JOANNA D’ARC DE PAULA
AS COTAS RACIAIS PARA O AFRODESCENDENTE
BRASILEIRO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR
UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO (UCDB)
MESTRADO EM PSICOLOGIA
CAMPO GRANDE-MS
2010
JOANNA D’ARC DE PAULA
AS COTAS RACIAIS PARA O AFRODESCENDENTE
BRASILEIRO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado
em Psicologia da Universidade Católica Dom
Bosco, como exigência parcial para obtenção do
título de Mestre em Psicologia, área de
concentração: Psicologia da Saúde, sob a
orientação do Profa. Dra. Heloisa Bruna Grubits
Freire.
UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO (UCDB)
MESTRADO EM PSICOLOGIA
CAMPO GRANDE-MS
2010
Ficha Catalográfica
Paula, Joanna D’Arc de
P324i As cotas raciais para o afrodescendente brasileiro na educação superior /
Joanna D’Arc de Paula; orientação, Heloisa Bruna Grubits. Gonçalves de
Oliveira Freire. 2010
185 f.
Dissertação (mestrado em psicologia) – Universidade Católica Dom
Bosco, Campo Grande, 2010.
1. Negros – Condições sociais 2. Relações sociais 3. Exclusão social
4. Psicologia social I. Freire, Heloisa Bruna Grubits Gonçalves de Oliveira
II. Título
CDD – 305.5
A dissertação apresentada por JOANNA D’ARC DE PAULA, intitulada “AS COTAS
RACIAIS PARA O AFRODESCENDENTE BRASILEIRO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR”,
como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em PSICOLOGIA à Banca
Examinadora da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), foi APROVADA.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________
Profa. Dra. Heloisa Bruna Grubits Freire
(orientadora/UCDB)
____________________________________________
Dra. Liliana Andolpho Magalhães Guimarães (USP)
____________________________________________
Prof. Dr. Fr. Márcio Luis Costa (UCDB)
____________________________________________
Profa. Dra. Lucy Nunes Ratier Martins (UCDB)
Campo Grande, MS, 10 de dezembro de 2010.
Aos meus filhos, noras, netos e, em especial, à
Joanne, que me acompanhou em alguns
trabalhos de campo e soube compreender
minhas inúmeras ausências; à minha mãe, pelo
apoio, e aos meus amigos Alex e Emília, pelo
incentivo.
AGRADECIMENTOS
A Deus, que tem sido zeloso e socorro bem presente em todos os momentos de minha
vida e até aqui tem me capacitado.
À minha família, que me acompanhou nesta caminhada, compreendendo que as
minhas ausências eram necessárias.
Ao meu amado filho Almir de Almeida Júnior, pelo grande apoio no tema pesquisado.
Aos amigos da Universidade do Minho em Braga, Portugal, principalmente ao
Professor Doutor Eugénio Adolfo da Silva e à Professora Doutora Rosa Cabecinhas, pelo
apoio e incentivo.
Aos representantes das instituições que permitiram a realização desta pesquisa,
principalmente ao Dr. Aleixo Paraguassu, pelo Instituto Luther King, e à Diretora Marinete,
pela Escola Estadual Antonio Delfino Pereira.
À querida amiga e mestre Professora Jacy Corrêa Curado, militante na incessante luta
pela transformação das desigualdades de gênero.
À minha orientadora, Professora Doutora Heloisa Bruna Grubits Freire, pelo empenho,
esforço, confiança, apoio e estímulo, sem os quais não teria concluído este trabalho.
Ao Doutor João Antonio Freire, pelo gesto de carinho e atenção que o faz uma pessoa
muito especial na forma de ser e como são bem-vindas as suas ações
Aos mestres (in memoriam) Professores Maria Solange Felix Pereira, Regina Stela
Andreoli de Almeida e Doutor Reinier Johannes Antonius Rozestraten, que me incentivaram a
não desistir e continuar na caminhada acadêmica.
A todos os afrodescendentes brasileiros e militantes do Movimento Negro e a outros
que lutam pela igualdade racial no Brasil e no mundo.
Se teus projetos são para um ano, semeia o grão.
Se forem para dez anos, planta uma árvore.
Se forem para cem anos, instrua o povo.
Semeando uma vez o grão, colherás uma vez.
Plantando uma árvore, colherás cem vezes.
Se deres um peixe a um homem, ele comerá uma vez;
Se, porém, o ensinares a pescar - ele comerá a vida inteira.
Kuan-Tzu, poeta chinês (séc. VII a.C.)
RESUMO
A cota racial na educação superior no Brasil é uma política de ação afirmativa que visa a
reverter o quadro de desigualdade educacional da população afro-brasileira em relação à
população branca. No Brasil, o tema divide as opiniões, e há muitas controvérsias, mesmo se
tratando de uma medida para superar as desigualdades socioeconômicas existentes no país.
Este estudo tem por objetivo identificar, entender o posicionamento, conhecimento,
experiência e a percepção de alunos afro-brasileiros que estão na etapa de término do ensino
médio ou em curso preparatório pré-vestibular, diante das políticas de cotas raciais para cursar
a graduação superior. Trata-se de uma pesquisa qualitativa exploratória, que utilizou a
entrevista estruturada para coleta dos dados e análise de conteúdo como ferramenta
metodológica. Participaram deste estudo 26 alunos que se identificaram como afro-brasileiros
e que estão no término do ensino médio ou no curso preparatório pré-vestibular e que
concordaram em participar da pesquisa. A coleta de dados foi realizada no Instituto Luther
King – Ensino, Pesquisa e Ação Afirmativa e na Escola Estadual Antônio Delfino Pereira,
Campo Grande, MS, e ambas as instituições, localizadas em Campo Grande, MS, atendem,
em sua maioria, alunos afro-brasileiros que pretendem ingressar no ensino superior e não
dispõem de poder aquisitivo suficiente. Os resultados deste estudo foram obtidos por meio da
análise de conteúdo que utilizando o roteiro das entrevistas, e elaborados quadros facilitaram
a organização dos códigos de significação usados pelos sujeitos para realização deste trabalho.
Conforme a percepção dos alunos afro-brasileiros, os aspectos favoráveis das cotas raciais na
educação superior são: conhecimento com a finalidade de competitividade; oportunidade para
tentar conseguir o que os pais não tiveram condições de dar, e qualidade de vida, porque
garante o futuro. Já os aspectos desfavoráveis são o receio de serem discriminados, e alguns
dizem que as cotas podem aumentar o racismo. Quanto ao entendimento e posicionamento
sobre as cotas raciais na educação superior, os alunos disseram que as cotas representam:
direito, igualdade e oportunidade. Direito como forma de inclusão; igualdade a todos, sem
distinção nenhuma a acesso a bens fundamentais, como a educação e emprego; e
oportunidade, que facilitará a entrada do afro-brasileiro na universidade e também
proporcionando o acesso ao mercado de trabalho. Diante dos resultados, verificamos que a
cota racial na educação superior no Brasil visa a reverter o quadro de desigualdade
educacional, porém, o que influencia o afro-brasileiro é uma inibição generalizada e arraigada
contra a utilização de um direito e uma oportunidade de igualdade, mesmo quando esta lhe é
concedida.
Palavras-chave: Afro-brasileiro. Desigualdade social. Cotas raciais.
ABSTRACT
In Brazil, racial quotas in higher education constitute an affirmative action policy intended to
reverse the educational inequalities that affect Afro-Brazilians, compared with their white
counterparts. Laden with controversy, the measure has been dividing opinion, even though it
is designed to overcome national socio-economic inequalities. The purpose of this study was
to understand the stance, knowledge, experience, and perception of Afro-Brazilian students
who are in their last year of high school or are taking up university preparatory programs,
with regard to racial quota policies for higher education. Data for this exploratory qualitative
investigation were collected using structured interviews. The methodological tool employed
was content analysis. The study included 26 students in the final year of high school or in
preparatory programs who identified themselves as Afro-Brazilians and agreed to participate.
Data were collected at the Luther King Institute for Teaching, Research, and Affirmative
Action (Instituto Luther King) and the Delfino Antonio Pereira State School. Located in
Campo Grande, the capital city of the state of Mato Grosso do Sul, both institutions
predominantly cater to Afro-Brazilian students whose income is insufficient to ensure
university attendance. Results were obtained through content analysis based on the interview
script, using tables to facilitate organization of the signification codes employed by subjects.
The participants view racial quotas in higher education as promoting the following positive
aspects: acquisition of knowledge, with gains in competitiveness; opportunities to pursue and
achieve what parents were not capable of providing to their children; and quality of life, as
higher education is seen as a guarantee for the future. Unfavorable aspects include fear of
being discriminated against—some participants think racial quotas can fuel racism. With
regard to their understanding of and stance on this policy, participants view racial quotas as
representing rights, equality, and opportunity—rights because quotas foster inclusion; equality
because they promote universal access to essential assets, such as education and employment;
opportunity because they promote the entry of Afro-Brazilians into university, thus
facilitating access to the labor market. Although racial quotas in higher education are intended
to reverse educational inequalities in Brazil, the present results reveal that Afro-Brazilians are
influenced by a widespread, entrenched inhibition to exercise their rights to and opportunities
for equality, even when these are made available to them.
Keywords: Afro-Brazilians. Social inequality. Racial quotas.
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 - Questões e os códigos de significados .............................................................. 94
QUADRO 2 - Subcategorias e significações da CATEGORIA: “Identidade” ........................ 95
QUADRO 3 - Subcategorias e significações da CATEGORIA: “Mercado de
trabalho” ............................................................................................................ 97
QUADRO 4 - Subcategorias e significações da CATEGORIA: “Educação” ......................... 99
QUADRO 5 - Subcategorias e significações da CATEGORIA: “Percepção social” ............ 101
QUADRO 6 - Subcategorias e significações da CATEGORIA: “Entendimento sobre
as cotas raciais” ............................................................................................... 104
QUADRO 7 - Subcategorias e significações da CATEGORIA: “Posicionamento
sobre as cotas raciais” ..................................................................................... 107
QUADRO 8 - Subcategorias e significações da CATEGORIA: “Discriminação”................ 112
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 12
2 A HISTÓRIA DO NEGRO NO BRASIL ........................................................................ 18
2.1 DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL ................................................................ 26
2.1.1 Racismo............................................................................................................. 27
2.1.2 Preconceito racial .............................................................................................. 30
2.1.3 Discriminação racial ......................................................................................... 31
2.2 DESIGUALDADE SOCIAL NO BRASIL ................................................................ 34
2.2.1 Educação ........................................................................................................... 37
2.2.2 Saúde ................................................................................................................. 38
2.2.3 Trabalho ............................................................................................................ 39
2.2.4 Habitação .......................................................................................................... 42
3 EDUCAÇÃO NO BRASIL E POLÍTICAS DE COTAS RACIAIS.............................. 44
3.1 AÇÕES AFIRMATIVAS ........................................................................................... 55
3.2 POLÍTICA DE COTAS RACIAIS NA EDUCAÇÃO ............................................... 58
3.3 PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA E O AFRO-BRASILEIRO .................... 66
4 OBJETIVOS....................................................................................................................... 73
5 MÉTODO ........................................................................................................................... 75
5.1 METODOLOGIA ....................................................................................................... 76
5.2 PARTICIPANTES ...................................................................................................... 80
5.3 CRITÉRIOS DE PARTICIPAÇÃO ............................................................................ 81
5.4 LOCAL DA PESQUISA ............................................................................................. 81
5.4.1 Instituto Luther King – Ensino, Pesquisa e Ação Afirmativa ........................... 81
5.4.2 Escola Estadual Antônio Delfino Pereira ......................................................... 83
5.5 INSTRUMENTOS
PARA
COLETA
DE
DADOS,
RECURSOS
HUMANOS E MATERIAIS ...................................................................................... 84
5.6 PROCEDIMENTOS E ASPECTOS ÉTICOS ............................................................ 84
5.7 ANÁLISES DOS DADOS .......................................................................................... 85
6 RESULTADOS E DISCUSSÃO ....................................................................................... 88
7 CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................ 116
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 121
APÊNDICES ......................................................................................................................... 137
ANEXO .................................................................................................................................. 181
12
1 INTRODUÇÃO
13
Ao falar sobre o afro-brasileiro, é necessário discorrer sobre raça, já que no Brasil a
“raça” de um indivíduo é baseada mais na aparência do que em outros critérios subjetivos,
gerando equívocos e desigualdade raciais e sociais. O termo “raça”, no dicionário Larousse
(1992, p. 936), para o contexto desta pesquisa, significa: “sucessão de ascendentes e
descendentes de uma família, um povo; geração”. Já no dicionário Houaiss (2004, p. 620),
“raça” significa: “classificação de grupos humanos por seus traços físicos hereditários (cor de
pele, tipo de cabelo, etc.) e coletividade de indivíduos unidos por semelhanças
socioculturais”.
A noção de “afrodescendente” é o que qualifica as pessoas que vieram do continente
africano e passaram pelo processo de hibridação e de mestiçagem (PINTO, 1987). Já o termo
“afro-brasileiro” consta no dicionário Houaiss (2004, p. 20): “1- Brasileiro descendente de
africanos negros. 2- Relativo a esse descendente. 3- Relativo ao mesmo tempo à África e ao
Brasil. 4- Que é uma mistura das duas culturas.” A classificação no Brasil, da pessoa com pele
bem escura é a pessoa de cor preta e com pele mais clara, ou seja, o mestiço descendente da
raça negra com branco é a pessoa de cor parda (INSTITUTO BRASILEIRO DE
GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 1999).
No Brasil, quando as pessoas se referem a afro-brasileiro e dizem pretos ou pardos,
estão se referindo ao negro e não há diferença, pois preto e pardo são oriundos da raça negra
(GUSMÃO, 2008).
Os dados, referentes às pesquisas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA)1, permitem concluir que o Brasil tem a segunda maior população negra do mundo: 76
milhões de pessoas, depois da Nigéria (HENRIQUES, 2001).
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD)2 de 2006, em pesquisa sobre
as diversas características socioeconômicas da população brasileira, verificou-se que 6,9% da
1
2
Órgão que tem por finalidade realizar pesquisas e estudos sociais e econômicos. É uma fundação pública
federal vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República do Brasil, que fornece
apoio técnico e institucional ao governo na avaliação, formulação e acompanhamento de políticas públicas e
programas de desenvolvimento (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA E APLICADA, 2005).
É uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em uma amostra de domicílios
brasileiros que, por ter propósitos múltiplos, investiga diversas características socioeconômicas da sociedade,
como população, educação, trabalho, rendimento, habitação, previdência social, migração, fecundidade,
nupcialidade, saúde, nutrição e outros, entre outros temas que são incluídos na pesquisa de acordo com as
necessidades de informação para o Brasil (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA E APLICADA, 2005).
14
população brasileira se declaram negras, enquanto 42,6% se declaram como pardos (como os
mulatos e cafuzos – pessoas com ancestralidade mesclada entre africanos, europeus e
indígenas) (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2007). Por
causa do alto grau de miscigenação da população brasileira, há pouca precisão em identificar
quem realmente pode ser chamado de “negro”, prevalecendo o critério da autodeclaração.
O IBGE3, no Censo de 1872, investigou atributos referentes à cor ou raça da
população. Embora o quesito pesquisado fosse “cor”, usava-se o termo “caboclo” como opção
de cor, como branco, preto e pardo, o que vinha a demonstrar certa ambiguidade entre os
conceitos de cor e de raça. Na categoria cabocla estaria incluída, sem distinção de tribo, toda a
população indígena do país. Ainda que a categoria de pardos englobasse nominalmente todos
os mestiços, a ênfase era a da mestiçagem de brancos com negros. Foi somente a partir do
Censo de 1991 que a população indígena passou a ser mais uma vez enumerada
separadamente da parda. Já no Censo 2000, o quesito cor e raça obtiveram vários avanços,
como a autodeclaração, onde o entrevistado escolhe a opção quanto ao quesito cor e raça e
democraticamente abre a possibilidade de optar por não declarar nada (BRASIL, 2005b).
O propósito do Censo Escolar 2005 foi a inclusão do item “raça/cor”. O Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2006) orientou que as fichas
de matrículas das escolas de educação básica tivessem espaços para a indicação autodeclarada
da cor do aluno. O aluno que tivesse 16 anos ou mais declararia sua raça/cor e os mais novos
seriam classificados pelos pais ou responsáveis. Os dados obtidos nesse censo são conquista
histórica dos movimentos sociais e da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade, do Ministério da Educação, porque, a partir dessas informações, os gestores de
educação poderão definir ações e políticas afirmativas e de promoção da igualdade racial na
comunidade escolar, sendo fundamental para nortear políticas federal, estadual e municipal.
Os comportamentos discriminatórios, referentes à raça em geral, são proibidos e uma
contravenção penal, qualificando-os, desde então, como crime, sujeito o seu infrator à pena de
reclusão. Não basta o ato em si, sendo necessária em especial a vontade de discriminar o
3
Órgão vinculado à Secretaria de Planejamento da Presidência da República, é o principal provedor de dados e
informações do país e estudos de natureza estatística, geográfica, cartográfica, demográfica, de recursos
naturais e outros, o que inclui realizar censos e organizar as informações obtidas nesses censos, para suprir as
necessidades dos mais diversos segmentos da sociedade civil, bem como dos órgãos das esferas
governamentais federal, estadual e municipal (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA E APLICADA,
2005).
15
ofendido em decorrência de sua cor, raça, religião. Conforme estabelecido na Constituição
Brasileira de 1988, e previsto na Lei n. 7.716, de 5 de janeiro de 1989, tipifica crime racial em
seu artigo 20, que é um crime, inafiançável e de ação penal pública incondicionada,
independente da vontade da vítima. Apenas será necessário que o ofendido comunique o
crime à autoridade policial ou ao promotor de justiça para que estes tomem providências
legais. Não é necessário contratar advogado, visto que o promotor é que ingressará com a
ação penal (RIO DE JANEIRO, 2009).
A raça negra no Brasil, ou seja, o afro-brasileiro encontra várias barreiras referentes à
integração na sociedade, e que geram a desigualdade racial e social, das quais podem-se citar
alguns fatores, como: infraestrutura urbana, habitação, educação, mercado de trabalho e
saúde, dentre outros. Na educação, de acordo com os indicadores socioeconômicos do país, o
afro-brasileiro tem dificuldades em usufruir da educação superior, porque são oriundos de
escolas públicas, com ensino de má qualidade e sem parâmetro para competitividade e a
maioria não tem condição financeira para se preparar e concorrer às vagas em universidades
públicas.
Com o objetivo de facilitar o acesso à educação superior para o afro-brasileiro, a partir
da promulgação da Constituição Federal de 1988, os órgãos governamentais, com respaldo de
outros segmentos da sociedade, e o Movimento Negro Brasileiro estão discutindo a
regulamentação da lei federal de políticas públicas de cotas raciais na educação, para essa
população. Por essa razão, o tema desta dissertação é as cotas raciais para o afrodescendente
brasileiro na educação superior.
O Brasil atualmente, por meio de movimentos sociais, órgãos governamentais e não
governamentais e outros segmentos da sociedade, com o objetivo de atenuarem as
desigualdades sociais existentes no país, propõe o sistema de cotas raciais na educação, que é
um gênero das ações afirmativas. Essa medida é direcionada a grupos específicos, como o
negro, o indígena e outros, que, em razão de algum processo histórico depreciativo, teriam
dificuldade em obter a educação superior.
A palavra “cota” tem vários sentidos, que dependem do contexto do uso. Alguns dos
significados que constam no dicionário Larousse (1992, p. 285) para “cota ou quota” são
“porção, parte, quinhão”. O sistema de cotas na educação brasileira é uma ação afirmativa,
que visa criar reservas de vagas em instituições públicas ou privadas com o objetivo de
16
acelerar a inclusão social das classes sociais mais desfavorecidas; é uma medida
governamental (SANTOS; ROCHA, 2007).
A partir da percepção de alunos afro-brasileiros que estão na etapa de término do
ensino médio ou em curso preparatório pré-vestibular, esta dissertação objetiva identificar e
entender: o posicionamento, conhecimento e experiência diante das políticas de cotas raciais
para o ingresso na universidade de alunos que se identificaram como afro-brasileiros e
aceitaram participar do estudo. Sendo assim, optamos pela Psicologia Social Comunitária
neste trabalho, porque esta disciplina busca apoiar o entendimento dos atores sociais em seu
contexto, em condições ambientais específicas, atento às suas respectivas psiques ou
individualidades; e seus objetivos se referem à melhoria das relações entre os sujeitos e entre
estes e a natureza e instituições sociais ou o seu empoderamento, pois, segundo Vasconcelos
(1989), essa abordagem é mais voltada para escuta, acompanhamento e pesquisa, literalmente
respeitando a autonomia da comunidade em questão.
O interesse pelo tema “as cotas raciais para o afrodescendente brasileiro na educação
superior” surgiu ao longo da trajetória de vida da própria pesquisadora, em consequência das
inúmeras barreiras encontradas por ser afro-brasileira. Na experiência acadêmica, no Curso de
Psicologia, ao desenvolver oficinas em Psicologia Social sobre a autoestima do aluno negro e
também ao apresentar comunicações em congressos e simpósios internacionais, evidenciou-se
a necessidade de pesquisa sobre ações afirmativas e o sistema de cotas para a população afrobrasileira.
Este trabalho está organizado da seguinte forma: dois capítulos contendo a
fundamentação teórica, que deu suporte à pesquisa; dois que trazem os objetivos da pesquisa e
os caminhos metodológicos; um em que são apresentados os resultados e discussão e,
finalizando, algumas conclusões e considerações finais.
A fundamentação teórica é apresentada, no primeiro capítulo, a vinda do negro ao
Brasil desde a colonização, a origem dele no Brasil, o comércio de escravos, o trabalho
escravo, as condições de vida, o bloqueio comercial dos navios negreiros pela Inglaterra, o
tráfico ilegal de negros, as primeiras leis até a abolição, as condições de vida pós-abolição, a
influência da cultura negra na cultura brasileira, o Movimento Negro do Brasil e as
desigualdades raciais e sociais no Brasil. Dessa forma, tem-se uma breve trajetória pela
história do negro no Brasil, pois o entendimento histórico ajudará a sociedade a entender os
17
fatores culturais e históricos reais e facilitará compreensão e conhecimento da realidade dessa
população, que tanto colaborou na formação do Brasil. Além disso, mostrar o quanto o país
está marcado por preconceitos e diferenças sociais que impulsionam o negro a ser deixado de
fora das oportunidades de trabalho e educação e à mercê da exclusão social.
No segundo capítulo, são apresentadas a educação no Brasil e as políticas de cotas
raciais, que objetivam a acelerar o processo de inclusão da população afro-brasileira, ainda
como fundamentação teórica, apresentamos neste capítulo alguns conceitos e pressupostos da
Psicologia Social Comunitária, pois sua base surge de vários ramos da Psicologia e de outras
ciências sociais. Portanto o campo de ação da Psicologia Social Comunitária, o
comportamento é analisado em todos os contextos do processo de influência social e sendo
assim, esta disciplina tem suporte para apoiar as análises do estudo ora proposto.
18
2 A HISTÓRIA DO NEGRO NO BRASIL
19
A história do negro no Brasil inicia-se no período da escravidão. A palavra
“escravidão” tem como sinônimos “escravismo”, “escravagismo” e “escravatura”; significa “o
estado ou condição de escravo; servidão” (LAROUSSE, 1992, p. 442). Escravidão é o regime
social em que um ser humano tem direitos de propriedade sobre outro, designado por escravo,
sendo tal regime imposto por meio de força (CARDOSO, 1982).
Ao longo da história, vários tipos de escravidão foram praticados no mundo. A forma
mais comum de escravidão foi resultado de guerra entre nações, em que o povo conquistado
era escravizado (TEIXEIRA, F., 2000).
Na África, a escravidão geralmente ocorria a partir de guerras, pagamento de tributo a
um chefe tribal ou alguém capturado por rapto. A escravidão da era moderna está baseada em
um forte preconceito racial, segundo o qual um grupo étnico se considera superior ao outro,
mas já na Antiguidade as diferenças raciais eram bastante exaltadas entre os povos
escravizadores, principalmente quando havia fortes disparidades fenotípicas. Como modo de
produção, a escravidão assenta-se na exploração do trabalho forçado da mão de obra escrava.
Os senhores alimentavam os seus escravos e apropriavam-se do produto restante do trabalho
destes (FUNARI, 1995).
Antes da colonização do Brasil não havia escravidão no país. No início, os colonos
começaram a escravizar os índios, porém estes se recusavam a trabalhar, pois eram muito
maltratados, além de serem contaminados com doenças dos novos habitantes, havendo muitas
mortes. Os padres jesuítas foram por muitas vezes os educadores, tiveram papel de
mediadores, contribuindo para a repressão de quaisquer conflitos e revoltas da população.
Uma das primeiras tarefas dos jesuítas foi proteger os índios, promovendo a alfabetização
deles e sua conversão para o catolicismo, além do seu treinamento para o trabalho. Diante de
muitas dificuldades encontradas na escravização dos indígenas, os colonos optaram pela mão
de obra africana, iniciando a escravização do negro em terras brasileira. A substituição da
mão de obra escrava indígena pela africana ocorreu porque havia urgência de melhor
organização da produção açucareira que era o papel mais importante na economia colonial. O
escravo africano tinha experiência, já que lidava com essas atividades nas propriedades
portuguesas. O que facilitou também a permuta do indígena pela africana era que este estava
em terreno estranho e, por ser minoria, era mais fácil de ser controlado. Além disso, os índios
eram nativos, viviam nas matas e não tinham imunidade para certos vírus e logo começaram a
morrer contaminados por gripes e outras epidemias, ao contrário dos negros que eram das
cidades, fortes e resistentes a algumas doenças (VAINFAS, 1995).
20
Nas Américas, os portugueses, espanhóis e ingleses transportavam os negros africanos
nos porões dos navios, que eram chamados de “navios negreiros”. O Brasil foi um dos
maiores importadores do continente iniciando essa atividade em meados do século XVI. Os
negros eram comercializados como se fossem mercadorias destinadas a engenhos, às lavouras
e às minas de onde eram extraídos o ouro e o diamante, de modo que o negro africano foi o
“braço forte” para o sustento da economia do país. Os escravos vinham de várias partes da
África e a maioria era originária do Congo, de Angola, Guiné ou Moçambique, dentre outras.
A rota incluía os oceanos Atlântico, Pacífico e Índico; os desembarques dos navios negreiros
em terras brasileiras eram geralmente feitos nos portos do Rio de Janeiro, Bahia, Recife e São
Luís do Maranhão (VAINFAS; SOUZA, 2000).
No âmbito do comércio de escravos no Brasil, os preços variavam conforme o sexo, a
idade, a procedência e o destino. O escravo era visto como uma mercadoria, a qual o dono ou
comerciante podia comprar e vender, dar ou trocar por uma dívida, sem que ele pudesse
exercer qualquer direito e objeção pessoal ou legal (PINSKY, 2000).
O escravo era classificado pelo tipo de trabalho que exercia: de engenho, da mineração
e urbanos ou de ganho. Os escravos de engenho eram os que trabalhavam no meio rural. Os
de mineração trabalhavam nas minas, na extração do ouro e diamantes; eles valiam mais, pois
seu trabalho era pesado, perigoso, e eram muito vigiados para evitar roubos (VAINFAS,
1986). Já os escravos urbanos ou escravos de ganho efetuavam os serviços domésticos e que,
após fazerem o trabalho na casa de seus donos regulares, iam para as ruas em busca de
trabalhos suplementares, oferecendo serviços que poderiam durar um dia ou mesmo algumas
horas, caracterizando-se como estes faziam de tudo: iam às compras, buscavam água,
removiam lixo, levavam e traziam recados e serviam de acompanhantes para as mulheres
quando elas iam à igreja. Do ganho obtido na execução desses trabalhos, uma quantia
previamente fixada ao seu senhor era entregue (GOMES, L., 2007).
Os escravos eram considerados um patrimônio contabilizável, um ativo a ser
explorado ao máximo, já que também geravam custos; e a posse de escravos servia de
projeção social ao seu proprietário. Alguns proprietários até alugavam escravos excedentes,
sem que o cativo participasse do ganho, já que este era extra. Ao escravo era tolhida toda
liberdade, principalmente de religião, pois tinha que seguir a de seu proprietário, o
catolicismo. A perda de um escravo era um prejuízo financeiro; a fuga era falta grave, e,
quando isto acontecia, o fugitivo era castigado; o reincidente às vezes era condenado até
21
mesmo à morte, como exemplo para os outros. Podem-se citar alguns instrumentos usados
para castigo dos escravos, tais como: o chicote, o tronco e os grilhões (MAESTRI, 1994).
As condições de vida no cativeiro eram péssimas, apesar de haver legislação vigente
quanto à obrigação do proprietário do escravo em alimentá-lo, dar-lhe moradia e assistência
mínima para garantir sua sobrevivência e no caso de maus-tratos comprovados, o proprietário
poderia perder sua mercadoria. A senzala, uma construção rústica dentro da unidade de
trabalho, com poucas janelas, era onde os escravos passavam a noite; eles dormiam todos
juntos, no chão ou sobre palhas (KARASCH, 2000).
Alguns escravos conseguiam fugir do cativeiro e quando não eram capturados
embrenhavam-se nas florestas e uniam-se a outros fugitivos, formando grupos de negros que
reagiram à escravidão. Os locais onde se estabeleceram receberam o nome de quilombos,
formando grupos bem organizados que, embora oriundos de tribos diferentes, com alguns
costumes diferentes, se uniam como uma família e ali podiam praticar sua cultura e religião e
também falar sua língua de origem. Até hoje o Brasil tem populações quilombolas. Um
quilombo que se destacou na história brasileira foi o Quilombo de Palmares, liderado por
Zumbi, que é para os afro-brasileiros um ícone em sua história (GIRÃO, 1969).
Em 1808, a Inglaterra aboliu o tráfico de escravos em seu país e, por interesses
econômicos, passou a pressionar os outros países a adotarem a mesma prática. Em 7 de março
de 1808, o Brasil deixou de ser colônia e passou a ser a sede do reino português; apesar de
ainda estar sob o domínio de Portugal, quando Dom João VI criou o Reino Unido de Portugal,
Brasil e Algarves. Esses foram alguns passos em direção à independência. O que ocorreu com
a chamada “Proclamação da Independência” às margens do riacho Ipiranga, em 7 de setembro
de 1822, foi apenas a separação formal e política entre Brasil e Portugal (GOMES, L., 2007).
Assim, Portugal, para reconhecer a Independência do Brasil em 1827, assinou um acordo,
comprometendo-se a acabar com os navios negreiros. Mesmo com o bloqueio comercial
destes pela Inglaterra, o tráfico continuou e os ingleses, ao abordarem os navios negreiros
brasileiros, confiscavam carga de escravos, causando muitos prejuízos. O Brasil, embora
tivesse receio de reprimendas mais severas, tais como ameaça de guerra por parte da
Inglaterra, ainda continuou com o tráfico por longo período (MANCHESTER, 1973).
Logo após a Independência, foram convocados imigrantes para trabalhos rurais. A
importação do trabalhador livre se desenvolve de forma acelerada, em inúmeras regiões do
22
Brasil. Embora sobrasse mão de obra dos negros libertos, não tinham incentivos para eles
trabalharem, pois os proprietários das terras queriam apenas dar-lhes alimentação e não
confiavam neles, já que antes eles trabalhavam compulsoriamente. O negro, excluído do
mercado de trabalho e despreparado para competir, perdeu espaço, e os imigrantes se
destacavam. Com o início da industrialização no Brasil, as fábricas admitiam apenas os
imigrantes brancos, e o contingente estrutural de desempregados gerados também pelo
capitalismo levou o negro a uma pobreza exacerbada, ficando totalmente destituído de
elementos básicos para subsistência humana, como trabalho, alimentação, habitação, saúde,
educação, e sem nenhuma perspectiva para obtenção destes, gerando uma grande
desigualdade social, que persiste de geração a geração (FERNANDES, 1978).
As condições de vida dos escravos eram sub-humanas, e havia pessoas contra essa
prática comercial, apesar de ser considerada legal naquela época. As pessoas que repudiavam
esse tipo de comércio eram chamadas abolicionistas, geralmente os “letrados” da época
(pessoas com amplos conhecimentos, cultas, versadas em literatura), que contavam com o
apoio de religiosos, literatos, políticos e pessoas do povo (LAROUSSE, 1992). Apesar de os
abolicionistas protestarem contra a escravidão, esse tipo de comércio perdurou por
aproximadamente 300 anos, por ser um comércio lucrativo e sustentar a economia do país
(RODRIGUES, N., 2004).
As primeiras leis abolicionistas no Brasil foram: a Lei Eusébio de Queirós, de 1850,
que proibia o tráfico de escravos intercontinental; a Lei do Ventre Livre, ou Lei Rio Branco,
assinada pela Princesa Isabel e promulgada em 28 de setembro de 1871, que permitia a
liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir da promulgação da referida Lei; e a Lei dos
Sexagenários, ou Lei Saraiva – Cotegipe, assinada por D. Pedro II e promulgada em 28 de
setembro de 1885, que libertava os escravos com mais de 60 anos de idade. Todas essas leis
surgiram graças ao posicionamento do Movimento Abolicionista e contribuíram para a
abolição da escravidão no Brasil. Assim, em 13 de maio de 1888, foi promulgada a Lei Áurea,
que acabou com a escravidão no país (ALENCASTRO, 2000).
Com a abolição, os escravos não foram recompensados pelos trabalhos executados, e,
sem remuneração, a maioria dos libertos ficou à mercê da sorte – pobres, alguns doentes,
analfabetos e sem teto. Não havia políticas públicas que integrassem os negros à sociedade, e
a emancipação efetiva da população não significou muito para os libertos. Os colonos e os
negros tiveram muita dificuldade, pois o colono tinha as terras, mas não produzia por falta de
23
mão de obra. Os negros estavam libertos, mas, sem remuneração, muitas vezes praticavam
roubos e vadiagens. Um terço da população na época era de escravos e, para manter a ordem
no país, ou seja, com o intuito de banir a vadiagem, foi estabelecido o toque de recolher para
os negros, que não podiam estar na rua depois das nove horas da noite e se algum deles fosse
encontrado na rua depois desse horário, seria preso. Assim, muitos libertos, sem ter para
aonde ir, permaneciam nas fazendas trabalhando em troca apenas da alimentação, sem acesso
a direitos civis fundamentais (NABUCO, 1982).
Como os negros africanos vieram de toda a parte da África, havia vários grupos
étnicos, com línguas, religiões e costumes diferentes. Apesar de terem deixado suas famílias e
sua pátria, trouxeram suas crenças e costumes que, embora proibidos de utilizá-los durante a
escravidão, eram mantidos secretamente, a exemplo da religião na qual cultuavam suas
divindades. A influência da cultura negra na cultura brasileira dá-se em vários setores: na
religiosidade africana (candomblé, umbanda e quimbanda), na culinária (o pirão, o angu, a
feijoada, incluindo os usos do azeite de dendê, do coco e do café), na música, no uso de ervas
para cura de doenças, na dança (a capoeira e o samba), dentre outros (ANTONIL, 1982).
Apesar da importante contribuição do negro no desenvolvimento socioeconômico,
cultural e religioso do Brasil, a população afrodescendente brasileira é afetada pela
desigualdade social, porque o país não conta com políticas públicas suficientes direcionadas a
essa população. Todavia, com o objetivo de sanar essas dificuldades em prol do afrobrasileiro, existem movimentos sociais que lutam pela igualdade social dessa população, e um
desses movimentos é o Movimento Negro (MOURA, 2004).
O Movimento Negro é o nome genérico dado a um movimento social que defende a
causa do negro, surgiu com a redemocratização pós-Segunda Guerra Mundial. Os militantes
desse segmento social defendem os direitos de cidadania da população negra, reivindicando
igualdade de condições em todos os setores da sociedade (BENOT, 1981).
No Brasil, esse Movimento começou no início da colonização, quando alguns escravos
se rebelavam contra as condições precárias a que eram submetidos. Esses grupos eram
formados por escravos que fugiam para as florestas, o que dificultava sua captura. Essa
população de fugitivos constituíra os quilombos, que foram crescendo e se fortalecendo.
Dessa forma, surgiram os movimentos em prol de melhores condições sociais para a
população negra brasileira (TEIXEIRA, F., 2000).
24
A partir da abolição em 1888, com a degradação da população negra, seja pela
omissão, silêncio ou recalcamento em torno das desigualdades raciais no Brasil, os grupos
sociais negros começaram a evoluir, em meados de 1910, nos principais centros do país, em
prol da luta pela cidadania (GOMES, L., 2007).
O Movimento Negro Brasileiro constrói caminhos alternativos de atuação e
enfrentamento em busca de propostas pluralistas, objetivando a criação de estratégias e
ferramentas de combate à discriminação racial e o desenvolvimento de políticas públicas,
visando a melhorar a qualidade de vida da população afro-brasileira em todos os setores da
sociedade. Esse movimento se organiza em associações, grupos de apoio, fundações e outros,
com os objetivos de buscar a efetivação dos direitos à igualdade e promover a equidade entre
a sociedade, por meio de ações afirmativas e políticas de integração social. Os cidadãos que
lutaram contra a discriminação racial, a invisibilidade, a indiferença e o mito da democracia
racial viveram, até o início do século, anônimos no país (SANTOS, A., 2005).
O Movimento Negro é um movimento social que também pode ser conceituado como
movimento populares de representação de um grupo de interesses, com variados tipos de ação
coletiva, cuja ação social é orientada, no sentido de desenvolver um processo social e políticocultural que cria uma identidade coletiva ao movimento e que o descaracteriza como
espontâneo, a fim de obter transformações políticas e econômicas em um novo cenário de
transformações naturais e sociais, levando em consideração a metodologia adotada, sua
organização, seu contexto geográfico, seus representantes, ideologia, políticas, vitórias,
derrotas, estrutura e experiência para se consolidar como representativo dentro de uma
sociedade (BRAGA, 1999).
Na Constituição Brasileira de 1988, o Movimento Negro obteve vários avanços nas
lutas institucionais contra o racismo. Desde então, foi reconhecida a necessidade de
articulação por parte de vários segmentos da sociedade, estabelecendo-se pontes de
negociações para inserção da população negra. Houve fortalecimento de propostas de
políticas positivas e ações afirmativas na educação e em outros setores sociais, implementadas
em empresas, universidades e órgãos governamentais, como os sindicatos, que reconheceram
a importância da temática racial para a organização dos trabalhadores, criando condições para
a inclusão econômica e social da população afro-brasileira (QUEIROZ, 2002).
As políticas positivas são voltadas para vários segmentos da sociedade e na educação,
tem importante função social, pois colaboram para o afro-brasileiro ter acesso ao trabalho,
25
buscando amenizar a desigualdade na sociedade brasileira (DOIMO, 1984). Nessa
perspectiva, é que o Movimento Negro Brasileiro luta pela aprovação das cotas raciais na
educação superior para os afro-brasileiros (GRIN, 2001).
No Brasil, as denúncias e o combate às práticas racistas em prol da igualdade social
são geralmente encabeçados pelo Movimento Negro, como mostra a visão de Siss (2003, p.
22):
[...] O movimento negro nacional é o conjunto das iniciativas de natureza
política, educacional, cultural, de denúncia e de combate ao preconceito
racial e às práticas racistas de reivindicação de mobilização. É a pressão
política na luta da implementação de uma cidadania plena aos brasileiros em
geral e aos afro-brasileiros em particular, atuando em prol da igualdade e da
valorização dos seres humanos.
Esse Movimento não poupa esforços para recuperar, fortalecer e promover os valores
da identidade cultural da comunidade afro-brasileira e muitas são as conquistas obtidas, e a
principal é a observação e o cumprimento dos direitos e garantias fundamentais que regem a
Constituição Federal Brasileira. Têm-se, então, a Lei n. 7.716/1989, que define os crimes
resultantes de preconceito de raça ou de cor, e a Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que
estabelece a obrigatoriedade do ensino da História da África e da Cultura Afro-Brasileira nas
escolas como forma de conscientização. Essa medida busca suporte necessário para a geração
vindoura da raça tomar conhecimento e aprender a verdadeira história da trajetória do negro
no Brasil, valorizando sua descendência, embora em algumas escolas ainda haja resistência
em cumpri-la. Outra conquista do Movimento Negro Brasileiro é a posse de terra para os
quilombolas e a luta pelas políticas de ações afirmativas dentre outras conquistas que vêm ao
encontro da necessidade do afro-brasileiro. A maior luta desse movimento objetiva a
igualdade racial, pois acredita que isso dará mais dignidade a essa população (BENJAMIN,
2006).
Dentre os movimentos negros brasileiros, cita-se o Movimento Negro Unificado
(MNU). Segundo Silva, M. L. (2007) o MNU é uma organização fundada em 1978 com o
objetivo de lutar contra o racismo em âmbito nacional com atividades regulares e, até hoje,
estabelece uma relação direta entre o conhecimento histórico e a militância antirracista.
Conforme o autor, o conhecimento histórico produzido pelo MNU tem uma motivação
política, pois a entidade acredita que existe uma relação direta entre a conscientização étnicoracial e a história de luta de seus ascendentes. Nessa perspectiva, Silva, M. L. (2007) acredita
26
que MNU pretende tornar os seus militantes conscientes por meio do passado histórico e para
isso usa a História como estratégia política de combate ao racismo.
Nesse contexto, de luta e uso de estratégias políticas de combate ao racismo, Santos, I.
(2001) explica que os movimentos negros de São Paulo, por exemplo, eram formados por um
conjunto de cidadãos, de sujeitos sociais, que construíram caminhos alternativos de atuação,
de enfrentamento e busca permanente de respostas para superar a discriminação racial a que a
população negra foi e ainda é submetida. O autor ressalta que a indignação desses homens e
mulheres desenvolveu-se em relação a uma multiplicidade de problemas sociais fundamentais
sofridos pela população negra que contribuiu para o colapso do mito da democracia racial no
Brasil. A luta do movimento negro no Brasil, segundo o autor, foi marcada por uma intensa
participação desses movimentos, que contestaram o poder em um regime autoritário.
Na perspectiva de luta do Movimento Negro, Rios (2009) relata que esse fato social
tem requerido uma progressiva profissionalização dos militantes, a formalização e
burocratização das organizações, bem como novas estratégicas de mobilização de recursos e
especialização do ativismo. Em grande medida, conforme a autora, essa institucionalização
está ligada ao modo pelo qual o movimento se apropriou das oportunidades políticas
oferecidas pelo Estado e pelo ambiente civil a partir da redemocratização brasileira.
Desde a abolição até agora, o crescimento econômico tem gerado condições extremas
de desigualdades sociais e raciais no Brasil. Mesmo com todas as políticas públicas voltadas
para atenuar a exclusão social e racial no país, ainda falta muito para resolver os problemas
das desigualdades existentes. A desigualdade racial é visível na vida cotidiana, tanto que nas
estatísticas oficiais demonstram claramente as desigualdades existentes quanto à cor e raça da
população e o status social do indivíduo.
2.1 DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL
Este subitem abordará a desigualdade racial no Brasil, que envolve o racismo, o
preconceito racial e a discriminação racial.
27
2.1.1 Racismo
A palavra “racismo” é derivada da palavra “raça”, termo usado pela primeira vez pelo
fundador da antropologia Georges-Louis Leclerc (1707-1788), conde de Buffon, em 1749,
que considerava a raça pela cor da pele. Ele dividiu a espécie humana em cinco raças:
caucásica-branca, mongólico-amarela, etíope-negra, americano-vermelha e malaio-parda
(DUNN; DOBZHANSKY, 1962).
Nessa direção, Alexandre (2006) confirma que o racismo foi criado a partir das
desigualdades entre grupos humanos e consolidados no imaginário social a partir das teorias
supostamente científicas na Europa e incorporados por membros da elite intelectual
brasileiros. A autora explica que assim que estabeleceu um ideal de raça, os racistas dela tiram
um julgamento moral e um ideal político, sendo a submissão das raças inferiores sua
eliminação, justificada pelo saber acumulado a respeito da raça.
No entender de Teixeira, C. (2009, p. 30):
[…] o racismo brasileiro aparece simultaneamente em duas frentes: no plano
simbólico no plano estrutural. No primeiro, ele se revela através da ideologia
da superioridade natural de um grupo de cor sobre o outro – ideologia do
embranquecimento, onde o status e a honra são aferidos pela clareza da pele.
No segundo, o racismo se traduz como o sistemático acesso desigual a bens
serviços, através do sistema de hierarquização social, que se fundamenta no
argumento branco-elite X negro-povo. Neste sistema, além da cor, são
consideradas formas prestígio social: origem familiar, educação formal e
classe. Destarte, no plano estrutural, o preconceito interpessoal seria uma das
possíveis manifestações do racismo. A questão mais grave não estaria nas
tendências subjetivas dos indivíduos, mas sim no âmbito das relações
sociais.
A raça foi definida por muitos pesquisadores a partir da cor da pele, da textura do
cabelo, da forma craniana, dentre outros caracteres (MAIA, 1979).
Muniz (2009) defende que a noção de raça foi ressignificada positivamente para
atender às reivindicações do povo negro, pois, para a autora, no contexto sociopolítico atual
do Brasil, é impossível dissociar as políticas públicas das políticas de identidades. Ela explica,
ainda, que a polarização entre brancos e negros constituiu e constitui até hoje a grande
estratégia do movimento social negro para adquirir uma força política que até então estava
diluída no discurso da miscigenação, e mascarada pelo mito da democracia racial.
28
Comas et al. (1970, p. 11) definem raça da seguinte forma:
[...] os homens não semelhantes na aparência; há variações nas
características físicas externas transmitidas, total ou particularmente, de pai
para filho. E são os grupos relativamente homogêneos, quanto a este aspecto,
que constituem o que genericamente chamamos “raças”.
O racismo não é uma teoria, mas um conjunto de opiniões preconcebidas em que são
valorizadas as diferenças biológicas entre os seres humanos, que acreditam serem superiores
aos outros de acordo com o matiz racial. A crença na existência de raças superiores e
inferiores foram utilizadas muitas vezes para justificar a escravidão, o domínio de
determinados povos por outros e os genocídios que ocorreram durante toda a história da
humanidade (CABECINHAS, 2007).
O racismo, no senso comum, engloba as opiniões sem cunho científico, são os
julgamentos humanos por meio da cor da pele, dos caracteres diferentes da suposta raça tida
como superior. Antes da abolição, havia o racismo científico, ligado ao medo que os
escravocratas tinham da abolição; acreditava-se que talvez os negros pudessem tomar o país,
causando a perda de tudo que os escravocratas haviam acumulado em quase 400 anos de
escravismo (VIEIRA, 2008).
No Brasil, podem ser citados alguns tipos de racismo, como: o institucional, o
individual e o cultural. O institucional é o racismo que se revela por meio de mecanismos
institucionais, explícitos ou não, em que brancos e negros com a mesma condição social e
com o mesmo grau de escolaridade recebem tratamentos diferenciados nas instituições
públicas. Nesse tipo de racismo, os excluídos são abertamente discriminados no sistema de
trabalho, na Justiça, na Economia, na Política e nas demais instituições. O racismo individual
evidencia-se nos estereótipos, nas atitudes, nos comportamentos, em interesses pessoais que
estão socializados entre brancos, negros e indivíduos de outros segmentos sociais. O racismo
cultural, que traz elementos do racismo individual e do institucional, manifesta-se nos valores,
nas crenças, na religião, na língua, na música, na filosofia, na estética e em outros valores
(SÃO PAULO, 2009).
O racismo pode ser distinguido em três níveis: primário, secundário e terciário. O
racismo primário é um fenômeno psicossocial; é um estado de espírito passional, irracional,
que exprime medo e cólera, terror e ódio, corresponde ao que é chamado de mito. O racismo
29
secundário, que consiste no etnocentrismo, é um fenômeno psicossocial mais sofisticado, pois
ocorre quando um determinado grupo social começa a hostilizar outro por motivos torpes,
cujo grupo mais poderoso e homogêneo hostiliza o mais fraco, ou diferente, pois o segundo
não aceita seguir as mesmas regras e os princípios ditados pelo primeiro. Isto, muitas vezes,
com a justificativa da diferença física, que acaba se tornando a base do comportamento
racista. O racismo terciário é o que desenvolve justificativas científicas – no século XIX e
início deste século, que vinham da biologia e da genética. Atualmente, vem da antropologia e
da psicologia social. Esses três níveis de racismo têm como adversários os argumentos
antirracistas, que, na maioria das vezes, são também racistas, já que eles têm dificuldade de
pensar a diferença, de ver o mundo com os olhos dos outros (SILVA, M. J., 1994).
O racismo no Brasil, à luz de um discurso multiculturalista, exclui os grupos e
minorias étnicas. Isso significa uma acomodação à persistência das desigualdades, o que é a
própria essência do racismo (SEYFERTH, 2002). O negro não é vítima do racismo, ele é alvo
do racismo, porque dizer que o negro é vítima do racismo é vê-lo como uma pessoa passiva
dentro de uma situação, pois ele é que está sendo atacado. O negro tem de lutar contra o
racismo que ele introjetou e está usando para destruir outros negros e a si próprio e, ao mesmo
tempo, lutar contra o racismo que vem da sociedade. O racismo não é uma ideologia; o
racismo é uma consciência historicamente determinada (MOORE, 2005).
O que se pode ver é que a aceitação da existência de raça não significa a aceitação da
superioridade e da discriminação racial. Segundo a Constituição do Brasil de 1988, o racismo
é crime, mas existe um racismo silencioso, que atinge os excluídos, como os pobres, os
negros, os indígenas e as pessoas fora do padrão de beleza imposta pela mídia (gordo, baixo,
entre outros). Todavia, os que mais sofrem são os negros pobres (BRASIL, 2000a).
