INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA – INPA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOLOGIA TROPICAL E RECURSOS NATURAIS DO CONVÊNIO INPA/UFAM Modelagem do desmatamento no noroeste mato-grossense DANIEL ASSUMPÇÃO COSTA FERREIRA Manaus, Amazonas Junho, 2006 INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA – INPA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOLOGIA TROPICAL E RECURSOS NATURAIS DO CONVÊNIO INPA/UFAM Modelagem do desmatamento no noroeste mato-grossense DANIEL ASSUMPÇÃO COSTA FERREIRA ORIENTADOR : ARNALDO CARNEIRO FILHO Co-orientador : Britaldo Soares Filho Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Biologia Tropical de Recursos Naturais do convênio INPA/UFAM, como parte dos requisitos para obtenção do título de mestre em Ciência de Florestas Tropicais. Manaus, Amazonas Junho, 2006 i F383m Ferreira, Daniel Assumpção Costa Modelagem do desmatamento no noroeste mato-grossense / Daniel Assumpção Costa Ferreira. -- Manaus : INPA/UFAM, 2006. 109f. : il. Dissertação(mestrado)-- INPA/UFAM, Manaus, 2006. Orientador (a): Dr. Arnaldo Carneiro Filho Co-Orientador: Dr. Britaldo Soares Filho Área de concentração : Ciência de Floretas Tropicais 1. Modelagem. 2. Desmatamento - Mato-Grosso. 3. Modelo dinâmica. I. Título. CDD 19ª 333.75 Sinopse: Foi feita uma análise da dinâmica do desmatamento no norte mato-grossense, apontando os principais vetores do desmatamento e suas interações. Também foram modelados diferentes cenários da cobertura florestal no noroeste mato-grossense, para o ano de 2020, de acordo com tendências passadas, correntes e ao rigor da lei. Palavras chaves: modelagem espacial, mudança de uso e cobertura da terra, Amazônia, Colniza. KeyWords: spatial modelling, land use and land cover change, Amazon, Colniza. ii Às minhas avós, Alice e Bilu, DEDICO iii Agradecimentos Aos meus pais, Celso e Rosarita, sem os quais não teria chegado onde estou. A educação, o amor e o respeito que sempre tive por parte deles foram essenciais às minhas conquistas pessoais e profissionais. Ao Dr. Arnaldo Carneiro Filho, agradeço a orientação, a amizade e o apoio intelectual e emocional nestes dois anos dedicados ao mestrado. Os torós intelectuais em sua casa me fizeram enxergar muito além de um pixel. A todos meus amigos do CFT: Danival, Allan, Liana, Pauleto, Paty, Dalva, André, Levy e Giuliano, pelos momentos de descontração e pelas risadas cotidianas. Ao meu camarada e amigo Ralph, que me indicou o caminho certo do mestrado e me fez enxergar a ciência com outros olhos. Muito da perseverança necessária à investigação científica aprendi com ele. Ao Santiago Palácios, pessoa sincera, companheira e de bom coração. Ao meu amigo de boteco, meu companheiro de viagem, meu tutor de modelagem e comparsa de noites a fio no SIGLAB digo: MUITO OBRIGADO. À Raquel Medeiros, pelo companheirismo e apoio no primeiro ano em Manaus. Ao meu co-orientador, Dr Britaldo Soares-Filho, que foi parte fundamental no meu processo de aprendizagem sobre modelos espaciais, e que me deu todo o apoio logístico necessário ao desenvolvimento do meu trabalho. Ao pessoal do CSR, em especial ao Hermann e Eliana, pela paciência eterna e pela prontidão em me ensinar os caminhos misteriosos do DINAMICA. Aos meus amigos viçosenses, Jegue e Montanha, que vieram para somar em 2005 e fizeram a minha vida um tanto mais festiva em Manaus. A FAPEAM pela bolsa de mestrado, e ao curso de Ciência de Florestas Tropicais do INPA, pela formação acadêmica e por apoiar financeiramente parte deste trabalho. Ao Greenpeace, pelo financiamento da excursão de campo. A todo o pessoal do SIGLAB, e em especial ao Jorge, Juju e Sílvia, por terem me acolhido nestes dois anos de mestrado e me dado todo o apoio necessário ao andamento da dissertação. iv Ao Edwin Keizer, pela amizade e ensinamentos valiosos no mundo do geoprocessamento. Pessoa correta e bastante solícita, um holandês porreta. À minha irmã Raquel, pelos telefonemas intermináveis e reconfortantes feitos da longínqua Austrália Às minhas avós, Alice e Bilu, que faleceram no decorrer deste mestrado, mas sempre estarão na minha lembrança. v Resumo A Amazônia é o maior bioma de floresta tropical do mundo, contendo a maior porção remanescente de floresta tropical e um quinto da água fresca do mundo. Em termos ambientais, 700.000 km2, ou 17% da cobertura florestal da Amazônia brasileira foram desmatados até 2005. A maior parte deste desmatamento esta concentrada no “arco do desmatamento”, região que abrange a porção sul e sudeste do Pará, todo o norte matogrossense e a região central de Rondônia. Dentre estes estados o Mato Grosso merece atenção especial; nos últimos 10 anos o estado foi responsável por no mínimo 35% do desmatamento registrado anualmente pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. No ano de 2004 este patamar elevou-se para 48%. Se historicamente a pecuária de corte é tida como o principal indutor do desmatamento, ocupando hoje aproximadamente 75 % da área total desmatada na Amazônia, no Mato Grosso a expansão dos campos de soja tem ganhado importância neste cenário. O aumento considerável das taxas de desmatamento no estado no período 20002004 coincide com a chegada da soja no bioma Amazônico. Embora esta cultura venha se estabelecendo primordialmente em áreas de pastagem, ela obriga a pecuária a se deslocar para regiões de fronteira à procura de novas áreas a serem abertas. Em vista do exposto acima este trabalho teve como objetivo caracterizar a atual dinâmica do desmatamento no Mato Grosso e fazer projeções futuras sobre a configuração espacial dos remanescentes florestais na região de estudo. Para realizar tais projeções utilizamos um modelo espacialmente explícito baseado em autômatos celulares denominado DINAMICA. Através do DINAMICA simulamos três cenários distintos em duas escalas de abordagem: (1) todo o centro norte e noroeste mato-grossense, (2) o município de Colniza-MT. Nas duas escalas de abordagem os cenários modelados foram: (1) usual - baseado na taxa anual de desmatamento registrada no período 2000-2004, (2) intermediário - baseado na taxa de desmatamento registrada entre 2004-2005, onde houve uma redução de aproximadamente 50% na taxa de desmatamento, (3) otimista - baseado em vi parte do Código Florestal brasileiro que estabelece reserva legal de 80% em propriedades de sobre domínio florestal, entretanto para escala regional este percentual foi reduzido a 50% pelo fato de que 32% das florestas já haviam sido desmatadas no ano de 2004. Na escala regional, dentre os 3 cenários modelados para o ano de 2020, somente o cenário otimista manteria a matriz de estudo predominantemente florestal com uma razoável conexão entre os fragmentos florestais. Caso mantivermos as taxas de desmatamento observadas nos cenários usual e intermediário, chegaremos ao ano de 2020 com respectivamente 69,3% e 55% da área total desmatada, ficando os remanescentes florestais limitados às unidades de conservação, terras indígenas e ao extremo noroeste do estado. As projeções feitas isoladamente para Colniza mostram embora o município ainda tenha mais de 90% de suas terras cobertas por floresta, o ritmo atual de desmatamento reduziria este patamar até 2020 para aproximadamente 70% e que o respeito à reserva legal de 80% seria de grande valia para a manutenção da qualidade ambiental do município. vii Abstract The Amazon has the largest tropical rain forest in the world, containing the largest proportion of natural forest and one fifth of the world´s fresh water sources. Approximately 700.000 km2, or 17% of the Brazilian part of the Amazon, had been already deforested by 2005. Most of this deforestation is concentrated at the “deforestation arc “, region that comprised the southern and southwestern parties of the state of Pará, the northern part of the state of Mato-Grosso and the central part of the state of Rondônia. Among these states, Mato Grosso deserves special attention, because over the last 10 years, this state was responsible for at least 35% of the deforestation reported annually by the Brazilian National Institute of Spatial Research (INPE - PRODES). In 2004 this level rose to 48%. Although, historically, livestock was considered to be the main vector of deforestation, occupying approximately 75% of the total deforested area in the Amazon today, in the state of Mato-Gosso the expansion of soybean cultivation has recently gained importance. The considerable rise of the deforestation rates in this state, between 2000 and 2004, coincide with the entrance of the soybean crop in the Amazon biome. Although this crop is mainly grown in former pasture areas, it forces the livestock production to shift to new frontier areas and clear pristine forest. Considering the facts above, the aim of this study was to analyze the present spatiotemporal dynamics of the deforestation in Mato-Grosso state and to predict the spatial configuration of the residual forest up to the year 2020. For the simulation of scenarios we used a spatial explicit model, called DINAMICA, based on cellular automata. We simulated 3 distinct scenarios at two different spatial scales: (1) the central north and northwest region of Mato Grosso state, (2) Colniza -MT county. At both scales the simulated scenarios were: (1) Business as usual – based on the annual deforestation rate reported for the period 2000 - 2004, (2) intermediary – based on the deforestation rate registered between 2004-2005, when the deforestation rate decreased by approximately 50%, and (3) optimistic – based on the Brazilian Forest Code that requires maintenanced viii the legal reserve status in 80% of private properties under forest. However, on a regional scale this percentage was reduced to a more realistic level of 50%, because 32% of the forest over these areas had been already deforested by 2004. On a regional scale, among the 3 simulated scenarios up to 2020, only the optimistic scenario would maintain a forest matrix with reasonable connectivity among the forest fragments. If we maintain the deforestation rates observed in the usual and intermediary scenarios, in 2020 we will have respectively 69.3% and 55% of the total area deforested with the residual forest being limited to the protected areas and some portions on the extreme northwest of the region. With the projections made for Colniza- MT county, of the 90% forest cover in 2004, deforestation at the present rate will reduce this amount to approximately 70% in 2020. If actually implemented, the 80% legal reserve policy imposed by the Brazillian Forest Code will be of great value for maintain future quality of life, including ecological, social and economic values in this county. 1 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Tipos de cobertura da terra associados ao uso da terra ........................................ 14 Tabela 2 - Dados de propriedades rurais licenciadas pela FEMA no centro-norte e noroeste do Mato - Grosso. Fonte: FEMA, 2005.............................................................................. 43 Tabela 3 - Dados de propriedades rurais licenciadas pela FEMA em Colniza. Fonte:FEMA, 2005. ...................................................................................................................................... 53 Tabela 4 - Índices de paisagem utilizados para quantificar a configuração espacial das manchas de desmatamento nos cenários obtidos para a paisagem do noroeste matogrossense e Colniza. ............................................................................................................. 66 Tabela 5 - Lista das cidades, localidades e atores sociais entrevistados na excursão a campo.................................................................................................................................... 97 2 LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Traçado percorrido na excursão ao centro-norte e nordeste mato-grossense. .... 22 Figura 2 - Estradas oficiais e endógenas do Mato - Grosso. .................................................... 28 Figura 3 - Relação entre o tamanho do rebanho bovino no Mato-Grosso (IBGE, 2005) e a área desmatada no período de 1990 a 2003 (INPE, 2004)................................................ 30 Figura 4 - Área plantada (milhares de hectares) com soja no Brasil e Mato-Grosso entre 1990 e 2004. Em 2001 o MT possuía 3,12 milhões de hectares plantados, passando a 5,27 milhões em 2004. Fonte: IBGE, 2005......................................................................... 33 Figura 5 - Espacialização municipal do rebanho bovino e da área plantada com soja em 2003. Os municípios campeões em área plantada com soja (região central do Estado) possuem baixo rebanho bovino. Fonte: IBGE, 2005. ....................................................... 34 Figura 6 - Fluxograma de desenvolvimento e aplicação de um modelo de simulação. Fonte: Soares-Filho, 2003................................................................................................................ 39 Figura 7 - Mapa da América do Sul com noroeste do MT em vermelho e área de estudo ampliada. .............................................................................................................................. 43 Figura 8 - Influência da variável declividade, medida através de seu peso de evidência (W+), na espacialização do desmatamento................................................................................... 44 Figura 9 - Influência da distância aos distritos , medida através de seu peso de evidência (W+), na espacialização do desmatamento........................................................................ 45 Figura 10 - Influência da distância a sedes municipais , medida através de seu peso de evidência (W+), na espacialização do desmatamento....................................................... 46 Figura 11 - Influência da distância a frigoríficos, medida através de seu peso de evidência (W+), na espacialização do desmatamento........................................................................ 46 Figura 12 - Influência da distância a estradas, medida através de seu peso de evidência (W+), na espacialização do desmatamento........................................................................ 47 Figura 13 - Influência da distância a pólos madeireiros , medida através de seu peso de evidência (W+), na espacialização do desmatamento....................................................... 48 Figura 14 - Influência dos assentamentos do INCRA , medida através de seu peso de evidência (W+), na espacialização do desmatamento....................................................... 49 3 Figura 15 - Influência do tipo de solo, medida através de seu peso de evidência (W+), na espacialização do desmatamento........................................................................................ 49 Figura 16 - Influência da distância as áreas já desmatadas , medida através de seu peso de evidência (W+), na espacialização do desmatamento....................................................... 50 Figura 17 - Influência das diferentes categorias de Unidades de Conservação, medida através de seu peso de evidência (W+), na contenção do desmatamento. ...................... 51 Figura 18 - Influência Terras Indígenas, medida através de seu peso de evidência (W+), na contenção do desmatamento............................................................................................... 51 Figura 19 - Mapa político do Mato Grosso com Colniza destacado em vermelho e ampliado, indicando a área de estudo.................................................................................................. 53 Figura 20 - Influência da distância a sede municipal de Colniza, medida através de seu peso de evidência (W+), na espacialização do desmatamento.................................................. 54 Figura 21 - Influência das diferentes categorias de Unidade de Conservação, Assentamentos do INCRA e Terras Indígenas, medidas através de seus pesos de evidência (W+), na contenção e espacialização do desmatamento. ................................................................. 55 Figura 22 - Influência dos diferentes tipos de solos, da distância às estradas e as áreas já desmatadas, medidas através de seus pesos de evidência (W+), na contenção e espacialização do desmatamento........................................................................................ 56 Figura 23 - Gráfico ilustrando o modo como opera o módulo de saturação global do DINAMICA.......................................................................................................................... 59 Figura 24 - Região centro-norte e noroeste mato-grossense. As classes de cobertura da terra se referem ao ano de 2004 . ................................................................................................. 59 Figura 25 - Município de Colniza. As classes de cobertura da terra se referem ao ano de 2004. ...................................................................................................................................... 61 Figura 26 - Seis situações em que os mapas da esquerda e da direita são comparados, considerando fuzziness de locação. (Fonte: Hagen, 2000). .............................................. 63 Figura 27 - Cenário usual da região noroeste mato-grossense modelado para 2020. .......... 69 Figura 28 - Cenário intermediário da região noroeste mato-grossense modelado para 2020. ...................................................................................................................................... 71 Figura 29 - Cenário otimista da região noroeste mato-grossense modelado para 2020........ 72 Figura 30 - Porcentagem da área total de estudo desmatada de 2005 a 2020........................ 73 Figura 31 - Porcentagem da paisagem coberta pela maior mancha (LPI) de desmatamento frente aos diferentes cenários modelados de 2005 a 2020. ............................................... 73 4 Figura 32 - Tamanho médio das manchas (AREA_AM) de desmatamento frente aos diferentes cenários modelados de 2005 a 2020.................................................................. 73 Figura 33 - Número de manchas de desmatamento (NP) frente aos diferentes cenários modelados de 2005 a 2020................................................................................................... 74 Figura 34 - Índice de agregação (AI) frente aos diferentes cenários modelados de 2005 a 2020. ...................................................................................................................................... 74 Figura 35 - Índice de complexidade das manchas de desmatamento (SHAPE_AM) frente aos diferentes cenários modelados de 2005 a 2020. .......................................................... 74 Figura 36 - Cenário usual de Colniza-MT modelado para 2020............................................. 77 Figura 37 - Cenário intermediário de Colniza-MT modelado para 2020. ............................. 78 Figura 38 - Cenário otimista de Colniza-MT modelado para 2020. ....................................... 79 Figura 39 - Porcentagem da área total de Colniza desmatada de 2005 a 2020...................... 80 Figura 40 - Porcentagem da paisagem de Colniza ocupada pela maior mancha de desmatamento (LPI) frente aos diferentes cenários modelados de 2005 a 2020........... 80 Figura 41 - Tamanho médio das manchas (AREA_AM) de desmatamento em Colniza frente aos diferentes cenários modelados de 2005 a 2020. .......................................................... 80 Figura 42 - Número de manchas de desmatamento (NP) em Colniza frente aos diferentes cenários modelados de 2005 a 2020.................................................................................... 81 Figura 43 - Índice de complexidade das manchas de desmatamento (SHAPE_AM) em Colniza frente aos diferentes cenários modelados de 2005 a 2020.................................. 81 Figura 44 - Índice de agregação (AI) em Colniza frente aos diferentes cenários modelados de 2005 a 2020. ..................................................................................................................... 81 5 SUMÁRIO 1. Introdução .................................................................................................................................. 