falada, de que a realidade em que vivemos é a única possível e os problemas são tão complexos, que não vale a pena se envolver. Acaba-se incitando à aceitação da lógica individualista do mercado, “(...) o que importa, então, é vencer nesta sociedade, tal como ela é, sem se entregar à fantasia delirante de pretender transformá-la” (Konder, 2005, p.168). Por conseguinte, contrapondo a reprodução de discursos de competência, controles, domínios e clichês da ideologia capitalista, em que o saber do especialista instaura o domínio de um corpo a ser classificado, diagnosticado ou controlado, como no caso das várias profissões, dentre as quais a do assistente social, e suas intervenções sobre um corpo-família a ser incluído, enquadrado, resgatado e invariavelmente tornado produtivo. O que nos leva, enquanto assistente social, a passarmos a perceber e nomear as implicações com as práticas e movimentos. Essa perspectiva amplia as possibilidades de nos libertarmos do círculo reprodutor de hegemonias, reconhecendo as alteridades e construir, a partir disso, outra história. Sobretudo enfrentando a velocidade das estratégias de subversão a que o campo artístico e cultural está submetido correndo, assim, um grande risco de ser cooptado. Sem ignorar a capacidade de adaptabilidade do poder, que é muitas vezes subestimada. Portanto, há possibilidades de se formarem algumas resistências ancoradas em práticas recentes no âmbito dos programas e políticas culturais tratadas neste estudo, para além da perspectiva da integração social homogeneizadora, com base nas experiências compartilhadas, mas também inspiradas pela memória, pela arte e cultura brasileira, como abordamos no segundo capítulo. Temos, assim, que “(...) a arte exige do artista uma atitude interessada diante da vida contemporânea" (Andrade, 1978, p. 252). Mário de Andrade enumerava três princípios do movimento modernista: "o direito permanente à pesquisa estética, a atualização da inteligência artística brasileira e a estabilização de uma consciência criadora nacional" (Andrade, 1978, p. 242). Para ele, o artista deveria ser um insatisfeito e insaciável, que se arrisca para que a humanidade evolua e a cultura não se torne 227 estática, sendo esta, de acordo com Sandroni (1988), a proposta de engajamento mais verdadeira de Mário de Andrade. Assim, vislumbrava a possibilidade de o intelectual conjugar a práxis regida pela experiência, sem relegar a verdade pessoal colocada na arte. Sempre em busca da concretização do cumprimento do destino do artista, Mário de Andrade, cujo sentimento de insatisfação constante nunca permitiu que ele chegasse à sensação de dever cumprido, considerando a própria obra insuficiente160, é um exemplo que confirma a conjugação. Assim, tratamos neste capítulo de experiências aparentemente simples, mas que nos remetem à grandiosidade da vida. Em permanente construção as ações que são produzidas geram um conhecimento derivado da inquietude e da curiosidade que nos leva ao trabalho árduo de criação, enquanto fatos transitórios passíveis de se transformarem e de transformar. Esta postura incide sobre as práticas e tem efeitos relacionados a um compromisso político que aposta na criação e na transformação social a partir das próprias pessoas, suas diversas formas de existência e experiência. Pequenas ações e mudanças que podem levar a outras sucessivas transformações, onde os processos estão se fazendo, e em permanente construção. Em 2010, a experiência de intercâmbio abrangeu os projetos selecionados no edital Areté do MinC, que corresponderam a 25 Estados brasileiros, dentre os 420 projetos inscritos, sendo que apenas o Acre e o Amazonas não enviaram projetos para a premiação. Contemplaram-se os mais diversos segmentos culturais, desde manifestações populares à participação de representantes de Pontos de Cultura em eventos internacionais. Os prêmios variaram entre R$ 10 mil, R$ 25 mil, R$ 50 mil, R$ 75 mil e R$ 100 mil. A distribuição dos premiados, de acordo com os dados levantados, contemplou 46 projetos da região Sudeste, 38 da região Nordeste, 12 da região CentroOeste, nove da região Sul e oito da região Norte, como observamos no gráfico 6: 160 Enquanto intelectual, Mário de Andrade rompe com a "natureza" pouco ativa que, para ele, ainda era insuficiente. Então, buscou a ação cultural pela via política, bruscamente interrompida, o que acarretaria insatisfação ainda maior. A transição da "arte de ação" para "ação cultural", em Mário de Andrade, como denominou Sandroni (1988), não fora suficiente para ele. A ação precisava ser direta sobre a vida pública e não apenas cultural, julgando necessário o engajamento da arte. Situação movida pelas alterações no contexto sociopolítico, que ele deixa a entender em suas posições, que se acirraram devido ao momento histórico extremo, o período da Guerra Fria. 228 Gráfico 6 - Prêmio Areté de apoio a pequenos eventos Sul 9 8% Norte 8 7% Centro-Oeste 12 11% Sudeste 46 40% Nordeste 38 34% Fonte: Mapas da Rede IPSO. Adaptação da autora. Dentre os classificados, 21 foram provenientes de ONGs, 22 de pessoas físicas e 198 Pontos de Cultura. Destacamos que 76 projetos foram desclassificados por não terem consolidado a parceria com um Ponto de Cultura, exigência prevista no edital do prêmio, ou ainda, foram enviados fora do prazo. Constatamos que a maioria das propostas ainda advém do eixo Rio-São Paulo seguido do aumento da região Nordeste, centro-oeste, sul e norte. A seguir, analisamos mais detalhadamente como se efetivou a participação neste edital com a experiência vivenciada na cidade do Rio de Janeiro e em Paraty. Em 2010, o Ponto de Cultura Centro de Cultura e Educação Lúdica da Rocinha foi contemplando pela segunda vez no Edital Areté, cujo intercâmbio foi realizado em Paraty, região em que já realizamos oficinas em 2006, 2008 e em 2009 em ações com os Pontos de Cultura. O objetivo central dessa proposta contemplava a realização processual de brinquedos que contassem histórias e demonstrassem a cultura das diferentes regiões do Estado do Rio de Janeiro através de um recorte lúdico. Assim, criar um acervo que favoreça a criação de conexões supõe a construção de brinquedos como conexões e como mensageiros das diferentes populações e realidades do Estado do Rio de Janeiro. Uma espécie de brinquedos-Arautos (mensageiros), que teve o objetivo, nesta proposta, de: • Levar a visão de uma Rocinha lúdica para outras cidades do Rio de Janeiro; • Propiciar um intercâmbio entre Griôs e jovens de diferentes cidades do Rio de Janeiro; 229 • Ampliar repertório de brincadeiras do grupo de jovens Agente Cultura Viva do Centro Lúdico incorporando brincadeiras características da região de Paraty; • Criar um brinquedo-cartografia que sirva como ferramenta para o desenvolvimento de atividades diversas, representando uma ponte permanente entre locais de realidades distintas; • Instigar estudantes do magistério para uma prática educacional dialógica que considera a importância da cultura de cada local e que reconhece a riqueza dos saberes de tradição oral (projeto Edital Areté, 2010). Assim, a proposta de 2010, portanto, foi a de compartilhar os brinquedos construídos pelo Centro de Cultura e Educação Lúdica da Rocinha, por meio de oficinas e da proposição da criação de um novo brinquedo que incorporasse e expressasse às vivências das atividades, bem como as tradições, as brincadeiras e as características da região, em parceria com os Pontos de Cultura locais. Com base na experiência vivenciada em cinco dias na cidade de Paraty e entorno, narramos a seguir o processo de construção conjunta de mais um brinquedo, caracterizado pela incorporação do que as vivências e as experiências suscitaram. Após a experimentação com os brinquedos com os alunos do numa escola pública de Paraty passamos a uma conversa, cujas reflexões resultaram na pergunta formulada pelo grupo: O que a educação pode aprender com o brincar? Diante das várias reflexões sobre a possibilidade de enfrentar situações novas e, também como uma forma de criar, destacamos: o “respeito a bagagem que o outro traz” (jovem Agente Cultura Viva, 2009) . Foto 2: Jovens Agente Cultura Viva em oficina para elaboração coletiva de um brinquedo coletivo Fonte: acervo do Ponto de Cultura Centro Lúdico, 2010. Continuamos com o debate sobre as experimentações e algumas frases começaram a ser verbalizadas pelos alunos que participaram das dinâmicas: “Puxa, 230 brincamos de várias brincadeiras que nunca mais tínhamos brincado”; “lembramos das brincadeiras da infância”; “gostei do mapa lúdico”; “a brincadeira tem que ter lugar na escola”; “nos sentimos desafiados a criar novas brincadeiras com os brinquedos, mas foi difícil”. Assim, em um dos grupos, diante de brinquedos que não conheciam, relataram que foi combinado que todos opinassem, fazendo surgir diferentes formas, tornando o desafio mais prazeroso. Coletivizaram a responsabilidade de inventar as formas de brincar em conjunto, como foi verbalizado durante a conversa. Outros insistiam nas perguntas: “mas como se brinca como este brinquedo?” E em alguns casos contávamos a história de como ele tinha sido criado e a partir daí embarcavam nesta proposta, querendo experimentá-la, ou então respondíamos: “você pode inventar”. Deste modo, a provocação sobre “o que a Educação poderia aprender com o brincar”, teve respostas que giraram em torno de: “aprender sobre a diferença, o respeito, a integração, a motivação, sobre as descobertas, o raciocínio, o desempenho, a convivência entre alunos e professores, algumas brincadeiras podem servir para acalmar, para interagir ou até para quebrar a timidez”. “Brincando tudo aparece”, disse um dos jovens. E foi exatamente o que constatamos mais uma vez, ao receber um dos grupos de crianças, cujos ânimos estavam exaltados, pois o tratamento entre eles era de forma bastante agressiva, com empurrões, gritos e até o início de uma briga. O trabalho com o corpo geralmente traz desconforto, a agressividade contida, o reprimido. No entanto, invariavelmente também se desconsidera a sua importância nos processos cotidianos, em especial no sistema cognitivo como um todo. O âmbito da arte, da cultura e da experimentação permite a expressão de diferentes tipos de linguagens e saberes que ultrapassam e ou complementam o âmbito racional. Formas que nos fazem nos aproximar da intuição, do que é ininteligível, e, principalmente, da dimensão do não dito, do silenciado. Assim, propomos reflexões a partir do contato com os brinquedos, os quais têm suscitado debates a partir de um deslocamento experimentado concretamente no corpo. O movimento proporcionado tanto pelo envolvimento nas brincadeiras propostas, quanto pelo convite à criação de novas formas de brincar traz situações prazerosas, alegres, mas também de inquietação, possibilidades concretas de novas relações com o espaço, com o outro, com a memória, que traz histórias, causos, lendas e com o processo de aprendizado e transformação. Assim, após finalizarmos o debate, convidamos os jovens participarem das brincadeiras com as crianças no período seguinte da tarde e depois continuar a conversa 231 sobre o novo brinquedo que seria construído. Além dos jovens, a coordenadora do Ponto de Cultura Nhandeva161 de Paraty também participou de todas as atividades e de uma reunião com o intuito de começar a falar sobre a proposta do brinquedo a ser criado, e que experiências e informações ele expressaria. Ao falarmos da cidade de Paraty, começamos com os comentários do nosso grupo sobre o centro histórico, suas ruas de pedras datadas do século XV, e dentre vários comentários, destacou-se que: “Paraty é mais que o centro histórico”; é imensa. Além disso, a cultura local, não parecia ser valorizada, sendo mais comum encontrarmos produtos e manifestações de outras localidades do Brasil, como o artesanato da região mineira, dentre outros, além das inúmeras lojas de grifes famosas, restando poucos locais em que se encontrava algo originado da região. O massacre cultural que Paraty sofreu, segundo as nossas conversas, começou com a vinda de estrangeiros, artistas e outros que compraram as casas dos caiçaras por preços muito baixos nas praias locais. Depois foram realizados filmes162 que monopolizaram a cidade, empregando grande parte da população, tornando a cidade um verdadeiro cenário, mas que foram efusivos e não garantiram sustentabilidade aos moradores, desencadeando um considerável aumento nos preços em geral, tornando a cidade “turística” e prejudicando os moradores. O condomínio Laranjeiras também desapropriou parte do espaço litorâneo mantendo atualmente os próprios caiçaras, antigos donos da terra, como caseiros e empregados. No entanto, foi lembrado que estes povos são os verdadeiros herdeiros do solo e da natureza da localidade. Atualmente, os caiçaras que não conseguiram empregar-se como “caseiros” vivem na periferia de Paraty, antiga região de mangue com pouca infraestrutura e trabalham no comércio local com poucas perspectivas de ampliação e 161 Este Ponto de Cultura realiza atividades com cerâmica no Quilombo Campinho, além de estimular as manifestações artístico-culturais já existentes, com a cestaria, a capoeira, o jongo, a religiosidade, aliadas a implementação da cultura digital. Foi criado um telecentro, que é composto por computadores reciclados com os quais se iniciaram as aulas de digitação, filmagem, edição de vídeo, por meio do sistema Linux, em que o grande desafio é a capacitação, para a criação de uma memória digital. Além disso, trabalham com as comunidades indígenas da região. 162 Para citar alguns filmes temos em 1930, Limite, de Mário Peixoto; em 1948, Estrela da Manhã, com Dorival Caimy; em 1969, Azyllo Muyto Louco, de Nelson Pereira dos Santos, A Moreninha, de Glauco Mirko Lamelli. Em 1970, Brasil, Ano 2000,de Walter Lima Júnior, Mãos Vazias, de Luiz Carlos Lacerda; Como era Gostoso o Meu Francês, de Nelson Pereira Santos. Em 1972, Quem é Beta, de Nelson Pereira dos Santos. Em 1978, Anchieta de José do Brasil; Em 1980. Em 1983, Gabriela, de Bruno Barreto. Em 1985, A Floresta das Esmeraldas de John Borman. Em 1985, O Beijo da Mulher Aranha, de Hector Babenco. Em 1987, La Bella Palomera, de Ruy Guerra, dentre outros. 232 melhoria. “O dinheiro comprou quase tudo em Paraty”, afirmou a educadora e gestora do Ponto. Assim, foi decidido que seriam três as tradições e povos que serão retratados no brinquedo a ser criado: os caiçaras, os quilombolas e os indígenas originários da tribo guarani, além da abundante natureza que inclui a mata, as cachoeiras, o litoral, o caminho do ouro. As atividades foram realizadas também no Ponto de Cultura Manoel Martins no Quilombo Campinho da Independência163, em especial na escola que fica no próprio Quilombo e em cortejo pelas salas, convidávamos as crianças para brincar. Os brinquedos foram espalhados pelo pátio, e os jovens acompanharam grupos diferentes. Apenas o artesão griô mestre, do grupo do Centro Lúdico, permaneceu na sala da biblioteca, onde propôs a confecção de brinquedos, mas com certa resistência de alguns presentes em relação ao comportamento dos alunos, considerados “terríveis”, porque não se concentravam. Todavia, insistimos em propor a experiência, uma vez que, as atividades lúdicas invariavelmente descondicionam e propiciam situações diferenciadas. A prática diária geralmente não é afirmada como resultado ou valorizado como um saber constantemente produzido. Materializar a qualidade das ações e os movimentos presentes no cotidiano é um desafio. Assim, reproduzimos parte de uma entrevista com Lydia Hortélio, que traz importantes considerações sobre a questão do brincar e da importância de não instrumentalizar os processos: - Deve-se brincar para aprender? L.H: Deve-se brincar para ser feliz. Se você quiser brincar para aprender já não é mais brinquedo. Porque o brinquedo tem um fim nele mesmo. Bola pra quê? Pra brincar de bola. Você brinca de peteca pra quê? Pra brincar de peteca, para passar pela experiência múltipla e extraordinária que é brincar de peteca. E por que brincar de roda? Porque é uma maravilha: mão na mão, esquecer quem é você, embarcar no sonho daquela hora… Brincar é isso aí. Mas há quem queira transformar o brinquedo num “brinquedo pedagógico”… Existem tentativas nesse sentido, mas não dá, porque há uma incongruência. - Mas isso não significa que as crianças não estejam aprendendo ao brincar… L.H. Aí é que está. Estão aprendendo, e muito mais do que a gente consegue ver. O brinquedo é múltiplo. Ele mexe na alma. Na hora em que a gente compreende isso, não tem mais medo de dizer que está brincando. Criou-se até uma antipatia ao brinquedo: “Menino, você já tá grande demais pra brincar disso!”. Como se, a partir de certa idade, só se pudesse 163 A história desse Quilombo origina-se com a vinda dos escravos que desembarcavam em Paraty-RJ. Antonica, Marcelina e Luiza eram da mesma família: duas irmãs e uma prima. As três cresceram na fazenda da Independência, uma das mais importantes da região de Paraty. Pouco antes da abolição, as terras foram abandonadas e então fundaram o Quilombo do Campinho da Independência. Quase todos os moradores da comunidade são descendentes das três mulheres, que estão presentes nas memórias dos mais velhos na contação de histórias dos griôs. A luta pelas terras e pela memória ganham nova força com as tecnologias da informação ampliando as trocas com os demais movimentos quilombolas. 233 pensar… Só se aprende liberdade brincando. Brincar é o maior exercício de liberdade que a gente pode ter (Hortélio, 2007, grifo nosso). Destacamos ainda Pardo (2010), como já mencionamos, em que analisa o Ponto de Cultura Centro Lúdico da Rocinha, dentre outros três Pontos de Cultura, em que os apresenta enquanto possibilidades contra-hegemônicas ao sistema vigente. A autora cita a entrevista com um dos participantes do Ponto sobre o brinquedo, que não está isento de uma determinada ideologia dominante, a exemplo, dos jogos WAR (hegemonia norte-americana) ou o forte apache. Ou ainda o bob teco que é um brinquedo artesanal feito com um pedaço de cano e pedra, que lança perigosos “tecos” de milho, que funcionava como uma arma semelhante aos dos traficantes de drogas na favela. Na contramão da hegemonia contida nos brinquedos, o Centro Lúdico apresenta um conjunto de brincadeiras e atividades desenvolvidas no Ponto de Cultura que envolvem as crianças, jovens e adultos em outra direção, valorizando os saberes locais, a exemplo do mapa-jogo No caminho, uma Rocinha lúdica (Pardo, 2010). Em continuidade as vivências no Quilombo para a criação do brinquedo coletivo, conversamos também com os griôs locais que fazem parte de um projeto que recebe escolas para a contação de histórias. “Nós temos saliva para contar histórias para o pessoal? Pois não temos estudo, mas temos memória” (Griô Mestre Quilombo Campinho). Nessa conversa, as jovens perguntaram para a griô de tradição oral sobre os partos que fazia, o que sentia e como aprendeu. E ela respondia sorridente sobre as diversas histórias e a necessidade que sentiu de aprender mais, o que a levou a se inscrever num curso na Santa Casa. “Eu tinha medo de gente, de doutor, mas a casa de estuque tinha buraquinhos e a gente ia espiando quem chegava (...). E depois de fazer uma reza para curar as pessoas, fazíamos uma brincadeira, dançávamos”. Ela falou sobre as energias invisíveis e como os povos as sentem, lidam com elas e as cultivam. 234 Foto 3: Parte das Equipes dos Pontos de Cultura Centro Lúdico, Quilombo Campinho/Paraty e Nhandeva, em convivência para elaboração coletiva de um brinquedo Fonte: acervo do Ponto de Cultura, 2010. Já no quarto dia, a equipe do Centro Lúdico foi para a comunidade Caiçara da Praia do Sono. Estivemos nessa localidade acompanhados da Educadora e gestora do Ponto de Cultura Nhandeva, após percorrermos uma trilha de aproximadamente 60 minutos. Todavia, destacamos que essa trilha se encontra após o condomínio Laranjeiras164, já mencionado, que obriga a todas as pessoas a passarem por uma guarita, instalada no meio da estrada. Os seguranças privados exigem identificação e interrogam a todos que desejem chegar à praia, um local público que foi privatizado. Além disso, a população caiçara, parte da população portuguesa, africana e indígena do litoral, cuja mestiçagem engendrada formou o brasileiro, foi coagida a vender suas terras aos empreendedores deste Condomínio. 164 O condomínio de luxo foi construído em meados da década de setenta pela Paraty Desenvolvimento Turístico S.A., uma associação entre os grupos Brascan e Adela, cuja área corresponde a 1.131,44 hectares, dos quais mais de 90% encontram-se dentro da Reserva Ecológica da Joatinga coberta pela Mata Atlântica. Nesta área, há várias cachoeiras e quatro das mais belas praias de Paraty: Vermelha (445 metros), Laranjeiras (770 metros), Sobrado (100 metros) e Fazenda (490 metros). O condomínio é formado por 292 lotes com áreas, variando entre 900 e 2000 m2 cada. 235 Seguimos pela praia reunindo as crianças moradoras. Espalhamos a Ciranda das cores na areia e outro grupo rodeou o jogo Pegadas165, propondo novas formas de brincar sem que fosse demonstrado de antemão algumas maneiras. Assim, criaram a “amarelinha de cor” e inventaram um jogo de um jeito que ainda não tinha sido brincado. Os vínculos foram estabelecidos rapidamente. Jovens, crianças e adultos. Espaços não formais de convivência raramente encontrados. O quanto isto é importante na vida de uma criança? E em nossas vidas? As experimentações partem das brincadeiras e conversas a partir do que foi despertado pelas escolhas e pela curiosidade. Portanto, a partir desta experiência, e inspirados por Lydia Hortélio que afirma que não se brinca para aprender, mas para ser feliz e afirmar a vida, passamos a detalhar o processo posterior, o de organização de tudo o que foi vivido, coletado e observado para a construção do novo brinquedo, derivado do intercâmbio com os dois Pontos de Cultura de Paraty. As conversas iniciais consideraram o seguinte: Paraty e o processo de ocupação; Paraty quando o acesso era somente por mar; Paraty e o turismo; Paraty e as populações tradicionais: caiçaras, indígenas, quilombolas; Paraty e a natureza: “Santuários naturais” “São a riqueza da população”; Paraty e o processo de exclusão da população tradicional. Muitos caiçaras foram induzidos a venderam suas terras por um preço muito baixo, assim os condomínios de luxo e empresas compram praias e fecham o acesso. Paraty e as poucas oportunidades para jovens e para o trabalho; Paraty é mais que o centro histórico; é imensa, é a periferia. 165 Este brinquedo originou-se dos encontros de observação e convivência, no âmbito do projeto Rede Brincar/CIESPI, com Vicente, professor do departamento de desenho industrial da PUC, que acompanhou a educadora/griô aprendiz junto a crianças de diferentes lugares da cidade Rio de Janeiro em 2007. A partir da metodologia do design participativo foram recolhidas as palavras utilizadas pela educadora com maior freqüência, além de desenhos que refletiam sua prática. Desse universo de palavras, ela selecionou algumas, acrescentou outras e organizou frases. Outras pessoas, parceiras de trabalho, também montaram frases com as mesmas palavras. Das frases, ela escolheu uma: Brincadeira no chão do quintal é mundo de criança, alegria e convívio, beijos e abraço. Como síntese definiu: Brincadeira no chão do quintal. A partir desse foco, foram experimentados vários materiais que eram utilizados com as crianças. Aos poucos, os materiais também foram definidos e um objeto esboçado e confeccionado: um jogo de tabuleiro: Pegada. (...) Como o Centro de Cultura e Educação Lúdica da Rocinha, o jogo faz-se desafio. Como a ação griô, as pegadas marcadas no tabuleiro são como raízes. Como se trilha esse jogo? Como são suas regras? Só conhecendo de perto e descobrindo, reinventando-se nele, com ele (...)” (Melo, 2007, grifo nosso). 236 Deste modo, a criação do novo brinquedo parte das coisas que observamos, ouvimos e experimentamos, misturadas às coisas sobre as quais refletimos. Figura 1: Brinquedo - primeiras ideias (Proposta 1) Agente Cultura Viva 1 (Desenho e explicações) em azul temos o mar e essa lingueta e a saída dos rios para o mar em cinza são as montanhas em amarelo, a pequena praia; em branco, são as ruas do centro histórico Proposta 2: Agente Cultura Viva 2 Barco - Traineira como suporte de onde saem o tabuleiro e as peças representando os três povos. Figura 2: Brinquedo - primeiras ideias (Proposta 3) Coordenadora Ponto de Cultura (Rosa dos ventos) N.L: (...) Oi pessoal, Fiquei pensando...pensando...lembrando...lembrando...lendo o livro da Patrícia...e esbocei uma idéia que segue em anexo. Nos vemos no nosso encontro do dia 14. Saudades e beijos (e-mail 1). C.S: (...) Olá, é bem interessante essa idéia da rosa, e dos ventos... do mapa ser pintado pela educadora de Paraty e pelos jovens, pode virar um quebra cabeça. Talvez o boneco que também pensamos antes, representando os diferentes povos e cores de Paraty, ou o barco podem ser acrescentados de alguma maneira... vamos exercitando...bjs, (e-mail 2). 237 V.B.:(...) Caramba!!! Rosa, ventos, bonecos, quebra cabeça, mapa, barco, povos e cores.... eita!!! que essa galera não brinca em serviço, ou melhor, brinca e muito em serviço.... hahaha. (e-mail 3). Figura 3: Brinquedo - primeiras ideias (Proposta 4) Agente Cultura Viva 3 (Tabuleiro) (...) Em anexo segue uma idéia de tabuleiro feito pela jovem 3. Na verdade esse tabuleiro traz as idéias anteriores, nos instigou a conversar, pensar e a chegar a outras formas e a juntar todo. Nossa proposta (pensada hoje) ficou assim: Uma trouxa que vai sendo aberta em camadas mostrando uma parte de cada vez que se sobrepõem instigando a curiosidade e guardando surpresas. Segue em anexo uma tentativa de desenho desse processo-proposta. (e-mail 4). Paraty: Tabuleiro a ser montado: tecido como mar, serra com textura e partes que se sobrepõem; Brinquedos: elástico, corda, 3 Marias, gude. Educação: cartelas com perguntas e/ou palavras geradoras. Figura 4: Brinquedo - primeiras ideias (Proposta 5) Síntese das idéias de reunião de setembro/2010 (Trouxa) Em outra reunião, retomamos as propostas do formato deste brinquedo, modificando-o com as sugestões, desenhos e conversas com a equipe da seguinte maneira: A base redonda será vazada no centro, permitindo que as pessoas entrem no pano, formando uma grande saia. Os triângulos terão grandes pontas que poderão ser 238 amarradas na base ou no próprio corpo, permitindo várias possibilidades de uso, os quais remetem à Rosa dos Ventos, em alusão à direção dos barcos, dos ventos, da comunicação e navegação, sobretudo, diante dos conflitos e também das potencialidades que a região de Paraty apresenta, em que se encontram os Pontos Quilombo do Campinho, e Nhandeva e a passagem pela região dos caiçaras, na praia do Sono. Algo que remete aos rumos tomados e também possíveis de se tomar ou CRIAR, diante dos problemas. Outra modificação no brinquedo foi que não serão mais confeccionados os bonecos, que representariam os negros, caiçaras e indígenas, mas o brincante poderá ser ele próprio um destes personagens ao “vestir” o brinquedo. As tiras dos triângulos permitirão amarras na cabeça, na cintura, além de poderem virar círculos e transformarem-se em cocar, por exemplo. Além disso, haverá outros círculos em composição com os triângulos, cujo formato constituído por cilindros será “recheado” como uma almofada macia que se fecharão a partir de tiras. Assim, após várias conversas e trocas sobre as impressões, memórias e as informações trazidas da viagem, o processo requer idealmente outros contatos para dialogarmos sobre tudo o que foi elaborado mediante a experiência conjunta e as informações que nos passaram. Contudo, devido ao não repasse das parcelas do projeto diante do período eleitoral e posteriormente de transição da equipe ministerial, isto ainda não foi possível. Assim, a “base” do brinquedo será finalizada em conjunto com os Pontos de Paraty, com vistas a continuidade das trocas e experimentações, incluindo o que porventura considerarem oportuno e divertido, vislumbrando possibilidades de utilização e rememoração de tudo que foi vivenciado, além do que poderá ser complementado de forma contínua. Os respectivos Pontos ficarão com exemplares do brinquedo, assim como o Centro Lúdico. O formato final ficou da seguinte maneira: 239 Figura 5: Brinquedo (Proposta Final / Síntese do processo coletivo) Brinquedo: primeira síntese Brinquedo modificado Como vimos, os Brinquedos criados são versáteis em sua forma e uso, e permitem a integração de inúmeras brincadeiras transmitidas de geração a geração, histórias para ouvir e contar encontradas em livros ou guardadas na memória, e também o entrelaçamento de diferentes linguagens artísticas e públicos, caracterizando a mistura intergeracional166. Estas experiências remetem à noção de cultura enquanto um conceito 166 Os brinquedos criados no Centro Lúdico já foram utilizados com diferentes públicos e faixas etárias, desde bebês, crianças, adolescentes, jovens, adultos e com os mais velhos, nos encontros, eventos, reuniões, creches, Chá de Museu, como descritos nos Anexos. 240 ampliado, considerando os diferentes modos de vida e a formação artística experimental, em oposição à tipificação e à conservação de saberes já consagrados, que geralmente servem de “modelo”, quase sempre alheio ao contexto em são aplicados. “A gente conseguiu trabalhar em conjunto através da criação do brinquedo” (Griô participante do Centro Lúdico). Estas iniciativas são compreendidas como fundamentais para a elaboração das relações de confiança, de vínculos e apropriação simbólica de valores e crenças nas experiências compartilhadas que mobilizam e fazem crescer. O Ponto de Cultura e a criação cultural coletiva das quais participamos e acompanhamos demonstram relações de troca, descoberta e criação entre a atuação dos jovens, adultos e os mais velhos e as oportunidades experimentadas. Assim, brincar nos leva a descobertas. Entrega, presença e deslocamento. Às vezes, até encontramos outras saídas para as questões que nos são impostas. Em busca da transformação das nossas relações com o mundo, consideramos que as práticas artístico-culturais têm claras influências na formação e autonomia dos sujeitos. E enquanto formas e expressões da vontade de liberdade, configuram-se em alternativas à atroz ordem vigente que reproduz individualismos e a desigualdade social. Isso se relaciona diretamente com questão das políticas públicas culturais, que podem viabilizar experiências estéticas e coletivas que permitam aos sujeitos inúmeras escolhas em sua vida pessoal, profissional e em sociedade. Apesar de ser comum a defesa da cultura como um instrumento para atingir determinado fim, consideramos que esse argumento se baseia muito mais na necessidade de uma população que está à margem de qualquer outra possibilidade de participação ou obtenção de trabalho, do que efetivamente algo que venha a favorecer a importância da cultura na sociedade, distorcendo esta possibilidade ao colocar uma ou várias condições como o seu principal benefício. Embora, quando secundárias, permitindo a experimentação livre, as consequências deste processo são diversas, e podem ora servir para alcançar fins sociais e políticos, ora profissionais ou de formação, contudo, enfatizamos que estas possibilidades derivam de um processo, mas não são, de antemão garantidoras disso, sendo o seu alcance muito além dos benefícios materiais ou mensuráveis. Contudo, é comum admitir que apenas as pessoas das classes médias e altas tenham a possibilidade de experimentar várias linguagens artísticas com o intuito apenas de vivenciá-las e de se divertir, o que pode desenvolver inúmeras habilidades, 241 mas que não tem o caráter de obrigação, de prevenção ou de salvação. Mas de livre escolha e, portanto, configuram oportunidades de crescimento e realização pessoal, profissional e coletivo. Ainda assim, para as demais classes, especialmente as populares, esta é uma possibilidade muito distante, sendo aceita somente quando se agrega alguma condição ou contrapartida, configurando discursos e práticas bastante disseminados, sobretudo, diante da desigualdade social brasileira, que é naturalizada e utilizada como justificativa para disciplinar, controlar e confinar grande parcela da população pobre. Assim, as experiências coletivas tratadas neste estudo 167 desmistificação da arte e da cultura como espaço sagrado remetem a e somente para talentosos natos. Mas abrem inúmeras perspectivas e possibilidades, principalmente por envolver a curiosidade e a participação na vida cultural das localidades, a ampliação e a visibilidade dos diferentes modos de vida e de criações artísticas e culturais, bem como a valorização da autonomia e potencial das pessoas em reflexões sobre os processos societários e coletivos. Portanto, o papel das políticas públicas culturais é o de oportunizar que o sujeito possa vivenciar experiências em que os seus saberes e cultura sejam valorizados, experiências capazes de inquietar, emocionar, e trazer maiores trocas e reflexões. Ao incorporar o cotidiano destas pessoas, estaremos respeitando suas origens, histórias, para além de focalizar apenas as suas carências e faltas, mas propiciando a experimentação, a expressão de desejos, de imaginação e de criação. Ao oportunizar o apoio a expressão de diversas linguagens estéticas, as iniciativas dos Pontos de Cultura oportunizam a manifestação, reinvenção e criação de expressões artístico-culturais, movimentos, tradições e autonomias que podem vir a contrapor o histórico processo explorador, elitista e espoliador da cultura brasileira e da sociedade como um todo. A implementação do Programa Cultura Viva oportunizou o enfrentamento das tensões políticas intrínsecas à gestão compartilhada do programa e, principalmente a relação com a estrutura do Estado, sempre muito distante e inacessível para a maioria das pessoas, que, na verdade, não estão apropriadas do que lhes é devido. Afinal, em geral suas experiências no acesso ao bem e serviço público são experiências de fracasso e de precariedade. 167 Mais uma vez nos remetemos a Walter Benjamin e o fato de que a reprodutibilidade técnica modifica o status da arte, assim como a sua função, que deixa de fundar-se no ritual e passa ter uma função política, ou potencialmente política, ao permitir a um contingente maior de pessoas o acesso aos bens culturais. 242 Nessa perspectiva, a cultura enquanto direito não possui finalidade instrumental e nem se legitima pela sua utilidade social. A criação e a fruição cultural, portanto, mostram-se um dos âmbitos das preocupações que nos mobilizam neste estudo e que estão contempladas nas ações culturais no âmbito do Programa Cultura Viva, as quais compreendem o processo de produção de conhecimento reflexivo e sensível, que potencializa a criação cultural. Contudo, estas ações ocorrem somente em relação com os sujeitos e grupos nos Pontos de Cultura, a partir deles e de seu trabalho e articulação nas comunidades em que estão inseridos, não sendo iniciativas do Ministério da Cultura, mas apoiadas por seus recursos, uma vez que estas manifestações já existiam. Assim reiteramos que estas ações, enquanto parte de um programa de política de cultura, transcende a esfera do governo e se incorpora à dimensão de Estado. Importa evidenciar que o papel do Estado é o de formular as políticas públicas em conjunto com a sociedade, financiá-las, garantir a infraestrutura necessária para sua realização e ampliar os mecanismos de acesso e fruição e criação/produção cultural. As recentes transformações e movimentos que compreendem os Pontos de Cultura, principalmente no âmbito das ações societárias, são fundamentais para a reversão dos processos macro estruturais que envolvem o Estado e a sociedade. Processos que precisam ser aprimorados e aprofundados para garantir a efetiva construção e implementação de uma política pública de cultura, que incorpore os elementos e a experiência de implementação do Programa Cultura Viva, ampliando os recursos e as possibilidades de acesso, fruição, criação/produção. Sobretudo, ampliando a participação efetiva da população, princípio fundamental para a construção e incorporação de diretrizes que embasem uma política cultural, bem como fortaleça os movimentos culturais em prol de transformações que beneficiem o coletivo. A experiência tem sempre uma dimensão de incerteza, que não pode ser reduzida a tudo o que nos acontece, mas nos mobiliza, traz um saber que está relacionado à elaboração do sentido e da sua ligação à existência de um sujeito ou de um coletivo. Assim, os Pontos de Cultura, campo do nosso estudo, nos demonstram que as mais interessantes metodologias e diretrizes são aquelas construídas ao longo de um processo de experimentações, que levam em conta as experiências, as tentativas, os acertos, os erros, as apropriações, os conflitos, as transformações e o compartilhamento. Benjamin, Foucault, Walsh, dentre os demais autores artistas, nos inspiram, portanto, a criar o futuro a partir da ação no presente, sem desconsiderar o passado, por serem forças políticas de transformação. São processos em movimento, que ora 243 resistem, ora criam, e se refazem a todo o momento. Apesar de estarmos num mundo, cultural e historicamente já determinados, esta não é uma situação totalmente acabada, pois, enquanto o ser humano existir, sempre poderá se projetar em novas possibilidades a partir do mundo em que vive desde o nascimento, até muito depois, como constatamos: - Você ainda brinca, ou só profissionalmente? - L.H. Brinco… Brinco, sim. Porque isso traz alegria, traz saúde. Não que eu esteja brincando por aí de Atirei o Pau no Gato… Você pode imaginar que eu já estou há muito tempo em cima deste mundo. Tenho 75 anos! Então, a carga de mundo é imensa. É uma conquista ainda conseguir brincar, porque foi muita escola, muita universidade… A espontaneidade diminui, e é essa a força que a criança tem. Mas eu vou lhe dizer: a vida está aí pra gente reconquistar, e eu estou aí pra isso (...) A grande revolução acontecerá por aí (Hortélio, 2009, grifo nosso). Deste modo, por mais improváveis que sejam as possibilidades de transformar o mundo, com condições dignas de vida para todos, diante das tentativas de subestimar o agir humano e seu caráter de liberdade, por meio da cultura de massa e de opressões totalitárias de Estado e do sistema, ainda assim as possibilidades de transformação continuam latentes. A perspectiva da ação política e da criação e suas imprevisibilidades são sempre possíveis devido à possibilidade de novos começos que interferem nas relações de poder e na subjugação de saberes não hegemônicos, ponto central para se discutir a ação coletiva e efetivar transformações. Enquanto “exercícios experimentais de liberdade168”, os brinquedos criados no Centro Lúdico funcionam como suportes de memória e de experiência. O brinquedo guarda uma memória viva, aciona outras, propicia intercâmbios e novas significações. Além disso, propicia a convivência, e, portanto, agrega pessoas, sendo mais uma possibilidade de instaurar mobilizações e possibilidades de inúmeras construções com grupos diferenciados. Instaura-se também um processo de conhecimento. “A nossa contribuição é a valorização do coletivo” (Participante do Ponto de Cultura Centro Lúdico, 2010). Portanto, no próximo capítulo abordaremos outras experiências coletivas na fundação e organização do Fórum dos Pontos de Cultura do RJ/ES e suas articulações e mobilizações regionais e nacionais. (...) a liberdade só existe no singular espaço intermediário da política (Arendt). 168 O termo “exercícios experimentais de liberdade” é de Pedrosa, como já abordamos no primeiro capítulo. 244 5. Cultura e política: TEIAS, fóruns e encontros Às vezes acontece que a caneta e a espada coincidam. Subcomandante Insurgente Marcos. Exército Zapatista de Libertação Nacional. EZLN Os Pontos de Cultura enquanto fonte, e não meros objetos de pesquisa, tem relações com o processo essencialmente histórico e coletivo, um lugar onde a criação encontra terreno fértil, e é também um lugar de encontro. Encontro de pessoas, de ideais, de sonhos, de anseios e buscas. Dentre as inúmeras criações artístico-culturais, desde aquela que explora, lapida e transforma a matéria, até a alquimia produzida na culinária e nas histórias contadas, bem como nas buscas e problematizações dos pesquisadores, que buscam enfrentar suas questões mais inquietantes, incidem afecções de diferentes fazeres e saberes; e também de memórias e ancestralidades. Estes lugares alimentam-se das dores e alegrias cotidianas, do lugar histórico da tradição, do seu questionamento e muitas vezes, reinvenção, dos fazeres social, político, cultural e do trabalho, ou seja, do conjunto-base para a conquista de autonomia e caminho para a construção de uma sociedade mais justa, fraterna e equitativa. Contudo, isto exige o diálogo, a interação, a reestruturação das instituições e das relações sociais, sem se deixar amesquinhar pelo processo de individualismo, pela reprodução da indiferença, insensibilidade e dirigismo capitalista. Como abordamos no capítulo anterior, uma construção coletiva requer uma lógica diferente desses parâmetros, baseada na mobilização dos envolvidos que compartilham experiências, ampliam suas trocas, saberes e aprendizados. Dessa forma, identificam-se problemas comuns, tensões a serem enfrentadas, e, principalmente, se permite sentir, misturar e mobilizar pelas alteridades e diferenças. Todavia, este processo requer uma convivência em espaços que propiciem um fazer conjunto, como exemplificamos com a construção de histórias e brinquedos nos Pontos, o que nos permite afirmar que os projetos coletivos e colaborativos propiciam a efetiva articulação e estimulam o desenvolvimento de outras ações, mobilizando os desejos dos sujeitos enquanto protagonistas de suas próprias criações, lugares, lutas e conquistas. 245 Neste capítulo, acrescentamos a pauta política do movimento dos Pontos, que também exige reflexão profunda e conjunta, o enfrentamento e contestação das soluções imediatistas, homogeneizadoras e a instrumentalização da cultura, tornando-a funcional e a serviço de algo, invariavelmente alheia às reais e diferentes demandas. Ou ainda, questionando os processos em que, consideram-se as ações e as manifestações artísticoculturais populares passíveis de qualificação ou adaptação, o que corresponde a uma possível padronização e controle, por parte de supostos saberes superiores. Afinal, isso justifica ações arbitrárias, pontuais e com baixo investimento, sem que sejam oportunizadas a continuidade de processos ou a sua ampliação, ou ainda, em um contexto mais amplo das políticas públicas como um todo, sem operar transformações que levem efetivamente à melhoria das condições de vida para a população. Contudo, o apoio às diferentes ações e culturas e, portanto, a sua efetiva coexistência, com iguais oportunidades de acesso pode instaurar um processo de contestação e de transformação do instituído, trazendo perspectivas de rompimento com os saberes e fazeres hegemônicos, considerados únicos, e que compõem a história oficial, benéfica apenas para alguns grupos. Problematizamos assim, os limites das políticas públicas culturais, sobretudo, quando vários direitos básicos não são efetivados e a desigualdade social segue em expansão. Embora os avanços sejam consideráveis na conquista por direitos, ainda enfrentamos a falta de implementação e assistimos à próspera reprodução do capital. Assim, considerando os autores que fundamentam nossas reflexões, destacamos que em qualquer população, a maioria sempre fervilha de devires minoritários. Os gestores públicos, portanto, ao implementarem uma política democrática, enfrentarão tensões, e dificilmente terão uma implementação tranquila. Deleuze e Guattari (1997) com base em Foucault definem o devir como aquilo que estamos nos tornando: numa composição de ritmos e movimentos, nunca estáticos, mas em processo. Todavia, o devir minoritário é aquilo que a maioria quer tornar-se, mas não pode, porque está aprisionada na condição política da maioria que, por sua vez, produz linhas de fuga ou resistências que podem romper este processo e construir alternativas. Assim, é preciso considerar que a maioria é plena de diferenças que a desestabilizam. Deste modo, Foucault deixa aberta a possibilidade de resistências as imposições, repressões, autoritarismos e ao citar Benjamin, se refere ao estudo dele sobre Baudelaire, a propósito da noção de “estética da existência” (Castro. Vocabulário 246 de Foucault, 2009), e a possibilidade de reinventar a vida169. Além disso, Benjamin nos estimula a enveredar pelos caminhos de “pensar pelo avesso”, diante da perspectiva da complexidade, em que o avesso não é o oposto do direito, mas o seu complemento, e que ao mesmo tempo decorre dele e o faz ser o que é. Pensar pelo avesso remete à proposição de Benjamin de “pentear a história a contrapelo”, considerando-a aberta, um convite para assumirmos o nosso lugar num fazer conjunto, reconhecendo o outro, afirmando a alteridade a partir do “nós”, em detrimento do “eu”. A história passa a ser libertadora, um ato de justiça como uma tarefa nunca concluída, reassumida a cada geração. Assim, sem desconsiderar a necessidade das mudanças econômicas, desconcentrando riquezas, bem como das políticas públicas que passem a operar grandes investimentos sociais nas áreas básicas dos direitos sociais, dentre as quais a área da cultura, é que poderemos vislumbrar efetivas transformações nas relações sociais. Contudo, não se trata da instauração de condições objetivas e de uma boa fórmula, o que configuraria uma espécie de renovação do positivismo. Mas, de enfrentar o estado de indiferença e insensibilidade que se alastra, associado a um modelo políticoeconômico em que a cultura facilita o funcionamento do sistema em sua fase de expansão cultural. Isto quer dizer, como também afirmou Cevasco (2008), que cada vez mais se requer uma sociedade de imagens voltada para o consumo, para “resolver” as contradições que continuam sendo criadas. “Se antes a cultura podia até ser vista como o espaço possível de contradição, hoje ela funciona de forma simbiótica com a economia: a produção de mercadorias serve a estilos de vida que são criações da cultura e até mesmo a alta especulação financeira se apoia em argumentos culturais, como o da ‘confiança’ que se pode ter em certas culturas nacionais ou as mudanças de ‘humor’ que derrubam índices e arrasam economias” (Cevasco, 2008, p. 4). Além disso, quando tudo se torna mercadoria descartável, dos bens de consumo aos meios de sustento, somos exigidos a vislumbrar um projeto nacional, com políticas públicas consistentes, em que as pessoas possam ter projetos de vida também mais consistentes. Apresentaremos, portanto, neste capítulo, o processo de constituição dos encontros dos Pontos de Cultura, suas lutas e os embates que se efetivaram nos 169 A reflexão de Foucault sobre os modos de sujeição compreende o conjunto de regras e valores ao qual o sujeito está vinculado, em que o “estético-político” e a problemática da liberdade supõem “não ser escravo dos outros, nem de si mesmo” (Foucault, 2001b). 