A AMHB POSICIONA-SE COM RELAÇÃO AO RELATÓRIO DO GOVERNO AUSTRALIANO A RESPEITO DA HOMEOPATIA Foi divulgado largamente pela mídia em todo o mundo um relatório do governo australiano [Disponível em www.nhmrc.gov.au/_...nhmrc/...health/...medicines/nhmrc_homeopathy_o Acessado em 18 de março de 2015] que critica agudamente a Homeopatia. Percebe-se que, de tempos em tempos, o jogo de interesses que prevalece indistintamente em todos os setores da gestão da saúde, sentindo-se incomodado de alguma forma com nossa proposta terapêutica humana, eficaz e barata, vem à tona para denegrir esta prática e seus praticantes (médicos especialistas), além de reduzir à condição de ingênuos e ignorantes os milhões de indivíduos beneficiados pela Homeopatia ao longo de seus 210 anos de prática. Apesar da pífia repercussão na opinião pública do artigo veiculado aqui no Brasil pela Veja.com (Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/saude/homeopatia-nao-e-eficaz-contra-nenhuma-doenca-diz-estudo/ acessado em 18 de março de 2015), devido à qualidade da análise feita pelo Dr. José E. Eisayaga, Diretor do Departamento de Homeopatia da Universidade Maimônides (Buenos Aires, Argentina) a Diretoria da AMHB decidiu pela tradução de seu ensaio e sua inclusão no site, ao mesmo tempo em que está oficiando a revista brasileira valendo-se do direito de resposta. Dr. Marcelo Pustiglione – Diretor da Comissão Cientifica da AMHB Segue abaixo a análise do Dr. Eisayaga. Um relatório do governo australiano que crítica a Homeopatia é questionável e inválido devido a graves falhas científicas s preconceito Sob o título jocoso “Afirmam que a homeopatia não serve para curar a saúde”, o jornal Clarín, em 11 de março de 2015, ecoa uma declaração e extenso relatório do Conselho Nacional de Pesquisa em Saúde e Medicina (National Health and Medical Research Council – NMHRC), órgão ligado ao governo australiano. Esse relatório refere-se a uma “revisão sistemática das revisões sistemáticas” das publicações que avaliaram a utilidade da Homeopatia em várias moléstias 1. Numa outra matéria publicada em 15 de março, o jornal Clarín amplia as informações, trazendo a opinião de vários proeminentes homeopatas 2. Observação para quem não é especialista: a metodologia de investigação denominada “revisão sistemática” implica em selecionar, dentre todos os estudos existentes, aqueles que se julga serem os melhores (nem todos os revisores usam os mesmos critérios para escolher tais artigos) na procura de resultados e recomendações gerais. No presente caso, os autores não selecionaram os melhores estudos, mas sim o que julgaram serem as melhores revisões a fim de inferir conclusões. Assim, basearam-se numa “seleção de seleções”. As conclusões do relatório australiano são sintetizadas, no relatório analisado, da seguinte forma: “Baseando-se na avaliação da evidência acerca da efetividade da homeopatia, o NMHRC conclui que não há qualquer problema de saúde relativo ao qual se dispunha de evidência confiável acerca da efetividade da homeopatia” 3. É fato que os jornalistas, em geral, têm muito pouco tempo para redigir as matérias e, assim, creio ser este o motivo do erro no título da matéria do Clarín (se o leitor não percebeu: não é possível “curar a saúde”). Porém, isso nos leva a refletir sobre quanto tempo os jornalistas dispõem para se aprofundar nos temas. O trabalho de investigação australiano que acaba de ser publicado tem 40 páginas, seu título completo é “Evidência sobre a efetividade da homeopatia para tratar problemas da saúde”, e está baseado num informe encomendado pelo governo australiano à consultoria privada Optum. 4 Este informe, por sua vez, tem 400 páginas, e se intitula “Efetividade da homeopatia para afecções clínicas: avaliação de evidência”. Trata-se de muitíssima informação, recopilada y resumida de maneira minuciosa e inteligente. 