Políticas Públicas e Envelhecimento: dificuldades e possibilidades na atenção integral à saúde da pessoa idosa no SUS Aluna: Anna Samara Portinho1 Orientador: Luís Moretto Neto2 Tutora: Isadora de Souza Bernardini3 Resumo Abstract O estudo objetiva, através de uma revisão da literatura, elencar as políticas públicas voltadas para os idosos, apresentando as dificuldades para a implementação dessas políticas e as possibilidades atuais acerca da abordagem do idoso na Estratégia de Saúde da Família. Discorre-se sobre a necessidade de uma assistência à saúde mais integral e resolutiva aos idosos, enfocando na intersetorialidade para superar a fragmentação das políticas públicas e na regionalização do sistema municipal como garantia de acesso à média complexidade e integração da rede de atenção à saúde. O artigo também se refere aos gestores do SUS, que devem trabalhar de forma articulada para viabilizar o alcance do propósito das políticas de saúde voltadas aos idosos. The study aims, through a literature review, list the public polices targeting the elderly, presenting the difficulties for the implementation of these polices and the current possibilities about the approach of the elderly in the Family Health Strategy.Talksoverthe need for ahealthcaremoreintegral and resolutive forthe elderly,focusingo nintersectionalityto overcomethe fragmentation ofpublic policies and theregionalizationof the municipal systemasguaranteeaccess tomedium complexityand integrationof the network ofhealth care. The article also refers to the SUS managers that should work in an articulated manner in accordance with its responsibilities to provide the means and act so as to facilitate the achievement of the purpose of health policies for the elderly, besides considering the social control. Key words: Public Polices. Health of the ElderPalavras-chave: Políticas Públicas. Saúde ly. Family Health Program. Health Services for do Idoso. Programa de Saúde da Família. the Aged. Serviços de Saúde para Idosos. 1 Especialista em prótese dentária pelo Instituto de Pós-graduação e Atualização em Odontologia (2011). Possui Graduação em Odontologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (2008). E-mail: [email protected]. 2 Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2001). Atua em pesquisas nas áreas de Desenvolvimento Sustentado e Turismo; Estratégias Sustentáveis em Turismo e Gestão Social. E-mail: [email protected]. 3 Mestre em Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina (2012). Possui graduação em Ciências da Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina (2008). E-mail: [email protected]. Políticas Públicas e Envelhecimento: dificuldades e possibilidades na atenção integral à saúde da pessoa idosa no SUS 1Introdução O envelhecimento acelerado da população brasileira vem produzindo necessidades e demandas sociais que requerem respostas políticas adequadas do Estado e da sociedade civil. Segundo o censo demográfico de 2010 (IBGE, 2011), a população idosa era de 20,5 milhões, o equivalente a 10,8% da população total. Projeções indicam que, em 2020, a população idosa brasileira será de 30,9 milhões, representando 14% da população total (KÜCHEMANN, 2012).O aumento na expectativa de vida se deve à baixa natalidade, aos avanços na medicina que favorece a longevidade e ao enfrentamento das doenças crônicas com mais tranquilidade que no passado (LIMA, 2010).Os fatores determinantes deste fenômeno são cada vez mais estudados e conhecidos, e nos permitem entendê-lo em sua magnitude e complexidade, merecendo ainda maior atenção daqueles que dedicam suas atividades profissionais em prol da promoção, proteção e recuperação da saúde do idoso. O crescente número de pessoas idosas resultou em problemas sociais, econômicos e de saúde, que exigiram determinações legais e políticas públicas capazes de oferecer condições ao processo de envelhecimento, procurando atender às necessidades dessa população (MARTINS, 2007). O acesso universal aos serviços, a garantia de tratamentos e o efetivo atendimento à saúde do idoso, ainda deixam muito a desejar. As equipes de saúde da família presentes na atenção básica e suas ações constituem em boas práticas de saúde, frente ao abismo entre o plano normativo, que assegura o direito e a provisão de atenção à saúde aos idosos, e a efetiva oferta (MELLO, 2008). Portanto, os serviços de saúde necessitam adaptarem-se para atender essa demanda em todos os níveis de atenção, levando em consideração o aspecto multidimensional do envelhecimento. Os problemas de saúde do idoso precisam ser abordados adequadamente para não provocar um impacto negativo no sistema de saúde brasileiro. (LIMA, 2010) O artigo tem como objetivo apresentar, através de uma revisão da literatura, as políticas públicas voltadas para os idosos, salientando as dificuldades para a implementação dessas políticas, além de discorrer sobre as possibilidades atuais acerca da abordagem do idoso na estratégia de saúde da família. 