O SÃO JOÃO DE CRUZ DAS ALMAS E SUAS IMPLICAÇÕES NA DINÂMICA URBANA Alane Pereira dos Santos Bolsista de Pesquisa do Grupo de Pesquisa Recôncavo Graduanda em Licenciatura Plena em Geografia pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB [email protected] Lucineide Pereira Santos Bolsista de Pesquisa do Grup de Pesquisa Recôncavo Graduanda em Licenciatura Plena em Geografia pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB [email protected] Miguel Cerqueira dos Santos Coordenador do Grupo de Pesquisa Recôncavo Prof. da UNEB e Doutor em Geografia pela Universidade de Coimbra [email protected] RESUMO O espaço urbano se caracteriza pelas dinâmicas associadas à realização de determinadas atividades que se espacializam na área urbana. As festas populares na contemporaneidade se manifestam como uma relevante atividade, carregada de especificidades intrínsecas ao espaço urbano. Pretende-se, nessa pesquisa, analisar e entender aspectos referentes à realização das festas juninas e suas implicações para a cidade. As atividades culturais realizadas, durante o período junino, são exemplos de eventos que ocasionam um intenso dinamismo nas relações espaciais e sociais da cidade. Nesse sentido, busca-se mostrar de forma sintética as transformações observadas em Cruz das Almas/BA, no decorrer das festas juninas. Objetiva-se com esse trabalho analisar as transformações provocadas pelas festas juninas concentradas, na cidade, refletindo sobre seus benefícios e entraves. A metodologia do trabalho consiste na realização de entrevistas com moradores, comerciantes, representantes da rede hoteleira e da secretaria de planejamento urbano, além da aplicação de questionários semiestruturados, somados à observação da festa e consulta a pesquisas bibliográficas acerca do turismo, do uso do espaço urbano e das manifestações culturais. Com base na pesquisa, foi possível perceber que as atividades culturais juninas de Cruz das Almas modificam sazonalmente a dinâmica da cidade no que tange às questões, tanto do espaço público, quanto do cotidiano das pessoas. PALAVRAS-CHAVE: Espaço Urbano, Festas Juninas, Planejamento. O SÃO JOÃO DE CRUZ DAS ALMAS E SUAS IMPLICAÇÕES NA DINÂMICA URBANA INTRODUÇÃO O espaço urbano é um local onde se estabelece inúmeras relações urbanas de caráter político, econômico, cultural, religioso e social. As relações culturais têm alcançado uma notável complexidade nos centros urbanos possibilitando dinâmicas diversas nesses espaços. O espaço geográfico em si já é complexo e o espaço urbano não o deixa de ser, por isso há a necessidade de lançar sobre ele olhares mais críticos a fim de melhor compreendê-lo. A cidade de Cruz das Almas, no Estado da Bahia, uma das maiores promotoras de evento festivo de São João, há décadas vem fomentando esse tipo de festejo na região Nordeste, atraindo turistas de diversos lugares do Brasil e do mundo. Favorecida pela repercussão midiática da festa, a cidade polariza outras cidades em termos de quantidade de pessoas que para lá se deslocam, no intuito de curtir o espetáculo da festa. O fluxo de pessoas que se direcionam para a cidade nesse período tem aumentado significativamente a cada ano, alcançando números exorbitantes. Esse fenômeno provoca uma injeção considerável de capital além de conferir uma dinâmica particular ao município. Este trabalho tende a mostrar de forma sintética as transformações observadas em Cruz das Almas, durante o período do ciclo junino no município. A cidade é reconhecida nacionalmente por realizar uma das maiores festas popular da Bahia. Sua repercussão nos recursos midiáticos revela a dimensão da festa que atrai um grande contingente populacional, chegando às vezes a duplicar o número de pessoas, causando o desconforto de uma parte da população, já que há uma disputa pelo espaço. As festividades do período junino, de modo geral, têm passado por diversas transformações no que diz respeito ao caráter histórico/cultural e na composição das letras das músicas, bem como nas formas de festejar. O forró tradicional, caracterizado pela utilização do tambor, zabumba, sanfona, etc., perde espaço para o forró eletrônico, mais moderno, com novas coreografias, novo no sentido de inserção de