1
Escolhas de curso e aprovação no vestibular da UFF: diferenças por
rendimento e cor1
Anderson Paulino da Silva 2
Em resposta a uma demanda crescente por estudos sobre a presença do negro nas
universidades públicas brasileiras, a Universidade Federal Fluminense (UFF) incluiu em 2004 o
quesito “cor ou raça” no Questionário Socioeconômico e Cultural submetido aos candidatos aos
seus cursos de graduação, onde constam informações referentes a 47.656 candidatos inscritos e
3.606 aprovados. De posse destes microdados, o objetivo deste estudo foi avaliar os determinantes
das escolhas e do acesso de estudante pretos, pardos e brancos à Universidade, face à concorrência
dos cursos no vestibular.
Com vistas a ampliar a relevância estatística das análises, os 32 cursos abordados pela
pesquisa foram agregados em quatro categorias de concorrência, conforme o quadro abaixo:
Alta
Medicina
Comunicação
Direito
Biomedicina
Produção Cultural
Nutrição
Ciências Biológicas
Turismo
Média-alta
Psicologia
Ciência da Computação
Enfermagem
Administração
Odontologia
Medicina Veterinária
Arquitetura & Urbanismo
Farmácia
Média-baixa
História
Geografia
Engenharia
Engenharia Química
Ciências Contábeis
Ciências Sociais
Serviço Social
Ciências Econômicas
Baixa
Letras
Pedagogia
Arquivologia
Biblioteconomia
Química Industrial
Matemática
Química
Física
As categorias acima observadas foram organizadas com base na média da relação
candidato-vaga nos vestibulares da UFF de 2003 a 2006, dadas as diferenças de ano a ano na
concorrência. Assim, tendo que a disputa por vagas pode ser tida como um dos principais
elementos na efetivação das escolhas de curso e da aprovação no vestibular, a possibilidade de que
indivíduos racialmente distintos, submetidos a semelhantes traços de socialização façam escolhas
distintas quanto à carreira ante o grau de competição, pode oferecer alguns indícios da natureza
1
Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Caxambu- MG – Brasil, de
29 de setembro a 03 de outubro de 2008.
2
Mestre em Política Social pela Universidade Federal Fluminense.
2
subjetiva da ação ou das razões objetivas que os orientam. Por esta perspectiva buscamos também
compreender os possíveis reflexos da adscrição racial sobre a aprovação no vestibular da UFF. Ao
final discutiremos as implicações desse elemento para a formulação de políticas educacionais
orientadas para a raça, esfera em que as instituições brasileiras guardam ainda poucas e recentes
experiências.
Lembrando as condições específicas em que foram coletadas as informações que compõem
a base de dados do vestibular 2004 da UFF, importa ressaltar que os candidatos responderam
livremente as questões propostas, tendo inclusive a opção de não fazê-lo, o que é explicitamente
informado no cabeçalho do documento. E, embora algumas críticas possam ser dirigidas à forma
de abordagem de certas questões, não temos dúvidas a lançar quanto à manifestação identitária
observada nas respostas. Segundo Teixeira (2003, p. 118) as categorias de cor ou raça, mesmo não
compondo um dado prioritário no universo simbólico dos negros em ascensão, também “não
comprovam a relação entre ascensão e negação da identidade”.
1- Escolha de curso: uma discussão a partir das teorias da ação.
Argumentando sobre os efeitos das escolhas individuais para o padrão de mobilidade da
população negra brasileira, Hasenbalg e Silva (1988, p. 167) afirmam que
(...) as práticas discriminatórias, a evitação de situações discriminatórias e
a violência simbólica perpetrada contra não-brancos se reforçam
mutuamente, fazendo com que normalmente negros e mulatos regulem
suas aspirações de acordo com o que é culturalmente imposto e definido
como o ‘lugar apropriado’ para pessoas de cor.
A interferência desses fatores sobre as escolhas e o acesso de negros aos cursos de
formação universitária foi também identificada por Teixeira (1998) em investigações realizadas
junto aos alunos da UFF entre 1995 e 1998. Além das experiências de discriminação, a autora cita
o peso extraordinário das urgências econômicas, representadas de maneira muito evidente pelo
ingresso precoce no mercado de trabalho, como aspectos particulares da explicação das baixas
expectativas dos estudantes negros, culminando “em escolhas mais realistas” nas escolhas de
curso. Com inspiração na perspectiva fenomenológica de Schultz (1979), a concepção de um
projeto é tomada pela autora como um traço distintivo dos negros que ascendem às carreiras de
nível superior, sendo as características essenciais do conceito referidas à “possibilidade prática de
3
desenvolver a ação projetada, dentro do quadro imposto pela realidade”3 (apud, TEIXEIRA,
1998).
Numa outra análise das escolhas de carreira e do êxito alcançado nessas escolhas Brandão,
Silva e Marins (2005) confirmaram que os estudantes brancos não só se inscrevem
proporcionalmente mais para os cursos mais concorridos, mas alcançam percentuais de aprovação
significativamente superiores ao de pretos e pardos em todos os cursos, destacando o processo de
seleção pelo vestibular como um dos principais fatores de estruturação de um padrão de
desigualdades na Universidade.
A tabela 1 apresenta uma síntese desses resultados, seguindo a perspectiva analítica desta
pesquisa:
Tabela 1 – Percentual de inscritos, aprovados e indicador de desempenho no vestibular 2004
da UFF por grupos de cor.
