O ARTESANATO DA PALAVRA CASTRO, Cláudio de Moura. O artesanato da palavra. In: Como redigir e apresentar um trabalho científico. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011. O ARTESANATO DA PALAVRA É sempre um desafio transformar idéias em palavras coerentes, claras, elegantes e articuladas entre si. Quando um texto falha nesses aspectos, as mensagens não são corretamente transmitidas. A comunicação científica é o estágio mais refinado do processo de aperfeiçoamento da linguagem. Em contraposição, no uso cotidiano não precisamos de tantas palavras e nem o seu significado exato é importante. O ARTESANATO DA PALAVRA Na ciência um uso desleixado da linguagem facilmente obscurece os resultados importantes. Alguns filósofos e cientistas atribuíram ao uso desleixado das palavras grande parte do desacordo nas discussões filosóficas e do ruído nas comunicações. Na ciência, o menor descuido com a linguagem destrói o delicado castelo da cumulatividade dos resultados fazendo com que os resultados não sejam comparáveis. O ARTESANATO DA PALAVRA Vejamos este exemplo. Tomemos a seguinte afirmativa: “Os resultados escolares dos negros são muito mais baixos do que os dos brancos.” Falso ou verdadeiro? Se não tivermos cuidado no uso das palavras e das definições, cometemos erros que se alastram em toda a análise. Se falta clareza na pergunta, não sabemos o que querem dizer os resultados. Precisamos questionar sempre: o relato é verdadeiro, confiável e completo? Está posto de forma clara, ordenada e é fácil de ser entendido e lembrado? SEM BOA FORMA, O CONTEÚDO MORRE NA PRAIA A melhor apresentação contribui para tornar mais confiável e mais inteligível o conteúdo. Mas a boa forma não vem fácil. Pelo contrário, é o resultado de uma feroz batalha com as palavras. Na medida em que começamos a escrever, novas idéias e palavras vão surgindo para que possamos dar forma ao nosso artigo. O SOFRIMENTO DO PRIMEIRO PARÁGRAFO O início de uma redação pode ser o maior desafio de todo o texto. Depois da redação dos primeiros parágrafos, ganhase ritmo e, acima de tudo, mais autoconfiança. Geralmente não começamos a escrever o artigo a partir da introdução. É sempre ideal iniciá-lo pela discussão teórica ou pela substância da pesquisa. O SOFRIMENTO DO PRIMEIRO PARÁGRAFO Os primeiros parágrafos devem ser bem lapidados, pois estão convidando o leitor a entrar no seu mundo. Portanto, são os mais difíceis. Por outro lado, é importante começar a escrever logo, mesmo que seja para dizer bobagens que terão de ser jogadas fora mais adiante. Muitos pontos vão ficar em branco por algum tempo, pois não se deve esperar ter todos os materiais para começar a escrever. Um problema freqüente é que, antes de escrever, tentamos ter tudo pronto, todas as idéias claras e todas as anotações preparadas. Como isso é quase impossível nesta fase, posterga-se o início da redação para uma data que nunca chega. O ideal é começar colocando idéias variadas no papel. O SOFRIMENTO DO PRIMEIRO PARÁGRAFO O medo de escrever paralisa. Mas não há como deixar de escrever. Ademais, redigir é organizar as idéias. É ilusório pensar que escrevemos para colocar no papel pensamentos que já desenvolvemos. Começamos com noções obscuras sobre o que queremos dizer. Ao escrever, quase que como mágica, as idéias vão se arrumando, vão fluindo. Ou, então, começamos com idéias claras e ao redigi-las, vemos que seguiam labirintos lógicos que levam a becos sem saída. Caminhos que pareciam promissores começam a dar sinais de esterilidade. O SOFRIMENTO DO PRIMEIRO PARÁGRAFO Nossos primeiros parágrafos ou páginas costumam ser sempre confusos. Mas é preciso começar. A primeira redação dos trechos iniciais de um relatório ou capítulo apresenta-se mais confusa, menos desenvolta e, por isso mesmo, mais carente de revisão. Ao terminar o trabalho é preciso voltar ao princípio para uma revisão ou varredura das deselegâncias, incoerências e obscuridades. Cada um precisa descobrir como melhor trabalha. Primeira redação obstinada e detalhista? É importante prestar atenção pois uma revisão pode levar mais tempo do que investimos em redigir a nossa pesquisa. AS ARAPUCAS ESTILÍSTICAS É preciso evitar clichês e lugares comuns. Podem ser as palavras da moda (socorrista, empregabilidade), termos vagos que parecem rigorosos (individualismo tacanho), um jargão que dá a impressão de rigor, mas tende a ser usado fora do contexto (“fechar com chave de ouro”), ou ainda as palavras ideologicamente carregadas, exalando sentidos ambíguos e indefinidos (imperialismo, neoliberal e esquerda). É preciso também evitar as palavras vagas ou obscuras. É melhor usar termos que o leitor possa ver, tocar ou imaginar concretamente (luta de classes – greve, conflito). Finalmente, o bom artesanato da linguagem consiste em dizer o máximo, com o máximo de clareza e com o “mínimo” de palavras. AS TRANSIÇÕES SUAVES, OS LEITORES AGRADECEM Normalmente um parágrafo contém apenas uma idéia. Se a idéia é longa ou complicada, pode ser necessário usar mais de um parágrafo para apresentá-la. Parágrafos – bem como frases – longos demais assustam o leitor e tendem a ficar confusos. Quando chega na hora da próxima idéia, cria-se um novo parágrafo. Portanto, ficamos com parágrafos adjacentes, cada um apresentando uma idéia diferente. Falta alguma coisa. Falta a transição entre eles, para mostrar como se relacionam. Esta transição é valida também para os capítulos, que devem se comunicar, assim como os parágrafos. O LEITOR ENTENDEU? Na verdade nem todos os leitores entenderão o texto. Alguns por falta de familiaridade com o estilo de argumentação científica. Outros porque não querem entender o que vai contra as suas crenças. Mas cabe ao autor tentar ao máximo fechar os portões que levam às leituras equivocadas.