Redefinição do kilograma
Isabel Spohr
Instituto Português Qualidade
Embora o cidadão comum não tenha consciência disso, o mundo está à beira de uma
grande revolução!
A definição do kilograma, uma das 7 unidades de base do sistema internacional, será
dentro de um par de anos diferente.
E quando dizemos diferente quer realmente dizer que será como do dia para a noite…
O kilograma, unidade de massa do Sistema Internacional, define-se desde há 125 anos
como sendo igual à massa do protótipo internacional do kilograma (IPK) conservado
em Sèvres no BIPM (Bureau International des Poids et Mesures).
Figura 1 – Protótipo Internacional da Massa (IPK) (Fonte: BIPM).
Em 1991 o diretor do BIPM, Terry Quinn, num artigo lançava o desafio aos peritos em
medição (metrologistas) e aos Laboratórios Nacionais de Metrologia (LNM), para
comparar a massa com uma constante fundamental da física.
Esse desafio foi lançado formalmente em 1995 numa resolução da 20ª CGPM
(Conférence General des Poids et Mesures), uma vez que o kilograma é a última
unidade de base ainda definida por um artefacto e não uma constante fundamental da
natureza. Com a redefinição do kilograma a comunidade científica obterá um benefício
imediato ao obter a unidade de massa, o kilograma definido em termos de constantes
fundamentais da física. Mas esta redefinição apenas será prática para a comunidade
da massa se o kilograma atual poder ser ligado à constante fundamental escolhida com
exatidão suficiente.
A 25ª reunião da CGPM, realizada em novembro de 2014, adotou uma resolução sobre
a futura revisão do Sistema Internacional de Unidades. Esta Resolução tem em vista a
resolução da CGPM anterior (2011), na qual se toma conhecimento da intenção do
CIPM (Comité Internacional de Pesos e Medidas) de propor uma revisão do SI e
estabelecer um roteiro detalhado para as futuras alterações.
No "Novo SI" quatro das sete unidades de base - ou seja, o kilograma, o ampere, o
kelvin e a mole - serão redefinidas em termos de constantes físicas fundamentais; as
novas definições serão baseadas em valores numéricos fixos, respetivamente da
constante de Planck (h), da carga elementar (e), da constante de Boltzmann (kB), e da
constante de Avogadro (NA).
Após as redefinições é necessário explicar a realização das definições de cada uma das
unidades de base de uma forma prática.
A mise-en-pratique para a definição de uma unidade é um conjunto de instruções que
permite que a definição seja realizada na prática, ao mais alto nível. Esta deve
descrever as realizações primárias baseadas em métodos primários de elevada
exatidão.
O CCM (o Comité Consultivo para a Massa e grandezas Derivadas), no qual o IPQ é
observador oficial, está a trabalhar no projeto de mise-en-pratique para o kilograma,
mas é óbvio que tais documentos só poderão ser finalizados quando a redefinição for
aprovada.
A redefinição da unidade de massa, está relacionada com a comparação de duas
energias – elétrica e potencial, donde são obtidos os valores das constantes de Planck
e de Avogadro. E assim aparece uma nova “balança” para realizar essas medições: a
balança de watt (WB).
Comparando esta balança de watt com uma balança clássica de dois braços, podemos
dizer que num dos lados colocaremos o que pretendemos medir e do outro em vez de
massas-padrão teremos um enrolamento horizontal através do qual a corrente elétrica
passa, estando o mesmo sujeito a um campo magnético.
Deste modo, podemos relacionar a massa com a corrente elétrica e o campo
magnético.
É realizado também um ensaio dinâmico em que se mede a tensão gerada nos
terminais do enrolamento e a combinação destas duas equações permite relacionar o
valor da massa em função, entre outras, da constante de Planck. Os desenvolvimentos
associados a estas equações permitiram aos físicos envolvidos receber 2 prémios
Nobel da Física no século XX.
O estudo com a balança de watt foi iniciado pelo NPL (LNM inglês) tendo o NIST (LNM
norte-americano), até 2013, a incerteza declarada mais reduzida.