5 A encomenda do governo australiano à Optum consistiu em fazer uma busca extensa de todos os estudos de revisão sistemática nos quais se comparavam o tratamento homeopático com placebo ou com outros tratamentos, e em qualquer afecção da saúde. O comum em ciência é que existam diferentes posturas, e é o debate inteligente e rigoroso o que nos aproxima da realidade (a verdade). Por isso, o Homeopathy Research Institute (HRI – Reino Unido) analisou escrupulosamente o informe e publicou uma declaração sobre o mesmo. Nela sustenta que a investigação do governo australiano padece de alguns erros metodológicos cruciais que fazem que suas conclusões sejam inválidas, e lamenta que estas falhas, que haviam sido assinaladas por algumas organizações científicas quando o NMHRC tornou público o primeiro rascunho do informe, não tenham sido corrigidas ou ao menos mencionadas no informe. Esta circunstância os faz indagar sobre os interesses ou preconceito do comitê governamental australiano responsável pela investigação. 6,7 A falha metodológica principal do trabalho australiano é relativamente óbvia: foram considerados todos os ensaios clínicos homeopáticos para cada afecção como um todo, apesar de se tratarem de tratamentos homeopáticos diferentes entre si. A pergunta de investigação para cada afecção da saúde foi: “A homeopatia é efetiva na condição A?”. Ora, se na avaliação se misturam tratamentos homeopáticos diferentes, às vezes com enfoques opostos, e resulta que alguns destes tratamentos são efetivos e outros não, os tratamentos não efetivos “neutralizam” o resultado estatístico dos efetivos e a conclusão final seria que “a homeopatia não é efetiva para a afecção A”. Embora correto matematicamente não o é sob o ponto de vista lógico. A forma adequada de fazer a investigação é perguntando: “O tratamento homeopático X é efetivo na afecção A?” Para compreender melhor a magnitude do absurdo, devemos imaginar o que ocorreria se fosse feito algo similar perguntando-se, por exemplo: “A alopatia é efetiva na hipertensão arterial?” e fossem misturados tratamentos alopáticos diferentes, alguns efetivos e outros não para este problema chegando-se à conclusão que “A alopatia não é efetiva na hipertensão arterial”. Isto, certamente faria pular na cadeira qualquer médico (e cientista), porque é uma conclusão que simplesmente carece de sentido. Uma pergunta de investigação correta neste caso seria, por exemplo, “Os diuréticos são efetivos no tratamento da hipertensão arterial?”. Porém, isso não é tudo: O HRI manifesta surpresa pela exclusão de pelo menos quatro revisões sistemáticas que oferecem a melhor evidência disponível e com resultados a favor da homeopatia para afecções concretas. Sem haver nenhuma razão epidemiológica de peso, o NMHRC decidiu excluir todos os ensaios clínicos que tiveram menos de 150 participantes, inclusive os que tinham boa qualidade metodológica. O NMHRC excluiu da análise e considerou “não confiáveis”, alguns estudos favoráveis à homeopatia, que tinham alta qualidade metodológica e que haviam sido repetidos várias vezes, apenas porque as replicações não foram feitas por grupos de investigadores diferentes. Só foram avaliados estudos publicados em inglês. Chama a atenção a contradição com os resultados favoráveis de uma revisão sistemática publicada em dezembro de 2014, extremadamente rigorosa, que analisou os ensaios clínicos realizados com “tratamento homeopático individualizado”, uma das maneiras mais comuns de utilizar a homeopatia. 