7 2. Objetivos..................................................................................................................................... 9 2.1Geral ....................................................................................................................................... 9 2.2 Específicos........................................................................................................................... 10 3. Justificativa .............................................................................................................................. 11 4. Revisão Bibliográfica............................................................................................................... 11 4.1 Ecologia da Paisagem.......................................................................................................... 11 4.2 Definições de terra, cobertura da terra e uso da terra .......................................................... 13 4.3 Definições de mudança da cobertura e uso da terra ............................................................ 14 4.4 Fatores biofísicos e sócio-econômicos determinantes na mudança do uso da terra............ 15 4.5 Implicações ambientais e sócio-econômicas da mudança de uso e cobertura da terra........ 17 4.6 Conceituação e propósitos dos modelos de mudança de uso e cobertura da terra .............. 18 4.6.1 Modelos estatístico - empíricos .................................................................................... 19 4.6.2 Modelos estocásticos .................................................................................................... 19 4.6.3 Modelos de otimização................................................................................................. 20 4.6.4 Modelos de simulação dinâmica .................................................................................. 20 5. Contextualização da área de estudo – a ocupação e a atual dinâmica do desmatamento 22 5.1 Histórico da ocupação do centro-norte do Mato Grosso ..................................................... 23 5.2 As estradas e o desmatamento ............................................................................................. 25 5.3 A pecuária no contexto mato-grossense .............................................................................. 29 5.4 O boom da soja .................................................................................................................... 32 5.5 A exploração madeireira...................................................................................................... 35 6 6. Material e Métodos.................................................................................................................. 36 6.1 Concepção e estrutura de um modelo de simulação da paisagem....................................... 37 6.2 Autômatos celulares ............................................................................................................ 40 6.3 O Software DINAMICA...................................................................................................... 41 6.4 Dados de entrada nos modelos e análise dos pesos de evidência........................................ 42 6.4.1 Centro-norte e noroeste mato-grossense....................................................................... 42 6.4.2 O município de Colniza................................................................................................ 52 6.5 Cenários modelados............................................................................................................. 57 6.5.1 Centro-norte e noroeste mato-grossense....................................................................... 57 6.5.2 O município de Colniza................................................................................................ 60 6.6 Calibração e validação do modelo....................................................................................... 62 7. Resultados e Discussão dos Cenários..................................................................................... 64 7.1 Noroeste mato-grossense..................................................................................................... 67 7.2 O município de Colniza....................................................................................................... 77 8. Conclusão ................................................................................................................................. 84 9. Referência Bibliográfica ......................................................................................................... 86 Anexo ............................................................................................................................................ 96 7 1. Introdução A Amazônia é o maior bioma de floresta tropical do mundo, contendo a maior porção remanescente de floresta tropical e um quinto da água fresca mundial. A Amazônia Legal cobre 60% do território brasileiro e possui uma população de aproximadamente 21 milhões de habitantes (IBGE, 2001), em torno de 12% da população brasileira. Do total da sua cobertura florestal , 700.000,00 km2, aproximadamente 17%, foram desmatados até 2005 (INPE, 2005). A Amazônia Brasileira enfrenta uma série de desafios. Dentre eles, podemos destacar: a falta de consenso sobre políticas regionais de desenvolvimento; uma série de questões de desenvolvimento e incertezas; a grande dimensão física da região, especialmente relevante para os serviços sociais (educação e saúde), infra-estrutura e transporte; direitos de propriedade incertos e conflitos recorrentes no uso de terra; expansão pouco controlada da pecuária e agricultura; urbanização rápida e baixa qualidade de vida nas cidades; dificuldades para controlar desmatamento e queimadas. Dentro deste contexto, o Estado do Mato Grosso merece atenção especial. O Mato Grosso vem liderando, há anos, o ranking do desmatamento na Amazônia Legal e, somente no ano de 2003, contribuiu com 43% do total desmatado na região (INPE, 2005). Com parte do território situado no “arco do desflorestamento”, zona de intensa expansão das atividades agrícola, os impactos negativos dessa mudança drástica na estrutura da paisagem, onde milhares de hectares de floresta vêm sendo indiscriminadamente convertidos em pastagens e campos agrícolas, com destaque para a cultura de soja, já são sentidos pelos moradores. A recente expansão do plantio mecanizado de grãos na região amazônica já está assumindo uma posição de destaque na dinâmica do desmatamento. De 2001 para 2003, a área agrícola de soja no Estado do Mato Grosso aumentou cerca de 11.000 km2, quando a produção atingiu a cifra histórica de 13 milhões de toneladas. A maioria do plantio está em áreas de cerrado, ameaçando esse ecossistema reconhecidamente rico em biodiversidade. Em áreas de floresta amazônica, o plantio de soja tem se concentrado preferencialmente nas áreas de pastagem, reduzindo os custos de implantação dessa monocultura. Entretanto, a ocupação de áreas de pastagem está deslocando a pecuária para novas áreas de floresta, o que representa um estímulo indireto ao desmatamento (Alencar et al., 2004). 8 O avanço da soja na Amazônia, especialmente no Mato Grosso, foi impulsionado pelo aumento da demanda externa, principalmente dos países asiáticos, pela valorização do dólar, por investimentos em infra-estrutura de transporte, pela existência de grandes áreas aptas para a agricultura mecanizada e pela introdução de novas variedades de soja que toleram as condições climáticas locais. A expansão da soja e da agroindústria de grãos de modo geral deve ser encarada sob o princípio da precaução. Ainda há sérias dúvidas quanto à sustentabilidade, a longo prazo, de grandes plantios no bioma Amazônia. O possível abandono dessas áreas, se for comprovada a sua incompatibilidade no futuro, pode causar um desastre econômico e ambiental para a região (Alencar et al., 2004). Entre os danos ambientais decorrentes desse avanço significativo da agricultura mecanizada de grãos e pecuária de caráter extensivo podemos citar: o assoreamento de rios, contaminação de mananciais e degradação do solo. Há muito tempo, esses danos vêm sendo relatados pelos índios que vivem no Parque Indígena do Xingu (PIX), cortado de norte a sul pelo rio Xingu, que possui a quase totalidade de seus afluentes situados nas regiões de intensa expansão das atividades agrícolas acima mencionadas e que lhe são externas ao parque. Outro impacto difícil de mensurar é a perda de biodiversidade. O Mato Grosso é um estado privilegiado no que diz respeito à diversidade de ecossistemas. A sudoeste, ele confina parte das cabeceiras do pantanal, a maior planície inundável do mundo; a sua porção central está sob o domínio do cerrado, e, ao norte, ele integra a floresta Amazônica. Na transição entre o cerrado e a floresta forma-se uma ecotone reconhecidamente de alta biodiversidade. Como tal ecótone coincide com a zona de expansão da fronteira agrícola, no conhecido arco do desmatamento, corre-se o risco de, dentro de poucos anos, extinguir-se uma região ainda pouco estudada. Diante desse quadro, é preciso que o governo e a sociedade civil comecem a questionar o modelo de desenvolvimento agrícola e econômico conduzido na Amazônia brasileira, com destaque especial para o centro-norte e noroeste mato-grossenses. A modelagem computacional da dinâmica de uso da terra pode ser uma ferramenta útil para desvendar a complexa relação entre fatores sócio-econômicos e biofísicos que influenciam os padrões de mudança de cobertura da terra e para estimar os impactos dessas mudanças (Verburg et al., no prelo). A modelagem de dinâmica de uso da terra, especialmente se feita de modo espacialmente explícito, integrado e em múltiplas escalas, é uma importante técnica de projeção de caminhos 9 alternativos de desenvolvimento agrário. Os modelos permitem conduzir experimentos que testam nossa compreensão de processos chave de mudança de cobertura da terra (Lambin et al., 2000; VeldKamp & Lambin, 2001). Neste estudo, foi utilizado um modelo de simulação de paisagem baseado em autômatos celulares, denominado DINAMICA. Esse modelo, desenvolvido por uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais, já foi utilizado em: 1) avaliação da fragmentação da paisagem florestal em função da arquitetura de projetos de colonização; 2) desenho de corredores de conservação; 3) replicação de padrões e processos de difusão; e 4) dinâmica urbana de mudança no uso do solo (Soares-Filho et al., 2002, 2004). Através do DINAMICA faremos projeções futuras da estrutura espacial dos remanescentes florestais ao noroeste e centro-norte mato-grossense, e do município de ColnizaMT. Espera-se que este estudo sirva de suporte às diretrizes de desenvolvimento regional, apontando possíveis conseqüências de ações mal planejadas e indicando áreas onde as políticas públicas devem se concentrar para minimizar os impactos negativos da ação humana, já bastante evidentes na região. 2. Objetivos 2.1Geral Caracterizar a dinâmica de ocupação da região centro-norte e noroeste mato-grossense, investigando as suas causas subjacentes e analisando a influência de determinantes espaciais nos padrões de desmatamento, para modelar o impacto futuro de cenários de desmatamento na fragmentação da paisagem. 10 2.2 Específicos Uma vez caracterizada a dinâmica do desmatamento regional e mapeados os fatores biofísicos responsáveis pela mudança, pretende-se modelar distintos cenários futuros da situação espacial dos remanescentes florestais que compõem as paisagens em estudo. PAISAGEM 1 A primeira paisagem a ser modelada será toda a região que abrange o centro-norte e noroeste mato-grossense. Serão modelados, ano a ano, até 2020, três cenários distintos: - Cenário usual: baseado na série histórica do desmatamento ocorrido entre 2000-2004 e com avanço das estradas endógenas; - Cenário intermediário: baseado nas séries históricas do desmatamento ocorrido entre 2004-2005 e com avanço das estradas endógenas; - Cenário otimista: contenção drástica do desmatamento, reduzido a taxas inferiores 0,5% ao ano e com a implementação das unidades de conservação propostas pelo zoneamento ecológico-econômico do Estado. PAISAGEM 2 A segunda paisagem a ser modelada será o município de Colniza, no extremo noroeste mato-grossense. Os cenários escolhidos para Colniza, também modelados até 2020, são: - Cenário usual: baseado na série histórica do desmatamento ocorrido entre 2000-2004 e com avanço das estradas endógenas; - Cenário intermediário: baseado nas séries históricas do desmatamento ocorrido entre 2004-2005 e com avanço das estradas endógenas; - Cenário otimista: baseado nas séries históricas do desmatamento ocorrido entre 20042005, com avanço das estradas endógenas, respeitando a legislação federal, que estabelece 80% de reserva legal para propriedades sob domínio florestal, e com implementação das unidades de conservação propostas pelo zoneamento ecológico-econômico do Estado. Após o término das simulações realizadas nas duas escalas, será efetivado o estudo da fragmentação florestal nos distintos cenários, através da leitura de algumas métricas da paisagem geradas pelo software Fragstats (McGarical & Marks, 1995). 11 3. Justificativa Ao longo da última década, uma ampla variedade de modelos de mudança de cobertura e uso de terra foram desenvolvidos para suprir parte das demandas existentes na gestão do espaço territorial e para averiguar e projetar o papel dessa mudança no funcionamento de sistema terrestre. O exercício de modelagem gera informações que contribuem para subsidiar o planejamento regional de áreas em estudo, indicando os principais fatores e agentes condicionantes da transformação da paisagem e localizando as áreas de maior impacto ambiental em que as políticas públicas devem prioritariamente se concentrar. Através do exercício de modelagem aqui proposto, pretende-se mostrar que a região noroeste do Estado do Mato Grosso pode ter um futuro ambientalmente catastrófico se continuar a seguir os padrões passados e ainda correntes de ocupação territorial. Mas o simples cumprimento da lei também pode levar essa região a um caminho inverso, em que o desenvolvimento econômico-social não esteja atrelado à degradação ambiental. 4. Revisão Bibliográfica Como o objetivo principal deste estudo é traçar cenários futuros da estrutura espacial dos fragmentos florestais que compõem a paisagem na região centro-norte e noroeste mato-grossense, foi feito uma revisão de conceitos em ecologia de paisagem, terra, cobertura e uso da terra, de modo a contextualizar nosso objeto de estudo. 4.1 Ecologia da Paisagem A primeira ocorrência da palavra “paisagem” na literatura é observada no “Livro dos Salmos”, escrito por volta de 1000 A C, em que o termo paisagem é usado em referência à bela vista que se tinha da cidade de Jerusalém (Metzger, 2001). O dicionário Aurélio (1986) define paisagem como “o espaço do terreno que se abrange com um lance de vista”. Embora exista uma variedade enorme de conceitos em paisagem, geólogos, geógrafos, ecólogos e pintores a definem dentro de contextos diferentes. Tais conceitos trazem a noção de paisagem como sendo um espaço aberto de inter-relação do homem com o ambiente que o cerca. A paisagem é sempre 12 vista de um lugar distante, sempre como plano de fundo e interpretada a partir de quem a observa (Metzger, 2001). No meio científico, a palavra paisagem foi descrita pela primeira vez no início do século XIX por um geo-botânico, Alexandre Humbolt, no sentido de característica total de uma área geográfica. Já o termo ecologia de paisagem foi descrito, pela primeira vez, pelo geógrafo alemão Carl Troll (Troll, 1939 apud Soares-Filho, 1998). A ecologia da paisagem pode ser contextualizada a partir de duas visões distintas: uma geográfica e outra ecológica. A visão geográfica foi impulsionada por Carl Troll e pesquisadores essencialmente geógrafos, fortemente influenciados pela geografia humana, fito-sociologia, biogeografia e disciplinas relacionadas com o planejamento regional. Pode ser resumida como sendo a “entidade visual e espacial total do espaço ocupado pelo homem” (Troll, 1971). Essa visão sempre enfoca a influência do homem na modificação da paisagem e gestão do território. Já a visão ecológica da paisagem nasceu na década de 80, impulsionada por ecólogos e biogeógrafos americanos, e sofreu forte influência da ecologia de ecossistemas e da modelagem e análise espacial. A visão ecológica da paisagem enfatiza mais a conservação, a proteção e o manejo de ambientes naturais. Nas palavras de Forman & Godron (1986), a ecologia de paisagem pode ser definida como o estudo da estrutura, função e dinâmica de áreas heterogêneas compostas por agrupamento de ecossistemas que se repetem de forma similar no espaço. Dentro da mesma linha, Risser et al. (1984) definem ecologia de paisagem como sendo uma área de conhecimento que considera o desenvolvimento e a dinâmica da heterogeneidade espacial, as interações e trocas espaciais e temporais entre paisagens heterogêneas, a influência dessa heterogeneidade nos processos bióticos e abióticos e o seu manejo. Em resumo, existem duas vertentes em ecologia de paisagem: uma mais geográfica e outra mais ecológica e analítica. As duas vertentes têm sido pesquisadas por diferentes cientistas, mas há mais tendência no sentido de sua convergência do que de sua separação. O fato é que a estrutura, o funcionamento e a dinâmica de uma paisagem são resultado de uma conjunção de fatores físicos, biológicos, sócio-econômicos, culturais e políticos, que expõem o caráter multidisciplinar da teoria, desenvolvimento e aplicação científica da ecologia de paisagem (Wu & Hoobs, 2002). A proposta da ecologia da paisagem é fornecer a base científica para o adequado uso dos recursos naturais, planejamento territorial, biologia da conservação e outras questões relativas ao manejo do meio ambiente. Segundo Wu & Hoobs (2002), a sua 13 principal meta é compreender a relação de reciprocidade entre padrões espaciais no arranjo da paisagem e processos ecológicos. Para o presente trabalho, a ecologia da paisagem foi a base teórica para o estudo da fragmentação florestal decorrente das atividades humanas que impulsionam a mudança da cobertura da terra; expansão de manchas urbanas e campos agrícolas, atividade madeireira, abertura de estradas endógenas e projetos de assentamento agrícola. 4.2 Definições de terra, cobertura da terra e uso da terra A exemplo do termo “ecologia de paisagem”, existem vários conceitos que definem a terra, sua cobertura e seu uso. Abaixo é apresentada uma revisão desses termos, enfocando as definições comumente empregadas. Segundo Briassoulis (2000), terra é o espaço onde as atividades humanas são conduzidas, mas também o recurso necessário para a condução dessas atividades. Ainda, terra é um espaço delineado da superfície terrestre, abrangendo todos os atributos da biosfera imediatamente acima ou abaixo desse espaço, incluindo o clima próximo à superfície, o solo e a forma do terreno, a hidrologia (inclusive lagos, rios, brejos e pântanos), a camada de sedimentos próxima à superfície mais a reserva de água do solo associada, as populações de plantas e animais, os padrões de ocupação humana e os resultados físicos da ação humana passada e presente (FAO 1995). Segundo Hoover & Giarratani (1984, 1999), em primeiro lugar e acima de tudo, “terra” denota espaço. Em adição, pode-se qualificá-la de acordo com alguns atributos, tais como topografia, estrutura, qualidades agrícolas e minerais, clima, disponibilidade de ar puro, privacidade e aparência estética. Embora haja certa similaridade nessas diversas definições de terra, esses conceitos diferem quanto à prioridade dada aos atributos que a caracterizam. A ciência natural (FAO, 1995) enfatiza e prioriza as características naturais da terra, enquanto a ciência social, especialmente a econômica (Hoover & Giarratani 1984, 1999), a trata como um elemento do espaço e se refere mais abstratamente às suas características naturais. Em relação à cobertura e uso da terra, estamos tratando de termos distintos. A compreensão desses conceitos é de fundamental importância para aqueles que trabalham com a modelagem da sua dinâmica de uso e cobertura. 