XIV Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública:
Administración Pública y Ciudadanía, Caracas, 2000
A relação entre cidadania ativa e administração pública municipal na configuração de uma
formação político-organizacional: os casos do Projeto de Saúde Mental de Belo Horizonte e do
Orçamento Participativo de Porto Alegre
María Ceci Araujo Misoczky
Introdução
A extensão de direitos sociais, com a decorrente explosão de demandas e saturação da agenda
governamental, é apontada por Santos (1994) como um fator potencialmente desestabilizador das instituições
democráticas. Juntamente com a inércia decisória e o transbordamento da participação social, a explosão de
demandas comporia o quadro de causas da crise de governabilidade brasileira. Para resolvê-la alguns autores
afirmam que seriam necessários novos freios institucionais, voltados para controlar a igualização de direitos, a
manifestação das minorias, a proliferação de organizações e a multiplicidade de demandas (Diniz, 1997).
Haggard & Kaufman (1993), analisando estes fatores como dificuldades para a execução de programas de
estabilização econômica, recomendam o confinamento da tecnocracia em agências protegidas dos embates da
política competiviva e das pressões da sociedade.
Uma outra abordagem considera estas análises deficientes, por serem reducionistas, terem um viés
tecnocrático e uma perspectiva elitista (Diniz, 1997). Em oposição lembram que o grande contingente
populacional que vive em condições de destituição social e política, na ausência de direitos e de acesso a
serviços básicos, inviabiliza o exercício da cidadania e a vigência da democracia. Assim, o enfoque central para
pensar a reforma do Estado deve ser como compatibilizar eficiência com aprimoramento da democracia.
“Aumentar a governabilidade de uma ordem democrática implica não apenas melhorar o desempenho da
máquina burocrática, mas ampliar a responsabilidade do Estado em face das metas coletivas e das demandas
sociais.” (Diniz, 1997, p.47)
Esta abordagem implica, portanto, na redefinição do conceito dominante de autonomia estatal e do modelo
de gestão pública a ele associado. É nesta perspectiva que Azevedo e Andrade (1997, p.74) criticam a proposta
de reforma do Estado brasileiro. Segundo estes autores, esta proposta contém traços tradicionais, repetindo
padrões que têm marcado a história política e institucional do país. Um deles é o caráter geral e homogêneo
pretendido para resolver os problemas da Administração Pública nas três esferas de governo. Os autores
perguntam “porque não conceder aos estados e municípios as condições (...) para equacionar nos termos que
melhor lhes convier sua forma e estrutura de atuação?”, já que isto favoreceria a inovação e permitiria uma gama
considerável de experiências alternativas.
Cabe destacar que formas alternativas/inovadoras de formular e implementar políticas públicas
direcionadas ao atendimento de demandas sociais e à extensão/ampliação dos direitos de cidadania e, portanto,
de aprimoramento da democracia, vêm se desenvolvendo nos níveis subnacionais de governo e, em especial, no
nível municipal. O programa de premiação Gestão Pública e Cidadania, iniciativa da Fundação Getúlio Vargas
de São Paulo e da Fundação Ford, se consitui em evidência clara deste fato. Em cinco anos de existência recebeu
inscrições/relatos de cerca de 3000 experiências. Tenório & Rozemberg (1997), analisando os 100 finalistas do
ciclo de 1996, apontam como características presentes na maioria dos relatos: a participação de organizações da
sociedade em processos que promovem a democratização da administração, criando espaços ampliados para a
discussão do orçamento, a definição de prioridades, o planejamento e a execução de ações, a prestação de contas;
a natureza multifacetada das iniciativas, abrangendo várias demandas simultaneamente.
Estas características podem ser analisadas, no nível interorganizacional, a partir de dois referenciais que
consideramos complementares. Junqueira, Inojosa e Komatsu (1998) definem intersetorialidade como a
articulação de setores e experiências no planejamento, na realização e na avaliação de ações, como forma de
alcançar um efeito sinérgico em situações complexas, com vistas ao desenvolvimento social e à superação da
exclusão social. Loiola e Moura (1997), por sua vez, revisam os diferentes sentidos de rede. Ao tratar
especificamente das políticas públicas desenvolvidas no âmbito local, afirmam que a rede permite articular os
diversos atores da sociedade civil e do Estado em torno de uma ação pública. Junqueira (1998, p.95) chama de
rede a “interação de pessoas, instituições, famílias, municípios e estados, mobilizados em função de uma idéia
abraçada coletivamente”. É uma maneira de superar os limites da ação através da integração de diferentes
conhecimentos e práticas, uma construção coletiva que se define na medida em que se realiza.
Fischer (1997) afirma que as características que reúnem organizações de natureza diferenciada, em
articulações por propósitos comuns, são a diversidade e a transição para novas formas organizacionais,
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estruturalmente leves. Destas articulações decorrem novos designs organizacionais, que se configuram
visualmente como fóruns, conselhos, grupo-tarefa, consórcios, etc. Este modelo auto-desenhado tem “hierarquias
planas organizadas em torno de processos transversais, deixando espaços para fluxos de informação e
conhecimento, diálogo e ação concentrada” (Fischer, 1997, p.18). Ao governo, uma das peças nesta articulação
cabe “liderar o processo em muitos momentos, mas também partilhar, delegar, interagir” (Fischer, 1997, p.15).
Santos (1998, p.13) chama a atenção para três tipos de relações possíveis entre as organizações da
sociedade e o Estado: as organizações da sociedade enquanto instrumento do Estado, enquanto amplificadoras de
programas estatais, ou enquanto parceiras nas estruturas de poder e coordenação. Esta autor afirma, ainda, que o
terceiro tipo aponta para uma “nova forma de organização política, mais vasta que o Estado, da qual o Estado é o
articulador e que integra um conjunto híbrido de fluxos, redes e organizações, em que se combinam e
interpenetram elementos estatais e não estatais, nacionais, locais e globais”.
Este aspecto, de transformação da organização do Estado, é exatamente o que nos interesse nesse estudo,
ou seja, queremos conhecer até que ponto o desenvolvimento de políticas inclusivas de grupos populacionais
desprovidos de direitos de cidadania, e a relação entre cidadania ativa e administração municipal, estão
configurando uma formação político-organizacional no interior deste nível de governo. A expressão
formação político-organizacional se refere a estruturas e dinâmicas organizacionais de novo tipo, decorrentes de
mudanças necessárias para que as instâncias de poder e de coordenação das políticas públicas, no nível
interno/operacional do governo municipal, se tornem permeáveis às organizações da sociedade.
No Brasil se encontra uma grande variedade de referências para compreender as mudanças que estão
ocorrendo em decorrência de parcerias entre organizações da sociedade e Administração Pública, enfatizando o
nível de análise inter-organizacional. No entanto, praticamente inexistem trabalhos que abordem como estas
parcerias estão impactando a própria Administração Pública, ou seja, que privilegiem o nível intraorganizacional de análise, como neste estudo.
Esta monografia se estrutura da seguinte forma: uma revisão teórica voltada para construir um referencial
para a abordagem dos casos objeto de análise, e que inclui a relação entre direitos de cidadania e Administração
Pública, e as características que diferenciam uma formação burocrática-tradicional de uma formação políticoorganizacional; uma breve apresentação do tratamento metodológico utilizado; a descrição e análise dos casos
abordados- o Projeto de Saúde Mental de Belo Horizonte - Minas Gerais, e o Orçamento Participativo de Porto
Alegre - Rio Grande do Sul. Para encerrar, nas Considerações Finais se encontra uma reflexão sobre as
características comuns e divergentes encontradas nos casos e indicadores de possíveis tendências.
Até que ponto ...
A formulação do tema central deste estudo utilizando as palavras “até que ponto” se baseia na concepção
de que processos de mudanças não se concentram em um centro ou em um aspecto único, nem se desenvolvem
de forma homogênea até atingir um novo estado. Ou seja, a organização é vista não como um sistema que
sempre atingirá um estado de equilíbrio, mas como um cenário de instabilidade potencial. Da mesma forma, o
desenvolvimento de políticas inclusivas e as parcerias com a sociedade também se dão de forma instável, já que
ser / exercer a cidadania é um processo que se “atualiza na medida em que as pessoas vão experimentando
relações e percebem que seu saber e sua experiência têm importância e são respeitados” (Junqueira, Inojosa e
Komatsu, 1998, p.75).
Refletindo sobre processos de mudança nas sociedades contemporâneas, Heller e Fehér (1998) defendem
que, em um contexto de descentralização / fragmentação, as ações transformadoras podem ser empreendidas em
diferentes esferas da sociedade. Trazendo as formulações destes autores para o foco da Administração Pública
municipal, podemos dizer que mudanças podem acontecer em qualquer uma de suas partes (independente de
haver correspondência em outras), e em alguns aspectos apenas (independente de outros). Por exemplo, o
aumento da autonomia (condição necessária para que ocorram mudanças) não elimina a divisão funcional do
trabalho; a lógica da decisão participativa pode ser dominante, mas não elimina completamente decisões
hierárquicas com motivação econômica ou legal. Este raciocínio nos leva a concluir que as mudanças ocorrem
em diferentes aspectos e com diferentes ritmos de implementação devendo, portanto, ser tratadas em termos
relativos, como uma relação do novo com o tradicional. Parafraseando Santos (1995, p.323), o novo é composto,
em parte, por novas combinações e novas escalas do que já existe.
Outro fator que leva a esta abordagem é o reconhecimento de que processos de mudança sempre implicam
em resistências que, por sua vez, também serão de diferentes grupos, a respeito de diferentes aspectos e com
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diferentes intensidades. Junqueira, Inojosa e Komatsu (1998) identificam pelo menos três níves de resistência a
mudanças na gestão municipal: (a) os secretários municipais têm aspirações que se relacionam com o poder do
cargo, reagindo a mudanças que diluam sua parcela de poder; (b) os funcionários têm interesses corporativos e,
freqüentemente, uma atitude de descompromisso com os resultados, (c) a população enfrenta a contradição entre
aderir à oportunidade de ampliar o espaço de cidadania e o exercício de direitos e deveres cívicos, e a
expectativa de benefícios imediatos, de curto prazo e de caráter assistencialista.
Direitos de Cidadania e Administração Pública
A noção de direitos de cidadania pode ser sintetizada recorrendo-se à referência clássica de Marshall
(1967) sobre direitos de primeira geração (civis e políticos) e de segunda geração (direitos sociais). Nestas duas
situações, os direitos têm como titular o indivíduo, e são colocados a partir de relações com o Estado.
Nas últimas décadas surge a referência a direitos de terceira geração, que têm como titulares grupos
sociais e se relacionam a interesses difusos, como direitos dos povos à autodeterminação ou ao desenvolvimento,
direitos das mulheres ou de grupos étnicos, direitos do consumidor ou de viver em um meio ambiente preservado
(Vieira, 1999). Pode-se incluir nesta mesma referência o direito à diferença, seja por opção (como a orientação
sexual para pessoas do mesmo sexo), seja por ser portador de determinado tipo de sofrimento (como o
sofrimento mental) ou de restrições (como deficiências físicas). Sendo assim, os direitos de terceira geração se
colocam a partir de redes de relações em toda a sociedade, incluindo-se aí o Estado enquanto parte desta rede.
Além disto, os direitos não são considerados em termos de universalidade, sendo introduzida a referência a
situações de particularidade e, ao mesmo tempo, sendo proclamada a responsabilidade política de cada um
(Touraine, 1996).
Como lembra Arendt (1998), os homens não nascem iguais, tornam-se iguais como membros de uma
coletividade em virtude de decisões que garantem a todos direitos iguais. Este tornar-se iguais implica, no
contexto de sociedades marcadas por desigualdade, que se realize a transposição da concepção de cidadania
passiva e privada para a de cidadania ativa e pública (Turner, 1990); e, além disso, se relaciona com a prática
democrática, com a possibilidade de superar divisões e diferenças através do reconhecimento da legitimidade dos
conflitos e da ação política, de organizações da sociedade, na luta pela efetivação de direitos existentes ou pela
criação de novos.
A concepção de cidadania ativa implica em que os sujeitos tenham responsabilidades com a comunidade a
que pertencem; sendo valorizada porque permite que os cidadãos exerçam seus poderes de ação, desenvolvam
suas capacidades de julgamento e consigam, pela ação organizada, algum nível de eficácia política (Fernández e
Barrientos, 2000).
