ARTIGO ORIGINAL
Endarterectomia carotídea em pacientes
com oclusão da carótida contralateral:
experiência de 10 anos
Carotid endarterectomy in patients with contralateral carotid occlusion: a 10-year experience
Telmo Pedro Bonamigo1, Elton Luiz Schmidt Weber2, Márcio Luís Lucas3,
Claudia Bianco4, Marco Aurélio Cardozo4
Resumo
Abstract
Objetivo: Avaliar os resultados da endarterectomia da artéria carótida em pacientes com oclusão da carótida contralateral, revisandoos e comparando-os com os resultados da literatura corrente.
Métodos: De janeiro de 1993 a junho de 2003, foram realizadas
663 endarterectomias da artéria carótida, sendo que em 61 pacientes
(9,2%) havia oclusão da carótida contralateral. A maioria dos pacientes era do sexo masculino (73,8%), com idade média de 68,2 anos.
Hipertensão arterial (70,4%) e tabagismo (72,1%) eram os principais
fatores de risco para doença cerebrovascular. Cinqüenta e um pacientes (83,6%) tinham sintomas neurológicos pré-operatórios, sendo a
maioria deles correspondente à carótida com estenose (55%). Todos
os pacientes relatados foram submetidos a endarterectomia convencional da artéria carótida. Utilizaram-se shunt interno e remendo em
88,5% e 96,2% dos pacientes, respectivamente.
Resultados: Dentre as complicações cirúrgicas, dois pacientes
(3,3%) necessitaram reexploração cirúrgica por sangramento com
hematoma da ferida operatória. Ocorreram três infartos agudos do
miocárdio (4,9%), um acidente vascular cerebral (1,6%) e três óbitos
(4,9%), sendo dois de origem cardíaca e um resultante de acidente
vascular cerebral.
Conclusão: O presente estudo demonstrou que a endarterectomia
da artéria carótida realizada em pacientes com oclusão da carótida
contralateral apresenta mortalidade e morbidade neurológica de apenas 4,9%, uma percentagem bem inferior à taxa de 14,3% do estudo
NASCET, publicado em 1991. A revisão da literatura, publicada a
partir da década de 90, evidencia índices de morbimortalidade bem
inferiores àqueles relatados pelo estudo.
Palavras-chave: endarterectomia das carótidas, acidente vascular
cerebral, estenose.
Objective: To assess the results of carotid endarterectomy in
patients with contralateral occlusion.
Method: The medical protocols and records of all patients
submitted to carotid endarterectomy from January 1993 to June
2003 were reviewed. A total of 663 patients were submitted to
carotid endarterectomy. Sixty-one patients (9.2%) had contralateral
carotid occlusion. Most of patients were men (73.8%), with average
age of 68.2 years, 70.4% had hypertension and 72.1% were
smokers. Fifty-one patients (83.6%) had neurological symptoms
before operation, the majority related to the carotid with stenosis
(55%). All patients were submitted to conventional carotid
endarterectomy, with intraluminal shunt (88.5%) and patch closure
(96.2%).
Results: Two patients (3.3%) had hematoma and were
reoperated promptly. The postoperative rate of major stroke,
myocardial infarction and death were 1.6%, 4.9% and 4.9%,
respectively. Causes of perioperative deaths were myocardial
infarction (two patients) and stroke (one patient).
Conclusion: Our study concluded that carotid endarterectomy
can be performed in patients with contralateral carotid occlusion
with acceptable stroke and death rates (4.9%), much lower than
that rate presented by the NASCET study (14.3%), published in
1991. The papers published after 1990 also demonstrated morbity
and mortality rates lower than those reported by the NASCET
study.
1. Professor adjunto da Disciplina de Angiologia e Cirurgia Vascular,
Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre
(FFFCMPA). Chefe do Serviço de Cirurgia Vascular, Santa Casa de
Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre, RS.
2. Mestre, Pós-Graduação em Ciências Médicas, FFFCMPA, Porto Alegre, RS.
3. Residente, Serviço de Cirurgia Vascular, Santa Casa de Misericórdia de
Porto Alegre, Porto Alegre, RS.
