UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO – UNICID PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO ADILSON ANTUNES PEQUENINOS DO ALMANARA: UM PROJETO DE INCLUSÃO SOCIAL SÃO PAULO 2013 ADILSON ANTUNES PEQUENINOS DO ALMANARA: UM PROJETO DE INCLUSÃO SOCIAL Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação, na Universidade Cidade de São Paulo, como requisito exigido para obtenção do Título de Mestre na Linha de Pesquisa Sujeitos Formação e Aprendizagem, sob a orientação do Prof. Dr. Julio Gomes Almeida. BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Julio Gomes Almeida _______________________________ Profª. Drª. Margarete May Berkenbrok Rosito _______________________________ Profª Drª Cileda Santana Perrela _______________________________ Ficha elaborada pela Biblioteca Prof. Lúcio de Souza. UNICID A63 6p Antunes, Adilson Pequeninos do Almanara: um projeto de inclusão social / Adilson Antunes --- São Paulo, 2013. 88 p. Bibliografia Dissertação (Mestrado) - Universidade Cidade de São Paulo. Orientador Prof. Dr. Júlio Gomes Almeida. 1. Educação. 2. Comunidade. 3. Escola. 4. Criança. 5. Inclusão social. I. Almeida, Júlio Gomes, orint. II. Título. 371.952 Aos meus pais Adirso e Neide, pelo apoio e incentivo, pelo carinho em todas as horas de minha formação. Aos meus irmãos, Ivan e Fernanda que tanto me incentivaram e me apoiaram na trajetória desse curso. A minha princesinha, a minha relíquia, a minha inspiração de vida PIETRA. A minha amorosa esposa Regiane, que soube compreender minhas ausências, algumas fases de maior irritação e principalmente pela minha eventual falha em lhe dar a merecida atenção e carinho ao longo dessa missão. Agradecimentos Ao Professor Doutor Jair Militão da Silva, pelo carinho, pela alegria, pela paixão de ensinar, pelo jeito de tratar os alunos com sua habitual educação, além do exemplo digno de orientar os seus alunos. Ao Professor Doutor João Gualberto de Carvalho de Meneses, por me fazer compreender realmente o significado da Política maiúscula, no sentido daquilo que nos aglutina como sociedade e a me interessar e respeitar a importância das políticas públicas de educação. Ao Professor Doutor Potiguara Acácio Pereira, pela sua demonstração de experiência em pesquisa, em conhecimento, bem como seu grande entusiasmo nas aulas, lembrança vívida que registrei e levarei como ativo importante para minha vida profissional. À Professora Doutora Margaréte Mayberkenbrock Rosito, pela simpatia, carisma e pela dedicação em suas aulas em geral e a cada mestrando em particular. À Sheila Simone Alves e a Claudia Nise, pelo permanente suporte administrativo, permitindo aos mestrandos concentrarem-se e estar atentos a todas as informações referentes aos processos pedagógicos que impactariam no dia-a-dia da universidade e no curso em particular. Ao Professor Mestre Bergson Peres de Almeida, por me oferecer a oportunidade de poder enfrentar os desafios do ambiente acadêmico e a capacidade de reinterpretar o sacerdócio de lecionar. Ao meu primo Roberto, uma pessoa importante para a realização desse trabalho e no seu incentivo para eu executá-lo. Aos meus colegas de trabalho da Universidade, especialmente Claudia Cortez, Samia, Mário Sigule, Marco Antonio Tieghi, José Luis Fernandes, Fábio Gouveia, Mario Maeda e meu incentivador Rogério Traballi. Aos meus queridos alunos da Universidade Paulista, alegria de meu cotidiano, que souberam compreender e a relevar a minha falta de paciência em alguns momentos em sala de aula. Às crianças e adolescentes do Projeto Pequeninos do Almanara, alguns dos quais nos primórdios do Projeto eram crianças e hoje são pais e chefes de família, bem como as crianças e adolescentes que atualmente fazem parte do projeto. Aos meus estagiários e amigos da Universidade Paulista, Wagner, Marcelo Inagaki, Wesley, Rafael Alves, Leonardo Tadeu, Bruno, Rogério, Vanessa, Calegari. Sem a valiosa colaboração deles, o Projeto “Pequeninos do Almanara” estaria ainda em estágio incipiente ou com várias lacunas. À minha amiga Heloisa, que desde o começo formou comigo uma dupla maravilhosa em todas as aulas e em todos os demais compromissos do mestrado. Agradecimento em Especial. Ao Professor Doutor Julio Gomes, meu orientador, minha inspiração cotidiana, sempre presente com a sua simplicidade, humildade, sabendo conduzir com muita clareza e eficiência minha trajetória de mestrando. Caro Mestre e professor, grato pela paciência, pelo carinho e dedicação, sua mensagem está gravada e será uma fonte de iluminação e sabedoria nos desafios que virão na minha nova fase da vida acadêmica. RESUMO A pesquisa pretende discutir a contribuição da educação comunitária para a inclusão social de crianças em situação de vulnerabilidade. Foi assumido como objetivo central verificar em que medida um projeto de iniciação esportiva poderia se constituir em instrumento de inclusão social. Para realizar a pesquisa foi adotada uma abordagem qualitativa e como procedimento de coleta de dados recorri ao relato da minha experiência nesta atividade, a revisão da literatura referente ao campo da educação comunitária e da inclusão social e a um questionário composto por questões abertas e fechadas proposto aos participantes do projeto e a seus familiares. Embora não se possam considerar as atividades esportivas, culturais e de lazer como remédio para as deficiências da população de baixa renda da periferia paulistana, foi possível perceber e aquilatar que o projeto estudado conseguiu contribuir e permanece contribuindo para melhorar a qualidade de vida de pessoas nesta comunidade. Palavras chave: Educação. Comunidade. Escola. Criança. Inclusão Social. ABSTRACT This research intends to discuss the contribution of the community education for social inclusion of children in vulnerable situations. It was assumed as the central objective to verify how a Project of Introduction in Sports could be an instrument of social inclusion. To conduct the research it was adopted a qualitative approach and the procedure of data collection resorted to the account of my experience in this activity, review of literature related to the field of community education and social inclusion and a questionnaire consisting of open and closed questions proposed to the project participants and their families. Although we cannot consider the sports, cultural and leisure activities, as a solution for all deficiencies of the low income population who lives in neighborhoods located in the outskirts of São Paulo, the project studied may possibly have contributed and helped to improve the quality of life of people in the community. Keywords: Education. Community. School. Child. Social Inclusion. LISTAS DE SIGLAS CAS - Coordenadoria de Assistência Social CRAS – Centro de Referencia de Assistência social CRECA – Centro de Referencia da Criança e do Adolescente COGEAS - Coordenadoria Geral de Assistência Social MEC – Ministério da Educação e Cultura CEU – Centro Esportivo Universitário CDM – Centro Desportivo Municipal FUVEST – Fundação Universitário para Vestibular UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e cultura para a infância e para a juventude. CBF – Confederação Brasileira de Futebol UNIP – Universidade Paulista UNICID – Universidade Cidade de São Paulo FPF – Federação Paulista de Futebol UNE- União Nacional do Estudante UEACS – Unidades de Educação e Ação Comunitária IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira Sumário INTRODUÇÃO 12 CAPITULO 1 – HISTORIA DE VIDA COMO FORMAÇÃO 22 1.1 - Educação Básica: percursos 24 1.2 - Esporte: um sonho de vida 31 1.3 - Encontros que fizeram a diferença 43 1.4 - O ingresso na universidade: outro momento “charneira” 47 1.5 - O mestrado: um encontro com o significado 50 CAPITULO 2 – EDUCAÇÃO COMUNITÁRIA: UM NOVO CAMPO DE ATUAÇÃO 54 CAPITULO 3 – PEQUENINOS DO ALMANARA: UM PROJETO DE INCLUSÃO SOCIAL 76 3.1 - Um bairro com a cara de São Paulo 79 3.2 - A escola 88 3.3 - Pequeninos do Almanara: espaço de vida e formação 90 3.4 - O projeto e a formação do educador social referencia 94 CONSIDERAÇÕES FINAIS 101 REFERÊNCIAS 104 12 INTRODUÇÃO A pesquisa pretende discutir a contribuição da educação comunitária para a inclusão social de crianças em situação de vulnerabilidade. Tem como objetivo central verificar em que medida o Projeto Pequeninos do Almanara, do qual participo há 16 anos vêm se constituindo em exemplo de inclusão social. Pretende-se também verificar em que medida um projeto de iniciação esportiva pode constituir-se em um espaço de educação comunitária que contribui para os jovens encontrar um seu lugar na comunidade onde vivem, participando de um grupo, desenvolvendo atividade esportiva e se autovalorizando como cidadãos. O projeto se desenvolve em um bairro da Zona Oeste da Cidade de São Paulo. O referido projeto existe desde 1996 e funciona em uma escola da rede pública estadual, a Escola Estadual “Olinda Leite Sinisgalli”, pertencente à Diretoria de Educação Norte 1, que é situada na Rua Emílio Kemp, 126, no próprio Jardim Almanara, Distrito da Vila Brasilândia, Zona Oeste da cidade. Esta escola foi fundada em Janeiro de 1988 e passou a atender aos moradores da região nesse mesmo ano, primeiramente para estudantes do primeiro e segundo ciclos e atualmente para estudantes de 1º e 2º ciclos e ensino médio. A realização desta pesquisa apresenta relevância nos aspectos pessoal e social. A relevância pessoal é derivada do processo de medir e avaliar academicamente o projeto, executado até o presente e que permitirá construir um significado mensurável do trabalho com essas crianças, podendo perceber nele dimensões mais amplas do que aquelas que motivaram o seu desenvolvimento inicial. Quanto a sua relevância social, tem seu interesse derivado da sua serventia como referência para outros educadores que aspiram ou desejam realizar atividades com crianças e adolescente em situações de vulnerabilidade e/ou estudar o assunto com base nessa perspectiva. 13 O estudo também poderá servir para divulgar a experiência e seus resultados obtidos, contribuindo para o surgimento de outros projetos com mesmo perfil, voltados para o atendimento a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. Vulnerabilidade social é um conceito multidimensional que se refere à condição de indivíduos ou grupos em situação de fragilidade, que os tornam expostos a riscos e a níveis significativos de desagregação social. Relaciona-se processo ao resultado acentuado discriminação ou de de qualquer exclusão, enfraquecimento de indivíduos ou grupos, provocado por fatores, tais como pobreza, crises econômicas, nível educacional deficiente, localização geográfica precária e baixos níveis de capital social, humano, ou cultural (sobre o conceito de capital, ver BOURDIEU, 1987; 1989; 1990), dentre outros, que gera fragilidade dos atores no meio social. Inicialmente o Projeto não possuía um vínculo com algum programa de governo, na época não existiam ou não estavam implantados na região programas voltados ao atendimento de crianças e jovens com esse enfoque (a exemplo atual do programa “Projeto Bom de Bola – Bom de Escola”, com a participação do Corpo de Bombeiros). O projeto foi desenvolvido graças ao esforço dos participantes infantis e adolescentes, ajuda financeira de meu pai e em menor escala dos pais mais aquinhoados de alguns deles. Após o surgimento do Programa Escola da Família em 2005, implantado pela administração estadual, o Projeto passou a ser realizado em parceria com a Escola “Olinda Leite Sinisgalli”. 14 Nos primórdios do Projeto, ainda incipiente e com parcos recursos econômicos e financeiros para sua realização, ele não tinha o reconhecimento institucional por parte da direção da escola, que não sabia ou não levava em consideração a existência do Projeto Pequeninos do Almanara. Assim, ela permaneceu fechada para o Projeto durante algum tempo, não sendo permitida a utilização de suas instalações desportivas. Após seu reconhecimento, ainda em 1996, como opção de lazer para as crianças da vizinhança e sua condição de associação informal sem interesse lucrativo, houve a liberação do espaço. Como coordenador do projeto, não tive nem tenho qualquer vínculo empregatício ou político com o Programa Escola da Família, mas desde 2005 conseguimos que o Projeto “Pequeninos do Almanara” fosse incluído na grade de horários do programa ligado à escola. Portanto, desde então se trata de um projeto comunitário que utiliza do espaço escolar, ou melhor, o Projeto constitui um exemplo de apropriação do espaço público pela a comunidade organizada. A ideia de tornar o Projeto objeto de estudo, surgiu e foi amadurecida durante o programa de Mestrado, quando fui encorajado por colegas e professores a realizar a pesquisa nesse espaço de atuação. No início ainda resisti um pouco ao desafio, porque tinha receios de que a Universidade, tendo um vínculo ao Projeto me faria perder o controle das suas atividades e a sinergia com os participantes e suas respectivas famílias. Felizmente, fiz a opção que em certo sentido ajudaria a compreensão da minha prática enquanto educador, considerando minhas atividades de coordenação do Projeto desde a sua criação, naquele momento em bases empíricas de tentativa e erro. A reflexão sobre esse trabalho levantou a uma questão importante: em que medida o Projeto Pequeninos do Almanara tem contribuído para a inclusão social dos seus participantes e familiares? A pesquisa pretende encontrar pistas e resultados que ajudem a responder essa questão de forma sistematizada e independente. O Projeto surgiu com a perspectiva de criação de um espaço onde as crianças e adolescentes do bairro pudessem participar de atividades esportivas 15 nos finais de semana, especificamente sua iniciação esportiva. A ideia era evitar que eles optassem por alternativas perigosas e/ou formadoras de má conduta, como vícios de fumar e bebidas, jogos de azar e mesmo consumo de drogas pesadas. Seus objetivos iniciais e permanentes, intuitivamente à época e avaliado à luz do conhecimento técnico atualmente, fica evidente que se tratava de um projeto em sintonia com as demandas definidas pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura para a Infância e para a Juventude.·. A ideia de organizar um grupo envolvendo as crianças e jovens daquela comunidade surgiu da observação da realidade local: elas viviam em um bairro onde não haviam atividades oficiais ou informais de cultura, esporte e lazer e estavam em situação de grande vulnerabilidade social. Essa vulnerabilidade era aumentada pela falta de perspectiva de vida de seus pais, tornando-os prisioneiros de um processo autofágico permanente. Diante desse quadro, em uma conversa com meu pai numa certa data da minha adolescência surgiu à ideia de convidá-las para formar um time de futebol. A situação das crianças da minha vizinhança era semelhante à situação da maioria das crianças dos extratos inferiores de baixa escolaridade e renda no Brasil. Viviam em situação de vulnerabilidade decorrente, entre outros aspectos, fruto da desigualdade social em que seus pais se encontravam, com subempregos e empregos de baixa qualidade, com enormes jornadas de trabalho, que inclusive estendiamse pelos finais de semana, agravado pela ausência do poder público nos quesitos de educação, saúde e segurança. No plano nacional, na mesma época, para atender as questões relacionadas à infância e a juventude, fruto da Constituição Federal de 1988, foram adotadas políticas públicas consubstanciadas em projetos sociais visando atender esse público que, em consequência da desigualdade social, viviam em situação de vulnerabilidade. Entre esses projetos podem ser destacados o Projeto Escola Aberta e o Escola da Família que contempla pessoas de diferentes faixas etárias. O Projeto Escola Aberta é um projeto inserido nas escolas públicas, que permaneciam abertas à comunidade local nos finais de semana. Teve inicio em 16 outubro de 2004 e foi até setembro de 2005. Já o Projeto Escola da Família, implantado nas escolas estaduais, foi criado em 23 de agosto de 2003 pela Secretaria do Estado da Educação para desenvolver atividades de lazer e cultura. Esses dois projetos tem linhas de atuação e perspectivas diferentes, ainda que a finalidade seja parecida, ou seja, desenvolver atividades adicionais nos campos educacional e desportivo com a comunidade, com estrutura diferente. Esses projetos, como tantos outros, não têm alcançado todo o universo de crianças e jovens que teriam neles sua única ou principal alternativa de lazer. Assim, muitas delas continuam perambulando pelas ruas e sem perspectivas de mudança de vida, sendo expostas à exploração de trabalho infantil e aos diversos tipos de abuso e violência de adultos mal intencionados. Dessa forma, além da ampliação de projetos com essas características é importante a criação de novos projetos que efetivem políticas mais consistentes de atendimento a esse público. É praticamente consenso em vastas camadas da população a crença de que desenvolver um projeto social propondo lazer, atividades culturais e desportivas, diminuiria a exposição dos jovens às drogas, evitando assim a delinquência juvenil e problemas de empregabilidade e realização pessoal na sua vida adulta. Todavia, há autores que contestam essa ideia, como mostra o trecho seguinte: “Em razão interpretações equivocadas e desprovidas de embasamento teórico, passouse a acreditar que as ações sociais na área do esporte e lazer seriam capazes de, isoladamente, solucionar inúmeras mazelas sociais das populações ditas vulneráveis sem levar em conta. Atribuiu-se ao esporte a função de “tirar a criança e o jovem das drogas”, posto que se especula que as ações de lazer sejam responsáveis pela diminuição da violência. Além disso, esses projetos seriam capazes de melhorar o rendimento escolar e solucionariam 17 os problemas populações de educação carentes escolar (CORREIA, nas 2008; ATAYDE, 2009.”. Embora não se possa negar que o esporte e o lazer têm papel importante no processo de formação do jovem e que a existências de espaços como escolas, parques, CEU, CDM e outras opções favorecem à sua inclusão social, não se pode trata-los, como bem mostra o autor, como remédio para todos os males sociais. Afinal, como aponta Dowbor (2010) o grande pecado da nossa sociedade é a desigualdade social. Ao referir-se ao papel da educação no atual contexto social brasileiro esse autor assim se manifesta: Nosso pecado original é a desigualdade, que é a base do problema, porque nós temos uma dramática desigualdade de renda. O país é administrado assim, os bancos, por meio das taxas de juros, promovem a concentração de renda. Os grandes grupos econômicos trabalham essencialmente com um consumo de luxo e mantém essa concentração de renda... (Dowbor, 2010: P. 166). Muitas situações vivenciadas pelas crianças e adolescentes, sobretudo aquelas que vivem nas periferias das grandes cidades, estão relacionadas à questão da desigualdade social. Embora percebam o limite concreto imposto pelas situações de desigualdades que enfrenta as crianças e jovens nos tempos atuais, particularmente em certas regiões da cidade, do país e até do planeta, muitas pessoas acreditam que a busca de uma sociedade mais justa precisa ter espaços em suas vidas. Intuitivamente como já dito, foi esse o entendimento que orientou os primeiros passos do Projeto Pequeninos do Almanara, ou seja, a conversa com as primeiras crianças e adolescentes que dele começaram a fazer parte. Após conversar com os primeiros interessados, ficou evidente a atenção despertada na proposta e fui então conversar com a 18 diretora da escola sobre a possibilidade de utilização da quadra de esportes para desenvolvimento das atividades no final de semana. A resposta foi positiva e foi marcada a data do primeiro encontro. Todos ficaram eufóricos com a notícia de que a partir de janeiro de 1996 estaríamos começando um time de futebol do Jardim Almanara. A expectativa e a motivação foram tão grandes, que ato contínuo as crianças foram se reunindo, chamando conhecidos e colegas em um processo crescente de adesão. A cada treino aumentava o movimento em torno da ideia de criação de um espaço do qual eles pudessem participar de atividades esportivas. Hoje, refletindo sobre o início do projeto, vejo que a organização do grupo configurou-se como um autêntico processo de auto-organização, a partir da aceitação da ideia apresentada nos organizamos para construir uma situação que atendia nossos interesses. O envolvimento efetivo dos integrantes do grupo é uma das marcas do projeto desde o seu início. Os encontros acontecem aos sábados, no mesmo horário, das 08:00 am às 13:00 pm, com duzentas (200) crianças e desde 2007, quando iniciei minhas atividades de educador na Universidade Paulista, contamos com ajuda de estudantes do curso de Educação Física, que encararam o desafio como sua atividade extracurricular e de serviço voluntário. A participação deles tem sido crescente e deu ao Projeto a possibilidade de desenvolver outras atividades, como Voleibol, Basquetebol, Ginástica e Dança, estas últimas direcionadas aos pais dos alunos. Como decorrência desse processo, o Projeto atualmente está mais bem estruturado e mais amplo em razão das novas modalidades inseridas, e ao longo dos anos pude perceber que oferecer ou promover saúde e bem estar é exemplo de qualidade de vida. Afortunadamente no Brasil de hoje há muitas instituições e entidades trabalhando com crianças em situação de vulnerabilidade, mas não exclusivamente nesse grupo. Além daquelas que atendem crianças há também as que atendem outras faixas etárias, como as pessoas da chamada Terceira Idade. Há também projetos que misturam as faixas etárias como é o caso da 19 Escola da Família. Buscar uma vida saudável, portanto sustentável, não tem sido uma tendência somente local e nacional, mas também global. Nos países considerados em desenvolvimento, entre os quais estamos inseridos, as políticas públicas não têm sido suficientes para atender às demandas sociais básicas, como saúde, educação, esporte, lazer e cultura; isto tem sido complementado pelas inúmeras organizações não governamentais e pessoas dedicando esforço no sentido de promover situações que melhorem a vida de outras pessoas. Tomando como referência as crianças e adolescentes, no Brasil há muitas dessas instituições com trabalhos voltados para o seu atendimento e sem entrar no mérito político e ideológico dos projetos, vale citar alguns deles: Instituto Dom Bosco, Ayrton Senna, Gol de Letra, Instituto Deco e Fundação Cafu etc. Essas instituições proclamam como sua finalidade desenvolver atividades esportivas e principalmente educacionais, justamente para que as crianças possam ser inseridas na sociedade com dignidade e se sentirem realizadas pessoalmente. Muitas destas experiências são bem divulgadas através da mídia e gozam de reconhecimento de grande parte da sociedade brasileira que até mesmo contribui financeiramente com esses projetos. Além dessas experiências, existem outras que, embora não contem com tamanha divulgação e nem tanto recurso, se constituem em experiências significativas para as crianças e adultos que delas participam. O Projeto “Pequeninos do Almanara” é uma experiência comunitária, que funciona sem muitos recursos financeiros, más que já atendeu um grande grupo de crianças, tendo contribuído para a mudança de rumo do destino de algumas delas para melhor. Essa é a razão principal da escolha de tal experiência como objeto de pesquisa. Para realizar a pesquisa adotei uma abordagem qualitativa e como procedimento de coleta de dados recorri ao relato da minha experiência e revisão da literatura referente ao campo da educação comunitária e da inclusão social e a coleta de depoimentos, na qual ocorre o questionamento se o Projeto Pequeninos do Almanara contribui ou contribuiu para sua formação. Esse 20 questionamento será proposto aos estagiários, aos atuais participantes, a exparticipantes do projeto e aos pais das crianças que dele hoje participam. Pretende-se verificar em que medida pessoas envolvidas no Projeto o consideram importante para suas próprias vidas ou para as vidas de seus filhos. Desta forma, espero que o trabalho possa colaborar para o estudo da educação comunitária e sua contribuição para a inclusão social de crianças que vivem em situação de vulnerabilidade social a partir da experiência concreta desenvolvida no Jardim Almanara. A citação permite refletir sobre dois aspectos importantes do Projeto estudado: primeiro é o cuidado de não considerar as atividades esportivas como a solução para todos os problemas e o segundo é entender que elas podem ser a porta de entrada para o envolvimento dos jovens com ações voltadas para a melhoria da qualidade de vida na sua família e na comunidade. É uma ideia que levei a participação no qual as crianças estiveram efetivamente envolvidas. Ao referir a noção de participação (Jair Militão Silva, 2003, p.11) assim se manifesta: Participar é tomar parte de algo ou fazer parte de algo. Há diferentes graus de participação: se pensarmos em um jogo de futebol, veremos que, por exemplo, uma será a participação dos jogadores, outra do treinador, outra do gandula, outra da torcida presente no estádio e outra, ainda, a dos torcedores que ficam em casa acompanhando pela a televisão ou pelo rádio. Esses diversos níveis de participação implicam em desiguais níveis de responsabilidade e, em consequência, poderá haver maior ou menor 21 participação de uns e outros componentes da situação considerada (Silva, 2003, p. 11). Este trabalho esta organizado em três capítulos. O primeiro apresenta a minha história de vida procurando destacar os motivos que me direcionaram a desenvolver o Projeto. O segundo capítulo apresenta a educação comunitária e de inclusão social buscando evidenciar o Projeto em estudo em face desses dois conceitos. O terceiro capítulo apresenta a pesquisa realizada, destacando o bairro aonde o Projeto se desenvolveu, descrevendo seu processo de formação, sua estrutura física e as condições de vida da população que ali habitam para então encontrar pistas que permitam entender como Projeto vem contribuindo para a inclusão social da comunidade. 