ALTA
MÉDIA-ALTA
Cor ou raça
Brancos Pretos Pardos
Cor ou raça
Brancos Pretos Pardos
INSCRITOS
56
5,4 29,4 INSCRITOS
52,6
7,5 31,9
APROVADOS
69,8
2
22,6 APROVADOS
66,4
2,8 23,8
Indicador de desempenho 24,64 -62,96 -23,13 Indicador de desempenho 26,24 -62,67 -25,39
MÉDIA-BAIXA
BAIXA
Cor ou raça
Brancos Pretos Pardos
Cor ou raça
Brancos Pretos Pardos
INSCRITOS
49,2
9,4 33,8 INSCRITOS
43,2 11,6 37,9
APROVADOS
63,2
3,9 26,8 APROVADOS
53,2
6,8 32,5
Indicador de desempenho 28,46 -58,51 -20,71 Indicador de desempenho 23,15 -41,38 -14,25
Fonte: Coseac-UFF, 2004.
Na tabela 1, o indicador de desempenho revela a evolução percentual dos grupos de cor no
vestibular, partindo do princípio que, idealmente, os percentuais de aprovação deveriam ser
idênticos aos de inscrição. Esse ideal, portanto, equivaleria a um indicador igual a 0 (zero). A
variação dos sinais e dos números do indicador demonstra o sentido e a intensidade da aprovação
dos grupos de cor relativamente ao total de inscritos. O sinal positivo indica uma aprovação
superior ao percentual de inscrição; inversamente o extremo -100 representa a reprovação de todos
os inscritos.
Em linhas gerais, nota-se que candidatos os brancos obtiveram indicadores positivos em
todas as categorias, desempenho oposto ao de pretos e pardos. Estes, apesar de melhorarem seus
indicadores na medida em que se decresce na hierarquia dos cursos, ainda mantêm entre si uma
distância expressiva, de 27,63 pontos nos cursos de baixa concorrência.
3
SCHULTZ, Alfred. Fenomenologia e Relações Sociais. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.
4
Na perspectiva de Brandão, Marins e Silva, inspirada na teoria reprodutivista de Bourdieu,
o padrão de escolhas de cursos identificado entre os grupos de cor, atuante na composição de seus
estoques de inscritos, estaria calcado num “senso prático”, produto de um habitus (BOURDIEU,
1983, p.61) forjado às custas do enfrentamento de condições econômicas e sócio-culturais
diferenciadas. Dessa forma, o “senso prático” torna-se algo que “pode garantir uma adaptação
mínima ao curso provável deste mundo, por meio das antecipações razoáveis, ajustadas em largos
traços (à margem de qualquer cálculo), as possibilidades objetivas” (BOURDIEU, 1999 apud
Brandão, Silva e Marins, 2005). Porém, uma vez que as teorias da ação mantêm visões
legitimamente divergentes acerca desses fatos4, na presente pesquisa retomamos alguns dos pontos
daquela discussão, abordando outras variáveis intervenientes da escolha e do desempenho no
vestibular, como o tipo de escolarização, a herança cultural familiar e a renda.
2 – Estratificação social, cor e escolhas no vestibular.
Nas sociedades capitalistas a renda se apresenta como o traço mais evidente da posição
ocupada pelo indivíduo na hierarquia social. Na linguagem dos conceitos elaborados por Pierre
Bourdieu a renda traveste-se em capital econômico, elemento que abre o leque de possibilidades
de ação dos agentes na medida em que afasta as urgências materiais da vida cotidiana e permite
maior liberdade aos desejos. Assim, a análise das escolhas por carreira segundo a renda familiar
comprova o peso desta variável sobre a orientação das opções individuais. Para todos os grupos de
cor, a concentração nos cursos de alta concorrência se eleva em concomitância com o aumento da
renda e decresce nos cursos de baixa concorrência no mesmo sentido:
Tabela 2 – Escolha de cursos no vestibular UFF/2004 por grupos de cor, categorias de curso
e renda familiar(%)
Grupos de
Curso
cor
A
MA
Brancos
MB
B
total
4
Até 3 sm
28,0
26,0
25,2
20,8
100,0
3 a 10 sm 10 a 20 sm 20 a 30 sm
41,0
25,5
23,8
9,7
100,0
49,5
23,0
22,2
5,3
100,0
56,6
18,4
22,1
2,9
100,0
Acima de
Sem
30 sm declaração
56,6
52,7
19,8
17,9
21,8
19,9
1,8
9,5
100,0
100,0
Total
43,5
23,7
23,3
9,5
100,0
A expressão “fato” tem duplo sentido neste artigo. Na perspectiva do individualismo metodológico de Elster (1979),
o termo se refere a um “instantâneo temporal de uma torrente de eventos”, decorrente de um conjunto de ações
individuais, conscientemente planejadas e que considera as expectativas alheias, os desejos pessoais e as
oportunidades objetivas. ELSTER, J. Peças e engrenagens das ciências sociais. Rio de Janeiro: Relume Dumará,
1994.
5
Dist. por faixas de
renda (%)
A
MA
Pretos
MB
B
total
Dist. por faixas de
renda (%)
A
MA
Pardos
MB
B
total
Dist. por faixas de
renda (%)
19,2%
38,4%
22,7%
11,3%
7,0%
1,0%
100,0%
23,9
23,7
29,5
22,9
100,0
30,8
24,0
32,6
12,6
100,0
43,0
21,5
28,3
7,2
100,0
51,8
13,6
29,1
5,5
100,0
52,1
25,0
22,9
0,0
100,0
18,9
21,6
43,2
16,2
100,0
28,8
23,3
30,4
17,5
100,0
54,7%
32,3%
7,7%
3,0%
1,3%
1,1%
100,0%
25,7
24,2
28,8
21,3
100,0
38,3
24,8
25,2
11,6
100,0
51,3
21,3
22,2
5,2
100,0
53,7
17,9
24,3
4,1
100,0
57,0
16,5
23,8
2,8
100,0
37,0
26,7
26,7
9,6
100,0
37,1
23,4
26,0
13,5
100,0
37,0%
38,2%
14,8%
6,1%
3,1%
1,1%
100,0%
Fonte: Coseac-UFF, 2004.