36 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Anna Samara Portinho # Luís Moretto Neto # Isadora de Souza Bernardini 2 Políticas Públicas Voltadas para os Idosos O Estado, por intermédio das políticas públicas, visa proporcionar qualidade de vida aos seus cidadãos. Portanto, as políticas públicas de saúde foram feitas na tentativa de garantir o direito universal e integral à saúde. Na constituição de 1988 foi conquistado o direito à saúde através do artigo 196, que diz: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos [...]” (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – Seção II – Saúde). (SILVA, 2012) Podem-se identificar as seguintes políticas públicas de saúde voltadas para o cuidado do idoso: Política Nacional do Idoso – Lei n. 8.842, de 1994; Portaria n. 702, de 2002, que cria mecanismos de organização e implantação de Redes Estaduais de Assistência à Saúde do Idoso tendo como base as condições de gestão e a divisão de responsabilidades definida pela Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS); Estatuto do Idoso – Lei n. 10.741 de 2003 e a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI) publicada por meio da portaria GM/MS n. 1.395, de 10 dezembro de 1999, que estabelece as diretrizes essenciais que norteiam a definição ou a redefinição dos programas, planos, projetos e atividades do setor na atenção integral às pessoas em processo de envelhecimento e à população idosa. (CAMACHO, 2010) A PNSPI fundamenta a ação do setor saúde na atenção integral à população idosa e em processo de envelhecimento, conforme determinam a Lei Orgânica de Saúde n. 8.080/90 (Preservação da autonomia das pessoas em defesa de sua integridade física e moral); e a Lei n. 8.842/94, regulamentada pelo Decreto n. 1.948/96, assegura os direitos dos idosos e busca criar condições para a promoção da autonomia, integração e participação dos idosos na sociedade. Essa política pública visa recuperar, manter e promover a autonomia e a independência dos idosos, direcionando medidas coletivas e individuais de saúde para esse fim, em consonância com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde. (SILVA, 2012) O Estatuto do Idoso expõe os seguintes direitos fundamentais de saúde: atendimento integral pelo Sistema Único de Saúde, atendimento geriátrico ambulatorial, atendimento domiciliar, reabilitação, fornecimento de medicamentos e próteses, direito de opção pelo tipo de tratamento, direito a acompanhante, proibição de discriminação em plano de saúde, treinamento dos Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 37 Políticas Públicas e Envelhecimento: dificuldades e possibilidades na atenção integral à saúde da pessoa idosa no SUS profissionais de saúde, dos grupos de autoajuda e dos cuidadores familiares. (MIYATA, 2005) A abordagem multidimensional do idoso presente nas políticas públicas de saúde apresenta como marco teórico a adoção do documento: “Envelhecimento ativo: um marco para elaboração de políticas.” Esse documento teve a chancela da Organização Mundial de Saúde (OMS) e apresenta os principais desafios a serem enfrentados no mundo, relacionados ao envelhecimento populacional, e destaca o fato de que a saúde só pode ser criada e mantida com a participação de vários setores. A OMS também recomenda que políticas de saúde na área de envelhecimento levem em consideração os determinantes de saúde ao longo de todo o curso de vida (sociais, econômicos, comportamentais, pessoais, culturais, além do ambiente físico e acesso a serviços), com particular ênfase nas questões de gênero e nas desigualdades sociais. (VERAS, 2009) Entretanto, essa legislação não tem sido eficientemente aplicada, contribuindo para as contradições dos próprios textos legais, o desconhecimento do seu conteúdo e a tradição centralizadora e segmentadora das políticas públicas, proporcionando a superposição desarticulada de programas e projetos voltados para a pessoa