8 O HRI, com uma sadia dose de humor, recomenda ao NMHRC que mude sua declaração final pela seguinte, que se ajustaria melhor aos verdadeiros resultados do informe: “Para os 61 problemas de saúde avaliados, se considerarmos apenas os ensaios clínicos controlados publicados em inglês, e excluirmos os ensaios com menos de 150 participantes (ainda que mostrem resultados favoráveis à homeopatia) e os ensaios que ainda não foram replicados por outras equipes de investigadores, e se combinarmos os resultados de tratamentos diferentes para cada condição, poderíamos dizer que não há evidência confiável que demonstre que a homeopatia é efetiva”. Por outro lado, o HRI destaca a dificuldade de demonstrar a verdadeira utilidade dos tratamentos médicos com estas revisões sistemáticas, citando que de 3000 tratamentos convencionais avaliados, apenas 11% passaram pela prova, demonstrando ser claramente benéficos, e que a maioria requer ser mais investigada, como se pode ver na seguinte figura extraída de uma publicação do British Medical Journal. 9 De sua parte, uma carta da Australian Homeopathic Association (AHA) expõe como o NMHRC, já em abril de 2012, anunciou, com ampla cobertura dos meios de comunicação, o começo desta investigação, expressando uma clara postura contra a homeopatia, pondo em evidência uma atitude preconceituosa a priori que preanunciava o resultado. A AHA também se queixa de que ofereceu à NMHRC o envio de especialistas para participar da investigação, o qual é prática habitual em qualquer investigação deste tipo, e de não haver recebido resposta. Além disso, a AHA relata que no comitê de investigação da NMHRC foi incluído um inimigo da homeopatia muito conhecido, somando duas deficiências que atentam fortemente contra a objetividade dos resultados. 10 A AHA também alega que antes de contratar a empresa Optum (mencionada mais acima) havia sido contratada outra que, havendo encontrado evidência a favor da homeopatia em algumas áreas, foi dispensada; por conta disso, dois membros do comitê de investigação pediram desligamento. Também se queixa da exclusão da avaliação de todos os estudos observacionais, os estudos de custo-efetividade, de segurança e toda investigação básica disponível. Um comentário pessoal (do autor deste texto) Na história moderna da medicina, se tem exigido da homeopatia um progressivo rigor científico, e é muito bom que assim seja. Há uns 30 anos a exigência era que “são necessários ensaios clínicos controlados para demonstrar resultados”. Estes ensaios foram chegando e melhorando sua qualidade metodológica e muitos mostraram resultados favoráveis à homeopatia. Em uma revisão realizada pela Faculty of Homeopathy da Grã Bretanha, foram identificados 104 ensaios clínicos publicados em revistas científicas “revisadas por pares”. Destes, 43 reportaram resultados positivos. 11 Nos anos 90 chegou o tempo da revisão sistemática dos ensaios clínicos. Também aqui, os resultados foram favoráveis à efetividade da homeopatia. 12 Em 2005, The Lancet publicou uma meta-análise comparativa de 110 ensaios clínicos homeopáticos com 110 ensaios clínicos convencionais pareados para as mesmas afecções. A grande surpresa foi que os ensaios clínicos homeopáticos resultaram ser de melhor qualidade metodológica que os alopáticos e o resultado global similar em ambas as formas de tratamento. Os autores tiveram que realizar grandes mudanças que acabaram alterando gravemente o desenho original, ficando no final e de maneira arbitraria com apenas oito ensaios homeopáticos e seis alopáticos para afecções diferentes para poder chegar à conclusão que a homeopatia não funciona. 