UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE TEORIAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
PAULA PULGROSSI FERREIRA
CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA FREIRIANA PARA SE PENSAR A
DESIGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES E ENTRE
MULHERES.
SÃO CARLOS
2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE TEORIAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
PAULA PULGROSSI FERREIRA
CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA FREIRIANA PARA SE PENSAR A
DESIGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES E ENTRE
MULHERES.
Monografia referente a finalização do curso de Graduação
em Licenciatura em Pedagogia, da Universidade Federal
de São Carlos, como exigência para obtenção do Diploma.
Co- orientadora: Prof.ª Ms. Fransciele Clara Peloso.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Roseli Rodrigues de Mello.
SÃO CARLOS
2011
Dedico este trabalho a todas as mulheres que
convivem diariamente com preconceitos e injustiças e que,
mesmo assim, não deixam a esperança da luta torna-se
desesperança.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a minha orientadora Roseli Rodrigues de Mello e
minha co-orientadora Fransciele Clara Peloso pela paciência e delicadeza ao realizarem
as correções e contribuições a este trabalho.
Agradeço, também a minha querida amiga Adriana Zakia pelo companheirismo
ao longo desses quatro anos de graduação, pela doçura e sinceridade nos olhos..
E por fim, agradeço a minha mãe Silvia Helena Pulgrossi Ferreira pela
paciência, crença no meu trabalho e pelo exemplo sensacional de mulher, mãe, amiga e
companheira.
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo compreender quais são as contribuições da teoria
freiriana para a discussão referente à desigualdade de gênero, em nossa sociedade. Para
subsidiar a pesquisa, foi escolhido para ser analisado os livros: “Pedagogia do
Oprimido” (2005) , considerado a primeira obra em que o autor faz a denúncia sobre a
existência de uma sociedade de opressão e anuncia a possibilidade de sua superação,
através de um processo educativo crítico e libertador. E “Pedagogia da Esperança: um
reencontro com a Pedagogia do Oprimido” (1992) obra em que o autor retoma a
elaboração da primeira obra, a construção dos conceitos principais, responde as críticas
e relata as conseqüências e vivências possibilitadas pela repercussão do livro “
Pedagogia do Oprimido”. Neste sentido, para realizar este estudo, a metodologia usada
foi a pesquisa bibliográfica, com o intuito de dialogar com as outras perspectivas
existentes sobre a temática, visando desenvolver um trabalho que está em constante
movimento de reflexão. A partir da análise da obra, juntamente com leituras sobre a
temática de gênero, embasadas pelas obras de Dulce Whitaker “Mulher & Homem: o
mito da desigualdade” (1987), teoria do “Feminismo Dialógico” de Lídia Puigvert
(2001), contribuições de textos de Nalu Faria (2005) acerca da violência sobre a
mulher, de Cynthia Sarti (2001) para
contextualização histórica
do movimento
feminista no Brasil e também de Eliane Gonçalvez e Joana P. Pinto (2011) abordando
questões atuais do feminismo no Brasil. Foi possível evidenciar que a teoria freiriana,
referente à opressão dos indivíduos pertencentes à classe popular, que são explorados
em sua condição psicológica e trabalhista, pode ser usada para superar outras
desigualdades, neste caso, a desigualdade entre homens e mulheres, e que se pauta na
ideologia machista. Compreendendo a categoria “gênero” como um conceito que remete
a valores socialmente criados a partir das características biológicas de homens e
mulheres, e que dentre eles, os homens são considerados como superiores às mulheres,
é possível, a partir do método educativo elaborado por Freire (2005), promover uma
consciência crítica sobre a temática de gênero, buscando, através do dialogo, isto é, da
práxis autentica, a libertação das mulheres, com elas, e dos homens, por elas, dessa
relação opressora.
Palavras-chave: Paulo Freire. Pedagogia do Oprimido. Gênero.
Sumário
Introdução................................................................................................................... 1
Sessão 1: A obra “Pedagogia do Oprimido” e suas contribuições. ........................... 6
1.1 O contexto da obra “Pedagogia do Oprimido”. ....................................................... 6
1.2 Contexto do movimento feminista: anos sessenta e setenta. .................................... 8
1.3 “Pedagogia do Oprimido”: uma teoria crítica libertadora.........................................10
1.3.1 O método Paulo Freire: temas geradores................................................................16
1.3.2 Ação antidialógica..................................................................................................18
1.3.3 A Teoria da Ação dialógica: uma proposta de humanização.................................22
Sessão 2: a obra “Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do
Oprimido” e suas contribuições...................................................................................24
2.1 O contexto da obra “Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do
Oprimido”........................................................................................................................24
2.2 Contexto do feminismo nos anos 1980 e 1990..........................................................25
2.3“Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido.” .............26
2.3.1 Anuncio e críticas à “Pedagogia do Oprimido”......................................................27
Sessão 3 : Associação dos elementos presentes na teoria freiriana com as relações
desiguais entre homens e mulheres e entre mulheres.................................................35
3.1 Contexto do movimento feminista nos aos dois mil..................................................35
3.2 A denuncia da ideologia machista e o anuncio de sua superação: contribuições da
teoria freiriana..................................................................................................................37
Considerações Finais.....................................................................................................49
Referencias Bibliográficas............................................................................................51
Introdução
Este estudo tem por objetivo compreender as contribuições da teoria freiriana
para se pensar a desigualdade entre homens e mulheres e entre mulheres. Para subsidiar
essa compreensão, serão analisadas duas obras de Paulo Freire: Pedagogia do Oprimido
(2005) e Pedagogia da Esperança (1992).
A escolha pelo tema tem como pano de fundo a participação na disciplina
optativa “Feminismo Dialógico”, momento dedicado para discutir a desigualdade de
gênero, os movimentos feministas e por fim a proposta de um feminismo dialógico.
Para explicitar melhor esse cenário e, conseqüentemente, a escolha dessa temática, creio
ser importante fazer um breve panorama sobre os movimentos feministas e o conceito
de gênero.
Os movimentos feministas iniciaram-se no século XIX, na Inglaterra, e nos
Estados Unidos da América, com o objetivo de reivindicar direitos civis e igualdade de
condições trabalhistas; esse movimento tinha como participantes mulheres brancas de
classe média.
No século XX, o movimento feminista ganhou a conotação de “Feminismo da
Igualdade”, pois defendia o reconhecimento da igualdade entre todas as pessoas. Esse
movimento apresentou algumas conquistas, tais como: o direito ao voto, a educação, a
condições trabalhistas melhores e o apoio de creches.
Entretanto, essa concepção de “igualdade” acabou por desconsiderar as
diferenças entre as mulheres, promovendo grande desigualdade dentro do movimento.
Esse fato ocorreu porque uma minoria de mulheres (acadêmicas de classe média e
brancas) passou a acreditar que poderia pensar pela maioria.
Sob esta perspectiva, Puigvert (2001) ao contextualizar o período da
modernidade, afirma:
No obstante, se generaron otro tipo de jerarquías en los movimientos
sociales (entre ellos, el movimiento feminista). La Modernidad se
convirtió en un proyecto totalizador donde una pequeña minoría se
sentía portadora de la verdad. Cuando, como consecuencia de ello, se
dotó de todo el poder decisor a unas pocas personas, ‘guías’ de las
ideas y del movimiento, se dudó de las demás que formaban parte de
él. Así, la confianza en la capacidad de la razón para percibir la verdad
tan sólo estaba en manos de unas pocas líderes que en muchas
ocasiones olvidaron- o simplemente confundieron – temas importantes
que afectaban a todas las mujeres. (PUIGVERT, 2001 .p.33).
Ao final do século XX, a partir das correntes pós-modernas, concebeu-se o
“Feminismo da Diferença”, contrariando o “Feminismo da Igualdade”, ao centrar-se nas
diferenças entre homens e mulheres. Relacionado a isso, Puigvert (2001, p.39) assinala:
“Así surge el feminismo de la diferencia, entrado en desvelar las características que
separan a los géneros (nos niveles físico, biológico, cognitivo, entre otros) y la
imposibilidad de igualdad”.
Novamente, a luta feminina promove desigualdades entre as mulheres.
Acarretou a perda dos laços de solidariedade e igualdade, devido à negação do
Iluminismo (movimento global que considerou a razão o eixo central para a superação
dos regimes absolutistas e da presença excessiva da Igreja na política e na educação.
Baseado em três princípios: igualdade, fraternidade e liberdade) como uma maneira de
“la salida de esa sociedad patriarcal” (PUIGVERT, 2001). Nesse sentido, as conquistas
continuaram a favorecer apenas um pequeno número de mulheres (mulheres advindas
de classes econômicas privilegiadas e com diploma acadêmico).
Com o desenvolvimento da sociedade da informação, ocorreu o aumento dos
meios de comunicação e, conseqüentemente, a interação entre as pessoas passou a
ocupar maior espaço no âmbito social. Sendo assim, atualmente, uma corrente do
movimento feminista passou a incorporar o diálogo como instrumento de luta, com
vistas a respeitar as diferenças entre homens e mulheres e entre as próprias mulheres,
usando o termo “Igualdade de Diferenças” para caracterizar o tipo de luta que defende.
Esse movimento é chamado “Feminismo Dialógico”.
De acordo com Puigvert (2001):
En ese sentido, desde el diálogo e intercambio igualitario entre las
otras mujeres y las mujeres académicas podemos reorientar
conjuntamente la democracia a través de un feminismo que recoja la
plena diversidad de nuestras experiencias e intereses. (PUIGVERT,
2001. p .50)
Pelo exposto, é possível afirmar que os movimentos feministas se originaram no
século XIX. No entanto, os estudos sobre gênero surgiram somente na década de mil
novecentos e oitenta, com o objetivo de denunciar a ideologia machista presente nas
concepções de ser homem e de ser mulher. É importante ressaltar que a mulher era
entendida como pessoa inferior, inserida nessa sociedade.
Já no início dos anos de mil novecentos e noventa, a historiadora Joan Scott
(1995), uma intelectual feminista, desenvolveu um trabalho sobre a ausência da figura
feminina na história, trazendo, mais a fundo, a discussão sobre o significado do conceito
“gênero”.
Ela descreve o movimento realizado pelas feministas na elaboração e
interpretação do termo “gênero”, demonstrando a presença das relações de poder entre
os sexos e da subjetividade presente neste contexto.
Mais recentemente – recentemente demais para encontrar seu caminho
nos dicionários ou na enciclopédia das ciências sociais – as feministas
começaram a utilizar a palavra “gênero” mais seriamente, no sentido
mais literal, como uma maneira de referir-se à organização social da
relação entre os sexos. (SCOTT, Joan. 1995)
Portanto, o conceito de gênero se expressa na perspectiva de Scott (1995), como
símbolos construídos culturalmente sobre os sexos, a partir de uma determinada
organização social, promovendo uma interpretação desigual.
Nesse sentido, Whitaker (1988) faz referência à interpretação social das
diferenças entre os corpos de homens e mulheres:
[...] começarei dizendo que as diferenças entre homens e mulheres são
óbvias, já que ocorrem concretamente ao nível do corpo. Basta
contemplar as pessoas numa praia para que se perceba sua obviedade.
O intrigante é que a sociedade tenha necessidade de reinterpretá-las de
modo simbólico e artificial, transformando-as em desigualdades
sociais que atingem diferentemente mulheres do mundo inteiro.
(WHITAKER, 1988. p. 10)
Partindo do conceito de gênero explicitado por Scott (1995) e Whitaker (1988),
juntamente com o movimento “Feminismo dialógico” proposto por Puigvert (2001),
trago para essa discussão a perspectiva de oprimido explicitada por Paulo Freire (2005),
na qual considero que as mulheres devam ser compreendidas como oprimidas pela
ideologia machista.
Em seu livro "Pedagogia do Oprimido” (2005), Freire denuncia a relação de
opressão presente nas relações dos seres humanos, focando nas relações trabalhistas.
Para a superação dessa relação opressora, o autor propõe uma educação emancipatória,
crítica, dialógica e igualitária. Essa educação parte do conceito de “palavra verdadeira”,
que significa a coerência entre o discurso e a ação que visa à transformação do mundo.
A educação libertadora se pauta na problematização, pelos homens e mulheres,
de suas relações com o mundo, buscando uma relação “educador- educando” e
“educando- educador”, pois, para Freire (2005), essa relação deve ser dialógica, isto é,
“o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado em
diálogo com o educando, que ao ser educado também educa.”
Nesta perspectiva, o educador, juntamente com os estudantes, deve se tornar
investigador crítico da realidade, desenvolvendo uma relação simultânea entre
consciência e mundo. Assim, o entendimento da consciência e do mundo, como um
processo conjunto, permite que o indivíduo visualize o mundo a partir de sua realidade,
promovendo a sua emancipação, pois o homem e a mulher só podem atuar no mundo
depois que conseguem se perceber nele: “[...] aprofundando a tomada de consciência da
situação, os homens se ‘apropriam’ dela como realidade histórica, por isto mesmo,
capaz de ser transformada por eles” (FREIRE, 2005. p. 85)
Neste sentido, para Freire (2005), o diálogo se dá como uma “exigência
existencial”, pois é através da comunicação que existe sentido na vida humana. Sendo
assim, a “palavra verdadeira” é entendida como dialogo, pois é a partir dela que se
origina o dialogo e se possibilita a conscientização dos indivíduos, ou seja, a sua
emancipação. Percebe-se o diálogo como uma ponte que permite a conexão de todos no
mundo e com o mundo.
Portanto, como já foi explicitado anteriormente, o movimento referente ao
“Feminismo Dialógico” que discute as desigualdades de gênero, tendo como
instrumento o dialogo, relaciona-se com a perspectiva defendida por Freire (2005),
porque ambos visam a respeitar as diferenças, dando condições iguais a todos os
indivíduos, atribuindo a ação e a reflexão como partes fundamentais do mesmo. Devido
a isso, é de suma importância buscar compreender quais são as contribuições da teoria
contra opressão de Freire para se pensar a superação das desigualdades entre homens e
mulheres. E, para isso, pautarei este trabalho na analise de duas obras fundamentais da
teoria freiriana, que são: “Pedagogia do Oprimido”, na qual desenvolve a teoria da
superação da relação opressora, tendo como elemento fundamental o diálogo, e do livro:
"Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido” (1992), em
que retoma o livro “Pedagogia do Oprimido” (2005), dialogando com as críticas dos
(as) leitores (as), entre elas, a discussão sobre a suposta ausência da figura feminina em
sua teoria.
A análise das obras de Paulo Freire possibilitará uma visão mais fundamentada
sobre as contribuições do autor para se pensar as desigualdades das relações humana.
