1 Slide 1 “O analista está presente”: a arte sensível de Marina Abramovic : Totem e paixão. Cintia BUSCHINELLI É bem possível que Marina Abramovic ao se expressar como uma obra de arte, deixou a vista o vigor imperativo que um vinculo emocional é capaz de despertar. A psicanálise ao nos dar a conhecer a força da transferência e nos ensinar a desdobramentos, mergulhar oferece na uma densidade experiência nem de seus sempre disposta a se deixar esclarecer. A expressiva arte de Marina Abramovic dá visibilidade a voz psicanalítica. E assim, mais uma vez a arte e a psicanálise se entrelaçam. A intenção deste comentário, portanto, é mostrar como uma arte expressiva ,sem palavras, pode dar voz imagética a experiência vivida em sala de análise entre analista e analisando. Slide 2 Um pouco sobre a artista 2 Marina Abramovic nasceu em 1946, em Belgrado, antiga Iugoslávia. Desde o início de sua carreira, nos anos 1970, foi pioneira no uso da performance como forma de arte visual. Desde seus trabalhos iniciais, ela explora os limites físicos e mentais de seu ser, resistindo inumeras vezes a exaustão, e a dor em busca de uma possivel transformação emocional . SLIDE 3 Em 2011, o MOMA, lançou uma grande retrospectiva de sua carreira. Na exposição, Abramovic passou 3 meses, sentada numa cadeira por 12 horas; 6 vezes na semana. Isso, sem pausas para atender a qualquer necessidade organica. Na atividade proposta por ela, os visitantes do museu tinham a chance de sentar diante dela, em silêncio, e estabelecer uma conexão através do olhar. O resultado pode ser visto no documentário Marina Abramovic: The Artist is Present, do qual assistiremos algumas partes. SLIDE 4 A performance enquanto arte Podemos,para a conversa desse momento tomar a palavra performance como algo que possui uma determinada configuração particular e se manifesta intensamente. Nesta modalidade de expressão artística, a presença do artista, se expressando de determinada maneira, a partir de regras que ele próprio estabeleceu, é a própria obra: o corpo presente, sob determinadas condições, procura dar visibilidade ao sentir. 3 SLIDE 5- O artista como ora de arte Poderíamos perguntar em que momento do desenvolvimento da arte, o artista passou a ser considerado uma obra de arte? A performance como arte é característica da segunda metade do século XX, mas suas origens estão ligadas aos movimentos de vanguarda do início deste século. Podemos pensar que as sementes da presença do artista como obra de arte se lançaram como possibilidade no próprio movimento expressionista, momento no qual os artistas desejavam sentimentos, que sua obra particularmente, transmitisse aqueles essencialmente que o assolaram enquanto criava sua obra. Van Gogh, considerado um pré- expressionista, artista que colocava em sua pintura sua própria turbulência emocional, dizia que seu desejo último seria que: aquele que olhasse para uma obra sua deveria dizer: esse artista realmente sente. Não vamos esquecer que também nesse inicio de século XX a psicanálise se desenvolvia a partir dos sonhos do próprio 4 criador da psicanálise. Obra e autor também se constituíam em uma unidade. Se a obra registra o sentimento do artista, como pressupunham os expressionistas o próximo passo seria considerar que o artista em atividade expressa a própria obra de arte. Slide 6-O artista , a obra e o espectador Pensando na trajetória histórica da relação entre a obra de arte e espectador podemos imaginar inicialmente três objetos separados : o artista a obra e o espectador. O artista deixa suas marcas na obra ,seu corpo concreto desaparece e sua invisibilidade corporal é registrada na singularidade de seus traços e em sua própria assinatura . Ao espectador anônimo cabe a simples tarefa de observar . Desde o advento do expressionismo onde o artista deseja que o espectador diante da obra de arte, simplesmente sinta, poderíamos encontrar uma nova proposta para a relação entre obra, artista e espectador: obra e artista se misturam de tal modo que o artista, ele próprio, carrega em si sua obra. 5 Artista se transforma em obra de arte, em determinadas condições pré-estabelecidas . E o espectador? Qual lugar ele ocupará nessa nova arte? Ele abandona o voyeurismo e passa a interagir com obra. Voltemos então a arte proposta por Abramovic. Ela não será encontrada nem no espectador nem na artista , mas na relação que se estabelece entre eles. A obra está entre. Quando o espectador, ou artista se afastam e a obra desaparece, ela não existe mais no mundo real, mas permanece como experiência transformadora, no imaginário tanto do artista quanto do espectador. Slide 7 Trajetoria da artista: do corpo concreto em