idosa. (GROSSI, 2006) 2.1 Dificuldades e Possibilidades na Implementação das Políticas Públicas Voltadas ao Idoso no SUS O Sistema Único de Saúde apresenta como características centrais a universalidade, a equidade e a integralidade e as diretrizes organizacionais de descentralização e participação social. A atenção básica deve coordenar os cuidados na rede de serviços e efetivar a integralidade nas diversas dimensões. Ela é definida como ações individuais e coletivas situadas no primeiro nível de atenção, voltadas à promoção da saúde, prevenção de agravos, tratamentos e reabilitação. A integração da rede de serviços na perspectiva da Atenção Básica de Saúde (ABS) envolve a constituição dos serviços de ABS como porta de entrada preferencial, a garantia de acesso aos diversos níveis de atenção por meio de estratégias que associem as ações e serviços necessários para resolver as necessidades de saúde com mecanismos formalizados de referência e a coordenação de ações pela equipe de atenção básica, garantindo o cuidado contínuo. Integração, coordenação e continuidade são processos inter-relacionados e interdependentes que se expressam em vários 38 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Anna Samara Portinho # Luís Moretto Neto # Isadora de Souza Bernardini âmbitos: sistema, atuação profissional e experiência do paciente a ser cuidado. (GIOVANELLA, 2009) A ação intersetorial busca superar a fragmentação das políticas públicas e é entendida como a interação entre os diversos setores no planejamento, execução e monitoramento de intervenções para enfrentar problemas complexos e necessidades de grupos populacionais. A articulação intersetorial é imprescindível para incidir sobre os determinantes sociais do processo saúde-doença e promover a saúde. Os resultados relacionados à saúde por meio da intersetorialidade são mais efetivos do que o setor alcançaria por si só. Na perspectiva da ABS no âmbito municipal, a atuação intersetorial ocorre através da ação comunitária no território, articulação na Secretaria Municipal de Saúde e articulação de políticas municipais. (GIOVANELLA, 2009) Segundo Grossi (2006), a intersetorialidade confere aos profissionais da saúde novas possibilidades na prestação de uma assistência mais integral e resolutiva. A promoção da saúde, focada na qualidade de vida, deve ser desenvolvida com centralidade no usuário e no seu envolvimento ativo num processo de educação para o autocuidado. Ela incorre em mudanças na organização, tanto dos sistemas e serviços de saúde, como em todos os outros setores da sociedade, além da importância de revisão do processo de formação dos profissionais que atuam nessas áreas. Assim, a equipe deve não ser entendida como um conjunto de saberes que trabalham compartimentalizados, e sim, a partir de inter-relações que atuam em processos de trabalhos articulados entre si. Com isso, as inter-relações adquirem um caráter mais amplo, porque extrapolam o setor saúde e buscam novas parcerias com outras instituições em redes de atenção que contribuem e garantam a eficácia na atenção à saúde dos idosos. A pessoa idosa não conta com um sistema de atenção direcionado à promoção do envelhecimento bem-sucedido. Isso se reflete na persistência das doenças infecciosas e na ocorrência de agudização de doenças crônicas ainda não controladas. Dessa forma, o custo da atenção ao idoso é de alto nível de atenção terciária, como o número e o tempo de internação. Além disso, faltam ações específicas na atenção primária à saúde. O nível primário da atenção prevê a resolutividade das necessidades de saúde, que extrapolam a esfera de intervenção curativa e reabilitadora individual por meio da promoção de saúde, prevenção de doenças e educação continuada. A implementação das políticas públicas voltadas para o amparo adequado ao idoso necessita de investimentos, principalmente, na atenção básica com rediscussões de estratégias preventivas e de promoção à saúde. Por outro Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 39 Políticas Públicas e Envelhecimento: dificuldades e possibilidades na atenção integral à saúde da pessoa idosa no SUS lado, os profissionais da saúde, principalmente aqueles que atuam na atenção básica, devem estar em número suficiente para compor as equipes de saúde da família e serem alvo de capacitações para a adequação às necessidades da população idosa. É importante o fortalecimento das relações familiares com o propósito de se diminuir as dificuldades e as angústias vivenciadas pelos idosos e seus familiares. O apoio informal e familiar constitui um aspecto importante na atenção à saúde dos idosos. Entretanto, o Estado tem papel preponderante na promoção, proteção e recuperação da saúde do idoso nos três níveis de gestão do SUS, papel este capaz de otimizar o suporte familiar sem transferir para a família a responsabilidade em relação a este contingente populacional.