CHUVA E DOENÇAS EM FORTALEZA-CE NA PESPECTIVA DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS Gledson Bezerra Magalhães Departamento de Geografia - UFC – Ceará – Brasil – [email protected] RESUMO: O artigo analisa a variabilidade da precipitação pluviométrica na cidade de Fortaleza e sua relação com a dengue e a leptospirose entre os anos de 2001 e 2010. Faz uma evolução temporal das doenças supracitadas traçando correlações estatísticas com a precipitação. Foi possível verificar a relação das doenças estudadas com a precipitação. Tanto a leptospirose como a dengue apresentaram relações diretas com os eventos pluviométricos em alguns dos anos, concentrando o maior número de casos dessas doenças no primeiro semestre de cada ano, principalmente na quadra chuvosa. O aumento e intensidade de totais pluviométricos pode provocar a maior proliferação de casos dessas e de outras doenças que possuem relação com o clima. ABSTRACT: The article examines the variability of rainfall in the city of Fortaleza and its relation to dengue and leptospirosis between 2001 and 2010. Makes a temporal evolution of the disease above mapping statistical correlations with precipitation. It was possible to verify the relationship of the diseases studied with precipitation. Both dengue and leptospirosis had direct relations with the events of rainfall in some years, concentrating the largest number of cases of these diseases in the first half of each year, especially in rainy court. The increased intensity and total rainfall can cause further proliferation of these cases and other diseases that are related to the climate. INTRODUÇÃO O Quarto Relatório de Avaliação (AR4) do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, 2007) aponta como um dos mecanismos principais através dos quais os processos climáticos podem afetar a saúde humana, os efeitos sobre o meio ambiente, alterando fatores determinantes da saúde população, como exemplo tem-se os efeitos do clima alterando a ecologia de vetores de agentes infecciosos, e a maior probabilidade de contato com águas contaminadas. Nesse sentido os estudos das relações entre o clima e as enfermidades humanas são de suma importância à saúde pública, haja vista que várias doenças estão relacionadas direta e indiretamente a variabilidade e ritmo climático, como a dengue (doença transmitida por um vetor) e a leptospirose (doença que tem a água como um meio de difusão). As relações supracitadas se acentuam nos grandes centros urbanos, onde o inadequado planejamento urbano e a lógica econômica do capital potencializam os vários problemas socioambientais. A cidade de Fortaleza, assim como as outras metrópoles brasileiras, se enquadra nesse processo, sendo a dengue e a leptospirose doenças freqüentemente verificadas na cidade, causando elevados gastos aos cofres públicos e óbitos em seus casos mais graves. Visando melhor compreender as relações entre os elementos climáticos, particularmente a precipitação, com a dengue e a leptospirose, que se realizou o presente estudo, contribuindo para a compreensão do perfil epidemiológico dessas doenças e para as projeções futuras do comportamento das mesmas diante das possíveis alterações climáticas apontadas pelo IPCC. O município de Fortaleza localiza-se na faixa central da zona litorânea do Estado do Ceará. Insere-se entre as coordenadas geográficas 3°45’47’’ S e 38° 37’35’’ W, e possui uma área de 313,14 km², correspondendo a 0,21% do território do Estado do Ceará (CEARÁ-IPECE, 2007). O clima de Fortaleza é caracterizado pela sazonalidade da precipitação e por elevadas temperaturas o ano todo. Zanella (2005) aponta que as chuvas se concentram, principalmente nos meses de fevereiro/março/abril/maio, denominado quadra chuvosa, quando o estado fica sob a influência da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), principal sistema atmosférico causador de precipitação. Os Vórtices Ciclônicos de Ar Superior (VCAS), as Linhas de Instabilidade, os Complexos Convectivos de Mesoescala (CCMs), as Ondas de Leste, as Frentes de Brisa e as repercussões da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) muitas vezes associados a ZCIT, intensificam as chuvas na quadra chuvosa, e podem gerar precipitação nos demais meses. As temperaturas de Fortaleza são elevadas durante o ano todo, apresentando uma média anual de 26,6°C. A média das máximas é de 29,9°C e a média das mínimas é de 23,5°C. Possui um alto índice de umidade relativa do ar, com mínima de 73% e máxima de 82,5%, devido à influência marítima e alta taxa de evaporação (FORTALEZA, 2009: 23). MATERIAL E MÉTODOS A pesquisa foi dividida em três momentos. No primeiro momento, foi feito o levantamento bibliográfico e cartográfico a respeito do assunto abordado e da área de estudo. O segundo momento da pesquisa consistiu no desenvolvimento do banco de dados do trabalho com o levantamento das seguintes variáveis: Totais de dias com chuva a cada mês e totais pluviométricos mensais e anuais junto a FUNCEME (Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos) e ao INMET (Instituto Nacional de Meteorologia) entre os anos de 2001 e 2010; Casos confirmados de dengue e taxa de incidência, mensais e por bairro, através da SESA (Secretária de Saúde do Estado do Ceará) e da SMS (Secretária Municipal de Saúde de Fortaleza), para os anos de 2001 a 2010; Casos confirmados de leptospirose no Centro de Controle Zoonoses do Município. A terceira etapa da pesquisa abrange o tratamento geoestatístico dos dados coletados, onde foram organizados e analisados no ambiente computacional Microsoft Excel e posteriormente traçada correlações entre as variáveis climatológicas e epidemiológicas no software SPSS 13.0. Foram realizados cálculos de médias mensais de precipitação, construção de gráficos justapostos e correlações bivariadas através do coeficiente de Pearson. Ressalta-se que nas correlações entre a precipitação pluviométrica e a dengue foi feito a adiantamento em