Scherer-Warren (1999, p.14-15) relaciona a ação organizada, coletiva e reativa aos contextos históricosociais nos quais está inserida, com movimentos sociais; identificando três formas pelas quais essas reações
podem ocorrer: “denúncia, protesto, explicitação de conflitos, oposições organizadas”; “cooperação, parcerias
para resolução de problemas sociais, ações de solidariedade”; ou “construção de uma utopia de transformação,
com a criação de projetos alternativos e de propostas de mudança”. A autora esclarece, ainda, que “um mesmo
movimento pode desenvolver simultaneamente estas três dimensões - contestadora, solidarística e propositiva”.
Adotar como referência a noção de cidadania ativa (que possui um caráter coletivo e público, como já foi
mencionado) implica, também, em recusar “a confusão discursiva entre cidadão e cliente (satisfeito) ou entre
cidadão e consumidor, que despoja a cidadania de seu caráter interpelador de desigualdades e de sua dimensão
ativa” (Fernández e Barrientos, 2000, p.5).
A este respeito é interessante fazer algumas breves considerações, recorrendo às críticas formuladas por
Hood e Jackson (1998, p.159) sobre o impacto do uso de metáforas na institucionalização de concepções sem
base de realidade, exemplificando com a aplicação da metáfora do mercado a áreas da vida social. “Tal aplicação
carrega consigo a bagagem de ficções padrão sobre tecnologia, informação perfeita e simétrica e, mesmo, sobre a
distribuição do poder do mercado, etc.” Estas condições podem não ser apropriadas para abordar a vida social,
“mas se a metáfora é suficientemente impactante, quem vai pensar em refletir se é apropriada?”.
Outra crítica interessante ao uso desta metáfora na Administração Pública é feita por Mintzberg (1996,
p.77), ao se afirmar como cidadão frente ao seu governo (“sou um cidadão, com direitos que vão muito além
daqueles de consumidores ou mesmo de clientes”), e ao perguntar se “muitas das patologias atuais sobre governo
não se devem a que este esteja sendo demasiadamente um negócio, em vez de não o suficiente?”.
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Destas considerações decorre a escolha da categoria da cidadania como sendo aquela que dá conta da
complexidade e da necessária politização das relações da população com seu governo e, mais que isto, a ênfase
na cidadania ativa, como sendo aquela condição em que é possível o exercício de graus variados de controle e de
influência sobre organizações e práticas da Administração Pública.
Um outro motivo para recusar as metáforas do cliente e do consumidor está em que estas só podem ser
aplicadas individualmente e a indivíduos integrados, portadores de direitos. Não se aplicam a grupos sociais que
estão excluídos do mercado consumidor, pela sua condição de pobreza; ou que estão excluídos de relações na
sociedade, por preconceito; ou, como freqüentemente ocorre, em ambas as situações. Nestes contextos, somente
a categoria da cidadania (ainda que a de uma cidadania almejada) pode apoiar a compreensão do papel da
Administração Pública (como afirma Schachter, 1997, o governo precisa servir todos, e não apenas os
consumidores imediatamente óbvios), e das possibilidades de ação participativa para o desenvolvimento de
políticas sociais inclusivas.
Outro aspecto a destacar é que toda política social inclusiva envolve o rompimento com padrões anteriores
de relações na sociedade e, também, de práticas de gestão pública sendo, por natureza, inovadora.
Quando a política inclusiva envolve romper com situações de exclusão pela pobreza, está enfrentando uma
condição que se constitui desde um passado marcado por políticas de desenvolvimento de caráter
predominantemente economicista e pela ausência de políticas explícitas, coerentes e firmes de desenvolvimento
humano (Kliksberg, 1995). Aqui o que se institui é o novo, não apenas para a vida das pessoas, mas também
enquanto potencializador do próprio processo de desenvolvimento.
Quando a política inclusiva envolve romper com situações de exclusão por preconceito, está enfrentando,
diretamente, o passado e constituindo o novo no presente e para o futuro. Como nos ensina Arendt (19998, p.30),
“não existe nenhuma estrutura social que não se baseie mais ou menos em preconceitos, através dos quais certos
tipos de homens são permitidos e outros excluídos”. No preconceito se oculta um juízo já formado, que só se
tornou preconceito porque foi arrastado através dos tempos, de modo cego e sem ser revisto.
Nestes termos, considerar que organizações e práticas da Administração Pública que sejam
democratizadoras e socialmente inclusivas inclui pensar aquelas em que os cidadãos são vistos como membros
plenos da comunidade política, tendo acesso e exercitando direitos; as que promovem (respeitando sua
autonomia) a organização da população em torno de temas de interesse comum; as que incluem o controle social
sobre a gestão, o debate amplo e informado sobre questões de governo, e que abrem à população as decisões
sobre estas questões. Como Fernández e Barrientos (2000, p.10) frisam, tratam-se de práticas que não buscam
somente melhorar a eficiência administrativa das diferentes organizações públicas, mas que incorporam no seu
processo de gestão a dimensão ativa da cidadania, isto é, “que facilitam as iniciativas e responsabilidades de
todos os envolvidos (...), estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil”.
King e Stivers (1998, p.195) defendem, inclusive, que é através desta aproximação entre Administração
Pública e cidadãos que pode ser restabelecida a confiança no governo. Sob a expressão “o governo somos nós”,
os autores propõem uma Administração Pública democrática, que envolva a cidadania ativa. “Por administração
ativa entendemos não um fortalecimento do poder administrativo, mas o uso da autoridade discricionária para
criar o trabalho colaborativo com os cidadãos. A administração ativa é aquela que atua criativamente para
direcionar prerrogativas administrativas para a cidadania ativa.” No entanto, construir estas parcerias requer que
os membros das burocracias públicas abandonem a perícia profissional como base exclusiva da sua ação, e
aceitem que a experiência vivida dos cidadãos também oferece uma base legítima para procedimentos coletivos
de decisão e implementação de políticas públicas.
Formação burocrática-tradicional x Formação político-organizacional
Inicialmente cabe esclarecer que utilizamos o termo formação por referência às recomendações de Cooper
e Burrell (1988, p.106), segundo as quais uma análise da produção da organização deve assumir que as mesmas
são formadas e, simultaneamente, atuam para estruturar relações. A explicitação do aspecto político se deve a
uma visão da Administração Pública em que esta deve deixar de ser o que Arendt (1998) chama de “governo de
ninguém”, por causa do pretenso anonimato das decisões e da falta de responsabilidade pessoal, e passe a ser
uma organização em que os compromissos com setores e interesses sejam claramente expressos. Ou,
parafraseando Kliksberg (1994), quando este se referia às potencialidades da descentralização, afirmamos que
quando uma política pública incorpora valores políticos como a universalização, a eqüidade, o controle social,
quando se torna uma estratégia de inclusão social, passa a ser uma condição para que as organizações que
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articulam interesses dos excluídos encontrem espaço para expressar suas necessidades e participem da busca de
soluções.
A seguir apresentamos aspectos que devem apoiar a identificação da formação burocrática-tradicional e da
formação político-organizacional, entendidos como tipos-ideais (no sentido weberiano).
Segundo Inojosa (1998, p.39), do ponto de vista da modelagem, “a organização do aparato tradicional dos
três níveis de governo no Brasil responde ao paradigma da teoria clássica da administração”.
“As estruturas organizacionais ainda se apresentam, em geral, com um formato piramidal, composto de
vários escalões hierárquicos, e departamentalizadas setorialmente por disciplinas ou áreas de especialização.
A essas características soma-se um conjunto de práticas de organização do trabalho, como: centralização
decisória, planejamento normativo, dicotomia entre planejamento e execução (planos de papel), sigilo e
ocultação de informações, formalização excessiva (grande produção de papéis que circulam em rotas horizontais
e verticais, para receberem, no mais das vezes, meros encaminhamentos), e distanciamento do cidadão e mesmo
do usuário, dificultando o controle social.
Embora este modelo não seja privativo do setor público, parece particularmente resistente nas
organizações governamentais.” (Inojosa, 1998, p.38)
Como forma de sintetizar os aspectos que permitem identificar a formação burocrática-tradicional nos
baseamos nos princípios de Fayol (1954) e da burocracia segundo as formulações de Weber (1997), além do
aporte das formulações de Guerreiro Ramos (1983).
Buscando identificar aspectos da formação político-organizacional, realizamos uma (livre) adaptação de
contribuições de diversos autores (Boje e Dennehy, 1993; Clegg, 1990; Cooper, 1984; Farah, 1998; Fischer,
1997; Loiola & Moura, 1997; Matus, 1996; Motta, 1998; Santos, 1995; Soares & Gondim, 1998; Tendler, 1998,
Thieleman, 1997), resultando no que se apresenta a seguir.
Formação burocrática-tradicional
Centro claro de poder - planejamento
centralizado, sem a participação dos executores
e dos usuários.
Estruturas hierárquicas rígidas - liderança
centralizada nos diversos níveis hierárquicos
(unidade de comando) e orientada para o
cumprimento de metas definidas de modo
normativo.
Ações padronizadas, baseadas em papéis e
normas.
Divisão do trabalho - redução do número de
tarefas ao menor número possível, aumentando
a eficiência pela repetição rápida e simples do
esforço.
Setorialidade - operação fragmentada com base
na especialização do saber e em programas
normativos verticalizados.
As metas são a manutenção e o crescimento.
Controle cultural, através de padrões de
conduta.
Controle formal via supervisão e conformidade
com normas e padrões.
Avaliação auto-referida a metas e normas
Formação político-organizacional
Centros difusos de poder - planejamento
descentralizado, incluindo a participação dos
executores e dos usuários.
Estruturas fluidas flexíveis - liderança
descentralizada com uma ética voltada para
servir os usuários em uma rede de
relacionamentos, orientada por uma imagemobjetivo em um contexto histórico social.
Ações auto-reguladas, criadas a partir das
necessidades da imagem-objetivo e das
mudanças em curso.
Multiplicação do trabalho - aumento do número
de tarefas desenvolvidas ao máximo possível,
aumentando a eficiência ao engendrar um
sistema complexo e flexível.
Intersetorialidade - articulação de saberes e
experiências no planejamento, realização e
avaliação de ações interligadas, se refere aos
problemas da população e seu equacionamento.
A meta é a mudança, como um processo
consciente de alterar relações sociais.
Aceitação da diversidade e celebração das
particularidades.
Controle através de uma combinação de
avaliação da eficiência com controle social.
Avaliação referida a expectativas dos usuários
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definidas internamente.
e dos parceiros na rede.
Neutralidade tecnocrática - impessoalidade nos Opção por valores claramente expressos,
julgamentos, autonomia da burocracia.
“burocracia
militante”
ou
“cidadão
profissional”.
Seleção com base na utilidade técnica.
Seleção com base na utilidade técnica e perfil
adequado ao projeto.
Líder como condutor.
Líder como mobilizador / articulador.
Motivação pela remuneração adequada e Motivação pela liberdade de implementar
ascenção na hierarquia (promoções).
idéias e de gratificar-se com seu sucesso.
O espírito de corpo como condição para a A discordância em torno de idéias é fator de
harmonia e unidade, sendo mais produtivo que sucesso no processo de mudança.
a discordância.
Trabalho com base em recursos da organização. Trabalho com base em recursos dos membros
da rede.
Todos os fatores de produção precisam estar, Os fatores de produção são continuamente
ordenadamente, em uma estrutura adequada.
rearranjados.
Localização espacial clara.
Localização espacial difusa.
Formalismo como estrutura de sobrevivência Formalismo como estratégia de mudança, de
da organização e da preservação de interesses.
avançar no tempo com relação a normas que
paralisam processos de mudança.
Definição dos usuários por critérios de custo- Direcionamento para grupos tradicionalmente
benefício e/ou por pressões clientelistas.
não atendidos pelo setor público, com ênfase
em aspectos de gênero, etnia, exclusão social.