22 Capítulo 1 – HISTÓRIA DE VIDA COMO FORMAÇÃO 1 – Introdução Neste capítulo apresento a minha história de vida buscando com isso compreender os processos formativos aos quais fui submetido para então compreender como os mesmos se fundiram para moldar-me como ser humano, chefe de família, educador e profissional. Compreender estes processos emergiu com importância fundamental, logo que defini como objeto de estudos o Projeto Pequeninos do Almanara, uma vez que grande parte de minha vida esta ligada a ele, no processo de sua coordenação e manutenção há mais de 16 anos. História de vida de um profissional, segundo Furlaneto (2003) é um processo singular e não linear, pois se trata de um caminho com muitas idas e vindas que se constitui por meio de encontros que definem o tipo de pessoa e profissional em que cada um se constitui. Ao entrar em contato com trajetórias tão ricas e plurais que poucas vezes seguiam caminhos definidos e lineares, percebemos a impossibilidade de construir um único modelo de formação. As professoras e os professores parecem seguir um eixo próprio de formação, incluindo, em seu processo, experiências e vivências que decorrem de escolhas pessoais. Observando a trajetória de algum deles, pudemos perceber que pareciam possuir um professor interno, uma base da qual emanavam suas ações pedagógicas que não representava somente a síntese de seus aprendizados teóricos, mas também de suas experiências culturais vividas a partir do lugar de quem aprende. (Furlaneto, 2003). 23 Neste trajeto realizamos encontros com diferentes significados, pois as situações se apresentam com diferentes intensidades. Neste sentido pretendo destacar os momentos mais significativos, a partir dos quais tive que fazer mudanças importantes na minha vida profissional e pessoal. Nas palavras de Josso (2001, p 16) preciso encontrar os meus “momentos charneira” e a partir deles entender os caminhos que escolhi, desde a decisão de ser jogador de futebol e após o término da carreira, trabalhar como professor de Educação Física. Evoluir pelos caminhos pelos quais fui escolhido, principalmente quando ainda adolescente, trilhava os caminhos da carreira de jogador de futebol, onde era escolhido ou não pelos clubes, num processo atordoante e torturante de avaliações e reavaliações de condições técnicas e de desempenho. Ao referirse ao “momento charneira” Josso assim se manifesta: Momento charneira são momentos que representam uma passagem entre duas etapas da vida, um “divisor de águas”. Acontecimentos que separam, dividem, articulam as etapas da vida. Momento mais importante de um acontecimento. (Josso, p,16). Outra autora que também considera importante a história de vida no processo de formação do professor é Mizukami, para quem os relatos não são lineares nem simétricos e retratam diferentes momentos das trajetórias. Segundo ela, eles permitem uma visão, senão global, pelo menos a mais aproximada possível da trajetória de vida. Vários outros autores consideram a história de vida uma importante fonte de informação para a formação do docente e por isso ela tem se tornado uma base de dados importante quando a pesquisa busca entender a trajetória de qualquer profissional. Entre estes autores podemos ainda destacar Novoa e Tardif, entre outros que já dedicaram a pesquisar esse tema. Por isso há nas pesquisas educacionais atuais grandes esforços para reconhecer quais são os saberes dos professores e qual a sua origem com objetivo de contribuir com a formação de novos profissionais. Até a década de 24 1980, apesar da denominação processo ensino-aprendizagem, as pesquisas sobre história de vida, focavam muito mais no aluno, no modo como eles aprendiam; hoje os saberes dos professores e o modo como eles são adquiridos vem ampliando espaço, na academia, nos cursos de formação e mesmo nas políticas públicas. Neste contexto ganha espaço o entendimento que parte dos saberes dos professores vem da experiência e, com ele, o entendimento segundo o qual a história de vida é uma fonte de estes saberes. Ao se referir aos saberes da experiência, Tardif (2001) assim se manifesta: Os saberes dos profissionais, quase sempre, foram considerados como saberes de segunda ordem, ou seja, não foram aproveitados pela academia na formação de novos profissionais. Segundo TARDIF, LESSARD & LAHUE (1991). Para esse autor, durante muito tempo, os saberes dos profissionais foram considerados como saberes de segunda ordem, ou seja, não foram aproveitados pela academia na formação de novos profissionais. Entretanto, outros autores em pesquisas recentes, vêm demonstrando a importância de se trazer estes conhecimentos como uma forte contribuição à formação profissional. Desta forma, pretendo apresentar um relato pormenorizado de minha trajetória de vida buscando identificar nela elementos que permitam compreender o meu processo formativo profissional. 1.1 – Educação Básica: percursos Nasci num período muito fértil da vida brasileira, com o início de campanha das primeiras eleições para governador e prefeitos de capitais após um longo e nebuloso período de regime militar. Afinal, se 1981 foi um ano desastroso sob o aspecto econômico, com uma grande recessão, marcado pela condenação de Lula e outros sindicalistas em razão da Lei de Segurança Nacional, do triste caso Riocentro, foi também marcado pelas lutas em prol das liberdades democráticas que finalmente foram consolidadas na Constituição de 1988. 25 Sou o mais jovem dos três filhos do casal Adirso Antunes e Neide Fatima Antunes. Meu pai é 1º sargento da Policia Militar de São Paulo aposentado e minha mãe ainda trabalha na área de Promoção Social da Prefeitura Municipal de São Paulo. Meu pai é descendente de espanhol por parte da mãe, sendo seus avós maternos oriundos da cidade de Málaga, Espanha. Eram agricultores e ao chegarem ao Brasil como imigrantes dirigiram-se para o município de Borá, próximo a cidade de Promissão, interior paulista. Trabalharam na lavoura, em plantações de mandioca, cana de açúcar, milho, arroz, feijão e também cuidaram de gado Os avós paternos eram pernambucanos e infelizmente meu pai não teve oportunidade de conhecê-los, pois meu avô, Elpidio Antunes Bezerra, como tantos outros retirantes do nordeste no inicio do século XX, saiu muito jovem da cidade de Bucuí, Pernambuco, trazido pelos irmãos mais velhos e nunca mais teve contato com seus pais. Pela trajetória e aprendizado com seus pais, o meu avô, juntamente com seus irmãos, também se direcionaram para a lavoura, indo para o município do Goulart, cidade de Birigui, interior do Estado de São Paulo, onde trabalharam por muitos anos no sitio dos Moreiras. Meu avô trabalhava na lavoura quando conheceu a minha avó Josefa Rosa Sanches. Como seus pais, ela também era camponesa, adicionalmente exercia as atividades de cuidar dos irmãos mais novos e fazia e vendia artesanato para outros moradores da comunidade local. Iniciaram um namoro segundo os rígidos costumes da época e se casaram após três anos de namoro. Tiveram sete filhos, cinco mulheres e dois homens, sendo um deles meu pai. Eles moraram no bairro Borá, município de Avanhandava, interior do Estado de São Paulo por dez anos, até que o meu avô acumulou recursos para comprar um sitio na zona rural da cidade de Promissão, também situada no interior do Estado de São Paulo, próximo à cidade de Bauru. A renda familiar praticamente originava-se das atividades do seu pequeno sitio, através da venda de leite e queijo, além de milho, arroz, feijão e café. Após oito anos, por 26 volta de 1958, a família se mudou para a cidade de Promissão. Meus avós compraram uma casa no centro da cidade, o que permitiu aos seus filhos mais velhos começarem a trabalhar no comércio local e permitiu-lhes consequentemente um aumento gradativo da renda familiar. Depois de vários anos em Promissão, em 1968, empobrecidos pelas mudanças promovidas pelo inicio do regime militar, que provocou forte êxodo rural, meus avós optaram por virem para a capital de São Paulo, especificamente no Bairro Jardim Almanara. Em São Paulo meu avô começou a trabalhar como jardineiro na Praça Ramos, ocupando esse cargo até a sua aposentadoria. A minha avó, devido a sua saúde debilitada, concentrou-se nos trabalhos e afazeres domésticos. Ela faleceria em 1988, aos 74 anos de idade e meu avô, meu ídolo e grande incentivador da minha adolescência no futebol profissional, faleceria aos 96 anos em agosto de 2007. A família de minha mãe era constituída pela minha avó Divina, nascida no Paraná; foi empregada doméstica na cidade de Santo Antonio da Platina e veio com essa profissão para São Paulo, onde trabalhou até o final de sua vida em várias casas de família. Conheceu meu avô José Rodrigues por intermédio de amigos, na Avenida Guido Caloi em Santo Amaro. Casou-se e teve seis filhos, sendo dois homens e quatro mulheres. O meu avô Jose Rodrigues, nascido na cidade de São Paulo, trabalhou toda sua vida profissional na fábrica de bicicletas Caloi, exercendo a função de ajudante geral até aposentar-se. Moraram no Jardim São Luis, Zona Sul de São Paulo, onde permaneceram até o final de suas vidas. A minha avó faleceu em 1985 e meu avô faleceu em 1992. Embora tenha tido uma infância pobre e bastante humilde, nunca faltou o essencial em minha casa. Passamos por alguns momentos particularmente difíceis, mas que sempre foram encarados com a dignidade, coragem e perseverança de meus pais. Eles enfrentaram dois ou mais empregos ao mesmo tempo, inclusive finais de semana, buscando alcançar o mínimo de conforto material que permitisse aos filhos se desenvolver bem na escola, que 27 sempre foi um motivo de preocupação, pois eles avaliavam a escolaridade como única oportunidade de melhoria de nossas vidas no futuro. Com eles aprendi a ter humildade, a respeitar o próximo, a ter dignidade e ser honesto. Aprendi que lutar pelas coisas e saber conservá-las é a essência da vida. Uma frase sempre citada pelo meu pai é: “planta para colher”. Simples, mas que contem a sabedoria dos que sabem que as coisas dependem muito de nós mesmos, após o mínimo de condição material fornecida pelo Estado tenha sido solucionado: educação, saúde e segurança. Aos seis anos comecei a estudar na Escola Tico e Teco, uma pequena escola particular na região da Freguesia do Ó, onde fiz a pré-escola. Lá, pude participar das primeiras experiências com pessoas fora do meu habitat familiar. Pude vivenciar o máximo possível das atividades curriculares com uso do giz de cera, pintura de guache, conheci a cartolina. Ali, uma das coisas que provocava mais atenção era o diminuto parquinho, onde além das brincadeiras de gangorra, balanço, tinha o horário de futebol com os outros meninos, cujo “bola” eram os potinhos de Danone e as latinhas de refrigerante. Esses momentos de futebol de potinho juntavam amigos como Antonio, Fernando, Carlos, Daniel, Murilo e claro, o grande goleiro Rafael. Pessoas que ainda tenho a oportunidade de rever, quando faço uma visita aos meus pais. Infelizmente perdemos parte do vínculo de amizade, pois cada um prosseguiu por um caminho distinto e a vida adulta não mais permitem os folguedos de outrora. Conheci lá as minhas primeiras professoras, a quem lembro com muito carinho, Dona Lurdes e Dona Lúcia. Pessoas que realmente promoveram um suporte para a base da minha vida adulta. Eram pessoas atenciosas, carismáticas, muito profissionais e eficientes em seu oficio de ensinar, mas que também sabiam exercer seu papel de educadoras à moda antiga, colocando de “castigo” quando julgavam necessário, pois a ideia era manter a disciplina; esta é provavelmente uma das poucas lembranças negativas que tenho do período. Afortunadamente, no final das contas, as experiências vividas no Tico e Teco, foram de suma importância para a minha vida, foi fantástico. Aprendi a escrever o meu nome, fizemos tarefas em grupo, como desenhos, quebracabeça, etc. 28 A escola era totalmente decorada com imagens de bichos coloridos, estrelas e planetas. Era um ambiente muito agradável. A partir do momento em que estive à vontade, comecei a fazer amizades, a aprender algumas novidades oferecidas pelo ambiente, eu adorava frequentar a escola. Ainda hoje passo em frente a ela e fico relembrando e saboreando alguns momentos marcantes, de como era novo o edifício onde se localizava e bem pintada. O prédio hoje, relativamente bem conservado, é usado como oficina mecânica de autos. As séries do primeiro ciclo, iniciadas em 1988, foi em escola pública, denominada Escola Municipal Professor Antonio Prudente, que foi construída no bairro em 1971 e onde praticamente toda minha família estudou: meus irmãos mais velhos, primos e grande parte dos meus vizinhos. Na Escola Antonio Prudente estudei da 1° série até a 4° série, no horário das 7h00 ás 11h00 e depois da 5° série, foi obrigatório transferir-se para o horário vespertino, ou seja, estudei a 5° série e a 6° série das 15h00 ás 19h00. Nesse período, da 1° série até a 6° série, os meus pais sempre estiveram tranquilos quanto a minha relação com a escola e seu corpo docente, nunca tive problemas de disciplina, problemas com a administração ou grandes problemas de notas e provas escolares. Eles sempre estiveram presentes em reuniões de pais, inclusive a minha mãe até a 4° série me levava e buscava na porta da escola. A partir da 5ª série passei a estudar no horário vespertino, e como minha mãe trabalhava no mesmo horário, obviamente passei a frequentar a escola sozinho. Em relação a minha conduta com os professores, sempre foi a melhor possível, em razão da forte disciplina e educação ensinada pelos meus pais, cujo mote nesse quesito era justamente respeitar os professores e nunca arrumar problemas disciplinares. Os professores da época sempre me apoiavam em situações de dúvidas com as matérias, principalmente a disciplina de matemática, com a qual sempre tive problemas. Lembro-me de alguns professores, ainda que não pelos seus nomes completos, como a professora de Educação Física, o professor de Ciências, a professora de Matemática. Nunca tive problemas de disciplina ou algum outro problema mais grave, pois eu frequentava a escola para estudar. Obviamente havia os 29 momentos de descontração, como nas horas de intervalo entre as aulas, no recreio, onde praticávamos futebol de potinho de Danone, brincadeiras como pega-pega e conversávamos sobre vários assuntos, com o futebol sempre permeando essas conversas. Pude perceber nesse período qual a função de um professor de Educação Física, onde a professora passava exercícios físicos, atividades recreativas, como jogos de estafetas, futebol, voleibol, basquetebol, handebol, e algumas atividades de corrida e atletismo. A partir da sétima série, através do esforço de meu pai, fui estudar no Colégio da Polícia Militar, pois ele ficou preocupado com o que passou a correr num determinado momento na Escola Antonio Prudente, onde a violência e a indisciplina já tomava conta de grande parte dos alunos. Essa decisão foi tomada no final de 1994, quando meus pais decidiram fazer um novo esforço financeiro para me proporcionar uma nova experiência em outra instituição paga. Ao iniciar o ano de 1995, cheguei ao colégio da Polícia Militar, situado na Avenida Cruzeiro do sul, n° 250, Jardim Pari. Lembro muito bem da diferença de estrutura física de uma escola para a outra, pois o Colégio da Polícia Militar era tinha uma estrutura gigante, diversas salas de aula, laboratórios de Física, Química e Biologia. Nas suas instalações desportivas, duas maravilhosas quadras poliesportivas, duas quadras de voleibol, dois pátios para desenvolver um recreio interessante e variado, palco para apresentações, pista de atletismo. A primeira sala onde pude estudar foi à sala 10, lembro-me da professora de Matemática se apresentando e a novidade de frequentar uma turma diferente. Posso considerar que foi realmente outro “momento charneira” em minha vida a transferência de uma escola para a outra. No Colégio da Polícia Militar percebi de forma marcante a diferença com o que eu tinha vivido até então. Era obrigatório o uso de uniforme, que tinham as seguintes cores e indumentárias: camiseta branca com a gola e mangas azuis e vermelhas, a calça longa era azul. Antes do inicio da primeira aula do dia, lembro-me de cantar semanalmente o Hino Nacional, Hino da Bandeira e o Hino da Polícia Militar. No Colégio da Policia Militar pude vivenciar praticamente os melhores momentos em uma escola, conhecer pessoas de 30 perfis e atitudes diferentes, algumas das quais ainda mantenho a relação de amizade. Em relação aos professores, pude conhecer e conviver com vários deles que serviram de alicerce para a formação da minha vida adulta. Entre eles, o professor Guerra, de Educação Física, grande incentivador e que me ofereceu todo suporte para a minha vida profissional de educador físico. Graças a seu incentivo pude vivenciar várias atividades esportivas, como Olimpíadas Internas e Externas, em muitas delas representando o Colégio, o que era motivo de grande orgulho. No início tive dificuldade de adaptação ao estilo de ensino do Colégio Militar, que era uma escola rígida e com ensino centrado na transmissão de conteúdos. A média para progredir de uma série para outra era 7.0, que provocou um período inicial de grandes dificuldades. A adaptação foi acontecendo aos poucos, pois não era tarefa fácil sair de uma escola pública, onde convivia com professores com posturas diversas e errantes ir para um colégio militar onde todos os professores pareciam pensar da mesma forma e tinham que cumprir as mesmas ordens. O Colégio focava muito a disciplina, a honra e o saber e tinha como uma das metas principais a preparação dos alunos para o Vestibular da FUVEST com vistas ao ingresso na Academia Militar do Barro Branco. Os três anos do Ensino Médio foram uma experiência fantástica, pois tudo era diferente, novos professores, com exceção do Prof. Guerra, disciplina de Educação Física, que nos acompanhou até o término do curso. Desafortunadamente alguns bons professores não nos acompanharam até o final do curso, entre os quais destaco a professora Sueli, disciplina Matemática e Prof. Isabel, disciplina Português. As aulas eram voltadas ao desafio do vestibular, os professores eram mais sérios, exigentes e ativos. Lembro-me do professor Bogus, disciplina Física, um excelente professor, didática invejável, tanto teórica quanto prática. Lembro-me do professor Armênio, disciplina Matemática, fora de série em seus ensinamentos, entre tantos outros. A experiência e lembranças do Colégio Militar não ficaram somente no campo dos estudos. São importantes também 31 em minha memória afetiva as atividades extracurriculares, como Feiras Culturais, recreios, intervalos e claro, as namoradas. Durante a mesma época do Colégio da Polícia Militar, levava em paralelo uma vida de atleta do futebol. Jogando futebol desde os cinco anos de idade, não somente como lazer, mas também como opção de vida profissional, conheci vários outros amigos e pessoas do meio futebolístico. Nessa incumbência, lembro-me de meu pai me levar para jogar e praticar futebol, passando por vários clubes, entre os quais destaco: ADPM (Associação Desportiva da Polícia Militar), ADC Siemens, Clube Pequeninos do Jockey, Portuguesa de Desportos, Associação Atlética Guapira, Associação Atlética Francana, Clube Desportivo Caraguatatuba e União Barbarense Futebol Clube. 