As balanças de watt são instrumentos complexos e sensíveis, pois têm que tomar em
consideração diversas variáveis de influência como a altitude, a latitude, a força
centrípeta, a posição da Lua entre outras variáveis.
Quando as experiências que estão a decorrer forem um sucesso, ou seja quando existir
concordância entre pelo menos os valores obtidos por 3 sistemas independentes, o
valor da constante de Planck será fixado.
Para obter a nova redefinição do kilograma não só temos que ter sucesso com a
experiência da balança de watt assim como também se deve ter sucesso com outra
experiência totalmente distinta: a experiência de Avogadro.
Figura 2 – Esfera de silício (Fonte: PTB).
Esta experiência consiste num conjunto de esferas de Avogadro, que são esferas de
cristal de silício, cortadas e medidas com lasers para assegurar um volume exato.
Pretende-se medir a constante de Avogadro com essas esferas, ou seja medir um valor
que relaciona a quantidade de átomos de carbono 12 contidas em 12 gramas de
carbono. O sucesso desta experiência permitirá outro caminho para atingir a constante
de Planck e logo implicitamente o kilograma, uma vez que com a constante de Planck
fixa podemos obter um padrão de massa desmaterializado.
O produto entre a constante de Planck e a constante de Avogadro é uma grandeza
designada de constante de Planck molar, cujo valor já é conhecido com elevada
exatidão. O valor da constante de Planck molar fornecerá assim um valioso teste de
consistência entre as 2 experiências que fazem a ligação entre o kilograma e as
constantes de Planck e de Avogadro.
Isto foi a teoria, na prática existem 5 WB que estão a funcionar/em estudo: do NIST, a
do NRC (LNM do Canadá) que foi cedida em 2009 pelo NPL, a do METAS (LNM da
Suíça), do LNE (LNM Francês) e do BIPM.
Figura 3 – Balança de watt do BIPM (Fonte: BIPM).
Existe ainda o plano de uma nova WB da Coreia e 2 balanças de tipo diferente: uma
balança de Joule (baseada na equivalência do Joule, mecânica e eletromagnética) da
China e uma da Austrália que funciona com pistões (balança de watt manométrica –
que utiliza 2 balanças manométricas como comparador de força).
Depois de fazer a alteração para a nova redefinição, a massa do protótipo
internacional do kilograma (IPK), que define o kilograma, tem que ser
experimentalmente determinada. Se for escolhido um "valor errado" significa
simplesmente que a massa do IPK não é exatamente 1 kg no Novo SI. Embora esta
situação possa parecer problemática, ela afetaria apenas as medições de massa
macroscópicas; as massas de átomos e os valores de outras constantes relacionadas
com a física quântica não seriam afetadas.
A definição atual do kilograma corrige a massa do IPK para ser exatamente um
kilograma com uma incerteza de zero, ur(mIPK) = 0. A constante de Planck é
atualmente determinada experimentalmente, e tem uma incerteza padrão relativa de
4,4 partes em 108, ur(h) = 4,4 × 10−8.
Com a nova redefinição o valor de h será fixado (constante exata), com uma incerteza
de zero, ur(h) = 0. A massa do IPK será determinada experimentalmente, e esta terá
uma incerteza relativa na ordem de 4,4 ×10−8. Assim, nesta nova definição, desloca-se
a incerteza da constante de Planck para a massa do IPK, como se pode ver na tabela
abaixo.
constante utilizada
para
definir
o
kilograma
SI atual
status
incerteza
status
incerteza
massa do IPK, m(K)
exata
0
experimental
4,4 × 10−8
Constante de Planck, h
experimental
4,4 × 10−8 exata
Novo SI
0
De notar que a constante de referência utilizada para definir uma unidade não tem
que ser dimensionalmente a mesma que a unidade (embora possa ser
conceptualmente simples quando este for o caso). Já são utilizadas várias constantes
de referência no SI atual que têm uma unidade diferente daquela que está a ser
definida. Por exemplo, o metro é definido utilizando-se como referência a constante
(exata) da velocidade da luz no vazio c com unidade m/s, e não um comprimento
especificado em m. Embora possa parecer intuitivamente mais simples definir o
kilograma utilizando uma massa como uma constante de referência, utilizar a
constante de Planck tem outras vantagens. Por exemplo, se ambos h e e forem
conhecidos exatamente como é proposto no novo SI, então tanto as constantes de
Josephson como de von Klitzing, respetivamente KJ e RK serão exatamente conhecidas,
com grandes vantagens para a metrologia elétrica.