14 Cobertura da terra é o estado biofísico da superfície terrestre (Turner et al., 1995). Isto é, a “cobertura da terra” descreve os atributos naturais e/ou construídos pela ação do homem, que cobrem determinada área: campos agrícolas, floresta, montanha, lagos, etc. Uso da terra envolve tanto a maneira como os atributos biofísicos da terra são utilizados como a intenção por trás dessa manipulação – o propósito pelo qual a terra é utilizada (Turner et al., 1995; Lambin, 2004). De acordo com FAO (1995), o “uso da terra” abrange a função ou o propósito a partir do qual ela é usada pela população humana local e pode ser definida pelas atividades humanas a ela diretamente relacionadas, que usam seus recursos e sobre eles exercem impacto. A tabela 1 elucida a distinção entre “cobertura da terra” e “uso da terra”. Tabela 1 - Tipos de cobertura da terra associados ao uso da terra Tipos de Cobertura da terra Tipos de uso da terra Floresta Recreação, Extração madeira, Floresta natural, Uso misto - recreação e extração madeira. Campo de gramínea Área Natural, Pastagem, Recreação. Campo agrícola Culturas anuais, Culturas perenes, Turismo recreativo. Área construída Vilarejo, Ruínas, Cidade Grande, Indústria, Área comercial ou residencial. Fonte: Briassoulis, 2000. 4.3 Definições de mudança da cobertura e uso da terra Na análise de mudança na cobertura e uso da terra é necessário conceituar o significado da palavra mudança. No nível elementar, mudança da cobertura significa alterações quantitativas do atributo biofísico que cobre determinada área. É importante notar que a detecção e a mensuração da mudança dependem da escala espacial da análise: quanto maior for o detalhamento na escala espacial, maior serão as mudanças observáveis na cobertura e uso do solo (Briassoulis, 2000). Contudo, tanto para o uso da terra quanto para sua cobertura, o significado e a contextualização de “mudança” são mais amplos. A literatura distingue dois tipos de mudança: conversão e modificação (Turner et al., 1995). Conversão da cobertura da terra envolve a 15 mudança completa de um estado para outro. O mesmo acontece para o uso da terra. Já modificação da cobertura envolve alterações da sua estrutura e função sem acarretar mudança completa de um estado para outro. De maneira similar, a modificação do uso da terra pode significar aumento da intensidade de uso, assim como alterações de suas características e atributos; por exemplo, a transformação de uma área residencial em área comercial, ou de uma floresta periférica de uma cidade em área florestal de recreação. 4.4 Fatores biofísicos e sócio-econômicos determinantes na mudança do uso da terra Os fatores responsáveis pela mudança podem ser divididos em quatro grupos: (a) fatores que afetam a demanda pela terra, como, por exemplo, aumento da população e de seu poder aquisitivo; (b) fatores que controlam a intensidade de exploração da terra: através da tecnologia; (c) fatores relacionados ao acesso e ao controle dos recursos naturais: políticas econômicas; (d) fatores que criam os incentivos motivadores das decisões individuais: estrutura política, atitudes e valores (Turner et al., 1995). Identificar as causas das mudanças de uso da terra requer entender como esses diferentes fatores interagem dentro de um determinado contexto ambiental, social e histórico, de maneira a conduzir a diferentes usos (Turner et al., 1995). Para o caso da área de estudo em questão, situada numa região cuja fisionomia vegetal predominante é a da floresta tropical, será dada ênfase aos fatores subjacentes às mudanças de uso do solo. É muito comum associar o desmatamento das florestas tropicais ao aumento desenfreado da população e da pobreza. Embora não possamos negar que exista essa correlação, estudos mais minuciosos, conduzidos por Angelsen & Kaimowitz (1998) e Geist & Lambin (2001), mostram que o aumento da população não é a única nem mesmo a maior causa do processo. Segundo Lambin et al. (2001) , fatores como crescimento econômico, políticas públicas, incentivos institucionais e forças do mercado global tornaram-se as grandes forças motrizes do desmatamento. Geist & Lambin (2002) conduziram um amplo estudo sobre o desflorestamento nas regiões tropicais e identificaram os principais fatores causais e proximais da mudança no uso da terra. Na literatura sobre desmatamento (Lambin,1994; Kaimowitz & Angelsen ,1998), os fatores proximais são definidos como as atividades e ações humanas imediatas que afetam diretamente a mudança do uso da terra, como, por exemplo, expansão agrícola planejada, que tem um impacto 16 direto sobre a cobertura florestal. Já fatores causais são fundamentalmente os processos sociais, como dinâmica populacional ou políticas agrícolas, que estão por detrás dos fatores proximais, mas também agem localmente ou exercem impacto indireto no nível nacional ou global. Nos estudos de Geist & Lambin (2002), as variáveis proximais formam três grupos: expansão agrícola (pastagens, culturas permanentes, agricultura itinerante e assentamentos rurais), exploração de madeira (comercial, uso doméstico, lenha e carvão vegetal) e expansão da infra-estrutura (transporte, mercado, rede de água e luz, mineradoras, hidroelétricas, etc.). Já as forças causais formam cinco grupos: fatores demográficos (densidade populacional, crescimento populacional, ciclo de vida e migração), fatores econômicos (urbanização e industrialização, crescimento do mercado e preço de mercadoria), fatores tecnológicos (mudança agro-técnico, tecnologia de aproveitamento de madeira, meios de produção agrícola), políticas públicas e fatores institucionais (direitos à propriedade privada, políticas de governo, corrupção e má administração) e fatores culturais (comportamento individual, crença, valores e atitude pública). Outros fatores determinantes do desflorestamento nas regiões tropicais são as características biofísicas intrínsecas da região, tais como: características da terra (topografia, qualidade do solo, tipo de vegetação, disponibilidade de água, etc.) e freqüência de eventos naturais severos (secas, inundações, pestes, geada, etc). Esses fatores nunca atuam sozinhos, mas sempre correlacionados às demais variáveis acima citadas. Ainda, de acordo com Fearnside (2001), o desflorestamento na floresta tropical Amazônica está intimamente ligado à posse da terra. Esse meio é comumente utilizado por grileiros, que invadem terras públicas, desmatam grandes extensões de terra, e depois reivindicam, frente aos órgãos governamentais competentes, a regularização fundiária da terra desmatada. Existe, portanto, uma enorme variedade de fatores causais e proximais acarretando o desflorestamento e a conseqüente mudança do uso da terra nas florestas tropicais. Raros são os casos em que um fator é o único responsável por essas mudanças. De modo geral, a mudança da cobertura da terra está associada a uma combinação de fatores causais, proximais e biofísicos, que atuam em proporções e maneiras diferentes em distintas regiões geográficas e contextos histórico-culturais. A total compreensão da interação entre esses fatores depende de um estudo aprofundado na área de interesse e a modelagem é uma das ferramentas disponíveis para tentar aproximar desta realidade. 17 4.5 Implicações ambientais e sócio-econômicas da mudança de uso e cobertura da terra A velocidade, magnitude e o alcance espacial da ação humana sobre a superfície da Terra atingiram patamares jamais observados e as mudanças na sua cobertura e uso estão entre as mais importantes (Lambin et al., 1999). Essas mudanças se difundem por todo o globo e somados seus efeitos, certamente já modificaram aspectos chaves do funcionamento do planeta (Lambin et al., 2001) . A perda da biodiversidade tem como principal responsável as mudanças do uso da terra (Vitousek et al., 1997; Sala et al., 2000). Estima-se que a expansão de campos agrícolas, desde 1850, suprimiu 6 milhões de km2 de florestas e 4,7 milhões de km2 de savanas e campos naturais (Lambin et al., 2001). Mas os efeitos da mudança da cobertura e uso da terra não se restringem à perda da biodiversidade local. Ultrapassam o limite da área modificada. A alteração do uso da terra contribui para a alteração do clima em escala local, regional e global. Estima-se que cerca de 20% das emissões mundiais de CO2 e de outros gases estufa, como o metano (CH4) e óxido nitroso (N2O), ainda mais deletérios ao efeito estufa, são liberados em decorrência de alterações no uso da terra (Vitousek et al., 1997). De acordo com Fearnside (2003), esses gases são liberados pelo desmatamento através da queima e decomposição da biomassa, pelos solos, pela exploração madeireira, pelas hidroelétricas, pelo gado e pelas queimadas recorrentes de pastagens e de capoeiras. Outras mudanças climáticas incluem menor quantidade de chuvas. A floresta tem um papel fundamental na ciclagem d’água, aproximadamente a metade sendo atribuída à água reciclada pelas árvores (Fearnside, 2003). A transformação de grandes áreas de floresta tropical em pastagens pode ter efeitos importantes em ciclagem de água e precipitação regionais. Considerando que a evapotranspiração é proporcional à área foliar, a quantidade de água reciclada pela floresta é muito maior que a quantidade reciclada pela pastagem, especialmente na estação da seca, quando aquela seca e a floresta continua verde. Isso é agravado pelo maior escoamento e menor infiltração de água em solo sob pastagem (Fearnside, 2003). Ainda, numa escala regional, cita-se a eutrofização de corpos d’água, a acidificação de ecossistemas terrestre e aquáticos, a desertificação e o surgimento de áreas degradadas, a poluição de lençóis freáticos, a poluição marinha e costeira e muitas outras alterações ambientais como decorrentes direta ou indiretamente de mudanças do uso da terra (Briassoulis, 2000). 18 Mas as decorrências sócio-econômicas dessa mudança não são tão evidentes quanto as ambientais. Elas estão sujeitas a fatores mais complexos, menos visíveis e menos verificáveis que as primeiras. No entanto, os fatores ambientais e socioeconômicos estão intimamente ligados, numa complexa relação de causa-efeito. Podemos exemplificar isso quando analisamos as raízes de problemas sócio-econômicos, como segurança alimentar e escassez no suprimento de água, que, muitas vezes, surgem em decorrência da diminuição de terra agricultável e disponibilidade de água de uma região sob processo de erosão, desertificação, industrialização, urbanização e, acima de tudo, manejo inadequado de recursos naturais. Em todas essas circunstâncias, o mal uso da terra tem um importante papel (Briassoulis, 2000). Nesse diagnóstico, as implicações ambientais da mudança da cobertura e uso da terra se fazem sentir em diferentes escalas de tempo e espaço, numa complexa relação de causa-efeito. Uma mudança do uso da terra que, inicialmente, pareça estar afetando apenas o ecossistema e a população local pode, num espaço de tempo maior, causar perturbações a populações e ecossistemas à milhas de distância. Mas é importante ressaltar que essa mudança nem sempre tem impacto negativo sobre o ambiente que nos cerca. A capacidade do homem de restaurar terras degradadas, criar e fazer cumprir políticas sociais e ambientais reguladoras da ocupação territorial, mitigar impactos de suas ações sobre o meio-ambiente é inquestionável. Portanto, é imperativo que o homem comece a planejar e a manejar o uso da terra de maneira que seus impactos decorrentes tomem uma direção diferente da que está em curso na atualidade. 4.6 Conceituação e propósitos dos modelos de mudança de uso e cobertura da terra Um modelo é a abstração de uma realidade complexa de maneira simplificada e adequada ao propósito da modelagem. O melhor modelo é aquele que alcança o melhor realismo (medido, objetivamente, através da comparação dos produtos do modelo com o observado no mundo real) com parâmetros simples e sem muita complexidade (Mulligan & Wainwright, 2004). Modelos de simulação de mudança da paisagem servem para: investigar a interação entre processos naturais, analisar estratégias de manejo do meio-ambiente (Baker, 1989); dar suporte às análises das causas e conseqüências da dinâmica de uso da terra, ajudando a compreender a complexa teia de fatores sócio-econômicos e biofísicos que influenciam a taxa e os padrões da mudança (Verburg et al., no prelo ; Lambin et al., 2000; Veldkamp & Lambin, 2001). Podem 19 ainda assegurar proteção ambiental, desde que sejamos cautelosos e sensatos na hora de usarmos os seus resultados (Oreskes et al., 1994). De acordo com Lambin (1994, 1997, 2004), os modelos de mudança de uso da terra devem procurar responder a pelo menos uma das seguintes questões: • Quais variáveis sócio-econômicas e biofísicas mais contribuem para a mudança de uso da terra em determinada região? E como elas contribuem? • Em quais áreas a mudança ocorrerá? • Em que taxa ocorrerão tais mudanças de uso e cobertura da terra? De maneira simples, um modelo deve estar direcionado a responder “por que”, “onde” e “quando” tais modificações do uso ocorrerão. De acordo com Lambin (2000), existem quatro amplas categorias de modelos que podem ser usados para responder a essas diferentes questões: modelo estatístico-empírico, modelo estocástico, modelo de otimização e modelo de simulação dinâmica (baseado em processos). 4.6.1 Modelos estatístico - empíricos Modelos estatístico-empíricos tentam identificar as causas da mudança de cobertura da terra usando a análise multivariada das possíveis variáveis exógenas para, empiricamente, derivar as taxas de mudança. Técnicas de regressões lineares múltiplas são geralmente utilizadas para esse propósito. No entanto, se for verificada significância estatística entre duas variáveis, isso não confere causalidade entre elas e esses modelos são capazes de predizer padrões de mudança de uso de solo quando foram previamente calibrados e armazenados em um banco de dados, ou seja, em regiões onde os padrões de ocupação e uso são desconhecidos o modelo não se aplica (Lambin, 1997). Modelos de regressão são fundamentalmente ferramentas exploratórias para testar se determinada variável causal tem alguma relação com a mudança de uso da terra na região de estudo. Eles contribuem para identificar o “porquê” da mudança. Porém, não são confiáveis para predições e são intrinsecamente não espaciais (Lambin, 2004). 4.6.2 Modelos estocásticos Modelos estocásticos para mudança de uso da terra consistem principalmente de modelos de probabilidade de transição, estocasticamente definidos (a exemplo das cadeias de Markov), 20 que se movem por determinados estados numa seqüência de passos. Em mudança de uso da terra, os estados do sistema são definidos como o montante de terra coberto pelos diferentes tipos de uso. As probabilidades de transição são estatisticamente estimadas através da amostragem das mudanças ocorridas em determinado espaço de tempo (Lambin et al., 2000). As principais vantagens do uso de modelos estocásticos, citando o exemplo das cadeias de Markov, são a sua simplicidade operacional e matemática aliadas à facilidade com que podem ser aplicados a dados provenientes de sensoriamento remoto e implementados em GIS (Pedrosa & Câmara, 2002). As principais limitações dessas cadeias de Markov incluem o fato de o modelo não explicar o “porquê” e ser limitado à resposta espacial “onde”. Entretanto, pode fazer predições de “quanto e quando”, desde que os processos sejam estacionários (Pedrosa & Câmara, 2002). 4.6.3 Modelos de otimização Em economia, muitos modelos de mudança de uso da terra aplicam técnicas de otimização baseados ou na análise da propriedade em estudo, através de programação linear em uma escala microeconômica, ou em modelos de equilíbrio geral, em uma escala macroeconômica (Kaimowitz & Angelsen, 1998). Muitos desses modelos originaram-se da teoria de rentabilidade do uso da terra de von Thunen ( 1966 apud Lambin et al., 2000), para a qual, qualquer pedaço de terra, dados os seus atributos e localização, é modelada como se estivesse sendo usada de maneira a garantir maior rentabilidade. Consequentemente, mudanças de uso da terra são dirigidas principalmente pela rentabilidade de seus diferentes usos em uma determinada região. A rentabilidade é determinada pela demanda de mercado em centros consumidores, custos de transporte e produção e o quanto são perecíveis os alimentos produzidos. 4.6.4 Modelos de simulação dinâmica Padrões de mudança do uso da terra no tempo e espaço são produzidos pela interação entre processos biofísicos e sócio-econômicos. Modelos de simulação dinâmica foram desenvolvidos para imitar o desenvolvimento desses processos e seguir sua evolução (Lambin, 1997). Modelos de simulação enfatizam a interação entre os componentes que formam um sistema. Condensam e agregam complexos ecossistemas em um número reduzido de diferentes 21 equações. Sua formulação requer um entendimento a priori das forças que direcionam as mudanças no sistema (Lambin et al., 2000). O poder de um modelo de simulação depende: da integração entre as variáveis que estão afetando a mudança de cobertura de terra, da representatividade das relações funcionais entre os fatores de mudança, ou ainda da capacidade do modelo de predizer o maior impacto ecológico e econômico dela decorrente. Modelos de simulação permitem uma rápida exploração dos prováveis efeitos da continuidade das práticas de mudança de uso da terra ou de cenários decorrentes em alguns desses parâmetros. Nessa categoria de modelos, os mais conhecidos são os de simulação de dinâmica de ecossistemas e os de simulação de dinâmica espacial. Os modelos de simulação de dinâmica espacial baseiam-se em modelos de ecossistemas com extensões para acomodar a heterogeneidade espacial e processos humanos de tomada de decisão (Pedrosa & Câmara, 2002). 22 5. Contextualização da área de estudo – a ocupação e a atual dinâmica do desmatamento Para alcançar o primeiro objetivo deste trabalho, para além da revisão bibliográfica, foram abordadas questões relativas ao histórico de ocupação da região centro-norte mato-grossense, analisadas as atuais forças motrizes do desmatamento regional e realizada uma excursão de 40 dias à porção centro-norte e nordeste do Estado (figura 1). Figura 1 - Traçado percorrido na excursão ao centro-norte e nordeste mato-grossense. Dentro deste período de 40 dias, foram entrevistados diversos atores sociais que, de certa forma, estavam (e estão) envolvidos no processo de desmatamento, boa parte impulsionando e alguns lutando contra a expansão da fronteira agrícola. Foram os atores: prefeitos, presidentes de sindicatos madeireiros, pecuaristas, trabalhadores e produtores rurais, fazendeiros de pequena, média e grande propriedade, secretários de agricultura, ONG´s ligadas à área ambiental, assentados em projetos de reforma agrária e funcionários dos órgãos públicos FEMA ( Fundação Estadual do Meio Ambiente do Estado do Mato Grosso) e IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio 23 Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Em anexo (Tabela I) segue a lista de todas as cidades e localidades visitadas e atores sociais entrevistados. 