247 espaços das TEIAS (encontros regionais e nacionais dos Pontos de Cultura), bem como os documentos elaborados em conjunto e algumas situações que demonstram uma preocupação com a questão política de organização de um movimento, o dos Pontos de Cultura em prol da ampliação das políticas públicas. Ainda que estas lutas também perpassem e, às vezes, se restrinjam a questões meramente funcionais protagonizadas em espaços, como o Fórum dos Pontos de Cultura, além das TEIAS, estes encontros tem propiciado trocas, compartilhamento de experiências e aprendizado, pretexto e ferramenta para a viabilização da luta pela cultura enquanto direito, bem como para fins importantes para as localidades. Não se substitui a política pela cultura, mas sim as formas de realização da política, um dos desafios no encaminhamento das questões. Deste modo, as reflexões acerca da experiência vivenciada nestes encontros regionais e nacionais, constituem tentativas de criação e reinvenção de um coletivo, bem como caracteriza algumas ações em conjunto que mobilizam os sujeitos, além dos debates nos fóruns regionais, grupos de trabalho (GTs) e nas plenárias finais no encerramento de cada TEIA. Consideramos que estas experiências trazem a possibilidade de agregar um movimento plural e difuso, porém sem desconsiderarmos as inúmeras forças em jogo e o respeito às diferentes trajetórias, que nem sempre dominam os códigos de participação nos espaços públicos (que muitas vezes não são explicitados), em que a experiência de intervenção e debate faz diferença. Ou seja, para se efetivarem mudanças, é preciso desconstruir “hierarquias” historicamente sedimentadas: - o saber superior e os demais “que nada sabem”. É preciso colocar isso em “xeque”, pois as hierarquias e as tentativas de controle e domínio são sutis, ocultando muitas informações, sobretudo, aquelas oriundas dos bastidores, incidindo na intrincada disputa partidária por espaço e poder no Estado, frequentemente com reflexos em movimentos como esse. Assim, as questões relativas ao saber-poder, definitivamente não seguem um caminho lógico e de boas intenções, mas obedecem a um complexo processo político, que nem sempre está aliado aos interesses coletivos. Os Pontos de Cultura enquanto focos das nossas reflexões nos impelem a prestar maior atenção aos processos que estimulam e provocam a criação, tendo a valorização e o desenvolvimento da cultura plural como finalidade, ainda que a ação política seja inerente, e o social seja o alcance. Mas, sempre considerando a desigualdade de condições e oportunidades e, portanto, o processo de subalternização 248 produzido pelo capitalismo, o que nos leva a desnaturalizar as tentativas de manipulações e subjugações de uns sobre outros, que são colocadas como estanques e inquestionáveis. Destacamos também, “entre” a apresentação e análise dos encontros regionais e nacionais, as experiências relacionadas às expressões artístico-culturais, também presentes nestes eventos, que nos trazem reflexões. Tais reflexões nos remetem para o foco deste estudo, que é o da cultura enquanto possibilidade de vivenciar experiências compartilhadas, em que os intercâmbios e as criações são mais importantes. Essas constituem-se, muitas vezes, em processos de resistência, uma “resistência criadora” e não uma mera oposição a algo. Por meio das criações coletivas, os ganhos são de inúmeras ordens e dimensões: desde o crescimento pessoal e profissional, à possibilidade de um fazer conjunto, até o amadurecimento político, consciência e importância das ações em prol das transformações societárias que beneficiem a todos. Consideramos que os Pontos de Cultura, enquanto manifestações artísticoculturais presentes na sociedade propiciam reflexões acerca da criação e mobilização presentes nesses espaços e localidades, para além da produção de espetáculos ou produtos para serem comercializados. Não se trata de desmerecer a importância e viabilidade dessas possibilidades, entretanto, consideramos que fazem parte de outras esferas que exigem diferentes diretrizes/encaminhamentos das políticas culturais, para além das ações no Programa Cultura Viva. Ou seja, as implicações relativas à economia da cultura, principalmente no âmbito da economia solidária e colaborativa, por exemplo, exigem que sejam previstas e promovidas etapas de escoamento dessa produção, viabilizando o acesso, distribuição e a fruição sem confundi-los com os processos de criação e de convivência que enfatizamos neste estudo. Apesar da necessidade destes processos serem simultâneos, não são automáticos e nem correspondem ao anseio de todos os Pontos. Além disso, nem todas as pessoas querem usufruir de uma atividade ou formação cultural para serem profissionais ou constituírem projetos de geração de renda. Mas, enquanto uma das bases do desenvolvimento e direito humano, a possibilidade de fazer escolhas passa pela experimentação e pela manifestação de diferentes linguagens artísticas e culturais, caracterizando-se como um direito, além dos benefícios cognitivos e do desenvolvimento humano como um todo. Isto pressupõe organizar as múltiplas implicações com as experimentações e a afirmação de que os Pontos não são lugares apenas de criação e práticas de liberdade, 249 mas também lugares onde se estabelecem relações de poder, autonomia ou controle, como acontecem na sociedade como um todo. Essas são situações que permeiam estes processos e são derivados de forças em luta permanente, configurando determinadas condições socio-histórico-políticas, além do caráter heterogêneo das práticas. Assim, as ações e seus correlatos são construídos, estão datados e operam uma imensa complexidade societária, em que valores estão em disputa. Partindo do pressuposto de que qualquer brasileiro tem direito de acesso à cultura, cabe ao Estado assumir as responsabilidades, e mais especificamente ao Ministério da Cultura, contemplando as necessidades e desejos subjetivos, simbólicos e de expressão culturais. O estabelecimento de critérios públicos como os que foram construídos em conferências e organizados no Plano Nacional de Cultura (PNC/Lei 12.343/2010)), avalizam a prerrogativa de que recursos sejam distribuídos com lisura na esfera pública, algo muito diferente do chamado dirigismo. Além disso, é fundamental o questionamento da herança de um Estado corrupto e apadrinhador de interesses de pequenos grupos. O PNC foi previsto na Constituição Federal de 1988 e, desde a aprovação da emenda 48, em 2005, tem por finalidade o planejamento e implementação de políticas públicas de longo prazo voltadas à proteção e promoção da diversidade cultural brasileira. Este Plano traz as diretrizes elaboradas e pactuadas entre Estado e sociedade, por meio da realização de pesquisas, estudos, debates, consultas públicas e encontros participativos como a 1ª e a 2ª. Conferência Nacional de Cultura, em 2005 e 2010, cujas Câmaras Setoriais, atualmente denominadas de Colegiados reúnem representantes das principais linguagens artísticas, além dos Fóruns e Seminários. As diretrizes contidas no PNC, assim como o Programa Cultura Viva apresentam a cidadania, a economia e a dimensão simbólica como as três dimensões da cultura no que tange ao acesso, aos meios de fruição e produção cultural do país. Isto exige investimentos do Estado em âmbitos que não interessam ao mercado, por não serem lucrativos a curto prazo, apesar da sua incessante atração e cooptação de algumas criações e criadores. Como todo processo de construção coletiva, tem-se os fluxos e refluxos de organização e atuação conjunta. Vários são os impasses e momentos de esfriamento das lutas, uma vez que os problemas são encaminhados, ora protelados, ora resolvidos, além do surgimento de outros. Diante das oscilações inerentes ao funcionamento dos movimentos e das práticas, destaca-se o que eles produzem, no sentido de serem lócus de debates, enfrentamentos e criação de alternativas. 250 Assim, com base nestas breves considerações, apresentamos a seguir uma caracterização dos encontros dos Pontos de Cultura, no âmbito nacional e regional (RJ/ES), cuja organização e debates foram acompanhados para a elaboração deste estudo, em que apontamos suas diferenças e aproximações, loco para as reflexões deste capítulo. 251 5.1. Quadro de caracterização dos Encontros nacionais e regionais (RJ/ES) dos Pontos de Cultura Abordamos neste capítulo, quatro TEIAS, encontros nacionais dos Pontos de Cultura, três TEIAS regionais (RJ/ES) e duas MICROTEIAS em regiões do Estado do Rio de Janeiro, com informações sistematizadas e detalhadas no quadro abaixo. Data 05 a 09 de abril de 2006 Âmbito I TEIA Nacional Local Pavilhão da Bienal Parque do Ibirapuera, São Paulo. Tema Venha ver e ser visto Cultura, Educação, Cidadania e Economia Solidária. Número de participantes 400 Pontos de Cultura, cerca de 800 pessoas. Principais questões tratadas Neste primeiro encontro, não houve debate político previsto na programação oficial, porém os Pontos reuniram-se durante e ao final da TEIA e propuseram questões a serem problematizadas e encaminhadas. Encaminhamento/manifesto público170: Início da redação da Carta do Rio de Janeiro171. a) Teia Cultural: com a participação dos Pontos na organização; b) Agente Cultura Viva: revisão do convênio com o MTE; c) Cultura Digital: garantia de acesso à internet via banda larga; garantir suporte técnico/capacitação; kit multimídia; d) Gestão do Programa/Gestão Compartilhada: aperfeiçoamento das condições de apoio; E) Criação de novos projetos: criação de um programa de fomento e intercâmbio para incentivar a construção de uma Rede; F) Propostas para os Pontos De Cultura: 1) Enviar para a Comissão de Cultura do Congresso Nacional um documento que reafirme a continuidade do Programa Cultura Viva e a necessidade de sua consolidação como Política de Estado; 2) Convocação dos Pontos de Cultura a participarem da luta pela destinação de 2% do Orçamento Geral da União ao MINC (PEC 150), o atual esta em torno de 0,37%. 3) Proposta de formação de um Fórum Nacional dos Pontos de Cultura enquanto espaço de articulação permanente para o fortalecimento do Programa; 4) Reafirmação da importância de uma proposta de política pública poder se tornar autônoma e descentralizada. Reivindicamos para o próximo biênio a mesma proporção de verba: 80% Governo e 20% de contrapartida da entidade selecionada. 170 Os documentos produzidos nesses eventos encontram-se nos anexos, item 9.1 em diante. Este texto foi criado originalmente em São Paulo no âmbito da TEIA Cultural em 09 de abril de 2006. Em agosto de 2006, o Fórum dos Pontos de Cultura reformulou alguns itens com a intenção de colaborar com o processo de Avaliação do Programa Cultura Viva, em 2007/08. 171 252 Data 03, 04 e 05 de agosto 2007 Âmbito I TEIA Regional Local SESI, Iguaçu Nova Tema Articulação entre Cultura, Economia Solidária, Trabalho e Cidadania. Número de participantes 47 Pontos de Cultura do RJ e 4 do ES, com 200 pessoas aproximadamente. Principais questões tratadas Promoção do intercâmbio entre os Pontos de Cultura e Empreendimentos de Economia Solidária (EES) dos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo; Visibilidade pública de uma ampla e variada manifestação de atividades artísticas e culturais. 1) Propostas de Continuidade para o Programa Cultura Viva; 2) Educação Patrimonial – Experiência do Museu da Maré – Do local ao global; 3) Intercâmbio Cultural entre os Pontos; 4) Tradição e Transgressão: a construção de uma rede de transmissão oral no RJ; 5) Propostas para a continuidade do Cultura Digital; 6) Desafios: entre a Legislação e a realidade – CGU – Controladoria Geral da União; 7) Agente Cultura Viva – Juventude e Mercado/Mundo de Trabalho, além das oficinas, espaço audiovisual e exposição dos Pontos de Cultura. Encaminhamento/manifesto público: Atualização e referendo da Carta do Rio de Janeiro/ES iniciada em 2006. Solicitação de audiência pública com a Secretaria de Cultura do Estado do RJ “para que a sociedade civil organizada possa encaminhar princípios e critérios norteadores para o Edital de Pontos de Cultura do Estado do Rio de Janeiro. Eleição de seis delegados para acompanhar a organização da TEIA nacional 2007. 253 Data 06 a 11 de novembro de 2007 Âmbito II TEIA Nacional I Fórum Nacional dos Pontos de Cultura Local Belo Horizonte Tema Tudo de todos Número de participantes 2.175 delegados e participantes das mostras artísticas de 400 Pontos. Principais questões tratadas Organização do movimento dos Pontos com a realização do I Fórum Nacional dos Pontos de Cultura, e a criação/eleição da Comissão Nacional dos Pontos de Cultura (CNPdC) para o encaminhamento dos inúmeros problemas que permaneciam sem solução. Encaminhamento/manifesto público: Não houve documento final aprovado, apenas uma carta lida na abertura (análise conjuntural feita pela equipe de organização do Fórum) que provocou dissenso. As deliberações dos grupos temáticos foram lidas, mas não debatidas. As questões político-organizacionais emergiram, e foram polêmicas, sendo encaminhada a separação entre a apresentação dos trabalhos artístico-culturais e o Fórum de debates, devido a programação de ambos serem muito densas. A plenária foi bastante tensa, mas um marco, pois rompeu a lógica de representação regionalizada, via Estados, delimitando-se a criação de 25172 grupos temáticos/ linguagens artístico-culturais, e, portanto, contemplando a diversidade das questões e manifestações culturais existentes, após muitos debates e atritos da representação dos Pontos participantes. Data Âmbito Local Tema Número de participantes Principais questões tratadas 10 e 11 II TEIA Regional Prédio Gustavo Iguais na Diferença (com 50 Pontos de Cultura, 150 Marcos Legais da Cultura, Fortalecimento da de Capanema, Rio de base nos 60 anos da pessoas aproximadamente Rede de Pontos e Sustentabilidade. outubro Janeiro Declaração Universal dos de 2008. Direitos Humanos) Encaminhamento/manifesto público: Não houve documento final. Proposta de pauta para a TEIA nacional construída, solicitação de ampliação do edital Estadual para os Pontos já conveniados com o governo federal. 172 Os grupos temáticos criados foram: 1)Juventude, 2) Legislação, 3) Sustentabilidade, 4) GLBTT, 5) Matriz Africana, 6) Cultura Paz, 7) Grupo Amazônico, 8) Pontões e redes de Pontos, 9) Rede da Terra, 10) Estudantes, 11) Audiovisual, 12) Patrimônio Imaterial, Culturas Tradicionais e Indígenas, 13) Patrimônio Material, 14) Rádios Comunitárias, 15) Hip Hop, 16) Economia solidária, 17) Ribeirinhos, 18) Gênero, 19) Artes Cênicas, 20) Criança e Adolescente, 21) Música, 22) Livro, Leitura e Literatura, 23) Escola Viva, 24) Ação Griô, 25) Cultura Digital. 254 Data 12 a 16 de novembro de 2008 Âmbito III TEIA Nacional Local Brasília/DF II Fórum Nacional dos Pontos de Cultura. Tema Iguais na Diferença (com base nos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos) Número de participantes 670 Pontos de Cultura, 1778 mil participantes, 88 trabalhos na Mostra artística. Principais questões tratadas Novos editais estaduais; Sustentabilidade dos Pontos de Cultura, revisão do marco legal em trâmite no congresso. Cortejo da “re” proclamação da república pela cultura. Encaminhamento/manifesto público: Documento entregue ao ministro, assinado pelos membros da Comissão Nacional dos Pontos de Cultura, com a reivindicação da aprovação das Propostas de Emenda Constitucional 236 e 150 e reforma Lei Rouanet/aprovação PNC; renovação dos conveniamentos; coleta de assinaturas para o projeto de Lei Griô; início do debate de uma proposta de projeto de Lei do Cultura Viva. Data 01 e 02 de setembro de 2009 Âmbito III TEIA Regional Local Vassouras/RJ Tema O interior é a capital da cultura. Número de participantes 60 Pontos de Cultura, cerca de 300 pessoas. Principais questões tratadas Marco Legal Articulação e movimento social na cultura Sustentabilidade Encontro Regional COMCULTURA (Comissão Estadual de Gestores de Cultura). Encaminhamento/manifesto público: Promover esclarecimento da lei 8.666/93; Marcar encontro com o presidente da Comissão Nacional da Cultura, deputado estadual Alessandro Molon (PT); Encontros periódicos na Estação Leopoldina para se descobrir a melhor maneira de se fazer essa prestação de contas; A Plenária votar dois representantes para a comissão do Grupo Estadual de Cultura; reunião do RECULTURA173; Decisões: Audiência pública no dia 10 de setembro, às 10h na Câmara municipal sobre Cultura e lei ISS; Proposta de um projeto de Pontão de Cultura jovem (sugerido em plenária); Parceria com as escolas para que aumente o número de jovens nos Pontos de Cultura; Maior envolvimento dos Pontos de Cultura na I Conferencia Nacional de Comunicação. Propõe-se a organizar a Conferencia Livre dos Pontos de Cultura para que as decisões sejam incluídas no documento nacional. Criar estratégias de mobilização. 173 A realidade do trabalho informal, terceirizado e precário foi o motivo do setor cultural e de criação do movimento RECULTURA - Frente Parlamentar para a Reforma da Cultura. O movimento propõe um novo marco regulatório para as atividades artísticas e culturais no Brasil, visando reformas nas legislações trabalhista e tributária a fim de viabilizar a área como um importante setor da economia. 255 Data Âmbito 30 a 03 II Congresso de Cultura de Ibero-americana outubro de 2009 Encaminhamento/manifesto público: Não houve documento final. Local São Paulo Tema Arte e Transformação Social e debates regionais Número de participantes Pontos de Cultura convidados e representantes de 22 países membros da Secretaria Geral Ibero-Americana (SEGIB) Principais questões tratadas Expansão do Programa Cultura Viva no cenário internacional Data 01 de agosto de 2009 Local Itaperuna/RJ Tema Encontro dos Pontos do Noroeste Fluminense Número de participantes 10 Pontos de Cultura, 100 pessoas. Principais questões tratadas Fortalecimento e união para subsidiar as políticas públicas de cultura por meio da realização de quatro encontros regionais em cidades das regiões do Estado do RJ. Número de participantes 45 Pontos de Cultura, cerca de 1200 pessoas (considerando o público rotativo dos diferentes momentos: oficinas, exposições, palestras, apresentações artísticas, reuniões, etc). Principais questões tratadas Apresentação, debate e compartilhamento dos trabalhos e iniciativas culturais. Âmbito Microteia Noroeste Regional Encaminhamento/manifesto público: Criação do Fórum da região noroeste do Estado do Rio de Janeiro. Data 09 e 10 de setembro de 2010 Âmbito Microteia Regional Baixada Fluminense Local Nova Iguaçu/RJ Tema Teia Baixada Territórios Culturais Encaminhamento/manifesto público: Carta dos Pontões, Pontos e Pontinhos de Cultura da Baixada Fluminense ao Brasil, para o fortalecimento, continuação e ampliação do Programa Cultura Viva do Ministério da Cultura. 256 Data 25 A 31 de março de 2010 Âmbito IV TEIA Nacional III Fórum Nacional dos Pontos de Cultura. Local Fortaleza/CE Tema Tambores digitais, a diversidade cultural se encontra em todos os pontos (comunicação e cultura digital). Número de participantes 1500 Pontos de Cultura e cerca de 4000 pessoas. Principais questões tratadas Fortalecimento dos fóruns e redes estaduais; consolidar o Programa Cultura Viva como política pública; aprovação do marco legal. Encaminhamento/manifesto público: Indicação de três nomes para compor uma lista que irá definir os participantes do CNPC; Eleitos 52 integrantes (27 representantes dos estados e 25 representantes de grupos de trabalhos, GTs). Pauta para encaminhamento: Criar marco regulatório (Lei Cultura Viva) que garanta que os Pontos de Cultura se tornem política de Estado, Consolidar, institucionalizar e implementar o Sistema Nacional de Cultura (SNC), constituído de órgãos específicos de cultura, conselhos de política cultural (consultivos, deliberativos e fiscalizadores); Aprovação pelo Congresso Nacional da PEC 416/2005 que institui o SNC, da PEC 150/2003 designa recursos financeiros à cultura com vinculação orçamentária e da PEC 49/2007, que insere a cultura no rol dos direitos sociais da Constituição Federal, bem como dos projetos de lei que instituem o Plano Nacional de Cultura e o Programa de Fomento e Incentivo à Cultura (PROCULTURA) e do que regulamenta o funcionamento do SNC. 257 Apresentamos um breve comentário desses Encontros/TEIAS, uma vez que no item 5.2, a seguir, aprofundamos algumas considerações importantes para este estudo. Os temas dos encontros seguem uma interessante trajetória, sendo o primeiro de caráter midiático, Venha ver e ser visto. Em seguida, o tema Tudo de todos ampliou essa concepção, todavia as apresentações seguiram o viés midiático, com a apresentação de artistas já consagrados. O tema Iguais na diferença remetia a comemoração dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e foi organizada com maior participação dos Pontos, sendo bastante diferente das TEIAS anteriores, promovendo apresentações mais populares e interativas. As TEIAS regionais, em geral seguiram o tema das nacionais, com exceção da I TEIA Regional de Nova Iguaçu, que privilegiou a Articulação entre Cultura, Economia Solidária, Trabalho e Cidadania e o III Encontro regional de Vassouras, em que o tema O interior é a capital da cultura objetivou visibilizar e valorizar as manifestações do interior do Estado. O II Congresso de Cultura Ibero-americana, foi realizado em 2009, ano em que não aconteceu a TEIA nacional teve o tema Arte e transformação social, com a apresentação da experiência de alguns Pontos de Cultura. A Microteia regional noroeste privilegiou o Encontro dos Pontos do Noroeste Fluminense e a Microteia Regional Baixada Fluminense, elegeu o tema dos Territórios Culturais. A última TEIA realizada em 2010 priorizou o tema da comunicação e da cultura digital: Tambores digitais, a diversidade cultural se encontra em todos os pontos. Os encaminhamentos públicos em geral resultaram em documentos veiculados aos gestores das políticas culturais e as demandas estiveram relacionadas a necessidade de mudança no marco legal regulatório das políticas (lei de incentivo e a modalidade de conveniamento inadequada para as pequenas organizações e o montante de recursos recebidos), a possibilidade de tornar o programa uma política de Estado, a sustentabilidade dos Pontos e questões relativas a cultura digital e as Ações do programa, além do grande problema de gestão dos convênios e de prestações de contas. Os locais de realização das TEIAS sempre foram definidos com base em longas disputas políticas, em que nem sempre prevaleceram o princípio da economicidade e priorização dos locais com potencial de desenvolvimento local e ligado a rede de Pontos. Isto, principalmente pelos entraves burocráticos que exigiam processos de licitação em que apenas as grandes empresas e redes hoteleiras tinham condições de participar. Dessa forma, em vez de apoiar empreendimentos menores e de 258 regime cooperativo e de economia solidária, o Estado, invariavelmente reproduzia a lógica hegemônica de mercado. Assim, apresentamos as demais considerações a seguir. 5.2. Apreciação sobre os encontros nacionais e regionais do RJ/ES Conquistamos o direito de ser o que sempre fomos: Pontos de Cultura. TEIA nacional 2008 Consideramos que a participação, acompanhamento e a caracterização dos encontros regionais e nacionais, além da participação das reuniões mensais174 do Fórum do RJ/ES, nos permitem apontar algumas análises, além de demonstrar com base na síntese apresentada no quadro do item 5.1, que as reivindicações em sua maioria, apontavam questões semelhantes e transversais. Todavia, os itens abaixo apreendem e problematizam diferentes demandas relacionadas ao percurso dos Fóruns nacionais e regionais: Informalidade dos processos organizativos; Dicotomias e dilemas entre a técnica e a política; “A TEIA é um evento dos Pontos ou do Governo?”; Movimentos sociais e Pontos de Cultura; Encaminhamentos, conquistas, desafios e as experiências de mobilizações. 5.2.1. Informalidade dos processos organizativos Enquanto um encontro-reflexão-celebração, o processo experimentado pelos Pontos de Cultura nas TEIAS, apresentam grande capacidade de invenção, movimento e luta contra as práticas antidemocráticas que impregnam a vida cotidiana e que dificultam o efetivo rompimento da lógica dominante, bem como a liberdade de criação e do pensamento. Apesar de terem envolvido um número significativo de pessoas, 174 A média de participação dos Pontos variou bastante. Em alguns momentos críticos para a resolução de problemas tivemos a participação da maioria, cerca de 55 Pontos, referentes ao primeiro edital de 2004, que conveniou 72 Pontos. Posteriormente, com a participação dos novos Pontos do edital estadual Mais Cultura, esse número chegou a cerca 100 Pontos, nestas mesmas situações. Já em reuniões em que não se tinha nenhum problema grave a ser debatido e encaminhado, a média era de aproximadamente 30 a 40 Pontos, além daquelas que também foram esvaziadas, conforme as atas das reuniões. 259 diante da dimensão continental e plural do país, nos perguntamos qual seria o impacto desses encontros, se agregassem um número cada vez maior de brasileiros. As TEIAS têm debatido os desafios e complexidades relativos ao acesso às políticas culturais, bem como a viabilização de criações estéticas e inúmeros intercâmbios. Há um nível de informalidade e de experimentação na organização das ações, algo próprio da natureza das ações artístico-culturais que facilitam os processos por instaurar dinâmicas diferenciadas de aproximação e mobilização das pessoas, como os eventos que mesclam a apresentação dos grupos, que socializam informações de forma rápida, lúdica e inusitada e também por meio das novas mídias tecnológicas 175. Tentativas de reflexões-resistência-ruptura que implicam em tensões relativas a obtenção dos direitos recém conquistados. Contudo, o coletivo do Fórum muitas vezes se ressentiu de não ter encontrado formas, que não fossem as tradicionais, com plenárias, votação, representação (delegados176 votantes e “observadores” somente com direito a voz como nos Fóruns Nacionais), operando grandes discussões e embates para o encaminhamento das questões no âmbito do movimento nacional. Nessas instâncias, ainda que de formas sutis, reproduzem-se, muitas vezes, algumas tentativas de imposições das tradicionais formas de debates e o predomínio daqueles que detêm experiência de militância, que às vezes, supõem estar aptos a gerir os processos de forma mais eficiente que outros. Contudo, as dificuldades na organização e encaminhamento das propostas também envolvem tentativas177 de outras possibilidades e, portanto, a constante articulação com as “tradicionais” formas. O que prevaleceu, entretanto foi o enfrentamento de conflitos, bastante tenso. Todavia, isso supõe o exercício da democracia e a abertura para a desestabilidade que as alteridades provocam, principalmente em um coletivo plural e difuso como o da sociedade brasileira. Muitas vezes, a falta de paciência para ouvir o “outro” revelam veladas 175 Apesar das dificuldades técnicas, algumas reuniões do Fórum e das TEIAS foram transmitidas ao vivo por meio do streaming, que é uma forma de distribuição de informação multimídia por meio da internet, cujo link é disponibilizado via e-mail, para o acompanhamento das reuniões. 176 É interessante problematizar o termo “delegados”, ainda que na tentativa de exercitar a democracia participativa, permanecem as velhas linguagens, formas e às vezes, as posturas. 177 Em uma das plenárias do Fórum, foi sugerido “fazer rodas de convivência com a metodologias griô”, bem como a solicitação da garantia de um espaço “de fala para os mestres da cultura popular” e “da democratização do acesso para a juventude nos Pontos” (Relatório TEIA Nacional, 2010). 260 formas de preconceito, desprezo e a postura superior em relação aos demais, o que inviabiliza a possibilidade de negociação e de mobilização conjunta. Os processos mais desgastantes como a construção de regimentos178 internos e regras comuns muitas vezes operam como estratégias de afastamento das pessoas, ou ainda como formas de monopolização e até imposição de propostas e ideias, muitas vezes considerada pelas "bases" do movimento como tentativa de isolamento e até sem legitimidade dessa base. Todavia, o encontro das diferenças supõe atrito, e, portanto, maiores oportunidades de diálogo, problematização e politização das questões. O clima geral dos encontros nacionais dissolve o ambiente oficial e cerimonial que geralmente prevalece em eventos que têm a participação do Estado e de ministérios, por meio dos batuques, jongo, cantigas, sambadas, umbigadas e brincadeiras que adentram em alguns momentos as plenárias, suspendendo-as por alguns instantes, mas que também ocorrem simultaneamente desde a abertura até o encerramento. Raros momentos na história do país, pois o caráter de celebração entre manifestações de diferentes lugares e linguagens marcaram as TEIAS, algo inédito num país de dimensões continentais e que não tinha apoio para intercâmbios tão valorosos como esse, considerando a híbrida sociedade brasileira. Assim, as fagulhas de entusiasmo e de liberdade movem a busca pela trocas, pelas interações e pela ação coletiva, na imensa pluralidade da ação cultural e política. O encaminhamento das questões finais das plenárias nacionais, quase sempre envolveu o enfrentamento das tensões e o fervilhamento das subjetividades, inerentes a qualquer processo democrático. Contudo, há um compartilhamento em processo, ainda que sejam das angústias na busca de formas mais efetivas de mobilização, encaminhamento das prioridades, enfrentamento das hegemonias estabelecidas e principalmente em prol da ampliação dos direitos e acesso aos recursos públicos. Assim, com base nessas reflexões, consideramos que as inquietações presentes no Fórum dos Pontos, tanto no âmbito regional quanto nacional, provocam a criação de outras possibilidades, que vão sendo gestadas processualmente. Todavia, a ampliação dessas oportunidades para o conjunto da população requer a participação de mais pessoas, mais tempo de trocas e debates, o que poderia instaurar ainda mais pluralidade e, certamente, muitas outras perspectivas, sobretudo num país tão vasto como o Brasil. Assim, plenos dos benefícios que o âmbito da arte e da cultura pode proporcionar, 178 Vide no anexo 9.1.6 o Regimento interno da Comissão Nacional dos Pontos de Cultura, 2009. 261 maiores seriam as chances das resistências tornarem-se criadoras de alternativas, passíveis de romperem lógicas deterministas e limitadoras das potencialidades humanas. “Entre” desafios e deslocamentos provocados foram deflagradas fragilidades dos partidos de esquerda, que não são homogêneos e têm divergências internas entre grupos e tendências, caracterizando o intricado jogo de interesses políticos partidários, além da disputa política que também ocorre no interior do governo e das inúmeras contradições societárias. Isso reflete a falta de unidade na acumulação de forças entre si e com os movimentos sociais para aprovarem as mudanças propostas na legislação, e na estrutura burocrática estatal, mas também, e em última instância, "explica" e/ou "justifica" algumas permanências, atitudes e a manutenção do instituído e das antigas forças hegemônicas que se beneficiam dos recursos públicos e se reproduzem. E por fim, ainda que haja interesses comuns, nem sempre, resistem aos interesses particulares. 5.2.2. Dicotomias e dilemas entre a técnica e a política A frase “Não tem solução técnica é tudo solução política” de um dos participantes do Fórum nos remete a um recurso recorrentemente utilizado pelos gestores de políticas, que insistem em separar, pelo menos no discurso, questões entre a técnica e a política. Deste modo, configura-se uma forma de referendar a soberania da lógica da disciplina burocrática, que limita as ações, o debate e a transparência das questões políticas e dos interesses em disputa. Além disso, o discurso das normas e da suposta “neutralidade” da técnica é utilizado pelos gestores e invariavelmente oculta às manipulações e autoritarismos que visam manter ordens estabelecidas, os poderes vigentes e o acesso e benefício público apenas para alguns poucos grupos com interesses particulares e econômicos. Uma das marcas das discussões nos fóruns sempre foi a gravidade dos entraves burocráticos, que consumiram um enorme tempo e geralmente desviaram o foco e a força da incidência política na organização dos movimentos, prejudicando o estabelecimento de prioridades e a clareza das ações estratégicas. Como preocupação fundamental as questões burocráticas inviabilizavam frequentemente a concretização dos processos de aprofundamento das questões relativas às forças hegemônicas que restringem o acesso e a efetivação dos direitos e das políticas para um maior público, mantendo-se a distância entre o Estado e da população. Todavia, apesar de que a ênfase na gestão possa ser uma “armadilha”, o Fórum do RJ/ES pautou importantes mudanças nos encaminhamentos e na estrutura das ações 262 do Programa Cultura Viva e foi fortalecido com esse processo. Sua primeira batalha, como já abordamos no terceiro capítulo, foi o episódio do complexo processo de conveniamento dos jovens com o MTE/bolsa do primeiro emprego179, que foi tão impactante para a realidade dos Pontos que não havia outra opção a não ser a união de todos e a construção de estratégias de enfrentamento das questões. Nesse processo, foi possível uma maior troca de informações entre os Pontos, bem como foram consolidados elos de confiança, tornando possível a consolidação de um coletivo que passou a encaminhar conjuntamente propostas e ações. Após muitos debates e reuniões, em uma das plenárias, o Fórum exigiu a presença do Ministro como condição para o movimento evacuar o prédio Gustavo Capanema, sede do MinC/Regional no centro do Rio de Janeiro. No dia seguinte, o Ministro compareceu e dialogou sobre as dificuldades e possibilidades existentes, e, por fim, o convênio com o MTE foi extinto, provocando a reorganização da ação Agente Cultura Viva, que foi reeditada em 2009, em parte baseada nas sugestões dos Pontos de Cultura. A sugestão do repasse do valor das bolsas diretamente para o Ponto de Cultura se efetivou por meio de edital de bolsa, não tendo sido incorporado no Plano de Trabalho dos Pontos em geral, mas apenas dos Pontões de Cultura. Isso permitiu a utilização de critérios próprios e relativos às diferentes linguagens artístico-culturais de cada grupo. Além disso, deu ênfase à formação mais ampla e não à especialização ou profissionalização como era imposto pelo convênio com o MTE; além de deslocar a idéia do jovem beneficiário para o jovem protagonista. A ampliação da faixa etária dos jovens e do tempo de duração do benefício também foi alterada de seis meses para um ano. Porém, a solicitação da abertura dos equipamentos de cultura como os teatros, cinemas, museus, dentre outros, de forma mais acessível aos jovens, não foi contemplada. 179 Este convênio exigiu ações articuladas para mudar o curso do convênio com o MTE, que estava acarretando sérias dificuldades nos locais onde os Pontos estavam sediados, comprometendo as relações com históricos parceiros, como os jovens suas famílias. Apesar de todo o esforço em cadastrá-los, segundo rigorosos critérios, atrasos nas bolsas que foram “prometidas”, promoveram tensões e a desestruturação de atividades. 263 Apesar das dificuldades, consideramos que esta foi uma experiência 180 coletiva bem sucedida no enfrentamento de conflitos, que agregou o grupo, ou seja, uniram-se ao passar pelas mesmas situações, além de engajar pessoas que não tinham vivenciado momentos como esse, mas que foram mobilizadas a partir deste grupo, no enfrentamento de outras questões. A correlação de forças, portanto, se estabelece à medida que algumas situações propiciam engajamento, exige convivência, trocas e um longo processo de diálogo e, principalmente o reconhecimento das diferenças e portanto de atritos, os quais, por sua vez, caracterizam o regime político da democracia. Para a avaliação desse processo e a continuidade dos encaminhamentos, o Fórum dos Pontos do Rio de Janeiro deliberou a necessidade da organização de um Encontro Regional em 2006 para dar visibilidade, fortalecer e demonstrar a necessidade de ampliação do Programa Cultura Viva, referendando-o como política pública de Estado e não apenas um programa de Governo. Sobretudo para esclarecer que os problemas de gestão e “técnicos” de regulação dos convênios, atraso de repasses e os demais problemas são inerentes ao processo de avanço no acesso e debate sobre as políticas públicas. Isso despertou e otimizou, em certo sentido, a pressão política para a necessidade da qualificação do Estado para atender as demandas da sociedade, e não somente de alguns interesses privados e historicamente hegemônicos. Assim, estes movimentos podem levar a outros, além de se configurar numa das formas de resistência a um sistema pautado pela irrelevância da política e a crescente despolitização. Isso, em oposição também a um contexto pautado pela técnica, pelos cálculos, números e mensurações que primam pela concentração de riquezas, apenas por alguns, além de esmorecer os ideais e as utopias, esvaziadas e retidas no mesmo espaço que se destina às mercadorias, e nos impele a contrapor os determinismos que limitam a potencialidade da dimensão cultural, sobretudo, ao instrumentalizá-la. Compreendemos que os argumentos e as práticas que colocam a técnica e a burocracia como empecilhos para mudanças, atendem a interesses conservadores da 180 Benjamin, Foucault e Walsh nos remetem às correlações da experiência vivida que geralmente nos escapam, bem como as supressões históricas produzidas enquanto fatalidades e forças de saber e de poder e à transgressão de um sistema epistemológico dominante. Já Thompson (1989, 1984) afirmava que a experiência da classe operária inglesa, no século XVIII implicou em ações conjuntas nos “motins”, e, portanto, tornou-se referência “de que poderiam ser exitosos”. Além disso, atribui à classe uma dimensão histórica, cujas experiências, a lógica econômica e o desenvolvimento das relações sociais estavam relacionadas às dimensões do tempo e do espaço do cotidiano da vida, que foram modificadas pela popularização do relógio, pelas regulações, racionalizações e controle do tempo do trabalho e do não-trabalho. 264 ordem vigente, que beneficiam pequenos grupos, especialmente, na esfera privada em detrimento do favorecimento da sociedade como um todo, reproduzindo a dominação e a subjugação de uns sobre outros. Parafraseando Foucault, “nada é político, tudo é politizável, tudo pode tornar-se político”, ou ainda “não tem solução técnica é tudo solução política”, como já abordamos, sobretudo quando nos remetemos ao exemplo de que, quando o Estado “quer”, atende aos interesses das grandes empresas, para além do impedimento das técnicas, ou da burocracia, que são revistas e flexibilizadas. O início de um processo de mobilização política talvez tenha sido o maior ganho. Devido às forças “desiguais” e o contexto em que prevalece uma lógica liberal, em que o Estado não representa interesses comuns, mas assegura que sejam explicitados em esfera própria, que é a privada, limitam-se os poderes, devido à maior incidência e organização das forças econômicas e conservadoras. Deste modo, ainda se tem o desafio de tornar o Programa Cultura Viva, uma política de Estado, propósito que perpassou todos os encontros enquanto uma das lutas dos Pontos de Cultura. Todavia, fazer a "travessia" de uma política de governo a uma política de Estado envolve a mudança na legislação e nos marcos legais da cultura, o que levou ao debate e à formulação de uma minuta de projeto de Lei Cultura Viva181 que está em processo de construção. Embora isto envolva complexas relações políticas, não se tem garantia da continuidade do que foi instaurado pela gestão 2003-2010 do MinC. A Ação Griô Nacional também formulou um projeto de lei específica para o reconhecimento dos griôs e mestres de tradição oral e está em fase de coleta de assinaturas, na tentativa de torná-la uma lei conhecida e debatida, e, portanto, tem o cunho de uma lei de iniciativa popular. A Lei182 Griô foi formulada por uma Comissão Nacional de Griôs e Mestres de Tradição Oral escolhidos pela Rede Ação Griô e contou com contribuições e participação da sociedade brasileira por meio de encontros regionais e nacionais e uma 181 Vide no anexo 9.1.5 a minuta de Lei Cultura Viva elaborada em conjunto com os Pontos de Cultura e uma consultora do MinC. 182 A Lei Griô estabelece o apoio da Ação Griô com base na circulação dos Griôs nas comunidades e nas escolas, e a vinculação destes saberes e fazeres da tradição oral aos currículos promovendo a identidade e ancestralidade dos estudantes, educadores e da população brasileira. A Lei contempla a criação de mecanismos para que as comunidades apresentem aos conselhos municipais de cultura seus Griôs e Mestres de tradição oral, vinculados a projetos educativos, associações e a Secretarias de Educação. Foi registrado no Cartório do Registro de Pessoas Jurídicas da Comarca de Lençóis (BA), no Livro A-03, nº 215, o Projeto de Lei de inciativa popular Lei Griô Nacional – uma política de transmissão oral do Brasil, em novembro de 2009. 265 página na internet. A Assembleia Legislativa da Bahia, a Câmara de Vereadores de João Pessoa na Paraíba e a Câmara de Vereadores de São Paulo já realizaram sessões especiais sobre a Lei envolvendo cerca de 400 deputados, vereadores, representantes das secretarias de cultura e educação, griôs, mestres, educadores, e estudantes para discutir a Lei Griô e encaminhar a sua demanda nos orçamentos estaduais. Este é considerado um dos maiores resultados qualitativos conquistados em 2010 pela Rede Ação Griô, cuja mobilização nacional busca atingir 1 milhão de assinaturas para apresentá-la ao Poder Legislativo Federal, efetivando o projeto de iniciativa popular. Enquanto resultado desta mobilização, a minuta da Lei Griô Nacional foi eleita na íntegra como uma das 32 prioridades da política do Ministério da Cultura na Conferência Nacional de Cultura, que ocorreu em março de 2010. Isto dentre a demais de 600 propostas que envolveu a participação de cerca de 200 mil dirigentes culturais, representantes de conselhos de cultura e comunidades de base em todo o país. A Lei Griô Nacional tem como meta instituir uma política nacional de transmissão dos saberes e fazeres de tradição oral, em diálogo com a educação formal, para promover o fortalecimento da identidade e ancestralidade do povo brasileiro. Isto beneficiaria, a longo prazo, outras manifestações artístico-culturais e não apenas os grupos apoiados até então, o que envolve o debate maior sobre o conceito e âmbito das políticas públicas como um todo, para além das questões pragmáticas e burocráticas que impedem os movimentos de avançarem. Além disso, os Pontos têm participado dos debates sobre a reforma da Lei Rouanet/PROCULTURA e a implementação do Plano Nacional de Cultura já aprovado. Contudo, reduzir os problemas dos Pontos de Cultura à questão do marco legal, dos editais federais e estaduais e a aprovação de Leis é um equívoco tão grave quanto simplificar a complexidade do tema a uma mera questão de gestão ou de técnica, mas que também é eminentemente política. Os problemas de ordem jurídica, que envolvem principalmente a Lei 8.666/93183, e a estrutura burocrática e operacional, principalmente devido à falta de recursos humanos no MinC, além das disputas políticas internas por 183 A Lei 8.666 de 21 de junho de 1993, o Decreto nº 6.170, de 25 de julho de 2007 e a Portaria Interministerial MP/MF/MCT nº 127, de 29 de maio de 2008, regulamentam as transferências de recursos da União mediante convênios para os Pontos de Cultura, contudo, a Lei 8.666/93 foi idealizada para a regulação de grandes investimentos do governo, sendo inadequada para projetos de pequeno porte com os Pontos de Cultura, como veremos com maiores detalhes posteriormente. 