De modo emblemático, a tabela 2 demonstra que no grupo com renda superior a 30 salários
mínimos a inscrição para os cursos de baixa concorrência foi de 2,8% entre os pardos, 1,8% entre
os brancos e não teve nenhum inscrito entre os pretos. Ainda que levemos em conta o fato de os
candidatos pretos com renda acima dos 30 salários mínimos representarem apenas 1,3 % dos
inscritos o dado é muito significativo, sobretudo porque reforçado pela comparação com os outros
grupos de cor.
Seguindo a linha traçada em cinza temos os valores modais para as distribuições por renda.
Com relação aos brancos, nota-se uma concentração linear das modas nos cursos na categoria de
alta concorrência, quase o mesmo que ocorre com os pardos, exceção àqueles com menor renda,
mais concentrados nos cursos de média-baixa concorrência. Os candidatos pretos são os que
apresentam a trajetória menos linear. Destacam-se nos cursos de média-baixa concorrência na
faixa até 3 s.m., na seguinte, apresentam 32,6% nos cursos de média baixa e 30,8% nos cursos de
alta concorrência, onde seguem até a última faixa de renda. No total, sua maior concentração está
situada na categoria dos cursos de média-baixa concorrência, no que também divergem de brancos
e pardos.
Como característica geral, pode-se dizer que as distâncias entre os grupos de cor recua à
medida que se avança na escala de rendimentos. Na faixa mais elevada (acima de 30 salários
mínimos), assim como na menor (abaixo de 3 salários mínimos), são menores as diferenças na
distribuição dos grupos de cor pelas categorias de curso, muito embora seja comum a menor
6
concentração dos pretos nos cursos de alta concorrência e a elevação dos percentuais na categoria
dos cursos de baixa concorrência quando este grupo é comparado aos brancos e pardos.
Curiosamente, veremos que este mesmo padrão de ação se repete diante das outras
variáveis. Na tabela abaixo os grupos de cor podem ser observados em três conjuntos de acordo
com o grau de instrução informado para as mães. No primeiro, temos as mães com graduação
superior ou maior escolaridade; no segundo, as que possuem apenas o ensino médio; no último,
mães com instrução de ensino fundamental ou menor escolaridade e também as que não possuem
nenhum tipo de escolarização ou que não souberam informar.
Tabela 3 – Escolha de curso de acordo com a escolaridade da Mãe e grupos de cor (%)
Ensino Superior
Cursos
Ensino Médio
Brancos Pretos Pardos Total
Curso
Brancos Pretos Pardos
Ensino Fundamental
Total
Cursos
Brancos Pretos Pardos
Total
Alta
51,8
46,0
51,5 51,5 Alta
41,9
28,7
38,6
39,8 Alta
29,1
24,5
26,2
27,1
Média-alta
22,2
20,4
20,5 21,7 Média-alta
24,8
25,1
25,0
24,9 Média-alta
21,7
21,0
21,4
21,5
Média-Baixa
24,6
32,0
25,6 25,1 Média-baixa 23,7
31,2
25,0
24,7 Média-baixa 29,9
33,0
31,8
31,2
4,5
5,9
5,5
4,8
9,6
15,0
11,3
10,6
23,7
26,4
25,4
24,9
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
Baixa
Total
Baixa
Total
Baixa
Total
cor por
escolaridade 45,30% 15,30% 26,60%
cor por grau
escolaridade 32,10% 26,50% 32,40%
cor por grau
escolaridade 21,30% 54,70% 38,50%
*
*
*
Fonte: Coseac-UFF, 2004. *Apenas respostas válidas
Para todos os grupos de cor, a presença de mães com graduação superior ou maior
escolaridade resulta em forte concentração nos cursos de alta concorrência. Candidatos brancos
(51,8%) e pardos (51,5%) com mães muito escolarizadas praticamente se igualam na categoria dos
cursos mais concorridos, enquanto pretos (46,0%) encontram-se sensivelmente abaixo.
Entre as mães com menor escolaridade (menor ou igual que o ensino fundamental) a
distribuição percentual aparece menos díspar. Ainda assim, a concentração nas duas categorias de
cursos superiores é de 50,8% entre os brancos, 45,5% entre os pretos e 47,6% para os pardos. No
quadrante em que estão situados os cursos de baixa concorrência, a diferença máxima entre os
grupos de cor é de 2,7 pontos, separando pretos (26,4%) e brancos (23,7%).
Já entre as mães com ensino médio também há uma significativa concentração de
candidatos que almejam os cursos mais concorridos, ainda que em escala bastante inferior a do
grupo com ensino superior: são 41,9% os brancos, 28,7% os pretos e 38,6% os pardos. Nas duas
categorias inferiores a distribuição torna-se menos heterogênea, embora seja sempre visível a
menor concentração dos brancos nos cursos menos concorridos, em oposição ao que se dá com os
pretos.
7
Vale ressaltar, que a preferência pela abordagem da escolaridade das mulheres não
representa a existência de diferenças relevantes na comparação com os homens. Essa informação,
articulada com a teoria, assinala a hipótese de que estudantes que descendem de pai e mãe ambos
com um mesmo nível cultural terem suas oportunidades de êxito no sistema escolar ampliadas
devido ao aumento do quantum da herança cultural (BOURDIEU, 2005, p. 42). Este dado sugere
também as possibilidades de regulação do mercado de casamentos pelo nível cultural dos agentes.
