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O SENTIDO DA CRIMINALIZAÇÃO: ANÁLISE DISCURSIVA DE
UMA MANIFESTAÇÃO INDÍGENA NOTICIADA PELO JORNAL
FOLHA DE LONDRINA
Luciana Pereira Tabosa1
Rogério Martins Marlier2
Resumo
É objetivo deste trabalho interpretar discursivamente as notícias publicadas no jornal
Folha de Londrina sobre um incidente causado numa manifestação indígena que ocorreu
em fevereiro de 2010. Será utilizada para esta análise a metodologia da Análise do
Discurso (AD) de linha francesa, a fim de compreender a produção de sentidos do jornal
e, consequentemente, o que não foi dito, o que não estava na notícia por meio de sua
evidência, mas que, sob o olhar da análise do discurso, aparece como indício do
esquecimento da própria historicidade da cultura indígena no acontecimento noticiado.
Dessa forma, será verificada a produção de sentidos inserida na formação discursiva da
notícia, evidenciando o efeito ideológico que deslegitimou a manifestação política.
Palavras-chave: Análise do Discurso. Manifestação Indígena. Silenciamento
Abstract
The present paper aims to interpret discursively the news published by Folha de
Londrina Newspaper on one incident caused in an indigenous march which took place
in February 2010. In this analysis the methodology to be used will be the French
perspective of Discourse Analysis (DA) line in order to understand the meaning
production of the newspaper and therefore what has not been, what was not in the news
through their evidence, but from the perspective of discourse analysis, it appears as a
sign of forgetting the own history of indigenous culture in the event reported. Thus, it
will be checked the production of meanings embedded in the discursive formation of the
news, showing the ideological effect which delegitimized the political protest.
Keywords: Discourse Analysis. Indigenous Expressions. Silencing.
Introdução
Este trabalho almeja interpretar as notícias publicadas no jornal Folha de Londrina, em
fevereiro de 2010, sobre um incidente causado numa manifestação indígena nas ruas da
cidade de Londrina. Cerca de 170 índios acamparam por mais de um mês no prédio da
administração regional da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) de Londrina, em
protesto ao decreto federal 7.056, que prevê a reestruturação do órgão. Após o anúncio
deste decreto pelo então presidente Lula, várias foram as manifestações de Terras
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Doutoranda em Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Londrina
Mestre em Ciências Sociais – Universidade Estadual de Londrina
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Indígenas em todo o país. Em Londrina, a cada protesto, a situação se agravava e o
acontecimento analisado ocorreu quando os manifestantes indígenas bloquearam uma
rua e um carro furou este bloqueio e foi atingido por uma pedrada que feriu gravemente
a passageira do automóvel. Este evento repercutiu imediatamente pela cidade e foi
amplamente noticiado. Dessa forma, a escolha do jornal Folha de Londrina é fruto da
sua ampla circulação regional.
Será utilizada para esta análise a metodologia da Análise do Discurso (AD) de
linha francesa, a fim de compreender a produção de sentidos do jornal e,
consequentemente, o que não foi dito, o que não estava na notícia por meio de sua
evidência, mas que, sob o olhar da análise do discurso, aparece como indício da própria
historicidade da cultura indígena no acontecimento noticiado. Assim, a notícia é
analisada enquanto “texto”, junto com seu acontecimento, com sua produção material e
histórica, saindo da evidência e da transparência da linguagem para mostrar como
funcionou a produção dos sentidos e dos sujeitos dentro da interpretação dada pela
notícia publicada no jornal. Ou seja, a nossa intenção é mostrar o trabalho ideológico da
formação dos sentidos dentro da notícia e mostrar que aquele sentido único do texto,
não é único. O texto é composto por esses fragmentos (sentidos), mas é homogêneo por
esquecê-los no seu interior. E estes sentidos produzidos pelo discurso, ao mesmo tempo
em que se mostram homogêneos, esquecem/apagam outros sentidos relevantes que
nortearam o acontecimento.
Junto à análise discursiva do fato noticiado, apresentaremos alguns conceitos
importantes da análise do discurso que servirão de base para nossa análise.