1.2 - Esporte: um sonho de vida A motivação para a carreira de jogador de futebol surgiu desde os primeiros momentos em que meu pai e meu avô me ensinaram a desenvolver os toques básicos na bola de futebol, num acanhado corredor lateral da casa do meu avô e principalmente no quintal de casa. Por ser policial militar, meu pai sempre foi ativo fisicamente, em constante treinamento de exercícios físicos no quintal, o que claramente me servia de bom exemplo. Com a tenra idade de sete anos surgiu uma grande oportunidade de jogar futebol de forma sistematizada na subsidiária brasileira da empresa Siemens, onde pratiquei e participei das várias categorias de futebol até os doze anos. Essa participação contou com o interesse genuíno de um vizinho nosso, Joel, pai de Fernando e Alexandre, meus amigos de futebol de rua. Ele me viu jogando na Escola Olinda Leite Sinisgalli, perguntou onde eu morava e quem eram os meus pais e se colocou a disposição para levar-me a empresa. Fiquei empolgado com a notícia e ansiei por toda a semana o momento de fazer a minha avaliação. Conversando com Alessandro, outro vizinho mais velho, que iria jogar futebol representando outra empresa, disse-me que tinha uma chuteira que não lhe servia mais e gostaria de vender. Meu pai concordou com a opção e me deu o dinheiro para efetivar a compra. Ainda lembro com 32 muitas saudades o momento em que cheguei a minha casa, coloquei a chuteira, quase com a mesma reverência que um cavaleiro poderia ter sentido quando vestiu sua armadura pela primeira vez antes da batalha, sentindo-me um verdadeiro jogador. Chegou o grande dia, num bela manhã de um domingo no verão de 1986. Lembro-me que a Siemens era uma empresa enorme, com um centro desportivo completo e que o campo de futebol era totalmente gramado e que tinha uma lanchonete e dois vestiários. Lembro-me do primeiro treinador, Zé Careca, pessoa que me deu os primeiros ensinamentos técnicos da arte de jogar um bom futebol. Um senhor carismático, forte atenção aos alunos e uma grande tranquilidade no trato pessoal. Joguei sob sua liderança nessa categoria por dois anos, entre os cinco e sete anos de idade e depois passei para outra categoria com outro treinador e assim sucessivamente até os doze anos. Foi um grupo fantástico, onde todos os domingos havia jogos contra clubes, escolinhas e/ou agremiações de outras empresas. Tínhamos um grupo de crianças onde todos sabiam jogar um bom futebol, tínhamos uma qualidade muito boa. Nesse período não me lembro de algum problema com algum colega do meu grupo ou de outra categoria que jogava pela empresa. Sai da Siemens após um jogo entre nós e a ADPM - Associação Desportiva da Polícia Militar. Findo o jogo amistoso, onde me sai muito bem, meu pai foi conversar com Paulo, técnico da minha categoria na ADPM, perguntando sobre a possibilidade de eu fazer um teste para jogar naquela equipe. Vivi durante uma semana a grande expectativa de iniciar os treinamentos na Associação Desportiva da Polícia Militar. O clube já era um pouco mais profissional em relação à estrutura voltada para o futebol. Havia dois campos, quadras e ginásios, além de uma base de jogadores muito forte, onde cada um já era tratado como atleta. Finalmente chegou o sábado tão esperado. Fomos ao vestiário para vestir os uniformes, cada um que fazia o teste, levava o seu material de treino: camiseta, shorts, meias e chuteiras. 33 Fomos em direção ao campo, por alguma razão naquele dia cheio de terra, onde alguns jogadores, entre os quais alguns que já treinavam no clube, nos esperavam. Começamos com uma conversa com o treinador Roberto, porque ele seria o técnico responsável pela avaliação e não o Paulo, com quem eu e meu pai havíamos conversado uma semana atrás. O técnico se apresentou e imediatamente mandou correr em volta do campo e desenvolveu uma atividade de exercícios educativos e coordenativos. Em seguida, desenvolveu uma atividade técnica, na qual uma questão me preocupou: Roberto pediu que dominássemos a bola e não poderíamos deixa-la cair ao chão. Ele jogou a bola em minha direção e realmente não a deixei cair; a bola ficou dominada em meu pé por alguns segundos. Surgiu até alguns comentários de admiração dos expectadores da arquibancada. Esperava a mesma atitude do técnico, que contrariando minhas expectativas, entendeu o lance como afronta a sua autoridade. Apesar disso, o técnico Roberto considerou ao final minha situação satisfatória, onde eu executei o fundamento técnico de forma correta e esperada, mas talvez pela minha faixa etária, me achou muito jovem para desenvolver o exercício igual a um adulto ou mesmo um jogador formado. A visão dele acabou não me fortalecendo para que no decorrer do ano eu ficasse a vontade e terminei ficando na reserva praticamente quase todos os jogos. Foi difícil de controlar a frustração, mas consegui me motivar e seguir em frente. No ano seguinte, veio outro técnico, Mazinho, pai do jogador Alemão, que era meu parceiro de jogo desde o ano anterior. Em 1994, sob a liderança do técnico Mazinho, formamos um grupo extraordinário, lembro-me perfeitamente de todos os jogadores da equipe. Com esse grupo chegamos a final do campeonato Associação Paulista de Futebol. Nesse jogo final perdemos para a S.E Palmeiras, mas não tirou o mérito e a alegria da experiência de chegar a uma final, principalmente pela presença de toda minha família no suporte afetivo. O jogo foi no campo da empresa Nitroquímica, localizada no bairro de São Miguel Paulista e acabamos perdendo por 4x0. 34 Em 1995 fui para outra agremiação, Pequeninos do Jockey. Um clube situado na Zona Sul, uma equipe muito considerada no cenário do futebol e que contava com um vínculo muito forte com o São Paulo Futebol Clube. Após o técnico Benedito me observar em dois jogos em que eu defendia a ADPM em uma semifinal de campeonato, eu fui convidado para ir lá fazer uma avaliação. Avaliei se haveria condições de galgar algo mais nessa carreira de atleta de futebol e aceitei o desafio. Foi um treino no sábado, ás 16h00 na Chácara do Jockey Club, situado na Avenida Doutor Francisco Morato, Zona Sul de São Paulo. Cheguei com a companhia inseparável de meu pai e fui direto para o campo. Falei com o treinador responsável pela peneira, que me pediu para fazer um aquecimento, pois iria me colocar para jogar. Tenho vívida a lembrança de que os demais jogadores estavam uniformizados de vermelho e branco, enquanto eu estava de camisa branca, short azul marinho e meião branco. Joguei nessa equipe por um ano, disputei campeonatos da Associação Paulista, Campeonato Estadual de Futebol e outros. Essa experiência foi muito conturbada, pois todos os integrantes eram adolescentes, cada jogador se sentindo o “dono da verdade”, não respeitavam ou fazia pouco caso de outros colegas, treinadores e seus auxiliares técnicos. Alguns deles também não tinham pais, ou mesmo alguma estrutura familiar de suporte; naquele ambiente cada jogador estava construindo a sua personalidade sem uma supervisão ou dedicação de alguém querido e sem segundas intenções ou busca de vantagens. Agiam como um grupo de “panelinha”, extremamente competitivos e juntos há muitos anos, alguns desde os sete anos de idade, sem oferecer oportunidades ou aceitar jogadores oriundos de outras agremiações frequentarem ou participarem do meio, certamente com receio de perderem as posições conquistadas. Após um ano, oscilando entre os titulares e reservas, demonstrando a cada jogo minha técnica e valor individual, acabei sendo aceito e me inserindo no grupo. Passei dois anos jogando no clube Pequeninos do Jockey, disputei 35 duas finais da Liga Paulista de Futebol, uma semifinal do campeonato estadual, e fiz muitos gols importantes, principalmente contra o São Paulo Futebol Clube. Nesse quesito lembro-me de um jogo no Morumbi, onde estava toda a minha família, e marquei dois gols contra o São Paulo e nesse dia me senti o “cara” do jogo. Mesmo assim, em algum momento o ambiente deixou de ser favorável para mim, por ainda não ser parte integral do grupo dos jogadores e nem da preferência do treinador. Num belo sábado de dezembro de 1995, o penúltimo do ano, fizemos um amistoso contra a Portuguesa de Desportos e ganhamos por 2x0. Nesse jogo, fiz uma partida memorável, praticamente deu tudo certo: passe, chutes, desarme e armação de jogadas. No fim do jogo surgiu o convite para jogar na Portuguesa. Em 15 de Fevereiro de 1996, meu pai me levou até o Centro de Treinamento da Portuguesa, situado na Estrada Ayrton Senna. Chegamos as 8:00 am, horário marcado pela Portuguesa para ocorrer a avaliação. Fomos até o portão principal para informar nossa presença e o porteiro nos pediu para esperar o ônibus da equipe que estava por chegar. Na chegada, o Técnico Cardoso desceu do ônibus e pediu-me para ir ao vestiário me trocar e que eu me dirigisse ao campo três do Centro de Treinamento. Dirigi-me ao campo e logo começou a conversa técnica, durante a qual o técnico explicou como seria o treino e nos direcionou ao preparador físico para nos aquecer. Em seguida, teve início o coletivo. Jogamos 1h30 minutos e pude pegar bastante na bola, fiz gol, etc. Findo o jogo, fizemos uma roda e o técnico falou que eu havia me saído muito bem e que na manhã seguinte às 7:30 am estivesse no portão cinco do estádio do Canindé, pois sairia com o grupo de ônibus em direção ao Centro de Treinamento do Parque Ecológico. Começamos a treinar semanalmente, entre as terças e sextas-feiras, sendo que aos sábados disputávamos os jogos do Campeonato Paulista. Fiquei por quatro anos na Portuguesa, fizemos um grupo bem unido e orientado, primeiramente pelo técnico Cardosinho e depois o Gerson Sodré, 36 que eram técnicos que exigiam disciplina, respeito e principalmente motivação e união. Com esse grupo fomos campeões paulista em 1998 e vice-campeão em 1999. Lembro-me de vários jogos importantes, como contra o Corinthians no Parque São Jorge, São Paulo no Morumbi, onde marquei dois belos gols e deixei entusiasmados meus pais, amigos e toda comissão técnica do clube. O momento culminante do período foi atingido quando chegamos à final da Copa São Paulo, perdendo o título para o Clube Atlético Cruzeiro. O grupo de jogadores, todos nascidos em 1981, era um bom plantel de excelentes jogadores individuais, mas com um grande problema de afirmação, pois nas partidas decisivas, o time não jogava tão bem e os resultados eram invariavelmente negativos. Creio que talvez faltasse um pouco de estrutura da Portuguesa de Desportos: imagino que se tivéssemos um profissional de psicologia para nos orientar e os técnicos tivessem melhor preparo formal, teríamos obtido maiores resultados. Ao longo da tentativa de tornar-me um jogador profissional, passei por algumas alegrias e também grandes percalços: lembro-me de algumas oportunidades, onde aparentemente uma chance se configurava, para logo chegar um concorrente com o seu empresário e tomar a dianteira na vaga em disputa. Exemplos claros ocorreram na Portuguesa de Desportos, onde eu tive a oportunidade de jogar muito bem algumas partidas, com o claro incentivo de pais, torcedores presentes e diretores, para em outros momentos ficar no banco de reservas injustamente. No Clube de Futebol Guaratinguetá, num outro exemplo dessa dicotomia ao longo da carreira de jogador, o Técnico de Futebol Gilmar, após avaliação técnica e de desempenho por vinte minutos, colocou-me no esquadrão titular para um teste com sua equipe principal. Aquele momento pareceu que um sonho iria se realizar, pois a estrutura do clube era boa, os representantes do clube na época eram os ex-jogadores Cesar Sampaio e Rivaldo, com passagens por grandes clubes como São Paulo e Palmeiras, o que realçava a conquista de permanecer nos quadros do clube. Fiquei seis meses, sem 37 identificar um empresário que me representasse ou uma pessoa cadastrada ao órgão gestor do futebol brasileiro, CBF – Confederação Brasileira de Futebol. Infelizmente, as oportunidades de jogar tornaram-se raras a partir do momento em que o técnico Gilmar foi demitido no meio da temporada. Assim, perdia o contato e a admiração do técnico que me avaliou e que conhecia o meu trabalho. A partir daí, a minha situação no clube degringolou, passei a frequentar mais amiúde o banco de reserva, inclusive às vezes ficando fora de alguns jogos. Ao final da temporada, pedi para rescindir o contrato com o clube. Através de amigos do Colégio Militar, soube de uma “peneira” (expressão futebolística que explica o rápido processo de avaliação dos candidatos que tentam uma oportunidade de jogar) que iria ocorrer no Clube Juventus da Mooca. Após o rápido processo, tive a impressão que iria ficar, pois sentia que havia jogado bem, estava no auge da compleição física de 15 anos de idade, marcado um gol na avaliação, participado em vários momentos distintos, articulando jogadas ofensivas, tirando bolas da defesa, enfim, estava confiante que tudo daria certo. Ao final do teste o avaliador nos reuniu no centro do campo e nos dispensou sem maiores explicações, dizendo que a equipe para aquela categoria estava completa, o que significou para mim mais uma nova decepção. Ao completar 15 anos de idade ainda não entendia que no mundo futebolístico, a maior dificuldade não era apresentar um bom futebol. Havia a barreira de enfrentar o meio externo ao jogo propriamente dito, os bastidores, onde alguns pais com maior poder aquisitivo podem impor-se nos clubes (nas categorias de base), dirigentes mal intencionados, empresários cafajestes, clubes sem estrutura financeira para desenvolver um bom trabalho e profissionais desmotivados. Em janeiro de 2000, prestei vestibular para ingressar na Universidade Paulista – UNIP, no curso de Educação Física e acabei passando. Em fevereiro daquele ano já estava cursando Educação Física e essa seria a minha segunda opção de carreira ou até mesmo o meu porto seguro; eu acreditava 38 que estudando teria um arcabouço mais intelectual para ser um melhor profissional no futebol. No mesmo período, também em meados de janeiro, a diretoria da Portuguesa pediu para nos apresentar ao clube. Estranhei a solicitação, pois normalmente a reapresentação seria em fevereiro. Na apresentação fomos diretamente ao vestiário da categoria sub-20, categoria essa que antecede o profissional, com jogadores de faixa etária entre dezoito anos e dezenove anos. Estavam presentes o senhor Manuel da Lupa, o técnico Candinho e a nova comissão técnica da categoria. Essa comissão era composta pelo preparador físico Ricardo Corvet, Guaraci e o técnico Juninho, ex-jogador do Corinthians nas décadas de 70 e 80. Tivemos quarenta minutos de conversa, onde seriam escolhidos os jogadores para atuarem naquele ano, a nova comissão técnica, dias e horários para treinamento, salários, etc. Ao chegarmos ao Centro de Treinamento da Portuguesa de Desportos, o treinador Juninho Fonseca separou o grupo participante da Taça São Paulo dos os demais atletas. Assim, o grupo que treinava juntos há cinco anos ficou com o preparador físico, e o outro grupo que era composto pelos jogadores trazidos pelo Juninho, que foram para o campo de jogo. A sensação de estranheza aumentava a cada momento para mim e meus companheiros, pois o clima e o ambiente de grupo estavam conturbados. A diretoria do clube, que havia participado de uma reunião prévia, explicou que tudo seria transparente, embora o técnico estivesse calado e os demais componentes da equipe técnica também sem maior ação. Treinamos uma semana de condicionamento físico e na sexta-feira, período da tarde, o técnico Juninho, que ainda não havia se dirigido ao nosso grupo, pediu para calçarmos as chuteiras, pois ele iria comandar um treino coletivo com o pessoal que havia trazido do Clube Atlético Ponte Preta de Campinas. Como havíamos treinado somente condicionamento físico a semana inteira nós não estávamos em condições de sequer jogar por distração, quanto mais participar de uma avaliação contra o pessoal que havia treinado a parte técnica durante o mesmo período. O resultado foi inevitável e previsível, perdemos de goleada. Ao termino do treino, o técnico Juninho nos reuniu e 39 conversou por meia hora e ao final acabou nos dispensando do elenco. De forma melancólica o grupo que já se conhecia há cinco anos estava se desfazendo naquele momento e fomos direcionados para o Departamento Esportivo para a rescisão de contrato de trabalho. A maioria dos jogadores já esperava por aquela decisão, afinal havia sido uma semana muito humilhante para todos e a forma como as coisas foram conduzidas pelo técnico. Ficamos visivelmente tristes, no trajeto entre a Marginal e o Canindé (estádio da Portuguesa), como se fosse um caminho ao fim do mundo. Ao chegar ao Canindé fui direto ao meu armário e imediatamente recolhi as minhas coisas e após um rápido banho saí para resolver a documentação da rescisão no Departamento Esportivo. Cheguei a minha casa e ainda abalado, expus o ocorrido a meus pais. Chorei muito por toda a magoa recalcada até àquela hora e recebi seu tão aguardado carinho e apoio. Fiquei um mês sem clube. Treinava na academia, corria na rua, pegava a bola e treinava em casa, mesmo com pouco espaço disponível. Recebi então uma ligação de um amigo da Portuguesa, informando que o Clube Atlético de Campo Guapira estava selecionando jogadores para disputar o campeonato Paulista. Anotei o dia do teste e o local e fui treinar em uma terça-feira, apresentando-me ao técnico Gelson, que me pediu o histórico do futebol e me permitiu seguir com o teste. No final do treino, o senhor Gelson informou que me deixaria treinar por uma semana para uma melhor avaliação. Treinei a semana inteira e na sextafeira o técnico pediu a documentação para efetuar a inscrição do campeonato. Nesse dia fiquei muito feliz, pois eu estava retornando a um clube e poderia disputar um campeonato. Treinei a semana inteira, treino físico, técnico, tático, inclusive treinei na equipe titular. Ao final da semana, na sexta-feira pela manhã, saiu à escalação para o primeiro jogo do campeonato Paulista contra a equipe do Osasco. A organização do Guapira era bastante amadora e escassa, pois não tinha concentração da equipe em hotel e sim na residência de cada um. Nesse jogo foi importante para meu inicio no clube, pois marquei o primeiro gol logo no inicio da partida, o que tirou meu nervosismo inicial e me fortaleceu 40 psicologicamente para a sequência do jogo. Eu joguei lá por seis meses, oscilando entre titular e reserva da posição. Após o final do primeiro turno, surgiu o convite de um empresário do futebol de nome Jorge, dizendo que tinha me observado nos últimos seis meses e que teria interesse em me representar e ter os direitos da minha imagem e em troca iria arrumar uma equipe melhor para jogar. Meu pai e eu fizemos uma reunião com ele em seu escritório, localizado no bairro de Perdizes. Lemos todas às clausulas do contrato e percebemos que era uma opção viável para o seguimento da minha carreira. Assinei o contrato e após quinze dias surgiria à proposta de jogar pela Associação Atlética Francana, no interior de São Paulo. Cheguei a Franca no dia 9 de julho de 2001, por volta das 19h00 e fui recebido na rodoviária pelo senhor Adair, que se apresentou como diretor do clube. Após o jantar nos dirigimos à residência dos atletas, localizada no centro da cidade. No local me reuni com outros três jogadores, Carlo Eduardo, goleiro, Betinho, lateral esquerdo e You, coreano que fazia uma espécie de estágio no clube e jogava de atacante. Naquela mesma noite conversamos sobre a trajetória de cada um e como era a equipe e seu estilo de jogo. No dia seguinte teria o meu primeiro treino com a equipe sub-20, o treino seria em um campo próximo, ao invés de ser no estádio Lancha Filho, de uso do time principal. Naquele momento achei curioso uma equipe de segunda divisão não treinar no local em que mandaria os seus jogos. Lá conheci o técnico Claudio e todo o elenco. Logo no primeiro treino me sai muito bem, peguei bastante na bola, armei jogadas, chutei a gol, me senti à vontade e foi tudo muito bem. Nesse dia treinamos dois períodos, manhã e tarde, e a partir daí passamos a treinar praticamente a semana inteira dessa forma, exceto às sextas-feiras, considerando que o jogo do campeonato seria no sábado, contra a Lemense. Não participei desse jogo, por estar ainda em avaliação e teria mais uma semana para decidir a minha vida profissional. O jogo contra a Lemense foi 0x0, em Leme. O resultado foi considerado bom, pois jogo fora de casa num campeonato muito disputado não é tão simples sair vencedor ou com um empate. 41 Na segunda pela manhã, já teríamos um treino forte no aspecto físico e no período da tarde enfrentamos algo da mesma natureza. Treinei a semana inteira e nenhum sinal do técnico Claudio decidir pela minha participação, pois já estava há quinze dias em Franca não tinha acertado sequer a documentação e inscrição para o campeonato. As férias escolares e as férias do colégio onde eu trabalhava estavam acabando, o nervosismo aumentava, a pressão psicológica era muito forte, até que no sábado seguinte, o jogo seria em casa, contra a Matonense e o resultado do certame foi 1x1. Com esse resultado ficaria mais fácil a minha permanência na equipe, pois não estavam desenvolvendo um bom futebol. Começamos a semana seguinte de treino e por volta de quarta-feira pela manhã, o senhor Adair e o técnico Claudio me informaram que eu seria inscrito no campeonato e que iria para o jogo contra o Botafogo de Ribeirão Preto. A notícia veio com sensível alivio, pois eu queria decidir o mais rápido possível minha situação. Treinei mais empolgado e focado para o jogo. No sábado onde aconteceria o jogo, acordei por volta das 9h00, tomei café e retornei a minha cama para a concentração final antes do jogo. Estava deitado, quando ouvi o senhor Adair me procurando e querendo falar comigo. Ele, por razões até então desconhecidas, pediu para que eu levasse as minhas coisas para o jogo e declarou que eu estava de passagem no clube e que se fosse por sua decisão eu não estaria jogando. Fiquei revoltado com as sua afirmação, pois me tirou da concentração e ainda me dirigiu palavras que poderiam afetar o meu estado psicológico. Não me deixei abater pela atitude ridícula do dirigente , ao contrário, a utilizei como fator de motivação. Fui para o jogo e ao seu término fui considerado o melhor jogador da partida pela imprensa local. Embora perdêssemos o jogo por 3x1, conquistei o respeito da equipe e especialmente do técnico Claudio, que acreditava no meu potencial. Aldair ficou possesso, pois o resultado da minha atuação o impediria de continuar me cerceando. Depois de algum tempo, mais familiarizado com o pessoal do clube, vim entender que sua atitude provinha do fato dele querer colocar seu filho para jogar na minha posição. Joguei nessa agremiação por mais um ano e meio, oscilando entre a posição de titular e reserva. Aprendi muito ao jogar na 42 segunda divisão, ainda mais na Francana, que tinha um plantel recheado de jogadores experientes como Garrinchinha, DaSilva, Nildo entre outros. Após fazer uma boa campanha na série A2 do Campeonato Paulista pela Associação Atlética Francana, meu representante Jorge me levou para jogar pela equipe de XV de Caraguatatuba, que era considerada uma filial da Portuguesa Santista. A estrutura desse clube não era muito adequada para manter uma equipe profissional, com alojamentos impróprios, uniformes incompletos e um mínimo de estrutura. Joguei neste clube por três meses e resolvi rescindir o contrato e tentar defender outra equipe, pois além da falta de estrutura, o grupo não era unido, a diretoria atrasava constantemente os salários; enfim, uma situação insustentável. Fiquei parado por duas semanas e após esse período meu representante me arrumou uma colocação na equipe da União Barbarense. Joguei por quatro meses na série C do Brasileiro e aí sim pude perceber finalmente que o encerramento da carreira esportiva como atleta estava chegando. Meu estímulo pessoal já estava muito baixo e embora a estrutura do clube fosse boa, os salários estavam sempre atrasados e a equipe não estava indo bem, pois ganhamos apenas um dos sete jogos da primeira fase. Com todos esses percalços, eu estava desanimando, e aí fui percebendo que aos vinte cinco anos de idade, poderia me atrasar em relação ao arranque da vida que havia planejado para mim. Na carreira de jogador de futebol, o que conta basicamente é faixa etária do profissional, quanto mais jovem melhor. É claro que todo atleta quer jogar num clube grande como o Corinthians Paulista, SE Palmeiras, São Paulo Futebol Clube e Santos Futebol Clube, mas até aquele momento eu estava somente jogando em clubes inferiores e não havia ganhado até então uma renda suficiente para me sustentar A vida profissional de um jogador do futebol é muito curta, com duração média de dez anos e é nesse prazo que as coisas devem acontecer favoravelmente para se obter um pé-de-meia para o póscarreira. Eu poderia estender a tentativa de realização por um pouco mais, mas queria também encarar outros rumos e como já havia frequentado a faculdade, eu teria a chance de desenvolver outras atividades relacionadas aos esportes. 