Sendo assim, para embasar o aporte teórico relativo as relações entre homens e
mulheres e entre mulheres, foram escolhidas as obras de Dulce Whitaker “ Mulher &
Homem: o mito da desigualdade” (1987), livro em que a autora descreve todo o
processo de socialização de meninos e meninas, com o intuito de destacar como as
mulheres são formadas pela sociedade para serem consideras inferiores aos homens. A
teoria do “Feminismo Dialógico” elaborada por Puigvert (2001), já exposta acima, que
apresenta o diálogo como meio de superação das desigualdades, juntamente com as
contribuições de textos de Nalu Faria (2005) acerca da violência sobre a mulher, de
Cynthia Sarti (2001) para contextualização histórica do movimento feminista no Brasil
e também de Eliane Gonçalvez e Joana P. Pinto (2011) abordando questões atuais do
feminismo no Brasil.
Desta forma, ressalto que este trabalho esta estruturado da seguinte forma:
inicialmente será feita analise da obra “Pedagogia do Oprimido” (2005), apresentando a
sua contextualização, o contexto do movimento feminista na época da elaboração do
livro e, por fim, os elementos principais da obra. Depois, na segundo sessão, será feito o
mesmo percurso realizado na sessão um, mas com a obra “Pedagogia da Esperança: um
reencontro com a Pedagogia do Oprimido” (1992).
Posteriormente, a terceira sessão trará o contexto atual do movimento feminista
no Brasil, e abordará a presença da mulher na sociedade, articulando-a com os conceitos
apontados ao longo das sessões anteriores.
E, por fim, será apresentada uma quarta sessão destinada às considerações finais,
retomando os pontos importantes deste trabalho e suas contribuições para a superação
das relações desiguais entre homens e mulheres.
1. Sessão primária: A obra “Pedagogia do Oprimido” e suas
contribuições.
Para poder discutir os principais conceitos apresentados por Freire em seu livro
“Pedagogia do Oprimido” (2005), creio que seja de fundamental importância
compreender o contexto em que esta obra foi escrita, pois a teoria defendida no livro foi
gerada ao longo de experiências vividas anos antes de sua publicação.
Deste modo, iniciarei esta sessão fazendo um breve panorama sobre a vida do
autor, partindo do momento em que iniciou sua carreira no âmbito da educação até a
publicação do livro “Pedagogia do Oprimido”, em 1970. Posteriormente, abordarei o
contexto do movimento feminista na mesma época em que a obra foi publicada e por
fim será feita uma análise do livro levantando alguns conceitos principais, necessários
para depois associar com a perspectiva da mulher na atualidade.
1.1. O contexto da obra “Pedagogia do Oprimido”.
Foi possível construir o histórico que aqui se apresenta, com o intuito de
fundamentar os contextos presentes ao longo da elaboração da obra “Pedagogia do
Oprimido” nos anos setenta, através da analise das obras “A história das idéias de Paulo
Freire e a atual crise de paradigmas” (SCOCUGLIA, 1999), que demonstra o processo
que levou Paulo Freire a escrever o livro base deste capítulo, bem como discorre acerca
da evolução dos conceitos usados pelo autor ao longo de sua trajetória. E “Paulo Freire:
aprendendo com a própria história” (ROSAS, 2000) que trás o histórico da vida de
Paulo Freire desde o período da infância até os últimos momentos dele em vida.
Paulo Freire formou-se em Direito, porém abandonou a carreira para trabalhar
na área de educação como professor de Língua Portuguesa no ensino fundamental, mais
especificamente na cidade de Pernambuco, em meados dos anos de 1940.
Em 1947, recebeu o convide de Paulo Rangel, para ser diretor da Divisão de
Educação e Cultura do SESI (Serviço Social da Indústria), no Estado de Pernambuco,
neste período já trabalhava com a alfabetização das classes populares.
Posteriormente, em 1961, foi indicado para ser diretor do Departamento de
Extensões Culturais da Universidade do Recife, onde também era professor e publicou o
seu primeiro livro “Educação e Atualidade Brasileira” (1959), o qual concorreu para a
cadeira de História e Filosofia da Educação, na Escola de Belas Artes da Universidade
de Recife.
Este momento também é marcado por uma instabilidade política, devido à alta
taxa inflacionária e ao aumento do déficit público do país, sendo assim, o presidente
João Goulart optou por estabelecer o Plano Trienal, que viabilizava diversas reformas
institucionais, chamadas de “Reformas de Base”.
Dentre as Reformas de Base, haviam aquelas que eram voltadas para o âmbito
da educação, a principal tinha como objetivo o combate ao analfabetismo e, neste caso,
o método desenvolvido por Freire, que tinha capacidade de alfabetizar muitas pessoas
em pouco tempo (mais ou menos quarenta dias) tornou-se o símbolo da campanha
contra o analfabetismo no Brasil, durante o governo de Goulart.
Para constituir esta reforma educacional foi elaborado pelo Ministério da
Educação e da Cultura o “Programa Nacional de Alfabetização”, que tinha como meta a
formação de uma grande quantidade de educadores (as) e conseqüentemente a
alfabetização de milhares de brasileiros (as), a partir do método Paulo Freire. Porém,
Goulart estava tendo dificuldade para dar andamento às reformas, pois elas se dirigiam
contra os interesses dos grandes proprietários, dos conservadores e da classe média
brasileira.
Por fim, essa convergência de interesses acarretou no golpe militar de 1964,
arquitetado pela Forças Armadas juntamente com o apoio da elite brasileira e dos
Estados Unidos da América, dando lugar à ditadura militar no Brasil.
É neste contexto que Paulo Freire foi preso, sendo acusado de comunismo e de
promover idéias subversivas. Sabemos que está prisão só ocorreu por conta da enorme
capacidade de alfabetização e a conseqüente politização da classe popular, a partir do
método desenvolvido por Freire.
Após setenta dias foi solto, contudo era muito arriscado ficar no Brasil, então
partiu para Bolívia, local onde iniciou o período do exílio.
Na Bolívia, mais especificamente em La Paz, foi contratado, pelo diretor do
Departamento de Educação, para assessorar o campo da educação primária e a de
adultos. Porém, por conta da elevada altitude da cidade, não agüentou ficar em La Paz e
mudou-se para Santiago, no Chile, onde retomou sua prática pedagógica como assessor
de Jacques Chonchol, Presidente do Instituto de Desarrollo Agropecuario (INPAD),
bem como, atuou no Instituto de Capacitación y Investigación de La Reforma Agrária.
Sua estadia no Chile durou cinco anos e ao longo deste período publicou o livro
“Educação como Prática da Liberdade” (1967) que, segundo Freire, representou uma
revisão de seu primeiro livro “Educação e Atualidade Brasileira” (1959).
O livro “Pedagogia do Oprimido” também foi escrito durante sua estadia no
Chile, porém só foi publicado em 1970 nos Estados Unidos, quando foi convidado a ser
professor visitante da Universidade de Harvard, devido ao enorme sucesso da obra
“Educação como Prática da Liberdade” (1967).
No Brasil, em decorrência do contexto político da ditadura, o livro “Pedagogia
do Oprimido” só foi publicado comercialmente em 1975, com o início da abertura
política.
Este livro representa o eixo central de todo o trabalho de Paulo Freire, pois é a
partir da proposta educativa exposta nele, que se concretiza a possibilidade de mudança
nas relações de opressão, apresentando como base um aporte teórico crítico, que revela
o diálogo, a educação e as relações entre as pessoas como ações que necessitam ser
pensadas com coerência e responsabilidade.
1.2. Contexto do movimento feminista: anos sessenta e setenta.
Após esta breve exposição acerca da vida do autor e da elaboração do livro
“Pedagogia do Oprimido”, pretende-se retratar também o contexto do movimento
feminista na América Latina, com foco no Brasil, na mesma época em que o livro foi
escrito, anos sessenta e setenta, para situar melhor o leitor em relação à temática desta
pesquisa.
No Brasil, o movimento feminista ganhou maior relevância na década de 1960,
este período foi marcado pelo governo de João Goulart, que em termos políticos se
encontrava em um momento de crise econômica, entretanto apresentava, ao mesmo
tempo, uma mudança de costumes, devido ao fato das mulheres já estarem inseridas no
mercado de trabalho, viabilizando assim, maior discussão sobre as desigualdades entre
homens e mulheres nos diversos espaços sociais.
Nas palavras de Sarti (2001):
A expansão do mercado de trabalho e do sistema educacional que
estava em curso num país que se modernizava, gerou, ainda que de
forma excludente, novas oportunidades para as mulheres. Este
processo de modernização, acompanhado pela efervescência cultural
de 1968, de novo comportamentos afetivos e sexuais relacionados ao
acesso a métodos anticoncepcionais e ao recurso ás terapias
psicológicas e à psicanálise, influenciou decisivamente o mundo
privado. (SARTI, Cynthia A. 2001, p. 36)
Segundo Sarti (2001), dentro deste contexto, a discussão realizada pelo
movimento feminista brasileiro apresentava duas vertentes: uma era voltada para o
âmbito público, tendo como foco as questões referentes à atuação pública das mulheres,
o trabalho e os direitos iguais de distribuição de poder entre homens e mulheres. E outra
vertente voltava-se para a questão da subjetividade, promovia grupos de estudos, tendo
como símbolo a concepção de que “o pessoal é político”.
Com o início da ditadura (1964), o movimento feminista se organizou na forma
de militância contra o regime militar, sendo importante destacar que a presença das
mulheres nas guerrilhas e nos movimentos de esquerda é uma característica do
feminismo em toda America Latina.
Ao longo da década de 1970, devido à resistência durante a ditadura militar, o
movimento feminista brasileiro passou a demonstrar um caráter mais radical, voltandose para a oposição à ditadura. Segundo Sarti (2001), o feminismo dos anos de 1960 é
um feminismo de esquerda: “A memória dos ‘anos de chumbo’, com os depoimentos de
mulheres militantes e vítimas da repressão militar permite dizer que o caráter radical do
feminismo brasileiro foi gestado sob a experiência da ditadura militar (...).” (SARTI,
Cynthia A. 2001, p. 2001)
Ainda na década de 1970, a ONU (Organização das Nações Unidas) definiu o
ano de 1975 como o Ano Internacional da Mulher, promovendo a mobilização das
mulheres na discussão acerca da condição feminina na sociedade.
Deste modo, o feminismo brasileiro, na década de 1970 se afirmou
demonstrando a necessidade de discutir a presença da mulher na sociedade a partir de
uma especificação própria. Sarti (2001, p. 39) destaca este momento da seguinte forma:
“A autodenominação feminista implicava, já nos anos de 1970, a convicção de que os
problemas específicos da mulher (não se falava em gênero na época), não seriam
resolvidos apenas pela mudança na estrutura social, mas exigiam tratamento próprio.”
A partir do panorama feito sobre a história do feminismo no Brasil, nas décadas
1960 e 1970, vale ressaltar, como característica central do movimento, o foco no âmbito
político. A intenção desta explicitação está em posteriormente poder relacionar o
conceito de “oprimido” elaborado por Freire, com as vivências das mulheres nas
diversas esferas sociais, juntamente com a proposta do “Feminismo Dialógico”.
1.3. “Pedagogia do Oprimido”: uma teoria crítica libertadora.
A partir da análise da obra “Pedagogia do Oprimido” (2005), pode-se constatar
que Paulo Freire tem por objetivo propor uma teoria libertadora, que faz a denúncia de
uma realidade opressora e anuncia a possibilidade de mudança através de um processo
educativo, crítico e libertador baseado no desenvolvimento da consciência critica dos
“oprimidos”.
De acordo com Freire (2005), oprimidos (as) são os (as) indivíduos que tiveram
sua humanidade roubada e não são vistos como humanos, mas como objetos. São
escravos (as) da realidade em que vivem, pois compreendem o individuo que está acima
deles, na hierarquia social, como o sujeito que pode ser mais humano do que eles. Isto é,
como estão inseridos em uma realidade de opressão, os (as) oprimidos (as) não se
reconhecem como capazes de pensar e realizar ações transformadoras. Portanto
aprendem a se ver no mundo como coisas, objetos que não pensam e por conseqüência
efetuam apenas as ações comandadas pelos indivíduos considerados “capazes” de
mudança, de pensar e de agir. Estes indivíduos que negam o direito de ser dos (as)
oprimidos (as) através da opressão, são nomeados por Freire (2005) de “opressores”.
A partir desta perspectiva, é possível pensar que existem diversas categorias de
oprimidos e oprimidas no mundo, como: negros (as), mulheres, pessoas idosas, pessoas
com necessidades especiais entre outras que são compreendidas pelo meio social como
menos capazes, quando comparadas ao
perfil padrão ocidental, que é o homem,
branco, cristão.
Sob esta perspectiva, Freire (2005) faz referência à realidade de opressão
presente na sociedade, na qual uma minoria (opressores) rouba a liberdade de pensar e
viver de uma maioria (oprimidos e oprimidas). Devido ao poder aquisitivo superior dos
opressores, juntamente com o desejo pelo poder, estes se tornam escravos do
materialismo, transformando tudo e todos (as) em objetos de poder. Freire (2005)
chama esse tipo de pensamento de “consciência possessiva do mundo”, pois os
opressores só se sentem humanos quando dominam algo.
Para Freire (2005) está realidade de opressão só poderá ser superada se os (as)
oprimidos (as) lutarem pela sua libertação e também pela a libertação dos opressores,
porque eles ao roubarem a liberdade dos (as) oprimidos (as) também são impedidos de
“ser mais”.
O conceito de “ser mais” está diretamente articulado com a questão da
humanização, pois ao buscar, através do pensamento crítico, compreender seu
movimento no mundo e com os outros, as pessoas estão buscando, necessariamente,
serem mais, aprenderem mais, compreenderem mais sobre o mundo a sua volta. Esse
movimento é essencialmente caracterizado pelo fato do sujeito conscientizar-se, pois
necessita da coerência entre ação e pensamento, evidenciando que cada um se torna
sujeito de seu próprio processo de desenvolvimento crítico em diálogo com o mundo.
No contexto da opressão, a partir dos mecanismos de repressão do pensar e do
fazer, os (as) oprimidos (as) são proibidos (as) de ser, tendo, assim, sua humanidade
roubada.
Os opressores também não podem ser mais, pois, ao oprimirem as outras
pessoas, são impedidos de compreender criticamente o seu movimento no mundo e,
principalmente, com os outros. Nas palavras de Freire (2005):
Os opressores, violentando e proibindo que os outros sejam, não
podem igualmente ser; os oprimidos, lutando por ser, ao retirar-lhes o
poder de oprimir e de esmagar, lhes restauram a humanidade que
haviam perdido com o uso da opressão.( 2005, p . 48)
Portanto, somente os (as) oprimidos (as) podem libertar os opressores, pois
ninguém melhor que os (as) oprimidos para compreender os prejuízos que a opressão
traz a humanidade das pessoas, ao não permitirem que todos tenham a mesma condição
de pensar e agir autonomamente sobre e com o mundo. Entretanto, Freire (2005)
destaca que os (as) oprimidos (as), mesmo estando na condição de “coisas”, têm medo
da liberdade, porque já se encontram em uma luta com eles mesmos, na qual apresentam
o desejo de serem iguais ao opressor (hospedam o opressor dentro de si) e, ao mesmo
tempo, esperam que esta hierarquia opressora acabe.