266 espaço e poder colocam em risco uma proposta revolucionária de política pública que valoriza ações e manifestações plurais que jamais foram valorizadas e apoiadas no país. Ao final de uma das TEIAS regionais, destacamos a seguinte manifestação: “(...) ficou explícito um esforço recorrente de sair da subordinação catártica em torno das falhas do MINC, devido a sua frágil estrutura para acompanhar os projetos, que tanto prejudica os Pontos (as duas situações: as falhas e a subordinação), para buscar um novo caminho no aprofundamento de discussões sobre as estratégias de enfrentamento à desigualdade do contexto brasileiro” (Participante de Ponto de Cultura, Vassouras, 2009). Assim, a democracia e as políticas públicas não podem ser reduzidas a um “modelo de gestão”, excluindo o caráter decisório no âmbito das relações de poder, desconsiderando os sujeitos, desejos, demandas e contradições que se expressam nos espaços dos fóruns de defesa dos interesses coletivos. 5.2.3. “A TEIA é um evento dos Pontos ou do Governo?” As criações tomam forma, prática e sentido quando experimentadas, vozes e ações que podem ser mais veiculadas, em vez de termos o silêncio mudo de grande parte da população brasileira, tão viva e expressiva. No entanto, cada vez mais confinada e sem acesso aos direitos básicos, cujo potencial de desenvolvimento e expansão é tolhido. O âmbito da criação e da experiência/experimentação artísticocultural pode propiciar que o sujeito possa ser protagonista de sua própria transformação e não assujeitado, objeto e apático a ser enquadrado ou “incluído”. É fundamental, nesse contexto, que se possa evitar a repetição de relações servis, comuns entre “patrões e empregados” em que se desrespeitam os hábitos e atitudes de culturas diferentes. Portanto, muitas discussões no âmbito dos Fóruns remetiam ao limiar entre a ampliação dos editais para mais Pontos e continuidade das ações com o apoio do Estado. Isto envolvia o debate sobre o respeito e a valorização do que já vinha sendo realizado pela sociedade há muito tempo, um dos pressupostos do Cultura Viva, sem que se impusessem critérios, sobretudo, burocráticos que traziam muitos desgastes e, 267 paradoxalmente, eram obrigatórios, sem que condições fossem estabelecidas para isto184. Assim, denotando jogos de “saber e poder”, cujos resultados podem incidir em dependência do apoio do Estado e não na autonomização das pessoas e grupos, que correm o risco de ter que se adaptarem às regras para ter acesso aos recursos, mais do que a valorização e o reconhecimento público que isto possa desencadear. Isto nos remete também ao próprio conhecimento e à sua disciplinarização, bem como à rigidez imposta nos espaços institucionalizados, algo oposto ao espaço não formal do Ponto de Cultura em que não se delimita à priori os lugares e tempos específicos para as trocas ou para os possíveis aprendizados, ou, pelo menos, acreditamos e defendemos que não se deveria estabelecer, para então cumprir a sua proposta de ser um espaço de convivência, de criação, expressão, escuta, voz, compartilhamento livres e por que não do desenvolvimento de um rico conhecimento e alternativas com base em outros saberes e culturas. Passíveis de questionamentos e rompimentos, esta lógica exige que as lutas sejam processuais e contínuas, sobretudo, por envolverem possibilidades que podem ser encontradas de forma conjunta, o que é bastante diferente das soluções impostas e tidas como salvadoras por alguns, que as impõe como corretas. Assim, em 2007, a primeira plenária do Fórum Nacional dos Pontos de Cultura foi acompanhada e avaliada pelo Instituto Paulo Freire (Instituto Paulo Freire, 2007). Os resultados concluíram que 66% dos Pontos consideraram os objetivos do Fórum parcialmente atingidos, enquanto que 25% entenderam que os objetivos não foram atingidos, e apenas 7% considerou que os objetivos foram plenamente atingidos. A avaliação qualitativa apontou uma série de problemas quanto à estrutura do Fórum e da TEIA: a falta de passagens para alguns representantes, a grande distância dos alojamentos quanto à realização do Fórum, atrasos nos trabalhos, insatisfação quanto à metodologia, pouca interação quanto às decisões estaduais e regionais construídas, pouca efetividade quanto ao esclarecimento dos objetivos do Fórum, tempo 184 Destacamos que, em diálogo no Fórum dos Pontos, descobrimos que vários Pontos de Cultura tiveram informações diferenciadas sobre os procedimentos a seguirem. Ao serem questionados, os técnicos do MinC afirmaram que eles também recebiam informações desencontradas, diferentes e até opostas dos órgãos de controle como a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU), instaurando uma série de impasses para os grupos. 268 escasso para as discussões e direção autoritária da Comissão dos representantes de Pontos de Cultura Nacional, foram os problemas mais abordados. Este percurso se deve em parte pela condução de um Ponto de Cultura contratado pelo MinC para organizar este encontro, e que não dialogou suficientemente com a comissão dos Pontos de Cultura formada para realizar o acompanhamento, desencadeando um processo com inúmeros problemas que poderiam ter sido resolvidos com o compartilhamento das decisões, o que não ocorreu. A tônica do evento, portanto, surpreendeu a maioria dos participantes com apresentações de artistas “consagrados” em detrimento da maior apresentação dos Pontos ou de grupos menos conhecidos, caracterizando, ao contrário, um encontro com a marca dos espetáculos midiáticos. Outra dificuldade foi a impossibilidade de intercâmbio entre os Pontos de Estados diferentes, caracterizando esta edição da II TEIA como conturbada, o que impactou a plenária do Fórum. As propostas dos grupos, que se reuniram por região, foram lidas, mas não tiveram espaço para serem debatidas, deixando, para muitos, uma lacuna no resultado do encontro. “A forma das deliberações foi imediatista. Não esgotamos as discussões antes de chegarmos à decisão por uma comissão”, relatou uma participante do Ponto de Cultura de Pernambuco, que propôs o segmento Comunidades Indígenas e Comunidades Tradicionais/Herança Intangível para ter assento na Comissão Nacional, com aval da plenária. Deste modo, a plenária foi bastante tensa, mas também foi um marco, pois rompeu a lógica de representação regionalizada, via Estados, passando a ser considerada a representação das linguagens artístico-culturais, delimitando-se a criação de 25185 grupos temáticos, e, portanto, contemplando a diversidade das questões e manifestações culturais existentes, após muitos debates e atritos entre aproximadamente 400 Pontos participantes. Dentre as questões que ficaram abertas, por exemplo, foi a sustentabilidade dos Pontos, porém, para os organizadores, os trabalhos na plenária foram realizados no limite das possibilidades por se tratar de um primeiro Fórum Nacional. Por se tratar do início de uma mobilização e de discussão política, ponderou-se que as dificuldades eram 185 Os grupos temáticos criados foram: 1)Juventude, 2) Legislação, 3) Sustentabilidade, 4) GLBTT, 5) Matriz Africana, 6) Cultura Paz, 7) Grupo Amazônico, 8) Pontões e redes de Pontos, 9) Rede da Terra, 10) Estudantes, 11) Audiovisual, 12) Patrimônio Imaterial, Culturas Tradicionais e Indígenas, 13) Patrimônio Material, 14) Rádios Comunitárias, 15) Hip Hop, 16) Economia solidária, 17) Ribeirinhos, 18) Gênero, 19) Artes Cênicas, 20) Criança e Adolescente, 21) Música, 22) Livro, Leitura e Literatura, 23) Escola Viva, 24) Ação Griô, 25) Cultura Digital. 269 intrínsecas e até mesmo fecundas, explicitando conflitos inerentes ao processo de organização das prioridades. Anseios, descompassos e os problemas que envolvem o desenvolvimento de possibilidades de constituição de lutas comuns e a própria democracia. Neste processo, o Fórum dos Pontos de Cultura do RJ/ES fez uma avaliação do Encontro nacional de 2007 em uma das reuniões, cuja síntese e questionamento central foi a seguinte: a TEIA é um evento dos Pontos ou do governo? Afinal os argumentos eram de que havia sido repetida a desorganização de 2006, em 2007, apesar da condução de um Ponto de Cultura que desconcentrou e pulverizou a ação da Comissão Nacional do Fórum, cujo foco deveria ter sido a organização política dos debates e dos grupos de trabalhos do Fórum Nacional dos Pontos de Cultura, daí o questionamento de que o Fórum viesse a ser mais autônomo. Considerou-se ainda que o evento expressava a relação com o governo, pois a maioria dos Pontos de Cultura não estavam representados na TEIA 2007, como aconteceu em 2006, em que ocorreu a celebração e o compartilhamento das criações e produções dos Pontos de Cultura do país, que foram mais visíveis e compartilhadas, apesar das dificuldades e propostas de que os Pontos assumissem a organização. Assim, o formato do Fórum foi questionado, sendo reivindicado mudanças, que pudessem refletir a Cultura Viva também. Concluiu-se ainda a necessidade de ações propositivas para influenciar a concepção, elaboração e produção da TEIA seguinte, que foi realizada em 2008. A Comissão Nacional recém oficializada em 2007, embora ainda não tivesse unidade, diante desta experiência, evidenciou a necessidade de um novo modelo para o FNPC, principalmente na sua forma, que para os participantes significava também conteúdo. “Temos de criar e inventar uma forma nova de fazer “’plenárias finais’” (Relatório TEIA Nacional. Coordenador de Ponto de Cultura, 2007). No ano seguinte, o Fórum realizou a II TEIA Regional na cidade do Rio de Janeiro, em parceria com a Secretaria de Programas e Projetos Culturais (SPPC/ MinC) e a Representação Regional RJ/ES do Ministério da Cultura. O 2º Encontro Regional dos Pontos de Cultura foi parte do processo de mobilização e articulação política da rede dos Pontos de Cultura em todo o Brasil e que culminou com a realização do Encontro Nacional dos Pontos de Cultura, a TEIA Brasília, em 2008. O Encontro regional priorizou o debate sobre os "Marcos Legais da Cultura", o "Fortalecimento da Rede de Pontos" e a "Sustentabilidade" dos locais. O maior grupo foi o segundo. Embora tenha debatido estratégias de articulação dos Pontos, discutiu 270 também o cenário a ser enfrentado após as eleições de 2010, e a vigência do governo seguinte, que na época, considerava não só a hipótese de continuidade, mas também a possibilidade de mudança. O tema da sustentabilidade era muito recorrente, e o caminho apontado foi o debate sobre a integração dos Pontos de Cultura, com base em um "tripé" que incluía a sustentabilidade, a estrutura e a horizontalidade. Este último tópico gerou dúvidas e no debate esclareceu-se que isto supunha o conhecimento do trabalho do outro, do que se fazia e como se poderia estabelecer um diálogo e intercâmbio mais próximo. Deste modo, defendeu-se também a utilização mais freqüente da internet para se integrar, além disso, surgiu a idéia de uma "visita de mão dupla" entre os Pontos, em que um conheceria melhor o trabalho do outro e, assim, seriam promovidas mais trocas. Discutiu-se também a possibilidade de centralizar a administração dos Pontos de Cultura em uma espécie de “produtora cultural” para a articulação da rede dos Pontos, sobretudo, para veicular a sua produção, que seria um novo Ponto de Cultura, o que não se efetivou devido a questionamentos de alguns participantes acerca do risco da “institucionalização” do movimento dos Pontos de Cultura. Foi considerado ainda que esta possibilidade pudesse burocratizar o que era mais interessante para os Pontos: a independência e a autonomia de cada espaço. Após estas considerações, "representante", "líder", ou “grupos dirigentes” tornaram-se palavras proibidas, sugerindo que as relações permanecessem informais e com o caráter de movimento, sem que um “novo” Ponto viesse a conduzir o processo. Contudo, as complexas relações de poder, que envolvem aspectos como os de “quem sabe” e “quem não sabe” e os códigos de participação que alguns dominam e outros não revelam as pertinências que são incorporadas e que também limitam a ação de muitos sujeitos, num jogo de forças e conflitos. Houve uma plenária final na qual todas as ideias foram apresentadas com o objetivo de construir uma proposta para apresentar no encontro nacional dos Pontos de Cultura, em Brasília. Todavia, a questão premente era o edital estadual e a possibilidade dos Pontos já conveniados com o governo federal estarem aptos a concorrer ou não. Embora legítima, esta questão reduzia a potência do movimento, revelando a falta de articulação para mudanças mais efetivas, como a aprovação do marco legal e das Leis Griô e Cultura Viva. Assim, em 2008, ocorreu a edição da III TEIA nacional com base na reflexão dos nos 60 anos da Declaração Universal dos direitos humanos. Entre discussão política, reflexão, celebração e produção estética, a TEIA sempre teve o desafio de criar uma 271 estrutura que estimulasse a articulação, mas que ainda suscitava indagações em torno de como garantir formas diferenciadas que envolvessem um grande número de pessoas, autônomas e que respeitassem os diferentes saberes, tempos e processos. Formas organizativas descentralizadas que estão em construção, como ouvimos: “Uma Teia que se descobre a cada momento, a cada Ponto, a cada diferença, se descobre nessa luta pra que sejamos iguais no direito. Ela tem um formato novo, uma configuração que incomoda muita gente, inclusive a nós. Mas nos fascina e, como desafio, estamos chegando à terceira Teia no planalto central do Brasil” (Chico Simões Ponto de Cultura Invenção Brasileira – DF, TEIA, 2008). Assim, em 2008, a Comissão Nacional do Fórum dos Pontos de Cultura, em conjunto com o Ponto de Cultura Invenção Brasileira/DF, assumiu a organização e realização da III TEIA e II Fórum, em Brasília, implementando um processo mais participativo, com base no aprendizado e enfrentamento das dificuldades das edições anteriores. Os 25 grupos temáticos foram realizados e a plenária final foi menos tensa que a edição anterior, porém com a preocupação central na problemática dos novos editais estaduais que não permitiram a inscrição dos Pontos “antigos”, evocando polêmicas novamente. A questão do financiamento perpassou muitas discussões, sobretudo, com a preocupação de continuidade das ações. A ênfase na sustentabilidade dos Pontos, questão sempre muito forte, colocava “em xeque” a possibilidade do programa tornar-se uma política de Estado com maior aporte de recursos para a sua expansão. Por outro lado, estes encontros foram fundamentais para que os Pontos de Cultura refletissem sobre a dependência versus a independência do apoio do governo e se consolidassem como um movimento de grupos culturais com autonomia e estrutura para lutarem e se apoiarem mutuamente, sobretudo, por se tratarem de manifestações que já existiam anteriormente ao estabelecimento do convênio com o MinC, cujas trajetórias e estratégias de sustentabilidade, em sua maioria eram longas, embora precárias, frágeis e sem apoio público. Não obstante, foram gestadas diferentes formas, em meio a tantos assuntos importantes em pauta, em que as discussões eram sempre intercaladas com apresentações artísticas abertas ao público. As TEIAS provocaram pequenos deslocamentos, exercícios de protagonismo e de embates políticos. Deste modo, a manutenção dos Pontos de Cultura como política de Estado, com orçamento previsto legalmente e mecanismos de controle e gestão compartilhados entre o poder público e a sociedade civil foi uma das reivindicações do II Fórum Nacional dos Pontos de Cultura, 272 apresentadas em uma carta entregue ao ministro da Cultura, no encerramento da TEIA, em 16 de novembro de 2008. O que estava em jogo era a sobrevivência política de um conceito de Ponto de Cultura, de gestão compartilhada, de relação entre a sociedade civil e o Estado, além da construção de uma rede nacional de entidades culturais que puderam se encontrar, dialogar e identificar anseios comuns, dentre os quais o de consolidar um movimento a partir da cultura, fator de mobilização importante na sociedade brasileira, mas também com um longo caminho pela frente. Enquanto ações que também correspondem à captura e ao controle dos movimentos por parte do Estado, esbarramos nas velhas contradições sempre presentes. No entanto, as experiências de apropriação dos processos suscitam ruptura, saída e invenção. Mesmo que o contexto histórico cultural e econômico produza incessantemente formas, racionalidades e critérios que inviabilizam a amplitude de outras formas de organização, acreditamos nas ações em movimento, nos saberes, poderes e ações instituintes dos sujeitos políticos. 5.2.4. Movimentos sociais e Pontos de Cultura Destacamos que, desde a primeira TEIA de 2006, os eventos também foram um encontro dos movimentos sociais como o MST, Hip Hop, UNE, dentre outros, pois além da proposta de ser uma mostra da diversidade cultural brasileira, a articulação dos movimentos sociais por meio dos Pontos de Cultura se configurou como outra possibilidade de mobilização, uma vez que as ações destes grupos foram reconhecidas como “Pontos de Cultura”, via o convênio com o MinC. Todavia, lideranças dos movimentos culturais do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e da União Nacional dos Estudantes (UNE) demarcaram em depoimentos que não haveria sentido na produção cultural se não a do engajamento político e comprometimento com a transformação das pessoas e da sociedade. Para líderes do setor de cultura do MST de São Paulo, apesar das diferenças entre o campo e a cidade, não existem diferenças entre os trabalhadores: “nossas aflições são as mesmas. Precisamos acabar com essa divisão e unir-nos. Unirnos na condição de trabalhadores. E precisamos refletir isso nas nossas produções culturais” (Romualdo apud Yoda, 2007). O destaque acima nos remete a parte da trajetória das políticas culturais que foi abordada no segundo capítulo, em especial na década de 1960, em que a cultura e a arte 273 popular em geral foram instrumentos de conscientização política e ainda inspiram os movimentos sociais. O MST foi selecionado via primeiros editais do Cultura Viva com 16 Pontos de Cultura, distribuídos em 10 estados brasileiros. Nesta TEIA foi enfatizada a necessidade de articulação dos movimentos com base nas produções artísticas de forma engajada. “A burguesia nunca criou cultura. Eles criam a moda, a pasteurização. Mas do funk ao samba, são manifestações do povo. A arte tem que ser comprometida com as questões sociais. Se não houver enfrentamento dos problemas e da indústria cultural, estaremos a repetir o mais do mesmo (...). Às vezes, um artista até acha que está fazendo uma coisa boa, mas, no fim, está contribuindo para a roda” (Romualdo apud Yoda, 2007). Deste modo, a inversão da ordem cultural é essencial para o MST, pois consideram que somente pensando em refuncionalizar o mercado é que os trabalhadores poderão recuperar a cultura que lhes foi roubada. Já o diretor de Cultura da UNE, afirmou que o movimento estudantil tem uma grande tradição nos movimentos culturais. Assim, destaca as experiências do Centro Popular de Cultura, os CPCs da UNE, nos anos 1960, que tiveram um papel importante no combate à ditadura militar. A entidade, segundo ele, precisou rever os conceitos e formas de trabalhar com a arte e a cultura. “O movimento cultural hoje tem uma dinâmica própria. Não podemos trabalhar de cima para baixo. Por isso criamos o CUCA (Centro Universitário de Cultura e Arte). Ele segue com uma dinâmica diferente do movimento estudantil. Mais espontâneo e mais amplo. Apenas tomamos o cuidado de pautar o debate político maior, partindo da discussão de políticas públicas culturais” (Alves apud Yoda, 2007). A UNE foi selecionada com 10 Pontos de Cultura, em 10 estados, e acredita que o Cultura Viva esteja invertendo o foco da produção cultural brasileira. “Um exemplo simples disso é o fato da TEIA ter sido realizada na Bienal de São Paulo, um espaço tradicional da burguesia paulista. Nesses quatro dias, nós, movimentos, ocupamos a Bienal com muita riqueza e diversidade. Tomamos posse daquilo que é nosso. Isso já é sinal de mudanças, sem contar o poder de articulação dos movimentos sociais através da arte” (Alves apud Yoda, 2007). Estes breves relatos, aliados à experiência de participação nesse encontro, nos permite problematizar a dimensão da transversalidade da cultura em diversos âmbitos. O impacto poderia ser muito mais amplo, à medida que mais pessoas pudessem participar, o que, certamente, 274 provocaria mudanças no cenário brasileiro e fortaleceria a organização de movimentos para compartilhar experiências e pautar o debate político de forma plural. Tendo em vista que as contradições fazem parte da vida e também da política, antigos ou novos, os movimentos sociais enfrentam refluxos que exigem a sua reinvenção, persistência e articulações que os mobilizem e promovam a identificação de lutas e demandas comuns para a efetiva transformação da sociedade e a ampliação dos direitos sociais, políticos e econômicos. Todavia, diante do contemporâneo contexto social, transformá-lo, contemplando áreas populares que não eram reconhecidas, em protagonismo político é algo em disputa e em processo de construção. Ao longo do tempo, tornaram-se comuns muitos fatos que antes eram considerados equivocados e comprometedores para uma considerável parte dos movimentos e organizações, como o recebimento de verbas de algumas empresas ou do próprio Estado. Como elemento da adaptação a uma sociedade pautada pela única e “violenta” integração ao mercado, num território banalizado e governado pela lógica da exploração econômica, da manipulação política e da desintegração do coletivo, as vivências e o acúmulo de informações, sobrepõem-se a memória histórica, reproduzindo ininterruptamente o caráter dramático de uma conjuntura que perdura. Porém, as manifestações artístico-culturais, que até então estavam à margem do acesso ao recurso público, passam a ter alguma visibilidade, cujo potencial questionador, seara que remete ao mais básico e primitivo no ser humano, como os desejos e a indignação, principalmente a capacidade de intervenção pública, e de mobilização, despertam protagonismos para a construção de alternativas que contemplem um número maior de manifestações e o coletivo. E embora, este potencial possa ser cooptado também por forças conservadoras, há possibilidades de outras construções, sobretudo, diante contexto desigual cada vez maior, que nos trazem demandas urgentes que implicam em lidar cada vez mais com complexas questões sociais. Todavia, neste contexto há todo o tipo de organização, desde as assistencialistas, clientelistas, mercantis, dentre outras mais críticas e politizadas. Diante da população brasileira cada vez mais espoliada, não é possível ignorar a necessidade de articulação dos movimentos sociais e culturais, das políticas públicas e a construção de alternativas ao contexto individualista que cada vez mais atende às demandas de caráter privado, em detrimento do público. 275 A cultura gera movimento, conservadora ou libertária, pode alienar ou despertar consciências e corpos, promover manutenções ou transformações por meio de repressões ou de estímulos para criar outras possibilidades de vida. Enquanto um direito humano fundamental é dever do Estado assegurar seu exercício, bem como financiar os e espaços já existentes e que funcionam, além da criação de outros, mediante as demandas, e o apoio aos meios da criação/produção, distribuição, circulação e acesso. 5.2.5. Encaminhamentos, conquistas, desafios e as experiências de mobilizações As questões que o movimento do Fórum do RJ/ES conseguiu pautar e para as quais conseguiu obter mudanças foi a revisão na Ação Agente Cultura Viva, cujo convênio com o MTE foi extinto e a Ação reformulada como já vimos. Além disso, foi exigida a participação dos Pontos na organização das TEIAS nacionais e um espaço para a realização das plenárias do Fórum Nacional dos Pontos de Cultura, bem como o apoio para a criação da comissão nacional dos Pontos de Cultura, o qual foi obtido em 2007. Foram obtidos também o apoio para a realização das reuniões da Comissão nacional dos Pontos de Cultura186 e a realização de editais estaduais e municipais para novos e antigos Pontos de Cultura. Os encontros de conhecimentos livres foram mantidos para a capacitação dos jovens e interessados na operacionalização do sistema Linux. Todavia, a questão da criação de um programa de fomento ao intercâmbio e circulação interestadual dos Pontos de Cultura não foi efetivada. Dentre outros desafios, desde 2006, se exige que o programa venha a se tornar uma política de Estado, para além de um governo, independente das questões partidárias, que envolvem a disputa por valores, conceitos e a ampliação dos direitos para a população. Outra importante demanda está relacionada ao acesso à internet e à socialização das novas tecnologias, o que se efetivaria por meio das antenas GESAC e a utilização do kit multimídia disponibilizado pelo Ministério. O aperfeiçoamento dos mecanismos da gestão compartilhada já era problematizado desde o início da vigência do programa, e é também uma questão que permanece aberta, envolvendo a legitimação de interlocutores até então ausentes na disputa pela democratização da cultura. 186 Embora com muitas críticas e tensões, o MinC apoiou a realização antecipada de encontros preparatórios nos estados e regiões do país, o que contribuiu para a articulação de redes e fóruns estaduais dos Pontos de Cultura. 276 A organização 187 conjunta das TEIAS regionais, bem como a interlocução e a tentativa de dialogar sobre os Encontros nacionais, foram experiências que aproximaram os Pontos. Somadas as propostas de “Cortejos culturais” pelas ruas da cidade onde se realizavam os encontros, pretendia-se visibilizar as ações culturais para a sociedade em geral, com vistas socializar a importância da ampliação do Programa Cultura Viva. A despeito de alguns ganhos, ainda não se conseguiu tal visibilidade, em parte, pela não obtenção dos pretendidos 2% para a cultura. Além disso, os valores da renúncia fiscal ainda privilegiam, em sua maioria, os grupos hegemônicos com interesses comerciais apenas. A diferença e importância qualitativa das ações ainda não é alcançada pelos números. Além disso, ainda não se consegue medir a importância da significativa valorização das pessoas que historicamente foram subjugadas. Consideradas incapazes por serem pobres ou “sem cultura”, devido ao parâmetro europeu e colonizador vigente, como vimos no segundo capítulo, a população foi e ainda é identificada como problema, principalmente diante da não veiculação e desconhecimento por parte da sociedade em geral, das suas lutas “criativas” pela sobrevivência, por direitos e também da sua potencialidade e cultura, para além do caráter “exótico” geralmente publicizado na mídia em geral. As diferentes naturezas e a diversificação das linguagens artísticas e culturais dos Pontos, em que nem todos têm capacidade ou intenção de atender ou atuar com grandes grupos populacionais, envolvem, em sua maioria, atividades caracterizadas por ações processuais com pequenos grupos de pessoas por maior tempo, não incidindo, portanto, em grandes contingentes populacionais. São ações que tem alto valor qualitativo no âmbito da formação integral do sujeito, que requerem um tempo processual. Portanto, quanto mais Pontos de Cultura puderem ser reconhecidos e apoiados, maiores os impactos quantitativos e qualitativos. É preciso considerar também que os jogos de saber-poder, constituídos na complexa realidade brasileira, provocam o pouco investimento nas áreas básicas dos direitos, dentre as quais, a da cultura. As noções de incluído/excluído, de carência ou 187 Os Pontos dividiam-se em comissões como: logística, elaboração de fichas de inscrição, credenciamento, abertura de mesas, apresentações e exposições, balcão de informações, refeições, organização das exposições, espaço do audiovisual, mediadores das oficinas e grupos de trabalho, transporte, além de eleger uma produção executiva e um “zelador” para acompanhar o processo. E nas plenárias finais elegiam-se os representantes para a composição da Comissão Nacional dos Pontos de Cultura. 277 violência, dentre outras, enquanto concepções e produções forjadas em determinados contextos e territórios, invariavelmente são aliadas a um conjunto de práticas que as correspondem, principalmente, na produção de um tipo de corpo a ser controlado e contido: o do pobre. Afinal, aumentar os percentuais de investimento social e cultural e fomentar a democracia participativa e o poder de decisão incidem na ampliação desses poderes e forças, bem como no embate com as forças hegemônicas, que limitam o protagonismo e a força de grande parcela da população, para conservar a lógica da acumulação do capital, que, por sua vez, reproduz incessantemente a desigualdade social. O cenário heterogêneo e plural brasileiro compreende o conceito de cultura ampliada proposto pela gestão 2003-2010. Desafiam-se os grupos e as pessoas a criarem formas agregadoras de toda essa pluralidade. Na busca de princípios e interesses comuns para a articulação das diferenças, com vistas a configuração do interesse público maior, uma das formas de organização para uma maior participação na vida cultural de suas localidades tratada nestes encontros foi a sugestão de se atuar na construção dos planos estaduais e municipais de políticas culturais, dos planos plurianuais e especialmente, na gestão dos fundos públicos de investimento. Contudo, a realidade na área cultural, em relação às demais como a Social, a da Saúde, dentre outras, que já constituíram os conselhos188 paritários e participativos189 enfrentam dificuldades, como a lógica burocrática presentes nestes espaços, que, contraditoriamente, limitam as lutas políticas, realidade bem próxima da experiência dos Pontos na inserção no Programa Cultura Viva. Todavia, os Fóruns podem pautar a ação dos Conselhos, tornando as representações mais legítimas e monitoradas em prol do interesse público. Estes espaços estão em permanente construção, em detrimento de 188 Na TEIA/2010 foram indicados três nomes, dentre os quais um foi escolhido para representar os Pontos de Cultura no Conselho Nacional de Política Cultural, no qual passou a ter assento. 189 A primeira Conferência Nacional de Cultura ocorreu em 2005. A pesquisa Políticas Culturais, Democracia e Conselhos de Cultura (MinC/Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura-CULT/UFBA-Coord.), constatou que o Brasil possui 23 Conselhos de Cultura Estaduais ativos, com exceção do Pará, Tocantins e Paraná, sendo que o Estado de Rondônia não o constituiu, o que pode inviabilizar a participação no Plano Nacional de Cultura e no Sistema Nacional de Cultura (Cultura.gov/Fórum Nacional Conecta Conselhos Estaduais de Cultura, 22/08/2010). O Rio de Janeiro está em processo de construção do Plano Estadual de Cultura, com conferências realizadas nas regiões do Estado, envolvendo os 92 municípios. Como resultado do diagnóstico realizado nas reuniões do Plano, em 2009, criou-se o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Cultural dos Municípios do Estado do Rio de Janeiro (PADEC) que beneficiará os municípios do Estado, exceto a capital. 278 modelos e homogeneidades, têm-se a possibilidade de operar coletivamente em favor da ética e do fortalecimento da participação efetiva. Mediante as múltiplas especificidades e os diferentes saberes que têm sido historicamente desqualificados pelos hegemônicos (Coimbra, 2007), é possível subverter hierarquias simbólicas para além da intervenção de técnicos ou autoridades. Tem-se, portanto, outras formas e terrenos de atuação, que podem ampliar as possibilidades de participação 190, como, por exemplo, de pessoas ligadas diretamente às práticas, movimentos sociais e às diversas redes formais e informais que existem, mas que, muitas vezes, são invisíveis. “Há práticas que podem redefinir o sentido da lei” (Telles, 2000). Ainda em 2009, no âmbito do Fórum do RJ, foi escrito coletivamente o projeto Tuxáua. O projeto foi finalizado em uma das reuniões do Fórum dos Pontos de Cultura do RJ/ES. Em algumas reuniões presenciais e um encontro específico para a sua discussão e e-mails trocados no grupo do Fórum, optou-se por redigir uma proposta que mobilizasse os Pontos para participarem com maior freqüência dos encontros, viabilizados por encontros em cidades das regiões do Estado do Rio de Janeiro. A proposta foi redigida inicialmente por meio da troca de mensagens eletrônicas e revisada por um grupo, que se disponibilizou durante o processo de debate. Posteriormente o projeto foi apresentado e debatido numa projeção em powerpoint numa das reuniões do Fórum, sendo modificada em alguns pontos pela plenária, e finalizada para ser enviada ao Edital público do MinC. A proposta foi aprovada e além da articulação política, objetivava-se conhecer a produção dos Pontos em seus locais de realização. Este projeto foi escolhido em detrimento de outros, em especial do que vinha sendo discutido sobre a necessidade de uma “produtora dos Pontos”, uma espécie de grupo que pudesse organizar a fluxo e a maior visibilidade das criações de cada Ponto de Cultura, mas que exigiria outro tipo de aporte financeiro e tempo de amadurecimento da proposta. 190 A participação nos Conselhos, Fóruns e movimentos foi aberta por uma sociedade civil emergente na sociedade brasileira. “Se a novidade das experiências políticas recentes qualificase por referência ao pesado legado autoritário e excludente da história brasileira, é nelas por outro lado – e isso o que importa aqui salientar – que se podem vislumbrar, no cenário das transformações em curso, alternativas de uma regulação democrática das relações sociais através de arenas públicas que confiram legitimidade aos conflitos e nas quais a medida de justiça e a regra de equidade venham a ser alvo de uma permanente negociação capaz de firmar os direitos como parâmetros no reordenamento de economia e sociedade” (Telles, 2000, p.101). 279 A partir do projeto aprovado foi realizada a primeira Microteia – Encontro dos Pontos do Noroeste Fluminense no dia 01 de agosto no Auditório da Fundação São José em Itaperuna com palestras sobre políticas públicas, mostras culturais de diversos grupos. Foi instituído o Fórum de PC's da região Noroeste com reuniões a serem realizadas bimestralmente e de forma rotativa. Em seguida realizou-se a segunda Microteia da Baixada, nos dias 09 e 10 de setembro de 2010, no SESC Nova Iguaçu, com debates e mostras artísticas e a participação dos Pontos de Cultura ao longo do ano para a sua organização, as chamadas pré-teias. Esse evento originou a Carta dos Pontões, Pontos e Pontinhos de Cultura da Baixada Fluminense ao Brasil, conforme documento no anexo 9.1.7. Com o propósito de construir e mobilizar canais de comunicação mais eficientes com os Pontos que estão longe da Capital e incluir todas as regiões do Estado do Rio na participação e atuação conjunta do Fórum dos PCs, objetivou-se fortalecer a união necessária e desejada para subsidiar as políticas públicas de cultura por meio da realização de quatro encontros regionais em cidades das regiões da Baixada Fluminense, da região Norte/noroeste, região Serrana e do Vale do Café/Costa Verde, e ações na Regional MINC – RJ, no Capanema. Todavia, as demais microteias não foram realizadas ainda devido ao atraso das parcelas do projeto. Em continuidade ao processo de articulação, na IV TEIA, e III edição do Fórum em Fortaleza, último evento que participamos e acompanhamos, foi debatida também a consolidação de uma Rede nacional de entidades e grupos culturais, que em 2010, participaram da TEIA, que foi organizada a partir de três grandes áreas: Fórum Nacional dos Pontos de Cultura, Mostras Artísticas/Celebrações e o Seminário Cultura Viva191, que se propôs a ser um espaço de diálogos e reflexão entre os Pontos de Cultura e os estudos/pesquisas em andamento, como referências conceituais da cultura contemporânea. Em busca da permanência e ampliação das conquistas do Cultura Viva, as plenárias estaduais aconteceram antes da plenária nacional. A reunião dos Pontos de Cultura do Rio de Janeiro foi bastante fervorosa, por reunir pela primeira vez quase todos os Pontos de Cultura aprovados pelo edital estadual Mais Cultura. Todavia, as pessoas demonstraram-se ansiosas, com pouca disposição para se ouvirem, com um 191 As temáticas deste Seminário foram: O programa e suas ações dentro do campo das políticas, com 12 pesquisas e Arte e Transformação: processos e experiências com 10 pesquisas apresentadas, cujos títulos e autores se encontram no anexo 9.2 deste estudo. 280 forte viés pragmático e sem paciência. Esse comportamento instaurou, mais uma vez o desafio de quebrar antigas lógicas da organização política, em que as reuniões de caráter deliberativo tornavam difícil garantir o direito de fala para todos, pois alguns, como é recorrente nestes espaços, estendem-se demais trazendo longas histórias pessoais e sendo pouco objetivos. O regimento do Fórum nacional, contudo, não estabelecia nenhum impedimento para que fossem criadas novas formas, permanecendo apenas a característica de que as reuniões fossem deliberativas. Mas, eram recorrentes as perguntas sobre o formato e o que tinha sido pensado, exigindo de certa maneira, um formato pronto, em que se supunha já preparado, deixando muitos descontentes em participar da construção conjunta da pauta e do formato a serem seguidos, fazendo com que alguns saíssem muito aborrecidos. Isso caracteriza, algumas vezes, disputas corporativas por determinada linguagem, ou de caráter ideológico e político. De certo modo, quando as ações são induzidas, tornam, de certa forma, mais faceis os processos, conformando a ação de alguns sobre outros em virtude da capacidade aprendida e de interesses, como nos informa Foucault (1999), pois o poder é basicamente uma questão de relação e comando, “com” e “de” pessoas, do que uma confrontação entre adversários. O termo que permite captar melhor a especificidade das “relações de poder é o termo ‘conduta’: ‘o exercício do poder consiste em conduzir condutas e dispor a probabilidade’. Este é o sentido originário do conceito de ‘governo192’, dirigir a conduta dos sujeitos ou dos grupos” (Castro; Foucault, 2009, p. 327). Caracteriza-se assim um complexo jogo, em que a liberdade193 é a condição de existência do poder. 192 Entre as relações de poder e os estados de dominação encontram-se as técnicas de governamentabilidade, em que a relação consigo mesmo é constitutiva das práticas que permitem aos sujeitos definir e desenvolver estratégias em relação aos outros e as forças exteriores. Portanto, denominadas de “técnicas de si” e em conjunto com as técnicas de dominação, constituem-se a governamentabilidade para Foucault. Dentre as técnicas, estão as de produção, de significação ou comunicação, de poder e dominação (que permite determinar a conduta dos outros), e as técnicas de si (operações sobre si mesmo, sobre o corpo, sobre a alma, sobre o pensamento, etc.). Foucault não se ateve a uma “teoria do poder”, mas a análise histórica acerca do seu funcionamento (Castro, Vocabulário de Foucault, 2009), (Foucault, 1994). 193 O poder é exercido sobre sujeitos livres, que dispõem de um campo de diversas condutas possíveis. Assim, quando se exerce o poder, restringe-se a liberdade. O sujeito ético para Foucault (1994), baseava-se na condição da liberdade, que para os gregos significava “não ser escravo” dos outros e nem dos próprios apetites e desejos, e, portanto, se caracterizava como um problema político. Deste modo, o “cuidado de si” implicava na questão da liberdade como ética. 281 Isto nos remete à relação de conflito de interesses com o Estado, já que tal processo não é passível de resoluções tranquilas, sobretudo, quando envolve cada vez mais pessoas e pluralidades. Deste modo, a ausência de uma ampla organização autônoma na sociedade faz sobressair os interesses corporativos. Esta situação é agravada pela pouca identificação e apropriação do próprio Estado pelos sujeitos, cuja distância e inoperância faz parte da experiência da maioria dos cidadãos194. Além disso, não há reconhecimento das alternativas produzidas no cotidiano a ponto de serem incorporadas pelas políticas públicas, pois a inflexibilidade, rigidez e burocracia da estrutura estatal e dos critérios não absorvem as práticas e as pessoas no sentido de oferecerem apoio efetivo para que saiam dos ciclos de problemas, e muitas vezes, do isolamento que se encontram. O enfrentamento dos poderes constituídos, portanto, envolve a existência de um profundo preconceito com a pobreza e com o que é popular, sem que se considere a cultura como parte importante de um contexto e não apenas como um complemento e secundária. As demandas dos Pontos sempre incluíram a intensificação da comunicação, cuja base criada foi a plataforma virtual da Escola de Comunicação da UFRJ/ECO, também um Pontão de Cultura, lócus sugerido para que os Pontos se comunicassem e divulgassem a sua produção, além da postagem de vídeos e das Atas das reuniões mensais. Outra sugestão195 foi a de fazer vídeos-conferências das reuniões mensais do Fórum para aqueles que, devido à distância, não pudessem vir a capital. Contudo, novas divergências foram colocadas, pois muitos alegaram que em seus municípios não existia internet banda larga, portanto, seria impossível acompanhar as vídeos-conferências, 194 Carvalho (2001) e Oliveira (1998) abordam a gênese da constituição do Estado na sociedade brasileira, que teve “transplantadas” para o país formas jurídicas alheias a sua realidade no processo de colonização portuguesa. Assim, a população não vivenciou a experiência de conquista, mas de doação, tornando-se difícil a apropriação e o sentimento de que o Estado é feito pelo cidadão. 195 A partir destas discussões, produzimos um histórico do Fórum dos Pontos de Cultura que foi circulado via o e-mail do grupo para informar os Pontos “novos” do edital Estadual acerca do processo de constituição, dos documentos já produzidos, dos avanços e desafios que o coletivo enfrentou e enfrenta. O documento está em processo de atualização. 282 além de serem expressas algumas falas que lembrava ao coletivo que no interior do Estado do Rio de Janeiro era muito difícil acessar a internet, e a conexão 196 era precária. Estes episódios demonstram a dificuldade de acesso, além de deixar clara a generalizada suposição de que isto seja algo relativamente fácil, gerando argumentos na plenária de que, mesmo que os Pontos que não tivessem acesso às mídias e à tecnologia, era preciso difundi-las: “para que possamos forçar que a tecnologia chegue para quem não tem, mesmo que tenhamos que capacitar pessoas para uso da mesma tecnologia” (Relatório TEIA Nacional. Participante de Ponto de Cultura). Outra sugestão foi a de se realizarem reuniões itinerantes, na cidade do Rio e também no Estado, o que poderia ser contemplado para além da realização das microteias (projeto Tuxáua em andamento). O acesso à comunicação e à informação via internet não atinge a todos. Contudo, a disponibilização aparentemente “democratizada” tanto para os dirigentes, quanto para a base dos movimentos tem causado muitos impasses e desafios, pois o acesso às informações, ainda que não ampliado como deveria, permite maiores possibilidades de ação, de reflexão e problematização. Isto faz com que os dirigentes/líderes/representantes/comissões dos grupos tenham que administrar de forma bastante concreta, auto-gestionando e gestionando o processo dos debates virtuais, além dos presenciais. Assim, tornam-se cada vez mais restritas as possibilidades de uma suposta manipulação das informações e dos movimentos, o que era mais fácil e mais comum antes da disseminação destas tecnologias e acesso as informações. Atualmente, qualquer pessoa da base de um movimento pode questionar, e até contestar, as possíveis imposições a partir das informações que circulam e estão acessíveis. “Os questionamentos acontecem a cada segundo, o que até bem pouco tempo atrás acontecia a cada congresso” (Relatório TEIA Nacional. Participante de Ponto de Cultura, 2010). As exigências e os desafios têm sido muito maiores para os movimentos atuais, pois as possibilidades efetivas de todos participarem são concretas e estão em pleno curso, mas também pulverizadas diante da quantidade de informações que são veiculadas, perdidas e “esquecidas”. 