5.1 Histórico da ocupação do centro-norte do Mato Grosso A história de ocupação do centro-norte do Brasil que importa a este trabalho começou na década de 40, no governo Vargas. Conhecida como "Marcha para o Oeste", a política oficial de ocupação do Centro-Oeste e Amazônia pelo Estado brasileiro contou com uma primeira expedição à região do Araguaia, a "Expedição Roncador-Xingu", que estabeleceu um conjunto de postos de contato com os povos indígenas, através do então SPI - Serviço de Proteção ao Índio (Oliveira, 2005). Entretanto, coube à Fundação Brasil Central, entidade governamental que depois se transformou em SUDECO - Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste, a tarefa de organizar o processo de ocupação de toda a região. A partir de 1945, particularmente, a região do Araguaia passou a ser mais ocupada por camponeses posseiros, migrantes de Minas Gerais, Goiás, e de estados nordestinos. Em geral, seguindo os rios, foram se instalando em suas margens, fazendo surgir povoados, chamados patrimônios. Com a chegada dos grandes fazendeiros do centro-sul, a partir da década de 60, e com as políticas públicas da SUDAM Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia, a região se tornou um "barril de pólvora", com a presença de inúmeros conflitos entre índios, posseiros e grileiros de terras. Até então, a porção central do Estado de Mato Grosso e o oeste do Pará eram territórios exclusivos dos povos indígenas (Oliveira, 2005). A criação da SUDAM constituiu o eixo principal da política do Estado brasileiro para a região Amazônica. Esse órgão governamental tinha como principais objetivos: a adoção de uma política de incentivos fiscais e créditos, visando a atração de capitais nacionais e internacionais; concentração dos investimentos em áreas selecionadas; definição de espaços econômicos suscetíveis ao desenvolvimento planejado. Foi assim, através da SUDAM, que grandes grupos econômicos investiram em projetos agropecuários na Amazônia. O PIN – Programa de Integração Nacional foi outro programa governamental a alimentar as políticas territoriais do Estado na Amazônia. Com o lançamento do PIN, o governo deu início à construção das rodovias Transamazônica e Cuiabá-Santarém (BR-163), esta última inaugurada em 20 de outubro de 1976 pelo presidente Geisel. Nessa mesma época o governo militar criou o 24 INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, com a finalidade de promover e coordenar a reforma agrária, o cooperativismo e a eletrificação rural (Shaefer,1985 apud SoaresFilho,1998). A região centro-norte do Estado do Mato Grosso formou-se como uma região caracterizada pela presença de grandes projetos agropecuários, por áreas de posseiros regularizadas ou não pelo INCRA, por projetos privados de colonização e pela presença expressiva de terras indígenas. É uma área de influência da rodovia BR163. Nela se impuseram a lógica da articulação entre as empresas de colonização particulares e os colonos, de um lado, e, do outro, a expansão das empresas agropecuárias. Na transversal, em articulação com os dois processos, a expansão da atividade madeireira. Mas foi a lógica da colonização que se impôs como determinante histórica. A expansão recente da cultura da soja trouxe um novo componente para a parte sul da região, mas não alterou a lógica anterior, só aduziu uma nova mercadoria mundial (Oliveira, 2005). Assim, o processo histórico da ocupação dessa imensa área coberta pela floresta Amazônica ao norte e pelo cerrado ao sul contém as marcas dos extensos desmatamentos feitos pelos projetos agropecuários financiados com os incentivos fiscais concedidos pela SUDAM. Estes apresentaram, em relação à vasta destruição do ecossistema, baixos resultados econômicos, que aliaram pouca rentabilidade e produtividade das atividades agropecuárias implantadas. Trouxeram também para a região o aprofundamento da concentração fundiária. Há também inúmeros enclaves de posseiros que praticam a agricultura familiar em áreas de posses, gerando conflitos pela terra, às vezes com a intervenção do governo, para regularizálas. As áreas dos projetos de colonização implantados por empresas privadas e/ou cooperativas de colonização estão ocupadas também por uma agricultura familiar que tem se mostrado pouco rentável. Desde o início da ocupação na década de 40, que passou depois pelos grandes projetos agropecuários da década de 60 e 70, os projetos de colonização pública e privada da década de 80 e a chegada do agronegócio a partir de 90, pouco se fez para uma gestão responsável dos recursos naturais, em especial das florestas. O que se vê ainda hoje é um total descaso do governo e de boa parte da sociedade quanto a importância destes recursos, que vêm sendo sistematicamente pilhados há 60 anos. 25 Nas seções que se seguem será feito um apanhado geral sobre o papel das estradas oficiais e não oficiais, das madeireiras e do agronegócio na dinâmica atual do desmatamento regional. 5.2 As estradas e o desmatamento BR-163 Desde sua inauguração, em 20 de outubro de 1976, a BR-163 sempre foi vista como um corredor de integração entre boa parte da Amazônia Legal e o Centro-Oeste brasileiro. Na visão dos militares e empresariado daquela época, a rodovia levaria o desenvolvimento econômico e social a uma região esquecida do território brasileiro. Com a abertura da estrada, a vasta região seria ocupada e incorporada à cadeia de produção agrícola e mineral, justamente setores onde possivelmente ocorreriam futuras crises de abastecimento em um mundo cada vez mais povoado e carecedor de bens essenciais. Já se pensava em converter o porto fluvial de Santarém em grande centro exportador, criando, por meio da estrada, um complexo corredor de transporte voltado para o mercado fora de nossas fronteiras. O fato é que a BR-163 serviu de eixo primordial ao desenvolvimento do Mato-Grosso e cidades como Alta Floresta, Nova Mutum, Lucas do Rio verde, Guarantã do Norte, Sorriso, Sinop, para citar as mais importantes, surgiram às suas margens. Mas dos objetivos iniciais almejados pelos militares e empresários daquela época, à exceção da efetiva ocupação da porção mato-grossense da BR, poucos foram realmente alcançados. O que se viu nos anos seguintes à construção da estrada foi o de praxe, em se tratando de projetos de governo na Amazônia brasileira: grilagem de terras públicas decorrentes da especulção imobiliária às margens da rodovia, aumento vertiginoso do desmatamento, conflitos recorrentes pela posse da terra e ausência total do poder público na gestão territorial da nova fronteira. Da extensão total da rodovia Cuiabá-Santarém (1.765 km), apenas o trecho mato-grossense compreendido entre Cuiabá e Guarantã do Norte (714 km) e parte do trecho paraense entre Santarém e Rurópolis (98 km) foram pavimentados, enquanto a maior parte da estrada permaneceu sem pavimentação. Passadas três décadas desde a inauguração da rodovia, o governo, respondendo à demanda da sociedade civil e principalmente do setor agrícola, resolveu reabrir a discussão a respeito da pavimentação de todos os 1765 km da rodovia, que se encontram em condições muito precárias de tráfego, especialmente o trecho nunca pavimentado no Pará. A percepção das vantagens de 26 escoar a crescente produção agrícola do norte de Mato Grosso através dos portos de Miritituba (planejado para ser construído próximo à Itaituba) ou Santarém (porto da Cargill) tornou o asfaltamento da BR-163 uma obra estratégica para o desenvolvimento regional. Espera-se uma expressiva redução nos custos de transporte da safra agrícola através dessa via, em comparação com as principais rotas atualmente utilizadas, ou seja, os portos de Itacoatiara (Hidrovia Madeira – AM), Paranaguá (PR) e Santos (SP) (Brasil, 2004). Em conversa com o atual prefeito de Lucas de Rio Verde, Marino José Franz, ele se disse decepcionado com o governo Lula. Nas suas palavras: “...falta trator de esteira ao Lula. O presidente tem de ser mais arrojado. Se ficar ouvindo Deus e o mundo, esta rodovia nunca será asfaltada. Se ele autorizasse, nós, prefeitos dos municípios mato-grossenses cortados pela BR163, já teríamos asfaltado esta estrada há anos”. O ponto de vista do prefeito é defendido por todos aqueles ligados ao agronegócio e por alguns movimentos sociais, na expectativa de que a obra dinamize a economia local de municípios com graves problemas sociais, escassez de emprego, serviços sociais precários e infra-estrutura incipiente. Acontece que, como a presença do Estado ainda é primária na região, o mais provável de acontecer é um aumento substancial na área desmatada às margens da rodovia, principalmente no trecho paraense, e um aumento das estradas endógenas, a exemplo do acontecido no asfaltamento da BR-364, que liga Cuiabá a Porto Velho (Fearnside, 1986, 2005). Em decorrência disso, espera-se um aumento da grilagem de terras públicas e de conflitos pela posse da terra. Soares-Filho et al. (2004) simularam os efeitos da pavimentação da BR-163 na redução da cobertura florestal na área de influência da rodovia em dois cenários: com ou sem “governança”. Por “governança” entende-se a presença efetiva do Estado através de mecanismos de controle de acesso a terra e aos meios sustentáveis de produção, acesso à educação e saúde. Os autores previam uma redução de 60% na área desmatada, caso o Estado se fizesse presente. Como relatado, a história do norte do Mato-Grosso nos últimos 60 anos se confunde com a da BR-163. Ela foi e continua sendo a espinha dorsal do Estado, por onde grande parte da produção agrícola, mineral e madeireira é escoada na direção norte-sul. De 2000 para cá, existe enorme pressão do setor agroindustrial para que a produção tome a rota inversa, sul-norte, por motivos essencialmente econômicos. A julgar pelo passado, o seu asfaltamento tem tudo para se transformar em mais uma catástrofe ambiental. Se olharmos para o futuro e aprendermos com o 27 passado, a rodovia poderá ser um marco distinto na triste história de devastação florestal que se sucedem à implementação da grande maioria das obras públicas na Amazônia. As estradas endógenas Dentre as variáveis proximais (ver seção 4.4), as estradas são, indiscutivelmente, um dos maiores vetores do desmatamento na Amazônia brasileira. Diversos trabalhos comprovam a relação entre a abertura de novas estradas e o aumento da área desmatada (Chomitz & Thomas, 2000; Chomtiz & Gray, 1996; Ferreira et al., 2005; Kaimowitz & Angelsen, 1998; McGarigal et al. 2001; Laurance et al., 2001). Nepstad et al. (2001) mostraram que dois terços do desmatamento na Amazônia ocorrido entre 1978 e 1994 está situado a uma distância de até 50 km das principais estradas asfaltadas e três quartos a até 100 km. Embora as estradas asfaltadas tenham uma influência maior nas taxas de desmatamento se comparadas às estradas não pavimentadas, estas últimas também têm um papel importante no processo, muito em decorrência de sua alta densidade por km2 (figura 2). A grande maioria das estradas não pavimentadas construídas na Amazônia são ilegais, conhecidas como estradas endógenas ou espontâneas. Num estudo realizado pelo Imazon (2004), em uma área de 546.000 Km2 na região central do estado do Pará (44% da área do Estado), conhecida como “terra do meio”, a extensão das estradas endógenas somavam 20.796 km, nada menos que 82% das estradas existentes na área. As estradas endógenas são, na maioria das vezes, construídas em terras públicas por agentes privados. O setor madeireiro tem papel determinante na abertura dessas novas estradas. Em geral, elas são abertas em áreas de floresta contínua, sem qualquer estudo técnico ou devidas autorizações exigidas por lei. Segundo Souza (2004), algumas delas são, posteriormente, municipalizadas, o que incrementa a infra-estrutura local e pode trazer benefícios sócioeconômicos, pois permite o escoamento da produção de regiões mais isoladas. Mas, na maioria das vezes, tais estradas catalisam a exploração madeireira predatória e a grilagem de terras, além de aumentar as chances de incêndios florestais (Nepstad et al., 2001) e serem desflorestadas em um segundo momento. 28 Figura 2 - Estradas oficiais e endógenas do Mata -Grosso. Não é difícil achar quem se beneficie politicamente dessas estradas. O presidente da associação dos produtores do “Vale do Quinze”, região pertencente ao município de Guarantã do Norte – MT, relata que o fato de ter aberto 5 km de estrada na região do vale, interligando a sua propriedade a um assentamento rural, já lhe renderia votos suficientes para ser eleito vereador do município. As estradas, sejam elas oficiais ou endógenas, asfaltadas ou não, são o meio pelo qual o homem vai abrindo acesso aos recursos naturais que uma região oferece. Se a área efetiva por elas ocupada parece ser ínfima, perto da vastidão territorial da Amazônia, a sua área de influência não segue o mesmo curso. A área de influência de uma rodovia do porte da BR-163 é da ordem de 974 mil km2 (Brasil, 2004). Portanto, um efetivo controle do Estado sobre a abertura e pavimentação de novas estradas é de extrema importância para salvaguardar extensas áreas de terra que estão sendo devastadas por oportunistas, gerando um dano ambiental imensurável e, muitas vezes, irreversível. 29 5.3 A pecuária no contexto mato-grossense Os vetores de desmatamento são diversos e operam em diferentes formas e magnitudes na Amazônia brasileira. Se, em Rondônia, os assentamentos de pequenas propriedades rurais têm uma importância relevante na conversão da floresta, no Mato Grosso ela se dilui, dando espaço ao agronegócio, que perde para a atividade madeireira no Pará. O fato é que, apesar da diversidade de situações, a pecuária é quase sempre a atividade que predomina após a derrubada da mata. Os primeiros registros realmente significativos de derrubada de extensas áreas de floresta são datados da década 60, quando o governo brasileiro adotou uma política de incentivos fiscais e financeiros a grandes projetos agropecuários na Amazônia Legal, que perdurou até início dos anos 80, sem retorno compatível com o vultoso investimento feito (Yokomizo,1989). Atualmente, entre 70 e 80 % da área desmatada está ocupada por pastagem (Alencar et al., 2004; Chomitz & Thomas, 2000; Brasil, 2004). Segundo Chomitz & Thomas (2000), deste total, 40% têm uma capacidade de suporte inferior a 0,5 cabeça de gado por hectare e os outros 60% suportam, em média, 0,95 cabeças por hectare. Soma-se a essa baixa produtividade o estado de abandono das áreas já abertas. Somente no Mato Grosso as áreas produtivas não-utilizadas nos estabelecimentos agropecuários representam cerca 21% do total (Brasil, 2004). A viabilidade econômica da pecuária na Amazônia e sua relação com o desmatamento tem sido alvo de diversos e recentes estudos (Arima et al., 2005; Margullis et al., 2004; Mertens et al., 2002; Schneider, 2000; Chomitz & Thomas, 2000; Faminow, 1998). O que se sabe, atualmente, é que a pecuária é uma atividade lucrativa, sim, mas depende da comunhão de uma série de fatores físicos e sócio-econômicos que poucas regiões na Amazônia são capazes de oferecer hoje. De maneira geral, ela é rentável se ocorre: em regiões com índices pluviométricos inferiores a 1.900 mm/ano, próxima a núcleos urbanos de médio porte, a até 25 km de distância de uma rodovia em bom estado de conservação e próxima a um frigorífico. Especialmente no Mato Grosso, onde o rebanho bovino tem crescido muito nos últimos anos (figura 3) e, conseqüentemente, a oferta de carne, os pecuaristas estão cada vez mais dependentes dos frigoríficos, que têm ditado o preço da arroba do boi na região. Regiões produtoras que estão a mais de 200 km de um frigorífico não estão conseguindo competir com os pólos mais próximos devido ao alto custo do frete. Mas, de maneira geral, a pecuária no Mato Grosso é de caráter extensivo, com emprego de baixíssima tecnologia, e só se faz lucrativa à medida que o custo inicial de implantação de 30 uma pastagem é quase zero. Zero porque a aquisição de terras públicas através da grilagem ainda é prática comum nos municípios ao norte do Mato Grosso. Assim sendo, os fazendeiros aumentam o tamanho da suas propriedades a ferro e fogo, garimpam o recurso madeireiro existente e, ao vender a madeira, se capitalizam para poder derrubar a mata explorada e implementar a pastagem. O plantio é feito aproveitando os nutrientes mineralizados através da 160,000.00 Y= 7053,43 + 0.006x R2= 0,987 140,000.00 120,000.00 100,000.00 80,000.00 60,000.00 40,000.00 20,000.00 0 .0 0 ,0 00 00 27 ,0 25 ,0 00 00 ,0 ,0 23 ,0 00 00 ,0 21 .0 .0 00 00 ,0 ,0 00 ,0 0 0 .0 .0 00 00 ,0 19 17 ,0 00 00 ,0 15 0 0 .0 .0 ,0 00 ,0 00 13 ,0 00 ,0 11 00 .0 .0 00 ,0 00 0, 00 9, 0 0 00 0. 0. 00 0, 00 7, 0 0.00 00 Desmatamento acumulado (Km2) queima da vegetação nativa, tornando o gasto com fertilizantes dispensável. Rebanho Bovino Figura 3 - Relação entre o tamanho do rebanho bovino no Mato-Grosso (IBGE, 2005) e a área desmatada no período de 1990 a 2003 (INPE, 2004). Isto não seria possível se não contasse com a anuência, e às vezes apoio, de órgãos como o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), FEMA (Fundação Estadual do Meio Ambiente - MT) e cartórios regionais. Algumas evidências da ineficácia, inoperância, falta de recursos humanos e corrupção existentes nesses órgãos são: • das 19 bases operativas do IBAMA previstas no Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (Brasil, 2004) para o ano de 2005, somente a de Guarantã do Norte - MT estava em operação em maio do referido ano. Nem mesmo o diretor da base do IBAMA em Guarantã conseguiu nos relatar quais atividades do plano estavam em andamento na semana de 14 de maio, quando estivemos por lá; • o IBAMA conta com somente 160 fiscais atuando em toda Amazônia Legal; 31 • mais de 40 funcionários do IBAMA, inclusive o diretor do IBAMA- MT, foram flagrados pela polícia federal, acusados de beneficiar madeireiros num esquema de extração ilegal e predatória de madeira; • a FEMA conta com apenas cinco fiscais ambientais em todo norte mato-grossense; • o coordenador geral do INCRA-MT admitiu que não dispõe de uma base de dados sobre a situação fundiária das terras no MT, ou seja, não se sabe o que é do governo federal, estadual, municipal ou privado. Disse ainda que o INCRA está totalmente sucateado, não dispondo sequer de veículos para trabalhos em campo. Segundo ele, é comum achar propriedades com até 16 títulos distintos. Ainda que existam fazendeiros bem intencionados que adquirem terras por vias legais, na maioria das vezes as terras ditas “legais” são compradas a preço muito baixo na mão de grileiros que vivem à custa da especulação fundiária. Margullis (2004) argumenta que essa via de aquisição de terras só existe porque o grileiro tem certeza de que uma terra invadida numa região de fronteira irá se valorizar a médio prazo, quando houver melhoria da infra-estrutura local, e que, posteriormente conseguirá vendê-la para fazendeiros capitalizados, com experiência no mercado bovino. Não é difícil encontrar no Estado, fazendeiros que vendem suas propriedades em fronteiras já consolidadas (Sinop, por exemplo) para comprar terras até cinco vezes maiores em fronteiras em expansão, como Colniza e Aripuanã. A questão é que, embora haja controvérsia sobre a lucratividade da pecuária na Amazônia mato-grossense, ela segue se expandindo em ritmo acelerado - 8%/ano entre 1990 a 2003, - e impulsionando drasticamente o desmatamento (figura 3). Diversos fatores deverão contribuir para um crescimento ainda maior da pecuária de corte no Mato Grosso: (1) a crescente demanda do mercado externo; (2) a perspectiva de erradicação da febre aftosa do território nacional, viabilizando ainda mais a exportação; (3) tendência do centro-sul do país em substituir as pastagens por agricultura intensiva, aumentando e rentabilidade da terra; (4) a melhoria da malha viária, principalmente da BR-163, tornando a pecuária na região ainda mais competitiva. Obviamente, a pecuária de corte é uma importante fonte de divisas e, sobretudo, de alimento para o país. Logo, não podemos nos dar o luxo de abdicar de tal cadeia produtiva. O Brasil é um grande exportador mundial de produtos agropecuários e vem firmando sua soberania no mercado mundial. O que não podemos é alcançar a soberania à custa de milhares de hectares 32 de floresta, praticando uma pecuária extensiva e irracional. Não é admissível que um Estado como o Mato Grosso continue avançando sobre suas florestas, tendo um passivo de 12 milhões de hectares desmatados fora do sistema produtivo e 40% das propriedades abrigando menos de 0,5 cabeça de gado por hectare. 