Freire (2005), neste livro, faz a seguinte afirmação acerca da dualidade vivida
pelos oprimidos: “O seu ideal é, realmente, ser homens, mas para eles, ser homens, na
contradição em que sempre estiveram e cuja superação não lhes está clara, é ser
opressores.” (FREIRE, 2005, p. 35)
Podemos relacionar este tipo de comportamento com a necessidade de algumas
mulheres precisarem fazer uso de comportamentos e roupas mais masculinas para
poderem ser reconhecidas em seu meio de trabalho. Ou, também, pode-se refletir sobre
o comportamento existente, nas décadas de 1960 e 1970, das mulheres que participaram
das guerrilhas contra a ditadura, tendo estas a negação do papel tradicionalmente
atribuído à mulher valorizando, assim, o perfil considerado como masculino.
Nas palavras de Sarti:
“(...) ‘comportando-se como homens’, pegando em armas e tendo
êxito neste comportamento, o que, como apontou Garcia, ‘
transformou-se em um instrumento sui generis de emancipação, na
medida em que a igualdade com os homens é reconhecida, pelo menos
retoricamente.” (2001, p. 34)
Visando superar essa relação desigual, entre oprimidos (as) e opressores, a
proposta de Freire (2005, p. 34) pauta-se em uma Pedagogia “que faça da opressão e de
suas causas objeto de reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu engajamento
necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará e refará”.
Nesta luta pela liberdade, é preciso que o (a) oprimido (a) consiga emergir da
realidade opressora através da “práxis autêntica”, isto é, através do processo de
“reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela, é impossível a
superação da contradição opressor-oprimido” (FREIRE, 2005, p. 42).
A linguagem usada nesta obra faz menção apenas aos homens, não incluindo a
palavra “mulher” ou “mulheres” nas colocações, porém pretende-se partir do conceito
central de “oprimido”, que neste trabalho é entendido como uma categoria que inclui as
mulheres, como já foi demonstrada acima. Portanto, nos utilizamos, ao longo deste
texto, da palavra “oprimidas”1.
Ao longo de toda obra “Pedagogia do Oprimido”, o autor destaca a necessidade
da inserção crítica no mundo, ou seja, a realização da práxis tendo como sujeito desse
movimento libertador o (a) próprio (a) oprimido (a), pois apenas quando o (a) oprimido
(a) reconhecer que sofre opressão poderá lutar por sua liberdade, fazendo disso o motor
de sua transformação.
1
Freire, na obra “Pedagogia da Esperança” (1992), irá discorrer sobre esta questão; o argumento usado
pelo autor será discutido na próxima sessão.
Neste processo de reconhecimento da realidade, existe uma tendência dos
opressores comporta-se “neuroticamente”, quando este processo contrapõe-se aos seus
interesses individuais. Nessa situação, o individuo não nega os elementos que
reconhece, mas começa a distorcê-los tornando o que foi reconhecido algo fantasioso.
Logo, Freire (2005) explica que, para combater esse tipo de comportamento, é
preciso compreender os conceitos de “subjetividade” e o de “objetividade”.
“Subjetividade”, refere-se à dimensão do sujeito que abrange elementos relativos apenas
ao particular, aos pensamentos do indivíduo. Já a “objetividade” é um conceito derivado
da palavra “objetivo”, que representa a dimensão externa ao individuo, esta diretamente
ligada a realidade material.
Ambos os conceitos são entendidos socialmente como elementos opostos ou
dicotomizados; entretanto, Freire (2005) os retoma com o intuito de demonstrar que
estes conceitos devem ser vistos como complementares, pois apenas através da
coerência entre reflexão (pensamento que ocorre na dimensão subjetiva da individuo) e
a ação no mundo (dimensão objetiva) pode-se desenvolver uma verdadeira práxis e,
portanto, o reconhecimento crítico da realidade.
Sob esta perspectiva, sem a dialética entre eles, não seria possível realizar uma
inserção crítica verdadeira, pois para Freire (2005) se a reflexão é verdadeira, ela
conduz à prática.
Com efeito, o autor destaca que somente a partir do reconhecimento do limite
imposto pela realidade opressora, os (as) oprimidos (as) compreenderão que é possível
transformá-la, entendendo-se como sujeitos do mundo e não mais objetos. Neste caso, o
instrumento para o desenvolvimento da criticidade é a práxis autêntica.
A proposta da Pedagogia do Oprimido apresenta dois momentos distintos: o
primeiro refere-se ao momento de identificação da realidade presente a partir da
dialética entre reflexão e ação, sendo o (a) oprimido (a), um sujeito que passa a estar
comprometido com sua transformação. O segundo momento é quando esta Pedagogia
deixa de pertencer aos oprimidos e passa a ser de todas as pessoas. Este momento só
ocorrerá após a transformação de oprimidos (as) para sujeitos do mundo.
Portanto, se faz necessário ressaltar que a proposta de uma Pedagogia dos
Oprimidos tem por objetivo compreender os (as) oprimidos (as) como sujeitos
responsáveis por sua transformação, sendo assim, o reconhecimento da realidade em
que estão deve ser feito com eles e não para eles, como se fosse uma doação de saber.
Este reconhecimento incita a motivação para a luta organizada contra o regime opressor,
possibilitando assim, a crença na sua capacidade de libertação e, conseqüentemente, de
movimentação no mundo e com o mundo.
Deste modo, Freire (2005) explicita a importância de uma educação que se faça
com os (as) oprimidos (as) e não para os (as) oprimidos (as), fazendo a crítica ao tipo de
educação que entende o processo de ensino-aprendizagem como uma doação,
nomeando-a de “educação bancária”.
Nesta perspectiva, o professor representa o papel de um sujeito superior aos
educandos e estes não são convidados a participar do processo de ensino, apenas devem
ficar sentados arquivando todos os conteúdos despejados pelo professor. Logo, esta
“educação bancária” não promove o conhecimento do contexto, nem incita
questionamentos sobre o mundo, apenas torna os educandos seres passíveis e cada vez
mais distantes de desenvolverem o pensamento autêntico. Fazendo referência a esta
concepção, Freire (2005) afirma que:
Nas aulas verbalistas, nos métodos de avaliação dos ‘conhecimentos’,
no chamado ‘controle de leitura’, na distância entre educador e
educando, nos critérios de promoção, na indicação bibliográfica, em
tudo, há sempre a conotação digestiva e a proibição do pensar
verdadeiro.” ( FREIRE. 2005, p. 73)
O objetivo do autor ao fazer a crítica à educação bancária é nos mostrar que ela é
usada como forma de dominação, pois ao impedir a reflexão e o posicionamento no
mundo dos educandos, esta impõe um modo único de ver e de pensar o mundo.
Deste modo, pode-se considerar que a educação, ao ser responsável pela
socialização das pessoas, reproduz valores e ideologias carregados de significados
implícitos, assim se faz de suma importância refletir sobre como a formação de meninos
e meninas contribui para a reprodução da ideologia machista. Sob esta perspectiva,
Dulce Whitaker (1987) afirma que tanto a educação formal (escola), quando a educação
informal (família, centro de convivência, dentre outros) difunde uma concepção de
mulher inferior a de homem de forma muito naturalizada.
Na escola, a desvalorização feminina pode ser identificada nos currículos
escolares, ao não abordarem os feitos femininos presentes nas disciplinas como, por
exemplo: a presença da mulher na história, as descobertas realizadas por mulheres na
ciência, até o desenvolvimento físico proposto pelas aulas de educação física que
acabam por estabelecer brincadeiras diferentes para meninos (como por exemplo:
futebol, basquete) e meninas (como por exemplo:vôlei, handball). Essa diferenciação
está presente até mesmo nos livros didáticos, que veiculam uma imagem que retrata a
mulher apenas no ambiente do lar, sempre enfatizando o papel materno.
Uma questão interessante levantada por Whitaker (1987) é a presença maciça de
mulheres, como professoras, no ensino fundamental. Para a autora, a escola acaba por
reproduzir o contexto familiar, no qual o pai é ausente, mas sempre detém o poder
(figura do diretor) e a mulher desenvolve ações destinadas ao lar (professora em sala de
aula). Logo, não é difícil encontrarmos crianças chamando a professora de “tia”.
Outro fator que colabora para uma educação reprodutora de desigualdade é que a
sociedade tem expectativas diferentes em relação à formação de meninos e meninas. As
meninas são avaliadas pela questão da aparência (limpa, bem arrumada) e do
comportamento passívo, já os meninos são avaliados pelo domínio de conteúdo, esperase dele que tenha atitudes mais agressivas e agitadas.
Para explicitar melhor a necessidade de mudança na educação, destacamos um
trecho do livro “Mulher & Homem: o mito da desigualdade” de Whitaker:
Para alterar o conceito de feminino na sociedade, não serão
bastantes leis que estabeleçam direitos e igualdade. É
imprescindível que, paralelamente, a criança venha sendo
educada, já, desde o lar, neste princípio (1987, p. 64).
Com efeito, a proposta de Freire traz uma perspectiva do processo educativo,
baseada na práxis autêntica e em conteúdos vinculados com a realidade concreta dos
educandos, além de promover a descoberta crítica da realidade; também possibilita a
politização dos indivíduos, pois ao problematizar o mundo, conseqüentemente promove
a sua transformação. Logo, ao problematizar a presença feminina nos ambientes sociais
para e com os educandos, possibilita-se também a percepção crítica acerca das relações
entre homens e mulheres.
Nesta concepção de educação, a relação educador-educando aparece mediada
pelo diálogo, tornando-se uma relação de “educador-educando-educando-educador”, na
qual, ambos ensinam e ambos aprendem. O papel do educador, na educação libertadora,
é de com os educandos (as) possibilitar que todos (as) desenvolvam a consciência crítica
através da práxis autêntica, pois a relação consciência-mundo ocorre simultaneamente, e
não primeiramente uma e posteriormente outra. Por isso, essa educação permite que as
pessoas reconheçam que atuam no mundo, a partir de como o percebem, portanto é
preciso problematizar a realidade.
Fica claro que esta pedagogia apresenta, como ponto central, a necessidade de
estar em constante movimento de mudança em busca da “humanização”, devido ao fato
de que as pessoas se tornam sujeitos a partir de seu movimento no mundo, sendo este
movimento permanente tendo como objetivo a superação da falsa consciência do
mundo.
De acordo com Freire (2005), o diálogo é ato indispensável à vida das pessoas,
uma vez que é a partir dele que as pessoas se movem e se colocam em relação com as
outras pessoas e com o mundo. Nesse sentido, esta concepção de educação traz o
diálogo como instrumento educativo, compreendendo que o outro sempre mostrará algo
sobre o que a pessoa ainda não refletiu; logo, não é possível humanizar-se sozinho, ou
sozinha.
Nesse entender, o diálogo não pode ser a imposição de uma idéia sobre outra,
tampouco palavra pronunciada sem coerência com a ação, e, sim, uma maneira de
possibilitar a humanização.
Com efeito, o diálogo tem como essência a “palavra verdadeira”, esta possui
duas dimensões: a ação e a reflexão. A palavra verdadeira representa a coerência
presente entre estas duas dimensões, ou seja, ela é a práxis autêntica. Portanto, “não há
palavra verdadeira que não seja práxis. Daí que dizer a palavra verdadeira seja
transformar o mundo.” (FREIRE, 2005, p. 89)
É preciso ressaltar que realizar somente a reflexão, considerando o âmbito da
ação, separadamente, torna a palavra “inautêntica”, todavia esta não pode gerar
transformação na realidade, sendo assim, é uma palavra oca. E realizar apenas “ação
pela ação” sem refletir sobre ela, torna a prática “puro ativismo”, impossibilitando,
assim, a práxis presente no diálogo e conseqüentemente a transformação da realidade.
Esta discussão refere-se diretamente aos conceitos de subjetividade e objetividade, já
citados, os quais Freire (2005) coloca como complementares.
O diálogo também evidencia o compromisso das pessoas com o pensamento
crítico, que compreende a realidade como um meio em constante transformação,
contrariando a idéia de estabilidade absoluta, na qual a realidade é compreendida como
imutável (opressora), impedindo os homens e as mulheres de serem sujeitos de sua vida.
Frente ao exposto, se faz necessário ressaltar a validade do uso do diálogo como
instrumento de luta, pois o diálogo permite que os argumentos tenham relevância sem a
desvalorização do outro, e é a partir desta noção de igualdade perante o diálogo que o
feminismo dialógico se embasa para buscar a superação da ideologia machista.
1.3.1. O método Paulo Freire: temas geradores
Na obra aqui analisada, Freire (2005) propõe um método educacional pautado na
organização de um “conteúdo programático” e no trabalho com “temas geradores”,
ambos mediados pelo diálogo e pelo desenvolvimento da consciência crítica.
O processo educativo proposto por Freire (2005) tem como ponto de partida a
investigação do pensar dos homens, ela representa o objeto de estudo e os educandos
são os sujeitos que, juntamente com o educador, irão explorá-lo.
Para o autor, a realidade está diretamente ligada ao pensamento, pois mundo e
consciência são elementos que se dão simultaneamente, isto é, o pensamento se dá a
partir da percepção do individuo em uma determinada realidade e a partir dessa relação
o individuo possui uma linguagem para se comunicar. A linguagem, por sua vez, resulta
no diálogo, sendo assim, é preciso dialogar com o educando, para poder promover uma
investigação sobre o pensamento-linguagem da realidade em que se encontra e por fim
planejar o conteúdo educativo. É importante destacar que a investigação do pensamento
é o objeto de estudo e não os educandos.
Neste sentido, o processo educativo inicia-se a partir de uma conversa informal
com os indivíduos da região escolhida, visando apresentar a proposta de educação. Se
os participantes da região concordarem com a proposta dos educadores, é feito o convite
para que alguns indivíduos da comunidade estejam presentes mais ativamente no
processo de investigação daquele contexto.
A investigação começa através da coleta de informações sobre a localidade, os
costumes, as palavras mais usadas, elementos daquela cultura, juntamente com a
observação do contexto.
A observação é feita de forma solidária, não tem o objetivo de fazer julgamentos
em vista aquela realidade. O processo de coleta terá como seus principais sujeitos os
participantes advindos da comunidade.