4. Mestre e especialista em Cirurgia Vascular.
As indicações da endarterectomia para estenose
carotídea em pacientes sintomáticos e assintomáticos
estão bem definidas, e os resultados baseados em trabalhos clínicos randomizados são bem conhecidos1-4. No
entanto, a influência da lesão da artéria carótida contralateral permanece controversa em relação aos resultados
cirúrgicos, sendo que a oclusão dessa artéria parece
aumentar o risco de eventos neurológicos no período
Key words: carotid endarterectomy, cerebrovascular accident,
pathologic constriction.
Artigo submetido em 10.03.04, aceito em 19.04.04.
J Vasc Br 2004;3(3):197-205.
Copyright © 2004 by Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular.
197
198 J Vasc Br 2004, Vol. 3, Nº3
Endarterectomia carotídea em pacientes com oclusão da carótida – Bonamigo TP et alii
perioperatório5. A evolução clínica da oclusão da carótida contralateral (OCC) é incerta, o que dificulta a
predição de quais pacientes evoluirão para infarto cerebral e quais permanecerão livres de sintomas6. Embora
o Joint Study of Extracranial Arterial Occlusion7, publicado em 1976, afirme que o tratamento clínico seja a
melhor escolha para os pacientes com estenose carotídea e OCC, vários estudos atuais têm demonstrado que
a endarterectomia da artéria carótida (EAC) é segura
para esses pacientes, apresentando resultados similares
e comparáveis àqueles obtidos em pacientes sem OCC817. Contudo, o estudo do North American Symptomatic
Carotid Endarterectomy Trial (NASCET) apresenta um
contraponto a esses resultados. Nesse estudo, o subgrupo dos pacientes com OCC apresentou uma taxa de
acidente vascular cerebral (AVC) de 14,3%, fazendo
com que alguns autores18, baseados apenas nesses dados, passassem a indicar o procedimento endovascular
aos pacientes com OCC devido ao risco perioperatório
aumentado1.
Nosso objetivo foi determinar a morbimortalidade
cirúrgica em 61 pacientes com estenose carotídea e
OCC submetidos a endarterectomia carotídea ao longo
de 10 anos de experiência, comparando os resultados
cirúrgicos com aqueles obtidos na literatura.
Casuística e métodos
De um grupo de 663 pacientes submetidos a
EAC no Serviço de Cirurgia Vascular da Santa Casa
de Misericórdia de Porto Alegre, no período de
janeiro de 1993 a junho de 2003, operados pelo
primeiro autor (TPB), foram analisados 61 pacientes
(9,2%). Estes apresentavam estenose carotídea interna de pelo menos 70% e OCC demonstrada pelo
exame de eco-Doppler colorido e confirmada por
angiorressonância ou arteriografia. Informações relacionadas a dados demográficos, co-morbidades,
indicações cirúrgicas e complicações perioperatórias
foram obtidas de todos os pacientes.
A técnica cirúrgica padronizada incluiu anestesia
geral e heparinização sistêmica pré-pinçamento em
todos os pacientes. A EAC foi realizada através da
técnica convencional, com o uso de shunt intraluminal
na maioria dos casos (88,5%), exceto em sete casos em
que o refluxo de sangue era exuberante ou havia dificuldade na colocação ou permanência do shunt. O remendo da arteriorrafia carotídea foi utilizado em todos
pacientes do sexo feminino. Nos pacientes do sexo
masculino, o remendo foi utilizado somente quando a
artéria carótida apresentava diâmetro inferior a 4 mm.
Ao término do procedimento cirúrgico, utilizou-se
um dreno de sucção (Portovac ¼), o qual foi retirado
após 24 horas. Os pacientes permaneceram em unidade
de tratamento intensivo pelo período mínimo de 24
horas após a cirurgia.
A EAC representou 9,2% de nossos procedimentos em pacientes com OCC. A idade média dos
pacientes foi de 68,2 anos (43 e 86 anos). Quarenta
e cinco pacientes (73,8%) eram do sexo masculino.
Os fatores de risco associados eram tabagismo em 44
pacientes (72,1%) e hipertensão arterial em 43
(70,4%).Cardiopatia isquêmica e diabetes melito
estavam presentes em 24 (39,4%) e 14 pacientes
(22,9%), respectivamente (Tabela 1).
