4º CONGRESSO NACIONAL DOS ECONOMISTAS Lisboa, 19 – 21 Outubro de 2011 CONTRIBUTO PARA UM NOVO PARADIGMA NA REFORMA DA TRIBUTAÇÃO DO PATRIMÓNIO “PORTUGAL 2020 – o nosso país no contexto global” António Lourenço CONTRIBUTO PARA UM NOVO PARADIGMA NA REFORMA DA TRIBUTAÇÃO DO PATRIMÓNIO Senhoras e senhores congressistas, Caros Colegas, Começo por saudar vivamente o discurso do senhor Presidente da República ontem proferido na Sessão de Abertura do Congresso, colocando a tónica na equidade e justiça fiscal e rejeitando a distribuição desigual de sacrifícios. A reflexão que venho partilhar convosco centra-se, igualmente, nesse domínio nuclear de qualquer sociedade moderna – a equidade e justiça fiscal. Sabemos que a qualidade da despesa pública e a estrutura da receita fiscal são factores importantes para que um estado de direito cumpra os objectivos de promover o crescimento económico, prestar melhores serviços e construir uma sociedade mais justa, preferencialmente pela melhoria da competitividade, eficiência e justiça do seu sistema fiscal. Sabemos que há um longo caminho a percorrer para melhorar a qualidade das finanças públicas, que não se atinge só pela via do “corte nas despesas”. Alcança-se também pela via de uma boa governação orçamental e os últimos anos não foram um grande exemplo neste domínio. O controle e a boa gestão de ambas as variáveis (receita e despesa) é essencial para garantirmos um caminho firme e sustentável para as finanças públicas. Por outro lado, exige-se do G20, da EU e de cada um dos Estados uma atitude firme de combate aos paraísos fiscais e à fraude e evasão fiscal a estes associados. A falta de sustentabilidade das finanças públicas resulta de uma multiplicidade de factores, dos quais se destaca a falta de responsabilidade na utilização dos recursos públicos, por parte de sucessivas gerações de decisores políticos. Por isso, a tarefa de consolidação das finanças públicas é uma tarefa de médio prazo. Mas é também uma questão de atitude, alicerçado num um factor de justiça na redistribuição de rendimentos? Os impostos têm vindo a António Lourenço, Membro da Ordem nº 2276, E-mail: [email protected] Página A política fiscal suscita-nos um conjunto de questões. Pode a política fiscal ser 2 novo paradigma de abordagem da despesa pública. CONTRIBUTO PARA UM NOVO PARADIGMA NA REFORMA DA TRIBUTAÇÃO DO PATRIMÓNIO aumentar tornando o nosso esforço fiscal gigantesco, no limiar do aceitável. Pode a política fiscal ser um instrumento para garantir mais justiça fiscal? Terá o governo margem de manobra para o efeito? Considero que uma verdadeira e efectiva reforma da tributação do património deve assentar no cumprimento dos pressupostos constitucionais. O artº 104º da Constituição consagra a igualdade entre cidadãos, em matéria de tributação do património. E o artº 81º garante que incumbe ao Estado promover a justiça social através da política fiscal. Só uma abordagem global do património permitirá, em moldes modernos, garantir uma efectiva justiça fiscal. Para isso, impõe-se uma revisão profunda da tributação do património, com justiça e equidade. O actual modelo data de Dez de 2003 (DL 287/2003) no governo de Durão Barroso, sendo Ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite. Embora se possa admitir que os objectivos da reforma fossem razoáveis e pertinentes, quiçá incompletos e parciais, a realidade veio desmentir esses objectivos. A preocupação de repartir de forma mais justa a tributação da propriedade imobiliária, principalmente no plano intergeracional, acabou por se transformar numa quimera irrealizável. Fomos conduzidos a um sistema ainda mais injusto que o pré-existente. A partir dessa data passaram a existir 3 tipos de contribuintes: Os de primeira, que possuem imóveis avaliados muito antes de 2003 e que pagam valores de IMI anuais quase irrisórios. Os cidadãos de 2ª são os proprietários de prédios avaliados alguns anos antes de Dezembro de 2003. Finalmente os cidadãos de 3ª, proprietários de imóveis avaliados após a reforma de 2003, que pagam exagerados encargos com o IMI. Esta situação é profundamente injusta, de duvidosa constitucionalidade invés do que sucedeu até agora, em que somente um número irrisório de António Lourenço, Membro da Ordem nº 2276, E-mail: [email protected] Página Finanças fosse capaz de actualizar o valor patrimonial de todos os prédios (ao 3 e carece de urgente revisão. Para tanto, bastaria que o Ministério das CONTRIBUTO PARA UM NOVO PARADIGMA NA REFORMA DA TRIBUTAÇÃO DO PATRIMÓNIO prédios foram reavaliados) e, em consequência do alargamento