outros instrumentos para a realização dos festejos, e principalmente envolvido num implícito jogo econômico. Todas essas modificações representam uma fragmentação da noção simbólica do São João. Nesse sentido, os motivos pelos quais antes se festejava já não são mais os mesmos pelos quais hoje se celebra esta tradição. Esta pesquisa objetiva analisar de que forma a atividade turística sazonal influência na dinâmica espacial da cidade de Cruz das Almas – BA, observando as mudanças de organização social ocasionada por essa atividade durante o período. A atividade turística que é intensa durante o ciclo festivo movimenta a economia local e, por isso, deve-se monitorar ou mesmo questionar acerca dos investimentos nos equipamentos destinados à promoção do bem-estar da população visitante bem como da residente que, naturalmente, tende a sofrer os impactos da atividade mal planejada. Como metodologia adotada neste trabalho, foram realizadas entrevistas com moradores, comerciantes, representantes da rede hoteleira e da secretaria de planejamento urbano, assim como aplicação de questionários. Além das observações in lócus, houve a pesquisa bibliográfica acerca da temática em discussão relacionadas ao turismo, cultura e espetacularização de eventos tradicionais. Para melhor compreensão do trabalho, o mesmo foi dividido em algumas seções. Na primeira, seção descreve-se a dinâmica do espaço urbano de Cruz das Almas, detalhando a utilização do espaço urbano para a realização da festa. Na segunda etapa, foram abordadas as tendências para os festejos, considerando-se os interesses socioeconômicos envolvidos nesta questão. Na terceira e última etapa, foram discutidos os entraves e as possibilidades encontradas no processo de realização dos festejos juninos. O SÃO JOÃO, O ESPAÇO URBANO E SUAS TRANSFORMAÇÕES O município de Cruz das Almas localiza-se no Recôncavo Sul da Bahia, distando 146 km de Salvador, à margem da BR 101. De acordo com o IBGE 2010 possui 58.606 mil habitantes, com uma extensão territorial de 150. 903 Km². A comemoração do São João no espaço urbano de Cruz das Almas é, sem dúvida, um fator desencadeador de distúrbios sócios espaciais que dinamizam a vida da população local. O espaço urbano, como espaço de materialização da ação humana e as transformações ocorridas na paisagem citadina, é consequência imediata das relações econômicas, culturais, sociais e políticas que aí se estabelecem. As transformações urbanas são decorrentes do crescimento das cidades. Deste modo, “à medida que a cidade cresce ela torna-se mais complexa, porque passa a mostrar um número crescente de modificações em seu espaço” (SPÓSITO, 1996, p. 31). A complexidade do espaço urbano, advinda do seu crescimento, traz destaque para algumas atividades de natureza turística, cultural e comercial, dentre outras. Analisar o espaço da cidade, nas últimas décadas, sem um enfoque na dimensão cultural que a mesma apresenta, torna-se impossível, uma vez que a cultura está contida nas relações sociais que se configuram no espaço urbano. Nesse sentido, destaca-se a relação entre a cultura e o espaço urbano, o que de fato torna a tarefa ainda mais digna de uma reflexão crítica e muito cuidadosa. Cultura, nesse contexto, assume múltiplas conotações que revelam as contradições da sociedade contemporânea. Assim, as culturas são: mapas de significados, por meio dos quais o mundo se torna inteligível. As culturas não são simplesmente sistemas de significados e valores que temos em nossas mentes. Tornam-se concretas por intermédio de padrões de organização social. A cultura é o modo pelo qual as relações sociais de um grupo são estruturadas e modeladas: mas é também o modo como àquelas formas são vivenciadas, entendidas e interpretadas (JACKSON apud CARLOS e LEMOS, p.158, 2003). As atividades culturais realizadas na cidade de Cruz das Almas, durante o período junino, constitui-se como exemplos de eventos que provocam um intenso dinamismo nas relações sócios espaciais da cidade como um todo. Os festejos juninos que se fundamentam como principal atributo cultural citadino, acarretam e intensificam o fluxo de veículos e de pessoas, dinamizando a economia local. Cruz das Almas possui cerca de quase 