Maria Scientia Revista Científica Electrónica | Scientific e-Journal Instituto de Estudos Políticos |Universidade Católica Portuguesa Institute of Political Studies | Portuguese Catholic University Sumário Página 1 Nota Editorial Luz Paramio…ver aqui» Página 2 O interesse nacional e as questões de soberania no contexto da economia globalizada Adriano Moreira …ver aqui» Página 7 II PAEM- Palavras de abertura Nuno Vieira Matias …ver aqui» Página 10 Valorizar o Ordenamento para a gestão integrada do espaço marítimo nacional Sofia Vale…ver aqui» Revista Científica Electrónica Maria Scientia Um projecto da Linha de Investigação em Assuntos Marítimos da Universidade Católica Portuguesa Conselho Científico Página 24 A Importância da Participação Pública no Ordenamento e na Gestão do Espaço Marítimo Nacional Português Bruno Ribeiro Tavares…ver aqui» Página 33 Utilização privativa de recursos hídricos – algumas reflexões sobre a atribuição de títulos da perspetiva de um licenciamento de um apoio balnear Tiago da Silva Benavente…ver aqui» Página 49 Política Marítima Integrada da União Europeia: Origem e Desenvolvimentos Recentes Paulo Alexandre Barroso Simões…ver aqui» Página 62 A Pesca do Polvo no Algarve Helena Cardoso …ver aqui» Edição nº 8 | novembro 2014 Prof. Doutora Maria da Glória Garcia Prof. Doutor João Carlos Espada Prof. Doutor Adriano Moreira Almirante Nuno Vieira Matias Vice-almirante António Rebelo Duarte Vice-Almirante Vitor Lopo Cajarabille Prof. Doutor Álvaro Garrido Prof. Doutor Eduardo Lopes Rodrigues Prof. Doutora Sónia Ribeiro Mestre Maria Fernandes Teixeira De acordo com as normas de publicação em vigor, todos os artigos foram sujeitos a blind peerreview. A Revista Maria Scientia pauta-se pelo princípio da liberdade académica. Desta forma, as teses e opiniões defendidas/manifestadas nos artigos publicados são da responsabilidade exclusiva dos respetivos autores, não indicando a sua publicação qualquer tipo de identificação/associação da Revista ou do seu Conselho Científico às mesmas. O blind peer review a que todos os artigos são sujeitos reporta-se exclusivamente à qualidade técnica e científica dos artigos submetidos, não sendo feita qualquer apreciação do valor de opinião. Maria Scientia Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal Nota Editorial Portugal, a Europa e os Oceanos foi o oportuno tema escolhido para a 2ª Edição do Programa Avançado em Estudos do Mar (PAEM) do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa. Partindo de uma visão dinâmica, sinergética e integrada foram abordadas as questões mais atuais relativas à Estratégia e à Governança do Oceano. A refletida estrutura deste Programa Avançado proveio de uma cuidada seleção de temáticas, apresentadas num contexto organizado e dinâmico. O PAEM foi segmentado em unidades temáticas da especialidade organizadas em módulos, divididos em função da escala de análise. Assim, o primeiro módulo intitulado ‘Os Oceanos no séc. XXI’ apresentou dum ponto de vista global questões relativas à Estratégia, ao Direito do Mar, à Economia e à Governança. O segundo módulo, ‘A Europa e os Oceanos’, apresentou a Politica Marítima Integrada, incluindo os seus aspetos mais atuais, como a Estratégia do Atlântico, os Clusters Marítimos e a Defesa e Segurança. Um terceiro módulo mais dinâmico, ‘Portugal e o Mar’, incluiu seminários interdisciplinares e workshops sectoriais que forneceram oportunidades para a reflexão e discussão entre os participantes sobre o atual estado da questão em Portugal, bem como o seu papel no quadro internacional do Mar. Em paralelo, foram desenvolvidas conferências de suporte ao PAEM, proferidas por eminentes especialistas com ampla experiência e conhecimentos nos assuntos do Mar. Dirigido a profissionais da área, o PAEM contou nesta segunda edição com uma ampla pluralidade de visões e experiências por parte dos seus participantes, que facilitaram o desenvolvimento de pensamento crítico e estratégico. Estes dois fatores representam, pois, os princípios basais traçados pela Linha de Investigação em Assuntos do Mar Maria Scientia do IEP/UCP, que procura criar um espaço de discussão científica interdisciplinar do Mar em Portugal, promovendo iniciativas nas quais se integram , entre outras, o PAEM e a revista Maria Sciencia. Na qualidade de docente do PAEM venho expressar a imensa honra que é a oportunidade de integrar esta dinâmica de discussão sobre o Oceano e o Mar Português. Neste sentido, gostaria de introduzir este oitavo número da Revista Maria Sciencia, que apresenta em modo de artigos o frutífero trabalho desenvolvido pelos participantes da segunda edição do PAEM, bem como a Conferência e alocução de abertura proferidas pelos Exmos. Srs. Professor Doutor Adriano Moreira e Almirante Nuno Vieira Matias. Gostaria de salientar a excelente qualidade dos artigos selecionados, que por um lado, evidencia o profundo conhecimento da realidade apresentada desde o ponto de vista profissional e, por outro lado, demostra a sensibilidade crítica e plural adquirida por parte dos autores ao longo do PAEM. A aproximação entre conhecimento científico e prática profissional possibilita a criação de sinergias com benefícios para ambos os lados do processo de transferência. A multidimensionalidade e incertezas do desenvolvimento do Mar apelam a essa interação. Nesse sentido, aspiramos a que o PAEM venha a desencadear muitas mais “reflexões marítimas”, propiciando merecidos artigos a publicar nesta Revista. Luz Paramio Investigadora LIAM Maria Scientia, docente no 2º PAEM Maria Scientia Novembro 2014 1 Maria Scientia Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal O interesse nacional e as questões de soberania no contexto da economia globalizada National interest and sovereignty in the context of global economy Adriano Moreira Presidente do Instituto de Altos Estudos da Academia das Ciências de Lisboa, Professor Jubilado da Universidade Técnica de Lisboa. Direção Científica da 2ª edição do PAEM Nota O presente documento constituiu a Conferência de Abertura da 2ª Ediçao do Programa Avançado em Estudos do Mar – PAEM, tendo sido proferida pelo Exmo. Sr. Professor Doutor Adriano Moreira. Note This document constitutes the opening conference of the 2nd Advanced Program in Marine Studies PAEM, having been given by the Hon. Professor Adriano Moreira. I. Introducão A primeira questão que me levantou o enunciado do tema que me sugeriram para dissertar neste colóquio diz respeito a um tema que frequentemente me inquieta, e que diz respeito aos perigos da semântica. Perigos porque as palavras são frequentemente submissas, sobretudo quando nas áreas que desafiam a ciência política estão integradas no Estado Espetáculo da nossa época, outras porque se insurgem e desafiam a palavra do poder, finalmente porque se entregam à tarefa de tornar equivoca a realidade que anunciam. No caso vertente é sobretudo a função equivoca que parece mais saliente, sem evitar a mestiçagem como outra das funções referidas, isto porque o interesse nacional tem um conteúdo tão variável segundo os tempos e áreas culturais, depois porque a soberania multiplicou as suas forças que escondem variedades de poderes, e finalmente porque o globalismo é uma expressão que cobre uma realidade mais suspeitada que sabida no que respeita à sua estrutura, conjunto de variáveis, interdependências, e consequencialismos mal conhecidos ou imprevisíveis. A consequência é que o esforço do conhecimento da realidade dificilmente ultrapassa o talvez das dúvidas, e a única suspeita de ter uma certeza é que o imprevisto espera por uma oportunidade. Por isso, a doutrina da cautela obriga a ter sempre a precariedade do esforço e dos seus resultados no domínio do conhecimento e da previsão. Começamos pela questão do interesse nacional, um elemento clássico na definição dos Estados que se proclamaram detentores da soberania absoluta, e que os EUA sempre disseram ao mundo que era de conteúdo variável. Maria Scientia Novembro 2014 2 Maria Scientia Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal Sem discutir prioridades no mundo ocidental que criou a realidade Nação, vamos admitir que a evolução ocidental admite uma distinção entre a época dos reis, expressão em que a palavra Reis significa apenas que a unidade vinha do poder em direção aos povos submetidos, e a época dos povos, em que o poder passou a ser legitimado pelos cidadãos, divulgando o modelo da democracia, ela também com um sentido plural. acalentar o separatismo, Porto Rico insiste em separar-se dos EUA, o Paquistão separou-se da India, o Bangladesh do Paquistão, e a ONU, o lugar onde todos deveriam dialogar com todos, tendeu para ser hoje um templo de orações a deuses desconhecidos. Até aqui o único globalismo, depois de duas guerras mundiais, foi o que Philip K. Howaid chamou, no seu livro, The Death of Cammon Sense. As definições que deram ao povo a designação de Nação vulgarizaram-se depois da Revolução Francesa, e existe uma anotação, nas memórias de Goethe, que observou, na Batalha de Valmy, em 20 de Setembro de 1792, que os soldados gritavam Viva a França e não já Viva o Rei. Tal realidade ligou-se à noção de Pátria, designadamente quando, em 11 de Julho de 1792, tinha sido proclamada “La Patrie en danger”. A realidade Nação, cujo cimento é sobretudo a comunidade de afetos, deriva da memória de uma história compartilhada, terminando com as guerras feudais, desenvolvendo uma língua comum, adotando em comum o desenvolvimento e o conceito estratégico, com uma lei a tender para geral, sem privilégios ou desigualdades. Passando por cima da guerra fria, que praticou a política de metades durante meio século terminando em 1989, com a queda do Muro de Berlim, a União Europeia encontra-se sem conceito estratégico, hesitando entre a Unidade de Estados Iguais e a Federação, com a estrutura do Tratado de Lisboa em pousio, com o desamor da Europa em crescimento, com a divisão entre a Europa dos Pobres, que parece ter reposto em vigor o Limes Romano e o norte rico, com o projeto da Euráfrica em suspenso, e com o Mediterrâneo transformado num complexo de cemitério de emigrantes e campo de batalha por uma nova democracia de conteúdo variável, de novo com o perigo da semântica a cobrir a visibilidade da realidade em marcha. Depois da primeira guerra mundial de 19141918, os pontos do Presidente Willson incluíram o princípio da coincidência entre Estado e Nação, um voto nunca globalizado. A União Europeia, que visa uma unidade europeia, não impediu que o século XX fosse, como lhe chamou Jacques Barzun, um século de separatismos, acrescentando que “a maior criação política do Ocidente, a nação-estado, estava doente”. Os bascos lutaram até hoje para se separarem da Espanha, onde a Catalunha discute a independência, na Rússia, já não URSS, a Chechénia e o Dagestão provocaram a guerra, a Turquia e o Iraque lutaram contra o separatismo dos curdos, Québec continua a Desta realidade encoberta pela cortina de informação descontrolada pelas origens múltiplas, escondendo até a identidade dos centros de poder financeiro que parecem comandar a crise e distribuir os proveitos da crise, tem oportunidade meditar sobre a perplexidade de Pierre Hasser quando prefaciou o inquérito coletivo sobre este tema – Un monde sans Europe? (2011), e no qual colaboraram Philippe Espers (Dir.), Christian de Boisseau, Pierre Delvolvé, e Chistophe Jafreleet. Despertados pelo 11 de Setembro de 2001, a conclusão principal é que “o mundo tem necessidade da Europa, seguramente, como fator de equilíbrio, de conciliação, mas também de motor”. Maria Scientia Novembro 2014 3 Maria Scientia Todavia, esta visão acompanhada por outras fontes inspiradas pelo que foi a grandeza do Império Euromundista, avalia com benevolência o desmoronamento da supremacia que lhe permitiu, pelo colonialismo, sobretudo da frente marítima europeia, o domínio, compensadamente procurado, das matérias primas, dos mercados de produtos acabados, e do preço arbitrário do trabalho, com regimes discriminatórios que levaram Mário Vargas Llosa a escrever O Segredo do Celta, brilhante avaliação do regime de África Belga, baseado em documentação, espelho do regime das outras regiões submetidas. A ilusão que inspirou os criadores da ONU, que supuseram ter ganho a guerra civil de 1939-1945 que apenas não tinham perdido completamente, a santidade de homens que imaginaram garantir a paz para o futuro, e dos que transformaram o sofrimento europeu em sabedoria para unirem finalmente a Europa, e que foram, além de Jan Monnet, os estadistas Robert Schuman, Alcide de Gasperi e Adenauer, nada foi suficiente para evitar a crise mundial económica e financeira em que nos encontramos, como que a dar razão ao desconfiável ex-presidente dos EUA, Nixon, ao escrever, no século passado, um livro com o título – A terceira guerra mundial já começou. Esperamos não ter sido inspirado pelos relatórios desse tempo que na ONU advertiam que o mundo estava a sofrer duas ameaças terríveis – as armas de destruição maciça e a miséria. Como já tive oportunidade de escrever, “O discurso político corrente foi escrito no século XX, na época em que a guerra fria era a definição de ameaça mais evidente à paz imperfeita com que findara a guerra de 19391945, e a ONU a definição da ordem imaginada para que não voltasse a acontecer uma catástrofe igual”. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal A mudança do Milénio tornou evidente a persistência de um fenómeno recente na vida política, interna e internacional, que é da imagem do poder perdido se manter orientadora dos responsáveis, enquanto a realidade cresce de complexidade a exigir uma nova racionalização que chega, quando a complexidade consegue ser ultrapassada, tarde para evitar os acidentes que entretanto atingem a integridade dos valores humanos e materiais, neste caso do património comum da Humanidade. Logo na Carta da ONU o Conselho de Segurança distinguiu com o poder de veto cinco países, dos quais a França e a Inglaterra tinham perdido as exigências do qualificativo de grandes potências, e a China não era pressentida como um dos poderes emergentes, sendo ficticiamente representada pela ilha de Taiwan. Os conceitos de soberania dos Estados, de jurisdição interna, de nacionalidade, de democracia, supostos continuarem a fazer parte do conjunto de valores que inspiram, com diferenças temporais, geográficas, e culturais, as construções jurídicas, na observação de John Rawls (Theorie of Justice, 1971), estendem um “veil of ignorance” sobre a realidade nova, anunciada pela guerra, mas não lida pelas incorporadas teorias da “rational choice”. Não obstante os grandes serviços prestados à humanidade pelas organizações especializadas da ONU, os factos desenvolveram uma interdependência global de todos os seres humanos, sem que a estrutura jurídica da Carta da ONU disciplinasse o seu desenvolvimento. Por isso, os princípios da igualdade dos Estados da ONU logo quebrada pela desigualdade no Conselho de Segurança, assim como os teóricos princípios da solidariedade e igualdade do Tratado de Lisboa, não impediram que a anarquia seja a Maria Scientia Novembro 2014 4 Maria Scientia qualificação mais apropriada para a situação em que vivemos, com a própria Europa a mostrar ser atingida por ameaças de fracionamento: entre o Sul pobre e o Norte arrogante a ouvir rumores de Mitteleurope em prussiano, com a Espanha ameaçada de separatismos regionais, tal como a Inglaterra, tal como aconteceu à Checoslováquia e à Jugoslávia de Tito, e assim vai acontecendo em outras latitudes. Sendo evidente que a soberania clássica e a jurisdição interna respeitada, que foram defesas jurídicas dos Estados mais fracos de poder perante os mais fortes, a evidência é que essas defesas, mesmo com definições atualizada para os novos tempos, passaram a ter violações pragmáticas: o poder-dever de intervenção, criação de Mitterand para a ONU e sempre usado com suspeição; na guerra financeira, como se viu no caso de Chipre, situação alimentada por receios de outros, foi adotada a ética do Pirata de Espronceda, ao mesmo tempo que o Conselho Económico e Social é esquecido; e uma espécie de Concílio dos poderosos, realizado este ano de 2014, parece procurar uma dogmática segura para o credo do mercado sem regras, salvo a da legitimidade de abusar dos mais fracos, e da “economia que mata” nas palavras do Papa Francisco. Portugal enfrenta esta situação de desordem numa situação sem precedente fácil de fadiga tributária, sem conceito estratégico nacional desde 1974 ao perder a sua tradicional posição com o desabar do Império Euromundista, com um desemprego pesado, com políticas divisórias da comunidade de afetos que é uma Nação, e com apagamento progressivo do Estado social que foi uma versão da convergência entre a doutrina social da Igreja Católica e os droits-prestation do socialismo democrático, com omissão apressada do conceito de que investigação e ensino são pilares da soberania e não do mercado, e a juventude a despovoar a terra avara que, como disse D. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal Manuel Clemente “nos calhou ou em que encalhamos”. Por isso lhe aconteceu, para somar aos erros da má governança interna, a condição de Estado exógeno, isto é, sofrendo o consequencialismo de decisões em que não participou, como no passado aconteceu por exemplo com as guerras de 1914-1918 e 19391945; quando, caído o Muro de Berlim, o conflito ideológico da guerra fria foi substituído pelo neoriquismo, animado pela criatividade financeira sem fiscalização, acrescentou a evolução para Estado exíguo, isto é, com relação severamente negativa entre recursos e objetivos mal hierarquizados ou mal escolhidos; para finalmente se encontrar na situação de protetorado, sem definição jurídica como aconteceu aos assim chamados na marcha inglesa do Cabo ao Cairo. Nesta situação, como em outras crises passadas, designadamente no fim da Primeira Dinastia, na governação dos Filipes, ou nas invasões francesas, é evidente que a reforma do Estado é necessária, mas não pode ser confundida com reduzir a visão orçamental a desígnio nacional, começando antes por valorar a intervenção esclarecida da sociedade civil, que está dando mostras de despertar com as manifestações não condicionadas nem pelos partidos nem pelos sindicatos. É da redefinição da tomada, exercício, e autenticidade de exercício do poder por órgãos governamentais adaptados à realidade que vivemos e que exige pelo menos reformar alicerces: redefinição do ideário dos partidos, todos ultrapassados pelas mudanças da realidade em relação a 1974; redefinição do regime eleitoral de modo a que os cidadãos saibam em quem votam e porque votam; redefinição do estatuto da Presidência da República e do Conselho de Estado; corte radical da circulação entre o poder político e o poder económico. Abandonar a política de eliminação do Estado social que entre nós é uma principiologia regulada pelas capacidades Maria Scientia Novembro 2014 5 Maria Scientia Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal disponíveis, e um avanço em relação às omissões imperativas de Filadélfia e da Revolução Francesa. Sem isso não há reforma do Estado, e não será possível desenvolver a iniciativa privada livre do perigo do uso do poder legislativo, em que a inspiração vem sobretudo da imaginação ocasional, regulamentadora, complementada pela catadupa de despachos da interpretação ocasional em liberdade, tudo com as consequências que se traduzem em abalar a confiança no exercício das funções gestoras do Estado. Saber e praticar que os jovens emigram não é por não fazerem falta é por não terem futuro que lhes foi tirado por gestões que não controlaram, dar condições de fixação e criatividade aos que cresceram em competências e saberes que não dispuseram de apoio, e lutar desse modo no mercado que se mundializou. Por isso, a primeira urgência é ganhar a dignidade igual no concerto das Nações, o que não acontece quando os ministros são julgados por empregados da chamada troika, em vez de encarregarem disso sabedores portugueses que não faltam, e ficando assim com tempo para discutir no Conselho da União, que é o seu lugar, contra o desabar de ideia europeia, e na ONU contra a transformação em templo de orações a Deuses desconhecidos, remetendo antes para a intervenção do Conselho Económico e Social. Internacional de Língua Portuguesa, uma ideia portuguesa, mas que também o Brasil é que realizou, e que designadamente a China, com política própria, procura usar desde pelo menos 2005. Finalmente dispensando atenção às janelas de liberdade que temos, junta com os antigos participantes do estatuto imposto pelo Império Euromundista no mesmo esforço. Refiro-me à CPLP, uma ideia portuguesa, mas que o Brasil é que realizou, ou ao Instituto Universidade Católica Finalmente a plataforma continental, cujo atraso de reconhecimento na ONU exige atenção, e sobretudo que seja obtido antes que a Comissão Europeia, para além de já ter recolhido a gestão dos recursos vivos do nosso mar territorial, realize o seu projeto do Mar Europeu, que imediatamente faz lembrar 1890, o Mapa Cor de Rosa, e os dramas que levaram Unamuno a chamar-nos país de suicidas. Não é apenas a situação geográfica que, pelas conhecidas razões de segurança, sempre trará, com exigências, o mar ao encontro de Portugal, quer as exigências venham do Mediterrâneo, venham do Atlântico Norte, ou venham do Atlântico Sul. A riqueza que ali está exige uma diplomacia forte, como o primeiro ministro espanhol recentemente não nos deixou esquecer; respeito pelos conhecimentos adquiridos pelos nossos investigadores; liberdade de iniciativa, designadamente, como este ano foi discutido no Colóquio organizado pela Escola da Marinha de Guerra do Brasil, estudando uma frota marítima da CPLP. O nosso principal adversário é o descuido. 20/03/2014 » voltar ao Sumário Maria Scientia Novembro 2014 6 Maria Scientia Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal II PAEM- Palavras de abertura II PAEM – Openning Adress Nuno Vieira Matias Almirante. Presidente da Academia de Marinha, Vice-presidente da Direcção da Sociedade de Geografia de Lisboa, membro correspondente da Academia das Ciências de Lisboa, membro de mérito da Academia Portuguesa da História e do Conselho de Honra do ISCSP, membro do Conselho Nacional de Educação. Direção Científica da 2ª edição do PAEM Nota O presente documento constituiu a Nota de Abertura da 2ª Ediçao do Programa Avançado em Estudos do Mar – PAEM, tendo sido proferida pelo Exmo. Sr. Almirante Nuno Vieira Matias. Note This document consists in the opening address of the 2nd Advanced Program in Marine Studies PAEM, given by the Hon. Admiral Nuno Vieira Matias. As minhas palavras iniciais são de cumprimentos, mas simultaneamente de felicitações, à Universidade Católica Portuguesa e ao seu Instituto de Estudos Políticos pela renovada iniciativa de organizarem um programa avançado de estudos do mar. São congratulações que igualmente endereço aos nossos auditores pela manifestação de vontade de o frequentarem e de, com isso, demonstrarem ter a visão da importância do Mar. Naturalmente que estas saudações são extensíveis a todos os especialistas que aceitaram colaborar connosco, proferindo as conferências programadas, seguramente de elevado nível, concordante com os notáveis currícula que os notabilizam. Senhoras e senhores Auditores, Como velho marinheiro, agradeço-vos o interesse pelos temas do nosso mar e a disponibilidade para sobre ele aprofundarem o conhecimento. E é por isso que até vos lanço um primeiro desafio. O de também colaborarem, quando possível, com outra iniciativa marítima do IEP que é a revista electrónica Maria Scientia. Os vossos artigos serão bem-vindos a bordo. O nosso programa, que hoje iniciamos, dá enfase a várias linhas de acção de uma estratégia para alcançar objectivos políticos que se centram no “Interesse Nacional” e nas “Questões de Soberania” de Portugal sobre o seu Mar. Esperamos que o horizonte abrangente das matérias a tratar contribua para o esforço de determinação do rumo adequado à utilização, em favor do interesse nacional nas vertentes científica, económica e geoestratégica, dos enormes espaços marítimos que a Organização das Nações Unidas já pôs à Maria Scientia Novembro 2014 7 Maria Scientia disposição de Portugal e que, em breve, aumentará ainda muito mais. Acredito que esse mar será, de novo, um Mar de Boa Esperança para Portugal. Boa esperança na possibilidade de o mar constituir um apoio forte para ultrapassar a nova circunstância da história do País. Boa esperança que o mar seja, de novo, meio de afirmação do nosso carácter, enquanto povo com identidade própria. Boa esperança no mar como sector de grande importância para a economia nacional, para a ciência e para a segurança e defesa nacional. Precisamos de ter boa esperança, mas, acima de tudo, necessitamos imperativamente de actuar, de trabalhar, para que ela se concretize. Não se trata de uma questão de “fado”, mas antes de um exercício determinado de afirmação da vontade colectiva dos Portugueses na construção de um futuro que, de forma harmónica, tire partido do positivo da situação emergente e reduza para um mínimo o negativo Adamastor, anulando os “mostrengos” que possam estar a prefigurar-se no horizonte. Este é um bom motivo, senhoras e senhores Auditores para eu vos propor um segundo desafio. Trata-se agora de um repto de atitude durante o PAEM, para que melhor dele possam retirar utilidade futura e com isso sejam ainda mais valiosos para o País. Instigo-os a que considerem o mar como um projecto de vital importância para Portugal e que, nessa medida, em cada actividade do nosso Programa, já a partir de agora, procurem fazer uma análise profunda desse projecto nacional. Para ser prático, sugiro que vão, passo a passo, conferência a conferência, elaborando uma análise “SWOT” do projecto do Mar Português, identificando quais são os factores “Strengths, weaknesses, opportunities and threats” do projecto. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal É que, de facto, em cada domínio de avaliação do mar existem factores de força, mas também vulnerabilidades, ou pontos fracos, assim como podem detectar-se oportunidades a explorar, mas também identificar-se ameaças diversas, que é necessário conter nos vários patamares, logo desde o político e diplomático até ao do uso do mar real, no diaa-dia. Na verdade, se identificarmos bem os factores de força, como, por exemplo, a dimensão do espaço, o valor da posição geográfica, a riqueza muito diversa do fundo e da coluna de água, etc, etc, poderemos gizar linhas de acção objectivas para os rentabilizar. Mas, se conhecermos também as vulnerabilidades, nomeadamente, as insuficientes capacidades, tecnológica, cientifica, de força moral e material do País, seremos mais capazes de contribuir para as minimizar, ou mesmo eliminar. Igualmente, se tivermos as oportunidades estudadas, estaremos mais aptos a fazer o seu adequado aproveitamento, sempre que as criemos, ou quando elas surjam de origem externa. Não podemos, ainda, deixar de, com espirito isento e arguto, identificar as ameaças que existam e as que possam vir a configurar-se, relativamente aos interesses nacionais no mar. Constituem delas exemplos, as que vão das, por vezes subtis, cobiças internacionais dos nossos espaços marítimos, concretizáveis em acordos, tratados, etc., até às mais boçais, como a pesquisa e a exploração indevida de recursos, passando pelas da violência do terrorismo, da pirataria, etc. Senhoras e Senhores Auditores Está à nossa frente uma oportunidade importante para melhor conhecermos o mar, porque o vamos estudar mais profundamente e, com isso, construiremos dele uma imagem mais adequada e perfeita. Maria Scientia Novembro 2014 8 Maria Scientia Ensino e formação e imagem constituem apenas dois dos diversos tópicos das proclamações que, ao longo de anos, tenho feito em muitos locais da nossa periferia marítima, em conjunto com um grupo de cidadãos voluntários e determinados (teimosos mesmo), mas que já perdeu um dos seus mais fervorosos membros, o Senhor Professor Ernâni Lopes, que aqui evoco com saudade e admiração. Vale a pena repetir só esses dois pontos: - Proclamamos que não há desenvolvimento das actividades marítimas sem ensino e formação que abranja, organizadamente, todas as áreas, de forma sistémica. Existem áreas de qualidade, assim como se encontram outras de formação desadequada às necessidades, nomeadamente no que respeita à alimentação de carreiras convenientemente estruturadas e certificadas. O ensino e a formação, enquanto constituem a base de apoio ao desenvolvimento das actividades da economia do mar, são também essenciais ao estabelecimento de investigação científica e desenvolvimento. Esta, na sua actual situação, com pólos de excelência em domínios muito específicos, sugere a necessidade da criação, coordenação e integração de linhas de investigação aplicada em áreas críticas, o estabelecimento de uma base de apoio à investigação oceanográfica no mar profundo e o desenvolvimento da cooperação internacional nas áreas com potencial para afirmação do País. - Proclamamos que é imprescindível a criação de uma imagem renovada do mar e das suas potencialidades, com uma visão de futuro, de horizontes amplos, ambiciosa e determinada. Isso exige o estabelecimento de um plano educativo e formativo para recuperação e promoção da identidade marítima da sociedade portuguesa, orientado prioritariamente para as suas camadas jovens Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal e onde a palavra “mar” faça parte do dia-adia. Deverá difundir-se, sem tibiezas, que: - Portugal é um país de mar da UE; - A cultura marítima portuguesa é parte do nosso património mais valioso; - O nosso mar dá um contributo fundamental para a nossa economia e tem enorme capacidade de crescimento; - As actividades marítimas são geradoras de novos empregos e de carreiras promissoras; - Dispomos de centros de investigação científica do mar em nível de excelência; - O mar é vital para a afirmação da imagem e da identidade de Portugal e para a coesão do nosso território, um quase arquipélago com águas até meio do Atlântico. São estes reptos senhoras e senhores Auditores que vos lanço, na expectativa de que, no fim deste II PAEM, estejais ainda mais aptos a servir os interesses de Portugal no enorme Mar que a Organização das Nações Unidas nos atribui e, com isso, contribuir para, como dizia Pessoa, “de novo alcançarmos a distância. Do mar ou outra, mas que seja nossa…” Universidade Católica 20/03/2014 » voltar ao Sumário Maria Scientia Novembro 2014 9 Maria Scientia Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal Valorizar o ordenamento para a gestão integrada do espaço marítimo nacional Improving marine spatial planning towards an integrated management of the national maritime area Sofia Vale Assessora da Assembleia da República Resumo O presente artigo visa mostrar os