Tabela 1 -
Co-morbidades de 61 pacientes com OCC
submetidos a EAC
Co-morbidade
n
%
Tabagismo
Hipertensão arterial
Cardiopatia isquêmica
Diabetes melito
44
43
24
14
72,1
70,4
39,4
22,9
Em 21 pacientes (34,4%), havia história de algum
evento neurológico relacionado ao lado da artéria carótida ocluída. Vinte e oito pacientes (45,9%) tinham
história de sintomas neurológicos relacionados à artéria
carótida com estenose. Em 11 pacientes (18%), observou-se manifestação de insuficiência vertebrobasilar,
sendo que esse sintoma foi a única manifestação clínica
em apenas dois casos (3,3%). Os nove pacientes restantes tinham manifestação carotídea associada. Dez pacientes (16,4%) foram considerados assintomáticos, pois
não tinham história de qualquer evento neurológico
prévio à cirurgia (Tabela 2).
Cinqüenta e dois pacientes (85,3%) foram submetidos a EAC pela técnica convencional, sendo utilizado
shunt intraluminal em 46 desses pacientes (88,5%).
Somente em seis pacientes (11,5%) não foi utilizado
shunt devido a forte refluxo da artéria carótida interna
com sangue rutilante ou por dificuldade na colocação
ou permanência do shunt. O remendo foi utilizado em
J Vasc Br 2004, Vol. 3, Nº3 199
Endarterectomia carotídea em pacientes com oclusão da carótida – Bonamigo TP et alii
Tabela 2 -
Indicações cirúrgicas em 61 pacientes com OCC
submetidos a EAC
n
%
Sintomas carotídeos
Ipsilateral (cirurgia)
AIT/amaurose fugaz
AVC
Contralateral
28
18
10
21
45,9
29,5
16,4
34,4
Sintomas vertebrobasilares
Única manifestação
Manifestação carotídea associada
Assintomáticos
2
9
10
3,3
14,8
16,4
OCC = oclusão da carótida contralateral; EAC = endarterectomia da artéria
carótida; AIT = acidente isquêmico transitório; AVC = acidente vascular
cerebral.
50 pacientes (96,2%), sendo empregado segmento de
veia safena interna em 36 pacientes (72%), prótese
sintética e pericárdio bovino em 10 e quatro pacientes,
respectivamente. Arteriorrafia primária foi realizada em
apenas dois pacientes (3,8%). Nove pacientes foram
operados através da técnica de eversão devido à presença
de kinking significativo e estenose da artéria carótida
interna. Oito desses doentes (88,8%) receberam proteção cerebral através do uso do shunt (Tabelas 3 e 4). Dos
procedimentos associados, cinco doentes (8,2%) foram
submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio
simultaneamente.
Resultados
Foram constatadas complicações locais em dois
pacientes (3,3%) que necessitaram reexploração cirúrgica para a drenagem do hematoma. Um deles teve boa
evolução clínica após a reoperação; o outro foi reoperado no primeiro dia pós-operatório, e foi diagnosticado sangramento através da linha de sutura arterial.
Tabela 4 -
Uso de remendo após EAC em 52 pacientes
com OCC
n
%
Com remendo
Veia safena interna
Dacron
Pericárdio bovino
Sem remendo
50
36
10
4
2
96,2
72
20
8
3,8
EAC = endarterectomia da artéria carótida; OCC = oclusão da carótida
contralateral.
Nesse doente, ocorreu encefalopatia hipoxêmica, resultando em déficit neurológico grave (AVC), que culminou em óbito no quarto dia após a cirurgia. Ocorreram
três infartos agudos do miocárdio (IAM) (4,9%), sendo
dois fatais; um deles ocorreu em paciente submetido
simultaneamente a cirurgia de revascularização do miocárdio associada. A taxa combinada de AVC e morte foi
de 4,9% neste estudo, sendo de origem cardíaca a
principal causa de óbito nos pacientes (2/3 dos casos)
(Tabelas 5 e 6). Não houve nenhum caso de infecção da
ferida operatória, e lesões em nervos periféricos não
foram avaliadas neste estudo.
Tabela 5 -
Complicações e óbitos perioperatórios dos 61
pacientes com OCC submetidos a EAC
Complicações locais
Hematoma
Eventos cardíacos
IAM
Eventos neurológicos
AVC
Causas de morte
Cardíaca
Neurológica
Total
n
%
2
3,3
3
4,9
1
1,6
2
1
3
3,3
1,6
4,9
OCC = oclusão da carótida contralateral; EAC = endarterectomia da artéria
carótida; IAM = infartos agudos do miocárdio; AVC = acidente vascular
cerebral.