A partir das situações observadas, selecionam-se aquelas que possibilitarão
maior discussão sobre a realidade concreta, e também sobre os aspectos contraditórios
presentes na mesma. Deste modo, é feita a escolha dos “temas geradores”; esta decisão
tem por meta apresentar aos indivíduos as temáticas significativas da realidade em que
estão presentes.
A discussão dos temas geradores se dá a partir da “codificação” das
“contradições” evidenciadas pelos investigadores daquela realidade. A codificação
consiste em uma representação de uma situação concreta, que tem por objetivo
apresentar elementos que fazem referência a situações contraditórias vivenciadas pelos
participantes. Estes têm por função descodificar esta situação, através de uma análise,
trazendo os elementos da situação representada para a realidade, promovendo assim
uma visão total da realidade. Dessa forma, “o sujeito se reconhece na representação da
situação existencial ‘codificada’, ao mesmo tempo, que se reconhece nesta, objeto agora
de sua reflexão, o seu contorno condicionante em e com que está, com outros sujeitos” (
FREIRE. 2005, p. 113).
Esse momento promove um novo conhecimento e uma
nova percepção, podendo assim elaborar um plano educativo através dos conteúdos
levantados ao longo das descodificações, sendo este o conteúdo programático da ação
educativa.
Logo, pode-se compreender que o método desenvolvido por Paulo Freire
possibilita que os indivíduos, sendo sujeitos participantes de seu processo educativo,
desenvolvam a consciência crítica sobre a realidade, que antes, devido ao processo de
opressão, estavam impedidos de ver e analisar. Esta metodologia mostra aos novos
homens e mulheres que podem ser sujeitos históricos, transformando o mundo de
acordo com sua práxis autêntica.
A partir do exposto, fica claro o vínculo desta educação com a política,
explicitando assim a grande ameaça que o método elaborado por Paulo Freire tornou-se
para os representantes políticos conservadores.
1.3.2. Ação antidialógica
Para finalizar a obra, Paulo Freire (2005) dedica o último capítulo à teoria da
ação antidialogica, permitindo uma retomada dos conceitos referentes à transformação
da realidade, opressores e massa oprimida, para posteriormente abordar de forma mais
consistente a Teoria da ação dialógica.
Como já foi ressaltado ao longo do texto, a Pedagogia do Oprimido apresenta
dois momentos: o primeiro momento de conscientização crítica através da práxis e o
segundo que estabelece a transformação da realidade em que esta Pedagogia não seria
mais dos (as) oprimidos (as), mas de todos os sujeitos, pois não haveria mais uma
sociedade de opressão.
Para que este segundo momento se concretize, Freire (2005) aborda a
necessidade de uma liderança revolucionária que se proponha a lutar juntamente com a
massa oprimida. Neste caso, diferentemente do que ocorre na realidade opressora, esta
forma de liderança é pautada no diálogo direto com as massas e não pretende dirigi-las,
mas, com elas, buscar a revolução.
A liderança revolucionária é descrita por Freire (2005) da seguinte forma:
Desde logo, de modo geral, esta liderança é encarnada por homens
que, desta ou daquela forma, participavam dos estratos sociais dos
dominadores. Em um dado momento de sua experiência existencial,
em certas condições históricas, estes, num ato de verdadeira
solidariedade (pelo menos assim se deve esperar), renunciam à classe
à qual pertencem e aderem aos oprimidos. (FREIRE. 2005, p. 186)
A adesão aos oprimidos implica no diálogo com eles (as) inicialmente, no
primeiro momento da Pedagogia do Oprimido, quando estes (as) ainda hospedam o
opressor dentro de si, a liderança tem o papel de problematizar a realidade para
desmitificá-la. No segundo momento desta Pedagogia, quando os (as) oprimidos (as),
superando a sua dualidade, conseguem enxergar o opressor fora de si, a liderança passa
a ter o apoio dos oprimidos para viabilizar a revolução social e cultural através da ação
dialógica.
O diálogo, neste contexto, se dá como essência da ação libertadora, pois sem ele
não é possível estabelecer a práxis, e é por isso que este momento só deve ocorrer após
a conscientização crítica dos indivíduos. Logo, sem o diálogo com os (as) oprimidos
(as), a liderança não poderá transformar a realidade opressora, pois estará promovendo a
prática do opressor que é negar o diálogo.
Os opressores mantêm a realidade opressora a partir desse tipo de atitude,
porque ao impedir a intercomunicação entre os (as) oprimidos (as), como sujeitos
pensantes e transformadores, cria uma forma de aliená-los, impondo-lhes uma realidade
imutável. Freire (2005) destaca, ao longo da obra, que os opressores compreendem os
(as) oprimidos (as) como seres antagônicos a eles.
Neste caso, também é possível pensar na ideologia machista que promove a
competitividade entre mulheres em diversos âmbitos (afetivos,
social etc),
impossibilitando a realização do diálogo verdadeiro entre elas, e levando
conseqüentemente à sua desunião.
Freire (2005) chama a atenção para algumas ações equivocadas que a liderança
pode vir a ter, como o fato de acreditar que só será possível promover uma educação
crítica após a revolução. Esta atitude nega o caráter pedagógico da revolução, pois como
já foi explicitado acima, a transformação da realidade opressora só é possível a partir da
práxis autentica dos (as) oprimidos (as).
Para retratar melhor a realidade opressora, Freire (2005) elenca quatro
características da ação antidialogica presente na realidade opressora, que são as
seguintes: a “conquista”, a “necessidade de dividir” para manter a opressão, a
“manipulação” e a “invasão cultural”.
Segundo ele, os opressores precisam ”conquistar” os (as) oprimidos (as) para
oprimi-los (as) mais, através de uma falsa admiração:
Todo ato de conquista implica um sujeito que conquista e um objeto
que é conquistado. O sujeito da conquista determina uma finalidade ao
objeto conquistado, que passa, por isto mesmo, a ser algo possuído
pelo conquistador. Este, por sua vez, imprime sua forma ao
conquistado que, introjetando-o, se faz um ser ambíguo. Um ser, como
já dissemos, “ hospedeiro do outro”. ( FREIRE. 2005, p.157)
Partindo da perspectiva do opressor, este se esforça para que o (as) oprimido (a),
além de admirá-lo, tenha uma falsa consciência do mundo através da proibição do
diálogo e da mitificação do mundo. Como não é permitido ao oprimido ser sujeito e ter
consciência da realidade em que vive, o opressor cria um mundo falso, uma realidade
dada e imutável, a qual aliena os (as) oprimidos (as) para que eles (as) acreditem que
apenas sendo o opressor é possível “ser”. É a partir desse processo de conquista que os
opressores dominam os (as) oprimidos (as) como “coisas”.
A “manipulação” aparece, neste contexto, como um instrumento utilizado no
momento da “conquista” dos (as) oprimidos (as) que tem por objetivo inculcar nestes o
desejo de ser o opressor.
Nesta realidade, no lugar da comunicação, encontram-se os comunicados, estes
têm por objetivo apenas passar a informação, não é permitido aos oprimidos (as) pensar
sobre ele ou tentar conversar sobre. Estes comunicados visam difundir os mitos que
impedem os (as) oprimidos (as) de compreender a realidade e os (as) colocam em mais
contradição, pois ao falarem que as coisas são de um jeito, na realidade são de outro.
A outra característica, “dividir para manter a opressão”, também, como todas as
ações dos opressores, negam o diálogo, evidencia a necessidade que os opressores têm
de dividir os (as) oprimidos (as) , para que estes (as) nunca se unifiquem, sendo esta
uma condição fundamental para se manter no poder.
A última característica citada pelo autor é a “invasão cultural” que representa a
determinação de um cultura de poucos ( opressores) para muitos (oprimidos e
oprimidas).
Desrespeitando as potencialidades do ser a que condiciona, a invasão
cultural é a penetração que fazem os invasores no contexto cultural
dos invadidos, impondo a estes sua visão de mundo, enquanto lhes
freiam a criatividade, ao inibirem sua expansão. (FREIRE. 2005, p.
176)
Esta prática de dominação é, ao mesmo tempo, tática para “conquistar”, pois o
importante é fazer com que os invadidos vejam a realidade a partir da perspectiva dos
invasores e não através do seu olhar como sujeito atuante no mundo e com os outros.
A cultura invasiva também está presente nos ambientes sociais destinados à
formação, como, por exemplo: escolas e universidades. É importante ressaltar que as
relações também se dão dentro desses ambientes, portanto os indivíduos são formados a
partir dessa perspectiva que considera como “correta” apenas uma forma de pensar, a
dos opressores. Para explicitar melhor essa concepção, é possível destacar o afirmado
por Freire: “Os lares e as escolas, primárias, médias e universitárias, que não existem no
ar, mas no tempo e no espaço, não podem escapar às influências das condições objetivas
estruturais. Funcionam, em grande medida, nas estruturas dominadoras, como agências
formadoras de futuros ‘invasores’. (FREIRE. 2005, p. 176 )
A partir desse trecho, fica evidente a importância de repensar como as relações
entre os indivíduos se dão no mundo, pois estas são reproduzidas de geração a geração.
Partindo desta perspectiva, também se faz necessário refletir acerca da reprodução da
ideologia machista na formação dos educandos, que se dá através de imagens,
comportamentos, conteúdos, linguagem, entre outros meios presentes ao longo da
formação que contribuem de maneira direta e indireta para a desvalorização das
mulheres.
Logo, a educação transformadora, ao conceber a relação educador-educando
como uma relação dialógica, tem por objetivo quebrar o papel repressivo do professor
em sala de aula e da opressão social. Deste modo, quando a liderança revolucionária
chegar ao poder, deve tomar cuidado para não cair “em posições irracionalmente
sectárias”, devido ao fato de participarem de uma cultura opressora. Relacionando a
isso, o autor destaca que após a chegada ao poder é necessário fazer uma revolução
cultural:
Isto exige da revolução no poder que, prolongando o que antes foi
ação cultural dialógica, instaure a “revolução cultural”. Desta maneira,
o poder revolucionário, conscientizado e conscientizado, não apenas é
um poder, mas um novo poder; um poder que não é só freio necessário
aos que pretendam continuar negando os homens, mas também um
convite valente a todos os que queiram participar da reconstrução da
sociedade. ( FREIRE. 2005, p. 180-181)
Portanto, é a partir dessa relação dialógica e solidária que a revolução deve se
estabelecer, tendo sempre como objetivo o fim da desumanização e o início da busca
pela humanização através da ação e a reflexão
1.3.3. A Teoria da Ação dialógica: uma proposta de humanização.
Assim como a Teoria Antidialógica apresenta quatro características que estão
diretamente articuladas entre si, a Teoria da Ação Dialógica também apresenta quatro
dimensões principais, que são: a “co-laboração”, a “união”, a “organização” e a “síntese
cultural”.
A co-laboração representa a importância da comunhão entre as pessoas para a
transformação do mundo, através do diálogo os (as) oprimidos (as) buscam ser mais
com os outros. Complementando o sentido da “co-laboração”, a dimensão referente á
“união” apresenta a necessidade de união entre os indivíduos para sua libertação, pois,
como já foi citado nesta seção, “ninguém se liberta sozinho”, sendo assim, a liderança
revolucionária tem de lutar contra a dualidade dos (as) oprimidos (as), desmitificar a
realidade, para que através da ação libertadora possa haver a união entre eles,
viabilizando assim a revolução em si.
A “união” desdobra-se conseqüentemente na dimensão da “organização”, neste
momento a liderança revolucionária faz o testemunho ás massas populares,
demonstrando que a luta pela libertação é uma tarefa que se dá a partir da comunhão
entre ambas.
Portanto, o testemunho deve ser compreendido como um ato que visa a
“organização” dos oprimidos juntamente com a liderança.
Entretanto, o modo de
organização do contexto revolucionário pauta-se em uma concepção que tem por
objetivo unir liderança e oprimidos (as), contrariando a idéia opressora, que seria o ato
da liderança organizar as massas.
Esta forma de organização proposta pela teoria dialógica, não é um tipo de
“liberalismo”, pois “levaria as massas oprimidas – habituadas a opressão - a
licenciosidades.” ( FREIRE. 2005, p. 206). Lembrando que a teoria libertária, nega tanto
a licenciosidade quanto o autoritarismo, ambos presentes na realidade opressora, e
promove a liberdade e a autoridade.
Estes dois conceitos são apresentados por Freire (2005) como fatores
complementares: o conceito de autoridade não representa “autoritarismo”, mas sim a
possibilidade do indivíduo tomar a decisão de aderir a revolução de forma simpática,
sendo assim, o autoritarismo nega a autoridade que por conseqüência nega a liberdade
do individuo tomar a decisão. Contudo, na Ação Antidialógica, autoridade e liberdade
são considerados como elementos antagônicos, promovendo assim, a opressão e a
licenciosidade.
Por fim, a dimensão “síntese cultural” também se relaciona com todas as outras,
esta se refere à ação cultural, que pode também promover a opressão, pois se encontra
diretamente ligada à estrutura social.
Com o intuito de acabar com a perspectiva opressora, a síntese cultural “é a
modalidade da ação com que, culturalmente, fará frente à força da própria cultura,
enquanto mantenedora das estruturas em que se forma”. (FREIRE. 2005, p. 209). Neste
sentido, a ação cultural se dá como uma ação histórica, que têm como objetivo ser o
próprio instrumento para a cultura dominante alienadora. Para explicitar melhor esta
dimensão, Freire (2005) fala sobre os temas geradores, demonstrando que a
investigação temática já é uma ação de síntese cultural.
Deste modo, ao invés de impor apenas um tipo de visão, a “síntese cultural”
possibilita que as diferentes visões se encontrem e complementem uma a outra, por isso
que Freire (2005) usa a palavra “síntese”, para representar o constante movimento de
reflexão sobre o que está sendo.
Para finalizar, Paulo Freire (2005) ressalta que o objetivo do livro é mostrar que
assim como o opressor se baseia em uma teoria para oprimir, os (as) oprimidos (as)
precisam de uma para se libertar, além da necessidade de uma liderança:
O povo, por sua vez, enquanto esmagado e oprimido, introjetando o
opressor, não pode, sozinho constituir a teoria da ação libertadora.
Somente no encontro dele com a liderança revolucionária, na
comunhão de ambos, na práxis de ambos, é que está teoria se faz e se
refaz (FREIRE, 2005, p 213).
Logo, a teoria da libertação se apresenta como uma práxis autêntica que se
encontra em constante movimento, tendo como objetivo o seu constante refazer,
buscando a humanização de todos e todas.
Sessão 2: a obra “Pedagogia da Esperança: um reencontro com a
Pedagogia do Oprimido” e suas contribuições.