De outra forma, podemos justificar essa preferência pela possibilidade de que o capital cultural
materno possa se transmitir de forma mais eficiente quando comparado ao paterno, fato que pode
ser atribuído, talvez, a uma maior intensidade na relação (LAHIRE, 2002). Ou ainda, a
socialização da criança por via materna, sobretudo no que diz respeito à educação.
Para a análise das escolhas a partir do capital escolar tomamos por referência as diferenças
que subjazem às redes de ensino pública e privada, observando os grupos de cor isoladamente,
segundo os aspectos específicos de sua formação escolar.
Tabela 4 – Escolha de curso por grupos de a cor e tipo de escolarização (%)
Escolarização Privada
Cursos
Alta
Média-Alta
Média-Baixa
Baixa
Total
Inscritos por tipo
de escolarização*
Escolarização Pública
Brancos
Pretos
Pardos
Total
48,5
23,8
21,5
6,2
100
68,50%
36,1
23,6
27,7
12,5
100
35,60%
44,7
23,9
23,3
8,1
100
52,90%
46,7
23,8
22,4
7,1
100
Cursos
Alta
Média-Alta
Média-Baixa
Baixa
Total
Inscritos por tipo
de escolarização*
Brancos
Pretos
Pardos
26,4
18,6
22,7
25,8
25,3
24,7
29,6
34,4
31,4
18,2
21,6
21,3
100
100
100
30,90% 63,70% 46,50%
Total
23,8
25,3
31
19,9
100
Fonte: Coseac-UFF, 2004. *Apenas respostas válidas
Na tabela 4 é notável a maior disposição dos estudantes oriundos de escolas particulares na
aspiração aos cursos mais concorridos. A maior concentração desse grupo verifica-se exatamente
nos cursos situados na categoria de alta concorrência (46,7%), ao passo que os estudantes de
escolas públicas apresentam uma distribuição mais equânime, com maior concentração nos cursos
de média-baixa concorrência (31%). A comparação dos percentuais na categoria dos cursos de
menor concorrência mostra que apenas 7,1% dos estudantes com escolarização privada aspiram
aos cursos de baixa concorrência, percentual que sobe para 19,9% quando se trata do grupo com
escolarização pública.
Quando comparamos a situação dos grupos que representam os extremos de cor da análise,
brancos e pretos, notamos as maiores disparidades. Pretos (36,1%) e brancos (48,5%) com
escolarização privada apresentam uma diferença de 12,4 pontos percentuais quanto à concentração
8
nos cursos mais concorridos. Se considerarmos a existência de relevantes diferenças qualitativas
entre os segmentos das escolas privadas, parece correto supor que os pretos estejam mais
intensamente concentrados nas ramificações mais frágeis do sistema de ensino. Ou, de outro
modo, o preconceito racial de marca (NOGUEIRA, 1985) parece interferir muito mais
intensamente sobre a ação dos pretos do que de pardos, muito mais próximos dos brancos neste
caso.
As discrepâncias menos intensas ocorrem no degrau inferior, nos cursos de média-alta
concorrência. Praticamente não há diferença entre os três grupos de cor quanto à concentração
nesta categoria de curso, independente do tipo de escolarização considerada. Uma razão disto pode
ser o fato de nesta categoria estar situado o curso de enfermagem, onde candidatos pretos e pardos
detêm uma participação elevada entre os inscritos. De um modo geral, o comportamento dos
pardos com escolarização privada, com uma sensível desvantagem, acompanha de perto o
movimento do grupo dominante branco. Isto aponta também para sua inserção qualitativa na
miríade de escolas que compõem essa parcela do sistema de ensino.
A análise específica dos percentuais dos estudantes originários de escolas públicas
demonstra o fato de que os brancos com esta trajetória, muito mais que os outros grupos de cor,
inscrevem-se para os cursos mais concorridos. Já nas duas categorias de menor concorrência,
tomadas em conjunto, os pretos detêm um percentual de 56,0%, os pardos 52,7% e os brancos
47,8%. Desta vez, no entanto, os pardos encontram-se mais próximos dos pretos do que dos
brancos, mesmo sendo pouco expressivas as diferenças percentuais entre estes grupos nesta
categoria. Enquanto os brancos detêm nos cursos de baixa concorrência 18,2%, pretos e pardos
praticamente se igualam, respectivamente com 21,6% e 21,3%.
3 – Características sociais e aprovação no vestibular
Freqüentemente a estratificação de renda é tida como o fator de maior influência na
aprovação dos candidatos no vestibular. Neste aspecto, observamos que o desempenho dos
candidatos inscritos para o vestibular 2004 da UFF mostra-se correspondente à elevação da renda,
sendo o melhor resultado identificado entre os estudantes situados na faixa de 10 a 20 salários
mínimos, onde estiveram inscritos 18,7% do total dos candidatos. O pior desempenho foi o dos
candidatos situados na menor faixa de renda. Eles representam 3,8% dos inscritos, mas apenas
1,5% dos aprovados. Ou seja, mais da metade deles não conseguiu aprovação. Já a queda no
desempenho dos grupos situados nos estratos mais elevados de renda parece equivalente, na
9
perspectiva teórica de Bourdieu (2005, p.49), à compreensão de que há entre as famílias com
grande capital econômico uma tendência para menores investimentos educacionais de longo prazo,
algo típico das classes intermediárias.
Os dados também apontam para as dificuldades dos grupos afros no acesso à Universidade,
o que pode ser melhor observado quando desagregamos os dados de desempenho pelos níveis de
renda segundo os grupos de cor, como apresenta a tabela abaixo:
Figura 1 – Comparativo de desempenho no vestibular 2004 da UFF por grupos de cor e
classes de renda
brancos
pardos
pretos
geral
60,00
40,00
20,00
0,00
-20,00
-40,00
-60,00
-80,00
-100,00
Até 1 sm
De 1 a 3 sm
De 3 a 10 sm
De 10 a 20 sm
De 20 a 30 sm
Mais de 30 sm
Fonte: Coseac-UFF, 2004.