196 A moção pública veiculada na TEIA 2010, afirma: “nós, delegação dos Pontos de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, através dessa moção vimos exigir o cumprimento da portaria do ministério das comunicações que determina a instalação de antenas GESAC de banda larga em todos os pontos de cultura do país, para propiciar o acesso a banda larga e a democratização das informações para todos. (www.gesac.gov.br/www.idbrasil.gov.br) Solicitação da antena: lá tem o procedimento e o telefone” (Relatório TEIA Nacional. Fórum dos Pontos de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, 2010). 283 Os encontros acontecem também em espaços virtuais, muitas vezes apoiando, outras confundindo, mas interferindo de alguma maneira nos encontros presenciais. Assim, sempre é pertinente questionar se as lutas em prol das transformações garantem a resolução de problemas cotidianos e coletivos, ou os reproduzem. O diálogo e a troca permanente são fundamentais para estabelecer relações que problematizem permanentemente os processos, fazendo-os avançar. Temos outros protagonistas, outros conteúdos, e outras formas de fazer política em curso e em processo de desenvolvimento. Enfrentamos a exposição a uma enorme quantidade de informações que impactam as estruturas de conhecimento e de organização política de diferentes maneiras, configurando um tempo de transições. Em breve alusão ao conceito de apropriação cultural de Martín Barbero (2001), desenvolvido no cerne do ambiente virtual, o autor afirma que há neste lócus uma capacidade agregadora, cujas redes tem sido funcionais na medida em que haja articulação constante, o que não é diferente nos processos presenciais. Geralmente, após as TEIAS regionais e nacionais, as forças esmorecem. A fragmentação das áreas, mesmo no âmbito cultural, se deve a algumas “hierarquias” historicamente sedimentadas em que algumas áreas se sobrepõem a outras. “O problema não é mudar a ‘consciência’ das pessoas, ou o que elas têm na cabeça, mas o regime político, econômico, institucional de produção da verdade” (Foucault, 2008d, p.14). Deste modo, o desafio é enfrentar uma ordem social vigente que é reproduzida constantemente por meio dos veículos midiáticos e do funcionamento do sistema como um todo. Além disso, os canais de representação são pouco acionados, como os parlamentares, legisladores e as instâncias políticas institucionais, que estão organizados em complexas bases instituídas, muitas vezes impermeáveis e distantes, desfavorecendo ações conjuntas e contínuas, funcionando mais como intermediários de favores pessoais e corporativos, embora eventualmente sejam demandados como poderiam. A relação entre cultura e política vem sendo abordada por Dagnino (2000), como um processo de renovação que se iniciou no final dos anos 1970, situando as mudanças nas abordagens da esquerda latino-americana. Nessa relação, a autora reconstrói o percurso das tendências marxistas tradicionais e discute o surgimento do debate de um marco teórico alternativo, o gramsciniano. As concepções do marxismo tradicional como o determinismo econômico, o reducionismo de classes, as dicotomias entre dominantes e dominados, bem como o Estado enquanto única arena decisiva das relações de poder foram relativizadas. O impacto renovador do pensamento 284 gramsciniano se deve à afirmação de uma imbricação profunda entre cultura, política e economia. A leitura de Gramsci provocou a emergência de três tendências, dentre as quais, a crítica renovadora do marxismo tradicional, a ênfase na construção da democracia com o fortalecimento da sociedade civil e nos interstícios das duas - uma nova abordagem da relação entre cultura e política (Dagnino, 2000). Assim, a partir das experiências impregnadas de sentido e significados, ancorados nas próprias práticas específicas dos sujeitos na contemporaneidade, funda-se uma disposição para assumir e reivindicar o direito à cultura, como um direito básico e fundamental. Ainda que, pela via do caráter imediato de suas próprias ações, da valorização local, auto-referenciada e auto-instituinte de diferentes mundos culturais e artísticos, bem como de alteridades que exigem reconhecimento e lugar. Acreditamos que estas recentes mudanças apontam para um processo de ampliação de formas diferenciadas dos movimentos197 e das lutas, que incorporem subjetividades insubmissas, que enfrentam inúmeras contradições e reivindicam espaços, políticas públicas que atendam suas demandas e, sobretudo, um lugar no mundo. Contudo, isto não significa atribuir ao sujeito a responsabilidade pelo seu suposto fracasso ou sucesso nesse intento, diante do predomínio da lógica perversa do sistema capitalista, em que a construção democrática supõe o reconhecimento de conflitos e explicita a disputa político-cultural de valores na estrutura de relações de poder na sociedade. Para além da aquisição formal de um conjunto de direitos 197 Destacamos que para Gohn (1997) a expressão “novos movimentos sociais” foi cunhada na Europa, por Claus Offe, Touraine e Melucci, referindo-se aos movimentos ecológicos, das mulheres, pela paz, etc. Os novos se diferenciam dos velhos movimentos sociais, em suas práticas e objetivos, principalmente do movimento operário-sindical, organizado a partir do mundo do trabalho, ou seja, da produção, para movimentos situados na esfera da reprodução social. Para Doimo (1995) trata-se de movimentos populares com reivindicações por serviços diretos e com uma sabedoria prática que geralmente não é reconhecida. A valorização desses sujeitos de direitos foi deflagrada pela novidade da cultura participativa dos movimentos sociais, colocando novos temas na agenda pública, bem como a conquista de novos direitos. Se os anos 1970 são caracterizados pela disseminação de uma multiplicidade de organizações populares de base, os anos 1980 caracterizam-se por sua formalização. A rigor, tanto na América Latina como no Brasil, os anos 1990 representam uma conjuntura, em que, novos ou tradicionais, os movimentos sociais encontram-se contextualizados em meio às transformações da economia e da expansão dos mercados. E ainda, delimitados pela profunda crise estrutural da economia mundial e pelas mudanças nos modelos de organização da produção e do trabalho sob inspiração fordista para um padrão de flexibilização toyotista das relações produtivas e de trabalho. Em análise sobre o movimento estudantil, Gohn (2008) afirma o que pode ser estendido aos demais movimentos contemporâneos, ou seja, atualmente, as manifestações se situam mais no plano político-cultural, do que político-partidário, e embora partidos e grupos políticos estejam presentes, eles não dirigem ou não detêm a hegemonia na condução das ocupações. 285 relacionados ao sistema político-jurídico está circunscrita a ampliação da participação política, que contemplem a articulação e a intersetorialidade das políticas em benefício de um conjunto de direitos sociais, apontando para transformações e um projeto coletivo de sociedade. Desafios presentes no desenvolvimento de práticas concretas e em curso. 5.3. ‘Entre’ reivindicações políticas: o calvário da burocracia nas políticas culturais Este mundo é um destino? Será que ele não está grávido de outro? Talvez de um mundo que o mundo quis ser quando, todavia não era: uma casa de todos. Galeano Para finalizar este capítulo, apresentamos algumas reflexões acerca das dificuldades operacionais das políticas culturais, ou seja, dentre toda a riqueza experimentada nos Encontros regionais e nacionais e com as políticas culturais, tivemos também o encontro com o Estado e com a burocracia, considerada um calvário, tamanha a sua complexidade. Enquanto um espaço de poder e controle, a burocracia opera na relação entre o Estado e a sociedade, imprimindo dinâmicas específicas que estão centradas na racionalidade, impessoalidade, hierarquia, qualificação técnica, direito administrativo e eficiência. O horizonte de que a cultura possa ser feita por todos e para todos nos traz a importância do reconhecimento das classes populares como sujeitos do seu próprio processo de desenvolvimento, além do acesso, fruição e investimento que precisa ser ampliado. Objetivamos, portanto, problematizar o mecanismo de financiamento público de repasse de recursos para a área cultural, mais especificamente para o Programa Cultura Viva e os Pontos de Cultura, que envolvem as instituições privadas sem fins lucrativos e grupos artístico-culturais. As relações de poder advindas da participação, construção e acesso no âmbito das políticas públicas são permeadas pelo disciplinamento e pelo controle; pela dificuldade de acesso e comunicação com os gestores e técnicos, mas também pelas relações dos sujeitos numa dimensão criadora e ética em disputa pelo espaço e acesso ao recurso e bens públicos. As manifestações culturais enquanto legítimas, enfrentam o impasse de tornaram-se legalizadas para viabilizar o apoio formal dos editais públicos de políticas culturais. Um desafio que envolve a possibilidade da ampliação e manutenção de espaços e de atividades, cuja característica principal é o do desenvolvimento da cultura 286 pelos diversos sujeitos que, por sua vez, apoiam a conexão dos campos subjetivo, objetivo (realidade/contextos) e o das crenças/manifestações coletivas (valores), além de viabilizar a articulação dessas pessoas, práticas, saberes, valores e tradições culturais diferentes e, portanto, de um conhecimento produzido no cotidiano e em interação. Ao consideramos as manifestações culturais, verificamos que grande parte não tem estruturas administrativas que possam realizar todo o expediente burocrático, o que costuma recair sobre o artista, o artesão, etc., que passa a ter um sobretrabalho, além do trabalho cultural. O estabelecimento de relações contratuais com estes grupos envolve uma série de procedimentos burocráticos, e, além disso, a área da cultura trabalha com valores intangíveis, muitas vezes não mensuráveis. Todavia, os editais viabilizaram maior acesso para os grupos institucionalizados ou que contam com o apoio de organizações parceiras, o que envolve circunstâncias complexas. Ao serem selecionados, os projetos, em princípio, não passam por escolhas aleatórias e políticas, e ainda que não sejam a forma ideal de acesso possibilitam transparências e o questionamento dos resultados por meio de recursos, impugnações e reconsiderações. Sem idealizar este processo, que também requer algum aprendizado sobre as regras de participação em um edital, destacamos que formas alternativas foram criadas para contemplar os “menos experientes” nesta elaboração, além dos editais serem abertos, no sentido de não ser necessário adequar ou desvirtuar o foco da sua ação198. Mas que ainda assim, requerem simplificação e mudanças no marco legal e no acompanhamento das ações. Destacamos ainda que o financiamento público feito via Fundos setoriais e não pela renúncia fiscal, permite a livre apresentação de projetos que não se encaixem em linhas específicas de ação dos editais, as denominadas demandas espontâneas. Algo bastante diferenciado e inédito no acesso a recursos públicos. Embora haja quem discorde de que este tipo de arte e/ou cultura tenha que ser financiada pelo Estado. Consideramos que o desafio maior está na implementação destas políticas culturais, configurada aqui em uma travessia em movimento, pois isto implica vencer a imensa força de resistência contra o incerto e o desconhecido, além de se tratar de um contexto que requer flexibilidade e articulação com outras políticas. Além disso, o que a promoção da cultura do “povo” pode significar, diante da pequena possibilidade de controle do Estado? 198 Destacamos o exemplo da Secretaria de Diversidade Cultural do MinC, que criou inscrições via telefone e orais, por meio de vídeos, no caso das comunidades indígenas. 287 No entanto, somente vencendo a força de resistência conservadora é que se tornará possível desobstruir o acesso à experimentação, chegando à descoberta de que essas experimentações não são desintegradoras, mas produzem algo além do que é comum e apenas considerado mercantil e hegemônico. Estamos nos referindo à necessidade do enfrentamento contra o poder da resistência à diferenciação. Isso requer um trabalho exaustivo de médio e longo prazo, e também sutil, no sentido de realmente encontrar formas não “engessadas” de incorporar e valorizar este tipo de criação e produção cultural. Isto nos remete ao que Oliveira afirma: (...) enquanto novas formas democráticas de controle social não são inventadas, é a política na sua forma atual que precisa ser vigilantemente praticada, aceitando a aventura amoral de criação do novo (...). De um lado, tratando de renegar suas traições, suas deformações e seus enganos, mas também valorizando seus momentos de solidariedade e vislumbres de futuro. (...) o fundo da irrelevância da política é a desigualdade (Entrevista a Francisco de Oliveira, 2006, grifo nosso). Assim, apresentamos os seguintes itens: A ênfase na inadequação do marco legal; Estrutura administrativa e capacidade de gestão; Reprodução ou instituição de processos e relações sociais; Experiências coletivas e resistência; As dificuldades cotidianas de gestão e as suas implicações. 5.3.1. A ênfase na inadequação do marco legal Há uma inadequação do sistema legal para o apoio a projetos de natureza cultural de pequeno porte com base em um complexo procedimento que deve atender aos princípios da legalidade, isonomia, competitividade, impessoalidade, publicidade e economicidade. A legislação que regula os contratos/convênios é a lei 8.666/93. Esta lei foi idealizada para grandes obras públicas e não para trabalhos artísticos culturais, sendo, portanto, imprópria para as contratações/despesas/serviços do universo cultural. A lei regula contratações de obras e compras de bens para grandes construções como uma escola, por exemplo, o que implica uma concorrência e o instrumento da lei serve para avaliar/licitar estas propostas. Já na área cultural, é feita uma adaptação, que considera a avaliação do mérito artístico, ou algo similar, na tentativa de adaptar a legislação. Além disso, os pagamentos de qualquer objeto ou contratação de um serviço só pode ser feito mediante cheque administrativo. 288 Há também a impossibilidade legal da contratação ou o pagamento de despesas de atividades rotineiras, tais como aluguel, água, luz, telefone, serviço e material de limpeza, taxas bancárias, contador, advogado, pessoal administrativo e qualquer serviço a título de taxa de administração ou similar, além da proibição de pagar impostos e taxas. Isto se deve ao princípio de que o Estado só deve se relacionar com entes capacitados. Todavia, é importante destacar que o mecenato (Lei Rouanet) não inviabiliza estes custos, por serem projetos financiados por meio da isenção de imposto, sendo permitido incluir estes tipos de despesas no orçamento. Estas condições, dentre outras, resultaram em prestações de contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), atrasos no repasse das verbas e paralisações das atividades dos Pontos. O Fórum Nacional de Pontos de Cultura manifestou-se expressamente sobre o assunto em diversos momentos, além dos encontros regionais e nacionais. Assim, destacamos uma importante mudança obtida pela mobilização deste coletivo, cuja portaria interministerial MP/MF/CGU no. 342, de 5 de novembro de 2008, artigo 39199, parágrafo único garantiu o percentual de 15% para despesas administrativas. Deste modo, a pesada ordem burocrática e o excessivo rigor demonstram que a administração pública brasileira não atende e nem é compreendida por sua população, sendo acessível apenas para uma elite que historicamente defende seus interesses privados. Isto se comprova pela orientação do TCU, que publicou no Acórdão 2492/2006 que o Ministério deveria abster-se de firmar convênios com entidades que não tivessem condições de executar seu objeto. Assim, seria muito mais fácil para o para o MinC gerir processos de continuidade à política implementada até 2002 beneficiando apenas grandes projetos e empresas, de caráter comercial, de marketing e que não rompem a lógica de concentração e reprodução da desigualdade estabelecida. Contudo, a opção pela mudança tem envolvido conflitos na relação do Estado com a sociedade civil, caracterizando, portanto, impasses a serem enfrentados devido a sua emergência e visibilidade diante da frágil estrutura estatal que se apresenta no relacionamento e interação com a população. Nesse sentido, o Cultura Viva ultrapassa fronteiras de um programa governamental, deixando claros os limites de uma gestão que 199 Art.39 - Parágrafo único. Os convênios ou contratos de repasse celebrados com entidades privadas sem fins lucrativos poderão acolher despesas administrativas até o limite de quinze por cento do valor do objeto, desde que expressamente autorizadas e demonstradas no respectivo instrumento e no plano de trabalho. 289 tenta se equilibrar sobre uma estrutura estatal profundamente elitista e conservadora. Assim, a sua implementação vem despertando o desejo por uma nova (des)ordem para o Estado brasileiro. Destacamos a minuta de proposta da Lei Cultura Viva, embora ainda pouco debatida nos Fóruns de Pontos, em que ressaltamos na Seção IV - Prestação de Contas, que afirma: Art. 7º. Por conta de sua natureza diferenciada, ficam os Pontos de Cultura dispensados de formalização junto ao Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse (SICONV), no que se refere aos atos e procedimentos relativos à formalização, execução, acompanhamento, prestação de contas e informações acerca de tomada de contas especial dos convênios, contratos de repasse e termos de parceria (Port. nº 127/2008, Art. 2º, Inciso VI); Parágrafo Único: Os atos dos Pontos de Cultura deverão, não obstante sua dispensa de formalização junto ao SICONV, ser registrados no SICONV (prazo), incluindo justificativa (Port. No. 127, Art 3º, parágrafo primeiro). Art. 8º Ficam os Pontos de Cultura, por conta de sua natureza diferenciada, autorizados a realizar aquisições de bens e serviços através de Tomada de Preços apenas, sendo dispensados de realizar licitações de outras naturezas. Parágrafo Único: Ficam dispensadas de Tomada de Preços as despesas até o valor de R$ xx (reais), bastando para comprovação apenas um recibo simples. Art. 9o A execução das obras e dos serviços deverão guiar-se na redação dada pela Lei 8.666/93. Esta Lei foi elaborada com o apoio de uma consultora contratada pelo MinC e se encontra em processo de debate e reformulação. Apesar de que as mudanças no marco legal não estivessem contempladas integralmente e os artigos 8o. e 9 o., citados acima estivessem ambíguos e contraditórios, principalmente em relação aos serviços e a Lei 8.666/93. O item "obras e serviços" está generalizado, pois "serviços" pode se referir a maior parte do que um Ponto de Cultura faz, atrelando a regulação do convênio à lei 8.666/93. Além disso, as “obras” também poderão ocorrer nos espaços, sendo necessário esclarecer o termo "natureza diferenciada" relativa aos processos culturais. Todavia, o movimento dos Pontos não consolidou um debate que poderia ter sido instaurado de forma mais ampliada na sociedade. Não foi portanto, consensuado qual o caminho deveria ser escolhido, se a questão seria pautada no âmbito mais amplo da revisão do marco legal como um todo, em conjunto com outros movimentos sociais, ou se esse intento seria inicialmente proposto por meio da Lei Cultura Viva provocando o debate a partir da “natureza diferenciada dos Pontos”, que poderia ter sido protocolada como uma Lei de iniciativa popular, a exemplo da Lei Griô. Até outubro de 2010, antes das eleições presidenciais havia a possibilidade de que a Lei Cultura Viva fosse apresentada pelo executivo federal como parte da 290 consolidação das leis sociais, um pacote legislativo elaborado no final da gestão 20032010, que não foi viabilizado. Não obstante, enquanto estas questões não são enfrentadas e reformuladas, o MinC tem se utilizado dos editais-prêmio, que por meio de seleção pública, elege ações que recebem um montante a ser empregado na ação já em processo. Nesta modalidade o recurso pode ser gasto sem a necessidade de licitação dos valores, pois apenas os convênios são regidos pela Lei 8.666/93. Assim, exige-se apenas um relatório e a comprovação de que o recurso foi empregado de forma coerente com o projeto inscrito no edital do prêmio, como já abordamos no terceiro capítulo. Isto, porém, dificulta a ampliação e a consolidação de uma política pública. O conveniamento dos Pontos de Cultura depende da disponibilidade orçamentária do Ministério da Cultura, portanto, o número de Pontos previsto em edital de seleção não garante o seu financiamento. A adesão ao programa Mais Cultura, pelos governos estaduais contaram com o lançamento dos editais de execução descentralizada que seguem o mesmo padrão e concepção. A orientação do programa é realizar uma seleção territorializada; portanto, os editais preveem uma divisão territorial dos estados para abarcar toda a diversidade de territórios de forma equitativa. A territorialização é dividida em Territórios de urbanização 200, de vulnerabilidade social201, de identidades e culturas tradicionais202 e territórios especiais203. Isto nos remete à questão da condicionalidade e seletividade no financiamento dessas ações, o que, por sua vez, está relacionado à disponibilização e investimento na 200 11 regiões metropolitanas, 27 capitais, distrito federal, cidades com até 50 mil habitantes, 67 sítios urbanos (áreas de patrimônio histórico). 201 53 municípios com os maiores índices de violência, favelas, periferias e áreas de precarização habitacional, 1.251 municípios com os menores índices de educação básica/IDEBS, áreas de conflitos e disputas territoriais. 202 120 territórios rurais de cidadania, reservas indígenas, comunidades remanescentes de quilombos, comunidades artesanais. 203 Bacia hidrográfica do São Francisco, região do semi-árido e rodovia Cuiabá-Santarém, BR 163 – Área de incidência de obras do PAC (programa de aceleração do crescimento) do governo brasileiro criado em 2007. 291 área dos direitos sociais204, algo a ser superado, ainda que gradativamente, visando à ampliação e à garantia dos direitos a todo cidadão. Assim, o número de Pontos de Cultura financiado por estado esta vinculado à disponibilidade de recursos de que o governo do Estado possa dispor para assumir a contrapartida, e da previsão que se estabeleça nos Planos Plurianuais, que são quadrienais e requerem a apresentação de resultados para garantir a sua destinação 205. Além disso, o contingenciamento de recursos já se tornou comum, fato com pouca ingerência da população, e que ocorre à revelia das decisões tomadas em espaços públicos. Outro problema enfrentado foi que, embora a liberação dos recursos esteja vinculada à prestação de contas da parcela anterior, aprovada pelo Ministério, isto não se efetivou na prática. As parcelas foram liberadas para alguns Pontos que não obtiveram aprovação oficial e os problemas das prestações de contas somente foram comunicados anos depois, sem que houvesse um acompanhamento para evitar equívocos, bem como aconteceram casos em que as parcelas não eram liberadas. Devido a estes problemas em relação aos convênios nacionais, houve uma diminuição de cinco para três parcelas de prestação de contas, o que dinamizou sua execução, haja vista as dificuldades em reunir toda a documentação necessária e o tempo de avaliação e encaminhamentos que isso levava nas execuções nacionais. Esta mudança também foi demandada pelo movimento nacional dos Pontos, em especial no Rio de Janeiro, uma 204 Sobre a cultura ser considerada como um direito social há duas perspectivas, a primeira considera que, assim como os direitos civis, políticos, sociais e econômicos, os direitos culturais também passam a ser considerados direitos fundamentais, com o reconhecimento da cultura material e imaterial. Todavia, o direito à cultura não foi elencado dentre os direitos sociais dispostos no artigo 6º da Constituição Federal, mas adotamos a argumentação de Cunha (2000), que nos demonstra que é importante destacar o reconhecimento objetivo da cultura enquanto integrante da ordem social, como direito social e expressão dos direitos fundamentais do homem, apesar das redações do texto constitucional. Destacamos, contudo, que há uma Proposta de Emenda à Constituição, PEC 49/2007 em tramitação na Câmara, que propõe uma nova redação ao artigo 6º da CF/1988, incluindo a cultura como direito social. Outra PEC, a de número 236/2008, com o mesmo objetivo, está em andamento na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), que analisará a matéria. 205 Os Pontos de Cultura recebem um questionário do MinC para ser preenchido com os dados sobre o seu atendimento, visando à construção de um índice de acesso à cultura, que é calculado mediante a ação direta dos Pontos de Cultura. Esse índice é utilizado para a “Avaliação do Cultura Viva” no Plano Plurianual (PPA) para assegurar sua permanência nesta previsão orçamentária. A construção do índice é feita mediante a apresentação dos seguintes dados que são enviados pelos Pontos: Número de pessoas que participaram das oficinas e cursos promovidos pelo Ponto de Cultura; Número de pessoas que assistiram aos espetáculos e demais eventos públicos promovidos pelo Ponto de Cultura; Estimativa do número de pessoas que habitam a comunidade atendida pelo Ponto de Cultura; Número de espetáculos, oficinas, cursos e demais eventos realizados; e tempo de funcionamento do Ponto de Cultura. 292 comissão do Fórum dos Pontos local foi organizada para contribuir na elaboração do edital estadual, que incorporou esta mudança, além de outras sugeridas, como uma maior assessoria e acompanhamento aos Pontos na execução orçamentária e prestação de contas dos convênios. Estas possibilidades e inquietações são derivadas de uma interlocução com o Estado no acesso aos recursos, e que possibilitam a reflexão, principalmente em relação à vigência de hegemonias consideradas já estabelecidas e inquestionáveis. A produção e a ênfase na burocracia econômica e política em geral está subjacente à ideia e ao discurso hegemônico de que a técnica e a gestão são soberanas e visam à eficiência. Apesar de ser um equívoco, é, sobretudo, uma estratégia de dominação e controle, e, portanto, ofuscam possibilidades de resoluções e mudanças, diante das disputas e interesses políticos econômicos, que mantêm ínfimos os recursos relativos à implementação dos direitos sociais. Assim, a mudança e a ampliação na distribuição de recursos têm um significativo impacto na esfera da criação e produção cultural como um todo, o que exige maior interlocução e a construção de um novo marco legal, além de políticas específicas para a área da economia solidária e colaborativa, que não foram implementados, embora previstos nas ações do Cultura Viva. Os editais estaduais do Mais Cultura, em sua maioria, suprimiram este intento, substituindo-o por objetivos na geração de oportunidades de emprego e renda, contudo, deixando de delimitar formas de apoio mais consistentes. Assim, não oferecem instrumentais ou mecanismos de articulação com outras políticas, principalmente, para garantir sua efetividade, deixando a cargo do projeto e do Ponto de Cultura a sua concretização, além de não impulsionarem uma política pública com ações e articulações mais claras que pudessem prever os canais de distribuição e circulação. A concepção de “produtor cultural” não foi suficientemente desenvolvida pelo Programa Cultura Viva/Mais Cultura, que inicialmente previa um estreitamento das relações com a via da economia solidária, como foi iniciado desde a organização da 1ª. Teia nacional em São Paulo. Contudo, estas questões envolvem um maior desenvolvimento das ações cooperativas e autônomas, mas que esbarram na esfera econômica vigente, que envolvem questões relativas ao regime contratual de trabalho, dentre outras correlações, bastante significativas no âmbito das políticas culturais. Quanto aos grupos que, a partir deste acesso aos recursos públicos/Estado, pretendam alcançar o escoamento de sua produção cultural via mercado, requerem 293 fundos específicos para isto ao Sistema nacional de Cultura, implicando outras questões, para além do âmbito dos espaços dos Pontos de Cultura. Não seria adequado, portanto, transformar as comunidades autoras/praticantes de determinado tipo de atividade cultural em produtoras de bens culturais, sem apoiá-las nesse intento. Outra ressalva importante consiste na discussão sobre a mudança na Lei Rouanet, e a possibilidade de captação e descentralizando a distribuição dos recursos públicos. Afinal, como até então vigorou, com base numa economia que tem o consumidor como referência, oferecendo-lhe poucas alternativas de escolha na área cultural206, colaborou-se muito para a reprodução de uma arte e uma cultura bastante restrita, esteticamente una e alheia à grande parte da população, além de ser de fácil consumo pelos apelos midiáticos. Ao focalizar apenas o consumidor e não o cidadão, é ignorada a incidência e promoção da esfera dos direitos, como o do acesso e produção cultural, em um campo em que a lógica mercantil não predomine, pois ela invariavelmente desvirtua a possibilidade da criação e formação de uma cultura crítica libertária e autônoma. Podemos inferir que esta situação exige que os recursos sejam distribuídos da forma simétrica, necessidade já constatada nos mapas e dados regionais de distribuição dos recursos públicos como vimos no terceiro capítulo. Urge, portanto, a mudança no modelo de financiamento à cultura, atualmente refém das leis baseadas na renúncia fiscal; com a implementação da gestão democrática e transparente dos recursos do Fundo Nacional de Cultura, com a indispensável participação da sociedade civil e dos movimentos sociais. 5.3.2. Estrutura administrativa e capacidade de gestão A dimensão dos programas idealizados pelo Ministério da Cultura não tem respaldo na estrutura administrativa existente. O ministério conta com poucos 206 De acordo com recente pesquisa do IPEA, o Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) de novembro de 2010, inicialmente sobre cultura e justiça, destaca que os dados foram levantados considerando a percepção quanto à localização dos espaços para práticas culturais. Segundo Barbosa, o planejamento das cidades não leva em conta a cultura, já que, no geral, 51% dos entrevistados consideram os equipamentos culturais mal situados, e 59% consideram o comércio muito bem situado. A grande maioria, 71% dos consultados, afirmou que os preços altos são obstáculo ao acesso à oferta cultural, e 25% discordam e acreditam que os preços não são um problema. A questão da “barreira social” no acesso a cultura foi apontada por 56% dos entrevistados. 294 funcionários207, em sua maioria terceirizados, portanto com grande rotatividade, além da falta de capacitação em gestão de projetos e análise das prestações de contas e concursos públicos que efetivassem maior qualificação e continuidade. Além disso, a legislação e protocolos de ação são pouco claros e inadequados, dentre outros, que demandam acompanhamento dos técnicos aos Pontos, o que configura a precariedade da estrutura do ministério, como constatamos: O representante do Núcleo de Cultura Digital do Fórum, Ramón Rodriguez, explica a questão: ‘Temos uma média de um gestor para 75 Pontos de Cultura, o que é muito pouco. Quando um gestor consegue tempo para nos atender e começa a entender nosso funcionamento, o MinC já coloca outro funcionário no lugar e aí começa tudo outra vez e nós nunca conseguimos receber ajuda’. Outro problema apontado foi a dificuldade em prestar contas ao Ministério da Cultura. ‘Quem trabalha na cultura popular lá dentro da periferia não deveria ter que prestar contas da mesma maneira que uma empresa. Estamos lutando pela desburocratização da cultura porque queremos mostrar resultados com nosso trabalho e desempenho’, disse Gilvano Quadros, representante do ponto Culta Cultura, do grupo Coisa de Negro, de Teresina (PI). O grupo trabalha com dança, canto, percussão e artesanato ligados à cultura afrobrasileira. (http://www.fac.unb.br/campusonline/novembro de 2008). Assim, os Pontos de Cultura padeceram em função de problemas no repasse de recursos, dentre outros entraves que denotam uma estrutura de gestão inadequada, além do conjunto legal impróprio para a interação com a sociedade civil, caracterizando algumas das principais dificuldades enfrentadas pelo Programa Cultura Viva. As consequências destas situações são múltiplas, todavia, sem incorrer em análises fatalistas que se apressam em julgar e determinar apenas os aspectos relativos a um provável “desmonte do Estado”, ou relativas a “políticas sociais focalizadas”, como já constatamos em algumas análises, compreendemos que o apoio às “iniciativas já existentes” é um importante avanço na orientação das políticas públicas. Embora suscitem brados analíticos de que esta possibilidade “avança na privatização do patrimônio público nacional”, a experiência dos Pontos de Cultura envolve manifestações culturais que, ao acessarem este recurso público, puderam sair de um território invisível, pondo em questão a falta de investimento nesse âmbito e a necessidade de maiores articulações e intersetorialidade no âmbito público com o apoio do Estado. Portanto, apoiar “iniciativas já existentes” é algo aparentemente simples, mas que contém uma imensa complexidade e importância enquanto diretriz de política pública. 207 Após a sua criação, em 1985, o Ministério da Cultura realizou somente um concurso em 2010 para o preenchimento de 253 vagas. 295 E mesmo que isto pareça pouco elaborado para ser considerado um pressuposto ou diretriz de um programa cultural, na verdade, ao contrário, remete a inúmeras implicações que foram pouco ou quase nunca consideradas pelos gestores ou pelas políticas públicas que muitas vezes impuseram modelos. Podemos aferir ainda que este entendimento passe por uma compreensão política profunda e concreta para parte da população brasileira, que experimenta outra possibilidade muito concreta: O Ponto de Cultura tem sido divisor de águas. Antes do Ponto e depois do Ponto. Aprendizado. O quilombo de Paraty está pleiteando escola e contam com o apoio do MinC. Os ganhos estão acima das dificuldades impostas pela burocracia. Acho que apesar das lógicas da burocracia temos impulsionado a luta, mais do que paralisado, continuamos ampliando protagonismos (Relatório TEIA regional. Plenária da III TEIA regional. Coordenadora de Ponto de Cultura, Paraty, 2009, grifo nosso). Este depoimento no âmbito da III TEIA regional do RJ/ES em 2009 remete ao fato de que a riqueza da experiência compensa seu caráter eventualmente árduo, penoso e que exige intenso comprometimento na luta pela efetivação e ampliação dos direitos. Consideramos portanto, que os editais do MinC permitem contemplar a amplitude das ações, tal como criadas e acontecem no cotidiano, o que as valoriza além de compreender o caráter de imprevisibilidade da criação, mas que esbarram na exigência de obter a institucionalização dos grupos e movimentos para candidatar-se a estes editais, além dos poucos recursos que não permitem maior ampliação. Contudo, são grupos e pessoas que fazem parte de um contexto plural e difuso, tão característico da sociedade brasileira, mas com potencial de resistência criadora e de transformação das forças instituídas. Sem a intenção de comparar o Programa Cultura Viva com as demais políticas sociais da gestão 2003-2010, e sem subestimar o alcance social das políticas culturais, as proposições em curso, de alterar a legislação e a condução das políticas culturais envolvem transformações relacionadas à indissociabilidade entre a cultura e a política, além do enfrentamento das hegemonias consolidadas em diferentes âmbitos. Como, por exemplo, das forças que tentaram impedir a realização da II CNC 208 e da I Confecom, contrapondo-as. Isto reafirma que as transformações exigem um longo processo de enfrentamentos diante das forças já consolidadas, que apenas iniciou e enfrenta impasses e incertezas. 208 II Conferência Nacional de Cultura realizada em março de 2010 e a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (1ª Confecom) realizada em dezembro de 2009. 296 5.3.3. Reprodução ou instituição de processos e relações sociais A gestão das políticas públicas tem muitos limites por envolver inúmeros problemas, como a centralidade do Estado brasileiro na formulação das políticas culturais, que apenas começou a ser modificada via conferências públicas nos três âmbitos da federação; o sistema de financiamento público; o marco legal que não corresponde às relações com grupos menores que movimentam pequenos recursos, além do reconhecimento da cultura em sentido mais amplo, bem como a sua vinculação com a esfera da produção, desafiando o estabelecimento de políticas públicas culturais. Além disso, as relações estabelecidas, ainda que inicialmente, entre as políticas sociais e as políticas culturais, as dificuldades relativas à formação e à profissionalização, distribuição e circulação de bens e serviços requerem a ampliação dos investimentos e outras medidas para enfrentarem dificuldades que não são exclusividade do círculo cultural, mas do universo produtivo como um todo. A seguir fazemos uma digressão, considerada importante para refletir sobre o financiamento público no Brasil, ainda que em outra área, como observamos: (...) Sublinho o fato de que as principais entidades ruralistas do Brasil têm recebido 25 vezes mais subsídios do Governo Federal (do que o MST). E o curioso de tudo isso é que só é fiscalizado o pobre que recebe recurso público. Mas, sobre os ricos, que recebem um volume de recursos 25 vezes maior que o dos pobres, (sobre isso) ninguém faz nenhuma pergunta, ninguém fiscaliza nada. Parece que ninguém tem interesse nisso. E aí o Governo Federal subsidia advogados, secretárias, férias, todo tipo de atividade dos ruralistas. Então chama a atenção que propriedade agrária no Brasil, ainda que modernizada e renovada, continua ter laços fortes com o poder e recebe grande fatia de recursos públicos. Isso são dados do próprio Ministério da Agricultura (...). Ainda no Governo Lula, a agricultura empresarial recebeu sete vezes mais recursos públicos do que a agricultura familiar. Sendo que a agricultura familiar emprega 80% ou mais dos trabalhadores rurais (Carter, 2010). Em certa medida, guardadas as devidas diferenças, isto também vem acontecendo na área cultural, em que o financiamento público, sobretudo antes da gestão 2003-2010, beneficiava apenas uma privilegiada parcela da população ligada ao mercado. Deste modo, as forças e os poderes instituídos reproduzem-se historicamente com base em uma materialidade e afirmação nas formas e no funcionamento dos processos, bem como nas relações sociais. Enquanto relação de forças imanentes e ancoradas em práticas e técnicas diversas, que naturalizadas, estão dispersas em todo o campo social e envolvem a disseminação de crenças de que alguns estariam aptos a gerir recursos de forma eficiente e outros, não. 297 Consideramos que a tentativa, ainda que tímida, de reverter o processo de apropriação do Estado brasileiro apenas por alguns grupos foi instaurada por uma maior aproximação deste Estado com a população, colocando em “xeque” as possibilidades de acesso a recursos que não pertencem a uma minoria gestora ou elitista, mas à população como um todo. Afinal, ao contemplar uma gama de manifestações artísticas culturais que passam a ter uma parte de suas ações financiadas pelo Estado, tornam-se públicas questões e tensões pouco debatidas. Por mais complexas que estas questões sejam, o mais importante é o processo de questionamento acerca de quem, afinal, é o Estado, a quem as políticas culturais financiam, e a que temos direito, um ganho sem precedentes. Embora a forma mais imediata escolhida tenha sido o acesso via “organizações sem fins lucrativos” para o estabelecimento dos convênios e do financiamento dos Pontos de Cultura, mesmo não sendo a forma mais adequada, foi a que possibilitou o próprio questionamento destas formas. O estabelecimento das tensões precisa ser enfrentado, podendo elucidar quais são as prioridades, porque os pequenos grupos não institucionalizados e informais não podem ser apoiados, dentre outros. Deste modo, o estabelecimento dos convênios tem trazido um desgaste, mas também muito mais transparência na distribuição e utilização do recurso público, além de ficarem claras as tentativas de desestabilizar as organizações menores por meio das acusações de má gestão do recurso, por não terem estruturas administrativas tal como as empresas, desconsiderando os diferentes contextos, valores e dinamicidade das ações. A racionalidade instrumental emerge nos mecanismos de operacionalização e controle do Estado, sendo coerente a proposta de controle e manutenção de determinada ordem social. Contudo, algumas fissuras no acesso aos recursos têm sido propulsoras de mudanças, deixando claro que graves problemas precisam ser enfrentados, principalmente devido à lógica da burocracia, que é a da desconfiança, da assepsia e do controle, fazendo com que os recursos invariavelmente fiquem concentrados em grandes instituições, supostamente eficientes. É preciso, portanto, atenção e um aprendizado acerca das “regras do jogo”, para compreender as armadilhas e manipulações nas relações cotidianas, em que uns se colocam mais aptos que outros, desmerecendo as classes populares, retardando o processo de maior ampliação, melhoria e qualificação das políticas públicas a serviço da população. Diante do histórico das políticas culturais, alardeia-se que pela primeira vez temos a implementação de uma política cultural enquanto política de Estado no Brasil. Apesar da instauração de diversos e importantes processos como o Plano Nacional de 298 Cultura (PNC), que foi construído de forma democrática, e o questionamento de leis tendenciosas como a Lei Rouanet, ainda não se efetivaram as necessárias mudanças. Os Pontos de Cultura, apesar de ter uma lógica interessante para o fomento dos espaços não formais e do apoio a manifestações populares, ainda não representam a forma ideal de distribuição de recursos, sem que haja transformações no marco legal, pois, ao se exigir a sua institucionalização para o recebimento dos recursos, algo contraditório e incompatível com os pequenos grupos, demanda, por sua vez, maior apoio do Estado nessa gestão. Todavia, apesar destes paradoxos, reconhecemos a contribuição e a possibilidade de instauração de processos de mudança a partir dos próprios Pontos de Cultura, conveniados ou não, para que continuem sendo reconhecidos a ponto de terem força para mobilizarem-se em prol da efetivação das transformações necessárias. Nesse sentido, a contribuição do Programa Cultura Viva aponta para a afirmação e concretização da noção de cultura ampliada, que estava restrita ao texto constitucional. Como já vimos, parte dos diferentes modos de vida e as diferentes produções fora do âmbito estético hegemônico puderam ser reconhecidos, a ponto de serem financiadas, tal como existem e são realizadas pelos grupos e movimentos, algo muito distante da manutenção pelo Estado, de somente grandes investimentos no âmbito comercial da cultura. Isto com o objetivo de superar os mecanismos normalizadores de dominação das diferenças, que por extensão se deslocam para toda a sociedade. 