direção a abstração. Sob o titulo Ritmos, na década de 70, Marina apresenta uma série de performances nas quais seu corpo está disponível para ações extremas, tanto da parte do publico, quanto da parte dela em relação a si mesma. Os espectadores, e por vezes, ela mesma, se colocarão como os Sujeitos que atuarão no corpo inerte de Marina, como se este fosse um objeto concreto, cuja integridade física está em jogo. 6 Entre tantas possibilidades para compreender essa experiencia podemos pensar que a proposta seria demonstrar que uma ação fisica extrema sobre esse corpo fosse necessária para despertá-lo ou subjetivá-lo . Em Ritmo 10, por exemplo,(1973), a artista dá apunhaladas entre seus dedos utilizando 20 facas diferentes. As apunhaladas eram dadas, ininterruptamente, até ela se cortar. A faca era trocada a cada corte. Poderíamos pensar metaforicamente nessas imagens que estou oferecendo, imagens aliás tão desconcertantes e angustiantes que prefiro tratá-las, assim,com a mediação de nossa imaginação. Mas, vamos imaginar que a artista desejou tratar-se como um corpo concreto, objeto sem sujeito, cujo mundo ao seu redor é trazido com violencia para despertá-lo. Depois de anos de experiencia Marina nos traz esse ultimo trabalho,cuja proposta, do nosso ponto de vista, seria de apresentar um corpo que contem integralmente sua subjetividade e que oferece ao espectador um contato essencialmente abstrato,onde por meio do olhar, sua sensorialidade, e sua imaginação pode despertar emocões,as mais intensas. Poderiamos agora supor que na trajetória de seu trabalho, Marina de certa forma, mimetiza o desenvolvimento psiquico humano , no qual, um corpo em contato com o mundo exterior ( e nesse caso de modo extremamente doloroso) vai construindo seu psIquismo, suas fantasias, seu pensamento chegando a um grau de extrema sutileza e intensidade sensorial ao oferecer afetos por meio de um olhar. 7 Nossa intenção é procurar, através de nossas experiencias psicanaliticas refletir sobre esse último trabalho de Abramovic e pensar qual seria o motivo que ele nos toca com tanta intensidade. Slide 8 A arte do vínculo : vigor e densidade : a questão da experiência na obra de arte e na cena analítica. .Dado que esta é uma reflexão compartilhada entre nós psicanalistas, não há duvida que a palavra- vinculo, nos conduz, num piscar para um lugar conhecido: a sala de análise. Conhecemos bem a experiência do vínculo analítico, seu vigor, sua densidade, seus desdobramentos, seus mistérios e principalmente a dificuldade que muitas vezes enfrentamos quando desejamos expressar para além das 4 paredes do consultório acontecimentos emocionais que emergem no decorrer de nosso trabalho. A experiência proposta por Marina Abramovic em O Artista está presente, nos leva imediatamente para nosso ofício pois ela oferece visibilidade aquilo que presenciamos através do vinculo analítico e da linguagem verbal. Veremos um pouco das imagens desse trabalho de Marina e imagino que nossa experiencia tanto como psicanalistas e 8 observadores dessa performance nos levará diretamente ao nosso consultório. Slide 9 Visibilidade da transferência:o analista está presente Em sala de analise, nos voltamos primordialmente para o campo da palavra, esta que dá voz ao acontecimento psicanalitico e que carrrega em si toda uma gama de experiencias inconscientes ,sensoriais ,afetivas que pulsam no vinculo trasferencial. Dificil não reconhecer a palavra, que adjetivamos de interpretativa, como uma espécie ponto culminante do processo transformador resultante do encontro entre analista e analisando cujo propósito é abrir novas possibilidades na vida mental. Consideramos as turbulencias da neurose como uma espécie de baragem em um rio que deveria correr livre em direcão ao mar seguindo seu curso único e singular. A psicose, nesse ponto de vista, poderia ser imaginada como um acidente que impede o correr desse rio, estagnando sua água, ou mesmo, secando seu leito,cuja natureza é fluida e em permanente movimento. Assim, a palavra interpretativa estaria ali, no campo psicanalitico como uma espécie de bússola, uma palavra imantada, cujo norte auxiliaria a se perceber veredas para nosso rio metaforico fluir pleno 9 em suas possiibilidades . Sabemos que a palavra interpretativa não é uma voz sem corpo e sem história e não se dirige a um objeto, mas a um Sujeito que veio buscá-la e está presente com sua historia, sua dor,temores,espantos,sensorialidade , pensamentos, silencios , aflições, perplexidades e vazios… Entramos em nossos consultórios levando conosco nossas teorias que desde sempre procuram traçar um caminho do desenvolvimento mental, uma espécie de guia para facilitar