AS PLANTAS DANINHAS E SOJA RESISTENTE
AO GLYPHOSATE NO BRASIL1
GAZZIERO, D. L. P. 2
Resumo
A composição da comunidade infestante da cultura da soja no Brasil vem sendo alterada desde
de o inicio dos anos 70 até os dias de hoje, em função de três fatores principais: a) dinâmica das
plantas daninhas, típica de um pais tropical, b) praticas culturais adotadas, como o sistema de
semeadura direta; c) ação do homem, como uso inadequado de herbicidas. Algumas espécies como a
Brachiaria plantaginea, perderam grau de importância enquanto outras aumentaram sua freqüência.
Nesse período, o uso contínuo de herbicidas com o mesmo mecanismo de ação provocou a
manifestação da resistência de biótipos das espécies Brachiaria plantaginea, Euphorbia heterophylla,
Bidens pilosa e Bidens subalternans entre outras. Em 2005 a soja transgênica geneticamente
modificada para a resistência ao glyphosate foi oficialmente liberada para plantio comercial no país.
Sabe-se que ocorrerão profundas mudanças nos sistemas de controle das plantas daninhas. Os vários
produtos ou combinações de produtos utilizados atualmente na soja convencional serão substituídos
por um único ingrediente ativo, o glyphosate. A historia do estabelecimento e da dinâmica das plantas
infestantes permite antever que se o manejo destas espécies na soja transgênica não for feito
adequadamente, a composição da comunidade muito provavelmente será alterada em um curto espaço
de tempo. Inicialmente serão observadas apenas os benefícios da nova tecnologia, mas após três a
cinco anos certamente começarão a surgir problemas como a seleção das espécies consideradas
tolerantes e até mesmo resistência. Um estudo de monitoramento do impacto ambiental da soja
transgênica será realizado no Brasil com o objetivo de atender a exigência da Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança.
Abstract
The composition of the weed community in the soybean crops in Brazil has been altered since the
beginning of the seventies, mainly due to three factors: a) weed dynamics typical of, a tropical country,
b) cultural practices adopted, as the no-till systems; c) humans action, as inadequate use of herbicides.
Some species as the Brachiaria plantaginea, will begin to loose its importance while another will
increase its frequency. In that period, the continuous use of herbicides with the same action mechanism
provoked the manifestation of the resistance of biotypes of the species Brachiaria plantaginea,
Euphorbia heterophylla, Bidens pilosa and Bidens subalternans among others. In 2005 the transgenic
soybean genetically modified for the resistance to the "glyphosate" was liberated officially for commercial
planting in the country. It is known that several changes will occur in the weed control systems. Many
products or combinations of products used now in conventional soybean crops will be substituted by a
single active ingredient, the "glyphosate". The record of the establishment and the dynamics of weeds
allows to foresee that if the handling of these species in soybean crops it is not made appropriately, the
community composition will probably be altered in a short time. Initially only the benefits of the new
technology will be observed, but after three to five years problems will certainly appear as the selection
of the species considered tolerant and even resistance. An assessment of the environmental impact of
the transgenic soybean will be accomplished in Brazil with the objective of assisting the demand of the
National Technical Commission of Biosecurity.
Introdução
A soja é uma cultura que se caracteriza pelo alto consumo de herbicidas. O controle químico é o
meio mais usual, dada as características de praticidade, eficiência e rapidez na execução. O uso de
boas práticas agrícolas propicia um ambiente favorável para o desenvolvimento vigoroso da soja
fazendo com que ela possa competir com vantagem com as plantas invasoras. Paralelamente permite
1
Trabalho publicado nos Proceedings do Seminário Taller de Cultivos e Malezas Resistentes a Herbicidas.
Engº Agrº. Pesquisador da Embrapa Soja. Caixa Postal 231, CEP 86001-970. Londrina-PR. E-mail:
[email protected]
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criar condições para que os herbicidas funcionem adequadamente, possibilitando ao longo dos anos a
redução de doses, e em certos momentos até mesmo a eliminação de produtos.
