GESTÃO AMBIENT AL TA Minimização do uso de água na indústria de alimentos Fabiana do Rocio Timofiecsyk (1) e Urivald Pawlowsky (2) A leo, está distante de água tem inúser apenas uma mameras utilidatéria-prima des ao homem: é (BEQUETTE, 1998). usada para irrigação A água é um rena agricultura, no curso natural uso doméstico, na renovável e geração de energia subvalorizado, que elétrica e na indúsapresenta sinais de tria. As indústrias de escassez. Esta esalimentos são concassez se faz sentir sumidoras significaquando a água é tivas de água, que desperdiçada ou é usada para vários perdida, por não se propósitos: ingredireconhecer o verdaente na elaboração deiro valor desse redo produto final, curso (BANCO MUNgeração de vapor, DIAL, 1992). sistemas de resfriaSegundo MALTA & mento e operações Água elevará custos operacionais das indústrias PRESTES (1997), o de higienização dos equipamentos e da instalação industrial. terrâneos pouco profundos, de fácil Brasil tem 14% das águas doces do mundo e o desperdício é estimado em 40%. Em 20 acesso, representa menos de 1%. Disponibilidade de água Os relatórios do Banco Mundial mostram anos, o consumo de água no Brasil duplicou que a água tem se tornado um bem de dis- e ao longo do século aumentou dez vezes. BEQUETTE (1998) abordou a dispo- puta universal e apontam que as guerras No período de duas décadas, a população nibilidade de água na Terra, cujo volu- do futuro serão por água e não pelo petró- mundial cresceu em mais de 1,8 bilhão de me total se calcula em 1 400 milhões leo ou questões políticas. Ressalta-se que pessoas e este acréscimo foi suficiente para de quilômetros cúbicos, equivalentes a o ser humano mantém uma relação especi- diminuir em um terço o suprimento de água uma capa líquida de 2 650 metros de al com a água, líquido indispensável para no planeta e apressar, no Brasil, uma legisespessura distribuída por toda a super- a vida e para a economia e, como o petró- lação capaz de preservar os mananciais. fície do planeta, sendo 98% de água salgada (mares e oceanos) e 2% água Resumo doce, que se encontram em sua maior Neste artigo são abordadas a disponibilidade de água, a cobrança pela sua parte nas calotas polares. A água doce captação e estratégias minimizadoras do seu uso pelas indústrias. A água doce disponível em lagos, rios e lençóis sub- (1) Engenheira de Alimentos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná e Mestre em Tecnologia de Alimentos pela Universidade Federal do Paraná. [email protected]. (2) Engenheiro Químico pela Universidade Federal do Paraná, Mestre em Ciência pela COPPE, Doutor em Ciência pela State University of New York. Professor titular da Universidade Federal e Consultor ambiental. Programa de Pós-Graduação em Tecnologia de Alimentos da Universidade Federal do Paraná. http://www.engquim.ufpr.br/~posalim disponível em lagos, rios e lençóis freáticos pouco profundos de fácil acesso representa menos de 1% do volume total de água na Terra e, com a utilização intensa pelas atividades humanas, a água apresenta sinais de escassez. Para garantir a disponibilidade de água às gerações futuras, atendendo às premissas do desenvolvimento sustentável, o governo brasileiro criou uma legislação que prevê a cobrança pelo volume de água captado de fontes superficiais (rios e lagos) e subterrâneas. Com essa cobrança há incremento no custo de obtenção da água e, conseqüentemente, nos custos operacionais das indústrias. Por isto, programas de redução no consumo de água deverão ser desenvolvidos pelas indústrias para amenizar esses impactos, atingindo benefícios econômicos e ambientais. As estratégias para minimizar o consumo de água dependem diretamente do processo produtivo e são selecionadas após consideração dos aspectos técnicos, econômico e ambiental. Algumas estratégias são aqui apresentadas. BRASIL ALIMENTOS - nº 22 - Outubro/Novembro de 2003 25 GESTÃO AMBIENT AL TA Quadro 1- Estratégias Minimizadoras do Consumo