Jornal da Universidade Federal de Ouro Preto
Edição 198 - novembro e dezembroo de 2014
Consciência negra
Páginas 4 e 5
Foto: Elias Figueiredo
O negro na Universidade! Conheça as políticas de cotas e discussões
sobre a importância do combate ao preconceito racial
Um espaço para escritores refugiados
e pesquisadores visitantes
Prevenção: a luta contra a Aids continua
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Pesquisa: ferramenta identifica spams em
aplicativos
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Bicentenário de Aleijadinho: mito ou verdade?
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Entrevista:
Riscos oriundos de resíduos da
pedra-sabão
Kassandra Muniz:
O negro na sociedade atual
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EDITORIAL
45 anos e muitos
avanços para
comemorarmos
Em 2014, a UFOP celebrou seus 45 anos de existência enquanto Universidade e temos realmente muito a
comemorar. Com os cursos tradicionais das Escolas de
Farmácia e de Minas, fomos determinantes para o desenvolvimento de nosso País, sobretudo nas áreas farmacêutica e minero-metalúrgica. Várias das principais
lideranças brasileiras nessas áreas passaram por nossos
bancos escolares.
Passamos à condição de Universidade ao aglutinarmos, em 1969, a Escola de Farmácia, com seu curso de
Farmácia, a Escola de Minas, com seus quatro cursos
(Engenharia Civil, Engenharia Geológica, Engenharia
de Minas e Engenharia Metalúrgica), e o Instituto de
Ciências Humanas e Sociais, com os cursos de História
e Letras. Eram sete cursos de graduação e nenhum de
pós-graduação. Crescemos muito desde então. Atualmente, são 46 cursos de graduação em todas as áreas do
conhecimento, e 25 cursos de mestrado e 10 de doutorado em quase todas as áreas do conhecimento.
Em relação a 2013, iniciamos cursos de mestrado
em Artes Cênicas, Química e Matemática em rede nacional. Neste ano, submetemos à Capes propostas de
cursos de mestrado em Direito, Comunicação e Engenharia Mecânica, bem como doutorado em Ciência da
Computação e Engenharia Mineral. Tivemos o nosso
primeiro Programa de Pós-graduação com conceito 6
pela Capes, o de Ciências Biológicas, o que significa
desempenho equivalente ao alto padrão internacional.
Fomos pioneiros entre as instituições públicas no
Estado de Minas Gerais no Ensino a Distância. Formamos nessa modalidade até então aproximadamente
7000 alunos. Hoje, somos responsáveis pelo segundo
maior número de matrículas de graduação na educação
a distância. Contribuiu para essa conquista o fato de
termos um conjunto de professores exclusivos para essa
modalidade de ensino.
Encaminhamos, de 2012 até agora, mais de 1000
alunos para intercâmbio acadêmico internacional,
grande parte deles pelo Programa Ciência sem Fronteiras. Temos ampliado consideravelmente o número
de convênios com instituições estrangeiras, em alguns
casos firmando convênios que possibilitam a dupla
diplomação. Passamos a emitir históricos escolares em
inglês e com certificação digital.
Fortalecemos o nosso Núcleo de Inovação Tecnológica e Empreendorismo (Nite), vinculado à Pró-reitoria
de Pesquisa e Pós-graduação, procurando não somente
registrar as ideias, mas também que elas se convertam
em produtos, com a devida transferência de tecnologia
para a indústria. Outra ação importante do Nite foi
promover a cultura empreendedora na nossa instituição, por meio de programas de incentivo à inovação,
de estímulo à propriedade intelectual nas empresas
incubadas e aproximação com o setor produtivo.
Essas são algumas ações que procuram colaborar
para a melhoria da formação de nossos alunos. É preciso estar sempre em sintonia com o mundo para cumprirmos nossa missão institucional, a de formar pessoas
mais qualificadas, que contribuam para o crescimento
científico, econômico e social de nosso País.
Agradecemos a todos os envolvidos nesses avanços:
graduandos, pós-graduandos, docentes e técnico-administrativos. Juntos, conseguiremos evoluir ainda mais.
Marcone Jamilson Freitas Souza
Reitor da UFOP
2
Espaço para liberdade literária
Carol Antunes
Ouro Preto abrigará a primeira Casa Refúgio para
Escritores da América do Sul. Com a carta de intenção assinada na abertura do Fórum das Letras 2014, a
primeira Casa Refúgio para Escritores da América do
Sul terá seu teto em terras mineiras. O espaço tem por
intuito abrigar escritores perseguidos culturamente e já
existe em vários lugares do mundo. Agora será a vez de
Ouro Preto fazer sua parte e devolver a voz aos que não
tiveram suas ideias aceitas.
A Casa Refúgio para Escritores é idealizada pela
International Cities of Refuge Network (Icorn), que
é uma rede de cidades que abrigam os refugiados. No
Brasil, ela tem o apoio da Universidade Federal de Ouro
Preto (UFOP), do Pen Clube, do Instituto Federal de
Minas Gerais (IFMG) e da Casa Brasileira de Refúgio
(Cabra) - fundada pela represente na Icorn no Brasil,
Sylvie Debs. Carlos Magno de Souza Paiva, coordenador de Assuntos Internacionais da UFOP e responsável
pela produção da carta de intenção, ressalta que “em
um momento em que jornalistas estão sendo ameaçados e degolados em partes do mundo, é importante que
a Universidade ajude na inclusão desses escritores”.
Com o projeto ainda em andamento, a UFOP se
comprometeu a ceder moradia e alimentação para os
escritores. Inicialmente, a Instituição se dispôs a abrigar
um escritor - que será sugerido pela Icorn - por quatro
meses em uma casa funcional da UFOP, localizada na
rua das Flores. A casa Pesquisador da UFOP foi reformada a fim de hospedar pesquisadores visitantes, e uma
de suas vagas será destinada a um escritor perseguido.
