RECS – PORTARIA 349D – REFLEXÕES
Ao abrigo do disposto no Regulamento de Desempenho Energético dos Edifícios de Comércio e
Serviços (RECS),aprovado pelo Decreto-Lei n.º 118/2013, de 20 de agosto, foi pulicada no dia 2 de
dezembro de 2013 a Portaria 349D, que estabelece os requisitos de conceção relativos à qualidade
térmica da envolvente e à eficiência dos sistemas técnicos dos edifícios novos, dos edifícios sujeitos a
grande intervenção e dos edifícios existentes.
Era grande a espectativa em volta desta portaria por parte de todos os agentes envolvidos no projeto
luminotécnico, até porque é uma necessidade básica para a melhoria da eficiência energética da
iluminação nos edifícios, pela melhoria da qualidade dos projetos que a mesma introduz e pelo
contributo que dá para acabar com algumas práticas abusivas por parte de alguns, em que o papel
aguenta tudo.
Pesando os princípios subjacentes nesta portaria e após uma leitura mais atenta, confesso que fiquei
confuso para não dizer desiludido.
Por me encontrar ausente do País no dia 25 de fevereiro, não poderei estar presente na sessão
promovida pelo CPI e apoiada pela OE no seu Auditório em Lisboa, a qual poderia ser uma boa
oportunidade para ser esclarecido acerca das dúvidas que tenho.
Deste modo, partilho as mesmas com os leitores, confiando que alguns lá estarão para as colocarem
a debate se as considerarem suficientemente pertinentes. Começo por solidarizar-me com os peritos
deste País pois esta Portaria é de uma tal exigência, concretamente no caso de iluminação, que os
obrigará a serem verdadeiros especialistas luminotécnicos.
É bom lembrar que a maioria dos peritos não é constituída por electrotécnicos e vai ter que avaliar
questões técnicas, muitas delas de grande sensibilidade técnica, salvo melhor opinião, que é o que se
depreende da Portaria.
Como é que os peritos vão avaliar as instalações? Vão fazer medições em cada zona? De acordo com
as normas? Em que constituirá a sua auditoria à instalação de iluminação? As medições dos níveis de
iluminação são feitas em obra nova, limpa, com luminárias e lâmpadas novas e o perito ao fazer as
medições nesse espaço para, por exemplo, 300lux, se medir 310lux cumpre? Então e o fator de
manutenção utilizado? O perito vai afectar o valor medido de um factor de manutenção que
compense o envelhecimento das lâmpadas e luminárias, sujidade das mesmas e do espaço?
Vamos então ao Anexo 1, Ponto 9 que inicia e muito bem com o seguinte parágrafo: “Os sistemas de
iluminação a instalar em edifícios de comércio e serviços devem cumprir requisitos gerais e
específicos para os parâmetros de iluminação, de acordo com as normas europeias EN 12464-1 e EN
15193, bem como requisitos para a densidade de potência e requisitos de controlo, de regulação de
fluxo e de monitorização e gestão, conforme descrito nas secções seguintes.”
Na minha opinião, e após ler a Portaria 349D, os legisladores afastam-se e nalguns casos colidem
com a EN 15193 e aqui vai mais uma pergunta: Qual delas prevalecerá?
Bem, mais à frente a Portaria diz: “9.3.5 - Nos casos em que não exista sistema de controlo e
regulação de fluxo, os valores apresentados na tabela 1.28 para Fo e Fd tomam o valor 1, sendo que
poderão ser utilizados outros valores distintos dos anteriormente apresentados, desde que
devidamente justificado através de uma simulação em software de cálculo luminotécnico, de acordo
com a EN 15193.”
Bem, justificados a quem? Ao perito?
“9.1.4 - É obrigatório, salvo limitações de ordem técnica ou funcional e mediante justificação
fundamentada, o recurso à segregação dos circuitos elétricos de potência, com excepção dos
circuitos com equipamentos elétricos auxiliares digitais, sendo exemplo de segregação de circuitos as
seguintes situações.”
Mais uma justificação ao perito?
