A ESCOLA MODELO “SEIS DE MARÇO” (1916-1931)
Maria Amelia de Almeida Pinto Boynard- UFF
A idéia de um estudo sobre a Escola Modelo Seis de Marçoi surgiu quando se
levantavam dados, no Arquivo Histórico do Liceu de Humanidades de Campos, para a
pesquisa História das Instituições Escolares em Camposii, desenvolvida por pesquisadores
do Laboratório de Estudos de Educação e Linguagem (LEEL) da Universidade Estadual do
Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), dentre os quais me incluo.
Ao dirigir a investigação para a busca de fontes documentais, escritas, oficiais, deparei-me
com Relatórios de Professoras e Diretoras, Mapas de Freqüência de Corpo Docente e
Auxiliar, Termos de Visita de Inspetores, Correspondências entre a Diretoria dos Negócios
do Interior e Justiça do Estado do Rio de Janeiro e Diretores da Escola Normal e Liceu de
Humanidades, e entre estes e Diretoras da Escola Modelo Seis de Março, fontes que
caracterizam um acervo importante, do ponto de vista da história da educação.
O presente texto representa as primeiras reflexões feitas sobre o que passou a se constituir
em meu objeto de pesquisa no mestrado em Educação da Universidade Federal
Fluminense, Niterói, RJ, intitulada A Escola Modelo e a Formação de Professores na
Escola Normal de Campos. O estudo pretende, em sua versão inicial, investigar as forças
sociais e outros determinantes históricos da sociedade campista que conduziram à criação,
em 1916, de uma Escola de Aplicação, a Escola Modelo, no mesmo espaço geográfico da
Escola Normal de Campos, relacionar a teoria ministrada, às alunas da Escola Normal do
Liceu de Humanidades, na disciplina Pedagogia e Metodologia à sua aplicação, em turmas
do primário, pelas professorasiii da Escola Seis de Março, recuperar a ação de alguns
intelectuais educadores que tiveram papel naquele momento, reconstituindo suas
trajetórias, e estabelecer relações entre a criação da Escola Modelo e o movimento
escolanovista, ou mais amplamente, entre Escola Nova e democratização da educação
apresentando a versão campista da Escola Nova no Brasil.
Ao recuperar dados que envolvem a existência dessa escola modelar, esquecida, da cidade
de Campos dos Goytacazesiv, pretendemos contribuir com a história da educação
fluminense, pois de toda a literatura revista, apenas dois historiadores campistas a citam,
brevemente.
À Escola Normal é anexado um colégio primário, onde as normalistas treinam para a
futura profissão. É a Escola Modelo, com Alberto Lamego registrando a professora
Alzira Colares Quitete como diretora em 1916. Em 1919 a diretora é Consuelo Almeida
Manhães. (Almeida, Nilton.; Silva, Osório,1980, p.32).
Sem a intenção de recriar o vivido, mas buscando entender o que os documentos mostram,
ou ocultam, o texto pretende apresentar os primeiros resultados da pesquisa. Abordará a
Escola Modelo “Seis de Março”, do ano em que foi criada, 1916, ao ano de 1931, quando
teve cessado seu funcionamento. Dos objetivos inicialmente planejados, apresentará os
antecedentes históricos que levaram à criação da Escola, e, para melhor entendimento,
buscará situar a cidade de Campos no contexto dos primeiros anos da República, e a
instrução, no contexto em que era premente formar-se o cidadão brasileiro e a nação.
Necessário se fez interpretar, ainda que de modo pouco profundo, a política educacional,
operacionalizada em forma de leis e decretos que, reformando o Ensino Normal, enfatiza o
novo papel da escola e da professora na conformação do futuro cidadãov. Por fim, pretende
este trabalho sugerir a influência do projeto paulista de Escolas Modelovi na experiência da
Seis de Março, por meio da figura da Professora Antonia Ribeiro de Castro Lopes como
professora de Pedagogia e Metodologia da Escola Normal de Campos, e como Diretora da
Escola Modelo Seis de Março.