13 Agora chega a vez das “revisões sistemáticas de revisões sistemáticas”. E, no fundo, muitas vezes, como no caso a que faz referência esta nota, fica a sensação que a motivação da investigação não foi conhecer a verdade e sim “demonstrar” que a homeopatia não é efetiva. Investigadores honestos duvidam da plausibilidade de que as altas diluições homeopáticas tenham ação biológica. É compreensível. Porém, nestes anos, também se acumularam evidências “de laboratório” que mostram que os medicamentos homeopáticos não são simplesmente “açúcar” ou “água”. 14 Algumas investigações muito recentes mostram resultados muito surpreendentes a respeito. 15 Para concluir, é desagradável comprovar que algumas publicações “científicas” são claramente tendenciosas pelo preconceito (que é muito pouco científico) e parecem ter a intenção de fazer parecer que os médicos homeopatas e os fabricantes de medicamentos homeopáticos, na melhor das hipóteses, são ingênuos, e, na pior, fraudadores. Também consideram tolos milhões de pacientes que “se deixam enganar”. Porém, o fato é que estes doentes muitas vezes procuram a Homeopatia depois de anos de padecer um problema e de haver tentado repetida, porém inutilmente, os tratamentos convencionais, e, finalmente, encontram alívio ao recorrer ao tratamento homeopático. 16 Para eles foi uma eleição inteligente, seus médicos sentem que seu exercício profissional se enriqueceu graças à homeopatia e cada vez mais estudos demonstram as vantagens da homeopatia… sejam incluídas em revisões sistemáticas ou não. Porém, isso importa mais aos teóricos que aos que sentam cada dia junto a pessoas que sofrem para tratar de ajudar, ajudar de verdade. Reconhecimento Agradeço ao médico homeopata espanhol Gualberto Díaz pela leitura crítica do rascunho e pelas sugestões dadas para melhorar a qualidade do texto. Referências 1- http://www.pressdisplay.com/pressdisplay/es/iphone/homepage.aspx?#_article88ae98286203-442d-90f2-776cfd8c1e29/waarticle88ae9828-6203-442d-90f2-776cfd8c1e29/88ae98286203-442d-90f2-776cfd8c1e29//true/Homeopatia 2- http://www.clarin.com/sociedad/Homeopatia-medicina-polemicamedicacion_0_1321067987.html 3http://www.nhmrc.gov.au/_files_nhmrc/publications/attachments/cam02_nhmrc_statement_ho meopathy.pdf 4- https://www.optum.com/about.html 5http://www.nhmrc.gov.au/_files_nhmrc/publications/attachments/cam02i_homeopathyoverview report140408.pdf 6- https://www.hri-research.org/2015/03/nhmrc-publishes-flawed-report-despite-concernsraised-during-public-consultation/ 7- http://www.homeopathyeurope.org/media/news/response-by-the-homeopathy-researchinstitute-to-australian-nhmrc-2 8- Mathie RT, Lloyd SM, Legg LA, Clausen J, Moss S, Davidson JRT, et al. Randomised placebocontrolled trials of individualised homeopathic treatment: systematic review and meta-analysis. Syst Rev. 2014;3:142.http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25480654 9- http://clinicalevidence.bmj.com/x/set/static/cms/efficacy-categorisations.html 10- http://www.homeopathyich.org/images/stories/open_response_letter_by_aha_to_nhmrc.pdf 11- http://www.facultyofhomeopathy.org/research/randomised-controlled-trials-in-homeopathy/ 12- http://www.facultyofhomeopathy.org/research/systematic-reviews-of-rcts-in-homeopathy/ 13- Eizayaga JE. The Lancet y el anunciado fin de la homeopatía: revisión crítica de la publicación de Shang et al (2005) y los artículos relacionados que le siguieron. Revista de Homeopatia. 26 de junio de 2013;76(1/2):39-60. http://www.aph.org.br/revista/index.php/aph/article/view/262/329 14- Eizayaga JE. Diluciones homeopáticas. ¿Hay algo detectable en ellas? 27 de marzo de 2012.http://homeos.org/diluciones-homeopaticas-hay-algo-detectable-en-ellas-2/ 15- La memoria del agua. Documental de la televisión francesa. http://homeos.org/la-memoriadel-agua/ 16- Sharples FMC, van Haselen R, Fisher P. NHS patients’ perspective on complementary medicine: a survey. Complement Ther Med. diciembre de 2003;11(4):2438. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15022657