Pela figura acima, é possível observar que dentre os que possuem renda familiar de até 3
salários mínimos, o indicador de desempenho é negativo para todos os grupos de cor. Na faixa dos
3 aos 10 salários mínimos, com exceção dos pretos (-18,52), os grupos de cor alcançam valores
com sinais positivos, sendo o indicador dos pardos (1,50) bastante inferior ao dos brancos (22,48).
Entre 10 e 20 salários mínimos, os pretos alcançam indicador zero (0), faixa em que os pardos
elevaram suavemente sua taxa de aprovação (3,85) e os brancos (39,53) ampliam ainda mais sua
vantagem. Na faixa de renda dos 20 a 30 s.m, apenas os pretos obtêm um valor negativo (-66,67),
recuperando-se na faixa acima dos 30 s.m (0,00). Nesta, os brancos verificam um indicador
(18,18) pouco inferior à metade daquele obtido na faixa dos 10 a 20 s.m. Vale notar que os
candidatos pardos apresentam aprovação crescente, em paralelo à elevação de sua renda,
alcançando na faixa acima de 30 salários mínimos a menor distância com relação aos brancos.
Por analogia com a idéia manifestada por Bourdieu (2005) referente aos grupos
socioeconômicos poderíamos dizer que os pardos – grupo de cor intermediário – seriam os mais
dispostos a investir no acesso à educação superior, pois, se a condição racial é tida como fator de
10
discriminação, a aquisição do diploma de nível superior pode representar o elemento de distinção
que, para além da cor, os livraria da relação com os estereótipos do negro.
Por outro lado, devemos destacar que mesmo as aparentes semelhanças de desempenho
entre grupos de cor nas faixas inferiores têm um peso diferente para cada caso. Na faixa que vai
até 3 s.m estão inscritos 54,7% dos pretos, 37,0% dos pardos e apenas 19,2% dos brancos. Ou seja,
a eliminação nesta faixa de renda (comum a todos) tem um peso quase três vezes maior para os
pretos e duas vezes maior para os pardos quando comparados aos brancos.
A tabela a seguir apresenta a distribuição dos inscritos e aprovados pelas categorias de
curso e faixa de renda, seguido das probabilidades de sucesso.
Tabela 5 – Probabilidades de aprovação no vestibular UFF/2004 por cor, categoria de
curso e renda familiar
Grupos
Curso RENDA
de cor
Absolut
o
Prob.
Absolut
MA o
Prob.
Brancos
Absolut
MB o
Prob.
Absolut
B o
Prob.
Aprovados por faixas
de renda
Absolut
A o
Prob.
Absolut
MA o
Prob.
Pretos
Absolut
MB o
Prob.
Absolut
B o
Prob.
Aprovados por faixas
de renda
Absolut
Pardos
A o
Prob.
A
Até 1 sm
Insc
De 1 a 3 sm
Aprov Insc
Aprov
De 3 a 10
sm
Insc
Aprov
De 10 a 20 De 20 a 30
sm
sm
Insc
Aprov
Insc
Acima de
30 sm
Aprov Insc Aprov
Total
Insc
Aprov
161
3
1,90%
1173 19
1,60%
3913 174 2788 171
4,40%
6,10%
1586 93
5,90%
1084 62 10705 522
5,70%
4,90%
140
2
1,40%
1102 23
2,10%
2434 211 1293 211
8,70%
16,30%
515 129
25,00%
379 45
11,90%
5863 467
8,00%
117 13
11,10%
1084 81
7,50%
2268 328 1248 227
14,50%
18,20%
618 116
18,80%
417 62
14,90%
5752 827
14,40%
136 13
9,60%
858 97
11,30%
924 187
20,20%
300 82
27,30%
81
25
30,90%
35
7
20,00%
2334 411
17,60%
2,2%
17,1%
38,7%
22,8%
11,4%
7,8%
100,0%
78
1
1,30%
396
1
0,30%
360
6
1,70%
120
4
3,30%
57
0
0,00%
25
1
4,00%
1036 13
1,30%
86
0
0,00%
385
3
0,80%
281 13
4,60%
60
4
6,70%
15
1
6,70%
12
0
0,00%
839
21
2,50%
81
3
3,70%
504 11
2,20%
382 32
8,40%
79
8
10,10%
32
1
3,10%
11
3
27,30%
1089 56
5,10%
90
3
3,30%
364 27
7,40%
147 23
15,60%
20
5
25,00%
6
0
0,00%
0
0
-
627
58
9,30%
9,3%
45,9%
32,6%
7,8%
3,1%
1,3%
100,0%
503
27
5,40%
266 15
5,60%
5615 188
3,30%
184
2
1,10%
1267 16
1,30%
2235 77
3,40%
1160 51
4,40%
11
Absolut
184
1
MA o
Prob.
0,50%
Absolut
207
5
MB o
Prob.
2,40%
Absolut
179
6
B o
Prob.
