DIA A DIA
Prevenção distante
Relatos de trabalhadores demonstram a necessidade de repensar a SST
Estou escrevendo esta coluna em
meio a uma semana de férias que tirei
este ano.
Pode parecer estranho uma coluna sobre uma área profissional em plena semana de descanso, mas é exatamente
neste momento, distante do ambiente de
trabalho, que posso preciosamente ouvir o que as demais pessoas pensam sobre a prevenção de acidentes e, mais do
que isso, olhar de fora e distante do calor do dia a dia, os impactos do trabalho
mal planejado do ponto de vista da prevenção na vida das pessoas.
A primeira pessoa com quem converso é um engenheiro, profissional com
formação em uma das melhores universidades brasileiras, experiente e que durante muitos anos atuou em obras de
grande porte por todo Brasil e no exterior.
Evito dizer a ele no que trabalho e pouco a pouco vou levando a conversa para
o lado da Segurança do Trabalho. Logo
ouço que “estas coisas” de segurança,
qualidade e meio ambiente só custam dinheiro, porque na verdade são apenas
exigências que eles não conseguem entender. O engenheiro relata alguns casos em que, na sua forma de ver, “o monte de papel” foi a causa principal dos acidentes. Lamenta alguns dos acidentes
e, mais uma vez, repete que gostaria muito de saber como fazer para evitá-los.
AMEAÇAS
Na tarde do dia seguinte converso com
outra pessoa. Homem de rara cultura, o
diálogo transcorre de forma prazerosa
por algumas horas e em dado momento
lhe pergunto qual a sua ocupação.
Com tristeza ele me responde que “foi
professor” e em seguida me mostra a
mão direita com dois dedos sequelados.
Ele conta que aquelas sequelas foram causadas pelo
portão de uma escola feCosmo Palásio de Moraes Júnior
- Técnico de Segurança do
Trabalho e Coordenador do egroup SESMT
[email protected]
www.cpsol.com.br
82 REVISTA PROTEÇÃO
BETO SOARES/ESTÚDIO BOOM
Cosmo Palásio de Moraes Junior
chado intencionalmente por um aluno, o
que deixou dois de seus dedos pendurados e o levou a um tratamento doloroso
com a colocação de pinos e outras coisas
mais, culminando com a aposentadoria.
Empolgado pela conversa, contou ainda que lecionava em comunidades na cidade onde vive e que pior do que a dor dos
dedos era a dor das ameaças diárias que
recebia quando os alunos diziam sem
qualquer cerimônia: “professor, cuidado
porque a sua batata está fritando”.
Isso, que ainda parece ser tão invisível
aos olhos dos que cuidam da prevenção,
também faz parte de nossa área.
REVOL
TA
REVOLT
Na manhã do outro dia encontro na área
de lazer uma pessoa que trabalha embarcada. Logo no início da conversa ele conta espontaneamente a tristeza que foi o
dia em que a mãe faleceu e todas as dificuldades que foram criadas para que ele
não fosse ao velório da mãe.
Com amargura e revolta, afirmando diversas vezes que assim que puder mudará para um trabalho em que possa ter vida
com sua família, contou em detalhes tudo
o que aconteceu.
Levamos a conversa, então, para as práticas de Segurança do Trabalho no local
onde atua e ele rapidamente respondeu
que o que dá resultado mesmo é o “cada
um por si e Deus por todos”, pois as normas não são mais do que formalidades
que, na maioria das vezes, não há como
cumprir, e que os programas de diálogo
e contato são apenas para tirar fotografias e demonstrar uma realidade que não
existe. Disse ainda que aqueles que tentam se expressar nesses eventos são
transferidos ou perseguidos.
Na sua forma de ver era menos perigoso quando o técnico de Segurança atuava no momento de PT (Permissão de
Trabalho). Hoje, sendo a Permissão de
Trabalho liberada por aqueles que estão envolvidos diretamente na atividade, a pressão é muito maior e o que importa mesmo são os milhares de dólares
que custam a hora parada de um equipamento.
Por fim, contou da raiva que todos têm
das investigações e análises de acidentes e rapidamente relatou um caso de
acidente que resultou na perda do braço de um colega lembrando que, embora
existisse uma série de relatórios informando que havia problemas naquele
equipamento, os auditores externos que
fizeram a investigação simplesmente
desconheceram todos os documentos e
atribuíram a culpa ao acidentado.
PARTICIP
AÇÃO
ARTICIPAÇÃO
Três conversas, três situações que dizem respeito a nossa área. Todas elas
negativas, todas elas demonstrando o
quanto a Segurança e a Saúde no Trabalho estão distantes do que de fato interessa.
Isso sem falar na reação de outras pessoas quando falamos no assunto, manifestando de forma distorcida como imaginam que seja a prevenção.
Precisamos pensar e trazer esse assunto para dentro de nossos eventos e
nossas ações de formação.
No momento em que escrevo, olho pela janela e lá do outro lado da rua há
uma senhora limpando as janelas de um
hotel sem qualquer tipo de proteção.
Até onde e quando vai isso?
Até onde e quando nossa área vai seguir sem voz e participação na sociedade?
FEVEREIRO / 2011
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