Conforme Guimarães (2009), o racismo brasileiro é sem cara e por trás de seus trajes
ilustrados e universalistas se trata como antirracismo e negando-se como antinacional, a
presença integral do afro-brasileiro ou do índio-brasileiro. Para esse racismo, o racista é
aquele que separa, e para ele o racismo é o racismo do vizinho. O racismo e o preconceito
racial no Brasil estão enraizados em cada brasileiro. Dizer que não é racista é difícil, porque
está no imaginário das pessoas, por exemplo, nas piadas, no dia a dia delas (nos dizeres
populares).
Para o referido autor, o racismo no Brasil é um racismo velado, disfarçado no mito da
democracia racial, mas violento, por ser o brasileiro uma mistura de raça, então se diz: como
30
pode haver preconceito racial? O racismo ou o preconceito racial levam à discriminação,
porque enquanto as pessoas não se atentarem para o fato de que todos são seres humanos e
iguais, independentes de cor, raça, gênero e religião, e que cada pessoa merece respeito em
toda sua integridade, tanto física quanto moral, haverá conflito racial.
2.1.2 Preconceito racial
O preconceito racial é um problema de relacionamento sem outra especificação. De
acordo com o Diagnostic Statiscal Manual of Mental Disorders (DSM-IV)4 – Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – quarta edição – 1994, é um problema
referente à saúde mental, pois causa problemas em relacionamentos interpessoais. Alguns
cientistas sociais acreditam que o racismo não tem uma forte base psicológica, preferindo
salientar os fatores sociais e de classe como causadores; outros veem o preconceito como uma
atitude aprendida e o consideram uma variante cultural. Alguns psiquiatras o entendem como
parte de um transtorno mental, sendo preconceito uma defesa mal-adaptativa, que visa a
proteger o indivíduo de profundos sentimentos de inadequação, envolvendo a projeção de
atributos indesejados e desvalorizados (KAPLAN; SADOCK; GREBB, 2003).
Silva, M. L. (2004, p. 218) reconhece a necessidade da campanha contra o preconceito
quando diz:
Desenvolver a campanha “Preconceito racial humilha, a humilhação social
faz sofrer”, é reconhecer a importância da temática luta pelos direitos
humanos dos afrodescendentes, assim como ratificar a posição contida no
relatório da Organização Mundial da Saúde – OMS, que assume a existência
de “uma firme associação entre experiências de racismo e o maior risco de
manifestação ou agravamento de problemas mentais”.
Embora a Organização Mundial da Saúde (OMS)5 e alguns psiquiatras vejam o
preconceito como parte de um transtorno mental, deve-se fazer uma melhor reflexão sobre o
assunto, porque a questão, em sua maior parte, está associada a problema social.
4
5
O Manual, publicado em 1994, é um livro de mão para profissionais da área da saúde mental que lista
diferentes categorias de transtornos mentais e critérios para diagnosticá-los, de acordo com a Associação
Americana de Psiquiatria (1994).
Agência especializada em saúde, fundada em 7 de abril de 1948 e subordinada à Organização das Nações
Unidas. A OMS tem por objetivo desenvolver ao máximo possível o nível de saúde de todos os povos. A saúde
sendo definida nesse mesmo documento como um «estado de completo bem-estar físico, mental e social e não
consistindo somente da ausência de uma doença ou enfermidade (REBOUÇAS, 2008).
31
O preconceito é visto como uma forma específica de relação intergrupal, segundo
Camino (2004, p. 236): “[...] o preconceito, como atitude, por construir-se como vertente
subjetiva de um conflito de poder entre grupos assimétricos, desenvolve-se no interior dos
grupos dominantes [...]”.
Martins (2004) analisa o preconceito racial como marginalização do poder. No
entender do autor, esse preconceito sempre originou pela ganância, pois jamais se poderia
dizer que, pela cor da pele ou pelo dialeto falado, um é mais forte ou mais fraco, mais
inteligente ou menos capaz de absorver conhecimento do que outro povo. Para o autor, todos
os seres humanos são do mesmo fruto, diferenciados somente pelo meio, pelas tradições, mas
a ganância do homem branco por volta do século XV e suas ações expansionistas precisavam
de alguém que fosse funcionário gratuito dos feudos, originando assim um maior lucro. O
autor parece afirmar que o preconceito nasce da ganância, da necessidade de “ser mais que” e
“poder mais que”.
No Brasil, o preconceito racial é exercido em relação à aparência, tornando-se
violência racista do branco em relação ao negro, como forma de segregação – tenta destruir a
identidade do negro, usurpando seus ideais e valores e projetando o ideal da “brancura”. É
nesse segmento que o negro idealiza uma beleza com traços alheios a sua etnia, como o
cabelo liso – o casamento com o branco apenas visando ao nascimento de filhos com pele
clara, na tentativa de privar os seus de passar pela humilhação da discriminação, negando-se
assim sua própria identidade, o que o leva a uma baixa autoestima (ALMEIDA, J., 2007).
Como se pôde identificar, o preconceito racial é construído na relação social. È o juízo
precipitado e superficial que alguém forma dentro de si sobre o comportamento do outro, a
ideia que se tem ou se faz do outro, diferente da discriminação racial que é a ideia colocada
em prática, com posturas mais radicais.
2.1.3 Discriminação racial
A discriminação racial é mais ampla do que o preconceito, porque abarca uma maior
gama de agentes em determinadas circunstâncias. Ela é produto direto do preconceito, resulta
de arranjos institucionais organizados para determinados fins, em que as diferenças geram
discórdia e opressão na sociedade. A discriminação racial é qualquer distinção, exclusão ou
32
preferência que tenha por efeito anular ou destruir a igualdade de oportunidade e tratamento
por causa da raça/etnia ou cor da pele (NOGUEIRA, 1996).
De acordo com os estudos de Oliveira, L. (2007), uma das principais características da
discriminação racial no Brasil é o não reconhecimento desse problema. O autor ressalta que
boa parte da literatura, da música e mesmo das Ciências Humanas e Políticas celebram e
afirmam a igualdade e a importância comum de todas as raças. O autor destaca ainda que o
contexto social multirracial brasileiro propicia dinâmicas bastante diferenciadas em termos da
experiência subjetiva para negros e brancos. O autor explica que a marca da diferença começa
bem cedo: em casa, na escola, na rua, ou seja, nos espaços de educação e socialização, e,
ainda, que vicissitudes como esta fazem com que negros e afro-brasileiros enfrentem
inúmeros problemas de identidade, pois muitas vezes acabam tendo que se identificar com
uma condição pré-definida como negativa ou inferior. O autor revela que no campo de estudo
da psicologia brasileira, infelizmente, existe uma escassa produção sobre a temática racial, o
que revela que a questão tem, na maioria das vezes, escapado ao olhar e aos cuidados dos
profissionais de Psicologia. Outro ponto destacado pela autora é o fato de que aspetos
oriundos das desigualdades raciais, como o preconceito e a discriminação racial, são
problemas exclusivos dos negros, uma vez que somente eles são estudados e problematizados,
mas esse problema diz respeito a todos, pois se existe um discriminado é porque antes existe o
discriminador.
A Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação
Racial, um dos principais tratados internacionais em matéria de Direitos Humanos, foi
adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 21 de dezembro de 1965 e ratificada
pelo Brasil em 27 de março de 1968, entrando em vigor em 4 de janeiro de 1969. A expressão
“eliminação de todas as formas de discriminação racial” enfatiza qualquer distinção, exclusão,
restrição ou preferência pautada em raça, cor, descendência/nacionalidade étnica que tenha
fim/efeito anular ou comprometer o reconhecimento, o gozo ou o exercício de igualdade de
condições dos direitos humanos e das liberdades fundamentais nos domínios político,
econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio da vida pública (ORGANIZAÇÃO
DAS NAÇÕES UNIDAS, 1969).
No Brasil, em função dos avanços nas estruturas sociais, a discriminação vai
adquirindo novo modelo de exclusão, sem qualquer garantia de competitividade entre os
grupos citados. As diferenças ao longo da história consistem em: a discriminação do período
33
da escravidão inferiorizava o negro para dar sentido à política vigente; já no período atual, ela
impede a ascensão do negro, justificando-se pela falta de oportunidade e assim levando à
exclusão social (FERNANDES, 1978).
A discriminação racial no Brasil ocorre porque a população negra não tem preparo
para competir com a população branca, pois ocupa postos precários e também mais
vulneráveis por falta de oportunidades, interferindo em muitos segmentos sociais, desde o
período da abolição até a política atual, mas com novos perfis. Os indicadores econômicos,
em pesquisas sociais e raciais, demonstram a desigualdade entre a população branca e negra
no país; essa desigualdade está alicerçada na discriminação racial e viola o direito à cidadania
(BENTO, 1990).
Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
(2007), na pesquisa Mapa da População Negra no Mercado de Trabalho (1999), realizada
para o Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial, concluiu que os resultados da
pesquisa trazem um conjunto de informações que demonstram uma situação de reiterada
desigualdade para negros, de ambos os sexos, no mercado de trabalho. A pesquisa
demonstrou que a discriminação racial é um fato cotidiano e interfere em todos os setores
sociais das seis regiões estudadas, independentemente da maior ou menor presença da raça
negra nessas regiões.
Há diferença entre racismo, preconceito racial e discriminação. O racismo é uma
tendência de processo mental, em que existe a convicção de que algum indivíduo é superior,
exclui o outro que ele julga inferior (WIEVIORKA, 2002). Já na discriminação é uma ação
que pode ser gerada por instituições ou não e, às vezes, apenas por indivíduos (BENTO,
1990). No preconceito, há uma construção mental ou afetiva, uma ideia preconcebida sobre
uma pessoa ou grupo de pessoas por sua raça/etnia ou cor da pele (CROCHIK, 2006).
Percebe-se que, a partir do exposto, pode haver diferenciação dos conflitos raciais da
seguinte forma: no racismo, há um processo mental de superioridade de um grupo em
detrimento do outro; na discriminação, há uma ação em que, além de excluir o grupo, ainda
são cerceadas as oportunidades, gerando a desigualdade social. Na discriminação racial está
contido o preconceito que envolve atitudes que delimitam as oportunidades do grupo excluído
em todos os segmentos sociais, e no preconceito, há uma construção mental feita sobre o
outro sem o conhecer, construindo-lhe barreiras sociais. Todos esses conflitos raciais geram a
34
desigualdade social no país, que assume características distintas, porque é composta de fatores
sociais próprios de cada sociedade. Na sociedade brasileira, a exclusão gerada pela violência e
falta de oportunidade é fator social que contribui para a desigualdade social do país, sendo
esse aspecto visível sociedade, destacado pelos principais indicadores do país, que refletem as
diferenças nos setores socioeconômicos, político e cultural.
2.2 DESIGUALDADE SOCIAL NO BRASIL
O artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos6, de 10 de dezembro de
1948, diz:
1. Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para assegurar a si e
à sua família, a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao
vestuário, à habitação, à assistência médica e ainda quanto aos serviços
sociais necessários [...] (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).
A população brasileira é formada principalmente por descendentes de povos
indígenas, colonos portugueses, escravos africanos e de diversos grupos de imigrantes que se
estabeleceram no Brasil, sobretudo entre 1820 e 1970. A maior parte dos imigrantes era de
italianos e portugueses, mas houve significativa presença de alemães, espanhóis, japoneses e
sírio-libaneses. O IBGE, de acordo com as respostas da população, classifica o povo brasileiro
entre cinco grupos: branco, preto, pardo, amarelo e indígena, baseado na cor da pele ou raça.
A PNAD 2006 constatou que o Brasil é composto de 93.096 milhões de brancos, 79.782
milhões de pardos, 12.908 milhões de pretos, 919 mil amarelos e 519 mil indígenas
(INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2008b).
O IBGE, quanto ao quesito cor/raça em alguns censos utilizou as categorias: “preto”,
“parda”, e em outros, “negro”. Na elaboração do Censo de 2000, o Instituto realizou vários
seminários, com a presença de vários segmentos sociais, como: Movimento Negro, órgãos
governamentais e não governamentais e outras entidades que tiveram a oportunidade de
discutirem esse quesito. As sugestões foram trocar a categoria “preta” por “negra” e “parda”
6
Foi adotada e proclamada pela Resolução n. 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de
dezembro de 1948, é um dos documentos básicos das Nações Unidas e foi assinada em 1948. Nela, são
enumerados os direitos que todos os seres humanos possuem (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS,
1948).
35
por “mestiça”, mas, nos testes, verificaram que o questionário com a categoria “preta” tinha
mais respostas do que aquele que substituía essa categoria por “negra”, semelhante ao que
ocorreu com a categoria “mestiça”, demonstrando que o entrevistado reconhece melhor as
categorias “preto” e “parda” que “negra” e “mestiça” (BELTRÃO; TEIXEIRA, 2005).
O termo “branco” está relacionado com o matiz étnico de origem europeia, e o termo
“preto” com o matiz étnico da população de origem africana; o termo “pardo”, elemento fruto
da miscigenação, passa a ser um componente da população sem origem étnica, ou então uma
parte da população em disputa na construção da identidade étnica nacional (INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2007).
Dados da PNAD 2005 demonstram que 6,3% da população brasileira se declara negra
(grupo racial de pessoas com cores de pele que vão desde o marrom-claro até o quase preto,
pessoas que descendem de povos da África subsariana), enquanto 43,2% se classificam como
pardos (“pardo” é um termo oficial brasileiro formalmente utilizado para descrever alguém de
origem mestiça. No Brasil há vários tipos de pardos, cujas terminologias são: mulatos – para
descendentes de brancos e prestos; caboclos – para descendentes de brancos, pretos e
indígenas; mamelucos – para descendentes de brancos e indígenas; cafuzos – para
descendentes de pretos e indígenas; são pessoas com ancestralidade mesclada entre africanos,
europeus e indígenas). No Brasil, a população negra concentra-se especialmente na região
Nordeste. Sua menor proporção encontra-se no Estado de Santa Catarina, somando 11,7% da
população (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2006c).
Comparado com outros censos realizados nas últimas duas décadas, pela primeira vez
o número de brancos não ultrapassou os 50% da população. Em 2000, os brancos eram 53,7%
no censo. Em comparação, o número de pardos cresceu de 38,5% para 42,6%, e o de pretos,
de 6,2% para 6,9%. Essa tendência deve-se à revalorização da identidade histórica de grupos
raciais que ao longo do tempo foram discriminados. Já em 2006, quanto à cor/raça, 49,7% são
brancos; 42,6%, pardos; 6,9%, pretos; 0,5%, amarelo; e 0,3% indígena (INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2007).
Em novembro de 2005, o IPEA, em parceria com o Fundo de Desenvolvimento das
Nações Unidas para a Mulher, lançou o estudo “Retrato das Desigualdades”, que trouxe uma
ampla gama de indicadores capazes de retratar as desigualdades que caracterizam a sociedade
brasileira. O objetivo desse trabalho foi disseminar entre os mais diferentes públicos –
36
movimentos sociais, pesquisadores, gestores, parlamentares, estudantes – os dados coletados
anualmente pela PNAD do IBGE. Por meio dessa pesquisa, foi permitido visualizar, de forma
explícita e compreensível, as enormes desigualdades que se manifestam entre negros e
brancos e homens e mulheres nos mais diferentes espaços sociais – educação, mercado de
trabalho, saúde, acesso a bens e serviços e outros (PINHEIRO et al., 2008).
No Brasil, a desigualdade social é fruto do ambiente social, produzido por um
conjunto de relações no qual um fator social gera o outro, a exemplo da concentração de renda
em uma pequena parte da população gerando salários baixos e desemprego de muitos; os
salários baixos influenciam em vários outros segmentos da vida da população, como
educação, saúde; o desemprego gera a fome, e a fome gera a violência, dentre outros fatores
sociais (SILVA E SILVA, 2001).
O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos7 (2007), na
pesquisa “Mapa da População Negra no Mercado de Trabalho”, realizado para o Instituto
Sindical Interamericano pela Igualdade Racial8, demonstra uma situação de reiterada
desigualdade para os trabalhadores negros, de ambos os sexos, no mercado de trabalho das
seis regiões metropolitanas estudadas: São Paulo, Salvador, Recife, Distrito Federal, Belo
Horizonte e Porto Alegre. Nesses locais, as desigualdades no mercado de trabalho entre
negros e não negros são visíveis e referentes aos rendimentos das trabalhadoras e
trabalhadores negros, são sistematicamente inferiores aos rendimentos dos não negros,
quaisquer que sejam as situações ou os atributos considerados. Os dados revelam que a
desigualdade social no Brasil resulta de vários fatores sociais e econômicos, como: má
distribuição de renda, diferenciações e comportamentos discriminatórios disseminados por
todo o país, dentre outros. Na pesquisa são usados os termos: raça negra: pretos e pardos; raça
não negra: brancos e amarelos.
Para dar mais visibilidade à realidade atual vivenciada por afrodescendentes
brasileiros, algumas pesquisas de indicadores governamentais e não governamentais serão
abordadas nos próximos parágrafos.
7
8
Instituição de pesquisa criada pelo Movimento Sindical, em 1955, para desenvolver atividades de pesquisa,
assessoria e educação do movimento sindical brasileiro, e comunicação nos temas relacionados ao mundo do
trabalho e que se ajustam aos desafios que a realidade coloca para a organização dos trabalhadores brasileiros
(DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS, 2010).
Esse Instituto tem o objetivo de subsidiar o movimento sindical e os movimentos sociais na luta pela
igualdade de oportunidades e criação de políticas públicas para a população negra.
37
2.2.1 Educação
A falta de acesso à educação acaba influenciando também na desigualdade de
rendimentos, porque a educação seleciona o indivíduo ao torná-lo apto ao ingresso no
mercado de trabalho. A educação gera oportunidades para a vida de uma pessoa, enquanto sua
falta acaba por privá-la de muitas delas, tanto que Hasenbalg e Silva (1999, p. 239) assim se
expressam:
[...] parece claro que no Brasil de hoje o núcleo das desvantagens que pretos
e pardos parecem sofrer se localiza no processo de aquisição educacional. As
diferenças nos retornos ocupacionais dos investimentos em educação são
relativamente modestas quando comparadas com as diferenças na realização
educacional, qualquer que seja o estrato de origem. Diferenças que tendem a
crescer conforme aumenta a situação socioeconômica de origem. Assim, a
questão educacional parece estar se constituindo no nó górdio [nó que não se
desata] das desigualdades raciais em nosso país.
Nas universidades são relevantes as proporções de estudantes cujos pais têm instrução
superior, sugerindo que há uma associação entre a instrução dos pais e a presença dos filhos
no ensino superior, porque o grau de instrução dos pais frequentemente interfere no grau de
instrução dos filhos. Essa constatação mostra o privilégio dos estudantes brancos e amarelos,
aqueles melhores representados com relação a esse aspecto. Os estudantes cujos pais têm
instrução elementar são pouco representativos e têm maior expressão entre os pretos e pardos
(QUEIROZ, 2002).
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2006b), na Pesquisa Mensal de
Emprego (PME), de setembro de 2006, no quesito cor e raça, concluiu que 25,5% dos brancos
com mais de 18 anos frequentavam ou já haviam frequentado curso superior, em comparação
com apenas 8,2% dos pretos e pardos. Ainda em relação à educação, verificou-se que 20,1%
dos pretos e pardos com dez anos ou mais de idade tinham algum curso de qualificação
profissional, enquanto na população branca esse percentual subia para 25,3%. Em quatro
regiões metropolitanas, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Porto
Alegre, pretos e pardos predominavam entre os que procuravam trabalho. Embora a soma de
pretos e pardos representasse menos da metade (42,8%) da população em idade ativa, eles
eram maioria (50,8%) na população desocupada.
38
A Síntese de Indicadores Sociais 2008/2009 mostra em análise das condições de vida
da população brasileira que a taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade,
por cor ou raça - branca; 14,8%; preta 27,9% e parda 22,7% (INSTITUTO BRASILEIRO DE
GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2009c).
Na síntese de indicadores econômicos de 2008, no que diz respeito à média de anos de
estudo da população brasileira correspondente à faixa etária dos 15 anos e mais, as pessoas de
cor branca apresentavam uma vantagem de quase dois anos (8,3 anos de estudos) em relação a
pretos e pardos (6,7 e 6,5 anos), diferença que vem se mantendo constante ao longo dos anos
se comparada com as informações (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
ESTATÍSTICA, 2009b).
Quando se analisam os indicadores de frequência da escola do segmento de jovens de
18 a 24 anos de idade, são visíveis as desigualdades existentes na média da escolaridade entre
as pessoas brancas e pretas e pardas. No período de 1998 a 2008, verificou-se uma
significativa melhora na distribuição da frequência por níveis de ensino entre a população de
cor preta e parda. Mas, em 1998, 1/3 dos brancos dessa faixa etária já estava frequentando o
ensino superior, tendo em 2008 quase o dobro da proporção. Porém, em 2008, para os jovens
de cor preta e parda, a proporção no nível superior continua muito distante daquela observada
para os brancos (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA DE ESTATÍSTICA, 2009b).
A desigualdade na educação superior entre branco e negro fica acentuada quando é
feita a comparação da proporção de pessoas de 25 anos e mais com curso superior concluído.
Enquanto, no conjunto do País, 14,7% das pessoas de cor branca tinham concluído a educação
superior, entre as pessoas de cor preta e parda a proporção era de apenas 4,7%, em 2008
(INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA DE ESTATÍSTICA, 2009b).
2.2.2 Saúde
O Atlas Racial Brasileiro 2004: Banco de Dados (2005) mostra que a população negra
tem maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde e tende a relatar problemas de saúde
com mais frequência que a população branca. As principais diferenças são constatadas no
acesso a serviços de saúde, com dados indicando que atendimento médico, consultas, planos
de saúde e tratamento odontológico são mais acessíveis à população branca. Os diferenciais
39
de gênero na população negra são maiores que os diferenciais de gênero na população branca,
ou seja, no campo da saúde, ser homem e negro é a condição mais desfavorável. Dos que
procuraram atendimento ambulatorial, apenas 66% conseguiram atendimento, contra 82% dos
homens brancos, 85% das mulheres brancas e 72% das mulheres negras. O percentual de
pessoas que conseguiram atendimento médico nas últimas duas semanas antes da pesquisa foi
substancialmente maior entre os brancos (83,7%) do que entre os negros (69,7%). Também o
número de consultas que cada pessoa fazia por ano era maior entre as pessoas brancas (2,29)
do que entre as negras (1,83%) (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O
DESENVOLVIMENTO, 2005).
No Brasil, a anemia falciforme tem sido citada como questão central para a saúde
pública, em virtude das características epidemiológicas que apresenta, e é uma doença mais
prevalente na população negra. A prevalência média do traço falciforme, no Brasil, gira em
torno de 2%, número que pode variar segundo as características étnicas da população
estudada, chegando, por exemplo, a 5,5% na Bahia, onde há forte presença de negros e
mestiços na população. Além da prevalência elevada, outra característica comumente
associada à doença é o potencial de morbidade. Considerando que anemia falciforme não tem
cura, uma das estratégias adotadas para impedir o crescimento da doença é a prevenção
(DINIZ; GUEDES, 2006).
2.2.3 Trabalho
Os resultados da pesquisa do IPEA em 2003, sobre questão da renda no Brasil,
associada a indicadores de pobreza e desigualdade mostram que 44,1% de negros viviam com
renda per capita inferior a meio salário mínimo. Entre os brancos, o percentual era de 20,5%.
Quanto aos muito pobres (ou indigentes), com renda domiciliar per capita de até um quarto
de salário mínimo, a proporção é de 12,9%, ou 21,9 milhões de pessoas. Entre as unidades da
Federação, Alagoas é o Estado com a maior proporção de pobres, 62,3% de sua população, e
Santa Catarina, com a menor, 12,1% (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA E
APLICADA, 2005).
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2006b) na PME 2006, nas regiões
metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Porto
Alegre, ao abordar os aspectos sobre cor ou raça, apresentava aos informantes cinco opções:
40
branca, preta, parda, amarela ou indígena. Nessa investigação, concluiu-se que a população
declaradamente preta ou parda representava 42,8% das 39,8 milhões de pessoas com dez anos
ou mais de idade nessas regiões. As populações pretas e pardas foram agregadas em um só
grupo, que representava 42,8% da população em idade ativa, enquanto os brancos
correspondiam a 56,5%. Na mesma pesquisa, concluiu-se que a população declarada preta e
parda com dez anos ou mais de idade, quanto à educação, tem menos escolaridade e um
rendimento médio equivalente à metade do recebido pela população branca. A população em
idade ativa preta e parda tinha 7,1 anos de estudo, em média, e era menos escolarizada que a
população branca (8,7 anos de estudo, em média). Foi apurado, também, que 6,7% das
pessoas pretas e pardas com 10 a 17 anos de idade não frequentavam escola, contra 4,7% dos
brancos.
A inserção desigual no mercado de trabalho também é demonstrada comparando-se a
taxa de desocupação dos pretos e pardos (11,8%) com a dos brancos (8,6%). Em setembro de
2006, entre os empregados com carteira de trabalho assinada no setor privado (que tem maior
proteção legal e melhores remunerações), 59,7% eram brancos e 39,8% eram pretos e pardos.
A maior participação de brancos nesta categoria justifica-se sua grande presença nas regiões
metropolitanas com forte participação do emprego formal (São Paulo e Porto Alegre, onde,
respectivamente, 44,9% e 44,2% da população ocupada têm carteira de trabalho assinada).
Salvador e Recife têm grande participação de pretos e pardos e participações de emprego
formal relativamente menor: 35,2% e 32,1%, respectivamente. A população branca também
era maioria entre os empregados sem carteira assinada (54,5%) e os trabalhadores por conta
própria (55%), mas os pretos e pardos correspondiam a 57,8% dos trabalhadores domésticos.
Regiões com populações majoritariamente brancas, os trabalhadores brancos eram maioria em
todas as categorias de ocupação, assim como nas regiões com maioria de pretos e pardos,
mesmo assim, os pretos e pardos predominavam entre os trabalhadores domésticos
(INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2006b).
Os dados fornecidos pela PME 2006, por grupamento de atividade, nas regiões
metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Porto Alegre
identificaram que no setor de serviços de construção e serviços domésticos são
predominantemente ocupados pelos pretos e pardos. Cinquenta e cinco vírgula quatro por
cento das pessoas ocupadas na construção e 57,8% das pessoas ocupadas nos serviços
domésticos eram pretos e pardos. O grupamento com a menor participação de pretos e pardos
41
foi o de serviços prestados a empresas e intermediação financeira, atividades imobiliárias,
com 34,6% (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2006b).
Na PME 2006 o resultado em relação aos rendimentos habituais, destacando que os
pretos e pardos recebiam, em média, R$ 660,45. Esse valor representava 51,1% do
rendimento auferido pelos brancos (R$ 1.292,19). Essa desigualdade no rendimento médio
entre pretos/pardos e brancos persistiu nas pesquisas efetuadas em quase todas as regiões: os
pretos e pardos possuíam rendimentos inferiores aos dos brancos (INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2006b).
O relatório intitulado Perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do
Brasil e suas ações afirmativas: pesquisa 2005 provou que os negros são minoria em todos os
níveis do quadro de funcionários das grandes empresas do Brasil. São 3% dos diretores e 26%
dos subordinados. Quanto maior é a posição na hierarquia, menor a presença do negro
(INSTITUTO ETHOS, 2006).
Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
(2007), na pesquisa Escolaridade e Trabalho: Desafios para a População Negra nos
Mercados de Trabalho Metropolitanos, o negro ainda se encontrava em posição desfavorável,
com maior índice de desemprego em relação à população branca; de 49,5% de pretos e pardos
na nomenclatura usada pelo IBGE, os negros representavam 46% da população
economicamente ativa. No entanto, os negros estão à margem do mercado formal de trabalho
e possuem os mais altos índices de desemprego, como mostra a pesquisa.
No Brasil, na PNAD 1998/2008, a desigualdade está presente na participação relativa
dos brancos e de pretos e pardos, e, na apropriação do rendimento total das famílias, observase uma situação mais favorável aos brancos. Entre os 10% mais pobres, 25,4% se declararam
brancos, enquanto 73,7% eram pretos e pardos. Essa relação se inverte entre o 1% mais ricos:
82,7% eram pessoas brancas e apenas 15% eram de cor preta e parda. Vale a pena registrar
que em 1998, entre o 1% mais rico, a proporção dos que se declararam pretos e pardos era
muito menor (8,2%) (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA,
2009b).
Indicadores de cor ou raça, segundo a PME de março de 2009, mostram desigualdade
em termos de inserção no mercado de trabalho referente taxa de desocupação, que para este
grupo (10,1%) situava-se num patamar acima da taxa de desocupação dos brancos (8,2%).
42
Cabendo destacar, no entanto, que em 2003, primeiro ano completo da nova série da PME, a
taxa de desocupação dos que se declararam pretos ou pardos era 14,4% e a dos brancos de
10,6% (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2009a).
A desigualdade também aparece na observação do “empoderamento”, ou seja, o
número de pessoas em posições privilegiadas na ocupação. Na categoria de empregadores, em
2009, estão 6,1% dos brancos, 1,7% dos negros e 2,8% dos pardos (G1, 2010).
2.2.4 Habitação
Nas capitais e cidades do Brasil, a maior parte da população de afro-brasileiro está
localizada na periferia e aumenta ainda mais quando se chega aos bairros mais pobres,
destituídos de infraestrutura. Nesses bairros, os afro-brasileiros apresentam maior percentual
de chefes de família e cônjuges atuando no emprego doméstico, analfabetos e nas faixas
inferiores de escolaridade, além de maior percentual de chefes de família nas ocupações que
compõem a classe do “subproletariado” (estão os assalariados de baixa renda, autônomos de
baixa renda, e não remunerados), bem como de chefes de família desempregados
(BRANDÃO, A. A., 2002). Portanto, os fatores sociais e econômicos afetam
significativamente a situação de saúde de um país, pois a situação geral da saúde de uma
população determina suas necessidades quanto a serviços e fundos. Como a raça negra faz
parte dos excluídos da sociedade e tem a maior parte da população em área de risco, a saúde
do negro só tende a sofrer agravos.
Na periferia, onde se concentram as populações carentes, existe falta de saneamento
básico, um problema de saúde pública, e a carência desses serviços está presente nas causas
das doenças como cólera, leptospirose, meningite, diarreia, dengue, pólio, febre tifoide, entre
outras (VALLE, 2009).
A desigualdade social é um fator de ordem econômica, gerado pela desigual
distribuição de renda. Ela abarca diversos tipos de desigualdade, como oportunidade,
escolaridade, renda e outras, e afeta todos os países, principalmente os não desenvolvidos. No
Brasil, os dados apontam para uma realidade de desigualdades sociais que se perpetuaram
através dos anos, decorrentes do escravismo, do autoritarismo político, da ausência de
políticas públicas de apoio à educação e do atraso econômico, dentre outros fatores, e que
43
ainda não foram solucionados, mas, além da estrutura política do país como um todo ser
deficitária, a situação ainda é mais grave para a população negra, sobretudo para os jovens
oriundos dessa população, que amarga os piores indicadores sociais e seguem eliminados na
sociedade brasileira.
44
3 EDUCAÇÃO NO BRASIL E POLÍTICAS DE COTAS RACIAIS
45
Neste capítulo, abordam-se a educação no Brasil e as políticas de cotas raciais com
ênfase na importância da educação e no processo de desenvolvimento pessoal.
A educação é a arte de ensinar a pensar o mundo de maneira autônoma e de modo
crítico, dando a cada pessoa, sem exceção, a possibilidade de aproveitar as suas
potencialidades e de reconhecer as próprias limitações ao mostrar estratégias de superação.
Além disso, ensina o indivíduo a viver na sociedade de maneira pacífica, ao mostrar como se
pode apreciar outras pessoas, ao cultivar formas de enriquecimento da personalidade por meio
de uma progressiva aproximação à cultura (BALLENATO, 2008). O autor diz que a
sociedade constrói-se a partir da educação, a qual constitui a pedra base sobre a qual assenta a
convivência, o bem-estar e o progresso social. Porque somos seres sociais, precisamos dos
outros, educamo-nos com eles.
A pessoa, por estar em constante desenvolvimento e, por isso mesmo, em construção,
é, ao longo de toda sua existência e em função de seus desafios, um ser capaz de realizar e dar
valor as suas potencialidades e qualidades, sempre visando à superação de suas necessidades
(SILVESTRE, 2003). A pessoa em construção tem condições de acompanhar o
desenvolvimento das informações que a sociedade apresenta. A educação poderá dar suporte
para essa pessoa gerir e utilizar essa informação.
A educação é o elemento crucial no desenvolvimento de uma pessoa, dando-lhe
suporte em muitos segmentos da vida, como nas oportunidades de trabalho, capacitando e
diferenciando dos demais, moldando o cidadão nas suas escolhas, na transformação das
perspectivas objetivas e subjetivas, assim como na saúde, por meio de boa qualidade de vida e
informação (SILVA, E., 2005). Assim, a educação é como uma via que conduz o
desenvolvimento humano de uma forma eficaz visando a recuar a pobreza, a exclusão social e
outros.
Pela educação é que se fazem pessoas pacíficas, sem violência e agressividade, pois
ela refina o homem. A educação atua na vida do educando, dando-lhe suporte na interação
com seu ambiente para que ele possa acompanhar as transformações futuras, respeitar e
aceitar as diferenças de classes sociais, crenças, costumes, valores e raças (SILVA, A., 2006).
O homem precisa da verdadeira educação para dominar todos os campos,
principalmente o social, para que tenha domínio próprio e seja assertivo em suas escolhas e
em seus atos, podendo assim contribuir para a transmissão de educação para todos. Porém,
46
deve-se pensar em educação de qualidade, que promova os recursos humanos latentes e que
não ofereça sonhos, mas realidade, pois o desenvolvimento de uma sociedade está alicerçado
na educação (FAURE et al., 1981). Nessa perspectiva, percebe-se que a evolução da educação
é função da própria evolução histórica das sociedades, mas ainda contém resquícios dos
períodos findos, quando só os jovens burgueses tinham direito a ela. A educação é a chave
propulsora para a mobilidade social, e é nesse campo que a formação da personalidade
humana desempenha um papel decisivo.
A educação passa a ocupar, com as políticas de ciência e tecnologia, lugar central e
articulado na ponta das macropolíticas do Estado, como fator importante para a qualificação
dos recursos humanos requeridos pelo novo padrão de desenvolvimento, no qual a
produtividade e a qualidade dos bens e produtos são decisivas para a competitividade
internacional. Ainda que por si só a educação não assegure a justiça social, nem a erradicação
da violência, o respeito ao meio ambiente, o fim das discriminações sociais e outros objetivos
humanistas que hoje se colocam para as sociedades (SOBRAL, 2000). Nessa perspectiva, a
educação, em conjunto com as políticas de ciência e tecnologia, prepara o indivíduo para se
compreender e ao outro, por meio de um melhor conhecimento do mundo, pela compreensão
das relações que ligam o ser humano ao seu meio ambiente.
Não se pode pensar em educação que não seja capaz de instrumentalizar o ser humano
na busca de seus ideais, no desenvolvimento de suas habilidades e competências inatas e na
superação de suas necessidades. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura, em seu relatório de 1996, elaborado pela Comissão Internacional sobre
Educação para o Século XXI, estabelece como pilares da educação quatro objetivos
fundamentais: saber ser, saber estar, saber fazer e saber aprender. Eles são definidos da
seguinte forma: saber ser – oferecer ao indivíduo oportunidade para que desenvolva sua
personalidade; saber estar juntos – levar o indivíduo à noção das vivências grupais, ou seja, a
perceber o outro; saber fazer – levar o indivíduo a transformar seu conhecimento em
realidade, considerando os aspectos que o envolvem; saber aprender – capacitar o indivíduo a
compreender e discernir o mundo real que o rodeia em seus diversos aspectos, favorecendo
sua dignidade em ser no mundo (DELORS et al., 1996). Nessa visão acredita-se que o
principal papel da educação é o de resgatar as potencialidades pessoais, dando a cada pessoa
condições de melhor manifestar suas competências para o alcance de seus ideais e
potencialização de sua participação na sociedade na proporção de seus valores inatos.
47
As competências para aprender ao longo da vida são criadas a partir da educação, que
impulsiona o indivíduo à constante construção. A educação no meio social executa-se pela
interação social, a partir da experiência própria e dos outros, no contato com os meios
informativos e tecnológicos e na vida em sociedade, tendo um papel fundamental para o
desenvolvimento econômico do país. A educação formal posiciona-se como elo constituído
por várias agências educativas sociais que influenciam a personalidade dos cidadãos (SILVA,
E., 2005). Na colocação do autor, a educação leva o indivíduo a agir visando ao alcance de
sua autonomia, discernimento e responsabilidade social. Para tanto, é necessário maximizar
potencialidades internas que lhe facilitem a construção de uma identidade própria.
No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em vigor desde 1990, determina no
artigo 55 que “[...] os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos
na rede regular de ensino [...]”, o que já era regido pelo artigo 227 da Constituição Federal de
1988 (BRASIL, 2001). A educação consiste em capacitar o indivíduo a dominar o seu próprio
desenvolvimento e com a ajuda dos pais e cuidadores, a criança se prepara para contribuir
com o progresso da sociedade em que vive.
É fundamental que a formação/educação seja permanente, tanto que Grácio (1995
apud SILVESTRE, 2003, p. 60) assim enfatiza:
[...] a formação/educação só será socializadora se criar condições para que o
ser humano continue de forma permanente, em todos os contextos, espaços,
tempos e ao longo da sua vida, até a morte (e não só desde que entra na
escola até a adolescência/idade adulta e idosa), a saber, interpretar e a
movimentar-se no mundo que o rodeia, a ter consciência e liberdade para
pronunciar-se, até a plena realização pessoal que, por sua vez, concorrerá
para uma realização social (comunitária).
O autor quer dizer que a educação, permanente ou continuada, gera o desenvolvimento
tanto da pessoa humana como das comunidades. As exigências científicas e técnicas, como o
conhecimento de si mesmo e do meio ambiente, e o desenvolvimento de capacidades que
permitam a cada um agir como membro de uma família, cidadão ou entidade produtora
concorrerão para uma realização social.
A educação permanente é aquela em que a formação é integrada à profissão, havendo
incorporação na produção do conhecimento, e o aprender e o ensinar estão presentes na
universidade e nas organizações. A educação permanente é um processo de construção de
compromissos sociais. O Ministério da Saúde está propondo a educação permanente como
48
estratégia de transformação das práticas de formação, atenção, gestão, formulação de
políticas, participação popular e controle social (BRASIL, 2005a).
A educação continuada é aquela que se realiza ao longo da vida, é inerente ao
desenvolvimento da pessoa humana na construção do ser com a aquisição de conhecimentos e
aptidões, atitudes e valores, implicando o aumento da capacidade de discernir e agir. Essa
noção de educação envolve todos os universos da experiência humana, além dos sistemas
escolares ou programas de educação não formal. A educação continuada implica a repetição e
imitação, mas também a apropriação, ressignificação e criação e associa-se à própria
característica distintiva dos seres humanos, à capacidade de conhecer e querer saber mais,
ultrapassando o plano puramente instintivo de sua relação com o mundo e com a natureza
(HADDAD, 2007). O que se percebe é que a educação continuada é aquela que constitui o
processo de permanente aquisição de informações pelo indivíduo, de todo e qualquer
conhecimento, por meio da escolarização formal ou não, de vivências, de experiências
laborais e emocionais, no âmbito institucional ou fora dele. A aprendizagem ao longo da vida
amplia o conceito de educação, que vai além daquele dos gestores escolares, porque, na
sociedade, as transformações tecnológicas defasam facilmente e necessitamos de mudanças
constantes. A educação permanente é no sentido de o indivíduo, em sua especialidade,
ampliar seu conhecimento e acompanhar a evolução tecnológica. A universidade pode
oferecer uma educação continuada, atualizada e com aprofundamento no conhecimento.
A universidade ou ensino superior é considerada um alto escalão do subsistema
escolar. Um dos seus objetivos essenciais, além da investigação e do serviço à comunidade, é
o ensino (DIAS, 2009). Observa-se que, nesse sentido, a educação superior é um instrumento
que gera oportunidades, o qual não apenas prepara o indivíduo à competitividade, mas o
conduz ao longo de toda a vida para o desenvolvimento social e econômico em qualquer
sociedade
O ensino superior é almejado em todas as classes sociais e vem se expandindo cada
vez mais, com o objetivo de suprir a crescente demanda da classe social média, em busca da
obtenção da graduação que esperam, como um meio de conseguir ascensão nas hierarquias
ocupacionais (CUNHA, 1977). Todas as classes sociais têm direito a ensino superior, pois a
vida, os valores, as relações interpessoais mudaram, e hoje é muito importante adquirir
conhecimentos e saber aplicá-los – estudar é um investimento.
49
Nessa mesma visão, o ensino superior sustenta o desenvolvimento de um país,
promovendo crescimento do rendimento que contribui para a produtividade do trabalho, a
energia empresarial e a qualidade de vida. É o que possibilita a mobilidade social,
encorajando a participação política, reforçando a sociedade civil, promovendo a democracia e
formando líderes esclarecidos com confiança, flexibilidade, amplitude de conhecimento e
aptidões técnicas com suporte para enfrentar as realidades econômicas (BANCO MUNDIAL,
2001).
No ensino superior, a educação na busca de competitividade no processo de
globalização é uma das condições de emergência do novo modo de produção do
conhecimento, que implica transformações, desenvolvendo pesquisas a partir da necessidade
de resolver problemas práticos ou de atender demandas econômicas ou sociais e não apenas
de interesses cognitivos, como na pesquisa básica. Caracteriza-se pela transdisciplinaridade, e
o novo modo de produção do conhecimento pressupõe uma heterogeneidade institucional, no
sentido que ele não é desenvolvido apenas na universidade, envolvendo várias organizações,
incluindo empresas multinacionais, empresas de redes, empresas pequenas de alta tecnologia,
universidades, laboratórios de pesquisa, organizações não governamental, como também
envolve programas nacionais e internacionais de pesquisa (SOBRAL, 2000). O autor fala da
educação com responsabilidade social do conhecimento, com a finalidade de competitividade
no sentido de o indivíduo se adaptar às mudanças necessárias com o objetivo de atender às
demandas econômicas e sociais.
A história da educação no Brasil teve início no ano de 1549 com a chegada dos
primeiros padres jesuítas. Desde então, começava um processo educacional que haveria de
deixar marcas profundas na cultura e civilização do país. Os jesuítas tinham seus próprios
métodos de educar e eram impulsionados pela missão de evangelizar e disseminar a fé
católica, processo esse que se estendeu por mais de 200 anos, fazendo desses missionários os
primeiros educadores do Brasil (BORTOLOTI, 2003; NOLASCO, 2008).
A educação no Brasil tomou novas formas quando aqui chegaram tais colonizadores
trazendo seus métodos pedagógicos, os quais funcionaram durante 210 anos, de 1549 a 1759.
Conforme o autor, tais métodos eram empregados pelos jesuítas que, além de moral, costumes
e religiosidade, trouxeram métodos pedagógicos. A primeira ruptura na história da educação
no Brasil foi marcada pela expulsão dos jesuítas a mando de Marquês de Pombal e que, após
esse episódio, o método pedagógico até então bem-estruturado pelos jesuítas foi substituído
50
após a expulsão destes e o que se sucedeu, em termos de educação, foi o mais absoluto caos.
Nessa época, buscou-se de todas as formas implantar aqui uma educação tão bem-estruturada
quanto à empregada pelos jesuítas, como aulas régias, subsídio literário, mas não foi resolvido
o problema e o caos continuou até que aqui chegou a Família Real, fugindo de Napoleão na
Europa (BELLO, 2009).
Em 1759 os jesuítas foram expulsos de Portugal e de suas colônias, episódio que
trouxe para o Brasil, em termos de educação, um grande prejuízo, apesar de todos os esforços
para que esse problema fosse resolvido. Somente no começo do século seguinte, em 1808,
com a mudança da sede do Reino de Portugal e a vinda da família Real para o Brasil-Colônia,
foi que passou a fase de crise da educação, tomando um novo impulso, com o surgimento de
instituições culturais e científicas, de ensino técnico e dos primeiros cursos superiores, como
os de medicina nos Estados do Rio de Janeiro e da Bahia. Essa nova fase da história da
educação no Brasil vinha acompanhada de novo pensamento de educação promovido por D.
João VI, que, apesar de grande importância para o país, se direcionou para atender as
necessidades imediatas da corte portuguesa no Brasil. Assim, as aulas e os cursos criados, em
diversos setores, buscavam unicamente atender as demandas de formação profissional,
característica esta que influi no desenvolvimento da educação superior brasileira, fato que
acentuou a marginalização do ensino primário (PILLETTI, 1996; ROMANELLI, 2005).
Em 1822, com a independência do país, algumas mudanças no panorama sociopolítico
e econômico pareciam tomar forma. Na Constituinte de 1823, pela primeira vez se associou
apoio universal à educação popular – uma como base do outro e nessa oportunidade foram
também apresentadas várias propostas, dentre elas, a criação de universidades no Brasil.
Como consequência dessas discussões, o Império, na Constituição de 1824, se comprometeu
em assegurar “instrução primária e gratuita a todos os cidadãos”, confirmado logo depois pela
lei de 15 de outubro de 1827, que determinou a criação de escolas de primeiras letras em
todas as cidades, vilas e vilarejos, envolvendo as três instâncias do Poder Público (SILVA, M.
S., 2010).
Silva, M. S. (2010) explica ainda que a ideia de fundação de universidades não
prosperou, surgindo em seu lugar os cursos jurídicos em São Paulo e Olinda, em 1827,
fortalecendo o sentido profissional e utilitário da política iniciada por D. João VI. Conforme o
autor, a promulgação do Ato Adicional de 1834, delegando às províncias a prerrogativa de
legislar sobre a educação primária, comprometeu em definitivo o futuro da educação básica,
51
pois possibilitou que o governo central se afastasse da responsabilidade de assegurar educação
elementar para todos. A descentralização da educação básica, instituída em 1834, foi mantida
pela República, impedindo o governo central de assumir posição estratégica de formulação e
coordenação da política de universalização do ensino fundamental, fato esse que ampliaria
ainda mais a distância entre as elites do país e as camadas sociais populares.
De acordo com Bello (2009), a história da Educação no Brasil é marcada por rupturas,
e uma delas é a chegada dos colonizadores portugueses em terras brasileiras. O autor explica
que os índios que aqui habitavam tinham sua própria maneira de se educar, diferente do
padrão europeu trazido pelos colonizadores portugueses que chegaram acompanhados dos
jesuítas católicos.
No entender de Bello (2009), apesar de esforços, não se conseguiu implantar um
sistema educacional nas terras brasileiras, porém, a vinda da Família Real possibilitou uma
nova ruptura como a situação anterior. O autor explica ainda que para preparar terreno para
sua estadia no Brasil, D. João VI abriu academias militares, escolas de direito e medicina, a
Biblioteca Real, o Jardim Botânico e, sua iniciativa mais marcante em termos de mudança, a
Imprensa Régia. Mas, destaca o autor, a educação continuou a ter uma importância
secundária, basta ver, que enquanto nas colônias espanholas já existiam muitas universidades
– em 1538, a Universidade de São Domingos; em 1551, a do México e a de Lima – a primeira
universidade no Brasil só surgiu em 1934, na cidade de São Paulo. Todo o período do
Império, incluindo o do D. João VI, D. Pedro I e D. Pedro II, os esforços para se promover
uma educação de qualidade para o Brasil foram poucos e, mesmo com a Proclamação da
República, as reformas realizadas nesse sentido não foram capazes de intervirem de modo que
a educação brasileira sofresse um processo de evolução que pudesse ser considerado como
exemplo de educação de qualidade.
Para Saviani (1998), a educação brasileira limitou-se, ao longo de sua história, a
atender aos interesses das elites, visando a formar, entre elas, os dirigentes, e tendo-se voltado
para o povo apenas nos limites da formação de mão de obra, e para direcionar a escolha dos
governantes. Nessa direção, a política de desobrigação do Estado com a educação pública,
gratuita e de qualidade cada vez mais vem excluindo crianças, jovens e adultos da escola e
aprofundando as desigualdades sociais (PRADA, 2008).
Em 1920, o Brasil começou a se repensar e o setor educacional participou do
movimento de renovação. Também surgiram nesse período as primeiras universidades
52
brasileiras, do Rio de Janeiro no ano de 1920, Minas Gerais em 1927. Com a Constituição
promulgada após a Revolução de 1930 e a Reforma de Francisco Campos (1930-1932),
aconteceram diversas transformações no ensino primário em âmbito estadual. Nessa época,
surgiram importantes educadores que marcaram a história da educação brasileira, entre eles,
Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Almeida Júnior, que lutaram para
implantar no Brasil os ideais da Escola Nova e promoveram o Manifesto dos Pioneiros em
1932, documento histórico que sintetizou os pontos centrais desse movimento de ideias,
redefinindo o papel do Estado em matéria educacional (VIDAL, 2003).
Nessa direção, os estudos de Delaneze (2007) apontam para um marco importante na
história da educação no Brasil – duas reformas educacionais emanadas da administração
pública federal, a Reforma de Benjamim Constant (1890-1891) e a de Francisco Campos.