A Criação da Escola Modelo Seis de Março: antecedentes históricos
Embora de caráter exploratório, o acesso privilegiado às fontes documentais existentes no
arquivo histórico do Liceu, consultas à legislação pertinente e à produção bibliográfica, já
nos permite uma aproximação, ainda que cuidadosa, das causas que motivaram a criação
da Escola Modelo Seis de Março como escola anexa à Escola Normal de Camposvii.
Primeiramente, é preciso observar a intensa produção de leis e decretos estaduais
regulamentando o funcionamento da Escola Normal nos anos que precedem sua criação.
Compilada de Expedientes do Estado do Rio de Janeiro dos anos de 1912 a 1916,
localizados na Biblioteca Nacional, a legislação será apresentada de forma demonstrativa.
Assim, serão destacados somente os artigos referentes às Escolas Modelo, numa tentativa
de justificar a criação da Seis de Março por força de Lei.
Em 1912, o Decreto nº 1241, de 13 de março, “reforma o ensino normal e secundário e
determina que cada escola normal constará de dous departamentos, a escola normal
propriamente dita, destinada ao ensino profissional theorico; e a Escola Modelo ou escola
2
annexa, de applicação, destinada á pratica profissional” (art. 3º a e b) e define as Escolas
Modelo “como institutos de ensino primario, mixtos, destinados aos exercícios práticos
dos alumnos das mesmas escolas normaes” (art. 136). A Lei nº 1224, de 6 de março de
1914, aprova esse Decreto e o modifica, definindo que “o inspector de instrucção
designará as escolas complementares que devem servir de Escolas Modelos annexas ás
Escolas Normaes” (art. 14).
Em 1915, a Lei nº 1229, de 18 de janeiro, no art. 1º, autoriza o Poder Executivo a
“reformar o Ensino Primário, Secundário e Normal [...] organizando, com economia, o
quadro geral das escolas públicas primárias (complementares e singulares), fixando o
número de umas e outras”. Pelo art. 1º do Decreto nº 1420, de 13 de abril do mesmo ano, é
“reformado o ensino normal e secundário do Estado”, ficando definido, no art. 2º, que
este “manterá duas escolas normaes, uma na cidade de Campos outra em Nitherohy”. O
Decreto determina ainda que, “sempre que se introduzir nos programmas das escolas
primarias alguma disciplina ou matéria, até então não ensinada, se estabelecerá a cadeira
correspondente no curso normal (art. 7º); as Escolas modelo serão organizadas de
maneira que os alumnos mestres nellas possam practicar convenientemente, sendo typos
do seu gênero. Poderão ter secções, annexas, de ensino profissional e de estudos de
adaptação á matricula no curso normal, de modo a proporcionarem ao sexo feminino, a
instrucção primaria desenvolvida, necessaria ao bom desempenho dos deveres sociaes, o
conhecimento das linguas extrangeiras, ensinar com feição eminentemente pratica,
habilitando seus alumnos para as carreiras commercial, industrial e artística” (art. 9º).
O dia 7 de fevereiro de 1916 marca a origem da Escola Modelo Seis de Marçoviii.
Pelo Decreto nº 1468, o Presidente do Estado do Rio de Janeiro, Nilo Peçanha, decreta, e o
Secretário Geral do Estado, José Mattoso Maia Forte entende e faz executar que “fica
creada a Escola Modelo annexa à Escola Normal de Campos, na conformidade dos
artigos 3º, lettra b e 136, do Decreto 1420, de 13 de abril de 1915ix. Por fim, a Lei nº 1317
de 17 de outubro de 1916, approva o Dec. 1.468, de 7 de Fevereiro de 1916, creando a
Escola Modelo annexa á Escola Normal de Campos”.
Prova-se, assim, que um dos motivos da criação da escola, talvez o maior deles, encontrase na definição, política, de um novox projeto de escola, primária e de prática profissional
das futuras professoras.
Outro fator seria provocado pelo momento histórico vivido na cidade de Campos, inserida
no debate das mudanças sociais e políticas daqueles tempos, e o papel, de “construtoras da
nação”, atribuído às professoras primárias.