5.3.4. Experiências coletivas e resistência O reconhecimento das diferentes manifestações artístico-culturais brasileiras pelo Estado situa-se no âmbito das estratégias e tentativas de mudança de paradigma vigentes no Ministério da Cultura na gestão 2003-2010. Nesse âmbito, a afirmação dos processos de significação cultural e as diferenças étnico-culturais autorizam a produção de campos de força, em que é questionada a supremacia de determinadas culturas sobre outras, em favor da coexistência, negociação e explicitação dos conflitos. Contudo, este processo envolve disputa de valores, cujas relações de saber-poder instituídas mantêm a produção e reprodução de discriminações e preconceitos cotidiana e contínua. Estas questões referem-se à ampliação do nível de participação do conjunto da sociedade nos diversos níveis de gestão e de produção da cultura, bem como nos canais de circulação dessa produção. Recolocar a cultura na agenda política do Estado provoca reflexões acerca do seu papel, que está muito além do lugar “decorativo” ou 299 instrumental. Sugere, ainda, o reconhecimento de que estão abertos novos campos de atuação, que envolvem ampliados fóruns de decisão. Os desafios consistem em reconhecer as complexas e inúmeras ações existentes na sociedade como produtoras de cultura e de alternativas, apoiá-las e incorporá-las em políticas que possam ter continuidade, algo fundamental nos processos culturais de transformação e construção coletiva. Além disso, por se tratarem de diversas organizações e grupos defensores do direito à cultura, a ampliação do escopo e do acesso pode colaborar na ampliação da possibilidade de usufruto do recurso e direito público. Afinal, os injustos mecanismos das políticas culturais vigentes até então não permitiram que a população pudesse desenvolver, ampliar e visibilizar a sua própria cultura, considerada historicamente “menor”. Apesar dos riscos de que as manifestações culturais anteriormente não financiadas ou autofinanciadas e autônomas passem a buscar este reconhecimento do Estado enquanto Pontos de Cultura, passando a ter o ônus de certo grau de institucionalização, mesmo que em parceria com outras organizações, para responder às demandas burocráticas, consideramos que há a possibilidade também da politização dessa relação, ampliando os movimentos e, portanto, a prática de mobilização e participação social, que se tornam mais concretas e visíveis nessas experiências. Não se pode subestimar a contribuição dessa parcela da população, pois não se trata da transferência da gestão/administração dos recursos públicos à iniciativa privada como é comum generalizar, mas da participação em processos, que até então estavam bastante distantes da população e dos criadores da cultura. Não se trata ainda da defesa irrestrita dos Pontos de Cultura, mas da possibilidade de reconhecê-los enquanto legítimos e mudar as lógicas, ouvindo outras pessoas que não sejam apenas os gestores, os intelectuais, os artistas “já consagrados”, as autoridades ou os representantes de uma cultura hegemônica. Sendo esta uma das formas de resistência ou de contras-hegemonias a um sistema consolidado e que, a priori, desconfia das “pequenas” organizações que não têm pessoas ou um grupo especializado no gerenciamento deste tipo de recurso, distinguindo-se das grandes organizações e das empresas. Assim, consideramos que este programa, ainda que em pequena escala, enfrentou a lógica do Estado, que não é aberta ao cidadão, mas, uma lógica de controle, de rigidez e autoritarismo. Um Estado que não está preparado para lidar com o cotidiano, com o dinamismo e o movimento das ações 300 que se modificam à medida que há interações e trocas com inúmeras pessoas, desencadeando mudanças, avanços e reorganizações em função do trabalho conjunto, que pressupõe respeito às demandas dos envolvidos. As normas, as leis, a burocracia e o discurso são construções históricas de cada momento e refletem a apropriação do Estado por alguns. Há uma lógica de concentração de poder, uma blindagem burocrática e uma impessoalidade que predominam nas relações sociais e que naturalizam a superioridade e manipulação de uns por outros. Uma das saídas, portanto, é via movimento social que pode colocar em evidência este tipo de situação, buscando maior estranhamento da sociedade em relação ao que é colocado como imutável e inquestionável. Enquanto questões consensuadas, a pesquisa/avaliação do IPEA (2010) no acompanhamento e na avaliação de políticas públicas culturais constatou que o Estado brasileiro ainda não tem instrumentos adequados para suportar, de maneira efetiva, políticas com o desenho e forma de execução do "Programa Arte Cultura e CidadaniaCultura Viva". Portanto, é necessário capacitá-lo, dotando-o de instrumentos jurídicos e de gestão adequados para que o programa persiga objetivos da cidadania cultural. Além disso, o Cultura Viva contribui para o enfrentamento de problemas relativos às carências de instrumentos e estímulos para a produção e circulação da expressão da cultura local209 e também pode contornar o problema do isolamento das comunidades em relação às novas tecnologias210 e aos instrumentos de produção e educação artísticoculturais disponíveis em outros meios. O que está em questão a partir desta possibilidade é o desafio de estabelecer entre governantes e governados uma relação que não é somente de obediência, mas de interação e de ações concretas que beneficiem o conjunto da população. A possibilidade de veiculação dos próprios posicionamentos e de fazer parte de um programa como o Cultura Viva não implica necessariamente sujeição ou aceitação irrestrita das imposições, normas e relações já arraigadas no Estado. Embora estas 209 O programa foi responsável direto pela ampliação das atividades culturais realizadas pelos pontos. Embora 63% dos espaços físicos já existissem antes disto, entre bibliotecas, discotecas, brinquedotecas, salas de aulas etc., 37% derivaram do processo de conveniamento e, portanto, de indução por parte do poder público (IPEA, 2010a). 210 Os projetos como GESAC (programa de inclusão digital), Cultura Viva, Casa Brasil e Territórios Digitais do Governo Federal coexistem sem articulação entre diversos ministérios, como de Ciência e Tecnologia, Planejamento Orçamento e Gestão, Desenvolvimento Indústria e Comércio, Casa Civil e Cultura, além dos estados e municípios que também não estão articulados e até com processos contraditórios (Caribé, 14/06/10, grifo nosso). 301 implicações caminhem juntas, uma das possibilidades é a de visibilizar os conflitos, os desafios, cujos avanços e impasses requerem reflexões, sobretudo, porque incidem nas práticas que se aceitam ou se rejeitam, em prol da construção e ampliação de políticas públicas, bem como das transformações. As intenções de mudança, os discursos e a prática, por mais avançadas que se apresentem, atingem no máximo, à lógica da inclusão social subordinada. Dificilmente a universalização dos direitos ou a transformação das relações sociais. Questões que perpassam um contexto que não é simples, principalmente porque a burocracia contamina, envolve hábitos, controle, uma suposta organização, além da autoridade de uns sobre outros de forma irrestrita. Apesar desses problemas, a instauração do Cultura Viva e das ações do MinC constituiu uma pequena e parcial ampliação do acesso aos recursos públicos, que é um mérito indiscutível, mas, por outro, demonstrou a precária estrutura do Estado para atender a um princípio que deveria ser básico, o do atendimento da sociedade civil no acesso aos recursos públicos. Consideramos, portanto, que o programa tensiona relações que não se resolvem via articulação interministerial apenas, mas exige a organização e intervenção dos movimentos, a revelia do aparato burocrático do Estado, que não está preparado para atender ao cidadão. Assim, Benjamin (1984, 1994, 2006) nos remete às implicações que revelam a finitude individual e/ou coletiva da experiência, principalmente por não se tratar do que acontece cotidianamente, mas o que nos acontece e nos afeta, sendo intransferível ou exatamente igual para duas ou mais pessoas, ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, não terão a mesma experiência. Contudo, abrem-se a partir disto, perspectivas de intercâmbios, onde as experiências podem tornar-se infinitas ao serem compartilhadas, provocando movimento, mobilizações e transformações. As práticas sociais configuram-se, portanto, como dispositivos para a reflexão das experiências locais, sua organização, suas interações, trocas de saberes e participação. Isto supõe abdicar das verdades impostas pelos poderes hegemônicos, que reproduzem assujeitamentos, subalternidades e/ou papéis pré-instituídos, mas passar a considerar as subjetividades que são produzidas ininterruptamente, abrindo novos caminhos, fronteiras e estratégias, desterritorializando papéis rígidos e limitadores do ser político. Destacamos abaixo alguns dilemas na implementação do Cultura Viva, por parte dos gestores no nível do aparato estatal em diferentes momentos: 302 Quero pegar em mão de gente, ver corpo de gente, falar língua de gente, obliviar os códigos, quero matar o DASP, quero incinerar os arquivos de amianto, sou homem, ou pelo menos quero ser um deles’ protestava Carlos Drummond de Andrade em ‘Noite na repartição’. Ele próprio um servidor público. A questão da burocracia não pode ser negligenciada, pois ela se autorreproduz. (...) A burocracia estabelece uma espécie de legislação própria, em que normas e regulamentos devem prever por escrito todas as ocorrências e procedimentos, levando à padronização de condutas. Como decorrência, estabelece-se a comunicação formal, escrita, a ‘papelada’, que deveria racionalizar a divisão do trabalho e garantir relações impessoais, subordinadas a uma hierarquia da autoridade, em que cada cargo fica submetido a uma supervisão. Com isso, o componente humano é esvaziado e a especialização da administração se subordina cada vez mais a rotinas e procedimentos padronizados, com profissionalização, competência técnica e meritocracia, levando a completa previsibilidade do funcionamento. Em teoria é assim. (...) Como resultado (...) ‘velhos’ conhecidos, principalmente dos usuários: exagerado apego aos regulamentos, excesso de formalismo, resistência a mudanças, despersonalização no relacionamento, conformismo às rotinas transferência decisória, autoritarismo e utilização intensa de símbolos de status e autoridade. E a burocracia torna-se sinônimo de ineficiência, fechando-se em si mesma e se desconectando do público que, em última instância, deveria ser a razão do trabalho burocrático. Deste pântano surge a dificuldade no atendimento, conflitos com o público, pouca atenção e descaso com os problemas reais. De um lado o público se irrita, de outro a burocracia se fecha, sentindo as pressões (legítimas) como ameaça à sua segurança. Esclerosamento, falta de inovação e criatividade, esse é o ambiente em que o Cultura Viva teve (e tem) que caminhar (...) (Turino, 2009, p.153, 154, 155, grifos nossos). Assim, as relações dos movimentos sociais com as estruturas sociais de poder, ao mobilizarem ações e pressões para que determinados problemas se resolvam, geralmente são absorvidas relações hegemônicas de poder fazendo com que as reivindicações resultem em deslocamentos que exigem novas pressões e a constante reapresentação das demandas para que sejam atendidas. Longe de deflagrar transformações que possam beneficiar um conjunto maior de pessoas, apenas algumas pequenas mudanças são conquistadas, constituindo-se em base para novas lutas. A tensões relativas à burocracia serviram para mobilizar os gestores e Pontos, em movimentos que expuseram problemas estruturais que o MinC e os demais ministérios têm que enfrentar para ampliar os projetos e serviços de âmbito nacional. Ou seja, as estruturas do Estado não tem assimilado recentes mudanças, pois continuam perpetuando a centralização e a capacidade decisória em instâncias centrais. Para ilustrar este impasse, temos que os Pontos de Cultura aprovados em edital e com planos de trabalho a cumprir tiveram que rever seus planejamentos e cronogramas diante das verbas que atrasavam principalmente aqueles relativos ao primeiro edital. Diante dos planejamentos/prazos e dos participantes das localidades que 303 começaram a cobrar, e, posteriormente, mesmo com a resolução destes atrasos vieram outras dificuldades, como a das “prestações de contas”. Os procedimentos burocráticos e as normas às quais as entidades foram submetidas, não eram compatíveis com o montante recebido, com muitos gastos de pequeno valor e, quase sempre, abaixo do teto exigido para as licitações, além do conteúdo e natureza das ações. As atividades artístico-culturais em locais de favela ou de periferia envolviam pagamentos nem sempre mensuráveis, ou passíveis de se obter três orçamentos válidos e optar pelo menor. Tal foi o caso da construção dos móveis com material reciclado com o apoio de um artista local que seria remunerado, ou o pagamento de artesãos locais por hora ou atividade. Ou ainda, não se podiam realizar despesas no comércio local, muitas vezes informal e que não possuía nota fiscal para comprovar o pagamento, ou se exigiam inúmeros documentos e comprovantes de cooperativas locais que tinham que provar sua idoneidade, diante das exigências documentais. Deste modo, a pesquisa do IPEA (2010) também constatou que as prestações de contas foram uma das dificuldades mais citadas pelos Pontos de Cultura em âmbito nacional. Além disso, para a maioria dos Pontos de Cultura, o convênio com o MinC foi a primeira experiência de gestão de recursos públicos, bem como era a primeira experiência vivenciada pela equipe do Ministério, principalmente por se constituir numa gestão de uma ação pública capilarizada como o Cultura Viva. Feitas para transações com grandes empresas e volume de recursos, a legislação que incide sobre todos os convênios com o Estado tem a sua inadequação exemplificada, veiculada em livro (Turino, 2009), em que um Ponto de Cultura que trabalhava com aulas de dança, por conta da aquisição de um relógio de parede por R$ 20,00, sua prestação de contas foi indeferida. Isto porque esta compra foi feita sob a rubrica “material didático”. Assim a entidade alegou que o relógio era necessário para a organização do início e término das aulas, evitando perda de tempo entre elas, porém, este impasse durou meses para ser resolvido e consumiu um enorme tempo na tramitação dos documentos e negociações. Em princípio, tais modificações exigem um prazo para alterações nos planos de trabalho, planilhas que contêm o máximo de detalhamento possível de uma despesa. Todavia, considerável parte dos Pontos de Cultura, por diferentes motivos, em especial o atraso no envio das parcelas por mais de um ano, tiveram dificuldades para realizar as alterações nos planos de trabalho em tempo hábil, além do insuficiente número de 304 técnicos no MinC para orientar e resolver estes problemas, dialogar sobre as possibilidades. Isto se complicou um pouco mais, principalmente, por envolverem atividades que não puderam ser interrompidas, uma vez que já tinham iniciado e mesmo com o atraso dos recursos continuaram em andamento. Deste modo, sensíveis às dificuldades e às mudanças no contexto em que estão inseridos e respeitando a dinâmica local, os Pontos de Cultura, após dialogarem no Fórum sobre os mesmos impasses vivenciados, comunicaram as mudanças nos planos de trabalho justificando-as em relatórios comprovando o cumprimento do objeto. Isso é permitido no processo de prestação de contas da Lei Rouanet, por exemplo. Além disso, os Pontos relataram as atividades complementares ao que fora previsto inicialmente, e o mais importante: com a participação da equipe na reelaboração e enfrentamentos das dificuldades de forma conjunta, dialogada e, portanto, apropriada pelos participantes e grupos envolvidos com o Ponto de Cultura, o que consideramos fundamental, por implicar aprendizados múltiplos. Isto envolve também oportunidades de diálogos sobre a origem dos recursos públicos, sua utilização, a quem historicamente beneficia, dentre outras problematizações. Ainda que não seja a forma adequada de aproximação do Estado, algo distante e inatingível para a maioria da população, constituiu-se em uma experiência concreta. Os problemas só começaram a ser regularizadas no final de 2006, (porém com situações ainda não resolvidas ainda em 2010), com as atividades de formação sobre prestação de contas, em que a equipe descentralizada do MinC junto às suas Representações Regionais revisou os planos de trabalho, que em alguns casos, tinham despesas aprovadas, que posteriormente foram recusadas na análise das prestações de contas. Questões relativas a problemas crônicos e de caráter político, que remetem ao problema do acesso aos recursos públicos, o seu desvio, às mudanças na legislação não efetivadas, e os privilégios que se mantém para aqueles que se especializam nesta linguagem administrativa ou contam com recursos jurídicos próprios, e passam a ter benefícios. Isto, em detrimento de outros, que apesar de terem os mesmos direitos, lhes falta à estrutura organizacional. Insistimos que as propostas de alteração no marco legal requerem maior organização para influenciar diretamente os parlamentares e o Congresso Nacional ou ainda em articulação com as bancadas estaduais, que estão em um círculo de influências invariavelmente ligados ao setor de negócios e de influências pessoais e interesses econômicos. 305 Cabe ao movimento dos Pontos de Cultura transformarem essas questões em pautas de debate entre governo, legislativo e a sociedade, mobilizando, por exemplo, por meio de audiências públicas em todo o país, a consulta pública da Lei Cultura Viva e Lei Griô, estabelecendo para os Pontos de Cultura uma agenda propositiva como contraponto aos problemas vivenciados até então. 5.3.5. As dificuldades cotidianas de gestão e suas implicações A ampliação destes questionamentos para além dos envolvidos com o Ministério da Cultura, bem como dos conceitos do Programa Cultura Viva poderia ampliar o debate sobre os investimentos públicos, sempre muito pequenos na área cultural e social. O debate sobre as mudanças no marco legal e o conjunto da legislação em vigor ainda não concretizados poderiam também ser intensificados em outros fóruns, do contrário, a ampliação das ações permanece comprometida, sobretudo, quando a sociedade não participa dos debates e não se torna aliada. Ribeiro (2005) afirma que os sujeitos sociais e a ação política apresentam, agora, maior complexidade, confrontando paradigmas que orientaram, até há pouco tempo, os projetos de transformação social. Estes sujeitos propõem novos híbridos institucionais, atuam em várias escalas, exigem a releitura do Estado, defendem diferentes sentidos de nação, rejuvenescem tradições e impedem a sua completa absorção em instituições da modernidade. A flexibilidade e a não imposição de modelos, na área das políticas culturais e das manifestações artísticas, é condição para a criação de um ambiente propício à reinvenção, ao fazer conectado, aos compartilhamentos, e o respeito a realidade encontrada. Os aprendizados, neste âmbito, são recíprocos e se estabelecem por meio de um intercâmbio de experiências e de diferentes saberes. Assim, estes temas “incompatíveis” com o padrão de consumo do mercado necessitam do apoio público uma vez que o setor privado não investirá no âmbito do desenvolvimento dos sujeitos e da efetivação dos direitos, explicitando conflitos e hegemonias bastante articuladas. A participação e autonomia na escolha e definição das prioridades das políticas públicas concorrem com disputas econômicas intensas em torno do aparelho estatal. Assim, contemplar a pluralidade brasileira e não as linhas de interesse das agências de fomento e de demandas de determinados organismos governamentais e empresariais é algo bastante complexo e exige o enfrentamento constante de forças já instituídas. Na 306 atual conjuntura nacional, em que foram iniciados importantes processos relativos a oportunidades e perspectivas, com especial enfoque nos Pontos de Cultura, e a defesa da autonomia e da amplitude dos recursos públicos, não se pode justificar o conservadorismo social e o imobilismo institucional que os órgãos de controle disseminam. Questões que nos remetem às formulações de Foucault e à possível desconstrução das relações de saber-poder, como imposição de uma racionalidade hegemônica que, ao focalizarem os dispositivos dos poderes211 e suas implicações, se expandem e assumem formas concretas de dominação e controle social. Afinal, permanece o risco de que os órgãos de controle como o CGU ou o TCU indiquem que o Programa Cultura Viva não deu certo, porque não foi possível aprovar as prestações de contas dos conveniados. Transformar-se-á, assim, uma extraordinária experiência cultural num programa fracassado por não se adequar aos padrões da contabilidade e da burocracia. Desta maneira, o poder se exerce a partir de inúmeras questões e em meio a relações desiguais. O desafio consiste em multiplicar suas várias configurações, em que o modelo jurídico e capitalista (via leis do mercado) não seja mais hegemônico. É nessa direção que Foucault propõe analisar o saber em termos de poder. O saber não está contido somente em suas demonstrações, mas também em ficções, reflexões, narrativas, regulamentos institucionais, decisões políticas cotidianas. O saber não é considerado no campo da ciência apenas, mas também no campo dos inúmeros conflitos, das decisões e das táticas que definem comportamentos e modelam subjetividades212. 211 O poder, para Foucault, “não é uma instituição e nem uma estrutura, não é uma certa potência de que alguns sejam dotados: é o nome dado a uma situação estratégica complexa numa sociedade determinada” (Foucault, 2001b). Assim o poder está nas formas de funcionamento das estruturas formais e informais, nas relações (jogo) de forças que se estabelecem cotidianamente e que caracterizam determinado espaço e práticas. São estratégias conformadas em manobras, táticas e procedimentos que incidem sobre o sujeito e não são facilmente distinguíveis, nem categóricos, mas sutis e requerem análises caso a caso. 212 Em um primeiro sentido Foucault aborda os “modos de subjetivação” em que o sujeito aparece em determinada relação de conhecimento e de poder, e em seguida os denomina relacionados a um sistema de valores, regras e proibições que atuam sobre “si mesmo”. A moral comporta códigos de comportamento, que adquire uma forma jurídica, a qual o sujeito se submete, pois a sua infração corresponde a um castigo. Ambas compreendem elementos dinâmicos que possibilitam ao sujeito elaborar estas relações e transformar o seu próprio ser, em oposição às opressões, por exemplo (Foucault, 2004, 2001, 1984). 307 O que está sendo contestado é também a questão de norma213 e a sua possível mudança para incorporar outros possíveis, mas, sobretudo, uma concepção política que remeta à questão da cultura como um bem comum e como direito e não como “um bom negócio” como vigorou até recentemente. Isto também remete a possibilidades de transgressão e questionamentos do instituído que subjuga grande parcela da população. O problema não é a falta de leis, mas alguns mecanismos que as impedem de serem concretizadas, como a decisão política sobre os índices que serão aportados nos Fundos setoriais, a forma de liberação dos fundos públicos, cuja legislação ainda não foi modificada e nem simplificada. Assim, a construção, a implementação e a gestão compartilhada das políticas públicas não podem continuar reféns da burocracia e dos técnicos. Os convênios federais têm duração de três anos. Muitos deles, portanto, já se encerraram ou estão em fase ajuste de prestação de contas e de finalização. A maioria seguiu com os seus projetos, considerando-se Pontos de Cultura e buscando novos editais, bem como a luta pela continuidade do programa como política de Estado e o movimento dos Pontos por políticas públicas culturais permanentes. Um movimento em difuso e plural por agregar diferentes e - às vezes - distantes linguagens artísticoculturais, caracterizando paradoxalmente uma das suas forças, por ser algo em construção e em permanente movimento. É um movimento que se reconheceu nas lutas travadas no campo da cultura e que busca afirmação. Assim, apesar das mudanças necessárias no marco legal, o Programa Cultura Viva apresenta uma possibilidade diferenciada de acesso ao recurso público e de 213 O âmbito das normatizações produzem discursos que definem a “verdade” sobre determinado sujeito, como, por exemplo, ser criança, jovem e ou adulto pobre, excluído e confinado, podendo limitar de antemão suas perspectivas. Além disso, enquanto práticas, estes discursos impõem veementemente os pressupostos do mercado, considerado a suprema fonte de formação da verdade no mundo contemporâneo, para muito além do remoto, mas também ainda muito presente, paradigma jusnaturalista que produziu a ligação entre norma e poder e que atravessam toda a sociedade moderna (Foucault, 2008c). Ao colocar a questão que pretende estudar nas aulas proferidas de 1975, Foucault (2001) descreve suas preocupações e conclui que a emergência das técnicas de normalização, aliadas aos poderes a que estão atrelados. Foucault afirma que esta ligação entre norma e poder não são apenas fruto do encontro entre o saber médico e o saber judiciário, mas que, na verdade, atravessam toda a sociedade moderna. Certo tipo de poder que, para além do poder médico e judiciário, conseguiu colonizar e repelir ambos, desembocando “na cena teatral do fórum”, apoiando-se nessas instituições, mas também criando sua autonomia e regras ampliando-as no contexto do capitalismo e do mercado. Trata-se da emergência do poder de normatização que se formou e se instalou sem jamais apoiar-se numa só instituição, mas no jogo entre as diferentes instituições, estendendo sua soberania na sociedade, mas também provocando resistências e estas subjugações. 308 reconhecimento do valor da população, no qual o repasse dos recursos é direcionado aos operadores diretos do projeto, viabilizando o alcance do entorno e dos participantes, que já realizavam determinada ação cultural já consolidada em suas localidades. Abordamos, portanto, situações ricas em problemas, uma espécie de terreno fértil para descobertas e para a criação, mas que exigem atenção e persistência para procurar sempre novas formas de construir processos participativos e que garantam acesso às instâncias decisórias, bem como a transparência dos processos relativos ao bem público. Como se constata historicamente, todo poder hegemônico tem limites. Importa pensar quais os movimentos e conexões podem nos mobilizar, estimular o questionamento e a problematização dos regimes de verdades impostos, para exercitarmos uma postura dialógica e buscar transformações, sem perder de vista a transitoriedade da vida, abrindo caminhos para o porvir e a emancipação humana e política, já que o movimento caracteriza o ser humano. Os avanços envolvem um tempo processual, um tempo de apropriação, geralmente lento diante do contexto de desigualdade social brasileiro e da inquietação que nos mobiliza. Além disso, envolve tensões, conflitos, enfrentamentos, e o respeito às diferenças. Transitar por entre eles, sem negá-los, supõe evitar armadilhas como a da instrumentalização da cultura, sempre a serviço de algo, e pela não dicotomização da teoria-prática, do processo-resultado, da cultura-política, erudito-popular, dentre outros, evitando também a classificação da superioridade de pessoas e/ou saberes em relação a outros, caracterizando assim um caminho muito fértil a se percorrer. E, sobretudo, sem naturalizar que as políticas culturais que valorizam e estimulam as manifestações culturais diversas e populares sejam realizadas com menores recursos, ou de forma descontinuada, uma vez que, no Brasil, grande parte da população vive em condições bastante adversas, mas nem por isso deixa de inventar a vida e lutar por melhorias. Atentos ainda aos riscos de enveredarmos pelos caminhos do utilitarismo e de um imediatismo quase irresistíveis, a ponto de tudo se tornar estritamente funcional ao sistema capitalista dominante, constatamos que existem possibilidades de resistência a este processo. “Ser Ponto de Cultura é passar a ter uma nova visão de articulação e de mobilização, e também de ampliar o horizonte e o trabalho realizado” (Relatório Encontro Pontinhos de Ludicidade. Participante de Ponto de Cultura São José dos Campos, 2009). Por outro lado, a diversidade das ações e linguagens demonstra movimentos criativos coletivos, difusos e transversais. Resistências que produzem movimento a 309 partir das suas criações e manifestações artístico-culturais, mas que ainda são invisíveis na sociedade em geral. Pontos de Cultura, conveniados ou não com o MinC, nos remetem a perspectiva do pensamento aberto, criador e livre de essências deterministas, para além do foco na gestão e na tecnocracia, controlada por especialistas que se autodenominam “neutros”. Assim, reproduzem não somente as forças hegemônicas, mas também dicotomias entre gestão, técnica/financiamento das decisões políticas, como é insistentemente veiculado, despolitizando o debate, afastando a maioria e mantendo um pequeno grupo decisório. A administração centralizada e autoritária prevalece em detrimento da gestão coletiva, em que se efetivam intercâmbios que derivam do desejo e da escolha, e não de pré-condições ou imposições alheias. Instauram-se aprendizados, via práxis enquanto atividade de criação e de experimentação, enquanto exercícios de liberdade frente aos impasses. A superação do receio, diante dos custos em participar de lutas conjuntas, inclusive do fracasso, leva a aprendizados vividos e ao amadurecimento político. Afinal, no âmbito dos Pontos de Cultura, e em especial daqueles localizados em favelas, na periferia, e no interior, e, portanto, em lugares onde vive grande parte das classes pobres, por que deveria prevalecer um sentimento de impotência? Se a pobreza é imposta e inerente a um sistema de acumulação de riquezas que exige, para se viver, e às vezes apenas sobreviver, que a população crie uma infinidade de formas de vida e de se reinventar, reinventando assim a própria maneira de estar no mundo. Surge assim, cotidianamente e invariavelmente longe dos olhos da sociedade, uma estética viva, irreverente, em que a criação e a reinvenção tem sido regra, no entanto, tentam nos convencer de que as lutadoras pela liberdade e audaciosas Chiquinhas Gonzagas, as lavadeiras Clementinas de Jesus, os “carangueijos com cérebro” Chicos Sciences, os guardadores de carros Cartolas, artistas mambembes Grandes Otelos, dentre tantos outros são milagrosas exceções. Cultura é a própria vida, é o cuidado com a vida, com as pessoas e, embora seja comumente confundida como algo utilitário, é no âmbito das manifestações artísticoculturais que teremos maiores chances de se discutir com liberdade o que interessa, que é a própria vida. Na política, a cultura em geral ocupa um lugar obscurecido, e é colocada em segundo plano. Porém, o aspecto político, por sua vez, é indissociável da cultura para a efetiva participação dos sujeitos, que enfrentam, por exemplo, as lógicas do Estado e do mercado, engendrando outras lógicas solidárias na busca de transformações e projetos coletivos. Assim, se o trabalho criativo é libertário e cria o 310 próprio homem e a sociedade, o que seríamos capazes de criar, não fosse a crescente desigualdade social? (...) Romper com o velho hábito da obediência. Em vez de obedecer à história, inventá-la. Ser capaz de imaginar o futuro e não simplesmente aceitá-lo. Para isso é preciso revoltar-se contra a horrenda herança imperial, romper com essa cultura de impotência que diz que você é incapaz de fazer, por isso tem que comprar feito, que diz que você é incapaz de mudar, que aquele que nasceu, como nasceu vai morrer. Porque dessa forma não temos nenhuma possibilidade de inventar a vida. A cultura da impotência te ensina a não vencer com sua própria cabeça, a não caminhar com suas próprias pernas e a não sentir com seu próprio coração. Eu penso que é imprescindível vencer isso para poder gerar uma nova realidade. (Galeano. Caros Amigos. Dez. 2009) 311 6. Considerações Finais Ponto de partida e de chegada: não instrumentalização da cultura, valorização das experiências coletivas e a perspectiva de transformação Todo o nosso conhecimento nasce dos sentidos (Leonardo da Vinci) Os Pontos de Cultura como potenciais espaços em que as manifestações artísticoculturais, em seu sentido ampliado podem ser exercidas de forma coletiva e não instrumental desafiam a organização, o financiamento das políticas culturais, a soberania da burocracia estatal, a maior possibilidade do acesso ao recurso público e o direito à cultura. Embora correspondente a uma convergência e conjuntura histórica, as manifestações artístico-culturais estiveram a serviço da política e da formação de uma identidade nacional no passado, colocando, de antemão, condições e imposições a um processo cultural, comprometendo e esvaziando as suas reais potencialidades. Nesses casos, sobra pouco espaço para experiências autônomas, libertárias e coletivas, tornando-as mecânicas e facilmente cooptáveis para benefícios alheios, colaborando inclusive para a manutenção da desigualdade social. A problematização destas questões amplia a dimensão transformadora da arte e da cultura, pois a possibilidade de criação, de experimentação e de expressão de diferentes linguagens e tradições, reinventadas ou não, são atividades com potencial transformador. Em oposição à alienação nos processos de produção, afirmamos a contestação da visão utilitarista da cultura, que atinge seu ápice nos discursos, nos parâmetros legais ainda vigentes, como as leis de incentivo/renúncia fiscal, e também nas políticas públicas, que, embora tenham iniciado mudanças, ainda requerem a aprovação de um novo marco legal, bem como a ampliação dos recursos. Tais mudanças têm sido estimuladas e referendadas por organismos nacionais e internacionais que, por sua vez, agem de forma ambígua, como em alguns momentos em que são aliados e importantes na afirmação e promoção da diversidade cultural; e, em outros, apenas com interesses, incidência e investimento na manutenção da funcionalidade do atual sistema. 312 Portanto, com base nessas reflexões não consideramos o âmbito da cultura com poderes imediatistas, que muitas vezes são superdimensionados, devido a sua transversalidade às inúmeras outras áreas. Assim, a cultura não é mero recurso ou uma panaceia para o desenvolvimento econômico e social, ou para a obtenção do êxito que se torna desejado por todos: o poder de consumo, constantemente estimulado na sociedade em geral. Deste modo, a arte a cultura remetem ao inesgotável, as infinitas possibilidades de criação, de escolhas pessoais e coletivas, que podem levar a emancipação. As políticas culturais poderiam ser mais articuladas com as demais políticas públicas estruturantes no campo da educação, saúde e trabalho, com caráter processual e, portanto de transformação viabilizando a democratização dos direitos sociais e não pragmáticas e imediatistas visando a integração e o controle das populações. As considerações deste estudo afirmam transitoriedades, possibilidades e alternativas que podem ser ampliadas no âmbito das políticas públicas culturais. As experiências compartilhadas nos Pontos de Cultura nos trazem outros ângulos, nos surpreendem e tornam mais visíveis as contradições e os paradoxos que temos que enfrentar. Isto não é desprezível em um mundo que não cessa de reificar e camuflar conflitos, banalizando-os e tornando-os úteis à reprodução do individualismo e do parâmetro elitista e conservador. Falamos especificamente de um processo que possa estimular os diferentes saberes e modos de vida, bem como transformações nas relações sociais, mais do que financiar a produção e a reprodução de identidades isoladas, submissas e úteis ao sistema, favoráveis a sua coesão, sobretudo, devido ao inegável alcance social da cultura. Deste modo, consideramos pertinente destacar: Pontos como subsídios para as políticas públicas A superação do discurso da inclusão/exclusão é necessária para que não se faça da cultura um instrumento, mas que seja reconhecida e valorizada a experiência individual e coletiva, aliada ao conhecimento sensorial, à leitura crítica despertada pelas diferentes linguagens artístico-culturais que refina a percepção e a apreensão da realidade do mundo. Os saberes derivados do fazer atento, compartilhado e refletido, pressupõem a construção conjunta e de caráter processual. Assim, viabilizam-se possibilidades de formação de sujeitos atuantes e insubmissos, desencadeando forças e a possibilidade de reeducação da sensibilidade do homem, 313 favorecendo o recondicionamento do seu próprio destino por meio da cultura por ela mesma, enquanto liberdade de expressão das diversas manifestações plurais; A interação entre as crianças, jovens, adultos e os mais velhos nas experiências coletivas, amplia perspectivas e a possibilidade de trocas. As experimentações e a criações enquanto práticas de liberdade levam a reflexões sobre o vivido e a reinvenção do mundo. Esses processos estão na contramão do paradigma da eficiência e da naturalização do discurso da competência e produção de resultados pragmáticos nas políticas públicas, dos domínios e dos clichês que consideram a cultura e a arte apenas como integradoras e de controle da pobreza. Ou ainda, como um espaço privilegiado apenas para alguns considerados talentosos, sem que os demais tenham oportunidade de desenvolverem suas habilidades, ou ainda como algo supérfluo, em vez de considerá-la um direito básico; As experiências coletivas tratadas neste estudo remetem à desmistificação da arte e da cultura como espaço sagrado. Assim, abrem-se inúmeras perspectivas e possibilidades, principalmente por despertar a curiosidade e o desejo de participação na vida cultural e política das localidades; Os processos de criação e emancipação proporcionados pelo âmbito da arte e da cultura não superam as questões estruturais, mas são a base para a sua possível transformação, na busca e ampliação de um horizonte em que sejam possíveis relações sociais baseadas em projetos comuns de nação; A maior contribuição do Programa Cultura Viva/MinC foi colocar a cultura na pauta da discussão sobre a injusta distribuição de recursos públicos, reduzindo a exclusividade do privilégio, e favorecendo a ampliação e pluralidade das ações e manifestações artísticas sem que se exigissem a adaptação do conteúdo. Mas reconhecendo e valorizando as potencialidades locais, superando dicotomias e hierarquias entre o erudito e o popular, reconhecendo transversalidades, complementaridades e multiplicidades; As políticas públicas culturais podem oportunizar experiências em que as diversas manifestações artístico-culturais sejam expressadas e valorizadas, experiências capazes de inquietar, emocionar, e trazer maiores articulações, reflexões e a explicitação dos conflitos, que por sua vez trazem diferentes demandas e o potencial de criação. Trata-se do respeito às ancestralidades, às histórias e aos saberes, para além da focalização nas carências e faltas. 314 Pontos como desafios Há que se ultrapassar o estabelecimento de critérios de seletividade arbitrários no atendimento dos direitos. Sem reduzir a cidadania às suas dimensões civil e política, erodindo a cidadania social subordinando-a a lógica técnica, desvinculada das decisões da política econômica, evitando o despotismo na distribuição dos recursos públicos, mas que sejam deliberados em diálogo. As prioridades governamentais e “modelos de gestão” não podem desconsiderar os desejos e as demandas dos sujeitos, subestimando-os, silenciando os critérios públicos e os preceitos constitucionais que garantem os direitos sociais, mas afirmá-los como parâmetros para a implementação dos direitos básicos como um todo; A cultura associada à área social exige maior cuidado e atenção para não incidir em equívocos que criam justificativas que sirvam apenas para controlar e adaptar a população a um sistema, deixando de apoiar e promover efetivamente a sua potencialidade. O reconhecimento e a valorização dos saberes das pessoas como produtoras de cultura, ampliando o seu próprio leque de escolhas, para além daquelas já consolidadas e incentivadas pelo mercado, é um diferencial do Programa Cultura Viva a ser consolidado; Um dos papéis e desafio do Estado e das políticas públicas é provocar a diversidade de expressões, em vez de fomentar oposições ou reprimir as manifestações espontâneas, promovendo a criação, oferecendo infraestrutura, acesso, financiamento e liberdade na ocupação dos espaços já existentes (Pontos de Cultura conveniados ou não, além da manifestação artística livre nas ruas e nas praças públicas), sobretudo aqueles que já são ocupados pela população. Desta forma, reconhecemos e valorizamos a indissociabilidade da criação e da experiência coletiva no cotidiano, do contexto político geral, da pluralidade e força dessas experiências e dos espaços/territórios para a expressão das diferentes e inúmeras expressões artísticas, culturais e políticas; É importante, ainda, estabelecer conexões com variados circuitos culturais, promovendo e respeitando as dinâmicas locais, além de incidirem em perspectivas de alcance social e até da economia solidária colaborativa, criando oportunidades no âmbito do trabalho para diferentes faixas etárias, que podem ser pensadas e planejadas em seus fluxos de criação, fruição, distribuição e acesso. A relação da criação, produção e do trabalho no âmbito cultural e artístico envolve dificuldades 315 que não são exclusividade desta área, mas do universo produtivo como um todo. Além disso, esse tipo de criação e produção demandam um marco legal que contemple as suas especificidades e o tempo processual dessas ações, que não seja baseado em relações regidas pela lógica de mercado. Ou ainda, a produção colaborativa baseada em trocas de serviços, colocando em circulação outro tipo de “moeda”, que não seja obrigada a “competir” com outra forma de produção comercial, inviabilizam-se a ampliação, limitando esse tipo de produção cultural a círculos restritos, que requerem apoio público para se desenvolverem. Pontos como fluxos O apoio a cultura não funciona enquanto imposição, mas como disposição de recursos e somente será favorável se abranger o conjunto da sociedade, configurando-se enquanto decorrência de um processo de médio e longo prazos financiado por políticas públicas contínuas e universais, ainda que, de forma progressiva. Outra consideração fundamental é a de que os processos artísticos e culturais exigem tempo, um tempo processual que nos remete ao conteúdo analisado neste estudo. Um tempo que requer a valorização da memória e do processo histórico enquanto uma força, mas também do tempo presente, impetuoso e fugaz, que dissemina a ansiedade moderna de impor o futuro às demais temporalidades e, sobretudo, sobre a experiência compartilhada. E embora estas experiências tenham que ser ampliadas, não tem sido quantitativamente relevante pelo pequeno aporte de recursos públicos destinados até então. Os processos de caráter qualitativo exigem maiores prazos, continuidade, aprofundamento e não geram resultado imediatamente mensurável; Na área cultural, o resultado é o próprio processo, sendo da competência do Estado viabilizar a promoção e financiamento desse direito, que, por sua vez, não condiz com a dinâmica de produção capitalista que se alimenta da quantificação, rentabilidade e exploração da força do trabalho. As criações e os conhecimentos que são produzidos no cotidiano por inúmeras pessoas nos instigam a prestar mais atenção nos processos em que estamos inseridos. Uma espécie de provocação para que a energia criadora se emancipe, não sendo possível separá-la do âmbito da dinâmica da vida e dos processos políticos, sociais, econômicos e culturais. Ao devolver, se é que isso seja possível, por meio da valorização das culturas, o orgulho e a dignidade de uma população, que colonizada, perdeu alguns parâmetros de suas próprias referências, abrimos possibilidades de reinvenções. 