Análise das notícias
O corpus desta análise é composto por quatro notícias, três delas foram publicadas no
dia 09 de fevereiro de 2010 e outra no dia seguinte, em 10 de fevereiro. No dia
09/02/2010, na página 03 do caderno “Cidades” do jornal Folha de Londrina a notícia
principal tem o título “Índios deixam sede da Funai”, na qual são descritos os
acontecimentos que levaram ao incidente. Logo abaixo, num quadro, aparecem duas
outras notícias: “Manifestantes não querem dialogar” e “Testemunhas serão ouvidas até
o fim da semana”, ambas são mostradas como matérias complementares. Com a notícia
principal, estão inseridas duas fotos, uma mostrando a sede da Funai desocupada, com a
legenda “Clima no escritório de Londrina era tranquilo ontem à tarde”; e a outra
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expondo o namorado da vítima, com seu nome e uma frase citada pelo mesmo: “Foi
uma tentativa de homicídio”.
Logo abaixo da manchete “Índios deixam sede da Funai”, foi colocado, em
subtítulo, “Desocupação aconteceu dois dias depois que uma jovem levou uma pedrada
e sofreu traumatismo craniano”. E em destaque numa caixa de texto centralizada na
matéria a seguinte afirmação: “Família vai entrar com ação contra agressores”. Dessa
forma, para a AD, as condições de produção do discurso compreendem, num sentido
amplo, o contexto social, histórico e ideológico da produção do discurso. E, para
compreendermos o interdiscurso é necessário identificar o efeito de sustentação e o préconstruído.
O interdiscurso para Pêcheux (1995) é a exterioridade ocultada pela ideologia,
sendo assim, o autor esclarece que:
[...] propomos chamar de interdiscurso a esse „todo complexo com
dominante‟ das formações discursivas, esclarecendo que também ele é
submetido à lei de desigualdade-contradição-subordinação que, como
dissemos, caracteriza o complexo das formações ideológicas. (PÊCHEUX,
1995, p. 162).
O “interdiscurso” para Pêcheux produz as formações discursivas, pois a sua
dominação é exercida pelo complexo das formações ideológicas. Assim, o efeito do préconstruído e o efeito da articulação (ou, “pré-construído” e “processo de sustentação”)
são determinados materialmente na estrutura do interdiscurso.
Para entendermos o efeito de sustentação, é necessário parafrasearmos o texto
com ele mesmo. Porque sob o que é dito anteriormente é que se sustentam os sentidos
do discurso, ou seja, isso proporciona a articulação necessária para que entendamos o
discurso.
Dentro do processo de sustentação, Pêcheux (1995) explica que a mudança de
sentido das palavras, possibilitada pela substituição dos elementos dentro de uma
formação discursiva dada e explicada anteriormente, é a concepção de “efeito de
sentido”. Se voltarmos à análise para os textos que estão em destaque na reportagem,
veremos que o deslizamento de sentidos produzido pelo efeito de sustentação ocorre
principalmente na produção ideológica do sujeito do enunciado. Dessa forma, o sujeito
“Índios” tem seu sentido deslocado para “agressores” e depois para “manifestantes”,
sendo que, logo em seguida, vem a qualificação “não querem dialogar”. O deslizamento
de sentidos provoca a evidência de que a manifestação é ilegítima, ocultando a “voz”
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dos índios e sentenciando-os como transgressores da Ordem. Sendo assim, o processo
de sustentação desloca os sentidos transformando uma manifestação num “caso de
polícia”.
Essa produção de sentidos fica mais clara quando são confrontadas com as
legendas das únicas imagens que aparecem no texto, indicando claramente a “tentativa
de homicídio” e mostrando ainda que a desocupação do escritório da Funai trouxe
“tranquilidade”, pois ela só existe sem a presença dos indígenas “agressores”, que não
gostam de dialogar. O processo de identificação do sujeito é esquecido, trazendo uma
aparente homogeneidade que é fruto da formação discursiva inserida na formação
ideológica conservadora da “Ordem”, evidenciando tudo que afronta essa ordem como
transgressão. A propriedade privada que é mostrada intacta e sem manifestantes (como
é o caso da foto da sede da Funai em Londrina) é a evidência clara da tranquilidade
originada pela coesão social que a Ordem constrói. Dessa forma, os manifestantes
índios são vistos como inimigos da Ordem, da tranquilidade, da paz e principalmente do
diálogo, do convívio público democrático. São sujeitos que deixam de ter voz, pois essa
voz é transgressora e violenta. Por isso, o sujeito “índio” é sentenciado como pária da
sociedade e inimigo público. Nessa primeira análise dos títulos, fica evidente o
deslocamento de sentidos que silencia os indígenas envolvidos com a manifestação,
pois o sentido da manifestação dá lugar à agressão, violência e impossibilidade de
diálogo, tirando a legitimidade dos atos públicos e das reivindicações dos indígenas.