60 mil habitantes e está localizada a margem de uma importante rodovia federal, no caso a BR 101, figura 1. Figura 1. Mapa de Localização de Cruz das Almas 38 0 Santonópolis Serra Preta Irará Anguera Ouriçangas BAHIA Recôncavo BR 110 101 Nova Itarana Ubaíra Jiquiriçá Santa Inês Jaguaripe BR Laje Mutuípe Valença Cravolândia A itaquara Cairu Presidente Tancredo Neves Jaguaquara Taperoá O Teolândia Lafaiete Coutinho Venceslau Guimarães Itamari Jequié 0 Cardeal da Silva Aramari Alagoinhas Feira de Santana Araçás Subauma Ipacaetá Subauma Coração de Maria Subauma Itanagra Conceição do JacuipeL Teodoro Sampaio Rafael Jambeiro Amelia Rodrigues Catu Cabaceiras do Paraguaçu Porto Sauipe Pojuca Santo Estevão São G. dos Campos BR São F. do Conde 32 Conceição Conceição da da Feira Feira 4 Santo Amaro Açu da da Torre Torre 6 São Felix Açu 11 Gov. Mangabeira Cachoeira Mata de São João Candeias BR Itatim Muritiba Saubara Cruz das Almas Dias D’ Ávila Sapeaçu Sapeaçu Madre de Deus Santa Terezinha Maragogipe Castro Alves Camaçari Conceição do Almeida Simões Filho Elísio Medrado Dom Macedo Costa Salinas da Margarida Santo Antônio de Jesus Lauro de Freitas Itaparica Muniz Ferreira Amargosa Varzedo Salvador Nazaré São Miguel das Matas Vera Cruz Aratuipe Brejões Milagres Itiruçu Itiruçu Conde Entre Rios C E A N T L Â N T IC 13 0 O O Nilo Peçanha Gandu Apuarema Nova Ibiá Piraí do Norte Ituberá 30 Km Área de estudo # Cidades Rodovias Fonte: Elaborado por Miguel Santos, com base no IBGE, 2010. As transformações ocorridas nos últimos anos, no Recôncavo Baiano, foram importantes para colocar Cruz das Almas como uma das cidades mais importantes da região. A inserção das indústrias automobilísticas, no sul do país, e a conseqüente expansão da malha rodoviária, na Bahia, motivaram nova configuração territorial. As mudanças nos sistemas de transportes de cabotagem e ferroviário, que fortaleciam o crescimento das cidades tradicionais como Cachoeira, Maragogipe e Nazaré, contribuíram para a ascensão das cidades que se encontram próximo ao entroncamento rodoviário, SANTOS (2002). Foi neste contexto, que a cidade de Cruz das Almas passou a ser um centro de atração dos componentes materiais e imateriais que estão contidos na sua paisagem. Diante disso, a aproximação entre as tradições culturais existentes na região e a demanda por uma sociedade de consumo, típica das relações socioeconômicas e culturais encontradas na modernidade, motivou a sistematização dos recursos midiáticos. Durante o período festivo, Cruz das Almas suporta mais da metade da população encontrada na própria cidade, causando uma desestruturação urbana no período correspondente à realização dos festejos. Nesse sentido, convém refletir acerca da extrema importância em se conceber um planejamento eficaz que vise a superação dos distúrbios urbanos enfrentados nesse espaço, que antes de mais nada, deve oferecer conforto para as pessoas que fazem uso deste espaço. Sendo uma ferramenta indispensável a qualquer atividade, principalmente quando o público é bem diversificado, o planejamento participativo promove a comodidade, tanto de população residente quanto da visitante. Por isso, há que se pensar num uso mais equilibrado do solo urbano com vistas à promoção do bem-estar de quem usufrui daquele equipamento ou atividade. A utilização dos espaços públicos pelas pessoas apresenta caráter muito diverso, não sendo apenas aproveitado para atividades com fins burocráticos. Desta forma, destaca-se a constante utilização dos espaços públicos para atividades de lazer e diversão sendo, portanto, notórias as transformações que esses ambientes estão submetidos, ultimamente. A promoção de eventos festivos, em um determinado local, sem dúvida pode causar agitações que alteram o funcionamento normal das atividades do cotidiano. As festas de grandes dimensões realizadas em espaços públicos provocam impactos para além do entorno, da festa desde a sonoridade excessiva até engarrafamentos e outros transtornos comuns. Isso porque, o que se constitui como lazer e diversão para uns pode resultar em problemas sérios para outros. Os impactos provocados em ambientes dentro e de fora da área residencial são inevitáveis, impedindo conflitos na