Tratamento Metodológico
Spink (1998, p.159) indica que o enfoque no nível local “traz à baila um conjunto muito diferente de
exemplos para discussão”, se comparado com estudos sobre mudanças e melhorias que têm como objeto a
“reforma” ou a “modernização” no nível macro. Ao concordar com esta indicação, este estudo está voltado para
uma análise das experiências de gestão em dois municípios brasileiros: um dos casos aborda uma política
inclusiva desenvolvidas com a participação de organizações da sociedade - o Projeto de Saúde Mental de Belo
Horizonte, Minas Gerais; o outro aborda a presença da sociedade na definição dos investimentos públicos na
cidade, trata-se do caso do Orçamento Participativo de Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
A estratégia escolhida é a de estudo de casos múltiplos. Yin (1994, p.81) afirma que a abordagem de casos
é necessária sempre que “as questões do estudo levam à criação de mais variáveis do que pontos de dados”, o
que ocorre sempre que o estudo está voltado para “compreender as condições contextuais”. Esta é exatamente a
situação dos estudos que avaliam projetos, programas e organizações, onde os tópicos de pesquisa são tão
complexos que o fenômeno de interesse não é facilmente distinguível das condições do seu contexto e,
conseqüentemente, são necessários dados sobre ambos. Hartley (1995) também recomenda o estudo de caso
quando o objetivo é explorar novos processos ou processos que sejam pouco compreendidos.
Yin (1993) propõe, ainda, que projetos, organizações ou programas sejam vistos como casos únicos,
embora o estudo esteja voltado para o âmbito coletivo e o caso contenha sub-unidades ou unidades-processo. A
utilização desta abordagem (em detrimento do desenho “holístico” do estudo de caso) é recomendada quando o
estudo visa examinar fenômenos específicos em detalhes operacionais. Tratam-se, ainda, de casos instrumentais,
na terminologia utilizada por Stake (1994) - casos que são examinados para prover insights sobre um tema; que
desempenham um papel de apoio, facilitando o entendimento de algo mais.
Com relação às técnicas e procedimentos de coleta de dados, foi utilizada a estratégia de triangulação,
onde são empregadas múltiplas teorias, métodos e procedimentos de coleta e análise de dados para o estudo
adequado do problema de pesquisa (Denzin, 1978). As informações utilizadas foram obtidas através da análise
de documentos (McNeill, 1990), de entrevistas não estruturadas com informantes-chave e de observação não
participante (Denzin,1978).
O caso do Projeto de Saúde Mental de Belo Horizonte
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A experiência de Belo Horizonte1 se inscreve no movimento por uma sociedade sem manicômios, lançado
nacionalmente em 1987 por trabalhadores, familiares e usuários de serviços de saúde mental. Este movimento
coloca para a sociedade não somente a crítica ao manicômio - espaço de exclusão e violência, mas ao modelo
manicomial - paradigma de abordagem da loucura que não prescinde da distância e da separação. É esta
radicalidade que orienta a estruturação do Projeto, bem como as construções e articulações que se fazem
necessárias para tratar os portadores de sofrimento mental, sem excluí-los e promovendo sua inserção social.
Seus antecedentes históricos mais distantes se vinculam a um movimento social, o Movimento dos
Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), que começa a tomar corpo em diversos locais do Brasil no final da
década de 70. Em 1979, durante o III Congresso Mineiro de Psiquiatria os profissionais da área, usuários,
familiares, etc., denunciam a violência e o desrespeito aos direitos humanos, difundindo imagens que provocam
grande impacto. Por inspiração da Reforma Psiquiátrica Italiana (após cerca de 20 anos de lutas o Parlamento
Italiano havia recentemente aprovado uma lei de desinstitucionalização) gera-se a confiança de que também seria
possível transformar o sistema psiquiátrico brasileiro.
“A estratégia de desmonte do paradigma produtor da exclusão, começando pelo seu eixo estruturador, o
manicômio, começou a ser estudada e discutida pelos Trabalhadores de Saúde Mental brasileiros dentro da nossa
realidade.
Começamos o processo de discussão e entendimento da lógica que, naquele tempo, descrevíamos assim.
As pessoas com doenças mentais, desvios de comportamento que perturbam a ordem pública, nas quais se
verifica ou se presume algum risco para si ou para terceiros, têm tido como referência imediata e natural, nos
últimos 200 anos, o hospital psiquiátrico. Como são insensatas, não são responsáveis por suas palavras e atos,
não tendo também condições de contestar a estas internações compulsórias. (...) como são incapazes de reger
suas pessoas e bens, necessitarão de tutela para a garantia dos familiares e a sua própria. Tudo isso a sociedade
diz, a ciência reafirma e o sistema jurídico confirma em leis. Uma vez internadas serão atendidas por
especialistas que detêm conhecimento sobre estas patologias (...) e que agirão, muitas vezes, contra a vontade
dos portadores, outras vezes até sem seu consentimento (...) Caso não melhorem os sintomas e adequem os
comportamentos, passarão para hospitais maiores que lhes servirão de asilo (...) Quando conseguem sair (...)
deparam-se com uma violência social mais sutil, que se expressa através de processos de negação de
possibilidades (...) Existe também a dificuldade de dar continuidade aos tratamentos, e a regra será a
reinternação. O resultado mais comum costuma ser a desqualificação, a perda do poder de barganha, a
automatização e esvaziamento da vida, a cronificação, a exclusão, e o controle social.” (Campos, 1999, p.6)
Lideranças do movimento ocupam a direção da assistência em saúde mental dos hospitais públicos (um
hospital psiquiátrico e outros hospitais gerais) ligados ao Governo do Estado de Minas Gerais, no período 19831987. Segundo um destes líderes (Campos, 1999, p.6), este período pode ser caracterizado como um momento
difícil, de desgarramento das origens, sendo enfatizada a humanização dos hospitais. “Claro que a humanização
era necessária, uma vez que nas nossas condições sócio-econômico-políticas, a desativação dos hospitais seria
um longo e trabalhoso processo. Mas havia algo além disso. Era como se acreditássemos que estes hospitais,
desde que fossem humanizados e recebessem as reformas e insumos necessários, pudessem cumprir as funções
terapêuticas, com posterior reinserção social, sem maiores problemas.” Parte das dificuldades deste período são
creditadas a própria origem dos profissionais envolvidos, que, apesar do discurso progressista, carregavam
“restos do modelo de compreensão da realidade, sustentado pelos conceitos da ‘boa forma’ e da ‘normalização’,
que impediam a radicalização da crítica e das ações”.
Apesar destas dificuldades, começa a se gerar, dentro de um destes hospitais, o Hospital Psiquiátrico
Galba Velloso, a reflexão sobre sua prática, suas conseqüências sociais, sua perspectiva futura. Também resulta
deste processo um grande contingente de novos Trabalhadores de Saúde Mental dispostos a envolver-se com o
movimento pelo desmonte dos manicômios e, ao mesmo tempo, a compreensão de que seriam necessárias
transformações consideráveis na própria psiquiatria, enquanto disciplina teórico e prática, para que a cultura do
tratamento manicomial fosse derrotada.
Em nível nacional, o movimento seguia absorvido por trabalhos locais e aproveitando os congressos
nacional e estaduais de psiquiatria par reunir-se. Em 1987 o Ministério da Saúde convoca uma Conferência
Nacional de Saúde Mental na qual a expressiva presença dos militantes do movimento não apenas provocou
novas adesões, como também levou à criação de uma “Comissão Nacional dos Trabalhadores de Saúde Mental”,
que seria responsável pela organização de um encontro próprio em nível nacional. Foi em uma reunião desta
Comissão, ainda em 1987, que surgiu a proposta de radicalização do movimento e o lema “Por uma Sociedade
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sem Manicômios”. Em um Encontro Nacional, no final deste ano, a proposta foi discutida e aprovada e o dia 18
de maio instituído como “Dia Nacional da Luta Antimanicomial”. A partir daí o movimento também ganha uma
identidade mais clara, com a sua nomeação como “Movimento da Luta Antimanicomial”.
“A partir daí, cada vez mais, uma pergunta apertava as nossas gargantas: Se tivéssemos poder
político/financeiro neste momento, como organizaríamos os serviços e quais os saberes que sustentariam a nossa
prática?” A busca a esta resposta se realiza em seminários dos Trabalhadores de Saúde Mental de vários locais
do país, que apontam para a contrução de redes substitutivas de atenção, para teorias e técnicas que dariam
suporte às práticas inovadoras, para a construção, no longo prazo, de uma cultura antimanicomial - como parte
de uma sociedade em que as diferenças teriam lugar (Campos, 1999, p.7).
No Estado de Minas Gerais o grupo perde espaços durante o governo do período 1987-1991. Esta perda
do espaço de trabalho leva a criação de dois núcleos de organização. Por um lado, representantes do movimento
ganham a eleição para a direção da Associação Mineira de Psiquiatria (AMP); por outro, psicólogos, assistentes
sociais, terapeutas ocupacionais, alguns psiquiatras não ligados à AMP se articulam no Fórum Permanente do
Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental, com o apoio do Conselho Regional de Psicologia da 4ª Região
(que inclui Belo Horizonte).
Neste mesmo período, com a Constituição de 1988, cria-se o Sistema Único de Saúde, cuja estratégia
central é a descentralização com gestão única em cada esfera de governo. Com isto, os municípios passam a se
colocar com locus privilegiado para realizar experiências substitutivas ao modelo manicomial.
Em Minas Gerais membros do Movimento voltam a ocupar alguns lugares estratégicos no sistema
hospitalar estadual, em 1991 e 1992. Finalmente, a gestão municipal de Belo Horizonte (período 1993-1996)
aparece como e espaço privilegiado para começar a construção do modelo substitutivo ao manicomial. Em 1992
também se constituí, pela convergência dos dois núcleos acima mencionados, o “Forum Mineiro de Saúde
Mental” e, em 1994, a Associação dos Usuários de Saúde Mental de Minas Gerais (ASSUSSAM), importantes
parceiros da sociedade na construção da rede alternativa e nas inovações promovidas em Belo Horizonte, que
continuaram a evoluir no mandato do Governo Municipal que ainda está em andamento (1997-2000).
Assim, o Projeto de Saúde Mental de Belo Horizonte, que começa aser implantado a partir de 1993,
oferece recursos assistenciais que se diferenciam do modelo manicomial hegemônico, partindo da premissa que é
possível, técnica e eticamente, tratar os loucos sem excluí-los; e que para tratar a loucura é preciso reconhecê-la
como parte integrante da experiência humana, tendo, portanto, uma significação que diz respeito à vida. Desta
forma, é estruturada uma rede de atenção (com diferentes níveis de complexidade e diferentes funções) que
acolhe o paciente na crise e constrói um vínculo para o seu acompanhamento continuado, e uma rede de suporte
social que busca a inserção dos usuários.
A rede de atenção é composta pelos Centros de Referência em Saúde Mental (CERSAMs), cuja função é
acolher o paciente no momento da crise, atravessando-a com ele e seus familiares, até a estabilização; Unidades
Básicas de Saúde, com equipes de saúde mental para acompanhar os pacientes estabilizados; um Centro de
Referência para a Infância e Adolescência (CRIA), e Centros de Conviência. O Projeto inclui ainda a construção
de Lares Abrigados, Pensões Protegidas, Cooperativas de Trabalho e Empresas Sociais.
O Centro de Referência em Saúde Mental (CERSAM) se constitui em uma referência para a urgência, em
regime aberto. Sua clientela alvo é composta por psicóticos e neuróticos graves, e o atendimento é ofertado por
uma equipe multidisciplinar, constituída por psiquiatras, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, psicólogos,
terapeutas ocupacionais e assistentes sociais. A permanência dos usuários no serviço é definida a partir de uma
avaliação clínica e social. Ela pode se dar em regime de um ou dois turnos, ou, esporadicamente, em
determinados horários. O atendimento é diário, inclusive nos fins de semana e feriados, no horário das 07 as 19
horas. “O CERSAM não se define como espaço de reclusão ou isolamento do doente mental. Durante sua
permanência no serviço, além de contar com uma referência terapêutica, o paciente pode freqüentar oficinas e
participar de atividades como passeios, jogos, etc... A inserção desejada, embora nem sempre possível, aponta
para a participação ativa do paciente em seu processo de restabelecimento. O vínculo com o serviço deve se
produzir a partir do seu consentimento, para além do que lhe é imposto pela sua própria urgência, como forma de
constituir o CERSAM como sua referência em saúde mental.” (Equipe do CERSAM LESTE, 1999)
Desta forma, os CERSAM’s vêm se constituindo em experiência coletiva de ocupar um espaço na cidade e
na cultura do atendimento à loucura, em uma grande aprendizagem para os profissionais de saúde e para os
usuários e seus familiares.