No dia 10, a seguinte notícia aparece na página 7 da Folha de Londrina “Índios
ameaçam „passar por cima‟”, tendo como destaque a foto de um líder indígena com a
legenda: “Líder indígena avisa: „Estamos cansados de enrolação. E vamos continuar as
manifestações até resolver o problema‟”. Na matéria logo abaixo, está a seguinte
declaração, centralizada numa caixa de texto: “Ouvidor da Funai não conseguiu acalmar
ânimos dos indígenas”.
De acordo com a matéria, as lideranças indígenas paranaenses estavam
“irredutíveis” ao exigir a revogação do decreto presidencial nº 7.056 que determinou a
reestruturação da Funai ou, ao menos, que as três unidades administrativas do órgão no
Estado fossem mantidas. Como consta no texto, nem mesmo a presença do ouvidor da
fundação, Paulo Celso de Oliveira, representando o presidente da Funai, “acalmou os
indígenas” que prometeram “ir até a última instância para mostrar o descontentamento
com o decreto” - trecho colocado entre aspas pelo jornal para reproduzir a fala dos
índios. A matéria segue relatando como foi a reunião ocorrida em Curitiba que contou
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com a presença de representantes do Ministério Público Estadual (MP-PR), Ministério
Público Federal, Assessoria Indígena da Secretaria do Estado de Assuntos Estratégicos,
servidores da Funai no Paraná, além de caciques de várias etnias do Estado para
esclarecer a nova estrutura apresentada no decreto e a extinção das três regionais
administrativas - Curitiba, Londrina e Guarapuava. Em seguida, a matéria aponta que os
índios reclamaram que não foram ouvidos e que ficaram sem orientação com relação
aos procedimentos que devem adotar para questões cotidianas da aldeia.
Como não houve um consenso, Oliveira se comprometeu a agendar uma
reunião na presidência da Funai, em Brasília, e a matéria segue destacando que os
indígenas aceitaram voltar à Capital Federal, mas pedem que não sejam
“
„recepcionados‟ pela força nacional de segurança”. O parágrafo seguinte da matéria cita
os seguintes pronunciamentos dos indígenas: “Vamos lá para trazer as três „Funai‟(sic)
de volta. A mensagem está clara, estamos cansados de enrolação. E vamos continuar as
manifestações até resolver o problema”, disse Neoli Olíbio, da etnia Kaingang; em
seguida, a matéria traz o trecho que motivou o título da notíca: “E ameaçam que podem
até „passar por cima de um‟”, “Não estamos brincando e não vamos desistir”.
A produção de sentidos ocorre entre o enunciado que denota o excesso de
violência “vamos passar por cima” e o julgamento do próprio jornal “Ouvidor da Funai
não conseguiu acalmar ânimos dos indígenas”. Dessa forma, o enunciado revela, na sua
homogeneidade, que o movimento não tem legitimidade por utilizar de recursos de ação
violenta e irracional, pois o movimento é qualificado como fruto de um “estado de
humor” que é irracional, na medida em que é rebaixado a qualquer ação irracional
desencadeada pelo ódio e a raiva.
Da mesma forma que o interdiscurso é material e produz o sentido
materialmente, por meio da interpelação althusseriana, reinterpretada por Pêcheux para
a produção do sentido, ele é esquecido na evidência do discurso. Dessa forma, Orlandi
(2000) entende que o assujeitamento, ou seja, a interpelação do indivíduo em sujeito
feita pela Ideologia na qual o sujeito se submete ao Sujeito (com “S” maiúsculo), coloca
o sentido como evidência apagando a base material que o constituiu. Assim a
compreensão do discurso na sua produção material permite identificar a historicidade, a
ideologia e forças políticas escondidas no discurso. Dessa forma, “O fato de que há um
já dito que sustenta a possibilidade mesma de todo o dizer, é fundamental para se
compreender o funcionamento do discurso, a sua relação com os sujeitos e com a
ideologia.” (ORLANDI, 2000, p. 32).
