jurídico Crédito rural para estocagem de Café: o papel das sociedades cooperativas de produtores rurais C 22 om vistas a proporcionar a utilidade no tempo do cultivo do café, em razão da sazonalidade da produção e a constância de seu consumo no decorrer do ano, tornou-se relevante o sistema de estocagem para a economia brasileira. Com a oferta de recursos do Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (“FUNCAFÉ”) ao produtor rural, por meio de linha de financiamento junto às instituições financeiras credenciadas (integrantes do Sistema Nacional de Crédito Rural – “SNCR”), permite-se a disponibilidade do produto “café” no momento desejado pelos produtores. Neste contexto, o presente artigo trata da adequada interpretação dos reais beneficiários da linha de crédito rural para estocagem de café, com recursos do FUNCAFÉ, quando concedida i) aos cafeicultores e suas cooperativas de produção; e, ii) às sociedades cooperativas de produtores rurais, na hipótese de produção própria, nos termos e condições previstas nas Resoluções do BACEN nº 3.995, de 28 de julho de 2011, nº. 4.014, de 29 de setembro de 2011, nº. 4.099, de 28 de junho de 2013, nº 4.229, de 18 de junho de 2013, que alteram o Manual de Crédito Rural. Pela primeira leitura, a legislação parece sinalizar que, no caso do item ii, as sociedades Revista do Café | setembro 2013 cooperativas é quem são as beneficiárias, o que pode dar origem a dúvidas e incertezas. A representação gráfica, a seguir, trata das duas hipóteses de concessão de financiamento para a estocagem de café, permitindo uma melhor compreensão do assunto: A partir da ilustração, na primeira hipótese (item i), os recursos são contratados diretamente pelos cooperados ou repassados por meio da sociedade cooperativa de produção agropecuária, quando estes (cooperados) possuírem armazéns gerais credenciados. Já na segunda hipótese (item ii), o café é entregue pelo cooperado à sociedade cooperativa de produção agropecuária, com a outorga a esta de plenos poderes para sua livre disposição, prestando serviços de estocagem com recursos oriundos do financiamento do FUNCAFÉ. No que se refere à segunda hipótese (sociedades cooperativas de produção agropecuária), o Manual de Crédito Rural procura esclarecer quem são os beneficiários, ao prever o crédito rural para o custeio, investimentos e comercialização de produtos: “3 - Consideram-se como de produção própria da cooperativa de produção agropecuária, para fins de crédito, os produtos que a cooperativa receber de seus associados”. A questão fica simples quando se procura entender o que armazenagem da produção dos cooperados, sendo estes, portanto, os reais beneficiários. As normas editadas pelo BACEN vedam que a sociedade cooperativa de produção agropecuária aplique os recursos subvencionados, com destinação específica para estocagem de café do cooperado, para outras finalidades, como, por exemplo, para a aquisição de café de produtor agropecuário, sejam cooperados ou não cooperados, sob pena de contrariar a política pública de venda futura em melhores condições de mercado do café. A Resolução nº 4.229, de 2013, prescreve ainda que os recursos do FUNCAFÉ repassados às instituições financeiras devem ser remunerados, pela Taxa SELIC, enquanto não liberados, aos beneficiários finais das linhas de crédito (leia-se cooperados). Assim, quando houver outra destinação aos recursos do FUNCAFÉ, repassado pelas instituições financeiras para as sociedades cooperativas de produtores rurais, ou enquanto não liberados aos beneficiários finais cooperados, incide a cobrança da taxa SELIC. Diante dessas breves linhas, a partir da retomada de definições e características do tipo societário “sociedade cooperativa”, a questão, antes objeto de dúvida, cede lugar à convicção de quem são os reais beneficiários do crédito rural para a estocagem de café. Quando a legislação condiciona a sociedade cooperativa (beneficiária de direito) ao repasse obrigatório dos recursos do FUNCAFÉ, para despesas de custeio e manutenção do café estocado dos cooperados, na realidade, está prescrevendo que estes são os reais beneficiários (beneficiários de fato). “ As normas editadas pelo BACEN vedam que a sociedade cooperativa de produção agropecuária aplique os recursos subvencionados, com destinação específica para estocagem de café do cooperado, para outras finalidades, como, por exemplo, para a aquisição de café de produtor agropecuário, sejam cooperados ou não cooperados, sob pena de contrariar a política pública de venda futura em melhores condições de mercado do café. “ vem a ser uma sociedade cooperativa de produção agropecuária ou de produtores rurais. O surgimento das sociedades cooperativas, em geral, ocorre pelo acordo de vontades de um grupo de pessoas físicas ou jurídicas para cooperarem entre si, nos termos do art. 6º da Lei nº 5.764, de 1991. A declaração dessa vontade vem acompanhada de duas proposições correlatas: (i) A inequívoca forma de cooperação de “proveito comum”, em que todos irão se beneficiar e não apenas alguns; e, (ii) o resultado econômico do trabalho coletivo será distribuído entre todos, independente do volume de capital empregado. A melhoria socioeconômica do cooperado pode resultar do aumento de sua receita ou da redução de suas despesas, mediante a obtenção, por meio da sociedade cooperativa, de créditos em geral ou meios de produção. Assim, na constituição de uma sociedade de produção agropecuária, pode um grupo de cafeicultores, com dificuldades na sua atividade econômica, decidir constituir uma sociedade que lhes preste serviços, entre eles, a atividade de estocagem do café. Diferentemente de outros tipos societários, as sociedades cooperativas de produção agropecuária recebem os produtos de seus cooperados, sem a transmissão de propriedade destes para aquelas, inexistindo operação de mercado. Considerando a peculiaridade desta forma societária - segundo a qual esta atua sempre no nome e em beneficio de seus cooperados - as Resoluções BACEN nº 3.995, de 2011 e 4.229, de 2013, ao atribuírem à sociedade cooperativa de produção, no caso de produção própria, a qualidade de beneficiária do crédito de estocagem está, na realidade, concedendo esse crédito para a jurídico 23 Elisângela Anceles – Advogada e Economista Sócia da E&E Consultoria e Soluções Tributárias Ltda. Revista do Café | setembro 2013 Elisângela Anceles