(MIYATA, 2005) Atualmente, as ações de atenção à saúde da pessoa idosa se dão por iniciativa da sociedade civil organizada, por meio de organizações não governamentais, associações filantrópicas e entidades religiosas. Essas ações são de caráter pontual na resolutibilidade das necessidades de saúde dos idosos, ou seja, atendem a grupos focais. No que se refere à atenção básica de saúde, a questão do idoso não é tratada de maneira coletiva, exceto por programas que indiretamente tratam da questão, como por exemplo, as ações direcionadas aos idosos hipertensos e diabéticos. O programa de saúde da família trata esta questão como uma consequência de sua atuação. A crescente demanda por procedimentos diagnósticos e terapêuticos evidencia a necessidade de se estabelecer indicadores de saúde capazes de identificar os idosos com risco elevado de perda funcional e orientar ações voltadas à promoção da saúde e manutenção da capacidade funcional (MIYATA, 2005). As doenças crônicas e suas incapacidades não podem ser entendidas como consequências inevitáveis do envelhecimento. A prevenção é efetiva em qualquer nível, mesmo nas fases mais tardias da vida. Embora os principais conceitos de prevenção da saúde já estejam assimilados pelos profissionais da saúde, observa-se grande dificuldade na operacionalização, principalmente, quando se trata dos cidadãos da terceira idade. Apesar do discurso da prevenção, a maior parte dos serviços são curativos e tradicionais e argumenta-se ser difícil mensurar a efetividade para tais programas do ponto de vista financeiro (VERAS, 2009). Com isso, as ações devem ter um significado prático para os profissionais atuantes na atenção básica e devem ter a relação custo-benefício viável para os administradores, devido aos poucos recursos destinados à área da saúde. No que se refere à formação profissional na área da saúde, investimentos nas universidades para melhor capacitar os profissionais no trabalho com os idosos também são necessários. (MIYATA, 2005) 40 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Anna Samara Portinho # Luís Moretto Neto # Isadora de Souza Bernardini Segundo Motta (2007), a inclusão do processo de envelhecimento em todos os seus aspectos nos currículos de graduação é uma prioridade. Além disso, é necessário ampliar a discussão sobre o papel da pós-graduação, da educação permanente e da educação continuada a fim de fazer frente ao desafio de envelhecer com qualidade. É sabido que existe uma insatisfação presente no dia a dia dos profissionais de saúde em relação à atenção prestada aos cidadãos, devido à percepção de que não se dá conta de tudo, e que, diversas vezes, não se conclui a atenção satisfatoriamente, ou seja, a resposta que se dá aos problemas não é integral. Dessa forma, a construção de um projeto mais amplo e efetivo, que possa agregar setores distintos e saberes específicos, é sem dúvida melhor e mais coerente do que o trabalho fragmentado. (GROSSI, 2006) Os reduzidos investimentos públicos para o atendimento das necessidades específicas da população idosa e também para os recursos humanos, tanto em quantidade como em qualidade, somam-se à desinformação, ao preconceito e ao desrespeito com relação aos idosos. Dessa forma, tornam-se necessários novos métodos de planejamento e de gerência, porque a prestação dos cuidados exige estruturas criativas e inovadoras, com propostas de ações diferenciadas, de modo que o sistema consiga ser eficiente e o cidadão da terceira idade possa usufruir integralmente os anos a mais proporcionados pelo avanço da medicina. É importante salientar que todas as iniciativas de promoção de saúde, de assistência e de reabilitação em saúde devem ter como objetivo aprimorar, manter ou recuperar a capacidade funcional do indivíduo pelo maior tempo possível, valorizar a autonomia e a independência, transpondo um simples diagnóstico e tratamento de doenças específicas. A prática médica mostra que a redução da capacidade funcional do idoso é o que tornará dependente de um