316 São abertas também possibilidades de valorização de tradições ou de transformações sociais que possam ser dialogadas e desenvolvidas processualmente em busca de maior equidade; A livre manifestação das diferentes celebrações, sons, danças, palavras, rituais, costumes, dentre outros, podem viabilizar paradoxalmente não apenas a manutenção da alienação e fortalecer a coesão social, mas também a abertura de canais e espaços para o diálogo e superação dos conflitos, rupturas necessárias e interações transformadoras. Contudo, sem idealizar esta possibilidade, pois a reprodução de preconceitos ou injustiças também são mantidos e reproduzidos por crenças e uma cultura que igualmente aprisiona. A cultura, portanto, como um importante vetor da sociedade, é capaz de impelir permanências ou transformações. Pontos como memória e força política Os pensamentos-movimentos advindos das abordagens de pensadores brasileiros foram efetivados por meio de conjunções que afirmam com veemência peculiar a heterogeneidade do país, sua viabilidade, alegria, irreverência e capacidade de produzir, de brincar, de festejar e simultaneamente de refletir. Muito mais do que conceitos acabados e inquestionáveis, nos inspiraram por meio destes pensamentos e militância, a abertura e a coragem para seguir caminhos cujas companhias foram muito fecundas e instigantes. Como forças-motriz, os pensamentos-movimentos procuraram valorizar a cultura nacional, sobretudo com o objetivo de construir novos caminhos para o país; Os autores abordados nos desafiaram a realizar esta audaciosa tentativa de articulação com o tema deste estudo, condizente com a intenção de valorizar importantes e corajosas referências na história do país, situados como forças para pensar e não desistir de problematizar a incessante reprodução da desigualdade social. Somos instigados a refletir sobre as possibilidades de valorização de inúmeros brasileiros também tão corajosos e virtuosos com os quais interagimos nos Pontos de Cultura, porém, invariavelmente invisíveis, além daqueles, a maioria da população, sem apoio e acesso as políticas públicas em geral; Evitamos, contudo, aludir às dificuldades e ao passado enquanto processos nostálgicos, ou de um tempo perdido, mas os consideramos mobilizadores e instigantes para pensar o presente e também os esquecimentos que foram 317 produzidos, principalmente por deixar de valorizar a pluralidade e potencialidade da população brasileira. Pontos de contradição Os paradoxos e contradições de um país tão vivo e rico culturalmente são inúmeros. Vidas tornadas individualistas, fracassadas e movidas pelo consumo, cuja ideologia, por sua vez, move um sistema alheio aos desejos e aos direitos humanos, de uma vida coletiva e solidária. O conjunto de intelectuais, artistas e militantes abordados nos remetem as experiências intensamente vivenciadas por eles. Sua inspiração e disposição nos levaram a obra de Walter Benjamin, de Foucault e Walsh e a algumas correlações com o desprendimento, perspectiva crítica e abertura destes pensadores, o que nos aproximou nas reflexões deste estudo; O Cultura Viva instaura um tensionamento no contexto das políticas culturais no país e, sobretudo, nas relações de interação do cidadão com o Estado, cujos movimentos, como os Fóruns, questionam o seu funcionamento, concepção e apropriação pelas pessoas, que geralmente vivenciaram experiências de ineficácia e de frustração ao acionarem serviços e benefícios sociais, configurando desta forma a sua distância, complexidade e inoperância. E o que é mais cruel: destituindo qualquer sentimento de pertencimento ou possibilidade de exercer influência sobre um aparelho que somente poderia funcionar com a anuência dos cidadãos, diante de um projeto de sociedade comum; Mantém-se a intensa reprodução de uma “indústria criativa” e mercantil, inclusive pelo próprio Estado por meio da alienação de parcelas do fundo público, via a Lei Rouanet colocada em “xeque” pelos movimentos culturais que reagiram, mas com pouco impacto ainda, diante das forças hegemônicas constituídas, sem ter efetivado as mudanças exigidas. Manter a perspectiva de mudança no marco legal da gestão 2003-2010 do MinC supõe fortalecer a pluralidade das linguagens que requer o seu próprio conhecimento e reconhecimento para efetivar lutas comuns e que requerem maior articulação com vistas a tornar-se um setor social mais consistente, para além dos interesses corporativos e mercantis; E ainda que estejamos submersos num atroz processo de desigualdade econômica, a cultura enquanto potencialidade humana é uma força criadora e transformadora importante. A correlação de forças, estabelecida no enfrentamento dos conflitos no 318 Fórum dos Pontos como abordamos, se estabelece à medida que algumas situações e experiências conjuntas propiciam o engajamento político, o que não se estabelece por decreto, nem por força política, mas que se configura mediante um longo processo de articulação, convivência, experiência coletiva e mobilização. Pontos de suporte, interação e itinerância Como dispositivos de criação e experiência, os brinquedos e a proposta de construção coletiva no Ponto de Cultura Centro Lúdico estão abertos para criações a partir da convivência, seja por meio dos brinquedos já construídos ou da construção de novos experimentos, canais de expressão e liberdade para novas propostas. Assim, as atividades com os brinquedos são conduzidas por jovens, adultos e pelos griôs, que as incentivam e as mantêm por meio da experimentação com diferentes pessoas, lugares e formas de utilização; O brinquedo enquanto um suporte guarda uma memória viva, além de acionar outras, propiciar encontros, intercâmbios, novas significações e desencadear experiências coletivas. Ao acionarem outras memórias, despertam sentimentos, propiciam a convivência, e, portanto, agregam pessoas, sendo mais uma possibilidade de instaurar mobilizações e inúmeras criações com grupos diferenciados. Um convite à experimentação e a instauração de novos processos de conhecimento e de diferentes possibilidades; Há uma condição política da arte e mais amplamente da cultura plural, que, em alguns momentos, se tornam oposições frente a uma realidade hegemônica, e não apenas a reprodução das relações sociais. Isto nos parece crucial para não incorrermos em análises fatalistas e totalizantes que desconsideram e subestimam a capacidade da população, em especial no âmbito da arte e da cultura, que, embora plena de contradições, traz oportunidades de certo olhar visionário, advindo das manifestações artísticas e culturais; Caracterizamos as experiências em interação e itinerância entre os Pontos de Cultura, enquanto práticas culturais de criação e expressões “antropofágicas” ou “híbridas” tal como nos sugere Oswald de Andrade e Canclini. A força da Antropofagia está na afirmação irreverente da mistura aquém de qualquer hierarquia cultural pré-estabelecida, uma vez que, para esse modo de produção de cultura, “todos” são, potencialmente, equivalentes enquanto fonte de recursos e sentido. Isso desmistifica fatos como o de que somente alguns têm o privilégio de 319 serem criadores, ou de que somente alguns criam; ou ainda, de que a criação é individual; A realidade em constante movimento e sempre em transformação nos impele a prestar atenção na relação entre memória, criação e experiência coletiva, uma vez que a história se reapresenta, bem como as questões sociais se aprofundam de acordo com as conjunturas e complexidades que exigem respostas originais, dialogadas, construídas em conjunto e de forma processual e contínua. Pontos de experimentação e experiência coletiva Ao contrário da vivência que é finita por se esgotar no momento da sua realização, as experiências afetam no sentido de mobilizar vínculos de confiança, movimento, misturas e transformações. Como aquelas que foram tratadas na construção conjunta dos brinquedos no Ponto de Cultura, quanto na articulação das reuniões e organização nos Fóruns, nas TEIAS regionais, nas microteias e nos encontros nacionais, promovendo compartilhamento e aprendizado, uma das forças que mobilizam os grupos e movimentos. O início de um processo de mobilização política talvez tenha sido o maior ganho, principalmente diante das forças desiguais, conservadoras e econômicas; Embora tenhamos enfocado a construção coletiva dos brinquedos, cujas experiências traduzem memórias, histórias de vida e de lugares, possibilidades de maior convivência, trocas, até o estabelecimento de vínculos favoráveis para o enfrentamento de conflitos e possíveis superações, não intencionamos criar um modelo, nem defender corporativamente uma determinada área ou linguagem como “essencial” ou “a mais importante”. Mas importa, sobretudo, afirmar que qualquer outra linguagem artística e cultural que envolva o processo de criação, de desenvolvimento de habilidades e autonomização do sujeito, remete ao exercício de liberdade e de escolha presentes nas diferentes ações culturais. O importante é que as experimentações sejam apropriadas, ao serem criadas em conjunto e sua forma seja reinventada a cada experiência, atentos ao contexto, aos sujeitos e à dinâmica da vida. Uma sensibilidade descoberta e cultivada que leva a reflexões, como diria Pedrosa. Uma ação-reflexão-transformação como nos inspiram os Pontos de Cultura; E, principalmente, por considerar o fato de que todas as pessoas têm capacidade de apreender diferentes linguagens e, assim, encontrar-se, encontrar o coletivo e se 320 reinventar diante dessa possibilidade, propiciada pelos espaços não formais como os Pontos, podem ainda colaborar para uma formação integral e o para o desenvolvimento de diferentes potencialidades. A vivência e o trabalho criativo, por meio da experiência compartilhada, lançam o sujeito à sua própria descoberta como ser total. Isso possibilita o conhecimento objetivo e subjetivo da vida em várias dimensões, e é, portanto, libertário, porque leva a problematizações, que, por sua vez, podem levar a contestação do instituído e das opressões. Assim, por meio de composições com diversas pessoas e práticas pode-se otimizar forças para criar novas relações entre o sujeito e o mundo, que não sejam de obediência e de exploração; O reconhecimento da diferença e de outras culturas que até então foram mantidas fora do campo das políticas públicas, envolve a imprevisibilidade e incertezas. Todavia, não devemos temê-las, apesar de que o novo, o incerto e o desconhecido geralmente assustem e angustiem, podem também levar a maiores articulações e a ampliação das perspectivas do direito à diferença e a construção conjunta de alternativas que enfrentem as desigualdades sociais. O processo de criação presente nas manifestações artístico-culturais está submetido ao acaso, à liberdade e à imprevisibilidade, o que requer certa flexibilidade das políticas culturais, em contraposição as padronizações e modelos, propensos aos autoritarismos e direcionamentos. Daí a importância do tempo presente aliada ao processo histórico, para que se enfrente a força de algumas determinações e imposições estruturais. Ponto de investigação e de mobilização A implicação com o campo de pesquisa nos torna aliada dos setores que lutam pela ampliação e incidência das políticas públicas culturais e a busca por um mundo mais justo e equitativo, pois acreditamos que o respeito às alteridades e aos diferentes saberes levam a uma maior percepção da realidade, aumentando as possibilidades de construção de alternativas conjuntas. Um lugar de movimento, de intuição e de vida, que exige além da razão, a consideração do aleatório, do espontâneo e do enfrentamento da insegurança e do desconhecido. Algo que contrapõe o controle, os métodos prontos, as classificações e os saberes hegemônicos que invariavelmente reduzem a importância das trocas, e a riqueza dos processos. Aprendizados que criam caminhos “de não desistir” diante das condições precárias de vida de grande parte da população que nos angustiam e 321 inquietam, caminhos que animam ao serem compartilhados e tornam mais instigante o trabalho processual e a busca por transformações; O território espacial e também semiótico coabitado por pesquisador e pesquisados, demandou, especialmente, o aprendizado da atenção, sem nos fixarmos em questionamentos individuais apenas, mas originados e emanados de um conjunto. Foram preocupações derivadas de um campo problemático que se delineou ao longo deste estudo. Conexões que caracterizaram o entre-lugar, com o intuito de evitar dicotomias, valorizando os espaços e o tempo processual das experiências, dos encontros e das articulações. O confronto e o debate das contradições e das implicações pessoais e coletivas podem promover a reconstrução e o vislumbre de possibilidades de ressignificação da história, do cotidiano e das relações, transformando-as. Pontos de resistência Compreendemos a resistência como uma força criadora e não como mera oposição a algo. Assim, enfatizamos a importância do reconhecimento das classes populares como sujeitos do seu próprio processo de desenvolvimento, o que não se consolida por escolhas alheias às suas demandas, nem por orientações de um mercado consumidor, ou pela ausência dos critérios para a utilização do recurso público, recorrentemente aliado aos interesses privados e econômicos; A afirmação da cultura na agenda política do Estado provoca reflexões acerca do lugar que ela ocupa, que, para muito além do “decorativo” ou instrumental, sugere o reconhecimento de que estão abertos novos campos de atuação e que envolvem ampliados fóruns de decisão pública a serem ocupados por mais pessoas. Os Pontos de Cultura evidenciam que as políticas culturais ainda devem muito a quem mantém e reinventa as tradições, criando novas possibilidades de expressão, que resistem às imposições estéticas dos grandes meios de comunicação, que visam à cultura como produto e consumo, muito mais do que expressão e possibilidade de libertação, desenvolvimento e emancipação; O fazer atento e coletivo convida a reflexão, à politização e à emergência de forças que muitas vezes não se dão conta que estão em um embate. Aprender com as nossas práticas é fundamental para problematizar o que parece natural e imutável. Sem aceitar a lógica individualista, que propaga como o mais importante, “vencer nesta sociedade, tal como ela é, sem se entregar à fantasia delirante de pretender 322 transformá-la” (Konder, 2005, p. 168). Fissuras que podem levar ao adensamento das mobilizações em prol do direito à diferença e o questionamento das desigualdades; As experiências coletivas proporcionam aptidões e a possibilidade da exigência de uma vida sintonizada com as expectativas emancipatórias e possibilidades de inventar a vida em coletivo. A cultura oprime, mas também liberta. Sem desconsiderar que a cultura é um instrumento de perpetuação da ideologia dominante, ponderamos que a elaboração e proposição de uma política cultural dialogada pode ser um caminho de questionamento das políticas culturais vigentes. Sobretudo por manterem uma cultura hegemônica, publicitária, mercantil e plena de ideias pré-concebidas, fazendo com que sobre pouco ou quase nenhum espaço para a expressão de outras culturas; Pontos em processo A experiência não morre, ao contrário das inúmeras vivências que nos escapam. A experiência nos mobiliza, porque nos afeta. Ao ser compartilhada, a experiência, embora sediada no sujeito, pode ter ressonância no outro, é vivida enquanto reflexão, troca, alianças e provoca a transformação no enfrentamentos das contradições. Assim, encontramos significados e abordagens a partir das experiências que nos afetaram, que vão além do caráter subjetivo, instrumental e necessário, configurando o estabelecimento de relações não tuteladas, não hierárquicas, e que promovem a criação e a liberdade de pensamento, em busca de um processo de construção coletiva e dialogada; A experiência supõe um saber que nos permite expandir a potencia vital. Assim, a arte e a cultura nos permitem transcender a realidade para imaginá-la e construí-la de forma diferente; Embora tenha sido bastante difícil para os grupos e manifestações culturais lidarem com a precariedade/complexidade burocrática do Estado, consideramos que este também tenha sido um ganho, pois, ao explicitar os problemas, conflitos e demandas, tem-se maiores as chances de enfrentá-los e superá-los, além de promover o debate sobre a necessária expansão, transversalidade e financiamento das políticas públicas. 323 Pontos em disputa: ampliação do acesso público, de conceitos e valores A soberania da burocracia estatal na organização e financiamento das políticas culturais foi desafiada, no sentido de abrir maior possibilidade do acesso ao recurso público e para a concretização do direito à cultura. O Estado necessitou improvisar nas suas formas de gestão, contudo não se pode caracterizar como uma inovação que tenha sido capaz de viabilizar plenamente a proposta do Cultura Viva. As disputas e interesses econômicos em torno do aparelho estatal foram tensionados neste período. Os Pontos enfrentaram problemas que não são exclusividade da área cultural, mas do sistema democrático como um todo; O pressuposto que consideramos crucial é o respeito pela autonomia, conhecimento e especificidade dos Pontos de Cultura/manifestações artísticoculturais, porém ainda não consolidado como diretriz nacional, já que o Programa Cultura Viva não se efetivou como política pública, demonstrando a fragilidade do debate, que ainda não está consolidado na sociedade. Os ganhos acabam ficando restritos aos poucos Pontos apoiados. Mas é claro que isto está relacionado ao pouco investimento em políticas públicas no país, e, que, por conseguinte, mantém as forças historicamente hegemônicas; Consideramos ainda, que toda mudança estrutural passa por transformações culturais, associadas aos grandes investimentos sociais, crescimento econômico, desconcentração da riqueza, valorização dos diferentes saberes e o enfrentando das contradições e conflitos. Transformações que exigem tempo são da ordem das mudanças processuais, que dificilmente se impõem, mas que podem ser conjuntamente construídas. O Programa Cultura Viva inverte a lógica tradicional de atuação do Estado, pois em vez de impor ações culturais prontas para as comunidades, são elas que definem e realizam suas próprias ações, com reconhecimento e apoio, configurando a ampliação do conceito de cultura, afirmando valores solidários e colaborativos, importantes diretrizes para as políticas culturais. Pontos a conquistar Os elementos trazidos por este estudo servem para refletirmos sobre a superação de impasses que nos antecedem, sejam aqueles relativos à distribuição dos recursos nas diversas regiões brasileiras, ou ainda aos problemas gerados pelo aprofundamento das desigualdades atreladas aos processos estruturais e históricos. 324 Assim, apesar dos ganhos e também por instaurar um tensionamento na estrutura estatal e visibilizar, ainda que de forma tímida, os criadores culturais anônimos, foi colocado em “xeque” o financiamento público da cultura, bem como outras dimensões como a do direito autoral e a produção colaborativa e solidária. Todavia, ao se contrapor hegemonias historicamente consolidadas, se exige maior articulação frente à complexidade em que o programa Cultura Viva está inserido, principalmente, por ainda não ter sido efetivado enquanto política pública; Deixou-se de efetivar, também, uma maior ação política transversal de cooperação interministerial para o seu aprimoramento. Além disso, não se efetivaram mudanças no marco legal e tampouco houve maior articulação, embora tenha havido intenção e os processos sejam recentes. A mobilização política, embora importante, ainda é pulverizada, mas plena de possibilidades de se fortalecer diante dos processos instaurados e do enfrentamento dos conflitos, das forças hegemônicas, que requerem maior ação coletiva. Além disso, o estabelecimento de critérios políticos de apoio e fomento à criação e produção artístico-cultural, quando transparentes e contemplam todo o território nacional podem ampliar o acesso e a própria criação, evitando a reprodução, por exemplo, dos equívocos estabelecidos de que somente criam e produzem aqueles que supostamente são melhores; Isso foi contestado pelo MinC, e em especial pelo do-in antropológico que deu origem aos Pontos de Cultura por meio do programa Cultura Viva, ampliando o financiamento cultural a uma parcela da população que não tinha visibilidade e acesso ao recurso público. A ausência de uma visão integrada das ações que compuseram o programa, a falta de maior investimento e compreensão de seu potencial articulador das demais políticas, bem como a valorização da importância da criação coletiva e da mobilização são desafios ainda presentes, principalmente em um país em que perdura o traço elitista, conservador e de concentração de recursos; Portanto, da mestiçagem como problema, ao hibridismo e antropofagia como valor, a busca do efetivo reconhecimento da diversidade supõe diálogo, e envolve tensões, que podem levar a transformações nas relações com as autoridades, com o Estado, com os preconceitos e o enfrentamento das desigualdades; 325 Os principais pressupostos do Programa Cultura Viva, parte das ações do MinC e da vigência de um novo paradigma de políticas culturais recentes, coloca a “cultura do bem comum” no lugar da “cultura como um bom negócio”. O programa Cultura Viva, envolve uma concepção de política cultural, que não corresponde à estrutura e ao marco legal vigente. Uma concepção que para se tornar política pública requer transformações na estrutura estatal, diante das ações estruturantes do programa. Mudanças que exigem a continuidade do processo de enfrentamento das forças hegemônicas da “cultura de mercado” e vão além das questões dos Pontos de Cultura, implicando as relações da sociedade civil com o Estado, a disputa por valores mais solidários, colaborativos, espaço e direitos. Além disso, requer dotação orçamentária específica e permanente, uma equipe gestora, maior reconhecimento da importância do programa, e, principalmente a continuidade do diálogo e das deliberações conjuntas entre o poder público e sociedade civil. Os fluxos de criação/produção, fruição, circulação e acesso cultural exigem o apoio do Estado, mas são independentes dele, além de serem a base de uma sociedade capaz de protagonizar seus próprios projetos locais, regionais e nacionais. Qual o valor de todo patrimônio cultural, se a experiência não mais o vincula a nós? (Walter Benjamin). 326 7. Bibliografia ALVES, Caleb F, Uma política pública voltada para a resistência ao neoliberalismo: a descentralização da cultura em Porto Alegre. En publicacion: Cultura y Neoliberalismo. Grimson, Alejandro. CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, Buenos Aires. Julio 2007. ADORNO, Theodor W. (Org.). Teoria da cultura de massa. 2, ed. Paz e Terra, 1978. AGÊNCIA BRASIL. Pontos de Cultura querem mais diálogo e um sistema nacional. 16 de novembro de 2008. http://www.agenciabrasil.gov.br. AGUIAR, Leonel. Identidade cultural: Apropriação das tecnologias de informação e estratégias da ecologia do virtual. 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Mensagem recebida por carla.danielsartor 2009/2010. e-mail, 16/07/2009. cap. III e-mail, 19/11/2009. cap IV e-mail 1, 14/12/2010 e-mail 2, 14/12/2010 e-mail 3, 16/12/2010 360 e-mail 4, 16/12/2010 361 8. Apêndices 362 8.1. Levantamento dos editais para concessão de Prêmios e Bolsas (2008, 2009 e 2010) 8.1.1. Prêmio Cultura e Saúde O Prêmio Cultura e Saúde faz parte de um Acordo de Cooperação celebrado entre o Ministério da Cultura e o Ministério da Saúde, realizado no ano de 2007, que prevê a contribuição dos dois Ministérios para garantir o acesso aos bens e serviços culturais e a qualificação do ambiente hospitalar. A articulação da rede pública de atendimentos à saúde com os Pontos e Pontões de Cultura foi outra perspectiva que motivou a articulação entre os dois Ministérios. Com a intenção de viabilizar essas ações, foi proposto o Prêmio Cultura e Saúde, considerado enquanto um instrumento para identificar, divulgar e premiar práticas inovadoras que desenvolvam ações de cultura com foco na promoção da saúde. Lançado em 06 de agosto de 2008, este Prêmio teve como objetivo conceder até 30 prêmios no valor de R$ 15 mil a Pontos de Cultura conveniados pelos editais nº 1/2004, 2/2005 e 3/2005, com convênios finalizados ou em andamento, bem como a outras instituições sem fins lucrativos, legalmente constituídas, e instituições governamentais estaduais, distritais e municipais, que atuem com propostas sócio-culturais, com foco em ações de promoção da saúde. Segundo o inciso 8.3 d edital “As entidades sem fins lucrativos, legalmente constituídas e instituições governamentais estaduais, distritais e municipais premiadas terão o prazo de 30 dias úteis, contados da notificação da SPPC/MinC para encaminhar os documentos solicitados. Caso esse prazo não seja respeitado, será notificada a próxima entidade na ordem de classificação”. O recurso do Prêmio é repassado à instituição selecionada em uma única parcela e ela tem obrigação de encaminhar à SPPC/MinC um relatório de aplicação dos recursos em até 180 dias após o recebimento do prêmio. De acordo com o edital, o Prêmio tem como foco valorizar iniciativas socioculturais desenvolvidas de forma continuada, que, preferencialmente, sejam realizadas em parceria com hospitais, unidades básicas de saúde, escolas, universidades públicas e/ou demais instituições que atuam no segmento da cultura, saúde ou educação, com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas de prevenção e promoção da saúde em suas diversas frentes. (BRASIL, 2009f). No Prêmio Cultura e Saúde, foram habilitadas 153 iniciativas, das quais 30 foram premiadas. A distribuição geográfica do Prêmio seguiu a seguinte ordem: 15 iniciativas premiadas na região Sudeste, oito na região Nordeste, quatro no Sul, duas no Centro-Oeste e uma iniciativa premiada na região Norte. Em 2010, esse número aumentou consideravelmente, para 349, dos quais, 274 projetos foram habilitados em de junho de 2010. O maior número de inscritos habilitados provém da região Sudeste, 106, seguida pela região Nordeste, 92, e pela região Sul, 43. Entre os habilitados, 56 projetos de São Paulo, 27 do Rio de Janeiro e, em terceiro lugar, Minas Gerais, Bahia e Ceará tiveram 23 projetos cada um. Em 2010, foram recebidas 600 inscrições, dentre as quais 274 habilitados, e 75 inabilitados. 120 selecionados foram selecionados. Ou seja, aproximadamente 20% foram apoiados, um número pequeno diante da demanda. 8.1.2. Prêmio Interações Estéticas Residências Artísticas em Pontos de Cultura Ainda em agosto de 2008, é lançado o Prêmio Estéticas/Residências Artísticas em Pontos de Cultura, uma iniciativa da Funarte em parceria com a SPPC/MinC. A proposta do Prêmio foi a de apoiar a realização de intercâmbios culturais e estéticos entre artistas do campo da arte contemporânea e a rede de Pontos de Cultura, por meio da realização de projetos de residências artísticas. A proposição de ações integradas com os Pontos de Cultura de forma articulada com sua programação foi uma condição de participação da concorrência do Prêmio. O Prêmio propõe a potencialização das instituições selecionadas como espaços de experimentação e de reflexão crítica, além de estabelecer que os produtos finais dos projetos selecionados sejam expostos ou veiculados de forma integrada à programação do Ponto de Cultura, como uma forma de difusão da criação cultural e artística produzida a partir da interação estética. 363 De uma forma geral a relevância destas iniciativas está na articulação de outras ações, projetos, artistas e instituições com os Pontos de Cultura, concretizando diferentes formas de ampliação da Rede de Pontos de Cultura. Foram concedidos 93 prêmios concedidos divididos em categorias de valores: prêmios de R$ 15 mil e R$ 25 mil para projetos com duração de três meses e prêmios de R$ 50 mil e R$ 90 mil para projetos com duração de seis meses. Também foram aprovados 35 projetos de residência na região Sudeste; 28 no Nordeste; oito projetos na região Norte e também na região Sul; sete no Centro-Oeste e sete prêmios nacionais. Apesar de consistirem em períodos muito curto (três ou seis meses), o montante de recursos é proporcionalmente maior do que a quantia mensal recebida pelos Pontos de Cultura pelo convênio, propiciando à elaboração de propostas um pouco mais ampliadas. Da mesma forma que os demais o repasse de recurso é feito em uma única parcela e, no caso específico deste prêmio, há a obrigação de elaboração de um relatório final com dados específicos por parte do proponente (pessoa física ou jurídica). O relatório deve conter a descrição e avaliação do projeto, dos produtos finais e da sua integração com as ações do Ponto de Cultura. Os materiais de divulgação e a repercussão do projeto nos meios de comunicação também devem ser compartilhados com a Funarte e a SPPC/MinC. Em 2009 foram apresentadas cerca de 400 propostas, para a edição do prêmio, parceria entre a Secretaria de Cidadania Cultural (SCC) e a Fundação Nacional de Artes (Funarte), com a seleção de 123 propostas. Os prêmios foram distribuídos nas categorias regional e nacional, com valores entre R$ 15 mil e R$ 90 mil, um aporte de R$ 4 milhões de recursos. 8.1.3. Cultura Ponto a Ponto Outra seleção pública realizada pela SPPC/MinC se aproxima dessa experiência de realização de residências artísticas, lançada também em 2008, referente à concessão de Bolsas de Intercâmbio entre Pontos de Cultura. Denominada de Bolsas de Intercâmbio Cultura Ponto a Ponto, este edital também teve como objetivo fortalecer a Rede de Pontos de Cultura, por meio de iniciativas de promoção da convivência e da troca de experiências entre bolsistas selecionados pelos Pontos de Cultura. Os projetos apresentados ao processo seletivo dessa Bolsa tiveram que ser inscritos conjuntamente entre dois Pontos de Cultura que propuseram experiências de ação cultural realizadas em sua comunidade de atuação. De acordo com o edital para participar da seleção das Bolsas de Intercâmbio, os Pontos de Cultura deveriam propor uma experiência de ação cultural articulada e, junto ao projeto, cada Ponto indicou até dois bolsistas dentre seus integrantes para realizarem o intercâmbio no outro Ponto de Cultura. No total, cada projeto reuniu quatro bolsistas, dois de cada Ponto de Cultura, que devem passar, no mínimo, cinco dias contínuos em intercâmbio no outro Ponto. As bolsas de intercâmbio são pessoais, pertencem aos intercambistas, mas são repassadas aos Pontos de Cultura proponentes do projeto junto ao MinC, para que estes a repassem, por sua vez, aos bolsistas. Cada Ponto de Cultura recebe R$ 2.500,00 para repassar duas bolsas no valor individual de R$ 1.250,00. É atribuição dos Pontos de Cultura acompanhar a experiência da ação cultural do projeto de intercâmbio, oferecendo o suporte operacional, logístico e técnico, além de proporcionar as condições de infraestrutura necessárias, como hospedagem. A proposta do MinC, além da finalidade da Bolsa de Intercâmbio, e do compartilhamento de uma experiência de ação cultural entre os dois Pontos de Cultura, visa garantir sua sistematização e promover a documentação recíproca. O produto do intercâmbio é uma sistematização de cada bolsista em forma de relato escrito e/ou audiovisual da ação cultural. Os bolsistas e os técnicos representantes do Ponto de Cultura devem elaborar conjuntamente o produto da sistematização do intercâmbio e um relatório final da experiência. Inicialmente previu-se a seleção de 100 projetos de intercâmbio, mas foram inscritos apenas 23 projetos, dos quais foram selecionados 21, com quatro bolsistas cada um, totalizando a seleção de 84 bolsistas no intercâmbio Cultura Ponto a Ponto. Já em 2009 foram 33 bolsistas selecionados, com a adição de mais um após julgamento de recursos e em 2010 não houve edital. Consideramos que a grande quantidade de editais podem indicar a baixa inscrição nesse módulo, além de nos apontar a dificuldade da articulação dos Pontos de Cultura para a elaboração de um projeto conjunto. Em 2009 foram selecionados 33 projetos, 66 Pontos de 364 Cultura no total, com 2 bolsistas contemplados em cada Ponto de Cultura, com um total de R$ 198 mil. Nesse ano todos os projetos inscritos foram premiados. 8.1.4. Prêmio Ludicidade/Pontinhos de Cultura Também no ano de 2008, a SPPC/MinC lançou dois editais, dentre os quais está o Prêmio de Ludicidade/Pontinhos de Cultura, de setembro de 2008, que inaugurou uma nova ação do programa Cultura Viva, a ação Ludicidade/Espaços do Brincar. Essa ação tem como objetivo: (...) promover uma política nacional de transmissão e preservação da Cultura da Infância, por meio de ações que fortaleçam os direitos da criança segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, sensibilizando e capacitando profissionais de instituições públicas governamentais e não governamentais para a implantação e/ou continuidade de ações lúdicas em espaços denominados “Pontinhos de Cultura”. (BRASIL, 2009i). Este Prêmio concede R$ 18 mil para instituições sem fins lucrativos, legalmente constituídas e instituições governamentais estaduais, distritais e municipais que atuam com propostas sociocultural-artístico-educacionais no segmento da criança e adolescente ou que estejam envolvidas em parceria com escolas ou universidades públicas. Os “Pontinhos de Cultura” devem prever as despesas com passagens, deslocamento, hospedagem e alimentação necessárias para a participação de, pelo menos, um representante em dois encontros da Ação Ludicidade/Espaços do Brincar, de três dias cada encontro, sendo um nacional e o outro regional. Em 2010, o valor do Prêmio aumentou para R$ 30 mil cada, com até 300 (trezentos) prêmios, mantendo os mesmos objetivos do edital anterior. Ainda em 2008, foram concedidos 205 Prêmios de Ludicidade, distribuídos regionalmente para 89 instituições selecionadas no Sudeste; 62 no Nordeste; 25 no Sul; 16 no Centro-Oeste e 13 instituições na Região Norte. Do total, 328 instituições inscritas não foram selecionadas, mas contribuíram com o objetivo, expresso no edital, de mapear instituições que desenvolvessem ações relacionadas com os saberes e fazeres da Cultura da Infância. Assim, o MinC disponibiliza de um conjunto de informações que podem ser utilizadas para efetivar o mapeamento proposto e propor ações mais efetivas para a execução de seus projetos. Dentre os 13 itens da lista de obrigações das iniciativas selecionadas, além da elaboração de relatório de aplicação de recursos, que diferem dos demais editais, destacamos alguns que, em conjunto, reproduzem a proposta política de operação do programa Cultura Viva. As instituições selecionadas no Prêmio Ludicidade devem oferecer infra-estrutura e condições para operacionalizar a ação proposta e selecionada; articular parcerias para a sustentabilidade e continuidade da Ação Ludicidade/Espaços do Brincar; promover estudos sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que fortaleça a política nacional de transmissão e preservação da Cultura da Infância e Adolescência; facilitar e promover encontros de formação com palestras, vivências, oficinas e trocas de experiência; fomentar estudos e ações sobre a temática da Ação; entre outros. Em 2010, foram recebidas 600 inscrições e serão 300 prêmios distribuídos pela Secretaria de Cidadania Cultural (SCC) do Ministério da Cultura (MinC). Alguns foram feitos em parceria com o Programa Mais Cultura, Fundação Nacional de Artes (Funarte) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Portanto, confirma-se a responsabilidade das instituições selecionadas neste Prêmio em desenvolverem as bases conceituais, políticas e operacionais da Ação Ludicidade/Espaços do Brincar do programa Cultura Viva, tendo como suporte do Estado um prêmio de R$ 18 mil em 2008, e 30 mil em 2010 para a realização de dois Encontros, cujas despesas de participação dos Pontinhos de Cultura deveriam estar contempladas no valor do prêmio. Esta iniciativa colaborou para o mapeamento das instituições que atuam na área da Cultura da Infância, fornecendo dados, e configurando, em certa medida, a transferência de ações para a esfera da sociedade civil sem que se fizesse uma adequada remuneração, uma vez que os recursos eram limitados. 8.1.5. Prêmio ASAS Após quatro anos do primeiro edital Programa Cultura Viva, em 2008, alguns Pontos de Cultura concluíram seus convênios com a SPPC/MinC e outros Pontos, embora tivessem 365 cumprido o prazo e o plano de trabalho, não tiveram suas prestações de contas aprovadas. No entanto, continuaram participando dos demais editais já mencionados, conjugando os recursos, a continuidade e ampliação das ações, bem como a adesão ao movimento dos Pontos, nos Fóruns espaço de veiculação das preocupações acerca do término do financiamento, bem como do fortalecimento de uma rede de apoio. Nos encontros regionais e nacional essa questão a respeito da continuidade dos apoios do Estado aos Pontos de Cultura e da necessidade de mecanismos e mudanças no marco legal tornavam-se centrais nos debates como veremos no capítulo a seguir. Assim, o debate público sobre a sustentabilidade dos Pontos de Cultura e a manutenção da Rede de Pontos de Cultura foi reforçado. Para atender a essa demanda e desafio, a SPPC/MinC lançou o Prêmio Asas do Programa Cultura Viva, em novembro de 2008 e uma segunda edição em 10 de março de 2010. O Prêmio teve como objetivo premiar as iniciativas dos Pontos de Cultura “que apresentarem as melhores práticas de implantação na execução dos projetos apoiados, contribuindo para a divulgação dos meios mais efetivos de promover o desenvolvimento autônomo de suas atividades e o avanço do processo cultural da Rede dos Pontos de Cultura” (BRASIL, 2009k, p.1). O primeiro edital previu a concessão de 50 prêmios de R$ 120 mil a Pontos de Cultura conveniados por meio dos editais nº 1/2004, 2/2005 e 3/2005 que apresentassem “as melhores práticas de implantação na execução dos projetos apoiados” e já tenham seus convênios finalizados ou recebido todas as parcelas, com a prestação de contas final aprovada. No entanto, após aprovação, os Pontos foram informados de que o valor do Prêmio havia diminuído para R$ 80 mil, mudança incorporada segundo edital. O repasse financeiro é efetuado em uma única parcela, por meio de depósito bancário aos Pontos de Cultura selecionados. Por ser um prêmio e não um convênio, não há exigências burocráticas ou trâmites relacionados à prestação de contas, apenas a necessidade de apresentação de um relatório de aplicação dos recursos à SPPC/MinC no prazo de até 180 dias após o recebimento do prêmio. As únicas obrigações dos Pontos de Cultura selecionados nesse edital referem-se a elaboração de um relatório e divulgação do nome do Governo Federal nos materiais, locais e eventos relacionados às atividades premiadas. A diferença entre os outros editais de seleção de Pontos de Cultura ou mesmo dos prêmios vinculados ao programa Cultura Viva, este Prêmio tem um prazo maior para os Pontos de Cultura apresentarem projetos. Em geral, nos editais anteriores, os prazos eram de 45 dias em média e o Prêmio Asas tem três meses de prazo para sua seleção. Para julgamento das “melhores práticas” foram adotados os seguintes critérios, todos com a mesma pontuação (0 a 20): práticas de elaboração e alterações do Programa de Trabalho do Ponto de Cultura e sua capacidade de agregar expectativas da comunidade; práticas de planejamento e acompanhamento das atividades do Ponto de Cultura, considerando seus participantes, abrangência e metodologia utilizada; disponibilidade de meios para manutenção das atividades do Ponto de Cultura, tendo em vista suas fontes de recursos, produtos gerados e receitas auferidas; capacidade de divulgação das atividades do Ponto de Cultura, bem como sua articulação/comunicação com a Rede de Pontos de Cultura e demais entidades da sociedade civil, estados e municípios voltadas para atividades culturais, focalizando seu histórico, motivações, objetivos e exemplos, e destacando sua apropriação da Cultura Digital; capacidade de ampliação/irradiação de suas ações para outras comunidades, indo além do escopo original do projeto apresentado. Como já foi observado o Prêmio Asas é uma alternativa proposta pela SPPC/MinC para dar continuidade aos convênios com as instituições que implementaram Pontos de Cultura a partir dos primeiros editais do programa. No entanto, a opção é seletiva às melhores práticas, constituindo uma limitação ao acesso. Em 2010, este prêmio habilitou 31 propostas, dentre as 54 enviadas, para a 2º edição do prêmio ASAS. De acordo com a portaria publicada no Diário Oficial da União, DOU, 23 propostas foram desclassificadas. O prêmio ASAS, no valor de R$ 80 mil, reconhecerá as 30 melhores práticas de projetos de Pontos de Cultura apoiados pelos Editais nº 01/2004, 02/2005 e 03/2005, com convênios finalizados ou todas as parcelas 366 referentes ao convênio recebidas, no intuito de promover experiências de destaque na rede de Pontos de Cultura. As 31 propostas habilitadas contemplam Pontos de Cultura das regiões Sudeste (15), Nordeste (11), Sul (3) e Centro-Oeste (2). A maior incidência ficou no estado do Rio de Janeiro (7), seguido de São Paulo (5) e Alagoas (4). O investimento do MinC na premiação é de R$ 2,4 milhões. Consideramos conveniente e importante que o Estado reconheça a produção cultural já existente no país, estimulando-a, cabendo ao MinC o repasse de recursos a instituições para estas desenvolverem projetos e constituírem redes sociais, por meio das quais poderá ocorrer a ampliação do acesso à cultura. O que poderia, no entanto, ser melhor estruturado é a forma do apoio a essas redes, que por meio da modalidade Prêmio, não serão sustentáveis, revelando a urgente necessidade das mudanças no marco legal regulatório da área cultural, enfrentando as fragilidades dos mecanismos de ampliação do acesso à cultura enquanto direito básico. Restrito a pequenos e privilegiados setores da sociedade, o acesso aos recursos públicos foi e continua sendo historicamente instável no país, permanecendo o desafio de se superar as vicissitudes das conjunturas políticas. Enfatizamos ainda que a aprovação da Lei Cultura Viva, que até então é apenas um programa instituído por uma gestão governamental, requer a constituição enquanto política pública de Estado, do contrário a fragilidade permanecerá, deixando terreno para arbitrariedades e inclusive a extinção deste apoio. Em 2009, foram realizados 11 editais nacionais e 24 estaduais, com algumas temáticas novas em relação a 2008, agregando diferentes áreas. 8.1.6. Concurso Pontos de Leitura Este concurso faz parte do Programa Mais Cultura e é destinado a bibliotecas, escolas e grupos que não sejam mantidos pelo poder público, segundo o MinC as iniciativas que se busca mapear e premiar são eminentemente manifestações espontâneas das comunidades locais, que não tem apoio como livros em oficinas mecânicas, barcos-biblioteca, rodas de leitura em hospitais etc. A Rede Biblioteca Viva pretende integrar os Pontos de cultura com ações direcionadas ao livro e à leitura, bibliotecas públicas, comunitárias e/ou populares e os Pontos de leitura. 8.1.7. Prêmio Tuxáua Cultura Viva Em 2009 de um total de 137 projetos habilitados, de pessoas físicas, foram selecionados 80 propostas de mobilização e articulação com atuação em rede junto a Pontos de Cultura de todo Brasil. Cada premiado receberá R$ 38 mil, em duas parcelas, totalizando um investimento total de R$ 3,04 milhões por parte da Secretaria de Cidadania Cultural (SCC/MinC). Selecionaram-se 30 Tuxáuas em 2010, na segunda edição do prêmio, cujo trabalho de mobilização contribuem para o desenvolvimento das redes do Programa Cultura Viva. Em 2010 receberam R$ 49,4 mil para dar continuidade as atividades que já desenvolviam, além da articulação de novas ações. Em 2010 houve outro edital que premiou mais 30 pessoas, de 242 inscritas. O prêmio priorizou as notas mais altas dadas pela comissão julgadora, que variaram entre 10 e 9.2. O termo tuxáua deriva do tupi e se refere aos chefes indígenas guerreiros da matriz tupi, conforme Darcy Ribeiro (1995), que adaptado a este edital, na rede do Cultura Viva, significa um articulador e mobilizador do Programa. O investimento do MinC na premiação é de R$ 1,496 milhão. 367 8.1.8. Prêmio Pontos de Valor: SCC/MinC e Pnud Foram selecionados 50 Pontos de Cultura no país, que receberam R$ 10 mil cada por apresentem suas melhores práticas com foco na “formação e promoção de valores de vida214”, alcançando um investimento alcança R$ 500 mil. A comissão avaliadora considerou critérios como: 8.1.9. Bolsa Agente Cultura Viva Foram selecionados neste Edital de Divulgação nº 3, de 14 de julho de 2009, 100 entidades de 200 inscrições e que contempla três bolsistas em cada uma, totalizando 300 bolsas para estudantes. Em 2010, 90 projetos foram premiados de Pontos de Cultura com quatro bolsistas cada, sendo 360 jovens contemplados com o prêmio. O valor que cada projeto premiado receberá é de R$ 28.240, sendo R$ 10 mil destinados ao Ponto de Cultura e R$ 18.240 para o pagamento aos quatro bolsistas. Cada jovem receberá o valor de R$ 4.560, divididos em 12 parcelas mensais. Os projetos selecionados pela comissão avaliadora tiveram mérito em quesitos como qualidade do projeto pedagógico, memorial dos jovens selecionados pelos Pontos de Cultura, proposta de trabalho que promovesse o fortalecimento da rede das ações que os jovens estão envolvidos e projetos que fortaleçam a transversalidade entre as ações. 8.1.10. Prêmio Estórias de Pontos de Cultura O Edital nº 6, de 11 de setembro de 2009, selecionou 25 prêmios, dos 44 projetos recebidos, cujo valor concedido foi de 5 mil para cada projeto, totalizando um investimento de R$ 125 mil. A distribuição foi proporcional aos Pontos de Cultura existentes nas cinco regiões do país: Sudeste (oito prêmios), Nordeste (seis), Norte (cinco), Sul e Centro-Oeste (três prêmios). Devido ao fato da região Norte ter apenas um projeto inscrito e a região Centro-Oeste ter um projeto que não alcançou a pontuação exigida pelo Edital, a comissão de seleção decidiu que as quatro vagas restantes seriam remanejadas paras as regiões com maior número de inscrições no caso, Sudeste e Nordeste, com 19 e 16 inscrições respectivamente. 8.1.11. Bolsa Agente Escola Viva Foram habilitadas 188 propostas de Pontos de Cultura neste edital, dentre as quais 100 foram selecionadas. Os projetos pedagógicos de caráter cultural e realizados em parceria com escolas públicas de nível fundamental ou médio e organizações estudantis eram os critérios exigidos. O investimento do MinC foi de aproximadamente R$ 4,4 milhões. 11 projetos foram indeferidos e seis desclassificados por não corresponderem aos critérios do edital. Os projetos selecionados receberão R$ 43.680,00, sendo R$ 20 mil para a escola (R$ 5 mil para o professor responsável), R$ 10 mil para o Ponto de Cultura e bolsa de R$ 4.560,00 para cada um dos três alunos, como incentivo à continuidade de seus estudos e reconhecimento de seu protagonismo estudantil. O valor do incentivo aos estudantes será repassado diretamente pelo Ministério da Cultura em 12 parcelas de R$ 380,00 mediante apresentação de relatórios quadrimestrais. De acordo com o Edital no. 3/2010 foram selecionadas 100 entidades, cujo processo de apresentação de documentos está em curso. 