Pretende-se apresentar nesta segunda sessão o contexto em que foi escrito o livro
“Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido”, a perspectiva
do movimento feminista naquela época ( anos oitenta e noventa) e por fim ressaltar as
contribuições desta obra.
2.1 O contexto da obra “Pedagogia da Esperança: um reencontro com a
Pedagogia do Oprimido”
Com base na obra “Paulo Freire: aprendendo com a própria história” ( ROSAS,
2000) foi possível construir o breve histórico da vida de Freire relativo ao contexto da
obra “Pedagogia da Esperança” (1992 que será apresentado a seguir. Esta obra foi
escolhida, pois Rosas (2000) retrata o momento que Freire volta ao Brasil e suas ações
políticas entorno da educação brasileira, e a necessidade de escrever sobre seus sonhos,
portanto representa a trajetória do autor no momento da escrita do livro base deste
capítulo.
O retorno do exílio de Paulo Freire se deu devido a promulgação da lei n° 6.683
em 1979, pelo presidente Figueiredo, que concedeu a anistia ao exilados por crimes
políticos entre os períodos de setembro de 1961 e agosto de 1979.
Este momento foi marcado pela filiação do autor ao Partido dos Trabalhadores
(PT) em São Paulo, que posteriormente com a eleição de Luiza Erundina (1988), lhe
ofereceu o cargo de secretário de Educação da Cidade de São Paulo durante os anos de
1989 á 1993.
Ao longo desse período Freire criou o Movimento de Alfabetização de Jovens e
Adultos (MOVA), um projeto que apresenta como proposta a união do Estado com
organizações da sociedade civil em prol do acesso e permanecia de jovens e adultos no
âmbito educacional, com foco na alfabetização.
Outro marco desta época foi a criação do Instituto Paulo Freire em 1991, com o
objetivo de divulgar e ampliar as idéias do autor. Atualmente o instituto representa uma
rede internacional que abrange mais de 90 países, dando continuidade as propostas de
Freire.
E em 1992, com a intenção de re-analisar sua obra central “Pedagogia do
Oprimido” (1967), escreveu o livro “Pedagogia da Esperança: um reencontro com a
Pedagogia do Oprimido”, visando demonstrar a elaboração da primeira obra, a
construção dos conceitos principais, responder as críticas e relatar as conseqüências e
vivências possibilitadas pela repercussão da obra.
2.2. Contexto do feminismo nos anos 1980 e 1990.
A década de 1980, como é já citado, representa o momento de anistia que
permitiu a volta de diversos exilados e exiladas para o Brasil, promovendo no contexto
do movimento feminista, um reencontro entre as mulheres que foram exiladas e as que
continuaram com o movimento brasileiro possibilitando, assim, o fortalecimento e a
troca de conhecimentos (as mulheres exiladas haviam tido contato com os movimentos
feministas da Europa, que já estavam consolidados.).
Sarti (2001) relata este período da seguinte forma: “O saldo do exílio, de umas, e
a experiência de ter ficado no país nos anos 70, de outras, que construíram o feminismo
local, fez deste encontro de aliadas um novo panorama”. (SARTI, 2001, p.41)
Desta forma, o movimento feminista brasileiro teve, na década de 1980, a sua
consolidação através da implementação de uma força política, abrangendo todo o
cenário social. As discussões, neste período, ressaltavam as relações de gênero,
“legitimando a mulher como um sujeito social particular”. (SARTI, 2001, P.41)
Ao mesmo tempo em que se alastrava pelo país a consciência da
opressão específica da mulher, os grupos feministas atomizavam-se,
como observou Moraes.²° Esvaziaram-se os grupos formados em
torno da bandeira da opressão feminina e ganhou força uma atuação
mais especializada, como um perspectiva mais técnica e profissional.
(SARTI, 2001, p.41)
Neste sentido, o âmbito acadêmico também se desenvolveu abrangendo as
questões referentes às relações desiguais entre as mulheres, demonstrando o gradativo
aumento de mulheres nas universidades. O mercado editorial também foi um campo que
passou a realizar edições discutindo a presença da mulher na sociedade.
Toda essa movimentação e difusão sobre a presença da mulher na sociedade
possibilitou que o governo criasse conselhos da condição feminina, dando destaque para
a questão da violência contra a mulher. Segundo Sarti (2001), este enfoque possibilitou
a mudança na constituição federal, que anteriormente apresentava no contexto conjugal
a necessidade de uma tutela masculina.
Os anos de 1990 também são permeados pela difusão do movimento feminista e
pela intensa discussão relativa às questões femininas; neste contexto as mulheres
começam a participar ativamente de fóruns políticos internacionais, e novas temáticas
passaram a serem consideradas; nas palavras de Soares (1995):
Os anos 90 também se caracterizaram pela introdução de novas
temáticas: as ações afirmativas, as cotas mínimas de mulheres nas
direções dos sindicatos, partidos políticos e, mais recentemente, nas
listas de candidaturas aos cargos legislativos, como medidas para
superar a quase ausência das mulheres nesses ambientes.
Recentemente, a luta pelo direito das mulheres ao aborto tem sido alvo
de muitos debates e reportagens na grande imprensa. Esse é um velho
tema das feministas, mas no Brasil só após a democratização tem
envolvido em maior número as mulheres. (SOARES, Vera. 1995,
p.47)
Frente ao exposto, percebe-se a importância da democratização, viabilizando a
participação das mulheres em diversos ambientes para a luta contra o machismo. Deste
modo, fica novamente evidente o caráter político deste movimento, sendo importante
ressaltar que a obra de Freire “Pedagogia do Oprimido” (1970), demonstra como é
importante a realização da práxis autêntica para buscar a superação das relações
desiguais, tendo como um dos âmbitos diretamente ligados a essa luta, o da política. De
certa forma, o próprio autor assim o reconheceu, ao, na década de 1990, publicar livro
que se dedicava à análise da atualidade da Pedagogia do Oprimido, ao qual nos
dedicaremos a seguir.
2.3. “Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do
Oprimido.”
Na obra “Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do
Oprimido” (1992), Freire relembra os momentos em que a “Pedagogia do Oprimido” foi
sendo construída até o período destinado a sua escrita, culminando em um texto crítico,
humanístico e libertador.
Nesta obra o autor retoma momentos importantes de sua vida, desde o início de
sua carreira de educador, bem como as tramas envolvidas ao longo das vivências que o
auxiliaram na elaboração do livro “Pedagogia do Oprimido” (2005) e a repercussão
deste no início dos anos noventa.
O livro está dividido em três partes, inicialmente Freire (2008) analisa as
vivências ao longo de sua infância e juventude que contribuíram para o anuncio da
“Pedagogia do Oprimido” (1970). Em um segundo momento, aborda as críticas
realizadas ao livro “Pedagogia do Oprimido” (1970) e finaliza, num terceiro momento,
contando sobre as experiências e conhecimentos que adquiriu a partir da publicação do
mesmo.
Este trabalho pretende focalizar a retomada dos conceitos principais do livro
“Pedagogia do Oprimido” (1970) juntamente com as críticas realizadas a estes, de
forma que os leitores compreendam como se deu o surgimento do conceito e sua
respectiva crítica, para posteriormente, na terceira sessão, relacioná-los com a condição
da mulher na sociedade.
2.3.1. Anúncio e críticas à “Pedagogia do Oprimido”.
Dentre os diversos momentos citados ao longo da obra “Pedagogia da
Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido” (2008), um destacado pelo
autor é o referente as suas vivências no SESI, em que descreve como foi “um longo
aprendizado” perceber que ao falar sobre sua visão de mundo com o outro, precisava
antes, saber se a leitura de mundo dele coincidia com leitura de mundo de quem estava a
ouvi-lo. Desta forma, sempre procurava saber mais sobre a leitura de mundo do outro
para que o diálogo fosse viável.
Para retratar uma das vivências que permearam este longo aprendizado, o autor
fala sobre uma palestra que realizou no SESI para os familiares dos estudantes, com o
intuito de defender uma relação amorosa entre pais e filhos sem a necessidade de
castigos.
Após o discurso de Freire, um operário pediu a palavra e falou sobre as
condições precárias de sua vida, a falta de esperança, a falta de recursos básicos para
sobrevivência da família, com o intuito de mostrar que se as crianças eram castigadas,
não era por falta de amor, mas por conta da dureza da vida, que não oferecia muitas
escolhas àqueles pais.
(...) foi o ponto culminante no aprendizado há muito iniciado – o de
que o educador ou a educadora progressista, ainda quando, ás vezes,
tenha de falar ao povo, deve ir transformando o ao em com o povo. E
isso implica o respeito ao “saber de experiência feito” de que sempre
falo, somente a partir do qual é possível superá-lo. (FREIRE, Paulo.
2008, p. 28)
Desta forma, Freire (2008) retrata a importância de se adquirir a compreensão
crítica da realidade, a partir do saber de experiência feito, bem como destaca que apenas
o desenvolvimento da criticidade, não possibilita a transformação de fato, pois para
mudar as estruturas socioeconômicas opressivas, é preciso também agir. Logo, realizar a
práxis autêntica.
Dando continuidade aos relatos, ao discorrer acerca de sua estadia no Chile,
Freire (2008) faz menção ao golpe sofrido pela direita do governo do partido
democrático cristão, destacando os movimentos de esquerda que lutavam pela
democratização (MIR, MAPU) e que o ajudaram a perceber a luta destes pela unidade
na diversidade e da importância da tolerância ao diferente: “Vivia-se, porém, a
intolerância, a negação das diferenças. A tolerância não era o que deve ser: a virtude
revolucionária que consiste na convivência com os diferentes para que se possa melhor
lutar contra os antagônicos.” (FREIRE, Paulo. 2008, p. 39)
Segundo Freire, ao acompanhar a luta ideológica no Chile, presenciou
momentos do desenvolvimento da criticidade sobre a realidade, no qual, se dava o
surgimento da noção de que o discurso crítico sobre o mundo poderia promover sua
mudança. E dessa forma o reconhecimento da linguagem como um instrumento de
“invenção da cidadania”.
Aí está uma das tarefas da educação democrática e popular, da
Pedagogia da Esperança – a de possibilitar nas classes populares o
desenvolvimento de sua linguagem, jamais pelo blablablá autoritário e
sectário dos ‘educadores’, de sua linguagem, que emergindo da e
voltando-se sobre sua realidade, perfile as conjecturas, os desenhos, as
antecipações do mundo novo. Está aqui uma das questões centrais da
educação popular – a da linguagem como caminho de invenção da
cidadania ( FREIRE, Paulo. 2008, p. 41)
Dentro do contexto relativo ao uso da linguagem, creio que seja importante
destacar a crítica realizada por mulheres norte-americanas entre os anos de 1970 e 1971,
que enviaram cartas à Freire abordando a linguagem machista usada ao longo de todo o
livro, demonstrando certa contradição do autor, em que ao defender a liberdade dos
indivíduos não incluiu em seu discurso as mulheres.
Assim, o autor descreve que sua primeira reação as críticas foi pensar que
quando usava as palavras no masculino, as mulheres deveriam considerar-se incluídas:
Em certo momento de minhas tentativas, puramente ideológicas, de
justificar a mim mesmo, a linguagem machista que usava, percebi a
mentira ou a ocultação da verdade que havia na afirmação: “Quando
falo homem, a mulher está incluída.” E por que os homens não se
acham incluídos quando dizemos: “As mulheres estão decididas a
mudar o mundo.”?(FREIRE, Paulo. 2008, p. 67)
Como explicar, a não ser ideologicamente, a regra segundo a qual se
há duzentas mulheres numa sala e só um homem devo dizer : “Eles
todos são trabalhadores e dedicados?”. Isto não é, na verdade, um
problema gramatical mas ideológico. Neste sentido é que explicitei no
começo destes comentários o meu débito àquelas mulheres, cujas
cartas infelizmente perdi também, por me terem feito ver o quanto a
linguagem tem de ideologia. (FREIRE, Paulo. 2008, p. 67)
Este débito é corrigido ao longo de toda linguagem usada no livro “Pedagogia da
Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido” (2008), pois Freire passou a
incluir as mulheres em seu discurso, tornando um texto mais igualitário, superando a
ideologia machista presente na linguagem. Neste caso o autor chama atenção para como
a mudança da linguagem faz parte do processo de mudança de mundo, abordando a
relação dialética, defendida no primeiro livro, entre linguagem-pensamento-mundo,
lembrando que está relação só se concretiza na prática democrática.
Assim, dando continuidade para a discussão acerca da temática referente ao
processo de opressão, que se encontra naturalizado em nossa sociedade, Freire discorre
sobre uma conferência em 1967, na cidade de Nova York sobre a “Pedagogia do
Oprimido”, ainda presente apenas na oralidade, em que foi convidado a participar de
reuniões com porto-riquenhos e negros discriminados. Em uma das atividades a
educadora que coordenava o grupo apresentou uma fotográfica de uma rua com uma
grande quantidade de lixo, fazendo a seguinte menção: “O que vemos nessa foto?”. Esta
rua era a mesma, em que se localizava a casa, na qual, os participantes se encontravam
para a realização do grupo, porém inicialmente abordavam que a aquela rua se
localizava em países subdesenvolvidos, como América Latina e África. E que não
poderia ser nos Estados Unidos, pois este é um país desenvolvido, no qual, acredita-se
que as ruas são limpas e o sistema responsável por recolher o lixo funciona
perfeitamente.
O autor descreve está situação com o intuito de mostrar a dificuldade das
pessoas, de se assumirem como oprimidos (as) e como classe, negando a realidade que
os humilha, por conta do opressor hospedado em sua consciência. Mais especificamente
nas palavras de Freire (2008, p. 56): “Que os humilha precisamente porque introjetam a
ideologia dominante que os perfila como incompetentes e culpados, autores de seus
fracassos cuja raison d’étre se acha na perversidade do sistema.”
A autonegação da condição de oprimido e oprimida favorece a manipulação dos
mecanismos de opressão, deste modo Freire (2008) também relata a crítica ao conceito
de “oprimido” considerado como “vago” por algumas pessoas, pois, segundo elas, não
explicita diretamente a influência das estruturas de classe na constituição dos
indivíduos. Contudo, para o autor, o conceito de “oprimido” não se refere apenas a um
reflexo das estruturas sócio-econômicas, pois também considera a consciência, a
subjetividade, vivências particulares e entre outros elementos, que estão presentes na
sociedade e que participam diretamente da formação das pessoas, sendo assim, o
conceito de oprimido e oprimida refere-se primeiramente a pessoa e depois a influência
estrutura econômica social.
Devido a isso, a humanização das pessoas, isto é, a busca pelo ser-mais, é um
processo de transformação interno do sujeito: “é sempre processo, e sempre devir, passa
pela ruptura das amarras reais, concretas, de ordem econômica, política, social,
ideológica etc., que nos estão condenando á desumanização.” (FREIRE, Paulo. 2008, p.