3,40%
Aprovados por faixas
5,0%
de renda
Fonte: Coseac-UFF, 2004
1185 25
2,10%
1446 90
6,20%
482 44
9,10%
168
12
7,10%
77
6
7,80%
3542 178
5,00%
1417 75
5,30%
1471 16
1,10%
502 162
32,30%
227
66
29,10%
111 34
30,60%
3935 358
9,10%
1025 80
7,80%
677 127
18,80%
118 21
17,80%
38
11
28,90%
13
4
30,80%
2050 249
12,10%
38,5%
14,9%
6,2%
3,1%
100,0%
32,3%
Na tabela 5 os percentuais de probabilidade ajudam apenas a confirmar o vínculo da renda
e da concorrência no vestibular como fatores de aprovação. Assim, para todos os grupos de cor, as
maiores freqüências de aprovados estão na faixa acima de 10 s.m. No entanto, devemos
novamente notar a forma irregular com que os candidatos pretos convertem suas vantagens de
renda em aprovação. Pode-se dizer que suas probabilidades de aprovação nos estratos de renda
superiores se elevam muito mais em função da redução da concorrência intra-grupal do que pelo
próprio desempenho. Entretanto, uma vez que a competição se dá também com candidatos de
outros grupos de cor, a aprovação nula para determinadas categorias de curso ocorre com
regularidade. Na faixa de 20 a 30 s.m, nenhum candidato preto foi aprovado para a categoria dos
cursos de alta e baixa concorrência. O mesmo ocorreu na faixa de renda seguinte nos cursos de
média-alta concorrência.
Além disso, podemos constatar que os candidatos brancos aprovados possuem uma
mediana de renda que é superior a dos outros dois grupos de cor, ou seja, 42% dos aprovados deste
grupo são oriundos de famílias com renda superior a 10 s.m. Acima dessa faixa de renda o
percentual dos pardos é de 24,2% e o dos pretos 12,2%. Em função disso, a maioria dos estudantes
pretos aprovados ficou situada na faixa de 1 a 3 s.m. (45,9%). Brancos e pardos aprovados ficaram
majoritariamente concentrados na faixa de 3 a 10 s.m, respectivamente, 38,7% e 38,5%.
As diferenças observadas nos perfis de renda dos grupos de cor reforçam a percepção de
que lógicas diferenciadas presidem o acesso à universidade dos grupos mais sujeitos à
discriminação. Sendo este o caso típico dos estudantes pretos, podemos observar certas situações
em que as probabilidades de aprovação dos que possuem renda familiar de até 1 s.m. se equivalem
a dos candidatos com maior renda. Embora os pretos com elevada renda estejam fortemente
concentrados nos cursos mais disputados, semelhante aos outros dois grupos de cor, seu
desempenho apresenta tendência de queda em diversas categorias de curso, situação parcialmente
explicada pelos baixos estoques de candidatos pretos nos estratos mais altos e pela competição
12
com os outros grupos. Isto parece confirmar, no caso dos pretos, a ausência de uma relação direta
entre sucesso e condição de renda, sugerindo a perseguição de outros fatores na explicação do seu
acesso à universidade.
Deste modo, a tabela a seguir apresenta as probabilidades de aprovação segundo a
escolaridade da mãe abrangendo as respostas para a questão “Qual o nível de instrução do seu
pai/mãe”, dadas as opções: 1) Não freqüentou a escola 2) Fundamental Incompleto 3)
Fundamental 4) Médio 5) Superior 6) Pós-graduação e 7) Não sei informar. Para a análise os
dados foram novamente agrupados em até Fundamental (perguntas 1 a 3); Ensino Médio (4);
Superior (5 e 6); Não sei Informar (7).
Tabela 6 – Probabilidades de aprovação no vestibular 2004 da UFF por grupos de cor,
categoria de curso e escolaridade da Mãe.
Grupos
Curso
de cor
RENDA
Superior
insc
Absoluto
A
Prob.
Absoluto
MA
Prob.
Brancos
Absoluto
MB
Prob.
Absoluto
B
Prob.
Aprovados por escolaridade
da mãe
Absoluto
A
Prob
Absoluto
MA
Prob.
Pretos
Absoluto
MB
Prob.
Absoluto
B
Prob.
Aprovados por escolaridade
da mãe
Absoluto
A
Prob.
Absoluto
MA
Prob.
Pardos
Absoluto
MB
Prob.
Absoluto
B
Prob.
Aprovados por escolaridade
da mãe
Fonte: Coseac-UFF, 2004
aprov
Médio
insc
aprov
Fund.
Incompleto/se
Fundamental m instrução
insc
aprov
Insc
aprov
Não sabe
insc
aprov
Total
insc
aprov
5476 302
5,50%
2479 253
10,20%
2396 410
17,10%
499
125
25,10%
3067 121
3,90%
1969 154
7,80%
1882 275
14,60%
764 165
21,60%
628
17
2,70%
534
29
5,40%
548
66
12,00%
357
48
13,40%
742
21
2,80%
773
27
3,50%
857
74
8,60%
661
69
10,40%
100
4
4,00%
104
6
5,80%
71
4
5,60%
56
7
12,50%
10013 465
4,60%
5859 469
8,00%
5754 829
14,40%
2337 414
17,70%
50,10%
32,80%
7,30%
8,80%
1,10%
100,00%
242
7
2,90%
111
9
8,10%
151
13
8,60%
32
6
18,80%
243
1
0,40%
240
8
3,30%
299 20
6,70%
144 16
11,10%
121
2
1,70%
134
2
1,50%
159
5
3,10%
117
7
6,00%
308
1
0,30%
321
2
0,60%
447
17
3,80%
306
29
9,50%
30
0
0,00%
29
0
0,00%
37
1
2,70%
28
1
3,60%
944
11
1,20%
835
21
2,50%
1093 56
5,10%
627
59
9,40%
23,80%
30,60%
10,90%
33,30%
1,40%
100,00%
1954
85
4,40%
823
65
7,90%
905
131
14,50%
220
47
21,40%
1725 64
3,70%
1239 82
6,60%
1239 124
10,00%
560 90
16,10%
492
16
3,30%
496
12
2,40%
553
37
6,70%
373
39
10,50%
847
8
0,90%
912
20
2,20%
1146 65
5,70%
832
67
8,10%
119
1
0,80%
81
1
1,20%
105
4
3,80%
62
3
4,80%
5137 174
3,40%
3551 180
5,10%
3948 361
9,10%
2047 246
12,00%
34,10%
37,50%
10,80%
16,60%
0,90%
100,00%
13
Vale citar que comparativamente à escolaridade dos pais, um número muito menor de
candidatos aprovados declarou não saber a escolaridade da mãe, sendo o percentual total no caso
dos pretos (1,4%) cinco vezes inferior ao verificado entre os pais (7,2%). Este fato sinaliza,
provavelmente, para uma relação afetiva mais próxima com as mães. Como aponta Lahire (1997)
aspectos como a afetividade, o diálogo e o reforço moral são condicionantes efetivos do sucesso
escolar de indivíduos oriundos das camadas populares. No mesmo sentido, a escolaridade das
mães parece ter maior impacto no acesso dos pretos do que o dos pais, o que pode ser percebido
por uma aprovação duas vezes maior dos que descendem de mães (7) com nível superior em
comparação a dos pais masculinos com a mesma escolaridade (3). Em conseqüência disto, as
probabilidades de aprovação dos pretos para os cursos de alta concorrência com declaração de
escolaridade superior da mãe sobe para 2,5%. Na categoria imediatamente abaixo também são
elevadas as probabilidades de aprovação (8,1%) dos pretos inscritos.