nível mais complexo de assistência. Essa diminuição da capacidade poderá ser ocasionada pela evolução da própria patologia de base, devido à sua má administração e sequelas, ou através de uma inadequada assistência recebida, seja social, familiar ou institucional. Monitorar as condições de saúde de uma população idosa, assim como dos fatores associados a essas condições, mostra-se como um instrumento-chave para orientar as estratégias de prevenção. Essas estratégias devem ter como objetivo interferir positivamente na história natural da doença, antecipar o aparecimento de complicações, prevenir as exacerbações e complicações das doenças crônicas, ampliar o envolvimento do paciente idoso no autocuidado, além de construir uma base de dados sobre os doentes crônicos. Assim, Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 41 Políticas Públicas e Envelhecimento: dificuldades e possibilidades na atenção integral à saúde da pessoa idosa no SUS um modelo de atenção à saúde da pessoa idosa que apresente efetividade e eficiência precisa aplicar todos os níveis da prevenção e ter um fluxo bem desenhado de ações de educação, de promoção à saúde, de prevenção de doenças evitáveis, de postergação de moléstia e de reabilitação de agravos. Dessa forma, esse modelo de atenção deve apresentar, no momento posterior à captação e identificação do risco dos pacientes idosos, uma fase na qual estejam incluídas a possibilidade de tratamento de patologias não geriátricas e o referenciamento para esse cuidado geriátrico, no caso de necessidade de tratamento especializado. (VERAS, 2009) A regionalização do sistema municipal é uma estratégia para a garantia de acesso à média complexidade e integração da rede de atenção à saúde, investindo-se na formação de centros de especialidades médicas e serviços de pronto-atendimento regionalizado para oferecer suporte na média complexidade às unidades básicas de saúde circunscritas aos territórios de abrangência. Investimentos em tecnologias de informação e comunicação possibilitam a implantação de sistemas informatizados de regulação e prontuários eletrônicos. A criação de serviços especializados próprios municipais representa o esforço empreendido pelos gestores locais para garantir a atenção secundária. A constituição de fóruns integrados de discussão sobre a atenção básica e especializada, a telemedicina e o apoio matricial também são estratégias com potencialidades para superar a distância entre gerentes e profissionais dos dois níveis assistenciais e a fragmentação da rede. Investir na estratégia de saúde da família para fortalecer a atenção básica no sistema de saúde municipal é fator imprescindível para a sua expansão. O monitoramento do processo de implantação de programas de saúde pública é extremamente pertinente visto que a presença de atores, interesses diversos e o cenário político-institucional podem explicar o sucesso ou o fracasso na implantação da proposta para a saúde, como também a distância entre o planejado e o executado. A análise do contexto de implantação é imprescindível para se alcançar uma compreensão mais global da intervenção, identificando processos e resultados intermediários, porém, fundamentais. Processos e resultados intermediários são indispensáveis, por sua vez, não só para uma posterior validade do impacto final, como também frequentemente sinalizam e evidenciam mudanças mais substanciais em curso. (BODSTEIN, 2002) Os gestores do SUS devem trabalhar de forma articulada e em conformidade com suas atribuições para prover os meios e atuar de modo a viabilizar o alcance do propósito das políticas de saúde voltadas aos idosos. Com isso, 42 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Anna Samara Portinho # Luís Moretto Neto # Isadora de Souza Bernardini os gestores do SUS deverão estabelecer, em suas respectivas áreas de abrangência, processos de articulação permanente, visando ao estabelecimento de parcerias e à integração institucional, que viabilizem a consolidação de compromissos multilaterais efetivos. Será buscada, igualmente, a participação de diferentes segmentos da sociedade que estejam direta ou indiretamente relacionados com essas políticas. (MYATA, 2005) No trabalho dos gestores, é fundamental a valorização do conhecimento acumulado em gestões anteriores, em cada secretaria, pelo conjunto de funcionários que dão continuidade às ações e serviços, independentemente das mudanças eleitorais. A complexidade da gestão do