43 Hoje me pergunto se poderia ainda levar um pouco mais adiante a alternativa de ser jogador. Felizmente a possibilidade de concluir a faculdade e a segurança de desenvolver outra expectativa de vida me chamou a atenção. Dessa forma, considerando que eu já estava há 15 anos na vida da bola, gostaria de vivenciar uma experiência nova ainda que ligada ao esporte. Pelo meu relato percebe-se que o cerne da minha infância e adolescência se passa em clubes de futebol. Com tantos anos praticando futebol, pude observar o quanto foi e é importante participar de um grupo, do coletivo, ou seja, convivi em uma sociabilização total com pessoas que compartilharam comigo momentos inesquecíveis através da prática esportiva do futebol. Através da experiência em participar de tantas agremiações, pude aspirar algumas coisas boas como observar atitudes positivas de treinadores com seu elenco, de preparadores físicos com os atletas, os treinos tocados pelos auxiliares técnicos. Pensava que no futuro eu poderia ser um profissional dessa área, teria conhecimentos sobre fisiologia, psicologia com os jogadores, aprender a treinar uma equipe de base e coisas do tipo. Quando falo de participação de um grupo, que fique claro que nem sempre é um mar de rosas, pois existem conflitos de ideias, de pensamentos, embora afortunadamente em quase 15 anos de atleta, não me envolvi em confusões maiores, seja com torcedores, jogadores ou diretoria. Nessa minha vida pregressa, presenciei brigas de atletas em alojamentos, brigas de técnico e diretoria, mas nunca me envolvi pessoalmente com algo dessa natureza. Essa vivência no meio esportivo trouxe muita experiência em questão de espírito esportivo, pessoal e claro, senso profissional. Tive oportunidade de conhecer alguns aspectos positivos e muitos negativos de um mundo diferente e muito pouco conhecido do grande público. Por fim, esse foi o meu grande espelho acadêmico, pessoal e profissional. 1.3 – Encontros que fizeram diferença Furlanetto (2003) destaca a importância dos encontros no nosso processo formativo e posso dizer que no meu percurso encontrei algumas pessoas que fizeram grande diferença na vida e entre elas está o China. Foi 44 quem mais me incentivou a desenvolver o curso de Educação Física até o final, pelo seu modo de conduzir as aulas, trouxe-me uma experiência muito salutar, na qual eu pude perceber com tranquilidade e paciência que era possível realizar grandes tarefas em outras esferas da vida profissional. Após dois anos afastado retornei ao meio escolar, dando uma pausa na carreira de jogador, dada as condições vexatórias de remuneração, incompatíveis com as minhas necessidades básicas e minha formação escolar até aquele momento. Adicionalmente a idade já estava pesando no meu estado psicológico, por isso me aproximei de novamente pessoas ligadas ao colégio da Polícia Militar, como o China e a Claudia do Departamento de RH, que me ofereceram a oportunidade de retornar como estagiário da disciplina Educação Física. Após uma vasta experiência em clubes, agremiações e escolas, tive o privilégio de aprender por observação e avaliação comportamental de vários novos professores, o seu desenvolvimento de trabalhos, a formatação das aulas ministradas e atividades afins. Como estagiário eu ponderava que deveria ter em mente esta avaliação, pois sabia intuitivamente que essa experiência seria muito útil no futuro. Aprendi com os improvisos do professor Romeu, que utilizava a calçada e panos para o desenvolvimento de fortalecimento muscular, além dos trabalhos outros trabalhos específicos, sua amizade, abordagem com os atletas, sempre de maneira suave e tranquila. Outro profissional que me encantava com a didática de suas aulas era o professor Guerra, que também desenvolvia um excelente trabalho de ensino dos fundamentos de modalidades esportivas como Basquetebol, Voleibol, Handebol, Futsal e Atletismo. O professor Guerra fazia bem seu papel de educador, ia além dos ensinamentos teóricos e práticos, também nos direcionando palavras de estímulo para seguir com sucesso na vida, a ser um bom cidadão e responsável pelos nossos atos, enfim, o professor Guerra ia além da pedagogia no seu estrito senso. Uma de suas frases memoráveis era: “O ônibus da vida só passa uma vez”. Essa frase, com a entonação especial que ele fazia ao cita-la, me marcou muito em todos os anos da faculdade e hoje 45 procuro transmiti-la com o mesmo tom de veracidade aos meus alunos do Projeto Pequeninos do Almanara e também aos meus alunos universitários. Ainda hoje tenho o privilégio do contato semanal com ele, nos tornamos amigos e colegas de profissão. Tivemos a oportunidade de realizar alguns trabalhos juntos, desde o início de minha trajetória na universidade, onde desenvolvemos diversos trabalhos como programa de avaliação física e treinamentos com atletas do futsal. No período em que eu fazia estágio no Colégio da Polícia Militar, havia um rodízio com os professores, ou seja, a cada dia da semana eu participava pela observação das aulas de diferentes professores. Assim, pude perceber todas as variadas atitudes e as formas approach de trabalho de cada profissional, o que ajudou sobremaneira para minha experiência pessoal e principalmente profissional. Assim, influenciado por pessoas como o China, amadureci a ideia de organizar um projeto com as crianças do Jardim Almanara e aos encontros com pessoas tão significativas somou-se à importância do esporte na minha vida na decisão de desenvolver esse projeto. . Expectativa gera responsabilidade, o que leva à necessidade de mais trabalho e a uma atenção ainda maior aos detalhes. (Bernardinho, 2006). Essa decisão decorreu da percepção da carência de atividades no meu bairro e ver tentas crianças que poderiam ser envolvidas com atividades que ajudassem na sua formação humana e social e de como poderia criar um projeto que ocupasse seu período de ócio. Voltando a 1996, jogando pelo Clube Pequeninos do Jóckey, iniciei o Projeto Pequeninos do Almanara, situado na Rua Emílio Kemp, Zona Oeste de São Paulo. O Projeto começou tímido, com poucos recursos, na mesma rua e contava basicamente com as crianças do meu entorno. Após conseguir marcar alguns amistosos com agremiações muito melhor estruturadas, 46 começamos a reunir um grupo próximo de cem crianças ao ano (atualmente o Projeto conta com a participação de duzentas crianças em diversas atividades). Confesso que a ideia de iniciar esse projeto surgiu da percepção e da influência midiática, principalmente através da televisão, que citava constantemente que o esporte e atividades físicas para crianças e adolescentes poderiam melhorar suas vidas. No entorno de minha residência havia muitas crianças que viviam ociosas e em situação de alta vulnerabilidade social – potencialmente eu era um deles, em que pese ter uma família estruturada onde os pais trabalhavam e nos sustentava. No caso da maioria delas, as condições de vida e a ausência de um ou mais responsáveis as deixavam a um passo da criminalidade. Lembro-me claramente da primeira formação dos participantes dos Pequeninos do Almanara, entre eles Fernando, Renan, Flávio, Robinho, Mauricio, Jonathan, Douglas e Renato. Alguns jogos eu considero fundamentais para o nosso crescimento, fruto do interesse despertado naquela pequena comunidade, pois participar desses jogos era considerado relevante para aquelas crianças e adolescentes. Jogos como contra a Portuguesa, dentro do Centro de Treinamento da Portuguesa, acompanhado pelos meus colegas da faculdade e também o Professor Mario de Ginástica, este um grande admirador do trabalho com as crianças. Foi um jogo em que a motivação de enfrentar uma equipe de expressão no cenário estadual e nacional do futebol, seria uma experiência para lembrar resto de suas vidas. Outros jogos fundamentais foram contra o Clube Espéria, após o qual alguns integrantes do Projeto Pequeninos do Almanara, entre eles Leandro, Stephan, Victor, Bruno e Vitinho receberam o convite para participarem da equipe e disputar o Campeonato Paulista de Futsal. A minha função no Projeto era tipo “faz tudo”, de diretor da agremiação (responsável por marcar os jogos e encontrar a estrutura adequada para levar e trazer os integrantes) a treinador (ainda me vejo surpreendentemente treinando cindo categorias, crianças e adolescentes de 07 a 16 anos de idade, compromisso de todos os sábados do ano). Era responsável por levar e lavar os uniformes de jogo, organizar a alimentação, lanches e refrigerantes (essa diversidade de atividades proporcionou-me aprender diversas funções como técnico de futsal e futebol, 47 preparador físico e administrador de uma equipe de futebol e futsal, além de noções de psicologia desportiva). Voltando ao período de estudante de Educação Física, um de meus principais objetivos era me tornar preparador físico ao fim do curso, visando sanar algumas dúvidas que eu acreditava ter tido como atleta. Durante o curso, enviei meu currículo para alguns clubes, até que tive a oportunidade de ser contratado pelo Boa Vista Futebol Clube como preparador físico. Após um período de seis meses trabalhando neste clube marquei diversos jogos entre sua equipe e o Pequeninos do Almanara, quando então estes enfrentaram jogadores que ainda estão atuando no cenário atual, Paulinho do Corinthians, Maikon Leite do Palmeiras e Oscar do Chelsea. Um desses jogos foi um amistoso no Club Nipon, num ambiente diferenciado, por conta da sua estrutura física, contra uma equipe de elite na sociedade paulistana. O clube era muito bonito e foi mais uma oportunidade de levá-los a lugares onde pudessem encontrar pessoas com diferentes histórias de vida e que, sobretudo, valorizassem o esporte. Outro jogo que marcou pela dedicação, pelo empenho dos integrantes do Projeto, foi contra o SACI, uma equipe de ponta no cenário do Futsal. Foi um jogo marcado por muitos gols e saímos com empate de 5x5. Outros momentos marcantes foram às festas de encerramentos de ano, eventos que também promoveram encontros interessantes. Esses eventos ofereceram grandes experiências e contribuíram para que eu pudesse ter desenvoltura em falar em público., em particular a festa de dez anos de Projeto ocorrida em 2006, onde alugamos uma quadra de futebol e fizemos a retrospectiva do Projeto. Nessa ocasião falei por quase duas horas, lembrando do início do projeto e passando por homenagens a ex-jogadores, ex-técnicos, pais e jogadores atuais (especificamente nesse evento lembramos de um aluno que havia falecido de meningite justo naquele ano). 1.4 – O ingresso na universidade: outro momento “charneira” No ano de 2000 tive a oportunidade de ingressar numa universidade, o que para mim foi outro momento marcante, pois era a realização do sonho de 48 fazer a faculdade de Educação Física, que imaginava que poderia me manter atuando no plano desportivo, depois do final da minha carreira de atleta. Em quatro anos da universidade pude aprender diversas situações ligadas á Educação Física, disciplinas direcionadas a cultura do corpo, a sociologia, as modalidades esportivas (futsal, basquete, voleibol e handebol), pude aprender disciplinas direcionadas a treinamento esportivo, nutrição e recreação. Adicionalmente, aprendi outras disciplinas ligadas a Educação Física Escolar, às quais me ofereceram base para desenvolver atividades diferentes para o ambiente de aulas escolares. A universidade deu-me a percepção da importância da busca de conhecimentos, que pude aplicar em minha vida profissional e também alavancar o Projeto (grande laboratório para meu aperfeiçoamento técnico e de educador). Segundo PEREZ- GOMEZ (1992) o currículo baseado na estrutura técnico-científica permite ao aluno um contato tardio com a prática, com normas e técnicas advindas do conhecimento científico, nem sempre possíveis de serem aplicadas no contexto real da sala de aula. Lá tive o privilegio de fazer parte de um grupo que participava bem das aulas, procurando desenvolver e compartilhar de quase todas as atividades e opção de ser monitor do curso. A minha formação foi suficiente para proporcionar-me ter a estrutura de conhecimento e conseguir chegar a uma confortável posição profissional. Ao ingressar na universidade conheci outras pessoas que também lideravam ou participavam de projetos similares ao Pequeninos do Almanara, o que deu oportunidades de marcar amistosos entre eles. Durante o curso tive outro “momento charneira” na minha vida, que foi trabalhar com pessoas portadoras de deficiência física na Academia Fórmula, num trabalho desenvolvido como técnico de futebol de amputados. Essa 49 experiência foi fundamental não somente para o meu crescimento profissional, como principalmente no aspecto pessoal (tinha a ideia errônea de que os deficientes locomotores teriam sérias limitações à atividade física e felizmente me enganei, pois o trabalho físico era extremamente intenso e eles nunca reclamaram em fazer essas atividades). Nessa academia trabalhei por 18 meses, e colocamos integrantes para disputas regionais de futsal, Ligas de atletas deficientes –amputados - e até mesmo uma seletiva para o Pan-americano do Rio de Janeiro. Era uma equipe muito unida, sob a liderança do capitão Rogério, que mantinha inalterada sua autoestima em nível sempre elevado (não me recordo de ve-lo triste durante nossa convivência). Uma de suas tiradas geniais era “se você andar comigo, sempre andará com o pé direito”, o que obviamente era uma forma positiva de encarar sua deficiência, já que ele não tinha a perna esquerda. Foi uma grande alegria poder ajudar e desenvolver esse trabalho, inicialmente motivo de receio pela novidade de trabalhar com pessoas portadoras de deficiência física. Outro grande momento ocorreu após um jogo amistoso entre Pequeninos do Almanara e o Nacional Atlético Clube; ao final da partida, me dirigi ao técnico Valdir, responsável pela categoria infantil do clube e indaguei se havia a oportunidade de desenvolver um estágio como preparador físico. Ele respondeu que se sentiria muito feliz em contar com o meu trabalho na sua comissão técnica, que por sinal só tinha mais um integrante que fazia quase tudo. Apresentei-me numa segunda feira no Clube Nacional e fui direcionado para falar com o senhor Carlinhos, diretor das categorias de base do clube e acertamos um contrato de estagiário. Trabalhava de segunda a sábado, com treinos na semana e jogos do Campeonato Paulista aos sábados. Foi uma grande oportunidade, por que tive a chance de conhecer outros profissionais e de realizar o sonho de atuar na profissão que havia planejado desde o início da minha trajetória na universidade. 50 Neste mesmo ano trabalhei como professor eventual do ensino médio, na Escola Olinda Leite Sinisgalli, onde tudo havia começado no ano de 1996. Um dos grandes momentos dessa fase foi a participação da escola, num campeonato patrocinado pela Nestlé. Nesse campeonato consegui reunir grandes talentos de futsal oriundos da comunidade local em uma mesma equipe. Em 2004 retornei ao Colégio da Polícia Militar, dessa vez em outra unidade, num retorno para ficar. Após cumprir um período de seis meses de estágio, consegui ser efetivado como professor de Educação Física ao me formar. Lá comecei a trabalhar dando aulas para alunos do ensino médio (como vários outros profissionais da rede de educação, procurei e consegui paralelamente outro emprego no período da tarde, atuando neste como técnico de futebol em uma escola de futebol). Durante os próximos dois anos nessa atividade dupla, comecei no período noturno e a distância a um curso de pós-graduação em Metodologia e Treinamento em Futebol e Futsal o na Faculdade Gama Filho. A busca pela melhoria do currículo e do perfil de educador abriu as portas para trabalhar na universidade UNIP – onde havia passado por quatro anos de formação universitária. Após receber esse convite de trabalho do professor Bérgson, que exercia e ainda exerce a função de coordenador geral do curso de Educação Física da UNIP, ocorreram outras propostas universitárias, entre as quais oportunidades onde também atuei como técnico de futebol das universidades Mackenzie e Anhembi Morumbi. Trabalho atualmente na UNIP como professor universitário, lecionando aulas de Atletismo, Futebol, Corporeidade e Filosofia e Dimensões Históricas da Educação Física. Com a carga horária e a importância da estrutura sob minha supervisão, a necessidade de aperfeiçoar os estudos e conhecimentos levou-me a opção de ingressar no Programa de Mestrado da Universidade Cidade de São Paulo - UNICID em 2010. 51 1.5 – O mestrado: um encontro com o significado Trabalhando como educador em uma universidade, surge a necessidade de melhoria constante da formação acadêmica. Por um lado há a pressão do próprio mercado de trabalho exigindo constante reciclagem e acumulo de títulos universitários e por outro lado surge a necessidade de compreender o significado do próprio trabalho que vinha sendo desenvolvido. A consequência natural foi a busca de um programa de mestrado em educação que me preenchesse a lacuna existente, agora sendo completada através Universidade Cidade de São Paulo - Unicid. Seguido de uma conversa com uma amiga da UNIP, que estava cursando o mestrado na instituição, avaliei a ideia de estudar o mestrado na Unicid. Uma pesquisa mais aprofundada deu-me a convicção das fortalezas do curso, principalmente pelo currículo, histórico acadêmico e carreira dos professores orientadores e o conteúdo programático O desenvolvimento de um projeto social durante dezesseis anos, as aventuras da vida de atleta, as dúvidas sobre prosseguir na carreira, fizeramme avaliar se realmente eu teria o perfil de pesquisar a fundo e de forma isenta algo que tem feito parte de minha vida desde o inicio da adolescência. Como já lecionava na UNIP há sete anos, procurei fazer o mestrado na linha de Sujeitos, Formação e Aprendizagem, porque o curso poderia acrescentar ao meu perfil acadêmico algumas características de pesquisador, com novas a possibilidade de novas oportunidades na carreira profissional e pessoal. O mestrado criou-me a expectativa de poder compreender melhor a associação entre a prática diária e a teoria necessária para o próximo estágio da minha carreira. A área em que atuo é basicamente a prática da disciplina Educação Física e por conta disso, resolvi buscar mais experiências no ambiente acadêmico teórico. A professora Teresinha, considerando o background do meu projeto social, avaliou comigo a importância do educador físico trabalhar com crianças 52 em situação de vulnerabilidade, surgindo então a ideia da pesquisa cientificamente elaborada sobre ele, que recém está se tornando realidade. Confesso que a noção da pesquisa está em novo patamar, pois somente com o curso realmente aprendi o que é pesquisar, ler diversos artigos, buscar incessantemente por respostas para os questionamentos surgidos em sala de aula de forma sistematizada. A oportunidade deu-me a obrigação de repassa-la através do incentivo aos meus alunos em buscar pela pesquisa a complementação da experiência necessária para ser um bom educador físico. A base científica com a qual tive contato no programa trouxe outra visão que valoriza mais ainda a função de professor e quem trabalha com educação em geral. A supervisão e liderança do Projeto “Pequeninos do Almanara” não têm sido menores que o esforço despendido em seu início e mesmo após o ingresso como docente na universidade, eu tive a oportunidade de melhora-lo com o apoio de alunos do Curso de Educação Física da UNIP. A experiência por um lado beneficiou os estudantes que puderam ter experiência prática no seu processo formativo e por outro lado, também trouxe benefícios para o projeto e para a comunidade, pois permitiu ampliar as modalidades esportivas e promover outros atendimentos. Estamos aos sábados das 8h00 ás 12h00, na mesma escola, com duzentas crianças na faixa etária que varia de 7 a 16 anos, subdividida em cinco categorias. Os recursos financeiros para manter nos uniformes, transporte e alimentação vem da arrecadação de rifas, sorteios de camisa de futebol, bolas e outros brindes. Parte da riqueza do Projeto, mas também parte de sua fraqueza em ampliar o número de participantes e que ele nunca contou com recursos externos à comunidade. Parte dessa fragilidade advém do meu receio em perder a autonomia e a credibilidade do projeto ante a comunidade. Ao longo dos anos, houve tentativas de apropriação do Projeto por políticos ou candidatos a cargos eletivos que atuam no bairro; sempre recusei porque a experiência prática de outros programas demonstra que eles procuram inicialmente o projeto para angariar votos e tão logo passa o período 53 eleitoral são abandonados. Eventualmente, num futuro próximo, a busca por patrocínio privado, de empresas ou associações privadas poderiam ser avaliados e poderiam participar da tarefa de levar adiante a experiência até então bem sucedida. Encontrei no Projeto um caminho até então desconhecido, ao ver desta experiência um significado maior que aquele atribuído inicialmente, pois além de um projeto social passei a vê-lo também como uma possibilidade de produção de conhecimento sobre um tema muito importante nos dias atuais que é a inclusão social. A ideia de que ele possa também servir como atividade extracurricular e como exemplo de alternativa educacional e não apenas como mais um projeto assistencial. A opção de buscar entender em que medida o Projeto contribuiu para a inclusão social das crianças, decorreu da ampliação da minha visão para além da educação escolar e do entendimento que hoje é muito valorizada a noção de educação comunitária. O capítulo seguinte pretende apresentar um estudo sobre essa modalidade de educação nem sempre valorizado pelo meio acadêmico. Todavia ela presente e complementar em vários bairros periféricos da cidade, na maioria das vezes por meio da ação de voluntários ou organizações sociais preocupadas com a melhoria das condições de vida das crianças que vivem em situação precária. 