Tabela 3 -
Uso de shunt intraluminal conforme a técnica
cirúrgica utilizada
Técnica cirúrgica
Convencional
Eversão
Total
n (%)
Shunt (%)
52 (85,3)
9 (14,7)
61 (100)
46 (88,5)
8 (88,8)
54 (88,5)
Discussão
A oclusão carotídea pode permanecer silenciosa por
muito tempo, porém, pode tornar-se crítica se houver
progressão da estenose da artéria carótida contralateral6. A evolução do paciente com oclusão carotídea é
200 J Vasc Br 2004, Vol. 3, Nº3
Tabela 6 -
Endarterectomia carotídea em pacientes com oclusão da carótida – Bonamigo TP et alii
Desfecho clínico dos pacientes com complicações maiores submetidos a EAC contralateral
Paciente (sexo, idade)
Dados clínicos
Shunt
Remendo
Complicações
Desfecho
Masculino, 55 anos
HAS, AIT prévio
Não
Veia
AVC
Óbito 4° PO
Masculino, 68 anos
HAS, CI, AVC prévio
Sim
IAM
Óbito 4° PO
Feminino, 77 anos
HAS, TAB, AIT prévio
Sim
Pericárdio
bovino
Eversão
IAM 1° PO
Boa evolução
Feminino, 64 anos
HAS, CI, TAB,
CRM associada
Sim
Veia
IAM
Óbito 1° PO
EAC = endarterectomia da artéria carótida; HAS = hipertensão arterial sistêmica; AIT = acidente isquêmico transitório; PO = pós-operatório;
CI = cardiopatia isquêmica; AVC = acidente vascular cerebral; IAM = infartos agudos do miocárdio; TAB = tabagismo; CRM = cirurgia de
revascularização do miocárdio.
incerta, pois é difícil predizer quais pacientes evoluirão
para infarto cerebral e quais permanecerão livres de
sintomas6,14. As manifestações clínicas de pacientes
com trombose aguda da artéria carótida interna variam
desde um evento neurológico pouco expressivo até
morte por infarto cerebral19. Durante um evento neurológico agudo, porém, é difícil saber se a oclusão
carotídea foi a causa dos sintomas atuais14. Entre 8 e
16% dos pacientes com acidente isquêmico transitório
(AIT) podem ter OCC associada, com risco subseqüente de AVC de aproximadamente 35% e de morte de
50%7. Alguns estudos têm demonstrado que pacientes
com oclusão carotídea interna têm um risco considerável de sofrer AVC sem tratamento cirúrgico. O Joint
Study of Extracranial Arterial Occlusion, publicado em
1976, demonstrou que 35% dos pacientes com OCC
tiveram AVC durante seguimento clínico de 51 meses7.
Além disso, o International Cooperative Study of Extraintracranial Bypass20 demonstrou uma taxa de AVC de
29% durante 56 meses de seguimento com tratamento
clínico. Outros autores, como Cote et al., demonstraram taxas anuais de AVC de 5 e 8%, correspondentes
aos lados ocluído e estenótico, respectivamente21. Atualmente, com o tratamento cirúrgico da artéria carótida
estenótica, esses índices podem chegar a 0,4 e 2,8%,
respectivamente9.
Pacientes com OCC têm risco perioperatório maior de AVC, pois apresentam doença vascular mais
avançada e podem apresentar circulação colateral menos eficiente, sendo mais propensos à síndrome de
hiperperfusão cerebral no pós-operatório15.
Inicialmente, recomendavam-se três estratégias de
tratamento para os pacientes com OCC: tratamento
clínico, com resultados precários em alguns estudos7;
bypass extra-intracraniano, que demonstrou falhas na
redução das taxas de AVC pós-operatório22; e tromboendarterectomia da artéria carótida ocluída. Nesta, os
índices de morbimortalidade foram muito elevados,
como demonstrado no estudo de Murphy et al.23, que,
em 1965, relataram morbimortalidade neurológica de
21% nos pacientes operados. Da mesma forma, Heyman
et al.24, em 1967, trataram cirurgicamente 20 pacientes
com OCC; cinco pacientes sofreram AVC e quatro
evoluíram para o óbito no pós-operatório, correspondendo a um índice de morbimortalidade de 45%.