5.4 O boom da soja Se, historicamente, a pecuária extensiva é responsável por grande parte dos desmatamentos ocorridos na Amazônia, atualmente ela começa a dividir o posto com a cultura de soja. De 2000 a 2004, a área plantada em soja no Brasil cresceu 13,8% ao ano contra 3,6% registrados na década passada (Brandão et al., 2005), alçando o país à posição de segundo maior produtor mundial em 2004, respondendo por 27% da produção, e à liderança nas exportações da commodity em 2003, com 31% do mercado (Dros, 2004). A maior parte do crescimento em área plantada ocorreu nas regiões Nordeste e CentroNorte do país, com destaque especial para o Mato-Grosso. O Estado é, hoje, o maior produtor do grão no país, respondendo por um quarto dos 21.601.340 hectares plantados em 2004 (figura 4). Alguns estudos (Muller, 2003; Brandão et al., 2005) argumentam que o aumento da área plantada ocorreu primordialmente em pastagens degradas, e que a conversão de florestas para o plantio de soja representa uma fração mínima do total. Acontece que tais estudos não contabilizaram o efeito indireto do processo. A ocupação de áreas antes destinadas à pecuária de corte estimula a atividade a se deslocar para regiões da fronteira em expansão, levando à abertura de novas áreas de pastagem (figura 5). É importante ressaltar que as novas tecnologias têm permitido a conversão da floresta em campos de soja em prazo de um ano. Segundo a empresa AGRONORTE, com sede em Sinop-MT, já existem agricultores mais capitalizados, optando por esta decisão alternativa (o custo médio da limpeza completa do terreno para deixá-lo apto ao plantio é de R$ 1.600,00/ha ). Um estudo de caso conduzido pelo GTO (2004), no norte matogrossense, indicou ser essa a opção de 20% das propriedades analisadas. Nessa mesma análise, os resultados encontrados indicam que as taxas de desmatamento são positivamente correlacionadas (50%) com o incremento do cultivo da soja. 33 30,000.00 Brasil Mato-Grosso 20,000.00 5,279.93 4,414.50 10,000.00 3,818.23 15,000.00 3,121.41 Área plantada (hectares) 25,000.00 5,000.00 19 90 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 0.00 Ano Figura 4 - Área plantada (milhares de hectares) com soja no Brasil e Mato-Grosso entre 1990 e 2004. Em 2001 o MT possuía 3,12 milhões de hectares plantados, passando a 5,27 milhões em 2004. Fonte: IBGE, 2005. Coincidência ou não, o período do boom da soja no Mato-Grosso, entre 2000-2003, foi acompanhado de um incremento significativo nas taxas de desmatamento no mesmo período, passando de um patamar de 6.500 km2/ ano no triênio 1997-1999 para cerca de 8.500 km2/ ano no período seguinte (INPE, 2005). Os créditos agrícolas destinados ao plantio da soja (a mais importante commodity na pauta de exportação brasileira) são obtidos a uma taxa de juros inferior às praticadas no mercado doméstico. Boa parte desses créditos foram utilizados pelos sojicultores para comprar e arrendar terras de pecuaristas, que, capitalizados, investiram em novas propriedades na fronteira em expansão sem ter de depender dos empréstimos a juros altos do mercado doméstico (Dros, 2004). Outra evidência de que o desmatamento possa estar bastante ligado à expansão da soja é a súbita queda de quase 50% nas suas taxas, registradas no norte mato-grossense entre 2004/2005, período que coincide com a queda brusca do preço da soja no mercado externo. Essa queda, decorrente da normalização da produção nos EUA em 2004 (no biênio 2002-2003, a produção tinha sido muito abaixo do esperado), aliada à valorização do Real, prejudicou muito as exportações e causou uma crise no setor agrícola brasileiro. Muitos produtores não conseguiram pagar as altas dívidas contraídas no período dos preços favoráveis e muito menos investir em 34 novos plantios, como era de se esperar. Por mais que o governo brasileiro justifique a queda nas taxas de desmatamento como resultado da eficácia das operações de comando e controle, percebe-se na prática que nada de realmente efetivo foi feito. O mercado teria sido o mecanismo efetivo de controle do desmatamento. Figura 5 - Espacialização municipal do rebanho bovino e da área plantada com soja em 2003. Os municípios campeões em área plantada com soja (região central do Estado) possuem baixo rebanho bovino. Fonte: IBGE, 2005. Segundo projeções realizadas por Dros (2004), a demanda mundial de soja continuará crescendo e, em 2020, será 60% maior que a atual. O patamar de consumo irá oscilar em torno de 300 milhões de toneladas/ano. Para o Brasil, é esperada uma produção de 96 milhões de toneladas/ano em 2020. Para suprir essa demanda, seguindo o padrão tecnológico atual, é esperada uma conversão de 9,6 milhões de hectares no cerrado e outros 3,6 milhões de hectares na floresta Amazônica (Dros, 2004). O Estado do Mato Grosso apresenta, aproximadamente, 50% de seu território com alto potencial para mecanização, dos quais 32% estão situados em regiões onde a cobertura vegetal original é floresta. Apenas 23% da área florestal do Mato Grosso com potencial para mecanização foram desmatados (Alencar et al., 2004). Atualmente, 33% da soja produzida no Estado é proveniente de municípios cujo ecossistema principal é representado pelas florestas de transição (>50% de florestas). Com capital disponível e infra-estrutura regional 35 adequada, a expansão da soja em áreas de floresta pode ser muito rápida no norte do Mato Grosso, nos próximos anos. 5.5 A exploração madeireira Se, até o ano de 2004, o desmatamento na Amazônia brasileira contabilizava 17% da sua área total (Lentini, 2005), a pressão humana já se faz presente em 47% do território (Barreto et al., 2005). Grande parte da ocupação “oculta” na Amazônia é decorrente da atividade madeireira. Segundo Nepstad et al. (1999), entre 10.000 e 15.000 km2 de florestas foram explorados adicionalmente ao desmatamento ocorrido entre 1996/1997. Asner et al. (2005) vão ainda mais longe e afirmam que as madeireiras exploraram de 12.075 a 19.832 km2 de floresta por ano, entre 1999 e 2002. Isso equivale a um percentual de 60-123% superior à área total desmatada no mesmo período. O Mato Grosso contava, em 2004, com 26 pólos madeireiros espalhados em três regiões: central, norte e noroeste. Nesses pólos, um total de 872 madeireiras consumiram 8 milhões de metros cúbicos de madeira, quase 1/3 dos 24.460 milhões de metros cúbicos produzidos na Amazônia Legal em 2004 (Lentini, 2005). Apesar de gerar 66.415 empregos diretos e indiretos, o que corresponde a 5,7% da população economicamente ativa, o setor madeireiro mato-grossense tende a entrar em colapso num futuro próximo. Prova disso é o que acontece no município de Sinop, onde o número de serrarias caiu de aproximadamente 400 no final da década de 80, para menos de 100 no final dos anos 90 (Schneider et al., 2000). Boa parte dessas madeireiras se deslocaram para o noroeste mato-grossense, onde o recurso florestal ainda é abundante. Os pólos madeireiros de Colniza e Cotriguaçu aumentaram sua produção em 150% entre 1998 e 2004 (Lentini, 2005). Como as práticas de exploração não mudaram, um futuro similar ao de Sinop é esperado para essa região num intervalo de tempo inferior a 20 anos. Estima-se que menos de 10% da madeira explorada na Amazônia seja feita de maneira sustentável (Schneider et al., 2000; Brasil, 2004). A prática corrente é a exploração madeireira predatória, baseada na garimpagem das espécies de maior valor de mercado (Veríssimo et al., 2002a), sem a mínima preocupação com a minimização dos danos à floresta. Entre os danos mais evidentes está o aumento da susceptibilidade de ocorrência de incêndios florestais (Nepstad et al., 1999, 2001). 36 Além dos severos danos ecológicos decorrentes da exploração convencional (Uhl et al., 1991), existem os efeitos indiretos da prática, que a torna ainda mais grave. A abertura excessiva de estradas (ver seção 5.2), pelos madeireiros, em blocos de floresta contínua, facilita muito a entrada de grileiros e posseiros, que, a curto e médio prazo, irão derrubar a mata para garantir a posse da terra. Segundo Asner et. al. (2005), cerca de 20% das terras exploradas em um ano serão desmatadas num intervalo de até 3 anos. À medida que os estoques de madeira tropical vão se esgotando no sudeste asiático e na África equatorial, a Amazônia ganha espaço no mercado mundial. Em 2004, 36% da produção madeireira da Amazônia foi exportada, contra 14% registrados em 1998. Um projeto de lei recém-aprovado prevê a concessão à iniciativa privada, para exploração florestal, de extensas áreas públicas de floresta. Há os que concordam com essa medida (Veríssimo et al., 2002a, 2002b); outros não ( Nepstad et al.,2004). O cerne da questão é que a exploração madeireira está em ascensão no país. Algo efetivo tem de ser feito para conter a histórica exploração irracional do recurso cada vez mais escasso no mundo. O projeto de lei vai resolver um problema tão complexo quanto o exposto? No momento ainda é difícil responder a esta indagação. O importante é dar o primeiro passo para tentar mudar a maneira como a atividade vem sendo realizada nos últimos 30 anos. Se deixarmos apenas as forças de mercado atuar o que se seguirá será o famoso ciclo boom-colapso (Schneider et al., 2000), com as madeireiras atuando como motor propulsor da expansão agrícola. 6. Material e Métodos Na seção 4.6 foram apresentadas as principais categorias de modelos de mudança de uso da terra. Dentro da categoria de modelos de simulação, existe uma classe de modelos denominada modelos espaciais ou modelos de paisagem, que simulam mudanças dos atributos do meio ambiente através do território geográfico (Soares-Filho et al., no prelo). Este estudo utilizará um modelo simulação da paisagem denominado DINÂMICA (Soares-Filho et al., 2002, 2003,2004). Através da interface computacional do DINÂMICA, serão traçados os cenários futuros da cobertura do solo nas região em estudo, enfocando, primordialmente, o padrão de distribuição espacial dos remanescentes florestais. 37 6.1 Concepção e estrutura de um modelo de simulação da paisagem O desenvolvimento de um modelo de simulação da paisagem passa pela solução da equação 1, que representa a função que descreve as mudanças nos padrões espaciais de um tempo t para um novo padrão espacial no tempo t+v. 1) X t+v = F(Xt , Yt), onde: Xt é o padrão espacial no tempo t e Yt é o vetor ou conjunto escalar de variáveis que afetam a transição, no caso, variáveis com coordenadas espaciais. Dessa maneira, os componentes básicos de qualquer modelo de mudança da paisagem são: 1- configuração inicial, 2- função de mudança e 3 - configuração de saída. Neste estudo, a configuração inicial da paisagem será obtida via a sensoriamento remoto. Os avanços na tecnologia de sensoriamento remoto nas últimas décadas têm contribuído significativamente para os estudos relacionados ao meio ambiente. Os dados provindos de plataformas orbitais já nos informam com boa precisão a magnitude, a intensidade e os padrões de desflorestamento na Amazônia brasileira (Wood & Skole, 1998), tornando-se sem dúvida uma promissora e importante ferramenta para modelagem de uso e cobertura da terra. A função de mudança é sempre a parte mais complexa do modelo, podendo ser decomposta em duas funções: uma de quantificação de mudanças e outra dedicada à alocação espacial das mudanças, lembrando-nos de que as mudanças na paisagem nunca se dão ao acaso, mas sim condicionadas a uma estrutura espacial (Soares-Filho et al., no prelo). Sendo assim, o primeiro passo na construção de um modelo de simulação de mudanças passa pela definição de um modelo conceitual pelo qual são definidos os elementos e estados de uma paisagem e suas transições possíveis (figura 6). Uma maneira de representar esse modelo de estados e transições dá-se pelo uso da matriz de transição (Eq. 2), que é capaz de distribuir a quantidade de mudanças por toda a paisagem, ou seja, o primeiro componente da função de mudança. 2) ⎡ P11 ⎡1 ⎤ ⎢P ⎢2 ⎥ ⎢ ⎥ = ⎢ 12 ⎢ P1. ⎢. ⎥ ⎢ ⎢ ⎥ ⎣ J ⎦ t = v ⎢⎣ P1 j P21 P.1 P22 P.2 P2. P2 j P.. P. j v Pj1 ⎤ ⎡1 ⎤ Pj 2 ⎥⎥ ⎢ 2⎥ *⎢ ⎥ Pj . ⎥ ⎢ . ⎥ ⎥ ⎢ ⎥ Pjj ⎥⎦ ⎣ j ⎦ t = 0 38 A matriz Pij é conhecida como matriz de transição. As colunas representam as probabilidades de um determinado estado i permanecer no mesmo estado ou mudar para o estado j durante o intervalo de tempo de t→t + v, de modo que: 3) n ∑P i =1 ij = 1, i = 1,2...n. O estimador de Pij é dado pela equação (4), onde n é o número de estados da paisagem. 4) ^ Pij = nij n ∑n j =1 ij Um modelo de transição requer apenas que seja especificado um número finito de estados e que sejam conhecidas as taxas de transição de um estado em um intervalo de tempo discreto (Soares-Filho et al., no prelo). Neste estudo, os estados de cobertura da terra são floresta, não floresta (fitofisionomia tipo cerrado, hidrografia e áreas urbanas ), e desflorestado. Como nosso foco principal é traçar cenários futuros da estrutura espacial dos remanescentes florestais na região estudada, vamos modelar apenas a transição floresta → desflorestado. O primeiro passo na construção de um modelo de dinâmica da paisagem consiste no mapeamento dos padrões mutáveis de uso e cobertura do solo da região escolhida. Neste caso, serão utilizadas as imagens orbitais do satélite Landsat/TM. Através da tabulação cruzada (método que visa à detecção e quantificação de mudanças) de imagens de uma mesma área em espaços temporais distintos, será gerarada uma matriz de transição para o período analisado. Modelos de simulação também requerem a entrada de dados cartográficos armazenados em conjunto com os mapas multitemporais em um ambiente SIG - Sistema de Informações Geográficas. Nesse ambiente, técnicas de análise espaciais são usadas para quantificar os efeitos espaciais das variáveis proximais (ver seção 4.4) que afetam as mudanças (Soares-Filho et al., no prelo). A saída dessa análise consiste no mapa de favorabilidade de mudança. Entre os vários métodos utilizados para determinar o que influencia a mudança estão: regressão logística (Soares-Filho et al., 2003) e pesos de evidência (Almeida et al., 2003, 2004; Soares-Filho et al., 2004, no prelo). 39 Figura 6 - Fluxograma de desenvolvimento e aplicação de um modelo de simulação. Fonte: Soares-Filho, 2003. O método de pesos de evidência é um método Bayesiano, utilizado para cálculos de relacionamentos empíricos das variáveis espaciais selecionadas, representadas através de mapas, para utilização inicial de análise de mudanças. O peso de evidência representa a influência de cada categoria (faixa de valores) de certa variável nas probabilidades espaciais de uma transição i→j, sendo calculado pelas equações 5 e 6. 5) 6) O{D / B} = O{D} P{B / D} P{B / D } log{D / B} = log{D} + W + , onde: O{D}e O{D / B} são as razões de chances, respectivamente, de ocorrer a priori o evento D, e ocorrer D dado um padrão espacial B. W+ é, portanto, o peso de evidência de ocorrer um evento D, dado um padrão espacial B. Uma vantagem do peso de evidência é que ele não é restringido pelas clássicas suposições dos métodos estatísticos paramétricos que os dados espaciais freqüentemente violam. Além disso, 40 é um método de cálculo simples, pois usa somente o resultado da tabulação cruzada entre o mapa de mudanças - produto do cruzamento de mapas multitemporais – e os mapas das variáveis proximais para alimentar fórmulas implementadas em planilhas eletrônicas (Soares-Filho et al., no prelo). Como produto da interação dos pesos com os mapas das variáveis armazenadas no SIG, teremos mapas de probabilidade espacial de transição. O segundo componente da função de mudança irá operar sobre os mapas de probabilidade, buscando alocar as quantidades desejadas de mudança, através do ordenamento e sorteio das células mais prováveis. Isso será efetuado através da técnica de autômatos celulares. 6.2 Autômatos celulares Em 1982, John Conway apresentou o Jogo da Vida (The Game of Life), demonstrando que regras muito simples, quando aplicadas repetidamente sobre estados aleatórios, produzem resultados semelhantes à forma como certos sistemas evoluem no mundo real. No jogo da Vida, o espaço é representado como uma grade de células, algumas vivas e outras mortas. Dado um estado inicial aleatório, a cada geração novas células nascem e algumas morrem. O que determina o estado de uma célula é sua vizinhança que, nesse caso, é definida por quatro células adjacentes. Uma célula viva morre se tiver duas ou três células vizinhas vivas. Este sistema deu grande popularidade aos conceitos de autômatos celulares (Pedrosa & Câmara, 2002). Sobre cada célula de um autômato celular são aplicadas regras de transição. Regras de transição determinam quando e por que o estado de uma célula se altera e podem ser qualitativas ou quantitativas. De acordo com Pedrosa & Câmara (2002), os componentes básicos de um autômato celular clássico são: - espaço euclidiano, dividido em um arranjo de células; - vizinhança de tamanho e formato definidos; - um conjunto de estados discretos; - um conjunto de regras de transição; - um conjunto de intervalos de tempo, com atualização simultânea das células. Autômatos celulares são, portanto, considerados sistemas dinâmicos, tendo sido desenvolvidos para aplicação em diversas áreas, como arquitetura, engenharia, matemática, simulação e jogos. 41 6.3 O Software DINAMICA Para alcançarmos o objetivo proposto neste estudo, será utilizado um modelo de simulação espacial do tipo autômato celular denominado DINAMICA, desenvolvido por uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais- UFMG (Soares-Filho et al., 2002, 2003, 2004). O DINAMICA possui uma interface computacional bastante amigável. O software usa como entrada um conjunto de mapas, a saber: um mapa da paisagem inicial- que, neste estudo, será um mapa de uso e cobertura da terra obtido a partir da classificação de imagens de satélite -, um mapa do tempo de permanência de cada célula no seu estado atual, e um conjunto de variáveis cartográficas, que se dividem em dois tipos, estáticas e dinâmicas, sendo as últimas recalculadas em cada iteração do programa. As variáveis cartográficas- e.g. solo, vegetação, distâncias as estradas, altitude, declividade, etc. – são combinadas, através da definição de seus pesos de evidência, para gerar os mapas de probabilidade de transição. Após cada iteração, DINAMICA produz um novo mapa da paisagem, os mapas de probabilidade de transição e os mapas de variáveis dinâmicas. Como regras locais, DINAMICA usa um algoritmo de alocação de mudanças composto por dois processos de transição complementares, denominados, respectivamente, Expander (função expansora) e Patcher (função formadora de manchas), além de um módulo de difusão. A função expansora se dedica unicamente à expansão ou contração de manchas prévias de uma determinada classe. O segundo processo é responsável por formar novas manchas. Ambos os processos usam um mecanismo nucleador de manchas que opera sobre o mapa de probabilidades de transição e tem como parâmetros de entrada a isometria, a variância e o tamanho médio das manchas. A quantidade definida de células a serem mudadas para uma determinada transição é repartida, de acordo com o especificado pelo usuário, entre as duas funções. Já o módulo de difusão leva um processo de transição i→j a migrar para novas áreas, em função de uma saturação assintótica de células j dentro de uma vizinhança especificada. A combinação dos dois processos de transição, mais o módulo de difusão, apresentam numerosas possibilidades no tocante à geração e desenvolvimento de padrões espaciais de mudanças ( Soares-Filho et al., 2003). 42 6.4 Dados de entrada nos modelos e análise dos pesos de evidência Como explicitado acima, o DINAMICA trabalha com dados espaciais. Neste trabalho, optamos pela representação raster ou matricial da base de dados cartográficos. Essa representação torna-se mais indicada à modelagem de mudanças propostas, por estar voltada à representação do conjunto espacial e dos geo-campos (geo-campo representa uma variável geográfica contínua sobre uma região da terra) e devido à sua facilidade de representação, integração e tratamento, sobretudo no que se refere à sua poderosa capacidade de modelagem ambiental através da utilização de álgebra cartográfica (Soares-Filho, 1998). Sendo assim, todos os dados levantados serão, quando necessário, digitalizados e convertidos para representação matricial e estruturados em uma base de dados na forma de um modelo cartográfico. Conforme o objetivo proposto na seção 2.2, iremos simular a fragmentação florestal em duas escalas distintas, a saber: 6.4.1 Centro-norte e noroeste mato-grossense A primeira região abrange todo o centro-norte e noroeste mato-grossense (figura 7), cobrindo uma área total de 306.390,77 km2. No ano de 2004 essa região contava com aproximadamente 32% de sua área desflorestada, não contabilizado o desmatamento ocorrido no cerrado, que, originalmente, cobria 8,22% da região. De acordo com o sistema de licenciamento de propriedades rurais disponibilizado pela FEMA (Fundação Estadual do Meio Ambiente do Mato Grosso), apenas 18,12 % da área está cadastrada em sua base de dados. O restante é terra indígena, unidades de conservação ou não está cadastrada. Uma análise das propriedades cadastradas revela a magnitude da concentração fundiária nessa região do Estado (tabela 2): 38,39% do total de propriedades têm entre 400-1500 hectares e 38,47% da área total cadastrada está em propriedades de 1.500 a 5.000 hectares. 