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Ao ser abolida a escravidão e, em seguida, com a proclamação da República, intensifica-se a
discussão sobre a nação. A idéia de nação pressupõe o cidadão e pressupõe, portanto, uma pauta
de direitos e deveres entre o cidadão e sua nação. Significa também a aquisição de sentimentos, o
“amor” à pátria”, a “veneração aos heróis pátrios”, “respeito aos símbolos pátrios”,
especialmente o “respeito à bandeira”. A escola primária assume, então, um papel fundamental.
Será através dela que a identidade e o sentimento nacional poderão ser construídos. Entra em
cena, então, a professora primária (MÜLLER, 1999, p. 11,12).
Pode-se, entender, ainda, a resolução do governo de instalar, a partir de 1916, no prédio em
que funccionam os institutos sob vossa direcção, a escola modelo annexa ao grupo escolar
“João Clappxi” e de afirmar que cessará, desde então, o funccionamento do grupo escolar
“João Clapp” como escola modelo”xii à forte ligação que parecia existir entre políticos e
intelectuais do recém-nato Estado do Rio de Janeiro, alguns deles campistas, como Nilo
Peçanha- Presidente do Estado no ano da fundação da Seis de Março e ex-liceísta - com
diretores do Liceu. Essa hipótese foi levantada num entrecruzamento incipiente de dados, e
no fato de, em Campos, existirem escolas primárias, singulares e complementares,
instaladas em prédios que certamente ofereceriam, às crianças e professoras da Escola
Modelo, melhores acomodações físicas. Localizada no Liceu, a Seis de Março ocupou
inicialmente uma sala e, mais tarde, em data ignorada, duas salinhas que eram destinadas
às normalistas, nos fundos do prédio principal, reservado, pelo menos até a reforma
Francisco Campos, aos alunos e professores do ensino secundárioxiii.
O projeto de formação prática de professores em Escolas Modelo
Lacerda Nogueira, no livro A Mais Antiga Escola Normal do Brasil (1835-1935) afirma
que, em Niteróixiv, no período de 1859 a 1861 as normalistas “adquiriam pratica numa
escola de cada sexo designada pelo chefe do governo” (1938, p. 51). Continua a relatar
que, a legislação de 15 de fevereiro de 1869 que estabelece o programa a ser observado na
Escola Normal, faz referência a uma escola anexa, “na qual o normalista começará
ouvindo as lições, depois será encarregado da regência de uma classe sob direcção do
professor, e finalmente, fará as funcções de professor, encarregando-se de toda a direcção
da escola pratica” (1938, p.71). Acrescenta que, em 1868, J.C. de Alambary Luz, Inspetor
Federal do Distrito Federal e Diretor da Escola Normal de Niterói diz que “os exercícios
nas escolas annexas vão fazendo conhecer alumnos-mestres a realidade de sua futura
profissão, e habilitando-os a pôr em prova as theorias aprendidas na escola normal”
(1938, p. 93).
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Embora a experiência inicial de formação de professores em escolas primárias modelo,
oficiais, tenha se dado na Escola Normal de Niterói, a escassez de dados, até o momento, o
fato de a maioria das fontes em história da educação colocar o Estado de São Paulo como o
que mais influenciou esse nível de escolaridade, no Brasil, e a possibilidade de a Escola
Seis de Março ter do modelo paulista se beneficiado, fez com que esse trabalho priorize a
experiência de São Paulo. Necessário se torna registrar que as mesmas fontes antes
referidas ressaltam a característica, particular, que as idéias paulistas assumiram nas várias
experiências em que foi identificada sua influência.
Essa informação é importante para a análise que se fará, futuramente, da Escola Modelo
anexa à Escola Normal de Campos, cidade com história (s) bastante diversa (s) da (s) de
São Paulo.
Nessa capital, logo após a proclamação da República, uma legislação, o Decreto nº 27, de
1890, reformou a Escola Normal e criou as escolas-modelo. Essas eram classes primárias
anexas à Escola Normal, cujo objetivo era melhorar a formação de professores e
desenvolver um padrão de ensino para nortear as escolas oficiais. Concebidas nos moldes
de um ensino primário de longa duração, integral, graduado, as escolas-modelo
fundamentaram sua metodologia, especialmente, nos processos intuitivos de ensinoxv, de
modo tão radical que, em 1892 todo o ensino público de São Paulo deveria observar os
seus princípios.