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Além da articulação necessária para a homogeneidade do texto (efeito de
sustentação), a AD nos mostra que para compreender o interdiscurso (e para sair da
transparência/evidência da linguagem) é necessário mostrar o “pré-construído”, porque
sobre o que é dito anteriormente é que se faz sustentar os sentidos do discurso, ou seja,
isso proporciona a articulação necessária para que entendamos o discurso. “[...] o
interdiscurso também [...] aparece como a exterioridade já-dita antes, em outro lugar, do
que se diz na enunciação. Trata-se de um efeito de pré-construído.” (GUIMARÃES,
1995, p.70). Assim entendemos que o pré-construído, o já-dito que significa e que não
figura no texto, refere-se à interpretação que a sociedade capitalista/ocidental dá à
cultura indígena e suas manifestações. Simplesmente os sentidos são colocados e, na
sua imediaticidade, estão ali, homogêneos e evidentes, mas que na sua evidência
escondem o processo ideológico de construção dos sentidos. Os efeitos ideológicos
assujeitam os indivíduos a um Sujeito maior que é a Ordem Capitalista que coloca todos
os sujeitos nos seus devidos lugares e condena qualquer movimento que tenta escapar
desse processo. Dessa forma o pré-construído nos remete ao exterior do discurso.
A noção de ideologia, dessa forma, é resignificada pela teoria do discurso. O
papel da ideologia é apagar as formas da construção do sentido e do sujeito, colocando o
homem numa relação imaginária com as suas condições materiais de existência. Os
sentidos dependem da interpretação e isso atesta, para Orlandi, a presença da ideologia.
É na interpretação que se constata a evidência do sentido, onde ele aparece como
autônomo independente de qualquer relação com a exterioridade e com a sua produção
discursiva. “Interpreta-se e ao mesmo tempo nega-se a interpretação, colocando-a no
grau zero. Naturaliza-se o que é produzido na relação do histórico e do simbólico”
(ORLANDI, op. cit., p. 46). Assim, Orlandi entende que a produção material do sentido
é apagada e se constrói no lugar do que ficou vago, a transparência da linguagem, ou
seja, a evidência ideológica daquela aparência como algo natural. Essa característica da
ideologia de dissimular sua existência no seu próprio interior produz as “evidências
subjetivas” nas quais o sujeito é constituído. Nesse sentido Althusser entende que:
Segue-se que, tanto para vocês como para mim, a categoria de sujeito é uma
„evidência‟ primeira [...]. Este é, aliás, o efeito característico da ideologia –
impor (sem parecer fazê-lo, uma vez que se tratam de "evidências") as
evidências como evidências que não podemos deixar de reconhecer e diante
das quais, inevitável e naturalmente, exclamamos [...] „é evidente! É
exatamente isso! É verdade!" (ALTHUSSER, 1983, p. 94-95)
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Sendo assim, a ideologia da Ordem Capitalista é conservadora, porque tenta
manter a harmonia em detrimento do conflito e enxerga este como um erro. Para Araújo
(2010), o conservadorismo mostra sua cara quando insiste em menosprezar a
legitimidade de movimentos sociais e quando rechaça políticas de ação afirmativa aos
índios, negros e diversas outras minorias.
Como muitos medicamentos, o conservadorismo tem como princípio ativo o
olhar de soberba, de cima para baixo, a não aceitação que o pessoal do andar
de baixo tem os mesmos direitos que os do andar de cima, que a lei é
soberana para todos e que a esta todos devem se submeter. O
conservadorismo chega a ser um estilo de vida, uma forma de lutar contra
qualquer forma de inclusão, seja social, cultural, digital. (ARAÚJO, 2010)
A tentativa de criminalizar o movimento indígena que se manifestou em
Londrina é fruto da formação discursiva da ideologia dominante. O ato discursivo de
“conservar” está intimamente ligado com o ato discursivo de “silenciar”, evidenciando
assim, toda a transgressão, violência e irracionalidade, em detrimento do interesse
racional por dignidade, dentro dos princípios do direito democrático.
A mídia potencializa o conservadorismo quando criminaliza movimentos
sociais e interdita o debate sobre liberdade de expressão criando cortinas de
fumaça em torno do que deseja, realmente, preservar. (ARAÚJO, 2010)
Portanto, o discurso do jornal nos remete à construção material e histórica, o
que a AD entende como interdiscurso. O pré-construído, que é um das características do
interdiscurso, nos remete ao que foi silenciado pela “homogeneidade” do discurso
jornalístico. Contudo, precisamos antes, entender o que motivou a manifestação política
e depois entender em quais princípios se fundamenta o silenciamento do discurso
indígena e do “sujeito índio”.
Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o decreto 7.056 do dia 28
de dezembro de 2009 "aprova o Estatuto e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em
Comissão e das Funções Gratificadas da Fundação Nacional do Índio - FUNAI, e dá
outras providências".