Além disso, a Universidade apoiará o autor em
atividades acadêmicas, minicursos e eventos, a fim de
que ele tenha espaço para expressar suas ideias. Um
nome cogitado para vir para a cidade barroca é Koulsy
Lamko, do Chade, na África, que vive em uma casa
refúgio no México.
Uma iniciativa que garantirá a liberdade de expressão
àqueles que se veem perseguidos por regimes políticos.
Para Guiomar de Grammont, coordenadora do Fórum
das Letras, a escolha de Ouro Preto para abrigar a residência significa a consagração da cidade no âmbito
da literatura, como um grande símbolo da liberdade de
expressão, uma tradição que vem desde a Inconfidência
Mineira. “É uma emoção enorme conseguir uma disposição como essa, de acolher escritores que foram obrigados
a deixar seus países por terem ideias contrárias aos regimes totalitários. Escritores, cuja única arma é a palavra,
que foram obrigados a se silenciar por causa do autoritarismo. Isso a gente não pode permitir no mundo”.
Coluna do Museu
Pirita (FeS2)
Entre as coleções do Museu de Ciência e Técnica
da Escola de Minas da UFOP, destaca-se a de minerais com mais de 20 mil amostras. O mineral pirita
(Classe dos Sulfetos), devido ao seu brilho metálico
e à cor amarelo-dourada, é conhecido como “ouro
dos tolos”, pois muitos exploradores desavisados ao
encontrar esse mineral supunham ser ouro.
Um dos principais empregos da pirita é a fabricação do ácido sulfúrico, utilizado no refino de petróleo, em fertilizantes, tintas e explosivos. De forma
geral, a pirita pode ser transformada também, a
partir de processos hidrometalúrgicos e pirometalúrgicos, em produtos comerciais como sais de sulfato
férrico. Excepcionalmente, o ferro da pirita pode ser
usado na fabricação de aço.
Os setores de Mineralogia, História Natural,
Mineração, Metalurgia, Química e Física/Ciência
Interativa do Museu estão abertos à visitação pública de terça a domingo, das 12h às 17h. O Observatório Astronômico funciona aos sábados, das 20h
às 22h. O Setor de Transporte Ferroviário recebe
visitação de terça a domingo, das 9h às 17h, na Estação Ferroviária de Ouro Preto do Projeto Trem da
Vale. Já o Setor de Siderurgia, localizado no Parque
Foto: Leo Homssi
Metalúrgico Augusto Barbosa - Centro de Artes e
Convenções da UFOP, atende ao público mediante
agendamento.
Escolas e grupos podem agendar visitas pelos
contatos: (31) 3559-3118 e [email protected].
Confira também o site:
www.museu.em.ufop.br
PUBLICAÇÃO OFICIAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
Reitor: Prof. Dr. Marcone Jamilson Freitas Souza
Coluna do Museu: Prof. Gilson Nunes
Vice-reitora: Profª Drª Célia Maria Fernandes Nunes
Coordenador de Comunicação Institucional: Chico Daher
Núcleo Administrativo: Pedro Alexandre de Paula, Marco
Antônio do Nascimento, Jeiniele Souza
Coordenadora da Assessoria de Comunicação Institucional:Verônica Soares
Revisão: Lucimar Mandes (Estagiária)
Tiragem: 600 unidades
ACI: Adriana Moreira, Filipe Barboza, Rondon Marques
Impressão: MJR Editora Gráfica
Edição: Ana Paula Martins (MTb 12533)
Bolsista Assistente do Jornal: Carol Antunes
Coordenadoria de Comunicação Institucional (CCI)
Projeto Gráfico: Mateus Marques
Campus Morro do Cruzeiro, Ouro Preto – MG – CEP 35400-000
Diagramação: Flávia Gobato, Ralf Soares e Mateus Marques
Tel: (31) 3559-1222/1223
Redação: Adilson Pereira dos Santos, ‘Adriana Moreira, Carol
Antunes, Júlia Pinheiro, Fernanda Mafia e Tamara Pinho,
E-mail: [email protected]
Colaboração: Aldo Damasceno, Ana Amélia Maciel, Ana Carolina
Vieira, Ana Elisa Siqueira, Daniella Andrade, Daiane Bento, Gabriela
Ramos, Luísa Campos, Ticiane Alves, Túlio dos Anjos
Site: www.ufop.br
Edição 198 - novembro e dezembro de 2014
Aids:
a prevenção ainda é
o melhor combate
“Todo mundo acha que não vai acontecer com a gente, mas quem tem
vida sexual ativa está exposto ao risco”
Carol Antunes
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, a Aids, ainda é uma doença sem
cura. Apesar dos tratamentos que podem
proporcionar aos infectados pelo vírus
HIV boa qualidade de vida, a prevenção
é fundamental. As famosas frases “comigo
não vai acontecer” e “uma vez só não tem
problema” são as maiores desculpas para
não se usar o preservativo, o que dificulta
o combate à doença. Segundo recente
pesquisa do Programa das Nações Unidas
para HIV e Aids (Unaids), o número de
infecções com o vírus HIV aumentou
11% no Brasil entre 2005 e 2013, ao
contrário de outros países do mundo que
apresentaram queda nesse período.
Em Ouro Preto e Mariana, a médica
infectologista e coordenadora do Ambulatório-escola da UFOP, Carolina Ali, informa que não possui os dados de quantas
pessoas têm o vírus, já que as duas cidades
abrigam uma população muito flutuante.
O número de estudantes naturais de outras localidades contribui para que não se
saiba o número exato.
Fique Sabendo
Para ajudar a diminuir essas porcentagens da pesquisa feita pela
Unaids, Carolina Ali acredita na importância de campanhas para facilitar o acesso da população a exames e
prevenção. Em agosto
de 2013, por
exemplo, foram feitas orientações, testes
e aconselhamentos com a campanha Fique Sabendo – uma ação do governo que
incentiva a realização de testes de Aids e,
por meio de propagandas, procura conscientizar a população sobre a importância
do sexo seguro. Com a disponibilização
de materiais do Ministério da Saúde, os
testes foram realizados de forma rápida,
com apenas uma picada no dedo e o resultado em 20 minutos.