Comprova-se, assim, a afirmativa de Nagle (2001, p. 291) de que o projeto das escolas
modelo foi implantado [...] em São Paulo, como núcleo de renovação do ensino normal e
de introdução de novas práticas escolares, métodos e processos de ensino. Referência
pedagógica para todo o Estado, a escola paulista incorporou muitas das inovações, que
passariam a vigorar nas escolas públicas primárias, em especial nos grupos escolares, que,
em geral, tinham uma organização heterogênea, diferentes programas e níveis de formação
de professores (Souza, 1998, p.39)
Com a inauguração, em 1894, de um novo edifício, monumentalxvi, para a Escola Normal
da Praça da República, SP, foram abertas matrículas para a instalação da Escola-Modelo
anexa, atraindo diversos alunos da Escola do Carmo, onde funcionava. Cabe destacar que,
embora alguns de seus professores tenham sido transferidos para a Escola Normal da
Praça, a Escola do Carmo continuou a funcionar sob a direção do professor Oscar
Thompson, com a denominação de Segunda Escola Modelo. Essa escola, que fora
“destinada à demonstração de procedimentos didáticos, de observação e prática de ensino
5
para os alunos do 3º ano do curso normal, configurou-se como um ponto de irradiação de
técnicas fundamentadas no método intuitivo de ensino” (Monarcha,1999, p.179), num
centro de referência e pólo difusor de teorias científicas e pedagógicas, além de palco de
experiências educacionais que marcaram a história da educação brasileira.
O fato de muitos republicanos e novos dirigentes paulistas conhecerem de perto o
problema educacional, em virtude de muitos deles terem exercido o magistério, foi
decisivo na organização e expansão da escola pública primária e normal, e na valorização
do magistério em relação à melhoria de salário e de condições de trabalho. Antonio
Caetano de Campos e Oscar Thompson, ex-alunos da Escola Normal e, posteriormente
dela diretores, foram intelectuais referência nesse nível de excelência de que se revestiram
as escolas, Normal e Modelo, paulistas. (Monarcha, op. Cit.).
Possíveis
influências da experiência de São Paulo na escola de Campos. Antonia
Ribeiro de Castro Lopes, a referência
Consideramos as possíveis influências das idéias de educação de São Paulo nas duas
escolas de Campos, a Normal e a Modelo Seis de Março, a uma forte referência, qual seja,
Antonia Ribeiro de Castro Lopes. Inicialmente como professora substitutaxvii de Pedagogia
e Metodologia da Escola Normal, com posse e exercício em 14 de agosto de 1916, e depois
como catedrática, efetivada, por concurso, em 7 de outubro de 1919, essa professora
exerceu também a função de diretora da Seis de Março, no ano de 1918. Relatórios e
correspondência mantidos entre ela e diretor da Escola Normal e Liceuxviii demonstram a
linha pedagógica progressista que seguia e o ideal de servir ao ensino, que movia suas
ações e sua vida.
Embora nomeie duas escolas públicas estaduais, o “Jardim de Infância Antonia Lopes”,
anexo ao Colégio Estadual Visconde do Rio Branco, e a “Escola Estadual Antonia Lopes”,
de 1ª à 4ª série do Ensino Fundamental, ambas em Campos dos Goytacazes, o trabalho
inovador dessa mulher campista é desconhecido até mesmo por diretoras e professoras das
escolas que ostentam seu nome no alto dos prédios.