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Com a superação da crise o tratamento continua nos Centros de Saúde próximos à residência do usuário.
Cada equipe de saúde mental acompanhando entre 150 e 300 pacientes, de forma articulada com os Cersam’s e
os Centros de Convivência. Os Centros de Convivência, por sua vez, são espaços dominados pela dimensão da
vida e da ressocialização, através de diversos tipos de oficina, a maior parte delas associada à arte. Estas
atividades também são importantes veículos de comunicação com a população de Belo Horizonte, através de
exposições dos trabalhos (Misoczky, 1999).
A concepção da atenção à criança e ao adolescente tem origem na constatação de que, para muitas escolas,
problemas comuns de aprendizagem eram motivo dos mais diversos encaminhamentos - para o serviço de saúde
mental do Centro de Saúde, para a fonoaudióloga, para a psicopedagoga, para a clínica especializada; sendo que
esta poderia ser uma forma de controlar a criança, adoecendo-a em um itinerário que quase sempre levava à
escola especializada. Os “Fóruns Regionais de Atenção à Saúde Mental da Criança e do Adolescente”,
congregam, em nível distrital, os Conselhos Tutelares, trabalhadores da saúde mental, das escolas, das creches,
familiares, etc., se constituem em espaços operativos, além de espaços de debate e deliberação. Tem sido feito
um trabalho com as escolas, no sentido de esclarecer os professores sobre etapas normais no desenvolvimento da
criança, que não devem ser confundidas com problemas que merecem o encaminhamento a um especialista.
Segundo uma profissional da Secretaria Municipal de Educação, “a Saúde Mental rompeu com alguns limites
que a escola temia romper”. Assim, os nove Fóruns se constituem em espaços coletivos de discussão para
encaminhamento e responsabilização sobre casos, reorganização da assistência com priorização dos casos mais
graves (autistas e psicóticos), e criação de formas de inserção de usuários com problemas de aprendizagem
através de oficinas lúdicas e artísticas. A atenção à criança e ao adolescente inclui, ainda: o Projeto Arte da
Saúde, que engloba diversas oficinas de arte para cerca de 100 crianças, e funciona desde janeiro de 1995 na
Região Leste; e o Centro de Referência em Saúde Mental da Infância e da Adolescência (CRIA) da Região
Noroeste (Misoczky, 1999).
Outro grupo que recebe atenção é o da população de moradores de rua. Em um trabalho conjunto com a
Pastoral de Rua (ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), e partindo do reconhecimento da
população de rua como sujeito de sua organização, o Projeto promove atividades voltadas para a terapia quando
houver problemas de saúde mental, e para o retorno às famílias. Trata-se de um processo de inclusão dos
moradores de rua, visando também uma nova postura na cidade com relação a estes. Os loucos de rua são
abordados por profissionais de saúde mental na própria rua, até o momento em que se dispõe a vincular-se à rede
de serviços. O Fórum da População de Rua organiza a participação das diversas entidades públicas e não
governamentais envolvidas (Misoczky, 1999). Segundo uma Assistente Social vinculada ao CERSAM LESTE,
“foram as dificuldades enfrentadas na condução de alguns casos que possibilitou pensar as intercorrências dessa
clínica, onde o sofrimento psíquico aparece associado a um momento de vida, onde a pobreza é recortada por
diferentes realidades”. As questões apresentadas apontam para um “remodelamento no atendimento, levando em
conta o conjunto de setores da vida social” (Lacerda, 1999, p.60).
Além da atenção direta aos portadores de sofrimento mental o Projeto inclui atividades de controle e
avaliação dos hospitais contratados pelo Sistema Único de Saúde, através da presença diária de supervisores que
vêm forçando uma mudança na qualidade da assistência, tanto apurando eventuais irregularidades quanto
evitando a cronificação, buscando adequar o tempo de permanência no hospital aos fins exclusivamente
terapêuticos. Estes também incentivam a alta do paciente junto aos familiares e responsáveis, garantindo
referência na rede substitutiva para estes pacientes, através do agendamento no momento da alta.
Simultaneamente, uma Portaria da Prefeitura Municipal proíbe internações diretamente nos hospitais privados
conveniados com o SUS, e outra proíbe novas internações em hospitais psiquiátricos com mais de 250 leitos.
Como conseqüência, reduziram-se os leitos psiquiátricos hospitalares de 2.100 para 1.400 (Misoczky, 1999).
O Projeto conta com a intensa e constante participação dos dois movimentos sociais organizados acima
mencionados - o Fórum Mineiro de Saúde Mental e a Associação de Usuários dos Serviços de Saúde Mental de
Minas Gerais. Os usuários e seus familiares participam de assembléias regulares nos serviços, decidindo tanto
sobre o seu funcionamento quanto sobre atividades de apoio ao desenvolvimento do Projeto: “batalhando os
direitos, as igualdades”. Exemplo é a presença no Orçamento Participativo, para viabilizar a construção de uma
casa maior para abrigar o CERSAM LESTE. Ou a participação junto com a comunidade no Conselho Municipal
de Saúde, nos Conselhos Distritais e Comissões Locais, e nos momentos festivos, quando a população vizinha
aos serviços é envolvida ativamente nas comemorações. Como no carnaval, quando o CERSAM LESTE fecha
uma rua do bairro para o desfile do Bloco Malucos e Belezas; ou quando uma Escola de Samba (LIBERDADE
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AINDA QUE TAN TAN) com cerca de 1.000 componentes - usuários, familiares e profissionais - desfila pelo
centro de Belo Horizonte para exaltar a luta antimanicomial no seu Dia Nacional (Misoczky, 1999).
Como já foi mencionado acima, foi necessário um longo processo de reconstrução da teoria e da prática
profissional para dar suporte ao modelo alternativo. Na escola o esforço é o de construir um processo de ensinoaprendizagem que não exclua a crianças psicóticas e autistas. Na clínica o objetivo é rever uma prática que visa
adaptar o indivíduo à sociedade, ou diluir no geral o particular, por uma outra que convide o sujeito a sustentar
sua diferença, sem precisar excluir-se do social, conduzindo o tratamento de tal forma que este possa seguir o
caminho que lhe é próprio, mantendo-o, ao mesmo tempo, cabível nos limites da cultura (Labosque, 1997).
O Projeto se efetiva através do trabalho em uma rede com um grande número de órgãos públicos, de
organizações não governamentais e de instituições privadas. Assim, a Secretaria Municipal de Saúde, através da
Coordenaria de Saúde Mental, articula diversas parcerias: com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento
Social nos Centros de Convivência, no Projeto Arte da Saúde e na atenção aos moradores de rua; com as
Secretarias Municipal e Estadual de Educação, o Juizado da Criança e do Adolescente, os Conselhos Tutelares e
a Associação de Pais de Autistas e Demais Síndromes na atenção à saúde mental da criança e do adolescente e
nos Fóruns Regionais; com a Secretaria Municipal de Abastecimento no Projeto Arte da Saúde e nos Centros de
Convivência; com a Secretaria Municipal de Esportes e a Escola de Educação Física da UFMG em Oficinas de
Esportes no CERSAM PAMPULHA; com a Coordenadoria de Direitos Humanos e Cidadania no
acompanhamento jurídico de casos de violação de direitos dos usuários; com o Fórum Mineiro de Saúde Mental
e a Associação de Usuários dos Serviços de Saúde Mental no acompanhamento do Projeto e na realização de
eventos; com a Cáritas Brasileira - Regional Minas Gerais nos Centros de Convivência; com a Pastoral de Rua
no acompanhamento dos casos de usuários moradores de rua; com o Grupo Unibanco de Cinema no acesso dos
usuários a sessões, sem discriminação de horários especiais; com as Secretarias Municipais de Meio Ambiente e
Cultura na implantação do novo Centro de Convivência Lagoa do Nando; com a Polícia Militar de Minas Gerais
no recolhimento e encaminhamento de pacientes em crise e na abordagem da população de rua. Além destas, os
próprios serviços articulam parcerias pontuais, algumas informais com pequenos estabelecimentos dos bairros
em que os serviços se inserem, outras sob a forma de patrocínio - como o da Fiat para implementar o Centro de
Vivência Agroecológico, e outras ainda que contribuem para novas inovações na abordagem, como a parceria
com a ONG Comitê pela Democratização da Informática com o CERSAM PAMPULHA.
Até que ponto o caso de Belo Horizonte configura uma formação político- organizacional?
• Não apenas o planejamento é feito de forma descentralizada, com a participação de executores e
usuários, como a própria origem e concepção do projeto têm origem nestes grupos, sendo que o espaço da
Administração Pública é “tomado” enquanto um locus estratégico necessário para construir a viabilidade de uma
imagem-objetivo formulada em um movimento social - a da construção de uma sociedade sem manicômios.
• A característica de um projeto que se constrói na medida em que se implementa, tendo em vista a
necessidade de, inclusive, revisar a formação dos profissionais envolvidos e de formular uma nova concepção
teórica e prática dos instrumentos de intervenção, torna inviável a sua implementação através de estruturas
hierárquicas rígidas. No caso abordado o contexto histórico social é determinante da natureza do projeto, sendo o
mesmo moldado, centralmente, em torno de uma ética substantiva e de uma “utopia” dirigida aos interesses dos
usuários e seus familiares.
• Sendo um Projeto que se constrói pela experimentação, não se baseia em ações padronizadas, papéis e
normas, embora princípios da clínica médica sejam, principalmente no atendimento da urgência, uma forma de
padronização que se preserva, sendo essencial para o enfrentamento desta situação.
• A divisão do trabalho que se encontra em serviços de saúde e, inclusive, nos manicômios e clínicas
psiquiátricas, se dilui em grande medida, já que a base do trabalho interdisciplinar, mantendo-se apenas a
prescrição de drogas como atividade exclusiva do médico. No restante das tarefas existe grande
compartilhamento e flexibilidade.
• A própria característica do Projeto demanda ações intersetoriais, que ocorrem em todas as etapas do
processo.
• A meta certamente é a mudança. Neste caso não apenas das características dos serviços, mas também
das relações sociais no contexto em que eles são implementados.
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• Esta mudança nas relações sociais passa pelo reconhecimento das diversidades e pela celebração das
particularidades, buscando a concretização, nos serviços e na cidade, de uma cultura que respeite e aceite as
diferenças como sendo fundamentais para uma convivência democrática.
• O controle se processa através da avaliação de indicadores diretamente envolvidos com a natureza da
atenção oferecida, como redução no número das internações, número de pacientes estabilizados ou número de
pacientes que retornam a suas famílias ou a atividades na sociedade. Mas a avaliação também se faz através de
indicadores de natureza subjetiva, como a reação, na avenida principal da cidade, a um desfile dos portadores de
sofrimento mental na sua Escola de Samba; ou como a reação dos moradores de uma bairro de classe média
(Pampulha) à instalação de um CERSAM; ou, ainda, como nas declarações que os familiares e pacientes fazem
sobre o impacto que o Projeto está tendo sobre suas vidas.
• Da mesma forma, a reação dos parceiros na rede, tanto públicos como privados, é vital para que o
Projeto avance sendo, portanto, referência importante para sua avaliação.
• Os valores que pautam o Projeto são os da “pessoalidade”, contrariando frontalmente o princípio da
neutralidade tecnocrática. Os Trabalhadores de Saúde Mental envolvidos na execução das atividades são,
claramente, uma “burocracia militante”, que alia o trabalho, enquanto condição necessária para a subsistência,
com a ação política de provocar mudanças.
• A seleção dos trabalhadores alia as condições técnicas para execução das tarefas à condição necessária
de um perfil adequado ao Projeto.
• As lideranças exercem um papel fundamental de articuladores e mobilizadores, não apenas dos que
estão diretamente envolvidos com o Projeto, mas também dos parceiros na rede e, em determinados momentos,
de aliados transitórios, como os meios de comunicação ou empresas patrocinadoras.
• Os Trabalhadores de Saúde Mental, na medida em que se vinculam ao Projeto pela sua concepção
enquanto movimento social, se motivam pelo sucesso em provocar mudanças e pela conquista de maiores
espaços de liberdade para avançar.
• Os seminários e reuniões de trabalho nas diversas unidades do Projeto, assim como os debates públicos
promovidos com e pelos parceiros na rede são importantes espaços para explicitar impasses e contradições em
torno de diferentes formas de enfrentá-los; sendo que a discordância em torno de aspectos táticos, sem perder de
vista a estratégia central, são fundamentais para que essa seja bem sucedida.