54 CAPÍTULO - 2 – EDUCAÇÃO COMUNITÁRIA: UM NOVO CAMPO DE ATUAÇÃO Neste capítulo pretendo apresentar uma reflexão sobre a noção de educação comunitária buscando com isso identificar o campo onde se situa o objeto de estudo desta pesquisa. Para isso pretendo apresentar o conceito de educação comunitária recorrendo ao estudo de alguns autores que vem trabalhando sobre ele. A Educação Comunitária, segundo Silva (1996) é uma modalidade de educação não formal e não sistemática, geralmente, para responder a uma determinada demanda de um coletivo de pessoas. É mais que orientação, em que as pessoas recebem apenas instruções, ela abrange diversos aspectos da convivência social. Comenta Silva: A Educação Comunitária, nos diversos lugares e tempos em que se implantou, apresentou características diversas, existindo mesmo tipos antagônicos. Como traço comum, todavia, entre as diversas modalidades, está o fato de ser um processo coletivo, na maioria das vezes, não formalizado como a educação escolar tradicional, ou seja, que não se apresenta sob a forma seriada, com avaliações frequentes, rigidamente sistematizados, etc.( p. 13). Orientação que caracteriza a transmissão de informações; o educador deve e deverá ter como função também orientar os seus educandos a não cometer nenhum erro, a não cometer atos de indisciplina, a ter uma vida de qualidade, com trabalho digno, transmitir informações do mundo, da situação real política, social e cultural, etc.. Educação comunitária pode possibilitar a compreensão da proposta, seu 55 significado, benefícios e garantir mudança e melhoria da qualidade de vida individual e coletiva. Para Silva (1996), a participação não depende apenas da boa vontade, nem se dá de forma espontânea e sem dificuldades, mas pode ser “aprendida” ou “reaprendida”. Esse autor situa o surgimento da Educação Comunitária no fim da Segunda Guerra Mundial, no Brasil quando emerge o que na democracia como um valor universal. De fato é a partir deste momento que emergem os movimentos contra a cultura, na esteira dos movimentos antiautoritários com fortes questionamentos aos modelos entrópicos de organização, pensados para reproduzir a ordem estabelecida. Entre as instituições questionadas estava à escola que, embora seja concebida como uma organização aberta, tem sua dinâmica orientada por práticas institucionais, em grande medida comprometida com o controle social, efetivado por meio do controle do tempo e do espaço dos que a frequenta à moda do que ocorre nas instituições totais. A educação comunitária emerge neste contexto e aos poucos vai se constituindo como campo de conhecimento e atuação. Novamente na opinião de Silva (1996), ela pode assim ser considerada porque possui objeto e formas de tratamento próprias, como mostra o trecho seguinte: A noção de campo vem cada dia mais se tornando de grande valia para aqueles que buscam de forma clara compreensão de conhecimentos e práticas que se unificam em torno de um mesmo objeto. A delimitação de um dado campo de conhecimento e de atuação deve levar em conta as circunstancias históricas que o constituíram, explicitando também principais seu objeto, seus contribuições métodos, e as avanço, possibilitando àquele que se aproxime situar-se convenientemente (SILVA, 1999: p.13). Embora a educação comunitária possua um objeto próprio e métodos 56 próprios, traços que caracterizam um campo do conhecimento o autor destaca também que nos tempos e espaços onde ela foi implementada assumiu características diferentes. De fato não se poderia esperar outra coisa uma vez que se trata de um campo que lida com as relações humanas e que, portanto, são construídas e significadas no contexto histórico e social e na escola onde as relações de poder preponderam. A educação comunitária, como foi dito, ganhou maior expressão nos diversos cenários sociais a partir dos anos 1960, quando as instituições passaram a ser questionadas pelos movimentos antiautoritários mobilizados pela perspectiva de construção de uma sociedade democrática e pela luta contra o poder autoritário dessas instituições. Uma das instituições muito questionadas foi a escola, sobretudo em função de seu caráter elitista, que dificultava o acesso àqueles que não fizessem parte das elites dominantes. Neste contexto emergem, por um lado, alternativas voltadas para a mobilização popular com vistas à libertação dos grupos sociais que até então estiveram privados dos bens sociais e culturais, entre eles a educação. Por outro lado, iniciativas de movimentos voltados para a manutenção da nova ordem que tinha como pano de fundo os interesses do bloco econômico liderado pelos Estados Unidos. Em países como o Brasil e outros da América Latina essas duas tendências organizaram movimentos e instituições sociais que se desenvolveram e que acabaram se confrontando no movimento que resultou na derrota dos movimentos de libertação e na instalação da ditadura militar. No plano internacional este momento foi marcado pela chamada Guerra Fria período marcado por grande disputa entre Estados Unidos e União soviética pela hegemonia do planeta. Ao referir-se a esse momento da história, Silva (1996) assim se manifesta: Com o término da Segunda Guerra Mundial e o surgimento da Guerra Fria na década de 50 e em pleno vigor na década de 60, o mundo passa a ser comandado pelas potências hegemônicas, Estados Unidos da América e 57 União Soviética, que encontrando justificativa teórica na doutrina da Geopolítica, procuram submeter e liderar o bloco de nações que agregam. É interessante recordar, que, segundo a doutrina da Geopolítica, as nações tem tido seu destino determinado pela localização geográfica onde se encontram. Cada agrupamento de nações, situado geograficamente próximo, possui um país líder, geralmente com alto grau de industrialização, devendo os demais subsidiar o processo industrial desse país-líder, fornecendo a matéria-prima necessária. Não deve haver competição entre as nações de um mesmo bloco, mas cooperação coordenada pelo líder. Dessa perspectiva resultou a criação do bloco soviético e do bloco americano (Silva, 1996, p.14). Esse foi um período, como bem assinala o autor, marcado por forte luta ideológica onde a doutrina da Geopolítica organizava a vida política e econômica das nações alinhadas com um bloco ou com outro. Desta forma, embora houvesse grande investimento no poder bélico, a grande disputa se dava no plano da cultura. Neste período assistiu-se grande investimento de mecanismos de controle da educação, dos meios de comunicação de massa e a propaganda passam a ter importância vital. Este período ganha grande destaque a censura, a perseguição a quem discordava do regime e a difusão da ideia de que havia um inimigo externo acolhido por alguns dentro do país. Aqueles que acolhiam as ideias do inimigo deveriam ser eliminados junto com elas. Neste período muitas pessoas foram mortas, acusadas de serem portavozes do comunismo. A Educação Comunitária passa a ser utilizada para articular as pessoas em torno de projetos que neutralizasse pessoas e instituições por meio dos quais o inimigo poderia adentrar o país e aí se 58 instalar. Apoiados nessa ideologia o governo militar sufocou a outra vertente da Educação comunitária empenhada com as lutas populares, pelo golpe que, embora chamado de militar, grandes potencias econômicas e políticas foram apoiadas por setores importantes da sociedade civil. Desta forma, os Centros Populares de Cultura, Movimento de Educação de Base, Juventude Universitária Católica, União Nacional dos Estudantes entre outros foram extintos e seus líderes passaram a ser perseguidos. Ganhou força então, outra modalidade de educação Comunitária Voltado para a sustentação do sistema: Silva (1996) cita alguns exemplos de movimentos organizados nesta perspectiva: Exemplo dessa modalidade de Educação Comunitária foram a Aliança para o Progresso na América Latina; o Projeto Rondon, no Brasil; as Unidades de Educação e Ação Comunitária - UEACs - no Vale do Ribeira , em São Paulo. Estas últimas tiveram a intenção de funcionar como movimentos de prevenção à contrainsurreição, mas, gradativamente, viram esse caráter ser transformado, em face de atuação de inúmeros educadores, tornando-se uma outra espécie de Educação Comunitária ( SILVA, 1996: p.15). Jair Militão Silva define esse tipo de Educação Comunitária como voltado para preparar a população para defender-se do inimigo externo por meio do combate a suas ideias encampadas por segmentos da população, esse modelo é definido pelo autor como contra insurreição. A falar dessa tendência o autor assim se manifesta: Contra-insurreição: preparação da população, para defender-se do inimigo externo combatendo as ideias dentro do próprio país e do mesmo bloco. Tem como característica a 59 postura aristocrática, sem a participação de todos, com uma visão de mundo de que existem dois tipos de pessoas: uma capaz de governar e instaurar a ordem certa e outra que deve ser governada, por ser incapaz de gerir a própria vida e, muito menos ainda, influenciar a vida coletiva de um país ou de uma cidade (SILVA, 1996, p.21). Contrapondo-se a esse modelo voltado para a manutenção do regime o autor cita outra tendência que ele aponta como alinhada com o movimento de libertação. No caso desse modelo a preocupação central é a construção de um modelo social mais justo e assume a luta pela transformação do modelo vigente. A emergência desse modelo coincide com os primeiros sinais de fraqueza de o governo militar vigente. A sociedade civil – e mesmo organizações políticas que viviam na clandestinidade – passam as pastorais populares da Igreja Católica ou de Igrejas Evangélicas, movimentos de Sociedades Amigos de Bairro, entidades sindicais e inserem-se em um dos partidos políticos autorizados, com base popular onde passam a ocupar posições de liderança social. As eleições de 1978 é um momento em que a presença dessa tendência se consolida no cenário nacional. Reivindicações que durante anos estiveram reprimidas emergiram com força em entidades ligadas a questões sociais como a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e a Universidade Metodista de Piracicaba, os Movimentos Operários no ABC, o Movimentos Contra a Carestia, entre outros que compunham o movimento pelas liberdades democráticas. Período em que se destacaram pessoas como Franco Montoro, Ulisses Guimarães, Severo Gomes, Teotônio Vilela, Tancredo Neves etc. A Educação Comunitária como “movimento de libertação” – segundo Silva 1999¨) na maioria das vezes, não tinham apoio governamental, por isso, sempre teve grandes dificuldades, em obter recursos materiais e financeiros, para montar lideranças na organização popular, também nos movimentos populares, sindicatos, igrejas, organizações sociais. Contudo contava com a 60 força do povo, com o desejo de participação o que muito contribuiu para a conquista do estado de direito na sociedade brasileira. A busca da criação de uma sociedade mais justa, igualitária e com liberdade, torna-se o objetivo das inúmeras iniciativas que surgem no âmbito da sociedade brasileira e a Educação Comunitária consolida-se como um instrumento importante na construção dos movimentos que articulam esses objetivos. Ao refletir sobre o contexto social em que a educação comunitária destacou-se no processo de formação social Silva (1996) aponta um conflito entre essa modalidade e a chamada educação popular. No Brasil a Educação Popular entendia a escola pública como o serviço do Estado e, com interesses diferentes da população e, portanto, não se uniram ao grande número de educadores atuantes nas redes de ensino regula, como evidencia o trecho seguinte: Ao se sentirem questionados e rejeitados pelos movimentos populares que agiam fora do ensino regular, comunidades e passaram a ver nas movimentos que se aproximavam da escola, no mínimo, estranhos que importunavam e, no máximo, verdadeiros inimigos, sonhadores que buscavam a realização de utopias, ignorantes da realidade de dureza e dificuldade da escola pública (SILVA, 1996: p.18). A dificuldade de articulação da escola pública com os movimentos sociais perdura até nossos dias. Talvez pela falta de autonomia vivenciada pela escola embora seja esta uma condição preconizada pela lei. A escola pública é hoje engessada por portarias e programas por meio dos quais os governantes de plantão procuram garantir a efetivação de seus programas de visibilidade muitas vezes sem olhar para as demandas da escola. Embora muito se fale da necessidade de mudança da escola há sempre a impressão de que mudar é aderir à ultima proposta. Mas a escola há muito já não acreditam no amanhã 61 cantante que embala os discursos que apresentam e concretizam as reformas. Os discursos falam em mudanças, mas a criação de condições para que mudanças de fato ocorram estão ainda bem distantes, pelo contrário as escolas mais valorizadas são aquelas com índices aceitáveis no IDEB mesmo quando se ocupam apenas da reprodução da desigualdade. Uma terceira corrente apresentada por Silva (1996) é a educação comunitária como autoajuda. Nesta perspectiva a principal característica dessa proposta de educação é que todas as pessoas são consideradas responsáveis pelo sucesso ou não do que lhes é proposto. O diálogo é o caminho para a superação de conflitos e garantia do espírito democrático da comunidade. Essa modalidade tem como objetivo principal levar todos os integrantes a identificarem o problema e recursos disponíveis. Ainda na perspectiva de Silva (1996) sejam as instituições de natureza privada ou pública, pessoal ou institucional, que possam vir a ser colocados à disposição de todos de modo a atender às necessidades percebidas, o horizonte dessas ações é a melhora do padrão de vida de todos. A essa perspectiva da educação comunitária como autoajuda, pretendo mencionar mais adiante uma vez que esta é a perspectiva que me parece conter elementos que estão presentes no Projeto Pequeninos do Almanara, objeto deste estudo. Anteriormente ao Projeto e aos pontos que o identificam com a educação comunitária, pretendo apresentar outros aspectos dessa modalidade de educação para com isso evidenciá-la como um campo abrangente. A primeira questão que gostaria de destacar é que a educação comunitária é uma dimensão social na qual é preciso tomar partido. Diferentemente da escola formal em que muitas vezes o partido esta blindado pela formalidade que organiza as práticas, na educação comunitária é preciso tomar partido. Um dos temas centrais quando se fala em Educação Comunitária é a questão do poder; quer se trate da sua manutenção ou da luta para conquista-lo. Esse tópico está sempre presente também nesta modalidade de 62 educação. Assim quando Jair Militão Silva (1996) cita diferentes modalidades de educação comunitária é possível entender que cada uma delas se caracteriza também por um tipo específico de relação com o poder. Fonseca (1996, p.31). Assinala que “o tema do poder diz respeito a nossa vida, ao nosso cotidiano, às 24 horas do nosso dia”. De fato esta é uma realidade que não se pode negar. O poder está na vida da comunidade de diferentes formas as vezes se coloca a serviço da libertação a serviço da opressão. É sempre uma presença que não pode ser negada ou mesmo subestimada. Ainda discutindo a questão do poder o autor evidencia o caráter polissêmico desse termo, destacando que ele pode significar a figura central do estado ou de uma organização ou as influências difusas exercidas por um grupo social, como vemos a seguir: Nosso dia a dia é marcado por relações de poder. Abrimos o Jornal ou a revista semanal e vemos, no noticiário e nas reportagens manifestações de exercício do poder. Na família, na escola, no esporte, nas instituições em geral e no governo exerce-se o poder. Alguns influenciam, outros são influenciados; alguns mandam, outros são mandados: alguns gastam outros pagam a conta; alguns pagam impostos, taxas e contribuições, outros sonegam, conseguem subsídios, isenções e anistias; alguns financiam privilégios de outros; alguns pedem, outros exigem; alguns gozam de privilégios, enquanto muitos não têm respeitados seus direitos elementares; muitos ganham pouco: poucos ganham muito; todos têm direitos iguais, mas só perante a lei. . (FONSECA, 1996: p.31) O trecho acima mostra o poder como algo determinante na 63 convivência humana e marca diversas relações cotidianas. Desta forma se expressa em hábitos relacionados a atitudes de ajuda ao próximo ou de opressão. O poder, recorrendo ainda a Fonseca (1996) se manifesta de diferentes formas como vemos no trecho seguinte: Nas relações hierarquizadas, o poder se manifesta, ostensiva ou veladamente: Estado e cidadão, capital e trabalho, colonizador e colonizado, dominante e dominado, opressor e oprimido, elite e povo, marido e mulher, pais e filhos, patrão e empregado, vendedor e comprador, preços e salários, professor e aluno, médico e paciente,, homem e mulher, adulto e criança, comerciante e consumidor, vendedor comprador, avaliador e avaliado, instancia superior e instancia inferior, imprensa e anunciante, credor e devedor, carcereiro e presidiário, guarda de transito e motorista, polícia e bandido, servidor publico e usuário, Fisco e contribuintes, Previdência Social e Beneficiários, etc. Essas e muitas outras situações são exemplos de poder exercido e sofrido, aparente ou submerso, concentrado ou compartilhado, autoritário ou democrático. (FONSECA, 1996: p.32) Assim, vale discutir que relação é possível estabelecer entre a educação comunitária e a estrutura de poder dominante na sociedade brasileira. Retomando as diferentes modalidades de educação comunitária apresentadas por Silva (1996) é possível afirmar que essa relação depende, em grande medida, da modalidade de educação comunitária que se toma como referencia. Então é o caso de se perguntar qual a modalidade de educação comunitária desenvolvida no projeto, objeto desse estudo? 64 Não me parece possível encaixar o Projeto Pequeninos do Almanara em uma das modalidades descritas, certamente não será possível relacioná-lo com a modalidade definida como contra insurreição, contudo percebem-se nele elementos dos outros dois modelos apresentados pelo autor: aquele definido como libertador e aquele definido como autoajuda. Outra questão importante que é possível discutir a partir do Projeto é o papel da escola no atual contexto social. Neste sentido vale destacar que a educação comunitária questiona o modelo de escola tradicional na medida em que destaca a dimensão da participação da comunidade no processo e da ajuda às pessoas naquilo que elas necessitam. Os sistemas de ensino nem sempre dão condições para que a escola se organize em função das demandas locais; pelo contrário, ultimamente o sistema tem mandado cadernos que devem ser seguidos pelos professores chova ou faça sol. Outrora a Escola e principalmente o professor tinha muito mais autonomia do que os dias atuais, onde sistema escolar está praticamente engessado. Atualmente o professor deve seguir apostilas, cadernos desenvolvidos por outros profissionais, e quando que vai lecionar a disciplina, tem dificuldades em transmitir o conteúdo aos alunos na Escola, porque não concorda com o conteúdo ou crê que poderia usar outra didática para a transmissão do conhecimento. Quando eu estudei em colégios, pude observar que o livro era a base escolar para o professor, mas a didática, o conteúdo era mais bem desenvolvido, em razão da liberdade e flexibilidade do profissional ministrar a sua aula. A escola formal, tal como se constituiu e funciona na nossa sociedade está voltada para a realização junto às novas gerações do ideal de formação assumido pela sociedade onde está inserida. Esse ideal de formação não raro foi definido e aceito como bom em outro tempo e às vezes em outro lugar, no entanto continua sendo imposto como bom também para o aqui e agora. Esse pode ser um dos motivos para que à medida que a sociedade e as relações que nela se estabelecem foram se tornando complexas ela foi perdendo a capacidade de dialogar com os jovens, sujeito de 65 sua ação. Porto (1996) ao referir-se à educação assim se manifesta que: a educação é um processo muito mais amplo e anterior à existência da escola; ela ultrapassa a mera ação de instruir e ensinar, para tornar-se conjunto de práticas simbólicas basais, cuja função é propiciar formas adequadas de organizacionalidade aos grupos sociais. Nesse sentido, a educação é um processo social que se enquadra numa visão particular de mundo e que permite ao grupo social estabelecer e modificar normas comportamento, e desenvolver modelos e de expressar crenças, ideias e valores, construir o saber comum e modelos de trabalho, definir as relações entre os membros, enfim, estabelecer a forma particular como cada qual expressa e materializa o seu dia a dia (PORTO, 1996, p.59) Talvez por esse motivo a escola venha perdendo cada vez mais espaço nas preferências da juventude que tem a missão de educar as crianças, os adolescentes e até mesmo alguns jovens-adultos. Esta apesar dos discursos apelativos ou ameaçadores parece desejosa de uma distancia cada vez maior deste modelo de escola e a escola parece desprovida de argumento que promova uma aproximação. A Escola possui o programa de buscar a comunidade e viver sua realidade, contudo ainda falta uma aproximação em buscar e incentivar os moradores e demonstrar que é possível e saudável a convivência da Escola e a Comunidade e a importância da relação honesta das partes. O Projeto evidencia o divórcio entre escola formal e as crianças, quando percebemos que ele é desenvolvido lá há 16 anos e ainda não tivemos auxílio de professores ou a parceria ampliada, a exceção da inclusão do 66 Projeto na grade de programação da instituição, como atividade complementar do Programa Escola da Família. Criado em 2005, no governo Mário Covas, quadro político do PSDB, o programa tinha o objetivo de aproximar as comunidades e a Escola, para que ocorressem lá atividades esportivas, culturais, educacionais, dentro de um ambiente escolar e com a participação de funcionários públicos. Oferecer recursos de lazer á comunidade, onde estaria sendo executada uma