benefícios do ordenamento do espaço marítimo com vista à melhor gestão da área marítima sob jurisdição portuguesa em prol da economia do mar. Aponta para a necessidade de uma seleção de instrumentos adequados para a resolução de potenciais conflitos entre stakeholders dentro do mesmo espaços e entre estes e o ambiente. O documento realça as vantagens da lei de bases da política de ordenamento do espaço marítimo nacional, na ótica dos stakeholders, recentemente aprovado em Portugal como instrumento catalisador do investimento nas áreas marítimas, garantindo maior simplicidade, transparência e previsibilidade aos promotores, assegurando, simultaneamente a preservação do ecossistema marinho. O trabalho exemplifica duas áreas regionais onde a política de ordenamento foi benéfica: criação de Áreas Marinhas Protegidas; estabelecimento de áreas de produção aquícola em offshore. O primeiro exemplo visa proteger a biodiversidade marinha e o segundo a combinação do crescimento económico mantendo o funcionamento do ecossistema. Palavras-chave : ordenamento, gestão, espaço marítimo, ecossistema. Abstract The current article aims to emphasise the benefits of Marine Spatial Planning (MSP) towards the better management of the maritime area under Portuguese jurisdiction in favour of economy of the sea. It shows the relevance of selecting adequate tools for managing potential conflicts among stakeholders within the same space and human-environment interactions. This paper shows the benefits for stakeholders of the new Guidance on MSP recently approved in Portugal. This Guidance can be seen as a friendlier environment for investors due to simplicity, transparency and predictability, in respect the marine ecosystem. It is presented two examples of MSP in Portugal: implementation of Marine Protected Areas; and establishment of aquaculture production areas in offshore. The first example aims to protect marine biodiversity, and the second one the combination of economic growth and the maintenance of the ecosystem functioning. Key words : maritime spacial planning, management, marine space, ecosystem. Maria Scientia Novembro 2014 10 Maria Scientia I. Portugal e o mar A noção de fronteira, associada à ideia de um espaço físico nacional e ao próprio conceito de Estado, é estruturante da delimitação do território nacional. De acordo com a Constituição da República Portuguesa, “a lei define a extensão e o limite das águas territoriais, a zona económica exclusiva e os direitos de Portugal aos fundos marinhos contíguos” (nº2 art.5º). O território terrestre de Portugal tem uma área aproximadamente de 89 mil km2 a que se junta cerca de 3 mil km2 dos arquipélagos da Madeira e do Açores, correspondendo a 1850 km de extensão de costa, dos quais 950 km são fronteira marítima no continente, 691 km e 212 km nos arquipélagos dos Açores e da Madeira, respetivamente. [1]. Se a esta área se juntar a zona económica exclusiva [A], cerca de 1.700.000 km2 correspondente a cerca de 18 vezes a sua área terrestre – uma das maiores da Europa – e ainda, a plataforma continental, que de acordo com a proposta submetida às Nações Unidas aumentará o espaço marítimo sob soberania ou jurisdição nacional [B], Portugal deixa de ser encarado como um país pequeno, parco em recursos naturais e afastado do centro da Europa, para ser visto como um país imenso, central, com um posicionamento geoestratégico ímpar, a que corresponde uma capacidade de afirmação e intervenção internacional. À geografia e ao ordenamento territorial de Portugal – predominantemente litoral cujos centros de decisão se encontram voltados para o mar – correspondem desafios e muitas oportunidades. Como refere Ernâni Lopes no estudo “O Hypercluster da Economia do Mar”, o mar foi, no passado, um ativo estratégico decisivo Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal em termos de emprego, de iniciativas empresariais, de funções e serviços de mobilidade e de relevância nas relações internacionais. Atualmente parece existir, de novo, a consciência que os recursos marinhos naturais são fonte de riqueza [2]. Considerando que a União Europeia (UE) possui o maior território marítimo do mundo, e que os mares e as zonas costeiras são motores da economia, o crescimento através da economia do mar poderá ser não só uma oportunidade para Portugal como o é também para a Europa (em Estados costeiros e interiores) [3-4]. E, como refere Adriano Moreira, “o mundo tem necessidade da Europa”. [5] Perante estes fatos, a Comissão Europeia tem feito um esforço, ao nível da definição de estratégicas que criem condições para que o mar esteja na origem de um desenvolvimento económico sustentável. Também em Portugal, a Comissão Estratégica para os Oceanos, definiu, em 2003, objetivos políticos [C], ainda atuais, para um caminho virado para o mar. [6] Contudo, só recentemente se enveredou por políticas e estratégias direcionadas para o mar (ENM), que culminou recentemente com a aprovação da Lei de Bases da Política de Ordenamento e Gestão do Espaço Marítimo Nacional (Lei nº 17/2014, 10/04, 1ª série DR nº 71, 10-04-2014).. II. Utilização marítimo do espaço Quando se fala em desenvolvimento através do mar, explorando recursos marinhos (vivos, minerais, energéticos, genéticos, etc.), importa ter presente que se está perante um ecossistema onde as diferentes atividades partilham o mesmo espaço. Neste sentido, a gestão da sua utilização deverá ser holística, Maria Scientia Novembro 2014 11 Maria Scientia face à interrelação entre as atividades que deve ser vista como um todo [7]. Para garantir a segurança e o exercício da jurisdição das atividades económicas no mar e sobre os recursos marinhos, julga-se necessário enquadrar em três áreas: jurídica; ambiental; económica. 2.1.Enquadramento jurídico A Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar (CNUDM) é a referência internacional na definição das zonas marítimas, sendo considerada “a constituição dos oceanos” (ENM 2013-2020, pag. 33). No contexto desta Convenção o “Mar-Portugal” engloba o mar territorial; a zona económica exclusiva e o fundo mar, o leito e subsolo marinho que se prolongam pelo mar territorial até ao limite exterior da plataforma continental, entendida como conceito jurídico [8]. Há, contudo, políticas europeias comuns, com regras próprias na utilização dos recursos (ex: Política Comum de Pescas). Todo o vasto território marítimo de Portugal está enquadrado ao nível do Direito Internacional Público do Mar que, segundo Marques Guedes, regula as relações entre Estados que têm como objeto a utilização do mar e o exercício dos poderes de soberania, repousando sobre um acervo de tradições, expressas em usos e costumes [9]. Contudo o conceito contemporâneo de Direito do Mar, em vez de se centrar no Estado costeiro, centra-se na comunidade internacional, numa perspetiva dos direitos sobre o mar na sua globalidade e sobre as atividades nele desenvolvidas, em torno do direito do desenvolvimento, do direito da cooperação e, sobretudo, com base na visão e conceito de património comum da humanidade [10]. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal O Direito surge, neste contexto, como ferramenta indispensável à proteção dos recursos e áreas marinhas que poderão alavancar a economia do mar nacional [11]. 2.2. Enquadramento ambiental A pressão das atividades humanas tem impactos nos ecossistemas marinhos e nos recursos marinhos que, de uma forma geral, se encontram depauperados nas zonas costeiras [12]. Neste sentido a UE tem implementado inúmeras iniciativas que visam manter ou contrariar a perda de biodiversidade marinha e que monitorizem a exploração sustentável dos recursos do mar [D]. Diversos estudos, nomeadamente o projeto internacional patrocinado pela Comissão sobre a Economia dos Ecossistemas e a Biodiversidade (TEEB), visam avaliar os serviços do ecossistema e recomendam que o valor económico da biodiversidade seja tido em conta na tomada de decisões e refletido nos sistemas de contabilidade e de comunicação de informações [13]. Por outro lado, os oceanos apresentam elevados níveis de biodiversidade em comparação com o sistema terrestre, contendo um vasto número de espécies marinhas, e muitas certamente ainda não conhecidas, o que implica a constante preocupação de manter o meio marinho em bom estado ambiental. [E] Portugal, ao afirmar-se como um dos grandes países marítimos do mundo, tem uma responsabilidade acrescida em definir um modelo de desenvolvimento sustentável e contribuir para a resolução dos principais problemas ambientais, com a necessária articulação e cooperação internacional que esta acarreta, conforme refere a ENM 20132020 (pag. 47). Maria Scientia Novembro 2014 12 Maria Scientia 2.3. Enquadramento Económico O conceito de “economia do mar” ainda está insuficientemente definido. No presente texto, adotou-se, por isso, como definição de “economia no mar” o conjunto de atividades económicas desenvolvidas nos espaços marítimos, incluindo os costeiros. Segundo o documento «Economia do mar em Portugal», a economia do mar em termos diretos representava em 2010 cerca de 2,5% do valor acrescentado bruto e 2,3% do emprego nacionais [14]. São valores menos conservadores do que aqueles apontados no estudo «O Hypercluster da economia do mar» que refere uma contribuição direta das atividades marítimas em cerca de 2% do produto interno bruto (PIB) com a geração de cerca de 75.000 empregos diretos. No relatório do Centro de Estudos Aplicados da Universidade católica (Contribuição para a Quantificação do Valor Económico do Oceano) afirma-se “que a economia marítima tem uma expressão muito significativa na economia portuguesa, em termos de produto e de emprego: 11% da riqueza nacional (PIB), 12% do emprego, 17% dos impostos diretos e 15% das margens comerciais. Se se alargar a análise dos efeitos diretos do Mar sobre a economia portuguesa aos seus efeitos indiretos, chega-se a valores que mais do que duplicam os primeiros” [15]. Perante estas quantificações, o desafio atual é, segundo Tiago Pitta e Cunha, tornar o mar num ativo estratégico (e económico) do país, pois ainda não o é verdadeiramente [16]. Contudo, a exploração económica sustentável dos recursos do mar só é possível com políticas que favorecem o ordenamento, com vista a uma melhor integração das diversas atividades mantendo o equilíbrio do ecossistema marinho. [F] III. Ordenamento marítimo 3.1. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal do espaço Enquadramento internacional O Ordenamento do Espaço Marítimo (OEM) é um termo novo que ainda não foi claramente definido em todas as regiões do mundo. [G] Trata-se de um instrumento de suporte ao processo de tomada de decisão, proporcionando um quadro de arbitragem entre atividades humanas concorrentes e de gestão do seu impacto no meio marinho. O objetivo é equilibrar interesses setoriais que atuam no mesmo espaço e garantir uma utilização sustentável dos recursos marinhos [17]. O OEM deve ser utilizado para gerir atividades em curso e orientar o desenvolvimento futuro em zonas marítimas, permitindo às autoridades públicas e às partes interessadas coordenarem as ações e otimizarem a utilização do espaço marinho, com vista ao desenvolvimento económico, mantendo a proteção ambiental. Tem assim uma dupla vantagem, de natureza económica e ambiental. Encontra-se referido na bibliografia especializada que o ordenamento do espaço marítimo tem como principal objetivo promover a gestão responsável dos recursos naturais e garantir a proteção do ambiente. [H] Porém o OEM não é criado explicitamente para a conservação ou proteção do ambiente, embora funcione com catalisador, na medida que permite a identificar e alocar áreas para conservação ambiental. A sua aplicação facilita a compilação de informação disponível em cartas sobre os serviços e produtos do ecossistema, assim como identificar vulnerabilidades, e usar esta informação no processo de decisão [18]. Maria Scientia Novembro 2014 13 Maria Scientia Atualmente, é comum distinguir-se dois tipos de conflitos no espaço marítimo: i) entre as atividades humanas e o ambiente, e (ii) entre diferentes atividades humanas. Exemplos internacionais de políticas ordenamento do espaço marítimo: de O Reino Unido elaborou um projeto de lei marítima (marine bill), concebido como quadro legislativo global que estabelece um sistema de ordenamento marítimo para todas as águas britânicas. Na Escócia redigiu um projeto de lei marítima para a gestão dos seus próprios mares. [I] A Noruega desenvolveu um plano de gestão integrada para o Mar de Barents e a zona marítima ao largo das ilhas Lofotten, que proporciona um quadro para a utilização sustentável dos recursos e para as atividades novas e atuais. [17]. O Canadá adotou por uma abordagem ecossistémica relativamente à gestão das atividades marítimas, que proporciona orientações para a resolução de conflitos intersectoriais. 3.2. Enquadramento Europeu A visão europeia para os oceanos e mares encara o ordenamento do espaço marítimo como um instrumento-chave para a gestão da crescente e competitiva economia no mar, enquanto ao mesmo tempo salvaguarda a biodiversidade marinha. A Estratégia Marinha da UE, que constitui o pilar ambiental da Política Marítima da UE, introduziu o conceito do ordenamento do espaço marítimo com base no equilíbrio dos ecossistemas e fornece o enquadramento para iniciativas nacionais, no sentido de atingir o bom estado ambiental. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal O ordenamento do espaço marítimo é, segundo o Livro Azul e o plano de ação sobre a Política Marítima integrada (PMI) da União Europeia, um dos instrumentos transsectoriais de apoio à execução da PMI [19]. Neste contexto, a Comissão Europeia apresentou em 2013 a proposta de uma diretiva que estabelece um quadro para o ordenamento do espaço marítimo e a gestão costeira integrada, que originou a Diretiva 2014/89 de 23/07 que estabelece um quadro para o ordenamento do espaço marítimo. [20]. 3.3. Enquadramento nacional Em Portugal, antes de finalizada a proposta de diretiva comunitária que estabelece um quadro para o ordenamento do espaço marítimo e a gestão costeira integrada, foi aprovada a Lei de Bases da Política de Ordenamento e Gestão do Espaço Marítimo Nacional (doravante designada “lei de bases”) – Lei nº 17/2014, de 10/04, constituindo o primeiro instrumento jurídico que trata o mar além das 200 milhas. A lei bases está enquadrada em termos nacionais e internacionais, e tem como ponto de partida a preservação ambiental, tendo sido construída em torno desta premissa basilar de valorizar os mares sob jurisdição portuguesa. Corresponde a uma mudança de estratégia política e económica, no sentido de criar condições e segurança jurídica aos investimentos no mar até ao limite exterior da plataforma continental e aumentar a previsibilidade dos investimentos da “economia no mar”. Rui Guerra da Fonseca defende que “o ordenamento, a gestão e o uso do espaço marítimo carecem de um corpo normativo coerente, sistemático, moderno e tão preciso Maria Scientia Novembro 2014 14 Maria Scientia quanto possível. Nesta última vertente, assume particular relevo a dimensão da segurança jurídica, essencial a uma utilização económica sustentável mas ambiciosa (e são conhecidos casos de investimentos internacionais que deixaram de realizar-se no espaço marítimo português em razão de ausência de regimes jurídicos minimamente seguros)” [21]. Neste propósito, a lei de bases visa, agora, criar um quadro jurídico eficaz de compatibilização entre usos ou atividades concorrentes, tradicionais e novas, contribuindo para a “co-existência” e para um melhor e maior aproveitamento económico do meio marinho [22]. Em nome da liberdade de utilização do espaço marítimo, o legislador optou apenas por definir “bases” (além dos princípios aplicáveis) e não “economia” do espaço marítimo, remetendo para legislação complementar critérios de seleção das atividade económicas a desenvolver no mar. 3.4. Vantagens da Lei de Bases da Política de Ordenamento e Gestão do Espaço Marítimo Nacional Em termos formais, a lei nº 17/2014, de 10/04, está conforme os princípios da proposta de diretiva [COM (2013) 133], e resultou da aprovação da Proposta de Lei nº 133/XII de largo consenso político. [J] Em termos de seguintes pontos: conteúdo destaca-se os i) Universal A lei aplica-se às diferentes zonas marítimas nacionais: i) entre as linhas de base e o limite exterior do mar territorial; ii) Zona Económica Exclusiva; iii) plataforma continental, incluindo além das 200 milhas marítimas, (nº1 art.12º). Neste sentido, pode ser considerado um diploma inovador, ao unificar processos Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal de licenciamento, criando troncos comuns no procedimento aplicável às várias atividades no mar em toda a extensão, ao abranger um espaço ainda não totalmente definido. Recorde-se que, até à entrada em vigor desta lei de bases, as atividades económicas no mar só estavam regulamentadas até à 1 milha. Assim, vem terminar com a subjetividade associada à aprovação dos projetos de investimento no mar, acabando com a criação de instrumentos ad doc em função de cada projeto, geradores de pouca transparência, como refere a Comissão Europeia. ii) Simplicidade A lei de bases aposta acima de tudo na simplificação, através de um “balcão único” [K], com a concentração num só sistema informático. Será conseguida através de uma centralização [L] do acesso ao licenciamento do uso do mar com recurso a meios eletrónicos, para a atribuição de títulos de utilização, e com a promoção dos procedimentos administrativos no âmbito dos restantes vetores de ação, com vista à sua celeridade. A concretização desta desmaterialização dos processos está prevista na regulamentação complementar da lei de bases. iii) Transparente A lei define que os procedimentos e o resultado das normas de ordenamento e de gestão são acessíveis gratuitamente ao público, conforme enunciado no nº 1 do art.29º. [M] Em segundo lugar, determina com clareza dois instrumentos de ordenamento do espaço marítimo nacional [N] – os planos de situação e os planos de afetação – através dos quais será possível obter uma “radiografia” da situação atual e prever a situação futura. Esta norma é recomendada em termos Maria Scientia Novembro 2014 15 Maria Scientia Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal internacionais, para obter um ordenamento eficaz do espaço marítimo. [O] estado ambiental é igualmente requisito obrigatório (art.17º). [R] A transparência da lei é ainda alcançada com a envolvência da comunidade, participação pública e respetiva comunicação (ver art. 12º). [P] Contudo, no artigo11º da lei de bases (conflito de usos ou atividades) existe uma ambiguidade na definição dos critérios de preferência, na determinação do uso ou a atividade prevalecente. Ao definir-se como primeiro critério a “maior vantagem social ou económica para o país, nomeadamente pela criação de emprego e qualificação de recursos humanos, pela criação de valor e pelo contributo para o desenvolvimento sustentável” perdeu-se rigor e hierarquização desejáveis em critérios de seleção. Seria preferível uma redação tipo: «a) Maior vantagem económica; b) Maior criação de emprego; c) Máxima coexistência de usos ou de atividades», como constava da proposta de lei nº 133 (nº1 do art. 11º). Com a redação aprovada da lei o critério “emprego” perdeu destaque face à da proposta de lei nº133/XII. Acresce que a utilização efetiva, determinada no artigo 17º, evita a especulação e garante transparência no processo. A aprovação de determinado plano só poderá ter essa utilização e não outra, como sucede nos dias de hoje, especialmente em investimentos aquícolas. Por último, os relatórios sobre a utilização do espaço marítimo elaborados de três em três anos, pelo Governo (art. 31º), contribuem igualmente para a transparência do processo de ordenamento e de monitorização do bom estado ambiental e marinho. iv) Preservação ambiental Todo o instrumento jurídico assenta no princípio da precaução face à pouca documentação sobre o funcionamento dos grandes ecossistemas marinhos (“Large Marine Ecossystems”). [Q] Os princípios da lei de bases são os que constam da lei do ambiente (Lei nº 19/2014, 14/04 1ª série do DR nº73, 14/04/2014) e asseguram “considerar a natureza complexa e dinâmica dos ecossistemas, incluindo a preservação do bom estado ambiental do meio marinho e das zonas costeiras, e a evolução do conhecimento e das atividades”. Ao nível do ordenamento, na elaboração dos planos de afetação ou na determinação da atividade, é “obrigatório” que esteja assegurado o bom estado ambiental do meio marinho e das zonas costeiras (art. 7º e art. 11º). Ao nível da gestão, na atribuição dos títulos de utilização o cumprimento cabal de medidas que garantam ou promovam o bom A monitorização do bom estado ambiental está, também, prevista através dos relatórios sobre o estado do ordenamento (artigo 12°), onde se avalia o risco ambiental das atividades desenvolvidas, conforme recomendado na Directiva-Quadro EstratégiaMarinha. Por outro lado, o regime excecional para projetos de ciência representa um incentivo ao acréscimo do conhecimento, para uma melhor gestão e ordenamento dos recursos do mar. v) Abordagem ecossistémica e integrada É definida uma visão ecossistémica da gestão das atividades humanas, tendo em consideração a “natureza complexa e dinâmica dos ecossistemas, incluindo a preservação do bom estado ambiental e do meio marinho e das zonas costeiras.” A abordagem ecossistémica tem sido veiculada em várias instâncias pela CE, UN e FAO, e põe a ênfase sobretudo na utilização de um regime de gestão que mantenha o Maria Scientia Novembro 2014 16 Maria Scientia ecossistema saudável ao mesmo tempo que permite o uso apropriado do meio ambiente e a exploração sustentável dos seus recursos pelo Homem. A UN (1992) definiu este conceito como “a geração dos ecossistemas”. Esta visão integrada e holística, como é recomendado pela OSPAR, está refletida na necessidade de existir uma interação terramar. 3.5. Exemplos regionais de ordenamento do espaço marítimo nacional Exemplo 1: Criação de Áreas Marinhas Protegidas No âmbito da CNUDM estão definidos espaços de relevo orientados para a gestão e conservação do meio ambiente. [S] Exemplo disso é a convenção para a proteção do Atlântico Nordeste (convenção OSPAR), que recomenda a implementação de medidas para conservar e proteger os ecossistemas e a diversidade biológica da área marítima, nomeadamente através da implementação das áreas marinhas protegidas. Portugal, como membro da convenção OSPAR, está empenhado em cumprir a sua obrigação de proteger e preservar o ambiente marinho e de usar as ferramentas necessárias para atingir a boa governança do Oceano, incluindo a criação de Áreas Marinhas Protegidas. O trabalho desenvolvido nestas áreas marinhas protegidas, nomeadamente a monitorização da eficácia das medidas, tem concluído sobre a existência de benefícios para os ecossistemas, mas principalmente a existência de uma lacuna, em termos nacionais, de ordenamento do espaço marítimos. Conclui-se pela necessidade de existir uma política que garanta a existência de espaços como estes, de modo a que os Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal conhecimentos sobre o mar, nomeadamente em alto mar onde o desconhecimento em termos científicos é ainda elevado, se possam aprofundar com claras vantagens para toda a comunidade. Exemplo 2: Criação de áreas de produção aquícola em offshore Face ao atual estado de conservação dos recursos pesqueiros nacionais, ao acréscimo dos custos de exploração e à necessidade de satisfazer a elevada procura de produtos do mar [T], os aumentos significativos da oferta de pescado só serão viáveis através do desenvolvimento da produção de espécies em aquicultura. [U] Em Portugal, os conhecimentos sobre a estrutura e funcionamento dos ecossistemas costeiros permite afirmar que se verificam condições naturais suscetíveis de potenciar um melhor aproveitamento produtivo de algumas espécies (mexilhão, ostra) e de aumentar a diversificação da produção para outras (pregado, linguado, sargo, pargo, corvina, etc.). Aliás, trabalhos realizados pelo IPMA (exIPIMAR) têm aferido os condicionalismos ambientais a que se deverão sujeitar as áreas de produção aquícola em mar aberto que vierem, no futuro, a ser instituídas [V] [23]. Recomenda-se um programa de monitorização ambiental, a desenvolver por uma instituição independente dos produtores, e de autocontrolo da atividade. O relatório sobre a caracterização ambiental de duas zonas ao largo de Tavira e Aveiro, tendo em vista a criação de áreas de produção aquícola refere que “a coexistência das atividades inerentes aos usos tradicionais em áreas de produção aquícola, designadamente a pesca comercial e aquicultura em maraberto, deve ser equacionada de forma a Maria Scientia Novembro 2014 17 Maria Scientia minimizar potenciais conflitos de usos” do espaço marítimo nacional [24]. Estes dois exemplos permitem concluir sobre a vantagem de um ordenamento do espaço marítimo regional para o desenvolvimento da economia do mar. É neste sentido que se considera que a lei de bases poderá ser um incentivo ao investimento sustentável na área marítima nacional, desenvolvendo uma “economia no mar” e potenciando a valorização do ecossistema marinho. IV. Conclusões A vasta extensão marítima nacional constitui uma oportunidade de crescimento económico impar. O mar representa um recurso estratégico de importância renovada no século XXI, com particular relevo em Portugal. A nível nacional, o desafio para as gerações presentes e futuras reside na criação de condições para que haja uma "economia no mar" sustentável. A experiência internacional demonstra que a diversidade de atividades no espaço marítimo e o desempenho económico de cada uma delas, pode conduzir a conflitos de interesse na utilização desses espaços. Considerando que se trata de espaço público, detentor de elevados níveis de biodiversidade, implica a constante preocupação de manter o meio marinho em bom estado ambiental. Neste sentido, é recomendado que os Estados, em particular os costeiros, tomem medidas de proteção do ecossistema marinho, e que definam políticas de ordenamento e gestão do espaço marítimo nacional. A aprovação com largo consenso da Lei de Bases da Política de Ordenamento e Gestão do Espaço Marítimo Nacional (lei nº17/2014, 10/04) tornou Portugal pioneiro, ao definir Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal bases para um espaço que ainda não é totalmente conhecido. Trata-se de um caso exemplar, em que o direito antecedeu o económico. A lei de bases constitui um elemento essencial para potenciar o investimento no mar. A simplicidade, a transparência dos procedimentos administrativos, a abordagem integrada são características inovadoras dos instrumentos jurídicos relativos ao mar. De facto, a sua abordagem ecossistémica poderá conferir benefícios à criação de negócios privados, com vantagens para o interesse público e, simultaneamente, potenciar condições para melhorar o conhecimento científico do ecossistema marinho. Na verdade, a lei de bases tem como premissa basilar a preservação ambiental que é em si mesmo uma enorme valorização económica. Por outro lado, a elevada incerteza dos investimentos no "mar", em particular nas zonas offshore dada a imprevisibilidade de fenómenos naturais, obriga a políticas públicas facilitadoras dos investimentos, nomeadamente gerando informação de apoio aos investidores, limitando áreas de menor risco e divulgando boas práticas de forma a manter o equilíbrio e funcionamento do ecossistema. A lei de bases, analisada no presente trabalho, tem esse mérito, embora seja ainda necessário conhecer a respetiva legislação complementar. Só após o conhecimento da regulamentação da lei de bases é possível aferir o nível de concretização que esteve nos pressupostos da sua elaboração. Contudo, já é possível concluir pelas suas vantagens económicas e ambientais. Aliás, as experiências regionais e setoriais comprovam que a política de ordenamento do espaço marítimo em Portugal poderá potenciar crescimento de certas atividades da economia no mar, como é a aquacultura. O aparecimento de planos de Maria Scientia Novembro 2014 18 Maria Scientia situação e de afetação (nacionais e regionais) deve favorecer o crescimento deste setor, que até ao presente foi reduzido. É, por isso, uma nova área de elevado potencial no mais tradicional sector do mar, que são as pescas. intrínsecas, e quando a utilização do meio marinho é sustentável, salvaguardando assim o potencial para utilizações e atividades das gerações atuais e futuras. O bom estado ambiental deve ser definido ao nível da região ou sub-região (…) com base em descritores qualitativos. A gestão adaptativa assente na abordagem ecossistémica deve ser aplicada com o objetivo de atingir um bom estado ambiental”. in nº5 do art. 3º da Diretiva 2008/56/CE do PE e do CE. Os descritores qualitativos encontram-se no anexo I da mesma Diretiva. Notas [A] 200 Milhas contadas desde a linha de base a partir da qual se mede a largura do mar territorial (CNUDM). [B] A 11 de maio de 2009, Portugal entregou a proposta de Determinação do Limite exterior da Plataforma continental (LEPC) ao abrigo do art.