• O trabalho se efetiva, centralmente, com o financiamento público, mas o aporte dos parceiros na rede é
muito importante, seja via aporte direto de recursos, seja pela participação no trabalho conjunto.
• Os fatores de produção precisam estar ordenados de modo a oferecer um suporte adequado ao
desempenho técnico da equipe multiprofissional e, ao mesmo tempo, às necessidades dos pacientes. No entanto,
esta necessidade de uma rede de referência organizada não tem, aqui, a mesma característica que a concepção
mecanicista presente na formação burocrática-tradicional, já que, pela própria natureza do projeto, estes fatores
são potencial e necessariamente rearranjados com o avançar da reconstrução teórico-prática.
• A localização espacial é, simultaneamente, clara (no que se refere à rede de serviços propriamente dita)
e difusa (no que se refere a situações como o atendimento nos locais em que os usuários se encontram - como no
caso dos moradores de rua, ou como as atividades executadas por parceiros, na rede, que trazem os usuários para
o seu espaço- como no caso das salas de cinema ou das galerias de arte).
• O formalismo, enquanto uma forma de desrespeitar, de modo consciente, normas e padrões, se coloca
como um fator estratégico relevante, principalmente na relação da rede substitutiva com os níveis centrais do
Governo Municipal, que manifestam um estranhamento, ainda que cada vez menor, à natureza essencialmente
inovadora do Projeto.
• O Projeto se direciona para grupos que, ainda que de modo extremamente precário e ultrajante, eram
atendidos pelo setor público. A mudança está em que, agora, o direcionamento não é mais para a exclusão, mas
para a ampliação do reconhecimento de direitos e para a proteção de singularidades, para um processo de
inclusão ativa.
Pelo que foi dito, o Projeto de Saúde Mental de Belo Horizonte se constitui em uma formação políticoorganizacional, atendendo plenamente aos atributos escolhidos para caracterizá-la, tendo em vista os objetivos
deste estudo. Mesmo quando se preservam atributos da formação burocrática-tradicional, como fatores de
produção preciso e localização espacial clara, estes se encontram articulados com seus pólos contraditórios (o
rearranjo e a difusão).
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O caso do Orçamento Participativo de Porto Alegre
O Orçamento Participativo2 (OP), promovido pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre, é “uma
modalidade de gestão pública” baseada na participação da população “nas diversas fases que compõem a
elaboração e a execução” do orçamento municipal, “especialmente na indicação de prioridades para a alocação
de recursos de investimento” (Fedozzi, 1997, p.105)
O OP tem se constituído, desde 1989, na coluna vertebral da Administração Pública de Porto Alegre;
sendo uma iniciativa do Governo Municipal voltada para “conformar uma nova esfera pública, que tensione as
fronteiras burocráticas do Estado e o submeta ao controle rigoroso da sociedade” (Utzig e Guimarães, 1997).
Trata-se de um fator fundamental de legitimação do governo sendo, segundo os meio de comunicação e
pesquisas de opinião, certa a recondução do mesmo partido a um quarto mandato nas eleições que ocorrerão no
final deste ano.
Esta iniciativa parte da concepção de que seria possível alcançar um nível elevado de participação ativa da
cidadania, produzindo uma tensão positiva entre burocracia e participação; e de um propósito de superação dos
limites da democracia representativa com a presença sistemática dos cidadãos, não apenas no âmbito de
consultas, mas também no de definição de demandas e de sua problematização (Laranjeiras, 1996).
O OP está assentado em uma estrutura e em um processo de participação da população que se
desenvolvem a partir de três princípios básicos: “regras universais de participação en instâncias institucionais
regulares de funcionamento; um método objetivo de definição de recursos de investimento, que perfaz um ciclo
anual de atividades públicas de orçamentação do município; e um processo decisório descentralizado, tendo por
base a divisão da cidade em 16 regiões orçamentárias” (Fedozzi, 1997, p.111).
No Anexo 1 se encontra o fluxograma do OP; no Anexo 2 as unidades administrativas e órgãos internos
da Prefeitura Municipal voltados para o gerenciamento e processamento técnico-político das discussões com a
população; no Anexo 3 as instâncias de participação da população.
Seus antecedentes históricos podem ser conhecidos pelo relato e análise de Fedozzi (1997) e pelo
depoimento de um dos membros da Coordenadoria de Relações Comunitárias (CRC) da Prefeitura.
Fedozzi (1997) propõe a distinção de quatro fases conforme a evolução de três critérios técnico-políticos
de planejamento participativo, quanto: às modificações na estrutura do OP no que diz respeito às instâncias de
tomada de decisão sobre os recursos públicos; às modificações na metodologia de distribuição dos recursos para
investimento entre as regiões; ao nível de participantes e aos diversos estágios de interação política (entre
população, Executivo e Legislativo).
A primeira fase (1989 - orçamento de 1990) é marcada pela inexperiência dos novos dirigentes, pela
frustração dos moradores com a falta de recursos e com a conseqüente crise na interação política entre a
Prefeitura e a população.
“Durante o primeiro ano, por conta de várias coisas, se gasta 98% do orçamento com pessoal. Isso decorre
de que o Prefeito anterior, no último mês de governo, dá um aumento de 130%, para ser pago no primeiro mês
do novo governo. Assim, passamos um ano pagando os funcionários. Isso foi interessante porque não sabíamos
nada de administrar e forjamos uma aliança com a burocracia ao cumprir esta decisão do governo anterior. A
outra coisa é que havia uma inflação brutal - 80% em fevereiro; e uma dívida de 12 a 15% do orçamento. O que
fazer? Uma curiosidade - os 32 % dos votos que nos elegeram vieram de uma base social organizada em
sindicatos, da juventude, de setores importantes de classe média indignados. Sobre o setor do movimento
comunitário não tínhamos incidência. Pelo contrário. A hegemonia era do antigo populismo.
Isto é um pouco para caracterizar. Quando ganhamos a eleição enfrentamos essa aventura, de governar
sem experiência e sem recursos. No primeiro ano o governo vive um isolamento brutal. Quando se caminhava
nas ruas nossos representantes eram quase atacados.”
Inicialmente, a discussão foi deflagrada, pela Prefeitura, de forma experimental e ocorreu através de
consultas à população, em cinco regiões da cidade, em agosto de 1989. Nestas reuniões abertas a todos, foram
indicados representantes, pelos moradores, para formarem uma Comissão para acompanhar a elaboração do
orçamento pela Secretaria de Planejamento Municipal. O estímulo à indicação de demandas pela comunidade
não incluia qualquer possibilidade de priorização, além disso, estas demandas representavam um déficit de
equipamentos e serviços represados durante décadas de desenvolvimento excludente. O resultado foi um “Plano
de Obras” sem condições de ser implementado, o que gerou grandes conflitos, protestos e a descrença da
população, levando a uma redução no número de participantes no próximo ano.
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A segunda fase (1990 - orçamento de 1991) representa os efeitos combinados da reforma tributária local e
da desconcentração dos recursos promovidos pela Constituição de 1988; e, internamente, da discussão de
concepções de planejamento estratégico e da criação de instâncias administrativas para implementar o OP.
“(...) tínhamos uma proposta de mudança. Vamos com as duas coisas: mostrar as contas e propor
mudanças desde o ponto de vista dos impostos. Propusemos uma tímida reforma tributária - quem tem mais paga
mais. Imposto progressivo sobre a propriedade e a infraestrutura desta propriedade, quem paga taxa de água para
residência ou para negócio. Começamos também a cobrar, porque isso não ocorria. Fomos a reuniões e
propusemos uma reforma tributária. Aí começou um debate na cidade. Os poucos - 300 pessoas no total, quem
eram? Não eram aliados, estavam lá para nos questionar. A síntese deste momento é assim - muito bem, vocês
vem aqui quando não têm dinheiro, nós vamos apoiá-los na Câmara Municipal, mas quando tenha arrecadação
queremos discutir como será gasta. Esse foi um pouco um pacto entre um movimento social muito homogêneo e
os quadros que estavam na administração.
Como sentar então para discutir os gastos? Se poderia reduzir o debate a presidentes de associações de
moradores, reunidos em um conselho. Um caso de democracia associativa, corporativa. Mas, por sorte, não havia
muito representatividade (creio que se fosse com os sindicatos seria mais difícil), algumas eram de papel. Quem
representa? Como saber? Como medir? Se decide que seria melhor fazer reuniões abertas e a capacidade de
mobilização será representada em uma assembléia. Agora temos pelo menos uma parte importante do processo
com democracia representativa, com um baixo grau de delegação. Além de romper a barreira da representação e
passarmos à representação social, temos a presença de lideranças que se comprometem com o processo.
Se se quer pensar em democracia participativa não se pode trabalhar sem esse tipo de mediação. Não se
pode pensar em uma democracia de massas trabalhando com a idéia de indivíduo que se representa - reunir 300
000 pessoas em uma ágora. Então a idéia de que existem mediadores que têm que estar sempre legitimados pela
sua capacidade de mobilização.
A segunda coisa foi o que fazer. No primeiro ano tinha se saído das reuniões com uma lista interminável.
Solução, a lista deve ser priorizada, hierarquizada. No segundo ano se pede que se ponham as coisas em ordem
de prioridade, ainda de um modo muito grosseiro. Ao fazer isso surge o tema de como priorizar. Mas as pessoas
tiveram que aprender a fazer isso. E aí começaram a vir mais pessoas. As coisas começam a se mover e pouco a
pouco há um aumento de presença nas assembléias. Hoje não temos controle, são várias reuniões intermediárias
e tudo o mais. Imaginamos que é algo em torno de 40 000 pessoas que se envolvem no debate, sendo que alguns
vão a 3 ou 4 reuniões por semanas, como as lideranças mais importantes.
A idéia de hierarquizar já está incluída. Como fazer já que o dinheiro não alcança para fazer tudo. Então é
preciso concentrar. A primeira idéia foi em torno das regiões mais carentes. Haviam quatro critérios e a proposta
de concentrar nas cinco mais carentes. Muito socialista, muito solidário. Isto funcionou durante um ano. Houve
eleição para o Conselho do OP. Cada região da cidade escolhe um conselheiro e um suplente. Quando se decide
concentrar em cinco regiões imagine-se que tínhamos alguns conselheiros muito contentes e outros olhando e
pensando quando suas regiões seriam contempladas. E a idéia foi 70 % para estas cinco e 30% para as demais.
Não funcionou!”
Na terceira fase (orçamentos de 1992 e 1993) tornam-se nítidos os tipos de estrutura e de dinâmica
processual que vinham sendo construídos; ocorre uma efetiva retomada da participação popular, com o aumento
na credibilidade do processo em função dos investimentos efetivamente realizados desde 1990; ocorrem novas
modificações na metodologia para distribuir os recursos (substituindo a concentração pela escolha de prioridades
por setor de investimento).
“No terceiro ano há uma proposta que vem da região leste e de um técnico que propôs fazer diferente.
Quando surge uma lista hierarquizada as obras têm que ver com alguns setores. Se poderia agrupar por temas e,
em vez de fazer uma lista fazer duas. Uma de temas e outra de obras, dentro dos temas.”
Esta fase consolida não apenas a estrutura do OP (ver Anexos 1, 2 e 3), mas também a dinâmica
processual, as regras básicas do jogo (que serão descritas a seguir, junto com as etapas). O Conselho do
Orçamento Participativo (ver Anexo 4), como síntese do processo participativo, alcança o reconhecimento
interno na Prefeitura, ganhando também legitimidade frente aos movimentos comunitários das regiões como uma
instância de mediação e de processamento das demandas prioritárias de investimento. Neste momento também se
inicia um movimento pela regulamentação legal do Conselho do OP, através da apresentação de um Projeto de
Iniciativa Popular junto ao Legislativo Municipal, o que exigiria a coleta de assinaturas de 5 % dos eleitores do
município (exigência legal).
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O início de um segundo mandato de governo (1993-1996), após a reeleição, marca a quarta fase, que se
caracteriza pela complexidade de sua dinâmica e pelo contínuo crescimento do número de participantes (ver, no
Anexo 5, o perfil dos participantes e dos conselheiros).