Assim, encerrava-se uma fase em que o cirurgião tentava
uma chance de revascularização da artéria carótida
ocluída com alto percentual de morbimortalidade. A
partir da década de 80, vem-se demonstrando que os
pacientes com OCC podem ter sintomas neurológicos
relacionados a qualquer hemisfério cerebral e que a
EAC do lado estenótico é eficaz para proteger os dois
hemisférios contra o risco de AVC a longo prazo13,25,26.
Em 1974, Paterson et al.27 relataram sua experiência com 23 pacientes com OCC submetidos a EAC do
lado estenótico com morbimortalidade nula. Recentemente, o NASCET relatou uma taxa de morbidade
neurológica de 14,3% em um subgrupo de pacientes
com OCC. A amostra desse estudo é pequena (n = 21),
e o grupo controle, tratado apenas clinicamente, demonstrou índices de AVC de 56,4% durante 2 anos,
número significativamente superior aos 20,4% obtidos
J Vasc Br 2004, Vol. 3, Nº3 201
Endarterectomia carotídea em pacientes com oclusão da carótida – Bonamigo TP et alii
no subgrupo cirúrgico. Além disso, dos três pacientes
que sofreram eventos neurológicos (dois AVC menores
e um AVC maior) no período pós-operatório, todos
apresentaram eventos tromboembólicos ocorridos no
pós-operatório imediato, estando apenas um relacionado ao lado da oclusão carotídea. Em apenas um desses
doentes, foi utilizada proteção cerebral com shunt intraluminal, o que pode ser considerado uma falha na
proteção cerebral desses pacientes (Tabela 7). Além
desses dados, o estudo demonstrou que os índices de
AVC em pacientes com estenose carótida crítica (7090%) ou lesão leve a moderada (< 70%) contralateral ao
lado operado foram de 4 e 5,1%, respectivamente.
Todavia, não se pode fazer nenhuma inferência estatística acerca desses valores quando comparados aos 14,3%
obtidos no subgrupo com OCC, pois a amostra desse
grupo é muito pequena (21 pacientes)1,28.
Devido aos maus resultados obtidos pelo pequeno
subgrupo de pacientes do NASCET, o estudo de Mathur
et al. é muito citado, pois indica o tratamento
endovascular aos pacientes com OCC18. Por outro
lado, há vários trabalhos demonstrando bons resultados
após EAC em pacientes com OCC, com taxas de
morbimortalidade imediata inferior a 7%, equivalente
aos resultados obtidos em pacientes sem OCC, com
incidência de AVC e morte similar àquela relatada no
NASCET (5,5%) e no Asymptomatic Carotid
Atherosclerosis Study (ACAS) (2%)5,6,8-10,12-19,29-33
(Tabela 8). Esses trabalhos também têm demonstrado
bons resultados a longo prazo, com pacientes operados
apresentando ausência de AVC em 5 anos de seguimento
em torno de 90 a 95%9,12,26 e sobrevida em 5 anos de
70 a 80%9,12. As principais causas de morte tardia são
Tabela 7 Paciente
1
2
3
doenças cardíacas e neoplásicas13,16. Assim, o emprego
do tratamento endovascular para a doença carotídea em
pacientes com OCC, baseado apenas em um trabalho
com as limitações já comentadas, parece não ter respaldo
científico consistente. Por outro lado, se analisarmos os
graus de reestenose e complicações inerentes ao
procedimento endovascular, veremos que esses dados
são muito preocupantes. Segundo Leger et al.34, os altos
índices de reestenose significativa (75% dos pacientes)
em 20,2 meses de seguimento médio após o tratamento
endovascular fazem com que esse tipo de terapêutica
tenha limitações na sua indicação.
Tabela 8 -
Resultados dos estudos mais recentes sobre
EAC em pacientes com OCC
Autores
Mackey et al., 19909
Lesage et al., 199110
Mattos et al., 199212
Meyer et al., 199333
McCarthy et al., 199330
Deriu et al., 199413
Coyle et al., 199629
Samson et al., 199831
Pulli et al., 200232
Rockmann et al., 20028
Presente estudo, 2004
n
AVC (%) Morte (%)
63
133
66
357
81
61
116
67
82
338
61
4,8
9,0
3,0
1,7
4,9
1,7
4,3
1,5
2,4
3,0
1,6
0
6,8
1,5
1,1
1,2
0
2,6
1,5
0
0,6
4,9
EAC = endarterectomia da artéria carótida; OCC = oclusão da carótida
contralateral; AVC = acidente vascular cerebral.