Delaneze (2007) explica que a Reforma Benjamim Constant foi um produto da Proclamação
da República, ao passo que a de Francisco Campos foi um seguimento da conflagração de
1930. No contexto político-econômico brasileiro, esses dois momentos retratam um mesmo
processo: a revolução burguesa no Brasil, que não se completaria em 1930, ganhando apenas
novos impulsos. A revolução que se processou no Brasil não seguiu as “vias clássicas” que
caracterizam o tipo jacobino, ou seja, nacionalista radical, como ocorreu na França. Esse
processo “aclimatado” ao Brasil foi singular, mas sua análise encontra similitudes em termos
cunhados por Lênin e Gramsci – via prussiana e revolução passiva, respectivamente.
Em 1934, consignou avanços significativos na área educacional, incorporando muito
do que havia sido debatido em anos anteriores. Conforme o autor, ambas as reformas são
caracterizadas por um conjunto de decretos que legiferaram sobre diversos aspectos da
educação e de seus níveis de ensino, considerando-se que a primeira esteve restrita, com
exceção do ensino superior, a regulamentar o ensino na Capital Federal (Rio de Janeiro), e a
segunda regulamentou o ensino em âmbito nacional, caracterizando um marco nesse sentido.
Também surgiu nesse período (1934) a universidade brasileira de Porto Alegre e
Universidade de São Paulo, sendo esta última constituinte do primeiro projeto consistente de
universidade no Brasil dando início a uma trajetória cultural e científica sem precedentes
(ROMANELLI, 2005).
No entanto, em 1937, instaurou-se o Estado Novo concedendo ao país uma
Constituição autoritária, registrando-se em decorrência um grande retrocesso. Após a queda
53
do Estado Novo, em 1945, muitos dos ideais foram retomados e consubstanciados no Projeto
de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, enviados ao Congresso Nacional em 1948
que, após difícil trajetória, foi aprovado em 1961, a Lei n. 4.024, que fixou as diretrizes e
bases da educação nacional (BELLO, 2009).
De acordo com Bello (2009), com o fim do Estado Novo, em 1945, até a Revolução de
1964, quando se inaugurou um novo período autoritário, o sistema educacional brasileiro
passou por mudanças significativas, destacando-se entre elas o surgimento, em 1951, da
Coordenação do Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior, atual Fundação CAPES, a
instalação do Conselho Federal de Educação, em 1961, campanhas e movimentos de
alfabetização de adultos, além da expansão do ensino primário e superior. O autor destaca
ainda que na fase que precedeu à aprovação da LDB/1961, ocorreu um admirável movimento
em defesa da escola pública, universal e gratuita, porém, o movimento de 1964 interrompeu
essa tendência.
No entender de Delaneze (2007), essas duas categorias, que podem ser utilizadas como
critérios interpretativos da revolução burguesa à brasileira, desenvolvem a ideia de uma
modernização conservadora, composta de elementos renovadores e restauradores que não
agregam rupturas revolucionárias. Para a autora, a renovação é impulsionada por uma fração
da classe dominante restaurada no poder, significando a reação à possibilidade de uma efetiva
transformação, embora assimilasse parte das demandas populares. A autora explica ainda que,
aqui no Brasil, o “espírito burguês” emergiu do campo, por meio de uma aristocracia agrária
que se metamorfoseou em paladina do Estado Moderno e alavancou o desenvolvimento
capitalista, e as reformas educacionais, que operaram 110 contextos da revolução burguesa no
Brasil, refletiram o pensamento educacional das elites refratárias que as empreenderam.
Segundo Delaneze (2007), a educação primária, considerada essencialmente educação
do povo, na reforma Benjamim Constant esteve circunscrita ao Rio de Janeiro e, na reforma
de Francisco Campos, o governo central foi omisso quanto ao assunto. Dessa forma, o projeto
republicano educacional das elites republicanas não incluía a expansão da educação primária,
retardando por muito tempo a edificação de uma escola pública, aberta aos filhos das classes
subalternas, e a constituição de um Sistema Nacional de Educação.
Para Stigar e Schuck (2009), a formação do Brasil implica necessariamente a
estruturação do modelo brasileiro de ensino porque, desde os primeiros anos da descoberta do
54
Brasil, há falta de estrutura e investimento nessa área. Os autores explicam que não só esse
fato histórico é um problema do modelo de educação adotado pelo país, mas também
polarização e até a divisão tripla se for englobada a escola técnica (anos de 1970), ou seja, as
posturas mais adotadas no país são a pedagogia tradicional, com seu método fonético, e a
escola nova, com o construtivismo. Saviani (2003 apud STIGAR; SCHUCK, 2009) explica
que a escola tradicional ensinava e transmitia conhecimento e a escola nova estava
preocupada em considerar o aprender a aprender e, no caso da escola técnica, a preocupação
era de considerar o ensino da técnica. A educação no Brasil foi delineada tortuosamente desde
o início de sua história, uma vez que foi projetada para atender a uma elite dominante
totalmente exploradora e voltada para a estratificação e dominação social. Conforme os
autores, a dominação da cultura por uma parte minúscula da sociedade configurou a ideia de
que o ensino era apenas para alguns, assim, os demais não precisavam estudar.
Stigar e Schuck (2009) citam as oligarquias do período colonial como base da
dominação por meio do controle do saber, não apenas o período colonial, mas também o
monárquico, e, conforme os autores, são caracterizados pela importação do modelo de
pensamento da Europa e consequentemente a matriz de aprendizagem escolar. No entender de
Romanelli (2001 apud STIGAR; SCHUCK, 2009), a família Real é que permitiu, no Brasil, a
importação de formas de pensamento e ideias dominantes da cultura europeia, feitas por meio
da obra dos jesuítas.
Conforme Bello (2009), em 1969 e 1971, foram aprovadas, respectivamente, a Lei n.
5.540 e n. 5.692, introduzindo mudanças significativas na estrutura do ensino superior e do
ensino de 1º e 2º graus, cujos diplomas vieram basicamente em ardor os dias atuais. Segundo
o autor, a Constituição de 1988, promulgada após amplo movimento pela redemocratização
do País, procurou introduzir inovações e compromissos, com destaque para a universalização
do ensino fundamental e erradicação do analfabetismo.
O Brasil dispõe de vasta legislação referente ao ensino brasileiro, como: a
Constituição da República Federativa do Brasil, onde dispõe sobre educação, leis, decretos,
pareceres, medidas provisórias, resoluções, portarias e outros. De acordo com Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 –
alterada pela Lei n. 10.287/2001, que regula as Diretrizes e Bases da Educação, os níveis de
ensino no Brasil são: educação básica, educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e
educação superior. As modalidades de ensino são: educação de jovens e adultos, educação a
55
distância e tecnologias educacionais, educação tecnológica e formação profissional, educação
especial, educação da cultura africana e indígena e outras (BRASIL, 1996b).
A Constituição Federal Brasileira de 1988, no artigo 3º, I, III e IV, consagra como
objetivos fundamentais: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o
desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação. Nessa Carta Magna, referente aos direitos
sociais, prevê a adoção de ações afirmativas em seu artigo 7º, inciso XX, que trata da proteção
do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, e no artigo 37, VIII,
determina que a lei reservará percentual de cargos e empregos públicos para as pessoas com
deficiência.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação trouxe um grande avanço no sistema de
educação do país, pois visa a tornar a escola um espaço de participação social, valorizando a
democracia, o respeito, a pluralidade cultural e a formação do cidadão. O objetivo dessa lei é
que a educação no Brasil contempla os processos formativos que se desenvolvem na vida
familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos
movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. Na
educação escolar, a lei se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em
instituições próprias onde a educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à
prática social.
3.1 AÇÕES AFIRMATIVAS
Os objetivos das políticas de ações afirmativas consistem em promover privilégios às
minorias étnico-raciais ou a outros grupos sociais minoritários aos meios sociais
fundamentais, como educação, saúde e emprego, dos quais, de algum modo, essas minorias
estariam sendo excluídas total ou parcialmente pela sociedade (BRASIL, 2009).
As ações afirmativas são políticas públicas implantadas que visam a sanar a exclusão
social dessas minorias, tentando superar as desvantagens sociais sofridas por elas, bem como
compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização por motivos raciais,
étnicos, religiosos, de gênero e outros (NASCIMENTO, 2007).
56
Segundo Gomes, J. (2001, p. 40), a expressão “ação afirmativa” foi criada, em 1963,
pelo presidente dos Estados Unidos John F. Kennedy, significando
[...] um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório,
facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate da
discriminação de raça, gênero etc., bem como para corrigir os efeitos
presentes da discriminação praticada no passado [...].
Nos Estados Unidos, as ações afirmativas foram políticas encabeçadas e conquistadas
pelo Movimento Negro após muitos anos de enfrentamento na luta pelos direitos da
população negra.
No Brasil, as desigualdades sociais sobrevêm por diversas formas atreladas à cor, à
raça, ao sexo, à situação econômica, e esses fatores influenciam nas oportunidades de acesso
ao mercado de trabalho, educação e na participação da vida política. Assim, o país, com
respaldo de órgãos internacionais e na luta por solucionar as desigualdades existentes em
nossa sociedade, viabiliza propostas de ações afirmativas, com políticas de cotas que são
reservas de vagas dentro do programa das ações compensatórias concebidas com vistas ao
combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional (GOMES, J., 2001).
As ações afirmativas, do ponto de vista dos direitos humanos, podem ser consideradas
instrumento de inclusão social porque constituem medidas especiais e temporárias (enquanto
persistir a exclusão) que objetivam remediar um passado discriminatório, com o intuito de
acelerar o processo de igualdade substantiva por parte de grupos vulneráveis, como as
minorias étnicas e raciais e as mulheres, entre outros grupos (PIOVESAN, 2005).
No entender de Silva, M. S. (2008), as ações afirmativas para a população negra
justificam-se pelas perdas históricas acumuladas, perdas que as tradicionais políticas
macrossociais ou universalistas não seriam capazes de minimizar. Conforme a autora,
relevantes estudos e pesquisas realizados em ciências sociais nas décadas de 1950 e 1970 e as
pesquisas estatísticas recentes não deixam dúvida sobre as gritantes desigualdades raciais
entre brancos e negros, contrariando a famosa democracia racial. A autora destaca também
que, apesar da polêmica em torno das ações afirmativas, dizendo que algumas pessoas
defendem que as ações afirmativas são inconstitucionais, por ferirem o princípio da igualdade
de todos perante a lei, é a própria Constituição que impulsiona a busca pela igualdade
material, em vários dos seus artigos, o que justifica as ações afirmativas.
57
Para Silvério (2005), os programas de ações afirmativas requerem metas em curto,
médio e longo prazos, recursos financeiros, materiais, além de profissionais competentes
abertos à diversidade étnico-racial da nação brasileira; sensíveis aos graves problemas sociais,
econômicos que dela fazem parte.
Rodrigues, J. (2005) afirma a constitucionalidade da política de ação afirmativa para o
ingresso de afro-brasileiros nas universidades, a partir da leitura constitucional do princípio da
igualdade, dos tratados internacionais de direitos humanos e de uma série de outros
dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, os quais não só amparam como também
incentivam a adoção da medida. O autor acrescenta que essa política tem em vista a dívida
histórica do Estado brasileiro com os negros e da necessidade do urgente engajamento de toda
a sociedade na equalização do problema das relações raciais no Brasil.
As ações afirmativas têm como função específica a promoção de oportunidades iguais
para pessoas vitimadas por discriminação. Seu objetivo é, portanto, fazer com que os
beneficiados possam vir a competir efetivamente por serviços educacionais e por posições no
mercado de trabalho, e podem ser compreendidas como medidas de caráter social que visam à
democratização do acesso a meios fundamentais – como emprego e educação – por parte da
população em geral (CONTINS; SANT’ANA, 1996). O principal objetivo dessas medidas é
promover condições para que todos na sociedade possam competir igualmente pela conquista
de tais meios. No Brasil, as ações afirmativas na educação são representadas essencialmente
com os programas de cotas, isto é, são medidas que priorizam a inserção social de grupos
minoritários com histórico de exclusão, por meio da reserva de vagas (GUARNIERI; MELOSILVA, 2007).
No Brasil, a ação afirmativa é de competência do Programa Nacional de Direitos
Humanos9, e tem como objetivo adotar medidas compensatórias especiais que acelerem o
processo de construção da igualdade, sem qualquer discriminação no que se refere a gênero,
raça, etnia e condição física ou mental (BRASIL, 2009). Para combater a discriminação no
Brasil são necessárias políticas compensatórias que acelerem o processo de igualdade, com a
inclusão dos grupos socialmente vulneráveis nos espaços sociais. Na busca por essas soluções
é que atuam as ações afirmativas.
9
Programa do Governo Federal do Brasil, e foi criado com base no artigo 84, inciso IV, da Constituição Federal
de 1988, contendo diagnóstico da situação desses direitos no país e medidas para a sua defesa e promoção.
58
As políticas de ações afirmativas voltadas para a área de educação têm por objetivo
qualificar a população negra, sendo organizadas sobre a base de cotas – como no caso de
medidas de reserva de certo número de vagas nas universidades para alunos negros – ou sem
o estabelecimento de cotas – como no caso da instalação de cursinhos preparatórios para
jovens negros, sejam para vestibulares, sejam para concursos públicos (JACCOUD; BEGHIN,
2002). A reivindicação por políticas de ações afirmativas no ensino superior tem se referido,
no Brasil, a dois principais segmentos sociais: egressos da escola pública (como indicador de
oportunidades econômicas e educacionais), negros e indígenas (LIGOCKI; LIBARDONI,
1995 apud ROSEMBERG; ANDRADE, 2008).
Os movimentos sociais, órgãos governamentais e não governamentais nos diferentes
setores da vida social e política do país conseguiram avanços expressivos em favor das ações
afirmativas e conquistaram cotas para inclusão social em alguns setores da sociedade, já que a
política de cota racial é um gênero das ações afirmativas. Em relação à inclusão social
brasileira existem cotas raciais que abrangem: mercado de trabalho (com a contratação),
qualificação e promoção de funcionários; no sistema educacional, especialmente no ensino
superior; e nas políticas. Neste trabalho, o que se refere às cotas raciais, principalmente na
educação, será aprofundado no próximo tópico, pois é um dos temas centrais desta pesquisa.
3.2 POLÍTICA DE COTAS RACIAIS NA EDUCAÇÃO
O sistema de cotas raciais ou sociais surgiu nos Estados Unidos visando a corrigir os
efeitos presentes da discriminação efetuada no passado. No Brasil, essa medida visa às
minorias étnicas e raciais e os grupos sociais vulneráveis. Abrange não apenas o social, mas
também o racial, porque a desigualdade, além de cunho econômico, e também racial.
Conforme os indicadores econômicos do país, no quesito cor e raça mostram que pessoas
brancas e negras com a mesma formação, com a mesma competência, recebem salário
diferenciado; os brancos continuam ganhando mais que os negros, mesmo em condições de
igualdade (INSTITUTO ETHOS, 2006).
As cotas no Brasil estão sendo cogitadas para todos os gêneros e em todos os
segmentos da sociedade, tanto que o Congresso Nacional Brasileiro instituiu cotas para
mulheres na Legislação Eleitoral – Lei n. 9.100, de 29 de setembro de 1995 –, por meio de um
projeto da Deputada Marta Suplicy, obrigando a reserva de vagas nas candidaturas às eleições
59
proporcionais em níveis federal, estadual e municipal. Os partidos são obrigados a
inscreverem no mínimo 20% de mulheres nas chapas proporcionais, e esse número foi
ampliado por meio do artigo 10 da Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997 – Lei das Eleições
–, para 30% à candidatura feminina (PEREIRA; DANIEL, 2009).
Alguns Estados brasileiros já estão tentando adotar cotas no mercado de trabalho para
afro-brasileiros, com reservas de vagas em concursos públicos, como medidas compensatórias
para diminuir as discrepâncias sociais existentes no país. O Brasil, em 2001, depois da
realização em Durban da 3a Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial,
Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, resolveu abraçar a causa e, com políticas de ações
afirmativas, vem tentando diminuir a desigualdade racial no país. Assim, a Universidade
Estadual do Rio de Janeiro, em 2000, com respaldo da Lei Ordinária Estadual n. 3.708, de 9
de novembro de 2001, criou o sistema de cotas para negros e pardos (RIO DE JANEIRO,
2001).
Na moda brasileira, também está sendo exigida uma porcentagem de afro-brasileiras
nos desfiles. Assim, o Ministério Público, no evento São Paulo Fashion Week (evento da
moda realizado em São Paulo), em junho de 2009, protocolou um Termo de Ajustamento de
Conduta no qual exigia que 10% dos modelos de cada desfile fossem negros, evitando assim a
discriminação destes. O que chamou a atenção das autoridades é que, em desfile anterior, dos
344 modelos que desfilaram naquela temporada, apenas oito (2,3% do total) eram negros
(FIORATTI, 2009).
As cotas são ações que visam a corrigir uma desigualdade social por meio de políticas
públicas compensatórias de ação afirmativa, sendo uma delas a reserva de vagas nas
instituições de ensino superior, as universidades (CAMARGO, 2005; GUARNIERI, 2008).
No Brasil, o sistema de ensino é marcado por desigualdades que incidem sobre os
alunos negros. Esse elemento é bastante significativo, uma vez que a escolarização é indicada
como necessária à constituição de melhores oportunidades sociais futuras. As políticas
educacionais implementadas nos últimos quinze anos tiveram um impacto significativo na
melhoria dos indicadores sociais (PINHEIRO et al., 2008).
As cotas na educação são destinadas aos grupos vulneráveis à discriminação, como a
população afro-brasileira e a oriunda das escolas públicas, que são sub-representadas nas
universidades brasileiras. É visível a presença de poucos afro-brasileiros na educação
60
superior. O governo, diante dessa situação, para superar tal desigualdade, tem viabilizado
estudos que veem um único meio nas ações afirmativas por intermédio das cotas (CASTRO,
2001). Silva, M. S. (2008) destaca que desde 2001 começaram a ser implementadas políticas
de cotas para negros nas universidades públicas, o que causou grandes polêmicas e debates
acalorados que persistem até a presente data.
Pereira, A. (2003) relata que as propostas governamentais de cotas e ações afirmativas
provocam impacto na sociedade brasileira. O autor explica que a razão pela qual se
fundamentam essas propostas impactarem a opinião pública e terem sido vistas como um
absurdo se explica pelo fato de a questão racial no Brasil vir sendo relegada a segundo plano
no âmbito acadêmico do pensamento social. Para o autor, a intelectualidade brasileira, em
geral, vem patinando no senso comum - gerando desinformação e precária reflexão a respeito
das desigualdades raciais. No entender de Domingues (2005), o programa de ações
afirmativas que beneficiam os negros com cotas raciais no ensino superior, significa um
marco na história do país, porque, na opinião dele, pela primeira vez na história do país, o
Estado busca reparar a população negra pelas injustiças do passado (e do presente), também
porque é a primeira vez que a opinião pública nacional se sensibiliza para o problema do
racismo antinegro e discute suas possíveis soluções.
Para Arbache (2006), o sistema de cotas adotado por diversas universidades públicas
brasileiras, como forma de amenizar a situação dos alunos secundaristas oriundos de escolas
públicas em geral, e dos negros em particular, tem sido a única alternativa capaz de atenuar os
efeitos dessa injusta e vergonhosa desigualdade educacional e social reinante secularmente no
Brasil, fruto do desleixo político do Estado brasileiro, desde a proclamação da República. A
autora lamenta que, apesar de tão nobre, essa iniciativa acadêmica tem sido sistematicamente
difamada na mídia elitista nacional, como tem que se esperar que seja, qualquer benefício
feito ao povo.
As cotas são, entre outras, uma das reivindicações do movimento negro brasileiro que
ao longo da história vem lutando para que a população negra seja tratada de forma igual em
relação à população branca, inclusive na educação. A necessidade de implantação de cotas
surge em consequência do processo de escravização dos negros no país e a falta de políticas
públicas que garantam a essa população marginalizada sua presença e permanência em todos
os setores sociais, e também nas universidades. Conforme Teixeira, C. (2009), ao
promoverem a equidade no acesso e na permanência dos negros no sistema superior de
61
ensino, as políticas de ação afirmativa desempenham o papel de corrigir as desigualdades
históricas existentes entre negros e brancos no Brasil. Deste modo, no entender do autor, não
devem ser entendidas somente como “políticas de cotas” ou de “reservas de vagas” para
negros, mas devem ser entendidas como uma política que tem por principal objetivo
democratizar o acesso e a permanência dos negros brasileiros no ensino superior.
A dificuldade de alunos oriundos de escolas públicas, aprovados em vestibular para
vagas em universidade federal no Brasil, é muito grande, além da grande concorrência e a
falta de incentivo por parte de professores. Apenas uma pequena parcela dos que concluem a
escola pública enfrenta o vestibular, mas encontra pela frente uma competição injusta,
especialmente pelo menor preparo que apresentam em relação aos alunos provenientes das
escolas particulares e cursinhos pré-vestibulares (BRANDÃO, A., 2007).
No Brasil, a desigualdade racial é visível na educação superior, o que confirma teórico
Queiroz (2002) ao concluir, em pesquisa sobre o tema, que a população branca é maioria nas
universidades brasileiras, causando desigualdade racial. A educação superior para o afrobrasileiro é importante para promover-lhe igualdade de oportunidades com o objetivo de
integrá-lo à sociedade.
A política de cotas raciais na educação é um gênero das ações afirmativas; é uma
medida governamental que, na educação, tem objetivo de incluir por meio de vagas em
instituições públicas ou privadas. Em geral, as cotas atuam no objetivo de inclusão,
transformando-se em uma estratégia privilegiada, em todos os setores da sociedade, na luta
contra as desigualdades das minorias étnicas e raciais e dos grupos sociais vulneráveis
(GOMES, J., 2001). Almeida, D. (2004) assim se expressa:
Ações afirmativas significam a implementação ou incremento de políticas de
discriminação positiva, tendo por objetivo central revisitar o conteúdo
sociológico e jurídico, vislumbrando colocá-lo num patamar de
aplicabilidade real. Ação afirmativa é um gênero do qual a política de cotas
faz parte.
Para ser beneficiado com o sistema de cotas na educação, o aluno precisa se declarar
como negro ou pardo e provar com foto anexada à matrícula e, caso não fique comprovado,
ele se submete a uma análise de um comitê que verificará a origem racial dele. No Brasil, as
cotas raciais na educação foi adotada primeiramente no Estado do Rio de Janeiro após a
promulgação da Lei Ordinária Estadual n. 3.708/2001, atualmente revogada. A Universidade
62
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade Estadual do Norte Fluminense, por
força da Lei Ordinária Estadual n. 3.708/2001 e do Decreto Estadual n. 30.766, 4 de março de
2002, reservarão 40% do total de vagas relativas aos seus cursos de graduação para candidatos
que se autodeclararem negros ou pardos, obedecidos aos critérios definidos no artigo 3º, do
Decreto Estadual n. 30.766/2002, o qual disciplina pelo preenchimento da declaração
constante do requerimento de inscrição, e que aquele que não indicar a sua opção será
considerado como não participante do sistema de cotas. Para a obtenção da cota racial para
educação, existem critérios de aprovação: o aluno tem que provar que é afro-brasileiro e
precisa atingir a média para aprovação no vestibular e, de acordo com essa média, ele irá
competir com os alunos afro-brasileiros que se candidataram às cotas raciais (PACHECO;
SILVA, 2007).
O Brasil é um país miscigenado, e a dificuldade de determinar a cor e raça da
população brasileira pode ser atribuída à negação das origens e de uma identidade ético-racial
de brancos e negros, mas se torna mais convincente o enquadramento branco ou pardo,
porque o fenótipo negro e até mesmo a denominação, para muitos, significa
comprometimento dos anseios pessoais (SILVA FILHO, 2004). Erikson (1987, p. 304-305)
confirma isso quando enfatiza as imagens negativas que a minoria oprimida atribui ao grupo
dominante:
O indivíduo que pertence a uma minoria oprimida e explorada, que está
cônscio dos ideais culturais dominantes, mas impedido de seguir-lhes o
exemplo, é passível de fundir as imagens negativas que lhe são atribuídas
pela maioria dominante com a identidade negativa cultivada em seu próprio
grupo. [...] Existem amplas provas de sentimentos de inferioridade e de
mórbida auto-aversão em todos os grupos minoritários e, sem dúvida, o
modo farisaico e perversamente eficaz como o escravo negro, que na
América, foi forçado a aceitar e foi mantido em condições que impediam
qualquer incentivo à ambição independente continua hoje influindo numa
inibição generalizada e arraigada contra a utilização da igualdade, mesmo
quando esta é concedida.
Como essa questão das cotas é uma situação atípica para a sociedade brasileira e está
em debate na esfera jurisdicional, apenas pelos jornais a população obtém informações sobre
o assunto. Capriglione (2010) relata que os argumentos a favor são: a) compensar dívida
histórica da sociedade; b) dar tratamento desigual para corrigir desigualdades; c) reduzir a
desigualdade de oportunidades; d) ampliar o acesso à educação; e) derrubar o mito da
democracia racial no país; f) evidenciar que, nas universidades que já utilizam as cotas raciais
63
no Brasil, não houve disparidades no desempenho de alunos cotistas e regulares. Os
argumentos contrários são: a) a miscigenação no país; b) contraria o princípio da igualdade
constitucional; c) o acesso ao ensino superior deve se alcançado por mérito; d) os benefícios
devem abranger a população pobre, independentemente de cor; e) esse benefício social obriga
os estudantes a assumir uma identidade racial; f) isso pode gerar atos de racismo.
Como é uma situação atual e em destaque nos meios de comunicação do país, a
política das cotas raciais será votada em audiência pública. Se considerada inconstitucional,
essa modalidade de ingresso à universidade será extinta; se for aprovada, será estendido o
benefício a todas as universidades públicas do país.
Diante da aprovação ou não das cotas, sejam quais forem os rumos que as iniciativas
de combate às desigualdades étnico-raciais venham a tomar no Brasil, não se pode abrir mão
de uma boa dose de articulação entre reflexão crítica e comprometimento social, e como
sempre, fundamental. É o que mostra de maneira inequívoca o que há de melhor nas ciências
sociais no país. Abrir mão da primeira é impensável; manter a chama da segunda é
imprescindível (MAIO; SANTOS, 2005).
Nesse sentido, o IPEA destaca que 54 universidades públicas, nos últimos oito anos,
adotaram o sistema de cotas raciais no Brasil, principalmente a Universidade Estadual de
Campinas, Universidade Federal da Bahia, Universidade de Brasília e Universidade do Estado
do Rio de Janeiro. Os resultados iniciais do desempenho dos alunos cotistas foram similares
ou até melhores em relação aos de não cotistas (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA
E APLICADA, 2008).
O papel da Universidade Pública, quanto às políticas de ações afirmativas por meio
das cotas raciais, é atuar como agente de inclusão social, dando aos grupos sociais vulneráveis
condições de acesso aos cursos universitários públicos. As cotas são para onde a desigualdade
é realmente visível. No caso da saúde, por exemplo, não se trata de ter ou não cotas, é um
setor especial, mas os dados mostram que as mulheres negras têm muito menos acesso a
serviços de atendimento à saúde; como existem doenças típicas de determinados grupos
étnicos, o Estado deveria viabilizar mais políticas públicas voltadas para essa situação
específica. Nesse caso, por que existe exclusão? Por que são segmentos mais pobres? Por que
esta falta de acesso a um serviço público tão importante? No caso das universidades, onde
existem disputas, a cota pode funcionar. Talvez existam situações em que valerá a pena ter
64
cotas, e em outras, não, pensando-se sempre que elas devem ser uma medida transitória
(BARBIERI, 2006).
O afro-brasileiro que necessita da cota racial na educação às vezes tem vergonha de
utilizar o benefício, com receio de ser discriminado e sentir-se incapaz de superar a si e aos
outros, porque o que ele precisa é ter oportunidade de se preparar para competir em igualdade
de condições. Gomes, F. (2008) diz:
O negro não quer privar-se de si mesmo para ser cidadão duma sociedade
onde poucos têm o direito de assim ser. Uma vez mais frisamos: a cota é um
primeiro passo, mas não é uma atitude que denota o acesso à cidadania de
forma indistinta e coletiva. A cota é um paliativo, mas a verdadeira cura é a
cidadania, a justiça e a igualdade social.
Para a população negra brasileira, que vive na marginalização, a cota é uma possível
solução imediata para que se inicie um processo de igualdade entre as raças no país e os
negros adquiram seus direitos de cidadãos atuantes em todos os setores da sociedade.
A falta de esclarecimento da sociedade brasileira quanto à política de ações
afirmativas por meio das cotas raciais está gerando polêmica social, sendo caso de ações
jurídicas e notícias estampadas em jornais. No Brasil, o sistema de cotas raciais foi aprovado
por leis federais, mas algumas foram revogadas e encontram-se no Supremo Tribunal Federal.
Alguns processos foram impetrados por alunos contra as cotas por se sentirem prejudicados
por não conseguirem vagas em universidades federais brasileiras que adotam esse sistema.
Assim, entende-se que as leis foram criadas como medidas politicamente corretas e com o
propósito de serem cumpridas; porém, quando se trata de políticas de inclusão social do afrobrasileiro, o que já havia sido disciplinado por lei retrocede e volta a ser discutido. Em vários
segmentos da sociedade, existem políticas públicas aprovadas por lei e regulamentadas com o
intuito de inclusão, mas, para inclusão do negro, a legislação retrocede, e onde não há
coerência, não há democracia.
As críticas e os ataques ao sistema de cotas provam que a discriminação no Brasil é
mais perversa do que aparenta. Arbache (2006) relata que existe uma “chuva” de ações
judiciais impetradas contra tal medida, na sua maioria infrutífera, parte da elite brasileira não
se cansa de bombardear esse sistema, que está em vias de se tornar lei federal, alardeando
continuamente, na grande mídia, diversas alegações contrárias às cotas, julgando-as injustas e,
principalmente, separatistas, tentando demonstrar, com malabarismo argumentativo risível e
caótico, que o princípio constitucional republicano da igualdade será afetado.
65
Entre os absurdos alegados pelas pessoas que são contra as cotas, encontra-se,
conforme Arbache (2006), a desculpa de que o acesso à universidade pelas cotas raciais
rebaixará a qualidade dos cursos acadêmicos, haja vista o despreparo dos alunos beneficiados,
além de outros argumentos, menos valiosos de tão sofríveis, de que se valem para tentar
derrubar o projeto de lei em trâmite no Congresso Nacional, como o de que não existe
racismo no Brasil.
No entender de Arbache (2006), as cotas raciais são justas por dois motivos: primeiro,
que ninguém está mais apto a exigir igualdade de direitos no Brasil do que a população afrobrasileira, que, por mais de três séculos, proveu e sustentou, com suor e sangue, as riquezas do
país, e que, quando obteve sua migalha de liberdade, foi abandonada à própria sorte, sendo
preterida em favor dos imigrantes europeus, como que em um último golpe de misericórdia;
segundo, que vestibular nenhum mede a capacidade de alguém em frequentar um curso
superior, apenas define quem entra ou não, em função das vagas oferecidas. Isso se verifica
em razão das circunstâncias especiais que o envolve, capazes de provocar o nervosismo
juvenil, que afeta o desempenho dos candidatos no momento do exame.
Segundo Arbache (2006), por causa dos danos causados à população negra por conta
da escravização e da discriminação racial que vive os negros no país, as cotas são
extremamente necessárias a uma mudança de paradigma social, com reflexo positivo na
autoestima dos descendentes de africanos. Conforme a autora, para que isso ocorra, é preciso,
urgentemente (não dá para esperar mais), haver mais personalidades negras em todos os
segmentos da sociedade e que diminua a associação do negro a imagens negativas ou menos
importante na sociedade, ou seja, a autora destaca que é necessário ter menos bandidos
negros, menos mendigos negros, menos traficantes negros, menos prostitutas negras, menos
miseráveis negros, menos trabalhadores braçais negros, menos garis negros, menos meninos
de rua negros, menos analfabetos negros e mais paz social para todos.
Nessa direção, os estudos de Arbache (2006) apontam para uma ética crítica capaz de
denunciar sistemas hegemônicos produtores de exclusões e dominações ancoradas na
factibilidade da libertação dessas vítimas do sistema econômicas político e cultural no
contexto latino-americano. Nesse contexto de dominação e exclusão de pessoas, a autora
explica que o pesquisador Dussel já pensava e criticava um sistema étnico que toma a vida
das vítimas como princípio universal dessa ética. Arbache (2006) confirma que o sistema de
cotas raciais da UERJ/2003 pode ser considerado um sistema étnico crítico e destaca a
66
urgente necessidade do aprimoramento de ações que possam ampliar as oportunidades de
negros e pardos no ensino superior brasileiro, entendendo essa ampliação como uma
efetivação do desenvolvimento econômico, social, político, cultural e étnico da sociedade
brasileira.
Diante do que foi exposto, a Psicologia Social Comunitária pode possibilitar o
entendimento e identificação dos aspectos favoráveis e desfavoráveis das cotas raciais em
relação ao conhecimento, aos aspectos voltados ao racismo e ao que representa o ingresso à
universidade por meio das cotas raciais. A escolha dessa área da Psicologia é viável neste
trabalho porque essa questão é de ordem social e cultural e essa disciplina visa ao
desenvolvimento da consciência dos atores sociais como sujeitos históricos e comunitários,
com possibilidade de intervir nas relações sociais, por meio de um esforço interdisciplinar que
perpassa o desenvolvimento dos grupos, objetivando a transformação do indivíduo em sujeito.
3.3 PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA E O AFRO-BRASILEIRO
Neste trabalho, a Psicologia Social Comunitária é apresentada ao afro-brasileiro, no
sentido de desenvolver ações que proporcionem a essa população: autonomia, melhoria nas
condições de vida, buscando uma transformação social e a diminuição da exclusão, partindo
de um levantamento das necessidades e carências vividas pelo grupo referente à realidade
dessas pessoas e respeitando seus valores, crenças e a singularidade das mesmas.
No Brasil, ser negro ou ser mestiço significa ter uma maior probabilidade de serem
recrutados para posições sociais inferiores. Isto em uma estrutura social que já é
profundamente desigual. O processo de construção da identidade negra no país é marcado por
uma sociedade que, para discriminar os negros, utiliza tanto a desvalorização da cultura de
matriz africana como os aspectos físicos herdados pelos descendentes de africanos. O vínculo
entre raça e classe funciona como mecanismo de seleção social que determina uma medida
bastante intensa sobre qual posição as pessoas vão ocupar (HASENBALG; SILVA, 1990).
A desigualdade racial, a discriminação, o preconceito e a falta de oportunidades no
Brasil incrementam a exclusão do afro-brasileiro dos direitos básicos da cidadania; a exclusão
é uma rejeição social que consiste em separar o indivíduo ou um grupo do convívio social.
Existem várias categorias da população que são excluídas, mas se destaca apenas a minoria
étnica do afro-brasileiro, que é o objetivo deste estudo. O afro-brasileiro é rejeitado
67
fisicamente, e a esse fenômeno dá-se o nome de racismo. Essa minoria étnica é excluída em
vários segmentos da sociedade e principalmente na educação (MCCARTHY, 1994).
O afro-brasileiro é excluído, tanto nas riquezas materiais (de ordem econômica) como
nas espirituais (causadas na discriminação), pelos seus valores, que não são reconhecidos,
gerando um atributo negativo que o classifica na categoria do estigma. Assim, ele é excluído
da troca material e ocupa um lugar em falta ou negativo, que é uma forma de exclusão visível
(XIBERRAS, 1996).
A mestiçagem é uma realidade desse povo, não se pode negar, mas também não se
pode negar sua origem e o significado dessa origem para o afro-brasileiro. Santos, J. (2009)
explica que se poderia dizer também que negro é aquele que se considera negro, aquele que
tem de si a imagem de negro, mas também isso é relativo porque há negros que para todos são
insofismáveis os quais não se consideram negros. Na opinião do autor, em certas
circunstâncias, aquilo que uma pessoa considera que é determinante, por isso, negro seria a
pessoa que se julga negra e que é julgada pelos outros como negra.
Nesse sentido, a conscientização para a transformação da população afro-brasileira
visando à renovação subjetiva e coletiva torna-se imprescindível por meio de intervenções
psicossociais na comunidade.
Segundo Andrey (2001), a palavra “comunidade” vem sendo usada para designar a
instrumentalização de conhecimentos e técnicas psicológicas que possam contribuir para uma
melhoria na qualidade de vida das pessoas e grupos distribuídos nas inúmeras aglomerações
humanas que compõem a grande cidade. É um movimento de aproximação do cotidiano das
pessoas, principalmente nos bairros e instituições populares onde a grande parcela da
população vive se organiza e cria seus canais de expressão.
Sarriera (2010) entende que a comunidade constitui um tipo de vida em sociedade,
onde todos têm participação ativa e são reconhecidos como sujeitos que participam, com
subjetividade própria, como seres singulares. Nesse segmento é que o Psicólogo Comunitário
pode desempenhar um bom trabalho na comunidade, porque ele precisa trabalhar com a
comunidade e não para a comunidade. Quanto à Psicologia Social Comunitária, o autor
acredita que a solidariedade, cultura tão presente no dia a dia dos moradores de comunidades
populares, seja mais do que uma prática de ajuda mútua, constituindo uma expressão do
sentimento de igualdade, reconhecimento e pertencimento. Dessa forma, a solidariedade
68
possui ainda um aspecto político, aparecendo em alguns estudos como um quesito
fundamental de motivação para a luta e a organização comunitária.
Para atuar na comunidade, é necessário conhecer a realidade desta, tanto que Furtado
(2001, p. 91) diz:
O campo genérico em que se dá a discussão da subjetividade social é o da
construção social da realidade. É aí que a história pessoal e a do meio em
que esta se desenvolve estarão confluindo para uma nova unidade que, ao
mesmo tempo, apresenta uma configuração subjetiva (relativa ao sujeito) e
uma configuração objetiva (relativa às bases econômicas e sociais).
Como demonstrado, para ser agente ativo da transformação social de uma
comunidade, é preciso saber sua realidade, seus valores e suas necessidades.
Freitas (1994) enfatiza que a inserção ou o processo de entrada, contato e
conhecimento do psicólogo com uma dada população pode parecer uma tarefa nada difícil e
questionadora, se contar com certezas epistemológicas e filosóficas a respeito da área de
atuação e do tipo de papel e compromisso que assumimos em nosso trabalho. Entretanto, este
não é o caso, especialmente se pensar em uma Psicologia que se proponha, também, a
trabalhar com problemáticas que assolam o cotidiano da população, gerando processos
psicossociais nem sempre “saudáveis”.
A inserção na comunidade é informal e pode ocorrer pela familiarização com a
população mediante indicação de alguém desse grupo, que servirá como ponte para a
construção afetiva entre o profissional e a comunidade. As intervenções podem ocorrer em
qualquer setor público, como escolas, unidade de saúde, creches, igreja, lugares de fácil
acesso à população assistida (PEREIRA, W., 2001).
Na Psicologia Social Comunitária10, as intervenções11 não são planejadas e
implementadas pelos psicólogos, mas são elaboradas em conjunto com os moradores ou
participantes da comunidade. A Psicologia Social Comunitária enfatiza o estudo dos grupos
10
11
Montero (2004) diferencia a Psicologia Comunitária da Psicologia Social Comunitária da seguinte forma: a
Psicologia Comunitária se apresenta como uma via de interação, geradora de tecnologia social, cujo objetivo
é lograr a autogestão para que os indivíduos produzam e controlem as mudanças em seu ambiente imediato.
Já a Psicologia Social Comunitária é uma psicologia deselitizada, procurando contribuir com o logro de uma
vida mais justa para a população através do seu trabalho autônomo e digno.
A palavra intervenção, segundo Sarriera (2000), diz respeito quando estamos nos dirigindo à realidade do
outro, interferindo nela e de alguma forma modificando-a. Ao adentrarmos na realidade do outro, interferindo
nela com a legitimidade de produtores de conhecimento e saber, temos uma responsabilidade social, que não
nos tornamos isentos em momento algum.
69
nas comunidades e instituições sociais. Ela estuda o sistema de relações e representações,
níveis de consciência, identificação e pertinência dos indivíduos aos grupos; visam ao
desenvolvimento da consciência dos moradores como sujeitos históricos e comunitários,
dentre outros fatores sociais, por meio de um esforço interdisciplinar que perpassa o
desenvolvimento dos grupos, objetivando transformar o indivíduo em sujeito (CAMPOS, R.,
1996).
Vista como uma prática, a Psicologia Social Comunitária tem um compromisso com
os setores menos favorecidos da população, visando à conscientização e mobilização. Por
iniciar-se das relações cotidianas não é considerado um trabalho assistencialista, pois é
centrado na perspectiva do indivíduo, não tem como foco psicologizar os problemas das
pessoas e sim lidar com o diferente, analisando-o como um produto de um processo de
construção da dinâmica e das estruturas sociais e comunitárias, que acabam tendo por
incidência particular o indivíduo (FREITAS, 2004).
Partindo de métodos de intervenção baseados na pesquisa-ação, pesquisa-participante,
oficinas de grupo e análise institucional, a Psicologia Social Comunitária vem desenvolvendo
práticas que podem consolidar a real função do psicólogo, como fazer com que a comunidade,
sinta-se capaz de exercer suas potencialidades, por meio das problemáticas e da
conscientização de seus limites e anseios, vislumbrando as possibilidades de construir, por si
mesma, saídas, estratégias, alternativas na busca de soluções para seus problemas e suas lutas
cotidianas, ou seja, sujeito ativo (SILVA; PAIVA; MIRANDA, 2004). Do ponto de vista dos
autores é importante elaborar propostas que impliquem a capacidade, sempre renovada, de
significar e ressignificar as condições concretas de vida dos moradores ou participantes da
comunidade, promovendo modificações tanto no âmbito individual quanto da coletividade e
elaborando propostas em conjunto com eles.
Os argumentos de Rodrigues, A. (1983) quanto à Psicologia Social Comunitária diz
que sua meta principal é a transformação da sociedade, uma psicologia de ação para a
transformação, visando à melhoria da qualidade de vida das comunidades. Não se conseguem
as transformações da comunidade por meio de um trabalho meramente individual. A essência
da transformação comunitária exige que ela se verifique com a participação de todos os
membros da comunidade. As transformações comunitárias devem começar pela
transformação das pessoas, fazendo com que elas se sintam responsáveis pelo seu destino e
mais confiantes em poder mudá-lo. Nas interações sociais conflitantes, a presença da
70
Psicologia Social Comunitária busca traçar formas de intervenções por meio de assessoria das
atividades. Na coprodução de material de reflexão, nas discussões sobre o grupo e em outros
campos ligados à saúde mental, a atitude da Psicologia Comunitária é mais de escuta,
acompanhamento e pesquisa, literalmente respeitando a autonomia da comunidade em
questão (VASCONCELOS, 1989).
No Brasil, nestas últimas décadas, o psicólogo tem sido chamado a ocupar novos
espaços e a desenvolver trabalhos e/ou atividades que até então eram pouco freqüentes.
Assim, os aspectos instrumentais e metodológicos da ação ou da intervenção tornam-se
importantes. Tais instrumentais dependem dos valores e das concepções adotados pelos
psicólogos para orientar a sua prática e a relação que estabelecem com o seu objeto de estudo,
de investigação e/ou de trabalho. Em outras palavras, a visão de homem e de mundo,
assumidas e vividas pelos profissionais, é que constitui o aspecto crucial na criação ou
determinação das possibilidades sobre o “como” estudar, pesquisar e/ou intervir, assim como
na delimitação e seleção das estratégias de intervenção a serem utilizadas (MARTÍN-BARÓ,
1989; MONTERO, 1994: apud FREITAS, 1998).
Ramos e Carvalho (2008) enfatizam que no âmbito das intervenções e pesquisas
comunitárias, em Psicologia Social Comunitária, o psicólogo deve estar aberto à escuta de
parâmetros que não coincidem com os modelos operacionalizados e sistematizados que vêm
de encontro ao pensamento da classe dominante. O transporte de paradigmas de uma classe
social reflete na outra muito mais a ação do preconceito cientificamente sustentado e
dominação ideológica presente em práticas bem intencionadas do que uma intervenção
amparada em critérios éticos e políticos.
O Psicólogo Social Comunitário tem o papel de mediador, a fim de promover a
autonomia com a comunidade. Ele tem a função de tentar empoderar à comunidade, no
sentido de vir a autogerir, conseguindo buscar sua própria autonomia, que capacite sua
autogestão (PEREIRA et al., 2007). Portanto, ao psicólogo comunitário cabe entender e
identificar as dificuldades sociais, compreendendo os mecanismos pelos quais elas são
produzidas, se torna fundamental. Os autores chamam a atenção para a necessidade de se
vislumbrar um futuro otimizado em que as pessoas sejam ativas na construção do futuro,
externando os seus valores, porém alertam para a necessidade de equilíbrio e que sejam
usados de maneira emancipatória e comunitária, promovendo autonomia individual e um
senso de comunidade em cada indivíduo.
71
Nas intervenções comunitárias é necessário que o psicólogo adote métodos e
processos de dinâmicas de grupos e treine outras pessoas membros da comunidade, visando à
participação e também ajudando na capacidade de um grupo para realizar seus objetivos e, ao
mesmo tempo, o crescimento psicológico de cada um dos seus membros, apoiando na
participação de sujeitos ativos na busca de soluções para os problemas enfrentados e
conscientes do seu papel como agentes transformadores de sua realidade (RICCI; SILVA,
2004). Na comunidade, o objetivo do psicólogo é facilitar os processos grupais e contribuir
para o “empoderamento”, ou o senso de poder pessoal das pessoas dos grupos, como
indivíduos e como coletividades.
Segundo Ricci e Silva (2004), no trabalho com a comunidade o que interessa é a
experiência de valor de cada pessoa e para o aumento de sua auto-estima, valorizando suas
perspectivas, contribuições, talentos e capacidades e na evolução do nível de consciência de
cada pessoa, de uma consciência individualista para uma do bem comum. Nas intervenções
grupais, o líder facilita, não dirige, estando mais preocupado com o processo do grupo do que
com o conteúdo das decisões, visando às novas relações com “autoridade”, facilitando a
autogestão, a formação dos recursos humanos da própria comunidade e a realização de ações
eficazes em cobrar as respostas responsáveis das figuras em posições de autoridade;
desenvolver modelos de cooperação e tomada de decisões democráticas. Com o trabalho
comunitário, o psicólogo objetiva também o conflito criativo e a celebração de diversidade, na
qual todos os participantes do grupo têm espaço para serem verdadeiros, e a diferença é
valorizada como ingrediente importante, não somente para o crescimento coletivo, mas para a
realização de processos dialéticos, nos quais os conflitos possam ser transformados em
sínteses mais profundas e criativas.
Partindo desse principio, Spink (2003) aponta que a Psicologia também deve assumir
esse compromisso com a realidade social, podendo contribuir de forma ampla, seja em
instituições ou na comunidade, nas diversas áreas, como trabalho, saúde e educação.
Nesse sentido, em meio ao cenário de desigualdade existente no Brasil, a intervenção
psicológica por meio da Psicologia Social Comunitária pode constituir uma estratégia
importante ao afro-brasileiro, possibilitando um ambiente de maior diálogo e reflexão sobre as
vivências cotidianas, favorecendo a ele o exercício de seu poder de resistência diante do
contexto de dominação vivido no meio social.
72
Visando ao contexto social do afro-brasileiro, ao Psicólogo Social Comunitário cabe a
tarefa de adaptar ou criar teorias que têm sua origem nas práticas sociais, por vezes de áreas
afins, como a antropologia, a educação, o serviço social, a medicina social, e outras da própria
Psicologia, como a Social, Educacional, da Saúde ou Institucional, com o intuito de entender
cada vez mais o ator social. Assim, essa teoria terá mais consistência e força explicativa
dentro do campo na qual foi validada (SARRIERA, 2010).
O que se pode entender é que o psicólogo em uma intervenção psicossocial deve ter
compromisso com os valores da solidariedade entre pessoas, povos e raças, assim como com
outros valores que deve assumir e saber fazer respeitar, como a igualdade de oportunidades e
o respeito aos direitos das minorias étnicas. Sendo assim, o papel do psicólogo em uma
intervenção comunitária está orientado a delinear, executar e avaliar programas que
favoreçam mudanças de atitude na sociedade sobre a estigmatização e o preconceito que
dificultam a integração e inserção de minorias sociais, mediante um incremento da
sensibilização e da tolerância social.
73
4 OBJETIVOS
74
4.1 OBJETIVO GERAL
Identificar os aspectos favoráveis e desfavoráveis das cotas raciais na educação
superior, para o afro-brasileiro, na fala de alunos que se identificaram como tais, e que estão
no término do ensino médio ou no curso preparatório pré-vestibular e que concordaram em
participar da pesquisa.
4.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Identificar nesses alunos o conhecimento que têm sobre as cotas raciais na educação
superior.
Identificar a experiência que tem em relação às cotas raciais na educação superior.
Identificar o posicionamento que tem em relação às cotas raciais na educação superior.
75
5 MÉTODO
76
O método é um modo de proceder sistemático no sentido da captação, descrição e
explicação de um fato ou fenômeno. O trabalho científico é composto de procedimentos
metodológicos que direcionam uma operação denominada “conhecer”, outra “agir” e outra
“fazer”; são ações desempenhadas pelo ser humano com o objetivo da realização do estudo
(FACHIN, 2006).
5.1 METODOLOGIA
O método qualitativo valoriza as subjetividades dos sujeitos, uma maior interação
entre o pesquisador e estes e a consideração das dimensões culturais do contexto de vida dos
atores sociais em relação às quais os discursos adquirem significado (FACHIN, 2006).