realização de atividades simples e corriqueiras como, por exemplo, assistir TV, dormir e até trabalhar. Um exemplo claro que pode definir a proporção de tais distúrbios na cidade de Cruz das Almas trata-se da Guerra de Espadas, um atributo cultural, que divide opiniões na cidade. A queima das espadas é a tradição que há décadas expressa com muita propriedade a identidade cultural de muitas famílias cruz-almenses. Há alguns anos, eram tocadas em áreas rurais, e posteriormente foram transportadas para o meio urbano do município, onde passaram a acontecer pequenas batalhas localizadas. Praticamente, toda relação social que se estabelece em um local, acaba por produzir certo sentimento de “dono do espaço”. O mesmo aconteceu na cidade referida, onde a situação chegou a tal ponto que os espadeiros começaram a demarcar seu território, gerando um desconforto por parte da população que entrou em conflito direto com os espadeiros na disputa pelo espaço. Na atividade realizada em campo, pode-se perceber o incômodo de parte da população no tocante à degradação do espaço urbano (ruas, casas, monumentos) provocada pelas Guerras de Espadas, no período junino. Esse artefato vem sendo modificado ao longo do tempo, observando-se assim o aumento do poder de fogo, tornando-as mais rápidas e potentes que nas décadas passadas. Para maior potencialização do poder de fogo das espadas, faz-se a substituição do bambu por tubos de PVC, adicionando fragmentos de ferro misturado com a pólvora. Essa prática terminava por desrespeitar e ignorar acordos que eram estabelecidos em reuniões entre a gestão municipal e os espadeiros. As espadas são, sem dúvida, artefatos de grande beleza pirotécnica que traz um conjunto de luz e alegria, reforçando ainda mais o brilho das festividades do São João de Cruz das Almas. Em contrapartida, pelo fato desta prática causar acidentes, provocando queimaduras graves e numerosas mortes, que aumentam a cada ano, houve algumas tentativas de proibição por parte do poder público local que inclusive suscitaram muitas polêmicas. Considerando os diversos entraves da questão das espadas, são necessárias tomadas de decisão e fiscalização compromissadas com a organização e padronização de tamanho e forma (poder de fogo) dos instrumentos. Medidas que visem uma gestão controlada do fabrico e da queima do artefato é potencialmente importante para a minimização dos prejuízos materiais e imateriais para as pessoas envolvidas. TENDÊNCIAS DA CONTEMPORANEIDADE: ENTRAVES E POSSIBILIDADES NA REINVENÇÃO DO LAZER As festas realizadas na cidade de Cruz das Almas, no Parque Sumaúma, em sua maioria, incomodam os moradores locais. É fato que uma festividade de tal dimensão, à qual reúne anualmente mais da metade da população residente causa alterações de grande proporção nos modos de vida dos habitantes de Cruz das Almas. Pode significar também uma boa oportunidade para quem pretende lucrar com a festa, através do aumento do fluxo em bares, restaurantes, hotéis e pousadas. A importância que atividade turística sazonal tem para a cidade de Cruz das Almas requer cuidado no tocante a sua análise, pois o turismo de massa não possui apenas significados econômicos. Essa atividade exerce também impactos de origem cultural, natural e social na área receptora. É, portanto, uma atividade complexa, de importância crescente nas pequenas e médias cidades, por gerar impactos positivos e negativos, sobre as relações socioambientais. Além disso, faz-se necessário questionar quem lucra com os investimentos feitos pela gestão municipal, em prol destes festejos. Convém, também, refletir sobre as disparidades socioespaciais nas cidades que em decorrência dessa atividade poderiam ter essas questões amenizadas. Sem duvida, é uma atividade que gera renda “(cabendo, porém, indagar: para quem?)” (SOUZA, 2002, p.21). No que se refere ao turismo sazonal, do tipo que estamos analisando em Cruz das Almas, a preocupação maior diz respeito à quebra do ritmo de trabalho e das demais atividades desenvolvidas durante o ano. Algumas casas ali instaladas são alugadas aos turistas a preços exorbitantes, devido à visão privilegiada da festa. Há aqueles que transformam suas residências em bares e restaurantes, durante