Eventos neurológicos de pacientes com OCC submetidos a EAC no estudo
NASCET (21 pacientes)
Evento neurológico
Lado da carótida
Uso de shunt
AVC na 3ª hora PO
AVC na 1ª hora PO
AVC na 1ª hora PO
Operada
Operada
Ocluída
Não
Não
Sim
OCC = oclusão da carótida contralateral; EAC = endarterectomia da artéria carótida; AVC = acidente vascular
cerebral; ; PO = pós-operatória.
202 J Vasc Br 2004, Vol. 3, Nº3
Endarterectomia carotídea em pacientes com oclusão da carótida – Bonamigo TP et alii
Alguns detalhes técnicos são importantes para que
se obtenha sucesso no tratamento cirúrgico dos pacientes com OCC. Os resultados dependem da experiência
do cirurgião e da demanda do serviço onde as cirurgias
são efetuadas, pois serviços que executam um menor
número de procedimentos por ano apresentam índices
maiores de morbimortalidade cirúrgica35. Duas das
maiores experiências publicadas acerca da cirurgia de
carótida em pacientes com OCC são provenientes de
grupos de Nova Iorque e da Clínica Mayo. Em um total
de 518 pacientes com OCC, encontrados em duas
publicações distintas8,36, correspondendo a uma experiência de 34 anos (1965-1999), o Serviço de Cirurgia
Vascular da Universidade de Nova Iorque (Serviço do
Prof. A. M. Imparato) obteve índices de AVC de
4,05%, com mortalidade de 0,9%, utilizando, na maioria dos casos, anestesia loco-regional e shunt intraluminal seletivo. Resultados satisfatórios também foram
obtidos por Meyer et al.33, da Clínica Mayo, onde 357
pacientes com OCC foram submetidos a EAC, sendo
alcançadas taxas de AVC e morte de 1,7 e 1,1%,
respectivamente.
Além da experiência de quem realiza a cirurgia,
alguns detalhes técnicos merecem destaque no intuito
de obter bons resultados e garantir sucesso cirúrgico aos
pacientes com OCC. Exemplos incluem uso de shunt
intraluminal e monitorização do status neurológico,
remendo para fechamento da arteriotomia, qualidade
da técnica cirúrgica e tipo de anestesia empregadas.
Utilizamos shunt intraluminal em 88,5% dos casos e
encontramos diferentes pontos de vista na literatura.
Alguns autores advogam o uso rotineiro de shunt intraluminal em pacientes com OCC devido à eventual
escassez de circulação colateral16,19,29; no entanto,
outros afirmam que o uso do shunt não afeta os resultados pós-operatórios, sendo indicado pelos mesmos
critérios de uso em pacientes sem OCC6. Os autores
que utilizam shunt seletivamente afirmam que seu uso
rotineiro pode trazer complicações como mau posicionamento, embolização gasosa e dificuldade para a realização da endarterectomia13. Porém, essas complicações só ocorrem quando o cirurgião não está familiarizado com o dispositivo e não teve treinamento adequado para utilizá-lo. Além disso, deve-se considerar o uso
rotineiro de shunt intraluminal em pacientes com OCC,
pois até 46% deles têm alterações no eletroencefalograma (EEG) pós-pinçamento carotídeo, e até 73% deles
têm refluxo de sangue inadequado (pressão retrógrada
< 50 mmHg)9. Quando empregado seletivamente, a
taxa de uso do shunt variou de 10,3 a 89%5,11, sendo o
seu uso significativamente mais freqüente, na maioria
dos estudos5,6,9,12,13,14,38, em pacientes com OCC e
similar em outros trabalhos15. Ao analisar a revisão de
Samson et al.31 sobre o assunto, identificamos que a
maioria dos autores usa o shunt de forma seletiva. Esses
autores obtiveram índices de AVC e morte de 3% em 67
pacientes com OCC submetidos a EAC sem uso de
shunt31. A Tabela 9 mostra um resumo dos resultados
pós-operatórios conforme a freqüência do uso de
shunt. Percebe-se que a taxa de AVC em pacientes em
que não se utilizou shunt (6,2%) foi duas a três vezes
maior do que nos pacientes em que tal dispositivo foi
usado seletiva (2,3%) ou rotineiramente (3%), embora as taxas de mortalidade tenham sido similares
entre os grupos.