A metodologia qualitativa é uma designação genérica de um conjunto de estratégias e
métodos de investigação com características baseadas em enfoques naturalistas, etnográficos e
ontogenéticos (os atores sociais constroem um discurso visando a tornar a ação inteligível e
justificável no seu próprio contexto sociocultural). Assim, essa metodologia oferece recursos
para a pesquisa de campo e a análise dos dados, que são recolhidos de variadas fontes, por
meio de uma combinação de métodos diversificados que captam a dimensão subjetiva dos
fenômenos estudados (OLIVEIRA, M., 2008).
O investigador pode captar e perceber os contextos a partir dos significados que lhes
são atribuídos pelos atores sociais e pode, ainda, decodificar os significados por meio do
conhecimento dos traços culturais do contexto (SILVA, E., 1999).
Ao considerar-se uma pesquisa científica, implica-se a geração de modelos de
compreensão cada vez mais precisos, fazendo com que explicações sejam mais completas e
substituindo-se explicações superadas. A pesquisa científica qualitativa em Psicologia é
considerada uma pesquisa-ação porque, no decorrer da pesquisa, com base no procedimento
com suas ações, o sujeito vai-se construindo e sendo investigado e interpretado (CAMPOS,
L., 2004).
A Psicologia Social Comunitária pretende contribuir para a construção de relações
sociais mais democráticas e solidárias, e para a promoção da autonomia e da melhoria da
qualidade de vida nas comunidades. Ela é uma área da Psicologia Social que tem
compromisso com segmentos sociais excluídos e tem como categorias fundamentais, a
77
interação entre as pessoas e os grupos sociais, e, estuda as relações interpessoais como:
influências; conflitos; comportamento divergente; os elementos constitutivos da família em
distintos períodos históricos e culturais; investiga os fatores psicológicos da vida social;
analisa os fatores sociais como: motivação, identidade, mercado de trabalho, percepção social,
o processo de socialização, as atitudes, as mudanças de atitudes, opiniões, ideologias,
preconceitos, papéis sociais, dentre outros fatores sociais. Nesse contexto é que a Psicologia
Social Comunitária possibilita intervir na comunidade para compreender e transformar a
dinâmica vivencial das relações comunitárias, fazendo para isso uma recuperação da história
de relações e grupos comunitários, assim como identificando os processos psicossociais
(consciência,
identidade,
atividade,
sentimentos de impotência, crenças fatalistas,
naturalizações, dentre outras) presentes nos avanços e retrocessos da vida cotidiana
(FREITAS, 1998).
A pesquisa qualitativa, que se inspira em uma epistemologia qualitativa, caracteriza-se
por seu caráter dialógico, de construção e interpretação da realidade e pela sua atenção ao
estudo de casos singulares. O processo de construção teórica presente nas ciências humanas e
particularmente na psicologia, tanto social quanto individual, tem de ser desenvolvido levando
em consideração a subjetividade do sujeito inserido no contexto social onde sua experiência
acontece; a pesquisa está sempre associada à realidade e à subjetividade do pesquisador.
Nesse tipo de pesquisa, há influências diretas e indiretas, conscientes e inconscientes do
pesquisador na própria ciência que produz, tendo em vista que sua produção sofre
interferências de sua história e de seu funcionamento psicológico (ROMERO, 2000).
A metodologia qualitativa é a forma mais adequada para a compreensão do significado
e da intencionalidade das falas, das percepções, das atitudes, dos desejos, das necessidades e
dos valores. Nessa abordagem, ressalta-se a natureza socialmente construída da realidade, a
íntima relação entre o pesquisador e o que é estudado, bem como as limitações situacionais
que influenciam a investigação, considerando-se que a realidade em estudo está impregnada
de valores. Nesse sentido, ela busca soluções para as questões que realçam o modo como a
experiência social é recriada e adquire significado (DENZIN; LINCOLN, 2006).
O pesquisador compreenderá o modo como o ator social funciona, levando em
consideração sua interação social nos contextos culturais de vida, e assim terá subsídios para a
construção e compreensão dessas experiências e vivências, para validar a construção dos
significados. Esta é condicionada socialmente segundo os códigos de significação vigentes,
78
sendo, por isso, coletivamente negociada. Os significados são, então, partilhados pelos atores,
que os usam para regular a sua ação; com isso, os significados assumem o papel de símbolos
usados para integrar e conferir certa identidade, pois o modo como os sujeitos definem o
contexto determina o seu comportamento ou modo de interação com o mundo real (DENZIN;
LINCOLN, 2006).
Neste estudo, para melhor organização e visualização dos dados coletados nas
entrevistas, utilizou a análise de conteúdo, que é uma técnica dependente do tipo de fala a que
se dedica e do tipo de interpretação que se pretende como objetivo. A análise de conteúdo é
marcada pela sua disparidade de formas e adaptável a um campo vasto aplicável às
comunicações, permitindo retirar informação contida nas mensagens (VALA, 1986).
Segundo Bardin (2008), a análise de conteúdo, que pode ser aplicada tanto na pesquisa
quantitativa como na investigação qualitativa, é uma técnica de investigação que tem por
objetivo a descrição objetiva sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da
comunicação.
A análise de conteúdo (seria melhor falar de análises de conteúdo) é um
método muito empírico, dependente do tipo de “fala” a que se dedica e do
tipo de interpretação que se pretende como objetivo. [...] A técnica de análise
de conteúdo adequada ao domínio e ao objetivo pretendidos tem de ser
reinventada a cada momento, exceto para usos simples e generalizados,
como é o caso do escrutínio próximo da decodificação e de respostas a
perguntas abertas de questionários cujo conteúdo é avaliado rapidamente por
temas. (BARDIN, 2008, p. 32).
A análise de conteúdo tem um vasto campo de aplicação, tanto que Bardin (2008) diz
que é um conjunto de técnicas de análise das comunicações e sua aplicação abrange os
seguintes domínios: códigos e suporte lingüístico, tanto escrito como oral; icônicos, que são
os sinais, grafismos, imagens, fotografias, filmes, e outros códigos semióticos que seriam tudo
o que não é linguístico pode ser portador de significações, por exemplo: música, código
olfativo, objetos diversos, comportamentos, espaço, tempo, sinais patológicos e outros.
Conforme a autora, a comunicação, pode ser realizada por meio de um monólogo, diálogo,
grupo restrito e comunicação de massa.
Ao adotar normas sistemáticas de extrair os significados temáticos ou os significantes
lexicais, por meio dos elementos mais simples de um texto, o trabalho utilizando a análise de
conteúdo inicia com a coleta dos materiais. Este trabalho iniciou-se com as entrevistas e a
79
primeira organização, como critérios de participação, procedimentos e aspectos éticos, análise
dos dados e outros. O desenvolvimento de técnicas de seleção e quantificação dessas unidades
ampliou as possibilidades de estabelecer correlações engenhosas entre as unidades léxicas
(CHIZZOTTI, 2008).
Bardin (2008) organiza a análise do conteúdo em três fases cronológicas: a préanálise; a exploração do material e o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação:
1- A pré-análise tem por objetivo tornar operacionais e sistematizar as ideias iniciais, com
procedimentos bem definidos, preciso e podendo ser flexível. 2- A exploração do material
consiste na aplicação sistemática das decisões tomadas. 3- O tratamento dos resultados visa
que os resultados brutos sejam tratados de maneira a serem significativos e válidos.
Segundo Bardin (2008), o método da análise de conteúdo divide-se em: organização
da análise; codificação; categorização; e inferência.
A organização das fases da análise de conteúdo visa dar formas que condensam e
destacam as informações fornecidas pela análise, permitindo estabelecer quadros de
resultados, diagramas, figuras e modelos.
A codificação trata o material, e corresponde a uma transformação; é saber a razão por
que é que se analisa e saber como analisar. Compõe-se de unidades de registro e de unidades
de contexto e todas as palavras do texto podem ser levadas em consideração. A unidade de
contexto serve de unidade de compreensão para codificar a unidade de registro, tal como a
frase para a palavra.
A categorização é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um
conjunto por diferenciação; é um agrupamento em razão de caracteres comuns dos elementos
(unidade de registro) sob um título geral. Classificar elementos em categorias impõe a
investigação do que cada um deles tem em comum com os outros; o critério de um conjunto
de categorias é produtivo se fornece resultados férteis. As regras para realizar a categorização
são: a homogeneidade (um único princípio de classificação deve governar a sua organização);
a pertinência (a categoria é adaptada ao material de análise escolhido, e quando pertence ao
quadro teórico definido); a objetividade e a fidelidade (codificadores diferentes devem chegar
a resultados iguais) e a produtividade (fornecer resultados férteis: em índices de inferências,
em hipóteses novas e em dados exatos).
80
A inferência pode centrar-se em diversos polos de atração, podendo apoiar-se nos
elementos constitutivos do mecanismo clássico da comunicação, é a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção e recorre a indicadores (quantitativos ou
não). Entre a descrição e a interpretação interpõe-se a inferência; buscam-se causas ou
antecedentes da mensagem ou efeitos ou consequências da mensagem.
O emissor é o produtor da mensagem (pode ser um indivíduo ou um grupo de
indivíduos emissores), e a mensagem que ele emite (significação e código) representa-o. O
receptor pode ser um indivíduo, um grupo ou uma massa de indivíduos; a mensagem constitui
o material que pode fornecer dados sobre o público a que ela se destina. A mensagem é o
ponto de partida da análise de conteúdo.
No contexto de pesquisa proposto nesta dissertação, a Psicologia Social Comunitária
pode trazer esclarecimentos e propostas para intervir na comunidade, ou seja, no grupo alvo
da pesquisa referente às cotas racias trazendo apoio psicossocial ao afro-brasileiro cotista.
Apoiado na análise de conteúdo, o pesquisador trabalha com vestígios que são a manifestação
de dados que ele manipula para inferir, de maneira lógica, as causas ou os possíveis efeitos
das mensagens; é a análise de conteúdo que possibilitará refletir sobre o movimento dos
sujeitos no que se refere à transformação de sua realidade, porque ela abre caminho para a
detecção dos significados que surgem nos processos interacionais relativos aos temas sociais
abordados. Na perspectiva qualitativa é que a análise de conteúdo se coloca como um
conjunto de técnicas de comunicação que se aplicam aos diversificados discursos, visando a
obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens,
indicadores, quantitativos ou não, que permitem a inferência de conhecimentos relativos às
condições de produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens (BARDIN, 2008).
5.2 PARTICIPANTES
Participaram desta pesquisa 26 alunos, sendo 15 alunos do Instituto Luther King –
Ensino, Pesquisa e Ação Afirmativa e 11 da Escola Estadual Antônio Delfino Pereira, com
faixa etária entre 17 e 46 anos.
O Instituto Luther King conta com quatro salas de aula no período noturno, com o
total de 150 alunos matriculados no Curso Pré-Vestibular. A Escola Estadual Antônio Delfino
81
Pereira tem apenas com uma sala da 2ª fase do EJA – Ensino médio; com um total de 43
alunos.
5.3 CRITÉRIOS DE PARTICIPAÇÃO
Consideraram-se como critérios de participação nesta pesquisa: ser aluno do Instituto
Luther King e do último ano do ensino médio da Escola Estadual Antônio Delfino Pereira,
identificado como afro-brasileiro e que aceitava participar da pesquisa, assinando o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE A).
5.4 LOCAL DA PESQUISA
Instituto Luther King – Ensino, Pesquisa e Ação Afirmativa e Escola Estadual Antônio
Delfino Pereira.
5.4.1 Instituto Luther King – Ensino, Pesquisa e Ação Afirmativa
O Instituto Luther King – Ensino, Pesquisa e Ação Afirmativa é uma organização
localizada na Avenida Fernando Corrêa da Costa, n. 603, fundos, Centro, em Campo Grande,
MS (CEP 79002-820, telefone (67) 3384-8919, site: www.lutherking.com.br, e e-mail
[email protected]). Foi fundado em 15 de fevereiro de 2003 como uma
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Seu âmbito geográfico de ação
é o território nacional, e o horário de funcionamento é das 8 h às 22h30min.
A qualificação de OSCIP foi obtida pelo Ministério da Justiça, em abril de 2003. Tem
por fim precípuo a atividade de ensino não formal a ser prestado, de maneira inteiramente
gratuita, a pessoas de baixa renda, com foco especial em minorias sociais (negros, índios e
portadores de deficiência). Tem por objetivo geral promover a ascensão socioeconômica de
populações vulneráveis, por meio da educação e preparo para o mercado de trabalho.
Desde agosto de 2003, mantém curso pré-vestibular e, desde 2005, implantou cursos
de informática básica. Os temas centrais para o trabalho da Instituição são estudo das relações
82
raciais no Brasil, valorização da diversidade étnico-racial e combate ao racismo. O Instituto
conta com quatro salas de aula, uma biblioteca, uma sala para coordenação e outra para
administração, uma sala para os professores e reuniões, uma cozinha, quatro banheiros, duas
salas de informática, um almoxarifado e um pátio coberto para atividades múltiplas (adaptável
como auditório), tudo distribuído em dois prédios situados no centro da cidade. O imóvel
onde está instalada a Instituição foi cedido gratuitamente (em regime de comodato) e por
tempo indeterminado pelo advogado Dr. Paulo Tadeu Haendchen.
O Instituto possui em sua hierarquia um diretor-presidente, um vice-presidente, 1º e 2º
secretários, 1º e 2º tesoureiros e um Conselho Fiscal composto de três conselheiros e três
suplentes. A Equipe Técnica Pedagógica é composta de uma coordenadora pedagógica, uma
auxiliar pedagógica, o corpo docente de 12 professores e um intérprete; conta ainda com
Equipe Administrativa, integrada por uma secretária e vários voluntários que atendem o
cursinho pré-vestibular no período noturno, totalizando 160 alunos, e turmas variadas para
cursos de informática, em um total estimado de 200 pessoas por ano.
A instituição, na seleção dos beneficiários de suas ações, adota outro recorte, ou seja,
reserva parte de suas vagas para minorias sociais. Por isso, distribui suas vagas conforme o
seguinte critério: 45% para os da etnia branca; 45% para negros; 5% para índios; e 5% para
portadores de deficiência. Os candidatos às bolsas de estudos do Instituto devem possuir o
seguinte perfil socioeconômico: ser oriundo de escola pública; pertencer a um núcleo familiar
com renda per capita de até um salário mínimo. Esses critérios são aplicáveis àqueles que se
habilitam tanto para o Curso Pré-vestibular quanto para o Curso de Informática.
A estrutura de produção (técnica) é assim composta: 1) Equipe administrativa:
coordenadores e professores das seguintes disciplinas: Português, Física, Química, Biologia,
Geografia, Atualidades, História, Espanhol, Matemática; 2) Equipe de apoio: secretárias e
serviços gerais. As fontes dos recursos financeiros da instituição são da Fundação Barbosa
Rodrigues, Empresa de Energia Elétrica de MS, Prefeitura Municipal e doações voluntárias.
A Instituição tem por objetivo assegurar ensino de qualidade a pessoas de baixa renda,
com foco em segmentos vulneráveis (negros, índios e portadores de deficiência), propiciandolhes, por meio de curso pré-vestibular, acesso e permanência nas universidades. Para clientela
de igual perfil, mantém cursos de informática básica, inclusive curso especial para cegos,
preparando-os para o mercado de trabalho.
83
Em todos os seus cursos, o Instituto aborda, enfaticamente, os chamados temas
transversais, como autoestima, respeito à diversidade, democracia, cidadania, ética e outros
valores universais. As ações afirmativas, perante os princípios constitucionais de igualdade e
dignidade humana, são abordadas de forma recorrente ao longo de todo o ano letivo. A visão
de futuro ou futuro desejado no seu campo de atuação é fazer com que os benefícios se
estendam ao maior número de pessoas, que o ensino sempre seja de qualidade e os alunos
tenham acesso e permanência nas universidades.
5.4.2 Escola Estadual Antônio Delfino Pereira
A Escola Estadual Antônio Delfino Pereira está situada na Rua Ciro Nantes Silveira,
n. 228, Campo Grande, MS (CEP 79118-400, Bairro São Francisco – “Comunidade Negra
São Benedito”, Campo Grande, MS, telefone (67) 3365-8006). Foi criada em 21 de dezembro
de 1998 e inaugurada em 26 de maio de 2000. O imóvel para construção da escola foi doado
pela empresária Irani Caovilla, e, em homenagem ao seu pai e por sugestão da comunidade, a
Secretaria de Estado de Educação colocou o nome “Antônio Delfino Pereira” em gratidão à
doação. A Escola atende a comunidade São Benedito e bairros adjacentes. Além do ensino
fundamental no período diurno, a escola ainda disponibiliza o curso de Educação de Jovens e
Adultos (EJA-MS) – projeto experimental no período noturno; as etapas do curso são ensino
fundamental e médio, sob a forma de projetos implantados na Rede Estadual de Ensino. A
finalidade é ampliar a democratização do acesso à escola e melhorar a qualidade social do
ensino para jovens e adultos. O ensino fundamental é permitido à faixa etária acima dos 14
anos, e o ensino médio, à faixa etária acima dos 17 anos. A Escola está localizada na
Comunidade Negra São Benedito – Tia Eva, situada a 15 km de distância do centro da cidade
de Campo Grande, MS.
A região onde está localizada a comunidade foi comprada por Eva Maria de Jesus,
mais conhecida por Tia Eva, pela quantia de 85 mil réis. Atualmente abriga muitas famílias,
em grande parte afro-brasileiras e descendentes de Tia Eva, ex-escrava que representava o
sacerdote na comunidade. Tia Eva foi grande líder, sabia ler e escrever; era parteira e
receitava remédios, o que aprendeu com um médico alemão. Era benzedeira, rezadeira e,
segundo a crença de muitos, era milagreira e não tinha marido. Chegou a Campo Grande, MS,
em 1905, com 45 anos, nascida em Mineiros, interior de Goiás. Teve três filhas: Joana, Lázara
84
e Sebastiana, que foram frutos do período escravocrata; uma era mais escura, e as outras, mais
claras. Elas se casaram e foram aumentando os descendentes da ex-escrava.
Tia Eva era devota de São Benedito e, em 1910, fez promessa ao santo e foi curada de
uma ferida na perna. Em agradecimento, começou a construção de uma capela na
comunidade, à qual deu o nome do santo. Apenas em 1912 a igreja foi concluída, sendo
posteriormente demolida e substituída por uma de alvenaria em 1919. Eva Maria de Jesus
faleceu em 1926, e foi enterrada em sua comunidade, na Capela de São Benedito.
5.5 INSTRUMENTOS
PARA
COLETA
DE
DADOS,
RECURSOS
HUMANOS E MATERIAIS
Como recurso para a obtenção de informação, foi utilizada a entrevista do tipo
estruturado como ferramenta metodológica, uma das técnicas mais usadas nas ciências
sociais, contendo perguntas fixas (APÊNDICE B) e composta de 33 tópicos, em ordem
invariável para todos os entrevistados, mas permitindo respostas livres. Essa técnica de
entrevista possibilita o levantamento dos dados valorizando as subjetividades e torna-se
adequada ao desenvolvimento de levantamentos sociais (PAULIN, 2004).
Para tanto, havia uma sala nas dependências das instituições com duas cadeiras, roteiro
para entrevista, um gravador de fita cassete, fitas cassetes e pilhas para o gravador. A
pesquisadora contou com o auxílio das coordenadoras dos cursos para fazer o convite nas
salas de aula das duas instituições. As entrevistas foram realizadas pela pesquisadora, e o
aluno era entrevistado individualmente. A entrevista possui três enfoques: dados
sociodemográficos, questões relacionadas às cotas raciais e questões relacionadas ao racismo
e discriminação referente o acesso à universidade em função dessas cotas.
5.6 PROCEDIMENTOS E ASPECTOS ÉTICOS
Esta pesquisa foi realizada em duas instituições de ensino: Instituto Luther King e
Escola Estadual Antônio Delfino Pereira. Para protocolar o projeto no Comitê de Ética em
Pesquisa da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), foi necessário solicitar uma
autorização para a direção de cada instituição, esclarecendo a necessidade de realização da
85
pesquisa (ANEXO). Após serem assinadas, as solicitações foram entregues ao Comitê, anexas
ao projeto. A pesquisa foi aprovada sem restrições.
Os aspectos éticos estiveram de acordo com as normas expressas na Resolução n. 196,
de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde, Ministério da Saúde, que fornece
as diretrizes e normas que regulamentam pesquisas envolvendo seres humanos. Considerouse, também, a Resolução do Conselho Federal de Psicologia n. 016, de 20 de dezembro de
2000, que dispõe sobre a realização de pesquisas em Psicologia com seres humanos
(BRASIL, 1996a, 2000b).
Aprovado o projeto pelo Comitê, a pesquisadora solicitou nas instituições, por meio de
contato telefônico, locais em que pudessem ser realizadas as entrevistas . Com a concessão do
local, foi combinado o horário, e a pesquisadora solicitou o auxílio dos coordenadores das
duas instituições para convidar e explicar os objetivos da pesquisa, procedimentos e aspectos
éticos nas salas de aulas para os alunos que se identificassem como afro-brasileiros e
quisessem dela participar.
Antes de iniciar as entrevistas, foi organizada a sala para início dos trabalhos e
entregue ao participante o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o qual era lido por
ele; caso o aceitasse, o participante assinava-o em duas vias. Nesse Termo, constavam os
objetivos, justificativas, procedimentos metodológicos da pesquisa, possíveis desconfortos e
riscos e possíveis benefícios esperados. As entrevistas foram feitas nas dependências das
instituições, em local autorizado pela direção, no período noturno, que correspondia ao
horário das aulas, e os alunos eram chamados de dois a dois, visando a agilizar o processo
para eles retornarem rapidamente à sala de aula e não serem prejudicados, mas as entrevistas
eram feitas individualmente. A pesquisadora, de posse do roteiro da entrevista, fazia as
perguntas e recorria a um gravador para coletar as respostas, que depois foram transcritas na
íntegra.
5.7 ANÁLISES DOS DADOS
Por meio da análise de conteúdo, utilizando o roteiro da entrevista, foram elaborados
quadros que facilitaram a organização dos códigos de significação usados pelos sujeitos para
realização deste trabalho. Primeiro, as entrevistas foram transcritas na íntegra e após foram
confeccionados quadros que demonstram as categorias, subcategorias e as significações.
86
Nas técnicas da análise de conteúdo, conforme Bardin (2008), os dados das entrevistas
podem ser tratados segundo a análise categorial onde o texto é desmembrado em unidades e
reunidos em categorias conforme os reagrupamentos analógicos, pois existem vários critérios
de categorizações, entre eles, o semântico (todos os temas que significam a mesma coisa) e os
expressivos (categorias que classificam diversos temas). Assim, foram organizadas em
quadros as respostas obtidas por meio das entrevistas e categorizadas por similaridades.
Nas categorias e subcategorias, de acordo com Bardin (2008), a codificação
corresponde a uma transformação dos dados brutos do texto, que, por recorte, agregação e
enumeração, permite atingir uma representação de conteúdo suscetível de esclarecer ao
pesquisador as características do texto, que podem servir de índices. Por meio da categoria e
subcategoria é que o conteúdo da mensagem é classificado (CHIZZOTTI, 2008).
As categorias e subcategorias elencadas neste estudo originam-se dos relatos ou seja
das respostas obtidas nas entrevistas (objeto de análise) e do conhecimento prévio da
pesquisadora sobre a área estudada. A codificação das subcategorias surgiu a partir das
respostas dos sujeitos respondentes e na categoria “identidade” agruparam-se as questões 10 e
11, que abordam a identidade afro-brasileira e das quais foram apresentadas pelas seguintes
subcategorias: afirmação, racismo, herança cultural, origem africana, cor da pele,
miscigenação e características físicas.
A questão 12 se refere à categoria “mercado de trabalho”, e as subcategorias foram:
aceitação, exclusão, competitividade e falta de oportunidade.
As questões 20 e 21 são referentes à categoria “educação”. Que questiona a pretensão
de cursar uma universidade e a importância de estudar, que originou nas subcategorias:
oportunidade, qualidade de vida e conhecimento.
As questões 22 e 30 são referentes à categoria “percepção social”, que agrupa questões
referentes à inserção do negro na universidade e qual a percepção dele quanto à impressão que
a sociedade tem sobre essa inserção, que agruparam a seguintes subcategorias: aceitação,
exclusão, racismo, discriminação e preconceito.
As questões 23 e 24 são referentes à categoria “entendimento sobre as cotas raciais”,
que questiona sobre entendimento e informações referentes às cotas raciais; as subcategorias
encontradas foram: direito, qualidade de vida, igualdade, oportunidade, discriminação e
preconceito.
87
As questões 25, 28, 29, 31, 32 e 33 foram agrupadas na categoria “posicionamento
sobre as cotas raciais”, que dentro da temática cotas para o afro-brasileiro na universidade
aborda o posicionamento do entrevistado e da sociedade, segundo a visão dele e racismo; as
subcategorias foram: igualdade e oportunidade.
As questões 26 e 27 são referentes à categoria “discriminação”, o que o respondente
entende com a discriminação e se ele já deparou com tal situação; e as subcategorias foram:
falta de oportunidade, desvalorização, indiferença, desrespeito e preconceito.
Assim, as categorias utilizadas no desenvolvimento deste trabalho foram: identidade,
mercado de trabalho, educação, percepção social, entendimento sobre as cotas raciais,
posicionamento sobre estas e discriminação.
A análise de conteúdo pode realizar-se a partir das significações que a mensagem
(significação e código) fornece e também pode estar ligada aos códigos que contêm, suportam
e estruturam tais significações (BARDIN, 2008). Após a identificação das categorias e
subcategorias, foram novamente elaborados quadros, nos quais se apresentam, a partir das
subcategorias, os recortes das falas dos respondentes para evidenciar o conteúdo.
88
6
RESULTADOS E DISCUSSÃO
89
Neste capítulo, serão apresentados os resultados do estudo acompanhados da
discussão. Para localizar os participantes inicialmente será apresentado um gráfico com a
distribuição dos sujeitos segundo a instituição que frequentam: Instituto Luther King (ILK) e
Escola Estadual Antônio Delfino Pereira (ADP). Para cada participante será utilizada a sigla e
uma numeração sequencial para identificá-los: “LK.P” para os participantes do Instituto
Luther King, e “AD.P” para os da Escola Estadual Antônio Delfino Pereira.
A seguir será apresentada a tabela com os dados do perfil sociodemográfico dos
participantes. Após esta etapa apresenta-se um quadro elaborado para localizar as questões
que os participantes responderam com suas respectivas categoriais e subcategorias. Os
quadros seguintes (2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8) demonstram as subcategorias elencadas e suas
correspondentes significações (recorte das falas).
ADP
42,3%
ILK
57,7%
GRÁFICO 1 - Distribuição percentual da amostra em relação aos institutos.
Fonte: dados resultantes da pesquisa, 2009.
Participaram 15 alunos (57,7%) do ILK e 11 da ADP (42,3%), totalizando 26
participantes da pesquisa (GRÁFICO 1).
90
TABELA 1 - Perfil sociodemográfico dos participantes (n=26)
Variável
n
%
ADP
11
42,3
ILK
15
57,7
17 a 27 anos
19
73,1
28 a 37 anos
6
26,1
38 a 47 anos
1
3,8
Feminino
17
65,4
Masculino
9
34,6
Casado
5
19,2
Solteiro
21
80,8
Não
18
69,2
Sim
8
30,8
Não
12
46,1
Sim
14
53,9
Até R$ 600
13
50,0
De R$ 601 a R$ 1.200
11
42,3
De R$ 1.201 a R$ 2.400
2
7,7
Não sabe
3
11,5
Analfabeto
3
11,5
Ensino Fundamental incompleto
14
53,8
Ensino Fundamental completo
4
15,5
Ensino Médio incompleto
2
7,7
Ensino Médio completo
-
-
Analfabeto
2
7,7
Ensino Fundamental incompleto
14
53,9
Ensino Fundamental completo
1
3,9
Ensino Médio incompleto
3
11,5
Ensino Médio completo
6
23,0
Instituto
Faixa etária
Sexo
Estado civil
Filhos
Trabalha
Renda
Escolaridade do pai
Escolaridade da mãe
Fonte: dados resultantes da pesquisa, 2009.
91
Conforme o perfil sociodemográfico dos participantes (TABELA 1) vê-se que a faixa
etária dos participantes do ILK varia de 17 a 46 anos e da ADP, de 17 a 33 anos. O Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (2009c) confirma a desvantagem entre os indicadores
socioeconômicos de brancos e negros e demonstrou que a taxa de analfabetismo dos negros é
de 16% e dos brancos, 7%. Cerca de 30% dos negros com idade entre 18 e 24 anos ainda
estão no ensino fundamental enquanto os brancos são 11%. No ensino médio: 35% dos jovens
brancos não estão na série adequada para sua idade, porém na juventude negra o percentual é
de 51%.
De acordo com Godinho et al. (2005), o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais, com base em pesquisas referentes à “Trajetória da mulher na educação
brasileira”, concluiu que em todas as regiões do país, na graduação, o ritmo de crescimento
das matrículas a favor das mulheres cresceu de 1966 a 2003. O índice de crescimento
feminino foi mais alto e a diferença entre os sexos, que 1996 eram de 8,7% a favor das
mulheres, passa para 12,8% em 2003. Talvez isso se deva à maior proporção de mulheres na
população – ou ao fato de mais mulheres do que homens concluírem o ensino médio.
Ao apresentar o perfil sociodemográfico dos participantes, percebe-se que 65,4% são
do sexo feminino e 34,6% do sexo masculino; observa-se, assim, que o percentual de
mulheres nas duas instituições é maior que o percentual dos homens. De acordo com a
pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2008a), o que poderia explicar o
alto índice de mulheres estudando seria o fato de as mulheres possuírem maior dificuldade de
inserção no mercado de trabalho, o que as impulsiona a obter melhor qualificação para alçar
sua competitividade e também porque existe grande número de famílias chefiadas por
mulheres.
Referente ao aumento na renda média das brasileiras, o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (2006d) comprovou essa conquista talvez pelo fato da dedicação da
mulher, mas também pela necessidade, porque existe um número expressivo de famílias
chefiadas por mulheres. Outro fator é que das vagas abertas muitas acabaram preenchidas por
mulheres, porque elas apresentam em seus currículos mais de dez anos de escolaridade, contra
20% dos profissionais masculinos.
Quanto ao estado civil da amostra, 19,2 % são casados e 80,8%, solteiros; 69,2% não
têm filhos e 30,8% têm. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2006a), em pesquisa
sobre o estado civil da população brasileira aponta que homens e mulheres têm apresentado
92
características peculiares quanto ao seu crescimento demográfico nas últimas décadas. A
análise mostra uma tendência de mudança de comportamento nos anos de 1990 em relação ao
padrão brasileiro de organização familiar das décadas de 1970 e 1980. Outro fenômeno
ocorrido nesse mesmo período foi o incremento significativo de separações conjugais.
A Síntese dos Indicadores Sociais revela que, entre 1995 e 2005, na região Sudeste, o
percentual de famílias formadas por casais com filhos caiu de 56,6% para 48,5%. Fatores
como o crescimento da participação das mulheres no mercado de trabalho podem ter
ocasionado mudanças na estrutura familiar brasileira: o número das famílias que eram
chefiadas por mulheres cresceu 35% no período. Esse aumento vem ocorrendo mesmo nas
famílias onde há a presença do cônjuge (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
ESTATÍSTICA, 2006a).
No que se refere à ocupação, dos participantes da pesquisa, 46,1% trabalham e 53,9%
não trabalham. Os negros possuem os mais altos índices de desemprego. Segundo o
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (2007) em pesquisa
(1999) verificou-se que os negros representam 46% da população economicamente ativa; no
entanto estão à margem do mercado formal de trabalho e possuem os mais altos índices de
desemprego. Demonstrou uma situação de reiterada desigualdade para negros, de ambos os
sexos, no mercado de trabalho no qual a discriminação racial é um fato cotidiano e interfere
em todos os setores sociais.
Quanto à renda familiar, 50% dos entrevistados recebem salários de até R$ 600,00;
42,3% recebem salários na faixa de R$ 600,00 a R$ 1.200,00; e 7,7% recebem de R$ 1.201,00
a R$ 2.400,00. A faixa salarial dos participantes desta pesquisa confirma os resultados da
pesquisa do IPEA em 2003, sobre a questão da renda no Brasil, associada aos indicadores de
pobreza e desigualdade, apontam que 44,1% de negros viviam com renda per capita inferior a
meio salário mínimo (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA E APLICADA, 2005).
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2006b) divulgou resultado da
pesquisa apresentada pelo PME 2006 sobre cor/raça, destacando que os pretos e pardos
recebiam, em média, R$ 660,45. Esse valor representava 51,1% do rendimento auferido pelos
brancos (R$ 1.292,19).
Em relação à análise da escolaridade paterna dos entrevistados, 11,5% não sabem a
escolaridade do pai. Os demais responderam que 11,5% dos pais são analfabetos; 53,8% têm
93
ensino fundamental incompleto; 15,5%, ensino fundamental completo; e 7,7%, ensino médio
completo. Sobre a escolaridade materna, 7,7% das mães são analfabetas; 53,9% têm ensino
fundamental incompleto; 3,9%, ensino fundamental completo; 23,0%, ensino médio; e 11,5%,
ensino médio incompleto. As pessoas que ajudam na despesa da casa dos entrevistados, assim
como seus pais, possuem baixo nível de escolaridade.
Ao discutir a escolaridade do pai dos entrevistados, analisando-se os resultados, podese verificar o alto grau de analfabetismo relacionado ao pai dos alunos entrevistados, situação
essa que tende a persistir neste país caso não haja implementação de políticas públicas
voltadas para educação, principalmente do afro-brasileiro.
Nesse contexto, observa-se que no Brasil, segundo a Agência Globo (2004), 68% da
desigualdade educacional verificada na geração dos pais são transferidos para os seus filhos.
Isso mostra que há uma baixa mobilidade na educação. A escolaridade em geral está
aumentando no Brasil, mas a distância entre aqueles de baixa escolaridade e os que têm
elevada escolaridade ainda é grande.
Manacorda (2006) enfatiza que as estratégias de aprendizagem funcionam por meio de
exemplos de instrumentação para o filho como estímulo para estudar. Em relação aos
participantes desta pesquisa, os pais analfabetos não dispunham de condições para estimular
os filhos. Essa situação é a mesma que se tem visto entre a população pobre deste país,
independentemente de raça ou cor, causada por fatores sociais, políticos e econômicos.
A educação superior não pode ser vista apenas com fins econômicos, mas também
como forma de integração que molda e desenvolve o ser social. Essa também é a visão dos
autores Cunha (1977), Delors et al. (1996) e Silvestre (2003), os quais, ao falarem da
educação, não pensam nesta apenas como meio de obtenção de condição econômica do
homem, mas como busca de seus ideais, o que o ajudará na construção de sua identidade, no
desenvolvimento de suas habilidades e competências inatas e na superação de suas
necessidades. Esse pensamento é confirmado por Silva, E. (2005), ao dizer que a educação dá
suporte ao homem em vários segmentos de sua vida.
No Brasil, as vagas das universidades federais são preenchidas em maior proporção
por estudantes cujos pais exercem profissões de nível superior. Essa colocação foi confirmada
por Queiroz (2002), que, em pesquisa referente à instrução e ocupação dos pais no Brasil,
concluiu que os estudantes das universidades federais pesquisadas são, em elevada
94
proporções, filhos de pais que têm profissão de nível superior ou são proprietários e recebem
salários acima da média dos trabalhadores brasileiros.
QUADRO 1 - Questões e os códigos de significados
Questões
Q10; Q11
Categoria
1. Identidade
Subcategoria
1. Afirmação
2. Racismo
3. Herança cultural
4. Origem africana
5. Cor da pele
6. Miscigenação
7. Características físicas
Q12
2. Mercado de trabalho
1. Aceitação
2. Exclusão
3. Competitividade
4. Falta de oportunidade
Q20; Q21
3. Educação
1. Oportunidade
2. Qualidade de vida
3. Conhecimento
Q22; Q30
4. Percepção social
1. Aceitação
2. Exclusão
3. Racismo
4. Discriminação
5. Preconceito
Q23; Q24
5. Entendimento sobre as cotas raciais
1. Direito
2. Qualidade de vida
3. Igualdade
4. Oportunidade
5. Discriminação
6. Preconceito
Q25; Q28; Q29;
Q31; Q32; Q33
6. Posicionamento sobre as cotas raciais
Q26; Q27
7. Discriminação
1. Igualdade
2. Oportunidade
1. Falta de oportunidade
2. Desvalorização
3. Indiferença
4. Desrespeito
5. Preconceito
Fonte: dados resultantes da pesquisa, 2009.
95
A elaboração do Quadro 1 permitiu identificar a realidade vivenciada pelos
participantes.
Os Quadros de 2 a 8 foram ordenados segundo as subcategorias e suas respectivas
significações (recorte das falas) seguidos das análises e discussões.
QUADRO 2 - Subcategorias e significações da CATEGORIA: “Identidade”
Subcategorias
Significações
Afirmação
… é orgulho. (AD.P16)
Racismo
… para mim… eu nunca tive problema de racismo. (LK.P01)
Herança cultural
Árvore genealógica. (LK.P02)
... que vem de geração em geração. (LK.P04)
É trazer tudo aquilo que foi… toda cultura. (LK.P09)
... ser... uma geração de afrodescendente... (AD.P25)
É ter uma cultura... (AD.P26)
Origem africana
Descendente de negro... (LK.P03)
Vem… dos antecedentes… meus avós… que são negros… (LK.P07)
Para mim é ser assim… da parte dos quilombolas, negro. (AD.P18)
Descendente de africano. (AD.P20)
Origem africana. (LK.P05)
Cor da pele
É aquela pessoa que mantém a sua… cor. (LK.P08)
Ter uma pele escura. (LK.P10)
... acho que é ser da raça, da cor. (AD.P17)
... ter a minha cor... (AD.P23)
É uma pessoa negra, que não há diferença em forma de cor em nada.
(LK.P06)
Miscigenação
Mistura… de raça. (LK.P14)
Características físicas
… ter as características negras. (LK.P13)
Fonte: dados resultantes da pesquisa, 2009.
96
A elaboração do Quadro 2 permitiu identificar a realidade vivenciada pelos
entrevistados. Os participantes das duas instituições se identificam como afro-brasileiros. Nas
falas dos alunos do Instituto Luther King, ser afrodescendente significa racismo, herança
cultural, origem africana, cor da pele, miscigenação e características físicas, e nas falas dos
alunos da Escola Antonio Delfino, verificou-se com afirmação, herança cultural, origem
africana e cor da pele.
Pode-se perceber que a origem africana e a cor da pele se destacam nas duas
instituições. Uma das características mais evidentes no afro-brasileiro é a cor da pele, tanto
que dados da PNAD 2005 demonstram que 6,3% da população brasileira se declaram negra
(grupo racial de pessoas com cores de pele que vão desde o marrom-claro até o quase preto,
pessoas que descendem de povos da África subsaariana), enquanto 43,2% se classificam
como pardos (mestiços). O que confirma o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(2006c), referente ao quesito cor e raça, que o termo “preto” é relacionado com o matiz étnico
da população de origem africana; o termo “pardo”, elemento fruto da miscigenação, passa a
ser um componente da população sem origem étnica, ou então uma parte da população em
disputa na construção da identidade étnica nacional.
Os entrevistados tendem a dar várias significações quanto a ser afro-brasileiro, como
podem ser percebidas em algumas das falas. Afirmação: ... é orgulho; racismo: ... para mim…
eu nunca tive problema de racismo; herança cultural: árvore genealógica. ... que vem de
geração em geração... toda cultura; origem africana: ... vem…dos antecedentes… meus
avós… que são negros… descendente de africano; cor da pele: ... acho que é ser da raça, da
cor... ter a minha cor... ter uma pele escura; miscigenação: ... mistura… de raça;
características físicas:… ter as características negras. O termo “afrodescendente” é o que
qualifica as pessoas que vieram do continente africano e passaram pelo processo de
hibridação e de mestiçagem (PINTO, 1987). A maioria dos participantes representou
afrodescendente conforme o conceito do autor, e apenas um associou o termo a racismo. A
importância dessa questão era um dos critérios de participação na pesquisa, porque para
participar da pesquisa teria que o aluno se identificar como afrodescendente.
97
QUADRO 3 - Subcategorias e significações da CATEGORIA: “Mercado de trabalho”
Subcategorias
Significações
Aceitação
… agora as portas estão se abrindo... hoje as coisas estão melhorando.
(LK.P01)
... no meio entre branco tem poucos negros... eles estão conseguindo
ganhar seu lugar no mercado de trabalho. (LK.P07)
… estão começando... a abrir as portas para nós... (AD.P16)
Está melhorando… (AD.P21)
Exclusão
... meio exclusivo... na maioria das lojas do shopping, você não vê um
funcionário de cor lá trabalhando... é raríssimo... (LK.P02)
.. concorrido... preconceituoso... (LK.P06)
... preconceito... muito difícil. (LK.P08)
... Está difícil, como nas outras raças, mas...um certo preconceito para os
negros. (LK.P09)
Muito difícil... (LK.P10)
... egoísta quanto à... raça. (LK.P13)
... ampliar mais...os valores... (LK.P14)
... grandes discriminações... (LK.P15)
... tem... um pouco de racismo por não ter... oportunidade para os
negros... (AD.P18)
... para as pessoas afrodescendentes, é difícil... (AD.P20)
... o primeiro emprego... para nós, negros, se torna mais difícil... existe
muito preconceito... (AD.P25)
Competitividade
Concorrido. (LK.P03)
... competitivo... tem que ter muitas qualificações... (LK.P05)
... qualificação profissional... (LK.P11)
… um pouco difícil. (AD.P22)
Falta de oportunidade
... muito exigente para as pessoas que estão procurando o primeiro
emprego. (LK.P04)
... deveria ter mais vaga para a gente... (AD.P23)
... não é fácil, mas também não é difícil... (AD.P17)
... não penso nada. (AD.P19)
... tem gente que não tem condição... (AD.P24)
Fonte: dados resultantes da pesquisa, 2009.
98
O Quadro 3 consta a questão: o que você pensa sobre o mercado de trabalho, e nas
falas dos alunos das duas instituições significa: exclusão, competitividade e falta de
oportunidade.
Ao responderem exclusão, confirmam com a PME 2006 que a inserção desigual no
mercado de trabalho também é demonstrada comparando-se a taxa de desocupação dos pretos
e pardos (11,8%) com a dos brancos (8,6%). Entre os empregados com carteira de trabalho
assinada no setor privado (que tem maior proteção legal e melhores remunerações), 59,7%
eram brancos e 39,8% eram pretos e pardos (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA
E ESTATÍSTICA, 2006b).
A competitividade é comprovada pelo relatório intitulado “Perfil Social, Racial e de
Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e suas Ações Afirmativas: pesquisa 2005” que
provou que os negros são minoria em todos os níveis do quadro de funcionários das grandes
empresas do Brasil. São 3% dos diretores e 26% dos subordinados. Quanto maior é a posição
na hierarquia, menor a presença do negro (INSTITUTO ETHOS, 2006).
Os participantes expressaram suas opiniões da seguinte forma: agora as portas estão
se abrindo... hoje as coisas estão melhorando; outros apontaram exclusão: no meio entre
branco, tem poucos negros; competitividade: ... competitivo... tem que ter muitas
qualificações; e falta de oportunidade: ... muito exigente para as pessoas que estão
procurando o primeiro emprego. A inserção desigual no mercado de trabalho também é
demonstrada comparando-se a taxa de desocupação dos pretos e pardos (11,8%) com a dos
brancos (8,6%) (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2006b).
99
QUADRO 4 - Subcategorias e significações da CATEGORIA: “Educação”
Subcategorias
Significações
Oportunidade
… as portas vão se abrir... (LK.P01)
... porque, na verdade, o estudo abre as portas para você... (LK.P02)
... estudar, para mim, é tudo...eu nunca tive essa oportunidade por eu ter
uma filha muito nova e agora voltei a estudar... (LK P08)
... abrir as portas mais para frente... (AD.P16)
Qualidade de vida
... é tudo. (LK.P03)
Senão, você não vai ser ninguém no futuro... (LK.P04)
... sem a educação, você não é nada. (LK.P05)
... é o foco da vida...vai melhorar seu futuro... (LK.P07)
... eu vou ter meu futuro. (LK.P09)
Tentar conseguir algo que os meus pais não puderam me dar... (LK.P10)
... garante o meu futuro... (LK.P11)
... melhoria... condições de vida... (LK.P14)
... cumprir a diferença... (LK.P15)
... um futuro melhor... (AD.P17)
... é o meu futuro... (AD.P 18)
... dar um futuro melhor para o meu filho e para a minha família...
(AD.P20)
Ser alguém na vida... (AD.P21)
... ajudar muito a minha comunidade... (AD.P23)
... ser alguém na vida... (AD.P24)
... crescer na vida.. ver no meu futuro...pensando nos meus filhos... dar
uma boa educação para eles. (AD.P25)
É para garantir o futuro... (AD.P26)
Conhecimento
... é um conhecimento que nunca você vai perder. (LK.P06)
... adquirimos conhecimento... (LK.P12)
... para aprender mais coisas... (AD.P19)
Fonte: dados resultantes da pesquisa, 2009.
100
Os alunos, de ambas as instituições pretendem cursar uma universidade, e nas falas
verificou-se que educação significa: oportunidade, qualidade de vida e conhecimento
(QUADRO 4).
Para eles significa oportunidade, qualidade de vida e conhecimento, mas os dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2006b) contradizem, porque no Brasil, pela
PME 2006, no quesito cor e raça, demonstrou que 25,5% dos brancos com mais de 18 anos
frequentavam ou já haviam frequentado curso superior, em comparação com apenas 8,2% dos
pretos e pardos. Ainda em relação à educação, verificou-se que 20,1% dos pretos e pardos
com dez anos ou mais de idade tinham algum curso de qualificação profissional, enquanto na
população branca esse percentual subia para 25,3%. Em quatro regiões metropolitanas – São
Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Porto Alegre –, pretos e pardos
predominavam entre os que procuravam trabalho. Embora a soma de pretos e pardos
representasse menos da metade (42,8%) da população em idade ativa, eles eram maioria
(50,8%) na população desocupada (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
ESTATÍSTICA, 2006b).
Discorre Silva, M. L. (2007), que segundo a OMS, a qualidade de vida é definida
como percepção individual da posição do indivíduo na vida, no contexto de sua cultura e
sistema de valores, nos quais ele está inserido, e em relação aos seus objetivos, expectativas,
padrões e preocupações. Sendo assim, a qualidade de vida da população afro-brasileira,
demonstrada na PME até março de 2009, não condiz com a definição da OMS, porque,
segundo o indicador, as condições de saúde da população negra são agravadas dadas às
péssimas condições de vida: péssimas habitações, que provocam, pela falta de saneamento
básico e outros, as mais diversas doenças, além dos problemas acarretados pelo trabalho
extenuante e insalubre (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA,
2009a).
Na categoria educação, na fala dos participantes, “oportunidade” significa: as portas
vão se abrir...; qualidade de vida: ... futuro melhor para o meu filho e para a minha família...;
e conhecimento: ... conhecimento que nunca você vai perder. As significações dos
participantes é confirmada por Cunha (1977) quando diz que a educação superior é um
instrumento equalizador de oportunidades, o qual não apenas prepara o indivíduo para a
competitividade, como também o conduz ao longo de toda a vida para o desenvolvimento
social e econômico em qualquer sociedade.
101
QUADRO 5 - Subcategorias e significações da CATEGORIA: “Percepção social”
Subcategorias
Significações
Aceitação
… antigamente, era difícil, agora... eles estão vendo com outros olhos,
estão vendo que o negro é bom.. a sociedade me vê... como se fosse
qualquer um... (LK.P01)
... muitos negros entram na universidade, mas às vezes é muito difícil… O
branco considera a mim como uma pessoa igual a mim... (AD.P18)
... Eu acho bonito isso de... ter essas... colocações... acho que eu estou na
sociedade... procurando o meu espaço... (AD.P21)
... é bem difícil..., acho que é boa a visão... (AD.P26)
Exclusão
... todos têm um propósito de entrar na faculdade.Todo negro quer ser
alguém na vida, assim como... todos os outros.. Mas eu acho que... pode
me ver... acha porque eu não tenho casa boa... não tenho um emprego
bom... que eu sou... uma negra que... vai ter dificuldade na vida... não vou
ter tudo que eu quero na vida por ser negra. (LK.P09)
Muito difícil, porque... a maioria das pessoas que estudam numa
universidade são brancos... poucos... os negros que estão lá. E, quando
estão lá, é com muita... dificuldade... às vezes, o branco não luta tanto
como um negro... Como uma pessoa negra qualquer que às vezes não tem
direito de entrar numa universidade. (LK.P10)
... antes eles eram excluídos por serem negros. Com isso, acredito que vai
melhorar...nosso relacionamento... Eu procuro ser... honesto para que as
pessoas acreditem em mim também... (LK.P12)
... a sociedade, às vezes, não repara a diferença...às vezes, as pessoas vão
levar o currículo e... estudou na mesma universidade... eles vão escolher
outro que é mais claro...olham a aparência, mas não olham o conteúdo.