um mês no número de casos da doença em relação a precipitação. RESULTADOS E DISCUSSÃO Dengue x Chuva A respeito da caracterização pluviométrica para os anos analisados observou-se que as chuvas seguiram um padrão de comportamento, não havendo tendência significativa em relação ao aumento ou diminuição da chuva na série investigada, todavia ocorre uma concentração de chuvas no primeiro semestre do ano, o que é considerado típico do Estado. Os meses com maiores índices pluviométricos foram março (3175,8mm), abril (3940,5 mm), maio (2198,3mm) e junho (1542,1mm). Uma análise mensal dos totais de casos de dengue mostra que os meses onde ocorreram maiores números de casos de dengue em Fortaleza foram os meses de abril, maio, junho e julho, não coincidindo com a temporada completa da quadra chuvosa. A ausência de uma relação perfeita entre os números de caso e os meses onde houve os maiores índices pluviométricos (março, abril, maio e junho) é natural se considerarmos o processo de circulação do vírus onde se inclui o período de incubação do vetor e o intervalo de dias entre um repasto de sangue infectado até o mosquito estar apto a transmitir o vírus, assim como o período de tempo da pessoa infectada procurar atendimento médico. O ano de 2004 registrou a menor quantidade de casos de dengue (594), com a menor taxa de incidência (22,59), e seus dados pluviométricos não apresentaram uma anormalidade para os anos analisados, mostrando que a variação significativa no número de casos da doença em anos com condições climáticas similares é uma característica da dinâmica da doença, que leva em conta outros fatores além dos climáticos. O total de casos de dengue na quadra chuvosa correspondeu a 54,6%. Observou-se que o mês onde se teve o maior número de casos de dengue para os anos analisados foi o mês de maio, quando as chuvas da quadra chuvosa diminuem de freqüência, possibilitando um maior tempo de água parada. O aumento na quantidade de casos de dengue na quadra chuvosa (figura 01) é favorecido pela precipitação mais abundante que ocorre nesses meses, propiciando o acumulo de água em reservatórios culminando com o a procriação do mosquito. Vale ressaltar que a casos em que os surtos de dengue ocorrem durante a estação seca porque o Aedes aegypti prolifera-se abundantemente em reservatórios, todavia esse tipo de situação não ocorreu no período estudado. Houve correlações estatisticamente significativas nos anos de 2002, 2004 e 2009 com valores de 0.819, 0.874 e 0.872 respectivamente, mostrando a forte relação da chuva com a dengue nesses anos. Leptospirose x Chuva Observa-se, dentro da série estudada, que os casos confirmados de leptospirose têm um decréscimo maior no ano que houve menor precipitação anual na cidade, como nos anos de 2005 e 2010. Observou-se que os maiores números de casos de leptospirose concentram-se no primeiro semestre do ano. O mês de fevereiro de 2004 apresentou um número mais elevado de casos (9) em relação aos mesmos meses dos demais anos. Isso pode ser justificado pela ocorrência do evento de chuva extremo ocorrido no dia 29 de janeiro desse mesmo ano quando houve em Fortaleza uma precipitação de 250 mm causando vários pontos de alagamento na cidade. Esse evento corresponde ao valor máximo observado desde 1974, quando iniciaram os registros de chuvas pela FUNCEME. Na figura 02 evidencia-se a sazonalidade da Leptospirose para a cidade de Fortaleza, mostrando que esta, com exceção dos anos de 2005 e 2010, apresentou uma maior incidência no primeiro semestre do ano, período em que ocorrem os maiores índices de precipitação, que por sua vez favorece o aumento de inundações. O mês de abril apresentou o maior total pluviométrico da série estudada e a maior quantidade de casos de leptospirose. As correlações entre a chuva e a leptospirose se mostraram bem mais nítidas e acentuadas do que as da dengue e chuva visto que, apesar de a leptospirose estar indiretamente ligada à chuva, ela apresenta uma maior influencia desta em sua proliferação. Foram encontradas correlações significativamente estatísticas nos anos 2001, 2003, 2006, 2007 e 2008 todas com valores acima de 0,75 e níveis de significância abaixo de 0,005, mostrando a relação positiva entre os anos. CONCLUSÕES Tanto a leptospirose como a dengue apresentaram relações diretas, em alguns dos anos, com os eventos pluviométricos concentrando o maior número de casos dessas doenças no primeiro semestre de cada ano, principalmente na quadra chuvosa. A quantidade de chuva se mostrou um fator de grande influência para o aumento dos casos das doenças estudadas, favorecendo a procriação do mosquito vetor da dengue e aumentando as chances de contato com águas contaminadas pela bactéria leptospira proveniente da urina de ratos infectados. Todavia ressalta-se que outras variáveis também estão envolvidas no processo de propagação dessas doenças, como condições de saneamento e moradia, políticas de combate as doenças, etc. Esses aspectos influenciam para que a chuva e as doenças supracitadas não possuam correlações significativas em certos anos. Alterações na quantidade e intensidade das chuvas provenientes de alterações climáticas podem favorecer a disseminação dessas e de outras doenças que estejam relacionadas com o clima. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CEARÁ; IPECE. Diretoria Técnica. Perfil Básico Municipal: Fortaleza. Fortaleza: IPECE, 2007. IPCC. Climate Change 2007: Synthesis Report. Contribution of Working Groups I, II and III to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Geneva, Switzerland: IPCC, 2007. ZANELLA, M.A. Eventos pluviométricos intensos em ambiente urbano: Fortaleza, episódio do dia 29/01/2004. In: SILVA, J.B. da. et al. (Org.). Litoral e Sertão, natureza e sociedade no nordeste brasileiro. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2006. Figura 01 – Precipitação e casos de dengue de 2001 a 2010 Figura 02 – Precipitação e casos de leptospirose de 2001 a 2010