“As Plenárias Temáticas são criadas para controlar temas e questões interregionais, como cultura. Um
equipamento de cultura, como um teatro é para toda a cidade, não para uma região. Como decidir se isto vai ser
feito e onde vamos colocar?”
A criação destas novas instâncias tornou mais heterogênea a representação social da participação, atraindo
setores sociais plurais e grupos de interesse que até então não encontravam espaço em discussões de base
exclusivamente regional. Nesta fase também foram modificadas a estrutura e a dinâmica de eleição dos
delegados, com a criação de Fóruns de Delegados por região e em cada uma das Plenárias Temáticas.
Finalmente, outra mudança importante é a mudança de posição da Prefeitura, que não apenas deixa de apoiar o
Projeto de Iniciativa Popular para regulamentação do Conselho do OP, como se coloca contrária a mesma. Em
1994 o Projeto já contava com cerca de doze mil assinaturas (das quarenta e duas mil necessárias). A mudança
de posição do Executivo leva a uma polêmica no interior do movimento comunitário e à paralisia na coleta de
assinaturas. Neste mesmo ano o COP aprovou seu Regimento Interno, incorporando quase todos os dispositivos
previstos no projeto de regulamentação, configurando uma normatização interna à dinâmica do OP e ao
funcionamento do Conselho.
O OP se operacionaliza ao longo de onze meses do ano (Fedozzi, 1997; Prefeitura Municipal de Porto
Alegre, 1999).
• Março é o ponto de partida. A cidade é dividida em 16 regiões (aliando critérios sócio-espaciais, a
tradição de organização dos movimentos de moradores e critérios técnicos de zoneamento urbanístico), e estas
em 28 microrregiões. Em cada uma delas os moradores se reúnem, em Assembléias Regionais, para discutir as
prioridades e eleger delegados. Além destas Assembléias Regionais, acontecem cinco Plenárias Temáticas:
Circulação e Transporte; Desenvolvimento Econômico e Tributação; Organização da Cidade e Desenvolvimento
Urbano; Saúde e Assistência Social; Educação, Cultura e Lazer. As Assembléias são abertas à participação
individual de qualquer morador da cidade e às representações das organizações da sociedade, contam com a
presença de representantes da Prefeitura (Prefeito e Secretários de Órgãos Municipais); sendo coordenadas por
integrantes da Administração Municipal (GAPLAN e CRC - ver Anexos 1 e 2), assim como por representantes
do Conselho do OP, dos Conselhos Populares e outras entidades comunitárias quando estes não existem na
região. Antes das Assembléias ocorrem reuniões preparatórias dos moradores, organizadas de forma autônoma,
visando preparar informações sobre possíveis demandas e levantar as reivindicações dos moradores, assim como
articular a escolha dos seus representantes.
• Nesta primeira rodada (março e abril) o Governo presta contas de como foram aplicados os recursos do
Plano de Investimentos do ano anterior e apresenta os critérios e métodos para a aplicação do orçamento no ano
seguinte. Também é distribuído o plano de investimento do ano em vigor. São realizadas as primeiras eleições
para os Fóruns de Delegados, eleitos proporcionalmente de acordo com a participação nas plenárias de cada
região e nas plenárias temáticas (um para cada 10 participantes). Eles formam um colegiado, de caráter
consultivo, fiscalizador e mobilizador, que se reúne de forma esporádica. Este Fóruns têm como objetivos
principais ampliar o envolvimento das bases comunitárias no processo de deliberação e na fiscalização da
execução das obras definidas (ver Anexo 3). Ainda nesta primeira rodada são esclarecidos os critérios gerais,
decididos pelo Conselho do OP, para a distribuição dos recursos: carência de serviço ou infra-estrutura,
conforme dados fornecidos pela Prefeitura e avaliação conjunta entre essa e os representantes da população;
população total da região; prioridade atribuída pela região aos setores temáticos.
• Na rodada intermediária ocorrem reuniões organizadas pela própria população, embora contando com
o acompanhamento de um representante da Prefeitura. Nestes encontros as demandas são hierarquizadas pelos
participantes em termos de prioridades, através de processos de negociação e votação. Cada região escolhe cinco
prioridades entre onze itens: Saneamento Básico, Política Habitacional, Pavimentação, Transporte e Circulação,
Saúde, Assistência Social, Educação, Áreas de Lazer, Organização da Cidade, Desenvolvimento Econômico,
Cultura. As três prioridades que somam o maior número de pontos (o método será descrito após as etapas) nas
regiões, vão se tornar as prioridades de toda a cidade. Nesta etapa também são hierarquizadas as obras propostas
pelos moradores em cada um dos setores priorizados. Após terem sido definidas as prioridades e as obras
prioritárias, dentro de cada microrregião, é hora de ajustar as demandas aos critérios técnicos. Aí se incluem
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questões como, por exemplo, a viabilidade de obras de engenharia considerando as condições do terreno ou a
inexistência de entrave legal, como posse da terra.
• Em julho começa a segunda rodada. É quando o Governo apresenta os principais elementos da política
tributária e de receitas, e a estimativa de arrecadação para o ano seguinte. Ao mesmo tempo, as 16 regiões e
temáticas entregam as prioridades e demandas. Em cada região e nas temáticas também são eleitos conselheiros
(dois titulares e dois suplentes) que formam o Conselho do Orçamento Participativo (COP), o qual tem ainda
representação do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre e da União das Associações de Moradores de Porto
Alegre. A Prefeitura também tem representação no Conselho, mas sem direito a voto. O Anexo 4 sintetiza as
atribuições e normas de funcionamento do COP.
• A terceira etapa começa com a posse dos novos conselheiros e delegados. Durante o mês de agosto
ocorre o trabalho interno de compatibilizar reivindicações e recursos. Entra em cena o Gabinete de
Planejamento, para compatibilizar as prioridades. A Junta Financeira da Prefeitura analisa a proposta, junto com
a Coordenação Financeira e Secretarias. O COP discute, formula e aprova a proposta orçamentária, que chega ao
Prefeito antes de ser enviada à Câmara de Vereadores (eleita a cada quatro anos e com um total de 33
vereadores), que tem de 30 de setembro a 30 de novembro para deliberar, sendo esse processo acompanhado
pelo COP. Enquanto a Câmara vota a proposta, o COP se reúne com Secretarias e discute o Plano de
Investimentos, que abrange regiões, reivindicações das Plenárias Temáticas e assuntos gerais relativos à cidade.
As atividades do COP incluem ainda a avaliação do processo durante seu ano de exercício, discutindo questões
de organização, revisando critérios gerais e técnicos, e o regimento de escolha das prioridades. Aprimora a
experiência, já que o OP não tem qualquer regulamentação superior às deliberações do COP. Para
acompanhamento da implementação das decisões são eleitas Comissões por microrregião.
A decisão sobre os investimentos a serem priorizados envolve a atribuição de notas, que variam de 1 a 4,
de modo diretamente proporcional à população residente na região, ao grau de carência do setor em questão, ao
grau de prioridade atribuído ao setor na região. Além disto, a cada um dos critérios, é atribuído um peso em uma
escala de 1 a 3, diretamente proporcional à importância que o COP lhe atribui (o critério “carência” tem recebido
sempre o peso máximo). Por fim, a “nota” que cada região recebeu na classificação de cada critério é
multiplicada por esse peso do critério, obtendo-se, assim, para cada região, uma pontuação que determina o
percentual de recursos que ela receberá em cada item de investimento (Fedozzi, 1997).
Como se pode constatar, essa operacionalização é bastante complexa, envolvendo os técnicos da
Prefeitura em todos os seus momentos, sendo que estes o fazem sob a coordenação da CRC e do GAPLAN.
“É uma Coordenação porque não somos só nós, estamos junto com o Gabinete de Planejamento que, para
dentro do governo tem mais poder que nós. Existe uma relação em que se o técnico vai a uma reunião e está mal,
nós seguramos a barra e se cria uma relação de confiança. Nós defendemos as posições dos técnicos frente à
população. Se se podem afrouxar os critérios de um jeito e de outro se chega a isso. O atual diretor do
Departamento de Água enfrentou um problema estrutural na parte baixa da cidade, com muitas pressões para que
fossem feitas obras e ele a dizer que não havia dinheiro e que não se podia fazer. Tecnicamente era muito caro
mas acabou por ser feito, com busca de financiamento. Não havia como não fazer. A deficiência que tínhamos
foi sendo superada em uma relação de confiança, que acaba levando a uma situação de reconhecimento para o
técnico, muito compensadora. Se criou um espiral ascendente.
O OP, no que se refere ao envolvimento dos técnicos, pode ser visto como um fator de otimização da
administração, pelos prazos que precisam ser cumpridos, por projetos que são elaborados só na certeza de que
vão ser executados. Quando a tradição anterior era de técnicos fechados em suas salas, fazendo projetos que
tinham na cabeça, e depois brigando para que fossem implementados, ou seja, com grande desperdício de tempo,
dinheiro e disputas de poder de grupos dentro das Secretarias e do próprio Governo Municipal.”
Sobre as limitações do processo, pela sua restrição à deliberação sobre recursos de investimento:
“O debate da matriz orçamentária inclui não apenas a proposta mas também a alocação para cada órgão da
Prefeitura. Aqui entra um pouco a idéia de que quando se vota o orçamento se vota todo ele, inclusive
manutenção. Gastos com pessoal, transferências (como convênios com creches comuntárias), investimentos, e
outras coisas. As pessoas aprovam tudo isso. Simbolicamente, inclusive os gastos com pessoal. Por exemplo,
graças a que saúde, este ano, está entre as prioridades, em 3ºlugar, pela primeira vez, se pode discutir um critério
para pessoal. Não se pode fazer um posto de saúde sem contratar pessoal. Como saber quem se contrata e quanto.
A definição destes critérios vai ser deliberada pelo Conselho do OP.”
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Outro aspecto interessante é o da opção feita pelo Executivo, como já foi relatado, de opor-se à
regulamentação do OP. Fedozzi (1997, p.187-189), utilizando como referencial a legitimidade racional-legal
weberiana, critica esta posição.
“ (...) a garantia de racionalização democrática - a impessoalização do poder, como sistema de incentivos
que modifique os padrões de adesão clientelístico e/ou personalístico-plebiscitário (carismático), depende, não
somente da vigência de regras universais e impessoais no processo de mediação do fundo público, mas também
da institucionalização da participação popular no sistema político local.
Nesse sentido, torna-se problemática a posição contrária do Executivo, assim como de uma parcela do
Legislativo, em transformar em leis as regras legitimadas pelo OP, pois isso pode representar uma continuidade
da dualidade entre o nível social e o nível institucional que caracteriza o modelo patrimonialista.
Assim, a inexistência de garantias legais (universais) no sistema político do município poderá representar
a dependência do sistema do OP ou ao partido político que o implantou, ou aos governantes de ocasião. Na
prevalência de ambas as hipóteses, a experiência não seria universalizada como forma de gestão da
Administração Pública do Município - pelo menos no sistema de direitos legais, pois estaria ‘apropriada’ por
grupos políticos-partidários. No primeiro caso, qual seja, da dependência eleitoral das comunidades à
organização política que iniciou o OP, poder-se-á configurar uma espécie de clientelismo partidário de massa
(...)
Ao mesmo tempo, a situação de dependência do OP aos governantes de ocasião faz lembrar o alerta de
Schwartzman (...) quando aponta a cooptação como uma das principais características do Estado
neopatrimonialista.”
Na defesa da não regulamentação, o atual Prefeito de Porto Alegre, quando ainda na condição de VicePrefeito, afirma: “temos procurado discutir com o movimento popular a tendência sempre latente de alguns
setores sequiosos de legalizar experiências como essa”. No entanto, defende “que a força e a riqueza do OP
residem na sua ação espontânea”, e cujas “regras forjam-se na ação conjunta do movimento e da Administração
Pública (Pont, 1995, p.15). Segundo o atual candidato a Prefeito, quando no exercício do seu primeiro mandato
em 1993-1996, “se tivermos uma regulamentação que venha do Estado, integrando o OP na sua lógica, teremos,
fatalmente, uma burocratização, e os conflitos de poder, que se resolvem hoje pela política e por normas
autônomas consensuais, seguirão a lógica do direito estatal, asfixiante e subordinado à mentalidade positivista do
Judiciário” (Genro, 1995, p.13).
