Resumo
Aula-tema 02: Literatura infantil: arte literária ou pedagógica?
O que caracteriza uma produção literária como literatura infantil é a
preocupação com seu público-alvo: a criança. Entretanto, o percurso histórico da
literatura infantil, como já visto anteriormente, revela que tais produções foram
adaptadas a partir da realidade adulta. Convém lembrar que esse tipo de história
encanta as crianças até hoje, devido à linguagem simbólica que a constitui.
Em suas origens, a literatura infantil baseou-se em materiais diversos para sua
constituição, como a adaptação de textos folclóricos, clássicos, narrativas orais,
entre outros. Por outro lado, há uma preocupação latente com relação à natureza
das produções literárias: haveria uma literatura infantil ideal? Esta deveria preservar
a arte literária ou a pedagógica? Sua finalidade seria instruir ou divertir a criança?
Esses questionamentos perduram desde a Antiguidade Clássica até a atualidade.
Certamente pode-se considerar que os dois aspectos se inter-relacionam ao
mesmo tempo, podendo haver ambos os intuitos: divertir e ensinar. Quando o
objetivo é provocar emoções, dar prazer ou divertir, além de modificar a consciência
de mundo de seu leitor, a literatura diz respeito à arte. Por outro lado, é pedagógica
quando se transforma em um instrumento manipulado orientado por uma intenção
educativa.
Concebidas as diferenças entre as finalidades das produções literárias, a
opção por uma delas não dependerá somente do escritor, mas é necessário
considerar também a tendência predominante em cada época, ou seja, pode haver a
intenção da sobreposição entre o entretenimento (intenção artística) ou o caráter
informativo
(intenção
pedagógica).
Esses
apontamentos
são
levados
em
consideração porque estamos constantemente em processo de transformações
sociais.
Em decorrência desses apontamentos, é necessário compreender que toda
produção literária expressa uma determinada consciência de mundo ou uma certa
filosofia de vida do escritor, da mesma forma que toda leitura resultará em
determinada consciência de mundo para o leitor, em conhecimento da realidade
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apresentada ou em valores. Essa relação entre o eu (leitor) e o outro (escritor)
reflete a consciência e, consequentemente, o conhecimento. É dessa forma que o
ato de ler ganha um significado especial e se transforma em ato de aprendizagem,
quando possibilita à criança e ao jovem estabelecer relações entre o universo
literário e seu mundo interior; isso impulsionará a formulação da consciência a partir
das relações com o universo real.
Articulando essas ideias, pode-se então questionar: qual seria a literatura ideal
para a criança enquanto leitora: aquela que aborda fatos reais ou a que contempla
aspectos fantásticos? Em primeiro lugar, não se pode eleger um julgamento entre
melhor ou pior para a finalidade das duas produções. Faz-se necessário considerar
tão somente as diferenças e contribuições de ambas.
Essas diferenças são abordadas entre o pensamento mágico e o lógico. O
mágico (ou mítico) diz respeito à possibilidade de fantasiar e imaginar para
descrever coisas ou situações que são inexplicáveis. Como exemplo, há os
fenômenos da vida natural, explicados em produções categorizadas como fábulas,
lendas, mitos, contos maravilhosos etc. Há que se considerar que esse tipo de
produção literária, devido a sua natureza mágica, atrai o interesse das crianças de
forma espontânea.
Com relação ao pensamento lógico, o conhecimento científico se sobressai,
com a possibilidade de explicar os fenômenos pela razão, o que resultará em
produções literárias nas quais se preserva uma atitude científica que representa, por
sua vez, a verdade do real.
Doravante, temos uma oscilação entre as duas perspectivas apresentadas
(entre o pensamento mágico e o científico), pois nenhuma conquista do
conhecimento é definitiva: em alguns momentos, sobressai a verdade científica; em
outros, a redescoberta da fantasia, do sonho, da magia.