8.1.12. Prêmio Areté: apoio a pequenos eventos culturais Com mais de 500 propostas recebidas, foram selecionados 161 propostas de Apoio a Pequenos Eventos Culturais. Os prêmios foram distribuídos em quatro categorias: Pontos de Cultura, agrupamentos sociais informais, Organizações Não-Governamentais, pessoas físicas da 214 Valores de vida são aqueles vivenciados e praticados. Além do que se fala, importam as ações diárias. Por que praticamos ou não valores que dizemos ter e como eles são formados é um grande desafio a ser superado. Para isso é importante saber como os valores são transmitidos, já que a sua vivência é condição fundamental para uma vida melhor. Considerando que a maioria das iniciativas dos Pontos de Cultura se baseiam em valores como compartilhamento, inclusão e solidariedade, a SCC/MinC, em parceria com o PNUD, concebeu o Prêmio Pontos de Valor (SCC/MinC, 2009). 368 área cultural, somado um investimento de aproximadamente R$ 3,8 milhões. Com o objetivo do incentivar a troca de saberes em seminários e oficinas, festividades, mostras de poesia, literatura, artes plásticas, teatro, cinema, circo, capoeira e música, pretende-se viabilizar shows, feiras e exposições. Em 2010 foram premiados 113 projetos de 25 estados brasileiros, dentre os 420 projetos inscritos. Apenas o AC e AM não enviaram projetos para a premiação. Contemplaram-se os mais diversos segmentos culturais, desde manifestações populares à participação de representantes de Pontos de Cultura em eventos internacionais. Os prêmios variam entre R$ 10 mil, R$ 25 mil, R$ 50 mil, R$ 75 mil e R$ 100 mil. A distribuição dos premiados contemplou 46 projetos da região Sudeste, 38 da região Nordeste, 12 da região Centro-Oeste, nove da região Sul e oito da região Norte. O estado com mais contemplados foi São Paulo (23), seguido do Rio de Janeiro (14) e Pernambuco (9). O investimento do MinC na premiação é de R$ 4 milhões. 8.1.13. Prêmios Pontos de Mídia Livre Foram inscritas cerca de 400 iniciativas de todas as regiões brasileiras, com propostas inovadoras e que refletem a evolução da comunicação livre no país. Lançado durante o Fórum Social Mundial, em Belém (PA), as secretarias de Cidadania Cultural (SCC) e de Articulação Institucional (SAI) do Ministério da Cultura (MinC) selecionaram 82, sendo 18 na categoria Regional/Nacional, com o prêmio de R$ 120 mil cada. E 64 propostas na categoria Local/Estadual, com R$ 40 mil distribuídos individualmente. Os recursos disponibilizados foram de R$ 4,7 milhões. Após o lançamento de nove editais em 2010, a Secretaria de Cidadania Cultural do MinC dá prosseguimento ao processo de seleção das iniciativas inscritas. No total serão 839 premiados dentre organizações sociais sem fins lucrativos, pessoas físicas, agrupamentos informais e Pontos de Cultura. O volume de investimento ultrapassa R$ 31 milhões. Foram premiadas 67 iniciativas de mídias livres no território nacional com o prêmio da Secretaria de Cidadania Cultural do Ministério da Cultura, SCC/MinC, Pontos de Mídia Livre 2010. A premiação contemplou 23 iniciativas na categoria regional / nacional, com R$ 100 mil, e 44 na categoria local / estadual, com R$ 50 mil. Na primeira categoria, a distribuição regional foi de 13 prêmios para o Sudeste, quatro para o Nordeste e dois para as regiões Norte, Centro-oeste e Sul. Na segunda categoria, os prêmios se dividiram em 18 para o Sudeste, 15 para o Nordeste, seis para o Sul, três para o Centro-oeste e 2 para o Sul. Os critérios observaram a proposta editorial, a qualidade estética, o grau de interatividade,tiragem/audiência, e a repercussão e regularidade das iniciativas de comunicação inscritas. Foram contempladas todas as regiões brasileiras com prêmios nas áreas de audiovisual, impresso, multimídia, rádio e web. Iniciativas de comunicação compartilhada e participativa que reunissem pelo menos dois membros em sua equipe editorial e que buscassem interatividade com o público, com o desenvolvimento em qualquer suporte típico das comunicações, tais como texto escrito, som, imagens, vídeos e multimeios, que utilizassem tanto os suportes físicos quanto eletrônicos, tais como televisões e rádios comunitárias, blogs, sites, publicações impressas, agências de notícias, produtoras de audiovisual ou qualquer outro meio que envolvesse a atividades de comunicação. 8.1.14. Prêmio Economia Viva 102 projetos foram habilitados, 10 inbilitados e 10 selecionados que desenvolvam soluções criativas de produção, escoamento em rede e/ou articulação dos elos de sistemas produtivos nos diversos segmentos culturais. O prêmio contempla ações práticas e modelos de negócios que promovam articulação em rede, desenvolvimento sustentável e comércio justo, com até R$ 120 mil. 8.1.15. Cultura Digital: Esporos de Pesquisa e experimentação Das 126 inscrições recebidas, 10 foram inabilitadas. Restam 116 concorrendo aos 40 prêmios que irão destacar projetos que demonstrem histórico de atuação e protagonismo em ações de cultura digital dentro do Programa Cultura Viva. Os classificados que não foram 369 habilitados contam com um prazo para enviar pedidos de recursos. O valor do investimento do MinC na ação é de R$ 2,5 milhões. Entre os selecionados, lidera em número de inscritos a região Sudeste, com 52 projetos, seguida da região Nordeste (29), Sul (14). Centro-Oeste (12) e Norte (9). O estado com mais inscrições foi São Paulo (30). Em segundo o Rio de Janeiro (13), e em terceiro a Bahia (9). 8.1.16. Edital Prêmio Cultural Loucos pela Diversidade Iniciativa do Ministério da Cultura, por meio da Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural (SID/MinC), em parceria com o Ministério da Saúde, por intermédio do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/Fiocruz), cuja edição denominada Austregésilo Carrano teve 283 habilitados conforme o Edital nº 01, de 20 de maio de 2009. 8.1.17. Programa de Apoio à Cultura: Extensão Universitária/PROEXT Cultura O PROEXT foi lançado em 2007, e teve 50 projetos contemplados, dentre os 636 inscritos no período compreendido entre maio e agosto. Cada um dos selecionados recebeu aproximadamente R$ 30 mil para dar início às suas iniciativas, contabilizando cerca de R$ 1,2 milhão no total. Apenas 12% da demanda existente foi atendida, o que demonstra um grande potencial ainda a ser explorado. O ministro Fernando Haddad ressaltou as importantes mudanças que as universidades brasileiras vêm sofrendo no que diz respeito à extensão. “Estamos saindo de um casulo para representar a sociedade.” O titular da pasta da Educação disse, ainda, que a extensão significa a transmissão, a difusão e a produção de conhecimento. “Educação sem Cultura não se fixa, da mesma forma que Cultura sem aprendizado também não se fixa” (Haddad, 2007, site MinC). O PROEXT faz parte das ações previstas pela Câmara Interministerial de Cultura e Educação, criada em 2006 para o desenvolvimento de programas envolvendo ações integradas entre o MinC e o MEC. Segundo dados do MinC dentre os eixos estratégicos para a aproximação dos ministérios, estão a Política do Livro e Leitura, a formação de professores da Rede Pública, as TVs Públicas brasileiras e a questão da extensão universitária no campo cultural, além de publicações sobre a realização do Seminário Nacional de Cultura e Extensão. O primeiro edital do PROEXT foi promovido pelo Ministério da Cultura e Fórum de PróReitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (Forproex), com patrocínio da Petrobras e amparo da Fundação de Apoio à Universidade Federal de São João Del Rei (FAUF/UFSJ-MG), e tem como objetivo apoiar projetos culturais de extensão universitária voltados à inclusão de grupos sociais, feitos em instituições públicas federais, estaduais e municipais. Além do PROEXT 2007, houve a assinatura de dois atos. O primeiro, firmado entre o MinC e o MEC, foi para a Modernização dos Centros Culturais Universitários e o segundo, um Protocolo de Intenções para a Reforma do Espaço Cultural da Universidade Federal Fluminense - instituição que mais inscreveu projetos, totalizando 47 propostas. Os documentos foram assinados pelos ministros Gilberto Gil e Fernando Haddad, além do reitor Roberto de Souza Salles. O PROEXT Cultura 2007, esteve voltado à projetos culturais gerados pelas universidades do país, foi lançado na abertura do XXIII Encontro Nacional do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (Forproex), na Universidade de Brasília, no período de 29 a 31 de maio. O XXIII Encontro Nacional com o objetivo de reunir um grupo representativo de gestores para repensar, definir e propor linhas de políticas públicas para a Extensão Universitária, levando em consideração as principais questões traduzidas do fazer extensionista. Por do meio do PROEXT pretende-se ainda produzir o mapeamento das iniciativas e de práticas inovadoras. Os temas do edital foram a Memória Social e Patrimônio; a Inclusão e Sustentabilidade Econômica; a Leitura e Cidadania; a Inovação de Linguagem; a Produção de Conteúdo Audiovisual e Linguagens Alternativas. Em 2008 foi realizado um balanço das ações do PROEXT, disponibilizado por meio de um documento preliminar pelo MinC, que objetivava analisar a participação das Instituições Públicas de Ensino Superior no Edital 01/2008/PROEXT Cultura 2008, parceria entre o Ministério da Cultura (MinC) e o Ministério da Educação. Algumas tendências são destacadas 370 com o objetivo de identificar caminhos e desafios para a sustentação do Programa como Política Pública. O Relatório Balanço PROEXT Cultura 2008 não está concluído e prevê a apresentação de estudos de caso de algumas instituições estados que contribuam com a contextualização do cenário em que atua o Programa. O PROEXT Cultura 2008 aprovou 97 projetos via edital, de 23 estados da federação além do Distrito Federal. Alguns projetos não contemplados na seleção do edital receberam um “selo de qualidade”, por terem sido bem avaliados pela comissão. Em caso de desistência dos aprovados esses projetos poderiam ter sido contemplados pelo PROEXT 2008. A edição de 2009/2010 apoiou 100 projetos, contabilizando R$ 3 milhões. Dentre os cinco temas previstos no Edital, a área que receberá mais recursos é a de economia da cultura e empreendimentos culturais autogestionários. De 2006 a 2008 o PROEXT aprovou e financiou, com verbas do orçamento do MEC, 380 projetos no valor de R$ 16 milhões. Com a participação dos ministérios da Cultura e do Trabalho (MTE) e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) os recursos foram ampliados em 2009 alcançando R$ 19,2 milhões. A execução dos projetos deve acontecer num prazo de até 15 meses, tendo como limite 31 de dezembro de 2010 (Fonte: Portal do Ministério da Educação, 2010). É importante ressaltar que no edital de 2010, o Ministério Da Educação MEC, a Secretaria de Educação Superior - SESu; a Diretoria de Desenvolvimento da rede de Ifes/Difes e o Ministério da Cultura apresentam a ampliação das parcerias com: o Ministério da Pesca e Aquicultura; Ministério da Saúde; Ministério das Cidades; Ministério do Desenvolvimento Agrário; Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome; Ministério do Trabalho e Emprego; Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. 371 8.2. Articulação internacional: Pontos de Cultura nos países do Mercosul e em outros países Nos dias 04 e 05 de novembro de 2009 foi realizado em Buenos Aires o Seminário Latinoamericano "Arte, Cultura e Democracia Participativa" com o objetivo de divulgar o projeto de regionalização latinoamericana do programa "Pontos de Cultura". Aproximadamente cem experiências argentinas ligadas a arte e ao desenvolvimento comunitário e social compartilharam com organizações do Brasil, Bolívia, Chile, Colombia, Costa Rica, Paraguai, Peru, Uruguai e outros países do continente um espaço de intercâmbio, articulação, formação e debate. O seminário foi organizado pela Articulação Latino America: Cultura e Política (ALACP), a Rede Latinoamericana de Arte para a Transformação Social, La Mestiza, o Movimiento pela Carta Polular e organizações que fazem parte do processo Hacia una Constituyente Social en la Argentina. Legisladores e dirigentes culturais dos países do MERCOSUL estiveram presentes, além de atividades integrantes em vários lugares de Buenos Aires, como mesas de debates, oficinas, feiras e exposições de produções artísticas originadas de experiências sociais, e o de Ciclo de Curta-metragens. Na Teia de 2010 a América Latina esteve em debate pela regionalização dos pontos de cultura, cujo seminário “Pontos de Cultura na América Latina”, contaram com ativistas da Argentina, Peru e Colômbia que defenderam a necessidade de ampliar para todos os países da região a experiência dos Pontos de Cultura brasileiros. Principalmente por potencializarem iniciativas e projetos culturais já desenvolvidos por comunidades, grupos e redes de colaboração, através de convênios com o Ministério da Cultura. O Cultura Viva, segundo Balan está se tornando referência de política pública cultural na região, ainda que não tenha se tornado lei no Brasil, pois o projeto de lei tem sido tema de discussões, dentre elas no âmbito do Fórum Nacional dos Pontos de Cultura. Em dezembro de 2009, foi aprovado no Parlamento do Mercosul, o Parlasul, um anteprojeto de norma legislativa que será encaminhado aos Congressos de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, estimulando a criação de lei dos Pontos de Cultura nesses países. Como o Parlasur pode apenas indicar projetos e a decisão final fica a cargo de cada país, Eduardo Balan do projeto Culebrón Timbal, de Buenos Aires, defende que a sociedade deve pressionar pela aprovação dessa lei em cada localidade. Em 28 de outubro e 2010, o Instituto cultural de la Província de Buenos Aires realizou o lançamento do Puntos de Cultura, como a presença de “funcionários autores de la iniciativa Pontos de Cultura del Ministério de Cultura de Brasil” (http://www.ic.gba.gov.ar/prensa/noticia.php?idnoticia=12361). Em seguida, em Buenos Aires foi realizada uma marcha nacional denominada “Pueblo hace cultura” em 30 de novembro de 2010. Para Balan poderia se apoiar mais de 3.000 organizações culturais argentinas, se empregasse os mesmos 0,04% do orçamento nacional da cultura empregados no Brasil. Segundo ele, isso significaria um aprofundamento do processo democrático, pois “os processos populares de construção de conhecimento e estética estão produzindo novos paradigmas, através de uma organização que já está acontecendo na região e que tem efeitos políticos importantes” (http://culturadigital.br/teia2010/2010/03/26/america-latina-na-teia-pela-regionalizacao-dospontos-de-cultura/). A experiência brasileira também está sendo implantada por outros países da Europa e da Ibero-américa, além de ser objeto de teses acadêmicas e de modelo para ações governamentais semelhantes, em outros países, segundo o MinC. A proposta surgiu juntamente com a implantação das unidades brasileiras do Programa Cultura Viva para atender à comunidade brasileira no exterior. Algumas experiências piloto chegaram a ser criadas nos Estados Unidos da América e na França, mas as restrições na legislação brasileira para a remessa de dinheiro ao exterior praticamente inviabilizou estes projetos. No entanto, desde 2005, os governos, políticos, acadêmicos e entidades civis ligadas a projetos culturais se interessaram pelo projeto. 372 8.2.1. Estados Unidos da América Na Califórnia há uma cátedra sobre Cultura e Literatura luso-brasileira, coordenada pela professora Candace Slater, aonde a experiência brasileira com os Pontos de Cultura vem sendo estudada. “Os alunos vêm ao Brasil participar de alguma atividade dentro dos Pontos de Cultura e depois fazem um projeto falando da experiência e vendo como as teorias, que são muito bonitas no papel, são executadas na realidade”, comentou Candace, que esteve no Brasil para participar do Seminário Internacional do Programa Cultura Viva, realizado na cidade goiana de Pirenópolis, em novembro de 2009. A primeira experiência dos universitários de Berkeley com os Pontos de Cultura foi no estado do Ceará, com uma unidade que se articulava com o Museu de Paleontologia. Houve, também, trabalhos sobre cultura oral das comunidades, sobre grupos de dança nos Pontos de Cultura e estudos específicos sobre a atuação dos Pontos, além da participação de alguns estudantes norte-americanos em oficinas de inglês para membros da comunidade. De acordo com a professora Candace, após uma visita do ex-ministro Gilberto Gil à instituição e, principalmente, após uma viagem que fez ao Brasil, a convite do MinC, em 2005, passou a focar o Programa na disciplina de Estudos Brasileiros na Universidade de Berkeley, despertando o interesse dos alunos sobre os projetos desenvolvidos nos Pontos de Cultura. 8.2.2. Inglaterra O professor catedrático da Universidade de Londres e diretor artístico da ONG People Palace Projects, Paul Heritage, há cerca de 20 anos mantém um estreito convívio com a Cultura brasileira. “O que acho interessante no Programa Cultura Viva é que vocês conseguem, com dinheiro público, apoiar energias populares que vêm de dentro para fora. É um modelo absolutamente contrário ao clássico das artes na Europa, principalmente no Reino Unido. Os ingleses precisam aprender com os Pontos de Cultura” (MinC, Seminário Internacional sobre o Programa Cultura Viva em Pirenópolis, 2009). Para Heritage é o que é fundamental para ele nessa política pública é a capacidade de gerar fluxo, de articular vários projetos socioculturais dentro do país. Em parceria com a Secretaria de Cidadania Cultural do Ministério da Cultura (SCC/MinC) pretende levar o modelo para a Inglaterra, que já esta denominada como Pontos de Contato, cuja implementação ocorreu em outubro de 2010 por meio de intercâmbios culturais entre o Reino Unido e projetos sociais brasileiros. Foram apoiados 17 Pontos de Cultura, cujos artistas participaram de residências artísticas em instituições culturais britânicas, além de gestores e especialistas em políticas culturais, com participação em seminários e encontros de trabalho com diversas instituições culturais do Reino Unido no mês de outubro de 2010. A Secretaria de Cidadania Cultural do Ministério da Cultura (SCC/MinC), em parceria com a organização britânica People’s Palace Project (Queen Mary, Universidade de Londres), e o Departamento para Cultura, Mídia e Esporte da Grã-Bretanha, realizou, portanto, a segunda etapa215 do projeto Pontos de Contato. Com o objetivo de compartilhar a experiência dos Pontos de Cultura, e estabelecer laços de cooperação, colaboração e solidariedade entre países envolvendo diversos segmentos artísticos, como desdobramento dessa etapa foi realizado um grande encontro - o Festival Brazil - em Londres, no South Bank Centre, que contou com a participação de grandes nomes do cenário cultural brasileiro, inclusive do secretário de Cidadania Cultural do MinC, TT Catalão, e do diretor do Centro de Programas Integrados da Funarte, Tadeu di Pietro, participando de uma mesa sobre políticas culturais. Por meio de uma chamada pública para apresentação de proposta de participação no projeto Pontos de Contato, a SCC recebeu cerca de 150 inscrições de Pontos de Cultura de todo o país. O processo seleção e avaliação envolveu os parceiros britânicos e brasileiros do projeto Pontos de Contato, e foi norteado pelos seguintes critérios: 215 A primeira fase do projeto ocorreu durante a TEIA 2010, com a vinda de representantes do Reino Unido ao Brasil que, além de participarem da TEIA, visitaram Pontos de Cultura em todo o país. 373 - participação na primeira etapa do projeto: aqueles pontos e representantes que tiveram uma participação efetiva e enriquecedora na primeira etapa, que consistiu na recepção e acompanhamento aos participantes ingleses do projeto no Brasil em março e abril de 2010, foram considerados prioritários para seleção; - linguagens artísticas: foram selecionados prioritariamente artistas e/ou pessoas que desenvolvem processos e produtos culturais inovadores, pois se trata de um projeto de intercâmbio voltado especificamente para residências artísticas. 8.2.3. Residências artísticas na Grã-Bretanha apoiadas pelos MinC A Secretaria de Cidadania Cultural do Ministério da Cultura (SCC/MinC), em parceria com o Departamento para Cultura, Mídia e Esporte da Grã-Bretanha, lançou em 2010 um programa de intercâmbio cultural e artístico entre Pontos de Cultura brasileiros e instituições culturais britânicas. O projeto Pontos de Contato, produzido pela organização People’s Palace Projects (Queen Mary, Universidade de Londres), objetiva potencializar o processo de internacionalização da experiência dos Pontos de Cultura e fortalecer laços de cooperação, colaboração e solidariedade entre os países. Segundo o MinC o projeto contempla duas etapas, além de afirmar o Programa Cultura Viva no contexto mundial enquanto experiência original e ousada de política pública desenvolvida em gestão compartilhada entre Estado e sociedade civil. Na primeira etapa, 26 representantes de instituições culturais britânicas, entre gestores públicos, produtores culturais e artistas, vieram ao Brasil participar de uma programação que incluiu a presença na Teia Brasil 2010: tambores digitais (25 a 31 de março), em Fortaleza (CE), e a realização de residências artísticas e intercâmbio cultural de representantes de instituições culturais britânicas com Pontos de Cultura de todas as regiões do país durante o mês de abril. Na segunda etapa, os representantes dos Pontos de Cultura brasileiros participaram de um programa de residência artística e intercâmbio com instituições culturais britânicas entre os dias 8 e 23 de julho de 2010. Foram feitas mais de 150 inscrições, sendo que cada Ponto de Cultura poderia indicar apenas um representante para participar neste intercâmbio. A seleção baseou-se na comprovação da atuação regular junto ao Ponto de Cultura, bem como a fundamentação do interesse e expectativas em relação à participação no projeto, por meio de preenchimento de um questionário. (SCC/MinC, 2010). 8.2.4. Itália O projeto Officine dell’Arte, iniciativa da Câmara de Deputados e da administração da região do Lazio, na cidade de Roma foi inspirado no exemplo brasileiro, e faz da Itália o primeiro país a adotar o modelo dos Pontos de Cultura. Por meio de oficinas de arte e cultura multimídia destinadas ao público jovem, o projeto é realizado em áreas urbanas deterioradas, como forma de desenvolvimento social e territorial. A Universidade Romana La Sapienza, parceira do projeto, envolve pesquisadores que vieram ao Brasil conhecer a experiência dos Pontos de Cultura e levá-lo para à Itália. Convidado pelo governo da província de Lazio, em julho de 2006, o então ministro da Cultura, Gilberto Gil, participou de conferência sobre o Programa brasileiro e o lançamento do projeto italiano, durante uma cerimônia realizada no Palazzo Montecitorio, na capital do país. 8.2.5. Áustria Em 2010 foi assinado o Acordo de Cooperação Técnica celebrado entre o Ministério da Cultura e a Associação Afro-Brasileira de Dança, Cultura e Arte (Abrasa) com vistas a implementar o Ponto de Cultura Internacional Brasileiro e Afro-Brasileiro na Áustria. O projeto foi aprovado de forma inédita, desde a criação do Programa, pois o Ponto de Cultura não receberá qualquer incentivo financeiro do MinC, mas sim a chancela, tendo os custos da criação e manutenção realizado pelos parceiros locais. 8.2.6. Ibero-américa Em setembro de 2009 em uma reunião de ministros da Ibero-américa e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e do Caribe, realizada, no Brasil, representantes 374 de 15 nações assinaram a Declaração de São Paulo, na qual consta a decisão de submeterem à próxima reunião de Cúpula dos Chefes de Estado da Ibero-américa uma proposta de criação do Programa Ibercultura, nos moldes dos Pontos de Cultura, para ser implantada nos 23 países da região. De acordo com o diretor de Relações Internacionais do MinC, Marcelo Dantas, a proposta partiu dos representantes do Brasil e da Secretaria-Geral Ibero-americana (Segib) no encontro, mas seré sistematizada e enviada à aprovação dos Ministros de Cultura para, só então, ser encaminhada à reunião de Cúpula. 8.2.7. Parlasul O Parlamento do Mercosul (Parlasul), entidade que reúne representações de políticos do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, com sede em Montevidéu teve um projeto apresentado pela Senadora Marisa Serrano (PSDB/MS), propondo a disseminação do projeto dos Pontos de Cultura por todos os países do bloco econômico. A norma foi aprovada na última reunião do Parlasul, realizada no dia 30 de novembro de 2009. A proposta será encaminhada à próxima reunião do Conselho do Mercado Comum, órgão máximo da integração regional, em junho de 2010. Como um primeiro passo para a elaboração de uma legislação regional, esta norma faz parte da do conjunto de leis que poderá definir políticas articuladas entre os quatro países do bloco, com possibilidade de ampliação para todos os países associados. Como vimos a estrutura do Programa Cultura Viva foi bastante ampliada e nos fornece inúmeros dados para a continuidade da construção de políticas públicas culturais, sob um enfoque flexível e que possibilita a valorização da pluralidade cultural. 375 8.3. Acervo de brinquedos do Ponto de Cultura Centro de Cultura e Educação Lúdica da Rocinha 8.3.1. Ciranda das cores: criada na convivência com crianças e educadora no Horto, Rio de Janeiro, inaugurando esta prática no âmbito do projeto o Rede Brincar e Aprender/Ciespi. Fotos: Acervo do Ponto de Cultura Centro Lúdico, 2009. 8.3.2. Pegadas: criado ao longo das itinerâncias da griô aprendiz em 2007, em conjunto com Vicente Barros (processo de construção descrito no Capítulo 3). Foto: Acervo do Ponto de Cultura Centro Lúdico, 2009. 8.3.3. O Mapa-jogo: No caminho, uma Rocinha Lúdica (processo de construção descrito no Capítulo 3). Fotos: Acervo do Ponto de Cultura Centro Lúdico, 2009. 376 8.3.4. Patinete, rolimã, perna de pau: criados na Rocinha em 2007, por Lino dos Santos Filho, mestre de tradição oral, no âmbito da Ação Griô no âmbito da convivência com crianças nas escolas da Rocinha. 8.3.5. Instrumentos de percussão: criados na Rocinha em 2008, pelo griô de tradição oral, Robson Pacífico com base na convivência com crianças nas escolas. 8.3.6. Bolsa de Histórias: criada na Rocinha em 2008, por Marcela Carvalho, no âmbito do projeto Rede Brincar e Aprender em convivência com as crianças da Brinquedoteca Peteca/ASPA/CAMPO/CIESPI. 8.3.7. Jacaré e maquete Rocinha: criado na Rocinha em 2007, por Lino dos Santos Filho, no âmbito da Ação Griô inserida pelo griô de tradição oral a partir da convivência com alunos das escolas públicas na localidade. Foto: Acervo do Ponto de Cultura Centro Lúdico, 2009. 8.3.8. Casa de estuque: criada na Rocinha em 2007, por Lino dos Santos Filho, no âmbito da Ação Griô em intercâmbio com escolas na Rocinha. 8.3.9. Tapete de histórias e brincadeiras: criado em Água Mineral em 2006, por Vicente Barros, no âmbito do projeto Biblioteca Comunitárias Transformando Espaços. 8.3.10. Painel de histórias: criado em 2006 por artesãs da Rocinha, o grupo Mulheres solidárias, e em conjunto aos jovens agentes Cultura Viva. 8.3.11. Fantoches: criado na Rocinha em 2006, pelo grupo Mulheres Solidárias, no âmbito do projeto Centro de Cultura e Educação Lúdica da Rocinha. 8.3.12. Estandarte: criado na Rocinha em 2005, pelo grupo Mulheres Solidárias, no âmbito do projeto Centro de Cultura e Educação Lúdica da Rocinha. 8.3.13. Saia Barangandeira: criada no Mangueira de Botafogo em 2005, por Vicente Barros, no âmbito do projeto Rede Brincar e Aprender. 377 8.3.14. Saia de brinquedos: criada em 2004 por educadoras de creches comunitárias da Rocinha, no âmbito do projeto Rede Brincar e Aprender. 8.3.15. Figurinos (chapéu, Visconde transgênico): criado na Rocinha em 2006, pelo grupo Mulheres Solidárias, no âmbito do projeto Centro de Cultura e Educação Lúdica da Rocinha em conjunto com os agentes Cultura Viva. 8.3.16. Arco-Íris: criado na Rocinha em 2005, por Vicente Barros, no âmbito do projeto Rede Brincar e Aprender. 8.3.17. Avental Canguru: criado no Santa Marta em 2005, por Vicente Barros, no âmbito do projeto Rede Brincar e Aprender. 8.3.18. Mapa-jogo Vassouras/Pinheiral: criado em 2009, em conjunto com o Ponto de cultura PIM de Vassouras e o Ponto de cultura Jongo de Pinheiral. É um jogo criado a partir da interação com esses Pontos, cujo tabuleiro traz o mapa das duas cidades, cuja forma de uso é versátil e aberto para a inserção de informações que venham a ser úteis e lúdicas no seu manuseio, despertando curiosidade e interesse pelas localidades, tradições, histórias, e cultura. 8.3.19. Brinquedo jogo Paraty/Quilombo/Rocinha (processo de construção descrito e analisado no Capítulo 4). 378 8.4. Eventos, encontros e oficinas do Ponto de Cultura Centro de Cultura e Educação Lúdica da Rocinha 8.4.1. Circo Folia: oficinas de criação com crianças, artistas e artesãos da Rocinha, e cortejo pelas ruas da comunidade. Foi a primeira atividade conjunta dos Agentes Cultura Viva. Tivemos um dia só de atividades com pessoas que desenvolviam algum tipo de trabalho cultural e social, entre elas estavam o palhaço Haroldo e seu ajudante, o Geléia que desenvolve atividades artísticas com material reciclado, o grupo de artesãs Mulheres Solidárias, Carlos do grupo de percussão Pragradá e Fábio que faz teatro de bonecos. Ouvimos e aprendemos um pouco sobre a atividade que cada um desenvolve, brincamos um pouco com as crianças e, no final, fizemos um pequeno cortejo por algumas ruas da comunidade. Foi demais! (Pique Pega Cultural, boletim dos jovens do Ponto e Cultura, 2005-2006). 8.4.2. Oficinas de criação e recuperação de brinquedos da Brinquedoteca Peteca: confecção e artesanato que uniu crianças e jovens de idades variadas no atelier de produção do grupo Mulheres Solidárias. 8.4.3. Oficinas itinerantes em escolas, creches e brinquedoteca Peteca: teatro, contação de histórias, confecção de brinquedos, brincadeiras populares. 8.4.4. Dia da cultura na Rocinha: Exposição interativa, como em uma feira incluindo pernasde-pau e um jacaré em tamanho real criados pelo Mestre Tio Lino. O dia da cultura na Rocinha é um evento anual organizado pelo Fórum de Cultura da Rocinha. Nele, diversas pessoas e grupos culturais, sociais e de saúde divulgam seus trabalhos através de exposições, atividades, espetáculos e etc. Levamos ao pátio da escola uma exposição brincante, com brinquedos, instrumentos, livros e materiais de nosso acervo. Chegamos um pouco mais cedo para montar nossa tenda e pensar no que mostrar pra todo público do evento. Depois de montada recebemos as pessoas falando um pouco do nosso trabalho e mostrando livros de fotografia, objetos e brinquedos da Rocinha antiga (pinico, casa de estuque, perna-de-pau, bola de gude). Em seguida, com o pátio cheio de crianças e seus pais, decidimos pegar a Ciranda, brincar e usá-la nas suas diversas formas. Também registramos todo o evento com filmagens e fotos (Blog Centro Lúdico, 13 de agosto de 2009). 8.4.5. Palestras e debates. Movimento Comunitário na Rocinha Direitos Humanos e Cidadania; Encontros dos jovens no Adolescentro; Fórum da Juventude - Seminário Democracia, Juventude e Voto; Festas na rua para além da Rocinha - organizadas pelo Ponto de Cultura TEAR; Criação de brinquedos *Acervo Brinquedos * Oficinas com crianças Oficinas com professores Brinquedoteca Peteca - reorganização 379 Brinquedoteca Peteca - dinamização Passeios com crianças da ASPA 8.4.6. Brinquedos e oficinas Ciranda e arco-íris Painel de histórias e fantoches Livro de pano Mapa - jogo 8.4.7. Intercâmbio de ponto a ponto TEIA / SP Jongo da Serrinha Museu da Maré ITAE e Quilombo da Independência / Paraty Encontro de Cultura Digital / Vassouras Caravana Arco-Íris na Rocinha Cortejo e Manifesto Cultural / Cinelândia Casa das Artes da Mangueira SEMEAR / São Gonçalo TEAR (Folias da Grande Tijuca) Show 9 de Frevereiro / Antônio Nóbrega 8.4.8. Intercâmbio entre grupos de jovens Palestras e debates Encontros no Adolecentro Fórum da Juventude RJ (Seminário Democracia, Juventude e Voto) 8.4.9. Do Ponto para o Ponto 2006 Encontro Fazenda Faraó Reuniões e revisões Reuniões com famílias Grupo Só Tem Tamanho 2007 Levantamento sócio-cultural: Folia de Reis Oficina com crianças (MIT) Jornada de educação e cultura Bienal da UNE Seminário Cultura e Violência Seminário Internacional Juventude e Participação Cidadã Encontro e oficina com Agentes Jovens Maratona de leitura do Santa Marta Espetáculo A rua dos cata-ventos TEIA regional; 2008 Atividades no domingo 380 Brinquedoteca da Rua 2, Rocinha Conversa com jovens do Adolescentro Cine-clube na sala do Ponto Encontro de Sistematizaçao Ação Griô Prosas com Griôs Atividades com crianças na Sala do Ponto Fórum Mundial de Educação Encontro de “Politicas Públicas para jovens” Oficina Tinguá Flipinha, Arte na Praça Jogos Desportivos entre países de língua portuguesa Encontro de conhecimentos Livres Teia Regional 2009 Ludicidade / Pontinhos de Cultura Fórum de Cultura da Rocinha Novos espaços, antigas parcerias Evento contra a dengue Festival do minuto Aniversário do Tio Lino Formação / Prêmio Cultura Viva Encontro entre jovens / Zig Zag Estação 1ª da Grande Tijuca Oficinas nas escolas públicas Ponto Digital Participação jovem Ação Griô Cortejo Brincante no Laboriaux Prêmio Areté 1 - Vassouras - celebração em pequenos eventos com o objetivo de criação de novos brinquedos a partir da convivência com outros grupos e Pontos de Cultura; Dia da Cultura na Rocinha Exposição Tio Lino UFF/RJ Oficina Exposição Tio Lino Interações estéticas - Vassouras Entre Pontos: Rocinha - Vassouras - Pinheiral - Arete 1 Volta à Pinheiral - Areté 1 - término da criação do brinquedo coletivo - mapa Vassouras/Pinheiral; Dia da Consciência Negra Olhares sobre 20 anos Estatuto Cortejo Griô Reunião Tinguá Portal da Ação Griô na Rocinha 2010 Prêmio Areté 2 - realização e celebração em pequenos eventos com o objetivo de criação de novos brinquedos a partir da convivência com outros grupos e Pontos de Cultura; Outros eventos, oficinas diversas, construção de um mapa da Rocinha em formato de “quebra-cabeça” em parceria com outro Ponto de Cultura e uma Tuxáua; além da organização de uma exposição do acervo de brinquedos em fase de organização e implementação a serem efetivados em 2011. 381 9. Anexos 382 9.1. Principais documentos produzidos pelo Fórum Regional do Rio de Janeiro e Espírito Santo e Fórum Nacional dos Pontos de Cultura 9.1.1. CARTA DO RIO DE JANEIRO (Rio de Janeiro, 2006) 9.1.2. CARTA - VIVA A CULTURA! (Belo Horizonte, 2008) 9.1.3. CARTA DE BOAS VINDAS AOS NOVOS PONTOS DE CULTURA (Rio de Janeiro, 2008) 9.1.4. CARTA DA COMISSÃO NACIONAL DOS PONTOS DE CULTURA (Salvador, 2009) 9.1.5. MINUTA DE LEI - LEI CULTURA VIVA (Brasília, 2009) 9.1.6. REGIMENTO INTERNO DA COMISSÃO NACIONAL DOS PONTOS DE CULTURA (Brasília, 2009) 9.1.7. CARTA DOS PONTÕES, PONTOS E PONTINHOS DE CULTURA DA BAIXADA FLUMINENSE AO BRASIL (Nova Iguaçu, 2010) 9.1.8. CARTA DE PIRENÓPOLIS / COMISSÃO NACIONAL DOS PONTOS DE CULTURA (Pirenópolis, 2010) 383 9.1.1. CARTA DO RIO DE JANEIRO (Rio de Janeiro, 2006) (esse texto foi criado originalmente em São Paulo no âmbito da TEIA Cultural em 09 de abril de 2006. Em agosto de 2006, o Fórum dos Pontos de Cultura reformulou alguns itens com a intenção de colaborar com o processo de Avaliação do Programa Cultura Viva, em 2007/08). Rio de Janeiro, 23 de agosto de 2006. Os Pontos de Cultura do Estado do Rio de Janeiro reafirmam o seu compromisso de participação e engajamento convicto no Programa Cultura Viva, proposta original e ousada do MinC/SPPC que representa um avanço sem precedentes no âmbito das políticas públicas para a cultura no país. Compreendemos que muitos dos problemas que ocorreram na implementação do programa são resultantes de uma formulação política que enfrenta na sua materialização, entraves burocráticos e legais de um aparelho de Estado que sempre esteve a serviço das classes dominantes. Este encontro é decisivo para manifestarmos o desejo de que o Programa Cultura Viva consiga garantir nos próximos governos sua permanência como política de Estado. Vivemos um ano eleitoral (2008) e temos a certeza de que este programa é um marco na história cultural brasileira. Por isso, propomos a constituição de uma rede nacional de cultura popular, a partir do programa Cultura Viva, que viabilize o intercâmbio e a circulação da produção cultural do maior número possível de atores sociais. Os Pontos do Estado do Rio de Janeiro iniciaram em fevereiro de 2006 um processo autônomo de discussão e organização coletiva, e que foi capaz de manter um diálogo constante e profícuo com a representação regional do MINC e com a SPPC. A expressão maior deste movimento foi a criação de um fórum estadual dos Pontos de Cultura, que em sua existência e vitalidade orgânica representa a manifestação da viabilidade de uma gestão compartilhada. Propomos objetivamente, para esta plenária, os seguintes pontos: A) Teia Cultural: - Propomos que a TEIA se consolide enquanto espaço permanente de intercâmbio e integração entre todos os Pontos de Cultura e parceiros. - Criação de uma comissão organizativa com representantes dos Pontos e do Ministério. B) Agente Cultura Viva: - Criação de um programa específico para os Agentes Cultura Viva que seja gerido diretamente pelos Pontos de Cultura sob orientação do MinC. Maior ampliação e adequação dos critérios às diferentes demandas e especificidades do público-alvo dos Pontos de Cultura como, por exemplo, a gestão direta dos recursos para o pagamento dos Agentes, bem como a ampliação da faixa etária; - Abertura da rede pública de equipamentos culturais aos Agentes Cultura Viva; C) Cultura Digital: - Garantia ao acesso à internet via banda larga; - Garantir o suporte técnico e capacitação aos Pontos de Cultura para melhor aproveitamento da utilização dos Kits, ampliando a equipe e os recursos técnicos da ação Cultura Digital. D) GESTÃO DO PROGRAMA/GESTÃO COMPARTILHADA - Aperfeiçoamento das condições técnicas na efetivação do atendimento regional aos Pontos de Cultura facilitando prestação de contas, remanejamento dos Planos de Trabalho, etc. - Realização de seminários estaduais e nacionais para formulação do conceito de Gestão Compartilhada; - Manutenção dos Encontros de conhecimentos livres e de capacitações diversas. 384 E) CRIAÇÃO DE NOVOS PROJETOS: - Criação de um programa de fomento ao intercâmbio e circulação interestadual dos Pontos de Cultura, a exemplo da Caravana da Funarte, incentivando a construção de uma Rede Nacional de Cultura Popular. F) PROPOSTAS PARA OS PONTOS DE CULTURA: - Que esta plenária envie para a Comissão de Cultura do Congresso Nacional um documento que reafirme a continuidade do Programa Cultura Viva e a necessidade de sua consolidação como Política de Estado; - Convocamos os Pontos de Cultura a participarem da luta pela destinação de 2% do Orçamento Geral da União ao MINC (PEC 150), o atual esta em torno de 0,37%. - Propomos a formação de um Fórum Nacional dos Pontos de Cultura enquanto espaço de articulação permanente para o fortalecimento do Programa; - Os Pontos de Cultura do Rio de Janeiro entendem a importância de uma proposta de política pública poder se tornar autônoma e descentralizada, mas isto não pode acontecer de maneira não planejada. Por isto reivindicamos para o próximo biênio a mesma proporção de verba: 80% Governo e 20% de contrapartida da entidade selecionada. Saudações cariocas, fluminenses e capixabas. Assinam este documento os seguintes Pontos de Cultura 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. Ação Comunitária do Brasil - RJ; Arte Educação no Ponto - SEMEAR - São Gonçalo; Arte no Porto - RJ; Arte Ponto a Ponto em Padre Miguel; Associação dos Amigos do América - Baixada (AMAB) - Mesquita; Associação dos Compositores de Samba - São João de Meriti; Baixo Santa do Alto Glória - RJ; Barão de Mauá - RJ; Campus Avançado - Niterói; Casa de Artes da Mangueira - RJ; Casa de Artes de Vila Isabel - RJ; Casa da Cultura da Baixada - São João de Meriti; Casa do Menor São Miguel Arcanjo - Nova Iguaçu; Centro de Cultura e Educação Lúdica da Rocinha - ASPA/CIESPI - RJ; Centro Cultural Cartola - RJ; Centro Cultural Roda Viva - RJ; CIC - Centro Interativo de Circo - RJ; Circo Voador - RJ; CISANE - Nova Iguaçu; CTO - Centro de Teatro do Oprimido - RJ; Cuca - UNE - RJ; Damas da Camélia - Vila Mimosa - RJ; Escola de Música da Baixada; Espaço de Construção da Cultura - Ação da Cidadania - RJ; Fazendo a Diferença - Paquetá; Instituto Tá Na Rua - RJ; ITAE - Patrimônio imaterial - Paraty; Manguerê - ES; Mascarados - ES; Museu da Maré - CEASM - RJ; Nós do Morro - RJ; Niterói Oceânico ; O Som das Comunidades -RJ; 385 34. 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. PIM/Vassouras; Pontão de Cultura da Serra do Rio - Nova Friburgo; Projeto Manoel Martins - Quilombo Campinho da Independência/Paraty; Rede de Pontos de Cultura de Nova Iguaçu; Salvamar - ES; Synval Silva - Instituto Trabalho e Cidadania- RJ; TEAR- RJ Trabalharte - ES 386 9.1.2. CARTA - VIVA A CULTURA! (Belo Horizonte, 2008) - Aprovação da PEC 150/2003, que trata da vinculação da receita da União em 2%, dos Estados em 1.5% e nos Municípios em 1%, para a Cultura; - Garantir a sustentabilidade do Programa Cultura Viva no PPA 2008-2011 e descontigenciamento das verbas de 2007; - A necessidade de construção a partir do debate com a sociedade de um novo marco regulatório e uma nova legislação que contemple as especificidades sócio-culturais do Programa Cultura Viva; - Democratização dos meios de comunicação através da criação de uma legislação especifica a partir do debate com a sociedade que efetivamente garanta acesso das organizações socioculturais as tecnologias de Radio, TV, Internet e outras; - Liberação do FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) de forma descentralizada e horizontal para ser usado na Cultura Digital garantindo, dentre outras, o acesso à banda larga e/ ou antena GESAC e novas tecnologias utilizando software livre; - Criação de um programa especifico para a juventude que seja gerido diretamente pelos Pontos de Cultura sobre supervisão direta do MinC com ampliação e adequação de critérios para as suas diferentes demandas e especificidades; - Garantia de estrutura física, humana e tecnológica para a SPPC para atender a diversidade e a complexidade de demandas do Programa; - Maior articulação entre os Ministérios e Secretarias acolhendo de maneira transversal a cultura como fundamental na transformação da sociedade; - Fortalecer a diversidade do programa cultura viva na perspectiva de gênero, raça/etnia, classe social, orientação sexual e geracional; - Ampliar as parcerias com os municípios e Estados garantindo a concepção do Programa Cultura Viva na sua implementação. - proposta de pauta para a TEIA nacional, ampliação do edital Estadual para os Pontos já conveniados com o governo federal. Documento entregue ao ministro, assinado pelos membros da Comissão Nacional dos Pontos de Cultura, com a reivindicação da aprovação das Propostas de Emenda Constitucional 236 e 150 e reforma Lei Rouanet/aprovação PNC; renovação dos conveniamentos; coleta de assinaturas para o projeto de Lei Griô; início do debate de uma proposta de projeto de Lei do Cultura Viva. As demais questões específicas foram: 1. GESTÃO (Grupos de Trabalho: Legislação, Sustentabilidade, Pontões e Redes, Economia Solidária, Rede da Terra) 1. Garantir recursos para o Cultura Viva no orçamento da União como política pública permanente. Programa Cultura Viva como Política de Estado; 2. Ampliar a inserção da cultura no desenvolvimento socioeconômico sustentável; 3. Consolidar os sistemas de participação social na gestão das Políticas Culturais; 4. Fortalecer a ação do Estado no planejamento e execução das Políticas Públicas Culturais; 5. Participação na elaboração de leis que regulem o financiamento cultural e reflitam a realidade gerencial dos Pontos de Cultura; 6. Empreender esforços para uma articulação entre as Comissões Estaduais e a Comissão Nacional dos Pontos de Cultura visando a proposição de emendas na Lei de Diretrizes Orçamentárias; 7. Nova regulamentação para o FNPC; 8. Articulação efetiva dos Pontos de Cultura visando a sustentabilidade baseada em um sistema de Gestão Compartilhada entre as diversas esferas envolvidas; 9. Pontões de Cultura como articuladores da rede; 10. Revisão da Lei Rouanet; 11. Criação de um ponto específico para auxiliar na administração de projetos, prestação de contas e demais questões de cunho legal; 12. Renovação dos convênios; 13. Comissão Nacional dos Pontos de Cultura deve criar e encaminhar projeto de lei popular garantindo as especificidades e autonomia dos Pontos de Cultura no gerenciamento dos recursos financeiros; 14. Presença de um representante dos Fóruns Locais no processo de seleção de novos pontos; 15. Critérios diferenciados na renovação do convênio; 16. Ampliar representação nos Conselhos Estaduais de 387 Cultura; 17. Contrato Administrativo ou Convênio?; 18. Descentralização/Estadualização; 20. Concurso público para contratação de quadro e qualificação da equipe da Secretaria de Programas e Projetos Culturais e do Ministério da Cultura; 21. Criação de um Fundo Nacional de Cultura específico para projetos do Programa Viva; 2. ARTÍSTICO (Grupos de Trabalho: Audiovisual, Patrimônio Material, Patrimônio Imaterial/Culturas Tradicionais e Indígenas, Hip Hop, Artes Cênicas, Literatura e Música) 1. Incentivar, proteger e valorizar a diversidade artística e cultural brasileira; 2. Priorizar nos editais do Programa de Cultura Viva os projetos oriundos de segmentos historicamente marginalizados; 3. Reconhecer e valorizar os saberes e fazeres da Cultura Popular; 4. Criar espaços de memória; 5. Escoamento da produção como fonte de renda e geração de emprego; 6. Inclusão das atividades dos Pontos de Cultura nos festejos locais; 8. Valorização das produções artístico cultural dos Pontos de Cultura; 9. Espaços físicos para apresentação dos produtos. 