A docente e sua equipe estão empenhadas para que essa campanha volte
a acontecer na Universidade, agora de
forma permanente. “A ideia é montar
aqui um serviço de referência, por meio
de uma parceria da UFOP com o município. Estamos tentando viabilizar um
serviço de atenção especializada, com o
Centro de Testagem e Aconselhamento,
onde toda pessoa que procurar poderá ser
testada”, explica a médica.
Hoje, o Ambulatório-escola da UFOP
ainda não oferece à população o teste rápido, apenas encaminha para a Unidade
de Pronto Atendimento ou à Escola de
Farmácia para realizar os exames de sangue. Carolina acredita que esse tipo de
exame não deve demandar um agendamento prévio, mas sim um tratamento de
urgência. “O programa de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids do Ministério da Saúde já é bom e reconhecido no
mundo inteiro, então acho que é preciso
apenas criar centros novos, facilitando
cada vez mais os testes para a população”.
Prevenção precoce
Para a médica, outro método que
poderia ajudar é uma abordagem mais
multidisciplinar, com interação entre
médicos de qualquer área e outros profissionais da saúde; a ideia é abordar o tema
em todos os ambientes. “Todo mundo
acha que não vai acontecer com a gente, mas quem tem vida sexual ativa está
exposto ao risco. Eu acho que é fazer com
que outros profissionais da área médica
incentivem o teste. Ainda existe aquela
visão de que falar na escola sobre o HIV
estaria incentivando os alunos a terem relações sexuais. Temos que
acabar com esse tabu. Nós
sabemos, por índices
informais, que o
Edição 198 - novembro e dezembro de 2014
início da atividade sexual é em torno de
13 anos; a gente choca, mas aos 13 anos
as pessoas nem sempre têm a informação
que necessitam. E somos nós que devemos informá-los”, afirma.
O exame deve ser feito sempre que a
pessoa tenha estado em situação de risco,
como sexo desprotegido, compartilhamento de agulhas e seringas contaminadas, transfusão de sangue e mães portadoras do vírus que podem transmiti-lo
para o filho durante a gestação. Depois
é avaliado o risco, e, se for alto risco, é
indicado o antirretroviral, fármaco usado
para o tratamento de infecções por retrovírus, principalmente o HIV, que ajuda a
impedir a contaminação pelo vírus.
É a chamada prevenção pós-exposição, mas não deve ser usada como substituto dos preservativos, no caso do sexo
desprotegido. A pessoa tem até 72 horas
para começar a tomar a medicação, mas
preferencialmente deve acontecer nas
primeiras duas horas. Por último, são
pedidos os exames novamente após um
mês, três e seis meses, respectivamente. A
repetição é necessária pelo risco da janela
imunológica, quando a pessoa pode ter
contraído o vírus e o exame ainda não der
positivo. Já com seis meses, o exame tem
quase 100% de resultado correto.
“A gente reforça sempre a questão
do sigilo nesses exames. Todos que lidam
com pacientes que têm HIV são orientados a não divulgar de forma alguma, nem
para família, nem para namorado, nem
para amigos”, garante. Carolina explica
também que, toda vez que é feito o teste,
a pessoa passa por um aconselhamento,
tanto prévio quanto no pós-teste. No préteste, é falado sobre a questão do sigilo,
os procedimentos no caso de positivo,
as chances de dar falso positivo ou falso
negativo. Depois do teste, o paciente é
orientado, no caso positivo, sobre o que
fazer, onde procurar o tratamento, as
opções; no resultado negativo, o mote é
sempre a prevenção.
Quebrando preconceitos
No dia 1° de dezembro comemora-se
o Dia Mundial da Luta contra a Aids, e
as campanhas de conscientização têm um
papel fundamental na luta contra o HIV
também na redução do preconceito. “O
foco é mostrar que qualquer pessoa pode
correr o risco de infecção se tiver uma
relação insegura, é tentar diminuir o estigma. Se eu tenho o vírus, não quer dizer
que sou uma pessoa promíscua, mas que
eu vacilei em algum momento e isso não
“As infecções
com o vírus
HIV tiveram um
aumento de 11%
no Brasil entre
2005 e 2013”
me difere dos demais universitários e do
restante da população. Devemos lembrar
que a pessoa que vive com o HIV não tem
cara de doente, são indivíduos saudáveis,
e todos que têm vida sexual precisam se
prevenir mesmo”, alerta a médica.
É importante ressaltar que o HIV não
é transmitido pelo beijo, toque, abraço,
aperto de mão, divisão de toalhas, talheres, pratos, suor ou lágrimas. A forma
mais comum de transmissão é por meio
da relação sexual, sem preservativo
com alguém infectado. O vírus só pode
entrar no organismo via vagina, pênis,
ânus ou boca durante o ato sexual, além
do contato do organismo com sangue
contaminado.
Projeto de
extensão
O Projeto de Extensão Ambulatório de Doenças Infecciosas e
Parasitárias, coordenado por Sônia
Figueiredo, professora da Escola de
Nutrição da UFOP, trata os pacientes com Aids nas áreas de Farmácia,
Psiquiatria, Ginecologia, Psicologia
e Nutrição. Participam da iniciativa
37 pacientes, que são encaminhados para cada especialidade de
acordo com a demanda, e cada uma
tem um professor especialista junto
a alguns alunos.
Sônia conta que o objetivo do
projeto é criar uma forma de assistir
melhor os portadores das doenças
infectoparasitárias na região de
Ouro Preto, em especial o HIV.
“Temos um banco de dados com
todas as informações dos pacientes,
que é alimentado pelos estudantes.
Trabalhamos em conjunto e temos
reuniões mensais para discutir os
casos e artigos relevantes e mais
recentes”, completa.
3
Igualdade de Oportunidades
Políticas afirmativas buscam a igualdade de oportunidades para os negros no ensino superior.