º 76º nº1 da CNUDM. Compreende 1940 pontos que definem o seu limite exterior. [C] “i) Valorizar a importância estratégica do Mar para Portugal; ii) Dar prioridade a assuntos do Oceano e projectar internacionalmente essa prioridade; iii) Prosseguir uma gestão sustentada das zonas marítimas sob jurisdição nacional, com vista a tirar pleno partido das suas potencialidades económicas, políticas e culturais” in pag.5 do Relatório para os Oceanos (2003). [D] “o meio marinho é um património precioso que deve ser protegido, preservado e, quando exequível, recuperado como objetivo de manter a biodiversidade e possibilitar a existência de oceanos e mares diversos e dinâmicos, limpos, são e produtivos” in nº3 da Diretiva 2008/56/CE do PE e da CE. [E] “Bom estado ambiental – o estado ambiental das águas marinhas quando estas constituem oceanos e mares dinâmicos e ecologicamente diversos, limpos, sãos e produtivos nas condições Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal [F] A ideia de desenvolvimento sustentável reside na tentativa de reconciliação dos conflitos reais entre economia e ambiente e entre o presente e o futuro; a sua definição (o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes sem comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades) enunciada pela Comissão Brundtland. [G] “Despite the existence of academic discussions and the fact that some countries already have started to apply the concepts of marine spatial planning in their management practices, no commonly approved operational definition for marine spatial planning has been developed. Descriptions can be found throughout the spatial planning literature, but the terms, e.g., ocean zoning or marine spatial management, maritime spatial planning, are not applied consistently”. http://www.coastalwiki.org/wiki/Marin e_Spatial_Planning__the_need_for_a_common_language#ci te_note-25 Maria Scientia Novembro 2014 19 Maria Scientia [H] http://www.coastalwiki.org/wiki/Marin e_Spatial_Planning__the_need_for_a_common_language#ci te_note-25 [I] www.scotland.gov.uk/marinebill [J] Foi constituído um Grupo de Trabalho no âmbito da Comissão de Agricultura e Mar, para a sua análise que procedeu a um conjunto 25 audições. No fim foram aprovadas 34 propostas de alteração subscritas pelos grupos parlamentares PSD, PS e CDS-PP, uma do PCP e outra do BE. O resultada da votação final global foi: a favor (PSD, PS e CDS.PP) contra (PCP, BE e PEV). Mais informação em: http://www.parlamento.pt/ActividadeP arlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.as px?BID=37600 [K] Este termo não consta na letra da lei, mas é já apelidada desta forma – em diversos fóruns – a simplicidade pretendida. [L] No nº 2 do art. 5º define que compete ao membro do Governo responsável pela área do mar desenvolver e coordenar as ações necessárias ao ordenamento e à gestão do espaço marítimo nacional, Lei nº17/2014, 10/04. [M] “Os dados de base relativos ao ordenamento e à gestão do espaço marítimo nacional, produzidos por entidades públicas ou disponibilizados em cumprimento de obrigações legais, devem ser colocados de forma gratuita e acessível à disposição do público, nomeadamente através de aplicações de informação e comunicação que permitam serviços de pesquisa, visualização e disponibilização.” nº1, art 29º da Lei nº 17/2014, 10/04. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal [N] “1-O ordenamento do espaço marítimo nacional é efetuado através dos seguintes instrumentos: Planos de situação de uma ou mais áreas e ou de volumes das zonas do espaço marítimo nacional referidas no n.º 1 do artigo 2.º, com a identificação dos sítios de proteção e de preservação do meio marinho e da distribuição espacial e temporal dos usos e das atividades atuais e potenciais; Planos de afetação de áreas e ou de volumes das zonas do espaço marítimo nacional referidas no n.º 1 do artigo 2.º a diferentes usos e atividades”. (nº1 do art.7º). [O] Marine spatial planning has the overall goal of providing a mechanism for a strategic and integrated plan-based approach for marine management that makes it possible to look at the wider picture and to manage (potential and existing) conflicting uses, the cumulative effects of human activities and marine protection. http://www.coastalwiki.org/wiki/Marin e_Spatial_Planning__the_need_for_a_common_language [P] http://eli-ocean.org/arctic/files/ELIMarine-Research-in-a-Changing-ArcticMarch-31-2014-EXEC- SUMMARY.pdf [Q] A abordagem precaucionaria, subscrita pela UN e pela FAO, aponta que “os Estados devem ser mais cautelosos quando a informação é incerta, de pouca confiança ou inadequada. A ausência de informação científica adequada não deverá ser usada como razão para adiar ou mesmo não tomar medidas de conservação e de gestão” [R] “4- A atribuição de um título de utilização privativa obriga o seu titular a uma utilização efetiva e determina o dever de assegurar, a todo o tempo, a Maria Scientia Novembro 2014 20 Maria Scientia adoção das medidas necessárias para a obtenção e manutenção do bom estado ambiental do meio marinho e das zonas costeiras, estando obrigado, após a extinção do referido título, a executar as diligências necessárias para a reconstituição das condições físicas que tenham sido alteradas e que não se traduzam num benefício, nos termos a definir em diploma próprio”. (nº4 art.17º da lei nº 17/2014, 10/04). [S] [T] [U] Neste contexto, diversas iniciativas internacionais têm vindo a reunir esforços em torno da definição de uma estratégia de conservação do meio marinho, nomeadamente através da criação de áreas marinhas protegidas. A união internacional para a Conservação da natureza (UICN) foi a primeira organização internacional a chamar a atenção, em 1982, para a necessidade de incorporar áreas marinhas, costeiras e estuarinas na rede mundial de áreas protegidas. Portugal é terceiro maior consumidor de peixe do mundo, atrás da Islândia e do Japão. As previsões de crescimento da população mundial (9.6 biliões em 2050, segundo as ONU) aumentarão ainda mais a pressão na procura de proteína para a alimentação, podendo a aquacultura ter um importante papel neste fornecimento. “Esta atividade continua a ser pouco explorada no nosso país, em parte devido às condições físicas adversas do litoral português. A melhoria das técnicas e tecnologias de produção poderão contribuir para um significativo desenvolvimento da aquicultura em Portugal e, dentro desta, da moluscicultura” in ENM. [V] Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal Cumprindo a Diretiva-Quadro “Estratégia Marinha” que considera “a etapa (...) para alcançar um bom estado ambiental deverá consistir na fixação de metas ambientais e de programas de monitorização para uma avaliação permanente que permitam avaliar periodicamente o estado das águas marinhas em causa”.. Referências [1] Resolução de Conselho de Ministro nº 12/2014. ENM 2013-2020, DR nº 30, 1ªsérie, 12-02-2014. http://www.dre.pt/pdf1s/2014/02/03000/0 131001336.pdf [2] SaeR. O Hypercluster da Economia do Mar – um domínio de potencial estratégico para o desenvolvimento da economia portuguesa (coord. Lopes, E.R.). Ed. ACL. Camara de Comércio e Indústria, 280: 17-76,2009. [3] Comissão Europeia. Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões Evolução da política marítima integrada da União Europeia [COM (2012) 491 final], 2012. [4] Comissão Europeia. 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[o] http://www.eli.org/oceanprogram/publications » voltar ao Sumário Maria Scientia Novembro 2014 23 Maria Scientia Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal A Importância da Participação Pública no Ordenamento e na Gestão do Espaço Marítimo Nacional Português The Importance of Public Participation in Planning Management of the Portuguese National Maritime Space and Bruno Ribeiro Tavares Licenciado e Mestre em Ciências e Engenharia do Ambiente; Doutorando em Estudos Sobre a Globalização na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Consultor em Políticas de Ambiente e Assessor da Assembleia da República. Resumo A participação pública diz respeito, em processos de ordenamento do território, ao envolvimento, à informação e à consulta do público nas atividades de planeamento, embora os modelos concetuais que se encontram estabilizados se apliquem, quase exclusivamente, ao planeamento territorial terrestre. Afigura-se assim fundamental promover dinâmicas de participação pública capazes de coresponsabilizar a sociedade e de a envolver de uma forma que concorra para reduzir conflitos e para facilitar a cooperação social no processo de desenvolvimento do território marinho. O presente ensaio recorre a uma breve abordagem histórica e social da participação pública e afirma a sua importância no contexto marinho, seja pelo alargamento das metodologias existentes nos processos de ordenamento do território terrestre às novas realidades do ordenamento e da gestão do espaço marítimo nacional seja pelo desenho de novas formas de encorajamento do envolvimento da sociedade e das partes interessadas em políticas de ordenamento do território mais sustentáveis. Palavras-chave : ordenamento, gestão, espaço marítimo nacional, participação pública. Abstract In processes of planning, public participation concerns to involvement, informing and consulting the public in planning activities, although the stabilized conceptual models apply almost exclusively to terrestrial spatial planning. For this, it is essential to promote public participation dynamics that are capable of blame society and to engage it in a way that contributes to reduce conflict and to facilitate social cooperation in the development process of the maritime territory. This essay draws on a brief historical and social approach to public participation, and affirms its importance in the maritime context, either by the extension of existing methodologies for land territory planning processes to the new realities of the planning and management of the national maritime space, either by design new ways of encouraging the involvement of society and stakeholders in planning policies for a more sustainable territory. Key words : planning, management, national maritime space, public participation Maria Scientia Novembro 2014 24 Maria Scientia I. Introdução A participação e a informação são condições inerentes à promoção do direito do ambiente, tal como reconhecido pela Constituição da República Portuguesa [1] e por diversos instrumentos jurídicos internacionais, nomeadamente pela Convenção sobre Acesso à Informação, Participação do Público no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente (Convenção de Aarhus) [2], da qual Portugal é um dos signatários. Em processos de ordenamento do território, a participação pública diz respeito ao envolvimento, à informação e à consulta do público nas atividades de planeamento, pelo que, com referência ao ordenamento do território marinho, a sua importância assentará, de igual forma, na promoção da coresponsabilização da sociedade, por oposição à tradicional e quase exclusiva preocupação com a salvaguarda de interesses particulares e de valores isolados que preside a todos os processos de envolvimento dos cidadãos no planeamento do território terrestre. É hoje unanimemente aceite que só através da participação pública é possível compreender cabalmente as propostas de desenvolvimento do território [3] na sua unicidade (isto é, nas suas componentes terrestre e marinha), criando-se, assim, uma situação de envolvimento capaz de reduzir os conflitos e a natural reação da sociedade à mudança, e facilitando, por essa via, a cooperação social e institucional no processo de desenvolvimento (nas suas dimensões social, económica e ambiental). Recorrendo a uma concisa abordagem histórica e social, o presente ensaio afirma a importância da participação pública no contexto marinho e aborda a necessidade de a colocar no centro da decisão, seja pelo Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal alargamento das metodologias existentes nos processos de ordenamento do território terrestre às novas realidades do ordenamento e da gestão do espaço marítimo nacional – atendendo, sobretudo, à janela de oportunidades criada com a publicação da Lei n.º 17/2014, de 10 de abril, que estabeleceu as Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional, e às inerentes novas responsabilidades do Estado – seja pelo desenho de novas formas de encorajamento do envolvimento da sociedade e das partes interessadas em políticas de ordenamento do território mais sustentáveis.. II. A participação pública A participação pública pode ser definida como o envolvimento de indivíduos e grupos que são positiva ou negativamente afetados por uma intervenção proposta, sujeita a um processo de decisão, ou que estão interessados na mesma [4]. Em sentido lato, a participação pública é essencial para a boa governação, visto poder fortalecer e estreitar as relações entre os cidadãos e a administração, encontrando-se prevista num vasto conjunto de normativos comunitários, nomeadamente na Diretiva do acesso à informação em matéria de ambiente (2003/4/CE e 2003/35/CE), na Diretiva de Avaliação de Impacte Ambiental (85/337/CEE, alterada pelas Diretivas 97/11/CE e 2003/35/CE), na Diretiva-Quadro da Água (2000/60/CE), na Diretiva Avaliação Planos e Programas (2001/42/CE) ou, mesmo, na Diretiva Prevenção e Controlo Integrado da Poluição (96/61/CE). A participação pública refere-se a um público determinado, assim entendido como «uma ou mais pessoas singulares ou coletivas, bem como, de acordo com a legislação ou práticas nacionais, as suas associações, organizações ou agrupamentos», na aceção da Diretiva Maria Scientia Novembro 2014 25 Maria Scientia 2003/35/CE, como «qualquer pessoa ou grupo de pessoas com interesse numa questão», segundo o Federal Environmental Assessment and Review Office, ou como «uma ou mais pessoas singulares, pessoas coletivas de direito público ou privado, bem como as suas associações, organizações representativas ou agrupamentos», nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de maio, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 197/2005, de 8 de novembro. A participação pública deve operar-se segundo princípios internacionais há muito estabilizados, como sejam o da adaptação ao contexto (compreendendo e estimulando as instituições sociais, os valores e a cultura das comunidades e respeitando os antecedentes históricos, culturais, ambientais, políticos e sociais das comunidades envolvidas), o de ser informativa e proactiva (reconhecendo que o público tem o direito a ser informado o mais cedo possível e de forma séria sobre propostas que o possam afetar), ser adaptável e comunicativa (reconhecendo que o público é heterogéneo, de acordo com o seu conhecimento, valores e interesses) ou o de ser inclusiva e equitativa (garantindo que todos os interesses, incluindo os não representados ou sub-representados, são respeitados em relação à distribuição dos impactos, à compensação e aos benefícios). Por outro lado, a participação deve ser encarada nas suas dimensões educativa (contribuindo para o respeito e a compreensão mútuos de todas as partes interessadas) e cooperativa (promovendo a cooperação, a convergência e a criação de consenso, ao invés da confrontação), sendo fundamental ser iniciada cedo e ser sustentada, permitindo que o público não só seja envolvido antes de serem tomadas decisões importantes, como, depois, de forma regular, gerando confiança entre os participantes. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal É igualmente fundamental que a participação pública seja bem planeada e focalizada em questões negociáveis, enfatizando sempre a compreensão e o respeito pelos valores e interesses dos participantes e concentrando-se em questões negociáveis relevantes para a tomada de decisão. O público deve ser apoiado na sua vontade de participar, através de uma difusão adequada da informação sobre a proposta e sobre o processo de participação, conferindo maior abertura e transparência através do acesso a informação percetível. Menção fundamental, ainda, ao princípio basilar da participação pública que é o da subsidiariedade, traduzido na consideração de que as decisões devem ser tomadas ao nível mais baixo possível, isto é, ao nível mais próximo possível do cidadão. 2.1 Os antecedentes da participação pública É sobretudo depois da II Grande Guerra Mundial que a participação pública começa a ganhar importância, dispondo a Declaração Universal dos Direitos Humanos (de 10 de dezembro de 1948) várias normas sobre a participação dos cidadãos, às quais preside o princípio de que os mesmos devem ter o direito e a oportunidade de interferir em todos os processos administrativos. Em 25 de junho de 1998, na cidade dinamarquesa de Aarhus, na 4.ª Conferência de Ministros do Ambiente, é adotada a Convenção sobre Acesso à Informação, Participação do Público no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente, a primeira peça da legislação europeia que combina direitos ambientais e direitos humanos, constituindo, igualmente, o primeiro documento sobre a participação pública em questões ambientais [5]. Maria Scientia Novembro 2014 26 Maria Scientia A Convenção, que apenas entrou em vigor em outubro de 2001, assenta na premissa de que uma maior sensibilização do público e um maior envolvimento em questões ambientais melhora o nível de proteção ambiental e garante o sucesso da aplicação da legislação ambiental, concretizando aspetos fundamentais concernentes ao acesso à informação, ao acesso à Justiça e à participação em processos de decisão, tendo sido ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 9/2003. 2.2. A participação pública em Portugal O perfil de Portugal na atualidade atesta bem o seu percurso nas últimas décadas, marcadas pela ausência de uma cultura de participação e de intervenção cívicas, que impediram a mobilização dos cidadãos em matérias decisivas, e pela difícil integração da sociedade nos processos de tomada de decisão. Apesar dos passos de gigante dados nos últimos anos, sobretudo desde a entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia, em 1986 – que deu um impulso significativo para a alteração do quadro jurídico-legal, do quadro institucional e administrativo e, bem assim, ao financiamento de ações concretas –, a pressão interna da opinião pública tem sido relativamente diminuta, assumindo maior ou menor relevo consoante a sensibilidade, o empenho e o impulso dos responsáveis das diferentes tutelas. Esta é, talvez, uma das maiores e mais sérias consequências do atraso a que a sociedade portuguesa foi acometida durante o Estado Novo, e da circunstância de só há pouco mais de 30 anos ter conquistado verdadeiros direitos políticos e sociais. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal Por tal, a sociedade nacional, sempre pródiga na ausência de memória estratégica e no desperdício de recursos e energias, continua ainda hoje a ser marcada pela inexistência de uma cultura de participação pública consistente, de uma estrutura institucional sólida e capaz de resistir à alternância partidária e às mudanças de tutela, e, claro está, de um quadro legislativo suficientemente robusto para enquadrar, firmemente, a opinião dos cidadãos sobre as mais diversas opções governativas. Compreender a dimensão que assume nos dias de hoje a participação pública é compreender a relação entre governantes e governados, assim como é aferir a importância que estes domínios assumem nas políticas públicas, na agenda política e no discurso dos portugueses. Analisada do ponto de vista histórico, a participação pública como ponto de interação entre a sociedade e a Administração surge apenas em 1995, com o Plano Nacional de Política de Ambiente, no qual se prevê o reforço do papel dos principais atores e o princípio da responsabilidade partilhada, além do reforço dos mecanismos de participação da sociedade civil nos processos de formulação das decisões [6]. Já antes, em 1992, a Declaração do Rio (emanada da Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento) vem recordar que «(…) as questões ambientais são melhor tratadas com a participação de todos os cidadãos interessados, ao nível apropriado» e que «(…) os Estados deverão facilitar e incentivar a sensibilização e participação do público, disponibilizando amplamente as informações», embora tais princípios só venham a ser levados à prática em 1997 [7], com a criação do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável. Maria Scientia Novembro 2014 27 Maria Scientia Ainda nesse ano é realizada uma Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas (Rio+5), comemorativa dos cinco anos da Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, nela se constatando o esforço realizado pelos governos e pelas organizações internacionais para integrar os objetivos ambientais, económicos e sociais nos processos decisórios, adotando novas políticas e estratégias para o desenvolvimento sustentável e adaptando as políticas e planos já existentes [8]. É neste enquadramento que é aprovada, em 25 de junho de 1998, a Convenção sobre Acesso à Informação, Participação do Público no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente, em Aarhus (Dinamarca), que dispôs maior participação dos cidadãos no acesso à informação, na tomada de decisão e no acesso à Justiça, embora tal não tenha impedido que a sociedade portuguesa se tivesse mantido desinformada e alheada da realidade, nomeadamente do processo de planeamento local, em que a sua participação era legalmente obrigatória [9]: só assim se explica que, em 1997, apenas 20% dos portugueses sabiam (e vagamente) o que era e para que servia um Plano Diretor Municipal – segundo um inquérito do OBSERVA (Observatório de Ambiente e Sociedade do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa) [10]. O fraco nível de envolvimento dos cidadãos não impediu, no entanto, a alteração de paradigma introduzida no sistema de gestão territorial instituído em 1998/1999, que passou a consagrar o direito à participação, nomeadamente a participação contínua na elaboração de instrumentos de gestão territorial. Esta inovação refletiu-se na forma como passou a ser percecionado e encarado o processo de planeamento territorial Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal (terrestre), visto que a participação deixou de ser uma mera formalidade e, despida do seu caráter exclusivamente instrumental no processo, passou a ser valorizada como uma dimensão essencial do próprio desenvolvimento e, nessa medida, condição de afirmação das instituições – subjacente à consideração de que uma sociedade civil informada e motivada fundamenta, e depende de, um quadro político e institucional robusto. Os mecanismos formais para a participação pública centram-se hoje, quase em absoluto, nos processos de planeamento territorial terrestre e algumas medidas de gestão, estando igualmente na base dos procedimentos de avaliação ambiental, carecendo da devida atualização em face das novas realidades (ao nível dos conceitos, das formas e das metodologias), como seja a publicação da Lei n.º 17/2014, de 10 de abril, que estabeleceu as Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional, e que veio definir as ações promovidas pelo Estado português visando assegurar uma adequada organização e utilização do espaço marítimo nacional, na perspetiva da sua valorização e salvaguarda, tendo como finalidade contribuir para o desenvolvimento sustentável do País. Note-se que, em particular em meio marinho e na zona costeira, a gestão integrada e participativa obriga a um envolvimento precoce dos diferentes interessados na conceção das políticas de ordenamento e gestão e dos respetivos instrumentos [11], tendo naturalmente subjacente um amplo processo participativo. III. A participação pública na Lei de Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional Maria Scientia Novembro 2014 28 Maria Scientia A Lei n.º 17/2014, de 10 de abril, que estabelece as Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional, prevê, no seu artigo 3.º (Princípios), que «(…) para além dos princípios consagrados na Lei de Bases do Ambiente, o ordenamento e a gestão do espaço marítimo nacional devem observar os seguintes princípios»: da abordagem ecossistémica, da gestão adaptativa, da gestão integrada, multidisciplinar e transversal, da valorização e fomento das atividades económicas numa perspetiva de longo prazo e da cooperação e coordenação regional e transfronteiriça. Assim, entende-se prévia à observância daqueles princípios o respeito pelos princípios materiais de ambiente (artigo 3.º) e das políticas públicas ambientais (artigo 4.º) previstos na Lei n.º 19/2014, de 14 de abril, que define as bases da política de ambiente, e que considera fundamental subordinar as políticas públicas de ambiente aos princípios da informação e da participação, «que obrigam ao envolvimento dos cidadãos nas políticas ambientais, privilegiando a divulgação e a partilha de dados e estudos, a adoção de ações de monitorização das políticas, o fomento de uma cultura de transparência e de responsabilidade, na busca de um elevado grau de respeito dos valores ambientais pela comunidade, ao mesmo tempo que assegura aos cidadãos o direito pleno de intervir na elaboração e no acompanhamento da aplicação das políticas ambientais». O artigo 4.º da Lei n.º 17/2014, de 10 de abril (Objetivos do ordenamento e gestão do espaço marítimo nacional), dispõe já que (n.º 3) «As ações desenvolvidas no âmbito do ordenamento e da gestão do espaço marítimo nacional devem garantir a segurança jurídica e a transparência dos procedimentos de atribuição dos títulos de utilização privativa, e permitir o exercício dos direitos de Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal informação e participação previstos na presente lei», direitos consagrados no artigo 12.º do mesmo diploma (Direitos de informação e participação), que prevê que (1) «Todos os interessados têm direito a ser informados e a participar nos procedimentos de elaboração, alteração, revisão e suspensão dos instrumentos de ordenamento do espaço marítimo nacional, designadamente com recurso a meios eletrónicos», que (2) «Na elaboração, alteração, revisão e suspensão dos instrumentos de ordenamento do espaço marítimo nacional é garantida: a) A intervenção dos vários ministérios que tutelam os sectores de atividades desenvolvidas no espaço marítimo nacional e dos organismos públicos a que esteja afeta a administração das áreas ou volumes que sejam objeto do plano de situação ou do plano de afetação; b) A participação das autoridades das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, na área das suas competências; c) A participação dos municípios diretamente interessados; d) A participação das associações científicas, profissionais, sindicais e empresariais, direta ou indiretamente associadas às atividades marítimas; e) A participação dos interessados através do processo de discussão pública; f) A publicação prévia dos projetos de instrumentos de ordenamento do espaço marítimo nacional e de todas as propostas e pareceres recebidos no âmbito do processo de discussão pública», concluindo que (3) «Os instrumentos de ordenamento do espaço marítimo nacional são publicados em Diário da República». Embora devidamente estatuídos, os princípios supra mencionados carecem de concretização, a qual terá apenas lugar na legislação complementar prevista no artigo 30.º, nomeadamente por via dos diplomas que definirão os instrumentos de acompanhamento permanente e de avaliação técnica do ordenamento do espaço marítimo nacional, o regime jurídico aplicável à Maria Scientia Novembro 2014 29 Maria Scientia elaboração, alteração, revisão e suspensão dos instrumentos de ordenamento do espaço marítimo nacional, ou o regime jurídico aplicável aos títulos de utilização privativa do espaço marítimo nacional. Sendo este o espaço em que se irá afirmar, ou não, a importância da participação pública no ordenamento e na gestão do espaço marítimo nacional, deverá a própria regulamentação ser alvo de um amplo debate público. Isto porque, envidando-se esforços nesse sentido, estar-se-á a dar um sinal de que a participação efetiva dos cidadãos, das entidades públicas e privadas e de outras partes interessadas no desenho das políticas de ordenamento e gestão e dos respetivos instrumentos é assaz relevante para as necessárias soluções de consenso. IV. A importância da participação pública no ordenamento e na gestão do espaço marítimo nacional português Estabelecer as Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional é, em primeiro lugar, afirmar a importância da exploração económica sustentável, racional e eficiente dos recursos marinhos e dos serviços dos ecossistemas existentes no espaço marítimo nacional, garantindo a compatibilidade e a sustentabilidade dos diversos usos e das atividades nele desenvolvidos, atendendo à responsabilidade inter e intrageracional na utilização do espaço marítimo nacional e visando a criação de emprego. No entanto, tais desideratos só serão plenamente alcançados se a participação pública for encarada como fundamental, atentos os seus múltiplos benefícios para o processo de tomada de decisão, visto que a participação pública, afirmando a democracia Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal efetiva, permite tornar os cidadãos mais conscientes das vantagens do ordenamento e da gestão do espaço marítimo nacional, e, também, permite melhorar as políticas, os planos e os instrumentos de planeamento, tornando-os, simultaneamente, mais compreensíveis pela sociedade. Simultaneamente, a transparência na tomada de decisões, se participadas, concorre para menores divergências e para uma melhor implementação do desenvolvimento sustentável. Sublinhe-se que o público, chamado a participar com conhecimento e experiência, leva a decisões que são melhores para o ambiente, dando-se cabal cumprimento ao objetivo da Convenção de Aarhus, de promover a responsabilização e a transparência na tomada de decisões e reforçar o apoio público para as decisões sobre o ambiente. Uma das formas mais testadas, e com sucesso, tem sido a da criação de fóruns ou parcerias, para incluir uma ampla participação das partes interessadas. Estas estruturas, fornecendo um fórum neutro para as autoridades locais, agências nacionais, indústria, organizações e comunidades locais, são, em si mesmas, estruturas de gestão e permitem a promoção dos interesses ambientais [12]. Criar consciência pública e promover a participação pública pode significar mais tempo para que as decisões sejam tomadas, mas diz-nos a experiência que essa abordagem é sempre mais rentável. Por oposição, a ausência de consciência pública e a perda de confiança nas decisões de gestão e no processo regulatório, tomadas sem o apoio das comunidades, pode criar enormes constrangimentos ao ordenamento e à gestão. Isto porque, sem a participação pública, o ordenamento e a gestão do espaço marítimo nacional serão responsabilidade da Administração. Uma participação que não se Maria Scientia Novembro 2014 30 Maria Scientia esgota nas decisões iniciais, mas que deve ser alargada ao acompanhamento, monitorização e avaliação da aplicação de todos processos de ordenamento e gestão no espaço marítimo nacional. É a atitude dos cidadãos que, em última análise, determina a resposta da sociedade para as decisões de gestão, embora o esforço para melhor ordenar e gerir uma área tão relevante de forma sustentável caiba, em primeira mão, aos decisores. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal gestão do Mar Português, tornando-os mais conscientes e conhecedores desta nova realidade geográfica, económica e ambiental. E se tal poderá ser feito com a renovação completa do modelo já existente para o território terrestre, poderá ser igualmente conseguido com a criação de estruturas que liderem processos participativos e que se convertam, simultaneamente, em plataformas de decisão ou codecisão e de acompanhamento e monitorização, como, de resto, existem exemplos de sucesso testados para algumas zonas costeiras. V. REFLEXÕES FINAIS Embora devidamente consagrados na Lei n.º 17/2014, de 10 de abril, os princípios alusivos à participação pública carecem ainda de concretização, a qual terá apenas lugar na legislação complementar prevista no artigo 30.