O aspecto maravilhoso, entretanto, é marcante nas produções literárias para as
crianças e apresenta inúmeras contribuições, como, por exemplo, a possibilidade de
auxiliar a criança a entender os dilemas necessários ao amadurecimento adulto.
Conforme evidenciado pelos estudos da Psicanálise, os contos de fadas podem
auxiliar a formação da criança em relação ao conhecimento de si e do mundo a sua
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volta. A linguagem simbólica representa os valores presentes nessas produções,
facilitando a compreensão sobre diferentes condutas, como atitudes boas e más e o
convívio social.
Tendo em vista as considerações feitas, devemos pensar que a linguagem
simbólica é marcante tanto nos contos maravilhosos quanto nos contos de fadas,
pois ambos possibilitam à criança refletir sobre o mundo real e o imaginário, bem
como se projetar nas atitudes ou situações que se passam com as personagens.
Assim como a Psicologia Experimental, a Psicanálise e outras áreas do
conhecimento humano, entre elas a Educação, têm realizado estudos e pesquisas
sobre a literatura infantil para compreender os fenômenos de mutação, ou seja, de
mudanças sociais que impulsionam a descoberta ou mesmo a valorização de
conceitos e valores sociais. Essas áreas do conhecimento, diferentemente de Letras,
estão centradas em pesquisar a literatura enquanto veículo de ideias ou padrões de
comportamento, esquecendo-se do fenômeno literário. Do resultado desses estudos
originam-se críticas a respeito das produções literárias e sua finalidade. É também
consenso que não há uma crítica literária organizada que fundamente essas
investigações, abrangendo os diferentes enfoques das diversas áreas do
conhecimento. Considerando tal fato, é imprescindível, então, elaborar critérios e
modalidades que contemplem a crítica literária para a literatura infantil brasileira.
Faz-se necessário também analisar e selecionar um método para que essa análise
seja satisfatória, com base na leitura analítico-interpretativa das obras.
Tal aspecto é esclarecido por Coelho (2000,p. 60), ao afirmar que o processo
de análise de uma obra como um todo avança por meio de uma série de questões
que possibilitam a reflexão.
a. O que a obra transmite? Qual seu enredo, assunto, trama,
efabulação?
b. Como isso é expresso em escritura literária? Quais os recursos de
linguagem, de estilo ou de estrutura escolhidos pelo autor? Qual a
intenção que predominou nessa escolha: a estética ou a ética (a
primeira dá ênfase ao fazer literário; a segunda, aos padrões de
comportamento)?
c. Qual a consciência de mundo (ou sistema de valores) ali presente
ou latente? Há ou não coerência orgânica na construção da obra?
Entre estilo, recursos expressivos, problemática e consciência de
mundo? (É essa organicidade que lhe dá o valor de obra literária.)
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d. Qual a intencionalidade em relação ao leitor? Divertir, instruir,
educar, emocionar, conscientizar?
Compreende-se que essas questões possibilitam a reflexão sobre a finalidade
ou consciência expressa nas obras literárias, mas é apenas o caminho, ou seja, um
meio para o percurso de investigação que parte necessariamente da inter-relação
dos fins e a constituição da obra propriamente dita. Por fim, o que pode ser levado
em consideração nessas análises é a adequação entre a consciência de mundo e a
natureza do discurso literário, bem como o grau de criatividade da obra.
Conceitos Fundamentais
Antiguidade Clássica – Refere-se ao período da história europeia compreendido
por volta do século VIII a.C.. Nesse período surgiu a poesia.
Psicanálise – Refere-se ao campo clínico de investigação da psiquê humana,
proposto por Sigmund Freud, considerado “Pai da Psicanálise”.
Letras – Área científica da Linguistíca, incluindo o ensino de línguas, estudos
literários e culturais.
Referências
COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teoria, análise, didática. São Paulo:
Moderna, 2000.
COELHO, Nelly Novaes. Panorama Histórico da Literatura Infantil/Juvenil. Das
origens indo-europeias ao Brasil contemporâneo. 5ed. Barueri, SP: Manole,
2010.
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