Carol Antunes
A luta pela igualdade racial no Brasil tem no dia 20
de novembro um marco para as discussões de temas relacionados à inserção do negro na sociedade. Uma das
medidas de maior impacto nesse processo, implantada há
pouco mais de dois anos, são as cotas raciais e sociais. A
chamada Lei de Cotas, sancionada em agosto de 2012,
ainda gera discussões a respeito de sua validade e importância no contexto da atual sociedade brasileira. Há
quem defenda e entenda o processo como um importante
passo de remissão após os longos anos da escravidão no
Brasil, mas a opinião não é unânime.
Segundo o Censo da Educação Superior de 2012, do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep), o Brasil tem 103 universidades e
institutos federais. Dentre essas instituições, 59 universidades federais e 38 institutos federais garantem e reservam 50% de suas vagas para alunos egressos de escolas
públicas, negros, indígenas e portadores de deficiências.
Dados de 2014 retratam que, em média, 20% das
vagas ofertadas a estudantes das universidades federais
são para pretos, pardos e indígenas, que compõem um
complexo sistema de políticas voltadas para a inclusão
e para a igualdade de oportunidades. Para Felipe Freitas,
coordenador do Plano Juventude Viva da Secretaria de
Políticas de Promoção de Igualdade Racial (Seppir), essa
é “uma importante conquista de garantia de direitos e de
igualdade de oportunidades”. Ele avalia que os sistemas
de cotas já são vitoriosos e positivos para a afirmação
da cidadania e da inclusão de pessoas negras. “No caso
específico das universidades e institutos federais, os dados comprovam o êxito da política, que certamente tem
contribuído para a entrada de pessoas negras em áreas
do conhecimento nas quais a sua presença era bastante
limitada antes da adoção das cotas”, explica.
Taís do Rosário Aguilar faz Economia na UFOP e
ingressou na Universidade por meio da cota para negros.
“O passado foi extremamente injusto conosco [negros].
É necessário sim dar um suporte maior para nós, e a lei de
cotas existe para diminuir essa disparidade”, defende. Ela
ressalta, ainda, que há uma porcentagem muito pequena
de negros que frequentam universidades, e os negros são
a grande parcela que estão à margem da sociedade e não
possuem condições financeiras para custear um estudo
particular de qualidade.
“É necessário que todos entendam: não podemos
tratar desiguais como iguais. A busca por correções
históricas no País não pode ser vista como maneira de
reafirmação do preconceito e sim como uma forma de
diminuí-lo. Somente colocando brancos e negros em par
de igualdade que poderemos exterminar o preconceito.
Enquanto o branco for o patrão, e o negro, o servo, o preconceito existirá. Portanto, é fundamental que haja planos para construção de uma sociedade mais justa entre
negros e brancos, e essa edificação só pode ser iniciada
por meio da educação”, acredita a estudante.
59 universidades federais reservam 50% das
vagas para egressos de escolas públicas,
negros, indígenas e portadores de deficiência
Núcleo de Estudos espaço de
Afro-brasileiros: reflexão
Tamara Pinho
Desde 2008, o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da
UFOP (Neab) promove atividades de ensino, pesquisa
e extensão relacionadas à História Africana, à Cultura
Afro-Brasileira e às ações afirmativas voltadas para a
população afro-descendente. Sob a coordenação da professora do Departamento de Letras, Kassandra Muniz, o
Neab funciona no Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) e conta com a participação de professores e
alunos de diversos cursos.
Trata-se de um núcleo existente em diversas Universidades e, segundo Aline Ruiz, colaboradora da iniciativa,
a proposta de criação do Neab-UFOP veio em consonância com o surgimento dos consórcios de Neab no Brasil.
“Os consórcios Neab surgiram com o objetivo de implementação de políticas de ação afirmativa e antirracista
dentro das universidades brasileiras. A discussão sobre
4
um Neab na UFOP começou ainda em 2006, mas só mais
tarde as atividades foram iniciadas”.
Kassandra Muniz conta que pela atuação do Núcleo
os alunos acabam a procurando relatando situações que
os deixam desconfortáveis, relacionadas a casos de racismo, por exemplo. “Não é um caso isolado da UFOP,
mas isso revela que a universidade sempre foi pensada
para um público muito específico de pessoas. A partir do
momento que ela vai se democratizando por conta da inclusão da escola pública e também racial, os incômodos,
as perguntas, os embates vão sendo mais frequentes, e eu
acho que eles precisam ser mesmo. E o Núcleo é importante nessa discussão”, conta a coordenadora.
Para conhecer mais sobre o Neab-UFOP e as atividades desenvolvidas no núcleo, confira o site www.
neab.ufop.br.
Edição 198
Negros no ensino superior
Por Adilson Pereira dos Santos*
Foto: Nathalia Viegas
O ensino superior brasileiro é marcadamente elitista.
Ao longo de sua existência observamos que a presença
de determinados segmentos ainda é residual. Nesse contexto, é profundamente crítica a posição dos negros.
* Doutorando em Educação (UFMG); Mestre em Educação, Cultura e
Comunicação (UERJ), Adilson é pedagogo da Pró-Reitoria de Graduação
da UFOP e participou do processo de implantação das ações afirmativas na
Universidade.
Foto: Ana Carolina Vieiro
Esse caráter elitista do ensino superior vem sendo
alvo de críticas e é motivador de mobilizações na perspectiva da sua efetiva democratização. Intelectuais,
organizações da sociedade civil e sujeitos em particular
vêm questionando o fato de somente alguns indivíduos
serem incluídos. No limiar do século XXI, tais mobilizações resultaram na concretização de algumas políticas públicas que coincidem com um momento em que
organismos internacionais, como a Unesco, indicavam
a necessidade de ampliação da cobertura educacional
no ensino superior, sinalizando para a maior equidade.
No Brasil, o Plano Nacional de Educação (PNE - 20142024), estabeleceu a meta de 33% de matrículas de pessoas de 18 a 24 anos.