Existe uma série de problemas que são ressaltados pelo Cimi sobre esse
decreto. Uma das primeiras diz respeito à mudança da estrutura estatutária da Funai,
"sem uma prévia discussão com os povos Indígenas, suas organizações e nem mesmo
com a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), criada para ser uma instância
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articuladora e um espaço de diálogo entre o governo e os povos indígenas". (CIMI,
2010)
As alterações que mais afrontaram os direitos indígenas e das quais foram
objeto das manifestações em Londrina são as que dizem respeito às Administrações
Executivas Regionais (AERs) que, segundo o decreto, foram extintas e em seu lugar
serão criadas as Coordenações Regionais. Dessa forma, para o Cimi, "[...] haverá
alterações quanto ao funcionamento, na medida em que nas Coordenações Regionais
serão instituídos Comitês Regionais, compostos pelos Coordenadores Regionais, os
assistentes técnicos, os chefes de divisão e de serviços e os representantes indígenas
locais." (CIMI, 2010)
Uma das alterações que cerceou a participação democrática dos povos
indígenas e que centralizou o debate nas mobilizações indígenas é a extinção dos Postos
Indígenas. Dessa forma, segundo o Cimi, "Estes se localizavam nas aldeias ou em terras
indígenas e tinham a função de articular as ações locais de prestação de serviços,
fiscalização e proteção das áreas." (CIMI, 2010). Neste caso, a região sul teria uma
Coordenação Regional, que seria localizada em Santa Catarina, dificultando o acesso
das Aldeias que tinham seu atendimento resolvido pelos Postos. Essa centralização
burocrática dificulta ainda mais o processo de participação democrática das aldeias,
visto que reduz o alcance e a dinâmica de organização local.
Segundo a avaliação do Cimi, este decreto gera um problema político que diz
respeito à questão da propriedade privada, que é alicerce fundamental dos interesses
econômicos das classes dominantes no Capitalismo moderno. Dessa forma, "...
consequentemente as inúmeras demandas por demarcação, proteção e fiscalização das
terras sofrerão prejuízos ou adiamentos por longos períodos de tempo. Além disso, as
lacunas que a reestruturação da Funai vier a deixar nos próximos anos serão ocupadas
pelos setores que fazem oposição aos direitos territoriais indígenas, dentre eles os
empreendimentos de infra-estrutura planejados através do PAC."
O decreto gera o fortalecimento de setores conservadores dentro das discussões
indígenas, pois são grupos políticos que querem manter a Ordem econômica, porque
eles entendem que as demarcações prejudicam os negócios e a rentabilidade da terra,
seja reforçando os direitos de propriedade privada para não-índios, seja mantendo os
empreendimentos de infra-estrutura do governo federal, como usinas hidrelétricas, por
exemplo. Portanto, a ideologia conservadora atravessa o jornal, construindo as
evidências do discurso e silenciando a sua materialidade histórica, por meio de um
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efeito de sentido que transforma uma manifestação indígena legítima em um caso de
polícia. Sendo assim, a formação ideológica retira a credibilidade da manifestação
política indígena, porque essa voz não pode se contrapor aos interesses econômicos
capitalistas. Nesse sentido:
Na interpretação do Cimi, o decreto pode estar inserido na lógica de que a
Funai deve ser a facilitadora dos empreendimentos econômicos e não
empecilho ao desenvolvimento. Talvez a „nova‟ Funai se empenhe ainda
mais em agilizar as autorizações das obras que afetam terras indígenas e dar
vazão às demandas que travam as obras do PAC, como já fez o presidente da
Funai, no que se refere à autorização para a execução das obras da
hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. (CIMI, 2010).
É necessário entendermos agora como se constitui historicamente o
silenciamento do discurso indígena para entendermos o pré-construído que interpela os
indivíduos em sujeitos construindo a identidade por meio da ideologia.
Segundo Tommazino (2001), os livros didáticos ensinam que as terras
brasileiras estavam vazias e os europeus, quando chegaram aqui, só encontraram
florestas. Contam uma história na qual os povos indígenas são silenciados. No
imaginário da população, em geral, principalmente por influência da televisão, só
existem índios na Amazônia. O silenciamento do discurso indígena é fruto de uma
construção histórica. No Paraná, com relação à sua história de colonização, por muito
tempo pensou-se que os colonizadores brancos quando chegaram ao Norte do Estado
não encontraram ninguém ocupando o território. Essa versão que aparece na História
oficial e nos livros didáticos contribuiu para a ideia de que havia um imenso “vazio
demográfico”. Assim, os pioneiros foram consagrados como heróis, por sua coragem na
conquista de uma região ainda selvagem, enquanto que se ignorava a existência dos
índios, chamados de “selvagens”. Desta forma, o índio passou a viver um processo de
silenciamento e ocultamento.