Nas duas mesmas categorias de cursos, as probabilidades de aprovação dos pardos foram,
respectivamente de 4,4% e 7,9%. Esses mesmos números para os estudantes brancos aprovados
para os dois cursos da metade superior da tabela são de 5,5% no primeiro caso e 10,2% no
segundo.
É interessante notar que um número equivalente a apenas 3,6% dos aprovados brancos nos
cursos de alta concorrência descende de mães com ensino fundamental, número bem inferior ao
perfil geral do grupo (7,3%). Nesta mesma condição, os pardos representam-se com 9,2% (16) e os
pretos com 18,2% (2), o que reafirmaria tanto suas desvatangens de origem quanto a distância
social percorrida ate o ingresso na universidade.
O último ponto da análise aborda a aprovação relativa às influências do capital escolar,
dado que confirma o saber comum: a escolarização privada e a que provê as melhores chances de
acesso ao ensino superior.
Tabela 7 – Distribuição de inscritos e aprovados no vestibular 2004 da UFF e Indicador de
Desempenho por tipo de escolarização e grupo de cor.
Tipo de
escolarização
Brancos
Pretos
Pardos
Total (1)
Brancos
Maior Parte Maior Parte
Outros
Pública
Privada
Distribuição percentual dos inscritos por cor ou raça
15,4
35,0
2,8
3,1
0,2
4,8
2,4
0,7
0,5
0,0
14,2
16,1
2,4
2,1
0,2
34,5
53,5
5,8
5,6
0,4
Distribuição percentual dos aprovados por cor ou raça
16,7
43,2
2,3
3,0
0,3
Pública
Privada
Sem
Declaração
Total
0,1
0,0
0,0
0,1
56,6
8,5
35,0
100,0
0,1
65,5
14
Pretos
Pardos
Total (2)
2,5
10,3
29,4
Total (1 e 2)
-14,8
Fonte: Coseac-UFF, 2004
2,0
0,2
0,2
15,9
1,7
1,5
61,1
4,2
4,7
Indicador geral de desempenho
14,2
-27,6
-16,1
0,0
0,2
0,5
0,1
0,0
0,1
4,9
29,6
100,0
25,0
0,0
0,0
Pensando nas diferenças por grupos de cor, observamos que os estudantes brancos com
escolarização privada aumentam sua participação total na universidade de 35,0% no ato da
inscrição para 43,2% entre os aprovados. Entre os estudantes brancos que freqüentaram
exclusivamente escolas públicas, o aumento da participação é um tanto menor, de 15,4% para
16,7%. Os pardos com o mesmo tipo de escolarização têm uma participação entre os inscritos
equivalente a dos brancos (14,2%), no entanto, decrescem entre os aprovados para 10,3%. No caso
dos pretos oriundos de escolas públicas (4,8%), praticamente a metade não conseguiu aprovação
na UFF naquele ano. As desvantagens de pretos e pardos são menos acentuadas quando se trata
dos oriundos de escolas particulares.
No geral, 61,1% dos estudantes aprovados no vestibular da UFF em 2004 tiverem
escolarização exclusivamente privada, enquanto apenas 29,4% dos aprovados tiveram trajetória de
escolarização pública. Os números mostram também que a escola pública é o caminho mais
comumente percorrido pelos pretos que alcançam a universidade (56,9% ingressaram na UFF por
essa via e se somarmos os percentuais da terceira coluna o total eleva-se para 64,8%). No caso dos
pardos, um percentual um pouco menor (40%) teve acesso à universidade pela via da educação
pública (são mais 6,8% com os dados da terceira coluna).
Na contagem das trajetórias escolares dos diferentes grupos de cor até os cursos mais
concorridos da universidade, a identificação de uma maciça aprovação de candidatos oriundos de
escolas privadas (61,1% do total) exigiria, talvez, uma maior especificação destas escolas, o que
provavelmente revelaria uma diversidade muito aquém da esperada. Em menor escala, isto
também pode ser válido em se tratando das escolas públicas, onde alcançamos um grau de
especificação um tanto maior. Os números demonstram ainda que dos poucos pretos aprovados
para os cursos mais concorridos no Vestibular 2004 da UFF, nenhum teve como via os Colégios
Militares. No total foram cinco os aprovados que tiveram passagem por cursinhos Pré-vestibulares
Comunitários: 2 autodeclarados brancos para o curso de Psicologia e 1 para o de Odontologia; 1
autodeclarado preto para o curso de Enfermagem e 1 pardo para o de Biologia.