Ou seja, se e preserva a não regulamentação como uma vantagem para um processo que se constrói de
forma incremental, que muda de ano para ano segunda as deliberações do COP, ainda com o propósito de
ampliar a participação para outros setores da população, destacando-se a precedência da dimensão política e
processual.
Mas, afinal, até que ponto o caso do OP de Porto Alegre está resultando em uma formação políticoorganizacional na Prefeitura Municipal?
• Embora se identifiquem diversos centros de poder, a começar pelas Assembléias Regionais, passando
pelas organizações autônomas da sociedade, pelo Conselho do Orçamento Participativo, e até chegar às
instâncias internas da Prefeitura que participam da Coordenação dos procedimentos e, portanto, possa se dizer
que ocorre planejamento descentralizado com a participação de usuários e executores, deve-se refletir com mais
cuidado sobre o quanto um importante centro de poder, qual seja, o próprio Governo Executivo, está
acumulando recursos de poder e enfraquecendo outros, em especial, o Poder Legislativo. Além disto, duas
estruturas internas da Prefeitura, a Coordenadoria de Relações com a Comunidade (CRC) e o Gabinete de
Planejamento (GAPLAN), concentram muitos recursos de poder com relação ao restante do Governo Municipal,
em função de se constituírem em organizadores da opercionalização do OP e de espaços pelos quais fluem as
deliberações tomadas pelas suas instâncias para dentro dos órgãos que compõem a Administração.
• Ocorre um misto entre liderança centralizada e descentralizada, entre a orientação para o cumprimento
de normas e a flexibilização das relações entre os participantes. Ou seja, observa-se a presença de assessores ou
funcionários da Prefeitura em todos os eventos que compõem a operacionalização do OP, inclusive aqueles
organizados de forma “autônoma”, pela população, como na rodada intermediária. Além disto, é muito grande o
peso das definições técnicas sobre o que é possível e o que não é possível demandar, incluindo a distribuição de
um Manual que é elaborado pelos técnicos das diversas Secretarias, ainda que aprovado anualmente pelo
Conselho do OP, e que contem a lista de possibilidades em cada setor, disciplinando e normatizando as relações
entre os participantes. Assim, “dentro do possível”, definido pelo Executivo, existe flexibilidade.
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• Embora não exista Lei Municipal regulamentando o OP, a complexificação dos procedimentos tem
levado a uma crescente definição de papéis e normas, ainda que “auto-reguladas”, isto é, revisadas e aprovadas
anualmente pelo COP.
• A divisão do trabalho entre os técnicos da Prefeitura se mantém, embora esteja, em grande medida,
sendo reorganizada em função das tarefas a serem desempenhadas em um calendário pré-definido. Além disto,
aqueles que são designados para acompanhar as reuniões do OP tiveram que agregar às suas funções anteriores
uma atividade de caráter mais político. Sem dúvida tem havido, neste sentido, uma complexificação da tarefa.
No entanto, parece não ter havido flexibilização.
• A sistemática de definição das prioridades preserva e sedimenta, ainda mais, a setorialização,
dificultando a reorganização da Administração Municipal em termos de planejamento e ação intersetorial.
• A meta é simultaneamente a manutenção e o crescimento (ou aprofundamento) do OP e a mudança,
entendida enquanto alteração das relações sociais na cidade. O perfil dos participantes (anexo 5) indica que a
população com condições sócio-econômicas mais desfavoráveis tem se apropriado deste espaço de participação
e, através dele, obtido alguma melhoria nestas condições.
• Existem dificuldades em incorporar demandas vinculadas a alguns grupos sociais excluídos - como
moradores de rua, usuários de drogas, portadores de sofrimento mental, na medida em que o processo privilegia
aqueles com capacidade de organização e de vocalização de suas demandas. As Plenárias Temáticas não têm, na
prática, se constituindo em espaço para superar esta restrição, já que são apropriadas por profissionais do setor
(como indica o perfil dos participantes - Anexo 5). Sendo assim, um albergue para moradores de rua é demanda
de quem? A implicação desta restrição é que se reforçam as organizações de tipo mais convencional (associações
de moradores, grupos ligados às igrejas, etc...), em detrimento da incorporação das diferenças e das
particularidades.
• O controle se dá, predominantemente, pelo controle social, embora também se evidenciem ganhos de
eficiência na gestão dos recursos públicos.
• A avaliação é, predominantemente, referida às expectativas da população.
• Os procedimentos, aparentemente, rompem com a “impessoalidade” e com a “autonomização da
burocracia”, na medida em que os técnicos precisam defender seus critérios nas reuniões com a população. Além
disto, quando uma Secretaria tem um projeto que quer ver implementado os técnicos precisam comparecer às
Assembléias e disputar, convencer a população a incluí-lo entre as suas prioridades. Por outro lado, o peso da
normatização técnica sobre o que é possível demandar, como já foi referido, neutraliza em boa medida essa
ruptura, podendo se caracterizar como uma outra forma de “autonomização” e de proteção para a
“impessoalidade”.
• Os assessores e funcionários diretamente envolvidos com a Coordenação do OP manifestam um caráter
de militância e possuem uma crença, de caráter claramente ideológico, nas virtudes democratizadoras do
processo. No entanto, o mesmo não se pode dizer do conjunto de funcionários da Prefeitura. Existem dois
grandes grupos, a “burocracia militante” e a burocracia que se preserva sob a capa da neutralidade técnica e da
impessoalidade, como que esperando para ver até onde isto tudo vai e no que resultará.
• Os assessores e funcionários diretamente envolvidos com a Coordenação do OP são escolhidos,
principalmente, por seu perfil e adesão ao processo, sendo, na sua maioria, cargos de confiança do Executivo.
• As lideranças se constituem em um misto de condutor e de mobilizador/articulador.
• A motivação é, certamente, pela gratificação com o sucesso, inclusive considerando o sucesso nas
eleições como fator motivador importante.
• Existe harmonia e unidade entre assessores e funcionários envolvidos diretamente com o OP, embora
esta se deva menos ao espírito de corpo e mais à coesão ideológica, como já foi mencionado.
• O trabalho se executa, principalmente, com base nos recursos da organização.
• Os “fatores de produção”, como meios para que os procedimentos ocorram são ordenados em uma
estrutura, com pouco espaço para rearranjos no meio do processo. Mesmo as Assembléias Geraia da primeira
rodada, com grande freqüência de pessoas, são extremamente ordenadas, com número fechado de inscrições,
com tempo para a intervenções, com um roteiro cumprido à risca, com a manifestação do Prefeito ou seu
representante sendo a última.
• A localização espacial é clara, ainda que descentralizada nas regiões e microrregiões.
• O formalismo não parece ser uma característica importante do processo.
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• O OP está direcionado para grupos sociais que, de outra forma, não teriam acesso a espaços de decisão
sobre obras na cidade.
Embora incorporando alguns aspectos da formação político-organizacional, o caso do OP mostra que é
possível criar instâncias de participação da população sem que isto implique em inovações importantes nas
características internas de organização da Administração Pública, sendo que se verifica, pelo contrário, um
crescente disciplinamento desta participação segundo a lógica predominante de uma formação burocráticatradicional.
Considerações Finais
Destaque-se que, no caso de Belo Horizonte, o foco de análise escolhido foi a organização da rede
substitutiva, e não o nível central da Secretaria Municipal de Saúde. Pelo que se conhece da experiência, aquele
nível de gestão ainda se caracteriza, predominantemente, como uma formação burocrática-tradiconal. Esta
escolha se deveu à percepção de que, no que se refere ao Projeto de Saúde Mental, este nível sofre tantas
pressões dos Trabalhadores de Saúde Mental, dos Usuários e dos Parceiros na Rede, que acaba por aceitar as
definições dos mesmos. Em determinados momentos, como quando houve tentativas da Secretaria em assumir
um controle formal, pela supervisão e pela conformidade com regras, as reações foram tão importantes que
houve recuos. Um destes momentos foi o de substituição da liderança do movimento que ocupava a
Coordenação da Política de Saúde Mental, sendo que a mobilização dos envolvidos com o Projeto desestabilizou
a nova Coordenação e terminou por levar a um período em que esta função ficou vaga. Ou seja, definiu
claramente, para a formação burocrática-tradicional que é a Secretaria Municipal de Saúde, que o poder sobre o
Projeto se encontra efetivamente difundido entre os participantes da rede.
Outro motivo para esta escolha foi a possibilidade de analisar dois casos que, embora com características e
objetivos essencialmente distintos, estão no nível da interação direta com a população.
Ambos os casos representam experiências reconhecidas de ampliação da participação da população em
processos de decisão e de ampliação de direitos sociais - um deles inova ao desenvolver uma política inclusiva e
democratizadora que rompe com padrões de relações sociais pautadas pelo preconceito, estigmatização e
exclusão (inclusive física); o outro inova ao desenvolver uma política inclusiva e democratizadora que rompe
com padrões de relações sociais pautadas pelo clientelismo e patrimonialismo na definição do gasto público.
Ambos incorporam a dimensão da cidadania ativa na gestão pública, valorizando as responsabilidades dos
sujeitos com a comunidade em que vivem.
Portanto, nos termos do referencial utilizado neste estudo e considerando as relações do Governo
Municipal com os membros da sua comunidade, ambos os casos constituem-se em práticas inovadoras da
Administração Pública, que vêem os cidadãos como membros plenos da sociedade, que têm acesso a direitos e
os exercem; incluem o controle social sobre a gestão, através de espaços de debate amplo e informado;
estabelecem pontes entre o Estado e a sociedade civil.
No entanto, no caso da rede substitutiva de serviços de atenção à saúde mental de Belo Horizonte, as
relações entre cidadania ativa e administração municipal estão configurando uma perfil inovador no nível intraorganizacional. Já no caso do OP de Porto Alegre esta não é a tendência predominante.
Como foi descrito, uma importante diferença entre os dois casos está na sua origem.
O caso de Belo Horizonte se origina em um movimento social que ocupa o espaço público enquanto
estratégia de construção de um projeto que envolve mudanças na sociedade, e não apenas na gestão pública. Este
movimento social apresenta, simultaneamente, as três formas de reação mencionadas por Scherer-Warren
(1999): a denúncia e a explicitação de conflitos; a construção de uma utopia transformadora, com a criação de
projetos alternativos; a cooperação e as parcerias para a resolução de problemas sociais. Preserva, transpondo-as
para dentro da Administração Pública, as três dimensões - contestadora, propositiva e solidarística.
O caso de Porto Alegre se origina no seio do Governo Municipal como uma iniciativa que, nos seus
primeiros momentos, parece ter sido uma forma de construir a viabilidade do próprio governo em um contexto
político, social e econômico muito adverso. Desde o seu início apresenta as características de um processo do
tipo incremental disjunto, em que o tomador de decisão aprende com a experiência e inclui o ajuste político,
escolhendo simultaneamente meios e fins (Braybrooke e Lindblom, 1972).
Daí decorre uma outra diferença. Em Belo Horizonte o Projeto se inscreve na construção de uma imagemobjetivo de longo prazo. Já, em Porto Alegre, uma estratégia para viabilizar a participação popular no
planejamento substitui o planejamento estratégico de governo, com riscos para a governabilidade no médio e
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longo prazo. Ou seja, em Porto Alegre, Planos de Investimentos Anuais, com origem em demandas imediatistas
e fragmentadas dos setores que participam do processo dão, na prática, a direção do Governo e da cidade em
construção.
Destas diferenças fundadores podem derivar as diferenças na configuração resultante. Assim, o Projeto de
Saúde Mental está instituindo serviços públicos com intensa articulação com os membros da rede que dá suporte
à luta antimanicomial - tanto aqueles que se vinculam diretamente ao movimento, como aqueles que vêm sendo
conquistados ao longo do caminho - e configurando uma formação político-organizacional que pode se constituir
em importante referência para práticas inovadoras na gestão pública. Já o Orçamento Participativo tem
percorrido o caminho inverso, submetendo, em grande medida, à lógica da formação burocrática-tradicional
práticas inovadoras que podem estar ocorrendo na organização dos movimentos sociais.
Nesse sentido, o OP “disciplina” as disputas de interesse entre grupos da sociedade, utilizando formas
“objetivas” - como a pontuação através de critérios quantificáveis. Ao mesmo tempo, as instâncias do OP se
legitimam como os únicos canais para reinvindicações sociais sobre equipamentos urbanos e políticas sociais.