No inicio dos anos 70, na relação das principais plantas daninhas da cultura da soja no Brasil
estavam incluídas as espécies Brachiaria plantaginea, Euphorbia heterophylla e Bidens pilosa e Bidens
subalternans, entre outras. Nos anos 80 o plantio direto passou a ser adotado em larga escala e plantas
de sementes pequenas como a Digitaria insularis e Conyza bonariensis passaram a ser vistas com
maior freqüência, pois encontraram condições adequadas para germinar e se desenvolver neste
sistema. Em meados da década de 80, vários produtos de diferentes grupos químicos estavam
disponíveis no mercado, e entre eles os de ação graminicida como os inibidores da enzima ACCase e
os de ação latifoliadicida como os inibidores da enzima ALS, que foram intensamente utilizados no
controle de B. plantaginea, E. heterophylla e Bidens sp. Nos anos 90 a B. plantaginea já não tinha mais
o mesmo grau de importância, devido a dois fatores básicos, a eficiência dos herbicidas e o sistema de
semeadura direta. Sabe-se que esta espécie tem maior dificuldade de sobreviver neste sistema de
semeadura. As espécies de folhas largas ganharam condições para se estabelecer,como a Commelina
bengalensis e Ipomoea grandifolia. Em meados da década de 90 foram confirmadas a manifestação da
resistência de plantas daninhas aos herbicidas inibidores das enzima ALS (E. heterophylla e Bidens sp)
e ACCase (B. plantaginea). Nessa época ainda, cresceu a chamada área de safrinha, locais aonde são
cultivados milho, sorgo ou milheto após a soja. Por estarem sujeitas a períodos de seca (no Brasil
Central) e ao frio (nas regiões mais ao sul do País) as culturas da safrinha são consideradas de risco,
razão pela qual até o ano de 2002, cerca de 80% da área no estado do Paraná não era tratada com
herbicidas. A partir deste ano inverteu-se a situação e apenas 20% da área não era tratada. Mas, há
que considerar que mesmo sendo aplicado o herbicida, nem sempre os produtos funcionam bem devido
a o clima.
A safrinha não tratada ou com controle ineficaz faz aumentar de forma grave o banco de
sementes e por conseqüência a intensidade das plantas daninhas resistentes, pois as espécies
encontram condições ótimas para produzir mais uma a duas gerações. No período seguinte à safrinha,
que compreende o intervalo entre a colheita da cultura de safrinha e a semeadura da próxima safra de
soja, o solo fica em pousio. Esse é um período em que se aguarda pela época de semeadura da soja e
que possibilita também a multiplicação das infestantes. Nesse sistema a E. heterophylla e Bidens sp
encontram boas condições para se multiplicarem e passam a ser um problema cada vez mais grave e
comum para as áreas cultivadas no verão. Em muitos casos, devido à alta pressão do banco de
sementes, o controle das plantas daninhas na soja ficou tão difícil de ser feito que o agricultor se viu
obrigado a fazer mais de uma aplicação.
Em 2005 a soja transgênica foi oficialmente liberada para plantio no País. Espera-se que
ocorrerão profundas mudanças nos sistemas de controle, tendo em vista que vários produtos ou
combinações de produtos utilizados atualmente serão substituídos por um único ingrediente ativo, o
glyphosate.
As plantas daninhas no Brasil têm composição e dinâmica própria de um país tropical, no qual a
intensidade e a rapidez da mudança na composição de uma comunidade é acentuada e rapidamente
influenciada pelas práticas agrícolas e pela ação do homem. A história do estabelecimento e da
dinâmica das plantas infestantes permite antever que se o manejo das plantas daninhas não for
adequadamente utilizado na soja transgênica, provavelmente a mudança na composição das
infestantes será alterada. Inicialmente serão observados apenas os benefícios da nova tecnologia, mas
após três a cinco anos certamente começarão a surgir os problemas como a seleção das espécies
consideradas tolerantes e até mesmo à resistência. Por isso, para evitar as conseqüências negativas do
uso continuado de um mesmo herbicida, é necessária a adoção de técnicas alternativas de manejo,
mesmo se tratando da soja transgênica resistente ao glyphosate. Manejar plantas daninhas não
significa apenas aplicar produtos. Trata-se de uma filosofia de trabalho, cujos resultados e benefícios se
manifestarão ao longo dos anos.
A soja RR
Glyphosate é um herbicida sistêmico, não seletivo com espectro de ação sobre cerca de 154
espécies ocorrentes no Brasil, utilizado em doses que variam de 1 a 6 L ha-1 e disponível no mercado a
quase 30 anos (Rodrigues & Almeida, 1998). Na soja transgênica será utilizada a formulação contendo
648 g de sal isopropilamina com 480 g de equivalente ácido. A variação na dose comercial deverá
situar-se em 0,5 a 2,5 L ha-1 e com maior freqüência entre 1,5 a 2 L ha-1.