(LK.P02)
... a sociedade acredita que por alguns não é bem vista. Mas somos iguais
a todos e temos que correr atrás... (LK.P03)
... Eu acho que a... inserção do negro... dentro da universidade é um
pouco... fora... da realidade, que nós vemos hoje... muito poucos... negros
na universidade... o que a sociedade acha de mim que eu sou um
favorecido... tendo cotas... nas universidades. (LK.P13)
... hoje ainda são poucos... lá dentro... (LK.P15)
... estar lá por acaso… escolhido por dedo… podia ter mais vagas... para
a sociedade, algumas coisas são boas, outras são ruins... (AD.P16)
... hoje em dia, eles falam assim, que negro não tem condições de pagar
uma faculdade... tem várias visões, não é todo mundo que tem a mesma
visão, mas eu acho que é bem mau... (AD.P17)
... tem negro, assim, hoje em dia, não tem condição de pagar uma
faculdade... de ter um emprego melhor... acho que fica pensando “será
que esse aí chega lá. Será que ele está tudo bem”. (AD.P24)
Racismo
... algumas pessoas não concordam com isso, que acham que vai
aumentar o racismo no Brasil... a sociedade me vê, uma pessoa qualquer
no mundo que tenta... obter o seu... objetivo. (LK.P04)
102
Subcategorias
Significações
...há diferenças... a sociedade, pela raça, pela cor... deveria abrir mais
cotas, mais chances para nós, pessoas negras... sociedade me
vê...dependendo das pessoas... são racistas... há um preconceito...
(LK.P06)
... é muito bom... tira um pouco daquele racismo... daquela discriminação
pelo negro. Em relação à sociedade, eu acho que a sociedade... meio que
aceitou um pouco, mas não totalmente... a visão que a sociedade tem, um
indivíduo muito neutro. (LK.P11)
... muitas vezes, as pessoas estão... dificultando mais a entrada de...
afrodescendente... (AD.P20)
Discriminação
... as pessoas veem com certo olhar ainda de discriminação... a sociedade
me vê...que eu sou uma pessoa frágil, que não tenho condição de, com
meu próprio esforço, conseguir o que eu quero. (LK.P05)
... pessoas acham que vai ter discriminação... porque vai ficar dando
mais prioridade aos negros, nessa cota... vai existir mais preconceito
ainda, mais discriminação... tem pessoas que não gostam mesmo de
negros, mas eu não... ligo. A sociedade, eu acho que deveria parar com
essa discriminação, porque as pessoas têm que conhecer como você é...
não vai ser assim pela cor que você vai julgar... (LK.P07)
Eu acho que eles veem... com discriminação... (LK.P14)
… Hoje em dia... tem bastante preconceito... principalmente com as
pessoas negras... (AD.P22)
Preconceito
... é preconceito... uma pessoa te olha com diferença... porque você é
negro... uma negra que pode entrar... numa universidade, que pode
estudar, que pode ser alguém na vida... (LK.P08)
Fonte: dados resultantes da pesquisa, 2009.
103
A percepção da sociedade quanto à inserção do afro-brasileiro na universidade é a
impressão que a sociedade tem dele, nas falas dos alunos de ambas as instituições, a
percepção social é de aceitação, exclusão, racismo, discriminação e preconceito (QUADRO
5). As significações são visíveis nos resultados das pesquisas dos indicadores como os do
IPEA, em parceria com o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher, que
lançou o estudo “Retrato das Desigualdades”, trazendo uma gama de indicadores capazes de
retratar as desigualdades que caracterizam a sociedade brasileira. Por meio dessa pesquisa, foi
permitido visualizar, de forma explícita e compreensível, as enormes desigualdades que se
manifestam entre negros e brancos e homens e mulheres nos mais diferentes espaços sociais –
educação, mercado de trabalho, saúde, acesso a bens e serviços e outros (INSTITUTO DE
PESQUISA ECONÔMICA E APLICADA, 2005).
Confirmando os indicadores, Fernandes (1978) diz que no Brasil, em função dos
avanços nas estruturas sociais, a discriminação vai adquirindo novo modelo de exclusão, sem
qualquer garantia de competitividade entre a população negra e a branca. As diferenças ao
longo da história consistem em: a discriminação do período da escravidão inferiorizava o
negro para dar sentido à política vigente; já no período atual, ela impede a ascensão do negro,
justificando-se pela falta de oportunidade e assim levando-o à exclusão social.
A percepção social refere-se à impressão que a sociedade tem dos participantes.
Alguns entrevistados disseram já haver a aceitação: ... eles estão vendo com outros olhos,
estão vendo que o negro é bom; outros indicaram exclusão: ... a... inserção do negro... dentro
da universidade é um pouco... fora... da realidade, que nós vemos hoje... muito poucos...
negros; racismo: algumas pessoas não concordam com isso, acham que vai aumentar o
racismo no Brasil; discriminação: pessoas veem com certo olhar ainda de discriminação; e
preconceito: ... é preconceito... uma pessoa te olha com diferença... porque você é negro.
Chizzotti (2008) relata que a realidade constrói os atores, ou seja, as pessoas veem como
julgam que os outros as veem ou como esperam ser vistas.
Nota-se que, em termos de desigualdades social e racial, a população afro-brasileira
tem mais dificuldades de acessar bens e serviços públicos, mercado de trabalho e ensino
superior e de gozar plenamente dos seus direitos. Todos os fatores sociais citados são
extremamente importantes, mas a educação diferencia o indivíduo, tanto que alguns autores
dizem que ela estabelece quatro objetivos fundamentais: saber ser, saber estar, saber fazer e
saber aprender (CUNHA, 1977; DELORS et al., 1996; SILVESTRE, 2003).
104
QUADRO 6 - Subcategorias e significações da CATEGORIA: “Entendimento sobre as cotas raciais”
Subcategorias
Significações
Direito
… ultimamente, a gente está com um direitinho até bom. Está muito bom o
direito nosso. Que antigamente, nós não tínhamos direito. A gente não
podia entrar na universidade. A gente não tinha condição. Do fato, de ser
negro, você seria burra... Obteve informações sobre as cotas raciais no
Luther King. (LK.P01)
... Cotas raciais... seria um meio para que o negro... consiga um espaço...
informações sobre as cotas raciais, obteve em entrevistas e jornais.
(LK.P03)
... eu entendo assim, que não é preconceituoso por tudo que a gente já
sofreu há anos e décadas... é para melhorar para nós... melhoria para
nós, e nós merecemos... Obteve informações sobre as cotas raciais pela
Internet. Eu corro atrás, eu vejo, pesquiso, TV, assim, das coisas eu tento
me encaixar nisso. Enem... Prouni... (LK.P06)
... O que eu entendo por cota é que o negro tem uma quantia X. Por
exemplo, se tem 15 brancos, acha que ali naquela escola vão três negros
estudar... uma quantia X que tem de negro... para... uma aula, para uma
faculdade... informações sobre as cotas raciais no Luther King...
(LK.P08)
... Eu acho que é um direito dado à pessoa negra por não... ter, assim,
condições muitas das vezes de estar lá... os brancos, na maioria das vezes,
estão dentro das Universidades Públicas. E as cotas serviriam para...
mais pessoas de raças, de cores, peles negras, entrarem... também...
informações sobre cotas raciais na televisão... (LK.P10)
...Eu acho que... as cotas... têm que existir... maioria das pessoas são...
cores negras... Mas ela tem que... ter direito da... Universidade Federal...
informações sobre cotas raciais nas TVs, no rádio... na Internet... Sou
contra... (LK.P14)
Limite de vagas
... eu acho assim... tem uma limitação... como se fosse... um limite
determinado de vagas... é como se fosse um mercado de trabalho: se tem
tantas vagas para as pessoas brancas e... tem dez vagas... Dessas dez
vagas, nove são para os branco e uma só para o negro... informações
sobre cotas raciais: onde você obtém é diariamente, no dia a dia...
conforme vai conversando com as pessoas... através... do... Sindicato do
Trabalho... Você mesmo se depara com... essa informação... (AD.P20)
... Eu acho... cota racial, para mim, são... lugar que a gente pode contar...
para a gente pagar mais ou menos, pouco mais a faculdade... Obteve
informações sobre cotas raciais pela internet... (AD.P24)
... É tipo... abriu uma vaga... ser só para negro, ou... qualquer outro... o
índio... Obteve informações sobre cotas raciais na televisão... (AD.P26)
Oportunidade
... é um meio... de os negros terem uma chance de entrar na
universidade... A cota, ela veio para ajudara gente a poder entrar... com
mais facilidade na universidade... Obteve informações sobre as cotas
raciais: muito pouco que eu vi na reportagem... no jornal, ... com um
pouco de leitura, conhecimento que a gente obtém nos cursinhos da vida...
(LK.P02)
105
Subcategorias
Significações
Ah, é uma oportunidade a mais para as pessoas negras... informações
sobre as cotas raciais pela internet... e alguns amigos... (LK.P04)
Eu entendo que é uma oportunidade a mais para as pessoas... negras...
Obteve informações sobre as cotas raciais através de escolas e outro meio
de comunicação, como televisão, rádio... (LK.P05)
...Olha... a oportunidade de estudo para.. indígenas... negros... pessoas
que vêm de outros país... procurar melhor condição de vida...
informações sobre cotas raciais em conversas com amigos... (LK.P11)
...Entendo o seguinte... as cotas... eu não concordava, mas... com o passar
do tempo fui... concordando com isso... Eu acho correto, as cotas...
informações sobre cotas raciais na internet e também palestras no Luther
King... (LK.P12)
...É... que ela deveria existir para... dar uma normalizada... hoje são
poucos negros na universidade. Se essas cotas ajudam já a ampliar mais
os afrodescendentes na universidade... informações sobre cotas raciais no
instituto mesmo... (LK.P15)
...Cotas raciais, para mim... que tem muito pouco... oportunidade de
emprego, tanto no emprego como na universidade, escola, para o negro...
É isso o que eu entendo por... cotas raciais... informações sobre cotas
raciais, na escola, em palestras... (AD.P18)
... Obteve informações sobre cotas raciais... na revista... (AD.P23)
Discriminação
... Eu entendo que as cotas raciais... sem dúvida é um tipo de
discriminação. Mas é uma discriminação positiva. Tende a igualar as
raças... informações sobre cotas raciais na internet e radiodifusão...
(LK.P13)
Preconceito
... eu acho que isso é um preconceito. Está querendo tampar o sol com a
peneira, porque de... uma forma qualquer, é preconceito. Você está
diferenciando o negro... das outras raças... informações sobre as cotas
raciais... na televisão... aqui no curso que eu estou fazendo... na escola...
em todo lugar... (LK.P09)
... Muito preconceito ainda, mas... não sei estipular, exatamente...
informações sobre cotas raciais na TV... frequência mesmo, convivência...
(AD.P16)
Fonte: dados resultantes da pesquisa, 2009.
106
Quanto ao entendimento sobre as cotas raciais, os participantes do ILK entendem
como: direito, qualidade de vida, oportunidade, discriminação e preconceito e para os alunos
da ADP, as cotas raciais, eles entendem como oportunidade, igualdade e preconceito.
Percebe-se que nas duas instituições os entrevistados disseram oportunidade e preconceito
(QUADRO 6).
Oportunidade porque, conforme Gomes, J. (2001), a cota racial é uma medida
governamental. Na educação superior, ela tem o objetivo de incluir por meio de vagas em
instituições públicas, na luta contra as desigualdades das minorias étnicas e raciais e dos
grupos sociais vulneráveis. Confirmando essa afirmação, Souza (2005), ao abordar o sistema
de cota racial no Brasil, menciona que essa medida beneficia o afro-brasileiro, que é um grupo
vulnerável, e visa ao desenvolvimento deste para gerar-lhe oportunidade em todos os
segmentos sociais.
Nas falas disseram que as cotas raciais são direito: ... ultimamente, a gente está com
um direitinho até bom. Está muito bom o direito nosso. Que antigamente nós não tínhamos
direito; limite de vagas: ... um limite determinado de vagas; igualdade: ... porque nós temos
direito de estar na universidade, e eles tem que ver que o negro... não é só para trabalho;
oportunidade: ... é uma oportunidade a mais para as pessoas negras... facilita a nossa
entrada na universidade e também garante um futuro melhor para a nação. Um dos papéis da
Universidade Pública quanto às políticas de ação afirmativa por meio das cotas raciais, na
concepção de Barbieri (2006), é ser agente de inclusão social, dando condições de acesso à
educação aos grupos sociais vulneráveis.
E preconceito, porque alguns alunos têm receio de serem discriminados em sala de
aula por serem cotista, tanto que Gomes, F. (2008) diz: “[...] A cota é um paliativo, mas a
verdadeira cura é a cidadania, a justiça e a igualdade social.”
107
QUADRO 7 - Subcategorias e significações da CATEGORIA: “Posicionamento sobre as cotas
raciais”
Subcategorias
Significações
Igualdade
Sou a favor, porque nós temos direito de estar na universidade, e eles têm
que ver que o negro... não é só para trabalho... Negro também é... para
profissões boas... muito bom... Tem que ter mesmo... cota, senão a gente
não consegue. Depender simplesmente de você chegar lá... Eu acho muito
bom... Eu acho que para eles não é bom... a gente ter cota... eles acham
que só o branco vai conseguir... que o negro não consegue... eu acho que
a gente, tendo cota, eu acho ótimo... Porque agora nós vamos conseguir...
vamos chegar lá... eu não me sentiria muito bem, porque... se eu estou
meio na cota acho que é porque... não está legal. Porque eu tenho que me
sentir bem, tenho que sentir que eu tenho capacidade. Não pela cota, mas
pela minha capacidade de chegar lá... Não... acho que não... tem que ter
não só o afro, mas o índio... Também... Tem o japonês também... as
pessoas... sempre falam: “Ah, o amarelo! Ah, o índio... Não!... Eu acho
que todos têm que ter”. (LK.P01)
... sou a favor... Ajuda... as pessoas que têm menos... situação financeira a
entrar na universidade particular... racismo? É porque algumas pessoas
escondem que não existe racismo no Brasil. Aonde fala que... pode
prejudicar na função das cotas... muita discórdia... porque as pessoas não
sabem muito bem o que são cotas... Sentiria muito feliz... Não. Eu acho
que tem que ser em geral, para não ter uma discórdia... só fala que negro
que está... entrando tudo, que negro é aquilo, negro é isso. Acho que tem
que ser mesmo geral, em todos os sentidos. (LK.P04)
... eu sou a favor, porque... eu acho... que não há diferença. Eu acho que a
gente necessita, sim, as pessoas negras... já sofreram agora, como é para
vir uma coisa boa para nós, nós necessitamos, sim. Não é preconceituoso,
não... eu acho que melhora... eu acho que vai ser melhor... Muitas pessoas
não aceitam... muitos negros acham que é preconceito isso. Acho que não.
Acho que é melhoria para nós, que nós merecemos... porque muitas
pessoas não vão concorrer... vai ter mais vagas para as pessoas negras,
que merecem. Eu acho que por causa disso mesmo. Acho que é isso,
preconceito... eu me sentiria bem como todos... Não apenas o
afrodescendente, como os índios e as pessoas que não têm como... eu acho
que a cota vai ser boa, sim, para nós. (LK.P06)
... Eu não sou contra, nem a favor: fico no meio... eu acho que é bom e
acho que é ruim também, por causa dessa parte de discriminação... mas...
bom por um lado e ruim pelo outro... na universidade, a função das cotas
é ajudar o negro. Ajudar... as pessoas que não podem pagar faculdade, as
pessoas que são negras, que... não conseguem entrar na particular... A
sociedade discrimina, a sociedade tem uma justiça muito grande a
cumprir por causa disso, porque pessoas brancas, eles colocam que é...
que têm antepassados, antecedentes negros. Eles colocam para ganhar a
cota. Porque... só os negros, aí eles acham isso uma injustiça... É bem
polêmico... mas a sociedade... as pessoas acham que não... com essa cota,
só os negros iriam entrar... acho que... deveria existir... não só para os
negros... para os deficientes também deveria, porque tem poucas cotas.
Não tem quase nada paras pessoas que são deficientes físicas... Eu iria
ficar alegre... pelo menos estão valorizando a raça, a cor. Mas também...
poderia ser discriminada dentro da... sala, porque eu fui... por causa das
cotas de negros... mesmo assim, eu iria ficar feliz... não iria ligar... Não
108
Subcategorias
Significações
só o afrodescendente... deveria ser todo mundo igual... deveria ser assim,
o mundo inteiro... Não ter essa discriminação... (LK.P07)
... Eu sou contra... porque... ao invés de estar favorecendo... assim, podia
estar favorecendo de uma outra forma, mas... eu vejo que é preconceito,
porque está diferenciando. A gente... eu acho que negro não é diferente de
qualquer outra pessoa. Todo mundo é igual... vejo que... alguns...
aproveitam isso... de uma certa forma ele vai aproveitar porque existe a
cota. E a universidade... entregando essas cotas... ela pode estar
oferecendo aí um... o fato de ela não ser discriminante da... da raça
negra... dos afrodescendentes... Eu acho que... estão aceitando bem...
acho que está achando que está acabando com o preconceito no Brasil. A
sociedade acha que isso vai acabar com o preconceito, mas totalmente ao
contrário, eu acho... Por uns acharem que é certo, por outros acharem
que não... uns aproveitam, e outros acham que é errado... me sentiria um
pouco mal se... eu acharia que estaria sendo diferente das outras
pessoas... acho que... não. Não deveria ser só os afrodescendentes, porque
assim como tem preconceito com os afrodescendentes, tem também com
os deficientes... os índios, japoneses... (LK.P09)
...Com certeza, a favor... por ter pessoas... de peles negras dentro da
sociedade, lutando e tendo carreira também... sendo um... promotor... um
juiz. Também ter... oportunidade de vencer na vida... Eu acho que...
estamos dando um passo a mais... Muito ruim. Eles não aceitam...
estamos... numa sociedade onde... a maioria dos brancos... vai recriminar
e tentar tirar fora... as pessoas negras da sociedade para lutar por uma
vida melhor... Em partes, orgulhosa. Mas em partes, não porque... eu
acho que a sociedade tinha que ser inteiramente igual. Para negros e
brancos... temos inteira condições de entrarmos, mas... por uma sociedade
racista, não entramos. Então... cotas, nós temos inteiramente... Porque é
quem mais sofre discriminação. (LK.P10)
... sou a favor. Porque... eu acho que nem a igualdade serve para todo
mundo, independentemente de raça... etnia... ou a região onde mora,
país... muitas pessoas... veem o racismo... como favorecimento para
algumas pessoas... Eu acho que cada um tem o seu mérito. Por mais que
ele seja afrodescendente, ele também estudou... lutou para conseguir essa
oportunidade... Muito indecisa... A falta na busca da informação... Igual a
qualquer um... Não... acho que... tanto... o negro... quanto o índio... o...
pardo ou o branco... porque cada um tem seu mérito pessoal... (LK.P11)
... Sou a favor... porque... às vezes... as pessoas... têm condição...
desenvolver melhor... e não conseguem... entrar na faculdade... para fazer
o curso... as pessoas não... estão valorizando as pessoas... de cores. Só
valorizam o dinheiro... Eu acho que tratam os... os descendentes...
minoria... não acham bem... que as pessoas... de cores... negras, não têm
direito de estar na Universidade Federal... Porque as pessoas ricas
favorecem mais a elas... E não... dão oportunidade às pessoas carentes...
seria bom... Já iria melhorar bastante... Não, eu acho que tem que ser
para todos... (LK.P14)
... Sim, a favor... porque... há muito tempo... que falam... que os brancos
estudam. Agora que estão começando os negros... a entrar na
universidade, mas estão em poucas... muito pouco. Essa cota vai
favorecer para não entrar mais afrodescendente na universidade... O
acesso à universidade... Uns falam que as cotas... vão aumentar o
109
Subcategorias
Significações
racismo. Mas eu acho que não, porque... a maioria dos afrodescendentes
estuda em Escola Pública...não tem o mesmo estudo... dos brancos, que
estudaram, a maioria... na escola particular... Acho que está bem
dividido... Porque tem muitos que aceitam e muitos... que falam que vai...
aumentar o racismo, essas cotas. Mas eu acho que não... Porque o
assunto já é polêmico... Ah, eu me sentiria bem... Não. Eu acho que os
afrodescendentes... a sociedade carente... Enfim... o todo. (LK.P15)
Oportunidade
... Eu sou a favor porque... facilita nossa entrada na universidade e
também garante um futuro melhor para a nação... não vejo racismo na
questão das cotas... que nem a gente fala: “Ah, é... vamos colocar cota,
mas isso continua sendo racismo porque vai separar. Fulano só entrou
porque ele é negro”... os dois têm que caminhar juntos... a questão da
cota e a questão da entrada na universidade... não vejo racismo em
colocar cota nas universidades. Para mim... não tem... Muitos debatem...
falam: “Ah, mas... eles querem acabar com o racismo, mas estão sendo
racistas na hora em que colocam as cotas”. Eles acham... o contrário de
muitos... Você vê que a maioria é contra... porque a maioria das pessoas
não conhece. Acha que “Ah, vou apoiar a cota, vou chamar todos os
negros para entrar na universidade”. Não. Não é assim. Tem todo um
processo... E as cotas... é aquela história, é falta de conhecimento.
Quando você não tem conhecimento, você apoia contra. É fácil ser contra
aquilo que você desconhece... eu me sentiria orgulhosa. Porque, além do
meu esforço, ainda tive uma oportunidade a mais de entrar... Não. Eu
acho que deveriam também... os deficientes auditivos, as pessoas com
problemas de visão, porque eles também têm pouco acesso... têm pouca
possibilidade também, porque a maioria das pessoas às vezes observa
que... o cego, a pessoa aparentemente não parece, mas aí a pessoa,
conversando, ela começa a notar que ele tem... dificuldade de enxergar...
se colocar cota, ele também vai poder cursar uma universidade... um
professor especial... uma oportunidade como eu, que enxergo... que
escuto...no caso, o surdo... Então, é uma oportunidade para todos.
(LK.P02)
... Sou a favor. Porque precisamos mostrar que somos iguais aos outros...
a cota para os afrodescendentes, eu acho interessante, acho importante...
são poucos a favor e muitos contra... Porque os que são contra... acham
que os negros, afros não têm... direito... Me sentiria muito importante...
sim. Porque já fala afrodescendentes... (LK.P03)
... Eu sou a favor porque eu acredito que todas as pessoas têm que ter a
possibilidade de entrar na universidade... uma relação de aproximação
entre a universidade e o afrodescendente, porque eu creio que ainda um
grande espaço entre os dois... acho que ainda há um preconceito, porque
as pessoas não procuram se informar sobre isso... Pelo fato de
informação. As pessoas não se informam e acabam detonando o assunto...
Eu me sentiria normal... qualquer um tem o direito de estar lá...
independentemente do meio... Não... também outras pessoas... todos têm
que ter oportunidades... todos têm direito à Educação... (LK.P05)
... eu sou a favor! Com certeza... negro também é ser humano. Então, tem
que estudar também igual a um branco, outro qualquer que quer estudar.
O negro também tem direito... a polêmica já vem porque... a primeira
coisa que eles acham, na minha opinião: “É negro!”. Acham que já não
pode, entendeu?... já começa aquela crítica... começam a criticar isso...
110
Subcategorias
Significações
criticar aquilo. Acha que é só branco que pode... eu me sentiria bem
elogiado, claro!... com certeza! (LK.P08)
... Sou a favor, porque... essas pessoas eram discriminadas, e hoje estão
tendo a oportunidade... de ingressar na universidade, por meio de cotas...
eu espero que também se puder melhorar, muito, e... essas pessoas se
sentem... rejeitadas, por serem negras... Uns concordam, e outros não...
Às vezes, acontece muita polêmica no meio das pessoas que... é... pessoa
de classe... média, que até então é a maior força nas universidades. E com
isso... ele sente um pouco isso... eu ia me sentir prestigiado... ia ser mais
uma oportunidade... sim, porque essas pessoas, às vezes, se sentem...
humilhadas pela sua cor. E com... a oportunidade que... está tendo
agora... eles vão se sentir... feitos... (LK.P12)
... Sou a favor das cotas. Porque ela é uma discriminação... mas a favor...
de extinguir a discriminação, de uma forma que possa igualar as raças...
A relação... entre o racismo e o acesso à universidade em função das
cotas... ainda não atingiram... a meta de números de negros dentro... das
universidades... Aceitação é baixa. Ainda as pessoas acham que cotas... é
favorecer o negro ou... o índio... acho que... Porque as pessoas têm uma
visão errada de que... é um favorecimento ao negro. Porque, na verdade,
não é... é uma forma de... combater até mesmo a discriminação... Eu me
sentiria muito... muito feliz e grato porque é... uma oportunidade que está
dando para... extinguir... o racismo... deveria contemplar os
afrodescendentes e... estudantes de Escola Pública. (LK.P13)
... Acho que sou a favor... Ah, na sociedade em que... nós estamos... é um
pouco difícil... porque quase ninguém aceita... (AD.P22)
... Eu sou a favor, porque eu mesmo não tenho condições de pagar um
faculdade... Eu acho... que não... acho que eles estão querendo ajudar a
gente... os próprios negros às vezes... não aceitam... sobre esse assunto...
Porque a gente vê nos jornais... O pessoal fica debatendo sobre isso... eu
gostaria muito, porque eu não tenho condições de pagar... Eu acho que
não. Eu acho para quem precisa. (AD.P23)
Fonte: dados resultantes da pesquisa, 2009.
111
Já quanto ao posicionamento sobre as cotas raciais, nas falas dos alunos de ambas as
instituições, as subcategorias são de igualdade e oportunidade (QUADRO 7). O que confirma
Contins e Sant’Ana (1996) quando diz que as ações afirmativas têm como função específica a
promoção de oportunidades iguais para pessoas vitimadas por discriminação. Seu objetivo é,
portanto, fazer com que os beneficiados possam vir a competir efetivamente por serviços
educacionais e por posições no mercado de trabalho.
Na área de educação o afro-brasileiro necessita de igualdade e oportunidade e, nessa
perspectiva, é que, no Brasil, as políticas de ações afirmativas voltadas para área de educação
têm por objetivo qualificar a população negra, sendo organizadas sobre a base de cotas –
como no caso de medidas de reserva de certo número de vagas nas universidades para alunos
negros – ou sem o estabelecimento de cotas – como no caso da instalação de cursinhos
preparatórios para jovens negros, sejam para vestibulares, sejam para concursos públicos
(JACCOUD; BEGHIN, 2002).
Por meio de ações afirmativas com as cotas raciais na educação superior é que o afrobrasileiro poderá desfrutar de igualdade e oportunidade, porque as ações afirmativas são
políticas públicas implantadas com o objetivo de sanar a exclusão social das minorias étnicoraciais, tentando superar as desvantagens sociais sofridas por essas populações, bem como
compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização por motivos raciais,
étnicos, religiosos, de gênero e outros (NASCIMENTO, 2007).
Confirmando esse posicionamento, visando à igualdade e oportunidade, porque o
principal objetivo das ações afirmativas é promover condições para que todos na sociedade
possam competir igualmente pela conquista de tais meios, no Brasil, as ações afirmativas na
educação são apresentadas essencialmente como programas de cotas, isto é, são medidas que
priorizam a inserção social de grupos minoritários com histórico de exclusão, por meio da
reserva de vagas (GUARNIERI; MELO-SILVA, 2007).
112
QUADRO 8 - Subcategorias e significações da CATEGORIA: “Discriminação”
Subcategorias
Significações
Falta de oportunidade
... discriminação é você não ter as portas abertas na hora em que você
precisa... trabalho, você não consegue. Chegar lá, você não consegue...
Não. Eu nunca fui discriminada... (LK.P01)
... é falta de oportunidade... as pessoas não darem oportunidade para uma
pessoa, pela cor... e pelo que ele é... Sim. Já fui discriminado. (LK.P12)
Discriminação... Tem de vários tipos. Tem umas que já são direto com a
pessoa... Tem outras que são... escondidas... Você vai fazer uma entrevista
num setor... mas você nunca é chamado... (LK.P15)
... a gente... chega num lugar, a pessoa fala assim, que não tem vaga,
sendo que tem... Então... não ter um lugar... espaço para nós... negros...
Não. (AD.P21)
Desvalorização
... vamos supor que... Às vezes, a pessoa olha para o outro que está ali
vestido humildemente... tem uma conclusão completamente ao contrário
do que ele é... pessoa não observa... vê que ele está quietinho lá, mas, por
exemplo, às vezes... “Ah, fulano não tem cultura”... (LK.P02)
... discriminação para mim é... você vai... arrumar um... trabalho... já te
olham torto porque você é negro. Ou... numa escola... você já é
discriminada. Então... o negro já acha que... porque é negro, já está
discriminado... já fui... (LK.P08)
... Discriminação para mim é o jeito de você agir com a pessoa, não só
por... ser negra... pelo jeito de se vestir... pelo jeito de falar... Se uma
pessoa chegar em algum lugar de chinelo... pode ser que seja
discriminado pelo modo como está se vestindo... Várias vezes. (LK.P09)
Indiferença
... Sim. Já fui... me senti diminuída... diferente das outras. (LK.P03)
... é uma pessoa não aceitar uma pessoa de cor e raça... humilhar a
pessoa pela base da sociedade dela, se ela é rica, se ela é pobre, se ela é
branca, se ela é preta... é preconceituoso você julgar a pessoa... Ah, sim,
já, já fui. (LK.P06)
... é julgar a pessoa só pela cor, não conhecer a pessoa pessoalmente,
viver com ela... saber a opinião dela. Não... acho que a pessoa tem que...
conhecer nós mesmos... quem realmente somos. Não é pela cor, se é
branco ou preto... Já. Bastantes vezes, já. E as pessoas ficam xingando:
“Ah... sua neguinha!...” Eu acho que isso machuca... (LK.P07)
... A partir do momento em que você não aceita diferença do seu
próximo... Olha, nunca. (LK.P11)
... não ter respeito, tratar os outros com... com olhar diferente... Eu... eu já
fui discriminado, sim. (LK.P14)
... É quando você discrimina uma pessoa... sendo negro, deficiente... tem
algum problema que a sociedade discrimina essa pessoa... Já... (AD.P17)
... É você não gostar de uma pessoa negra porque ela é negra... Não.
(AD.P18)
... quando uma pessoa branca não gosta de uma pessoa negra... Já.
(AD.P19)
113
Subcategorias
Significações
... É quando a pessoa olha e fala... “Credo! Eu não gosto daquela negra.
Como aquela negra é...”, “Aquela negra é muito feia. Aquela negra é
fedida”. Isso, para mim, é uma discriminação... Não. (AD.P24)
Desrespeito
... discriminação?... É você não... respeitar a opinião da pessoa. Agir
como se ela fosse qualquer um, sendo pobre ou rica... Sim. Já. (LK.P04)
... Discriminação é xingar... por exemplo... “Negro fedido”... Já...
(AD.P16)
... vamos supor... é mesma coisa uma mãe tem um filho branco, e a outra
tem um filho negro... uma fala assim: “Ah, não deixa brincar perto dele
que... pode passar a cor dele para ela”... Isso aí é uma discriminação
racial... muitas vezes a pessoa fala assim... “Ah... Ô Negão! Ô não sei o
que lá”, brincando, mais já é... discriminação... Já. (AD.P20)
... uma coisa horrível! É uma coisa fútil... Não. (AD.P22)
... quando você discrimina alguém... não só, independentemente... de cor,
raça... Não. (AD.P23)
... Discriminação é a pessoa tirar o sarro... da nossa cor... é para zoar...
chamar “... carvão”... Eu já. (AD.P25)
... É você ser excluído... da sociedade pelo que você é... Já. (AD.P26)
Preconceito
... Discriminação para mim é... ter que... há certos pensamentos que você
não conhece a pessoa, não conhece a origem... acaba
tendo...preconceito... Sim. (LK.P10)
... você vai a um emprego, existe uma pessoa branca... com você, você é
negra... mesmo que você tenha qualidade... o seu currículo mostra que
você tem a qualidade... porque a pessoa é branca, eles escolhem uma
pessoa branca de aparência mais bonita... te deixam de fora, mesmo que
seu currículo seja bom... Já. (LK.P05)
Discriminação é sofrer preconceito e segregação... devido à sua cor ou
suas características físicas... Sim. (LK.P13)
Fonte: dados resultantes da pesquisa, 2009.
114
Nas falas dos alunos do ILK, discriminação para eles significa falta de oportunidade,
desvalorização, indiferença, desrespeito e preconceito e nas falas dos alunos da ADP, a
discriminação significa: desrespeito, indiferença e falta de oportunidade. Os alunos de ambas
as instituições entendem discriminação como sendo falta de oportunidade, indiferença e
desrespeito (QUADRO 8).
A discriminação racial no Brasil vem permeada por desrespeito, indiferença e falta de
oportunidade, porque a população negra não tem preparo para competir com a população
branca, pois ocupa postos precários e também mais vulneráveis por falta de oportunidades
interferindo em muitos segmentos sociais, desde o período da abolição, permanecendo essa
política ainda hoje, mas com novos perfis. Os indicadores econômicos, em pesquisas sociais e
raciais, demonstram a desigualdade entre a população branca e negra no país; essa
desigualdade está alicerçada na discriminação racial e viola o direito à cidadania (BENTO,
1990).
Discriminação:.. as pessoas veem com certo olhar ainda de discriminação;
preconceito: ... eu acho que isso é um preconceito.
A educação superior colabora para a constante construção do homem ao longo da vida.
Cunha (1977) acrescenta que a educação superior não apenas prepara, como também conduz
o indivíduo ao longo da vida. Essa construção beneficia não apenas a pessoa, mas toda a
sociedade. Segundo Ballenato (2008), a sociedade constrói-se a partir da educação.
A exclusão do afro-brasileiro no acesso à universidade pública, demonstrada nesta
pesquisa, é confirmada por Seyferth (2002) quando diz que o racismo no Brasil, permeado por
um discurso multiculturalista, se acomoda no quadro de desigualdade em que há exclusão de
grupos e minorias étnicas – a isso se dá o nome de racismo.
Aos entrevistados disseram que a discriminação em relação ao acesso à educação
superior significa falta de oportunidade: discriminação é você não ter as portas abertas na
hora em que você precisa...; desvalorização: ... discriminação para mim é... você vai...
arrumar um... trabalho... já te olham torto porque você é negro. Ou... numa escola... você já é
discriminada; indiferença: ... agir como se ela fosse qualquer um, sendo pobre ou rica, é uma
pessoa não aceitar uma pessoa de cor e raça... humilhar a pessoa pela base da sociedade
dela; desrespeito: ... discriminação é a pessoa tirar o sarro... da nossa cor... é para zoar...
chamar “... carvão” ...; preconceito: ... você vai a um emprego, existe uma pessoa branca...
115
com você, você é negra... mesmo que você tenha qualidade... o seu currículo mostra que você
tem a qualidade... porque a pessoa é branca, eles escolhem uma pessoa branca de aparência
mais bonita... te deixam de fora, mesmo que seu currículo seja bom. Ao discutir sobre
discriminação, na concepção dos entrevistados, os conceitos que eles elaboraram estão de
acordo com Nogueira (1996) e Hasenbalg (1979), que falam das preferências e distinções com
intenção de eliminar as igualdades de oportunidades.
Nesse contexto, a Psicologia Social Comunitária, utilizando as práticas psicossociais,
poderá intervir na educação da população afro-brasileira por meio de políticas públicas
visando ao enfrentamento da desigualdade educacional, com o objetivo de promover a
igualdade de oportunidade, no sentido de educação ao longo da vida, o que contribuirá para a
transformação
dessa
população,
destacando
seus
princípios
e
valores
para
o
autoconhecimento, socialização de saberes e convivência comunitárias, a serem
desenvolvidos na comunidade, fortalecendo-os e ajudando-os na sua construção. As
intervenções visam ao:
a) conhecimento da história e a trajetória do negro no Brasil, para conscientização
sobre ser afro-brasileiro, com o intuito de assumir sua identidade e entender suas
necessidades e aceitar as ações afirmativas em um redirecionamento com o
propósito de inclusão;
b) empoderamento da população perante o racismo com a possibilidade de combatê-lo
de forma ativa;
c) aprimoramento da capacidade e da interação do estudante afro-brasileiro com
reforço escolar, orientação profissional para melhor qualificação, organização de
cursos preparatórios para o vestibular, melhorando sua autoestima com perspectivas
de variadas realizações visando à inclusão da educação superior na população afrobrasileira (CRUZ; FREITAS; AMORETTI, 2010; FREITAS, 2009; MACHADO,
2004).
116
7
CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS
117
Esta pesquisa buscou colaborar para que a sociedade compreenda o que é a cota racial,
pois a falta de entendimento tem gerado grande polêmica, fato este demonstrado neste
trabalho. É preciso que se entenda que a cota racial é uma forma de obtenção da educação
superior para o afro-brasileiro carente, é uma medida temporária e apresenta-se como uma
forma de inclusão social.
A desigualdade social e racial da população afro-brasileira em relação à população
branca é visível na sociedade. Tal fato é comprovado na cor da maioria da população das
favelas, dos presídios, dos desempregados, dos que recebem salários mínimos, dos menos
qualificados, dos sem-teto, das empregadas domésticas, dos alunos que trabalham o dia todo e
estudam à noite nas escolas públicas, das crianças que, nas ruas, pedem ou vendem alguma
coisa nos semáforos.
As políticas de ações afirmativas são políticas sociais de apoio e de promoção aos
excluídos socialmente, com o objetivo de atingir a igualdade social. No Brasil, as cotas raciais
são políticas de ações afirmativas que visam ao acesso da população afro-brasileira à
educação superior.
A educação tem um valor imprescindível à interação de um membro em sociedade.
Ela objetiva a evolução dos povos na socialização, na qualidade de vida, já que por meio da
escola é que se adquirem conhecimentos e estrutura para qualquer circunstância na sociedade;
dá suporte no desenvolvimento da capacidade potencial. Assim, a escola é lugar de interação
onde o afro-brasileiro irá assimilar parâmetros de conhecimentos e de reflexão, preparando-se
para desempenhar seu papel social.
O afro-brasileiro necessita de políticas de ações afirmativas por meio de cotas raciais
para educação superior, para proporcionar o resgate social por longo período da história em
que foi discriminado. Pelo passado histórico da colonização do Brasil, com o regime de
escravidão do negro, o país desenvolveu um crescimento social e econômico desigual, o que
explica as disparidades que os indicadores econômicos mostram. As desigualdades refletemse na qualidade de vida da população em vários aspectos, como saúde e educação, e também
no trabalho, no qual negros e pardos ocupam postos com piores remunerações.
Nesta pesquisa, os participantes responderam que os aspectos favoráveis das cotas
raciais na educação superior para o afro-brasileiro são: oportunidade para tentar conseguir o
que os pais não tiveram condições de dar; qualidade de vida, porque garante o futuro e faz a
118
diferença; e conhecimento, porque aprende a ser. Já os aspectos desfavoráveis são o receio de
serem discriminados, já que alguns dizem que as cotas podem aumentar o racismo, porque
algumas pessoas não concordam com essa prática. Porém, o que influencia o negro é uma
inibição generalizada e arraigada contra a utilização de um direito e uma oportunidade de
igualdade, mesmo quando esta lhe é concedida.
O entendimento e posicionamento que os participantes têm sobre as cotas raciais na
educação superior são: direito, igualdade e oportunidade. Direito como forma de inclusão;
igualdade a todos, sem distinção, no acesso a bens fundamentais, como a educação e o
emprego; e oportunidade, que facilitará a entrada do afro-brasileiro na universidade, também
garantindo um futuro melhor para a nação. A desigualdade existe, e os indicadores
econômicos confirmam que o afro-brasileiro é penalizado com taxa de escolarização inferior à
da população branca.
A cota racial é uma ferramenta social fundamental para que o país tenha menos
desigualdade social. Mas, para isso, é necessário esclarecimento quanto a essa política, tanto
para a população em geral quanto para o próprio afro-brasileiro. Neste trabalho, percebe-se
que grande parte dos participantes demonstrou desconhecimento sobre uma questão que diz
respeito a eles próprios e até mesmo sobre o significado e objetivo desse sistema de inclusão.
As cotas raciais na educação superior para o afro-brasileiro terá uma função social
significante, que compensará esse desequilíbrio existente, de modo a erradicar as
desigualdades sociais. Os afro-brasileiros que terão o privilégio de ser beneficiados com essa
medida resgatarão sua autoestima, sua dignidade e também a democracia racial. Para essa
população, as políticas positivas de índole social são questão de democracia, cidadania e
resgate histórico. São políticas públicas que visam à redução das desigualdades sociais
existentes no país e um objetivo fundamental de organização política prevista na Constituição.
Talvez elas não tenham o poder de acabar com a exclusão social, porque nem todos os afrobrasileiros em situações precárias de pobreza terão acesso à educação superior, mas aos
beneficiados elas farão a diferença.
Para os que são contra as cotas raciais, avaliar a cor da população brasileira pode
incorrer em injustiças, já que no Brasil há miscigenação e seria difícil saber quem é o afrobrasileiro. Nesse caso, as cotas raciais teriam sentido se fossem para beneficiar os negros
pobres, uma vez que grande parte da população brasileira é negra e de classe baixa.
119
As cotas raciais na educação não serão distribuídas desordenadamente aos alunos afrobrasileiros, pois, para usufruírem das cotas, terão, no ato da matrícula, de fazer opção do
benefício. Após isso, o aluno se submeterá às provas do vestibular e, se for aprovado com a
média mínima exigida por lei, então, irá competir com os afro-brasileiros no percentual de
vagas destinadas a essa população. Assim, não serão formados alunos desqualificados, porque
a sua aprovação no vestibular para a universidade pública respeitará a média exigida por lei.
Para os participantes da pesquisa, as cotas raciais na educação superior significam um
direito. Para o afro-brasileiro ingressar na universidade por meio das cotas raciais, ele deverá
ser de cor preta ou parda e optar pelo sistema de cotas raciais. As cotas definem-se como um
conjunto de estratégias, iniciativas ou políticas que visam a favorecer grupos ou segmentos
sociais que se encontram em piores condições de competição na sociedade, sendo esta a razão
de ser da ação afirmativa. O ingresso à universidade por meio das cotas raciais significa
igualdade de oportunidade para o afro-brasileiro.
A Psicologia Social Comunitária poderá intervir no grupo alvo da pesquisa trazendo
fortalecimento em relação às cotas raciais na educação superior, utilizando formas de
trabalhar, no sentido de compreender a realidade dessa população, e atuar na construção de
sua personalidade. Isso para que os afro-brasileiros tenham condições de serem sujeitos em
sua comunidade, percebendo sua própria realidade, o que possibilita a construção de novos
sentidos, novos registros diante da necessidade da comunidade na construção de sua
cidadania.
Como pesquisadora, a justificativa desta pesquisa está na busca da conscientização e
reflexão por parte da sociedade, considerando as cotas raciais como forma de inclusão porque
para um cotista ser aprovado no vestibular, ele terá de obter a média necessária para a
aprovação no vestibular e concorrer com os cotistas no percentual de vagas disponibilizadas
por meio das cotas raciais para o afro-brasileiro.
As considerações aqui apresentadas, não pretendem ser definitivas por ser fruto de
pesquisa realizada em apenas duas instituições, mas uma contribuição ao meio científico,
sendo uma pequena amostra em um país onde existem muitas outras. O objetivo principal foi
apenas identificar os aspectos favoráveis e desfavoráveis das cotas raciais para o afrobrasileiro, visando à educação superior, com o propósito de mostrar que o afro-brasileiro tem
a sua própria percepção das cotas raciais para educação superior e de suas repercussões
120
sociais em relação à discriminação racial. É na incessante busca de formas para mudar o
quadro de desigualdade entre brancos e negros que as cotas raciais na educação superior seria
necessário, apenas como uma forma de garantia, acesso e permanência na educação superior
para o aluno afrodescendente brasileiro. O uso dessa política seria temporário, até igualar o
acesso à educação superior para todos os brasileiros. Espera-se que a educação no Brasil seja
de qualidade e os alunos que iniciarem o ensino básico já tenham respaldo de uma educação
que não necessite de medidas de reforço, mas um sistema educacional eficaz, com seriedade,
respeito mútuo, justiça, solidariedade e igualdade.
121
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137
APÊNDICES
138
APÊNDICE A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Título do Projeto:
AS COTAS RACIAIS PARA O AFRODESCENDENTE BRASILEIRO NA
EDUCAÇÃO SUPERIOR
Pesquisadora:
Nome: Joanna D’Arc de Paula Almeida
CPF: 804.122.548-91
RG: 259.485 SSP-MS
Telefone: (67) 3382-7598
Endereço: Rua Itiquira, n. 234, CEP 79021-290, Campo Grande, MS
Orientadora:
Nome: Drª. Heloisa Bruna Grubits Freire
Telefone: (67) 3312-3605
Endereço: Avenida Tamandaré, 6.000, Jardim Seminário, CEP 79117-900, Campo Grande, MS
A presente pesquisa tem como objetivo identificar os aspectos favoráveis e desfavoráveis das cotas
raciais para o afro-brasileiro.
Justifica-se esta pesquisa porque necessitamos que a sociedade venha refletir e defender coletivamente
o acesso deste estudante ao ensino superior; desta forma, rompemos com o silêncio e garantimos os
direitos do afro-brasileiro, que sofre uma segregação histórica de desigualdade étnico-racial que
abrange todos os segmentos de nossa sociedade.
A metodologia desta pesquisa apresenta uma abordagem qualitativa, e, como instrumento para coleta
dos dados, utilizamos a entrevista semiestruturada, substanciada em análise de conteúdo.
Não houve desconforto, porque só participaram os alunos que se identificaram como afro-brasileiro e
que aceitaram participar da pesquisa.
Poderá haver benefícios neste estudo de acordo com o entendimento do participante.
Considerando as informações constantes dos itens acima e as normas expressas na Resolução n. 196,
de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, consinto, de modo
livre e esclarecido, participar da presente pesquisa na condição de participante da pesquisa e/ou
responsável por participante da pesquisa, sabendo que:
a) A participação em todos os momentos e fases da pesquisa foi voluntária e não implicou quaisquer
tipos de despesa e/ou ressarcimento financeiro para o participante. Caso tenha havido algumas
despesas operacionais, estas estavam previstas no Cronograma de Desembolso Financeiro e em
nenhuma hipótese recaíram sobre o sujeito da pesquisa e/ou seu responsável;
139
b) Foram garantidas a liberdade de retirada do consentimento e da participação no respectivo estudo a
qualquer momento, sem qualquer prejuízo, punição ou atitude preconceituosa;
c) Foi garantido o anonimato;
d) Os dados coletados só serão utilizados para a pesquisa, e os resultados poderão ser veiculados em
livros, ensaios e/ou artigos científicos em revistas especializadas e/ou em eventos científicos;
e) A pesquisa aqui proposta foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade
Católica Dom Bosco (UCDB), que a referenda e
f) O presente termo está assinado em duas vias.
Campo Grande, MS,
de
de 2010.
………………………………………………….
………………………………………………….
Nome e assinatura da orientadora
………………………………………………….
………………………………………………….
Nome e assinatura da pesquisadora
………………………………………………….
Nome e assinatura do(a) entrevistado(a)
………………………………………………….
140
APÊNDICE B – Instrumento para a coleta de dados
ROTEIRO DA ENTREVISTA
1)
Qual a sua idade?
2)
Sexo?
[ ] masculino
[ ] feminino
3)
Qual o seu estado civil?
[ ] solteiro [ ] casado
4)
Você tem filhos?
[ ] sim [ ] não
5)
Trabalha?
[ ] sim [ ] não
6)
Qual a sua ocupação?
7)
Quantas pessoas moram em sua casa e quem são?
8)
Quem trabalha em sua casa e quantos contribuem com as despesas?
9)
Qual a etnia que você se identifica?
[ ] branca [ ] amarela [ ] negra
[ ] parda
10) O que é ser afrodescendente para você?
11) Você se identifica como afro-brasileiro?
12) O que você pensa sobre o mercado de trabalho?
13) Quem sustenta seus estudos?
14) Qual a renda mensal familiar?
[ ] menos de R$ 600,00
[ ] de R$ 1.201,00 a 2.400,00
[ ] mais de R$ 4.800,00
[ ] de R$ 601,00 a R$ 1.200,00
[ ] de R$ 2.401,00 a 4.800,00
15) Qual o grau de escolaridade do seu pai?
[ ] analfabeto
[ ] fundamental completo
[ ] médio completo
[ ] fundamental incompleto
[ ] médio incompleto
16) Qual o grau de escolaridade da sua mãe?
[ ] analfabeta
[ ] fundamental completo
[ ] médio completo
[ ] fundamental incompleto
[ ] médio incompleto
17) Qual a ocupação do pai?
18) Qual a ocupação da mãe?
19) Qual o tipo de estabelecimento de ensino você frequentou?
[ ] escola pública
[ ] particular
141
20) Qual a importância de estudar para você?
21) Você pretende cursar uma universidade?
[ ] sim [ ] não
Qual o curso?
22) Qual a visão que você tem da inserção do negro na universidade e como você acha que a
sociedade vê essa inserção?
23) O que você entende por cotas raciais?
24) Onde você obteve informação sobre as cotas raciais?
25) Você é contra ou a favor das cotas e por quê?
26) O que é discriminação para você?
27) Você já foi discriminado(a) alguma vez?
28) Qual a visão que você, como afro-brasileiro, tem da relação entre o racismo e o acesso à
universidade em função das cotas?
29) Como você acha que é a aceitação da sociedade referente às cotas raciais?
30) Qual a visão que você acha que a sociedade tem de você?
31) Por que você acha que há tanta polêmica sobre as cotas raciais?
32) Como você se sentiria caso o seu ingresso na universidade fosse por meio das cotas
raciais?