SUS impõe o diálogo democrático sobre os serviços e espaços coletivos e, sobretudo, o reconhecimento das ações realizadas consideradas positivas que demandam continuidade e permanência, porque toda inovação dependerá do estágio de implantação do SUS, que é diferente em cada município. Os novos secretários devem também buscar, na medida do possível, superar as disputas políticas partidárias da campanha eleitoral e aproveitar as potencialidades e saberes dos profissionais comprometidos com o SUS para planejar a sua gestão. É importante salientar que o Sistema Único de Saúde é suprapartidário. O maior desafio dos gestores é fazer com que as ações e projetos desenvolvidos visem a alterar a lógica da produção de saúde por meio de procedimentos para a produção de cuidados na perspectiva do usuário cidadão, em especial a pessoa idosa. Os gestores devem enfrentar o desafio de mudar não somente os processos de trabalho médicos, centrados na medicalização, mas também a forma como se faz a gestão do sistema e dos serviços de saúde. (BRASIL, 2009) 3 Abordagem ao Idoso na Estratégia de Saúde da Família O Brasil vem conquistando nas últimas décadas importantes avanços na área da saúde. O processo de construção do SUS, regulamentado pela Constituição Federal de 1988 e pelas Leis Complementares, vem gradativamente acontecendo sobre os pilares da universalização, da integralidade, da descentralização e da participação popular. O grande desafio do Sistema Único de Saúde é conseguir traduzir os avanços alcançados no campo legal em mudanças efetivas e resolutivas na prática de atenção em saúde para a população idosa. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 43 Políticas Públicas e Envelhecimento: dificuldades e possibilidades na atenção integral à saúde da pessoa idosa no SUS O Ministério da Saúde assumiu a Estratégia de Saúde da Família (ESF) a partir de 1994, buscando a reorganização do modelo tradicional, também conhecido como modelo biomédico. A ESF visa à organização dos serviços básicos de saúde, bem como sua relação com a comunidade e entre os vários níveis de complexidade, o que possibilita a integralidade da assistência e a criação de vínculos de compromisso e de responsabilidade compartilhada entre os serviços e a população. O Sistema Único da Saúde apresenta como diretrizes norteadoras: a integralidade, a equidade, a universalidade e a humanização da atenção à saúde da população brasileira. Os profissionais da equipe de saúde da família devem estar atentos à mudança do perfil populacional da sua área de abrangência, com o significativo aumento da população idosa. Cabe a esses profissionais trabalhar com medidas promocionais de proteção específica, de identificação precoce dos agravos mais frequentes na sua população idosa, bem como sua intervenção e medidas de reabilitação voltadas a evitar o afastamento do idoso do seu convívio social e familiar. O cuidado do idoso deve basear-se, fundamentalmente, na família com o apoio das Unidades Básicas de Saúde sob a Estratégia de Saúde da Família, as quais devem representar, para o idoso, o vínculo com o sistema de saúde. É importante destacar a necessidade dos profissionais de saúde alertarem a comunidade sobre os fatores de risco a que os idosos estão expostos no domicílio e fora dele, além de identificarem as formas de intervenção para sua exclusão ou minimização, sempre com a parceria do próprio grupo de idosos e os seus familiares. Dessa forma, na sua prática profissional os profissionais da atenção básica devem assimilar a importância da manutenção do idoso na rotina familiar e na comunidade como fatores essenciais para a manutenção do seu equilíbrio físico e mental. (SILVESTRE, 2003) 3.1 Competências, Habilidades e Atribuições da Equipe de Saúde da Família com Relação à Pessoa Idosa As ações das equipes de saúde da família presentes na atenção básica constituem boas práticas de saúde, frente ao enorme distanciamento entre o plano normativo e a efetiva oferta à população idosa. Portanto, a equipe de saúde da família deve colocar em prática, de acordo com a realidade vivenciada na sua unidade de saúde, as suas competências, habilidades e atribuições para melhor atender essa demanda de idosos no seu aspecto multidimensional. A equipe de saúde da família (ESF) deve conhecer a realidade das famílias da sua área de abrangência, com ênfase nas suas características econômicas, 44 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Anna Samara