“9.1.5 - Os sistemas de iluminação com equipamentos elétricos auxiliares (balastros) endereçáveis
digitais, dispensam a segregação referida no número anterior, desde que se encontrem ligados a
uma linha de comunicação (BUS) onde também estarão os sensores e detetores para controlo e
regulação da iluminação.”
Suponho que o perito aceitará outras vias de comunicação (Wi-Fi? Bluetooth?).
Vamos agora às densidades de potência exigidas pela portaria. A mesma diz:
9.3.4 - Para determinação do valor DPI/100lux deverá ser usada a seguinte metodologia de cálculo:
Em que:
Pn - potência total dos sistemas de luminárias instaladas, Pn = ∑ 𝑃𝑖
Pi - potência do sistema lâmpada + balastro
FO - fator de controlo por ocupação, conforme Tabela II.21
FD - fator de controlo por disponibilidade de luz natural, conforme Tabela II.21
PC - potência total dos equipamentos de controlo para as luminárias em funcionamento
A - área interior útil da zona, [m2]
Em - iluminância média mantida, [lux]
Aqui tenho sérias reservas sobre a metodologia seguida quando se decide afetar a potência total das
luminárias instaladas pelo produto dos fatores de controlo.
Diz a portaria: “9.3.1 - As potências dos sistemas de iluminação a instalar nos edifícios de comércio e
serviços não podem exceder os valores indicados pela Tabela I.28, na qual são também indicados os
valores dos fatores de correção a utilizar pela existência de sistemas de controlo.”
Portanto pela existência de sistemas de controlo, ocupação e disponibilidade de luz natural.
Ora a potência de uma luminária é a que a mesma usa para transformar em potência luminosa e que
o projectista selecciona para o fim em vista, cumprindo para a zona a EN12464-1. A energia
consumida por essa luminária é essa potência gasta num determinado tempo e é esta que importa
ter um consumo racional e eficiente na instalação.
O fator de controlo por ocupação depende de um outro fator, o de ausência (EN15193), estando
desde logo associado a tempos de ocupação da zona. Será correto baixar a potência através do fator
de controlo por ocupação? Já para não falar de tempos de ocupação e utilização diferentes? Isto é,
podemos aumentar a potência do aparelho porque compensamos com a pouca utilização da zona?
O projectista deveria ser conduzido a obter a densidade de potência o mais eficiente possível para
aplicar a EN 12464-1. Analogamente e em relação ao fator por disponibilidade de luz natural, o
mesmo se aplica. A luminária terá de debitar a potência luminosa para que foi projetada na ausência
de luz natural.
Ainda sobre este fator, basta um sensor de luminosidade para aplicar o fator previsto na tabela?
Quer estejamos no ultimo andar virado a sul ou no R/C virada a norte ou ainda com um nível de
obstrução à luz natural maior que outro local? Em diferentes zonas do País? Os valores de densidade
de potência devem ser afectados pelos fatores de controlo?
A EN 15193 estabelece tabelas de LENI (indicador numérico de energia para iluminação) e de fatores
de controlo a aplicar para o limite de energia por edifício, num ano. O legislador poderia ter seguido
a mesma filosofia.
Estou de acordo com a exigência da utilização dos sistemas de controlo mas para baixar o consumo
de energia. Não creio que seja a mesma coisa aplicar para baixar o DPI do projeto.
Voltemos ao DPI. Da pesquisa que fiz encontro algum paralelismo com o CTE (Código Técnico de
Edificação) Espanhol, teve uma primeira versão de 2006 onde definia duas tipologias de zonas
(representativa com maiores DPI e não representativas com menores DPI) e que foi actualizada com
uma nova versão em 2013, esta com DPI mais baixos e sem tipologias. No entanto esta legislação
aponta para DPI mais elevados, nalguns casos bem mais elevados e independentes da utilização de
sistemas de controlo.
A título de exemplo e para o nosso caso, a DPI mais elevada é para os corredores e é de 4,5 que
desce para 3,8 em Dezembro 2015. Na espanhola são 6 para zonas comuns não residenciais e ainda
existem zonas de 8 e de 10 (quartos de hotel).