Uma das prováveis causas de AVC no pós-operatório é a não utilização do remendo na arteriorrafia, o que
pode levar a reestenose e aumento nas taxas de complicação neurológica. Empregamos remendo em 96,2%
dos pacientes, postura defendida pela maioria dos autores, principalmente quando o diâmetro da artéria carótida é menor que 4 mm13-15. Embora alguns autores
não utilizem remendo de rotina19, a freqüência de seu
uso variou de 36 a 98%12,26, sendo que, em alguns
estudos, a freqüência não diferiu quando comparada
aos pacientes sem OCC6,11,16. Assim como a maioria
dos autores, empregamos a técnica cirúrgica convencional de EAC na maioria dos pacientes (85,3%); no
entanto, alguns autores, como Ballotta et al.6, empregaram a técnica de eversão em aproximadamente 1/3 dos
pacientes, visando minimizar o risco de AVC por
reestenose. Com relação à técnica anestésica, a maioria
dos autores realiza a EAC sob anestesia geral5,6,11-13,15,16,30,37,38, embora outros autores prefiram a anestesia loco-regional, obtendo bons resultados8,17,25.
Com relação aos dados demográficos dos pacientes,
podemos ressaltar alguns aspectos. Na literatura internacional, a proporção de pacientes com OCC em
relação a todos os doentes submetidos a EAC pode
variar de 8 a 19%5,11, sendo que, neste estudo, a
freqüência encontrada foi de 9,2% (61/663). A idade
média de nossos pacientes foi de 68,2 anos, sendo que,
na literatura, a média fica entre 63 e 71 anos17,19.
Revisando a bibliografia, a freqüência do diabetes melito ficou entre 12 e 49%5,15; da hipertensão arterial
sistêmica, entre 33 a 76%15,36; do tabagismo, entre 24
a 84%14,15; da cardiopatia isquêmica, entre 25 a
J Vasc Br 2004, Vol. 3, Nº3 203
Endarterectomia carotídea em pacientes com oclusão da carótida – Bonamigo TP et alii
65%14,15; da insuficiência cardíaca congestiva, em
torno de 10%11; e da doença arterial periférica associada, em até 28% dos pacientes6. Conforme a Tabela 1,
a freqüência desses fatores de risco em nossos doentes
encontra-se na faixa estabelecida pela literatura. É interessante assinalar que, em alguns trabalhos, a freqüência
desses fatores de risco não diferiu estatisticamente entre
os pacientes com e sem OCC9,13,14,16,31. Com relação
às indicações cirúrgicas, 28 pacientes tinham sintomas
relacionados ao lado operado, outros 21 doentes tinham sintomas prévios relacionados à artéria carótida
ocluída, e dois pacientes apresentavam sintomas vertebrobasilares, totalizando 51 pacientes sintomáticos
(83,6%). Na literatura consultada, a freqüência de
pacientes sintomáticos variou de 24 a 93,1%17,25,
sendo que a prevalência de sintomas relacionados ao
lado operado foi de 28 a 78%11,26, e a freqüência dos
sintomas associados à artéria carótida ocluída foi de
aproximadamente 40%14,26,36. A prevalência de sintomas vertebrobasilares variou de 3,3 a 13%26,36. Além
disso, a ocorrência de AIT oscilou entre 11 e 58%13,17,
a história prévia de AVC ficou entre 11 e 50%6,13, e a
ocorrência de amaurose fugaz variou de 8 a 16%6,11.