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Atualmente, é aplicado em pós-emergência das plantas daninhas, antes da emergência das
culturas no sistema de semeadura direta, em áreas não cultivadas, pomares e reflorestamentos. Não
possui efeito residual, pois é fortemente adsorvido ao solo, onde é degradado principalmente pela
atividade microbiana.
A possibilidade de uso de glyphosate, aplicado após a emergência, representa uma nova
alternativa de controle em função da eficiência e da viabilidade econômica, características essenciais no
conceito de praticabilidade. Uma outra vantagem, ainda que temporária, da cultura geneticamente
modificada para resistência ao glyphosate, é a oportunidade de usar um herbicida com diferente
mecanismo de ação para controlar plantas resistentes (Devine, 2000). Exemplo disto tem ocorrido no
Brasil com biótipos resistentes de Bidens spp, Euphorbia heterophylla e Brachiaria plantaginea no Rio
Grande do Sul. Para Gazziero et al (2001) os erros e as conseqüências do uso continuado de um
mesmo herbicida já são conhecidos no Brasil e devem ser considerados para que os riscos inerentes a
um programa como o da soja transgênica sejam evitados ou minimizados.
As plantas daninhas
Com o advento da soja geneticamente modificada para a resistência ao herbicida glyphosate, os
quase 40 produtos ou combinações de produtos utilizados atualmente na soja convencional serão
substituídos por um único ingrediente ativo, o glyphosate. Algumas espécies são altamente sensíveis a
esse produto, enquanto outras são consideradas tolerantes e preocupam pela possibilidade de
disseminação e aumento de infestação nas áreas cultivadas com a soja transgênica.
A Commelina benghalensis, considerada uma planta tolerante ao produto, é uma das espécies
com grande potencial para se tornar rapidamente um sério problema de controle desde que, não sejam
adotadas medidas adequadas de manejo. Trata-se de uma espécie que se adapta com facilidade em
diferentes ambientes, apresenta intensa resposta à calagem e adubação do solo, hospedeira de pragas
e moléstias. É uma planta perene que se reproduz por sementes aéreas, subterrâneas e multiplica-se
também a partir do enraizamento de porções do caule (Rocha 1999; Rocha et al., 2000).
Borreria latifolia e Tridax procumbens completam a relação das espécies consideradas como
tolerantes ao glyphosate.
Outras espécies tidas como de difícil controle tem condições de expandir sua população na soja
transgênica. Ipomoea spp Richardia brasiliensis, Chamaesyce hirta, Chloris polydacyla, Boehavia
diffusa, Amaranthus spp, Eleusine indica e Conyza bonariensis também podem ser incluídas como
passíveis de se tornarem um problema no futuro.
Existe a possibilidade de que a operação de dessecação no controle das plantas daninhas que
germinam antes da semeadura, seja eliminada ou retardada. Isto já tem sido visto acontecer e tem
preocupado os pesquisadores no Brasil. Da mesma forma, tem criado preocupação a possibilidade de
que a aplicação pós-emergente do glyphosate na soja seja feita fora do momento indicado. Se assim
for, resultará em perdas por mato-competição.
Segundo Theisen (2003) muitos produtores de soja transgênica (RR) no Rio Grande do Sul
deixam de fazer o controle das plantas daninhas que nascem antes da semeadura da soja aproveitando
para controlar com a aplicação de pós-emergência feita na cultura. Em muitos casos nestas condições,
por ocasião da aplicação, já iniciou o processo de competição entre a cultura e as plantas indesejadas,
trazendo prejuízos à cultura.
A experiência sobre o uso de glyphosate em pomares de maçã no Rio Grande do Sul é relatada
por Vargas (2003), que observou a seleção de Richardia brasiliensis, Euphorbia heterophylla,
Commelina bengalensis, além da resistência de azevém (Lolium sp) sobre os quais tem sido aplicada
doses de 16 L ha-1 do produto comercial sem sucesso. Nas áreas com mais de 15 anos de uso tem sido
feitas três aplicações/ano em doses que variam de 2 a 8 L ha-1.
Segundo Gazziero (2001, 2003) a adoção de técnicas de manejo da área, das plantas daninhas
e do produto, na entressafra da soja, poderá facilitar o controle de plantas daninhas mesmo na cultura
da soja transgênica, pois na medida em que o produtor organiza a ocupação do espaço, dificulta o
estabelecimento das plantas daninhas. O autor obteve bons resultados com a associação de glyphosate
com produtos de pré e pós-emergência atualmente utilizados na soja convencional assim como com
aplicação seqüencial de glyphosate, mesmo para espécies consideradas tolerantes como Commelina
bengalensis.