espécie de “parceria” entre ambas as partes. Vale destacar que a escola nunca nos atrapalhou o que, em certo sentido, já era uma ajuda indireta, no entanto, uma parceria que envolvesse os educadores da escola certamente poderia trazer melhores resultados para as crianças. A constatação de que o ambiente escolar é organizado por uma cultura composta por uma dimensão técnica e racional e por uma dimensão centrada nas vivências destaca-se com a importância da valorização de uma cultura democrática. Ela entende-se nas maneiras como se organizam o tempo e o espaço escolar como concretização da entrada de novos sujeitos sociais nos processos de decisão, de implantação e de avaliação de propostas. Vale destacar que a sociedade passa por várias transformações e que as pessoas precisam se adaptar a elas, mas a escola formal parece ainda distante de perceber essa necessidade de abrir-se para o seu entorno. Numa sociedade líquida-moderna, as realizações individuais não podem solidificar-se em posses permanentes porque em um piscar de olhos, os ativos se transformam e passivos, e as capacidades em incapacidades. As condições de ação e as estratégias de reação envelhecem rapidamente e se tornam obsoletas antes de os atores terem uma chance de aprendê-las efetivamente. Por essa razão, aprender com a experiência a fim de se 67 basear em estratégias e movimentos táticos empregados com sucesso no passado é pouco recomendável: testes anteriores não podem dar conta das rápidas e quase sempre imprevistas (talvez imprevisíveis) mudanças de circunstâncias. (BAUMMAN, 2005: p.7) O Contexto social faz emergir várias questões que o modelo tradicional de escola não vem dando conta. Uma das questões fundamentais é sua própria democratização. A democratização foi aos poucos sendo colocada na ordem do dia a partir de meados do século passado quando se consolidou o consenso em torno da ideia segundo a qual não era permitido não ser democrático. Assim inicia-se a busca de democracia de fato no contexto em que os discursos todos proclamavam a democracia como direito. No trecho seguinte Jair Militão Silva faz referencia a esta situação: Colocada como palavra de ordem, a democracia vai paulatinamente, ganhando configurações concretas, adquirindo os mais variados coloridos, e mesmo regimes antagônicos entre si são chamados de democráticos. Há um gradativo consenso mundial de que não é permitido a um governo não ser democrático, mesmo que na prática essa qualidade possa ser encontrada apenas nos discursos. (SILVA, 1996, p.88) Vale destacar o papel dos movimentos sociais que com o aumento da capacidade critica das populações chegam à compreensão de que é necessário os governos superarem os discursos pró-democracia e assumir práticas democráticas, como evidencia o trecho seguinte: Todavia com a luta dos variados grupos sociais e com o avanço da capacidade crítica das populações chega-se à compreensão de que é 68 necessário superar democracia por democratização, ou os discursos pró- práticas reais de seja, percebe-se a necessidade de implantação de condições concretas para que as sociedades sejam democráticas. As lutas pelos direitos humanos, pela igualdade racial, pelos reconhecimentos dos direitos das minorias, bem como as lutas pela libertação das colônias africanas e os diversos movimentos de libertação nacional na América Latina e Ásia fizeram das três ultimas décadas anos de luta pela democracia (SILVA, 1996, p.88) O estabelecimento de condições concretas para o exercício de práticas democráticas encontrou empecilhos diante da questão do poder porque democratizar uma instituição ou uma sociedade de maneira geral implica em alguém perder o poder. Contudo é importante destacar que o processo de democratização não implica apenas na troca da pessoa que comanda, mas, sobretudo implica na concepção de exercício do poder. Considerando-se com Silva que “O objetivo do poder, tal como é exercido na maioria das sociedades, é conseguir adesão permanente das pessoas ao comando que lhe é dado” A tarefa subjetivação da noção de obediência foi plenamente assumida pela Escola. Esse processo de criação de identidades que obedeçam cegamente ocorre mediante contínuo trabalho realizado sobre a auto concepção da pessoa, fazendo com que lhe pareça adequado e bom àquilo que realiza. Há uma luta pela conquista do significado dos acontecimentos que o poder a interpreta a seu favor e assim ele procura efetivar a inculcação de sua interpretação nas pessoas sob seu 69 domínio. É esse um trabalho de educação, mesmo que não se concorde com sua finalidade. Por isso, a escola pode exercer e de fato tem exercido uma ação que fortalece o poder existente. Igualmente a escola pode criar identidades que se recusem a obedecer a poderes desumanizadores e que inventem novas formas de exercício de poder. (SILVA, 1996, p.90) O grande desafio que se coloca para o educador comunitário é esse: estabelecer uma dinâmica de formação que também envolva a participação ativa das pessoas, não preocupada apenas com a formação de identidades subalternas. Esse é um desafio colocado para todos os educadores, pois como bem coloca o autor, a escola formal também pode e deve exercer essa tarefa. Neste sentido coloca-se também o desafio para os gestores escolares: incluírem novos sujeitos nas tomadas de decisão da escola incluindo entre estes sujeitos, sobretudo os alunos que, por sua condição, estão ali para serem formados. Esse processo é possível por meio da abertura da escola para a comunidade como revela o trecho seguinte: A abertura da escola promoveu a entrada de novos sujeitos na sua gestão e, à medida que outros sujeitos passaram a participar da tomada de decisões, o diretor deixa de ser o único responsável pelo sucesso ou fracasso das iniciativas. A instituição de novas práticas e a ampliação do leque de sujeitos envolvidos promove mudanças no ambiente escolar, pois desencadeia o movimento no sentido de que sejam repensadas as relações que se estabelecem no seu cotidiano. (ALMEIDA, 2011.p.68). 70 O trecho nos apresenta a possibilidade de ocorrer uma aproximação da educação formal com a educação comunitária. Essa é uma aproximação possível e necessária em um contexto em que a possibilidade das pessoas resolverem sozinhas os problemas é cada vez mais remota (a situação particular de relativo sucesso de meus pais e seus filhos é praticamente um ponto fora da curva). Neste contexto a Educação Comunitária, pode constituir-se em instrumento para mudança e melhoria de vida humana coletiva que pode ser utilizada pelos profissionais da área da Educação ou de áreas afins. A experiência de vida em comunidade em que os próprios moradores de um determinado lugar assumem a responsabilidade na busca de soluções para os problemas e são consideradas responsáveis pelo sucesso ou não do que lhes é proposto, como lazer, cultura, atividades esportivas, etc. Assim acredita-se que o diálogo é o caminho para a superação de conflitos e, no caso, das aflições, do medo do que está por vir. Neste sentido o que acontece no Projeto Pequeninos do Almanara, objeto deste estudo guarda muita proximidade com a Educação comunitária na medida em que esta tem como objetivo principal, levar a todos os integrantes a identificar o problema, identificar os recursos disponíveis e promover ações que visem a resolução do problema. Silva (1996) classifica os projetos que dedicam atenção às crianças como pertencentes a um dos tipos de educação comunitária: Exemplos de projetos específicos podem ser: atenção às crianças cujas famílias não as atendam adequadamente; apoio aos necessitados materialmente; atendimento aos idosos; atendimento aos desempregados; desenvolvimento econômico comunitário, etc. (SILVA, 1996, P.20). Na origem do Projeto, refletindo agora – me parece bem presente essa questão, uma vez que o ele, embora iniciado para atender crianças hoje atende 71 também outras pessoas da comunidade, não apenas porque não estão sendo atendida adequadamente por suas famílias, mas porque este vem se constituindo em uma alternativa de lazer e convivência na comunidade. A Educação Comunitária é um processo educativo, é considerada uma necessidade própria do ser humano durante toda sua vida, portanto, entendê-la, também como um processo permanente na vida de cada pessoa. Trata-se também de um possível instrumento para mudança e melhoria da qualidade de vida humana coletiva. Outros componentes, como afetividade, valores, identidade, memória solidificam o relacionamento e comprometem as pessoas umas com as outras e todas com o trabalho a ser desenvolvido. A educação comunitária acumula maior conhecimento sobre a atuação coletiva dos seres humanos. Apoio comunitário para os programas desenvolvidos pelas escolas e outras agências educacionais e visando conseguir melhor qualidade de vida para todos; ênfase no atendimento das necessidades das populações ditas especiais, tais como: jovens em situação de risco, minorias, etc. (Jair Militão SILVA, 1996: p.20) O Projeto começou a ser pensado em uma conversa com meu pai, quando identificamos que as crianças que ficavam na rua sem o que fazer poderia ter uma oportunidade de brincar sem correrem tantos riscos de se machucar ou enveredar por caminhos perigosos. Adicionalmente, ao praticar futebol, um esporte de contato físico, a ideia era monitorar as crianças e oferecer-lhes atividades lúdicas em ambiente controlado. Naquela conversa, embora não tivéssemos usado essa palavra, o que nos incomodava era a situação de vulnerabilidade, ou seja, crianças com dificuldades econômicas, sem estrutura educacional, saúde e até mesmo de alimentação na qual se encontravam. Entendi que através desses anos, poderíamos contribuir para melhorar a qualidade de vida daquelas crianças. Emerge aqui outra palavra 72 que não fez parte daquela conversa com meu pai, mas que hoje é importante quando procuro o significado da experiência com os Pequeninos do Almanara: inclusão social. A principal consequência de um processo que tem na sua raiz a desigualdade e a produção de diferenças e a falta de estrutura familiar, governamental, econômica, social e a segunda é a hierarquização dessas diferenças: os ricos e os pobres, os que têm e os que não têm; os que podem e os que não podem e assim por diante. Existem situações simples ou complexas que ilustram essa dinâmica perversa: Uma das constatações que fiz assim que cheguei foi que a escola se organizava sem considerar o aluno. Então coloquei a situação em discussão, sobretudo chamando a atenção para alguns aspectos humanos, legais, éticos e pedagógicos que vinham sendo contrariados por atitudes da escola. Exemplos disso eram as festas do sorvete nas quais se formavam duas filas: uma dos que iam comprar e outras dos que ficavam espiando para ver se alguma alma caridosa lhes pagava o sorvete; outros eram os passeios para lugares como o Playcenter para onde ia uma minoria e a maioria ficava em casa por não ter condições. Muitos professores reclamavam que práticas como estas prejudicavam o trabalho que eles desenvolviam em sala de aula (ALMEIDA, 2003: p. 150). Essa é uma situação que deixa evidente o problema da desigualdade e falta de estrutura econômica, política e social, mas fica em aberto às consequências desse tipo de situação no processo formativo da pessoa. Embora seja conhecido que a formação humana não se dá de forma 73 mecânica e linear não se pode negar que a identidade humana recebe influencia das vivencias que cada um experimenta Diante das condições perspectivas de que desigualdades apontam sociais na sociedade brasileira, percebe-se a tendência à estruturação de projetos sociais governamentais ou privados voltados atender as necessidades das populações em condição de vulnerabilidade social, isto é, a parcela da população em situação de risco social, baixa renda, infraestrutura precária, atendimento insuficiente e irregular dos serviços de saúde e educação (CORREIA, 2008). Nesta linha são estruturados projetos como Escola Aberta desenvolvidos em escolas da rede pública municipal de São Paulo (Almeida, 2005) e Escola da Família, desenvolvido nas escolas da rede publica estadual de São Paulo, entre outros que atualmente integram as políticas públicas para a infância e a juventude como responsabilidade do Estado. Esses projetos tem forte apelo comunitário, se considerarmos com Silva (1996) que essa modalidade de educação se caracteriza par tratar de forma coletiva os problemas da comunidade, e tem assumido denominações e características compatíveis com a visão ideológica, política e social daqueles que são responsáveis pela sua implantação. Dos locais onde são implementados. Programas da UNESCO – Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Tecnologia e também do MEC, Ministério da Educação, tem incentivado bastante o desenvolvimento de projetos que amplie a frequência dos alunos na escola incluindo a possibilidade dessa presença ocorrer nos finais de semana. Almeida (2005) comenta as razões que motivam investimentos da escola nos finais de semana: Um dos argumentos mais utilizados para justificar a abertura da escola nos finais de 74 semana são dados levantados por pesquisa da UNESCO, segundo os quais há redução do número de mortes violentas de jovens nos bairros onde as escolas ficam abertas nos finais de semana para que estes jovens possam desenvolver atividades esportivas e culturais (ALMEIDA, 2005: p. 26). Outro aspecto importante destacado por esse autor para a abertura da escola é a possibilidade das crianças conviverem com os educadores que são às vezes estagiários de alguma área pedagógica, ou seja, alunos cursando faculdade de Pedagogia, de Letras, Artes, Música e Educação Física, fora da situação formal de aula. Segundo ele tal situação promoveria “a criação de vínculo da escola e seus educadores com os jovens que a frequentam” (p. 27), o que ele aponta como “possibilidade de humanização das relações cotidianas e promoção da qualidade social da educação” (p. 27). Justamente essa possibilidade de humanização das relações entre escola, educadores, jovens e comunidade, emerge como ponto fraco, pois não existe aproximação de ambas as partes, ou seja, a um receio dos moradores da comunidade e também por partes das pessoas e profissionais envolvidos no Programa Escola da Família na escola pesquisada. Embora o Projeto Pequeninos do Almanara exista há 16 anos, nunca apareceu um professor ou outro educador para dar uma palavra de incentivo e, menos ainda, para propor alguma atividade. A existência de incentivo, sobretudo financeiro, para desenvolvimento de projetos deste tipo tem promovido o surgimento de muitas iniciativas em diversas cidades do Brasil e, ombro a ombro com a expansão, tem crescido alguns equívocos. Um deles é achar que estes projetos são o remédio para todas as mazelas sociais. Assim é possível ver-se pessoas colocando nestes projetos a responsabilidade de “tirar os jovens das drogas” ou de resolver os “problemas de disciplina na escola”. No trecho seguinte o autor aponta o equivoco desse entendimento, embora aponte as atividades de esporte e lazer como uma possibilidade efetiva de ajuda às crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade: 75 Em função dessas crenças exageradas, muitos recursos foram desperdiçados em projetos mal elaborados e mal sucedidos. As ações sociais de esporte e lazer podem agir de forma efetiva no auxilio à transformação das realidades sociais de populações em condições de vulnerabilidade, desde que façam parte de um planejamento mais amplo de ações conjugadas e que não se apoiem apenas no oferecimento de atividades de esporte e lazer (CORREIA, citado por ATAYDE, 2009). A citação permite refletir sobre dois aspectos importantes do Projeto estudado: o primeiro é o cuidado para não considerar as atividades esportivas como a solução para todos os problemas, ou seja, achando que para salvar o mundo e realmente tirar ou mascarar a situação de vulnerabilidade social é somente oferecer espaço e atividades sociais, esportivas etc. Estamos muito enganados, pois deveríamos estar atento as políticas públicas, as estruturas governamentais e oferecer recurso para trabalho e não viabilizar e tampar os problemas oferecendo recurso sem respaldo algum e sem nenhuma responsabilidade de ambas as partes. O segundo é entender que elas podem ser a porta de entrada para o envolvimento dos jovens com ações voltadas para a própria inclusão social. Como eu citei acima, poderíamos oferecer melhores recursos de trabalho aos pais, oferecer melhor a educação, a saúde, melhorar a renda com trabalho digno, enfim, estruturar a base familiar. 76 CAPITULO 3 – PEQUENINOS DO ALMANARA: UM PROJETO DE INCLUSÃO SOCIAL 3. Introdução Neste capítulo apresento os resultados da pesquisa de campo realizada junto às pessoas que, de alguma forma, estiveram envolvidas com o Projeto Pequeninos do Almanara, por meio das quais se buscou entender em que medida o trabalho ali realizado, contribuiu para a inclusão social dos participantes. Esse Projeto é experiência que desenvolvo junto às crianças de uma região da periferia da Cidade de São Paulo – situada na zona Oeste – e tem como foco o atendimento de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. O principal objetivo da pesquisa é verificar em que medida a experiência vem contribuindo para a inclusão social das crianças. Para viabilizar o estudo foi adotada a abordagem de natureza qualitativa de cunho fenomenológico que, segundo Martins & Bicudo (1989), enquanto modalidade de pesquisa busca a compreensão do fenômeno observado, não se preocupando com explicações e generalizações. Nessa perspectiva o pesquisador não parte de um problema específico, mas conduz sua pesquisa a partir de uma interrogação acerca de um fenômeno o qual precisa ser situado, ou seja, estar sendo vivenciado pelo sujeito em um determinado tempo e espaço. Assim, essa abordagem pareceu a mais adequada para o desenvolvimento da pesquisa. Como instrumento de coleta de dados foi realizado análise bibliográfica e documental completada pela história de vida e pela proposição de um questionamento, se o Projeto Pequeninos do Almanara foi importante para sua formação nos aspectos pessoais e profissionais. Foi proposto aos estagiários, participantes do projeto e a seus familiares. Utilizei também a 77 observação participante, uma vez que coordeno o projeto e, no dia-a-dia estou envolvido com os processos que ali se desenvolvem. A utilização da história de vida constituiu fonte importante de dados sobre a relação entre a educação comunitária e a inclusão social, na medida em que possibilitou olhar para o meu próprio trajeto de vida e refletir muitas situações por mim vivenciadas; inclusive a iniciativa de organizar as crianças do bairro que se encontrava em situação de risco. Neste sentido, parar para refletir sobre as vivências e registrá-las constituiu-se em elemento importante para a minha própria formação. A esses registros juntam-se os registros específicos das atividades desenvolvidas no projeto durante 16 anos que também se constituiu em base de dados para a pesquisa. Desta forma é possível dizer que as bases lógicas dessa pesquisa estão pautadas no método fenomenológico que segundo GIL (1999) TRIVIÑOS, (1992) preocupa-se: [...] com a experiência tal como ela é. A realidade é construída socialmente e entendida como o compreendido, o interpretado, o comunicado. Então a realidade não é única: existem tantas quanto forem as suas interpretações e comunicações. O sujeito/ator é reconhecidamente importante no processo de construção do conhecimento. Considerando a singularidade da experiência estudada, em sintonia com a proposta, optou-se pelo procedimento técnico do Estudo de Caso, pois conforme Eloisa Ludke & Marli André (1986, p.17) quando queremos estudar algo singular, que tenha um valor em si mesmo, devemos escolher o estudo de caso. Ainda, segundo as autoras (1986, p. 19): Os estudos de caso revelam experiência vicária e permitem generalizações naturalísticas. O pesquisador procura relatar as suas experiências durante o estudo de modo que o leitor ou usuário possa fazer as suas 78 “generalizações naturalísticas”. Em lugar da pergunta: este caso é representativo da minha situação? O leitor vai indagar: o que posso (ou não) aplicar deste caso na minha situação? A generalização naturalística ocorre função em do (STAKE, 1983) conhecimento experiencial do sujeito, no momento em que este tenta associar dados encontrados no estudo com dados que são frutos das suas experiências pessoais. Portanto, a escolha do procedimento justifica-se pela ênfase dada à singularidade do estudo e por se tratar de uma investigação que se assume como “particularista”, debruçando-se sobre uma situação específica, buscando descobrir o que há nela de mais essencial e relevante. Novamente discorro na apresentação do Projeto Pequeninos do Almanara, que constitui objeto de estudo desta pesquisa, buscando extrair dele aquilo que é mais significativo na perspectiva de fonte de inclusão social. O projeto vem acontecendo em uma escola da rede pública estadual e hoje faz parte da sua programação oficial. Após uma visita da diretora Ivete Zanardo na escola, para ver a realização de uma atividade esportiva, ela me procurou para conversar sobre o Projeto, como fora elaborado, a minha função de coordenador, técnico, relações públicas, etc. Dona Ivete se interessou pelas respostas e pelo que observou e me prometeu mais horários e apoio da Escola que dirigia, como salas de aula, materiais esportivos. Numa segunda reunião proposta por ela no meio da semana, eu comecei a avaliar positivamente a “parceria” e o respaldo que o Projeto teria dentro do Programa Escola da Família nas instalações da Escola Olinda Leite Sinisgalli; atuaria como professor “convidado – voluntário” da Escola, além de garantia de representar a instituição. 79 Previamente a apresentar mais detalhadamente o projeto, acho importante apresentar as características do bairro aonde ele vem sendo desenvolvido, situando-o no contexto regional por meio de uma descrição do seu processo de formação, sua estrutura física e as condições de vida da população que ali habita. Pretendo também apresentar a escola uma vez que conhecer o lugar aonde o projeto vem sendo desenvolvido permite contextualizá-lo e ajuda a entender a maneira como ele se desenvolveu sua dinâmica de funcionamento. 