o ciclo festivo. As festas de grande escala podem causar desequilíbrios nas áreas que estão ao entorno dos espetáculos. Por isso, há uma proposta de realocação da festa do Bairro Sumaúma para outro local. No entanto, para que ocorra esta mudança, é necessário que haja uma discussão pautada num planejamento, visando a atender as necessidades da população como um todo. Há questionamentos como: para onde transferir? Além dos fatores de ordem econômica e cultural, envolvendo uma eventual realocação da festa. É importante lembrar que apesar da Praça do Parque Sumaúma possuir características como ruas largas e interligadas ao restante da cidade, é notório que a mesma não comporta a quantidade de foliões que participam do evento. Todavia, qualquer proposição de intervenção na Praça do Parque Sumaúma e seu entorno deverá levar em consideração a quantidade de pessoas em relação à quantidade de equipamentos. Um dos locais previstos para a transferência da festa é a Praça Municipal. No entanto, essa medida acarretaria um grande embate com os espadeiros, pois segundo eles, originaria um processo de desterritorialização e desrespeito de uma tradição centenária, que divide opiniões. Há estudos sobre a viabilidade da transferência da festa para locais como o Centro de Ciências Agrárias, Ambientais e Biológicas, Campus da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB e na Avenida Alberto Passos, na entrada da cidade, próximo ao bairro Coplam. Entretanto, essas áreas são distantes do centro e esse distanciamento poderia ser um ponto de partida para um processo de descaracterização, podendo assim comprometer a dinâmica de crescimento da festa. As características das festas, na contemporaneidade, tem se modificado bastante. As atrações de peso midiático atraem milhares de pessoas em arena particular e em outros exemplos modernos de festas juninas. Elas buscam esses tipos de festas pela comodidade, segurança e pela própria organização, que é uma tendência nos novos tempos. É perceptível, então, que está acontecendo uma reinvenção do lazer festivo urbano das festas juninas. Um exemplo dessa modalidade de festa em Cruz das Almas se trata do Forró do Bosque, onde os foliões juninos buscam um tipo de festa que se possa associar o ambiente rural com as facilidades e o conforto urbano de uma forma emoldurada num cenário de espetacularização e apreciação de elementos da natureza. As mudanças são notórias na organização dos festejos, nas formas de dançar, nas letras das músicas e nos instrumentos utilizados. Aos poucos, o forró tradicional com triângulo, zabumba e sanfona está sendo substituído pelo forró eletrônico, mais diversificado, em suas letras, e com forte apelo ao consumo e à sexualidade. Esse fenômeno é caracterizado pela fragmentação e adaptação da cultura popular à necessidade do público alvo. Nessa perspectiva, Yázigi (1999) aponta a sensibilidade dos espaços às mudanças que mesmo tentando permanecerem conservadas não estão isentas das mudanças sutis. O autor ainda reforça o argumento declarando a capacidade que os espaços possuem de conhecerem múltiplos usos em pouco tempo. Assim, convém afirmar que se os próprios espaços não se imunizam às transformações, que diremos então das manifestações culturais? Essa é uma tendência nata do ser humano e de tudo que a ele se refere. A visão de Corrêa (1995) é muito propositiva nesse aspecto, quando se refere à abordagem da simultaneidade da fragmentação e articulação do espaço urbano. Assim, o espaço urbano é “um reflexo tanto de ações que se realizam no presente como também daquelas que se realizavam no passado e que deixaram suas marcas impressas nas formas espaciais do presente” (CORRÊA, 1995, p.8). As feições do espaço urbano serão consequências das ações humanas, por isso nossas ações devem ser impactantes o mínimo possível. Para tanto, o planejamento das ações a serem executadas necessitam ser muito bem sistematizadas. Os gestores públicos, em concordância com a população citadina, devem gerir o espaço urbano fomentado as atividades que mais se destacam como o turismo e comércio, com muita inteligência e responsabilidade social. Outro fato importante a ser observado refere-se ao aproveitamento das