3. FORMAÇÃO (Grupos de Trabalho: Juventude, Estudante, Criança e Adolescente, Ação Griô e Escola Viva) 1. Qualificação e/ou formação de Gestores Culturais dos Pontos de Cultura; 2. Implementação e criação de programas livres no Cultura Digital; 3. Apoio na qualificação de artistas, produtores e demais envolvidos na teia de produção cultural visando dominar os trâmites burocráticos; 4. Utilização dos tele-centros como meio educacional, de informação e serviços; 5. Reconhecimentos dos saberes de tradição oral; 6. Criação de uma Política Pública Cultural para a juventude; 7. Criação de uma rede wireless para todo Brasil; 8. Promover um diálogo efetivo entre os Pontos de Cultura visando a troca de experiências através de Mini-Teias e seminários; 9. Elaboração de cartilhas sobre prestação de contas; Expandir Ação Griô. 4. SOCIAL (Grupos de Trabalho: Cultura de Paz, LGBT, Rádio Comunitária, Matriz Africana, Gênero, Ribeirinhos, Cultura Digital e Grupo Amazônico) 1. Universalizar o acesso à fruição e a produção cultural; 2. Reconhecimento e valorização das diversidades; 3. Garantir cota mínima, de seis vagas, para as populações quilombolas e indígenas; 4. Criação de um Grupo de Trabalho de Comunicação; 5. Bolsa para os Mestres e Griôs. 388 9.1.3. CARTA DE BOAS VINDAS AOS NOVOS PONTOS DE CULTURA (Rio de Janeiro, 2008) Os Pontos de Cultura do Estado do Rio de Janeiro mantêm desde 2006, um fórum que representa uma parcela da sociedade civil organizada, dos gestores das instituições dos primeiros convênios com o Ministério da Cultura - MinC a partir de 2004, quando foi lançado o Programa Cultura Viva. O Fórum surgia para o fortalecimento das propostas do Programa, fundamentado em princípios de gestão compartilhada, protagonismo e empoderamento dos atores sociais militantes da cultura, educação, cidadania e a democratização dos seus acessos, bem como estabelecer ações de integração entre os Pontos, e busca conjunta de alternativas e reflexões para melhor atuação dos Pontos. O Fórum dos Pontos de Cultura do Estado do Rio de Janeiro tem a alegria de dar às boas-vindas aos NOVOS Pontos de Cultura (seleção SEC RJ e MinC) convidando a todos para somar forças e trabalhos em prol de uma política cultural dinâmica, transparente e agregadora. A celebração de hoje é muito significativa: representa o fortalecimento dessa rede e sua expansão, identificando o reconhecimento do trabalho e esforço de grupos do interior, da baixada, do grande Rio, da área metropolitana, atuantes há tanto tempo pela justiça social e cultural. A conquista de um incentivo financeiro é fundamental, porém, mais importante é o reconhecimento de iniciativas que em suas horizontalidades de ações e transversalidades de propostas, unidas em rede, proporcionam a integração e troca de saberes, essenciais para a conquista e legitimação de um espaço de atuação política de construção compartilhada. A partir desses princípios, é um privilégio ocupar esse espaço e atuar participativamente desse momento de consolidação da presença da sociedade civil em parceria com o poder público, em busca de uma política de valorização das culturas, expressões, identidades, aliadas às ações de desenvolvimentos: econômico, social e humano, livres em sua diversidade. Um dos símbolos atuais representativos da legitimação desse espaço é o esforço nacional para a reforma da Lei Rouanet. Realizada a partir de uma proposta aberta, tornará um dos maiores e mais importantes mecanismos de democratização cultural do país, em uma ação transparente dos setores envolvidos e revolucionária para a revelação e igualdade de acesso à produção cultural brasileira. Assim, o Fórum dos Pontos de Cultura do Estado do Rio de Janeiro parabeniza todos os grupos selecionados e convida para participarem dos encontros periódicos, realizados toda última quarta-feira do mês, às 10h, no Palácio Gustavo Capanema, 7º andar (Sede da Representação Regional MinC RJ e ES). Nesses anos de caminhada acumulamos experiências que podem contribuir para a fase de conveniamento dos novos Pontos de Cultura além, das questões referentes ao programa, a rede e seu fortalecimento. Agora com vocês a apresentação musical que reúne três Pontos de Cultura: Jongo de Pinheiral, O Som das Comunidades e o PIM - Programa Integração pela Música. Sejam todos muito bem vindos! O Estado do Rio de Janeiro cada vez mais, ENTRA no mapa da CULTURA BRASILEIRA: Nós todos, somos a prova disto. Rio de Janeiro, 2008. 389 9.1.4. CARTA DA COMISSÃO NACIONAL DOS PONTOS DE CULTURA (Salvador, 2009) Sr. Ministro da Cultura JUCA FERREIRA A Comissão Nacional dos Pontos de Cultura, a convite da Secretaria Geral da Presidência da República Federativa do Brasil marca sua presença na II Cúpula Social do Mercosul, o que sinaliza reconhecimento dos pontos de cultura enquanto instância política organizada. Este evento antecede o encontro dos Chefes de Estado da América Latina e Caribe, onde não só o mercado é a pauta, mas a integração cultural dos povos, sua dimensão social e a relação da produtividade com as mudanças climáticas. Ou seja, o protagonismo cultural dos povos é estratégico nesse contexto macro e global. Como a Teia continua, estamos neste Encontro refletindo e propondo passos para que o nosso objetivo de transformar os Pontos de Cultura em política de estado possa caminhar mais estrategicamente planejado. Fizemos uma rápida análise da nossa caminhada até agora e levantamos as seguintes propostas, para serem participadas por toda a Comissão a fim de consenso norteador para nossa Agenda Política 2009. ANÁLISE Em 2007 e 2008 estruturamos o Fórum Nacional dos Pontos de Cultura e sua instância articuladora, a Comissão Nacional dos Pontos de Cultura, além de produzirmos a Teia 2008 em cogestão com a SPPC/MinC. A mobilização de pessoas e segmentos da sociedade para a Teia ainda são insuficientes frente o objetivo de transformar os Pontos em Política de Estado. PROPOSTAS Ampliar a participação política da CNPC nos espaços políticos de discussão e deliberação (sejam políticos, econômicos ou sociais como fóruns, seminários, conferências). Ampliar a interlocução da Comissão Nacional dos Pontos de Cultura nos ministérios e secretarias do Governo Federal, enquanto agente legítimo de representatividade do Movimento Nacional dos Pontos de Cultura. Enraizar a política dos pontos de cultura nos vários segmentos da sociedade brasileira e difundir seus resultados no Brasil e países da América Latina. Firmar parcerias com as Universidades para construção de indicadores de resultados do processo cultural, político e educativo realizado pelos Pontos . SOLICITAÇÃO Para que a CNPC tenha uma agenda permanente de reuniões, participação nos eventos e articulação estratégica, operacionalizando essas diretrizes, solicitamos do Ministério da Cultura um reconhecimento oficial da Comissão Nacional dos Pontos de Cultura através de rubrica orçamentária específica que garanta os custos desta Agenda. Salvador, 15 de dezembro de 2009. Fonte: http://convivenciaepaz.org.br/wp-content/uploads/2009/01/carta_da_cnpc_ao_juca.pdf 390 9.1.5. MINUTA DE LEI - LEI CULTURA VIVA (Brasília, 2009) Institui o Programa Cultura Viva através de sua criação, estabelece normas para seu funcionamento, e dá outras providências. Capítulo I DAS DISPOSIÇÕES GERAIS Seção I Dos Princípios Art. 1o Esta Lei institui o Programa Cultura Viva através de sua criação, estabelece normas para seu funcionamento, e dá outras providências. Parágrafo primeiro - Esta Lei cumpre determinação do artigo 215 da Constituição Federal dispondo que “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais". § 2º - Serão objetivos desta lei: I - garantir autonomia aos cidadãos brasileiros para produzir, gerir e difundir iniciativas culturais; II - estimular o protagonismo social; III - promover a gestão pública e participativa; IV - consolidar os princípios da participação social nas políticas culturais; V - garantir o respeito à cultura como direito e cidadania, como expressão simbólica e como atividade econômica. § 3º - Subordinam-se ao regime desta Lei, estados, municípios, pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito público ou privado sem fins lucrativos, que sejam de natureza cultural, como associações, sindicatos, cooperativas, fundações, escolas caracterizadas como comunitárias e suas associações de pais e mestres, ou organizações tituladas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs). §4º - Constitui-se como objetivo básico do Programa Cultura Viva: I - Estimular iniciativas culturais já existentes, através da transferência de recursos do Ministério da Cultura para os beneficiários designados através desta lei. §5º - Serão considerados objetivos específicos do Programa Cultura Viva: I - Promover o acesso aos meios de fruição, produção e difusão cultural; II - Potencializar iniciativas culturais, visando a construção de novos valores de cooperação e solidariedade; III - Estimular a exploração, o uso e a apropriação dos códigos, linguagens artísticas e espaços públicos e privados que possam ser disponibilizados para a ação cultural. §6º Serão considerados beneficiários do Programa Cultura Viva: I - Populações de baixa renda; II - Estudantes da rede básica de ensino; III - Comunidades indígenas, rurais e quilombolas; IV - Agentes culturais, artistas, professores e militantes que desenvolvam ações no combate à exclusão social e cultural. §7º - A gestão do Programa Cultura Viva será de responsabilidade do Ministério da Cultura, em parceria com outros ministérios, quando assim couber, estados, e municípios. §8º - Serão beneficiários deste Programa organizações privadas e instituições públicas, legalmente constituídas, de caráter cultural, sendo as não governamentais sem fins lucrativos. §9º - A execução do Programa será processada através do lançamento de edital convidando as organizações beneficiárias a apresentar propostas para participação e parceria nas ações do programa. §10º - Para os fins propostos pelo Programa Cultura Viva, serão criadas 5 (cinco) ações finalísticas: I - Pontos de Cultura; II - Cultura Digital; 391 III - Griôs ou Mestres do Saber Popular; IV - Agente Cultura Viva; V - Escola Viva. §11º - Serão também criadas 2 (duas) ações em caráter especial: I - Pontões de Cultura; II - Pontos de Cultura no Exterior. §12º - Serão mantidas as ações finalísticas referidas no parágrafo 10º, e ações em caráter especial referidas no parágrafo 11º, já implementadas anteriormente à aprovação desta lei. §13º - Os recursos serão provenientes do Fundo Nacional de Cultura. §14º - Caberá ao Ministério da Cultura o repasse de recursos aos estados e municípios, obedecendo aos princípios da descentralização segundo xxx. Seção II Considerandos Art. 2º Considerando-se que: I - Cabe ao Estado colaborar na emancipação, autodeterminação e liberdade de indivíduos e grupos para produção, fruição e difusão dos bens culturais, segundo Art. xx; II - É dever do estado oferecer meios e condições para o livre exercício de todas as diferentes expressões simbólicas e manifestações estéticas de indivíduos e populações brasileiras, segundo Art. xx; III - O exercício do direito à cultura aprofunda e consolida a democracia brasileira; IV - Os Pontos de Cultura são os eixos articuladores das demais ações do Programa Cultura Viva; V - incluir inciso ou artigo - tratar desigualmente os desiguais E também à especificidade da cultura. Seção III Das Definições Art. 3o Para os fins previstos nesta lei, considera-se: I - Comunidade: entende-se por “Comunidade” não apenas agentes ligados à produção artística, mas também usuários e agentes culturais em um sentido amplo. II - Ponto de Cultura - núcleos culturais, instalados e geridos pelas próprias comunidades, centros catalisadores, funcionando como ambientes de produção e fruição cultural e artística. Objetivos do Ponto de Cultura: a) potencializar iniciativas culturais já desenvolvidas por comunidades, grupos e redes de colaboração; b) promover, ampliar e garantir a criação e produção artística e cultural; c) incentivar a preservação da cultura brasileira; d) estimular a exploração de espaços públicos e privados que possam ser disponibilizados para a ação cultural; e) aumentar a visibilidade das diversas iniciativas culturais; f) promover a diversidade cultural brasileira, garantindo diálogos interculturais; g) garantir acesso aos meios de fruição, produção e difusão cultural h) contribuir para o fortalecimento da autonomia social das comunidades i) promover o intercâmbio entre diferentes segmentos da comunidade j) estimular a articulação das redes sociais; k) adotar princípios de gestão compartilhada entre atores culturais não governamentais e o Estado; l) fomentar as economias solidária e criativa. III - Pontões de Cultura: espaços culturais, aproveitados ou construídos pelos Pontos de Cultura. Grupos de Pontos de Cultura ou governos locais poderão constituir-se como Pontões de Cultura. Objetivos dos Pontões de Cultura: a) promover a articulação entre os Pontos b) formar redes de capacitação e de mobilização c) desenvolver programação integrada entre Pontos de Cultura por região ou temáticas 392 IV - Pontos de Cultura no Exterior: os pontos de Cultura no exterior serão geridos diretamente pelo Ministério da Cultura e Ministério das Relações Exteriores, em articulação com os demais Pontos de Cultura da Rede. Os Pontos de Cultura no Exterior serão implantados nas comunidades de brasileiros residentes no exterior, nos países do Mercosul e em países de língua portuguesa. Objetivos dos Pontos de Cultura no Exterior: a) promover a cooperação internacional através da integração de comunidades de brasileiros residentes no exterior b) divulgar a cultura brasileira no exterior c) formar rede internacional de produção compartilhada d) fortalecer a relação com países vizinhos, África e Ásia e) fomentar as economias solidária e criativa. Seção III Do Funcionamento Art. 4o Os estados e municípios lançarão editais de seleção convidando as organizações, de acordo com definição descrita no parágrafo 8º do primeiro artigo desta lei, a apresentarem projetos para constituição dos Pontos de Cultura. Parágrafo Único - Será de responsabilidade do Ministério da Cultura prover aos estados e municípios formato básico de edital para Pontos de Cultura, que servirá como orientador para composição de editais regionais ou locais. I - Todos os editais de seleção de Pontos de Cultura só serão validados após análise e aprovação do Ministério da Cultura; II - Os editais não aprovados pelo Ministério da Cultura deverão ser readequados segundo orientações, sob pena de serem considerados inválidos e inelegíveis ao repasse de recursos do Ministério da Cultura. Art. 5º A avaliação dos projetos será realizada através de Comissão Julgadora tripartite, composta de dois membros do Ministério da Cultura, dois membros do estado ou município e dois membros da Sociedade Civil Organizada. I - Caberá aos Conselhos Municipais de Cultura a indicação dos membros da sociedade civil organizada que comporão a comissão tripartite. II - Em caso da submissão de grande número de projetos, deverão ser considerados critérios de proporcionalidade Seção IV Da Prestação de Contas Art. 6º Somente poderão valer-se dos critérios estabelecidos para prestação de contas desta lei as entidades participantes do Programa Cultura Viva. Parágrafo Único: Estes critérios não se aplicam aos chamados Pontões de Cultura, e Pontos de Cultura no Exterior, que recebem valores superiores aos dos Pontos de Cultura, e deverão subordinar-se aos demais marcos legais exigidos no País, regulamentados pelo SICONV. Art. 7º Por conta de sua natureza diferenciada, ficam os Pontos de Cultura dispensados de formalização junto ao Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse - SICONV , no que se refere aos atos e procedimentos relativos à formalização, execução, acompanhamento, prestação de contas e informações acerca de tomada de contas especial dos convênios, contratos de repasse e termos de parceria (Port. nº 127/2008, Art. 2º, Inciso VI); Parágrafo Único: Os atos dos Pontos de Cultura deverão, não obstante sua dispensa de formalização junto ao SICONV, ser registrados no SICONV (prazo), incluindo justificativa (Port. No. 127, Art 3º, parágrafo primeiro). Art. 8º Ficam os Pontos de Cultura, por conta de sua natureza diferenciada, autorizados a realizar aquisições de bens e serviços através de Tomada de Preços apenas, sendo dispensados de realizar licitações de outras naturezas. Parágrafo Único: Ficam dispensadas de Tomada de Preços as despesas até o valor de R$ xx (reais), bastando para comprovação apenas um recibo simples. Art. 9o A execução das obras e dos serviços deverão guiar-se na redação dada pela Lei 8.666/93. plano de trabalho/simplificação da prestação de contas/formulários Brasília, xx de xx de xx. Fonte: Consultora Maria Adelina França 393 9.1.6. REGIMENTO INTERNO DA COMISSÃO NACIONAL DOS PONTOS DE CULTURA (Brasília, 2009) Capítulo I - Da Comissão Nacional dos Pontos de Cultura (CNPdC) Artigo 1º — A Comissão Nacional dos Pontos de Cultura (CNPdC) é uma instância legítima e deliberativa do Fórum Nacional dos Pontos de Cultura, e sua constituição formal garante a autonomia e diversidade das formas de organização deste movimento, através das redes e fóruns estaduais e regionais, das redes temáticas, das ações nacionais, das redes articuladas pelos Pontões de Cultura e as demais formas de organização transversal dos Pontos de Cultura em nível local, regional, nacional e internacional. Parágrafo Primeiro - Sua articulação permanente se dá através da articulação da Rede Nacional de Pontos de Cultura, nos grupos Estaduais, Regionais e Temáticos, que pode se dar por meio da participação dos representantes em encontros presenciais e virtuais do Fórum Nacional dos Pontos de Cultura. Parágrafo Segundo - Entende-se como Pontos de Cultura, instituições da sociedade civil, sem fins lucrativos, conveniadas com o Ministério da Cultura ou premiadas direta ou indiretamente, através do Programa Cultura Viva ou do Programa Mais Cultura; Parágrafo Terceiro: O Fórum Nacional dos Pontos de Cultura é uma instância deliberativa do Movimento e da Rede Nacional dos Pontos de Cultura, que se reúne presencialmente pelo menos 1 (uma) vez por ano. Parágrafo Quarto: O Movimento e a Rede Nacional dos Pontos de Cultura são compostos por Pontos de Cultura conveniado, premiadas ou instituições que se reconheçam como parte desse movimento na busca pela construção de políticas públicas para a cultura. Capítulo II - Dos Objetivos Artigo 2º - A CNPdC têm como objetivo geral garantir o fortalecimento dos pontos de cultura em todo o território brasileiro, sendo instância permanente de atuação e representação políticocultural, identificação de demandas e elaboração de propostas para o desenvolvimento de políticas públicas e de ações culturais no país. Artigo 3º - São objetivos específicos da CNPdC: • Elaborar propostas de Políticas Públicas de Estado para a Cultura no Brasil, em especial no que se refere aos Pontos de Cultura, ao Programa Cultura Viva, Mais Cultura e ao Sistema Nacional de Cultura. 1) Propor novos marcos legais que afirmem a cultura como direito de cidadania e dever do Estado, reconhecendo a autonomia e o protagonismo e a diversidade cultural da sociedade brasileira. • Articular, mobilizar e contribuir para o fortalecimento dos fóruns, redes estaduais e regionais de Pontos de Cultura. • Fortalecer Ações transversais em rede entre Pontos de Cultura e movimentos sociais de todo o país. • Promover o diálogo sobre os desafios institucionais da gestão compartilhada das Políticas Públicas de Cultura entre o Estado e a sociedade civil. • Construir uma pauta política e de uma agenda de ações do Movimento Nacional dos Pontos de Cultura, dentro e fora do Brasil. • Elaborar modelos de gestão e avaliação de rede de pontos de cultura no Brasil, de forma a fortalecer as ações transversais entre os pontos. Capítulo III - Do funcionamento Artigo 4º - A CNPdC será eleita no FNPdC, a partir da eleição dos representantes dos Grupos Temáticos (GTs) e das plenárias estaduais, observando a autonomia organizativas de estados e GTs. O mandato da CNPdC terá duração até a realização do próximo FNPdC. 394 Parágrafo Único — Os (as) representantes titulares da CNPdC têm direito a voz e voto nas reuniões presenciais e participação virtual na lista de discussão. Os representantes suplentes terão direito à participação na lista virtual de discussão e poderão representar os titulares, em caso de ausência dos mesmos, nas reuniões presenciais, com direito a voz e voto. Em caso de afastamento temporário ou definitivo do representante titular, o suplente eleito no FNPdC deverá assumir a titularidade. Artigo 5º - Todos os representantes, titulares e suplentes da CNPdC, terão autonomia para representar esta comissão junto a reuniões, plenárias, fóruns, eventos e instituições, sem necessidade de autorização prévia, cabendo ao representante comunicar esta participação na lista de discussão virtual e observar os objetivos da Comissão e as deliberações aprovadas no FNPdC. Artigo 6º - Todos os representantes titulares e suplentes da CNPdC participam da lista virtual de discussão e devem zelar pelo bom funcionamento desta ferramenta, observando o regulamento específico definido e consensualizado na rede. A moderação da lista será definida em reunião presencial da CNPdC. Artigo 7º - Tornar públicas, em espaço oficial, as ações gerais e especificas das representações dos estados e do GT’s, assim como seus relatórios de atividades e documentação do debate a fim de facilitar a participação por parte da Rede Pontos de Cultura nas discussões da CNPdC. Artigo 8º - Cada representante da Comissão deve elaborar no mínimo um plano de ação com a definição dos objetivos, atividades e metodologias, com a finalidade de avaliar o funcionamento e contribuição de sua atuação. Capítulo IV - Dos Representantes Estaduais Artigo 9º- Cada representante estadual deverá ter respeitada a sua autonomia com relação às decisões tomadas pelos seus respectivos fóruns e redes estaduais. Caso os representantes estaduais estejam impedidos de representar o Estado será substituído pelo suplente que tenha sido indicado e/ou referendado pela plenária estadual realizada no FNPdC. Parágrafo Primeiro - Na eleição deverá ser indicado 1° e 2° suplentes, que no impedimento do titular será substituído pelo 1° suplente, no impedimento deste pelo 2° suplente. Parágrafo Segundo - A representação de titulares e suplentes é intransferível e será reconhecida a partir da eleição ou referendo do FNPdC. Em caso de impossibilidade do representante ou suplente, o GT ou Comissão Estadual terão autonomia para indicar novos representantes antes do FNPdC. Capítulo V - Sobre os Grupos de Trabalho (GTs) de Áreas Temáticas e Ações: Artigo 10 - Os representantes dos GTs da CNPdC foram constituídos na Plenária Final do II FNPdC (2008) e representam as Ações Nacionais do Programa Cultura Viva e diversas Áreas Temáticas que expressam a diversidade da rede nacional dos Pontos de Cultura. Precisamos definir critérios de criação e das dinâmicas de funcionamento dos GTs (direitos e deveres dos representantes) e instrumentos de legitimação dos representantes. Parágrafo Único - Os GTs que compõem a CNPdC são: 1) LGBT 2) Matriz Africana 3) Cultura da Paz 4) Juventude 5) Grupo Amazônico 6) Estudantes 7) Audiovisual 8) Patrimônio Material e Imaterial 9) Rádios Comunitárias 10) Hip Hop 395 11) 12) 13) 14) 15) 16) 17) 18) 19) 20) 21) 22) 23) 24) 25) Economia Solidária Artes Cênicas Criança e Adolescente Literatura, Livro e leitura Música Gênero Ribeirinhos Culturas Tradicionais e Indígenas Rede da Terra Ação Griô Escola Viva Cultura Digital Legislação Sustentabilidade Pontões e articulação da rede Artigo 11 - São Subcomissões Internas e Permanentes da CNPdC: 1. Mobilização 2. Sustentabilidade (gestão) 3. Produção 4. Articulação / Secretaria 5. Pesquisa / Memória 6. Comunicação 7. Legislação Artigo 12 - Os (as) representantes dos GTs terão autonomia para elaboração de pauta, programação e metodologia de ação e organização de suas redes específicas, observando os objetivos da CNPdC, e a pauta política do Movimento e da Rede Nacional dos Pontos de Cultura, expressas nas resoluções do FNPdC. Artigo 13 - Os(as) representantes dos GTs, caso estejam impedidos de representar suas respectivas Áreas Temáticas e Ações, serão substituídos pelos suplentes que tenham sido indicados pelas Áreas Temáticas e Ações no FNPdC. Artigo 14 - Os casos omissos neste Regimento serão resolvidos pela CNPdC ad referendum a realização do FNPdC. Artigo 15 - Este Regimento entra em vigor na data de sua aprovação. Brasília, 02 de setembro de 2009 396 9.1.7. CARTA DOS PONTÕES, PONTOS E PONTINHOS DE CULTURA DA BAIXADA FLUMINENSE AO BRASIL (Nova Iguaçu, 2010) Nova Iguaçu 10 de setembro de 2010. Nós Pontões, Pontos e Pontinhos de Cultura da Baixada Fluminense em nossa primeira Teia estabelecemos como lutas prioritárias o fortalecimento, continuação e ampliação do Programa Cultura Viva do Ministério da Cultura, seja qual for o governo eleito a partir de 2011. O Programa “Cultura Viva” é a mais preponderante política cultural já realizada no país pelo seu caráter transformador, descentralizador e democrático, tanto pelo seu processo de inclusão social como pelo seu processo de distribuição de riqueza. Para nós, o Programa “Cultura Viva” não só consolida o protagonismo e autonomia de imensas camadas sociais, excluídas dos mecanismos de cidadania e da produção dos bens culturais, bem como, estabelece um canal real de diálogo entre o Estado e a Sociedade. Pensar o Programa “Cultura Viva” é enxergar a Cultura como o próprio fluxo da Vida, essa Cultura produzida, criada e vivificada pelo dia a dia de nós brasileiros. Desde o seu início em 2004 o Programa “Cultura Viva” tem potencializado a Tradição e Inovação e, hoje após esses seis anos, com seus acertos e, sobretudo, com seus erros podemos perceber de como esse programa estabelece bases sólidas para construção de uma sociedade mais igualitária e fraternal. È exatamente isso. Uma sociedade mais Fraternal pela quebra dos preconceitos, pela destruição dos alicerces da exclusão social e essencialmente pela valorização da inventiva capacidade de recriar a vida e interpretá-la que todos os seres humanos têm independentemente do seu extrato social. “Cultura Viva” é Tradição e Inovação, encontro de gerações, construção de cidadania e principalmente a construção de uma Identidade foras dos grilhões da submissão ou da arrogância da xenofobia. “Cultura Viva” é integração, socialização, o verdadeiro grito de liberdade da população brasileira no seu reencontro consigo mesma.. Assim nós, os Pontões, Pontos e Pontinhos de Cultura da Baixada Fluminense afirmamos e nos comprometemos a lutar para o fortalecimento e a ampliação deste programa na busca da utopia de chegarmos em 2014 com pelos menos 20.000 novos núcleos pelo país. Seguem as nossas propostas: 1) Realizar anualmente a Teia Baixada priorizando o rodízio de sede entre os municípios. 2) Criar imediatamente a Rede de Pontões, Pontos e Pontinhos de Cultura da Baixada Fluminense. 3) Promover a aproximação e fortalecer o diálogo da Rede e seus membros com suas respectivas Secretarias Municipais de Cultura, Secretaria de Cultura do Estado e Ministério da Cultura. 4) Promover e fortalecer a parceria com o Fórum dos Gestores da Baixada Fluminense. 5) Aprovação imediata da PEC 150 no Congresso Nacional. 6) Institucionalização do Programa “Cultura Viva” por lei específica tornando-o uma política de Estado. 7) Implementação imediata de um Sistema de Cultura nas três esferas administrativas, conforme proposto pelo Ministério da Cultura (Conferências, Conselhos, Fundos e pasta específica para Gestão ). 8) Fortalecer a Ação Griô. 9) Aprofundar a Regionalização nos editais públicos de financiamento para área da Cultura nas três esferas administrativas. 10) Fomentar e consolidar as já existentes Leis de Incentivo à Cultura na esfera municipal na região e no Estado. 11) Promover e aumentar a parceria com setor privado enfatizando o conceito de responsabilidade cultural. 12) Efetivar uma política de isenção e/ou de redução de impostos nas três esferas administrativas para Pontões, Pontos e Pontinhos. 397 13) Vincular no mínimo 2% dos Royaltes do Petróleo destinado ao Estado do Rio de Janeiro seja disponibilizado e distribuído aos Fundos Municipais de Cultura para serem aplicados na promoção de Pontões, Pontos e Pontinhos de Cultura. 14) Promoção e efetivação por parte das três esferas administrativas de Cursos de Formação Continuada nas áreas de: Prestação de Contas, Contabilidade, Administração e Gestão de Empresas do Terceiro Setor para os Pontões, Pontos e Pontinhos. 15) Promover mudanças urgentes na Lei 8.666/93 de Responsabilidade Fiscal atendendo as especificidades da Cultura. 16) Produção e distribuição por parte das três esferas administrativas de Software para Prestação de Contas e serviços contábeis para os Pontões, Pontos e Pontinhos (modelo da Receita Federal). 17) Fomentar parcerias com Universidade e Faculdades públicas e privadas para auxiliar na “excelência” dos serviços dos Pontões, Pontos e Pontinhos e o desenvolvimento de linhas de pesquisas sobre a produção cultural realizadas pelos mesmos. 18) Simplificação de linguagem e metodologia nos Manuais de Prestação de Contas das três esferas administrativas. Participaram das Plenárias e elaboraram este documento as seguintes entidades: 1) Associação dos Moradores do Bairro Jardim Laranjeiras - Nova Iguaçu 2) Casa do Menor São Miguel Arcanjo de Nova Iguaçu. 3) Luar de Dança de Duque de Caxias. 4) Circo Baixada de Queimados 5) Associação de Pastores e Líderes Evangélicos Mundiais de Nova Iguaçu 6) Estações da Cultura de Duque de Caxias 7) Projeto Fama de Nova Iguaçu 8) Lira de Ouro de Duque de Caxias 9) CETA - Centro Experimental de Teatro e Artes - Nova Iguacu 10) Casa de Cultura de São João de Meriti 11) Associação Raízes Africanas de Belford Roxo 12) Associação Cultural Zé Mussum de Magé 13) Nascente Pequena de Guapimirim 14) Casa de Anyê de Nova Iguaçu 15) Cisane de nova Iguaçu 16) CBTIJ - Teatro para Jovens - São João de Meriti 17) Projeto Pé de Moleque de Nova Iguaçu 18) Associação de Músicos e Compositores da Baixada Fluminense de São João de Meriti 19) Federação das Associações de Radiodifusão Comunitária do Rio de Janeiro núcleo Guapimirim 20) Movimento Enraizados de Nova Iguaçu 21) Comcausa de Nova Iguaçu, Queimados e Mesquita. 398 9.1.8. CARTA DE PIRENÓPOLIS / COMISSÃO NACIONAL DOS PONTOS DE CULTURA (Pirenópolis, 2010) Nós, trabalhador@s da cultura, podemos finalmente celebrar, depois de séculos de completo descaso, o nosso reconhecimento como “sujeitos de direitos” para potencializar nossos saberes e fazeres. O governo do Presidente Lula plantou muitos sonhos, mas temos colhido consideráveis desilusões. A rede de Pontos de Cultura precisa abrir os olhos e sensibilizar as autoridades públicas, assim como aqueles que acreditaram em nossos trabalhos, para que possamos nos reencantar neste novo governo da Presidenta Dilma. É chegado o momento de acabar com a intolerância e, através de investimentos em ações culturais, viabilizar condições indispensáveis para o aprofundamento da democracia no Brasil, como o acesso aos bens, meios e ferramentas de reflexão e produção cultural, o fortalecimento da educação e da inclusão social, a democratização da comunicação, entre tantas outras ações que alimentam a cidadania e os direitos humanos no Brasil. Dessa forma, nós, membros da Comissão Nacional dos Pontos de Cultura (CNPdC), vimos a público nos manifestar sobre a conjuntura política e suas conseqüências para a política cultural brasileira. Não merecemos ser tratados como mero programa de repasse de recursos, muito menos como mercadoria ou instrumento de manipulação eletiva. A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, incorporou-se a cultura à política institucional e à cidadania e aos direitos culturais e, em 2002, a UNESCO promulgou a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural e sua defesa como "um imperativo ético inseparável do respeito à dignidade da pessoa humana". Porém, mesmo assim, o Brasil precisa avançar muito nos seus investimentos no setor cultural bem como garantir a aprovação imediata da Lei Cultura Viva, da Lei Griô, da PEC 150, do Vale Cultura e do Fundo Cultural do Pré-sal. A eleição da Presidenta Dilma, nos traz grande esperança da continuidade e consolidação destes Programas. Após 8 anos de Governo Lula, podemos dizer que diversos avanços sociais, econômicos e culturais foram alcançados com destacado reconhecimento nas comunidades abrangidas. Do ponto de vista cultural, apesar dos inúmeros avanços instituídos pelo MinC, ainda enfrentamos o desafio de garantir as Leis Sociais dos Programas Mais Cultura e Programa Cultura Viva e a modernização do Marco jurídico legal da cultura, bem como tornar a cultura tema prioritário na agenda nacional. A pauta das eleições de 2010 comprova o descrédito. A conjuntura atual atrofia a responsabilidade do MinC nos processos de conveniamentos estaduais e municipais ao mesmo tempo em que inviabiliza os CNPJs das associações civis desprovidas de adequada orientação jurídica. Mesmo tendo beneficiado mais de 8 milhões de pessoas pela Rede Nacional dos Pontos de Cultura, pouco se fez para melhorar o Marco Legal para a gestão de convênios de Pontos de Cultura regulado pela Lei 8.666/93, pela Portaria interministerial - Inciso II § 2° art. 50 n° 127/2008, Portaria Interministerial nº 342/2008 de 5/11/2008 e IN/STN n° 01 de 15/01/1997, que até 2010, tratou a cultura popular com a mesma rigidez que se trata as grandes obras de infra-estrutura do PAC. Mas por que a cultura ainda é marginalizada no Brasil? Será porque ela não é capaz de eleger seus representantes nas eleições? Talvez. O que importa é que com direito humano não se brinca. Se “quem produz cultura é a sociedade e cabe aos governos identificar e fomentar tais iniciativas”, jamais tal temática poderia ser negligenciada ou mesmo utilizada como moeda de troca numa transição governamental. Mesmo com todos os avanços nesses últimos anos, o quadro brasileiro de exclusão cultural é assustador. Cerca de 90% da população brasileira nunca entrou num teatro; lê-se, em média, 4,7 livros por ano; somente 10% dos municípios possui um local dedicado à cultura; 92% dos 399 brasileiros não costuma ir a museus; 80% nunca assistiu a um espetáculo de dança e apenas 13% da população vai ao cinema (IBGE, 2008). Sendo assim, aos 28 dias do mês de novembro do ano de 2010, no coração do Brasil, no alto do Planalto Central, na histórica, bucólica e hospitaleira cidade de Pirenópolis, a Comissão Nacional dos Pontos de Cultura (CNPdC), após 3 dias de intensos debates sobre o futuro dos Pontos de Cultura, encaminha a “CARTA de Sustentabilidade dos Pontos de Cultura”, dos Programas Mais Cultura e Cultura Viva que “desescondeu” o Brasil profundo, promoveu cidadania, inclusão, geração de renda e o aumento da qualidade de vida de milhares de atores e fazedores da Cultura Popular, reconhecendo o protagonismo de seu saber e fazer cultural. Seguem abaixo as principais proposições de melhorias para a gestão cultural do Ministério da Cultura e no Brasil: QUESTÕES BUROCRÁTICAS Que o MinC disponibilize para a CNPdC a lista com a situação dos Pontos com pendências em prestação de contas, e juntos, busquemos contribuir com a regularização da situação desses Pontos. Para tanto, solicitamos a presença de técnicos do MinC nos estados, e nos casos necessários inicie processo de anistia fiscal e tributária para os Pontos aos quais a medida se faça necessária. Que o MinC assuma nas instâncias oficiais o compromisso de pagar os editais já aprovados em 2010 e dos Pontões de 2007 e 2009 e todos os editais do Programa Mais Cultura e Cultura Viva que já em andamentos se fizerem. QUESTÕES DE REGULAÇÃO/LEGISLAÇÃO Concentrar esforços para o estabelecimento de um novo Marco Regulatório para reger as relações entre o Estado e as entidades da sociedade civil. Consolidação da Lei Social da Cultura Viva para torná-la uma Política Pública de Estado. 1 - Aprovação da Lei Cultura Viva pelo Congresso Nacional e consolidação dos Pontos de Cultura como política pública de Estado; 2 - Aprovação da Lei Griô pelo Congresso Nacional; 3 - Garantia de um Marco Regulatório que favoreça tratamento diferenciado para desiguais; Que o novo governo - eleito com o apoio consistente do Movimento Nacional dos Pontos de Cultura - se comprometa a garantir os recursos necessários à manutenção do desenvolvimento permanente do Programa Cultura Viva - Pontos de Cultura. Revisão sobre a forma como vem sendo tratada a implantação do Programa Mais Cultura nos estados da Federação. 4 - Aprovação da PEC 150 pelo Congresso Nacional; 5 - Aprovação do Fundo Cultural do Pré-sal, a PEC 236; 6 - Aprovação do Vale Cultura pelo Congresso Nacional 7 - Apoio e incentivo à modernização da Lei de Direito Autoral; QUESTÕES ORGANIZATIVAS 1 - Fazer da TEIA dos Pontos de Cultura um processo pedagógico de formação política de Agentes Culturais para a transformação Social; 2 - Garantir que a TEIA Nacional e o Fórum Nacional aconteçam semente após TEIAs Regionais e/ou Estaduais e que essas por sua vez aconteçam acompanhadas do processo de cadastro único dos Pontos de Cultura e de uma consulta pública sobre o Marco Regulatório da Lei Cultura Viva dos Pontos de Cultura e toda a sua diversidade; 3 - Garantir recursos para o Encontro Nacional da Ação Griô. QUESTÕES GERAIS 1 - Garantir Pontos de Cultura em todos os municípios do Brasil; 2 - Fazer com que as formas e expressões culturais do povo brasileiro contribuam como instrumento de aproximação dos povos latino-americanos; 400 4 - Criar espaços para o livre desenvolvimento das diversidades culturais; 5 - Promover Ações para contribuir na consolidação do Movimento Social dos Pontos de Cultura. QUESTÕES ESPECÍFICAS 1 - Através das políticas públicas de cultura, gerar ferramentas de acesso aos brasileir@s de matriz africana, indígenas, ciganos, entre outros; 2 - Resgatar oralmente a cultura ancestral a partir do relato dos velhos mestres e Griôs; 3 - Ampliar as ações de Cultura Digital para democratização de acesso aos meios e processos da comunicação virtual para ampliação do conceito e prática colaborativa do software livre e universalização da banda larga em caráter público; 4 - Criar mecanismos para romper o gargalo da comunicação midiática a serviço do show biz; 5 - Fortalecer os movimentos de Cultura da Paz; 6 - Compreender as questões de gêneros, orientação afetivo e de orientação sexual, geração, raça, etnia, classe, como políticas estruturantes para uma nova sociedade. 7. Elaboração de políticas públicas que levem em conta a complementaridade da comunicação e da cultura; 8 - Garantir a presença dos Pontos de Cultura nos mais diversos conselhos e instâncias de participação social nas políticas públicas; 9 - Todas essas solicitações da CNPdC devem ser assumidas pela gestão atual da SCC e MINC e não deixadas na mão da próxima administração. 10 - Assumir o “custo amazônico” como uma realidade e promovê-lo como uma política necessária e afirmativa na execução de políticas públicas setoriais de cultura, tais como Programa Cultura Viva e Programa Mais Cultura 11 - Garantir a preservação dos saberes e fazeres orais dos mestres griôs para a posteridade através de suporte audiovisual e impresso. 12 - Que o MinC proponha ao MEC maneiras diferenciadas de acesso à Universidade de mestres, griôs e agentes culturais que trabalhem diretamente em Pontos de Cultura, e reconhecendo o seu notório saber, como contrapartida, os ingressos realizarão oficinas em parceria com entidades e coletivos que trabalhem na academia para a comunidade acadêmica. O acesso pode se dar por meio de proposta de dissertação a ser apresentada e com foco na ocupação das vagas ociosas das Instituições Públicas de Ensino Superior. 13- Garantir um encontro entre o MEC, MINC e Pontos de Cultura para desenvolver trabalhos em parceria com Escolas Públicas no intuito de avaliar e aprimorar os Programas: “Mais Educação”, “Escola Aberta”, “Escola Viva” e “Agente Escola Viva” São signatários desta “CARTA DE PIRENÓPOLIS” artistas de todas as formas de expressão artística, Gestores Culturais de todos os 27 Estados brasileiros e 25 GTs Temáticos que trabalham para a redução das desigualdades sociais, representando mais de 3000 Pontos de Cultura, que afetam mais de 8.000.000 de brasileiros, segundo dados do IPEA/2010. Pirenópolis, 28 de novembro de 2010 Comissão Nacional de Pontos de Cultura 401 9.2. Programação do Seminário Cultura Viva na TEIA 2010 Seminário reúne pesquisas sobre Pontos de Cultura Além de fomentar a cultura nacional, o Programa Cultura Viva, cuja ação prioritária são os Pontos de Cultura, tem gerado pesquisas diversas - especialmente no universo acadêmico. As ações são objeto de estudo nas mais diversas áreas e em diferentes instituições de ensino do país, tornando-se um verdadeiro laboratório de experiências. Na Teia 2010: tambores digitais, os resultados desses estudos serão apresentados e discutidos durante o Seminário Cultura Viva, que acontece nos dias 26 e 27, no Auditório do Dragão do Mar - a partir das 9h. A participação é livre. Confira a programação completa. Por Tatiana Diniz DIA 26/03 TEMÁTICA: O PROGRAMA E SUAS AÇÕES DENTRO DO CAMPO DAS POLÍTICAS 9:00 às 12:30 (Mediação Lia Calabre) Programa Cultura Viva a partir da vivência com os Pontos de Cultura Cristina Amélia, Luciana Araújo de Holanda e Raquel de Oliveira Santos Lira Indicadores para políticas culturais de proximidade: o caso Prêmio Cultura Viva Liliana Souza e Silva A contra-hegemonia dos Pontos de Cultura frente aos dilemas de limites do capital Ana Lúcia Pardo Sabedorias em movimento: contradições e desafios nos Pontos de Cultura Carla Daniel Sartor Redemocratização, participação e cidadania: um projeto cultural? João Guerreiro Programa Cultura Viva: redefinição dos conceitos de cultura e público e do lugar do Estado nas políticas culturais brasileiras. Alice Pires de Lacerda 14 às 17:00 (Mediação Maurício Siqueira) Programa Cultura Viva: a política transgressora do Ministério da Cultura Sophia Cardoso Rocha Pontos de Cultura: alinhavos para o turismo Alba Lúcia de Silva Marinho Quantas redes cabem num ponto? Análise da gestão em rede no Programa Cultura Viva Hanayana Brandão G. Fontes Lima Programa Cultura Viva e os Pontos de Cultura: reflexões sobre inovação, sustentabilidade e perenidade de políticas públicas Doriedson Alves de Almeida O Programa Cultura Viva como possibilidade para o desenvolvimento local César de Mendonça Pereira Letramento midiático e digital: prática educativa com base na cultura e comunicação Adriana Veloso Meireles 402 DIA 27/03 TEMÁTICA: ARTE E TRANSFORMAÇÃO: PROCESSOS E EXPERIÊNCIAS 9:00 às 12:30 (Mediação Antônia Rangel) A tradição do reisado como contra-ponto ao ponto de cultura de Cachoeira do fogo, sertão e tradição Rogerlando Gomes Cavalcante A experiência de Januária e os recursos da cultura Edilberto José de Macedo Fonseca Método Canavial Afonso Fernando Alves de Oliveira Um olhar sobre um ponto de cultura no Engenho Velho da Federação Marize Torres Magalhães Centro Cultural Arte em Construção: cultura e transformação em cidade Tiradentes Fabiana Peixoto de Souza 14 às 17:00 (Mediação Frederico Brito) Cultura Viva - Garimpo e Cultivo Cultural Gui Mallon Empreendendo e Integrando: uma análise sobre o ponto de cultura PIM Programa Integração pela Música Célia de Fátima Pinheiro Moreira Pontos de Cultura e as artes de tradição oral Kennedy Piau Ferreira e Bruna Muriel Fulcaldo Huertas Ponto de Cultura Arte educando: uma percepção da história oral Juliana Freitas Guimarães Mais formação cultural, mais arteducação transformadora Ney Wendell Fonte: http://culturadigital.br/teia2010/tag/seminario/ 403