No que se refere ao acesso de negros no ensino superior, no ano 2000, Decelene Queiroz, da Universidade
Federal da Bahia (UFBA), identificou que o segmento
se encontrava sub-representado em algumas Instituições
de Ensino Superior (IES) públicas. Esse trabalho foi emblemático e junto às orientações do Programa de Ação
emanadas da Conferência de Durban, de 2001, contribuiu para subsidiar a defesa pela adoção de políticas de
ações afirmativas, na forma de cotas para negros, nas
universidades públicas.
Num curto espaço de tempo, várias iniciativas foram
desenvolvidas nesse sentido, até que, em agosto de 2012,
se deu a aprovação da lei nº 12.711 (Lei das Cotas), que
estabeleceu as cotas sociais e raciais nas instituições de
ensino superior, vinculadas ao Ministério da Educação.
Antes dessa lei, as ações afirmativas eram uma realidade no ensino superior. Governos estaduais, IES,
isoladamente, e o próprio governo federal, por meio do
Programa Universidade Para Todos (Prouni), já procediam nesse sentido. Sendo assim, podemos afirmar que
o cenário apontado pelo Censo Étnico-racial da UFBA
vem passando por mudanças.
Observamos que a composição étnico-racial do ensino superior brasileiro está sendo alterada. Os autores
Calmon e Lázaro (2013) mostraram que, em 1997, os
negros representavam 4% das pessoas de 18 a 24 anos
que frequentavam ou já haviam concluído a graduação,
índice que saltou para 19,8% em 2011. Considerando
que a Lei das Cotas contempla a reserva de vagas para
egressos de escolas públicas, pessoas de baixa renda, pretos, pardos e indígenas, em toda a rede federal de ensino
superior e de ensino técnico de nível médio, a expectativa é que se amplie ainda mais o acesso às universidades
e aos institutos federais de ensino por tais segmentos.
Nossa avaliação em relação ao cenário atual é positiva, a universidade pública elitista está se tornando, aos
poucos, mais parecida com o Brasil.
PEC-G Da África para o Brasil
Júlia Pinheiro
O Programa de Estudantes Convênio
de Graduação conhecido como PEC-G é
uma iniciativa voltada para estrangeiros
interessados em realizar estudos universitários no Brasil. A proposta é graduar
cidadãos, preferencialmente entre 18 e 25
anos, de países em desenvolvimento com
os quais o Brasil mantém acordos culturais
e educacionais. Desde a década de 1970, a
UFOP diplomou 107 alunos por meio do
PEC-G. O programa não é exclusivo para
negros, mas recebe um grande número de
estudantes africanos. Hoje, a Universidade
tem estudantes oriundos de países como
Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde, matriculados em cursos de graduação e vinculados ao PEC-G.
Segundo o Núcleo de Apoio Pedagógico (NAP), o PEC-G se configura como
uma atividade de cooperação que busca
novembro e dezembro de 2014
contribuir para a formação de lideranças
e de profissionais. A presença do programa na UFOP, além de proporcionar o
intercâmbio de conhecimento entre os
alunos, auxilia na internacionalização
da Instituição.
O PEC-G é desenvolvido
pelos
Ministérios da
Educação
e
das Relações
Exteriores, em
parceria
com
universidades públicas e particulares.
Informações sobre a atuação do Programa de EstudantesConvênio na UFOP podem ser
obtidas na página da Pró-reitoria de
Graduação (www.prograd.ufop.br).
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Os perigos da poeira da
produção de pedra-sabão
Pesquisa da Escola de Medicina da UFOP atua na prevenção, examina e trata pacientes
com pneumoconiose
Carol Antunes
Poucos sabem, mas a poeira de pedrasabão pode ser muito perigosa para os
artesãos. Pensando nisso, a professora
da Escola de Medicina da UFOP Olívia
Maria de Paula Alves Bezerra desenvolveu uma pesquisa intitulada “Avaliação
da pneumoconiose por exposição ao
talco em trabalhadores da pedra-sabão”,
uma doença respiratória causada pela
inalação de poeira, mais especificamente denominada de talcose. O objetivo
é acompanhar, examinar, promover a
conscientização e, se necessário, tratar a
doença da população exposta ao risco. “A
ideia é não afastar o artesão do trabalho,
mas afastá-lo da poeira, que pode ser
minimizada ou eliminada do processo de
trabalho”, explica.
A pesquisa surgiu quando, em 1980,
Olívia trabalhava no Senso Demográfico
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e, ao ver a situação de
artesãos expostos à ameaça da doença,
se incomodou muito com aquele quadro.
Pensando nisso, decidiu trabalhar com
o tema em seu doutorado “para tentar
ajudar, de alguma forma, essas pessoas a
se protegerem e a cuidar daquelas que já
apresentam a doença”.
No processo de construção de sua tese,
que começou em 2000 e foi defendida em
2002, a docente fez contato com profissionais que já conheciam a doença, e, a
partir disso, formou uma equipe interdisciplinar para que sua pesquisa fosse além
do doutorado. A pesquisa foi incluída em
um projeto de seguimento longitudinal
dos pacientes junto a outros pesquisadores da UFOP, da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), do Fundacentro
e, recentemente, da Université Lille
Nord de France (Universidade de Lille,
França). A pesquisa já dura 14 anos e tem
como sua área de intervenção as comunidades de Cachoeira do Brumado (distrito
de Mariana) Santa Rita de Ouro Preto e
Cachoeira do Campo (distritos ouro-pretanos) e Mata dos Palmitos (subdistrito
“Pneumoconiose
de uma doença
respiratória
causada pela
inalação de
poeira”
6
Foto: Carol Antunes
de Ouro Preto). “No momento, estamos
trabalhando com essas populações, mas a
gente vai aos poucos expandindo a abrangência”, conta a pesquisadora.