festas de arenas particulares como estratégia de marketing urbano e político, para divulgar a imagem da cidade. Nesse sentido destaca-se: Os gestores públicos de Cruz das Almas, desde os anos 1990, entendem que as festas juninas espetacularizadas na área urbana se constituem em um evento cultural impulsionador de uma eventual atividade turística local, apesar dessa política cultural não ser unanimidade entre os moradores do município (CASTRO, p.117, 2009). A intenção do planejamento da festa é que o turista ou visitante crie um laço afetivo, através da observação das potencialidades locais, de modo que sintam-se a vontade para retornar à cidade, não apenas para vivenciarem as festas juninas como também para terem uma participação ativa no que se refere à realização de compras e utilização de serviços prestados no local. CONSIDERAÇÕES A interpretação cuidadosa e contextualizada acerca do panorama urbano interrelacionando as manifestações culturais de determinados grupos, garante a necessidade de uma análise espacial. A festividade junina, em Cruz das Almas, implica em modificações socioespaciais que, em muito, desorganizam o cotidiano dos moradores locais. É fato que a festa movimenta grande parte da economia da cidade tendo em vista a comercialização de bens e serviços oferecidos. Por isso mesmo, deve-se enfatizar a necessidade de um planejamento urbano e turístico que contemplem tanto os anseios da população residente quanto da visitante. Observa-se, então, que as festas juninas na contemporaneidade vêm passando por um processo de descaracterização crescente, perdendo seu caráter celebrativo. As festividades tomaram novos rumos, adequando-se ás necessidades da população visitante que apresenta novos anseios de diversão, realçando a necessidade de adaptação da festa ao público alvo. A atividade turística, que é intensa durante o período festivo, demanda a disponibilização de equipamentos públicos e infraestrutura que contemple o desejo de diversão dos visitantes bem como a perspectiva da população residente. A festa movimenta boa parte da economia, apesar dos transtornos causados pelas espadas, pelo fluxo de pessoas e de veículos. A preservação dos bens móveis e imóveis e da vida dos transeuntes deve ser uma das prioridades, nas questões que envolvem o planejamento. Assim, a conciliação entre a vida, a preservação da paisagem urbana e manutenção da tradição é extremamente importante e possível mediante uma gestão planejada, envolvendo os diferentes setores da sociedade cruz-almense. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CASTRO, Jânio Roque Barros de. Dinâmica territorial das festas juninas na área urbana de Amargosa, Cachoeira e Cruz das Almas - BA: espetacularização, especificidades e reinvenções. Santo Antônio de Jesus, 2009. CASTRO, Jânio Roque Barros de. A proposição do conceito de centralidade cultural e a promoção de eventos festivos como estratégia de turistificação de pequenas cidades: reflexões a partir de alguns estudos de caso. Cidades médias e pequenas: teorias, conceitos e estudos de caso. /Diva Maria Ferlin Lopes, Wendel Henrique (organizadores). – Salvador: SEI, 2010. CORRÊA, Roberto Lobato. “Cultura e cidade: uma breve introdução ao tema”. In: Ana Fani, Alessandri Carlos e Amália Inês Geraiges Lemos (orgs.). Dilemas urbanos: novas abordagens sobre a cidade. São Paulo: Contexto, 2003. RODRIGUES, Adyr Balastreri (Org.) Turismo e desenvolvimento local. 3ª ed. São Paulo: Hucitec, 2002. RUSCHMANN, Doris Van de Meene. Turismo e planejamento sustentável: A proteção do meio ambiente. Campinas, SP: Papirus, 1997. SANTOS, Miguel Cerqueira dos. O dinamismo urbano e suas implicações regionais: o exemplo de Santo Antônio de Jesus/BA. Salvador, UNEB, 2002. SOUZA, Marcelo José Lopes de. Como pode o desenvolvimento contribuir para o desenvolvimento local? In: Turismo e desenvolvimento local. Adyr Balastreri Rodrigues (org). 3ª ed. São Paulo: Hucitec, 2002. SPÓSITO, Eliseu Savério. A vida nas cidades. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 1996. YÁZIGI, Eduardo, CARLOS, Ana Fani Alessandri, CRUZ, Rita de Cássia Ariza da. Turismo: Espaço e paisagem e cultura. 2. ed. 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