Bem, o CTE inclui a iluminação de acentuação e o nosso diz isto:
“9.1.7 - Os sistemas de iluminação de emergência, de iluminação arquitectural, decorativa, cénica,
acentuação e iluminação em recintos para prática desportiva em regime de alta competição e de
transmissão televisiva, não estão sujeitos aos requisitos particulares de densidade de potência de
iluminação nem de sistemas de controlo.
9.3.3 - Nos casos em que a obtenção do valor máximo de DPI/100lux se manifestar de todo inviável,
devido à presença de iluminação de acentuação, decorativa, cénica ou arquitetural, essa
circunstância deve ser devidamente explicitada e justificada no respetivo projeto.”
Como é? Exclui-se ou não? Justifica-se a quem? Ao perito? A que é que o legislador chama
iluminação de acentuação? Usando spotlights fica-se isento? E se for uma gôndola de supermercado?
Showrooms? Museus? Salas de exposição? Para estes casos a portaria define 2.8 de DPI. Onde
começa e acaba a iluminação arquitectural? E a decorativa? O perito decide com o projectista?
Resumindo, não se corre o risco de transformar as exceções em regra?
No caso em que a iluminação de acentuação seja excluída no cálculo da potência instalada, o que
acontece ao seu contributo na iluminação do espaço a iluminar? A iluminação de acentuação,
mesmo que não seja de uma forma direta, irá ter, nem que seja por reflexão nas paredes, um
contributo para o plano de trabalho. Nestes casos o DPI é artificialmente melhorado pois a
iluminação de acentuação vai contribuir para aumentar a iluminação geral sem ser contabilizada
como potência instalada.
Devemos fazer os cálculos no software de cálculo sem a iluminação de acentuação? E se o fizermos,
não estaremos a iluminar o espaço acima dos níveis necessários?
Por outro lado, o CTE de Espanha tem uma tabela para DPI´s por edifício como a EN15193 (neste
caso com valores mais elevados). A nossa portaria não aponta.
Na minha opinião, um valor geral por edifício é mais justo pois permite avaliar a solução global e
comparar soluções, valorizando a solução completa, e não fazer enfoque no cumprimento ou não de
um ou outro espaço de menor dimensão com, por exemplo, um pequeno arrumo de uso reduzido
onde será necessário usar leds para conseguir cumprir com os DPI.
Mas ainda, nos DPI´s, e supondo que o princípio está corretamente aplicado, deparamo-nos com um
outro problema. Testes realizados tendo por base a EN 12464-1 e a CIE 97 para o cálculo dos fatores
de manutenção (FM) concluem que em alguns casos é impossível, por enquanto, a obtenção dos
DPI´s apontados na tabela mesmo com os fatores todos, e noutros casos só com o recurso à
tecnologia LED do mais elevado padrão ou então “martelando” os FM com 0,8 para cima. Esqueçam
a utilização de downlights com fluorescentes compactadas e em muitos casos é altamente limitativo
a utilização de fontes de luz tradicionais.
Temo que iremos assistir a um aumento dos custos das instalações de iluminação nalguns casos em
zonas consideradas menos nobres pois os DPI´s são muito exigentes para algumas zonas e deixam
pouco campo de manobra ao projetista de iluminação. Bem, em boa verdade pode sempre escudarse no projeto arquitetural ou decorativo ou ainda de acentuação.
E atenção, os Espanhóis levaram 7 anos a alterar o deles e esta Portaria aponta já para valores mais
exigentes já no final de 2015.
Creio que os atuais peritos não estão e dificilmente estarão, em tempo útil, preparados para
avaliarem projetos de iluminação. Não nos esqueçamos que a iluminação não se esgota nos
requisitos básicos, há milhões de formas diferentes de iluminar um espaço, etc.
Acredito que teria sido mais fácil criar um sistema de avaliação menos ambíguo e mais facilmente
quantificável tendo como base a multidisciplinaridade e a impreparação dos peritos em matéria de
projeto de iluminação.
Esperemos que no dia 25 de fevereiro estas e outras questões possam ser esclarecidas e que esta
Portaria venha a constituir um instrumento fundamental à melhoria da qualidade/eficiência da
iluminação no nosso País.
Alberto Vanzeller
Country Manager Aura Light Portugal
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