A escolha da constante de referência que será utilizada para definir o kilograma, não
implica a escolha de qualquer método em particular para a realização do kilograma.
Qualquer nova realização do kilograma, deve ser rastreada a h uma vez que esta será a
constante de referência para o novo kilograma. Sabe-se também que h/m(12C) = Q, em
que Q representa um conjunto de fatores numéricos exatos e constantes
determinadas experimentalmente. A incerteza padrão relativa de Q é apenas 7 × 10−10
baseada nos correntes valores recomendados para as constantes envolvidas. Podem
ser utilizados para realizar o kilograma na WB, que mede um padrão de massa de 1 kg
diretamente em termos de h e medições auxiliares de comprimento, do tempo, da
tensão e resistência elétricas. No entanto, uma experiência que mede uma massa de
1 kg em termos de m(12C), como o projeto XRCD (X-ray Crystal Density), também tem o
potencial para realizar o kilograma. Isto é porque m(12C)Q = h, e, assim, o preço a pagar
para se chegar a h por meio de m(12C) é a incerteza de Q, que é negligenciável no
contexto da realização da nova definição. É prematuro especular se um tipo de
realização vai prevalecer no longo prazo ou se os diferentes tipos vão coexistir.
Atualmente, todas estas experiências são difíceis e dispendiosas.
Finalmente, tal como hoje em dia a massa (vulgarmente chamada de peso) de
qualquer produto vendido no supermercado é comparado indiretamente com a massa
do IPK, através de uma cadeia ininterrupta de calibrações, irá ser estabelecida no
futuro após a redefinição do kilograma uma realização da nova definição da unidade
de massa, seja através da construção de um aparelho adequado a nível local, ou por
qualquer outro método que se revele conveniente.
Assim, em 2018 será realizada a próxima reunião da CGPM em que poderá ser
aprovada a nova definição do kilograma, se existir um número suficiente de realizações
primárias que permitam a realização da sua definição.
O CCM recomenda que as seguintes condições sejam obtidas antes do CIPM pedir o
ajustamento CODATA dos valores das constantes fundamentais da física, a partir do
qual é aprovado um valor numérico fixo da constante de Planck:
1. Pelo menos três experiências independentes, incluindo tanto as experiências
com a balança de watt como XRCD, que forneçam valores consistentes para a
constante de Planck com incertezas relativas padrão inferiores a 5 × 10−8;
2. Pelo menos um desses resultados apresente uma incerteza relativa padrão que
não exceda 2 × 10-8;
3. Os protótipos do BIPM, o conjunto de padrões de massa de referência do BIPM
e os padrões de massa utilizados nas experiências com a balança de watt e XCRD,
tenham sido comparados o mais diretamente possível com o protótipo
internacional do kilograma;
4. Os procedimentos utilizados para a futura realização e disseminação do
kilograma, tais como descritos na mise-en-pratique, tenham sido validados de
acordo com os princípios do CIPM-MRA.
Há mais de 200 anos, os cientistas previam um sistema de medição universal que fosse
aplicado sem recurso a nenhum artefacto. Está a demorar mais do que imaginaram…
No entanto, muito em breve será possível a redefinição do kilograma no SI e assim a
revolução do Sistema Métrico.
Bibliografia:
1 - http://www.bipm.org/en/bipm/mass/faqs_mass.html
2 - The weight is almost over; More Intelligent Life Magazine, September/October
2014
3 - Recommendation G1 (2013) On a new definition of the kilogram (14th meeting
of the CCM)
Download

constante de avogadro