98)
Logo, Freire discorre sobre a relação “consciência-mundo”, ressaltando que só a
partir do movimento de ação e reflexão dialético, é possível identificar a introjeção do
opressor nos (as) oprimidos (as), por eles (as). Sendo assim, ao pensar a posição das
mulheres na sociedade perante a ideologia machista, podemos considerar que esse
movimento dialético é de fundamental importância, para que elas possam identificar o
preconceito machista dentro e fora delas, juntamente com a possibilidade de mudança a
partir da coerência entre pensamento e ação.
Considerando também a questão da linguagem, anteriormente discutida, uma
possibilidade de movimentação a favor da superação do machismo é a mudança do uso
da linguagem, como já exemplificou Freire, a partir desta perspectiva a linguagem
aparece como meio para refletir sobre a necessidade social imposta sobre as mulheres,
quando usam a linguagem pautada no masculino, como por exemplo: quando falam
“Bom dia à todos”, considera-se que a mulher está incluída, mas quando as mulheres
vão ao banheiro, não podem entrar no local que apresenta uma placa especificando:
“Homens”. Devido a situações como esta, que Freire (2008) ressalta necessidade do
reconhecimento da posição de oprimida, visando a promoção da mudança, da igualdade,
do direito, da valorização da diferença e da união dos diferentes.
Complementando esse panorama relativo a questão do (a) oprimido( a), nesta
obra Freire (2008) discorre acerca do conceito de opressor, abordando a desumanização
do (a) oprimido (a) e do opressor: “Não sou se você não é, não sou, sobretudo, se
proíbo você de ser.” ( FREIRE, Paulo. 2008, p. 100). Assim se mostra, novamente, o (a)
oprimido (a) como a única chance de libertação do opressor, sendo importante ressaltar,
no contexto da ideologia machista, a necessidade de sua superação vir inicialmente das
mulheres, para que estas realizem a práxis autêntica, possibilitando a igualdade de
diferenças entre homens e mulheres, sem o intuito de criarem outra ideologia opressora.
Por isso, o diálogo aparece como instrumento essencial de superação da
“Pedagogia do Oprimido” (1970), a defesa da superação das ideologias opressoras a
partir do diálogo permite que a práxis autêntica se realize, juntamente com a busca de
um consenso que atenda a todas as diferenças.
Entretanto, um elemento que se faz necessário considerar no que consiste a
superação da opressão, é o medo da liberdade presente no (a) oprimido (a) por conta
deste hospedar o opressor. Neste caso, para fundamentar este conceito Freire relata uma
experiência que teve na Alemanha quando foi convidado por uma paróquia católica para
um debate com imigrantes portugueses. O sacerdote da paróquia contou a Freire que
havia realizado um intenso processo de denúncia e reivindicação a favor dos imigrantes,
que estavam sendo intensamente explorados pelos proprietários das precárias moradias.
Entretanto, após começar a uma campanha em favor dos imigrantes portugueses, o
sacerdote recebeu a visita da comissão de moradores, pedindo para que parasse com a
campanha, pois haviam sido ameaçados de despejo.
Após retratar este acontecimento, Freire aborda o medo dos (as) oprimidos (as),
enfatizando a sua concretude: “Mas o medo não é uma abstração nem a razão de ser do
medo tampouco. É muito concreto e causado por motivos concretos ou que aparecem
como se fossem concretos (...). (FREIRE, Paulo. 2008, p. 125)
No universo feminino, é possível identificar o medo com facilidade, por conta da
pouca proteção social oferecida para as mulheres e seus filhos e filhas, as
responsabilidades com o lar, entre outros valores sociais e questões estruturais que
favorecem o medo de lutar contra a ideologia machista. Sendo assim, a liderança deve
procurar estratégias para que as mulheres possam se articular e se reconhecer no mundo,
enquanto sujeitos ativos, respeitando o seu medo, pois ele é concreto. E futuramente
após o desenvolvimento da práxis autêntica, promover uma luta sem medo.
Partindo do conceito referente ao medo presente no (a) oprimido (a), acredita-se
que seja interessante abordar outro aspecto discutido ao longo do texto, que é o conceito
de “unidade na diversidade”, este representa a importância do diálogo entre os grupos
diferentes, visando a formação de uma unidade, que luta pelas as mesmas coisas,
contudo, respeitando e valorizando suas diferenças e semelhanças. Assim, segundo
Freire (2008), os grupos discriminados deveriam dialogar entre si buscando a união, no
que consiste a igualdade dentro desta diversidade.
Para fundamentar melhor este conceito se faz necessário destacar um trecho do
livro, em que Freire retrata a fala de Osmarino Amâncio, líder dos seringueiros em
1992, na ECO-Rio de 1992:
“No começo”, afirmou ele, “instigados pelos poderosos,
acreditávamos que os índios eram nossa inimigos. Por sua vez, os
índios, manipulados pelos mesmos poderosos, acreditavam que
éramos seus inimigos. Com o tempo, fomos descobrindo que as nossas
diferenças não deveriam ser jamais razão para que nos matássemos
entre nós em favor dos interesses dos poderosos. Descobrimos que
éramos todos ‘Povos da Floresta’ e que queríamos e queremos uma
coisa só em torno da qual nos devemos unir: a floresta. “Hoje”,
concluiu, “somos uma unidade nas nossas diferenças”. ( FREIRE,
Paulo. 2008, p. 155)
Frente ao exposto, creio que fica clara a necessidade de união dos diferentes
para lutar juntos contra a opressão e a desumanização, nesse sentido, pensa-se que a
sociedade ao definir papéis diferenciados para homens e mulheres, valorizando o papel
masculino em relação ao feminino, articula-se em direção de aumentar a desigualdade e
a opressão contra as mulheres. Logo, mulheres e homens deveriam se unir para lutar
contra as relações desiguais de gênero, que são impostas para ambos os sexos e
apresentam conseqüências extremamente negativas para o desenvolvimento de ambos,
principalmente para as mulheres.
O movimento de união representa a noção de humildade e solidariedade, que é
necessária, segundo Freire (1970), para que possamos reconhecer o outro, como pessoa
diante do mesmo mundo, a que pertencemos, e assim dialogar.
Segundo Freire (2008), o machismo, o racismo, o edismo entre outras noções
preconceituosas, são ideologias criadas pelas estruturas sociais que acabam por
responsabilizar os (as) oprimidos (as) pelos seus fracassos na sociedade, devido a isso
destaca que a “Pedagogia do Oprimido” (1970) propõe a mudança das estruturas
sociais, com o intuito de superar as ideologias discriminatórias.
Assim, a obra “Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do
Oprimido” (2008) tem por objetivo mostrar a importância da esperança, considerando-a
uma necessidade ontológica do ser humano, que se refaz a partir da existência histórica
e ontológica de homens e mulheres. Para o autor, a esperança “é necessária mas não é
suficiente. Ela, só, não ganha a luta, mas sem ela a luta fraqueja e titubeia. Precisamos
de esperança crítica, como o peixe necessita da água despoluída.” ( FREIRE, Paulo.
2008, p. 10)
A esperança é abordada como essencial, não apenas no plano dos pensamentos,
mas diretamente relacionada à prática, a esperança sem a prática não possibilita
nenhuma mudança, contudo a prática movida pela esperança crítica promove a
movimentação dos sujeitos, logo a mudança do mundo com o mundo.
Nesse sentido, a esperança representa a noção de problematizar o mundo,
juntamente da prática do sonhar, segundo Freira (2008) sem sonho e sem esperança as
pessoas acabam por aceitar o determinismo e a fatalidade imposta pelo sistema de
opressão.
Para melhor explicitar está concepção, destaco as seguintes palavras de Paulo
Freire (2008, p. 91):
Fazendo-se e refazendo-se no processo de fazer a história, como
sujeitos e objetos, mulheres e homens, virando seres da inserção no
mundo e não na pura adaptação ao mundo, terminaram por ter no
sonho também o motor da história. Não há mudança sem sonho como
não há sonho sem esperança.
Deste modo, pretendo finalizar está sessão ressaltando a importância dada por
Freire a esperança, que culminou em ser o título da obra, na qual, coloca a esperança
como uma necessidade existencial de homens e mulheres, para que sonhando a proposta
da Pedagogia do Oprimido seja possível a sua concretização.
Nesta perspectiva, a esperança é essencial para quebrarmos a noção de
fatalidade, e assim buscarmos “ser mais”. Sua função relaciona-se diretamente com o
conceito de “inédito viável”, que representa o momento em que as pessoas se
comprometeram com a práxis autêntica, e conseguem gerar transformações no mundo.
Desta forma, a esperança de Freire é concreta, pois existe a partir do movimento
de luta das pessoas no mundo, sabendo da sua possibilidade de transformação. Logo,
esta obra representa não apenas um reencontro com o livro “Pedagogia da Oprimido”
(1970), mas um retomada da necessidade do sonho, da esperança, da radicalidade
buscando através da descrição do processo de construção da teoria libertadora e de sua
respectiva repercussão, mostrar que sem esperança e sem sonho não é possível a luta.
Sessão 3. Associação dos elementos presentes na teoria freiriana com as
relações desiguais entre homens e mulheres e entre mulheres.
Pretende-se nesta sessão apresentar a atualidade do movimento feminista no Brasil,
visando com isso a destacar as aspirações e os questionamentos nele presentes, e,
posteriormente, relacionar a presença da mulher na sociedade, considerando sua
formação nos diferentes âmbitos sociais, com os conceitos da teoria freiriana.
3.1. Contexto do movimento feminista nos aos dois mil.
Segundo Gonçalves e Pinto2 (2011), atualmente existe uma perspectiva de que o
feminismo foi um movimento “datado”, isto é, um movimento que chegou ao fim e
que, diante disso, cabe às gerações futuras definirem o que se teve de relevância ao
longo do período pós-moderno. Contudo, as desigualdades denunciadas pelo
movimento feminista ainda são encontradas nas reivindicações por igualdade de
salários, maternidade voluntária, acesso à saúde sexual e reprodutiva, legalização do
aborto, combate à violência contra mulher, autonomia sexual, entre outros,
demonstrando a importância da luta do movimento feminista e sua relevância no
contexto atual.
2
GONÇALVES, Eliane. PINTO, Joana Plaza. Reflexões e problemas da “transmissão”
intergeracional no feminismo brasileiro. Cadernos pagu (36), janeiro-junho de 2011:25-46.
Nesse sentido, pretende-se destacar um trecho do texto de Gonçalves e Pinto (2011),
no qual as autoras transcrevem uma parte de uma entrevista realizada por Patricia
Kudsen (2010) com Judith Butler, em que Butler afirma:
Suponho que, para algumas pessoas muito estabelecidas e
economicamente seguras, o feminismo já não é tão forte, já não é mais
um atrativo, porque elas podem muito bem ser mulheres que hoje
ocupam postos de poder e privilégio, ou de segurança econômica, mas
isso, com certeza, não é verdade globalmente. Se a gente olha para
diferentes níveis de pobreza, diferentes níveis de escolaridade, vê que
o sofrimento das mulheres é incomensurável (GOLÇALVES, Eliane.
PINTO, Joana P.
Reflexões e problemas da “transmissão”
intergeracional no feminismo brasileiro. 2011, p. 36)
A partir do comentário de Butler, podemos considerar que o movimento
feminista só alcançará o seu fim quando as desigualdades presentes nas relações entre
homens e mulheres e entre mulheres, juntamente com as reivindicações do movimento
feminista, que se mantém desde a década de setenta, forem superadas.
Assim, se faz necessária uma reflexão acerca do movimento feminista na
atualidade, para que possamos entender como a luta pela superação das relações
desiguais entre homens e mulheres está no Brasil.
Nesse entender, Gonçalves e Pinto (2011) destacam que os anos dois mil tiveram
como característica a difusão das idéias feministas no Brasil em redes e fóruns
vinculados “a um marcador de identidade política – raça, geração, sexualidade e classe
(...)” (GOLÇALVES, Eliane. PINTO, Joana P. 2011, p. 34). Porém, dentro deste mesmo
contexto, percebe-se a ausência da identidade coletiva entre as feministas que lutavam
juntas contra a opressão na década de setenta.
Deste modo, se verifica o nascimento de um movimento das jovens feministas
brasileiras contra a organização política do movimento feminista chamado de
“Articulação Brasileira de Jovens Feministas”, alegando o exercício de dominação da
parte das mulheres pertencentes às gerações anteriores do movimento. As jovens
feministas definem essa articulação como:
(...) uma rede constituída por mulheres jovens independentes, de
organizações e movimentos: negras, lésbicas, indígenas, quilombolas,
rurais, da periferia, sindicalistas e de populações tradicionais e
provenientes de diferentes regiões do Brasil. Tem um caráter
democrático, suprapartidário, anticapitalista, anti-racista, antipatriarcal, anti-lesbofóbico, não sexista, não adultocêntrica, não
confessional, não hierárquico e não governamental. (GOLÇALVES,
Eliane. PINTO, Joana P. 2011, p. 36)
A partir do trecho destacado, pode-se considerar que as jovens feministas
recusam a organização política do movimento, assim, segundo as autoras, ainda está
presente a noção de reivindicação pela participação das diferentes mulheres. Esse
embate demonstra o enfoque dado atualmente para o pluralismo de mulheres e suas
respectivas aspirações.
Em contrapartida, com o intuito de evidenciar as diversas facetas deste contexto,
Gonçalves e Pinto (2011) apontam a fala de Celibert (2009:153) acerca da diversidade:
A diversidade não é o espaço despolitizado para que cada um seja
como quiser neste mundo consumista e mercantilista. Mas também
não é a caça às bruxas do politicamente correto. Reconhecer a
singularidade de cada uma – jovem, negra, lésbica, trabalhadora rural,
operária e todas as infinitas combinações possíveis entre qualquer uma
destas categorias nômades – significa, para mim, saber que cada uma
vai me desafiar a olhar por um ângulo que eu não vejo e que, ao
considerar esse ponto de vista, mudo totalmente a minha perspectiva.
Mas é claro que também espero e desejo reciprocidade nesse
intercâmbio.
Portanto, a partir dos destaques, é possível evidenciar que o conflito do
movimento feminista atual é relativo aos meios e formas de participação das diferentes
mulheres dentro do movimento, tendo como foco o questionamento da categoria
“mulher” e a sua reformulação no movimento feminista. Este contexto remete a questão
do feminismo atual ser pós-moderno, isto é, para ser precisa desconstruir os sujeitos das
gerações passadas. Mais especificamente nas palavras de Puigvert (2001:38):
Así, em su crítica a cualquier intento de estabelecer categorias
universalistas y racionalistas, em la proclamación de la muerte do
sujeto, há enfatizado lo relativo Del pensamiento, la ausência de
referencias estables y, por tanto, la impossibilidad de acuerdo y
diálogo.