3.1 - Um bairro com a cara de São Paulo O Jardim Almanara está situado na periferia Oeste da cidade de São Paulo, mais especificamente na região da Vila Brasilândia. Por isso, antes de falar do bairro parece importante falar da região onde ele está inserido para dar melhor ideia do local aonde vem sendo desenvolvido o projeto, objeto deste estudo e destacada a importância da realização de projetos como o estudado na região. O distrito, hoje composto por vários bairros, e entre eles destaca a Vila Penteado, Parada de Taipas, Jardim Guarani, Jardim Paulistano, Jardim Damasceno, Jardim Vista Alegre, Vila Nova Cachoeirinha, Jardim Cachoeira, Jardim Paraná e Vila Itaberaba; originou-se de um desmembramento de sítios e chácaras que havia no entorno da cidade no início do século XX. Segundo dados do programa Nossa São Paulo, 2007 o distrito da Brasilândia, onde está localizado o Jardim Almanara, teve acelerado seu processo de desenvolvimento a partir dos anos de 1930 quando, com o início do processo de industrialização, muitos sítios e chácaras de cana de açúcar foram convertidos em lotes residenciais. Ainda segundo dados do programa, foi Brasílio Simões, um comerciante da época, quem liderou a comunidade durante a construção da Igreja de Santo Antonio que substituiu uma antiga capela. Como homenagem, o nome do comerciante foi utilizado na denominação do distrito. 80 Os documentos do movimento Nossa São Paulo são uma das fontes importantes de informações sobre o Distrito da Brasilândia e constituiu-se fonte dos dados aqui apresentados. Conforme esse documento foi devido ao desenvolvimento que houve no país, no Estado de São Paulo e na cidade, Brasilândia também sofreu modificações. Os sítios, que antes existiam, com o tempo foram tornando-se loteamentos irregulares. O primeiro loteamento aconteceu em 1946 pelo desmembramento de uma olaria que pertencia à família Bonilha, que hoje dá nome a um dos bairros. Outro fator que contribuiu para a urbanização do bairro da Vila Brasilândia foi à expulsão dos trabalhadores do centro da cidade uma vez que os preços dos aluguéis ou de compra de moradias passaram a ser incompatíveis com sua renda. A prefeitura preocupava-se com a beleza e o saneamento do centro da cidade e empenhou-se em reformas, como por exemplo: alargamento das ruas e demolição de cortiços. Em resultado disso, algumas pessoas se sentiram obrigadas a deixar suas casas no centro, face o fato de que os imóveis remanescentes ao processo de demolição teriam seus aluguéis aumentados severamente. Muitas famílias que ali residiam fugiram dos altos aluguéis e passaram a refugiar-se ou abrigar-se nas regiões periféricas, sendo a Brasilândia um desses destinos. No meio dessas famílias, ainda havia famílias vindas do interior de são Paulo e de outras regiões do país em busca de melhores condições de vida. O distrito recebeu um enorme fluxo de migrantes do nordeste do país nas décadas de 1950 e 1960, quando a ideologia desenvolvimentista incentivava a vinda das pessoas, pois a indústria necessitava de mão de obra barata e abundante. Nesse período o presidente Juscelino Kubitschek, criou o Plano de Metas consolidou o modelo Desenvolvimentista, onde os registros de pessoas consideram o período de avanço no Brasil, ou seja, o país passou por um processo econômico, social e político. No 81 governo de industrial, JK, onde houve um crescimento atraiu o investimento estrangeiro, desenvolvendo um processo de empresas multinacionais, se instalando para o crescimento do país, principalmente automobilística. Conhecido como plano de “50” anos em “5” anos, promoveu a implantação de indústrias, empresas de automóveis, indústria naval, rodovias, construiu usinas hidrelétricas e propiciou a abertura da economia brasileira ao capital estrangeiro. (www.slideshare.net/.../governo-desenvolvi mentista-kubitschek). Foi um período considerado como desenvolvimentista e grande propulsor da vinda de migrantes e da ocupação desordenada da cidade. Embora não se possa negar o significativo avanço do país na ocasião, em termos de desenvolvimento industrial é inegável também a sua contribuição para que a cidade fosse formada em grande medida por ocupações irregulares e não planejadas. O crescimento industrial, resultado do investimento estrangeiro, tornou possível a instalações de muitas empresas no país, principalmente empresas do ramo automobilístico. Foi um período marcado por mudanças no país, sobretudo aquelas decorrentes da consolidação de um parque industrial abrigando empresas de automóveis, indústria naval, rodovias, construção de usinas hidrelétricas, propiciando a abertura da economia brasileira ao capital estrangeiro. Juntamente com as mudanças econômicas vieram as mudanças sociais, começaram a surgir as construções não planejadas, as ocupações de áreas de risco onde foram construídas habitações precárias. Nos anos 50 São Paulo viu sua população passar de pouco mais de 2 milhões de habitantes para mais de 3,5 milhões. O 82 dinamismo da economia refletia-se então no aumento da população: a cidade crescia impulsionada pelo movimento de expansão do setor industrial. As correntes migratórias respondiam por grande parte do crescimento demográfico e eram geradas especialmente na região Nordeste, trazendo mais e mais pessoas, atraídas pela possibilidade real de incorporação dos recém-chegados ao mercado de trabalho, seja nas fábricas, seja na construção civil. Na segunda metade da década a indústria automobilística tornou-se o motor do crescimento econômico, com as novas fábricas instaladas em municípios vizinhos ao da capital, na região que ficou conhecida como Bernardo e ABC S. (Santo Caetano André, do S. Sul). (smdu.prefeitura.sp.gov.br/histórico_demog ráfico/1950.php). Nesta época a região do grande ABC Paulista, hoje em dia ABCD, recebeu muitas indústrias e passou a ser o destino final de gande processo migratório interno. Todavia, nem todos que aqui chegaram encontravam espaço nesta região e acabaram indo ocupar outros espaços na grande zona metropolitana de São Paulo. Apesar de não contribuírem para a sigla original, também fazem parte da região os municípios de Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra e Diadema.. A Represa Bilings banha seis dos sete municípios da região; a exceção é Sao Caetano do Sul. Os sete municípios somados perfazem uma área de 825 km² e reúnem uma população de mais de 2,5 milhões de habitantes (estimativa do IBGE para 2010). A região Oeste do municipio de São Paulo, onde fica a Brasilandia, também recebeu muita gente nesta época. 83 O Jardim Almanara é um dos bairros que compõe o distrito da Brasilândia e surgiu e se desenvolveu neste processo de ocupação que aconteceu em São Paulo e seu entorno metropolitano. pode se dizer que é um bairro com a cara da cidade quanto as várias mazelas que ainda estão presentes no cotidiano, tais como ruas esburacadas, casas simples sem rebocos, trânsito caótico, poucas estruturas de saneamento básico, falta de grandes áreas de lazer, etc. Hoje, segundo estimativas recentes segundo censo de 2010, a Brasilândia tem uma população de 201.591 habitantes, que corresponde a 1,8% da população da cidade de São Paulo – Capital; é o maior distrito da Região Norte tanto em tamanho geográfico quanto em população. A sua densidade demográfica corresponde a 9.600 habitantes por quilometro quadrado (hab/km²) numa área habitacional correspondente a 21.0 km2. É um dos distritos indicados pela pesquisa realizada pelo Núcleo de estudos e Pesquisas de Seguridade e Assistência Social – PUC/SP, como tendo o maior número absoluto e percentual de habitantes em processo de exclusão social. A renda média da população é de R$ 666,13, seu IDH é de 0,769, ranqueado em 84° na zona metropolitana. Está localizado na subprefeitura da Freguesia do Ó, órgão auxiliar da prefeitura de São Paulo, que presta serviços públicos e fiscaliza a região Nesse órgão da prefeitura trabalham o subprefeito, secretários, administradores regionais, guardas civis metropolitanos e outros funcionários públicos. Em 1999 foi apontado como o sétimo bairro onde mais morrem pessoas vítimas de violência (foi o primeiro em 1998, ao lado do Jardim Ângela, este situado na Zona Sul de São Paulo); está entre os quatros primeiros de maior contingente de nordestinos e também concentra a maior população negra da capital. Estes dados dão um panorama geral do grau de pobreza e exclusão social que a população do bairro está inserida e que clamam pela maior presença do estado na região. O Bairro conta com transporte público, ainda que em condições precárias, o que dificulta a locomoção das pessoas da comunidade para dirigir- 84 se ao seu local de trabalhou alcançar outras regiões da cidade. Está em pauta um projeto para uma linha de Metrô, que poderia melhorar as condições gerais de locomoção, com projeção de iniciar sua operação em 2018. Na área de saúde o atendimento é insatisfatório, pois a comunidade conta com um hospital onde o serviço e as estruturas são bastante precários, o que torna difícil e lento o atendimento aos moradores que usam seus serviços. O bairro é carente na oferta das escolas e as crianças e jovens em idade escolar têm que se dirigir a outros bairros para estudar em escolas com melhor estrutura a grande exceção é Escola Olinda Leite Sinisgalli, referência para os moradores do Jardim Almanara e até mesmo de bairros vizinhos. A baixa escolarização dos pais e até mesmo o desinteresse incentiva a evasão e a falta de interesse de seus filhos. Eles muitas vezes começam muito cedo a trabalhar para ajudar no sustento da casa, com todos os efeitos deletérios de perenizar a situação de penúria e falta de perspectivas de ascensão social, que impactam na violência, desestruturação familiar, levando o bairro a ser um dos mais carentes e problemáticos da cidade. Vivemos num país de desigualdade e ideologias que nos trazem resultados muitas vezes trágicos para a sociedade, em cidades grandes como São Paulo, temos uma visão ampla das desigualdades sociais, favelas é contraste com mansões de milionários. O termo mais adequado é comunidades, pois favela é chocante, trás uma ideia de miséria, então se sugere usar o termo “comunidade”. Comunidade é um lugar cálido, um lugar confortável e aconchegante. É como um teto sob o qual nos abrigamos da chuva pesada, como barreira diante da qual nos abrigamos da chuva pesada, como, barreira diante da qual esquentamos as mãos (Bauman, 2003, p.7). num dia gelado. 85 A Vila Brasilândia se insere no contexto descrito acima com muitas ocupações irregulares nas encostas da Serra da Cantareira. Possui inúmeros pontos de risco, pois as famílias expulsas das regiões centrais buscaram os espaços onde era possível construir suas moradias e assim muitas delas foram construídas às margens dos 40 km de córregos existentes na região e conta também com 101 favelas. Em 2007 a Prefeitura de São Paulo criou o programa O Movimento Nossa São Paulo. Esse programa tem o desafio de mobilizar diversos segmentos da sociedade, em parceria com instituições públicas e privadas, pudesse construir e se comprometer com uma agenda e um conjunto de metas, articular e promover ações, visando a uma cidade de São Paulo justa e sustentável. Apartidário e inter-religioso, o movimento é apoiado por centenas de organizações e milhares de cidadãos interessados em participar do processo de construção de uma nova cidade. A atuação do movimento Nossa São Paulo é baseada em 4 grandes eixos: Programa de Indicadores e Metas: Selecionar e organizar os principais indicadores de qualidade de vida para a região de cada subprefeitura e distrito. Manter um banco de dados sobre iniciativas exemplares de sustentabilidade urbana. Acompanhamento Cidadão: Comunicar e disponibilizar a evolução dos indicadores relativos á qualidade de vida em cada subprefeitura e distrito. Fazer o monitoramento sistemático dos trabalhos da Câmara Municipal (“Nossa São Paulo na Câmara”) e acompanhar o Orçamento Municipal. Realizar pesquisas anuais de percepção da população sobre várias ações municipais em todas as regiões administrativas da cidade. Educação Cidadã: Realizar ações e campanhas visando à revalorização do espaço público, à melhoria da autoestima e ao sentimento de pertencimento à cidade. 86 Mobilização Cidadã: Incentivar a incorporação de novas lideranças, empresas e organizações sociais no movimento. Construir fóruns em todas as regiões de São Paulo. Em razão desse programa implantado na cidade, a Vila Brasilândia foi uma das áreas fortemente beneficiadas e a partir do mesmo ano estabeleceram-se novas agências bancárias, ambas localizadas a Rua Parapuã, avenida central da Brasilândia e e foi acelerado um processo de implantação de estabelecimentos comerciais, lojas de automóveis, imobiliárias, lojas de móveis, etc. As macrorregiões das CAS apresentam realidades sociais bastantes diversas uma das outras, algumas delas só são notadas por quem vive o dia-a -dia da região. Segundo a Pesquisa Natura/Ibope/MNSP 2007, alguns serviços públicos e privados ainda estão em falta no bairro, pois a pesquisa aponta vulnerabilidade e deficiência em alguns setores classificados como: os mais importantes (Terminal de Ônibus, Estação de Metrô, Hospital Público), maior presença (Pronto-Socorro Público, Centro Esportivo, Centro Cultural, Posto de Poupatempo, Delegacia da Mulher), menor presença (Parques Públicos), serviços privados mais importantes (Escolas Particulares e Agências Bancárias) e os que mais fazem falta (Farmácias, Correios, Consultórios Médicos, Supermercados e outras Agências Bancárias). Neste contexto de contradição e pobreza está situado o Jardim Almanara, melhor conhecido simplesmente como Almanara. É um bairro que a partir de 1962, foi desenvolvido dentro do loteamento promovido pelo seu fundador Gabriel Politi, onde consta seu nome em todas as escrituras de terreno, inclusive onde os meus pais residem. É um bairro predominantemente residencial, com 94,1% de seus endereços tendo fins residenciais. Embora situado em um distrito onde haja muitas ocupações, os moradores residem em casas próprias ou alugadas. São cerca de 25.000 habitantes segundo o SUS, com ruas asfaltadas, devidamente iluminadas, as casas tem reboco, e a maioria das pessoas são proprietárias dos imóveis, inclusive minha família. 87 Tem boa situação de saneamento básico, que está muito bem estruturado com ligação das residências ao sistema público de esgoto. No que diz respeito ao sistema educacional formal o bairro conta com escolas para atendimento da demanda obrigatória. Não há crianças entre 4 e 17 anos fora da escola por falta de vagas; todavia, como em muitos bairros da periferia, ainda há falta de vagas na primeira etapa da educação infantil. O bairro conta com 4 escolas, sendo duas de Educação Infantil, uma de Ensino Fundamental e uma de Fundamental e Médio. Em relação à segurança, é um bairro similar a outros da periferia da cidade de São Paulo, com pouca estrutura relacionada a esse quesito. Não possui posto policial, mas tem um posto do Corpo de Bombeiros, situado na Rua Carlos dias Fernandes, S/N, que permite uma maior frequência policial nas ruas do bairro, com viaturas, base móvel, etc. O Jardim Almanara não possui agências bancárias, lotéricas e mercados com maior opção de produtos, e seus moradores usualmente se dirigem ao bairro mais próximo, chamado de Jardim Maracanã, cujo acesso é relativamente fácil, na maioria das vezes por deslocamento a pedestre. Em relação à rede de proteção social, o bairro ainda é muito carente e os poucos equipamentos existentes funcionam de forma precária. Moradores que necessitam de serviços de assistência geralmente procuram bairros vizinhos, nos quais há uma estrutura melhor de atendimento da rede social, neste caso o CRAS – Centro de Referência de Assistência Social, Postos de Saúde, Hospitais, CRECA – Centro de Referência da Criança e do Adolescente. A situação que ainda persiste atualmente tornou a opção do Projeto ainda muito importante para as crianças e adolescentes do bairro. Em sua ausência a maior parte delas ficaria nas ruas, onde mesmo encontrando algumas atividades lúdicas, como empinar pipa, carrinho de rolimã e outras brincadeiras, não teria um direcionamento formal e supervisionado. O bairro não tem nenhum espaço de lazer em área pública, como um parque ou uma praça. A única opção como espaço de lazer ainda é a Escola 88 Olinda Leite Sinisgalli, com as portas abertas para a comunidade nos fins de semana para uso de suas instalações. Isso permite que elas possam desfrutar de algumas atividades como o futebol, voleibol e até mesmo usar o laboratório de informática e bibliotecas. A ausência de outras unidades públicas como o CEU ou CDM, torna muito limitada as oportunidades das crianças se integrarem num espaço comum. 3.2 - A Escola Estadual Olinda Leite Sinisgalli A Escola Estadual Olinda Leite Sinisgalli, localizada na Rua Emílio Kemp, N°126 como já foi mencionado anteriormente, fica bem no “coração” do bairro Jardim Almanara. Trata-se de uma escola de Educação Básica que atende o Ensino Fundamental, a partir do 5º Ano até o Ensino Médio. Conta com boa estrutura física, laboratório de informática com acesso a internet, televisão, DVD, computadores e impressoras, quadra de esporte coberta, água filtrada e água em rede pública, sala de diretoria e professores, esgoto em rede pública, coleta de lixo periódica e sanitários públicos. Tem a equipe completa, uma diretora, um vice-diretor e dois coordenadores. A Escola possui uma área relativamente extensa no bairro, contando também com pequena área verde. Aos sábados as crianças utilizam outros espaços como o pátio interno para jogos como de Futebol de Botão, Tênis de Mesa, Xadrez, Dama, Pinturas e utilizam o pátio externo para prática de Voleibol. a A Escola possui uma estrutura de dezesseis salas, contendo oito no primeiro pavimento e mais oito salas de aulas no segundo andar, onde também fica a sala dos professores, situada ao lado da sala de coordenação. A sala da diretora fica em frente à secretaria, também no segundo andar. A sala de leitura fica no 1° pavimento próximo a cantina da escola e há uma cozinha para os funcionários, mas infelizmente não possui uma biblioteca. Ela está bem localizada no bairro e chama nossa atenção o fato de todos os alunos possuírem carteira escolar de identificação e uniforme. É a Escola mais procurada para matrícula entre as duas opções que atendem a educação básica e quase 90% dos alunos são moradores do próprio bairro. Todavia a procura ainda é grande e algumas pessoas não 89 conseguem vaga para seus filhos nessa escola e tem que procurar outras opções em bairros vizinhos. As escolas Antonio Prudente e Olinda Leite Sinisgalli, têm padrão de ensino razoável comparadas às opções de outros bairros, ainda que o, mas ainda abaixo da referência (o índice da escola no IDEB no ano de 2011 foi 4.0, e está com desempenho abaixo do esperado já que a meta para 2013 é 5.0). A Escola ainda mantém algumas exigências de escolas mais tradicionais como o uso de uniforme pelos alunos, controle por carteira escolar, promoção de alguns eventos com cobrança dos participantes. Acredito, porém que vem falhando no desempenho do corpo discente e não atingindo a meta estabelecida como referencial de qualidade pela Secretaria de Estado da Educação. Cerca de 80% das crianças e adolescentes que participam do Projeto Pequeninos do Almanara são matriculados na escola Olinda Leite Sinisgalli. Como se trata de um projeto para atender crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, o projeto atende também alunos de outras escolas, com o intuito também de não tornar o Projeto um gueto dentro do bairro e promover a socialização com crianças e adolescentes de outras escolas. A escola aderiu ao Programa de Governo Escola da Família e oferece possibilidade do acesso das crianças, adolescente e seus familiares nos finais de semana. Esse programa propõe o desenvolvimento de atividades esportivas e culturais nas dependências da escola. A população é informada por quadro de avisos externo z esclarecendo os dias e horários disponíveis para comunidade resolver assuntos dos alunos, bem como serão disponibilizadas as instalações da escola aos finais de semana. Em relação ao Projeto Pequeninos do Almanara, a direção da escola manteve-se sempre neutra, sem maiores preocupações com os resultados obtidos e se poderiam ser maximizados. O acesso inicial a escola, em 1996, meses após a implantação do projeto, ocorreu de maneira fortuita, pois um dos participantes do Projeto , tinha seus pais como moradores na escola , onde exerciam as atividades de cuidadores e de segurança das instalações. 90 A relação do Projeto com a direção da Escola Estadual Olinda Leite Sinisgalli sempre foi amistosa e afortunadamente não houve interferência da atividade de um no trabalho do outro. Adicionalmente era um ponto positivo para a direção de a escola realizar um projeto social era uma vantagem por conta apresentar-se como agente “participante” do Projeto. O Projeto Pequeninos do Almanara foi elaborado muito antes do Programa Escola da Família ser concebido e implantado pelo Governo Estadual, e quando a escola aderiu ao programa governamental , somente ocorreu a adaptação do Projeto Pequeninos do Almanara com a grade do Programa Escola da Família, mantendo o mesmo horário. Atualmente o Projeto está dentro do cronograma e das atividades do Programa da Escola da Família, e treinamos aos sábados no período de 08:00 am a 12:00 am, subdividimos cada hora com uma respectiva faixa etária. 3.3 – Pequeninos do Almanara: espaço de vida e formação A questão inicial da pesquisa era saber em que medida o Projeto Pequeninos do Almanara contribuiu e vem contribuindo para inclusão social das crianças e adolescentes que dele participaram ao longo destes anos ou que ainda estão participando. Um dos indicadores escolhidos para avaliar este aspecto seria saber se as crianças que passaram pelo projeto haviam aprendido alguma coisa que estavam utilizando na vida pessoal ou profissional e também cotejar se com os alunos que participavam no momento da pesquisa esperavam encontrar. Uma questão importante era entender o que a participação no projeto mudou na vida do participante. O desenvolvimento da pesquisa levou a perceber, não apenas a inclusão dos alunos, mas contribuiu também para a minha formação e inclusão no campo da educação social, o que me permitiu também a incluir na formação dos meus alunos a experiência nesse campo de atuação. 