de Água Estratégias gerais • adotar boas práticas operacionais como monitoramento das tubulações e das entradas de água com a instalação de hidrômetros permite a detecção de vazamentos; • verificar periodicamente os selos das bombas e implantar circuito fechado para as águas de arrefecimento dos equipamentos; • reutilizar, quando possível, as águas do processo. Nas operações de limpeza dos equipamentos e instalações • utilizar sistemas com água pressurizada e usar mangueiras com bico redutor para controle da vazão de água; • otimizar o sistema de limpeza (limpar os equipamentos logo após o uso; funcionários devem ser treinados para executar eficientemente a limpeza sem desperdícios); • empregar agentes de limpeza que não exijam grande consumo de água para remoção; • usar soluções de limpeza (produtos químicos) na concentração correta mediante o uso de bombas dosadoras para evitar o excesso de água nas operações de enxágüe; • programar a produção, maximizando o período de produção para reduzir a freqüência de limpeza quando na unidade produtiva mais de um produto é elaborado, uma vez que a troca de produto exige operação de limpeza dos equipamentos. Ressalta-se que a redução do número de limpezas pode ser feita desde que não implique numa limpeza mais severa e deve-se respeitar o período máximo que a unidade produtiva pode operar sem prejudicar a eficiência do processo/qualidade do produto; • usar sistemas CIP (cleaning in place) na higienização de equipamentos com ou sem reutilização das soluções de limpeza. Água de resfriamento • empregar sistema de resfriamento que opere em circuito fechado e que permite a recirculação da água, utilizando um volume de água reduzido. Fonte: EPA, 1988; CRITTENDEN & KOLACZKOWSKI, 1995; DENNISON, 1996; ENVIRO-SENSE, 1997; TIMOFIECSYK, 2001. Cobrança pela captação da água e suas conseqüências A consciência do perigo que a extração excessiva de água representa ao meio ambiente tem causado o aumento do preço de obtenção de água (CASTRO et al, 1999). A Política de Recursos Hídricos, sancionada por lei, cria a figura do usuáriopagador, ou seja, a água captada de fontes superficiais (rios e lagos) e subterrâneas passa a ser cobrada em função do volume de água captado (NAUMANN, 1998). Esta cobrança é um incentivo à minimização do uso de água, fazendo com que este recurso seja usado de modo racional, eliminando o desperdício (MALTA & PRESTES, 1997), constituindo-se numa das premissas básicas do desenvolvimento sustentável (garantia de água disponível para as gerações futuras). É importante salientar que os custos operacionais das indústrias se elevarão, devido ao incremento no custo de obtenção da água, e por isso programas 26 de redução de consumo deverão ser desenvolvidos para diminuir o impacto dessa cobrança nos orçamentos das indústrias, preservando a rentabilidade. O Controle de qualidade é decisivo custo do produto pode sofrer acréscimos em função da taxação da água, elevando o seu preço de venda. Os recursos financeiros obtidos com a taxação serão aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica onde foram gerados, colaborando diretamente para a melhoria ambiental da região. A água vai se constituir numa unidade estratégica; portanto, a tendência é que as indústrias façam de seu desempenho ambiental, particularmente na questão da água, um fator de diferenciação no mercado (MALTA & PRESTES, 1997). Metodologia para a minimização de água O programa de minimização do consumo de água pode ser implementado de diferentes maneiras, atendendo assim às características individuais de cada instalação industrial. A implementação do sistema de minimização de água (Figura 1) consta basicamente das seguintes etapas: a) Planejamento O programa inicia com a fase planejamento, na qual se determina os objetivos a serem atingidos (EPA, 1988). b) Avaliação dos pontos de uso de água no processo produtivo Na etapa de avaliação deve-se elaborar o fluxograma completo