A partir do exposto, é possível identificar a diferença da atualidade de
feminismo brasileiro, ao defender a desconstrução do sujeito e a impossibilidade de
acordo e diálogo, com a proposta a favor do diálogo e da solidariedade de Puigvert
(2001).
Desta forma, com o intuito de discorrer acerca deste cenário atual, esta sessão
apresentará as contribuições da teoria freiriana elucidada nas sessões anteriores,
juntamente com a proposta do “Feminismo Dialógico”, elaborada por Lídia Puigvert
(2001), que trata de experiências positivas, através da união e do diálogo igualitário
entre diferentes mulheres, visando a superação das desigualdades entre elas e entre elas
e os homens.
3.2. A denuncia da ideologia machista e o anuncio de sua superação:
contribuições da teoria freiriana.
A proposta libertária de Paulo Freire denuncia as relações de opressão e anuncia
a sua superação a partir de uma revolução cultural, na qual indivíduos passam a se
reconhecer no mundo e com ele, possibilitando, assim, a transformação do mesmo, e
consequentemente a transformação das pessoas. Sendo assim, esta sessão irá tratar de
conceitos da teoria freiriana que podem ajudar a refletir sobre a presença da mulher na
sociedade.
Neste sentido, creio que seja importante iniciar está sessão apresentando a
proposta teórica do “Feminismo Dialógico”, elaborada por Lídia Puigvert no início dos
anos dois mil, que representa uma nova forma de união entre todas as mulheres,
considerando as diferentes posições econômicas, étnicas, raciais, religiosas e afetivas,
para buscar a superação das relações desiguais entre homens e mulheres e entre
mulheres por meio do diálogo.
Puigvert (2001) relata que foi a partir de um encontro com mulheres rurais, que
não tinham formação acadêmica, mas realizavam grandes transformações em sua
comunidade, que ela reconheceu a necessidade de união de todas as mulheres para
lutarem juntas contra as desigualdades que permeiam as suas vidas.
Através do estudo acerca dos diferentes momentos do movimento feminista
(feminismo da igualdade, feminismo da diferença e feminismo da diversidade) a autora
evidência que o movimento feminista, desde seu surgimento, não promovia a inclusão
de todas as mulheres na luta por um bem comum. Todos os períodos do feminismo
foram dirigidos por uma minoria de mulheres brancas, ocidentais, acadêmicas que
acabam por decidir pela maioria, isto é, excluíam a participação das demais mulheres.
Desta forma, Puigvert (2001) elabora a teoria do “Feminismo Dialógico”
pautando-se na teoria da Aprendizagem Dialógica, difundida pelo Centro Especial de
Investigação em Teorias e Práticas Superadoras de Desigualdades (CREA) da
Universidade de Barcelona, que considera dois aportes teóricos: a teoria da “ação
comunicativa” elaborada por Habermas (1987), que parte da interação e da
comunicação entre as pessoas para a transformação da realidade, considerando o sujeito
como um ser capaz de linguagem e ação. E o diálogo, considerado na perspectiva
freiriana como o precursor de uma aprendizagem em que sujeito e mundo interagem em
plano de igualdade.
Logo, a autora propõe um movimento que considere as diferentes identidades de
mulheres, através do respeito, da solidariedade e do diálogo igualitário em busca de um
consenso, tendo como objetivo central “defender una radicalización de los procesos
democráticos para elaborar entre todas una teoria que permita una sóla definición de la
feminilidad, no entendida como homogeneizadora, sino que sea inclusiva, dinâmica e
igualadora de todas las voces” (PUIGVERT. 2001, p. 50).
O principio de “igualdade de diferenças”, criado por Ramón Flecha, que trata da
possibilidade de diferentes pessoas terem elementos iguais e diferentes entre si, tendo
cada um o direito de ser diferente e ser respeitado, é usado por Puigvert (2001) com o
intuito de representar a possibilidade de diferentes mulheres terem seus direitos
garantidos, sem prejudicar outras mulheres, isto é, terem o direito de serem valorizadas
e reconhecidas perante suas respectivas identidades, a partir dos mesmos direitos.
Considerando o contexto atual, Puigvert (2001) aborda a sociedade atual como
“sociedade da informação” que apresenta, quando comparada às anteriores, maiores
possibilidades de realização do diálogo nos diferentes âmbitos sociais (exemplos:
conquista do direito ao voto, as mulheres tem mais liberdade dentro do casamento, as
relações são menos impostas e mais dialogadas etc.), porém, também reconhece as
limitações presentes no meio social que dificultam o desenvolvimento da prática
dialógica. Assim, ela ressalta que esta situação faz parte da luta pela transformação
social e incentiva a prática dialógica:
Evidentemente, este movimiento dialógico tiene limitaciones
impuestas por grupos de poder que construyen muros y dificultan las
transformaciones dialógicas, Hay mujeres obligadas a no votar o a
votar obligadas, hay mujeres que soportan si oportunidad de diálogo
los malos tratos y las injusticias de sus parejas, y muchas más
situaciones que se podrían nombrar como ejemplos. Pero esto no
significa que vayamos hacia sociedades menos dialógicas, sino que el
camino es muy largo y difícil y debemos seguir luchando para que,
cada vez más, el diálogo sea una práctica usual. La Modernidad
Dialógica no nos limita las alternativas, sino ofrece más
oportunidades. (PUIGVERT, Lídia, 2001, p. 41)
Frente ao exposto, ao colocar o conceito de dialogicidade, elaborado por Freire,
como elemento que permeia as relações e assim promove a inclusão das vozes que
anteriormente eram excluídas, Puigvert (2001) está se referindo diretamente ao
movimento de coerência entre ação e reflexão presente na prática do diálogo igualitário
(palavra verdadeira). Logo, a realização do diálogo igualitário acerca da condição
desigual da mulher na sociedade atual, entre mulheres e entre homens e mulheres, está
vinculada com a questão do desenvolvimento da consciência crítica, que advém da
realização da “práxis autentica”, e, portanto, promove a mudança nas relações,
buscando a superação da desvalorização das mulheres oprimidas pelas mulheres.
Nesse entender, é preciso reconhecer as mulheres como seres impedidos de ser,
isto é, pessoas que tiveram a sua humanidade roubada, pois não são reconhecidas como
sujeitos ativos, pensantes e transformadores. Em geral, as mulheres estão sempre abaixo
da posição social masculina, sendo assim, algumas mulheres aderem a comportamentos
masculinos para serem reconhecidas socialmente, em nível de igualdade.
Essa situação evidencia o conceito de dualidade, destacado por Freire (2005),
pois as mulheres, ao mesmo tempo que desejam ser o opressor a partir da adesão de
comportamentos, roupas, entre outros elementos considerados como masculinos,
também aspiram o fim dessa relação de poder, que impede o seu movimento e
reconhecimento no mundo, como mulheres em plano de igualdade com os homens.
Partindo desta perspectiva, ao considerar as mulheres como pessoas oprimidas e
excluídas socialmente, a autora Dulce Whitaker em seu livro “Mulher & Homem: o
mito da desigualdade” (1987) faz referência a uma constatação realizada pela Comissão
Jurídica e Social da Mulher, criada pela ONU em 1946, que defende a necessidade de
uma mudança de mentalidade para superação da desvalorização feminina: “Analisando
a situação do país como um todo, concluiu que a eliminação do problema ‘só será
conseguida com a mudança de mentalidade nos dois sexos’.” (WHITAKER, Dulce.
1987, p. 95)
Logo, o movimento da práxis autêntica comentando por Freire (2005) se
encontra como o meio pelo qual as mulheres poderão reconhecer as relações de poder
que as oprimem, empreendendo a luta pela transformação das relações de opressão.
Mais especificamente, nas palavras de Freire (2005, p. 42): “reflexão e ação dos
homens/das mulheres sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela, é impossível a
superação da contradição opressor-oprimido” (FREIRE. 2005, p . 42).
Desta forma, acredita-se que seja importante destacar algumas considerações de
Dulce Whitaker, apresentadas no livro citado acima, possíveis de serem articuladas com
a perspectiva teórica de Freire (1995, 1992).
Neste livro, a autora demonstra que desde o momento da gravidez as meninas já
são vistas como inferiores e frágeis, sendo essa concepção fortalecida ao longo de toda a
socialização (formal e informal). Assim, vale destacar um trecho em que a autora
aborda diretamente esta perspectiva: “O fato de ser tratada como uma bonequinha
incompetente desde pequenina acaba por tornar a menina incompetente mesmo para
muitas tarefas.” (WHITAKER, Dulce. 1987, p. 15)
A partir deste destaque, a autora retrata que desde a infância as meninas são
socializadas para serem passivas, frágeis e desempenharem as funções do lar. Ao
relacionar essa concepção com a descrição de oprimido desenvolvido por Freire (2005),
pode-se considerar que homens e mulheres acabam por ser formados para identificarem
diferenças entre si, como desigualdades e não como apenas diferentes, construindo
assim uma relação de poder, a favor dos meninos.
Nesse sentindo, instala-se uma sociedade dual, na qual existem espaços
diversificados de atuação feminina e de atuação masculina, contribuindo para o
fortalecimento de uma consciência alienada, na qual, homens e mulheres apresentam
diferenças que levam à desigualdade.
Nas palavras de Whitaker (1987, p. 10):
(...) começarei dizendo que as diferenças entre homens e mulheres são
óbvias, já que ocorrem concretamente a nível de corpo. Basta
contemplar as pessoas numa praia para que se perceba essa obviedade.
O intrigante é que a sociedade tenha a necessidade de reinterpretá-las
de modo simbólico e artificial, transformando-as em desigualdades
sociais que atingem diferencialmente mulheres do mundo inteiro.
Essa “reinterpretação”, a qual Whitaker (idem) se refere é também nomeada
como a categoria “gênero”, que representa a criação de características simbólicas e
genéricas a partir do sexo feminino e masculino, que acabam por construir uma
concepção desvalorizada do sexo feminino e estabelecem a relação de poder que
determina o sexo masculino como superior. Sendo assim, as relações de poder entre
homens e mulheres são relações desiguais de gênero.
Segundo Whitaker (idem), esta relação antagônica se acentua no período da
adolescência, pois homens e mulheres foram formados para disporem de habilidades
diferentes que os levarão para futuros diferentes. Contudo, a formação das meninas,
novamente, acaba por prejudicá-las em maior grau quando comparada a dos meninos,
pois nesta fase ocorre a repressão das manifestações sexuais das meninas, que são
formadas apenas para despertar o desejo, isto é, “ser apenas o objeto fútil de desejo,
desejo este que não deverá satisfazer. Convenceram-na de que não precisa de sexo. E
manter o macho desejoso é mantê-lo preso em seus encantos.” (WHITAKER, Dulce.
1987, p.23)
Desta forma, podemos relacionar essa relação com a situação descrita por Freire
(2005), em que os opressores acabam por materializar tudo e todos, impondo
características baseadas em objetos nos oprimidos e oprimidas. Outra forma de difusão
da perspectiva relativa à materialização do corpo feminino é o âmbito da comunicação
em massa, nos quais a mulher é caracterizada como objeto de desejo ou como pessoa de
referência do lar (dona de casa, empregada).
Essa perspectiva machista do corpo feminino é dada de forma tão naturalizada
que dificilmente é percebida como um processo violento, segundo Faria, no texto “Para
a erradicação da violência doméstica e sexual” (2005), devido a esse contexto, é
importante difundir a concepção de violência definida pelo movimento feminista:
Por isso, é importante conceituar a partir do feminismo o que é
violência, ou seja: toda vez que as mulheres somos consideradas
coisas, objetos de posse e poder dos homens e, portanto, inferiores e
descartáveis. Assim, quando na rua um homem que sequer nos olhou,
mas só pelo fato de ser uma mulher, nos dirige gracejos e cantadas é a
mesma motivação que faz com que eles cometam estupros contra as
mulheres. Como se elas estivessem à disposição para que os homens
utilizem seus corpos como objetos. (FARIA, Nalu. 2005, p. 23-24)
Faria (2005) aborda que a violência sexista faz parte de uma construção social,
ou seja, remete diretamente ao conceito de gênero. Desta forma, a autora destaca que a
violência contra a mulher é uma forma de colocar a mulher na posição definida
socialmente.
Quando os homens batem nas mulheres, justificam- se com o
argumento de que elas não fizeram bem o trabalho doméstico, que não
se comportaram bem ou coisas do estilo. Igualmente, quando
freqüentamos os espaços públicos, presume-se que estamos
disponíveis sexualmente, e com isso, justifica-se o assédio ou várias
expressões utilizadas com esse fim. (FARIA, Nalu. 2005, p. 24)
Portanto, novamente é possível relacionar a condição desigual da mulher,
considerada como objeto, com a relação opressão-oprimido demonstrada por Freire
(2005), que só poderá ser superada se os (as) oprimidos (as), neste caso as mulheres,
buscarem a mudança das relações entre elas e entre elas e os homens. A mudança deve
partir delas, pois como Freire ressalta ao longo do livro “Pedagogia do Oprimido”
(2005), somente o oprimido pode libertar o opressor, pois este já sofreu os males da
opressão.
Deste modo, o processo de formação desigual que valoriza os homens em
detrimento das mulheres, também os impende de serem mais, pois segundo Whitaker
(1987), os meninos são socializados para não demonstrar sentimentos, estarem sempre
ativos economicamente e não pertencerem ao âmbito do lar. Sendo assim, evidencia-se
que ambos, tanto homens quanto mulheres, são prejudicados pela ideologia machista.
Frente ao exposto, faz-se importante ressaltar um trecho do livro de Whitaker
(1987), que relata como a concepção da inferioridade feminina é um fator ideológico:
Por toda sociedade permanecem velhas formas de desvalorização da
mulher. Afirma-se, por exemplo, que a mulher envelhece mais
depressa que o homem (embora ele morra primeiro, o que me parece
um paradoxo). Assim um homem aos 40 anos é tido como
relativamente jovem, enquanto a mulher, ao atingir essa idade, deve se
julgar velha. Se um homem tem cabelos grisalhos, será considerado
charmoso. À mulher aconselha-se que se intoxique tingindo os cabelos
ao menor sinal de fios brancos. (WHITAKER, 1987, p. 56)
É devido a este contexto, que para buscar a superação das desigualdades
referentes à figura da mulher é preciso mudar as relações presentes na sociedade, com o
intuito de buscar a coerência entre ação e a reflexão nos diferentes contextos.