º do mesmo diploma. Será, assim, naquela legislação que se irá afirmar, ou não, a importância da participação pública no ordenamento e na gestão do espaço marítimo nacional, enquanto processo gerador de múltiplos benefícios para o processo de tomada de decisão e um dos poucos que afirma, na prática, a democracia efetiva. A ausência de uma cultura de participação e de intervenção cívicas consistentes tem apartado grande parte da sociedade de um maior envolvimento no processo de tomada de decisão, e impediram que, 40 anos volvidos sobre abril de 1974, ainda hoje a sociedade se mobilize de forma coerente previamente à tomada de decisão em matérias decisivas. No momento em que Portugal redescobre o mar, é criada a oportunidade certa para afirmar, no contexto marinho, todos os princípios que a legislação há muito consagra para o território terrestre, e para chamar os cidadãos a decidirem sobre o ordenamento e a Referências [1] [1] Canotilho, G. e Moreira, V., Comentário ao Artigo 66.º da Constituição Portuguesa – Constituição da República Portuguesa Anotada. Coimbra: Coimbra Editora, 1993. [2] Resolução da Assembleia da República n.º 11/2003, de 25 de fevereiro, que Aprova, para ratificação, a Convenção sobre Acesso à Informação, Participação do Público no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente, assinada em Aarhus, na Dinamarca, em 25 de junho de 1998 (Diário da República I Série A – N.º 47, de 25 de fevereiro de 2003). [3] Canotilho, J. J., Democracia e Ambiente: em torno da formação da Consciência Ambiental in Revista do Centro de Estudos de Direito de Ordenamento do Urbanismo e Ambiente. Coimbra: CEDOUA, 1998. [4] André, P., B. Enserink, D. Connor e P. Croal, Public Participation International Best Practice Principles. Special Publication Series 4. Fargo, USA: International Association for Impact Assessment, 2006. Maria Scientia Novembro 2014 31 Maria Scientia [5] Zillman, D.N., Lucas, A., Pring, A. (ed.), Human Rights in Natural Resources. Oxford: Oxford University Press, 2002. [6] Nunes Correia, F. (coord.), Plano Nacional de Política de Ambiente. Lisboa: Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, 1995. [7] Decreto-Lei n.º 221/97, de 20 de agosto (Diário da República I Série A – N.º 191, de 20 de agosto de 1997). [8] Ramos Pinto, J., Educação Ambiental em Portugal: Raízes, influências, protagonistas e principais ações in Educação, Sociedade e Culturas. Porto: Porto 21, 2004. [9] Schmidt, L., Ambiente no Ecrã – Emissões e Demissões no Serviço Público Televisivo. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2003. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal [10] Almeida, J. (org.), Os Portugueses e o Ambiente – II Inquérito Nacional às Representações e Práticas dos Portugueses sobre o Ambiente. Oeiras: Celta Editores, 2004. [11] Communication from the Commission to the European Parliament, the Council, the European Economic and Social Committee and the Committee of the Regions, Maritime Spatial Planning in the European Union – Achievements and Future Development [COM(2010)771]. [12] Cicin-Sain et al. Education and Training in Integrated Coastal Management: lessons from the international arena. Ocean & Coastal Management 43 291330, 2000. » voltar ao Sumário fonte: EMEPC Maria Scientia Novembro 2014 32 Maria Scientia Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal Utilização privativa de recursos hídricos – algumas reflexões sobre a atribuição de títulos da perspetiva de um licenciamento de um apoio balnear Private use of water resources – Some reflections on the Perspective of allocation of a license for a bathing infrastructure Tiago da Silva Benavente Assessor Jurídico do Diretor-Geral da Autoridade Marítima e Comandante-Geral da Autoridade Marítima. Pós-graduado em Direito Administrativo do Mar pelo Instituto de Ciências JurídicoPolíticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Resumo O presente artigo apresenta um estudo de caso estudo do Direito positivo português em matéria do domínio da água e dos terrenos conexos, em especial a utilização de recursos hídricos sob a perspetiva concreta do licenciamento de um apoio balnear. Neste contexto, os objetivos são ambiciosos e extensos: descrever e interpretar a legislação aplicável, bem como dar uma prospetiva do quadro legislativo em apreço e seu impacto na sociedade. Palavras-chave: Recursos hídricos, licenciamento, Direito. Abstract This article presents a case study of Portuguese positive law on the field of water and related land, in particular the use of water resources in the concrete licensing perspective of a beach infrastructure. In this context, the objectives are ambitious and extensive: describe and interpret the applicable legislation and give a prospective of the legislative framework under consideration and its impact on society. Key words : Water resources, licensing, law. I. Introdução O presente artigo versa, essencialmente, sobre o estudo do Direito positivo português em matéria do domínio da água e dos terrenos conexos, em especial a utilização de recursos hídricos sob a perspetiva concreta licenciamento de um apoio balnear. do Assim, a primeira questão que suscitou o enunciado do tema selecionado para efeitos de apresentação como trabalho escrito para avaliação final no âmbito do Programa Maria Scientia Novembro 2014 33 Maria Scientia Avançado de Estudos do Mar (2.a edição), organizado pelo Instituto Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, diz respeito a um tema que é objeto de parco conhecimento, apesar da sua ampla difusão mediática, mais concretamente os apoios balneares ou os comummente denominados toldos, chapéus-de-sol, colmos e espreguiçadeiras situadas no areal das praias, por regra associadas a uma atividade económica (i.e., aluguer) das mesmas, mas que o público, em grande parte, desconhece em toda a sua amplitude e envolvência, nomeadamente o procedimento de atribuição de titulo para a utilização do supramencionado espaço. Neste seguimento, como primeira nota introdutória, na sequência da requalificação da orla costeira, assiste-se a um expressivo acréscimo de utentes às zonas balneares das praias marítimas, fluviais e lacustres, sobretudo em épocas estivais do ano, que vem justificando uma lógica de ordenamento público com o objetivo de configurar os espaços sob uma determinada forma de regulação e de garantir os mais elevados índices de segurança para os seus utentes. Com tal desenvolvimento, torna-se imperativo um investimento nesta área capaz de responder aos novos desafios das sociedades modernas com medidas, procedimentos e sistemas que conciliem a fruição pública dos espaços em apreço com o cumprimento por parte das suas obrigações naqueles espaços, como por exemplo, a assistência e o socorro a náufragos por métodos eficientes e recursos qualificados e eficazes tendo como objetivo o salvamento de vidas humanas, bem como a otimização dos usos sendo que, portanto, é neste contexto que surge a adoção de soluções de índole privatística no âmbito da atividade da Administração Pública, tornando-se frequentes as vezes em que a exploração ou gestão dos bens dominiais – na sequência de um conceito de dinamização de atividades Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal pela sociedade civil e pelas empresas – se encontram desenvolvidas por entidades privadas, mediante concessão ou licença. II. Enquadramento jurídico-legal 2.1 Quadro jurídico-legal geral Na realidade, como uma das respostas da Administração Pública à necessidade de instituir medidas que sejam adequadas à proteção dos recursos hídricos, a orla costeira do continente está ordenada por instrumentos especiais de ordenamento do território designados por planos de ordenamento da orla costeira (POOC), tendo por fim a salvaguarda de objetivos de interesse nacional com incidência territorial, estabelecendo regimes de salvaguarda de recursos e valores naturais, bem como regimes de gestão compatível com a utilização sustentável do território, compatibilizando a proteção e valorização da diversidade biológica e paisagística, em especial no que concerne aos valores naturais presentes nas áreas protegidas, e a salvaguarda das zonas de risco com o uso público destes recursos e o desenvolvimento económico. A matéria relacionada com os recursos hídricos encontrava-se, até há pouco, disciplinada por legislação do primeiro quartel do século passado, designadamente de 1919; assim sucedia com o Decreto n.º 58741, de 18 de maio, ou remontava a 1971 [como se verificava com a disciplina jurídica dos terrenos do domínio hídrico estabelecida pelo Decreto-Lei (DL) n.º 468/71, de 5 de novembro]. A evolução da sociedade e, como consequência, das suas práticas, resultou num uso, com tendência crescente, dos espaços na orla costeira, para fins diversos, desde a mera fruição no âmbito de atividades lúdicas a atividades de natureza económica com escopo Maria Scientia Novembro 2014 34 Maria Scientia lucrativo e, por vezes, ambas em simultâneo, como se verifica no objeto de estudo deste trabalho. Da transformação evolutiva da sociedade nasceu a necessidade de atualização da legislação, então em vigor, de modo a responder às pretensões subjacentes às novas utilizações, em especial com o objetivo último de permitir uma melhor fruição dos espaços e das suas múltiplas potencialidades. Exemplo da consciência, em termos públicos, da mencionada transformação da sociedade denota-se no preâmbulo [1] do DL n.º 309/93, de 2 de setembro, [regula a elaboração e a aprovação dos planos de ordenamento da orla costeira (POOC), nos termos previstos do seu artigo 1.º), através da instituição e criação da disciplina jurídica dos planos de ordenamento da orla costeira]. Assim, as preocupações e objetivos presentes no diploma que regulava a elaboração e a aprovação dos POOC foram corporizadas nestes, que surgem como um instrumento enquadrador para a melhoria, valorização e gestão dos recursos presentes no litoral. Planos que se preocupam, em especial, com a proteção e integridade biofísica do espaço, com a valorização dos recursos existentes e com a conservação dos valores ambientais e paisagísticos, constituindo objetivos de tais planos a definição de regimes de salvaguarda, proteção e gestão estabelecendo usos preferenciais, condicionados e interditos na área de intervenção, e a articulação e compatibilização, na respetiva área de intervenção os regimes e medidas constantes noutros instrumentos de gestão territorial e instrumentos de planeamento das águas [cfr. als. a) a e) do n.º 2 do art. 2.º do DL n.º 309/93]. Neste contexto, embora num nível programático, as preocupações suprarelevadas de otimização de usos encontram-se bem patentes, a título de ilustração na Estratégia Nacional para o Mar Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal (ENM) de 2006 [2], bem como na ENM de 2013 [3], estando-se na presença de instrumento de política pública que apresentam a visão de Portugal, para determinados ciclos temporais, procurando prosseguir um modelo de desenvolvimento assente na preservação e utilização sustentável dos recursos e serviços dos ecossistemas marinhos, apontando um caminho de longo prazo para o crescimento económico, inteligente, sustentável e inclusivo, assente na componente marítima, advertindo, contudo, que a concretização e os resultados desta política, transversal e multissectorial dependem do envolvimento dos agentes públicos e privados, pelo que é determinante a sua participação na formulação desta Estratégia e, por conseguinte, exortando à ampla participação da sociedade portuguesa, como passo fundamental para garantir o reconhecimento e a partilha da visão e dos objetivos estabelecidos. De notar que as preocupações respeitantes à otimização da utilização dos recursos hídricos não são caso único de Portugal, sendo extensíveis a nível comunitário, apenas constituindo, no nosso País, pela sua própria morfologia geográfica e envolvente cultural, uma sustentada e determinante preocupação em termos de desenvolvimento e ordenamento. Assim, partindo da ideia da importância dos recursos naturais, sobretudo da consciência da sua escassez e, em algumas situações, da sua exiguidade, a Comunidade Europeia, através da Diretiva n.º 200/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2000 (Diretiva-Quadro da Água) [4], estabeleceu objetivos exigentes em matéria de água, como meio de desenvolver estratégias dirigidas à integração da proteção e à gestão sustentável da água noutras políticas comunitárias (desde logo, na utilização dos recursos hídricos afetos a fins Maria Scientia Novembro 2014 35 Maria Scientia económicos) e de melhorar o «ambiente aquático» nos Estados-membros (conforme preâmbulo). De referir que a Diretiva-Quadro da Água foi objeto de transposição para o ordenamento português pela Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro (Lei da Água), entretanto complementada pelo DL n.º 77/2006, de 30 de março, assim como pelo DL n.º 226-A/2007, (regime da utilização dos recursos hídricos), pelo DL n.º 311/2007, de 17 de setembro (regime de constituição e gestão de empreendimentos de fins múltiplos, bem como o respetivo regime económico e financeiro), pelo DL n.º 5/2008, de 8 de janeiro (regime jurídico de acesso e exercício da atividade de produção de eletricidade a partir da energia das ondas). Salvaguardando a existência e aplicabilidade de outros diplomas, oportunamente referenciados, uma adequada compreensão do regime jurídico dos recursos hídricos impõe uma conjugação da legislação identificada com a Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 34/2014, de 19 de junho), que estabelece a respetiva titularidade. 1.2 Recursos hídricos públicos e recursos hídricos privados A matéria da titularidade dos recursos hídricos e, especialmente, o seu regime jurídico (domínio público versus domínio privado), como observado no subcapítulo anterior, não assume carácter unívoco e absolutamente linear, antes complexo a exigir uma leitura multidisciplinar. Neste sentido, apesar da tendência para um tratamento unificador, persistem, ainda, distinções relacionadas com o estatuto dos recursos hídricos e, como consequência, na respetiva titularidade. Na situação de se Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal adotar uma visão necessariamente esquemática, poder-se-á afirmar que a clássica dicotomia de titularidades (pública e privada) implica, como tal, uma dualidade de regimes jurídicos, nomeadamente um regime de direito público (correspondente ao conteúdo do estatuto da dominialidade) e um regime de direito privado (gizado, sobretudo, pelo Código Civil, nos seus artigos 1386.º e 1387.º, que identificam os recursos hídricos privados). 1.3. Domínio Público Hídrico, em especial, do Domínio Público Marítimo Neste contexto, tendo em atenção a questão em estudo, importa reconhecer que, inclusive para efeitos de lógica interna e construção racional do presente trabalho, se está perante matérias de vária ordem, embora partindo todas da mesma área material, mais propriamente a organização do espaço territorial, em concreto, do Domínio Público Hídrico (DPH) e, de modo mais circunscrito, do Domínio Público Marítimo (DPM), na conceptualização que consta, em termos de quadro normativo, da Lei nº 54/2005. Com efeito, nos termos do n.º 1 do art.º 84.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), pertencem ao domínio público, para além dos restantes bens aí assinalados e de outros bens que a lei classifique como tal, as águas territoriais com os seus leitos e os fundos marinhos contíguos (alínea a), primeira parte, da citada disposição). O legislador constituinte remete ainda para a lei a definição dos bens que integram o domínio público do Estado, o domínio público das regiões autónomas e o domínio público das autarquias locais, bem como o seu regime, condições de utilização e limites (n.º 2 do mesmo art.º 84.º). Aquela lei é necessariamente uma Lei da Assembleia da República ou um DL autorizado, já que a Maria Scientia Novembro 2014 36 Maria Scientia definição e o regime dos bens do domínio público integram o rol de matérias da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [vide al. v) do n.º 1 do art.º 165.º da CRP]. Para o que aqui importa analisar, referem Gomes Canotilho e Vital Moreira [5] que “o conceito de águas territoriais (a que alude a alínea a)), primeira parte, do acima identificado n.º 1 do art.º 84.º da CRP) abrange fundamentalmente as águas exteriores com os seus leitos. No âmbito normativo de águas territoriais exteriores incluemse: (a) o mar territorial, isto é, uma zona de mar adjacente ao território (...); (b) as águas arquipelágicas (...) dos arquipélagos dos Açores e da Madeira”. A propósito do DPM, esclarecem os mesmos autores que “compete à lei a determinação do sujeito titular dos bens do domínio público, embora pareça natural que certos bens não podem deixar de integrar o domínio público do Estado, por serem inerentes ao próprio conceito de soberania (como sucede com o domínio público marítimo e aéreo)”. No que respeita ao âmbito do DPH, revela-se imprescindível destacar, desde logo pela especificidade do tratamento jurídico de que é objeto, a situação do DPM face ao Domínio Público Hidráulico [que abrange os legalmente denominados domínio público fluvial e domínio público lacustre, a que o art. 7.º da Lei n.º 54/2005 acrescenta o (incaracterístico e indefinido) “domínio hídrico das restantes águas”]. Por outro lado, como resulta de uma interpretação analítica dos próprios preceitos legais, sobretudo a supramencionada Lei da Água, uma referência ao DPH não abrange somente as águas dominiais, mas inclui, ainda, os terrenos conexo e operativos com aquelas, atenta, desde logo, a função que desempenham – como adiante se verá com as margens. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal Neste seguimento, o problema da identificação dos bens concretamente constitutivos do DPM pressupõe uma consideração de instrumentos legais nacionais – em concreto, do art. 3.º da Lei n.º 54/2005, com a Lei n.º 34/2006, de 28 de julho [6] – e de instrumentos jurídicos internacionais, nomeadamente a Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar (CDM) [7]. Assim, a al. a) do art. 3.º da Lei n.º 54/2005 compreende no DPM as “(…) águas costeiras e territoriais (…)”, devendo compreender-se como tais as águas do mar territorial, que nos termos devidamente conjugados do art. 3.º da CDM e do art. 6.º da Lei n.º 34/2006, se estende pela largura de doze milhas marítimas, medidas do ponto mais próximo das linhas de base (cfr. art. 5.º da CDM, e n.º 1 do art. 5.º da Lei n.º 34/2006). Contudo, objeto de maior interesse para a resolução da questão em apreço, ao DPM não se encontram sujeitas apenas águas, incluindo, portanto, nos termos das als. c), d) e e) do art. 3.º da Lei n.º 54/2005, os terrenos que lhes estão associados, designadamente margens, leitos e plataforma continental. Neste seguimento, as noções de leito e margem das águas do mar e das águas sujeitas à influência das marés surgem legalmente definidas, respetivamente, pelo n.º 2 do art. 10.º, e n.ºs 2, 5 e 6 do art. 11.º da Lei n.º 54/2005 [8]. Categoria relevante para este parecer, no âmbito de terrenos que integram o DPH, é a das margens. Como nos dá conta Tavarela Lobo [9], «(…) a margem foi definida pela primeira vez no nosso ordenamento jurídico como “uma faixa de terreno adjacente, junto à linha de água, que se conserva ordinariamente enxuta, e é destinada aos Serviços Hidráulicos de polícia ou acessórios de navegação e flutuação” (art. 4.º do Decreto n.º 8/1892, de 5 de Dezembro – Regulamento dos Serviços Maria Scientia Novembro 2014 37 Maria Scientia Hidráulicos), mas é destinada igualmente a outros serviços de interesse público, como policiais, balneares, industriais, etc. Inicia-se a partir daquela linha de água e estendese pela parte não banhada da ribanceira e pelos prédios marginais, tendo largura variável conforme a classificação das correntes» [9]. O DL n.º 468/71 procurou solucionar a controvérsia existente sobre a noção de margem e o correspondente regime jurídico, definindo-a do seguinte modo: «Entende-se por margem uma faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas», nos termos do n.º 1 do seu art.º. 3.º. Nos restantes números do art. 3.º estabeleceram-se, ainda, a respetiva largura e completou-se o conceito de margem solucionando pontos controversos na doutrina e na jurisprudência, entre os quais se destaca, pela sua importância, a matéria atinente às praias e às arribas alcantiladas (mais propriamente, os n.ºs 5 e 6). O art. 11.º, n.º 1, da Lei n.º 54/2005, acolheu a mesma noção de margem constante do n.º 1 do art. 3.º do DL n.º 468/71 – e que igualmente consta da Lei da Água, nas alíneas jj) e gg), do artigo 4º – e manteve inalterada a largura das margens constante dos nºs 2 a 4 do art. 3.º deste último diploma: i) 50 m para as águas do mar e águas navegáveis ou flutuáveis sujeitas à jurisdição das autoridades marítimas13; ii) 30 m para as águas navegáveis ou flutuáveis não sujeitas à jurisdição das autoridades marítimas e portuárias; iii) 10 m para as águas não navegáveis nem flutuáveis, nomeadamente torrentes, barrancos, e córregos de caudal descontínuo (conforme previsto nos n.ºs 2, 3 e 4 do art. 11.º). Atendendo às considerações supratecidas, constata-se, desde logo, até tendo em atenção o próprio objeto sobre o qual incide a ocupação – i.e., espaço territorial –, que se está Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal perante um recurso determinável pelos critérios anteriormente indicados, portanto indicador de ser um recurso que tem um limite de utilização. Por conseguinte, está-se perante um recurso escasso. Como tal, compreende‐se assim que o acesso à atividade de utilização de recursos hídricos tenha que ser objeto de uma disciplina jurídica justificável pela escassez dos recursos hídricos e pela consequente necessidade da respetiva ordenação e regulação dos usos permitidos. Na verdade, a lei não consagra, não reconhece, nem pode reconhecer, um direito subjetivo à utilização privativa dos recursos hídricos [10]: porque se trata de recursos do domínio público naturalmente escassos, os mesmos têm de ficar sob gestão pública e ser deslocados da esfera de liberdade de utilização privativa ou de acesso exclusivo. Como consequência disso, a utilização privativa ou o acesso exclusivo a esses bens jurídicos ou direitos escassos ficam submetidos a um princípio de proibição, com reserva de autorização ou de concessão. A escassez dos recursos, uma vez mais, determina a escassez dos títulos de autorização e de concessão, pelo que, em princípio, a obtenção de tais títulos não irá depender apenas da observância de requisitos subjetivos (cuja verificação se encontre na disponibilidade do interessado no âmbito de um procedimento de iniciativa particular); de facto, e por razões que se verão adiante, impõe‐se a verificação de pressupostos objetivos (sobre cujo cumprimento o interessado não tem controlo ou influência). Nesse caso, à Administração Pública fica então confiado um poder de autorizar ou de conceder, o que remove a proibição, permitindo, sob regras, uma dada utilização. Contudo, um tal poder administrativo exerce‐se não apenas no quadro de uma Maria Scientia Novembro 2014 38 Maria Scientia missão de controlo preventiva ou de atribuição de aproveitamentos ou usos privativos de bens, mas, igualmente, no âmbito de uma função de administração da escassez: quer dizer, nestas hipóteses, a atribuição de uma concessão ou de uma autorização revela‐se também a alocação de um recurso escasso. Como consequência, após o breve excurso sobre alguns conceitos elementares para a compreensão do tema, importa, em seguida, analisar, em concreto, um procedimento de atribuição de um título de utilização de recursos hídricos, mais concretamente o procedimento de licenciamento de um apoio balnear. 2. Processo administrativo para a atribuição de título de utilização de recursos hídricos: a licença para exploração de um Apoio Balnear Como suprarrelevado, os POOC, com o objetivo último de permitir uma melhor fruição da orla costeira e das suas múltiplas potencialidades, enquadram e estabelecem os princípios a que deve obedecer o uso e a ocupação deste troço da orla costeira, através, nomeadamente, da valorização das praias consideradas estratégicas do ponto de vista ambiental e turístico, da requalificação das áreas já sujeitas a uma ocupação incompatível com a qualidade de vida ou mesmo com a segurança de pessoas e bens e da defesa e valorização dos recursos naturais, ambientais e paisagísticos existentes. Assumindo-se, portanto, uma visão integrada. Em todos estes instrumentos estão previstas utilizações dos recursos hídricos sujeitos a licença, nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do art. 60.º da Lei da Água, e cuja definição está prevista no art. 3.º do DL n.º 226-A/2007, Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal nomeadamente: a) Apoio de praia (n.º 1); b) Apoio balnear (n.º 2); c) Equipamentos (n.º 3). Entende-se por apoio de praia o núcleo básico de funções e serviços infraestruturados, que, completo, integra vestiários, balneários, instalações sanitárias, postos de socorros, comunicações de emergência, informação e assistência a banhistas, limpeza da praia e recolha de lixo, podendo ainda e complementarmente assegurar outras funções, nomeadamente comerciais. São ainda apoios de praia as instalações de caráter temporário e amovível, designadamente pranchas flutuadoras, barracas, toldos e chapéus-de-sol para abrigo dos banhistas, estruturas para abrigo de embarcações, seus utensílios e aparelhos de pesca e outras instalações destinadas à prática de despostos náuticos e de diversões aquáticas, também designados por apoios balneares (de acordo com o definido n.ºs 1 a 4 do art. 63.º do DL n.º 226-A/2007). Os apoios de praia apenas são permitidos nos locais definidos nos planos especiais de ordenamento geograficamente aplicáveis, de acordo com a classificação das praias. O DL n.º 226-A/2007, de 31 de maio, prevê, no art. 21.º, que os apoios de praia nos terrenos do domínio público estão sujeitos a licença a atribuir por concurso público, o qual poderá resultar de iniciativa pública ou decorrer de iniciativa do particular. Por seu turno, o n.º 2, do art. 12.º, do DL n.º 226-A/2007, estabelece que nas áreas da jurisdição das autoridades marítimas compete ao Capitão do Porto (CP) licenciar os apoios de praia previstos no n.º 3, do art. 63.º, daquele diploma, ou seja, os apoios balneares com caráter amovível. Esta competência, cometida expressamente por aquele diploma, tem de ser entendida igualmente à luz do estatuído na alínea d), do nº6, e alíneas a) a d), do nº8, ambos do artigo 13º do Decreto-Lei nº 44/2002, de 02 de março, importando salientar Maria Scientia Novembro 2014 39 Maria Scientia que se está perante um perfil de ato atribuído a um órgão local de uma estrutura material e territorialmente desconcentrada (Autoridade Marítima). A atribuição de usos privativos e definição do respetivo interesse público para efeitos de concessão, relativamente aos bens do domínio público afeto às administrações dos portos, bem como à prática de todos os atos respeitantes à execução, modificação e extinção da licença ou concessão pertencem numa primeira linha, nos termos do n.º 1 do art. 12.º do DL n.º 226-A/2007, a uma estrutura dependente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), e, em alguns casos (apoios balneares), ao CP, conforme o n.º 2 do mesmo artigo. De ressalvar que cada CP deverá analisar o título de concessão da área portuária à respetiva Administração Portuária (AP) (i.e., diploma legal ou contrato de concessão) no sentido de esclarecer o âmbito das competências daquela AP relativamente ao licenciamento de equipamentos amovíveis (apoios balneares), que, a não estar prevista, pertence ao CP. Importa ainda esclarecer que o artigo 13.º da Lei da Água (Lei n.º 58/2005), no que concerne às administrações portuárias, estabelece que nas áreas do DPH afetas às administrações portuárias, a competência da APA (ex-ARH) para licenciamento e fiscalização da utilização dos recursos hídricos considera-se delegada na AP com jurisdição no local, sendo definidos por portarias conjuntas dos Ministros da Obras Públicas, Transportes e Comunicações e do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional os termos e âmbito da delegação e os critérios de repartição das respetivas receitas. Pese embora a Lei da Água preveja esta delegação de competências, o que é facto é que da portaria mencionada no art. 13.º, até à presente data, desconhece-se algum caso em Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal que a mesma tenha sido publicada. Desconhecendo-se, por isso, os termos e âmbito da delegação. As disposições previstas no Código do Procedimento Administrativo (CPA) aplicamse à Autoridade Portuária (AP), na sua qualidade de concessionária em todos os atos de matéria administrativa e de gestão pública, por força do disposto no n.º 2, do art. 3.º, daquele diploma. Pelo que, os atos praticados pela AP no âmbito daquela delegação de competências não titulada pela exigida portaria - pese embora, à partida, não parecer enquadrar-se no âmbito dos atos nulos previstos no art. 133.º do CPA - não deixam de estar sujeitos ao regime da anulabilidade previsto no art. 135.º do mesmo diploma, negando, por conseguinte, assim a aplicabilidade direta do Código dos Contratos Públicos (CCP) aprovado pelo DL n.º 18/2008, de 29 de janeiro), inclusivamente tendo em atenção o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 15 de Setembro de 2011 (Proc. n.º 7754/11), no qual o Ministério da Defesa Nacional - enquanto Réu - advogou a subsistência do regime previsto no DL n.º 226A/2007, face ao CCP, que ora se transcreve o respetivo Sumário: “1. A lei geral não revoga a lei especial, a não ser que a lei geral pretenda pôr termo a regimes especiais, o que pode ser aferido objetivamente na nova lei, com base na premência da solução geral nova e ainda no fato de a solução constante da lei especial não se justificar afinal por necessidades próprias desse sector, quer dizer por a especialidade não ser substancial ou material. 2. Sobre a revogação da legislação extravagante anterior ao CCP, devemos atender primeiro às matérias referidas nos arts. 4º ss CCP; e depois, se necessário, teremos de averiguar se há coincidência entre a matéria da lei extravagante e a do CCP. 3.O regime da utilização dos recursos dominiais hídricos não é regulado no CCP. Pelo que o DL 226-A/2007 não foi revogado pelo art. 14º-2 da lei que aprovou o CCP.”. Maria Scientia Novembro 2014 40 Maria Scientia Neste contexto, é entendimento do autor que, atendendo à natureza do título atribuído – in casu, Licença –, bem como à realização de um ato de fiscalização após atribuição da Licença, mais concretamente, uma vistoria por parte da entidade licenciadora, estamos perante um procedimento que subsidiariamente poderia encontrar enquadramento no regime do Licenciamento zero, aprovado pelo DL n.º 48/2011, de 1 de Abril, considerando inclusivamente que tal regime é aplicável à ocupação de um espaço público com uma esplanada (n.