do processo, identificando os pontos de consumo de água, detectando vazamentos e pontos de desperdício, para posterior quantificação. O método de inspeção do processo varia conforme o tipo de operação e depende do nível de detalhes requerido, recursos disponíveis, tamanho da unidade produtiva e sazonalidade das operações. Basicamente, o processo de inspeção compõe-se de verificação visual, amostragem e quantificação por balanço de massa, no qual o consumo é estimado numa base de dados pré-determinada (por exemplo, consumo por dia) e extrapolados para valores anuais utilizando um multiplicador apropriado (SCHILLING & HANDA, 1998). De acordo com EPA (1988), determinada operação deve ser monitorada em diferentes ocasiões durante o turno e, se necessário, durante todos os turnos, especialmente quando a operação é al- BRASIL ALIMENTOS - nº 22 - Outubro/Novembro de 2003 GESTÃO AMBIENT AL TA bricação, de limpeza, que envolvem melhorias operaPLANEJAMENTO cionais sem incorrer – definição dos objetivos e metas em investimentos significativos. O t tempo de retorno ETAPA DE AVALIAÇÃO do investimento é – levantamento dos dados da ordem de dias (identificação e quantificação dos pontos de consumo) (CRITTENDEN & KOLACZKOWSKI, t 1995). ETAPA DE ANÁLISE DAS ESTRATÉGIAS DENNISON – identificação e seleção de estratégias (1996) propôs que que visem à redução do consumo de água boas práticas ope(análise técnica e econômica) racionais de processo sejam executat das, tais como proIMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO cedimentos de ope– instalação (equipamentos) ração especificados, – implementação (procedimentos) implementação de técnicas de qualidat de e manutenção AVALIAÇÃO DO SISTEMA IMPLANTADO preventiva regular. Enfatizou, também, FONTE: Adaptado de EPA,1988. a importância de programa de conscitamente dependente do envolvimento entização dos funcionários, para que utilihumano (por exemplo, as operações de zem os recursos de forma racional, eliminando os pontos de desperdício. limpeza manual). Solicitar sugestões dos empregados, a c) Estratégias para minimizar água fim de utilizar suas idéias no desenvolviApós a identificação e quantificação dos mento do sistema de minimização. Estas pontos de consumo de água, deve-se defi- sugestões podem trazer grandes benefícinir os pontos prioritários. Estratégias para os à indústria com custo nulo (EPA, 1988; minimizar a água são avaliadas e implan- ENVIRO-SENSE, 1997). tadas após a consideração dos aspectos Em alguns casos, várias técnicas são técnicos, econômico e ambiental. adotadas em conjunto para que o propósito do máximo efeito seja alcançado com d) Implementação das estratégias e ava- custo mais baixo. A adoção de determiliação dos sistema de minimização nada tecnologia deve ser combinada com As estratégias de minimização são treinamento e motivação dos funcionáriimplementadas na indústria e depois ava- os, uma vez que a cooperação e o lia-se os benefícios proporcionados, verifi- envolvimento dos empregados influencia cando a necessidade de ajustar o sistema. tanto o sucesso do programa quanto a seleção da tecnologia apropriada. Estratégias para minimização de água Algumas estratégias são mostradas no Quadro 1. As estratégias empregadas dependem O consumo de água despendido nas diretamente da situação da indústria e operações de limpeza não pode ser elidos pontos de consumo identificados na minado (casos em que a limpeza úmida etapa de avaliação. A seleção da técnica é imprescindível) porém, pode ser dimide redução do consumo de água a ser nuído com a aplicação de medidas para empregada depende do seu uso (local e economizar água sem danificar a eficácaracterísticas requeridas). cia do processo de higienização, garanFreqüentemente, certas estratégias de tindo a qualidade dos produtos finais. Nas minimização podem ser implementadas de indústrias alimentícias, a garantia da forma rápida, como boas práticas de fa- qualidade de seus produtos