Segurança e saúde do trabalhador
Desde 2000, acompanhando esse
grupo de pessoas, Olívia explica que os
exames são realizados anualmente ou a
cada dois anos, dependendo da situação
do paciente. Nesse exame, são feitos radiografia de tórax, espirometria (exame
do pulmão), o exame clínico e alguns dos
pacientes fazem o acompanhamento no
Centro de Referência e Saúde do Trabalhador, serviço especializado na saúde do
trabalhador da UFMG. “É uma população
que vem sendo acompanhada do ponto
de vista do atendimento clínico porque
eles têm um histórico de exposição à poeira da pedra-sabão. Nossa preocupação
também é com aqueles que estão expostos e ainda não desenvolveram a doença,
para que possam ficar protegidos. É uma
prevenção que está sendo trabalhada de
uma forma muito intensa”, comenta.
A professora descreve, também, que
já foram feitas várias atividades de intervenção com a população em escolas das
comunidades atendidas, explicando os
riscos da exposição e como minimizar o
problema. Algumas recomendações para
diminuir a poeira residual são que os artesãos trabalhem sempre com a matériaprima úmida, evitando manejar a pedra
seca. Segundo ela, alguns trabalhadores
até usam equipamentos de proteção individual, mas não são todos que utilizam
e nem todos esses instrumentos são eficazes. Às vezes são equipamentos velhos
e não têm a capacidade funcional ideal.
“Muitos usam equipamentos improvisados, principalmente em relação à poeira,
costumam amarrar um lenço no rosto,
mas isso não oferece a proteção necessária para o trabalhador”.
Rita Moraes da Silva (62) é artesã há
40 anos em Santa Rita de Ouro Preto e faz
exames preventivos há seis. Tímida, como
a maioria dos artesãos que participam da
pesquisa, ela conta que usa máscara para
se prevenir e que sabe do perigo do seu
trabalho se não tomar cuidado. Rita pretende continuar fazendo os exames e declara que “é muito importante esse exame
e não machuca nada”, ressaltando que os
procedimentos são indolores.
Desdobramentos
Olívia Bezerra explica que, nos resultados de 2002, em uma população de
aproximadamente 180 pessoas, foram
identificados 11 casos suspeitos com
sinais radiológicos iniciais da doença e
cinco comprovados. Ela afirma que, recentemente, foram tomografados alguns
pacientes e 11 desses trabalhadores foram
comprovados com a doença.
Apesar do aumento, com o tempo e as
novas tecnologias, foi ficando mais fácil
tratar e examinar os artesãos. Com isso,
a professora conta que foi incorporada ao
grupo de pesquisa, com o apoio da equipe
da Université Lille Nord de France, uma
tecnologia não disponível no Brasil até
então, que tem uma capacidade maior de
detecção da doença ainda no nível molecular, antes de qualquer sinal ser manifestado, o que possibilita a prevenção em
fases iniciais. Quando são identificadas
alterações nos exames, os trabalhadores
são encaminhados para tratamento na
rede municipal de saúde, por especialistas
que trabalham na pesquisa da UFOP, ou
para o Serviço Especializado de Saúde do
Trabalhador (Sest/UFMG), também sob
os cuidados de sua equipe.
“A ideia não
é afastar o
artesão do
trabalho, mas
afastá-lo da
poeira, que pode
ser minimizada
ou eliminada”
Edição 198 - novembro e dezembro de 2014
200 anos da morte de Aleijadinho
Professora da UFOP pesquisou a veracidade de informações relacionadas
à vida do personagem histórico
Fernanda Mafia
Neste ano, em 18 de novembro,
completam-se 200 anos da morte de
Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho,
cuja história de vida foi difundida com
peculiaridades misteriosas, de sofrimento
e fé. O artista está profundamente ligado
à cultura mineiras.
Professora do Departamento de Filosofia da UFOP, Guiomar de Grammont
dedicou sua tese de doutorado ao personagem e questionou as características
ficcionais da biografia do artista no livro
Aleijadinho e o aeroplano – O paraíso barroco e a construção do herói colonial, da
editora Civilização Brasileira (2008).
O primeiro autor a narrar a vida
de Aleijadinho foi Rodrigo Ferreira
Bretas, em 1856, de acordo com informações da nora do artista. Segundo
Guiomar de Grammont, “essa história
foi contada com aspectos fantasiosos,
muito inspirada na biografia de pintores como Rafael e Michelangelo”.
Porém, baseando-se em uma cuidadosa
pesquisa documental, Guiomar contestou essas informações e outras relacionadas à paternidade de Aleijadinho, a sua
doença degenerativa e até em relação a
algumas obras atribuídas a ele. “A figura
de Aleijadinho foi agigantada e, dessa
forma, outros artistas da época ficaram
no anonimato”, esclarece Guiomar.
A professora também aponta que
existem diferenças acerca das figuras
construídas sobre Aleijadinho, fundamentadas em “necessidades históricas”:
“Bretas falava de um Aleijadinho branco,
filho de pai português. Já o modernismo
salienta as características de um homem
negro, filho de uma escrava”.
Apesar dessas oposições em torno da
memória do artista, para a pesquisadora
Foto: Elias Figueiredo
“não restam dúvidas de que ele produziu
obras incríveis”, como os Passos da Paixão
de Cristo, em Congonhas, e a Igreja de
São Francisco de Assis, em Ouro Preto.
“A figura dele é muito importante para o
Brasil, já que muitos artistas e pesquisadores se interessam pela arte brasileira
a partir das obras desse personagem tão
interessante”, conclui.
Na luta contra os spams
Pesquisa busca facilitar a identificação dos temidos spams, favorecendo
a usabilidade dos aplicativos de localização
Carol Antunes e Fernanda Mafia
Um aplicativo sobrecarregado de spam pode atrapalhar
a experiência do usuário, prejudicar a sua confiança com
o sistema e até influenciar a
migração para outra mídia.
Pensando nisso, a mestre pelo
programa de pós-graduação
em Ciência da Computação
da UFOP Helen da Costa,
desenvolveu a sua dissertação
“Detectando avaliações spams
em uma rede social baseada
em localização”. Trata-se de
um sistema automatizado que
permite detectar publicidade
em avaliações em redes sociais georreferenciadas, como
o Apontador, plataforma para
avaliar positiva ou negativamente locais
como bares, restaurantes e pontos turísticos e deixar sugestões e comentários
sobre o estabelecimento.