43 Tabela 2 - Dados de propriedades rurais licenciadas pela FEMA no centro-norte e noroeste do Mato Grosso. Fonte: FEMA, 2005. Tamanho Propriedade ( hectares) <=50 50-100 100-400 400-1.500 1.500-5000 5.000-10.000 10.000-20.000 >20.000 Total Nº % do total de propriedades propriedades 10.00 11.00 198.00 784.00 821.00 131.00 57.00 30.00 2,042.00 0.49 0.54 9.70 38.39 40.21 6.42 2.79 1.47 100.00 Soma das áreas das propriedades ( hectares) % em relação ao total da área cadastrada 216.69 864.53 49,457.29 718,436.82 2,135,873.57 885,594.01 732,442.35 1,029,157.89 5,552,043.15 0.00 0.02 0.89 12.94 38.47 15.95 13.19 18.54 100.00 Figura 7 - Mapa da América do Sul com noroeste do MT em vermelho e área de estudo ampliada. As imagens de entrada do modelo, classificadas por classe de cobertura da terra (floresta, não floresta e desmatamento), são oriundas de imagens do satélite TM/LANDSAT, fornecidas pelo projeto PRODES (INPE, 2005). Como o projeto PRODES não mapeia desmatamento em cerrado, a evolução do desmatamento neste ecossistema não foi simulada. Todo o ecossistema foi classificado como não floresta, portanto impassível de sofrer transição. 44 As imagens do projeto PRODES utilizadas para gerar a matriz de transição e para determinar os pesos de evidência de cada variável proximal foram as de 2000 e 2004. A resolução espacial das células da matriz utilizada foi de 310m. Como a extensão da área de estudo é muito grande, tivemos de degradar o pixel para tornar possível a simulação, pois, nos microcomputadores comuns, o desempenho computacional ainda é uma limitação. Abaixo estão listadas as variáveis de natureza proximal, representadas em forma de camadas individuais – cada camada contendo a distribuição espacial da variável em questão utilizada na simulação, bem como a análise da sua influência, através da técnica de pesos de evidência, na espacialização do desmatamento. Todas as camadas de informação foram geradas no software ArcGIS 9.0, utilizando fontes diversas e tratadas no ER MAPPER 6.4 antes de serem utilizadas no DINAMICA. Declividade: gráfico gerado a partir de imagens SRTM- Shuttle Radar Topography Mission. (NASA, 2005). De clividade W+ 0.25 0 -0.25 00:01 01:03 03:41 >41 % Figura 8 - Influência da variável declividade, medida através de seu peso de evidência (W+), na espacialização do desmatamento. Como mostra o gráfico, as regiões mais planas têm maior propensão a serem desmatadas, pois permitem a mecanização agrícola e, consequentemente, o plantio da soja. Vimos na seção 5.4 que a cultura de soja tem sido um importante propulsor do desmatamento regional. Entretanto, era esperada maior resposta dessa camada de informação - a amplitude de variação 45 entre regiões planas e acidentadas foi muito baixa. A fonte do dado bem como a degradação sofrida durante a conversão do dado original em superfície de declividade suavizaram a sinuosidade do terreno e, consequentemente, subestimaram o efeito dessa variável. Distância a distritos municipais: gerado a partir do mapa dos distritos existentes no zoneamento ecológico-econômico do estado do Mato Grosso e disponibilizado pela FEMA. Distância a distritos 2 1.5 W+ 1 0.5 0 -0.5 0:5 5:10 10:15 15:20 20:25 25:30 35:40 35:45 45:50 50:100 >100 Faixa de dis tância (k m) Figura 9 - Influência da distância aos distritos , medida através de seu peso de evidência (W+), na espacialização do desmatamento. Essa variável tem um importante papel na espacialização do desmatamento. As regiões mais próximas aos núcleos urbanos são mais desmatadas. À medida que nos afastamos, a probabilidade de ocorrer desmatamento diminui. Como são núcleos urbanos relativamente pequenos, a zona mais crítica está situada nos primeiros 15 km. A exemplo da variável acima, a probabilidade de ocorrer desmatamento é inversamente proporcional à distância às sedes municipais. Estes resultados corroboram o estudo de Chomitz & Thomas (2000), o qual mostra que cidades cuja população exceda 25.000 habitantes, exercem um forte impacto no uso da terra num raio de até 50 km em seu entorno. 46 Distância a sedes municipais: gerado a partir do mapa das sedes municipais existentes no zoneamento ecológico-econômico do Estado do Mato Grosso e disponibilizado pela FEMA. Dis tância a s e de s municipais 2 1.5 1 W+ 0.5 0 -0.5 -1 -1.5 -2 00:10 10:20 20:30 30:60 60:90 >90 Faixa de dis tância (k m) Figura 10 - Influência da distância a sedes municipais , medida através de seu peso de evidência (W+), na espacialização do desmatamento. Distância a frigoríficos: gerado a partir do mapa feito pelo IMAZON, onde estão localizados todos os frigoríficos existentes no Mato-Grosso em 2004. Distância a frigoríficos 2 1.5 W+ 1 0.5 0 -0.5 -1 0:5 5:25 25:50 50:100 100:150 >150 Faixa de dis tância (k m) Figura 11 - Influência da distância a frigoríficos, medida através de seu peso de evidência (W+), na espacialização do desmatamento. 47 Conforme discutido na seção 5.3, os frigoríficos têm ditado o preço da arroba de boi no centro-norte mato-grossense. A abundante oferta faz com que regiões mais próximas aos frigoríficos sejam mais valorizadas para a pecuária por causa da redução no custo do frete, aumentando assim a propensão a virarem pasto. E isso fica evidente na representação gráfica acima. Distância a estradas: gerado a partir do mapa de estradas produzidos no Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais. As estradas foram digitalizadas tomando como base imagens ETM/Landsat de 2000. Distância a e stradas 1 0.5 W+ 0 -0.5 -1 -1.5 -2 00:01 01:02 02:03 03:04 04:05 05:07 07:13 13:14 14:77 Faixa de dis tância (k m) Figura 12 - Influência da distância a estradas, medida através de seu peso de evidência (W+), na espacialização do desmatamento. A influência das estradas no desmatamento foi bem discutida na seção 5.3. Era de se esperar, no entanto, que uma estrada contribuísse positivamente para o desmatamento em uma faixa de distância superior aos 2 km registrados no gráfico. Provavelmente isso não ocorreu devido à alta densidade de estradas considerada (ver figura 2), ou seja, como as estradas estão muito próximas, as faixas de sua influência se sobrepuseram. Contudo cabe ressaltar que há uma tendência clara de diminuição das probabilidades de desmatamento à medida que nos afastamos de uma estrada qualquer. 48 Este mapa tem uma importância crucial na alocação de novos desmatamentos. O DINAMICA trabalha com um módulo construtor de estradas que será utilizado para gerar distintos cenários. Esse módulo utiliza uma malha viária previamente existente para construir novos segmentos de estradas a cada iteração do modelo. Distância a pólos madeireiros: gráfico gerado a partir do mapa feito pelo IMAZON, onde estão localizados todos os pólos existentes na Amazônia Legal até 2004. Distância a polos made ire iros 1 0.5 W+ 0 -0.5 -1 -1.5 -2 0:30 30:45 45:100 100:115 >115 Faixa de dis tância (k m) Figura 13 - Influência da distância a pólos madeireiros , medida através de seu peso de evidência (W+), na espacialização do desmatamento. Apesar dos pólos madeireiros não estarem diretamente correlacionados com o desmatamento - apenas 20% das matas exploradas são derrubadas posteriormente (Asner et al., 2005) - eles são parte importante do processo (ver seção 5.5), pelo menos nos moldes que vêm sendo conduzidos atualmente. Segundo Lentini et al. (2005), a madeira em tora é transportada, em média, a uma distância de 119 km entre a floresta e a fábrica. Nas novas fronteiras, a exemplo de Colniza, essa distância é menor, oscilando em torno de 80 km. O gráfico mostra que as madeireiras atuantes na região de estudo têm um raio de ação de até 115 km. 49 Assentamentos do Incra: mapa obtido no INCRA, 2003. Assentamento do INCRA 2 1,5 W+ 1 0,5 0 -0,5 Fora da área de assentamento Dentro da área de assentamento Localização Figura 14 - Influência dos assentamentos do INCRA , medida através de seu peso de evidência (W+), na espacialização do desmatamento. Conforme o observado no campo, os assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) sempre registram altas taxas de desmatamento. Poucos são os assentados que respeitam o limite de 80% de reserva legal imposto por lei. Nem mesmo as áreas de preservação permanente nas margens dos rios são respeitadas. Embora mais de 70% do desmatamento ocorrido no Mato-Grosso nos últimos 4 anos seja em propriedades acima de 100 hectares, não há como negar que a presença de um assentamento aumenta muito a probabilidade de uma área ser desmatada. Ver gráfico acima. Solos: mapa obtido da base de dados do projeto RADAM Brasil na escala de 1:1.000.000. Solos 0,3 0,2 0,1 W+ 0 -0,1 -0,2 -0,3 -0,4 -0,5 Afloramento de rocha / litossolo Podzólico vermelhoamarelo Areias quartzosas Latossolo Gleissolos e solos aluviais Classes de solo Figura 15 - Influência do tipo de solo, medida através de seu peso de evidência (W+), na espacialização do desmatamento. 50 Diferentes classes de solos podem determinar distintos usos em uma região, mas na agricultura de alta tecnologia de hoje essas diferenças têm sido minimizadas. Poucos são os tipos de solos que realmente limitam a expansão agrícola. Analisando o gráfico acima percebemos que a amplitude de variação entre as classes de solo não é superior a 0.85, ou seja, a probabilidade de ocorrer desmatamento em distintos tipos de solo é similar. Muito provavelmente, essa variação ocorre muito mais em função da localização da mancha de solo do que em função de suas propriedades físico-químicas. Obviamente que se localizados na mesma região, um latossolo é muito mais apto a receber uma lavoura de soja do que uma areia quartzosa e isso pode estar determinando a expressão do gráfico acima. Distância a áreas já desmatadas: único mapa dinâmico, que muda a cada iteração do programa, e é gerado dentro do próprio modelo DINAMICA Distância a áre as já de smatadas 2 1.5 1 W+ 0.5 0 -0.5 -1 -1.5 52 70 :6 51 0 65 10 :1 27 1 0 12 71 0: 58 2 80 40 30 :5 27 0 27 90 :4 03 0 24 80 :2 79 0 18 60 :2 48 0 15 50 :1 86 0 12 40 :1 55 0 93 0: 1 24 0 62 0: 9 30 0. 43 -2 Faixa de dis tância (metros ) Figura 16 - Influência da distância as áreas já desmatadas , medida através de seu peso de evidência (W+), na espacialização do desmatamento. Dentre todas as variáveis proximais utilizadas no modelo, esta é a que mais determina os padrões de desmatamento, seja no Mato-Grosso, seja na Amazônia Legal. Estudo realizado por Chomitz & Thomas (2000) corrobora essa afirmativa. Regiões que estão próximas a áreas já desmatadas têm maior probabilidade de serem desmatadas se comparadas a regiões de floresta contínua. Tanto a atividade madeireira, como a pecuária e soja, preferem se estabelecer em regiões com mínima infra-estrutura a se embrenhar 51 em regiões remotas. Obviamente, à medida que os recursos naturais, madeira principalmente, e as terras aptas à agropecuária vão se esgotando (tanto no sentido de degradação ambiental quanto no de oportunidade de compra ou grilagem) essas atividades tendem a migrar para novas fronteiras, tornando o processo cíclico. Unidades de Conservação e Terras Indígenas: Layers contido na base de dados do zoneamento ecológico-econômico do Estado do Mato-Grosso e cedido pela FEMA. Unidades de Conservação 0 -0,5 -1 W+ -1,5 -2 -2,5 -3 -3,5 -4 Terra não protegida Parque estadual Estação ecológica estadual Reserva extrativista estadual RPPN Categorias segundo SNUC Figura 17 - Influência das diferentes categorias de Unidades de Conservação, medida através de seu peso de evidência (W+), na contenção do desmatamento. Terra indígena 0,5 0 W+ -0,5 -1 -1,5 -2 -2,5 Fora da terra indígena Dentro da terra indígena Localização Figura 18 - Influência Terras Indígenas, medida através de seu peso de evidência (W+), na contenção do desmatamento. 52 Unidades de conservação e terras indígenas sempre foram alvos de calorosas discussões políticas. A sua eficácia na contenção ou diminuição do processo de desmatamento sempre foi questionada, e, sempre que uma dessas áreas protegidas (unidade de conservação ou terra indígena) é criada, o debate se reaquece. No entanto, recentes estudos da comunidade científica (Nepstad et al., 2006; Ferreira & Venticinque, 2005; Bruner et al., 2001) endossam o crescente grupo de pessoas favoráveis à demarcação de áreas protegidas como ferramenta de proteção à biodiversidade e de inibição ao desmatamento. O estudo conduzido no Brasil por Nesptad et al. (2006) indica que o desmatamento fora dos parques é 20 vezes superior ao registrado dentro de seus limites. E, na atualidade, as terras indígenas, que ocupam 1/5 da Amazônia brasileira, são a maior barreira ao avassalador processo de desmatamento. Esse resultado reforça a análise feita por Bruner et al. (2001), indicando que 83% dos 93 parques analisados em distintos países tropicais do globo não registraram desmatamento dentro de sua área após o decreto de criação. Os dois gráficos acima também vão ao encontro dos resultados obtidos pelos autores supracitados, ou seja, uma área florestada situada dentro dos limites de áreas protegidas (terras indígenas ou unidades de conservação) tem a probabilidade de ser desmatada muito inferior a uma área fora de seu limite. As diferenças nessas probabilidades (ver gráfico acima) entre as diversas categorias de unidades de conservação contidas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC, 2000), Lei Federal no 9.985/00, foram abordadas por Leandro Ferreira, em estudo complementar ao seu artigo recém-publicado (Ferreira & Venticinque, 2005). Segundo ele as unidades de uso sustentável, como reserva extrativista, têm um menor poder de contenção de desmatamento se comparadas às de proteção integral, a exemplo das estações ecológicas e parques. As unidades de conservação estaduais e municipais são menos efetivas que as federais. Em geral, as áreas protegidas sob jurisdição estadual e municipal estão mais sujeitas aos mandos e desmandos de forças políticas locais. 6.4.2 O município de Colniza O município de Colniza está situado no extremo noroeste mato-grossense, a 1200 km de distância da capital Cuiabá (figura 19). Recém desmembrado do município de Aripuanã, Colniza foi criado em 2000 e conta com baixíssima infra-estrutura, típica de regiões de fronteira. Do 53 ponto de vista ambiental, está entre os poucos municípios do Estado que ainda conservam mais de 90% de sua cobertura florestal intactas: apenas 8,6% de suas matas haviam sido desmatadas em 2004. Infelizmente, Colniza está seguindo o mesmo caminho dos municípios localizados no centro-norte mato-grossense, que passaram por um período de boom econômico decorrente da exploração madeireira e, posteriormente, entraram em colapso com a exaustão do recurso (ver seção 5.5). Tabela 3 - Dados de propriedades rurais licenciadas pela FEMA em Colniza. Fonte:FEMA, 2005. Tamanho Propriedades (hectares) Nº propriedades % do total de propriedades <=50 50-100 100-400 400-1.500 1.500-5000 5.000-10.000 10.000-20.000 >20.000 Total 5 4 12 57 75 6 7 9 175 2.86 2.29 6.86 32.57 42.86 3.43 4.00 5.14 100.00 % em Soma das áreas relação ao das propriedades total da (hectares) área 157.38 274.18 2,657.16 53,270.63 199,296.35 42,113.55 82,119.89 500,067.25 879,956.39 0.02 0.03 0.30 6.05 22.65 4.79 9.33 56.83 100.00 Figura 19 - Mapa político do Mato Grosso com Colniza destacado em vermelho e ampliado, indicando a área de estudo. 54 A exemplo do Estado, em Colniza as terras estão concentradas nas mãos de poucos (Tabela 3). A área média das propriedades é de 5.028 hectares (cálculo baseado em 32% da área do município que está cadastrada no sistema de licenciamento de propriedades rurais da FEMA) e existem 9 fazendas acima de 20.000, que somadas às outras áreas, contabilizam 56,8% da área total cadastrada no município. Na simulação de Colniza foram utilizados 6 layers de variáveis proximais: distância a estradas, distância a sedes municipais, solos, unidades de conservação, terras indígenas e assentamentos do INCRA. As fontes são as mesmas dos layers utilizados na simulação do noroeste mato-grossense. Os layers de distância a frigoríficos e distância a distritos não foram incorporadas ao modelo pelo fato de não existirem tais localidades no município ou por não terem sido contemplados pela base de dados disponível. O layer de distância a pólo madeireiro foi descartado, pois o pólo de Colniza está situado na sede municipal. Como não pode haver correlação espacial entre os layers, tivemos de eliminar um deles. O mapa de declividade não foi utilizado, pois a resposta do modelo a esta variável não foi satisfatória. Apesar dos valores dos pesos de evidência das variáveis proximais de Colniza diferirem um pouco dos valores encontrados para o noroeste, no geral eles seguem a mesma tendência. Portanto, a discussão sobre a influência de cada variável no processo de desmatamento foi restringida à seção anterior. Abaixo estão ilustradas as análises dos pesos de evidência das variáveis proximais. Distância a se de municipal 3.5 3 2.5 W+ 2 1.5 1 0.5 0 -0.5 0:5 5:10 10:15 15:20 20:25 25:30 30:35 35:40 40:45 >50 Faixa de dis tância (k m) Figura 20 - Influência da distância a sede municipal de Colniza, medida através de seu peso de evidência (W+), na espacialização do desmatamento. 55 Unidades de conservação 0,5 0 W+ -0,5 -1 -1,5 -2 -2,5 -3 Terra não protegida Parque estadual Estação ecológica estadual Reserva extrativista Categorias segundo SNUC Assentamento do INCRA 2,5 2 W+ 1,5 1 0,5 0 -0,5 Fora da área de assentamento Dentro da área de assentamento Localização Terra indígena 0,5 0 W+ -0,5 -1 -1,5 -2 -2,5 Fora da terra Dentro da terra indígena Localização Figura 21 - Influência das diferentes categorias de Unidade de Conservação, Assentamentos do INCRA e Terras Indígenas, medidas através de seus pesos de evidência (W+), na contenção e espacialização do desmatamento. 56 Solos 1 0,5 0 W+ -0,5 -1 -1,5 -2 -2,5 -3 Afloramento de rocha / litossolo Podzólico vermelhoamarelo Areias quartzosas Latossolo Gleissolos e solos aluviais Classes de solo Distância a estradas 2 1,5 1 W+ 0,5 0 -0,5 -1 -1,5 0:1 1:2 2:3 3:4 4:5 5:6 6:7 >7 Faixa de distância (km) Distância a áreas já desmatadas 4 3 W+ 2 1 0 -1 -2 0: 18 0 18 0: 45 0 45 0: 54 0 54 0: 72 0 72 0: 81 0 81 0: 99 0 99 0: 11 70 11 70 :1 71 0 17 10 :1 98 0 19 80 :2 16 0 21 60 :2 52 0 25 20 :8 37 0 83 70 :8 46 84 0 60 :1 77 17 30 73 0: 17 82 17 0 82 0: 18 09 0 -3 Figura 22 - Influência dos diferentes tipos de solos, da distância às estradas e as áreas já desmatadas, medidas através de seus pesos de evidência (W+), na contenção e espacialização do desmatamento. 57 A exceção foi a variável solo. A análise mostra que as chances de ocorrer desmatamento são maiores em litossolos e solos aluviais do que em latossolo, o que não é verdade. O que determinou a expressão do gráfico foi a localização da sede municipal de Colniza, que está assentada sobre uma mancha de litossolo. Como o desmatamento ainda está restrito às redondezas da cidade, ele está ocorrendo sobre essa mancha de litossolo. À medida que o desmatamento se expandir para áreas mais distantes, esse cenário tende a mudar. Durante o processo de calibração, o peso de evidência deste layer foi modificado. 6.5 Cenários modelados 6.5.1 Centro-norte e noroeste mato-grossense Cenário usual: o cenário usual foi modelado utilizando a matriz probabilística de mudança anual, obtida a partir de uma matriz para o período 2000-2004, pela propriedade de matrizes ergódicas, que “anualiza” as matrizes de período, convergindo-as a uma distribuição estacionária. Para o período analisado, a transição floresta - desmatamento foi de 3,3% ao ano. Também foi utilizado o módulo construtor de estradas, responsável pela ampliação da malha de estradas a cada nova iteração do programa. Além da malha inicial de estradas, esse módulo requer, como dados de entrada, uma superfície de atratividade e outra de fricção, a construção de novos segmentos de estrada e uma distância mínima e máxima das estradas previamente existentes para a construção dos segmentos. A superfície de atratividade privilegiou a construção de estradas no extremo noroeste mato-grossense, por ser uma fronteira em expansão. Muitas estradas deverão ser abertas em um futuro próximo. Já a superfície de fricção foi utilizada do mapa de unidades de conservação e terras indígenas, a fim de evitar a construção de estradas nessas áreas. As distâncias máxima e mínima foram, respectivamente, 30 km e 3 km. O objetivo desse cenário foi modelar o futuro florestal da região caso as práticas agrícolas correntes entre o ano de 2000-2004 continuem da mesma forma. Cenário intermediário: o cenário intermediário em muito se assemelha ao cenário usual, sendo a única diferença a redução das taxa de transição floresta – desmatamento de 3,28% para 1,87%. 