33) Em sua opinião, as cotas raciais devem contemplar apenas os afro-brasileiros? Por quê?
142
APÊNDICE C – Transcrição das entrevistas
TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
Instituto Luther King – 2/6/2009
Entrevistado: LK.P01
Pesquisadora: — Qual a sua idade?
LK.P01: — 46 anos.
Pesquisadora: — Sexo?
LK.P01: — Feminino.
Pesquisadora: — Qual o seu estado civil?
LK.P01: — Casada.
Pesquisadora: — Você tem filhos?
LK.P01: — Tenho 1. 1 filho.
Pesquisadora: — Você trabalha?
LK.P01: — Sim.
Pesquisadora: — Qual a sua ocupação?
LK.P01: — Sou cozinheira.
Pesquisadora: — Quantas pessoas moram em
sua casa e quem são?
LK.P01: — Eu, o meu marido e o meu filho.
São 3.
Pesquisadora: — Quem trabalha em sua casa e
quantos contribuem com as despesas?
LK.P01: — Eu e meu marido.
Pesquisadora: — Qual a etnia que você se
identifica?
LK.P01: — Negra.
Pesquisadora: — O que é ser afrodescendente
para você?
LK.P01: — Olha… pra mim… Eu nunca
tive… nenhum… problema de racismo. Nunca
senti isso. Mas… a situação não é fácil prô
negro, você sabe. Às vezes portas se abrem, às
vezes outras se fecham. Então não é fácil não!
Olha… pra mim… eu não tenho o que
reclamar, não. Me sinto orgulhosa. Eu sinto
orgulho de ser negra, entendeu?
Pesquisadora: — Você se identifica como
afrodescendente?
LK.P01: — Eu me identifico. Meu pai era bem
negro mesmo. Minha mãe não, mas meu pai
era bem negro.
Pesquisadora: — O que você pensa sobre o
mercado de trabalho?
Hora: 18h30
LK.P01: — Agora as portas estão se abrindo,
mas antigamente era difícil. Antigamente, do
fato de você sê negra, você sê um pouquinho
mais escuro… as pessoas já te olhava assim
meio atravessado, agora hoje as coisas tão
melhorando.
Pesquisadora: — Quem sustenta seus estudos?
LK.P01: — Eu. Eu mesmo, que trabalho.
Pesquisadora: — Qual a renda mensal
familiar?
LK.P01: — De R$ 601,00 a R$ 1.200,00.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
do seu pai?
LK.P01: — Olha, meu pai… tinha
simplesmente a 5ª série.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
da sua mãe?
LK.P01: — Minha mãe era analfabeta. Do lar,
né?
Pesquisadora: — Qual a ocupação do seu pai?
LK.P01: — Meu pai era lavrador. Hoje ele é
falecido.
Pesquisadora: — Qual a ocupação da sua mãe?
LK.P01: — Do lar.
Pesquisadora: —
Qual o tipo de
estabelecimento de ensino você frequentou?
LK.P01: — Pública.
Pesquisadora: — Qual a importância de
estudar para você?
LK.P01: — Ah… é tudo! Estudá hoje em dia,
pricipalmente pra nóis, negro, é muito
importante. Né? As portas vão se abrir mais e
agora tá melhorando, eu acho que… é tudo. Se
você não tiver estudo hoje em dia, você não
consegue nada.
Pesquisadora: — Você pretende cursar uma
universidade?
LK.P01: — Caso você pretenda, qual o curso?
Eu pretendo. Eu gostaria de fazer Direito, mas
pra mim na minha idade eu já acho um pouco
143
tarde. Eu… eu vou fazer Administração. Quero
fazer Administração.
Pesquisadora: — Qual a visão que você tem da
inserção do negro na universidade e como você
acha que a sociedade vê essa inserção?
LK.P01: — Olha… É o que eu te falei.
Antigamente era difícil, agora hoje eles estão
vendo com outros olhos. Estão vendo que os
negros é bom, faz muita coisa boa e é muito
inteligente. Eu me sinto assim.
Pesquisadora: — O que você entende por cotas
raciais?
LK.P01: — É… pelo que eu tô vendo aí…
ultimamente agente tá com um direitinho até
bom [risos]. Tá muito bom o direito nosso.
Que antigamente nós não tinha direito. A gente
não podia entrar na universidade. A gente não
tinha condição. Do fato de sê negro você seria
burra ou você não sabe, né? Então, qué dizê,
eu tô achando muito bom.
Pesquisadora: — Onde você obteve
informação sobre as cotas raciais?
LK.P01: — Aqui do curso. Aqui, no Luther
King.
Pesquisadora: — Você é contra ou a favor das
cotas e por quê?
LK.P01: — Não, eu sou a favor. Sou a favor,
porque nós temos o direito. Nós também temos
o direito de estar na universidade e eles têm
que vê que o negro… não é só pra trabalho,
não. Negro também é… pra… pra… profissões
boa.
Pesquisadora: — O que é discriminação para
você?
LK.P01: — Ah, disciminação é você não tê as
porta aberta a hora que você precisa. Tê um
trabalho, você não consegue. Chegá lá você
não consegue. Tem universidade, talvez você
vai fazer particular porque acha que você é
negro. Você não tem condições de pagá ou
você num vai conseguir aquele curso. Então
pra mim é ótimo!
Pesquisadora: — Você já foi discriminado(a)
alguma vez?
LK.P01: — Não. Eu nunca fui discriminada.
Graças a Deus, não.
Pesquisadora: — Qual a visão que você, como
afrodescendente, tem da relação entre o
racismo e o acesso à universidade em função
das cotas?
LK.P01: — Eu acho… muito bom. Tô achando
assim… muito bom mesmo. Tem que tê
mesmo! Tem que tê as nossas cota senão a
gente não consegue. Dependê simplesmente de
você chega lá e… “Ah, esse negro aí… não vai
sabe”. Eu acho muito bom. Acho que tá…
Pesquisadora: — Como você acha que é a
aceitação da sociedade referente às cotas
raciais?
LK.P01: — Ah, isso num… Eu acho que pra
eles num é bom, né [?], a gente tê cota. Que
acho que… eles acha que só o branco vai
conseguir… que o negro não consegue… e…
eu acho que agente tendo cota, eu acho ótimo.
Pesquisadora: — Qual a visão que você acha
que a sociedade tem de você?
LK.P01: — Ah… eu acho que… pra eles é
como se fosse qualquer um mesmo. Eu acho
que eles vê a gente assim.
Pesquisadora: — Por que você acha que há
tanta polêmica sobre as cotas raciais?
LK.P01: — Porque agora nós vamos
conseguir. Eu acho que agora nós vamos chegá
lá. É, nós tamos chegando lá. Nós temos
exemplos muito bom aí.
Pesquisadora: — Como você se sentiria caso o
seu ingresso na universidade fosse por meio
das cotas raciais?
LK.P01: — Ah, eu… não sei nem te dizê como
que eu me sentiria porque eu nunca…
discriminada, graças a Deus! Mas eu não me
sentiria muito bem não… se fosse
discriminada. Ah, eu não me sentiria muito
bem, porque… se eu tô meio na cota acho que
é porque… num tá legal. Porque eu tenho que
me senti bem, tenho que senti que eu tenho
capacidade. Não pela cota, mas pela minha
capacidade de chagá lá.
Pesquisadora: — Em sua opinião, as cotas
raciais devem contemplar apenas os
afrodescendentes? Por quê?
LK.P01: — Não. Eu acho que não. Tem que
tê… tem que tê não só os afro mas o índio, né?
Também… N’é só nós que nos sentimos
racismo nesse ponto. Tem o japonês também…
as pessoas, né [?] sempre falam: “Ah, o
amarelo! Ah, o índio…” Não!… Eu acho que
todos tem que tê.
144
Entrevistado: LK.P02
Pesquisadora: — Qual a sua idade?
LK.P02: — A minha idade é 25.
Pesquisadora: — Sexo?
LK.P02: — Feminino.
Pesquisadora: — Qual o seu estado civil?
LK.P02: — Solteira.
Pesquisadora: — Você tem filhos?
LK.P02: — Não.
Pesquisadora: — Você trabalha?
LK.P02: — Não.
Pesquisadora: — Qual a sua ocupação?
LK.P02: — Bom, minha antiga ocupação era
operadora de caixa.
Pesquisadora: — Quantas pessoas moram em
sua casa e quem são?
LK.P02: — Eu, a minha mãe, o padrasto e a
minha irmã.
Pesquisadora: — Quem trabalha em sua casa e
quantos contribuem com as despesas?
LK.P02: — Por enquanto agora só meu pai,
porque a minha mãe tá desempregada… e eu
também… Só que é assim, eu tô recebendo o
Seguro, então né [?], tá segurando um pouco a
situação, mas… futuramente quem vai assumir
praticamente seria só ele. Só o meu pai.
Pesquisadora: — Qual a etnia que você se
identifica?
LK.P02: — Negra.
Pesquisadora: — O que é ser afrodescendente
para você?
LK.P02: — Pra mim é aquela história da
árvore genealógica, né? Que o avô, a mãe, tal,
então. Na minha família a gente só tem uma
pessoa que é mais clarinha que as outras.
Geralmente todo mundo é um pouquinho mais
escura do que eu…
Pesquisadora: — Você se identifica como
afrodescendente?
LK.P02: — Sim.
Pesquisadora: — O que você pensa sobre o
mercado de trabalho?
LK.P02: — Olha, o mercado de trabalho é bem
competitivo… e também ele é assim meio que
exclusivo. Você pode observar que na maioria
das loja do shopping você não vê um
funcionário de cor lá trabalhando. É raríssimo
você vê numa loja.
Pesquisadora: — Quem sustenta seus estudos?
LK.P02: — Atualmente, né [?], é… a minha
mãe.
Hora: 18h40
Pesquisadora: — Qual a renda mensal
familiar?
LK.P02: — De R$ 601,00 a R$ 1.200,00.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
do seu pai?
LK.P02: — É… Ensino Fundamental.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
da sua mãe?
LK.P02: — Também. Até a 4ª série, lá da
escolinha rural [risos].
Pesquisadora: — Qual a ocupação do seu pai?
LK.P02: — Meu pai ele é pedreiro.
Pesquisadora: — Qual a ocupação da sua mãe?
LK.P02: — Minha mãe ela trabalha de
doméstica.
Pesquisadora: —
Qual o tipo de
estabelecimento de ensino você frequentou?
LK.P02: — Escola Pública.
Pesquisadora: — Qual a importância de
estudar para você?
LK.P02: — Olha, estudar hoje em dia é super,
hiper importante, porque a pessoa sem
estudo… porque na verdade o estudo ele abre
as porta pra você, porque você vê, hoje em dia
qualquer curso que você vai fazer tem que tê o
1º grau completo, né? Já te pedem isso, né?
Pesquisadora: — Você pretende cursar uma
universidade?
LK.P02: — Caso você pretenda, qual o curso?
Sim. É… Medicina [risos].
Pesquisadora: — Qual a visão que você tem da
inserção do negro na universidade e como você
acha que a sociedade vê essa inserção?
LK.P02: — Olha, geramente são casos raros,
né? Porque muito difícil… pela questão da…
do trabalho, né? Que geralmente são pessoas
de baixa renda, então toda a vida tem que
trabalhar, então tem que optar entre trabalhar e
estudá. Quando você vê um na faculdade você
tem que dá parabéns pra ele porque ele se
esforçô, né [?], ele fez a diferença. E a
sociedade às vezes num repara muito para a
diferença. Às vezes, vai você lá, por exemplo,
a pessoa vai levá o currículo, ai vai um que
estudou na universidade pública e um que fez
na mesma faculdade, só que é de cor clara,
você tá, na entrevista eles vão escolher outro
que é mais claro, né? A gente observa isso. Até
mesmo a gente em casa, às vezes.
145
Pesquisadora: — O que você entende por cotas
raciais?
LK.P02: — Olha, o que eu entendo é que é um
meio, né [?] dos negros terem uma chance de
entrarem na universidade. Porque… é… a
questão de… (Ai como é que eu poderia dizê.
Porque eu me perdi agora). Mas é que eu vejo
assim, que… é… entre um branco e um de cor,
é… vamos supor que os dois tiraram a mesma
nota. O que se for por cota, logicamente que o
negro vai entrar e o branco ele vai meio que
discutir, mas ele vai falar não, né? Que vai
acha que ele tinha mais direito que o outro. A
cota não. A cota ela veio pra ajudá a gente a
podê entra… com mais facilidade na
universidade.
Pesquisadora: — Onde você obteve
informação sobre as cotas raciais?
LK.P02: — Olha, um pouco, assim, muito
pouco que eu vi na reportagem na… no jornal,
mas com um pouco de leitura, conhecimento
que a gente obtém nos cursinhos da vida, né? E
as pessoas, a gente assim, às vezes a pessoa vê
uma reportagem não dá muita importância,
mas a gente tem que analisá porque às vezes
fala “Ah, é bom ou ruim”. Como que você
debatê se você não buscô conhecimento.
Então, através do conhecimento, né?
Pesquisadora: — Você é contra ou a favor das
cotas e por quê?
LK.P02: — Eu sou a favor porque, como eu
disse antes, né [?], é… facilita a entrada de nós
na universidade e também garante um futuro
melhor para a nação.
Pesquisadora: — O que é discriminação para
você?
LK.P02: — Discriminação? Assim, vamos
supor que… a questão do… da visão do olhar.
Às vezes a pessoa olha pro outro que tá ali
vestido humildemente… tem uma conclusão
completamente ao contrário do que ele é. Às
vezes a pessoa n’observa… vê que ele tá
quetinho lá, mas, por exemplo, às vezes…
“Ah, fulano não tem cultura”, mas quando ele
vai falá, nossa! Você fala “Nossa! Daonde que
saiu, né?”. Como o caso daquela… que foi
cantá naquele Ai… acho que é Aidols, né? A
Susan Boile, lá. A hora que ela entrô ninguém
deu a menor mínina pra ela. De repente, a hora
que ela começô a cantá divinamente todo
mundo, né [?], parô pra analisá. A gente nunca
deve julgar pela aparência.
Pesquisadora: — Você já foi discriminado(a)
alguma vez?
LK.P02: [sem resposta].
Pesquisadora: — Qual a visão que você, como
afrodescendente, tem da relação entre o
racismo e o acesso à universidade em função
das cotas?
LK.P02: — Olha, eu acho que num, num vejo
racismo na questão das cotas, né [?] que nem
que a gente fala: “Ah, é… vamos colocá cota
mas isso continua sendo racismo porque vai
separá. Fulano só entrô porque ele é negro”.
Ah… eu acho assim, que os dois têm que
caminhar junto, né [?]: a questão da cota e a
questão da entrada na universidade. Mas a
questão do racismo, não vejo racismo em
colocá cota nas universidades. Pra mim, na
minha visão… não tem.
Pesquisadora: — Como você acha que é a
aceitação da sociedade referente às cotas
raciais?
LK.P02: — Muitos debatem. Muitos acham
isso… falam: “Ah, mais… eles querem acabá
com o racismo mas estão sendo racistas na
hora que coloca as cota”. Eles acham, né [?],
completamente o contrário de muitos, né?
Você vê que a maioria é contra, principalmente
o pessoal… um pouquinho a mais.
Pesquisadora: — Qual a visão que você acha
que a sociedade tem de você?
LK.P02: — Olha, a visão que… eu tenho
assim, né [?], aquela história, né [?], olham a
aparência, mas não olha o conteúdo.
Pesquisadora: — Por que você acha que há
tanta polêmica sobre as cotas raciais?
LK.P02: — Eh… porque a maioria das pessoas
não conhece. Acha que “Ah, vou apoiá a cota,
vou chamá todos os negros pra entrá na
universidade”. Não. Não é assim. Tem todo
um processo, né? E as cotas, ou seja,
futuramente dizem que vai acaba, né? Não
sabemos ainda. Mas… é aquela história, é falta
de conhecimento. Quando você não tem
conhecimento, você apoia contra. É fácil ser
contra aquilo que você desconhece.
Pesquisadora: — Como você se sentiria caso o
seu ingresso na universidade fosse por meio
das cotas raciais?
LK.P02: — Olha, eu me sentiria orgulhosa.
Porque além do meu esforço, ainda tive uma
oportunidade a mais de entrá, né? (risos).
Pesquisadora: — Em sua opinião, as cotas
raciais devem contemplar apenas os
afrodescendentes? Por quê?
146
LK.P02: — Não. Eu acho que deveria
também… os deficientes auditivos, as pessoas
com problemas de visão, porque eles também
têm pouco acesso, né? Tem pouco, tem pouca
possibilidade também, porque a maioria das
pessoas às vezes observa que… vamos supor,
o cego, a pessoa aparentemente não parece,
mas aí a pessoa conversando ela começa a notá
que ele tem um pouquinho de dificuldade de
Entrevistado: LK.P03
Pesquisadora: — Qual a sua idade?
LK.P03: — 30 anos.
Pesquisadora: — Sexo?
LK.P03: — Feminino.
Pesquisadora: — Qual o seu estado civil?
LK.P03: — Solteira.
Pesquisadora: — Você tem filhos?
LK.P03: — Sim.
Pesquisadora: — Você trabalha?
LK.P03: — Sim.
Pesquisadora: — Qual a sua ocupação?
LK.P03: — Sou agente de limpeza.
Pesquisadora: — Quantas pessoas moram em
sua casa e quem são?
LK.P03: — 2. Eu e a minha filha.
Pesquisadora: — Quem trabalha em sua casa e
quantos contribuem com as despesas?
LK.P03: — Somente eu.
Pesquisadora: — Qual a etnia que você se
identifica?
LK.P03: — Parda.
Pesquisadora: — O que é ser afrodescendente
para você?
LK.P03: — É… descendente de negro.
Pesquisadora: — Você se identifica como
afrodescendente?
LK.P03: — Sim.
Pesquisadora: — O que você pensa sobre o
mercado de trabalho?
LK.P03: — Concorrido.
Pesquisadora: — Quem sustenta seus estudos?
LK.P03: — Eu mesma.
Pesquisadora: — Qual a renda mensal
familiar?
LK.P03: — Menos de R$ 600,00.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
do seu pai?
LK.P03: — 5ª série.
enxerga. Ou seja, se colocá cota ele também
vai podê cursa uma universidade, vai ter um
professor especial, vai ter uma oportunidade
como eu que enxergo, como eu que escuto, no
caso o surdo, né? Então, é uma oportunidade
pra todos.
Hora: 18h50
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
da sua mãe?
LK.P03: — 5ª série.
Pesquisadora: — Qual a ocupação do seu pai?
LK.P03: — Meu pai é desempregado.
Pesquisadora: — Qual a ocupação da sua mãe?
LK.P03: — É… diarista.
Pesquisadora: —
Qual o tipo de
estabelecimento de ensino você frequentou?
LK.P03: — Escola Pública (X)
Pesquisadora: — Qual a importância de
estudar para você?
LK.P03: — Estudo pra mim é tudo.
Pesquisadora: — Você pretende cursar uma
universidade?
LK.P03: — Caso você pretenda, qual o curso?
Pretendo cursar Universidade de preferência
Federal… e meu curso é Economia.
Pesquisadora: — Qual a visão que você tem da
inserção do negro na universidade e como você
acha que a sociedade vê essa inserção?
LK.P03: — Inserção acho muito importante…
porque precisamo fazê a diferença… a
sociedade acredita que por alguns num é bem
vista. Mas somos iguais a todos e temos que
correr atrás.
Pesquisadora: — O que você entende por cotas
raciais?
LK.P03: — Cotas raciais… seria um meio
de… (pausa) seria um meio pra que o negro…
consiga um espaço…
Pesquisadora: — Onde você obteve
informação sobre as cotas raciais?
LK.P03: — Sempre vejo entrevista, jornais…
Pesquisadora: — Você é contra ou a favor das
cotas e por quê?
LK.P03: — Sou a favor. Porque precisamos
mostrar que somos iguais aos outros.
147
Pesquisadora: — O que é discriminação para
você?
LK.P03: — Discriminação…
Pesquisadora: — Você já foi discriminado(a)
alguma vez?
LK.P03: — Sim. Já fui. Ah… me senti
diminuída, me senti… diferente às outras.
Pesquisadora: — Qual a visão que você, como
afrodescendente, tem da relação entre o
racismo e o acesso à universidade em função
das cotas?
LK.P03: — A visão que eu tenho?… Ah,
como eu disse, a cota pros afrodescendentes eu
acho interessante, acho importante…
Pesquisadora: — Como você acha que é a
aceitação da sociedade referente às cotas
raciais?
LK.P03: — É… são poucos a favor e muitos
contra.
Entrevistado: LK.P04
Pesquisadora: — Qual a sua idade?
LK.P04: — 20 ano.
Pesquisadora: — Sexo?
LK.P04: — Feminino.
Pesquisadora: — Qual o seu estado civil?
LK.P04: — Solteira.
Pesquisadora: — Você tem filhos?
LK.P04: — Não.
Pesquisadora: — Você trabalha?
LK.P04: — Não.
Pesquisadora: — Qual a sua ocupação?
LK.P04: — Por enquanto, estudante.
Pesquisadora: — Quantas pessoas moram em
sua casa e quem são?
LK.P04: — São 4. Meu pai, minha mãe e
minha irmã e eu.
Pesquisadora: — Quem trabalha em sua casa e
quantos contribuem com as despesas?
LK.P04: — 2. Meu pai e minha mãe.
Pesquisadora: — Qual a etnia que você se
identifica?
LK.P04: — Negra.
Pesquisadora: — O que é ser afrodescendente
para você?
LK.P04: — Afrodescendente… é… que vem
em geração em geração. Como meu pai é
negro, aí vai passando pros filhos… mistura,
né?
Pesquisadora: — Qual a visão que você acha
que a sociedade tem de você?
LK.P03: — A visão que a sociedade tem de
mim?… Ah, não sei (risos).
Pesquisadora: — Por que você acha que há
tanta polêmica sobre as cotas raciais?
LK.P03: — Por quê?… Porque os que são
contra… é… acha que os negros, afros não
têm… é… direito.
Pesquisadora: — Como você se sentiria caso o
seu ingresso na universidade fosse por meio
das cotas raciais?
LK.P03: — Me sentiria muito importante.
Pesquisadora: — Em sua opinião, as cotas
raciais devem contemplar apenas os
afrodescendentes? Por quê?
LK.P03: — Acredito que sim. Porque já fala
afrodescendentes, né?
Hora: 18h55
Pesquisadora: — Você se identifica como
afrodescendente?
LK.P04: — Sim!
Pesquisadora: — O que você pensa sobre o
mercado de trabalho?
LK.P04: — Ah… eu acho que ultimamente
eles estão sendo muito exigente pras pessoas
que tão procurando o primeiro emprego.
Pesquisadora: — Quem sustenta seus estudos?
LK.P04: — Meus pais.
Pesquisadora: — Qual a renda mensal
familiar?
LK.P04: — De R$ 601,00 a R$ 1.200,00.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
do seu pai?
LK.P04: — 4ª série do Ensino Fundamental.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
da sua mãe?
LK.P04: — Também, 4ª série do Ensino
Fundamental.
Pesquisadora: — Qual a ocupação do seu pai?
LK.P04: — Ele é gerente do depósito da…
Pesquisadora: — Qual a ocupação da sua mãe?
LK.P04: — Ela vende lanche…
Pesquisadora: —
Qual o tipo de
estabelecimento de ensino você frequentou?
LK.P04: — Escola Pública.
148
Pesquisadora: — Qual a importância de
estudar para você?
LK.P04: — Senão você não vai ser ninguém
no futuro, né? O estudo é um… fundamental.
Pesquisadora: — Você pretende cursar uma
universidade?
LK.P04: — Caso você pretenda, qual o curso?
Sim. Pretendo cursá o curso de, ou Engenharia
Civil ou Administração.
Pesquisadora: — Qual a visão que você tem da
inserção do negro na universidade e como você
acha que a sociedade vê essa inserção?
LK.P04: — Ah… eu acho bom… só que
algumas pessoas não concordam com isso, que
acha que vai aumentar o racismo no Brasil.
Pesquisadora: — O que você entende por cotas
raciais?
LK.P04: — Ah, é uma oportunidade a mais
pras pessoas negras… índias… Variá.
Pesquisadora: — Onde você obteve
informação sobre as cotas raciais?
LK.P04: — Foi pela Internet… e… alguns
amigos.
Pesquisadora: — Você é contra ou a favor das
cotas e por quê?
LK.P04: — Sim, sou a favor. Porque é óbvio.
Ajuda… as pessoas que têm menas… situação
financeira a entrar na universidade particular.
Pesquisadora: — O que é discriminação para
você?
LK.P04: — Ah… discriminação?… É você
num… respeitá opinião da pessoa. Agi como
ela fosse qualquer um, sendo pobre ô rica.
Pesquisadora: — Você já foi discriminado(a)
alguma vez?
Entrevistado: LK.P05
Pesquisadora: — Qual a sua idade?
LK.P05: — 18.
Pesquisadora: — Sexo?
LK.P05: — Feminino.
Pesquisadora: — Qual o seu estado civil?
LK.P05: — Solteira…
Pesquisadora: — Você tem filhos?
LK.P05: — Não.
Pesquisadora: — Você trabalha?
LK.P05: — Sim.
Pesquisadora: — Qual a sua ocupação?
LK.P05: — Secretária.
LK.P04: — Sim. Já.
Pesquisadora: — Qual a visão que você, como
afrodescendente, tem da relação entre o
racismo e o acesso à universidade em função
das cotas?
LK.P04: — Ah, racismo? É porque algumas
pessoas escondem que não existe racismo no
Brasil. Aonde fala que… pode prejudicá na
função das cota.
Pesquisadora: — Como você acha que é a
aceitação da sociedade referente às cotas
raciais?
LK.P04: — Ah… muita discórdia.
Pesquisadora: — Qual a visão que você acha
que a sociedade tem de você?
LK.P04: — Ah… uma pessoa qualquer no
mundo que tenta… obtê o seu… objetivo.
Pesquisadora: — Por que você acha que há
tanta polêmica sobre as cotas raciais?
LK.P04: — Ah, porque as pessoas não sabe
muito bem o que são cotas, né? Que vai dá
muito… briga na universidade por causa disso.
Pesquisadora: — Como você se sentiria caso o
seu ingresso na universidade fosse por meio
das cotas raciais?
LK.P04: — Sentiria muito feliz.
Pesquisadora: — Em sua opinião, as cotas
raciais devem contemplar apenas os
afrodescendentes? Por quê?
LK.P04: — Não. Eu acho que tem que sê em
geral, pra num tê uma discórdia, assim, só fala
que negro que tá… entrano tudo, que negro é
aquilo, negro é isso. Acho que tem que sê
mesmo geral, em todos os sentidos.
Hora: 19h
Pesquisadora: — Quantas pessoas moram em
sua casa e quem são?
LK.P05: — 3. Eu, a minha irmã e a minha
mãe.
Pesquisadora: — Quem trabalha em sua casa e
quantos contribuem com as despesas?
LK.P05: — Eu trabalho… e contribuo e a
minha mãe também.
Pesquisadora: — Qual a etnia que você se
identifica?
LK.P05: — Parda.
Pesquisadora: — O que é ser afrodescendente
para você?
149
LK.P05: — Ah, é sê uma pessoa que tem
origem africana e que estabeleceu raízes, né [?]
seus descendentes aqui no Brasil.
Pesquisadora: — Você se identifica como
afrodescendente?
LK.P05: — Sim.
Pesquisadora: — O que você pensa sobre o
mercado de trabalho?
LK.P05: — Que é muito competitivo, hoje em
dia, e tem que tê muitas qualificações pra… tá
atuando nele.
Pesquisadora: — Quem sustenta seus estudos?
LK.P05: — Eu e tenho a ajuda da minha mãe.
Pesquisadora: — Qual a renda mensal
familiar?
LK.P05: — De R$ 601,00 a R$ 1.200,00.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
do seu pai?
LK.P05: — 2º grau completo.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
da sua mãe?
LK.P05: — 2º grau completo.
Pesquisadora: — Qual a ocupação do seu pai?
LK.P05: — Meu pai ele é autônomo.
Pesquisadora: — Qual a ocupação da sua mãe?
LK.P05: — Ela é… autônoma também.
Pesquisadora: —
Qual o tipo de
estabelecimento de ensino você frequentou?
LK.P05: — Escola Pública.
Pesquisadora: — Qual a importância de
estudar para você?
LK.P05: — Fundamental. Porque sem a
Educação você não é nada.
Pesquisadora: — Você pretende cursar uma
universidade?
LK.P05: — Caso você pretenda, qual o curso?
Sim, pretendo. E é o curso de Educação Física.
Pesquisadora: — Qual a visão que você tem da
inserção do negro na universidade e como você
acha que a sociedade vê essa inserção?
LK.P05: — Eu vejo que as pessoas vê com
certo olhar ainda de discriminação. Porque
acreditam que… é… a porcentual de chance
dele ainda é menor.
Pesquisadora: — O que você entende por cotas
raciais?
LK.P05: — Eu entendo que é uma
oportunidade a mais pras pessoas, né [?]
negras, enfim, outras e no caso que… é…
essas mesma sociedade põe este olhar crítico
sobre elas.
Pesquisadora: — Onde você obteve
informação sobre as cotas raciais?
LK.P05: — Através de escolas e outro meio de
comunicação, como televisão, rádio, enfim.
Pesquisadora: — Você é contra ou a favor das
cotas e por quê?
LK.P05: — Eu sou a favor porque eu acredito
que todas as pessoas têm que ter a
possibilidade de entrar na universidade.
Pesquisadora: — O que é discriminação para
você?
LK.P05: — Discriminação pra mim é… ter
que… há certos pensamentos que você não
conhece a pessoa, não conhece a origem,
enfim, você acaba tendo esse preconceito em
relação a…
Pesquisadora: — Você já foi discriminado(a)
alguma vez?
LK.P05: — Sim.
Pesquisadora: — Qual a visão que você, como
afrodescendente, tem da relação entre o
racismo e o acesso à universidade em função
das cotas?
LK.P05: — Olha… relação… é… uma relação
de aproximação entre a universidade e o
afrodescendente, porque eu creio que ainda um
grande espaço entre os dois. … Espaço
enorme. Entendeu?
Pesquisadora: — Como você acha que é a
aceitação da sociedade referente às cotas
raciais?
LK.P05: — Eu acho que ainda há um
preconceito, porque as pessoas não procuram
se informar sobre isso.
Pesquisadora: — Qual a visão que você acha
que a sociedade tem de você?
LK.P05: — A visão é que eu sou uma pessoa
frágil que não tenho condição de com meu
próprio esforço conseguir o que eu quero.
Pesquisadora: — Por que você acha que há
tanta polêmica sobre as cotas raciais?
LK.P05: — Pelo fato de informação. As
pessoas não se informam e acabam detonando
o assunto.
Pesquisadora: — Como você se sentiria caso o
seu ingresso na universidade fosse por meio
das cotas raciais?
LK.P05: — Eu me sentiria normal, porque
afinal de contas… qualquer um tem o direito
de estar lá, tá [?], independente do meio, por
isso que eu sou a favor.
150
Pesquisadora: — Em sua opinião, as cotas
raciais devem contemplar apenas os
afrodescendentes? Por quê?
LK.P05: — Não. Eu num creio que só eles,
exatamente, mas sim, é… também outras
pessoas, né [?], porque, por exemplo, é todos
Entrevistado: LK.P06
Pesquisadora: — Qual a sua idade?
LK.P06: — 19 anos.
Pesquisadora: — Sexo?
LK.P06: — Feminino.
Pesquisadora: — Qual o seu estado civil?
LK.P06: — Solteira.
Pesquisadora: — Você tem filhos?
LK.P06: — Não.
Pesquisadora: — Você trabalha?
LK.P06: — Sim.
Pesquisadora: — Qual a sua ocupação?
LK.P06: — É… secretária.
Pesquisadora: — Quantas pessoas moram em
sua casa e quem são?
LK.P06: — É… são, minha mãe, meu irmão,
minha irmã e meu sobrinho e eu.
Pesquisadora: — Quem trabalha em sua casa e
quantos contribuem com as despesas?
LK.P06: — Eu… trabalho, minha irmã
trabalha, e minha mãe. Minha mãe não
trabalha. Meu irmão, qué diz. Desculpa.
Pesquisadora: — Qual a etnia que você se
identifica?
LK.P06: — Negra.
Pesquisadora: — O que é ser afrodescendente
para você?
LK.P06: — Ah, é uma cor… é uma coisa…
boa, necessária eu acho, me sinto bem… é uma
pessoa negra que não há diferença em forma
de cor em nada, eu acho.
Pesquisadora: — Você se identifica como
afrodescendente?
LK.P06: — Sim.
Pesquisadora: — O que você pensa sobre o
mercado de trabalho?
LK.P06: — Eu acho meio assim, que é
concorrido, mas… preconceituosos ainda,
mercado de trabalho, mas pra quem luta nada
fica difícil, tudo fica fácil.
Pesquisadora: — Quem sustenta seus estudos?
LK.P06: — Eu.
têm que ter oportunidades. Então eu também
não puxo só pra esse lado. Eu acho que todos
têm direito a Educação, entendeu? É por isso
que eu tô batalhando por essas coisas.
Hora: 19h05
Pesquisadora: — Qual a renda mensal
familiar?
LK.P06: — De R$ 601,00 a R$ 1.200,00.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
do seu pai?
LK.P06: — Não conheço.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
da sua mãe?
LK.P06: — Até a 4ª série eu acho que a minha
mãe estudou.
Pesquisadora: — Qual a ocupação do seu pai?
LK.P06: [não respondeu].
Pesquisadora: — Qual a ocupação da sua mãe?
LK.P06: — Aposentada.
Pesquisadora: —
Qual o tipo de
estabelecimento de ensino você frequentou?
LK.P06: — Escola Pública.
Pesquisadora: — Qual a importância de
estudar para você?
LK.P06: — Ah… é tudo! É um conhecimento
que nunca você vai perdê.
Pesquisadora: — Você pretende cursar uma
universidade?
LK.P06: — Caso você pretenda, qual o curso?
Sim. Eu pretendo fazê Psicologia ou Direito.
Pesquisadora: — Qual a visão que você tem da
inserção do negro na universidade e como você
acha que a sociedade vê essa inserção?
LK.P06: — Ah… eu acho que é um pouco
difícil… há diferenças, né [?], a sociedade,
pela raça, pela cor… Eu acho que… deveria
abrir mais cotas, mais chances para nós,
pessoas negras.
Pesquisadora: — O que você entende por cotas
raciais?
LK.P06: — Ah, eu entendo assim, que não é
preconceituoso por tudo que a gente já sofreu
há anos e décadas da… como é pra melhorá
pra nós agora vai sê ruim? Não. Acho…
melhoria pra nós e nós merecemos.
Pesquisadora: — Onde você obteve
informação sobre as cotas raciais?
151
LK.P06: — Ah, pela Internet. Eu corro atrás,
eu vejo pesquiso, TV, assim das coisa eu tento
me encaixá nisso. Enem… Próuni.
Pesquisadora: — Você é contra ou a favor das
cotas e por quê?
LK.P06: — Ah, eu sou a favor, porque… eu
acho que as pesso… eu acho que num… que
num há diferença. Eu acho que a gente
necessita, sim, as pessoas negra, porque o que
já sofreram agora, como é pra vim uma coisa
boa pra nós, nós necessita sim. Não é
preconceituoso não.
Pesquisadora: — O que é discriminação para
você?
LK.P06: — Ah, eu acho que é uma pessoa não
aceitá uma pessoa de cor e raça… Eu acho que
você humilhá a pessoa pela base da sociedade
dela, se ela é rica, se ela é pobre, se ela é
branca, se ela é preta… . Então,… com isso é
preconceituoso você julgá a pessoa.
Pesquisadora: — Você já foi discriminado(a)
alguma vez?
LK.P06: — Ah, sim, já, já fui.
Pesquisadora: — Qual a visão que você, como
afrodescendente, tem da relação entre o
racismo e o acesso à universidade em função
das cotas?
LK.P06: — Ah, eu acho que melhora… é… eu
acho que num existe racismo. Eu acho que vai
ser melhor pra nós.
Pesquisadora: — Como você acha que é a
aceitação da sociedade referente às cotas
raciais?
LK.P06: — Ah, muitas pessoas num… vão
gostá, né? Muitas pessoas num aceita. Acha
que… muitos negro acham que é preconceito
isso. Acho que não. Acho que é melhoria pra
nós, que nós merecemos.
Entrevistado: LK.P07
Pesquisadora: — Qual a sua idade?
LK.P07: — 17 anos.
Pesquisadora: — Sexo?
LK.P07: — Feminino.
Pesquisadora: — Qual o seu estado civil?
LK.P07: — Solteira.
Pesquisadora: — Você tem filhos?
LK.P07: — Não.
Pesquisadora: — Você trabalha?
LK.P07: — Sim
Pesquisadora: — Qual a visão que você acha
que a sociedade tem de você?
LK.P06: — Ah… porque eu acho que
dependendo das pessoas que têm, são racistas,
né [?], há um preconceito, mas… eu acho
que… por outros lados, não, são muitos
pessoas boas e brancas e negros. Não existe
diferença.
Pesquisadora: — Por que você acha que há
tanta polêmica sobre as cotas raciais?
LK.P06: — Ah, porque muitas pessoas num
vão concorrê os, as pessoas outras. Acho que
num vão… vai tê mais vagas pras pessoas
negras, que merece. Eu acho que por causa
disso mesmo. Acho que é isso, preconceito.
Pesquisadora: — Como você se sentiria caso o
seu ingresso na universidade fosse por meio
das cotas raciais?
LK.P06: — Ah, me senti muito bem, porque…
seria… eu acho que… necessário pra mim…
também e eu me sentiria bem como todos
torceria pras outras pessoas também
conseguisse entrá também.
Pesquisadora: — Em sua opinião, as cotas
raciais devem contemplar apenas os
afrodescendentes? Por quê?
LK.P06: — Não só apenas o afrodescendente
como o dos índios e as pessoas que não tem
como… é que são… é… se entrasse um
especificação de… do… do corpo, né? Mas
eu… é… como que fala, posso falá? É… Ai
agora eu esqueci… num saiu (risos) Mas eu
acho que é assim, que a pessoa, ela… ela deve,
sim, ser contemplada… e eu acho que a cota
vai sê boa, sim, pra nós.
Hora: 19h20
Pesquisadora: — Qual a sua ocupação?
LK.P07: — Eu sou auxiliar administrativo.
Pesquisadora: — Quantas pessoas moram em
sua casa e quem são?
LK.P07: — Moram 2. Comigo são 3. São…
minha mãe e minha irmã.
Pesquisadora: — Quem trabalha em sua casa e
quantos contribuem com as despesas?
LK.P07: — A minha irmã. A minha mãe ainda
não é… registrada. A minha mãe tÁ
desempregada. Ela trabalha… Essas coisas.
152
Pesquisadora: — Qual a etnia que você se
identifica?
LK.P07: — Negra.
Pesquisadora: — O que é ser afrodescendente
para você?
LK.P07: — Eu acho que… vem… do
antecedentes… meus avós… que são negros…
Essas coisas assim. E… é uma coisa bem
legal… a… ser negra. Eu acho assim, que eu
num ligo pra discriminação… o que o povo
fala, num ligo. Eu acho que a minha cor… eu
amo a minha cor. Eu sô…
Pesquisadora: — Você se identifica como
afrodescendente?
LK.P07: — Sim.
Pesquisadora: — O que você pensa sobre o
mercado de trabalho?
LK.P07: — Bom… hoje… tem, assim, tem
poucos, assim… no meio entre branco tem
poucos negros, eu sei disso. Mas eles tão
conseguindo ganhá seu lugar… no… no
Brasil… Eles tão conseguindo ganhá seu lugar
no mercado de trabalho. Aos poucos vão tê
bastante negro no mercado de trabalho. Vai tá
bem legal!
Pesquisadora: — Quem sustenta seus estudos?
LK.P07: — Eu… Eu e a minha irmã. Porque
eu ajudo a minha irmã, minha irmã me ajuda…
Pesquisadora: — Qual a renda mensal
familiar?
LK.P07: — De R$ 601,00 a R$ 1.200,00.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
do seu pai?
LK.P07: — Eu acho que é a 5ª série.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
da sua mãe?
LK.P07: — O Ensino Médio completo.
Pesquisadora: — Qual a ocupação do seu pai?
LK.P07: — No momento eu não sei, porque
meu pai é separado da minha mãe e aí…
Pesquisadora: — Qual a ocupação da sua mãe?
LK.P07: — Minha mãe ela tá no momento tá
desempregada. Só tá fazendo um bico.
Pesquisadora: —
Qual o tipo de
estabelecimento de ensino você frequentou?
LK.P07: — Escola Pública.
Pesquisadora: — Qual a importância de
estudar para você?
LK.P07: — Eu acho que estudo é o principal.
É o foco da sua vida. Se você num… num tê
estudo, você não vai conseguir nada na sua
vida. Sempre você tem que colocá um ponto na
sua cabeça. Estudá… isso vai melhorá seu
futuro. Melhorá… cada vez mais. E estudo é
legal vo… né [?]… você vai tê…
conhecimento de várias coisas, de vários
livros… Estudá é bom. Eu gosto.
Pesquisadora: — Você pretende cursar uma
universidade?
LK.P07: — Caso você pretenda, qual o curso?
Sim, eu pretendo. Eu quero ô Matemática ô
Engenharia Civil.
Pesquisadora: — Qual a visão que você tem da
inserção do negro na universidade e como você
acha que a sociedade vê essa inserção?
LK.P07: — Olha, a cota no momento na…
na… nas universidades, às vezes as pessoas
acham assim: tem um ponto bom e um ponto
ruim. Pessoas acha que vai tê discriminação
mesmo assim, porque vai ficá dando mais
prioridade aos negros, nessa cota, não os
brancos, e vai sê mais… existir mais
preconceito ainda, mais discriminação contra
essas pessoas. Mas eu acho assim, té um… té
um lado é bom. Mais com… né [?] também é
ruim por causa dessa parte, mas é a maioria
que entra na Federal, na… nessas parti…
nessas universidades são os brancos. Eu num
vejo tanto negro assim.
Pesquisadora: — O que você entende por cotas
raciais?
LK.P07: — Olha, eu acho que as cotas é… têm
o benefício de ajudá os negros, é… tê uma…
porcentagem X de pessoas, porque a maioria
da universidade são brancos, não tem tantos
negros e para as pessoas que não têm…
condições de pagá uma universidade… paga,
particular.
Pesquisadora: — Onde você obteve
informação sobre as cotas raciais?
LK.P07: — Olha, eu… li jornal. Ta… tava
passando bastante na televisão… alguns anos
atrás… Eu assisto jornal, leio revista que falam
sobre isso. Filmes também que falam bastante
sobre cotas de negros.
Pesquisadora: — Você é contra ou a favor das
cotas e por quê?
LK.P07: — Eu não sou contra nem a favor:
fico no meio. Porque… ah… eu acho que é
bom e acho que é ruim também, por causa
dessa parte de discriminação, porque eu acho
já… vai tê… a vê… discriminação. Mas…
bom por um lado e ruim pelo outro.
Pesquisadora: — O que é discriminação para
você?
153
LK.P07: — Eu acho… que discriminação é…
você… ah é julgá a pessoa só pela cor, num
conhecê a pessoa pessoalmente, vivê com
ela… é… sabê a opinião dela. Não! A pessoa
acha que só porque é negro, negro, vim desde
um ante… antec… antepassados… quando os
negros era maltratados… as pessoas julgam
por causa disso. E eu acho que isso num tem
nada a vê. Discriminação pra mim… acho que
a pessoa tem que se conhecê nós mesmos,
quem… quem realmente somos. Não é pela
cor, se é branco ô preto, se… que você vai
julgá a pessoa. Você tem que sabê, conhecê a
pessoa pessoalmente.
Pesquisadora: — Você já foi discriminado(a)
alguma vez?
LK.P07: — Já. Bastante vezes, já. E as pessoas
ficam xingando: “Ah… sua neguinha!… “ É…
isso num… Eu acho que isso machuca, mas
pra mim… eu num ligo… eu num vô ficá
preocupando com poucas pessoas. Pra mim eu
num…
Pesquisadora: — Qual a visão que você, como
afrodescendente, tem da relação entre o
racismo e o acesso à universidade em função
das cotas?
LK.P07: — U… racismo é… uma coisa…
complicada. Mas é a… na universidade a
função das cotas é ajudá o negro. Ajudá… é…
as pessoas que não podem pagá faculdade, as
pessoas que são negras, que… não conseguem
entrá na particular… , que… tentam mas não
consegue porque a maioria que entra é os
brancos, os… mas…
Pesquisadora: — Como você acha que é a
aceitação da sociedade referente às cotas
raciais?
LK.P07: — Ah… a sociedade discrimina, a
sociedade tem uma justiça muito grande a
cumprir por causa disso, porque pessoas
brancas mesmas, eles colocam que é… que
têm antepassados, antecedentes negros. Eles
colocam pra ganhá a cota. Porque… só os
negros, aí eles acham isso uma injustiça.
Pesquisadora: — Qual a visão que você acha
que a sociedade tem de você?
LK.P07: — De mim?… É… tem pessoas que
num gostam mesmo de negros, mas eu num…
num ligo. A sociedade, eu acho que deveria
pará com essa discriminação, porque as
pessoas têm que conhecê como você é, como
a… a opinião que você tem, porque nem…
pela cor nem por… por… do jeito que você
nasceu que você vai sê pessoalmente,
conhecendo, falando, num vai sê assim pela
cor que você vai julgá. Você tem que julgá
conhecendo… Se você não gostá da pessoa
depois que conhecê, aí… você tem seu critério,
mas não pela cor.
Pesquisadora: — Por que você acha que há
tanta polêmica sobre as cotas raciais?
LK.P07: — É bem polêmico. Ah… tem
bastante falado nesse tema. Esse tema eu… um
tema polêmico mesmo, mas a sociedade… é…
um… um… pudê… como eu posso explicá?
Ã… É… as pessoas acham que num… com
essa cota só os negros ia entrá . Mas eu acho
que… não… deveria existir pelos dois, não só
pros negros, pros… pros deficientes também
deveria, porque têm poucas cotas. Não tem
quase nada pras pessoas que são deficientes
físicas.
Pesquisadora: — Como você se sentiria caso o
seu ingresso na universidade fosse por meio
das cotas raciais?
LK.P07: — Eu ia ficá alegre, porque pelos
menos tão valorizando a raça, a cor. Mas
também eu seria… poderia sê discriminada
dentro da minha própria sala, por que eu fui…
eu ganhei por causa das cotas de negros. E
mesmo assim, eu ia ficá feliz se… não, num ia
ligá, num ia… se… não falá um termo
rebaixado. É… num ia ligá pra que os outros
falam.
Pesquisadora: — Em sua opinião, as cotas
raciais devem contemplar apenas os
afrodescendentes? Por quê?
LK.P07: — Não só o afrodescendente. Eu acho
que deveria sê todo mundo iguais. Como
nasceu todo mund… Todo mundo nasceu
igual. Ma… é… deveria ser assim, o mundo
inteiro… assim… coisas iguais para todos.
Não tê essa discriminação de tê só para, pra
uns e num tê para os outros. Deveria tê para
todos.
154
Entrevistado: LK.P08
Pesquisadora: — Qual a sua idade?
LK.P08: — 35 anos.
Pesquisadora: — Sexo?
LK.P08: — Feminino.
Pesquisadora: — Qual o seu estado civil?
LK.P08: — Solteira.
Pesquisadora: — Você tem filhos?
LK.P08: — Sim.
Pesquisadora: — Você trabalha?
LK.P08: — Sim.
Pesquisadora: — Qual a sua ocupação?
LK.P08: — É… auxiliar de serviços gerais.
Pesquisadora: — Quantas pessoas moram em
sua casa e quem são?
LK.P08: — É… eu e a minha filha.
Pesquisadora: — Quem trabalha em sua casa e
quantos contribuem com as despesas?
LK.P08: — Eu, somente eu.
Pesquisadora: — Qual a etnia que você se
identifica?
LK.P08: — Negra.
Pesquisadora: — O que é ser afrodescendente
para você?
LK.P08: — Afrodescendente pra mim é aquela
pessoa que mantém a sua… origem, a sua cor.
Entendeu? Pra mim é isso.
Pesquisadora: — Você se identifica como
afrodescendente?
LK.P08: — Sim, com certeza!
Pesquisadora: — O que você pensa sobre o
mercado de trabalho?
LK.P08: — Olha, muito… como eu posso te
dizê… Você vai procurá um emprego, você
encontra muito… preconceito. Entendeu?
Muito difícil.
Pesquisadora: — Quem sustenta seus estudos?
LK.P08: — Sou eu mesma.
Pesquisadora: — Qual a renda mensal
familiar?
LK.P08: — Menos de R$ 600,00.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
do seu pai?
LK.P08: — Meu pai… eu acho que ele não
tem estudo. Ele não chegô estudá.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
da sua mãe?
LK.P08: — Não chegô estudar ainda.
Pesquisadora: — Qual a ocupação do seu pai?
Hora: 19h30
LK.P08: — Meu pai… até meus 13 anos ele
tinha uma chácara…
Pesquisadora: — Qual a ocupação da sua mãe?
LK.P08: — Da minha mãe ela é dona de casa.
Pesquisadora: —
Qual o tipo de
estabelecimento de ensino você frequentou?
LK.P08: — Escola Pública.
Pesquisadora: — Qual a importância de
estudar para você?