º 1 do art. 1.º e art 12.º do referido diploma). Naturalmente, atendendo ao risco ambiental e à componente de segurança pública associados à utilização de recursos hídricos ora considerada (tendo em atenção os deveres de um titular de uma licença de um apoio balnear, nomeadamente no âmbito da assistência a banhistas), seria de grande conveniência e coerência jurídica, numa futura revisão do DL n.º 226-A/2007 - in casu, a sétima -, a inclusão de um preceito legal que estabelece como regime subsidiário o definido no DL 48/2011, contribuindo assim para clarificar algumas dúvidas assumidas por alguma doutrina, bem como contribuiria para a simplificação e uniformização de procedimentos (no caso dos atos de licenciamento). No referente ao procedimento administrativo para atribuição de licenças pelo CP para instalação de apoios balneares em espaços dominiais sob jurisdição das autoridades marítimas, tem sido, geralmente desencadeado por iniciativa do particular, à semelhança do que já se fazia anteriormente à entrada em vigor do DL n.º 226-A/2007 [11]. Como já anteriormente foi referido, o procedimento concursal para licenciamento de apoios balneares poderá assumir uma de duas formas: por iniciativa pública, que se justifica em especial nas praias onde existe Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal uma forte componente concorrencial entre os interessados – envolvente mais notória em praias do Centro e, especialmente, do Sul –, ou em praias que, pese embora esteja previsto no respetivo POOC a atribuição de um título de utilização, tendencialmente não têm sido licenciadas por falta de interessados ou desconhecimento dos mesmos, funcionando assim a iniciativa pública como uma forma de publicitação da existência daquela utilização; ou, por iniciativa do particular, como aliás, se aplica à generalidade dos casos. Em qualquer dos casos estão definidos procedimentos, em especial no DL n.º 226A/2007, e supletivamente o estabelecido no CPA – atendendo à qualidade dos órgãos envolvidos –, que devem ser observados no estrito cumprimento dos princípios da legalidade e da prossecução do interesse público. No respeitante ao prazo de duração da licença de utilização de recursos hídricos para instalação de apoios balneares, embora a legislação não preveja expressamente critérios, de uma leitura da supracitada ENM deverá atender-se essencialmente à classificação das praias, à sua taxa média de ocupação, a dimensão do zonamento e, em especial, a sua viabilidade económica no sentido de garantir a amortização do investimento para evitar vicissitudes, tais como perda de interesse ou desistência por falta de viabilidade. A decisão relativamente ao prazo de duração da licença deverá ser tomada pelo CP atendendo aos fatores suprarreferidos, tendo como limite máximo o prazo de 10 anos estabelecido pelo n.º 2 do art. 67.º da Lei da Água – embora previsivelmente tal prazo venha a ser consideravelmente modificado na legislação que venha a regulamentar a Lei n.º 17/2014, de 10 de abril, considerando o estabelecido no seu art. 21.º. Maria Scientia Novembro 2014 41 Maria Scientia Tanto no procedimento por iniciativa pública como no procedimento desencadeado por iniciativa do particular em que sejam apresentados pedidos idênticos de atribuição de licença, a entidade licenciadora deve definir quais os critérios de escolha entre os vários concorrentes ou interessados. Nesta definição, deverá atender unicamente aos aspetos sujeitos à concorrência, considerando que os requisitos cujo cumprimento decorre diretamente da lei, (por exemplo, vigilância e assistência a banhistas), deverão estar necessariamente assegurados, sob pena de exclusão do candidato. De mencionar que não existem regras definidas no diploma específico (i.e., DL n.º 226-A/2007) que determine a qualidade dos elementos que devem constituir o júri do procedimento, à exceção do n.º 2 do art. 67.º do CCP que proíbe expressamente que o órgão competente para a decisão (in casu, CP) faça também parte do júri, o que tem justificado a multiplicidade de júris em termos da sua composição, quer quantitativa quer qualitativa (sendo compostos, em regra, por representantes da Capitania, da APA e do poder local). Concretizando, o procedimento administrativo inicia-se com a decisão do CP através de ato administrativo que titula a iniciativa pública ou aceita e desencadeia o procedimento por iniciativa particular. Dado que o procedimento apenas diverge na primeira fase inicial da iniciativa, sendo todas as restantes fases comuns, o mais usual é que o mesmo seja desencadeado por iniciativa do particular nos termos do disposto no art. 21.º, n.º 5, do DL n.º 226-A/2007; inverte-se a ordem estabelecida a coberto do artigo 21.º, dando-se assim início às instruções referentes ao procedimento por iniciativa do particular, fazendo-se, a final, a ressalva para o procedimento por iniciativa pública. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal [A] Fase da Iniciativa • Por iniciativa do particular 1) O particular apresenta um pedido dirigido ao CP, no qual deverá necessariamente referir a localização da utilização, o objeto e as suas características (n.º 5 do art. 21.º do DL n.º 226-A/2007); 2) O órgão competente para o licenciamento promove a afixação de Edital durante 30 dias, onde publicita o interesse de um particular no licenciamento para si daquela utilização de recursos hídricos, identificando inequivocamente a sua localização, objeto e características, em conformidade com o pedido do particular, definindo, desde logo, o prazo do licenciamento, bem como – no caso de existir mais do que um interessado – menção de que será desencadeado um procedimento concursal entre os interessados nos termos da al. d) do n.º 5 do art. 21.º do DL n.º 226-A/2007, definindo igualmente, nesse caso, os critérios de escolha entre os interessados. 3) Se, durante esse período, nenhum interessado manifestar vontade de pedir para si o licenciamento procede-se à adjudicação nos seus precisos termos, sendo proferido despacho no sentido de dar início ao procedimento de licenciamento [cfr. al. c) do n.º 5 do art. 21.º do DL n.º 226-A/2007]. 4) Se, durante esse período, outros interessados apresentarem pedidos concorrentes, o CP deve proferir despacho no sentido de iniciar procedimento concursal entre os interessados, nomeando o júri e aprovando o programa do procedimento [cfr. al. d) do n.º 5 do art. 21.º do DL n.º 226-A/2007]; Maria Scientia Novembro 2014 42 Maria Scientia 5) Deste despacho dará a entidade licenciadora conhecimento aos interessados através de notificação, podendo o primitivo interessado, se o desejar, apresentar nova proposta, complementar a proposta inicial ou, nada dizendo, tem-se por renovada a proposta nos mesmos termos. Às fases seguintes aplica-se o procedimento por iniciativa pública conforme dispõe o n.º 5 do art. 21.º, do DL n.º 226-A/2007. • Por iniciativa pública 1) O procedimento por iniciativa pública inicia-se com a decisão do CP de lançar um procedimento concursal, no qual devem constar todos os elementos correspondentes à utilização a licenciar, a composição do júri, a aprovação do programa do procedimento com a definição dos critérios de escolha entre os concorrentes, a aprovação do anúncio a publicar no Diário da República e a aprovação do Edital a afixar nos lugares de estilo da Capitania [cfr. al. a) do n.º 4 do art. 21.º do DL n.º 226-A/2007]. As restantes fases são comuns a ambos os procedimentos [cfr. al. d) do n.º 5 do art. 21.º do DL n.º 226-A/2007]. [B] Fase da receção, abertura e análise de propostas 1) Na receção das propostas, deverá ser seguido o estabelecido no art. 80.º e seguintes do CPA. Neste sentido, quando um candidato apresente a sua proposta em mão, deverá ser entregue ao concorrente cópia do carimbo de entrada na Capitania e anotada a sua hora de entrada, no sentido de estabelecer a sua prioridade – apenas para efeitos de identificação. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal 2) Na data marcada para o ato público de abertura das propostas, o júri reúne em local acessível à presença de qualquer interessado, verificando, então, a conformidade da entrada das propostas com o prazo definido, tendo especial atenção à data do envio das propostas enviadas por via postal, excluindo-se aquelas que deram entrada ou foram enviadas fora do prazo, por extemporaneidade [v. subalíneas i) e ii) da al. b) do n.º 4 do art. 21,º do DL n.º 226-A/2007]. 3) Do ato de abertura das propostas deverá ser lavrada ata – posteriormente publicitada em lugares de estilo da Capitania, encerrando-se de seguida o ato público, podendo o júri continuar reunido em sessão reservada para a análise das propostas ou deferir a sua análise para data posterior. [C] Relatório final do Júri 1) Reunido o júri para efeitos de análise das propostas, deverão as mesmas ser analisadas à luz dos critérios e ponderações previamente colocadas a concurso, culminando num relatório preliminar. 2) No prazo de 30 dias após a preclusão do prazo de receção das propostas, o júri elabora um relatório final, estabelecendo a ordenação final dos concorrentes, propondo a adjudicação ao concorrente que ficou qualificado em primeiro lugar [nos termos estabelecidos na al. c) do n.º 4 do art 21.º do DL n.º 226-A/2007]. [D] Fase da adjudicação 1) Presente o relatório final do júri ao CP, poderá este solicitar as propostas no sentido de verificar a conformidade das Maria Scientia Novembro 2014 43 Maria Scientia conclusões do júri com a análise das mesmas, podendo adjudicar, por despacho, a licença ao concorrente proposto pelo júri, ou a outro, fundamentando tal decisão [al. c) do n.º 4 do art. 21.º do DL n.º 226-A/2007). 2) O despacho de adjudicação deve ser notificado via postal a todos os concorrentes [nos termos das als. a) a c) do art. 66.º do CPA]. [E] Fase do licenciamento 1) Efetuada a adjudicação, o adjudicatário deverá dirigir ao CP, no prazo concedido, requerimento solicitando o início do procedimento de licenciamento com a necessária vistoria e pagamento da taxa. 2) Verificada por vistoria técnica da Capitania, a conformidade do apoio balnear com a proposta apresentada pelo adjudicatário, em especial no que diz respeito ao zonamento e número de chapéus/barracas, deverá ser emitida pelo CP a correspondente licença, com validade de um ano, renovável por igual período até ao máximo do prazo objeto de adjudicação; 3) A emissão de licenças (e as concessões) implica a prestação da caução para recuperação ambiental prevista, respetivamente, no art. 22.º e no art. 25.º e Anexo I do DL n.º 226-A/2007. Esta caução poderá ser dispensada, mas apenas e na medida em que a APA – na qualidade de autoridade nacional competente em matéria de Ambiente e Ordenamento – considere que a utilização a realizar não seja suscetível de causar qualquer impacte negativo nos recursos hídricos. A caução é prestada no prazo de 80 dias a contar da data em entrada em funcionamento da utilização. O valor da caução é determinado pela Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal APA e corresponderá entre 0,5% e 2% do valor do montante investido, poderá ser prestada por depósito em dinheiro ou mediante garantia bancária. Como nota final, conforme dispõe o art. 21.º, n.ºs 5 e 7 do DL n.º 226-A/2007, o titular de licença de utilização privativa de recursos hídricos, num concurso imediatamente seguinte, goza do direito de preferência, podendo, caso não fique qualificado em primeiro lugar, manifestar vontade de se sujeitar às condições da proposta vencedora, desde que tenha manifestado vontade na continuação da utilização um ano antes do termo da licença. 4. Reflexões Finais O presente artigo permite-nos, claramente, a conclusão de que estamos perante um fenómeno multidisciplinar, à imagem de outros tantos, de elevada complexidade. Em jeito de síntese conclusiva, da leitura do art. 63.º do DL n.º 226-A/2007, conclui-se que o mesmo define o que é apoio de praia e o que é equipamento, sendo ainda, no mesmo preceito legal, enumerados os serviços e funções que integram cada um dos conceitos que estabelece. Assim, como primeira conclusão, podemos assumir que a legislação aplicável à matéria em apreciação não trata de forma unitária os apoios de praia, os apoios balneares e as zonas de apoio balnear. Mais, o preceito não só trata de forma unitária os apoios de praia stricto sensu (n.º 1, do art. 63.º do DL n.º 226-A/2007), como de modo unitário trata os apoios de praia designados como apoios balneares como, inclusivamente, introduz a distinção entre ambos. Maria Scientia Novembro 2014 44 Maria Scientia Determina o n.º 3, do art. 12.º do mencionado diploma que “em áreas da jurisdição das autoridades marítimas compete aos capitães dos portos licenciar os apoios de praia previstos no n.º 2 do art. 63.º”; isto é, em concreto, os apoios balneares – considerando, igualmente, a inexistência de delegação de competências na autoridade portuárias, conforme suprassustentado. Neste sentido, a zona reservada a toldos constitui um apoio balnear previsto no n.º 2, do art. 63.º, sendo que, verificando-se igualmente o previsto no POOC aplicável ao espaço geográfico em consideração, a competência para atribuição do respetivo título de utilização dos recursos hídricos é do CP. Com efeito, os sujeitos do domínio público – i.e., as entidades que exercem poderes de autoridade sobre os bens dominiais – não se circunscrevem, porém, aos titulares desses bens. Integram, igualmente, aquela categoria de entes (públicos, mas também privados) aos quais se encontra cometida a gestão ou a exploração desses bens dominais. Presente o que antecede, podemos constatar que estamos perante um procedimento de licenciamento que, não obstante, a epígrafe “licenças sujeitas a concurso” do preceito legal que contem a disciplina de tal procedimento, em concreto, o artigo 21.º do DL n.º 226-A/2007, não é aplicável, de forma direta, o regime especial consagrado no CCP, não sendo submetido à intricada disciplina deste diploma, considerando a jurisprudência e doutrina tempestivamente citada. Em complemento, importa salientar que mantém validade este procedimento que está plenamente adequado à realidade em apreço, que, pela própria natureza da matéria, comporta deveres de assistência a banhistas e ordenamento de espaço, portanto, de segurança e fruição de espaços, que não se compadecem com a complexidade de Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal mecanismos estabelecidos por aquele Código (CCP), bem como a sua notória apetência para a lide em âmbito contencioso que, como se vem verificando, resulta em demoras por vezes expressivas, inadmissíveis, portanto, numa área em que está em causa o interesse público geral da comunidade e bem assim o interesse imediato em agir. No contexto do que vem aferido e comentado, e em especial atenta a publicação da Lei nº 17/2014, de 10 de abril, e os mecanismos e instrumentos normativos de ordenamento e gestão dominial que introduz, sobretudo se considerarmos a diferente sistémica conceptual que é notória em relação ao ordenamento e gestão dos espaços dominiais terrestres, e os diferentes quadros departamentais do Governo em que ambos têm a sua génese e conceção jurídica – Mar e Ambiente –, antevê-se, desde logo, uma necessidade de conciliação executiva entre o que resultará da reflexão que já decorre sobre os Planos de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) e os designados Planos de Situação e Planos de Afetação de áreas que a mencionada lei estatui. Com efeito, e designadamente em espaços dominiais públicos em que as interfaces funcionais são evidentes – praias e zonas balneares, e passeios públicos e ciclovias inseridas e/ou limítrofes ao Domínio Público Marítimo –, e não obstante a salvaguarda expressa no artigo 11º da Lei nº 17/2014, importa reter que as rotinas e procedimentos que são aplicáveis e exequíveis têm aspetos diferente e implicam variáveis diversas, quando se fala em licenciamentos ou concessões no mar para atividades desenvolvidas no mar. Não entender isto é um primeiro passo para criar uma moldura legal, e administrativa, inadequada e, portanto, de pouca utilidade para a discussão que deve decorrer. Maria Scientia Novembro 2014 45 Maria Scientia Ainda, e em especial no caso das praias marítimas onde o essencial é a definição, clara, de procedimentos administrativos e rotinas ágeis para os operadores privados, mas onde se salvaguarde, de forma objetiva e prioritária, o princípio da prossecução do interesse público, torna-se necessário atender às novas exigências comunitárias em relação ao ordenamento e gestão de tais espaços balneares, sendo que, no caso português – atenta a elevadíssima percentagem de turismo de praia, lazer e desportos náuticos que resulta dos mais de 14 milhões de visitantes oriundos do exterior –, é imperioso ter como pressuposto que a segurança balnear é um aspeto absolutamente fulcral [12], dir-se-ia mesmo determinante, no desenvolvimento de qualquer atividade que seja autorizada, licenciada e realizada. No respeitante à gestão das atividades concessionadas e licenciadas em ambiente praia, e à forma como se torna necessário articular os departamentos públicos envolvidos – Edilidades inclusive –, quer quanto à oportunidade e/ou fase administrativa requerida quer ao nível dos pareceres exigidos por lei, afigura-se que seria este o momento indicado para reavaliar a forma como o ente praia é gerido, no referente às atividades e usos nela permitidos e realizados. Assim, e sendo óbvio que o capitão do porto, como órgão local da Autoridade Marítima, e a Administração de Região Hidrográfica têm de ser intervenientes privilegiados no modelo de gestão a encontrar, parece ser, igualmente certo que a Autarquia – no vetor em que é chamada a participar – é um elemento de utilidade acrescida, em especial nos interfaces praiaterritório e em que tudo o que exija licenciamentos e autorizações de índole comercial e, ainda, naqueloutras matérias em que a representação das cidades e vilas ribeirinhas tenha de ser considerada. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal É este, inelutavelmente, o caminho que nos parece que terá de ser percorrido no curto/médio prazo. Referências [1] «O litoral português e a orla costeira, como recursos naturais que são, caracterizam-se por elevada sensibilidade ambiental e grande diversidade de usos, constituindo simultaneamente suporte de atividades económicas, em particular o turismo e atividades conexas com o recreio e lazer. Tornase, assim, necessário regulamentar os critérios de atribuição de uso privativo de parcelas de terrenos do domínio público marítimo destinadas à implantação de infraestruturas e equipamentos de apoio à utilização das praias. Por outro lado, entendeu-se ser o momento para consagrar regras, não só relativas à praia, mas a toda a orla costeira, abrangendo tanto o domínio público marítimo como uma faixa de proteção terrestre com a largura máxima de 500 m. Considerou-se que a via mais correta para se atingir esses objetivos seria através da criação de planos sectoriais denominados “planos de ordenamento da orla costeira”». [2] RCM n.º 169/2005, de 24 de outubro. [3] RCM n.º 12/2014, de 23 de janeiro. [4] Jornal Oficial das Comunidades Europeias (JOCE), n.º L 327, de 22 de dezembro de 2000,pp. 1 e ss. Conforme, também, Decisão n.º 2455/2001/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de novembro de 2001, in: JOCE, n.º L 331, de 15 de dezembro de 2001, pp. 1 e ss.. [5] CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA, Vital “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3.ª ed. rev., Coimbra Editora, 1993, p. 412. [6] Diploma legal que determina a extensão das zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional e os poderes que o Maria Scientia Novembro 2014 46 Maria Scientia Estado Português nelas exerce, bem como os poderes exercidos em alto mar. [7] Convenção assinada em Montego Bay em 10 de Dezembro de 1982, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 60-B/97 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 67-A/97. [8] Neste contexto, vide Ac. do Tribunal Constitucional n.º 131/2003, “torna-se assim manifesto que o domínio público marítimo resultante do disposto na lei compreende, nomeadamente por razões de necessária acessoriedade – as margens são indispensáveis para possibilitar a utilização das águas –, as faixas de terreno, legalmente qualificadas como margem, que sejam contíguas às águas do mar ou às demais águas sujeitas à influência das marés, desde que esses terrenos estejam na pertença do Estado, o qual, por sua vez, beneficia de uma presunção juris tantum de que os mesmos são propriedade pública (...)”. [9] Lobo, Mário Tavarela, "Manual do Direito das Águas”, vol. I, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1999. [10] O que só por si já exclui a conceção de um direito subjetivo à utilização privativa, veja‐se, neste sentido, o disposto na al. a) do preâmbulo do DL n.º 93/2008: “os particulares não têm um direito à utilização privativa dos bens do domínio público hídrico, dado que esses bens são da titularidade do Estado nos termos da Constituição e não são suscetíveis de sobre eles recaírem ónus ou encargos”. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal socorro - e, portanto, sem a garantia de que existe segurança na fruição de um espaços que é adverso para a vida humana, e, também, sem a garantia de qualidade das águas -, não terá pesado, conveniente e devidamente, os impactos que uma tal medida – aparentemente amiga da iniciativa económica privada – poderá ter, bastando atentar na potencial ocorrência de perda de vidas em períodos já fora da Época Balnear e no marketing extremamente negativo que uma tal eventualidade induzirá na procura das praias marítimas nacionais. Além do mais, a forma quase inexequível e, até, contraditória, em como se encontram redigidos os nºs 6 a 9 do artigo 5º do Decreto-lei nº 135/2009, de 03 de junho, na redação do DL 121/2014, parece ser indiciadora de que não está a ser assumida uma adequada reflexão de todos os vetores materiais que interessa avaliar no âmbito em apreço. 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Gomes, MOREIRA, Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993; essencial mecanismo de assistência e • GONÇALVES, Pedro Costa, “Liberdade de Produção de Electricidade e Administração da Maria Scientia Novembro 2014 47 Maria Scientia Escassez dos Recursos Hídricos do Domínio Público”, Centro de Estudos de Direito Público e Regulação da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Julho de 2011; • LOBO, Mário Tavarela, “Águas – Titularidade do Domínio Hídrico”, Coimbra Editora, 1985; • LOBO, Mário Tavarela, “Manual do Direito das Águas”, vol. I, 2.ª edição revista e ampliada, Coimbra Editora, 1999; Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal • MONIZ, Ana Raquel, “Direito do Domínio Público”, Tratado de Direito Administrativo Especial, vol. V, Almedina, 2011; • MONIZ, Ana Raquel, “Do aproveitamento dos recursos naturais da orla costeira”, Revista do CEDOUA, n.º 24, 2009; • SOARES, Rogério, “Direito Administrativo”, policopiado, Coimbra, 1978. » voltar ao Sumário Maria Scientia Novembro 2014 48 Maria Scientia Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal Política Marítima Integrada da União Europeia: Origem e Desenvolvimentos Recentes The EU’s Integrated Maritime Policy: Origins and Recent Developments Paulo Alexandre Barroso Simões Diplomata, Chefe de divisão de Mercado Interno Resumo A Europa é o continente com maior linha de costa e quase metade da sua população se encontra em zonas costeiras. Em 2004, a dimensão marítima da Europa assume uma posição de real prioridade política com a nomeação, pelo então Presidente da Comissão Europeia José Manuel Durão Barroso, de Joe Borg para Comissário Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas. As várias iniciativas comunitárias nesta área configuram o interesse das instituições europeias no valor acrescentado do mar e dos oceanos para o desenvolvimento socioeconómico da União Europeia. Neste contexto, o presente artigo pretende passar em revista a origem e desenvolvimentos recentes da política marítima integrada da União Europeia. Palavras-chave : União Europeia, Mar, Política Marítima Integrada. Abstract Europe is the continent with the largest coastline and nearly half of its population lives in coastal areas. In 2004, the maritime dimension of Europe takes a real political priority with the appointment, by the President of the European Commission José Manuel Durão Barroso, of Joe Borg as European Commissioner for Maritime Affairs and Fisheries. The various EU initiatives in this area show the interest of the European institutions in the added value of the sea and oceans for the socio-economic development of the European Union. In this context, this article aims to pass in review the origins and recent developments regarding EU’s integrated maritime policy. Key words : European Union, Sea, European Maritime Policy. I. Origem da Política Marítima Integrada da União Europeia Na União Europeia a 28, apenas 5 EstadosMembros não são países costeiros (Áustria, Eslováquia, Hungria, Luxemburgo e República Checa), o que demonstra, desde logo, a importância da temática do mar no contexto europeu. De facto, a Europa é um continente com uma acentuada feição marítima, possuindo mais de 70.000 km de orla costeira, está rodeada por numerosas ilhas, por quatro mares, uns mais interiores que outros (Mediterrâneo, Báltico, do Norte e Negro) e por dois oceanos (Atlântico e Ártico). É um continente contornado na sua quase totalidade pelo mar, Maria Scientia Novembro 2014 49 Maria Scientia com exceção do flanco oriental onde se dá a ligação terrestre com o continente asiático. Dada esta configuração geográfica, mais de dois terços das fronteiras da UE são de orla marítima. E os espaços marítimos sob jurisdição dos Estados-Membros são mais vastos do que os seus espaços terrestres. Devido às suas regiões ultraperiféricas, para além do Oceano Atlântico, a Europa está igualmente presente no Oceano Índico e no mar das Caraíbas. Como nos diz Virgílio de Carvalho: “A Europa é uma península bastante comprida no sentido Leste-Oeste, extremamente recortada, e com elevada taxa de maritimidade (…).” [1] Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal Os setores marítimos e os recursos marinhos são, por isso, fundamentais para a economia europeia, já que representam a maior frota mercante do mundo, mais de 1.200 portos, uma indústria naval de ponta, um turismo costeiro, bem como uma importante fonte e meio de transporte da energia que consumimos. O início de funções do Presidente da Comissão Europeia José Manuel Durão Barroso, em 2004, ficou marcado por uma nova visão para os mares e oceanos, tendo sido nomeado Joe Borg, de nacionalidade maltesa, Comissário Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas. Assim, a Europa desde os tempos mais remotos, essencialmente devido à sua geografia, sempre teve uma relação privilegiada com os oceanos, sendo estes determinantes no desenvolvimento da sua cultura, identidade e história. Em 2005, seria criado um grupo de comissários encarregados de pilotar a discussão sobre a criação de uma política europeia para o mar. Tal grupo viria a ser denominado Intergrupo de Trabalho para os Assuntos do Mar. No entanto, a fundamentação de uma política marítima não se resume unicamente a questões de caráter geográfico. Uma política marítima está igualmente relacionada com o conjunto das atividades económicas que lhe vão dar consistência e que têm um contributo importante para o emprego, desenvolvimento regional e produção de riqueza nos diferentes Estados-Membros. A criação de uma pasta dedicada aos assuntos do mar [3] parte do pressuposto de que os assuntos marítimos deverão ser encarados e tratados de uma forma conjunta e integrada [4], de modo a compatibilizar-se o crescimento e prosperidade de diferentes setores marítimos (pescas, transporte marítimo, indústria marítima, turismo…) com a sua sustentabilidade e a do meio envolvente, colhendo mais benefícios dos mares e dos oceanos com um menor impacto ambiental. Para 90% do comércio externo da União Europeia e mais de 40% do seu comércio interno, o transporte é feito por via marítima. A União Europeia, com 40% da frota mundial, é incontestavelmente o líder deste setor global. Estima-se que 3% a 5% do produto interno bruto (PIB) europeu é gerado pelas indústrias e serviços do setor marítimo, sem contar com o valor de matérias-primas como o petróleo, o gás ou o pescado. As regiões marítimas europeias representam mais de 40% do PIB da União Europeia [2]. Nesta conformidade, a Política Marítima Integrada (PMI) da União Europeia constitui uma abordagem holística, promovendo um enfoque transetorial de todas as políticas da União Europeia relacionados com o mar, com o objetivo de se obter sinergias, bem como de se evitar duplicações. Baseada na ideia de que, através da coordenação das suas políticas, a União pode colher mais benefícios dos mares e dos Maria Scientia Novembro 2014 50 Maria Scientia oceanos com um menor impacto ambiental, a PMI abrange domínios bastante diversos como as pescas, a aquicultura, os transportes, os portos marítimos, o ambiente marinho, a investigação marinha, as energias offshore, a construção naval, as indústrias relacionadas com o mar, a vigilância marítima, o turismo costeiro e marítimo, o emprego nos setores marítimos, o desenvolvimento das regiões costeiras e das relações externas em matéria de assuntos do mar. II. Livro Verde da Marítima Integrada Política O primeiro passo na construção da PMI foi o lançamento do Livro Verde Para uma Futura Política Marítima da União: Uma visão europeia para os oceanos e os mares [5], em 2006, o qual realçou que a política marítima deve ter por objetivo a formação de um setor marítimo inovador, competitivo e respeitador do ambiente, incidindo na necessidade de acabar com o modelo de governação setorial. O Livro Verde teve como objetivo promover um debate sobre a futura política marítima [6], procurando contribuir para que os europeus adquiram uma nova consciência da importância dos oceanos e do seu potencial para melhorar o bem-estar e aumento das oportunidades económicas. Numa intervenção no Parlamento Europeu, em junho de 2006, por ocasião da adoção do Livro Verde, o Comissário dos Assuntos Marítimos e das Pescas, Borg referiu o seguinte: “We have now started what I hope will turn into a wide-ranging and open debate on how Europe should be managing its interaction with the seas and oceans that surround it. We are aiming for a comprehensive debate leading to an overall policy approach, because we can no longer afford to look at Europe’s maritime heritage, Europe’s maritime economy and Europe’s Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal maritime environment in a piecemeal