está relacio- Figura 1 - Metodologia de Minimização de Água BRASIL ALIMENTOS - nº 22 - Outubro/Novembro de 2003 27 GESTÃO AMBIENT AL TA nada diretamente com a higienização dos equipamentos e instalações, que deve ser realizada de modo eficiente e sem desperdício (TIMOFIECSYK, 2001). Reduz-se o consumo de água em 50 a 70% com a utilização de água pressurizada e 40% com a instalação de bicos redutores (pistolas de pulverização) nas mangueiras, além de aumentar a pressão do jato de água, o que facilita a remo- Tratamento adequado permite o reuso ção das sujidades devido à ação mecânica. A vazão de água empreguem processos produtivos que gada mangueira com 2,5 cm de bitola varia rantam a integridade do meio ambiente, em 47 L/min; caso seja instalada uma pis- de modo que os recursos ambientais tola de pulverização, a vazão é reduzida para (principalmente a água) sejam utiliza28,2 L/min e uma máquina de alta pressão dos sem danificá-los para uso futuro. Com a aplicação das estratégias citadas, é (água pressurizada) tem uma vazão média de 9,75 L/min, variando de acordo com o possível reduzir o consumo de água com confabricante e o modelo (TIMOFIECSYK, 2001). seqüente redução dos custos de aquisição de O reuso da água pode ser feito direta- água, além de diminuir o volume de efluente mente em outras operações quando o ní- gerado e os custos com o seu tratamento. vel de contaminantes precedentes não é Referências Bibliográficas alterado com o processo ou a água deve ser regenerada por um tratamento para 1) ALVA-ARGÁEZ, A.; KOKOSSIS, A. C.; SMITH, remover contaminantes os quais poderiam evitar seu reuso, para então ser R. Wastewater minimisation of industrial systems using an integrated approach. reutilizada (ALVA-ARGÁEZ et al., 1998). 3) BEQUETTE, F. El agua, una crisis inminente? Correo de la Unesco, Spanish Belibcrer, v. 51, n. 6, p. 67-70, jun. 1998. 4) CASTRO, P.; MATOS, H. FERNANDES, M. C.; NUNES, C. P. Improvements for mass-exchange networks design. Chemical Engineering Science, Great Britain, v. 54, n. 1, p. 16491665, jun. 1999. 5) CRITTENDEN, B.; KOLACZKOWSKI, S. Waste minimization: A practical guide. England: IChemE (Institution of Chemical Engineers), 1995. 81 p. 6) DENNISON, M. S. Pollution prevention: strategies and technologies. U.S.A.: Government Institutes, 1996. 463 p. 7) DONAIRE, D. Gestão ambiental na empresa. São Paulo: Atlas, 1995. 134 p. 8) ENVIRO-SENSE, Small business waste reduction guide. Disponível em: <http:// www.epa.gov/~es> . Acesso em: 25 nov. 1997. 9) EPA. 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Rio de Janeiro: Fundação Gemelhoria ambiental. Revista Meio Ambiente sível atingir benefícios ambientais e eco- túlio Vargas, 1992. 305 p. Industrial, São Paulo, v. 4, n. 21, p. 38-49, nômicos (Quadro 2). nov./dez. 1999. 14) TIMOFIECSYK, Quadro 2 - Benefícios da Minimização de Água Conclusão F. R. Minimização de resíduos numa inBenefícios Ambientais Benefícios Econômicos dústria de alimentos A implementação • conservação do recurso natural - água; • custos reduzidos devido à otimização da região metropolide estratégias para • minimização do impacto ambiental do uso da água, menos capital destinado tana de Curitiba - PR. minimização de água (redução da disposição de efluentes/ para o tratamento final do efluente; Curitiba, 2001. 161 f. no processamento descargas de águas servidas); Dissertação (Mestrado exige adaptações e em Tecnologia Químitreinamentos, resul• melhoria nas relações da empresa • melhoria do sistema de gerência ca, área de concentratando em benefícios com o meio ambiente (atividade da qualidade da empresa. ção Tecnologia de Alieconômicos e amindustrial atendendo aos requisitos mentos) - Setor de do desenvolvimento sustentável). bientais. RecomenTecnologia, Universida-se que as indúsdade Federal do Fonte: Adaptado de DONAIRE, 1995; CRITTENDEN & KOLACZKOWSKI, 1995. trias de alimentos Paraná. v 28 BRASIL ALIMENTOS - nº 22 - Outubro/Novembro de 2003