da base tributária, o governo poderia reduzir a taxa para o mínimo - 0,2 %. O Estado comprometeu-se a fazer uma actualização geral do valor patrimonial dos prédios urbanos no prazo de 10 anos, mas decorridos quase 8 anos somente uma ínfima parte está actualizada. Comprometeu-se, igualmente a aplicar um regime de salvaguarda que garantisse uma actualização progressiva de todos os prédios avaliados antes de Dezembro de 2003, mas pouco fez nesse sentido. Continua a ocorrer uma grande desactualização do valor patrimonial dos imóveis constantes das matrizes prediais. Só as avaliações feitas após Dez 2003 registam valores patrimoniais próximos do valor de mercado. A reforma consagrava ainda a majoração da taxa de IMI a incidir sobre os prédios degradados e abandonados. Os municípios revelaram-se incapazes de elaborar essa lista e remetê-la às Finanças para o correspondente agravamento da taxa, de molde a persuadir os proprietários a reabilitar esses prédios. Outro aspecto altamente perverso e injusto da reforma é o capítulo das reclamações e impugnações. O contribuinte tem poucas hipóteses de obter uma avaliação rigorosa, isenta e objectiva perante a arbitrariedade e prepotência dos peritos do Estado e Autarquias. Em termos concretos pode acontecer que dois cidadãos com imóveis de valor igual ou muito próximo paguem valores de IMI profundamente desiguais, na ordem de muitas centenas de euros de diferença. Conhecemos inúmeros casos que ilustram esta realidade. Esta situação não pode mais prolongarse, pois está a tornar-se insuportável para milhares de famílias. Os municípios viram crescer de forma escandalosa as suas receitas de cresceu brutalmente, cerca de 80% entre 2003 e 2009. Mais de 6 milhões de António Lourenço, Membro da Ordem nº 2276, E-mail: [email protected] Página reforma teria um efeito neutro na arrecadação da receita. A receita fiscal 4 IMI e IMT, quando foi garantido pelos responsáveis políticos da altura que a CONTRIBUTO PARA UM NOVO PARADIGMA NA REFORMA DA TRIBUTAÇÃO DO PATRIMÓNIO portugueses pagam a taxa máxima de IMI (0,4 ou 0,7% consoante os casos), devido ao facto de a esmagadora maioria dos municípios fixarem anualmente a taxa máxima na ânsia de obterem as maiores receitas possíveis, com assinalável desprezo pelos contribuintes. Além disso, coloca-se a questão de saber que contrapartidas, no quadro do princípio do benefício, recebem os contribuintes dos municípios em que residem. Melhores infra-estruturas? Melhores escolas? Melhores espaços verdes? Melhores serviços municipais? Etc. O sentimento é generalizado: a reforma serviu para os municípios encherem os seus cofres e fazerem despesas sem critério, especialmente à custa de receitas obtidas com o IMI, dos prédios avaliados ao abrigo do novo regime. É imperioso sensibilizar os grupos parlamentares, não ignorando a responsabilidade especial do PSD, pela paternidade das últimas 2 reformas, visando repor justiça e equidade entre os contribuintes. Os Partidos têm que assumir as suas responsabilidades. Se o não fizerem estarão a ser cúmplices do agravamento das condições de vida de milhares de agregados familiares sufocados por um imposto estúpido, absurdo, anacrónico e erróneo. A reforma de 2003 foi lançada debaixo de um largo consenso sobre o carácter profundamente injusto do anterior regime de tributação do património. Temos a certeza que se agravou substancialmente a injustiça com o actual regime, conforme conclui o Relatório para o Estudo da Política Fiscal, de Outubro de 2009, conduzido por reputados especialistas, a pedido do anterior governo. Este estudo constitui um trabalho de indiscutível mérito ao qual, infelizmente, não foi dado seguimento, por evidente falta de coragem política. Página 5 Principais conclusões desse estudo: António Lourenço, Membro da Ordem nº 2276, E-mail: [email protected] CONTRIBUTO PARA UM NOVO PARADIGMA NA REFORMA DA TRIBUTAÇÃO DO PATRIMÓNIO 1. A reforma feita em 2003 fez um diagnóstico correcto uma vez que realçou a profunda desactualização das matrizes e a inadequação do sistema de avaliações prediais; 2. O anterior sistema conduziu a distorções e iniquidades incompatíveis com um sistema fiscal justo e moderno e o actual parece tê-las agravado; 3. O sistema actual mantém as características do anterior e, reforçaas, pois assenta numa sobretributação dos prédios novos ao lado de uma subtributação dos prédios antigos. Quais eram os 4 objectivos centrais da reforma de 2003: Actualizar o valor dos imóveis; Criar um sistema novo de determinação do valor patrimonial dos imóveis; Repartir de forma mais