58 Essa redução se baseou em análises dos dados do sistema DETER (Detecção de Desmatamento em Tempo Real) (INPE, 2005), o qual indicou uma redução de 47,1% nas taxas de desmatamento na área em estudo entre o ano de 2004-2005. O sistema DETER não foi projetado para estimar a área desmatada na Amazônia, mas para apontar áreas em processo de desmatamento, fornecendo uma ferramenta importante para que medidas de contenção sejam tomadas. Caso as estimativas de área desmatada do DETER estejam certas, como vem divulgando publicamente o governo, veremos as conseqüências dessa redução neste cenário. Cenário otimista: o cenário otimista foi modelado utilizando a mesma taxa de transição do cenário intermediário, 1,87% ano. Este cenário também incorpora novas unidades de conservação da região, bloqueia a construção de estradas endógenas e simula o efeito de respeito à reserva legal de 50%. As novas unidades de conservação foram previstas no zoneamento ecológico-econômico do Estado e contidas na base de dados cedida pela FEMA-MT (figura 24). A Medida Provisória 2.166-67de agosto de 2001, que altera o “Código Florestal” (Lei 4.771, de 15 de setembro de 1965) prevê 80% de reserva legal em área de floresta Amazônica e 35% no cerrado situado na área de transição. Conforme anteriormente citado, a região em estudo possuía, em 2004, cerca de 32% de sua área florestal desmatada, ou seja, 12% superior ao previsto na legislação. Todavia uma decisão do governo estadual especificou 50% de reserva legal para área de transição (Fearnside, 2002), fazendo com que a grande maioria dos proprietários de terra julgassem suas matas como sendo de transição, embora muitas vezes não sejam. Nesse caso, 18% da área de floresta ainda está passível de sofrer desmatamento legal. Por restrições do modelo, simulamos a evolução do desmatamento globalmente, ou seja, como se o Estado fosse uma grande propriedade com direito a desmatar mais 18% de sua área total. Para simular o efeito de respeito à reserva legal, o DINAMICA usa um módulo de saturação global que faz com que ocorra uma alteração assintótica na taxa de transição que parte da classe cuja saturação está sendo controlada (figura 23) No caso, aferimos 0.5 de saturação global à classe floresta. Como o percentual de floresta passível de ser desmatado é baixo, as taxas de transição foram reduzidas drasticamente, quase se igualando a zero. Considerações finais Todos os cenários tiveram como ano base 2004 (figura 24). A partir deste, foi simulada, ano a ano, a fragmentação florestal, até o ano de 2020. 59 Figura 23 - Gráfico ilustrando o modo como opera o módulo de saturação global do DINAMICA. À medida que a ocorrência da classe floresta diminui a transição floresta-desmatamento também diminui. Figura 24 - Região centro-norte e noroeste mato-grossense. As classes de cobertura da terra se referem ao ano de 2004. 60 6.5.2 O município de Colniza Cenário usual: o cenário usual modelado segue a mesma metodologia do cenário usual do noroeste. A taxa de transição é 1,6 % ao ano, gerada com as cenas de 2000 e 2004. Não há restrição ao desmatamento e ao crescimento de estradas endógenas. As distâncias máxima e mínima utilizadas no módulo construtor de estradas foram 10 km e 1 km, respectivamente. Cenário intermediário: o cenário intermediário também se assemelha ao cenário usual, sendo a única diferença a redução da taxa de transição floresta – desmatamento, de 1,6% para 0,07% ao ano. Esta taxa também foi baseada no sistema DETER, que, entre agosto de 2004 e julho de 2005, estimou uma redução de 55,22% no desmatamento ocorrido no município, que foi da ordem de 326 km2 ao ano, no período 2000-2004. Cenário otimista: o cenário otimista foi modelado utilizando a mesma taxa de transição do cenário intermediário, 0,07% ano. Também incorpora novas unidades de conservação à região, bloqueia a construção de estradas endógenas e simula o efeito de respeito à reserva legal de 80%. As novas unidades de conservação estão previstas no zoneamento ecológico-econômico do Estado e estão contidas na base de dados concedida pela FEMA-MT (figura 25). Como dito anteriormente, o município de Colniza ainda preserva intacta mais de 90% de sua cobertura florestal. Assim sendo, foi possível simular o efeito do respeito à reserva legal de 80%. Neste modelo, foi utilizado o módulo de saturação local e não o de saturação global, como no cenário otimista modelado para o noroeste. O módulo de saturação local permite definir a saturação de determinada classe de cobertura dentro de um espaço geográfico delimitado a priori. Nessa simulação, delimitamos uma área de 5000 hectares, tamanho médio das propriedades no município, e uma saturação de 0.8 para a classe floresta. Dessa forma, o município foi todo dividido em blocos de 5000 hectares e o desmatamento dentro de cada bloco ficou restrito a 20% de sua área. Quando este total é atingido, a simulação dentro da área para. Obviamente, induzimos um erro pelo fato de que nem toda propriedade do município tem 5000 hectares (Tabela 3). 61 Figura 25 - Município de Colniza. As classes de cobertura da terra se referem ao ano de 2004. Considerações finais Todos os cenários tiveram como ano base 2004 (figura 10.), A partir deste, foi simulada, ano a ano, a fragmentação florestal, até o ano de 2020. 62 6.6 Calibração e validação do modelo O processo de calibração leva em conta o ajuste do modelo à configuração espacial. Para a comparação da configuração espacial entre as imagens simuladas e reais, utiliza-se o método denominado similaridade fuzzy (Hagen, 2002). De acordo com Hagen (2002), similaridade fuzzy se baseia no conceito de fuzziness de locação, em que a representação de uma determinada célula é influenciada pela própria célula, e, em menor extensão, pelas células vizinhas (figura 26). No exercício de simulação, a janela de comparação entre células vizinhas foi de 5X5. Para se considerar a fuzziness nos mapas comparados, é necessário mudar a maneira pela qual a célula é representada em um raster. Ao invés de atribuirmos um único valor por célula, cada célula é representada por um conjunto de vetores. Cada elemento vetorial de determinada célula assume um valor entre 0 e 1, de acordo com o grau de similaridade entre as categorias representadas. Dois tipos de fuzziness são considerados, o primeiro se refere à similaridade entre categorias, e o segundo ao deslocamento espacial de determinada célula. Os mapas de representação vetorial fuzzy obtidos, considerando o deslocamento espacial e a similaridade categórica, são comparados. O algoritmo de comparação é designado para avaliar a similaridade em acordo com o critério intuitivo humano. Isso pode ser alcançado através de uma comparação em duas vias, procedendo-se da seguinte forma: em um primeiro instante, o vetor fuzzy da célula A é comparado com o vetor categórico da célula B, de acordo com a teoria fuzzy. Depois, o vetor categórico da célula A é comparado com o vetor fuzzy da célula B. Finalmente, o resultado inferior entre as duas comparações estabelece a similaridade. Apenas os cenários usuais das simulações foram validados e os índices de similaridade obtidos para o noroeste mato-grossense e Colniza foram 0,65 e 0,50, respectivamente. 63 Figura 26 - Seis situações em que os mapas da esquerda e da direita são comparados, considerando fuzziness de locação. (Fonte: Hagen, 2000). 64 7. Resultados e Discussão dos Cenários Ao analisar os resultados de qualquer exercício de modelagem da dinâmica de uso e cobertura da terra é sempre bom fazê-lo levando em conta o caráter falível das predições ambientais. Um modelo é uma abstração da realidade complexa e, portanto, sempre estará sujeito a erros. Um modelo de simulação espacial como o DINAMICA é importante à medida que nos permite visualizar alguns dos impactos da ação humana, positivos e ou negativos, no futuro de uma paisagem em estudo. Mesmo que as paisagens simuladas nunca se equiparem às paisagens reais, elas com certeza mostram que ações mal planejadas hoje podem, num futuro próximo, ter um impacto severo na qualidade do meio em que vivemos. Assim sendo, são feitas algumas ressalvas importantes para a correta interpretação dos resultados obtidos no exercício de modelagem executado nesta dissertação. • Nas duas escalas de abordagem, noroeste mato-grossense e Colniza, mesmo o cenário otimista é pessimista se comparado à atualidade. Como a única transição possível no modelo é floresta – desmatamento, não está sendo computada a regeneração natural das áreas desmatadas e abandonadas, o que é bastante comum no bioma Amazônico. Esta limitação se deve unicamente ao fato dos dados de entrada no modelo Prodes (INPE, 2005) não discernirem áreas desmatadas com solo exposto de áreas desmatadas em regeneração. Assim sendo, não foi possível simular um cenário mais otimista ao observado em 2004. • Outra limitação encontrada se refere ao desmatamento que ocorre na porção cerrado das áreas de estudo, representando, respectivamente, 8,2% e 1,2% do noroeste matogrossense e Colniza. As mudanças ocorridas nos cerrados não foram simuladas devido às restrições dos dados do projeto Prodes, que não contabiliza o desmatamento ocorrido no cerrado. • As taxas anuais de desmatamento em todos os cenários modelados, à exceção do cenário otimista do noroeste mato-grossense, são constantes. Citamos o exemplo do cenário usual de Colniza , cuja taxa de desmatamento calculada entre 2000-2004 foi de 1,5% ano. Sendo assim, o DINAMICA converte sistematicamente, ano a ano, 1,5% da classe floresta em desmatamento, até 2020. No entanto, é provável que, num cenário usual, o desmatamento em Colniza aumente à medida que os estoques 65 florestais do centro-norte se esgotem. É valido ressaltar que o modelo DINAMICA também trabalha com taxas de transição oscilantes (Soares-Filho, 2004), que podem ser incorporadas ao modelo através do programa VENSIM (Ventana, 2002), aumentando substancialmente o poder preditivo e a maleabilidade na simulação de cenários. • Outro ponto importante é a simplificação que a paisagem sofreu no processo de modelagem. Tanto Colniza como principalmente o noroeste mato-grossense possuem uma diversidade enorme de ecossistemas. As florestas possuem diferentes fitofisionomias, que vão desde campinas a florestas ombrófilas densas, passando por campinaranas e ecótones formados pelo contato cerrado-floresta Amazônica. Todas essas distintas formações são agrupadas pelo Prodes dentro de uma única categoria, floresta. Isso faz com que o impacto do desmatamento seja homogeneizado. Essas formações florestais se encontram em diferentes graus de vulnerabilidade, são habitat de diferentes espécies e desempenham distintas funções ecológicas; logo, o impacto de um hectare desmatado ao sul da BR-163, região de contato cerrado-floresta e extremamente ameaçado, pode ser muito superior ao impacto do desmatamento de um hectare ao norte de Colniza. • A reamostragem do tamanho do pixel de 60m para 90m em Colniza, e de 60m para 310m no noroeste mato-grossense é um artefato bastante utilizado em exercícios de modelagem e análise de padrões espaciais de paisagem (Wu, 2004; Turner, 1989). Entretanto, as análises dos resultados devem ser feitas com cautela, pois a nossa compreensão dos efeitos da reamostragem dos dados ainda é rudimentar e muito dos padrões descritos nas análises podem não corresponder ao observado na paisagem real (Forman, 1995). Para uma análise um pouco mais refinada das paisagens simuladas, que acrescentasse alguma informação adicional aos resultados obtidos diretamente do DINAMICA, optamos por fazer uma leitura dos padrões espaciais do desmatamento dos cenários modelados através de algumas métricas de paisagem (tabela 4), processadas no software Fragstats, versão 3.3 (McGrigal & Marks, 1995). 66 Um dos principais objetivos da ecologia da paisagem é entender a relação de reciprocidade existente em padrões espaciais e processos ecológicos (Turner, 1989, 2005; Gustafon, 1998; Giles & Trani, 1999; Wu & Hoobs, 2002, Leitão & Ahern, 2002), mas, apesar dos avanços significativos dos autores supracitados, todos são enfáticos em afirmar que este objetivo ainda está longe de ser atingido. Em teoria, é sabido que processos criam, modificam e mantêm padrões e estes restringem, promovem e neutralizam processos (Forman, 1995). Na prática, a distinção entre a heterogeneidade espacial possível de ser mapeada e mensurada via índices de paisagem e a heterogeneidade que é ecologicamente relevante para o recurso a ser manejado ainda é nebulosa (Turner, 2005). De acordo com Gustafon (1998), a aplicação das análises de padrões espaciais não é trivial. Poucos índices de paisagem dizem algo por si só. Segundo o autor, seu uso mais apropriado é na comparação de uma mesma paisagem em distintos intervalos de tempo e ou de uma mesma paisagem em distintos cenários. E é isso que esta dissertação se propôs: comparar distintos cenários em diferentes intervalos de tempo de uma mesma paisagem, usando os índices descritos na tabela 4. Tabela 4 - Índices de paisagem utilizados para quantificar a configuração espacial das manchas de desmatamento nos cenários obtidos para a paisagem do noroeste mato-grossense e Colniza. ÍNDICE DE PAISAGEM* PLAND AI LPI NP SHAPE_AM AREA_AM DESCRIÇÃO Porcentagem da área total coberta por determinada classe. Amplitude de variação 0 a 100. Índice de agregação. Mede o grau de agregação de determinada classe. Amplitude de variação 0 a 100. Refere-se à porcentagem total da área contida pela mancha de maior tamanho de desmatamento. Amplitude de variação 0 a 100. Número de fragmentos de determinada classe Mede a complexidade das manchas de determinada classe comparada a uma mancha quadrada de mesmo tamanho. Quanto mais próxima a 1 mais regular é a mancha. Tamanho médio das manchas de determinada classe. Medida ponderada pela proporção que cada mancha ocupa na paisagem * As abreviaturas das métricas são originais do software Fragstats 3.3. Para descrição mais detalhada dos índices consultar McGrigal & Marks (1995) Embora nosso foco de estudo seja descrever a evolução da fragmentação florestal nos distintos cenários modelados, as métricas foram aplicadas somente na classe desmatamento e, a partir desta, foi feita uma leitura inversa, ou seja, o que as métricas referentes ao desmatamento 67 nos dizem a respeito da fragmentação florestal. A opção pela análise inversa foi decorrente de uma análise prévia dos cenários, que indicou que a maior parte da floresta remanescente é conectada à Amazônia Legal formando um único bloco de floresta contínua ou, no máximo, quatro grandes blocos. Dessa maneira, os resultados das métricas da classe floresta sofreriam um viés muito grande caso fossem processadas diretamente. Os resultados das análises serão apresentados em duas seções, uma referente ao noroeste mato-grossense e outra, a Colniza. 7.1 Noroeste mato-grossense A configuração da paisagem em 2004, ano de partida para todos os cenários modelados, bem como os resultados da simulação do cenário usual, intermediário e otimista (ver seção 6.5.1) são ilustrados nas figuras 24, 27, 28 e 29, respectivamente. Em termos de composição, os cenários usual, intermediário e otimista apresentam, respectivamente, 54,8% , 45,1% e 30,7% de suas áreas desmatadas para o ano 2020 (figura 30), não contabilizado o desmatamento em cerrado. Em termos de área de floresta preservada, a diferença entre o cenário otimista e usual é de 73.843 km2 e, entre o cenário intermediário e usual, é de 29.632 km2. Em 2020, o cenário usual apresenta 51,6% da área total compreendida em uma única mancha de desmatamento contra 34,8% no cenário intermediário e 13,4% no cenário otimista (figura 31). Dessa forma, era de se esperar que o tamanho médio das manchas de desmatamento, expresso pela métrica AREA_AM, aumentasse no decorrer do tempo para os cenários usual e intermediário e se mantivesse constante para o cenário otimista. E isso de fato ocorreu, como observado da figura 32. Em contrapartida, o número de manchas de desmatamento diminuiu bastante, passando de 17.150 a 9.780 e de 17.557 a 12.747 nos cenários usual e intermediário, respectivamente (figura 33). No cenário otimista, o número de manchas se manteve praticamente constante, oscilando em torno de 18.000 manchas. 69 Figura 27 - Cenário usual da região noroeste mato-grossense modelado para 2020. 71 Figura 28 - Cenário intermediário da região noroeste mato-grossense modelado para 2020. 72 Figura 29 - Cenário otimista da região noroeste mato-grossense modelado para 2020. 73 Figura 30 - Porcentagem da área total de estudo desmatada de 2005 a 2020. Figura 31 - Porcentagem da paisagem coberta pela maior mancha (LPI) de desmatamento frente aos diferentes cenários modelados de 2005 a 2020. Figura 32 - Tamanho médio das manchas (AREA_AM) de desmatamento frente aos diferentes cenários modelados de 2005 a 2020. 74 Figura 33 - Número de manchas de desmatamento (NP) frente aos diferentes cenários modelados de 2005 a 2020. Figura 34 - Índice de agregação (AI) frente aos diferentes cenários modelados de 2005 a 2020. Figura 35 - Índice de complexidade das manchas de desmatamento (SHAPE_AM) frente aos diferentes cenários modelados de 2005 a 2020. 75 Os resultados das 3 últimas métricas acima listadas são mais bem compreendidos quando analisamos o resultado do índice de agregação (figura 34), que mostra uma nítida tendência de agregação das manchas de desmatamento para os cenários usual e intermediário e uma estabilidade no cenário otimista. A análise conjunta das métricas LPI, AREA_AM, NP e AI (figuras 31, 32, 33 e 34) nos mostra, em números, o que observamos na análise visual dos cenários usual e intermediário (figuras 27 e 28). À medida que a floresta vai sendo desmatada, a matriz vai deixando de ser florestal e passamos a ter predomínio da porção desmatamento na paisagem. De maneira geral, os fragmentos de floresta vão diminuindo em área e desaparecendo, e as áreas desmatadas vão se conectando e formando um grande bloco de terra desmatada. Nos cenários usual e intermediário, as áreas de floresta preservada vão se restringindo às unidades de conservação e terras indígenas. Em ambos os cenários, o extremo noroeste matogrossense também se mantém parcialmente preservado em 2020, por se tratar de uma região onde a densidade de estradas, vilarejos, sedes municipais, assentamentos do INCRA e madeireiras ainda é baixo se comparado à porção centro-norte do Estado. Isso não significa que a região está salva de ser desmatada, pois o surgimento da infra-estrutura mencionada é questão de tempo, a julgar pelo histórico de ocupação do Mato-Grosso (ver seção 5.1). Basta mencionar que os municípios de Colniza e Rondolândia foram fundados em 2001 a partir do desmembramento do município de Aripuanã e que o fluxo de madeireiras para a região tem aumentado consideravelmente nos últimos anos (Lentini, 2005). Como observado em todos os índices analisados (Figura 30, 31, 32, 33 e 34), a amplitude de variação destes no cenário otimista é baixa, permanecendo praticamente inalterada ao longo dos anos. Tais resultados são reflexos da baixa taxa de transição imposta ao cenário, inferior a 0,3% ao ano, que fez com que a diferença da configuração da paisagem de um ano para o outro fosse mínima. Como em 2004 a paisagem já se encontrava bastante fragmentada, esta estratégia foi pensada no intuito de modificar o mínimo possível à estrutura espacial dos fragmentos florestais existentes, e assim simular um cenário dito “otimista” para o noroeste mato-grossense. A última métrica analisada foi SHAPE_AM (figura 34), que mede a complexidade das manchas de desmatamento. Esta métrica apresentou um resultado insatisfatório. A variação deste índice ao longo do tempo foi bastante heterogênea para os distintos cenários (figura 35). No cenário otimista as manchas apresentaram pequeno aumento em sua complexidade em reflexo da 76 baixa taxa de transição imposta a este cenário, ou seja, como a configuração inicial e final da paisagem se assemelham, era de se esperar uma baixa variação deste índice; já no cenário intermediário a amplitude de variação foi maior em decorrência da maior taxa de transição, entretanto o índice de complexidade das manchas em 2020 se equipara ao observado no cenário otimista. No cenário pessimista o valor do índice oscilou bastante ao longo dos anos, crescendo inicialmente, seguido de um período de queda e ascendendo novamente até se estabilizar por volta de 2017, em termos absolutos as manchas de desmatamento neste cenário são em média 40% mais complexas que nos outros dois cenários. Um dos princípios básicos da ecologia da paisagem (Forman, 1995) é que somente grandes blocos de vegetação natural (floresta, no caso do noroeste mato-grossense) são capazes de proteger aqüíferos e conectar redes de drenagem; sustentar populações viáveis de espécies endêmicas, especialmente as de topo de cadeia alimentar que dependem muito de um ecossistema ecologicamente equilibrado; e amortizar distúrbios naturais leves. Por outro lado, pequenas manchas de vegetação natural servem como ilhas de dispersão de propágulos e recolonização, protegem espécies raras isoladas nestes fragmentos, garantem heterogeneidade à matriz, além de habitat para espécies exclusivas de pequenos fragmentos. Essas manchas aportam benefícios diferentes dos grandes fragmentos e devem ser complementares a eles, nunca substituí-los. Segundo Forman (1995), uma paisagem próxima ao ideal deve apresentar simultaneamente: uma extensa área de cobertura florestal; um pequeno número de manchas; uma mancha relativamente grande a fim de atuar como fonte de propágulos às manchas menores; tamanho médio das manchas preferencialmente de grande extensão e elevado grau de conectividade, o que implica menor probabilidade de essas manchas encontrarem-se isoladas na paisagem, facilitando a movimentação dos diversos organismos, o que corrobora a sobrevivência das populações. Baseado nas premissas postuladas nos parágrafos anteriores, conclui-se que tanto o cenário usual quanto o intermediário são ecologicamente indesejáveis, pois os grandes fragmentos são praticamente limitados às unidades de conservação, os pequenos são escassos, os médios praticamente inexistem e a conectividade entre eles é nula. Obviamente, o cenário intermediário é preferível ao cenário usual, os índices de paisagem confirmam isso, mas continua sendo ruim do ponto de vista ambiental. Num curto espaço de tempo, eles tendem a se igualar. No cenário usual, metade da cobertura florestal do centro norte mato-grossense deixa de existir 77 em 2014, enquanto que, no cenário intermediário, este patamar é atingido em 2021, ou seja, dentro de poucos anos essa região do Estado deixará de ser predominantemente florestal e passará a ser agrícola. Se mantivermos o mesmo ritmo de desmatamento observado no período compreendido entre 2000-2004, em 2061 restarão menos de 10% da cobertura florestal natural da região. Dentre os três cenários traçados somente o cenário otimista, que é quase ilusório, pois pressupõe uma política de desmatamento próxima a zero, é capaz de manter a diversidade biológica e o equilíbrio dos ecossistemas locais. 