91 Elaborei um questionário composto por questões abertas e fechadas que propus aos participantes, ex-participantes e também seus respectivos familiares. Inicialmente pensava identificar a influência do Projeto apenas na vida das crianças ou, no máximo, na vida de suas famílias, mas com o desenvolvimento da pesquisa fui percebendo que o Projeto influenciava a vida e formação de outras pessoas, obviamente além da minha. Isso parece ficar evidente ao longo desse trabalho, como mostram os seguintes depoimentos: Fazer parte no projeto Pequenino do Almanara é gratificante, pois consegue ensinar os alunos a desenvolverem atividades e oferecer um pouco de melhorias no seu cotidiano. Aprendi a ter uma didática, respeito mutuo, entre alunos e professores. Aprendi a ter mais desenvoltura, a ser uma educadora e praticar mesmo, como professora (Vanessa, estagiária). Marcelo, outro estagiário que também participa do projeto e que destaca o que mudou em sua visão a partir da sua participação nele: Ao fazer parte do Projeto Pequeninos do Almanara, tinha uma visão de que o projeto era formar garotos em futuros jogadores de futebol. Após a vivencia, pode perceber que o Pequeninos do Almanara era desenvolver um trabalho diferenciado, onde além de jogar futebol, o jogador é de se formar e educar como cidadão como completo. Levarei como experiência, o propósito do valor do professor de Educação Física, pois quando andamos pela comunidade, os exalunos e alguns pais de alunos questionam sobre o projeto, sobre treinos, jogos. Sinto a valorização e reconhecimento através de conversas e sei da minha importância quando um pai se dirige a mim e pergunta como anda o filho no projeto, sobre disciplina, respeito, etc. Sinto-me um verdadeiro educador, já que todos os seus companheiros também são estagiários e são valorizados como educador de crianças vulneráveis.” Outros estagiários também se referem ao Projeto com simpatia e com demonstrações de afetividade, como é o caso de Wagner que se diz feliz e comprometido por tê-lo conhecido e participado. Ele conheceu o projeto em 2010, durante minhas aulas na universidade e hoje afirma estar orgulhoso e satisfeito de fazer parte da família, pois se sentiu valorizado como pessoa, 92 como aprendiz ao participativo no estágio e como um futuro professor de Educação Física. No depoimento dos jovens beneficiários do Projeto também aparece referências positivas a ele, como o caso de Fernandes. Ele entende e verbaliza que o projeto o ajudou a sair das ruas, onde muitas vezes ficava por horas fazendo muitas ações próximas ao vandalismo, tais como apertar campainha de casas da vizinhança, empinava pipa, brigas com vizinhos e até mesmo jogar futebol, ainda que em condições perigosas, com risco de atropelamentos. Após frequentar o Projeto teve um local definido e seguro para desenvolver atividades com a supervisão de professores, comenta: Aprendi a conviver com outras pessoas, pois, eu era muito tímido e isso me fortaleceu como mais um integrante de jogadores do Pequeninos do Almanara. Felipe foi outro participante que também explicou a importância do projeto para a sua formação pessoal, dentre as quais destaca as amizades que fez: Foi uma honra ter participado do projeto e o mesmo ajudou na minha formação de caráter como pessoa e cidadão, e lá onde treino todos os sábados. Fiz muitas amizades, me senti importante no projeto e valorizo a Comissão Técnica por auxiliar na minha integridade. O Projeto tem se caracterizado como um espaço importante de formação para os alunos da universidade. Para alguns deles é o primeiro espaço e às vezes o único onde tem contato com situações educacionais concretas. Leandro é um desses alunos para quem o projeto ensinou a ser cidadão, como afirma no trecho seguinte: 93 O projeto Pequeninos do Almanara, foi praticamente o primeiro local de treinamento de futebol em minha vida e, neste espaço, aprendi a ser um cidadão, que respeita o próximo aprendeu a ter disciplina, já que o professor Adilson era rigoroso nesse aspecto”. Leandro aponta o Projeto e a minha figura de professor e amigo como inspiração para que ele pudesse ingressar no curso de Educação Física e retornar ao Projeto como estagiário, contribuindo para a formação dos outros participantes. Durante muitos anos atuei praticamente sozinho no projeto sem de outros voluntários ou entidades formais, mas a presença dos alunos da universidade no projeto permite que hoje eu atue mais como coordenador do que treinador ou captador e administrador dos recursos, além de outras funções administrativas do projeto. Hoje eu procuro oferecer liberdade aos alunos, para que eles possam usufruir a melhor maneira da sua frequência ao projeto e desenvolver atividades entre atividades teóricas e práticas, ou seja, o que eles aprendem na universidade, eles possam utilizar no projeto . Hoje em dia o projeto conta com esses colaboradores, o que além de facilitar o trabalho, permite ampliar a quantidade de atividades oferecidas. As respostas dadas ao questionário denota que a comunidade avalia o projeto como positivo e destaca como pontos positivos retirar as crianças das ruas, criar um espaço de lazer para seus membros e melhora a qualidade de vida de todos. Há também nas respostas das crianças e jovens a afirmação de que vem para participar do projeto movidos pelo sonho de se tornar jogador de futebol. Na narração dos pais também aparecem referências positivas ao Projeto como podemos perceber pelo depoimento do senhor Lindolfo, que tem dois filhos e um sobrinho formados em Educação Física e que durante muito tempo participaram do projeto. Seu depoimento confirma que o projeto goza de bom conceito na comunidade: O projeto não se preocupa somente na formação de jogadores e sim na formação das crianças como cidadãos. Nunca faltou nada para as crianças, bolas, coletes, etc. O Pequeninos do Almanara possui uma equipe fantástica de professores e vários alunos da Universidade 94 Paulista – Unip. O projeto auxiliou na introversão do meu filho e hoje o Lucas se sente mais sociável e a cada momento valoriza o projeto. As pessoas na comunidade sentem falta e sabem da importância de um projeto como esse, para ao crescimento das crianças, que hoje tem um local, com lazer e pratica do futebol com supervisão. Finalmente gostaria de destacar no projeto a possibilidade de contato com outras pessoas que ele tem representado para mim e para aqueles que dele participam na condição de colaborador ou de usuário dos serviços. Na minha visão o Projeto Pequeninos do Almanara possibilitou conhecer muitas pessoas do meio esportivo, podendo crianças e adolescentes, marcar importantes torna-lo objeto lúdico de desejo das jogos, surgindo em cada situação contatos profissionais. Isso fortalece o trabalho e cria oportunidades de estagio e atuação em clubes, academias e escolas. Vale destacar que o projeto foi tomando corpo após meu ingresso como professor na UNIP, em 2007, pois passei a ter a oportunidade de convidar os meus alunos para participarem do projeto e, desta forma, vivenciar mais ainda as aulas ministradas na universidade. Neste sentido o projeto é de suma importância por ser a base de experiências pessoal e profissional, por meio da qual tive a oportunidade de vivenciar todas as funções relacionadas ao meio esportivo e como educador social. 3.4 – O projeto e a formação do educador social referencia Como procurei demonstrar, a participação na idealização e posterior coordenação do Projeto muito contribuiu para a minha formação pessoal e profissional. Foi refletindo sobre ele que pude compreender melhor a minha trajetória de vida e as oportunidades surgidas e aproveitadas na minha carreira profissional até hoje. Essa reflexão possibilitou compreender a importância do educador social no processo de inclusão das crianças na escola e mesmo na sociedade onde vivem. O educador que deseja contribuir com uma sociedade 95 mais justa e humana não pode ficar preso apenas aos aspectos formais da educação, é fundamental que seja um profissional também preocupado com as crianças que tem a responsabilidade de educar. Neste sentido a ação do educador social assume um lugar importante também no que se refere ao cuidado com as crianças e jovens. O Projeto Pequeninos do Almanara começou a ser idealizado num domingo em janeiro de 1996, em uma conversa entre meu pai e eu, durante almoço em nossa casa. Conversamos e avaliamos se teríamos a possibilidade de formar um time de futebol no bairro onde morávamos, onde a falta de lazer e outras atividades recreativas era imensa para as outras crianças que ali residiam. Naquele momento o que nos incentivava era apenas o desejo de contribuir para que aquelas crianças não ficassem sem atividades nos finais de semana, permanecendo nas ruas em contato com pessoas de outras faixas etárias, alguns viciados em consumo de álcool e fumo, o que faria eles seguirem os mesmos passos.. Obviamente até por desconhecimento não fez parte daquela conversa conceitos como vulnerabilidade social, inclusão, educação comunitária, coisas e conceitos que aprendi a lidar posteriormente, durante as aulas do mestrado. Na ocasião o que existia era o simples e ingênuo desejo de criar um espaço sadio na nossa comunidade, onde as crianças pudessem brincar e participar sem correrem maiores riscos. Discutindo as possibilidades de apresentação de um estudo para a conclusão do mestrado, começou a ficar nítido que a experiência do Projeto poderia ser transformado em objeto de estudo e a partir daí defini o que seria importante entender sobre ele em base sistêmica, sua contribuição para a inclusão social das crianças que dele participaram e, sobretudo para a minha formação pessoal e profissional. No que diz respeito à formação profissional gerada pelo projeto, é evidente que o projeto hoje contribui para a formação de outros profissionais da Educação Física, neste caso dos meus alunos da UNIP, que hoje fazem estágio lá ou ajudam como voluntários nas variadas atividades. Assim, além de promover a inclusão social das crianças e seu desenvolvimento psíquico motriz, o projeto também contribui para a formação de educadores sensíveis para a problemática vivida pelos jovens que vivem na periferia. 96 Ao discutir a noção de inclusão Almeida (2005) aponta que ela está relacionada a diversos campos e se realiza de diversas formas e que há necessidade de criação de condições para que as crianças tenham seus direitos garantidos, pois a exclusão é algo indesejável. O trecho seguinte deixa mais clara essa minha afirmação: A noção de inclusão está relacionada com diversos campos da vida social, política, econômica e cultural. Assim, em diversos campos do conhecimento, este tema vem sendo objeto de pesquisas, debates, artigos etc. Hoje se fala em inclusão de diversos tipos: inclusão digital, inclusão social, inclusão no mercado de trabalho, no mercado de consumo, inclusão no mundo letrado, enfim, a preocupação com a inclusão está claramente manifestada. Tanta ênfase na ideia de incluir revela, por um lado, que muitos estão excluídos e, por outro, que a exclusão é algo indesejável. Apesar de toda discussão ainda não há um consenso sobre o que se está dizendo quando se usa esta palavra. Trata-se de um termo amplo, cujo significado depende muito do lugar onde se encontra aquele que fala. (Almeida, 2005, p. 61). Além de apontar a necessidade de inclusão, o autor também aponta a necessidade de definição do que se quer dizer quando fala em incluir, uma vez que este é um termo amplo e sobre o qual não há consenso. No caso do projeto em estudo pensamos a inclusão como a construção de um espaço onde as crianças e jovens do bairro possam vivenciar garantia de seus direitos e o esporte e o lazer fossem concebidos como direitos que se integra a outro direito fundamental que é o direito a saúde. O projeto também poderia se constituir em um espaço onde essas crianças pudessem conhecer outros direitos e possam lutar por eles. Esse é um entendimento que tenho agora e que começou a ser construído após aquela conversa com meu pai a quase duas décadas atrás. A mudança da minha maneira de olhar para essas questões certamente é um dos grandes ganhos do projeto. Voltando ao processo de discussão iniciada com meu pai, naquela conversa decidimos o que iríamos fazer e no dia seguinte amanheci com a 97 ideia de dialogar com os meninos. Embora na época também fosse eu uma criança como eles, também pobre e com poucas oportunidades de lazer, estava em melhores condições socioeconômicas para propor a alternativa. A primeira conversa com alguns colegas da mesma idade aconteceu em frente à casa de Renan, nosso ponto de encontro para um bate bola na rua. Participaram dessa etapa Renan, Fernando (Gordo), Robinho, Flávio, Silvinho, Mauricio, Tite, Coxana, Daniel, Delo, Buiú e Felipe. Obviamente houve interesse generalizado com a ideia, ainda que pouco houvesse mudado naquilo que já fazíamos, mas na ocasião com um ponto muito significativo: passamos a bater bola com o objetivo de formar um time, um grupo, uma pequena agremiação. Treinávamos na rua a parte técnica, os fundamentos técnicos, como passe, drible, domínio, chute além do jogo propriamente dito. Por incrível que pareça, certamente pela já bem descrita falta de alternativas na região, em poucas semanas de treino juntamos um grupo de cerca de trinta garotos. Assim que assumimos a formação de um time como objetivo os nossos treinos na rua ganharam um sentido diferente. Após a formação da equipe do Pequeninos do Almanara, meu pai me deu todo apoio, no sentido financeiro, sendo que tudo que gastava era meu pai que financiava, como bolas, coletes, uniforme de jogo, cones e rede do gol. O maior incentivo foi mesmo seu apoio moral, sempre me incentivando a desenvolver as atividades com as crianças. Nos dias de jogos meu pai se colocava a disposição com o seu carro e seu tempo disponível para o transporte de alguns integrantes. Muitas vezes o apoio logístico e financeiro ao Projeto vinha totalmente dele, ainda que nos dias de jogos oficiais, contra outras agremiações, contássemos com outros pais ou responsáveis pelos alunos que tinham carro, devido as grandes distâncias a percorrer, muitas vezes em bairros de zonas diferentes na cidade. para nos ajudar ao transporte aos locais de jogos. Nessas ocasiões tínhamos em média seis a sete carros por jogo, sendo que posteriormente contava os carros da minha irmã e meu primo Ronaldo. 98 Aqui vale lembrar Furlanetto (2003) que mostra que um professor é formado por meio de um trajeto marcado pelos encontros que realizamos e no processo de formação de um educador social certamente os encontros são de extrema relevância. No decorrer deste trabalho falei de vários encontros que muito contribuíram para o meu processo formativo, mas agora pensando na relação entre a minha formação e o desenvolvimento do Projeto relembro outro encontro também importante: o encontro com o senhor Canossa e dona Benta, funcionários da escola, que viviam lá como caseiros e com a Dona Iraci, subdiretora da escola, que abriram as portas da escola para o Projeto e propiciaram a realização daquele sonho. O Projeto se expandira de tal forma que logo tive que marcar um joguinho contra outro time, principalmente para motivar e criar um espírito de equipe para o grupo recém-constituído. Marcamos um jogo com o pessoal da Rua Ricardo Pereira Lemos. Após o jogo conseguimos agregar a nosso time Vtinho, o craque do time adversário. Um mês após esse evento, um garoto de nome Paulinho se aproximou e disse que era novo no bairro, que filho dos novos caseiros da Escola Olinda Leite Sinisgalli. Fui conhecer seus pais, o senhor Canossa e a mãe Dona “Benta”, e aproveitei para apresentar o projeto, pedindo para viabilizar a possibilidade de treinarmos na escola. A dona Iraci confirmou com a diretora Elizabete a possibilidade do acesso ás instalações desportivas da Escola. Após esse encontro e a confirmação da utilização, começamos treinar nas dependências da escola. Os treinos eram aos sábados, na parte da manhã e domingos na parte da tarde. Ficamos nesse período por volta de dois anos e posteriormente passamos a treinar somente aos sábados. Nesses anos a relação com a escola sempre foi de apoio total. Mesmo com a posterior mudança de Diretores, o Projeto sempre esteve presente na escola. Por lá passaram a dona Elizabete, a senhoras Ivete e Gislene e atualmente dona Patrícia. Sempre nos apoiaram e nos deram respaldo para que pudéssemos desenvolver as atividades com as crianças e adolescentes. 99 Em relação à escola regular e o Projeto, referindo-se aos integrantes e sua atuação nas duas atividades, nunca houve maiores problemas de contraposição, antagonismo ou indisciplina, com um reforçando a existência e persistência do outro. A didática adotada é a retirada do aluno por um ou dois jogos contra outras agremiações em casos de indisciplina na escola ou no Projeto ou resultados insatisfatórios em sua grade de notas escolares regulares. Essa regra foi adotada desde o início do projeto, ou seja, sendo a única punição adotada para os participantes do projeto, numa clara referência ao lema “bom de bola, bom de escola”. Em 2001, Silvio, ex-participante do Projeto veio me auxiliar e assim prosseguimos, infelizmente sem contar com o apoio de professores da escola. Imagino que o fato do Projeto ser gratuito, sem qualquer remuneração não provocou maior interesse dos profissionais que ali trabalhavam. O Projeto existe há dezesseis anos e não tivemos a oportunidade de contar com qualquer parceria Ainda hoje, praticamente meu pai e eu somos os financiadores do Projeto. Nesse longo período, não conseguimos ou sensibilizamos alguma instituição da rede social, embora essa situação tenha permitido desenvolvermos de forma independente e tivéssemos uma autonomia sobre os rumos do Projeto. O Projeto também tem oferecido apoio, e reforço escolar aos seus participantes, graças ao inestimável apoio de estagiários dos cursos de Letras e de Pedagogia da UNIP, que conheceram o Projeto e por ele se afeiçoaram. Contamos hoje com quatro estagiarias, sendo duas do curso de Letras e duas de Pedagogia, que desenvolvem o reforço escolar todos os sábados. Um dos fatores para que as crianças e os adolescentes permaneçam no projeto é estar matriculado em uma escola, e temos uma comissão que promove uma fiscalização semestral dos seus boletins escolares. Num período de dois anos, entre 2008 e 2009, tivemos uma pessoa responsável para rever as aulas semanais dos alunos do projeto e auxiliar em tirar as dúvidas escolares. Finalmente gostaria de destacar como aprendizado importante decorrente da minha atuação no Projeto que a competência fundamental do 100 educador social é sua a capacidade de trabalhar em colaboração com as pessoas, voluntários e instituições que também estão empenhadas na busca de alternativas. Neste sentido vale destacar a longa parceria que desenvolvo com a direção da Escola e também com os amigos, professores projeto. alunos e colegas da Universidade onde leciono e que tem colaborado com o 101 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com esta pesquisa busquei discutir a contribuição da educação comunitária para a inclusão social de crianças em situação de vulnerabilidade, tomando como objeto de estudo o Projeto Pequeninos do Almanara. Seu objetivo central foi verificar em que medida esse projeto vem se constituindo em mais um instrumento de inclusão social de moradores da periferia. O desenvolvimento da pesquisa evidenciou sua relevância para os participantes e seus familiares, voluntários, estagiários, amigos, professores e eu, que tive a oportunidade de aprender diversas funções no Projeto. Para realizar a pesquisa foi adotada uma abordagem qualitativa e como procedimento de coleta de dados recorri à análise bibliográfica e documental que foi complementada por meio da narrativa da minha trajetória de vida na qual destaquei “momentos divisores de água” Rosito (2012) ou “charneira” Josso (2004) e pude perceber sua importância no meu processo formativo e na minha interação com as várias fases do Projeto ao longo de 16 anos. A revisão de literatura possibilitou refletir sobre o modelo de escola, sobre a inclusão social e sobre a educação comunitária. Foi possível perceber, a partir dos dados coletados, que o Projeto é importante não só para a comunidade do seu entorno, mas também para aqueles que dele participam na condição de estagiários ou voluntários. Nele as pessoas fazem experiências muito importantes para sua formação pessoal e profissional. O projeto contribui também para a formação do educador social, pois além do desenvolvimento de atividades esportivas, oferece a oportunidade de dialogar sobre a prática e busca der uma reflexão positiva com crianças e jovens em situação de vulnerabilidade. Tive a oportunidade de refletir sobre a minha atuação enquanto profissional e principalmente sobre momentos de minha vida sobre os quais não havia pensado a partir de certo distanciamento. Foi possível também ver confirmada a relevância social anteriormente intuitiva, na medida em que pude sistematizar conhecimento e realizar reflexões sobre temas importantes como história de vida, educação 102 comunitária, políticas públicas para a infância e adolescência, inclusão social, entre outros de relevância para a construção de uma sociedade mais humana. Adicionalmente, o estudo possibilitou trazer para a universidade uma dessas experiências que acontecem nas periferias inóspitas das grandes metrópoles ou mesmo nas distantes regiões do território brasileiro, longe do cuidado do poder público, mas com presença essencial na vida de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. Os dados mostram que ainda hoje predomina um modelo de escola que ainda se organiza por práticas de ensino antigas, consagradas em contextos sociais bem distantes daquele que atualmente nossas crianças enfrentam. A falta de adequação entre aquilo que as crianças necessitam e o que a escola oferece tem levado muitas crianças a adotarem a rua como local de vida e, portanto, de aprendizagem e condicionamento social. A pesquisa me levou a outra questão: o problema é o que se aprende nas ruas ou não se ter um lugar no qual se possa refletir sobre esse aprendizado? A resposta a esta pergunta deve ser bem interessante e pretendo nela me debruçar em próximo trabalho acadêmico. Com relação à educação comunitária foi possível entender que se trata de um modelo de educação que busca soluções coletivas para os problemas sociais e que assumiu características diferentes dependendo dos contextos sociais e da visão da sociedade. Trata-se de um conceito ainda válido na sociedade atual quando se pretende construir alternativas sustentáveis e que alcance também pessoas que não se encontram aos projetos educacionais formais ou nos períodos que se encontram fora deles e principalmente fora do ambiente escolar. As políticas públicas mostram crescente sensibilidade, mas não o suficiente para atender as demandas em relação a essa necessidade de envolver as pessoas com atividades lúdicas e de lazer. Embora essa preocupação apareça em programas como Escola da Família e outras atividades destinadas ao atendimento, sobretudo de crianças e idosos, o corpo docente da escola parece não ter aderido plenamente a este esforço. Vale 103 ainda destacar a questão da inclusão social, que me parece a principal questão deste trabalho. O fato de estarmos propondo a inclusão evidencia que há pessoas excluídas e os dados estatísticos e mesmo a simples observação mostram que há um universo imenso de brasileiros a serem resgatados das graves e deficientes condições de vida. Com esse trabalho espero contribuir para os que são vítimas da desigualdade, eventualmente servir de exemplo e também jogar luzes para aqueles que dedicam parte do seu tempo e energias em combater a lógica perversa que rege a sociedade de consumo que gera a desigualdade. 104 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Julio Gomes. Como se faz escola aberta?São Paulo: Paulus, 2005. ATAYDE, Pedro Fernando Avalone. 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