Para aqueles que a conheceram, porém, Dona Antonica, como é afetivamente chamada, é
lembrada com admiração. Duas ex-alunas do Instituto Claparèdexix, Yêdda Ferreira Paes
Ribeiro e Mirtô Barroso Barbosa Leite e uma Assistente Social, formada professora pela
antiga Escola Normal, Conceição de Maria Costa Munizxx referem-se a ela como uma
professora pioneira e fortexxi; um ex-diretor e ex-professor do Liceu, Desembargador
6
Décio Ferreira Cretton, em depoimento prestado, em 2001, ao Núcleo de História Oral da
Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) sobre sua gestão à frente da Escola
Normal, assim se referiu a Antonia
O currículo da Escola Normal era separado do Liceu [...]. E depois tinha as cadeiras
especializadas, Didática, Pedagogia, Filosofia da Educação, um pouco de Sociologia e
aí aquela professora que introduziu Pedagogia ali no Liceu, dona Antonica Lopes não é,
ela fez, até por causa de... O Liceu não tinha nada, não tinha instalações para isso. Ela
criou ali no pátio feminino, fizeram uma escolinha, um salão, uma escolinha provisória
para a prática dessas cadeiras, foi Dona Antonia Lopes quem introduziu aquilo ali,
Pedagogia e Didática .
Essa escolinha a que se refere o ex-diretor, era um Jardim de Infância, criado pela mestra,
no pátio esquerdo do Liceu para auxiliar a prática das normalistas.
Em documento de 1965, intitulado Minha Vida Funcionalxxii, assim nos fala Dona
Antonica
Fui á Suissa (sic), em comissão do Governo, sem ônus para o Estado, fazer um curso de
aperfeiçoamento. Visitei escolas na Alemanha, Bélgica, França e Suissa (onde freqüentei o Instituto
J. J. Rousseau e a Universidade), nesses paises assisti às aulas e colhi dados interessantes que
apliquei em minha cátedra. (Lopes, Antonia (1965), apud Mignot, Ana Chrystina; Martinez, Silvia
(2002).
Fala-nos, ademais, que, anos depois, estabeleceu contato pessoal com o Dr. Oscar
Thompson que havia, quando na Direção da Escola Modelo, em São Paulo, introduzido
mudanças pedagógicas importantes nos procedimentos de ensino da leitura, caligrafia e
desenho. Naquele momento, o professor acumulava as funções de Diretor e lente de
Pedagogia da Escola Normal da Praça da República. Posteriormente, a Professora Lopes
assumiu a docência de Pedagogia e Metodologia em turmas da Escola Normal de Campos
(Mignot, Ana Chrystina; Martinez, Silvia; Gonçalves,Gisele; Warde, Mirian, 2002, p.91 e
868).
Os relatos acima constituem pontos importantes na pesquisa em curso. Já se pode perceber,
por relatórios encontrados, no Liceu, a forte personalidade da professora que, ao mesmo
tempo em que detalhava, respeitosamente, suas atividades ao Diretor do Liceu, a ele
enviava solicitações e reclamações quando a estrutura e o funcionamento das duas
escolas, a Normal e a Modelo, não lhe satisfaziam. Pode-se perceber, ainda, que Antonia
Lopes articulou, metodicamente, o trabalho desenvolvido na cadeira de Pedagogia e
Metodologia da Escola Normal de Campos àquele que era, cotidianamente, realizado pela
7
diretora, professoras e auxiliares da Escola Modelo. Imprimiu à prática pedagógica o uso
do método intuitivo, as excursões pedagógicas, o uso de recursos auxiliares, solicitou
compra de equipamentos de medição, livros, escreveu seus próprios manuais, o que nos
leva a indagar: Que pedagogia fundamentava a formação das professoras da Escola Normal
e, conseqüentemente, a metodologia didática da Escola Seis de Março?
Segundo Carvalho, M. (2003, p.127), em São Paulo foi possível identificar duas correntes
pedagógicas, em épocas distintas:
A da “arte de ensinar”, em que a prática da observação modula a relação ensino-aprendizagem
(e está) centrada na produção de condições materiais que (favoreçam) a imitação inventiva de
modelos, ou uma pedagogia científica, com a autonomização dos métodos de ensino, (isto é) com
o método dissociado da prática, “das artes de fazer”, do que decorrem importantes
deslocamentos nas estratégias de formação decente.