A autora, Nalu Faria (2003) em seu texto “Mulheres e Exclusão na América
Latina” destaca esta concepção: “Ao lutar contra a exclusão das mulheres, deparamonos com conflitos e necessidades de mudanças também na família, nos movimento
sociais e nas relações interpessoais.” ( FARIA, Nalu. 2003, p. 16)
Assim, constata-se a necessidade de uma mudança cultural, que também pode
ser relacionada com a proposta libertadora de Freire, quando este aborda a importância
da realização de uma “síntese cultural”, que tem por objetivo a construção de uma
concepção cultural que contemple todas as perspectivas culturais tendo o diálogo como
instrumento de mediação. Este processo também se encontra diretamente ligado com
outro conceito de Freire (1992), o de “unidade na diversidade”, que demonstra a
possibilidade de união entre os diferentes.
Logo, ambos conceitos também estão vinculados com a proposta do “Feminismo
Dialógico” de Puigvert (2001), que defende a união, a colaboração e a solidariedade
entre as mulheres, princípios presentes na obra “Pedagogia do Oprimido” (2005),
quando Freire relata os elementos presentes na ação dialógica.
Frente ao exposto, pensa-se que seja importante ressaltar um trecho da obra
“Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido” (1992, p.
154), que faz referência à importância da unidade na diversidade para buscar relações
mais igualitárias:
As chamadas minorias, por exemplo, precisam reconhecer que, no
fundo, elas são a maioria. O caminho para assumir-se como maioria
está em trabalhar as semelhanças entre si e não só as diferenças e
assim, criar a unidade na diversidade, fora da qual não vejo como
aperfeiçoar-se e até como construir-se uma democracia substantiva,
radical.
Partindo desta perspectiva, Whitaker (1987) relata como o processo de
socialização das meninas estimula a rivalidade entre elas e reforça sua dependência ao
homem; a autora cita dentre os exemplos uma pesquisa3 realizada com livros de
literatura infantil, a qual demonstrava que as meninas eram retratadas brincando
sozinhas, apresentando características de fragilidade e passividade, enquanto os
meninos eram retratados participando de aventuras, exibindo sinais de força e agilidade.
Assim, podemos relacionar os mecanismos da ideologia machista com os
mecanismos da ação antidiálogica, elaborados por Freire (2005), que são:
“manipulação”, “conquista”, “necessidade de dividir” e “invasão cultural”.
Todas essas ações estão presentes na ideologia machista: a “conquista” está
relacionada com o fato de a mulher ser vista como um objeto a ser conquistado e
3
Está pesquisa diz respeito a uma analise de livros infantis que receberam a Medalha Caldecott,
realizada por quatro sociólogas nos anos setenta.
apoderado pelo homem. A “manipulação” está presente tanto no processo da conquista,
bem como permeia toda formação das mulheres, na qual se naturaliza a desvalorização
da figura feminina nas relações sociais.
Whitaker (1987) traz uma perspectiva relativa à manipulação das meninas a
partir da “ameaça da perda do amor”; segundo a autora, quando as meninas apresentam
algum tipo de atitude que vai contra ao esperado socialmente, elas são julgadas de
forma repreensiva por todos os agentes sociais, logo acaba por desencadear o
sentimento de culpa.
Por exemplo, uma professora me contou recentemente que, em geral,
nas escolas onde leciona, o fato de uma aluna ser pega fumando no
banheiro ou cometendo atos agressivos repercute de forma diferente
daquele em que o flagrante envolve meninos. A eles repreende-se
“normalmente” ou até jocosamente. Com relação à menina, tais
indisciplinas provocam uma cadeia de reações emocionais por parte
de vários agentes da administração e do corpo docente da escola. (
WHITAKER, Dulce. 1987, p. 15-16)
Outro fator opressor manipulador presente na socialização das meninas é a
promoção da baixa auto-estima feminina, que aparece desde a valorização da gravidez
de um menino, ao ser considerada como uma gravidez mais confortável e bonita, até o
momento da inserção no mercado de trabalho, em que as profissões adquirem status
diferentes por conta da desigualdade de gênero. Whitaker (1987) cita como exemplo a
mulher que, ao cozinhar no contexto do lar, convive com a desvalorização desta tarefa,
enquanto o homem, ao realizar a mesma atividade, é visto como uma ocasião especial
interpretada de forma superior.
Voltando para a comparação dos mecanismos opressores com a ideologia
machista, a ação “necessidade de dividir” encontra-se no incentivo à rivalidade e
competição entre as mulheres, que acaba por promover a falta de diálogo entre elas e
consequentemente a sua manipulação.
E para finalizar, o último mecanismo chamado de “invasão cultural”, também
está presente na difusão de uma cultura que fomenta uma concepção desigual de
homens e mulheres, que ao invés de compreender a diferença como uma
complementaridade positiva coloca-a como fator de hierarquização.
Nas palavras de Freire (2005, p. 175): “Quanto mais se acentua a invasão,
alienando o ser da cultura e o ser dos invadidos, mais estes quererão parecer com
aqueles: andar como aqueles, vestir à sua maneira, falar a seu modo.”
Deste modo, faz-se necessário pensar acerca da formação de meninas e meninos,
levando em consideração duas instâncias centrais, responsáveis pela sua socialização: a
família e a escola. Ambas são responsáveis por ensinar valores, comportamentos,
crenças entre outros elementos presentes na cultura social, que consequentemente
acabam por reproduzir ideologias.
Dando enfoque para o âmbito escolar, Whitaker (1987) aborda os
comportamentos desejados e impostos para meninas e meninos, demonstrando como a
educação acaba por contribuir para um desenvolvimento físico, afetivo e intelectual
precário das meninas, considerando as necessidade de sobrevivência e as exigências do
mercado de trabalho.
Para evidenciar essa relação, a autora faz comentários acerca de uma análise
sobre o papel da mulher na sociedade realizada por Silvia Pimentel no livro “Mulher e
Educação”:
Através de sua análise confirma-se, por exemplo, que a escola espera
das meninas “um comportamento sempre dócil, meigo, obediente,
justificando atitudes agressivas dos meninos, alegando ser esta uma de
suas características” e que alguns mestres (ou mestras) confessam ser
involuntariamente mais afetuosos com as meninas e mais exigentes
com os meninos, porque “menino tem que estar preparado para a
iniciativa” enquanto menina deve ser incentivada à doçura,
desprendimento, o dom de si mesma. (WHITAKER, Dulce, 1987, p.
65)
Segundo Whitaker, as meninas não são avaliadas apenas pelo domínio de
conteúdo, mas também pelo seu comportamento e aparência, já os meninos são
avaliadas diretamente pelo domínio de conteúdo. Logo, quando ambos competem para
uma vaga de emprego ou em exames para ingressar na universidade, as meninas saem
em desvantagem, pois características como agressividade (no sentido de avançar,
competir, buscar o que deseja) e domínio de conteúdos não foram incentivados e
avaliados de forma correta ao longo de toda sua formação escolar.
Outra falha é a divulgação de uma imagem relacionada estritamente ao ambiente
do lar e as relações maternas da mulher, em praticamente todo currículo escolar. Esse
fator pode ser relacionado com a proposta pedagógica defendida por Freire (2005), ao
considerar a elaboração de um conteúdo contextualizado visando conectar o contexto
dos estudantes com o pensamento crítico, demonstrando a necessidade atual de pensar
um processo educativo que promova a quebra da visão manipulada por ideologias e
falsas crenças para e com os estudantes, com o intuito de promover uma formação mais
igualitária e crítica.
Quando esse processo dialógico ocorre, a educação se torna um meio de
mudança nas relações sociais, pois ao reconhecer a ideologia machista e seus prejuízos,
os estudantes passam a ter a possibilidade de escolher de qual lado eles estão, isto é,
reproduzir ou não essa ideologia. Para retratar melhor esta concepção destaco um trecho
da obra “Pedagogia do Oprimido” (2005, p. 86): “Por isto é que esta educação, em que
educadores e educandos se fazem sujeitos do seu processo, superando o intelectualismo
alienante, superando o autoritarismo do educador ‘bancário’, supera também a falsa
consciência do mundo.”
Desta forma, como anúncio da superação da relação de opressão, Freire (2005)
discorre sobre a teoria da ação dialógica, que se pauta nas seguintes dimensões4: “colaboração”, “união”, “organização” e “síntese cultural”.
Percebe-se que as ações apontadas por Freire, também estão presentes na
proposta de Lídia Puigvert, por exemplo: a “co-laboração” e a “união” remetem
diretamente a necessidade de inclusão de vozes, tendo o diálogo e a solidariedade como
mediadores das relações.
Nas palavras de Freire (2005, p. 193):
Daí que, ao contrário do que ocorre com a conquista, na teoria da ação
antidialógica, que mitifica a realidade para manter a dominação, na
co-laboração, exigida pela teoria dialógica da ação, os sujeitos
dialógicos se voltam sobre a realidade mediatizadora que,
problematizada, os desafia. A resposta aos desafios da realidade
problematizadora é já a ação dos sujeitos dialógicos sobre ela, para
transformá-la.
Já a “organização” evidência a necessidade de comunhão das mulheres para a
luta contra a opressão, assim a ”síntese cultural” culmina no estabelecimento de meios
que promovam a inclusão da pluralidade de mulheres de forma igualitária, e não
homogenizadora.
Relacionando com esta questão, destaco um trecho do texto “Feminismo
Dialógico: aportaciones de las ‘otras mujeres’ a la transformácion social de las
relaciones de gênero” (2001), no qual, é possível identificar alguns elementos presentes
da teoria da ação dialógica de Freire:
4
Citadas na Sessão 1, deste trabalho.
Desde unas relaciones basadas en el respeto y la comprensión de
nuestras distintas identidades y experiencias, muchas mujeres, todas
sometidas históricamente a las formas de dominación masculina,
empezamos a cuestionar nuestro papel, a intercambiar significados
entre nosotras y analizar mensajes y estilos alternativos. Juntas
reflexionamos sobre la naturaleza de nuestro rol, problematizamos
nuestras vivencias y planificamos conjuntamente estrategias de
cambio. Pasamos de mujeres sin ninguna alternativa o meras
observadoras del cambio, a ser protagonistas activas de nuestra
transformación social a las relaciones de género. (PUIGVERT,
Lídia. 2001, p. 43)
Portanto, fica evidente que a teoria freiriana, que propõe uma nova forma de se
pensar os sujeitos, a educação, as relações e consequentemente o mundo, também é
capaz de promover a superação da ideologia machista, tendo como exemplo a proposta
do Feminismo Dialógico de Puigvert (2001).
Para finalizar, pretende-se enfatizar um conceito fundamental, elaborado por
Freire (1992), para pensar a condição da mulher na sociedade atual e a luta pelo fim da
opressão: a esperança.
Ao discorrer acerca da esperança, Freire (1992) fala sobre a necessidade de
pensarmos que o mundo está sendo, isto é, o mundo pode mudar e esta mudança
depende de nossas ações no mundo. Deste modo, coloca a esperança como necessidade
ontológica dos seres humanos, que se concretiza na prática, na reflexão e
consequentemente na transformação do mundo.
Assim, Freire (2005) nos mostra a importância de fazer escolhas, pois estas irão
refletir nas ações das pessoas com e para o mundo: “Sem um mínimo de esperança não
podemos sequer começar o embate, mas, sem o embate, a esperança, como necessidade
ontológica, se desarvora, se desendereça e se torna desesperança, às vezes se alonga ao
trágico desespero. (FREIRE, 2005, p. 11)
Portanto, a relevância deste trabalho se mostra ao demonstrar as contribuições da
teoria da libertação de Paulo Freire, para se pensar a superação das relações desiguais
entre homens e mulheres e entre as mulheres, dando enfoque à necessidade do diálogo,
à solidariedade e à prática da coerência entre ação e reflexão, tendo como eixo
fundamental a crença na esperança da mudança e da humanização das pessoas.
Considerações Finais
Este trabalho apresentou algumas contribuições da teoria crítica libertadora e
educativa de Paulo Freire, trazida no livro “Pedagogia do Oprimido” (2005) e retomada
em “Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido” (1992),
para refletir sobre as perspectivas ideológicas e culturais que acabam por inferiorizar as
mulheres em detrimento dos homens.
Desta forma, inicialmente, foi feita a contextualização da obra “Pedagogia do
Oprimido” (2005), visando apresentar o contexto social e político no qual Freire
construiu a perspectiva libertadora contra as relações de opressão, discorrendo também
acerca do movimento feminista dos anos sessenta e setenta, demonstrando como as
mulheres passaram a se organizar, lutando pela igualdade entre homens e mulheres e
entre mulheres.
Ao final desta primeira sessão, foi feita a análise da obra “Pedagogia do
Oprimido” (2005), destacando, para se pensar e superar a relação de opressão difundida
pela ideologia machista, alguns conceitos considerados como fundamentais como:
diálogo, práxis autêntica, oprimidos e oprimidas, ação antidialógica e ação dialógica,
dualidade do oprimido, educação libertadora.
Tal livro propõe uma teoria para superação da relação opressores- oprimidos,
dando ênfase para o movimento político e reflexivo dos (as) oprimidos (as), tendo como
eixo principal a proposta de um processo educativo, pautado no diálogo igualitário, que
favorece o desenvolvimento da criticidade, possibilitando mais autonomia e
movimentação no mundo com o mundo, tanto para educador como para educandos.
A segunda sessão deste trabalho, foi organizada da mesma forma que a anterior,
isto é, apresentou o contexto da obra “Pedagogia da Esperança: um reencontro com a
Pedagogia do Oprimido” (1992), fazendo o comparativo com o contexto do feminismo
na mesma época da obra (anos oitenta e noventa). E, para finalizar, levantaram-se
algumas situações abordadas no livro, visando a dialogar com a obra analisada
anteriormente.
Esta obra exalta a necessidade da esperança para continuar a luta pelo fim da
opressão, proposta no livro “Pedagogia do Oprimido” (2005).
Deste modo, após discorrer sobre os conceitos principais de ambas as obras, foi
apresentada uma terceira sessão, que teve como intuito demonstrar as perspectivas do
movimento feminista atual no Brasil, e posteriormente relacionar os conceitos da teoria
freiriana com a condição da mulher na sociedade.
Assim, foi possível concluir que a teoria do oprimido (a), desenvolvida por
Paulo Freire, ajuda a pensar a superação da ideologia machista, ao trazer como elemento
fundamental a noção de diálogo igualitário, desenvolvimento da criticidade e a quebra
da noção de fatalidade.
Este trabalho destacou a necessidade de compreender a mulher como sujeito
oprimido e, assim, considera que a partir das mudanças das relações machistas que
difundem uma concepção inferiorizada da mulher, isto é, uma mudança social e política,
será possível transformar as diferenças entre homens e mulheres, e entre mulheres, em
complementaridades e não desigualdades.
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Contribuições da teoria freiriana para se pensar a desigualdade