Com o objetivo de facilitar a identificação desses spams, a pesquisa determinou três categorias: O “comerciante
local”, que posta avaliações consideradas
propagandas de estabelecimentos ou serviços relacionados com o local em questão; o “boca suja”, que publica avaliações
agressivas sobre o estabelecimento, geralmente com palavras de baixo calão; e
“o poluidor”, que posta avaliações com
conteúdo irrelevante ou não relacionado
com o local, demonstrando ser um usuário inexperiente ou que não entendeu
corretamente o funcionamento e o propósito da rede.
“Toda a pesquisa pode ser facilmente
adaptada para outro sistema social baseado em localização”, esclarece a pesquisadora, que também ressalta as vantagens
oferecidas aos usuários e às empresas.
Para os usuários, o maior benefício é a
eficácia do aplicativo. “Com a eliminação
das avaliações que são spams, o usuário
Edição 198 - novembro e dezembro de 2014
pode focar sua atenção naquilo que vale
realmente a pena ler”, explica Helen. A
empresa se beneficia, pois essa filtragem
era feita manualmente pelos funcionários, já o mecanismo possibilita a detecção automática dos spams.
Fabrício Barth, engenheiro eletrônico,
foi o contato de Helen no site do Apontador. Ele mudou de empresa no decorrer
da pesquisa, mas isso não fez com que
deixasse de usar o aplicativo. Fabrício conta que, com o aplicativo desenvolvido no
mestrado da UFOP, foi possível identificar
melhor o comportamento dos usuários no
site www.apontador.com.br. “Essa
melhor identificação tem inúmeras aplicações, entre elas: aperfeiçoar o processo de moderação
do conteúdo no site. É possível
transformar um processo totalmente manual em um método,
no mínimo, semiautomático - o
que permite ao Apontador reduzir
custos e melhorar a experiência
do usuário. Por meio dele, também foi possível identificar subgrupos de spammers e identificar
usuários que não sabiam utilizar
bem o site e seriam potenciais
clientes para um produto do
site”, explica Barth.
PESQUISA PREMIADA
– Neste ano, o trabalho da
professora Helen ficou classificado entre
as dez melhores dissertações do Brasil
no Concurso de Teses e Dissertação do
Congresso da Sociedade Brasileira de
Computação. A pesquisa foi apresentada
em Brasília, no mês de julho. O trabalho
foi orientado pelos professores Fabrício
Benevenuto e Luiz Merschmann, ambos
da UFOP. Atualmente, Helen é professora no Instituto de Ciências Exatas e
Aplicadas (Icea), da UFOP, campus de
João Monlevade.
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Foto: Túlio dos Anjos
ENTREVISTA
A tal consciência negra
surge com tempo e dor
Kassandra Muniz
Carol Antunes
Com objetos e panfletos que
refletem a negritude e uma foto do
Mandela – líder sul-africano que lutou contra o processo de discriminação do apartheid, na África do Sul –,
Kassandra Muniz tem a sala colada
de orgulho e estampa sua busca pela
consciência negra no Brasil. Possui
graduação em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco, mestrado e doutorado em Linguística
pela Unicamp. Na UFOP, é professora adjunta do Departamento de
Letras, coordenadora do Núcleo de
Estudos Afro-brasileiros (Neab) e do
subprojeto Pibid História, Literatura
e Cultura Africana e Afro-brasileira.
O Dia Nacional do Zumbi e Dia da Consciência Negra são comemorados em 20
de novembro. Qual a importância de celebrar a data?
O Dia da Consciência Negra, como
todas as datas, é uma questão de simbologia, para que possamos nos lembrar da
luta, da superação e das estratégias de
sobrevivência da população negra até
os dias de hoje. Alguns autores diziam
que, até 1970, não haveria mais negros
escuros no Brasil, e você vê que essa população não apenas resistiu, mas está se
reinventando culturalmente, intelectualmente, socialmente. A data tem essa importância não para a gente que é negro,
mas para que um dia o mundo acadêmico
reconheça essa parte da população que
geralmente é muito marginalizada. Além
disso, há uma questão simbólica relevante: a ideia de pensar em um herói negro.
Zumbi é esse símbolo de luta e resistência, mas também simboliza nosso herói
negro brasileiro.
Algumas pessoas não concordam com
essa comemoração, justificando que não
existe um dia, por exemplo, para a consciência branca. Como defender a data?
Esse tipo de afirmação é uma coisa
completamente absurda, do ponto de vista histórico, social e político. As pessoas
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têm que refletir sobre o que as incomodam. A ideia é pensar a partir do pressuposto que temos um conceito chamado
“branquidade” ou “branquitude”, de pessoas que são brancas e, independente se
são pobres ou ricas, têm um conjunto de
benefícios simbólicos e materiais simplesmente por terem nascidas brancas.
Quando a gente discute cota para
pessoas negras, parte-se do princípio de
que elas não estão dentro desse conjunto
de privilégios, pela história e formação
nacional do Brasil. Mesmo com as políticas afirmativas, como o Sisu e o Enem,
que democratizaram mais o espaço da
universidade, ainda tem salas que são
majoritariamente brancas. Se você liga a
TV, vê a mesma coisa.
A ideia de que somos todos iguais não
se aplica às relações sociais que se estabelecem na maioria das cidades brasileiras,
e Ouro Preto e Mariana não escapam.
E a academia, a UFOP especificamente, como qualquer campo universitário
brasileiro, reflete as relações desiguais e
hierárquicas, seja na questão de gêneros,
sexualidade ou racial. Nesse sentido, não
se aplicaria o dia nacional do hétero,
como o dia nacional do branco, porque
são duas identidades que são majoritariamente estabelecidas no Brasil.
Como você avalia a situação do negro na
UFOP, especificamente?