fashion. Modern policy making is moving from sectoral approaches to the development of comprehensive tools to cover related subjects in a holistic way. This has not yet been the case for maritime affairs, and yet, this is an area where we are all aware of the number, and importance, of the interactions that take place between the various maritime sectors. This is the first reason why we must begin to bring all these threads together and weave an overall vision for a maritime policy.” [7] O Livro Verde estabelece os alicerces para uma política marítima da União Europeia, que fará assentar numa base sólida a gestão dos mares e dos oceanos e permitirá o desenvolvimento de políticas e atividades marítimas equilibradas e coerentes. Ele tornou igualmente claro que, num período em que os recursos estão ameaçados por pressões fortes e pela crescente capacidade tecnológica de os explorar, só uma atitude de grande respeito pelos oceanos e pelos mares nos permitirá continuar a desfrutar dos benefícios que eles nos oferecem. O Livro Verde sublinha que a União Europeia é a primeira potência marítima mundial, especialmente no que diz respeito ao transporte marítimo, à construção naval, ao turismo costeiro, à energia offshore, incluindo as estratégias renováveis, e aos serviços associados [8]. Áreas-chave no Livro Verde A descrição da economia do mar na Europa, feita no Livro Verde, ajuda a esclarecer o potencial dessa economia. No Livro Verde são elencadas diversas áreaschave: Importância do meio marinho para a utilização sustentável dos recursos marinhos [9] Maria Scientia Novembro 2014 51 Maria Scientia A preservação do meio marinho é essencial para melhorar a competitividade da União Europeia, o crescimento e o emprego. O meio marinho enfrenta, nomeadamente, os seguintes problemas: diminuição acelerada da biodiversidade, exploração excessiva dos recursos, alterações climáticas, poluição com origem terrestre, acidificação da água do mar e a poluição provocada pelas descargas dos navios e os acidentes marítimos. Para diminuir o impacto destes fenómenos no meio-ambiente marinho deverá reforçar-se a legislação no domínio da segurança marítima, introduzir-se a avaliação de riscos na elaboração das políticas e aplicar novas tecnologias ao nível do tratamento de águas de lastro [10]. Investigação tendo em vista permanecer na ponta dos conhecimentos e tecnologias [11] A investigação e tecnologia são essenciais não só para manter a liderança europeia nos produtos de ponta, mas também para se poder definir estratégicas e tomar decisões com conhecimento de causa, evitando assim a degradação do meio marinho. Todavia, os EM podem ir mais longe, coordenando os seus programas de investigação nacionais, a fim de realizar uma investigação pan-europeia e racionalizando meios e promovendo a cooperação entre investigadores. Inovação [12] A inovação pode ajudar a encontrar soluções em domínios em franca mutação, como é o caso das energias e das alterações climáticas. As águas costeiras da Europa oferecem um conjunto de oportunidades para instalações de produção de energia renovável. De destacar, igualmente, a biotecnologia azul, que diz respeito aos novos produtos que podem ser obtidos através da exploração da Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal biodiversidade marinha e que oferece um potencial a longo prazo, dado estimar-se que 80% dos organismos vivos evoluem nos ecossistemas aquáticos. A biotecnologia marinha tem, assim, relevância em muitos setores industriais, da aquicultura aos cuidados de saúde, passando pelos cosméticos e produtos alimentares. Não podemos esquecer que os oceanos e os mares desempenham um papel essencial na formação dos padrões climáticos e meteorológicos, sendo também estes particularmente sensíveis às variações climáticas. Promover o emprego sustentável no setor marítimo [13] As atividades marítimas necessitam de atrair pessoas altamente qualificadas. No entanto, embora, no seu conjunto, o emprego no setor marítimo europeu seja estável, o número de marítimos europeus está a diminuir. Ou seja, apesar de diminuir o número de trabalhadores no setor das pescas, este foi compensado por pujantes serviços marítimos, tais como turismo e transporte marítimo. O recrutamento, em número suficiente, de marítimos e outros profissionais bem formados e competentes é essencial para garantir a sobrevivência do setor marítimo, assim como para manter a vantagem concorrencial da Europa. O ensino e a formação no domínio marítimo deverá igualmente ter como objetivo conferir aos potenciais candidatos as mais elevadas competências que possam abrir múltiplas perspetivas profissionais. Formação de clusters [14] Os clusters podem contribuir para estimular a competitividade de todo um setor ou grupo de setores. É o que acontece se se partilhar conhecimentos, realizar projetos comuns de Maria Scientia Novembro 2014 52 Maria Scientia investigação e inovação, unir esforços no ensino e na formação, partilhar métodos de organização inovadores dentro de um grupo de empresas ou estratégias de promoção comuns. Qualidade de vida nas regiões costeiras [15] A concentração demográfica nas regiões costeiras acarreta pressões sobre o espaço e o ambiente. Exige uma maior acessibilidade, em especial das pequenas ilhas, e uma maior mobilidade no seu interior, que passa pela melhoria das infraestruturas de transporte. Obriga à oferta de serviços de interesse geral (saúde, educação, abastecimento de água e energia, telecomunicações, serviços postais, tratamento das águas residuais e dos resíduos), a fim de promover a qualidade de vida nas zonas costeiras, especialmente durante as estações altas do turismo. Novas formas de governação marítima [16] Uma política marítima inclusiva da União Europeia deverá visar o crescimento e a criação de mais e melhores postos de trabalho, contribuindo assim para uma economia marítima forte e em expansão, competitiva e sustentável e em harmonia com o meio marinho. Deve procurar prevenir e minimizar os conflitos em torno da utilização do espaço marítimo e prever mecanismos claros e consensuais para a sua resolução. Deve proporcionar uma maior previsibilidade para o setor e outros interessados e uma abordagem mais eficaz em matéria de conservação dos recursos marinhos. Para se alcançarem estes objetivos é necessário coordenar e integrar as políticas setoriais. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal Novos instrumentos da gestão relações com os oceanos [17] das Para uma melhor compreensão das utilizações concorrentes do oceano, haverá que aperfeiçoar os dados e as informações relativos às atividades marítimas, sejam estas sociais, económicas ou recreativas, bem como sobre o impacto dessas atividades nos recursos. Também para os operadores económicos marítimos é importante haver dados de qualidade. Subsistem ainda grandes problemas no que respeita à harmonização e fiabilidade dos dados, bem como à monitorizaçãodas regiões marinhas da UE, que continua ser insuficiente e desequilibrado do ponto de vista geográfico. Proteger o legado marítimo e sensibilizar o público [18] Um sentimento de identidade comum poderá forjar-se em resultado da participação de todos aqueles que vivem das atividades marítimas ou cuja qualidade de vida está fortemente ligada ao mar. Ganhar-se-á assim uma melhor compreensão das interações em jogo e da importância do mar para a Humanidade. III. Seguimento do Livro Verde: o Livro Azul e o Plano de Ação O Conselho Europeu de 21-22 junho de 2007 congratulou-se com o vasto debate que teve lugar na Europa acerca da futura política marítima, tendo convidado a Comissão Europeia a elaborar um plano de ação europeu a apresentar em outubro desse mesmo ano. Atendendo ao princípio da subsidiariedade, este plano de ação teve por fim explorar, de uma forma ambientalmente sustentável, o pleno potencial das atividades económicas orientadas para o mar. [19] Maria Scientia Novembro 2014 53 Maria Scientia A Comissão, em resposta ao Conselho Europeu, adotou no dia 10 de outubro de 2007, uma Comunicação relativa às conclusões da consulta sobre uma política marítima europeia (Livro Azul) [20], em que define a sua visão de uma política marítima integrada para a UE, juntamente com um plano de ação pormenorizado [21] que estabeleceu um ambicioso programa de trabalho para os próximos anos. As descobertas científicas, a rápida evolução tecnológica, a globalização, as alterações climáticas e a poluição marinha estão a alterar rapidamente o relacionamento da Europa com os mares e oceanos, com todas as oportunidades e desafios implícitos desse processo. A Comissão Europeia propôs uma política marítima integrada para a União Europeia, baseada no reconhecimento inequívoco de que todas as questões relativas aos oceanos e mares estão interligadas e que, para podermos colher os resultados desejados, todas as políticas ligadas ao mar devem ser elaboradas de uma forma articulada. De salientar que a Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, no segundo semestre de 2007, reconheceu de forma clara a necessidade de uma abordagem integrada para os assuntos marítimos. Tiago Pitta e Cunha refere que "(...) deve enaltecer-se a ação da Presidência Portuguesa da União Europeia na segunda metade de 2007, que em particular através dos esforços hábeis do então secretário de Estado da Defesa e do Mar, João Mira Gomes, soube, conjuntamente com a também diplomática ação do comissário Joe Borg, tranquilizar os Estados mais renitentes, permitindo a aprovação da nova política marítima pelo Conselho Europeu a 17 de dezembro de aquele ano." [22] A Presidência Portuguesa levou a cabo diversos eventos, com destaque para uma Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal Conferência Ministerial sobre Política Marítima para a União Europeia que teve lugar em Lisboa, no dia 22 de outubro de 2007, permitindo a divulgação dos resultados da consulta pública do Livro Verde e a indicação dos sectores prioritários a seguir. O Plano de Ação O plano de ação baseou-se na consulta pública e resultou dos trabalhos de um alto grupo de pilotagem, com a participação de 10 Comissários, presidido pelo então Comissário Europeu para os Assuntos Marítimos e da Pesca, Joe Borg, e supervisionado pelo Presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso. As ações propostas no Livro Azul ajudam a União Europeia a avançar na prossecução dos objetivos fulcrais da política marítima integrada, incidindo principalmente em cinco domínios de ação estratégica, a saber: 1) Maximização da utilização sustentável dos oceanos e mares O principal objetivo de uma política marítima integrada da União Europeia é criar as melhores condições para a utilização sustentável dos oceanos e mares, permitindo o desenvolvimento dos sectores marítimos e das regiões costeiras. 2) Construção de uma base de conhecimentos e inovação para a política marítima A ciência, a tecnologia e a investigação marinha são cruciais para o desenvolvimento sustentável das atividades marítimas. Ao ajudarem a compreender mais profundamente os impactos das atividades humanas nos sistemas marinhos, a investigação e a tecnologia marinhas fornecem a chave para romper a ligação entre o desenvolvimento das atividades marítimas e a degradação do ambiente. Maria Scientia Novembro 2014 54 Maria Scientia Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal 3) Maximização da qualidade de vida nas regiões costeiras IV. Desenvolvimentos Recentes Na última década, o crescimento demográfico nas regiões costeiras e insulares foi duas vezes superior ao crescimento demográfico médio na União Europeia. As comunidades costeiras são também o destino da maioria dos turistas na Europa, pelo que a necessidade de reconciliar o desenvolvimento económico, a sustentabilidade do ambiente e a qualidade de vida nessas regiões se coloca aí com maior acuidade. 4.1. Estratégia Marítima da União Europeia para a área do Atlântico 4) Promoção da liderança europeia nos assuntos marítimos internacionais A União Europeia deve continuar a envidar esforços com vista a assegurar uma governação internacional dos assuntos marítimos mais eficiente e a fazer cumprir o direito marítimo internacional, instando os Estados-Membros a ratificar os instrumentos pertinentes. Neste contexto, deve promover a coordenação dos interesses europe 5) Promoção da visibilidade da Europa marítima Na sequência do Livro Verde, sobre uma futura política marítima da União, e em resposta ao forte apoio manifestado por muitas partes interessadas durante o processo de consulta relativo à nova política de promoção da cultura e do património marítimos da Europa, a Comissão tem focado a sua atenção no aumento da visibilidade da Europa marítima como um dos objetivos fulcrais de uma política marítima holística e integrada. O Livro Azul e o Plano de Ação serão completados com as Orientações para uma abordagem integrada da política marítima: rumo a melhores práticas de governação marítima integrada e de consulta das partes interessadas [23] e o Roteiro para o ordenamento do espaço marítimo: definição de princípios comuns na UE. [24] A Estratégia Marítima da União Europeia para a área do Atlântico [25] é um documento da Comissão Europeia de 21 de novembro de 2011 [26]. Foi lançada oficialmente em Lisboa, por ocasião da Conferência do Atlântico, a 28 e 29 de novembro de 2011 [27], estando cinco Estado-Membros mais diretamente envolvidos na Estratégia (Portugal, Espanha, França, Irlanda e Reino Unido), tendo em vista contribuir para a definição de ações e projetos prioritários, a incluir no plano de ação desta Estratégia. Como referiu a Comissária Maria Damanaki na sua intervenção em Lisboa aquando do lançamento da Estratégia, o Oceano Atlântico desempenha “(…) a critical role in Europe’s history and identity. It is of vital importance for EU trade and contains tremendous potentials for the future development of Europe. It was time to act and to offer new perspectives for this sea basin. The Maritime Strategy for the Atlantic region is our response. It shows that Atlantic is by no means peripheral to Europe’s interests and decision-making. It promotes territorial cohesion and engages international partners, on all shores of the Atlantic. It promotes blue growth in the Atlantic, namely through the creation of employment and innovation in maritime sectors and coastal areas while respecting the sustainability of resources.” [28] 4.2 Plano Atlântico de Ação para o O Plano de Ação para o Atlântico temcomo prioridades: promover o empreendedorismo e a inovação; proteger, assegurar e valorizar o Maria Scientia Novembro 2014 55 Maria Scientia ambiente marinho e costeiro; melhorar a acessibilidade e a conectividade e criar um modelo de desenvolvimento regional sustentável e socialmente inclusivo. O Plano incentiva os Estados-Membros do Atlântico (Portugal, Espanha, França, Irlanda e Reino Unido) a partilhar informações, custos, resultados e melhores práticas, procurando encontrar novos domínios de cooperação em matéria de atividades marítimas, desde as tradicionais, como as pescas, a aquicultura, o turismo e o transporte marítimo, até às emergentes, como as energias renováveis offshore e a biotecnologia marinha. A estratégia “Crescimento azul” Em 13 setembro de 2012, a Comissão apresentou a Comunicação Crescimento Azul: Oportunidades para um crescimento marinho e marítimo sustentável [29], onde se sublinha a importância da “economia azul” que representa 5,4 milhões de postos de trabalho e um valor acrescentado bruto de quase 500 mil milhões de euros por ano. [30] A estratégia “Crescimento azul” tem por objetivo apoiar a longo prazo o crescimento sustentável no conjunto dos setores marinho e marítimo, reconhecendo a importância dos mares e oceanos enquanto motores da economia europeia com grande potencial para a inovação e o crescimento. O “crescimento azul” constitui, assim, o contributo da política marítima integrada para a realização dos objetivos da estratégia “Europa 2020” para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo. Os domínios de intervenção do “crescimento azul” são: i) energia azul; ii) aquicultura; iii) turismo marítimo, costeiro, de cruzeiros; iv) recursos minerais marinhos; v) biotecnologia azul. [31] Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal Declaração de Limassol A Presidência cipriota do Conselho da União Europeia (2.º semestre de 2012) promoveu diversas iniciativas relacionadas com a PMI, merecendo destaque a adoção da “Declaração de Limassol” na reunião ministerial informal sobre a Política Marítima Integrada da União Europeia, em outubro de 2012, em Limassol. [32] Esta Declaração constitui um contributo para uma Agenda Marinha e Marítima Europeia e para o desenvolvimento da economia azul, no contexto da estratégia europeia para o crescimento e emprego (Estratégia “Europa 2020”). Define uma série de áreas com grande potencial: reforço e competitividade dos transportes marítimos; aumento da produção das energias renováveis marítimas; apoio à investigação científica e desenvolvimento da aquicultura, da biotecnologia, do turismo costeiro e da exploração dos recursos minerais marinhos. Aquando da reunião ministerial informal sobre a Política Marítima Integrada da União Europeia, em Limassol, o então Presidente da Comissão Europeia referiu o seguinte: “In 2007, to boost Europe’s maritime economy, Ilaunched the Integrated Maritime Policy. In fact, already in 2004 I thought it would make sense to have one Commissioner fully dedicated to Maritime Policy and not only to Fisheries, so that we could build on the experience of countries in setting a maritime strategy and frame a European Policy in this field. I am very proud of the early leadership which the Commission showed in this increasingly important sector. I am heartened to see that the ownership of the maritime policy by Member States is such, that we are now moving on to its second phase: Blue Growth. The Declaration we are adopting is not simply a statement of the status quo, it goes much further than this with a focus not just on what is important today but a clear Maria Scientia Novembro 2014 56 Maria Scientia emphasis on what we should do to create the jobs of tomorrow.” [33] Estratégia Europeia de Segurança Marítima O Conselho Europeu de dezembro de 2013 [34] debruçou-se sobre matérias de Segurança e Defesa, com o objetivo de dar ímpeto político à Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD) e assegurar a credibilidade da UE enquanto ator global e fornecedor de segurança internacional. Entre as matérias abordadas, uma das mais relevantes, foi o mandato para a elaboração, até junho de 2014, de uma Estratégia Europeia de Segurança Marítima, com base numa Comunicação Conjunta da Alta Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança e da Comissão Europeia [35] e tendo em conta as posições dos EstadosMembros. Para se consensualizar um texto de Estratégia foi constituído o Grupo de Amigos da Presidência (GAP) que, após sete rondas de negociação, alcançou um acordo, em 13 de junho de 2014, tendo a Estratégia Europeia de Segurança Marítima sido aprovada no Conselho de Assuntos Gerais que teve lugar no Luxemburgo, no dia 24 de junho de 2014. [36] A Estratégia de Segurança Marítima da União Europeia abrange os aspetos internos e externos da segurança marítima da União. Constitui um quadro global, contribuindo para a estabilidade e segurança do domínio marítimo a nível mundial, nos termos da Estratégia Europeia de Segurança, e garantindo simultaneamente a coerência com as políticas da UE, especialmente a Política Marítima Integrada, e da Estratégia de Segurança Interna. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal Referências [1] Cf. Virgílio de Carvalho, A importância do mar para Portugal - Passado, Presente e Futuro, Venda Nova, Bertrand Editora, Instituto da Defesa Nacional, 1995, p. 152. [2] Cf. Livro Verde Para uma Futura Política Marítima da União: Uma visão europeia para os oceanos e os mares (vol. II), COM(2006) 275 final, pp. 3, 7. Países cujo PIB nacional é totalmente produzido nas zonas costeiras: Dinamarca. Países cujo PIB é predominantemente produzido nas zonas costeiras: Finlândia, Suécia, Reino Unido, Irlanda, Holanda, Portugal e Grécia. Países cujo PIB produzido nas zonas costeiras é cerca de 50% do PIB nacional: Espanha, Itália. Países cujo PIB é produzido predominantemente nas zonas do interior: Polónia, Alemanha, Bélgica, França. Cf. Ana Maria Correia Ferreira, A sustentabilidade territorial de um Cluster do Mar em Portugal (Tese de Doutoramento em Geografia e Planeamento Territorial, Especialidade Território e Desenvolvimento), Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 2011, pp. 88-89. [3] De notar que a anterior visão era baseada em políticas setoriais isoladas. [4] O objetivo de alcançar uma política marítima mais integrada não é exclusivo da Europa, é algo que tem vindo a ser implementado igualmente por países de outras regiões do mundo, como a Maria Scientia Novembro 2014 57 Maria Scientia Austrália, o Canadá ou os Estados Unidos. [5] COM(2006) 275 final. [6] Período de consulta: 7 de junho de 2006 a 30 de junho de 2007. Antes do final de 2007, a Comissão comprometeu-se a apresentar uma comunicação em que resumirá os resultados da consulta e proporá o caminho a seguir. [7] Cf. SPEECH/06/348 on the occasion of the adoption of the Green Paper on Maritime Policy to the joint meeting of the Committees on Transport and Tourism; Environment, Public Health and Food Safety; Regional Development; Industry, Research, Energy and Fisheries, Parlamento Europeu, Bruxelas, 7 de junho de 2006. http://europa.eu/rapid/pressrelease_SPEECH-06-348_en.htm [14] Cf. Ibidem, pp. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal 22-23. O objetivo declarado de lançamento de uma Política Marítima Integrada europeia desencadeou a criação de clusters nacionais nos Estados-Membros. De notar que o conceito de cluster tem vindo a ser aplicado com êxito em vários Estados-Membros. [15] Cf. Ibidem, pp. 27-28. [16] Cf. Ibidem, pp. 40-43. [17] Cf. Ibidem, pp. 34-37. [18] Cf. Ibidem, pp. 51-53. [19] Cf. parágrafo 43 das Conclusões do Conselho Europeu de 21-22 junho de 2007. [20] COM (2007) 574 final. [21] COM (2007) 575 final. [8] Cf. Livro Verde, Vol. II , p. 7. [22] Cf. Tiago Pitta e Cunha, Portugal e o Mar, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2011, p. 80. [9] Cf. Ibidem, pp. 10-11. [23] COM(2008) 395 final. [10] Água de lastro é a água do mar captada pelo navio para garantir a segurança operacional e estabilidade do mesmo. Em geral, os tanques são preenchidos com maior ou menor quantidade de água para aumentar ou diminuir o calado dos navios durante as operações portuárias. A água de lastro é um risco pelo facto de transportar espécies exóticas dentro dos tanques dos navios. Os seres vivos introduzidos pela água de lastro podem variar entre organismos milimétricos até peixes com 30 centímetros. São inúmeros os registos de “bioinvasão” por meio da água de lastro no mundo inteiro. [11] Cf. Livro Verde, Vol. II, pp. 13-15. [12] Cf. Ibidem, pp. 15-19. [13] Cf. Ibidem, pp. 19-22. [24] COM(2008) 791 final. [25] COM(2011) 782 final. [26] Para mais detalhes ver igualmente o artigo “Estratégia do Atlântico: desafios e oportunidades” de Maria Fernandes Teixeira, Revista Científica Eletrónica Maria Scientia, março de 2012. [27] No seguimento de instrumentos similares para as áreas do Báltico, Ártico, Mediterrâneo, Mar Negro e Mar do Norte. [28] SPEECH/11/816 - Intervenção da Comissária Europeia dos Assuntos Marítimos e das Pescas Maria Damanaki relativa à Estratégia para o Atlântico, Lisboa, 28 de novembro de 2011. Maria Scientia Novembro 2014 58 Maria Scientia http://europa.eu/rapid/pressrelease_SPEECH-11816_en.htm?locale=en [29] COM(2012) 494 final. [30] Cf. Ibidem, p. 2. [31] Cf. Ibidem, pp. 7-14. [32] http://ec.europa.eu/maritimeaffairs/p olicy/documents/limassol_en.pdf [33] http://europa.eu/rapid/press- release_SPEECH-12696_fr.htm?locale=en [34] [Cf. Conclusões do Conselho Europeu (19/20 de dezembro de 2013), EUCO 217/13. http://www.consilium.europa.eu/uedo cs/cms_data/docs/pressdata/pt/ec/140 270.pdf [35] Cf. JOIN(2014) 9 final [36] Estratégia de Segurança Marítima da UE, 11205/14 http://register.consilium.europa.eu/doc/srv ?l=PT&f=ST%2011205%202014%20INIT Fontes e Bibliografia Fontes Estratégia de Segurança Marítima da UE, 11205/14.http://register.consilium.europa.eu/ doc/srv?l=PT&f=ST%2011205%202014%20IN IT JOIN(2014) 9 final. Comunicação Conjunta da Alta Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança e da Comissão Europeia – Para um domínio marítimo global aberto e seguro: elementos para uma estratégia da União Europeia em prol da segurança dos mares. 2014. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal Conclusões do Conselho Europeu (19-20 de dezembro de 2013), EUCO 217/13. http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cm s_data/docs/pressdata/pt/ec/140270.pdf Declaração dos Ministros europeus responsáveis pela Política Marítima Integrada e da Comissão Europeia sobre uma Agenda Marinha e Marítima para o Crescimento e o Emprego – Declaração de Limassol. http://ec.europa.eu/maritimeaffairs/policy/d ocuments/limassol_en.pdf COM(2012) 494 final. Comissão Europeia – Comunicação ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: Crescimento Azul: Oportunidades para um crescimento marinho e marítimo sustentável. Comissão Europeia, 2012. COM (2011) 782 final. Comissão Europeia – Comunicação ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: Desenvolver uma estratégia marítima para a Região Atlântica. Comissão Europeia, 2011. COM (2008) 791 final. Comissão Europeia – Comunicação: Roteiro para o ordenamento do espaço marítimo: definição de princípios comuns na UE. Comissão Europeia, 2008. COM (2008) 395 final. Comissão Europeia – Comunicação ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: Orientações para uma abordagem integrada da política marítima: rumo a melhores práticas de governação marítima integrada e de consulta das partes interessadas. Comissão Europeia, 2008. COM (2007) 575 final. Comissão Europeia – Comunicação ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: Uma Maria Scientia Novembro 2014 59 Maria Scientia política marítima integrada para a União Europeia. Comissão Europeia, 2007. COM (2007) 574 final. Comissão Europeia – Comunicação ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: Conclusões da consulta sobre uma política marítima europeia. Comissão Europeia, 2007. COM (2006) 275 final Volume I. Comissão Europeia – Comunicação ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: Para uma futura política marítima da União – uma visão europeia para os oceanos e os mares. Comissão Europeia, 2006. COM (2006) 275 final Volume II. Comissão Europeia – Livro Verde para uma futura política marítima da União – uma visão europeia para os oceanos e os mares. Comissão Europeia, 2006. 