Na literatura brasileira, divulgada pelo Índice
Bibliográfico Brasileiro de Angiologia e Cirurgia
Vascular, não foi encontrado nenhum artigo específico sobre a endarterectomia carotídea em pacientes
Tabela 9 -
com OCC. Samson et al.31 analisaram 27 artigos,
com um total de 2.023 pacientes com oclusão carotídea submetidos a EAC contralateral. A taxa global
de AVC e mortalidade foi de 3,2 e 1,9%, respectivamente. Revisando os dados correspondentes a 4.633
doentes com OCC, encontramos índices de AVC e
morte de 4,2 e 2,1%, respectivamente. Avaliamos,
também, a influência do número de cirurgias sobre
os resultados perioperatórios. Verificamos que o
número de EAC em pacientes com OCC variou de
2,5 a 22 cirurgias/ano, com taxas de AVC e morte de
até 6,3%14,15 e 4%14,28, respectivamente. Nossa
freqüência de cirurgias com essa característica, ou
seja, estenose com oclusão contralateral, foi de aproximadamente seis cirurgias/ano, com índices de AVC
e morte de 1,6 e 4,9%, respectivamente. Além disso,
analisamos as taxas de morbimortalidade conforme o
número total de cirurgias realizadas nos estudos. Nos
trabalhos com menos de 50 pacientes, as taxas de
AVC e morte foram de 9,9 e 6,5%, respectivamente,
sendo que, para os trabalhos com mais de 100 pacientes, esses índices foram de 3,9 e 1,7%, respectivamente (P < 0,05). Para os trabalhos que compreendiam entre 50 e 100 pacientes por estudo, as taxas de
AVC e morte ficaram em 4,1 e 1,6%, respectivamente (Tabela 10). Sob o ponto de vista estatístico, os
trabalhos com menos de 50 pacientes demonstraram
Resultados da EAC em pacientes com OCC conforme a freqüência de uso de shunt intraluminal
Freqüência de uso
Nunca
Seletivo
Sempre
Trabalhos (n)
Total de pacientes
AVC (%)
Morte (%)
8
14
5
389
1.231
403
6,2*
2,3
3,0
1,5
1,5
1,0
EAC = endarterectomia da artéria carótida; OCC = oclusão da carótida contralateral; AVC = acidente vascular cerebral.
*P < 0,05 quando comparado ao grupo seletivo. Teste do qui-quadrado.
Tabela 10 - Taxas de AVC e morte pós-EAC conforme número de pacientes operados
Pacientes
Artigos revisados
Total de pacientes
AVC (%)
Morte (%)
< 50
> 50 e < 100
> 100
24
22
14
445
1.457
2.445
9,9*
4,1
3,9
6,5*
1,6
1,7
AVC = acidente vascular cerebral; EAC = endarterectomia da artéria carótida.
*P < 0,05 quando comparado aos demais grupos. Teste do qui-quadrado.
204 J Vasc Br 2004, Vol. 3, Nº3
Endarterectomia carotídea em pacientes com oclusão da carótida – Bonamigo TP et alii
índices mais elevados de AVC e mortalidade perioperatória quando comparados aos estudos com mais de
50 pacientes, o que confirma a importância do volume de cirurgias para se obter um melhor resultado.
Em suma, os pacientes com estenose carotídea
significativa e OCC são considerados de alto risco
para AVC no pós-operatório por alguns autores.
Como está demonstrado na literatura, o tratamento
clínico é inaceitável para esses doentes devido aos
altos índices de morbimortalidade. As alternativas
terapêuticas recentes, como o procedimento endovascular, ainda necessitam de fundamentação científica e comprovação dos resultados a médio e longo
prazos. Por outro lado, tem-se demonstrado que, em
pacientes com OCC, a EAC confere proteção contra
a ocorrência de AVC a longo prazo, com taxas de
complicações perioperatórias de até 5%, como foi
verificado em nossa revisão. Em nosso material,
obtivemos uma taxa de AVC e morte de 6,5% em
pacientes com alta freqüência de sintomatologia neurológica prévia à cirurgia (86%), índice global comparável ao obtido pelo NASCET (5,5%) para pacientes sintomáticos sem OCC. Nossos resultados corroboram a posição de que a EAC deve ser considerada
a primeira técnica cirúrgica a ser indicada para pacientes com OCC, desde que executada por equipe
cirúrgica apta e experiente na realização do procedimento, sempre com o intuito de oferecer um melhor
resultado ao paciente a médio e longo prazos.
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Correspondência:
Telmo Pedro Bonamigo
Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre
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CEP 90020-090 - Porto Alegre, RS
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Endarterectomia carotídea em pacientes com oclusão da carótida