7.2 O município de Colniza. A configuração da paisagem em 2004, ano de partida para todos os cenários modelados, bem como os resultados da simulação do cenário usual, intermediário e otimista (ver seção 6.5.2) são ilustrados nas figuras 25, 36, 37 e 38, respectivamente. Figura 36 - Cenário usual de Colniza-MT modelado para 2020. 78 Figura 37 - Cenário intermediário de Colniza-MT modelado para 2020. Em termos de composição, os cenários usual, intermediário e otimista apresentam 28,5% , 18% e 18%, respectivamente, de suas áreas desmatadas no ano 2020 (figura 39), não contabilizado o desmatamento em cerrado. Em termos de área de floresta preservada, a diferença entre o cenário otimista e a usual é de 2.840 km2. Como mostrado na figura 39, os cenários otimista e intermediário possuem o mesmo percentual de área desmatada, pois ambos foram modelados usando a mesma taxa de transição. A diferença entre eles está na configuração espacial das manchas de desmatamento: enquanto no cenário intermediário o desmatamento está concentrado ao longo das estradas e da sede municipal, no cenário otimista ele está mais espalhado, formando manchas de pequeno e médio porte por toda a paisagem. Levando em consideração que, no cenário otimista, todo o município foi dividido em glebas de 5000 hectares e que, dentro de cada gleba, apenas 20% da área está sujeita a ser desmatada (ver seção 6.5.2), um resultado como este era esperado. 79 Figura 38 - Cenário otimista de Colniza-MT modelado para 2020. É importante ressaltar que a escala de análise pode modificar muito o resultado do modelo (Wu, 2004). A taxa de desmatamento do noroeste mato-grossense como um todo, para o período 2000-2004, foi de 3,2% ao ano, enquanto que, em Colniza, foi de 1,5% ao ano no mesmo intervalo de tempo. Logo, a projeção de cenários futuros baseado em padrões passados depende muito da escala de abordagem. O município de Colniza está inserido num contexto regional, onde o aumento ou decréscimo das taxas de desmatamento é reflexo do que acontece não somente na escala municipal, mas principalmente nas escalas estadual e federal. Assim sendo, embora o exercício de modelagem tenha se baseado nas taxas de desmatamento municipal para fazer projeções futuras, estamos cientes de que, provavelmente, essa taxa deva aumentar nos próximos anos, pois a queda vertiginosa dos estoques de madeira nos municípios da região centro-norte e nordeste mato-grossense devem empurrar grandes madeireiras para o extremo oeste do Estado. 80 Figura 39 - Porcentagem da área total de Colniza desmatada de 2005 a 2020. Figura 40 - Porcentagem da paisagem de Colniza ocupada pela maior mancha de desmatamento (LPI) frente aos diferentes cenários modelados de 2005 a 2020. Figura 41 - Tamanho médio das manchas (AREA_AM) de desmatamento em Colniza frente aos diferentes cenários modelados de 2005 a 2020. 81 Figura 42 - Número de manchas de desmatamento (NP) em Colniza frente aos diferentes cenários modelados de 2005 a 2020. Figura 43 - Índice de complexidade das manchas de desmatamento (SHAPE_AM) em Colniza frente aos diferentes cenários modelados de 2005 a 2020. Figura 44 - Índice de agregação (AI) em Colniza frente aos diferentes cenários modelados de 2005 a 2020. 82 A análise da métrica LPI e AREA_AM (figuras 40 e 41) evidencia o que observamos através da análise visual dos cenários modelados em 2020, ou seja, as manchas de desmatamento são maiores no cenário usual, 71.988 hectares em média, e menores no otimista, 13.414 hectares. O cenário intermediário possui manchas intermediárias aos outros dois cenários, 44.208 hectares. Conseqüentemente a maior gleba desmatada no cenário usual ocupa 5,8% da área total do município. No intermediário, este valor é de 4,9% ,e no otimista, é de 2,7%. Lembramos que o tamanho médio das manchas de desmatamento está ponderado pela proporção que cada mancha ocupa na paisagem, daí os valores altos da métrica AREAM_AM. Ao contrário das métricas LPI e AREA_AM, o índice NP (figura 42), que nos diz o número de manchas de desmatamento, não mostrou diferença expressiva de um cenário para o outro, embora, visualmente, o cenário otimista pareça ter mais manchas que os demais. O número total manchas em 2020 para os cenários usual, intermediário e otimista é de 1811, 2071 e 1692 respectivamente. Analisando a métrica SHAPE_AM (figura 43), que mede a complexidade das manchas de desmatamento (ver tabela 4), a compreensão do porquê dos resultados similares da métrica NP se torna mais fácil. Enquanto, no cenário otimista, as manchas de desmatamento são mais homogêneas, SHAPE_AM variando entorno de 6, nos cenários usual e intermediário elas são mais heterogêneas, variando de 9,57 a 13,4. Isso significa que, no cenário otimista, as manchas de desmatamento são de fácil percepção, pois se assemelham a um quadrado. Já nos outros dois cenários, elas assumem formas mais complexas, como uma linha de desmatamento ao redor de uma estrada, tornando a percepção visual mais difícil. A exemplo da métrica NP, o índice de agregação (AI) também diferiu pouco entre os três cenários analisados (figura 44), sendo sempre superior a 90%. O cenário usual apresentou um ligeiro aumento na agregação das manchas de desmatamento, passando de 91% em 2005 para 93,4 % em 2020. Os demais cenários mantiveram a agregação das manchas em torno de 90%. Por ainda conter mais de 90% de sua cobertura florestal, o município de Colniza é um caso ímpar no Estado do Mato Grosso, onde a maior parte dos municípios já desmataram mais do que o permitido por lei. Portanto, é um município que ainda pode evitar o caminho observado nos demais municípios do Estado, que, em sua grande maioria, passaram pelo boom de crescimento econômico decorrente da exploração madeireira e, em seguida, colapsaram, com a exaustão do recurso. 83 Caso a taxa de desmatamento continue no mesmo patamar observado entre 2000-2004, cenário usual, no ano de 2013 o município ultrapassará os 20% de área total desmatada permitidos por lei, e, em 2045, metade da suas terras terão sido convertidas. E seguindo o cenário intermediário, o índice de 20 e 50% de desmatamento será atingido em 2023 e 2090, respectivamente. Como no cenário otimista pressupõe-se que haverá um respeito à reserva legal de 80 %, em 2023, o município de Colniza terá atingido sua cota de desmatamento e não será mais permitido o corte raso da floresta. No tocante às diferenças observadas na configuração espacial do desmatamento nos cenários intermediário e otimista, a pergunta que se faz é: qual é a implicação ambiental de optarmos por uma ou outra forma de desmatamento? É preferível ter extensas glebas de áreas desmatadas concentradas ao redor das estradas e núcleos urbanos, caso de cenário intermediário, ou glebas de desmatamento espalhadas por toda paisagem e de tamanho intermediário, caso do cenário otimista? A concentração do desmatamento ao redor dos núcleos urbanos acaba por suprimir um recurso importante para a manutenção da qualidade de vida nas cidades. Além de servir como opção de recreação e lazer, as florestas são importantes para: manutenção do micro-clima urbano, proteção nos mananciais que abastecem as cidades, e manutenção de espécies animais importantes no controle biológico de pragas agrícolas que atacam as lavouras nas cercanias. Soma-se a isso o fato de que as florestas, muitas vezes, abrigam espécies endêmicas e raras, e a sua supressão total acaba por extinguir espécies ainda desconhecidas pela ciência. O desmatamento decorrente da construção de uma estrada é um dos principais responsáveis pela fragmentação de florestas (Forman, 1995b). A construção de uma estrada qualquer divide um bloco de floresta contínua em dois, e o crescimento desordenado das estradas endógenas (ver seção 5.2) tem um poder de fragmentação enorme. Em 2020, a malha de estradas endógenas simulada pelo DINAMICA no cenário intermediário havia dividido o município de Colniza em 4 grandes blocos de floresta e outros 4.000 pequenos e médios fragmentos. Já no cenário otimista, embora tenha a mesma proporção de área desmatada que o intermediário, a floresta se encontra menos fragmentada. Diante do exposto acima conclui-se que o arranjo espacial da paisagem do cenário otimista em 2020 é preferível à paisagem simulada no cenário intermediário para o mesmo ano. 84 8. Conclusão Nos últimos trinta anos, o noroeste mato-grossense vem passando por uma profunda transformação na paisagem. A dinâmica de mudança de uso e cobertura da terra vem se acelerando nos últimos cinco anos e as taxas de desmatamento têm batido recordes. Se, historicamente, a pecuária é o grande responsável pelo desmatamento na Amazônia, ocupando mais de 75% da área total desmatada, no noroeste mato-grossense a expansão da cultura de soja tem ganhado destaque. A área plantada em soja no Estado duplicou de 1999 para 2004 e se expandiu, predominantemente, na região de transição entre o cerrado e a floresta Amazônica. Embora os campos de soja tenham se estabelecido primordialmente em áreas de pastagem, o cultivo desta commodity tem empurrado a pecuária a abrir novas áreas de floresta na região de fronteira. As madeireiras também continuam atuando a margem da lei na região e são as maiores responsáveis pela construção de estradas endógenas e pelo empobrecimento da floresta, aumentando muito a probabilidade de ocorrência de incêndio. Além do mais, as estradas endógenas abrem acesso a extensas áreas de terras públicas, que são griladas para abastecer o mercado fundiário. As perspectivas mundiais apontam para um aumento da demanda de carne, soja e madeira tropical. O potencial do noroeste mato-grossense para suprir parte dessa demanda é inquestionável, mas as conseqüências ambientais podem ser graves. Se continuar a exprimir as mesmas taxas de desmatamento observadas entre 2000-2004, a região deve chegar em 2020 com menos de 40 % de remanescente florestal, que estarão limitados às unidades de conservação e terras indígenas do extremo noroeste do Estado. E mesmo que haja uma redução de 47% na taxa de desmatamento, o cenário em 2020 também é ecologicamente indesejável. A melhor maneira de conciliar o crescimento econômico e o equilíbrio ecológico desta região seria a melhoria do manejo nas pastagens e sua integração com a lavoura de soja, de modo a intensificar o processo produtivo e diminuir a pressão sobre recurso florestal. As projeções feitas isoladamente para Colniza mostram que embora o município ainda tenha mais de 90% de suas terras cobertas por floresta, o ritmo atual de desmatamento reduziria este patamar até 2002 para, aproximadamente, 70% e que o respeito à reserva legal de 80% seria de grande valia para a manutenção da qualidade ambiental do município. 85 A eficácia das unidades de conservação na contenção do desmatamento foi discutida da seção 6.4.1. A criação de novas unidades sempre será bem-vinda em um Estado cujo ecossistema se encontra muito ameaçado, principalmente na transição entre o cerrado e a floresta amazônica. Foi mostrado, nesta dissertação, que o noroeste mato-grossense já se encontra de tal maneira fragmentado que qualquer nova unidade de conservação será de grande valia para a preservação de espécies endêmicas, conexão de fragmentos isolados e formação de corredores ecológicos. Embora a análise das métricas em Colniza não tenha captado a importância das unidades de conservação propostas na composição e configuração da paisagem, muito em decorrência de a matriz ainda ser florestal, elas serão de suma importância num cenário futuro de predominância agrícola. Considerações sobre o modelo DINAMICA O modelo DINAMICA se mostrou eficaz na alocação do desmatamento, evidenciando com clareza quais variáveis espaciais e o quanto cada uma delas influencia o desmatamento. Deve ser empregado primordialmente com a finalidade de investigar as regiões mais susceptíveis a conversão da cobertura e uso da terra, e, em segunda medida, na elucidação das variáveis espaciais que mais influenciam este processo. É importante salientar que ao se utilizar taxas de transição fixa, assim como foi realizado nesta dissertação, o modelo perde robustez, pois pressupõe que o desmatamento ocorre a taxas constantes ao longo do tempo, o que não é verdade. O desmatamento oscila de ano pra ano e sempre estará sujeito a quedas e ascensões. Neste sentido é recomendável que se acople ao modelo DINAMICA um modelo que simule taxas de transição variáveis, que leve em consideração não apenas os fatores ambientais e de infra-estrutura, mas também os fatores sócioeconômicos e políticos, tão importantes quanto os primeiros na estruturação da complexa teia das variáveis condicionantes do desmatamento. Apesar de terem sido utilizadas taxas de transição fixa o modelo atingiu o objetivo proposto, ou seja, elucidou qual a influência de cada condicionante espacial nos padrões de desmatamento no noroeste mato-grossense e alertou sobre as conseqüências futuras na configuração da paisagem, caso continuemos a exprimir as mesmas taxas de desmatamento observadas nos dias de hoje. 86 9. Referência Bibliográfica Alencar, A.; Nepstad, D.; Mcgrath. D.; Moutinho, P.; Pacheco, P.; Diaz, M. D. C. V.; SoaresFilho, B. 2004. Desmatamento na Amazônia: Indo além da "Emergência Crônica”. Belém: Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia. 84p. Almeida, C. M. 2004. Modelagem da dinâmica de ocupação do solo no bairro Savassi, Belo Horizonte, Brasil. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, Minas Gerais. 84p. Almeida, C. M.; Batty, M., Monteiro, A. M. V.; Câmara, G.; Soares-Filho, B. S.; Cerqueira, G. C.; Pennachin, C. L. 2003. 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Órgão Público Nome pessoa Cidade Associação / Cargo Função entrevistada Entidade Empresa Brasília - DF Brasília - DF Brasília - DF Brasília - DF Brasília - DF Brasília - DF Brasília - DF Brasília - DF Brasília - DF Cuiabá - MT IBAMA - Diretoria de Arty Coelho Vice diretor DEFIS fiscalização (DEFIS) IBAMA - Diretoria de Antônnio Carlos Diretor DIREF florestas (DIREF) Hummel IBAMA - Diretoria Pedro Eymard Camelo Diretor substituto deecossistemas (DIREC) IBAMA - Centro de Sensoriamento Remoto Edward Elias Júnior Diretor CSR (CSR) EMBRAPA- Setor Jozeneida Lúcia /Tito pesquisador / técnico Socieconômico Carlos Rocha EMBRAPA- Sensoriamento Edson Eyji Sano pesquisador Remoto e SIG EMBRAPA- Setor da Plínio Itamar de Mello pesquisador sojicultura EMBRAPA- Setor da Alexandre de O. pesquisador pecuária de corte Barcellos ONG - Instituti Marcos Santilli pesquisador Sócioambiental (ISA) IBAMA - Superintendência Hugo Werne Superintendente regional Regional Cuiabá - MT Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEMA) Gabriel Mancilla Chefe do núcleo de geoprocesamento Lucas do Rio Verde - MT Sojicultor Não relatado Dono propriedade 2000 hecatres Lucas do Rio Verde - MT Cargill Clovis Nilson Gerente da unidade de compras Lucas do Rio Verde - MT Prefeitura Marino José Franz Prefeito Sinop -MT Agronorte - Pesquisa e Semente Mairson R. Santana Vendedor e pesquisador da Agronorte Sinop -MT Agroboi ( insumos agropecuários) / Acrinorte ( Associação Criadores do Norte) Edson Cavidoli Dono da Agroboi e presidente da Acrinorte Sinop -MT Assessoria e Planejamento Florestal LTDA Joaquim Teodoro Engenheiro Florestal dono da empresa Ana Luiza da Riva Superintendente Brigitte W. Frick Coordenadora Sinop -MT Cláudia - MT IBAMA - regional de Sinop ONG - Grupo Agroflorestal e proteção ambiental (GAPA) 98 Cidade Órgão Público Associação / Entidade Empresa Nome pessoa entrevistada Cargo Função Alta Floresta MT Madeiras Talísia LTDA e Sindicato dos Madeireiros do Norte Augusto Francisco dos Passos Sócio gerente da madeireira e presidente do sindicato Alta Floresta MT Secretaria de agricultura Leocir Secretario de agricultura Idalino Teza Dono Agromel e pecurista Marília Carnegllute Menbro fundador Laurent Micol coordenador adjunto Rogério Membro fundador Marcelo Presidente Alta Floresta Agromel (maquinário MT agrícola) Alta Floresta ONG – Instituto Floresta MT Alta Floresta - ONG - Instituto Centro de MT Vida Alta Floresta ONG - Sociedade Formigas MT Guarantã do Associação de posseiros Norte - MT do Vale do Quinze Guarantã do Norte - MT ONG_Instituto Floresta José França Responsável pelas atividades da ONG em Alta Floresta Guarantã do Norte - MT IBAMA - Escritório de Guarantã do Norte Sílvio da Silva Chefe escritório São José do Xingu - MT Fazenda de 10.000 hectares Fernando Nascimento Tulha Filho Engenheiro Agrônomo – Fazendeiro Confresa - MT Prefeitura Denílson Coordenador de agricultura e meio ambiente Confresa - MT Destilaria Gameleira André Roberto Marques Gerente Agrícola Confresa - MT Sindicato dos trabalhadores rurais de Confresa Aparecida Barbosa Presidenta do sindicato Confresa - MT CPMI pela terra Diversos Senador Deputado Indígenas Prefeito Presidente sindicatos Vila Rica - MT Prefeitura Enio Moraes Presidente da comissão municipal de desenvolvimento sustentável Vila Rica - MT Secretaria de agricultura Rogério Gomes Secretário de agricultura Vila Rica - MT Sindicato dos trabalhadores rurais Irene Schonshaas Presidenta do sindicato 99 Cidade Vila Rica - MT São Felix de Araguaia - MT São Felix de Araguaia - MT Querência MT Órgão Público Associação / Entidade Empresa Nome pessoa entrevistada Madeireira Prelazia de São Felix de Araguaia Marlise Dom Pedro Casaldaliga Proprietária ONG - ANSA Raul Vico Ferré Menbro fundador Prefeitura Fernando Gorgen Prefeito Cargo Função Ex-Bispo