Com o cuidado que o período em que a pesquisa se encontra exige, arrisco-me a falar em
pedagogias norteando a formação teórica e prática das alunas da Escola Normal de
Campos, ao menos nos últimos anos da Escola Modelo Seis de Março.
Observações Finais
Sem condições de concluir, já que estou apenas começando o trabalho, estabeleço as
seguintes considerações sobre o que o mesmo já me trouxe de informação. Primeiramente
que, para se estabelecer relações entre a experiência da Escola Modelo e o projeto político
nacional é necessário que não se desvie o foco de investigação do contexto histórico em
que nasceu e morreu a Escola Seis de Março e de como esta se relacionava,
institucionalmente, com a Escola Normal, em especial com os professores de Pedagogia e
Metodologia.
Pesquisa realizada no Arquivo Público do Rio de Janeiro, que contém apenas mapas
estatísticos da Escola Modelo, demonstra que, ao ter cessado seu funcionamento no Liceu,
em 1931, continua a existir, em Campos, um Jardim de Infância anexo à Escola Modelo
Seis de Março, até o mês de setembro de 1934.
Documento encontrado no relatório de estágio dos alunos de licenciatura da UENF, feito
no Colégio Estadual João Pessoa no segundo semestre de 2001, diz que a Escola Modelo
anexa à Escola Normal do Liceu de Humanidades de Campos foi transformada no Grupo
Escolar João Pessoa, em 1931. Diz, ainda, que, com a enchente de janeiro de 1966xxiii, a
escola foi inundada e perdeu quase todo o seu arquivo permanente e bens materiais.
Consultas a outros arquivos, a acervos jornalísticos e iconográficos, assim como a
depoimentos de uma ex-aluna da Escola Normal de Campos, filha de uma ex-professora da
8
Escola Modelo, que se chamava Maria Teresa Costa Munizxxiv, deverão nos permitir um
diálogo produtivo com as fontes e a inclusão da Escola Modelo “Seis de Março”, e seus
atores, definitivamente, na história da educação fluminense.
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9
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1998.
Notas
i
Priorizei essa grafia, embora documentos oficiais e referências bibliográficas a citem também como Escola
Modelo 6 de Março.
ii
Pesquisa coordenada pela Professora Silvia Alicia Martinez, iniciada pela história da Escola Normal de
Campos. Para maiores detalhes ver Martinez, Silvia; Boynard, Maria Amelia , 2004.
6iii Profissão majoritariamente exercida por mulheres, à época, por isso denominada no feminino, no texto.
iv
Cidade situada na região norte do Estado do Rio de Janeiro.
v
Embora não seja pertinente a este trabalho, é importante registrar que esse papel, além se ser da escola, era
também atribuído às famílias e aos médicos ( Magaldi, Ana Maria, 2003, p.420; 432).
vi
Ou a versão campista da Escola Nova no Brasil. Embora não se possa negar o modelo escolar criado no fim
do Século XIX em São Paulo, é inapropriado embaralhar no mesmo feixe versões diferentes da Escola Nova
em nosso país (Nunes, Clarice, 1992: 154).
vii
A Escola Normal e o Liceu de Humanidades de Campos conviveram por sessenta anos, compartilhando
prédio, diretores, inspetores e até alguns professores. Instalado, em 1884, no prédio do antigo Solar do Barão
da Lagoa Dourada, palacete luxuoso e monumental de Campos - o Liceu de Humanidades teve a ele anexada,
em 1894, a recém-criada Escola Normal. Em 1954, a convivência física e afetiva das duas Escolas se encerra,
por força de Lei. Deixa, então, a Escola Normal seu espaço anexo ao Liceu, em 1955, e transfere-se para o
prédio do Grupo Escolar Saldanha da Gama, onde funcionava também o Jardim de Infância José do
Patrocínio. Juntas, as três escolas passam a constituir o Instituto de Educação de Campos. O tema está em
Martinez, Silvia; Boynard, Maria Amelia., 2004.
viii
O decreto não faz referência ao nome. A respeito, ainda não foi possível identificar o motivo da
denominação Seis de Março.
10
ix
O Art. 3º diz que a Escola Modelo ou escola anexa de aplicação, é destinada à prática profissional e o Art.