Desta forma, a dimensão contestadora dos movimentos sociais (Castells, 1972 e 1978) se esvazia. Além disto, o
princípio da autonomia das organizações da população fica seriamente comprometido.
Apesar destas limitações, um aspecto interessante no caso de Porto Alegre é que o OP propicia espaços de
difusão de informações sobre a Administração e de como esta se estrutura, que leis e regras segue (como nos
processos de licitação, p. ex.), levando a níveis crescentes de apropriação da “coisa pública” pela população.
Pode ser que, desta forma, estejam se criando condições para reverter a predominância da lógica da formação
burocrática-tradicional, com a possibilidade de um controle crescente da população sobre a Administração
Pública, bem como para “novas pautas de interação social que assegurem a resolução efetiva de problemas de
ação coletiva, junto com condições para a deliberação pública, de modo que favoreçam a cooperação e a
solidariedade” (Grau, 1997, p.255).
Outro aspecto interessante deste caso é que, ao abrir canais de comunicação entre a Administração e a
população, provocou um esvaziamento do papel desempenhado por vereadores como “agenciadores de clientela”
junto ao Poder Público. Tal resultado acabou por originar um certo “clima de confronto” entre grande parte dos
vereadores e setores do movimento comunitário (Laranjeira, 1996). Em grande medida, parece haver uma
sobreposição entre as atribuições do Conselho do OP e da Câmara de Vereadores que ainda está por ser
resolvida. Uma tendência parece ser a mudança no perfil dos vereadores que, nas últimas eleições, deixam de ter
uma base regional e passam a representar grupos de interesse (mulheres, negros, religiões, etc.) ou a incluir
personalidades (radialistas ou dirigentes de clubes de futebol, p. ex.). Esta também é outra evolução interessante,
podendo significar uma maior “politização” deste importante espaço de articulação e disputa de interesses.
Acreditamos que a análise destes casos, utilizando o referencial da cidadania ativa e da formação políticaorganizacional, levanta questões interessantes que merecem estudos posteriores. Talvez a mais importante seja a
constatação de que não existe uma relação direta e automática entre inovação nas relações entre Administração
Pública e população e inovação no interior das estruturas e práticas de governo.
Embora se reconheça a importância da primeira, não é possível prescindir da segunda, já que a
persistência de padrões da formação burocrática-tradicional impõem limites aos avanços da democratização e das
próprias políticas sociais inclusivas, que dependem de práticas inovadoras dentro da Administração Pública,
como a intersetorialidade e a flexibilidade, por exemplo, para terem sucesso.
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ANEXO 1
Organograma do Orçamento Participativo
Assembléias
Regionais
(Rodadas)
Prefeito
Municipal
Secretarias
GAPLAN
CRC
COP
16 Fóruns
de
Delegados
Conselhos Populares
Organizações Comunitárias
ASSEPLAS
CROP
Moradores da Região
CT
Organizações Profissionais
FASCOM
Plenárias
Temáticas
GAPLAN - Gabinete de Planejamento da Prefeitura
ASSEPLAS - Assessorias de Planejamento dos Órgãos de Governo
CRC - Coordenação de Relações com a Comunidade
CROP - Coordenadores Regionais do Orçamento Participativo
Fonte: CRC/PMPA
Outras Organizações da
Sociedade
CT - Coordenadores Temáticos
COP - Conselho do Orçamento Participativo
FASCOM - Fórum de Assessorias Comunitárias
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Anexo 2
Unidades e Instâncias da Prefeitura Municipal de Porto Alegre Responsáveis pelo Orçamento Participativo
Gabinete de
Planejamento
GAPLAN
Fórum das
Assessorias de
Planejamento
Coordenação de
Relações com a
Cominidade
CRC
1981
Em 1989 vincula-se
ao Gabinete do
Prefeito.
Assessores e
funcionários da
PMPA.
Fórum das
Assessorias
Comunitárias
FASCOM
1990
Data de Criação
1990 (informal)
1991 (formal)
1990 (informal)
Participantes
Assessores e
funcionários da
PMPA.
Coordenadores de
Planejamento das
Secretarias.
Atribuições
Coordena o
planejamento
estratégico.
Gerencia a execução
do Plano de
Investimentos.
Coordena a
elaboração da
proposta
orçamentária do
exercício seguinte.
Permanente
Discute os
procedimentos
técnicoadministrativos para
a elaboração do
orçamento e o
processamento das
demandas
comunitárias em
cada órgão.
Articula a relação
com a comunidade
através das
coordenações
regionais. Coordena
as reuniões da 1ª e
da 2ª rodada do OP.
Coordena as
reuniões do COP.
Discute e propõe
políticas de
participação
popular,
articulando tanto
quanto possível o
trabalho das
diversas
Secretarias.
Reuniões
esporádicas
Indicação das
Secretarias
Municipais
Permanente
Indicação do
Prefeito Municipal
Periodicidade
Coordenação
Indicação do Prefeito
Municipal
Fonte: Fedozzi, 1997.
Coordenadores
Regionais do OP
CROP
Coordenadores
Temáticos
CT
1992
1994
Assessores
Comunitários da
CRC e das
Secretarias.
Subordinados ao
CRC.
Cada uma das 16
regiões tem um
CROP responsável,
que acompanha o
processo do OP.
Assessores
Comunitários da CRC
ou das Secretarias.
Semanal
Permanente
Permanente
Indicação das
Secretarias
Municipais
Indicação da CRC
Indicação da CRC
Assessores
Comunitários das
Secretarias.
Cada uma das cinco
temáticas tem um CT
que acompanha o
processo de discussão
nas Plenárias.
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Criação
Participantes
Mandato
Atribuições
Perioridicidade
Fonte: Fedozzi, 1997.
Anexo 3
Instâncias de Participação da População no Orçamento Participativo
Assembléias Regionais
Fórum Regional do
Conselho do Plano de
Plenárias Temáticas
Orçamento
Governo e Orçamento
1989
1991
1990
1994
Moradores da Região,
Delegados eleitos em
Representante do CRC,
Entidades de categorias
Conselhos Populares,
cada uma das 16 regiões Representante do
profissionais Entidades Comunitárias. da cidade.
GAPLAN,
sindicatos, empresários,
32 Conselheiros (com
ONGs, movimentos
32 suplentes) eleitos em étnicos, ecológicos, etc.;
cada região,
movimentos estudantis;
10 Conselheiros eleitos
moradores da cidade.
nas Plenárias Temáticas,
Representante da
UAMPA,
Representante do
SIMPA.
um ano
um ano
Recolher demandas e
Fiscalização e apoio aos Discutir proposta
Discutir e hierarquizar
priorizar conforme
representantes do COP,
orçamentária do
diretrizes e resoluções
critérios anualmente
atuação regional e
Governo e alocar
sobre políticas setoriais
rediscutidos.
municipal, fiscalização
recursos para
e obras para toda a
das ações da Prefeitura
investimentos,
cidade, para orientar a
na sua região.
articulando a
discussão no Conselho
priorização da
do Orçamento
comunidade com as
Participativo.
demandas institucionais
das Secretarias.
Duas rodadas / ano
Variável
Semanal
Variável
2
Fórum Temático do
Orçamento
1995
Delegados em cada uma
das Plenárias Temáticas.
um ano
Fiscalização e apoio aos
representantes no COP,
atuação regional e
municipal, fiscalização
das ações da Prefeitura.
Variável
XIV Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública:
Administración Pública y Ciudadanía, Caracas, 2000
Anexo 4
Atribuições e Normas de Funcionamento do Conselho do Orçamento Participativo
Atribuições
Composição
Mandato
Competência
Votações
Organização Interna
Reuniões
Reuniões dos
Conselheiros com
Delegados
Atribuições dos
Delegados
Propor, fiscalizar e deliberar sobre receita e despesa do Poder Público Municipal.
2 conselheiros titulares e 2 suplentes de cada uma das 16 regiões; 2 conselheiros titulares e 2 suplentes de cada uma
das 5 Plenárias Temáticas; 1 representante titular e 1 suplente do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre
(SIMPA), 1 representante titular e 1 suplente da União das Associações de Moradores de Porto Alegre, 1 representante
da CRC e 1 do GAPLAN.
Um ano, podendo haver apenas uma reeleição consecutiva.
Opinar e posicionar-se sobre a proposta do Governo sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias, sobre a proposta de peça
orçamentária anual a ser enviada à Câmara Municipal, sobre as obras e atividades do planejamento de Governo e
orçamento anual apresentados pelo Executivo. Acompanhar a execução orçamentária, fiscalizar o Plano de Governo,
opinando sobre alterações no planejamento de investimentos. Opinar e posicionar-se sobre a aplicação de recursos
extra-orçamentários. Decidir, com o Executivo, sobre metodologias de discussão e definição da peça orçamentária e do
Plano de Governo. Opinar sobre investimentos priorizados pelo Executivo. Solicitar documentos técnicos às
Secretarias e órgãos de governo.
Aprovação por maioria simples. Decisões são encaminhadas ao Executivo.
Uma Coordenação, uma secretaria executiva e conselheiros.
Mínimo uma por semana.
Mínimo uma por mês, para informar o processo de discussão no Conselho e colher sugestões e/ou deliberações por
escrito.
Reunir-se com os conselheiros e divulgar para a população assuntos tratados no COP. Acompanhar o Plano de
Investimento
os, da sua elaboração até a conclusão das obras. Compor as comissões que acompanharão a elaboração do Plano de
Investimentos, licitações, etc. Deliberar, em conjunto com representantes, sobre impasses na elaboração do Plano de
Investimentos. Discutir e propor sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias e sobre o Plano Plurianual e o Orçamento
Anual. Deliberar, com os conselheiros, sobre modificações no processo do OP.
Fonte: Fedozzi, 1997.
3
XIV Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública:
Administración Pública y Ciudadanía, Caracas, 2000
Anexo 5
Perfil dos Participantes do Orçamento Participativo
• 51,4% são do sexo feminino.
• 25,22% têm mais de 50 anos de idade.
• 30,22% têm renda de até dois salários mínimos.
• 58,13% têm escolaridade até o 1º grau.
• Na Plenária Temática de Educação, Cultura e Lazer, 50% têm nível superior completo ou não;
na de Saúde e Assistência Social, 42,86%.
• 21,85% são trabalhadores manuais em qualificação.
• 31,18% trabalham no setor privado, sendo que cerca de ¼ destes sem contrato formal.
• 66,89% participam em organizações da sociedade; 40,9% em associações de moradores.
• 60,54% participaram do OP em anos anteriores.
• 41,87% recebem informações sobre o OP através das Associações Moradores, 26,47% através do Governo.
O Sujeito do Orçamento Participativo
Tomando-se as concentrações percentuais preponderantes como base, o sujeito do orçamento participativo é uma
mulher casada, com mais de 34 anos, renda familiar de até 4 salários mínimos, escolaridade até 1º grau,
trabalhadores manual sem qualificação, no setor privado, com jornada semanal de trabalho entre 40 e 44 horas.
Motivada em função das demandas, ela conhece mais ou menos o funcionamento do OP, embora não saiba a
diferença entre plenárias regionais e temáticas. Acredita que a participação é que define as políticas, obras e
serviços da Prefeitura de Porto Alegre, e reconhece que sua comunidade já foi beneficiada através do OP,
confiando na representação de delegados e conselheiros, bem como nas informações e esclarecimentos prestados
pelo governo municipal.
Atuando na associação de moradores, ela participou do OP em anos anteriores, porém ainda não foi escolhida
como delegada ou conselheira.
Fonte: Centro de Assessoria e Estudos Urbanos, 1999.
XIV Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública:
Administración Pública y Ciudadanía, Caracas, 2000
Notas
1
Esta experiência de gestão foi premiada no ciclo de 1998 do Programa Gestão Pública e Cidadania - Programa FGVFundação Ford, sendo que o relatório elaborado naquele momento se encontra em Misoczky (1999), tendo servido como
importante referência para a elaboração deste item.
2
Esta experiência foi destaque no Habitat de 1996, sendo reconhecida internacionalmente, inclusive pelas Nações Unidas e
pelo Banco Mundial. No Brasil existem hoje mais de 70 experiências de influenciadas pela iniciativa de Porto Alegre, em
municípios administrados pelos mais diversos partidos políticos. A Dissertação de Mestrado de Fedozzi (1997) serviu como
importante referência para a elaboração deste item.
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