Um número considerável dos estudantes pardos aprovados (26) teve passagem por escolas
técnicas federais ou estaduais, corroborando estudo realizado por Queiroz (2004) sobre a
15
Universidade Federal da Bahia (UFBA) sobre o potencial de alavancagem dessas escolas. Dos
pretos, apenas 2 tiveram a mesma trajetória, tendo um ingressado para o curso de Medicina e outro
para o de Administração.
Contudo, dos aprovados para cursos mais concorridos que tiveram como via a escola
privada, observamos que 33,9% dos brancos, 39,0% dos pardos e 45,8% dos pretos obtiveram
algum tipo de bolsa para manutenção dos estudos, seja da empresa do responsável, da própria
empresa em que trabalha ou, mais freqüente, através bolsas de estudos concedidas pela escola.
Ilustrativamente, o ingresso nessas redes sociais corresponde à situação de quase a metade dos
pardos aprovados para medicina (13) e a 3/4 dos aprovados para odontologia (6).
4 – Os Significados das Escolhas e do Sucesso.
Ainda vige na maioria das políticas de ingresso ao ensino superior no Brasil um suposto de
igualdade que raramente se verifica entre os candidatos. Assim, é preciso reafirmar que é pelo
princípio de justiça vigente no sistema de seleção adotado pela Universidade Federal Fluminense
que se produzem e reproduzem as desigualdades raciais que temos observado. Ao se negar
diferenças particulares inscritas na vida dos agentes, dificulta-se também a possibilidade de acesso
de uma grande parcela da população ao ensino superior. Aliás, esse é um ponto importante a ser
considerado na análise das escolhas dos candidatos ao vestibular, com a ressalva de que uma
grande parcela destes estudantes não chega sequer a vislumbrar a possibilidade de efetuar esta
escolha, situação a qual Bourdieu e Passeron (1975, p. 164) denominaram “mortalidade escolar
diferencial”, traduzida por um processo de auto-eliminação instaurado em face dos mecanismos de
seleção estabelecidos pelo sistema de ensino.
Com efeito, supor que esta seja uma estratégia consciente dos indivíduos, como atesta o
paradigma racionalista, significaria desprezar a crítica que emana dos grupos em desvantagem
social quanto ao sistema de seleção que impede ou limita seu acesso ao ensino superior. Por esta
análise, fica patente que não é possível descartar as influências das experiências de discriminação
associadas à marca racial (NOGUEIRA, 1985) sobre o comportamento dos grupos de cor quanto
as escolhas de curso e a aprovação no vestibular. Predominam nos resultados uma hierarquia de
desvantagens relacionadas à cor que aponta para a orientação mais estética do que ética do racismo
brasileiro. Esse fato, sempre lembrado nas comparações com o racismo norte-americano, reforça o
sentido da hierarquização social brasileira em função da cor e dos traços fenotípicos individuais.
16
Desse modo, instigados por incentivos extras a disputar as carreiras de maior status e
retorno no mercado de trabalho, os candidatos brancos dispõem de um estoque diferencial que
tende a favorecer sua aprovação para os cursos mais concorridos. Em bloco, esta é uma vantagem
competitiva que restringe a pluralidade dos grupos raciais nesses cursos, com raras exceções. São
notáveis também as possibilidades dos pardos na conversão da elevação de seu status
socioeconômicos em aprovação no vestibular. Entretanto, se a melhoria das condições de vida
tende a potencializar as chances de aprovação de candidatos brancos e pardos para as carreiras de
maior prestígio, seu efeito é inverso no caso da aprovação dos candidatos pretos, situação que
remete à idéia de um peculiar ciclo de desvantagens (HASENBALG, 1979).
Diante do quadro observado, a formulação de mecanismos que possam melhorar as
condições de disputa por parte dos grupos discriminados implica também lidar com a problemática
da classificação racial, uma vez que os grupos de cor preto e pardo, agregados sob uma mesma
denominação, podem manifestar características diferentes de desempenho e probabilidades de
aprovação. Esse tema envolve questões relativas à efetividade dessa política, pois, a julgar pelos
dados do vestibular 2004 da Universidade Federal Fluminense, as vantagens dos candidatos pardos
sobre os pretos tenderia a promover a maciça aprovação dos primeiros em detrimento dos últimos.
Essa observação é tanto mais relevante quanto mais escassos forem os recursos distribuídos pelas
políticas afirmativas. Tomando por parâmetro o modelo de cotas raciais que vem sendo
majoritariamente empregado, devemos entender que, quanto menos representativo da proporção de
pretos e de pardos na sociedade for o percentual da reserva de vagas, menores tendem a ser as
chances de aprovação dos candidatos pretos em competição com os pardos e brancos.
Essa constatação esbarra na preferência e nas estratégias políticas do “movimento negro”
de denominação única para seus militantes, independente da tonalidade da pele. De outro modo, é
necessário o desenvolvimento de estudos mais detalhados sobre o significado da categoria pardos
no Brasil, que, como se sabe, apresenta muitas particularidades relacionadas tanto ao perfil social e
quanto às características regionais.Em última instância, esse dado pode sugerir a necessidade da
adoção de cotas específicas para cada grupo de cor.
BIBLIOGRAFIA
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17
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______________________ Negros na Universidade: Identidade e Trajetórias de Ascensão no Rio
de Janeiro. Rio de Janeiro:Pallas, 2003.
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Escolhas de curso e aprovação no vestibular da UFF: diferenças por