Conforme a autora, quando Cabral aqui chegou estima-se que havia pelo
menos cinco milhões de pessoas, que constituíam cerca de 900 sociedades que foram
surpreendidadas pelos europeus que romperam suas histórias e mudaram os rumos de
suas vidas. Hoje a população indígena constitui-se por mais de 340 mil pessoas,
representando 0,2% da população.
De acordo com Tommasino (2001), os livros didáticos ao abordarem a História
do Paraná, informam que as reduções fundadas pelos padres espanhóis nos séculos XVI
e XVII foram destruídas pelos bandeirantes paulistas que levaram consigo os índios
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como escravos para São Paulo e outros índios fugiram com os missionários para a
Província de Tape, hoje Estado do Rio Grande do Sul. Depois, a maioria dos
historiadores afirma que as terras de todo interior do Paraná ficaram vazias, como se os
índios deixassem de existir.
No governo republicano, as terras dos índios foram reduzidas ainda mais,
ocorrendo a maior ocupação pioneira do Paraná, na qual cada palmo foi conquistado
pelas armas e, depois, pelo confisco que o Estado realizou a fim de entregá-las aos
colonizadores estrangeiros e nacionais. Em especial, a região de Londrina foi
colonizada por uma companhia da Inglaterra, a partir de 1929, e houve um grande
silenciamento sobre a existência de indígenas nessa região, principalmente porque a
companhia fazia propaganda de seus lotes de terras em todo o mundo, e para vendê-las
as terras teriam que estar “vazias”. Dessa forma, os índios veem seus territórios sendo
ocupados por interesse capitalista. Suas terras são vistas com os olhos do lucro.
Considerações finais
Por meio desta análise procuramos interpretar discursivamente as notícias relatadas
acima sobre o incidente causado na manifestação indígena. Utilizamos a Análise do
Discurso com o propósito de compreender a produção de sentidos do jornal, revelar o
que não foi dito e mostrar o efeito ideológico que deslegitimou a manifestação.
Procuramos evidenciar que, a todo momento, os sentidos produzidos pelo discurso do
jornal apagaram outros sentidos que nortearam o acontecimento.
Por meio do interdiscurso, comprovamos que houve um deslizamento de
sentidos na produção ideológica do sujeito enunciado. Assim, nossa análise procurou
mostrar que o discurso produzido pelo jornal deslocou o sentido do sujeito „Índios” para
“agressores”, caracterizando a manifestação como ilegítima, ocultando, assim, a “voz”
dos índios. Esse deslocamento de sentidos silenciou os manifestantes índios, pois os
mesmos foram retratados como inimigos da Ordem. Dessa forma, são sujeitos que
deixaram de ter voz, já que o sentido dessa voz foi construído de maneira a caracterizála como transgressora e violenta.
Com o pré-construído que se insere dentro da formação discursiva, entendemos
que o já-dito não figurado no texto refere-se à interpretação dada pela sociedade
capitalista à cultura indígena e suas manifestações. Essa interpretação foi construída,
como apresentamos acima, por meio do silenciamento do discurso indígena constituído
historicamente.
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Como apontou Tommazino (2001), o silenciamento do discurso indígena é
fruto, portanto, de uma construção histórica que ocultou o índio da História oficial. No
que se refere à História de Londrina, em especial, os livros didáticos são a prova
concreta do silenciamento sobre a existência de indígenas nessa região.
Enfim, o resultado desse silenciamento tem contribuído há muito tempo para
uma visão errônea do índio e de sua cultura e para a construção de uma ideologia que o
deslegitima como sujeito e silencia seu discurso.
Referências
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MENDES, Marcela R. Índios ameaçam „passar por cima‟. Folha de Londrina.
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ORLANDI, Eni P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes,
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PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma critica à afirmação do óbvio.
Campinas : Editora da UNICAMP, 1995.
TOMMASINO, Kimiye. Os povos indígenas no Paraná: 500 anos de encobrimento. In:
VILLALOBOS, Jorge Guerra (org). Geografia social e agricultura no Paraná.
Maringá: EDUEM, 2001.
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