Portinho # Luís Moretto Neto # Isadora de Souza Bernardini sociais, demográficas, culturais e epidemiológicas, para a compreensão do contexto em que o idoso se encontra inserido. A identificação dos problemas de saúde e situações de riscos aos quais os idosos são expostos com mais frequência, permite a elaboração de um planejamento local para enfrentar os problemas encontrados na população idosa. No que se refere à execução dos procedimentos de vigilância à saúde do cidadão da terceira idade, essa vigilância deve ser realizada de acordo com a formação e qualificação de cada profissional da equipe. Observam-se também outras atribuições, habilidades e competências da equipe de saúde da família como: a criação do vínculo, através da valorização das relações com o idoso; a realização das visitas domiciliares, que devem estar em conformidade com o planejamento da equipe; a prestação integral a essa população, respondendo às suas necessidades de forma contínua e racionalizada; a garantia do acesso ao tratamento dentro de um sistema de referência e de contrarreferência para os idosos com problemas mais complexos ou que precisam de internação hospitalar; a coordenação, participação e/ou organização de grupos de educação em saúde; a promoção de ações intersetoriais e parcerias com as organizações formais e informais presentes na comunidade para auxiliar no enfrentamento conjunto dos problemas identificados na população idosa; além do estímulo à participação popular para a discussão com a comunidade, de direitos à saúde e sua bases legais. (SILVESTRE, 2003) O enfoque das competências na atuação junto ao idoso tem como objetivo fazer novos recortes do conhecimento e sua contextualização no processo social do envelhecimento e na prestação de serviços. A capacidade de atuação frente à imprevisibilidade e à diversidade de situações que estão inclusas nas competências pede o trabalho em equipe multiprofissional e a mobilização de conteúdos diversos buscando a atuação integral ao nível do profissional de saúde, das estruturas organizacionais e dos arranjos políticos. 4 Considerações Finais Nesta revisão da literatura, observou-se o importante distanciamento entre o plano normativo caracterizado pelas políticas públicas e determinações legais e o efetivo acesso e resolutividade na atenção à saúde do idoso. Esse fato mostra a necessidade de mudanças no modelo de atenção, por meio do enfoque na intersetorialidade, pois a ação intersetorial demanda da área da saúde não somente iniciativas, mas, sobretudo, receptividade. Essa ação evita Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 45 Políticas Públicas e Envelhecimento: dificuldades e possibilidades na atenção integral à saúde da pessoa idosa no SUS a fragmentação dos serviços de saúde e dos setores da sociedade, auxiliando no alcance da resolutividade dos problemas relacionados à saúde do idoso. Investimentos na Estratégia de Saúde da Família para buscar uma atenção integral, resolutiva e com foco na autonomia, no autocuidado e na participação dos idosos e da família também são necessários. A atuação dos gestores deve ser de forma articulada para prover os meios e agir de modo a viabilizar o alcance do propósito das políticas de saúde aos idosos, além do controle social para auxiliar na efetivação das mudanças necessárias. A regionalização também deve ser priorizada para contribuir para o efetivo acesso da população idosa ao sistema público de saúde. As questões referentes à baixa governabilidade pela não habilitação em gestão plena do sistema estão presentes, indicando a necessidade de desenvolver novos mecanismos de comunicação entre os níveis de atenção para maior agilidade nos fluxos, mas também para garantia de continuidade de cuidados à pessoa idosa. É importante otimizar a integração e a conformação de uma única rede assistencial e monitorar os encaminhamentos feitos pelas Equipes de Saúde da Família, o que depende do desenvolvimento de novas formas de articulação para além da programação pactuada e integrada município/estado. O Programa de Saúde da Família é uma estratégia de reorientação do modelo assistencial na rede pública, havendo concordância quanto à visibilidade de sua trajetória e efeitos positivos na integralidade. Referências BODSTEIN, Regina. Atenção básica na agenda da saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro (RJ), v. 7, n. 3, p. 401-402, 2002. BRASIL. 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