LK.P08: — Nossa! A importância de estudá
para mim é tudo que eu… que eu desejei na
minha vida, né? E eu nunca tive essa
oportunidade por eu tê uma filha muito nova e
agora voltei a estudá… tudo o que eu pretendo
é fazê Agronomia e eu espero chegá lá.
Pesquisadora: — Você pretende cursar uma
universidade?
LK.P08: — Caso você pretenda, qual o curso?
Agronomia.
Pesquisadora: — Qual a visão que você tem da
inserção do negro na universidade e como você
acha que a sociedade vê essa inserção?
LK.P08: — Olha… é difícil eu te falá essa
pergunta, né? É preconceito… né [?] pra você
che… e… entrá na faculdade hoje… uma
pessoa te olha com diferença “Ah, porque você
é negro… “, “Ah, ele num pode!… “ É muito
difícil. É muito complicado.
Pesquisadora: — O que você entende por cotas
raciais?
LK.P08: — O que eu entendo por cota é que o
negro tem uma quantia X. Por exemplo, se tem
15 branco, acha que ali naquela escola vai 3
negros estudá. Então uma quantia X que tem
de negro… pra… uma aula, pra uma
faculdade, coisa assim, por exemplo, né [?],
mais ou menos.
Pesquisadora: — Onde você obteve
informação sobre as cotas raciais?
LK.P08: — Aqui no Luther King. (risos).
Pesquisadora: — Você é contra ou a favor das
cotas e por quê?
LK.P08: — Ah, eu sô a favor! Com certeza,
né? Eu a sô favor e… negros também é ser
humano. Então tem que estudá também igual
um branco, outro qualqué que qué estudá. O
negro também tem direito.
Pesquisadora: — O que é discriminação para
você?
LK.P08: — Ah, discriminação pra mim é… é
tudo. Eu acho que você vai num… arrumá
155
um… trabalho… já te olha torto porque você é
negro. Ou então numa escola… você já é
discriminada. Então ach… a maioria, o negro
já acha que… porque é negro, já tá
discriminando.
Pesquisadora: — Você já foi discriminado(a)
alguma vez?
LK.P08: — Olha… fui… mas fui… ma já
percebi. Que eu já fui… é, por exemplo,
daquelas menina loira, num shopping, ou então
na 14 que… preto. Tá passando uma loirinha,
uma bran… uma branquinha na minha frente,
eles… chega a minha vez, ela vira o rosto e
num dá… pra mim. Eu num tô nem aí. Eu toco
o barco pra frente.
Pesquisadora: — Qual a visão que você, como
afrodescendente, tem da relação entre o
racismo e o acesso à universidade em função
das cotas?
LK.P08: — [sem resposta].
Pesquisadora: — Como você acha que é a
aceitação da sociedade referente às cotas
raciais?
LK.P08: — Ã… eu acho que ela fica meia…
num sei, num sei como te dizê… Acho que
meia… Nun sei… Num… Num sei te explicá.
Mas eu acho que… aceitano ou num
aceitano… num sei… (risos) como eu posso te
explicá, né?…
Pesquisadora: — Qual a visão que você acha
que a sociedade tem de você?
Entrevistado: LK.P09
Pesquisadora: — Qual a sua idade?
LK.P09: — 19 anos.
Pesquisadora: — Sexo?
LK.P09: — Feminino.
Pesquisadora: — Qual o seu estado civil?
LK.P09: — Solteira.
Pesquisadora: — Você tem filhos?
LK.P09: — Não.
Pesquisadora: — Você trabalha?
LK.P09: — Não.
Pesquisadora: — Qual a sua ocupação?
LK.P09: — No momento eu tô no lar.
Pesquisadora: — Quantas pessoas moram em
sua casa e quem são?
LK.P09: — São… 6. É eu, a minha avó, a
minha tia, o meu irmão, a minha cunhada e a
filhinha da minha tia.
LK.P08: — Num sei… Uma negra que pode
entrá numa facul… nu… numa universidade,
que pode estudá, que pode sê alguém na vida.
Num sei. Num sei te explicá como que eles
acham.
Pesquisadora: — Por que você acha que há
tanta polêmica sobre as cotas raciais?
LK.P08: — Ah… a polêmica já vem porque,
na minha opinião, né [?], eu acho que já vem
assim, ó:… a primeira coisa que eles acham,
na minha opinião: “É negro!”. Acha que já
num pode, entendeu? Na minha opinião, não
sei. Eu num sei, eu acho, tô supondo isso. “Ah,
é negro… “, já começa aquela crítica, já
começam criticá isso, começam criticá aquilo.
Acha que é só branco que pode… Eu acho q…
po… por aí, né? Na minha opinião… Num sei
se eu tô certa.
Pesquisadora: — Como você se sentiria caso o
seu ingresso na universidade fosse por meio
das cotas raciais?
LK.P08: — Como que eu me sentiria? Ah, eu
me sentiria bem elogiado, claro! Co… com
certeza!
Pesquisadora: — Em sua opinião, as cotas
raciais devem contemplar apenas os
afrodescendentes? Por quê?
LK.P08: — Não apena, eu acho que todos.
Não apenas o afrodescendente. Acho que todos
os negros. Na minha opinião.
Hora: 19h40
Pesquisadora: — Quem trabalha em sua casa e
quantos contribuem com as despesas?
LK.P09: — São 3. Minha tia, meu irmão e a
mulher dele… e os 3, junto com minha avó,
que recebe aposentadoria, distribui as despesa
da casa.
Pesquisadora: — Qual a etnia que você se
identifica?
LK.P09: — Negra.
Pesquisadora: — O que é ser afrodescendente
para você?
LK.P09: — É trazê tudo aquilo que foi… toda
cultura… seu passado, tudo aquilo que a gente
traz, os negros de antigamente… com o meu
avô, a minha avó… É… é um orgulho. Eu
realmente me orgulho da minha cor e da minha
etnia.
156
Pesquisadora: — Você se identifica como
afrodescendente?
LK.P09: — Sim, completamente.
Pesquisadora: — O que você pensa sobre o
mercado de trabalho?
LK.P09: — Eu acho que, assim, tá difícil, não
só pros, pros negros, mas também como nas
outras raças, etnias. Tá difícil, mas… eu acho
que ainda tem… um certo preconceito pros
negros.
Pesquisadora: — Quem sustenta seus estudos?
LK.P09: — Meus estudos? A minha tia e a
minha avó… têm me sustentado.
Pesquisadora: — Qual a renda mensal
familiar?
LK.P09: — De R$ 1.201,00 a 2.400,00.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
do seu pai?
LK.P09: — Ã… eu não sei responde, porque
eu num vivi cu’meu pai.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
da sua mãe?
LK.P09: — 2º grau completo.
Pesquisadora: — Qual a ocupação do seu pai?
LK.P09: — Também não sei.
Pesquisadora: — Qual a ocupação da sua mãe?
LK.P09: — Empregada doméstica.
Pesquisadora: —
Qual o tipo de
estabelecimento de ensino você frequentou?
LK.P09: — Escola Pública.
Pesquisadora: — Qual a importância de
estudar para você?
LK.P09: — Nossa! Importância… maior que
tem na minha vida, porque eu cum… eu cum
estudo… que eu vô tê meu futuro.
Pesquisadora: — Você pretende cursar uma
universidade?
LK.P09: — Caso você pretenda, qual o curso?
Pretendo, sim, cursá uma universidade…
Quero fazê Letras.
Pesquisadora: — Qual a visão que você tem da
inserção do negro na universidade e como você
acha que a sociedade vê essa inserção?
LK.P09: — Ah, eu vejo que… todos têm um…
propósito de entrá na faculdade. Todo negro
qué sê alguém na vida assim como tro… todos
os outros.
Pesquisadora: — O que você entende por cotas
raciais?
LK.P09: — Ah, eu acho que isso é um
preconceito. Tá querendo tampá o sol cum a
penera, porque de… de… de uma forma
qualqué é preconceito. Você está diferenciando
o negro da… das outras raças.
Pesquisadora: — Onde você obteve
informação sobre as cotas raciais?
LK.P09: — Nas… na televisão… aqui no
curso que eu tô fazendo… na escola… Em
todo lugar eu vejo.
Pesquisadora: — Você é contra ou a favor das
cotas e por quê?
LK.P09: — Eu sou contra… por isso mesmo,
porque… ao invés de tá favorecendo… assim,
podia tá favorecendo de uma outra forma,
mas… eu vejo que é preconceito, porque tá
diferenciando. A gente… eu acho que negro
num é diferente de qualqué outra pessoa. Todo
mundo é igual.
Pesquisadora: — O que é discriminação para
você?
LK.P09: — Discriminação pra mim é o jeito
de você agir com a pessoa, não só por ela sê
negra, mas sim por… pelo jeito de se vertir…
pelo jeito de falá… Se uma pessoa chegá em
algum lugar de chinelo, já vai… pode… pode
sê que seja discriminado pelo modo como está
se vestindo…
Pesquisadora: — Você já foi discriminado(a)
alguma vez?
LK.P09: — Várias vezes.
Pesquisadora: — Qual a visão que você, como
afrodescendente, tem da relação entre o
racismo e o acesso à universidade em função
das cotas?
LK.P09: — Eu vejo que realmente tem
alguns... que aproveitam disso. Porque dize…
de uma certa forma ele vai aproveitá porque
existe a cota. E a universidade… eu acho que
ela tem também uma… uma visão de que…
entregando essas cotas… ela pode tá
oferecendo aí um… . o fato dela não sê
discriminante da… da raça negra, da… dos
afrodescendentes.
Pesquisadora: — Como você acha que é a
aceitação da sociedade referente às cotas
raciais?
LK.P09: — Eu acho que eles… estão
aceitando bem. Tão achando que… tando…
essas
cotas…
raciais…
várias...
na
universidade, como agora saiu também pros…
pros… pros concurso público. Eu acho que tá
achando que tá acabando cum o preconceito no
Brasil. A sociedade acha que isso vai acabá
cum o preconceito, mas totalmente ao
contrário, eu acho, na minha opinião.
157
Pesquisadora: — Qual a visão que você acha
que a sociedade tem de você?
LK.P09: — De mim? Que eu sou uma…
muitos tem essa visão, ma não… não
também… é… como que fala? Não são todos.
Mas eu acho que, assim, que pode me vê, pode
acha porque eu não tenho casa boa… não
tenho um emprego bom… que eu sou um…
uma negra que te… vai tê dificuldade na
vida… sabe?... num vo tê tudo que eu quero na
vida por sê negra.
Pesquisadora: — Por que você acha que há
tanta polêmica sobre as cotas raciais?
LK.P09: — Por uns acharem que é certo por
outros acharem que não. Que uns aproveitam e
outros acham que é errado.
Pesquisadora: — Como você se sentiria caso o
seu ingresso na universidade fosse por meio
das cotas raciais?
Entrevistado: LK.P010
Pesquisadora: — Qual a sua idade?
LK.P10: — Eu tenho 24 anos.
Pesquisadora: — Sexo?
LK.P10: — Feminino.
Pesquisadora: — Qual o seu estado civil?
LK.P10: — Casada.
Pesquisadora: — Você tem filhos?
LK.P10: — Sim.
Pesquisadora: — Você trabalha?
LK.P10: — Sim.
Pesquisadora: — Qual a sua ocupação?
LK.P10: — Do lar.
Pesquisadora: — Quantas pessoas moram em
sua casa e quem são?
LK.P10: — 4 pessoas. O meu esposo e meus
dois filhos.
Pesquisadora: — Quem trabalha em sua casa e
quantos contribuem com as despesas?
LK.P10: — Só 1.
Pesquisadora: — Qual a etnia que você se
identifica?
LK.P10: — Negra.
Pesquisadora: — O que é ser afrodescendente
para você?
LK.P10: — É… sê… ter uma pele escura…
ser negro com cabelo e… como se… Agora
você me pegô, hein!
LK.P09: — Eu me sentiria… me sentiria um
pouco mal se… eu acharia que estaria sendo
diferente das outras pessoas.
Pesquisadora: — Em sua opinião, as cotas
raciais devem contemplar apenas os
afrodescendentes? Por quê?
LK.P09: — Eu acho que… que não. Num
deveria sê só os afrodescendentes, porque
assim como tem preconceito com os
afrodescendentes, tem também com os
deficientes… como também tem com os…
várias vezes tem aí com os… os índios,
japoneses, como existem. Não… não são
somente os afrodescendentes. São muitos. Mas
não deveria, no meu caso, existir cota.
Hora: 19h45
Pesquisadora: — Você se identifica como
afrodescendente?
LK.P10: — Sim.
Pesquisadora: — O que você pensa sobre o
mercado de trabalho?
LK.P10: — Muito difícil pra uma pessoa de
pele negra e que tem um cabelo… ruim.
Pesquisadora: — Quem sustenta seus estudos?
LK.P10: — Não… eu tento por bolsa ou por…
pelo Governo.
Pesquisadora: — Qual a renda mensal
familiar?
LK.P10: — Menos de R$ 600,00.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
do seu pai?
LK.P10: — Não tem estudo.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
da sua mãe?
LK.P10: — 5ª série.
Pesquisadora: — Qual a ocupação do seu pai?
LK.P10: — Mestre de obras.
Pesquisadora: — Qual a ocupação da sua mãe?
LK.P10: — Do lar.
Pesquisadora: —
Qual o tipo de
estabelecimento de ensino você frequentou?
LK.P10: — Escola Pública.
Pesquisadora: — Qual a importância de
estudar para você?
158
LK.P10: — Tentar conseguir algo que meus
pais não puderam me dar, né?: uma boa
escolaridade e um bom emprego…
Pesquisadora: — Você pretende cursar uma
universidade?
LK.P10: — Caso você pretenda, qual o curso?
Sim. Ou Administração ô Engenharia Civil.
Pesquisadora: — Qual a visão que você tem da
inserção do negro na universidade e como você
acha que a sociedade vê essa inserção?
LK.P10: — Muito difícil, porque… maioria
das pessoas que estudam numa universidade
são brancos e tem parentes brancos. Nunca
existiu negro, assim. Pouco que os negros que
estão lá. E quando estão lá é com muito…
dificuldade e muito… , assim, esforço, né?
Tem que lutá muito. Às vezes o branco num
luta tanto como um negro. Mas... a
Universidade Públi… Pública estão cheias de
alunos de escolas particulares que estão…
estudando lá dentro. Maioria dos negros estão
em escolas particulares.
Pesquisadora: — O que você entende por cotas
raciais?
LK.P10: — O que eu entendo? Eu acho que é
um direito dado à pessoa negra por não… ter,
assim, condições muitas das vezes de estar lá,
como eu acabei de falá, os brancos, na maioria
das vezes estão dentro das Universidades
Públicas. E as cotas serviriam pra… mais
pessoas de raças, de cores peles negras
entrarem e também...
Pesquisadora: — Onde você obteve
informação sobre as cotas raciais?
LK.P10: — Televisão.
Pesquisadora: — Você é contra ou a favor das
cotas e por quê?
LK.P10: — Com certeza a favô… por e tê
pessoas cum… cum de peles negras dentro da
sociedade lutando e tendo carreira também, né
[?], como… sendo um… Promotor… um Juiz.
Também ter essa oportunidade de vencê na
vida.
Pesquisadora: — O que é discriminação para
você?
LK.P10: — Discriminação? É tudo aquilo,
assim, que você vai num emprego, existe uma
pessoa branca junto com você, você é negra…
mesmo que você tenha qualidade… o seu
currículo mostra que você tem a qualidade…
porque a pessoa é branca, eles escolhem uma
pessoa branca de aparência mais bonito pra
eles… e te deixa de fora, mesmo que seu
currículo seja bom.
Pesquisadora: — Você já foi discriminado(a)
alguma vez?
LK.P10: — Já.
Pesquisadora: — Qual a visão que você, como
afrodescendente, tem da relação entre o
racismo e o acesso à universidade em função
das cotas?
LK.P10: — Em função das cotas? Eu acho
que… estamos dando um passo a mais dentro
do que… O racismo, mesmo dentro da
universidade, mesmo… lá dentro, existe.
Então, pra você… se isso é necessário tê, pra
que a gente entre lá dentro, também, possa
cursá um curso superiô, eu acho que o mais
óbvio que tinha que existir no momento.
Pesquisadora: — Como você acha que é a
aceitação da sociedade referente às cotas
raciais?
LK.P10: — Muito ruim. Eles não aceitam.
Pesquisadora: — Qual a visão que você acha
que a sociedade tem de você?
LK.P10: — Como uma pessoa… negra
qualqué que num… sabe [?], às vezes num tem
direito de lutá pelo que… de… de entrá numa
sociedade. Nu… numa universidade.
Pesquisadora: — Por que você acha que há
tanta polêmica sobre as cotas raciais?
LK.P10: — Porque… nós estamos em… numa
sociedade onde existe def… a maioria dos
branco e eles com certeza vão recriminá e tentá
tirá fora da… as pessoas negras da sociedade
pra lutá pr'uma vida melhor.
Pesquisadora: — Como você se sentiria caso o
seu ingresso na universidade fosse por meio
das cotas raciais?
LK.P10: — Em partes, orgulhosa. Mas em
partes, não porque… eu acho que a sociedade
tinha que sê inteiramente igual. Pra negros e
brancos.
Pesquisadora: — Em sua opinião, as cotas
raciais devem contemplar apenas os
afrodescendentes? Por quê?
LK.P10: — Porque… temos é… temos q…
temos inteira condições de entrarmos, mais…
por uma sociedade racista não entramos.
Então… cotas, nós temos inteiramente… é…
Porque é o que mais sofre discriminação.
159
Entrevistado: LK.P11
Pesquisadora: — Qual a sua idade?
LK.P11: — 19 anos.
Pesquisadora: — Sexo?
LK.P11: — Masculino.
Pesquisadora: — Qual o seu estado civil?
LK.P11: — Solteiro.
Pesquisadora: — Você tem filhos?
LK.P11: — Não.
Pesquisadora: — Você trabalha?
LK.P11: — Não.
Pesquisadora: — Qual a sua ocupação?
LK.P11: — Só estudo.
Pesquisadora: — Quantas pessoas moram em
sua casa e quem são?
LK.P11: — 4. Meu pai, minha mãe, meu irmão
e eu.
Pesquisadora: — Quem trabalha em sua casa e
quantos contribuem com as despesas?
LK.P11: — Somente meu pai e minha mãe.
Pesquisadora: — Qual a etnia que você se
identifica?
LK.P11: — Parda.
Pesquisadora: — O que é ser afrodescendente
para você?
LK.P11: — Afrodescendente?… Não vô podê
colocá isso.
Pesquisadora: — Você se identifica como
afrodescendente?
LK.P11: — Pouco, sim. Identifico, sim.
Pesquisadora: — O que você pensa sobre o
mercado de trabalho?
LK.P11: — Hoje tá precisando uma decla…
qualificação profissional. É preciso procurá
essa qualificação também.
Pesquisadora: — Quem sustenta seus estudos?
LK.P11: — Meus… Meu pai e minha mãe.
Pesquisadora: — Qual a renda mensal
familiar?
LK.P11: — De R$ 601,00 a R$ 1.200,00.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
do seu pai?
LK.P11: — Ensino Fundamental.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
da sua mãe?
LK.P11: — Ensino Fundamental.
Pesquisadora: — Qual a ocupação do seu pai?
LK.P11: — Trabalha como… porteiro de
condomínio.
Hora: 19h55
Pesquisadora: — Qual a ocupação da sua mãe?
LK.P11: — Minha mãe é babá.
Pesquisadora: —
Qual o tipo de
estabelecimento de ensino você frequentou?
LK.P11: — Escola Pública.
Pesquisadora: — Qual a importância de
estudar para você?
LK.P11: — Muito. Garante o meu futuro. É a
garantia do meu futuro.
Pesquisadora: — Você pretende cursar uma
universidade?
LK.P11: — Caso você pretenda, qual o curso?
Sim. De… Ciências Contábeis.
Pesquisadora: — Qual a visão que você tem da
inserção do negro na universidade e como você
acha que a sociedade vê essa inserção?
LK.P11: — Olha, eu acho que... negro na
universidade… é muito bom. P’que tira um
pouco daquela… daquele racismo… daquela
discriminação pelo negro. Em relação à
sociedade eu acho que a sociedade tá mei…
meio que aceitô um pouco, mas não
totalmente. Só… uma grande quantidade, só.
Pesquisadora: — O que você entende por cotas
raciais?
LK.P11: — Olha… a oportunidade de estudo
pra pso… indígenas… negros… pessoas que
veem de outros país… pro nosso país…
procurá melhor condição de vida…
Pesquisadora: — Onde você obteve
informação sobre as cotas raciais?
LK.P11: — Em conversa com os amigos,
mesmo.
Pesquisadora: — Você é contra ou a favor das
cotas e por quê?
LK.P11: — Eu sou a favor. Porque, assim, eu
acho que nem a igualdade serve pra todo
mundo, independente de raça… etnia… ô a
região onde mora, país…
Pesquisadora: — O que é discriminação para
você?
LK.P11: — A partir do momento que você não
aceita diferença do seu próximo.
Pesquisadora: — Você já foi discriminado(a)
alguma vez?
LK.P11: — Olha, nunca.
Pesquisadora: — Qual a visão que você, como
afrodescendente, tem da relação entre o
racismo e o acesso à universidade em função
das cotas?
160
LK.P11: — Acho que muitas pessoas… vê o
racismo… como favorecimento pra algumas
pesso… alguns… universitários. Na minha
opinião eu já não acho isso. Eu acho que cada
um tem o seu mérito. Por mais que ele seja
afrodescendente ele também estudô… teve…
lutô pra conseguir essa oportunidade…
Pesquisadora: — Como você acha que é a
aceitação da sociedade referente às cotas
raciais?
LK.P11: — Muito indecisa.
Pesquisadora: — Qual a visão que você acha
que a sociedade tem de você?
LK.P11: — Olha, um indivíduo muito neutro.
Entrevistado: LK.P12
Pesquisadora: — Qual a sua idade?
LK.P12: — 29 anos.
Pesquisadora: — Sexo?
LK.P12: — Masculino.
Pesquisadora: — Qual o seu estado civil?
LK.P12: — Solteiro.
Pesquisadora: — Você tem filhos?
LK.P12: — Não.
Pesquisadora: — Você trabalha?
LK.P12: — Sim.
Pesquisadora: — Qual a sua ocupação?
LK.P12: — Comerciário.
Pesquisadora: — Quantas pessoas moram em
sua casa e quem são?
LK.P12: — Somente eu. Moro em… casa
alugada.
Pesquisadora: — Quem trabalha em sua casa e
quantos contribuem com as despesas?
LK.P12: — Não. Somente eu, só.
Pesquisadora: — Qual a etnia que você se
identifica?
LK.P12: — Negra.
Pesquisadora: — O que é ser afrodescendente
para você?
LK.P12: — [sem resposta].
Pesquisadora: — Você se identifica como
afrodescendente?
LK.P12: — Sim. Me identifico.
Pesquisadora: — O que você pensa sobre o
mercado de trabalho?
Pesquisadora: — Por que você acha que há
tanta polêmica sobre as cotas raciais?
LK.P11: — A falta na busca da informação.
Pesquisadora: — Como você se sentiria caso o
seu ingresso na universidade fosse por meio
das cotas raciais?
LK.P11: — Igual a qualqué um.
Pesquisadora: — Em sua opinião, as cotas
raciais devem contemplar apenas os
afrodescendentes? Por quê?
LK.P11: — Não. Eu acho que… tanto…
quanto o negro… quanto o índio… quanto o…
pardo ou branco, todos devem sê... nas classes
sociais. Porque cada um tem seu mérito
pessoal, com certeza.
Hora: 20h
LK.P12: — Ah, eu penso… Ah, é uma
oportunidade… Em que sentido? Como é que
eu posso te falá… o que eu penso sobre o
mercado de trabalho? Ah, penso positivo.
Pesquisadora: — Quem sustenta seus estudos?
LK.P12: — Eu mesmo.
Pesquisadora: — Qual a renda mensal
familiar?
LK.P12: — Menos de R$ 600,00.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
do seu pai?
LK.P12: — É… Meu pai não tem
escolaridade...
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
da sua mãe?
LK.P12: — Minha mãe… cursa o 2º grau,
atualmente.
Pesquisadora: — Qual a ocupação do seu pai?
LK.P12: — Ele é… lavrador.
Pesquisadora: — Qual a ocupação da sua mãe?
LK.P12: — Também. Lavradeira.
Pesquisadora: —
Qual o tipo de
estabelecimento de ensino você frequentou?
LK.P12: — Escola Pública.
Pesquisadora: — Qual a importância de
estudar para você?
LK.P12: — Importância… ela é mu… ela é
muito
especial…
porque
adquirimos
conhecimento… . e… e com estudo
conseguimos nosso objetivos.
Pesquisadora: — Você pretende cursar uma
universidade?
161
LK.P12: — Caso você pretenda, qual o curso?
Sim. Eu pretendo cursá uma universidade e…
e eu já prestei vestibular pra o curso de
Matemática, não consegui. Vô prestá
novamente pra Matemática.
Pesquisadora: — Qual a visão que você tem da
inserção do negro na universidade e como você
acha que a sociedade vê essa inserção?
LK.P12: — … Como a… a sociedade vê. Ah,
no meu ponto de vista, eu acho… certo,
entendeu [?] a inserção da… dos negros na
sociedade porque até antes eles eram excluídos
por sê negro. E com isso, acredito que vai
melhorá… nosso relacionamento… e também
melhorá… a integração dos… nesse… dessas
pessoas que até antes eram… é… excluídas.
Pesquisadora: — O que você entende por cotas
raciais?
LK.P12: — Como posso falá? ... Entendo o
seguinte, que… as cotas… até antes eu
pensava assim, que… eu não concordava,
mais… com o passa do tempo fui…
concordando com isso. Porque… que deve
sê… Eu acho correto, as cotas.
Pesquisadora: — Onde você obteve
informação sobre as cotas raciais?
LK.P12: — Eu obtive por… por Internet e
também palestra aqui mesmo no… no
Instituto.
Pesquisadora: — Você é contra ou a favor das
cotas e por quê?
LK.P12: — Sô a favô, porque… como já falei
antes… essas pessoas eram discriminadas,
entendeu [?] e hoje tá tendo a oportunidade…
e eu… ingressá na universidade, por meio de
cotas, e eu espero que também se pudé
melhorá, muito, e… essas pessoa se sente e…
é… rejeitada, por sê negra. Tem um… é… se
sente, assim… como os outras pessoa, mesmo.
Sente normal.
Pesquisadora: — O que é discriminação para
você?
LK.P12: — Discriminação… é falta de
oportunidade… é, assim, as pessoas não dá
oportunidade pra uma pessoa, pela cor.,
entendeu [?], e pelo que ele é…
Pesquisadora: — Você já foi discriminado(a)
alguma vez?
LK.P12: — Sim. Já fui discriminado.
Pesquisadora: — Qual a visão que você, como
afrodescendente, tem da relação entre o
racismo e o acesso à universidade em função
das cotas?
LK.P12: — ...
Pesquisadora: — Como você acha que é a
aceitação da sociedade referente às cotas
raciais?
LK.P12: — O que eu acho que deve ser a
aceitação? É… aceitação… vá sê a maior parte
vão aceitá e a minoria num vão aceitá. Até
porque isso é… tem… como posso falar?…
vai de cada pessoa, né?. Uns concorda e outros
não.
Pesquisadora: — Qual a visão que você acha
que a sociedade tem de você?
LK.P12: — Ainda não sei. Que até então eu
procuro sê… uma pessoa que… não procuro
fingi… entendeu? Procuro sempre sê a pessoa
do seu..., tá [?], passando aquela i… image que
deve sê passada..., tá [?] Eu procuro não... é…
sê… sê honesto pra que as pessoas acredite em
mim também.
Pesquisadora: — Por que você acha que há
tanta polêmica sobre as cotas raciais?
LK.P12: — Às vezes acontece muita polêmica
no meio das pessoas que… é… num é…
pessoa de classe… média, que até então, é a
maior força nas universidades.E com isso ele
se sente… é… ele sente um pouco isso.
Pesquisadora: — Como você se sentiria caso o
seu ingresso na universidade fosse por meio
das cotas raciais?
LK.P12: — Ah, eu ia me sentir prestigiado,
po… porque… ia sê mais uma oportinidade
que eu… tive, entendeu?
Pesquisadora: — Em sua opinião, as cotas
raciais devem contemplar apenas os
afrodescendentes? Por quê?
LK.P12: — Ah, sim, porque essas pessoas, às
vezes se sente… é… é… ela se sente…
humilhada pela sua cô. E com isso… com a
oportunidade que o… que tá tendo agora, eu
acho que com isso eles vão se sentir… é…
mais… como eu vô te falá? Vão se sentir
mais… Ah… vão se senti… feito, entendeu?
162
Entrevistado: LK.P13
Pesquisadora: — Qual a sua idade?
LK.P13: — 22 anos.
Pesquisadora: — Sexo?
LK.P13: — Masculino.
Pesquisadora: — Qual o seu estado civil?
LK.P13: — Solteiro.
Pesquisadora: — Você tem filhos?
LK.P13: — Não.
Pesquisadora: — Você trabalha?
LK.P13: — Sim.
Pesquisadora: — Qual a sua ocupação?
LK.P13: — Assistente administrativo.
Pesquisadora: — Quantas pessoas moram em
sua casa e quem são?
LK.P13: — 5 pessoas. Pai e mãe e dois irmãos.
Pesquisadora: — Quem trabalha em sua casa e
quantos contribuem com as despesas?
LK.P13: — Atualmente, somos… somos em 3:
eu, meu irmão e meu pai.
Pesquisadora: — Qual a etnia que você se
identifica?
LK.P13: — Negra.
Pesquisadora: — O que é ser afrodescendente
para você?
LK.P13: — É… tê as características negra,
cabelo… e de pais negros.
Pesquisadora: — Você se identifica como
afrodescendente?
LK.P13: — Sim.
Pesquisadora: — O que você pensa sobre o
mercado de trabalho?
LK.P13: — É um tanto quanto egoísta quanto
a… a… a raça.
Pesquisadora: — Quem sustenta seus estudos?
LK.P13: — É… sô eu mesmo.
Pesquisadora: — Qual a renda mensal
familiar?
LK.P13: — De R$ 601,00 a R$ 1.200,00.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
do seu pai?
LK.P13: — Ensino Médio completo.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
da sua mãe?
LK.P13: — Ensino Médio completo.
Pesquisadora: — Qual a ocupação do seu pai?
LK.P13: — Auxiliar de mecânico.
Pesquisadora: — Qual a ocupação da sua mãe?
LK.P13: — Do lar.
Hora: 20h10
Pesquisadora: —
Qual o tipo de
estabelecimento de ensino você frequentou?
LK.P13: — Escola Pública.
Pesquisadora: — Qual a importância de
estudar para você?
LK.P13: — Grande importância.
Pesquisadora: — Você pretende cursar uma
universidade?
LK.P13: — Caso você pretenda, qual o curso?
Pretendo cursá universidade. Curso de Direito.
Pesquisadora: — Qual a visão que você tem da
inserção do negro na universidade e como você
acha que a sociedade vê essa inserção?
LK.P13: — Eu acho que a inserção do negro
no… dentro da universidade é um pouco… é…
fora da… da realidade, que nós vemos hoje.
Que… pe… te vê muitos poucos pe.. pre…
negros na universidade.
Pesquisadora: — O que você entende por cotas
raciais?
LK.P13: — Eu entendo que as cotas raciais é
um… sem dúvida é um tipo de discriminação.
Mas é uma discriminação positiva. Tende a
igualar as raças.
Pesquisadora: — Onde você obteve
informação sobre as cotas raciais?
LK.P13: — Eu obtive através da Internet e
rádio difusão.
Pesquisadora: — Você é contra ou a favor das
cotas e por quê?
LK.P13: — Sô a favor das cotas. Porque ela é
uma discriminação… mas a favor… de… de
extinguir a discriminação, de uma forma que
possa igualar as raças.
Pesquisadora: — O que é discriminação para
você?
LK.P13: — Discriminação é sofrê preconceito
e segregação é… devido a sua cor ou sua
características físicas.
Pesquisadora: — Você já foi discriminado(a)
alguma vez?
LK.P13: — Sim.
Pesquisadora: — Qual a visão que você, como
afrodescendente, tem da relação entre o
racismo e o acesso à universidade em função
das cotas?
163
LK.P13: — A relação que eu tenho entre o
racismo e o acesso a universidade em função
das cotas eu acho que ainda não atingiu a m…
a meta de números de negros dentro da uni..
das universidades.
Pesquisadora: — Como você acha que é a
aceitação da sociedade referente às cotas
raciais?
LK.P13: — Aceitação é baixa. Ainda as
pessoas acham que cotas é… é favorecê ao
negro ou… o índio.
Pesquisadora: — Qual a visão que você acha
que a sociedade tem de você?
LK.P13: — Eu tenho… o que a sociedade acha
de mim que eu sô um favorecido é… tendo
cotas... nas universidades.
Pesquisadora: — Por que você acha que há
tanta polêmica sobre as cotas raciais?
Entrevistado: LK.P14
Pesquisadora: — Qual a sua idade?
LK.P14: — 28 anos.
Pesquisadora: — Sexo?
LK.P14: — Masculino.
Pesquisadora: — Qual o seu estado civil?
LK.P14: — Solteiro.
Pesquisadora: — Você tem filhos?
LK.P14: — Não.
Pesquisadora: — Você trabalha?
LK.P14: — Não.
Pesquisadora: — Qual a sua ocupação?
LK.P14: — É… estudante.
Pesquisadora: — Quantas pessoas moram em
sua casa e quem são?
LK.P14: — 7. Meus pais e meus irmãos. Meus
sobrinhos.
Pesquisadora: — Quem trabalha em sua casa e
quantos contribuem com as despesas?
LK.P14: — Só minha mãe… e… e minha
irmã.
Pesquisadora: — Qual a etnia que você se
identifica?
LK.P14: — Negra.
Pesquisadora: — O que é ser afrodescendente
para você?
LK.P14: — Afrodece… decendente? Ah,
mistura, né [?] de coisas, por aí… de raça.
Pesquisadora: — Você se identifica como
afrodescendente?
LK.P13: — Eu acho que ele… Porque as
pessoas têm uma visão errada de que é… é um
favorecimento ao negro. P’que, na verdade,
não é. Porque é uma forma de… é… combatê
até mesmo a discriminação.
Pesquisadora: — Como você se sentiria caso o
seu ingresso na universidade fosse por meio
das cotas raciais?
LK.P13: — Eu me sentiria muito… muito feliz
e grato porque é… é uma oportunidade que
está dando pra… é extiguir a… o racismo.
Pesquisadora: — Em sua opinião, as cotas
raciais devem contemplar apenas os
afrodescendentes? Por quê?
LK.P13: — Bom, eu acho que deveria
contemplar os afrodecendentes e… que
estudantes de Escola Pública.
Hora: 20h20
LK.P14: — Sim.
Pesquisadora: — O que você pensa sobre o
mercado de trabalho?
LK.P14: — … Tem que… ampliá mais a… os
valores, né [?], mais empregos pras pessoas.
Pesquisadora: — Quem sustenta seus estudos?
LK.P14: — Eu mesmo.
Pesquisadora: — Qual a renda mensal
familiar?
LK.P14: — Menos de R$ 600,00.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
do seu pai?
LK.P14: — É… Fundamental. Completo.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
da sua mãe?
LK.P14: — Fundamental incompleto.
Pesquisadora: — Qual a ocupação do seu pai?
LK.P14: — Ele é pedreiro.
Pesquisadora: — Qual a ocupação da sua mãe?
LK.P14: — Ela é doméstica.
Pesquisadora: —
Qual o tipo de
estabelecimento de ensino você frequentou?
LK.P14: — Escola Pública.
Pesquisadora: — Qual a importância de
estudar para você?
LK.P14: — Ah, buscá melhoria, né [?]...
condições de vida, né [?]...
Pesquisadora: — Você pretende cursar uma
universidade?
164
LK.P14: — Caso você pretenda, qual o curso?
Letras.
Pesquisadora: — Qual a visão que você tem da
inserção do negro na universidade e como você
acha que a sociedade vê essa inserção?
LK.P14: — Eu acho que eles vêm na… é…
cum discriminação, né?
Pesquisadora: — O que você entende por cotas
raciais?
LK.P14: — Eu acho que… as cotas… têm que
existir, né [?], porque… a maioria das pessoas
são… cores negras, né? Mais ela tem que…
tem que tê direito da… da… da… da…
Universidade Federal, né?
Pesquisadora: — Onde você obteve
informação sobre as cotas raciais?
LK.P14: — Nas TVs… na… no rádio… né
[?], na Internet…
Pesquisadora: — Você é contra ou a favor das
cotas e por quê?
LK.P14: — Sô contra… . Sô a favor…
porque… às vezes… as pessoas… tem cond…
qué… desenvolvê melhor, né [?] e não
consegue, né [?], entrá na faculdade… pra fazê
o curso.
Pesquisadora: — O que é discriminação para
você?
LK.P14: — Discriminação é… a pessoa… não
tê respeito, tratá os outros com… com olhar
diferente e olhá… olhá os outros com oto olhá.
Não olhar de ser humano.
Pesquisadora: — Você já foi discriminado(a)
alguma vez?
LK.P14: — Ixi!!!! (risos) Cem vez!!! (risos) É
muito triste, heim, discriminação, cara! Eu…
eu já fui discriminado, sim.
Pesquisadora: — Qual a visão que você, como
Entrevistado: LK.P15
Pesquisadora: — Qual a sua idade?
LK.P15: — 30 anos.
Pesquisadora: — Sexo?
LK.P15: — Masculino.
Pesquisadora: — Qual o seu estado civil?
LK.P15: — Solteiro.
Pesquisadora: — Você tem filhos?
LK.P15: — Tenho.
Pesquisadora: — Você trabalha?
LK.P15: — Sim.
Pesquisadora: — Qual a sua ocupação?
afrodescendente, tem da relação entre o
racismo e o acesso à universidade em função
das cotas?
LK.P14: — Eu acho que… a visão é muito
pequena, porque as pessoas não… tão
valorizano as pessoas… de cores. Só valorizam
o dinheiro, né?
Pesquisadora: — Como você acha que é a
aceitação da sociedade referente às cotas
raciais?
LK.P14: — Eu acho que trata os… os
descendentes, né [?], é… com menor…
minoria, né?. Num acha… num acha bem. Eu
acho que as pessoas… de cores, né [?], por
exemplo, a negra, não têm direito a tá na
Universidade Federal, né?
Pesquisadora: — Qual a visão que você acha
que a sociedade tem de você?
LK.P14: — Eu acho que… é a visão de
discriminação, né [?]. Tudo
Pesquisadora: — Por que você acha que há
tanta polêmica sobre as cotas raciais?
LK.P14: — Porque as pessoas ricas favorece
mais a elas, né? E não te dão oportunidade às
pessoas carente.
Pesquisadora: — Como você se sentiria caso o
seu ingresso na universidade fosse por meio
das cotas raciais?
LK.P14: — Ô, seria bom, heim! Já ia melhorá
bastante, né?
Pesquisadora: — Em sua opinião, as cotas
raciais devem contemplar apenas os
afrodescendentes? Por quê?
LK.P14: — Não, eu acho que tem que sê pra
todos, né?
Hora: 20h30
LK.P15: — Vigilante.
Pesquisadora: — Quantas pessoas moram em
sua casa e quem são?
LK.P15: — 2. Eu e minha irmã.
Pesquisadora: — Quem trabalha em sua casa e
quantos contribuem com as despesas?
LK.P15: — Nós dois.
Pesquisadora: — Qual a etnia que você se
identifica?
LK.P15: — Negra.
165
Pesquisadora: — O que é ser afrodescendente
para você?
LK.P15: — [sem resposta].
Pesquisadora: — Você se identifica como
afrodescendente?
LK.P15: — Sim.
Pesquisadora: — O que você pensa sobre o
mercado de trabalho?
LK.P15: — Ah, ainda há uma grande
discriminações do afrodescendente.
Pesquisadora: — Quem sustenta seus estudos?
LK.P15: — Eu mesmo.
Pesquisadora: — Qual a renda mensal
familiar?
LK.P15: — Menos de R$ 600,00.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
do seu pai?
LK.P15: — Acho que 4ª série. Num tenho
certeza.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
da sua mãe?
LK.P15: — Também.
Pesquisadora: — Qual a ocupação do seu pai?
LK.P15: — Meu pai é lavrador.
Pesquisadora: — Qual a ocupação da sua mãe?
LK.P15: — … do lar.
Pesquisadora: —
Qual o tipo de
estabelecimento de ensino você frequentou?
LK.P15: — Escola Pública.
Pesquisadora: — Qual a importância de
estudar para você?
LK.P15: — É assim… Estudá é... cumpri a
diferença, né [?], porque hoje em dia,
principalmente pro afrodescendente, tudo é
mais difícil, né? Você chega em… em… em...
Difícil você vê um afrodescendente nas
universidade. É minoria… Tem que… estudá e
estudá pra podê batalhá pá…
Pesquisadora: — Você pretende cursar uma
universidade?
LK.P15: — Caso você pretenda, qual o curso?
Sim. Matemática.
Pesquisadora: — Qual a visão que você tem da
inserção do negro na universidade e como você
acha que a sociedade vê essa inserção?
LK.P15: — Ah, é que hoje ainda é poucos, né
[?], lá dentro.
Pesquisadora: — O que você entende por cotas
raciais?
LK.P15: — É… que ela deveria existir pá… dá
uma normalizada, né [?], que nem igual eu
falei que hoje são poucos negros na
universidade. Se essas cota ajuda, já ampliá
mais os afrodecedente na universidade.
Pesquisadora: — Onde você obteve
informação sobre as cotas raciais?
LK.P15: — No Instituto mesmo.
Pesquisadora: — Você é contra ou a favor das
cotas e por quê?
LK.P15: — Sim, a favor… porque… há muito
tempo, né [?], que fala… q’os brancos estuda.
Agora que tão começando os negro, né [?],
entrá na universidade, mas tá em poucas…
muito pouco. Essa cota vai favorecê pra num
entrá mais afrodecendente na universidade.
Pesquisadora: — O que é discriminação para
você?
LK.P15: — Discriminação acho que é… Hoje
ela tá, já de modo geral, né? Tem de vários
tipos. Tem umas que já é direta com a
pessoa… Tem outras que é… escondida, né?
Você vai fazê uma entrevista num setor…
chegá lá e… faz a entevista com você, tudo…
só que num fala na sua cara que num vai te
contratá porque você é afrodescendente. Fica
como..., né [?], mas você nunca é chamado.
Pesquisadora: — Você já foi discriminado(a)
alguma vez?
LK.P15: — [sem resposta].
Pesquisadora: — Qual a visão que você, como
afrodescendente, tem da relação entre o
racismo e o acesso à universidade em função
das cotas?
LK.P15: — O acesso à universidade… Uns
fala que as cota vai aumentá o… é… racismo,
é… vai aumentá o racismo. Mas eu acho que
não, porque… a maioria dos afrodescendente
estuda em Escola Pública… num… num…
num tem o mesmo estudo do… dos brancos
que estudô a maioria em ca… na escola
particular… E hoje, igual eu aqui mesmo, né
[?], estudo, trabalha o dia inteiro, tem que fazê
Cursinho, estudei a vida inteira na Escola
Pública pá competir com outros, né?. Acho que
é bem mais complicado.
Pesquisadora: — Como você acha que é a
aceitação da sociedade referente às cotas
raciais?
LK.P15: — Acho que tá bem dividido, né [?].
Porque tem muitos que aceita e muitos igual
fala aí que fala que vai au… aumentá o
racismo, essas cota. Mas eu acho que não,
heim.
Pesquisadora: — Qual a visão que você acha
que a sociedade tem de você?
166
LK.P15: — Essa é complicada, cara (risos).
Pesquisadora: — Por que você acha que há
tanta polêmica sobre as cotas raciais?
LK.P15: — Porque o assunto já é polêmico,
né? Racismo sempre é polêmico. A vida inteira
foi polêmica. Hoje que tá dando mais uma
normalizada, mais… já… polêmica já vem do
racismo. Muito setor… Muitos setores fala
“que num há racismo, num há… “ Racismo
sempre existiu… Eu acho que sempre existirá.
Vai muito tempo pá acabá.
Pesquisadora: — Como você se sentiria caso o
seu ingresso na universidade fosse por meio
das cotas raciais?
LK.P15: — Ah, eu me sentiria bem, p’q’um…
uma batalha eu acho que eu consegui.
Pesquisadora: — Em sua opinião, as cotas
raciais devem contemplar apenas os
afrodescendentes? Por quê?
LK.P15: — Não. Eu acho que os
afrodescendente… a sociedade carente, né?
Enfim… o todo.
TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
Escola Estadual Antônio Delfino Pereira – 3/6/2009
Entrevistado: AD.P16
Pesquisadora: — Qual a sua idade?
AD.P16: — 22 anos.
Pesquisadora: — Sexo?
AD.P16: — Masculino.
Pesquisadora: — Qual o seu estado civil?
AD.P16: — Solteiro.
Pesquisadora: — Você tem filhos?
AD.P16: — Não.
Pesquisadora: — Você trabalha?
AD.P16: — Sim.
Pesquisadora: — Qual a sua ocupação?
AD.P16: — Trabalho em água mineral.
Pesquisadora: — Quantas pessoas moram em
sua casa e quem são?
AD.P16: — Meu pai, minha irmã, meu irmão,
meu sobrinho, meu outro irmão.
Pesquisadora: — Quem trabalha em sua casa e
quantos contribuem com as despesas?
AD.P16: — 4.
Pesquisadora: — Qual a etnia que você se
identifica?
AD.P16: — Negra.
Pesquisadora: — O que é ser afrodescendente
para você?
AD.P16: — Ah… como posso dizê?… É
orgulho, né [?] O que é ser? Especificamente
assim, ou… Num sei...
Pesquisadora: — Você se identifica como
afrodescendente?
Hora: 19h30
AD.P16: — Sim. Por causa dos antepassado, a
origem… dos avós...
Pesquisadora: — O que você pensa sobre o
mercado de trabalho?
AD.P16: — Tá meio lento, mais… tá
começano a… . abri as porta pra nós, né? Que
era bem… bem difícil, né?
Pesquisadora: — Quem sustenta seus estudos?
AD.P16: — Eu mesmo.
Pesquisadora: — Qual a renda mensal
familiar?
AD.P16: — De R$ 1.201,00 a 2.400,00.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
do seu pai?
AD.P16: — Meu pai tinha… 4ª série.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
da sua mãe?
AD.P16: — Minha mãe parô na 6ª.
Pesquisadora: — Qual a ocupação do seu pai?
AD.P16: — Não, meu pai faleceu.
Pesquisadora: — Qual a ocupação da sua mãe?
AD.P16: — Minha mãe… é… trabalha de
doméstica.
Pesquisadora: —
Qual o tipo de
estabelecimento de ensino você frequentou?
AD.P16: — Escola Pública.
Pesquisadora: — Qual a importância de
estudar para você?
167
AD.P16: — De abrir as porta mais pra frente…
um trabalho… e aprender também, né?
Conhecimento…
Pesquisadora: — Você pretende cursar uma
universidade?
AD.P16: — Caso você pretenda, qual o curso?
Educação Física.
Pesquisadora: — Qual a visão que você tem da
inserção do negro na universidade e como você
acha que a sociedade vê essa inserção?
AD.P16: — Ah… tá lá por acaso, às vezes…
tá… porque foi… escolhido… por dedo,
assim. Podia tê mais vaga, né?
Pesquisadora: — O que você entende por cotas
raciais?
AD.P16: — Cotas raciais?... Muito preconceito
ainda, mais… num sei estipulá, exatamente.
Pesquisadora: — Onde você obteve
informação sobre as cotas raciais?
AD.P16: — Na TV… frequência mesmo,
convivência.
Pesquisadora: — Você é contra ou a favor das
cotas e por quê?
AD.P16: — Contra e a favor, né [?], porque…
contra porque… talvez a gente ia… como se
diz [?] até demais… a gente ouve até… coisa
até demais, né? A favor que… estimula
também a gente querê mais, né [?], aprendê
mais e… dá a volta por cima.
Pesquisadora: — O que é discriminação para
você?
AD.P16: — Discriminação é xingá… falá
que… , por exemplo, diz “Negro fidido”,
assim, né? Outra é chamá de “negro”, pra mim
é… levo normal.
Pesquisadora: — Você já foi discriminado(a)
alguma vez?
AD.P16: — Já.
Pesquisadora: — Qual a visão que você, como
afrodescendente, tem da relação entre o
racismo e o acesso à universidade em função
das cotas?
AD.P16: — O acesso... melhor na
Entrevistado: AD.P17
Pesquisadora: — Qual a sua idade?
AD.P17: — 17.
Pesquisadora: — Sexo?
AD.P17: — Feminino.
Pesquisadora: — Qual o seu estado civil?
universidade, né? É bom, né [?], e… e a gente
fica preocupado no… como que nós vai sê
tratado lá, às vezes chegando lá, né [?], pode
acontecê muito… discriminação, também. A
gente fica meio assim… porque eles são em
maioria, né? Nós somos em minoria.
Pesquisadora: — Como você acha que é a
aceitação da sociedade referente às cotas
raciais?
AD.P16: — Sociedade? A sociedade voltá
mais, né [?], pra… pra estimula, né [?], às vez
as crianças, né [?] que num deve acontecê isso,
né [?], pra que elas, por exemplo, em vez de
pequeno elas ficá ouvindo sempre, né [?], que
ela é negra... desde pequena aí vai começando
com ota… pensamento.