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Universidade de Coimbra, Faculdade de Letras, 2011. » voltar ao Sumário Maria Scientia Novembro 2014 61 Maria Scientia Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal A Pesca do Polvo no Algarve Octopus Fishing in the Algarve Helena Cardoso Licenciada em Engenharia da Produção e Gestão Industrial Resumo Este trabalho retrata a pesca do polvo na região do Algarve, desde a forma como se realiza esta pesca, ao controlo de Qualidade do produto, às diversas tentativas de introdução de métodos de gestão do recurso. O objetivo é fazer uma análise crítica da problemática da pesca do polvo do Algarve nas suas diversas vertentes, mas com maior incidência na vertente da gestão. Atualmente há vários projetos em desenvolvimento sobre a pesca do polvo no Algarve, um está a ser desenvolvido pelo IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera), outro (Val+) em desenvolvimeto pela SCIAENA – Marine Sciences and Cooperation, em colaboração com a Docapesca – Portos e Lotas, S.A., e a SPEA (Sociedade Portuguesa para os Estudos das Aves), e um terceiro – o RFMS, um projeto-piloto de implementação de um sistema responsivo desenvolvido no âmbito do projeto europeu EcoFishMan que se encontra a ser liderado pelo CCMAR (Centro de Ciências do Mar). O único projeto que irei mencionar neste trabalho é o RFMS, pois trata-se de um projeto ligado à gestão desta arte de pesca. Também há vários mestrados e doutoramentos em curso com diversas temáticas ligadas à pesca do polvo do Algarve, mas como ainda não estão concluídos não serão mencionados. O trabalho finaliza com uma análise crítica de vários aspetos considerados pela autora como relevantes. Refletem essencialmente a experiência e proximidade de campo da autora e as várias reflexões sobre o tema em que a autora já participou. Salienta-se que este trabalho reflete opiniões da autora e não da instituição onde trabalha. Palavras-chave : polvo, Algarve, pesca. Abstract This work depicts the octopus fishing in the region of the Algarve, ranging from the way this type of fishing is done to the control of product quality and the various attempts to introduce management methods of this resource. The goal is to make a critical analysis of the octopus fishing in the Algarve in its various forms, but with greater emphasis on management aspects. There are currently several ongoing projects on octopus fishing in the Algarve: one is being developed by IPMA (Portuguese Institute of Ocean and Atmosphere), another one (Val +) is being developed by Sciaena – Marine Sciences and Cooperation in collaboration with Docapesca – Ports and Fish Auctions, SA and SPEA (Portuguese Society for the Study of Birds), and a third one - the RFMS, is a pilot project to implement a responsive system developed within the European project EcoFishMan, which is being led by CCMAR (Centre of Marine Sciences). The only project that will be mentioned in this work is the RFMS because it is a project linked to the management of the fishing trade. Maria Scientia Novembro 2014 62 Maria Scientia Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal There are also several masters and doctoral programs in progress with several themes related to octopus fishing in the Algarve, but as they are not yet finalized, they will not be mentioned. The work is concluded with a critical analysis of various aspects considered by the author as relevant. These essentially reflect the experience and field proximity of the author and the various reflections on a subject on which the author has often participated. It should be emphasized that this work reflects the author’s opinions and not the ones held by the institution she works for. Key words : octopus, Algarve region, fisheries. I. O Polvo I. The octopus O polvo-vulgar (Octopus vulgaris) pertence à Ordem Octopoda, Classe Cephalopoda e Filo Mollusca; é um importante recurso capturado no Algarve, especialmente, pela frota local com armadilhas de abrigo (alcatruzes) e de gaiola (covos), cuja utilização está prevista no Regulamento da Pesca por Arte de Armadilha. The octopus vulgaris (Octopus vulgaris) belongs to the Order of the Octopoda, Phylum Mollusca Class Cephalopoda and is an important resource captured in the Algarve, especially by the local fleet with shelter traps (buckets) and cage (pots), the use of which is registered in the Regulation of Fishing by Trapping Gear. Este animal pode atingir1600 mm de comprimento e um peso total igual ou superior a 10 Kg; pode apresentar uma cor acinzentada, acastanhada ou avermelhada. Uma característica importante, e que permite a distinção entre o polvo-comum e o polvo-doalto ou polvo-cabeçudo (Eledone cirrosa), consiste na existência de duas fiadas de ventosas nos braços do primeiro, enquanto os do segundo só possuem uma. This animal may have 1600 mm in length, may reach a total weight of more than 10 kg and can present a gray, brown or reddish color. An important feature, which allows the distinction between the common octopus and the octopusof-the heights or octopus-butthead (cirrosa Eledone), is the existence of two rows of suckers on the arms of the first, while the second only has one. O Octopus vulgaris é a espécie de polvo mais comum na costa portuguesa e existe praticamente ao longo de toda a sua extensão, desde a zona intertidal (zonas rochosas) até profundidades superiores a 150m. The Octopus vulgaris is the most common species of octopus on the Portuguese coast and it exists virtually along its entire length, from the intertidal zone (rocky areas) to depths greater than 150 m. Os desembarques desta espécie rondam as 8 mil toneladas por ano, o que faz desta espécie uma das cinco principais espécies capturadas em Portugal Continental. Landings of this species are around the 8000 tons per year, which makes this species one of the five major species caught in Portugal. Maria Scientia Novembro 2014 63 Maria Scientia Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal Figura 1 – Fotografia de um polvo-vulgar (fonte: Wikimedia Commons) Figure 1 – Photograph of an octopus vulgaris (source: Wikimedia Commons) Este recurso encontra-se geralmente a profundidades relativamente baixas, em quantidade decrescente da costa até aos 200m de profundidade. Tem uma longevidade muito baixa, entre os 9 e os 18 meses de vida, dependendo da temperatura da água. This resource is usually found at relatively shallow depths, in decreasing amounts from the shores up to 200m depth. It has a very short life span, between 9 and 18 months, depending on the water temperature. Nasce, tem uma fase como para-larva planctónica que dura até cerca de dois meses, durante a qual é transportada pelas massas de água, nesta fase sofre mortalidades elevadíssimas até ao assentamento no fundo. Aí o crescimento é muito rápido e há poucos predadores. Reproduz-se, tem posturas muito numerosas (da ordem dos 500 mil ovos), após as quais todos os adultos morrem. O sucesso deste recurso depende principalmente da temperatura e da salinidade/pluviosidade, e nunca da abundância anterior. É uma espécie carnívora durante todo o seu ciclo de vida. Alimenta-se de crustáceos (especialmente caranguejos), seguindo-se os moluscos e por fim os peixes. It is born, it has a planktonic larvaelike phase, which lasts for up to about two months during which it is transported by the masses of water. At this stage it undergoes a very high rate of mortality until deep nesting. There its growth is very fast and there are few predators. It reproduces itself, it has very numerous layings (about 500 thousands eggs), after which all adults die. The success of this resource depends mainly on temperature and salinity / rainfall, and never on the previous abundance. It is a carnivorous species throughout its life cycle. Its food is mainly crustaceans (crabs especially), followed by mollusks and finally Maria Scientia Novembro 2014 64 Maria Scientia Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal Figura 2 – Esquema do ciclo de vida do polvo (Adaptado de SEIXAS, 2009). (Fonte: Isis Mayna Martins do Reis). Figure 2 – Outline of the life cycle of the octopus (Adapted from SEIXAS, 2009). (Source: Isis Mayna Martins do Reis). O polvo vulgar é comercialmente capturado em Portugal, tanto como espécie-alvo como na forma de captura acessória de um conjunto diversificado de artes de pesca. A espécie captura-se durante todo o ano, no entanto, quando a fêmea procura abrigo para se reproduzir, torna-se praticamente imune a todas as artes de pesca exceto às armadilhas de abrigo. fish. Commercially the common octopus is caught in Portugal either as a target species, such as a bycatch from a diverse set of fishing gear. The species is captured throughout the year, however, when the female seeks shelter to breed, it becomes virtually immune to all fishing gears except shelter traps. Não se pode considerar uma espécie ameaçada pelas atividades humanas, constitui sim uma oportunidade económica. II. A pesca do Polvo Os polvos são capturados com armadilhas de abrigo (alcatruzes) ou armadilhas de gaiola (covos). A pesca com armadilhas é uma forma de pesca passiva. Esta arte consiste na colocação, no fundo do mar, de várias It cannot be considered a threatened species by human activities, thus being an important economic opportunity. II. Fishing for Octopus Octopuses are trapped in shelters (bucket) or cage traps (pots). Fishing with traps is a passive form of fishing. This art consists in the placement of several baited traps connected by a cable on the seabed. Once placed, it is expected that the fish gets Maria Scientia Novembro 2014 65 Maria Scientia armadilhas iscadas unidas por um cabo. Depois de colocadas, espera-se que o pescado entre nas armadilhas e só depois se retiram do mar, por vezes passados alguns dias. Os alcatruzes são vasos de barro bojudos e de boca larga que, unidos uns aos outros por um cabo chamado rogeira, se colocam no fundo do mar. Mais recentemente apareceram alcatruzes de plástico. Por covos entende-se qualquer método de pesca que utiliza estruturas que permitam recoleção essencialmente compostas por uma bolsa, que pode ser prolongada para os lados (Decreto Regulamentar nº7/2000, de 30 Maio). Os iscos geralmente utilizados nos covos para a captura do polvo são a cavala e a sardinha. A cavala é a mais utilizada devido ao seu baixo valor comercial. O polvo por vezes também é capturado com anzol, principalmente na pesca desportiva ou com o chamado bicheiro de pau com ferro cilíndrico, terminado em curva aguçada. Outras artes de pesca também poderão capturar polvo, mas como pesca acessória. III. Controlo da Qualidade Segurança alimentar – O polvo, ao contrário de outras espécies marinhas, sofre uma degradação microbiana mais lenta. Os cefalópodes, neste caso o polvo vulgar sofrem uma degradação diferente de outras espécies de pescado, pois possuem uma diferente composição nutricional, uma pele fina e frágil, sendo o seu rigor mortis mais curto e de aparecimento rápido e como possui muitas enzimas endógenas e bacterianas, aquando da sua morte o polvo vulgar sofre uma rápida degradação proteica. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal into the traps and only then are they removed from the sea, sometimes after a few days. The buckets are bulgy clay vessels with a wide mouth, which are strung to each other by a cable called ‘rogeira’, and are placed at the bottom of the sea. Only recently did the plastic bucket appear. By creel it is meant any method of fishing that uses structures that allow recollection essentially composed of a purse, which can be extended to the sides (Decree # 7/2000, 30th May). Baits usually used in traps for catching octopus are mackerel and sardines. Mackerel is the most widely used due to its low commercial value. The octopus is also sometimes caught with hook and line, especially in sport fishing or the wooden stick with a cylindrical iron, finished in a sharp curve. Other fishing gear may also capture octopus, but as bycatch. III. Quality Control – Food Safety Unlike other marine species, the octopus undergoes a slower microbial degradation. Cephalopods, in this case the common octopus, undergo a different degradation in comparison with other fish species degradation, because they have a different nutritional composition, a thin, fragile skin, and its rigor mortis is shorter and faster. As it has many endogenous and bacterial enzymes, at the time of his death the common octopus undergoes rapid protein degradation. The main changes in the structure and chemical composition of the tissues of the fish can be Maria Scientia Novembro 2014 66 Maria Scientia As principais mudanças na estrutura e na composição química dos tecidos do pescado podem ser observadas através de mudanças nas propriedades sensoriais, como aparência externa, firmeza consistência da carne e odor, que conjugados com testes químicos permitem saber se o pescado é passível de entrar na cadeia alimentar para consumo humano ou não. O Regulamento nº 2406/96 da União Europeia veio estipular a avaliação do grau de frescura de pescado, estipulando três categorias de frescura: Extra, A e B. A categoria C é considerada imprópria para consumo humano, devendo todo o pescado classificado com esta categoria ser rejeitado. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal observed through changes in sensory properties, such as external appearance, firmness, consistency and odor of the meat, which combined with chemical tests reveal whether the fish is likely to enter the chain food for human consumption or not. Regulation No 2406/96 of the European Union has stipulated the evaluation of the freshness of fish determining three categories of freshness: Extra, A and B. The C category is considered unfit for human consumption and all fish rated at this category must be rejected. Quadro 1 - Categorias de frescura para Cefalópodes segundo Regulamento nº 2406/96 Table 1 - Categories of freshness for Cephalopods according to Regulation No 2406/96 Categoria de frescura | Freshness Category Critério | Criterion Pele |Skin Carne | Meat Tentáculos | Tentacles Cheiro | Scent Extra A B Pigmentação viva pele aderente à carne Pigmentação baça, pele Descolorada, facilmente aderente à carne separada da carne Living pigmentation skin sticking to the meat Dull pigmentation, skin sticking to the meat Muito firme, branca nacarada Firme, branco de cal Discoloured skin, easily separated from the flesh Ligeiramente mole, branco rosado ou a amarelecer ligeiramente Very firm flesh, pearly white Firm, lime white Resistente ao arranque Resistente ao arranque Mais fáceis de arrancar Resistant to pulling out Resistant to pulling out Easier to pull out Fresco, a algas marinhas Fraco ou nulo Cheiro a tinta Weak or null Smell of ink Fresh, seaweedlike Slightly soft, pinkishwhite or slightly yellow Fonte: produção própria/ do autor | Source: own production / the author’s Maria Scientia Novembro 2014 67 Maria Scientia Os critérios utilizados para cefalópodes têm-se demonstrado insuficientes para classificar o grau de frescura do polvo, uma vez que possuíam como base o choco. Têm, no entanto, sido desenvolvidos novos estudos com o intuito de eliminar as falhas existentes um exemplo é o estudo de Vaz-Pires, Barbosa, 2004. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal The criteria used for cephalopods have been considered insufficient in order to classify the degree of freshness of octopus once they were based on the cuttlefish. However further studies have been developed so as to eliminate the existing shortcomings. One example is the study by Vaz-Pires, Barbosa, 2004. Quadro 2 – Categorias de frescura para Octopus Vulgaris segundo Vaz-Pires, Barbosa, 2004 Table 2 – Categories of freshness for Octopus Vulgaris according to Vaz-Pires, Barbosa, 2004 Categoria de frescura | Freshness Category Critério | Criterion Extra A Pigmentação brilhante e uniforme, pele elástica Pele |Skin Pigmentação menos brilhante e uniforme; Aparecimento de coloração Bright and even skin ligeiramente pigmentation, elastic alaranjada ou rosa, skin pele menos elástica B C Pigmentação Baça descolorada, ligeiramente baça, rosa, praticamente pele menos elástica sem elasticidade Pigmentation slightly dull, less elastic skin Dull discolored, pink, with virtually no elasticity Ligeiramente macio Macio Less bright, uniform pigmentation Appearance of slightly orange or pink coloring, less elastic skin Muito firme Músculo | Muscle Very firm muscle Firme Firm Soft Slightly soft firm Marinho, algas Marine, algae Cheiro | Scent Ligeiramente marinho, neutro Ligeiramente metálico Slightly Marine, neutral Slightly metallic Metálico, fecal, adocicado, ácido, peixe podre Metallic, fecal, sweet, sour, rotten fish Fonte: produção própria/ do autor | Source: own production / the author’s Maria Scientia Novembro 2014 68 Maria Scientia Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal IV. O Polvo no Algarve IV. The Octopus in the Algarve O Algarve representa 40% ou mais do total de capturas do polvo de Portugal Continental. O polvo tem demonstrado adquirir uma importância crescente como recurso da pesca no Algarve. Isto deve-se essencialmente ao fato de ser um recurso com um curto ciclo de vida, rápido crescimento e baixa taxa de mortalidade por predação ou outras causas naturais o que o torna um recurso cheio de oportunidades a nível económico, mas também apresenta ameaças à exploração sustentada devido às suas taxas variáveis de recrutamento, que o torna um recurso instável em termos de quantidades. Também se deve à sua aceitação no mercado. O Polvo do Algarve é considerado por muitos como o melhor polvo e é procurado pela sua qualidade e sabor característicos. The Algarve represents 40% or more of the total catch of octopus in Portugal. No gráfico abaixo, podemos ver a quantidade capturada de polvo-vulgar na Região do Algarve nos últimos 10 anos, assim como o valor obtido pela sua venda nas lotas do Algarve. The octopus has shown a growing importance as a fishing resort in the Algarve. This is mainly due to its being a resource with a short life cycle, rapid growth and low mortality from predation or other natural causes making it a resource full of opportunities at the economic level, but also poses threats to a sustainable exploration due to their variable rates of recruitment, which makes it an unstable resource in terms of quantities. This is also due to its high acceptance in the market. The Octopus of the Algarve is regarded by many as the best octopus and is sought after for its quality and flavor. In the chart below we can see the amount of octopus vulgaris captured in the Algarve for the past 10 years, as the value obtained by its sale at auctions throughout the whole region. Gráfico 1 – Os últimos 10 anos de capturas de polvo na Região do Algarve Figure 1 – The last 10 years of octopus catches in the region of the Algarve Fonte: dados Docapesca,S.A./ produção própria/ do autor | Source: data Docapesca, SA/ own production / author’s Maria Scientia Novembro 2014 69 Maria Scientia Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal Analisando este gráfico constatamos que houve três picos de captura nos últimos 10 anos, um em 2005 (4.096 ton), outro em 2008 (4.314 ton) e um último em 2013 (3664 ton). O rendimento obtido nestes três anos foi de 14.938 mil € em 2005, 18.526 mil € em 2008 e 11.908 mil € em 2013. Analysing this graph we find that there were 3 peaks of capture over the past 10 years, one in 2005 (4,096 tons), again in 2008 (4,314 tons) and a last in 2013 (3664 ton). The profit obtained in these three years was € 14.938 million in 2005, € 18.526 million in 2008 and € 11,908,000 in 2013. Neste segundo gráfico, pode-se ver o preçomédio obtido por quilograma de polvo-vulgar vendido nas lotas do Algarve nos últimos 10 anos. In this second graph, you can see the average price obtained per kilogram of octopus vulgaris sold at auction in the Algarve for the past 10 years. Gráfico 2 – Preço médio obtido por quilograma de polvo vendido nos últimos 10 anos nas lotas do Algarve Graph 2 – Average price obtained per kilogram of octopus sold in the last 10 years in the fish auction of the Algarve Fonte: dados Docapesca,S.A./ produção própria/ do autor | Source: data Docapesca, SA/ own production / author’s Analisando este gráfico constatamos que não há muita variação no preço médio obtido por quilograma de polvo vendido. Há um aumento de preço-médio considerável nos anos de maior escassez do recurso em causa, como se pode constatar em relação ao ano de 2011, em que a captura foi de apenas 1.180 ton e o preço médio atingiu os 6,22€ por quilograma. Nos anos de maior abundância nota-se uma Analysing this graph we see that there is not much change in the average price received per kilogram of octopus sold. There is a considerable increase in the medium price in years of scarcity of the resource in question, as it can be seen in relation to the year 2011, in which the catch was only 1,180 tons, and the average price reached € 6.22 per kilogram. In years of greater abundance a small fall in the average price is registered just like in the years Maria Scientia Novembro 2014 70 Maria Scientia pequena descida no preço médio, como se verifica nos anos de 2005 e 2013. No ano de 2008, apesar da abundância o preço médio manteve-se alto. Isto acontece quando há uma necessidade de mercado superior à oferta. Para uma correta análise da importância desta pesca no Algarve é necessário também analisar as licenças atuais existentes nos Portos Algarvios. No gráfico abaixo pode ver-se o número de licenças atribuídas a embarcações costeiras e locais nos Portos Algarvios para a pesca do polvo. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal 2005 and 2013. In 2008, despite the abundance, the average price remained high. This happens when there is a need for greater supply in the market. For a correct analysis of the importance of this kind of fishing in the Algarve it is also necessary to analyse existing current licenses in Agarvian Ports. In the chart below you can see the number of permits allocated to coastal and local fishing boats in Algarvian Ports for octopus fishing. Gráfico 3 – Número de Licenças para a pesca do Polvo atribuídas em cada porto de pesca da região do Algarve Graph 3 – Number of licenses for octopus fishing assigned to in each fishing port in the region of the Algarve Fonte: dados Direção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos/ produção própria/ do autor | Source: data General Directorate of Natural Resources, Security and Maritime Services / own production / author’s Pode ver-se que há portos que se destacam, como Portimão, Santa Luzia, Lagos e Tavira. Neste outro gráfico, podemos ver o número de licenças atribuídas a embarcações costeiras e locais para as armadilhas de abrigo ou de gaiola. One can see that there are ports, which stand out for its importance such as Portimão, Santa Luzia, Tavira and Lagos. In another chart, we can see the number of permits allocated to local and coastal vessels for shelter traps or cage traps. Maria Scientia Novembro 2014 71 Maria Scientia Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal Gráfico 4 – Número de licenças de pesca atribuídas por tipo de armadilha e por porto de pesca da região do Algarve Graph 4 – Number of fishing licenses granted by type of trap and fishing port in the region of the Algarve Fonte: dados Direção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos/ produção própria/ do autor | Source: data General Directorate of Natural Resources, Security and Maritime Services / own production / author’s Podem ver-se dois picos de licenças de gaiola na pesca local de Portimão e Santa Luzia. Ao analisarmos estes dados facilmente constatamos que a maior parte das licenças são locais, logo este é um tipo de pesca com grande impacto sócioeconómico, pois são muitas as famílias locais que dependem desta arte de pesca. Para entendermos o peso deste tipo de pesca na Região do Algarve, basta ver o gráfico abaixo, em que se compara o número de licenças totais atribuídas em Portugal Continental e o número de licenças totais atribuídas na Região do Algarve para a pesca do polvo. Como se pode constatar no gráfico 5, as licenças do Algarve para a pesca do polvo representam 36% das licenças totais atribuídas a nível nacional. One can see two peaks in the cage fishing licenses for local fishing in Portimão and Santa Luzia. By analysing this data you easily find that most licenses are local, so this is one type of fishing with great socio-economic impact, once there are many local families who depend on this fishing gear. To understand the weight of this kind of fishing in the Algarve, you can check the chart below, which compares the total number of licenses granted in Continental Portugal and the total number of licenses in the Algarve for octopus fishing. As one can see from the graph 5, permits in the Algarve for fishing octopus represent 36% of total permits allocated nationally. Maria Scientia Novembro 2014 72 Maria Scientia Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal Gráfico 5 – Comparação do número de licenças totais atribuídas para a pesca do polvo no continente com o número de licenças atribuídas para a região do Algarve Graph 5 – Comparison of the total number of permits allocated for octopus fishing on the continent with the number of allowances allocated to the region of the Algarve Fonte: dados Direção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos/ produção própria/ do autor | Source: data General Directorate of Natural Resources, Security and Maritime Services / own production / author’s V. Enquadramento na Legislação V. Background on legislation As medidas de gestão em vigor para a pesca do polvo (Octopus vulgaris) estão previstas nos diversos regulamentos de pesca, para as diversas artes, publicados ao abrigo do artigo 3º do Decreto Regulamentar nº 43/ 87, de 17 de julho, republicado pelo Decreto-Regulamentar n.º 7/2000, de 30 de maio. Management measures into effect for the fishing of octopus (Octopus vulgaris) are provided in the various fishing regulations for the various fishing gears, published pursuant to Article 3 of Decree No. 43/87 of 17th July republished by Decree-Law No. 7/2000, 30th May. O Regulamento da Pesca por Arte de Armadilha, aprovado pela Portaria nº 1102D/2000, de 22 de novembro, republicado pela Portaria nº 447/2009, de 28 de abril, alterada pela Portaria nº 774/2009, de 21 de julho e pela Portaria nº 1054/2010, de 14 de outubro, prevê a possibilidade de pesca com armadilhas de abrigo (alcatruzes) e com armadilhas de gaiola (covos). Autoriza um número máximo de 3000 alcatruzes por embarcação e distâncias mínimas de atuação relativamente à costa, de respetivamente meia milha para embarcações com comprimento fora a fora (CFF) até 9 metros, e 1 milha de distância à linha de costa, para as restantes embarcações. Regulation of Fishing by Trapping Gear, approved by Ordinance No. 1102-D / 2000, of 22nd November, republished by Decree No. 447/2009, of April 28th, as amended by Decree No. 774/2009, on 21st July and by Decree No. 1054/2010, of 14th October, provides for fishing shelter traps (buckets) and cage traps (pots). It allows a maximum number of 3000 buckets per boat and minimum distances of performance relative to the coastline, respectively for half mile for vessels with length overall (LOA) to 9 meters, and 1 mile away from the shoreline, for the remaining vessels. Maria Scientia Novembro 2014 73 Maria Scientia As armadilhas de gaiola podem ser de duas classes de malhagem: 8-29mm e 30-50mm, respetivamente com 90% e 80% para o conjunto de espécies-alvo que inclui, no primeiro caso, as navalheiras e, no segundo, para além destas, também os peixes, o choco e o lagostim. As armadilhas de classe de malhagem 3050mm, o número máximo de unidades varia por tipo de embarcação, 500 para a pesca local, 750 para embarcações com comprimento fora a fora até 12 m e 1000 para as restantes embarcações. No que se refere à zona de atuação, não existe limite de operação relativamente à costa para as embarcações locais, devendo as embarcações costeiras respeitar uma distância mínima de 1 milha de distância à linha de costa. Esta norma tem vindo a ser sucessivamente derrogada, desde 2008, pelas Portaria n.º 249/2008, de 27 de março, Portaria n.º 447/2009, de 28 de abril e Portaria n.º 193/2010, de 8 de abril que permitiu que entre o paralelo de Pedrógão (39.º 55’ 04’’ N) e o meridiano que passa pela foz do rio Guadiana, as embarcações com mais de 9 m de fora a fora pudessem calar armadilhas a partir de meia milha de distância à linha de costa, no período entre 1 de março e 30 de setembro. Mantém-se ainda em vigor uma norma de 1994, a Portaria nº 296/94, de 17 de maio, que atualiza a legislação nacional em vigor no que respeita a zonas e períodos de proibição de pesca e interdita a pesca com qualquer armadilha numa zona da Costa Vicentina entre os 37º 50´N e os 37º 00´entre dezembro e fevereiro. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal Cage traps can be of two classes of mesh size: 829mm and 30-50mm, respectively with 90% and 80% for the set of target species including, in the first case, the crabs and, in the second, besides these, also fish, cuttlefish and crawfish. Relating to the traps range of mesh size 3050mm, the maximum number of units varies according to the type of vessel, 500 for local fishing vessels, 750 for vessels with an overall length up to 12 m and 1000 for the remaining vessels. With regard to the area of operations, there is no limit operation on the coast for local vessels, coastal vessels should maintain a minimum distance of 1 mile from the shoreline. This standard has been successively repealed since 2008, by Ordinance No. 249/2008, of March 27th, Ordinance No. 447/2009, from April 28th and Ordinance No. 193 / 2010, on 8th April, which allowed that between parallel Pedrógão (39 55 '04' 'N) and the meridian passing through the mouth of the Guadiana river, vessels with more than 9 m overall length could place traps from half mile away from the coastline, in the period between 1st March and 30th September. A rule from 1994, Decree No. 296/94, of 17th May remains still in force, which updates the national legislation in force in relation to areas and periods of fishing ban and prohibits fishing with any trap in the Costa Vicentina zone between 37º and 37º 50'N 00' between the months of December and February. Ordinance No. 1054/2010, of 14th October, came to establish a ban on the use of crab-moor as live bait in cage traps. Maria Scientia Novembro 2014 74 Maria Scientia A Portaria nº 1054/2010, de 14 de outubro, veio estabelecer a interdição do uso de caranguejo-mouro, como isco vivo, nas armadilhas de gaiola. A pesca de polvo não está prevista com redes de emalhar e é autorizada na pesca por arrasto com malhagem de 65-69 mm, no entanto a título acessório e em quantidades reduzidas. Finalmente, a Portaria nº 27/2001, de 15 de janeiro, que prevê um peso mínimo para o polvo de 750 gramas. VI. Governança A primeira tentativa de Gestão de captura do polvo-vulgar do Algarve Com a Portaria nº 635/2005, de 2 de agosto, que estabeleceu para aplicação entre 1 de agosto de 2005 e 31 de julho de 2006, medidas de gestão a título experimental na costa algarvia. Para a elaboração desta portaria foram envolvidas as Associações representativas da pesca na costa algarvia tendo sido estabelecidas as seguintes regras em conjunto: Zonas de operação das armadilhas de gaiola mas restritivas, apenas para além da 1/4 de milha de distância à costa entre 1 de junho e 31 de outubro e da 1/2 de milha entre 1 de novembro e 31 de maio; Proibição da captura, manutenção a bordo, desembarque e comercialização de polvovulgar, com todas as artes entre 1 e 30 de Setembro de 2005; Interdição de pesca do polvo com utensílios de dilacerar – toneira e piteira – entre 1 de agosto e 30 de outubro; Proibição de captura, manutenção a bordo, Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal Fishing for octopus is not legislated with gill nets and fishing is authorized in the trawl fishing with mesh sizes of 65-69 mm, however ancillary and in small quantities. Finally, Ordinance No. 27/2001 (13), of 15th January, which provides for a minimum weight of 750 grams for the octopus. VI. Governance The first trial of management of octopus-vulgaris catching in the Algarve With Ordinance No. 635/2005, of 2nd August, which established management measures on a trial basis on the Algarve coast for application between August 1st, 2005 and July 31st, 2006. To produce this ordinance, representative fishery associations on the Algarve coast were involved, the following rules having been established together: • Areas of operation of cage traps although restrictive, just beyond the 1/4 mile distance to the coast between June 1st and October 31st and 1/2 mile between November 1st and May 31st; • Prohibition on the catching, retaining on board, landing and marketing of octopus vulgaris, with all fishing gear between 1st and September 30th, 2005; • Prohibition of octopus fishing with tearing tools – ‘toneira’ and ‘piteira’ – between 1 st August and 30th October; Prohibition on catching, retaining on board, landing and marketing of octopus vulgaris on Sunday, between 1st June and 31st October. Maria Scientia Novembro 2014 75 Maria Scientia desembarque e comercialização de polvovulgar ao domingo, entre 1 de junho e 31 de outubro. Estudo da possibilidade de implementar medidas de gestão Face à importância da pescaria do polvo e aos aspetos de natureza socioeconómica ligados à atividade, e a diversidade de medidas de gestão propostas para esta espécie pelas diversas Associações ao longo do País, o senhor Secretário de Estado do Mar determinou a constituição de um Grupo de Trabalho com representantes de várias Associações para discutirem este tema. O grupo, que incluía várias associações de todo o País e a DGPA (atual DGRM), reuniu duas vezes, a 14 de janeiro e 3 de fevereiro de 2011. Destas reuniões saíram como principais sugestões: Study of the implementing measures Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal feasibility of management Given the importance of the octopus fishing and the socio-economic aspects related to the activity and diversity of management measures proposed for this species by various associations throughout the country, Mr. Secretary of State of the Sea established the constitution of a Group working with representatives of various Associations to discuss this topic. The group included several associations from around the country and the DGPA (current DGRM) met twice, 14th January and 3rd February 2011. From these meetings important key suggestions emerged: Quadro 3 – Sugestões das Associações de Pesca Table 3 – Suggestions from the Fishing Associations Associações | Associations Quarteira,Federação Quarteira, Federation Sugestões | Suggestions Estabelecimento de um período de defeso com compensação salarial para os tripulantes das embarcações que têm como arte principal as armadilhas Establishment of a closed season with wage compensation for crew members of vessels whose primary fishing gear are the traps Quarpesca (Associação de armadores e pescadores de Quarteira), APTAV (Associação de armadores e pescadores de Tavira) Proibição do uso de isco vivo Prohibition of the use of live bait Quarpesca(Association of shipowners and fishermen of Quarteira) APTAV (Association of shipowners and fishermen of Tavira) Quarpesca Revisão do regulamentação da pesca, em particular no que diz respeito ao nº máximo de armadilhas que cada embarcação pode calar. (Aumentar o número de armadilhas para as embarcações com mais de 12m). Maria Scientia Novembro 2014 76 Maria Scientia Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal Review of fishing regulations, particularly with respect to the maximum number of traps each vessel can place. (increasing the number of traps for vessels over 12m). AAPCS Revisão (com aumento) do tamanho mínimo de desembarque Review (with increasing) of the minimum landing size ADAPSA (associação de Armadores de pesca do Sotavento Algarvio) Propostas de estabelecimento de limites diários de captura ADAPSA (Fishing Shipowners Association of Eastern Algarve) Proposals for the establishment of daily catch limits ADAPSA e APTAV Propostas de estabelecimento de horários para a pesca do polvo Proposals to establish schedules for octopus fishing Fonte: dados Direção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos/ produção própria/ do autor | Source: data General Directorate of Natural Resources, Security and Maritime Services / own production / author’s Destas reuniões saíram também algumas recomendações, nomeadamente: These meetings also recommendations, namely: issued some 1) DGPA (Direcção Geral de Pesca e Aquicultura, atual DGRM) propôs-se incluir no seu site uma página onde, com carácter voluntário, os armadores poderiam registar informações essencialmente qualitativas das observações da sua actividade. 