Para Gazziero et al (2001) os erros e as conseqüências do uso continuado de um mesmo
herbicida já são conhecidos no Brasil e devem ser considerados para que os riscos inerentes aos
programas como o da soja transgênica sejam evitados ou minimizados. A tecnologia da soja
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transgênica resistente ao glyphosate foi desenvolvida para trazer benefícios e facilidades e terá seus
objetivos alcançados se bem utilizada.
Estudos de monitoramento ambiental
Os estudos sobre monitoramento ambiental serão conduzidos em regiões representativas de
plantio de soja no Brasil. Considerando a vasta superfície cultivada e a larga distribuição geográfica
desta cultura, áreas de estudo definidas por regiões que apresentam diferentes condições edáficas,
regime climático, práticas culturais, nível tecnológico, cultivares plantados e outros fatores. Os estudos
conduzidos demonstram que as áreas escolhidas foram adequadas ao trabalho proposto.
Figura 1 - Localização dos municípios nos quais será implantado o monitoramento ambiental da
soja RR.
Sorriso
Rondonópolis
BA
BA
MT
MT
Barreiras
GO
Santa Helena de Goiás
Serão avaliados os seguintes parâmetros:
São
Gabriel
d’Oeste
Biomassa Microbiana / Respiração edáfica
/ Quociente metabólico
MS
MS
Fungos Micorrízicos (Colonização / Quantificação)
ndrina
Fixação Biológica doLo
Nitrogênio
Ponta Grossa
PR
PR
Processos da Dinâmica do Solo
Protozoários
São Luiz Gonzaga
RS
Nematóides
RS
Atributos Físicos do Solo
Características Químicas do Solo
Banco de Diásporos do Solo
Considerações finais
Para evitar problemas e tirar o maior proveito possível desta nova tecnologia, é preciso que os
conceitos básicos de manejo de plantas daninhas continuem a ser considerados, sob pena de se perder
as vantagens obtidas. Espécies tolerantes poderão ser melhor controladas com o uso de aplicações
seqüenciais de glyphosate e no futuro, se necessário, com combinações deste produto com outros
compostos químicos.
Quanto à manifestação da resistência de plantas daninhas, sabe-se que é possível que possa
ocorrer e isto tem sido visto em países como os Estados Unidos, Chile, China, Austrália, Malásia e
África do Sul. No Brasil, já foi oficialmente confirmada a presença de azevém (Lolium multiflorum)
resistente ao glyphosate. Porém, devido ao mecanismo de ação do glyphosate espera-se que este fato
não assuma a proporção e a rapidez observada com outros mecanismos de ação. Casos de resistência
podem ser prevenidos. Uma vez ocorrido o problema, tanto na soja convencional como na transgênica
(RR) são resolvidos com a adoção de técnicas de manejo.
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Literatura citada
Divine, M.D. Resistant crops to manage resistant weeds. In: INTERNATIONAL WEED SCIENCE
CONGRESS, 3., Foz do Iguaçu, 2000. Abstract... Foz do Iguaçu: SBCPD / Copenhagen: International
Weed Science Society, p.157, 2000.
Gazziero, D.L.P. et al. As plantas daninhas e a semeadura direta. Circular técnica, 33. Embrapa Soja.
Londrina, PR. 2001. 59p.
Gazziero, D.L.P. Manejo de plantas daninhas em áreas cultivadas com soja geneticamente modificada
para resistência ao glyphosate. Londrina, 2003. 143p. Tese de Doutorado em Agronomia. Departamento
de Agronomia. Universidade Estadual de Londrina.
Rocha, D.C. Belas, Invasoras e Tolerantes. Cultivar, p.24-25, 1999.
Rocha, D.C.; Rodella, R.A.; Martins, D. Ocorrência de Commelina villosa como planta daninha em áreas
agrícolas no Estado do Paraná, PR, Brasil. Planta Daninha, v.18, n.1, p.161-167, 2000.
Rodrigues, B.N.; Almeida, F.S. Guia de Herbicidas, 4 ed., Londrina: 1998. 647p.
Shaw, D.R. & Arnold, J.C. Weed control from herbicide combinations with glyphosate. Weed
Technology, v. 16, n.1, p.1-6, 2002.
Theisen, G. Soja RR no Brasil: vantagens
[email protected], em 02 dezembro de 2003.
e
riscos.
Mensagem
recebida
por
Vargas, L. Soja RR no Brasil: vantagens e riscos. [email protected]. Mensagem recebida por
[email protected], em 02 dezembro de 2003.
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