a compreensào de nossas experiencias e de transmiti-las aos nossos pacientes. Nossas teorias prevem, sem excessão a noção de início,de um ponto de partida, como se de certa forma se repetisse a história biblica da geneses: antes de tudo era o caos, ou, antes da palavra era o corpo. Nossas teorias nos oferecem, para estruturarmos nosso pensamento, uma linha de desenvolvimento, o corpo de um bebe, quer seja ainda protegido pelo útero materno, ou em contato com o mundo externo, cuja mente vai se constituindo na interação desse corpo único e naïf com um sem número de estimulos das mais diversas naturezas. Na medida em que a passagem do tempo impõe sua presença, o corpo se desenvolve atraves de inumeros processos sobre sobre os quais temos pouco conhecimento, e, ganhando assim sua subjetividade. Quase, como se deixasse de ser realmente um objeto para se transformar em sujeito. Nessa historiaa, a palavra vai ganhando lugar, se aprimorando e se colocando como se sua aquisicão colocasse aquele sujeito em um 10 lugar psiquico de alto grau de desenvolvimento. Nesse sentido é bem possivel que acabamos por não perceber que ela, a palavra, jamais abandonou seu corpo histórico pleno de impressões sensoriais e experiencias não verbais. Voltando agora a pensar o motivo de o trabalho de Abramovic nos tocar em profundidade, é bem possivel que seja por nos oferecer a possibilidade de observar, pela exclusão da palavra, a emocào mais contundente que muitas vezes subjaz a ela. Então estaremos aqui, sem palavras, nos envolvendo no campo da sensorialidade. Antes de mais nada gostaria de trazer para nossa conversa uma referencia de Freud em Moises e o Monoteismo na qual ele se refere a sensorialidade. Diz ele: experiencias inaugurais produzem fortes impressões e são relativas ao corpo proprio ou a percepcoes sensoriais principalmente da ordem visual e auditiva( Freud 1939: 93 ed. Brasileira). Podemos pensar que em sala de análise o vinculo analitico cuja transferencia esta a ele subjacente, pode ser vivido como uma permanente experiencia inaugural cuja sensorialidade esta com poros abertos para os acontecimentos emocionais tanto quanto as palavras ditas, os silencios ouvidos, os os movimentos evidenciados que podem ser despertados,no decorrer de uma sessão. As experiencias em analise não verbais, ou sensoriais estào lá todas a nossa disposição. Slide 10 filme- publico 11 - Em O artista esta presente, no Museu de Arte Moderna de Nova York, Marina ficou sentada, em silêncio, por mais de 700 horas, enquanto membros do publico da mostra revezavam-se em uma cadeira em frente à dela. - Linda Yablonsky, crítica de arte do “Washington Post”, disse que a performance de Marina no MoMA “é uma presença imponente e benevolente que não se esconde, com o propósito de arranjar tempo para que os outros se vejam a si próprios no reflexo dela. A ideia é eliminar todos os pensamentos do passado ou do futuro e viver apenas o momento presente” Construindo o totem Nessa performance se evidenciam uma série de elementos que são escolhidos para que a artista se apresente ao publico como um totem, ou seja, como se fora objeto-símbolo sagrado para um determinado fim. As roupas exuberantes e incomuns que realçam a presença carismática da artista, as regras estabelecidas para que o contato entre ela e os espectadores, seja exclusivamente visual, onde, a proibicão do tocar é uma regra a ser seguida. Lembremos que os espectadores tinham a chance de sentar diante dela, em silêncio, e estabelecer uma conexão através do olhar. Esta regra instituiu o tabu de tocar e falar diante do totem. Há um a permanente vigilancia para que a regras não sejam quebradas.O tabu fica fortemente assegurado pela vigilancia ostensiva dos seguranças do Moma. E assim, tudo ocorre conforme deve ser em presença de uma figura totemica.Tudo caminha na direção do esperado até que no lugar de 12 uma figura anonima, que se acomodaria na cadeira vazia a frente de Marina, surge Ulay, parceiro de performances e companheiro de Marina por 12 anos. Oito dos 12 anos de parceria incluiram a negociação para a realização de uma performance, que acaba se tornando um marco na carreira de ambos. A proposta consistia em uma caminhada pela Muralha da China, em que seria realizada em três meses, um em cada extremo, indo em direção ao outro. A performance consegue ser realizada, mas acaba com a separação do casal. Quando decidem se separar, acabam também com a parceria artística existente entre eles.Esse foi o último trabalho realizado pelo casal. Slide 10 totem e paixão Marina quebra as regras que a estabeleciam como totem.O tabu de tocar é transgredido quando suas mãos e de Ulay se tocam. 13