1) DGPA (General Directorate of Fisheries and Aquaculture, current DGRM) proposed to include a page on its website where, on a voluntary basis, shipowners could register essentially qualitative information about the observations of their activity. 2) O IPIMAR (atual IPMA) propôs-se tratar essa informação e disponibilizar eletronicamente, no mesmo site, boletins nacionais ou regionais sobre o possível decurso da pesca ao longo do ano – esta informação poderá ser útil, pois esta espécie apresenta uma grande variabilidade ao longo do ano de capturas e com a obtenção destes dados poder-se-há tentar obter estimativas de abundância da espécie em cada ano melhorando a incerteza associada a esta atividade. 2) IPIMAR (current IPMA) proposed to treat this information electronically and issue national or regional bulletins about the possible course of fishing throughout the year on the same website; this information can be useful, since this species has a great variability throughout the year and with these data it may be attempted to obtain estimates of the abundance of the species in each year improving the uncertainty associated with this activity. 3) Considerando as elevadas taxas de crescimento do polvo e as reduzidas taxas de mortalidade natural dos indivíduos em crescimento, uma melhoria considerável do 3) Considering the high growth rates of the octopus and reduced rates of natural mortality of individuals in growth, a considerable improvement in profit is obtained if the fishing Maria Scientia Novembro 2014 77 Maria Scientia rendimento da pescaria é obtido se cumprido o tamanho mínimo de desembarque. A prevaricação no que toca a esta medida em concreto é portanto exclusivamente prejudicial ao sector e absolutamente irracional, quer do ponto de vista individual quer do coletivo. Assim, num processo de corresponsabilização, cabe não apenas à Administração controlar, mas também aos armadores e Associações desenvolver as ações necessárias junto do armamento, no sentido de esclarecer, reduzindo tão logo seja possível o desembarque de exemplares abaixo do tamanho mínimo, quer para venda quer para consumo próprio; 4) Devem ser as Associações e os Armadores a incutir nos operadores a necessidade de cumprirem com os limites legais de número de armadilhas em uso. 5) Deve ser discutida regulamentação específica para a pesca do polvo, onde se deverá determinar as características das armadilhas a ser utilizadas e a sua quantidade. 6) Revisão da regulamentação aplicável à pesca com armadilhas, que vise os seguintes aspetos: • a proibição do uso do caranguejo como isco vivo (realizar estudos comparativos da eficácia da arte usando ou não o caranguejo); • Aumento do número de artes; • medidas especificas apenas para a costa algarvia (utilização ou não do caranguejo, horário para impedir duas marés no mesmo dia, possibilidade de colocação do isco sem ser no local próprio da armadilha, eventualmente zonas ou períodos de Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal met the minimum landing size. A dereliction of duty in relation to this concrete measure is therefore uniquely damaging to the sector, and utterly irrational from the point of view of the individual or the collective interest. Thus, in a process of co-responsibility, it is not just the directors’s duty to control but also shipowners and associations to implement the necessary actions with the gear, in order to clarify, reducing as soon as possible the landing of specimens below the minimum size, either for sale or for their own use; 4) Shipowners and Associations ought to instill the need for operators to comply with the legal limits on the number of traps in use. 5) Specific regulations should be discussed for fishing octopus, in which the characteristics of the traps to be used and their quantity must be determined. 6) Review of the regulations for fishing with traps, designed to achieve the following aspects: • prohibiting the use of crab as live bait (perform comparative studies of the effectiveness of the art using or not the crab); • Increased number of gear; • Specific measures only for the Algarve coast (using or not crab, schedule to prevent two tides on the same day, the possibility of placing the bait without being at the exact site of the trap, possible areas or times of the ban, which would force the lifting of the gear over a certain period of the year). • control of the number of gear in the sea by means of a specific identification. Maria Scientia Novembro 2014 78 Maria Scientia interdição o que obrigaria levantamento das artes durante período do ano). ao um • controlo do número de artes no mar mediante uma identificação específica. VII. RFMS – Gestão Responsiva da Pescaria do Polvo no Algarve O CCMAR (Centro de Ciências do Mar) está a implementar um projeto pioneiro na zona do Algarve, que se baseia na implementação de um sistema de gestão designado por RFMS (Sistema de Gestão de Pescas Responsivo). Este sistema foi desenvolvido no âmbito do projeto europeu EcoFishMan, no qual o CCMAR foi parceiro. Este projeto tem como objetivo principal uma aproximação maior à produção, atribuindo uma maior responsabilidade de gestão aos operadores. Esta maior responsabilidade obtém-se passando a gestão das suas pescarias diretamente para o operador. O que é um sistema responsivo? Um sistema responsivo é um sistema adaptativo baseado nos resultados da pescaria e do próprio ecossistema. Este sistema pretende reduzir a centralização da gestão envolvendo as partes interessadas na pescaria, convidando os operadores a definir o seu próprio Plano de Gestão com o auxilio de cientistas. Objetivo Permitir que os operadores, para atingirem os objetivos de gestão, identifiquem quais as medidas necessárias para os atingir e, ao mesmo tempo, documentar a eficiência dessas mesmas medidas. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal VII. RFMS Responsive Management of the Octopus Fishing in the Algarve CCMAR (Centre of Marine Sciences) is implementing a pioneering project in the Algarve which is based on the implementation of a management system called RFMS (Responsive Fishing Management System). This system was developed within the European project EcoFishMan where CCMAR was partner. This project aims to produce a wider approach, giving greater management responsibility for operators. This increased responsibility is achieved through the management of their fishing directly by the operator. What is a responsive system? A responsive system is an adaptive system based on the results of the fishing and the ecosystem itself. This system aims to reduce the centralized management involving the stakeholders in the fishing trade, inviting operators to define their own management plan with the help of scientists. Goal Allowing that operators to achieve management objectives, identify the necessary measures to achieve them, and at the same time documenting the effectiveness of those measures. Management Objectives (MO's) are acceptable Maria Scientia Novembro 2014 79 Maria Scientia Os Objetivos de Gestão (OT’s) são os impactos aceitáveis definidos pela DGRM com o intuito de minimizar impactos ecológicos e manter a sustentabilidade económica e social. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal impacts defined by DGRM in order to minimize ecological impacts and maintain economic and social sustainability. How it works Como funciona Na figura 3 apresenta-se o sistema RFMS de forma esquemática. Neste esquema a autoridade é a DGRM, operadores são as Associações de Pescadores, Assessores são os cientistas e o auditor é uma entidade independente. O papel da DGRM como autoridade é convidar os operadores para o Plano de gestão já com a definição dos impactos aceitáveis, ou seja, os Objetivos de Gestão – OT’s. Os operadores, ou seja as Associações de Pescadores, definem o Plano de Gestão considerando os OT’s e documentam o Plano de Gestão. Os cientistas, como assessores, auxiliam na elaboração do Plano de Gestão tendo em conta dados e estudos realizados. O auditor, ou seja uma entidade externa nomeada para o efeito, avalia a eficiência do Plano de Gestão. A sua implementação Atualmente o sistema está na fase de reuniões com todos os intervenientes, com o objetivo de encontrar pelo menos três medidas que sejam aceites por todos os operadores do Algarve como medidas essenciais para a pesca do polvo. A primeira reunião realizada visou apresentar o sistema. A segunda reunião foi realizada após a recolha de sugestões de medidas junto Figure 3 presents schematically. the RFMS system In this diagram the authority is DGRM, operators are the Fishermen Associations, accessories are the scientists and the auditor is an independent entity. The role of DGRM as authority is inviting operators to the management plan already with the definition of acceptable impacts, ie, the Management Objectives – MO's. Operators, ie the Fishermen Associations, define the management plan considering the MO's and document the Management Plan. Scientists as advisors assist in the preparation of the Management Plan taking into account data and studies. The auditor, or a third party appointed for this purpose, assesses the effectiveness of the Management Plan. Its implementation Currently the system is in the process of meeting with all stakeholders with the goal of finding at least three measures that are accepted by all operators in the Algarve as essential measures for fishing octopus. The 1st meeting was held to present the system. The 2nd meeting was held after collecting suggestions for action among all stakeholders. All measurements were subjected to a vote at the meeting in order to define the three most important measures for the present members. Working groups were created to discuss the Maria Scientia Novembro 2014 80 Maria Scientia Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal Figura 3 – Esquema do RFMS Figure 3 – Diagram of RFMS Convite | Invitation Autoridade | Authority Plano de Gestão OT’s | Management Plan OT’s Operadores | Operators Acessor | PLANO de GESTÃO Acessory Management plan Auditor | Auditor Implementado | Implemented Documentado |Documented Fonte| Source: CCMAR de todos os intervenientes. Todas as medidas apresentadas foram sujeitas a votação no decorrer da reunião por forma a definir as três medidas mais importantes para os presentes. Foram criados grupos de trabalho para discussão das três medidas selecionadas e o resultado foram várias sugestões para definição/controlo dessas medidas. three selected measures and the results were several suggestions for the setting / monitoring of these measures. A terceira reunião servirá para discutir os resultados da reunião anterior assim como discutir outras três medidas das mais votadas. Analysis Análise Visto que este projeto se encontra numa fase muito inicial, não é possível fazer já uma avaliação da sua eficácia. Este é um sistema muito interessante e poderá resultar, visto que The 3rd meeting is scheduled, and will be held to discuss the results of the previous meeting as well as to discuss other measures of the 3 most voted ones. Since this project is at a very early stage, it is not possible to have an assessment of its effectiveness. This system is a very interesting system and may result since it involves all stakeholders in decision making. The greatest difficulty will be to find consensus Maria Scientia Novembro 2014 81 Maria Scientia envolve todos os interessados na tomada de decisão. A maior dificuldade será encontrar consensos na definição das medidas e do Plano de Gestão, visto que os operadores tendem a ser muito individualistas e não permitem uma avaliação mais holística da problemática em causa. Análise Crítica Afinal quais são os problemas associados à pesca do polvo no Algarve? É a falta de defeso que leva às oscilações de população? Há sobre esforço de pesca? É apenas a lei da oferta e da procura que influência a rentabilidade deste tipo de pesca? Abordando individualmente cada problemática e baseando-me apenas de forma empírica no que é o meu conhecimento desta problemática, apreseto as seguintes reflexões: 1. Número de artes É necessário melhorar a fiscalização do número de artes utilizadas em cada embarcação, ou seja, é necessário encontrar um método mais eficaz no controlo desta questão. Já por diversas vezes os operadores assumiram que praticam a pesca com um número de artes superior ao admitido por Lei, logo não é possível saber o esforço real de pesca ao polvo. Na realidade, as armadilhas nunca vêm todas para terra, logo não é possível confirmar quantas armadilhas tem realmente um operador. Uma possibilidade para ultrapassar esta problemática é a identificação de cada armadilha por uma pequena placa que seria fornecida pela DGRM (Direção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos). Esta medida iria permitir às Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal on the definition of measures and management plan since operators tend to be very individualistic and not allow a more holistic assessment of the issue in question. Critical Analysis After all what are the problems associated with fishing for octopus in Algarve? It is the lack of closure that leads to oscillations of the population? Is there an over effort in fishing? It's just the law of supply and demand that influences the profitability of this type of fishing? Individually addressing each issue and based only empirically on what is my understanding of this issue: 1. Number of gear It is necessary to improve the monitoring of the number of gears in each vessel, ie, it is necessary to find a more effective method of controlling this issue. Repeatedly operators have assumed that they practice fishing with a number of gear superior to that permitted by law, then it is not possible to know the actual fishing effort for the octopus. Actually all the traps never come to the ground, then we cannot confirm how many traps each operator really have. One possibility to overcome this problem is the identification of each trap by a small board that would be provided by DGRM (General Directorate of Natural Resources, Security and Maritime Services). This measure would allow the authorities to monitor the number of traps in a much more assertive manner, since a trap that does not possess the said board, would be an illegal trap. Maria Scientia Novembro 2014 82 Maria Scientia autoridades fiscalizar o número de armadilhas de uma forma muito mais assertiva, pois uma armadilha que não possuisse a referida placa, seria uma armadilha ilegal. 2. Utilização de isco vivo ou morto O isco morto, por exemplo a cavala, não dura tanto tempo na armadilha, logo o pescador tem de levantar as armadilhas de água com mais frequência. Assim, não é viável ter um grande número de armadilhas em mar. O uso do caranguejo (isco vivo), permite ao operador trabalhar em sobre esforço de pesca, ou seja, com um número muito maior de armadilhas, pois estas podem permanecer na água por muito mais tempo de forma eficaz (ativa para a pesca). A deterioração do isco morto e a possível poluição biológica que daí possa decorrer não é um argumento viável para justificar a utilização de isco vivo. 3. Defeso Em primeiro lugar, temos de esclarecer qual o tipo de defeso que se pretende. Já foi referido neste trabalho que o polvo é um recurso que não se encontra em risco, pois tem um recrutamento muito elevado e um período de maturação curto. No entanto, alguns biólogos e pescadores defendem que seria importante fazer um defeso biológico na época da desova das fêmeas do polvo. Outros defendem que o defeso deveria ser quando surgem grandes quantidades de juvenis, ou seja, polvo com tamanho inferior ao permitido na lei para captura (mínimo: 750gr). E ainda há quem defenda que o defeso deve ser um defeso de natureza económica, ou seja, parar quando o preço do quilograma do polvo baixa Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal 2. Use of live or dead bait The dead bait, such as mackerel, does not last long in the trap, so the fisherman has to lift the water traps more often. Thus, it is not feasible to have a large number of traps in the sea. The use of crab (live bait), allows the operator to work on fishing over effort, ie, with a much larger number of traps, once they can stay in the water much longer effectively (active for fishing). The decay of dead bait and the possible biological pollution that may arise from there, it is not a viable reason to justify the use of live bait. 3. Off season First, we have to clarify what type of closure you want. It was mentioned in this work that the octopus is a resource that is not at risk because it has a very high recruitment and a short period of maturation. However, some biologists and fishermen argue that it would be important to make a biological rest in the spawning season of the female octopus. Others argue that it should be closed when large quantities of juveniles emerge, ie octopus with an inferior size to that allowed by law for capture (minimum 750gr). Yet some argue that the closure should be an economic closure, ie, stopping when the price of the kilogram of octopus is significantly lower compared to the average price. In my opinion, it is important to have biological closed seasons of the species to ensure the future of the resource in question. Maria Scientia Novembro 2014 83 Maria Scientia significativamente face ao preço médio. Na minha opinião, é sempre importante fazer defesos biológicos das espécies por forma a garantir o futuro do recurso em causa. Também considero que é importante que os operadores tenham cada vez mais uma visão comercial da sua atividade e que optem por medidas de regulamentação da atividade tendo em conta objetivos de comercialização. Isto pode ser conseguido através do envolvimento de organizações de produtores que detêm o poder de estabelecer medidas de comercialização de acordo com os regulamentos em vigor. 4.Tamanhos mínimos O tamanho mínimo do polvo autorizado é de 750gramas. É muito difícil garantir que um polvo tem tamanho mínimo certo, pois este perde muita água, logo peso, após a sua morte. Assim, um polvo vendido com um peso muito próximo do peso mínimo pode ter peso inferior quando chega às mãos do comprador de pescado. Apenas quem tem experiência de venda de pescado nas lotas consegue vender polvo pequeno, mas com respeito do tamanho mínimo, em segurança. Há operadores que defendem ao aumento do peso mínimo para 1000 gramas. Penso que o problema que se põe não é a alteração do peso mínimo, mas sim o seu respeito por parte de todos os intervenientes. 5. Condições de manutenção e acondicionamento a bordo das embarcações O polvo ainda é mantido a bordo pelos pescadores em bidons com água, sem gelo, nem qualquer tipo de controlo da temperatura. Este é um fator que condiciona muito a qualidade do polvo e a obtenção da melhor rentabilidade neste tipo de pesca. Um Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal I also think it is important that operators increasingly have a commercial view of its activity and choose to regulate the activity measures in view of marketing objectives. This can be achieved through the involvement of producers and organizations that have the power to establish marketing measures in accordance with the regulations in force. 4. Minimum sizes The authorized minimum size for the octopus is 750grams. It is very difficult to ensure that an octopus has a certain minimum size, because it loses a lot of water weight soon after his death. Thus, an octopus sold with a weight very close to the minimum weight, might have an inferior size when it reaches the hands of its buyer. Only the experience of someone who sells fish at auction can sell small octopus in safety, but respecting the minimum size. There are operators who favor the increase of minimum weight for 1000grams. I think the problem that arises here is not to change the minimum weight, but the fact that this is respected or not by all stakeholders. 5. Conditions of maintenance and packaging on board of the vessels The octopus is still kept on board in drums with water by the fishermen, no ice, nor any type of temperature control. This is a factor that greatly affects the quality of octopus and the possibility of getting the best profitability on this type of fishing. If a product is to be valued it must have quality, so it is essential that there is a concern in maintaining the characteristics of the product since its Maria Scientia Novembro 2014 84 Maria Scientia Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal produto, para ser valorizado tem de ter qualidade, logo é essencial que haja uma preocupação na manutenção das características do produto desde a sua captura até ao consumidor final.Isto obtém-se através da manutenção da cadeia de frio. O correto acondicionamento do produto a bordo é essencial para a obtenção de um bom rendimento para o produtor. capture to the final consumer. Têm surgido no mercado alguns produtos alternativos aos bidons atuais, como por exemplo: • insulated boxes with openings for the partial introduction of the octopus without having to fully open the cabinet. This allows for greater isolation at ambient temperature variations, maintaining the temperature inside the box. caixas isotérmicas com aberturas parciais para a introdução do polvo sem que se tenha de abrir totalmente a caixa. Isto permite um maior isolamento às variações de temperatura ambiente, conservando a temperatura dentro da caixa. caixas isotérmicas com tampas que permitem a adição de gelo sem entrar em contacto com o produto, permitindo baixar a temperatura dentro da caixa face à temperatura ambiente. caixas isótermicas que possuem na tampa um dispositivo com um líquido refrigerado para diminuir a temperatura da caixa e melhorar a conservação do produto. capa refrigerada para colocar em cima do produto. This is achieved by maintaining the cold chain. The correct packaging of the product on board is essential for obtaining a good profit for the fisherman. Some alternative containers to the existing drums have already appeared on the market, such as: • isothermal boxes with lids which allow the addition of ice without coming into contact with the product, allowing to lower the temperature inside the box in view of room temperature. • insulated boxes that have a device in the lid with a cold liquid to reduce the temperature of the case and improve the conservation of the product. • Refrigerated cover to put on top of the product. Many of these alternatives have a problem – the weight of the empty container, which is considerable. Muitas destas alternativas têm um problema – o peso do recipiente vazio que é considerável. Logo, com a adição do polvo ao recipiente, e tendo em consideração que nas pequenas embarcações vai um ou dois tripulantes a bordo, torna-se impraticável a utilização de tais recipientes. Therefore with the addition of the octopus to the container and, taking into account that in small vessels there is only one or two members of the crew on board, it becomes impractical to use such containers. 6. Horários de pesca At this point there are many situations which must be taken into account: Neste ponto há várias situações que se põem: 6. Fishing Schedules Maria Scientia Novembro 2014 85 Maria Scientia Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal Sobre esforço da pesca por falta de limite de horário para esta arte de pesca; • Fishing over effort due to lack of limit of time for this fishing gear; Falta de qualidade do produto, por adoção de horários que não favorecem a conservação das caraterísticas do produto a bordo. • Lack of product quality by adopting schedules that do not promote the conservation of the characteristics of the product on board. Há uma necessidade real de limitar o horário de pesca do polvo por forma a melhorar a qualidade do produto e de forma a evitar o sobre esforço da pesca. Este horário pode ser estabelecido por dia e/ou semana. There is a real need to limit the time for fishing octopus in order to improve product quality and to avoid the fishing over effort. This time can be set per day and / or week. 7. Horários de Venda Os horários de venda das lotas do Algarve têm em consideração os hábitos de pesca dos operadores, assim como a disponibilidade dos principais compradores que permitem o escoamento da produção. 8. Novas utilizações para o produto Há que procurar alternativas à utilização deste produto por forma a que o mercado possa ter mais alternativas de escoamento do produto. A adesão a técnicas de précozinhados no mercado do consumidor final é o que melhor se adequa às realidades atuais socioeconómicas. A mulher que trabalha fora de casa e com horários restritivos procura no mercado alternativas rápidas, saudáveis e nutricionais para alimentar a sua família. O mercado espanhol já apresenta várias alternativas de tapas pré-confecionadas, embaladas em atmosfera alterada, assim como polvo pré-cozido. O setor da pesca tem de procurar incentivar a aplicação destas alternativas. 7. Hours of Sale The hours of the auction sale in the Algarve take into account the fishing habits of the operators, as well as the availability of key buyers that allow the flow of production. 8. New uses for the product We must look for alternatives to the use of this product so that the market may have more alternatives for disposal of the product. Adherence to technical pre-cooked in the final consumer market is what best suits the current socio-economic realities. A woman who works outside her home and with restrictive schedules demand quick, healthy and nutritional alternatives in the market to feed her family. The Spanish market already has several alternative tapas already prepared and packed in a modified atmosphere, as well as precooked octopus. The fishing industry must seek to encourage the application of these alternatives. Referências Bibliográficas [1] Marcel André Vasco Pereira ,Dissertação References Maria Scientia Novembro 2014 86 Maria Scientia Mestrado em Gestão da Qualidade e Segurança Alimentar, Controlo da Qualidade e Segurança Alimentar do Polvo - Octopus Vulgaris, orientação do Doutor Raul Bernardino, Professor da Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar. [2] Isis Mayna Martins dos Reis, Relatório da disciplina de Estágio Supervisionado II apresentado ao Curso de Engenharia de Aquicultura da Universidade Federal de Santa Catarina, como pré-requisito à obtenção do Título de Graduada em Engenharia de Aquicultura, Sistema de recirculação para manutenção do polvo octopus vulgaris em laboratório, orientação do Doutor Jaime Fernando Ferreira, Centro de Ciências Agrárias. Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal [1] Marcel André Vasco Pereira, Dissertation Masters in Quality Management and Food Safety, Quality Control and Food Safety for the Octopus - Octopus Vulgaris, guidance of Dr. Raul Bernardino, Professor in School of Tourism and Technology of the Sea. [2] Isis Mayna Martins dos Reis, Report of the discipline of Supervised Traineeship II presented to the College of Aquaculture Engineering, Federal University of Santa Catarina, as a prerequisite to obtaining the title of Bachelor of Engineering Aquaculture, Recirculation System for maintenance of the octopus octopus vulgaris in laboratory, guidance of Dr. Jaime Fernando Ferreira, Center for Agricultural Sciences. Legislação e Regulamentos [a] [b] Regulamento nº 2406/96 da União Europeia. Legislation and Regulations [a] Regulation No 2406/96 of the European Union. Decreto Regulamentar nº 43/ 87, de 17 de julho. [b] Regulatory Decree No. 43/87, of 17th July. [c] Decreto-Regulamentar nº 7/2000, de 30 de maio. [c] Regulatory Decree No. 7/2000, dated 30th May. [d] Portaria nº 1102-D/2000 de 22 de novembro. [d] Ordinance No. 1102-D / 2000 of 22nd [e] Portaria nº 447/2009 de 28 de abril. [e] Ordinance No. 447/2009 of 28thApril. [f] Portaria nº 774/2009 de 21 de julho. [g] Portaria nº 1054/2010 de 14 de outubro. [h] Portaria n.º 249/2008 de 27 de março. [i] Portaria n.º 447/2009 de 28 de abril. [j] Portaria n.º 193/2010 de 8 de abril. [k] Portaria nº 296/94 de 17 de maio. November. [f] Ordinance No. 774/2009 of 21st July. [g] Decree No. 1054/2010 of 14th October. [h] Ordinance No. 249/2008 of 27th March. [i] Ordinance No. 447/2009 of 28th April. [j] Ordinance No. 193/2010 of 8th April. Maria Scientia Novembro 2014 87 Maria Scientia [l] Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal Portaria nº 1054/2010 de 14 de outubro. [k] Decree No. 296/94 of 17th May. [m] Portaria nº 27/2001 de 15 de janeiro. [l] Decree No. 1054/2010 of 14th October. [n] Portaria nº 635/2005, de 2 de agosto. [m] Ordinance No. 27/2001 of 15th January. [n] Ordinance No. 635/2005, of 2nd August. 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