justa a tributação da propriedade imobiliária, principalmente no plano intergeracional; Rápida melhoria do nível de equidade. Em síntese, pode dizer-se que nenhum dos objectivos foi minimamente atingido. Poderíamos listar muitos exemplos, que demonstram a perversidade da situação actual. Prédios de valor muito superior que pagam um valor de imposto muito inferior. Prédios no mesmo edifício ou na mesma rua com valores de avaliação muito desiguais pagando valores de IMI muito díspares. Em termos objectivos, a verdadeira questão reside na brutal injustiça que incide sobre os proprietários de imóveis avaliados ao abrigo do novo regime. O facto de o Ministério das Finanças não ter procedido à actualização, actualização do valor tributário, deu origem a uma situação gravíssima de António Lourenço, Membro da Ordem nº 2276, E-mail: [email protected] Página reverte para os municípios e não estimula a captação de receita pela via da 6 como era seu dever, por manifesta falta de interesse, uma vez que a receita CONTRIBUTO PARA UM NOVO PARADIGMA NA REFORMA DA TRIBUTAÇÃO DO PATRIMÓNIO injustiça fiscal, a que urge por cobro. Há contribuintes sacrificados, de forma brutal, com benefício de outros contribuintes. Uma solução adequada pode contemplar o seguinte conjunto de medidas: 1) As repartições de finanças procedem à actualização de todos os prédios atribuindo-lhes valores de avaliação tributária ajustados ao seu valor real de mercado; esta tarefa deve contar com o apoio dos municípios que são os principais interessados nesta receita; 2) Redução, no imediato, da taxa máxima para 0,2 %, para todos os prédios, devidamente avaliados; 3) Actualização das matrizes prediais rústicas e fixação de uma taxa ajustada ao valor desses terrenos, sobretudo em termos de potencial de edificação, mas dissuadindo políticas especulativas de gestão dos solos; 4) Englobamento de todo o património móvel (acções, viaturas, barcos, obras de arte, etc.) na tributação global do património; 5) Revisão da Lei das rendas de molde a não punir os proprietários de imóveis arrendados, obrigando-os a pagar um valor anual de IMI superior às rendas obtidas, mas protegendo os inquilinos de fracos rendimentos. Se estes cinco objectivos forem cumpridos, com eficácia e celeridade, estará reposto um nível aceitável de justiça fiscal. A imoralidade e a injustiça desta situação são flagrantes e insuportáveis. O Governo e os Grupos Parlamentares têm que estabelecer, rapidamente, um consenso que reponha os níveis aceitáveis de justiça fiscal. Tem que ser possível colocar o assunto na ordem do dia, tornando-o uma verdadeira prioridade de princípio constitucional da igualdade que se traduz numa profunda injustiça e imoralidade desta reforma do património. António Lourenço, Membro da Ordem nº 2276, E-mail: [email protected] Página A actual reforma configura, se nada fôr feito, uma flagrante violação do 7 uma política fiscal justa e equilibrada. CONTRIBUTO PARA UM NOVO PARADIGMA NA REFORMA DA TRIBUTAÇÃO DO PATRIMÓNIO O Estado não tem interesse em mexer no assunto, porque nada ganha com a situação. Os municípios, de forma egoísta, estão confortados num crescimento exponencial da receita e continuam a aplicar as taxas que lhes maximizem a receita. Não lhes interessa os direitos dos seus munícipes. Não podemos aceitar que o Estado e os Municípios se orientem por exclusivos critérios de maximização da receita fiscal, com absoluta indiferença pela equidade e justiça fiscal. Compete a todos os cidadãos contribuintes, denunciar esta monstruosidade fiscal e contribuirmos para a reparação desta brutal injustiça de que são vítimas milhares de contribuintes portugueses, muitos dos quais jovens em início de vida. Não podemos aceitar impávidos e serenos que a situação seja corrigida, por si só. Assiste-nos o direito e o dever cívico de pugnarmos por soluções de verdadeira justiça fiscal e social. As soluções são fáceis? Não! São possíveis? Estou certo que sim! Assim exista vontade política. Inexplicavelmente, vem o governo apresentar medidas em sede de OE 2012 que só agravarão a situação: sobe a taxa mínima e máxima. Os municípios esfregam as mãos de contentes. Estas medidas que vão para além do acordado com a Troika, vêm ao arrepio do mais elementar princípio de equidade e justiça fiscal. Recordo o que disse um dia J. Kennedy “ o conformismo é o carcereiro da liberdade e inimigo do crescimento”. Não devemos, nem podemos, resignar-nos com a situação actual. Lisboa, 20 de Outubro de 2011 António Lourenço, Membro da Ordem nº 2276, E-mail: [email protected] Página 8 Obrigado.