136 define as escolas modelos anexas às escolas normais como institutos de ensino primário, mistos,
destinados aos exercícios práticos dos alunos das mesmas escolas normais.
x
O adjetivo novo não invalida os demais projetos de escola e de formação de professores existentes. Nem o
inclui no conceito de inovação educacional no Brasil, definição que exige maior aprofundamento teórico.
xi
Ofício do Diretor dos Negócios do Interior e Justiça do Estado do Rio de Janeiro ao Diretor da Escola
Normal e Lyceu de Campos, em 4 de outubro de 1915.
xii
Ofício, de 17 de setembro de 1915, do Diretor dos Negócios do Interior e Justiça do Estado do Rio de
Janeiro ao Diretor da Escola Normal e Lyceu de Campos.
xiii
A distribuição espacial descrita se refere, principalmente, às três primeiras décadas do século XX. Após a
Reforma do Ensino Secundário de 1931, as/os normalistas, obrigados a fazer o curso secundário, passaram a
utilizar, em aulas comuns a todos, as salas de aula do Solar do Liceu.
xiv
Essas informações referem-se à fase mais remota do projeto “escola modelo”, até esse momento
localizada. Tese de doutorado, da Professora Heloisa Vilella, que aprofunda o assunto, ainda não foi
consultada.
xv
O método intuitivo surgiu na Alemanha, no final do Século XVIII. Consistia na valorização da intuição
como fundamento do conhecimento, isto é, na compreensão de que a aquisição dos conhecimentos decorria
dos sentidos e da observação ( Souza, 1998, p. 26)
xvi
Edifícios majestosos, amplos e iluminados, mobiliário, material didático, trabalhos executados, atividades
docentes e discentes, tudo devia ser dado a ver de modo que a conformação da escola aos preceitos da
pedagogia moderna evidenciasse o Progresso que a República instaurava (Carvalho, Marta, 2003, p. 24).
xvii
Substituiu o Professor Benedicto Hermogenes de Menezes.
xviii
Por lei, o diretor era o mesmo para as duas escolas, devendo ainda ser o responsável pela inspeção da
Modelo.
xix
Espécie de escola ao ar livre, por ela fundada na cidade de Campos ,em 1933, depois que voltou da viagem
de estudos à Europa, onde esteve, inclusive, com Claparède, na Suíça.
xx
A entrevistada recorda-se de ter comparecido a uma festa em homenagem a Antonia, quando era estudante
da Escola Normal, não se lembrando do lugar em que a mesma se realizou, mas mantendo vivas, na memória,
as palavras de um cartão recebido: Àquela que tudo deu, homenagem dos que receberam”. A entrevista
encontra-se no Núcleo de História Oral da UENF sob o registro NuHO- UENF/ENC/E12/F1 e 2.
xxi
Muito jovem ainda viu morrer seu marido, e suas duas filhas.
xxii
xxiii
Sobre esse assunto ver Mignot, Ana Chrystina.; Martinez, Silvia, 2002.
Uma das maiores enchentes do rio Paraíba do Sul, que corta toda a cidade.
xxiv
Professora formada, em 1925, pela Escola Normal de Campos, e regente da Escola Modelo anexa à
Escola Normal de Campos até 1931, quando cessou o funcionamento da Modelo. Acompanhou a mudança
dessa escola para outro endereço, como Grupo Escolar João Pessoa, de onde se aposentou em 1963.
Professora com p maiúsculo, como diz sua filha Conceição, em entrevista ao Núcleo de História Oral da
UENF, Dona Teresa não se limitava ao trabalho fora do lar. Ensinava aos filhos, e colegas deles,
graciosamente, em sua casa, na Rua Carlos de Lacerda, 225, denominando esses “cursos” de “Escola Santa
Therezinha” e Escola “Santo Afonso”, nome de dois de seus filhos, e base de sua fé. Falecida em 1994, aos
91 anos, deixou lastro na educação primária de Campos, tendo sua memória reverenciada por gerações de
campistas.
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A ESCOLA MODELO “SEIS DE MARÇO”