Eu dou aula para os primeiros períodos
e tenho reparado que as salas estão com
pessoas mais diversas, em termos racial e
social. Todavia, é preciso analisar a questão dos estudantes que entram e como se
relacionam com a Universidade de forma
geral. Pela atuação do Núcleo de Estudos
Afro-brasileiros (Neab), que coordeno
há quatro anos, os alunos acabam me
procurando sobre situações que os deixam extremamente desconfortáveis, que
ocorrem em sala de aula, na relação com
outros colegas, e são, na verdade, casos
de racismo. Não é um episódio isolado
da UFOP. A partir do momento que a
Universidade vai se democratizando por
conta da inclusão da escola pública e
também racial, os incômodos, as perguntas, os embates se tornam mais frequentes, e eu acho que eles precisam ser mesmo. Quando explicitado, a possibilidade
de mudança é mais concreta do que de
colocar panos quentes nessas situações
cotidianas.
Você acha que as pessoas hoje em dia se
acham menos preconceituosas do que realmente são?
Ninguém que trabalha com questões
raciais tem a pretensão de tirar de dentro das pessoas o preconceito que elas
podem ter sobre diversas coisas que são
igualmente ruins para a nossa sociedade. Agora, quando ela externa isso e faz
uma discriminação negativa, quando ela
transforma em ação o que está na cabeça
dela, o ódio racial, aí sim devemos tomar
uma atitude, porque foi verbalizado e externalizado. No Brasil, há essa ideia que
a gente vive uma democracia racial, na
qual todos somos iguais. Ele foi construído discursivamente nesse sentido, o país
da cordialidade. Porém, sabemos que no
dia a dia não é isso.
A mídia se apropria disso para lamentar, mas não se questiona como ela acaba
produzindo e ratificando esse tipo de ódio
racial. O jornalismo hoje, no Brasil, precisa ser repensado urgentemente. Quando
a mídia lamenta ele ter sido chamado de
“macaco”, mas veicula matérias colocando pessoas que moram em morros não
como moradores e trabalhadores, mas
como bandido, ela vai contra o que diz.
Ela julga as pessoas toda vez que criminaliza a pobreza, e a pobreza no Brasil tem
cor, que é negra.
No Brasil, foi construído que a gente
tivesse preconceito de ter preconceito.
As pessoas sentem vergonha ou apontam
quando percebem algo assim, mas elas
pouco questionam de fato o que as incomoda. Por que tem que chamar o cabelo
dela de ruim? Ou por que tudo o que é
ruim tem que ser preto? São armadilhas
da linguagem que revelam nossa dificuldade em lidar com o que as pessoas têm,
como escuro, sombrio, feio. E essas questões não se referem apenas a uma cor,
mas de como as pessoas negras são vistas
no Brasil. Quando se vê um casal interracial, as pessoas estranham. Se somos o
país da miscigenação e democracia racial,
qual o problema? Mas há problemas. A
gente só vai dar um passo para promover
a igualdade, quando admitirmos que não
somos iguais e ponto. Somos diferentes.
Ao assumirmos isso, temos duas formas
de encarar: ou tratamos a diferença como
algo que nos constitui e que é positivo; ou
como desigualdade, o que acontece geralmente quando vemos os casos de racismo
pelo País.
A mídia, por mais que aparentemente
se diga muito consternada com esses casos, é um lugar de produção de racismo
e ratificação do mesmo cotidianamente.
Há milhares de Aranhas que não tem reconhecimento no Brasil porque não têm
o dinheiro que ele tem e, quando passa
qualquer outra matéria no jornal, eles são
colocados como marginais. Você percebe
que, no mínimo, há coisas contraditórias.
Você acredita que ainda existem negros
que têm preconceito de si mesmo?
No caso do jogador Aranha, no qual uma
torcedora no estádio o chamou de “macaco”, como você analisa esse fato e como
a imprensa agiu?
Quando se fala de racismo, homofobia, machismo, não discutimos somente
uma questão de não aceitação do que ela
é, mas de relação de poder. Quem tem
poder no Brasil são homens, brancos,
heterossexuais e de classe privilegiada.
Fora isso, é muito complicado falar sobre
racismo reverso ou inverso, de mulher
que é machista, de gay que é homofóbico.
Porque a gente precisa entender as relações de força, quem pode falar e quem é
falado. Não dá para dizer que a mulher
tem o mesmo lugar do homem, nem que
o negro está no mesmo lugar do branco,
nem que o homossexual está no mesmo
lugar do hétero.
Quando pensamos a questão racial
e a mídia, temos alguns desencontros.
Especificamente sobre esse xingamento
“macaco”, há algumas pessoas, na mídia,
que dizem que o mundo está ficando
muito chato, porque não se pode chamar
ninguém de “veado”, de “macaco”, etc. A
pergunta que eu faço é “já pôde um dia?”.
O que existe hoje é que todas as questões
estão sendo muito mais visibilizadas pela
atuação de movimentos sociais. Fico muito feliz com declarações como a do Aranha, totalmente politizada e consciente
de que vive em um Brasil desigual. O
Aranha pegou esse xingamento e o usou
além da dor, que não é uma dor só dele,
mas da população negra que já sofreu
isso também. Esse xingamento não é algo
fortuito ou aleatório, mas tem o teor de
animalização, inferioridade, desprovido
de intelectualidade.
No entanto, toda vez que escuto isso,
eu fico pensando nas centenas de anos
de exploração e marginalização dessa
população. A gente tem uma educação
que é racista, sexista, que separa menina de menino, chama os alunos gays de
problema, vê as crianças não querendo
brincar com boneca negra e não faz nada
com isso. Isso ainda é o cotidiano da
educação no Brasil. Você vai para outros
espaços e pensa “será que essas pessoas
se sentem representadas positivamente
no mundo?”. Se você põe isso em conta
e ainda quer exigir que a figura negra,
marginalizada na maior parte do tempo,
por si só pense “eu tenho orgulho do que
eu sou”. A pessoa sofre uma violência, é
excluída, está sendo lembrada que sempre é inferior. Elas têm um processo de
construção para poder se assumir gay,
lésbica ou negra. Essa consciência negra
vem com bastante tempo e dor.
Edição 198 - novembro e dezembro de 2014
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Jornal da UFOP nº 198