Pesquisadora: — Qual a visão que você acha
que a sociedade tem de você?
Que a sociedade tem de mim? (risos). Os que
me conhece… boa. A num sê que… num
conhece… que AD.P16: — deve falá que…
que deve fala da gente, né? Coisas boa…
muitas coisa… Algumas coisa é boa otas é
ruim, né?
Pesquisadora: — Por que você acha que há
tanta polêmica sobre as cotas raciais?
AD.P16: — Ah, isso vem desde o passado, né?
É… porque… desde o passado vem fluindo até
hoje, né? Mais… tá como… menas força, né?
Tá acabando cum isso.
Pesquisadora: — Como você se sentiria caso o
seu ingresso na universidade fosse por meio
das cotas raciais?
AD.P16: — Sentiria meio orgulhoso, né? Me
sentiria orgulhoso por tá lá… por tá
representano, né [?], os outros negro.
Pesquisadora: — Em sua opinião, as cotas
raciais devem contemplar apenas os
afrodescendentes? Por quê?
AD.P16: — Não… eu num acho que só os
negros que deveriam, não. Pô, todo mundo,
né? Todo mundo teria a mesma chance, né [?],
de… participá…
Hora: 19h40
AD.P17: — Solteira.
Pesquisadora: — Você tem filhos?
AD.P17: — Não.
Pesquisadora: — Você trabalha?
AD.P17: — Não.
168
Pesquisadora: — Qual a sua ocupação?
AD.P17: — Nenhuma.
Pesquisadora: — Quantas pessoas moram em
sua casa e quem são?
AD.P17: — Minha mãe e meus 4 irmãos. No
total, 6.
Pesquisadora: — Quem trabalha em sua casa e
quantos contribuem com as despesas?
AD.P17: — Só a minha mãe.
Pesquisadora: — Qual a etnia que você se
identifica?
AD.P17: — Negra.
Pesquisadora: — O que é ser afrodescendente
para você?
AD.P17: — Afrodescendente é… acho que é
sê da raça, da cor...
Pesquisadora: — Você se identifica como
afrodescendente?
AD.P17: — [inaudível].
Pesquisadora: — O que você pensa sobre o
mercado de trabalho?
AD.P17: — Não é fácil mas também não é
difícil...
Pesquisadora: — Quem sustenta seus estudos?
AD.P17: — Minha mãe.
Pesquisadora: — Qual a renda mensal
familiar?
AD.P17: — Menos de R$ 600,00.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
do seu pai?
AD.P17: — Acho que é a 2ª série.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
da sua mãe?
AD.P17: — 5ª série.
Pesquisadora: — Qual a ocupação do seu pai?
AD.P17: — Pedreiro.
Pesquisadora: — Qual a ocupação da sua mãe?
AD.P17: — Costureira.
Pesquisadora: —
Qual o tipo de
estabelecimento de ensino você frequentou?
AD.P17: — Escola Pública.
Pesquisadora: — Qual a importância de
estudar para você?
AD.P17: — Pra um futuro melhor.
Pesquisadora: — Você pretende cursar uma
universidade?
AD.P17: — Caso você pretenda, qual o curso?
Sim. Psicologia.
Pesquisadora: — Qual a visão que você tem da
inserção do negro na universidade e como você
acha que a sociedade vê essa inserção?
AD.P17: — Muitos é… outros ganham
bolsa… Porque hoje em dia eles falam assim,
que negro não tem condições de pagá uma
faculdade. Ou ganha bolsa ô tá pagando meia.
Acho que aí tem uma oportunidade de enxergá
melhor uma faculdade… é universidade.
Pesquisadora: — O que você entende por cotas
raciais?
AD.P17: — [sem resposta].
Pesquisadora: — Onde você obteve
informação sobre as cotas raciais?
AD.P17: — [sem resposta].
Pesquisadora: — Você é contra ou a favor das
cotas e por quê?
AD.P17: — A favor. É… Ah, porque hoje em
dia tá muito difícil pra entrá na faculdade.
Pesquisadora: — O que é discriminação para
você?
AD.P17: — Discriminação? É quando você
discrimina uma pessoa… sendo negro,
deficiente… tem algum problema que a
sociedade discrimina essa pessoa... essa
pessoa.
Pesquisadora: — Você já foi discriminado(a)
alguma vez?
AD.P17: — Já.
Pesquisadora: — Qual a visão que você, como
afrodescendente, tem da relação entre o
racismo e o acesso à universidade em função
das cotas?
AD.P17: — [inaudível].
Pesquisadora: — Como você acha que é a
aceitação da sociedade referente às cotas
raciais?
AD.P17: — Como que é feito? Acho que é
feito normal, ainda. Acho que é normal.
Pesquisadora: — Qual a visão que você acha
que a sociedade tem de você?
AD.P17: — Bom, acho que tem várias visões.
Bem má. Porque num é… acho que todo
mundo… sei lá… num é todo mundo que
cuida da sua vida. Acho que num… Num é
todo mundo que tem a mesma visão, mais eu
acho que é bem mau.
Pesquisadora: — Por que você acha que há
tanta polêmica sobre as cotas raciais?
AD.P17: — [inaudível].
Pesquisadora: — Como você se sentiria caso o
seu ingresso na universidade fosse por meio
das cotas raciais?
AD.P17: — [inaudível].
169
Pesquisadora: — Em sua opinião, as cotas
raciais devem contemplar apenas os
afrodescendentes? Por quê?
AD.P17: — Não. Porque também tem a… as
áreas indígenas… Também, né [?], num só os
descendentes de afro, e… Acho que só.
Entrevistado: AD.P18
Pesquisadora: — Qual a sua idade?
AD.P18: — 20 anos.
Pesquisadora: — Sexo?
AD.P18: — Feminino.
Pesquisadora: — Qual o seu estado civil?
AD.P18: — Solteira.
Pesquisadora: — Você tem filhos?
AD.P18: — Não.
Pesquisadora: — Você trabalha?
AD.P18: — Não.
Pesquisadora: — Qual a sua ocupação?
AD.P18: — Estudante.
Pesquisadora: — Quantas pessoas moram em
sua casa e quem são?
AD.P18: — São 3… eu, minha mãe e meu
irmão… Só.
Pesquisadora: — Quem trabalha em sua casa e
quantos contribuem com as despesas?
AD.P18: — Só a minha mãe, mesmo.
Pesquisadora: — Qual a etnia que você se
identifica?
AD.P18: — Negra.
Pesquisadora: — O que é ser afrodescendente
para você?
AD.P18: — Pra mim é sê, assim… da parte
dos… quilombola, negro. Assim.
Pesquisadora: — Você se identifica como
afrodescendente?
AD.P18: — Sim.
Pesquisadora: — O que você pensa sobre o
mercado de trabalho?
AD.P18: — Bom, eu acho, assim… que o
mercado de trabalho… às vezes tem uma… um
pouco de racismo por não tê, assim,
oportunidade pros negro, né [?], assim… É
isso o que eu identifico como mercado de
trabalho, né [?]. Mais…
Pesquisadora: — Quem sustenta seus estudos?
AD.P18: — Eu mesma.
Pesquisadora: — Qual a renda mensal
familiar?
Hora: 19h45
AD.P18: — Menos de R$ 600,00.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
do seu pai?
AD.P18: — Ensino Fundamental. Até a 4ª
série.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
da sua mãe?
AD.P18: — Ensino Fundamental também, até
a 6ª série.
Pesquisadora: — Qual a ocupação do seu pai?
AD.P18: — Pedreiro.
Pesquisadora: — Qual a ocupação da sua mãe?
AD.P18: — Empregada doméstica.
Pesquisadora: —
Qual o tipo de
estabelecimento de ensino você frequentou?
AD.P18: — Escola Pública.
Pesquisadora: — Qual a importância de
estudar para você?
AD.P18: — Pra mim é o meu futuro, né?
Pesquisadora: — Você pretende cursar uma
universidade?
AD.P18: — Caso você pretenda, qual o curso?
Sim. É… Medicina Veterinária.
Pesquisadora: — Qual a visão que você tem da
inserção do negro na universidade e como você
acha que a sociedade vê essa inserção?
AD.P18: — Bom… Eu acho assim, que…
muitos negros assim… entra na universidade,
mas às vezes é muito difícil, né?
Pesquisadora: — O que você entende por cotas
raciais?
AD.P18: — Cotas raciais pra mim… é assim,
que tem muito pouco… oportunidade de
emprego, tanto no emprego como na
universidade, escola, pro negro, né? É isso o
que eu entendo por raci… cotas raciais.
Pesquisadora: — Onde você obteve
informação sobre as cotas raciais?
AD.P18: — Na escola, em palestras…
Pesquisadora: — Você é contra ou a favor das
cotas e por quê?
AD.P18: — Bom… contra, assim, eu não sô,
170
né [?], porque… existir cotas um pouco… é
bom. Mais… o porquê, eu acho assim, que
deveria sê liberado, assim, como pros branco
igualmente pros negro, né?
Pesquisadora: — O que é discriminação para
você?
AD.P18: — É você num gostá de uma pessoa
negra porque ela é negra e… pode ou chegá
perto de você. Ou você não considerá ela como
amigo… como uma pessoa igual a você.
Pesquisadora: — Você já foi discriminado(a)
alguma vez?
AD.P18: — Não.
Pesquisadora: — Qual a visão que você, como
afrodescendente, tem da relação entre o
racismo e o acesso à universidade em função
das cotas?
AD.P18: — Bom… assim, entre o racismo…
muito antes, né [?], era… era uma epidemia,
mais agora não, né? Agora é diferente.
Pesquisadora: — Como você acha que é a
aceitação da sociedade referente às cotas
raciais?
AD.P18: — Bom… aceitação da sociedade?
Eu acho que… o certo é… assim, você…
aceitá uma pessoa… negra como você, né? Ô
também… vivê té… tê o direito também de
vivê no meio das pessoas que é branco
Entrevistado: AD.P19
Pesquisadora: — Qual a sua idade?
AD.P19: — 21.
Pesquisadora: — Sexo?
AD.P19: — Masculino.
Pesquisadora: — Qual o seu estado civil?
AD.P19: — É solteiro.
Pesquisadora: — Você tem filhos?
AD.P19: — Não.
Pesquisadora: — Você trabalha?
AD.P19: — Sim.
Pesquisadora: — Qual a sua ocupação?
AD.P19: — É… serviços gerais.
Pesquisadora: — Quantas pessoas moram em
sua casa e quem são?
AD.P19: — 4 pessoas. É… pai, mãe, irmã e
eu.
Pesquisadora: — Quem trabalha em sua casa e
quantos contribuem com as despesas?
AD.P19: — 3 trabalha e 2 contribui.
também, né?
Pesquisadora: — Qual a visão que você acha
que a sociedade tem de você?
AD.P18: — Ah, eu… assim, que eu vejo, que
eu convivo, assim… o branco ele considera a
mim como uma pessoa igual a mim.
Pesquisadora: — Por que você acha que há
tanta polêmica sobre as cotas raciais?
AD.P18: — Porque eu acho, assim… o branco
ele já acha, assim, que o negro vai tomá o
lugar dele ô, que é mai… qué… tê mais do que
ele.
Pesquisadora: — Como você se sentiria caso o
seu ingresso na universidade fosse por meio
das cotas raciais?
AD.P18: — Assim, eu sentiria bem, só que…
fosse, assim, por coras soci… por cotas raciais,
né [?], ô por outras coisa, assim… que não
fosse também cotas raciais.
Pesquisadora: — Em sua opinião, as cotas
raciais devem contemplar apenas os
afrodescendentes? Por quê?
AD.P18: — Eu acho que não. Tanto o branco
como o negro, é a mesma coisa, assim, né [?],
porque é pessoa também. É a mesma coisa de
negro como branco, né [?], tem a mesma
sociedade, né [?]
Hora: 19h50
Pesquisadora: — Qual a etnia que você se
identifica?
AD.P19: — Negra.
Pesquisadora: — O que é ser afrodescendente
para você?
AD.P19: — [inaudível].
Pesquisadora: — Você se identifica como
afrodescendente?
AD.P19: — [sem resposta].
Pesquisadora: — O que você pensa sobre o
mercado de trabalho?
AD.P19: — Ah… não penso nada.
Pesquisadora: — Quem sustenta seus estudos?
AD.P19: — Só eu mesmo.
Pesquisadora: — Qual a renda mensal
familiar?
AD.P19: — Menos de R$ 600,00.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
do seu pai?
AD.P19: — 3º ano.
171
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
da sua mãe?
AD.P19: — 3º ano.
Pesquisadora: — Qual a ocupação do seu pai?
AD.P19: — Serviços gerais também.
Pesquisadora: — Qual a ocupação da sua mãe?
AD.P19: — Também.
Pesquisadora: —
Qual o tipo de
estabelecimento de ensino você frequentou?
AD.P19: — Escola Pública.
Pesquisadora: — Qual a importância de
estudar para você?
AD.P19: — Muitas coisas… Pra aprendê mais
coisas e… sê alguém...
Pesquisadora: — Você pretende cursar uma
universidade?
AD.P19: — Caso você pretenda, qual o curso?
(NÃO SE ENTENDE A RESPOSTA)
Pesquisadora: — Qual a visão que você tem da
inserção do negro na universidade e como você
acha que a sociedade vê essa inserção?
AD.P19: — [sem resposta].
Pesquisadora: — O que você entende por cotas
raciais?
AD.P19: — [sem resposta].
Pesquisadora: — Onde você obteve
informação sobre as cotas raciais?
AD.P19: — No colégio.
Pesquisadora: — Você é contra ou a favor das
cotas e por quê?
AD.P19: — Eu acho que sô contra.
Pesquisadora: — O que é discriminação para
você?
Entrevistado: AD.P20
Pesquisadora: — Qual a sua idade?
AD.P20: — 23 anos.
Pesquisadora: — Sexo?
AD.P20: — Masculino.
Pesquisadora: — Qual o seu estado civil?
AD.P20: — Casado.
Pesquisadora: — Você tem filhos?
AD.P20: — 1.
Pesquisadora: — Você trabalha?
AD.P20: — Sim.
Pesquisadora: — Qual a sua ocupação?
AD.P20: — Minha ocupação diária é moto
entregador.
AD.P19: — Discriminação é… quando uma
pessoa branca não gosta de uma pessoa negra.
Pesquisadora: — Você já foi discriminado(a)
alguma vez?
AD.P19: — Já.
Pesquisadora: — Qual a visão que você, como
afrodescendente, tem da relação entre o
racismo e o acesso à universidade em função
das cotas?
AD.P19: — [sem resposta].
Pesquisadora: — Como você acha que é a
aceitação da sociedade referente às cotas
raciais?
AD.P19: — [sem resposta].
Pesquisadora: — Qual a visão que você acha
que a sociedade tem de você?
AD.P19: — [sem resposta].
Pesquisadora: — Por que você acha que há
tanta polêmica sobre as cotas raciais?
AD.P19: — [sem resposta].
Pesquisadora: — Como você se sentiria caso o
seu ingresso na universidade fosse por meio
das cotas raciais?
AD.P19: — Eu sentia um pouco feliz, eu
acho...
Pesquisadora: — Em sua opinião, as cotas
raciais devem contemplar apenas os
afrodescendentes? Por quê?
AD.P19: — [sem resposta].
Hora: 20h
Pesquisadora: — Quantas pessoas moram em
sua casa e quem são?
AD.P20: — É… são duas pessoas grande e o
meu filho pequeno.
Pesquisadora: — Quem trabalha em sua casa e
quantos contribuem com as despesas?
AD.P20: — Na minha casa só eu trabalho.
Pesquisadora: — Qual a etnia que você se
identifica?
AD.P20: — Negra.
Pesquisadora: — O que é ser afrodescendente
para você?
AD.P20: — Afrodescendente é uma pessoa
que é… descendente de africano.
172
Pesquisadora: — Você se identifica como
afrodescendente?
AD.P20: — Sim.
Pesquisadora: — O que você pensa sobre o
mercado de trabalho?
AD.P20: — Que… principalmente, pras
pessoas afrodescendente é difícil, né [?] a… a
em… a engressá no merc… no mercado de
trabalho, né?
Pesquisadora: — Quem sustenta seus estudos?
AD.P20: — Eu mesmo.
Pesquisadora: — Qual a renda mensal
familiar?
AD.P20: — De R$ 601,00 a R$ 1.200,00.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
do seu pai?
AD.P20: — Do meu pai é… 8ª série.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
da sua mãe?
AD.P20: — Da minha mãe é 2º ano do Ensino
Médio.
Pesquisadora: — Qual a ocupação do seu pai?
AD.P20: — Meu pai é pedreiro.
Pesquisadora: — Qual a ocupação da sua mãe?
AD.P20: — Secretária.
Pesquisadora: —
Qual o tipo de
estabelecimento de ensino você frequentou?
AD.P20: — Escola Pública.
Pesquisadora: — Qual a importância de
estudar para você?
AD.P20: — A importância de estudá pra mim
é que… é futur… dá um futuro melhor pro
meu filho e pra minha família, né?
Pesquisadora: — Você pretende cursar uma
universidade?
AD.P20: — Caso você pretenda, qual o curso?
Eu pretendo, sim, cursá Advocacia.
Pesquisadora: — Qual a visão que você tem da
inserção do negro na universidade e como você
acha que a sociedade vê essa inserção?
AD.P20: — Eu acho é assim, né [?], que…
muitas vez as pessoa tão… cada vez
dificultando mais a entrada de… é das pessoas,
né [?], afrodescendente… Então… cada vez
dificulta mais, né [?], e cada hora piora mais a
tendência e eu queria que melhorasse, né?
Pesquisadora: — O que você entende por cotas
raciais?
AD.P20: — Cotas raciais eu acho assim, ó:
tem uma limitação, né [?], como se fosse
assim… um limite determinada de vagas, né
[?], é como se fosse um mercado de trabalho:
se tem tantas vagas pras pessoas branca e…
tem dez vaga, né? Dessas dez vaga nove são
pros branco e uma só pro negro.
Pesquisadora: — Onde você obteve
informação sobre as cotas raciais?
AD.P20: — Aonde você obtém é diariamente,
no dia a dia, né [?], conforme vai conversando
com as pessoas… através dos é… é… a do…
Sindicato do Trabalho, também, né? Você
mesmo se depara com a… com essa
informação.
Pesquisadora: — Você é contra ou a favor das
cotas e por quê?
AD.P20: — Eu sô contra. Porque eu acho que
todos os direitos deveriam sê iguais, entendeu?
As le… as mesmas lei que prevalece pros
branco deve… é… deveriam sê é… dividida
melhor, né [?], pros negro, assim… Em relação
a… eu acho assim que todos nós somos seres
humanos, né? E eu acho assim que… num
deveria tê essa diferença, entendeu [?], de cor.
Pesquisadora: — O que é discriminação para
você?
AD.P20: — Discriminação é quando uma
pessoa, vamos supor, assim, né [?] é mesma
coisa uma mãe tem um filho branco e a outra
tem um filho negro. É um… uma fala assim:
“Ah, não deixa brincá perto dele que, né [?],
pode passá a cor dele pra ela”, entendeu? Isso
aí é uma discriminação racial. Até muitas
vezes a pessoa fala assim, né [?] “Ah… Ô
Negão! Ô num sei o que lá”, brincando, mais
já, já é… se outras pessoas entende por
discriminação, né?
Pesquisadora: — Você já foi discriminado(a)
alguma vez?
AD.P20: — Já.
Pesquisadora: — Qual a visão que você, como
afrodescendente, tem da relação entre o
racismo e o acesso à universidade em função
das cotas?
AD.P20: — Ah, a relação que eu tenho, eu
acho assim que a… é de… como eu falei… é
dificultô, né? Até pra pessoa mesmo entrá.
Vamos supor, né [?], se a pessoa vai na
faculdade pra fazê uma inscrição, aí se tem
tantas vaga, né [?], limitada, então, a
preferência sempre serão dele, né [?], do que a
nossa, né? E dificulta ainda o acesso, né [?],
na… da… na universidade.
Pesquisadora: — Como você acha que é a
aceitação da sociedade referente às cotas
raciais?
173
AD.P20: — Como eu acho a aceitação da
sociedade… Eu acho que a sociedade não
aceita. Por enquanto ainda tá sendo meio
difícil, né?
Pesquisadora: — Qual a visão que você acha
que a sociedade tem de você?
AD.P20: — De mim? Ó… Eu acho assim, né
[?]… que…
Pesquisadora: — Por que você acha que há
tanta polêmica sobre as cotas raciais?
AD.P20: — Eu acho que… tem alguma coisa a
vê com a Política, né? Até nem… nem tanto,
né [?], você vê, né [?], no Poder mesmo, vê
algum… é difícil você vê algum, né [?] é…
Presidente negro, você já viu algum? Primeiro
agora que tem é o… né [?], nos Estados
Unidos, né? Você já viu algum no Brasil? Eu
ainda não vi, não.
Pesquisadora: — Como você se sentiria caso o
seu ingresso na universidade fosse por meio
das cotas raciais?
AD.P20: — Se fosse por meio das cota, ah…
eu ficava meio arrasado, né [?], porque… eu
Entrevistado: AD.P21
Pesquisadora: — Qual a sua idade?
AD.P21: — 33.
Pesquisadora: — Sexo?
AD.P21: — Masculino.
Pesquisadora: — Qual o seu estado civil?
AD.P21: — Casado.
Pesquisadora: — Você tem filhos?
AD.P21: — Tenho. 3.
Pesquisadora: — Você trabalha?
AD.P21: — Sim.
Pesquisadora: — Qual a sua ocupação?
AD.P21: — É… servente de pedreiro e
manutenção.
Pesquisadora: — Quantas pessoas moram em
sua casa e quem são?
AD.P21: — 5. Eu, minhas três filhas e minha
esposa.
Pesquisadora: — Quem trabalha em sua casa e
quantos contribuem com as despesas?
AD.P21: — Eu e minha esposa.
Pesquisadora: — Qual a etnia que você se
identifica?
AD.P21: — Parda.
acho assim, todo mundo tem capacidade de
chegá onde qué, entendeu? Aí chendo… se fô
discriminado pela coisa fica uma coisa meio
complicado, né?
Pesquisadora: — Em sua opinião, as cotas
raciais devem contemplar apenas os
afrodescendentes? Por quê?
AD.P20: — Ó, eu acho assim, né [?], quanto a
questão da cota racial: é eu acho que jamais
deveria tê existido isso aí, né [?] que desde o
começo poderia sê… é uma… tudo uma coisa
só, né [?], todo mundo sê tratado igual. Não
por raça, não porque… porque ninguém é
cachorro, né [?] primeiramente, né [?], como
fala: “Ah, não, porque fulano é isso”. A mesma
coisa, você vai fazê uma inscrição pro
concurso, né? Lá tá escrito: “Você é pardo,
índio ou branco ou afrodescendente, né?” Aí,
tá. Eu acho ass… Eu achava assim, né [?], que
quando você vai fazê um… uma coisa assim,
né [?], não deveria tá lá. Se tá escrito pra você
fazê, você vai lá e faz no concurso, entendeu?
Hora: 20h05
Pesquisadora: — O que é ser afrodescendente
para você?
AD.P21: — Acho q… descendente acho que é
aquelas pessoa que participam, né [?]… no…
dia a dia da… da… dos… dos negro, né?
Pesquisadora: — Você se identifica como
afrodescendente?
AD.P21: — Sim.
Pesquisadora: — O que você pensa sobre o
mercado de trabalho?
AD.P21: — Tá melhorando, hein! Uma p’que
antigamente num… num era tão assim
divulgado, né? Agora, hoje, graças a Deus,
tá…
Pesquisadora: — Quem sustenta seus estudos?
AD.P21: — Eu mesmo
Pesquisadora: — Qual a renda mensal
familiar?
AD.P21: — Menos de R$ 600,00.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
do seu pai?
AD.P21: — 4ª f… 4ª… fase parece. 4ª fase.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
da sua mãe?
174
AD.P21: — Também.
Pesquisadora: — Qual a ocupação do seu pai?
AD.P21: — Pedreiro.
Pesquisadora: — Qual a ocupação da sua mãe?
AD.P21: — Do lar.
Pesquisadora: —
Qual o tipo de
estabelecimento de ensino você frequentou?
AD.P21: — Escola Pública.
Pesquisadora: — Qual a importância de
estudar para você?
AD.P21: — Sê alguém na vida, né? Sê
reconhecido…
Pesquisadora: — Você pretende cursar uma
universidade?
AD.P21: — Caso você pretenda, qual o curso?
De… Veterinária.
Pesquisadora: — Qual a visão que você tem da
inserção do negro na universidade e como você
acha que a sociedade vê essa inserção?
AD.P21: — Eu vejo, assim, do negro, bem…
assim, hoje em dia, como que nem eu trabalho
com(), né? Eu vejo bastante negro… Eu acho
bonito isso de… tê essas, né [?], colocação
agora, né?
Pesquisadora: — O que você entende por cotas
raciais?
AD.P21: — Ixi!… Num sei, hein!
Pesquisadora: — Onde você obteve
informação sobre as cotas raciais?
AD.P21: — [sem resposta].
Pesquisadora: — Você é contra ou a favor das
cotas e por quê?
AD.P21: — Não… Num entendo.
Pesquisadora: — O que é discriminação para
você?
AD.P21: — Discriminação acho que a gente
chega no… eu como sô negro, chega num
lugar, a pessoa fala assim que num tem vaga
sendo que tenha, né? Então, pra mim é isso.
Entrevistado: AD.P22
Pesquisadora: — Qual a sua idade?
AD.P22: — 17.
Pesquisadora: — Sexo?
AD.P22: — Feminino.
Pesquisadora: — Qual o seu estado civil?
AD.P22: — Solteira.
Pesquisadora: — Você tem filhos?
AD.P22: — Não.
Acho que num… num tê um lugar pra…
espaço pra nós, né [?], negros, né?
Pesquisadora: — Você já foi discriminado(a)
alguma vez?
AD.P21: — Não.
Pesquisadora: — Qual a visão que você, como
afrodescendente, tem da relação entre o
racismo e o acesso à universidade em função
das cotas?
Ixi! (risos).
Pesquisadora: — Como você acha que é a
aceitação da sociedade referente às cotas
raciais?
AD.P21: — [sem resposta].
Pesquisadora: — Qual a visão que você acha
que a sociedade tem de você?
AD.P21: — Sociedade? Acho que eu tô na
socieda… por enquanto, graças a Deus, tô
bem. Tô ótimo... assim, um cara mai, né? Mai
tô… procurando o meu espaço, né?
Pesquisadora: — Por que você acha que há
tanta polêmica sobre as cotas raciais?
AD.P21: — [risos, sem resposta].
Pesquisadora: — Como você se sentiria caso o
seu ingresso na universidade fosse por meio
das cotas raciais?
AD.P21: — Hum… acho que seria bom, né [?]
se fosse na… se fosse pela universidade, né
[?], se fosse por aquele… aquela lei, né [?], aí
seria bom.
Pesquisadora: — Em sua opinião, as cotas
raciais devem contemplar apenas os
afrodescendentes? Por quê?
AD.P21: — Ah, não, eu acho que tem... Que
nem agora tão falando que o negro e o… e o
índio, né? E num deveria só nó… só da raça...
Só eles que dependeria, né [?], de… do… de
complemento, assim, de… coisa. Devia sê pá
todos, né [?]
Hora: 20h10
Pesquisadora: — Você trabalha?
AD.P22: — Não.
Pesquisadora: — Qual a sua ocupação?
AD.P22: — É… faço curso.
Pesquisadora: — Quantas pessoas moram em
sua casa e quem são?
AD.P22: — São… eu, a minha mãe, meu
padrasto e a sobrinha.
175
Pesquisadora: — Quem trabalha em sua casa e
quantos contribuem com as despesas?
AD.P22: — 2.
Pesquisadora: — Qual a etnia que você se
identifica?
AD.P22: — Negra.
Pesquisadora: — O que é ser afrodescendente
para você?
AD.P22: — Olha, essa… . pergunta que… eu
não vô sabê respondê.
Pesquisadora: — Você se identifica como
afrodescendente?
AD.P22: — Sim.
Pesquisadora: — O que você pensa sobre o
mercado de trabalho?
AD.P22: — Hoje em dia está um pouco difícil.
Pesquisadora: — Quem sustenta seus estudos?
AD.P22: — Minha mãe.
Pesquisadora: — Qual a renda mensal
familiar?
AD.P22: — De R$ 601,00 a R$ 1.200,00.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
do seu pai?
AD.P22: — 5ª.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
da sua mãe?
AD.P22: — 8ª.
Pesquisadora: — Qual a ocupação do seu pai?
Falecido. Meu pai é falecido.
Pesquisadora: — Qual a ocupação da sua mãe?
AD.P22: — Ela é cabelereira.
Pesquisadora: —
Qual o tipo de
estabelecimento de ensino você frequentou?
AD.P22: — Escola Pública.
Pesquisadora: — Qual a importância de
estudar para você?
AD.P22: — Nossa, tem muita importância,
porque hoje em dia… você tem que tê estudo.
Pesquisadora: — Você pretende cursar uma
universidade?
AD.P22: — Caso você pretenda, qual o curso?
Sim. Administração.
Pesquisadora: — Qual a visão que você tem da
inserção do negro na universidade e como você
acha que a sociedade vê essa inserção?
AD.P22: — Hoje em dia… tem bastante
preconceito, né [?], principalmente com as
pessoas negras.
Pesquisadora: — O que você entende por cotas
raciais?
AD.P22: — Olha… não sei.
Pesquisadora: — Onde você obteve
informação sobre as cotas raciais?
AD.P22: — Nossa… na escola… e… até
mesmo em livro…
Pesquisadora: — Você é contra ou a favor das
cotas e por quê?
AD.P22: — Acho que eu sô contra. Não, eu
acho que eu sô contra. Acho que sô a favor…
Pesquisadora: — O que é discriminação para
você?
AD.P22: — Nossa, discriminação eu acho uma
coisa assim… uma coisa horrível! É uma coisa
fútil, né?
Pesquisadora: — Você já foi discriminado(a)
alguma vez?
AD.P22: — Não.
Pesquisadora: — Qual a visão que você, como
afrodescendente, tem da relação entre o
racismo e o acesso à universidade em função
das cotas?
AD.P22: — Não consigo respondê.
Pesquisadora: — Como você acha que é a
aceitação da sociedade referente às cotas
raciais?
AD.P22: — Ah, na sociedade em que… em
que nós estamos… eu sô… é um pouco difícil,
né [?], porque quase ninguém aceita, né?
Pesquisadora: — Qual a visão que você acha
que a sociedade tem de você?
AD.P22: — A visão? Olha… Não sei…
Pesquisadora: — Por que você acha que há
tanta polêmica sobre as cotas raciais?
AD.P22: — Por quê? Não consigo respondê.
Pesquisadora: — Como você se sentiria caso o
seu ingresso na universidade fosse por meio
das cotas raciais?
AD.P22: — E quais são essas cotas?
Pesquisadora: — Em sua opinião, as cotas
raciais devem contemplar apenas os
afrodescendentes? Por quê?
AD.P22: — Não poderei respondê.
176
Entrevistado: AD.P23
Pesquisadora: — Qual a sua idade?
AD.P23: — 20.
Pesquisadora: — Sexo?
AD.P23: — Feminino.
Pesquisadora: — Qual o seu estado civil?
AD.P23: — Sô casada.
Pesquisadora: — Você tem filhos?
AD.P23: — Tenho.
Pesquisadora: — Você trabalha?
AD.P23: — Não.
Pesquisadora: — Qual a sua ocupação?
AD.P23: — Do lar.
Pesquisadora: — Quantas pessoas moram em
sua casa e quem são?
AD.P23: — 3. Meu marido, minha filha e eu.
Pesquisadora: — Quem trabalha em sua casa e
quantos contribuem com as despesas?
AD.P23: — Meu marido.
Pesquisadora: — Qual a etnia que você se
identifica?
AD.P23: — Negra.
Pesquisadora: — O que é ser afrodescendente
para você?
AD.P23: — Ah, tê… tê a minha cor, né?
Pesquisadora: — Você se identifica como
afrodescendente?
AD.P23: — Sou. Identifico.
Pesquisadora: — O que você pensa sobre o
mercado de trabalho?
AD.P23: — Ah, eu acho que deveria tê mais
vaga pra gente num… não tem, né [?], muito
estu… estudo, num tem curso, num tem
nada… Num aparece, não.
Pesquisadora: — Quem sustenta seus estudos?
AD.P23: — Meu marido.
Pesquisadora: — Qual a renda mensal
familiar?
AD.P23: — Menos de R$ 600,00.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
do seu pai?
AD.P23: — Meu pai tem 3ª série.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
da sua mãe?
AD.P23: — Minha mãe tem o 1º Grau.
Pesquisadora: — Qual a ocupação do seu pai?
AD.P23: — Lavrador
Pesquisadora: — Qual a ocupação da sua mãe?
AD.P23: — Cozinheira.
Hora: 20h15
Pesquisadora: —
Qual o tipo de
estabelecimento de ensino você frequentou?
AD.P23: — Escola Pública.
Pesquisadora: — Qual a importância de
estudar para você?
AD.P23: — Olha, eu penso estudá… pra me
ajudá muito a minha comunidade. Porque
assim, eu num sô daqui, né [?]. Sô de Furnas.
Então… quero estudá pra voltá pra lá.
Pesquisadora: — Você pretende cursar uma
universidade?
AD.P23: — Caso você pretenda, qual o curso?
Eu pretendo. Quero cursá Letras.
Pesquisadora: — Qual a visão que você tem da
inserção do negro na universidade e como você
acha que a sociedade vê essa inserção?
AD.P23: — Olha, num tô muito sabeno o que
tá acontecendo… na realidade.
Pesquisadora: — O que você entende por cotas
raciais?
AD.P23: — Não tô sabendo.
Pesquisadora: — Onde você obteve
informação sobre as cotas raciais?
AD.P23: — Olha, eu vi alguma coisa só na
revista, mais nu, num sei de nada.
Pesquisadora: — Você é contra ou a favor das
cotas e por quê?
AD.P23: — Eu sô a favor, porque eu mesmo
não tenho condições de pagá um faculdade.
Pesquisadora: — O que é discriminação para
você?
AD.P23: — Discriminação é quando você
discrimina alguém… num só independente de
ca… de cor, raça…
Pesquisadora: — Você já foi discriminado(a)
alguma vez?
AD.P23: — Não.
Pesquisadora: — Qual a visão que você, como
afrodescendente, tem da relação entre o
racismo e o acesso à universidade em função
das cotas?
AD.P23: — Eu acho… que não. Assim… eu
acho que eles tão querendo ajudá a gente.
Pesquisadora: — Como você acha que é a
aceitação da sociedade referente às cotas
raciais?
AD.P23: — Olha, os próprios negros às vezes
são os próprios não aceitam, né [?] sobre esse
assunto.
177
Pesquisadora: — Qual a visão que você acha
que a sociedade tem de você?
AD.P23: — [sem resposta].
Pesquisadora: — Por que você acha que há
tanta polêmica sobre as cotas raciais?
AD.P23: — Porque a gente vê nos jornais,
nos... O pessoal fica debatendo sobre isso.
Pesquisadora: — Como você se sentiria caso o
seu ingresso na universidade fosse por meio
das cotas raciais?
Entrevistado: AD.P24
Pesquisadora: — Qual a sua idade?
AD.P24: — 17.
Pesquisadora: — Sexo?
AD.P24: — Feminino.
Pesquisadora: — Qual o seu estado civil?
AD.P24: — Solteira.
Pesquisadora: — Você tem filhos?
AD.P24: — Não.
Pesquisadora: — Você trabalha?
AD.P24: — Sim.
Pesquisadora: — Qual a sua ocupação?
AD.P24: — Na Cooperativa.
Pesquisadora: — Quantas pessoas moram em
sua casa e quem são?
AD.P24: — 5. Minha mãe, meu pai e meus
irmãos.
Pesquisadora: — Quem trabalha em sua casa e
quantos contribuem com as despesas?
AD.P24: — [sem resposta].
Pesquisadora: — Qual a etnia que você se
identifica?
AD.P24: — Parda.
Pesquisadora: — O que é ser afrodescendente
para você?
AD.P24: — Uma coisa muito importante, né
[?], pra gente… podê tê alguma coisa na
vida… adquirir alguma coisa defendendo a
nossa cor, a nossa raça.
Pesquisadora: — Você se identifica como
afrodescendente?
AD.P24: — Sim.
Pesquisadora: — O que você pensa sobre o
mercado de trabalho?
AD.P24: — Eu acho que eles… fez muita
coisa demais pra… Tem pessoa que num têm
condição de… corrê atrás e a… entrá numa
faculdade…
AD.P23: — Ah, eu gostaria muito, porque eu
não tenho condições de pagá.
Pesquisadora: — Em sua opinião, as cotas
raciais devem contemplar apenas os
afrodescendentes? Por quê?
AD.P23: — Eu acho que não. Eu acho pra
quem precisa.
Hora: 20h20
Pesquisadora: — Quem sustenta seus estudos?
AD.P24: — Por enquanto ninguém.
Pesquisadora: — Qual a renda mensal
familiar?
AD.P24: — Menos de R$ 600,00.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
do seu pai?
AD.P24: — ...
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
da sua mãe?
AD.P24: — 5ª.
Pesquisadora: — Qual a ocupação do seu pai?
AD.P24: — Servente.
Pesquisadora: — Qual a ocupação da sua mãe?
AD.P24: — Doméstica.
Pesquisadora: —
Qual o tipo de
estabelecimento de ensino você frequentou?
AD.P24: — Escola Pública.
Pesquisadora: — Qual a importância de
estudar para você?
AD.P24: — Sê alguém na vida.
Pesquisadora: — Você pretende cursar uma
universidade?
AD.P24: — Caso você pretenda, qual o curso?
Sim. Veterinária.
Pesquisadora: — Qual a visão que você tem da
inserção do negro na universidade e como você
acha que a sociedade vê essa inserção?
AD.P24: — Ah, eles vê… num… eles num
pensa, né [?], porque… tem negro, assim, hoje
em dia não tem condição de pagá uma
faculdade… não tem condição de tê um
emprego melhor. Eu acho que eles fica, assim,
pensando “Será que esse aí chega lá. Será que
ele tá tudo bem”. Então é difícil, né?
Pesquisadora: — O que você entende por cotas
raciais?
178
AD.P24: — Eu acho assim, a cota racial pra
mim são… lugar que a gente pode contá com
eles pra gente pagá mais ou menos pouco mais
a faculdade.
Pesquisadora: — Onde você obteve
informação sobre as cotas raciais?
AD.P24: — Pela Internet.
Pesquisadora: — Você é contra ou a favor das
cotas e por quê?
AD.P24: — Um pouco eu sô a favou um
pouco eu sô contra, porque eu acho que o
negro e o branco tinha que tê o mesmo…
um… a mesma… pra numa faculdade, os
mesmos direito.
Pesquisadora: — O que é discriminação para
você?
AD.P24: — É quando a pessoa olha e fala…
pra gente mesmo meio que fala assim: “Credo!
Eu num gosto daquela negra. Como que aquela
negra é… “. Tem muita gente que fala “Aquela
negra é muito feia. Aquela negra é fidida”.
Isso, pra mim, é uma discriminação.
Pesquisadora: — Você já foi discriminado(a)
alguma vez?
AD.P24: — Não.
Pesquisadora: — Qual a visão que você, como
afrodescendente, tem da relação entre o
racismo e o acesso à universidade em função
das cotas?
AD.P24: — Porque… tem branco que fala
assim; “Ah, só porque ele é branco… só
porque ele é negro, ah… tem direito a cota”.
Entrevistado: AD.P25
Pesquisadora: — Qual a sua idade?
AD.P25: — 19 anos.
Pesquisadora: — Sexo?
AD.P25: — Feminino.
Pesquisadora: — Qual o seu estado civil?
AD.P25: — Solteira.
Pesquisadora: — Você tem filhos?
AD.P25: — Sim.
Pesquisadora: — Você trabalha?
AD.P25: — Não.
Pesquisadora: — Qual a sua ocupação?
AD.P25: — Estudante.
Pesquisadora: — Quantas pessoas moram em
sua casa e quem são?
AD.P25: — 4.
Isso… ele fica brabo, né [?], porque a gente
tem mais direito do que eles…
Pesquisadora: — Como você acha que é a
aceitação da sociedade referente às cotas
raciais?
AD.P24: — Aceita.
Pesquisadora: — Qual a visão que você acha
que a sociedade tem de você?
AD.P24: — Eu não sei. [risos].
Pesquisadora: — Por que você acha que há
tanta polêmica sobre as cotas raciais?
AD.P24: — Ah, porque eu acho, assim, que
d… eles falam assim: “Por que que você tem
isso e a gente não tem…”.
Pesquisadora: — Como você se sentiria caso o
seu ingresso na universidade fosse por meio
das cotas raciais?
AD.P24: — Eu sentia um pouco ofendida,
porque… a gente tem que… assim… lutá, né
[?], porque a gente, hoje em dia, a gente tem
que lutá, esforçá, corrê atrás dos objetivos da
gente. E se não for por essa cota, como que a
gente vai entrá numa universidade?
Pesquisadora: — Em sua opinião, as cotas
raciais devem contemplar apenas os
afrodescendentes? Por quê?
AD.P24: — Não. Acho que não porque ag… a
gente tinha que tê o mesmo direito, né
Hora: 20h25
Pesquisadora: — Quem trabalha em sua casa e
quantos contribuem com as despesas?
AD.P25: — 1 trabalha.
Pesquisadora: — Qual a etnia que você se
identifica?
AD.P25: — Negra.
Pesquisadora: — O que é ser afrodescendente
para você?
AD.P25: — Afrodescendente pra mim é sê…
uma geração, né [?], dos afros, e… sê negra!
Sê um afrodescendente.
Pesquisadora: — Você se identifica como
afrodescendente?
AD.P25: — Sim.
Pesquisadora: — O que você pensa sobre o
mercado de trabalho?
179
AD.P25: — Assim, no momento, tá difícil, né?
Assim, tipo, o primeiro emprego… Acho que,
assim, acho que pra nós, negros, se torna mais
difícil. Ainda existe muito preconceito… E…
procuro o meu primeiro emprego.
Pesquisadora: — Quem sustenta seus estudos?
AD.P25: — Meus pais.
Pesquisadora: — Qual a renda mensal
familiar?
AD.P25: — De R$ 601,00 a R$ 1.200,00.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
do seu pai?
AD.P25: — Acho que ele fez até a 5ª série.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
da sua mãe?
AD.P25: — Até o 2º ano.
Pesquisadora: — Qual a ocupação do seu pai?
AD.P25: — Meu pai é aposentado.
Pesquisadora: — Qual a ocupação da sua mãe?
AD.P25: — Minha mãe é do lar.
Pesquisadora: —
Qual o tipo de
estabelecimento de ensino você frequentou?
AD.P25: — Escola Pública.
Pesquisadora: — Qual a importância de
estudar para você?
AD.P25: — Estudo pra mim é crescê na
vida… é sê… vê no meu futuro, né [?],
pensando nos meus filhos… dá uma boa
educação pra ele.
Pesquisadora: — Você pretende cursar uma
universidade?
AD.P25: — Caso você pretenda, qual o curso?
Ainda eu num pretendo. Num sei não.
Pesquisadora: — Qual a visão que você tem da
inserção do negro na universidade e como você
acha que a sociedade vê essa inserção?
AD.P25: — Ai… num sei.
Pesquisadora: — O que você entende por cotas
raciais?
Entrevistado: AD.P26
Pesquisadora: — Qual a sua idade?
AD.P26: — 18.
Pesquisadora: — Sexo?
AD.P26: — Feminino.
Pesquisadora: — Qual o seu estado civil?
AD.P26: — Solteira.
Pesquisadora: — Você tem filhos?
AD.P26: — Não.
AD.P25: — Cotas raciais?
Pesquisadora: — Onde você obteve
informação sobre as cotas raciais?
AD.P25: — Eu num sei te respondê.
Pesquisadora: — Você é contra ou a favor das
cotas e por quê?
AD.P25: — [sem resposta].
Pesquisadora: — O que é discriminação para
você?
AD.P25: — Discriminação é a pessoa tirá o
sarro, né [?], da nossa cor… É… discriminação
racial, é pra zoá, né [?], chamá “..., carvão”,
essas coisas, assim.
Pesquisadora: — Você já foi discriminado(a)
alguma vez?
AD.P25: — Eu já.
Pesquisadora: — Qual a visão que você, como
afrodescendente, tem da relação entre o
racismo e o acesso à universidade em função
das cotas?
AD.P25: — [sem resposta].
Pesquisadora: — Como você acha que é a
aceitação da sociedade referente às cotas
raciais?
AD.P25: — [sem resposta].
Pesquisadora: — Qual a visão que você acha
que a sociedade tem de você?
AD.P25: — Qual a visão?
Pesquisadora: — Por que você acha que há
tanta polêmica sobre as cotas raciais?
AD.P25: — [sem resposta].
Pesquisadora: — Como você se sentiria caso o
seu ingresso na universidade fosse por meio
das cotas raciais?
AD.P25: — [sem resposta].
Pesquisadora: — Em sua opinião, as cotas
raciais devem contemplar apenas os
afrodescendentes? Por quê?
AD.P25: — [sem resposta].
Hora: 20h30
Pesquisadora: — Você trabalha?
AD.P26: — Não.
Pesquisadora: — Qual a sua ocupação?
AD.P26: — Dona de casa.
Pesquisadora: — Quantas pessoas moram em
sua casa e quem são?
AD.P26: — 5 pessoas. Eu, minha mãe e
meus… e tre… três irmãos.
180
Pesquisadora: — Quem trabalha em sua casa e
quantos contribuem com as despesas?
AD.P26: — 3 pessoas trabalham e 1 pessoa só
contribui.
Pesquisadora: — Qual a etnia que você se
identifica?
AD.P26: — Negra.
Pesquisadora: — O que é ser afrodescendente
para você?
AD.P26: — É tê uma cultura, assim…
Pesquisadora: — Você se identifica como
afrodescendente?
AD.P26: — Identifico.
Pesquisadora: — O que você pensa sobre o
mercado de trabalho?
AD.P26: — …
Pesquisadora: — Quem sustenta seus estudos?
AD.P26: — Minha mãe.
Pesquisadora: — Qual a renda mensal
familiar?
AD.P26: — Menos de R$ 600,00.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
do seu pai?
AD.P26: — É… só o Ensino Fundamental
completo.
Pesquisadora: — Qual o grau de escolaridade
da sua mãe?
AD.P26: — É… Ensino Fundamental e Médio
Completo.
Pesquisadora: — Qual a ocupação do seu pai?
AD.P26: — Motorista de ambulância.
Pesquisadora: — Qual a ocupação da sua mãe?
AD.P26: — Enfermeira.
Pesquisadora: —
Qual o tipo de
estabelecimento de ensino você frequentou?
AD.P26: — Escola Pública.
Pesquisadora: — Qual a importância de
estudar para você?
AD.P26: — É pra garantir o futuro…
Pesquisadora: — Você pretende cursar uma
universidade?
AD.P26: — Caso você pretenda, qual o curso?
Eu pretendo cursá Veterinária.
Pesquisadora: — Qual a visão que você tem da
inserção do negro na universidade e como você
acha que a sociedade vê essa inserção?
AD.P26: — Ah, é bem difícil, né [?], a
faculdade.
Pesquisadora: — O que você entende por cotas
raciais?
AD.P26: — É, tipo, a… abriu uma vaga… sê
só pra negro ô… ô qualqué outr… ô índio.
Pesquisadora: — Onde você obteve
informação sobre as cotas raciais?
Televisão.
Pesquisadora: — Você é contra ou a favor das
cotas e por quê?
AD.P26: — Contra. Porque é… acho que pe…
é… a possibilidade tem que sê pra todos. Acho
que todo mundo tem capacidade de entrá.
Pesquisadora: — O que é discriminação para
você?
AD.P26: — É você sê excluído da… da
sociedade pelo que você é.
Pesquisadora: — Você já foi discriminado(a)
alguma vez?
AD.P26: — Já.
Pesquisadora: — Qual a visão que você, como
afrodescendente, tem da relação entre o
racismo e o acesso à universidade em função
das cotas?
AD.P26: — Acho que não tá ligado, não. Acho
que nã… as pessoas não aceita vo… é… Num
é porque eu acho que as pessoa num te aceita.
Por que é por causa da sua raça. Acho que num
tem nada a vê.
Pesquisadora: — Como você acha que é a
aceitação da sociedade referente às cotas
raciais?
AD.P26: — Acho que a ma… a… maioria é a
favor, mais… tem bastante gente que é contra.
Pesquisadora: — Qual a visão que você acha
que a sociedade tem de você?
AD.P26: — Ah… acho que é… é boa a visão.
Pesquisadora: — Por que você acha que há
tanta polêmica sobre as cotas raciais?
AD.P26: — É porque muitas pessoa é
favorecidas e a… e algumas são… vão sê
excluída por causa dessas cotas.
Pesquisadora: — Como você se sentiria caso o
seu ingresso na universidade fosse por meio
das cotas raciais?
AD.P26: — Ah… eu... me sentiria… como se
eu fosse especi… como… sei lá!… como se eu
não tivesse capacidade de entrá sozinha.
Pesquisadora: — Em sua opinião, as cotas
raciais devem contemplar apenas os
afrodescendentes? Por quê?
AD.P26: — Se fo… se tivé cota acho que é só
afr...
181
ANEXO
182
AUTORIZAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA DA UCDB
183
AUTORIZAÇÕES DOS INSTITUTOS
184
Download

as cotas raciais para o afrodescendente brasileiro na