RICARDO FALCÃO DA RESPONSABILIDADE DAS AGÊNCIAS DE NOTAÇÃO DE RISCO PERANTE OS INVESTIDORES RICARDO FALCÃO 2011* * Trabalho final no âmbito do regime de avaliação do XV Curso de Pós-Graduação em Direito dos Valores Mobiliários promovido pelo Instituto dos Valores Mobiliários da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, ano lectivo 2010-2011. RICARDO FALCÃO DA RESPONSABILIDADE DAS AGÊNCIAS DE NOTAÇÃO DE RISCO PERANTE OS INVESTIDORES Ricardo Falcão* SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Origem da Notação de Risco; 3. Enquadramento legislativo; 3.1. Quadro Internacional; 3.1.1. Código de Conduta da IOSCO; 3.1.2. Regulamento (CE) n.º 1060/2009; 3.2 Quadro Nacional; 3.2.1 Normas Institucionais; 3.2.2. Normas Remissivas; 4. Condicionantes da Qualidade dos Ratings; 5. A Responsabilidade das Agências de Notação; 5.1. Responsabilidade Criminal; 5.2. Responsabilidade Contratual; 5.2.1. Considerações Preliminares; 5.2.2. Princípio da Relatividade dos Contratos; 5.2.3. O Contrato de Notação de Risco: Eficácia de Protecção de Terceiros?; 5.3. Responsabilidade Delitual; 5.4. Limitação da Responsabilidade das Agências de Notação; 6. Um Lugar Paralelo: As Sociedades de Classificação de Navios; 7. Pistas de Reflexão 1. Introdução Numa altura em que Portugal parece fustigado pela actuação das agências de rating, discute-se com grande ênfase na opinião pública nacional e estrangeira como é que umas entidades privadas estrangeiras podem condicionar, de forma tão intensa, o destino económico do nosso país. No entanto, a notação de risco não afecta só Estados. A mais das vezes, vai colidir * Advogado Associado da Albuquerque ([email protected]). & Associados – Sociedade de Advogados RL RICARDO FALCÃO com os interesses de particulares que confiam no know-how, experiência e reputação das agências de rating para fundar as suas decisões de investimentos em instrumentos financeiros. O presente trabalho procura ser um contributo para a discussão, explicando em que consiste a notação de risco, como e onde surgiu, o peso que tem no panorama nacional e internacional e, por fim, tentar perceber se e como poderão as agências de notação ser responsabilizadas pelas suas actuações lesivas de terceiros, maxime os investidores. O Código de Conduta da IOSCO define a notação de risco como «an opinion regarding the creditworthiness of an entity, a credit commitment, a debt or debt-like security or an issuer of such obligations, expressed using an established and defined ranking system. (…) credit ratings are not recommendations to purchase, sell, or hold any security». Desta definição retira-se que (i) a notação de risco poderá ter por objecto uma entidade ou emitente1 ou visar valores mobiliários2; (ii) a avaliação é efectuada através de um sistema de classificação padronizado3; e (iii) a notação de risco é uma mera opinião, não devendo entender-se como uma recomendação de investimento4. Explicado, em traços gerais, em que consiste a notação de risco, iremos agora de encontro às suas raízes. 1 A entidade ou emitente poderão ter natureza pública ou privada. Os valores mobiliários podem ser mais ou menos complexos na sua composição, daí que seja corrente a distinção entre valores mobiliários simples ou estruturados. 3 As agências de notação dividem as suas notações em duas categorias principais: investment grade e noninvestment grade. Dentro de cada uma destas categorias, são atribuídos os diferentes símbolos representativos da qualidade do risco subjacente. A Standard & Poor’s e a Fitch adoptam a mesma simbologia, abrangendo o investment grade as categorias AAA (melhor qualidade) até BBB-(próximo do non-investment grade mas ainda revelador de suficiente capacidade de honrar os compromissos) ao passo que o non-investment grade contempla as categorias BB+ (provável cumprimento mas resultado incerto) até ao D (falência). Já a Moody’s apresenta uma simbologia diferente em que o investment grade se estende da categoria Aaa (melhor qualidade) até Baa3 e o non-investment grade da categoria Ba1 até ao D. 4 O regime das recomendações de investimento consta dos art. 12.º-A a 12.º-E, 309.º-D e 389.º/3 al. e), todos do Código dos Valores Mobiliários. 2 RICARDO FALCÃO 2. Origem da Notação de Risco Os mercados de capitais, em geral, e os mercados de dívida pública e privada, em particular, subsistiram largos séculos sem o contributo da notação de risco. Os alicerces do moderno mercado de capitais surgiram na Holanda, no início do século XVII, através da fundação da Companhia das Índias Orientais (em 1602) e posterior criação, em 1609, do Banco de Amsterdão (Amsterdamsche Wisselbank)5 - o qual é historicamente conotado como o precursor dos bancos centrais6-, revolucionando o mercado financeiro nacional e internacional àquela data. Estavam, assim, reunidos os pilares essenciais de um sistema financeiro moderno: i) um forte crédito público, ii) uma moeda estável, iii) um sistema bancário, iv) um banco central e v) um mercado de capitais. A Holanda revelou-se como a maior economia do século XVII. A Inglaterra seguiu os passos da Holanda de uma forma peculiar: em 1689, o parlamento inglês convida William III de Orange, stadtholder da Holanda, para assumir a posição de rei da Inglaterra.7 O novo rei trouxe consigo financeiros holandeses experientes e, em pouco tempo, também a Inglaterra tinha os elementos essenciais de um sistema financeiro moderno8. A Inglaterra consolida-se, mais tarde, como a maior potência económica do mundo nos séculos XVIII e XIX em consequência da revolução industrial. 5 A Companhia das Índias Orientais resulta da união de grupos comerciais que, desde 1594, exerciam o comércio no Oriente de forma isolada. No seu início, tratava-se de uma associação de comerciantes e capitais com vista à exploração monopolista do comércio em certas áreas ou produtos orientais. No entanto, o impulso resultante da experiência marítima e dos apoios de banqueiros alemães e judeus ligados à burguesia holandesa, depressa converteram a Companhia das Índias Orientais num projecto nacional e na maior fonte de divisas das Províncias Unidas. No plano dos capitais, os seus accionistas eram, para além de mercadores e banqueiros, as câmaras municipais das maiores cidades do país. A sede era em Amesterdão, onde se cria, em 1609, o Banco de Amesterdão para apoiar o comércio colonial, fonte de metais preciosos. É na dinâmica financeira desta Companhia holandesa que surgirá o actual conceito de acções (aktien) por via da divisão, em 1610, do seu capital em quotas iguais e transferíveis. 6 STEPHEN QUINN e WILLIAM ROBERDS, The Big Problem of Large Bills: The Bank of Amsterdam and the Origins of Central Banking, Federal Reserve Bank of Atlanta Working Paper 16, 2005, disponível em http://www.frbatlanta.org/filelegacydocs/wp0516.pdf. 7 William III de Orange assumiu igualmente as coroas da Escócia e Irlanda. Por coincidência, William III de Orange foi também William III de Inglaterra ao passo que na Escócia ficou conhecido como William II. 8 Por exemplo, o Banco de Inglaterra foi criado em 1694. RICARDO FALCÃO Um século depois da Inglaterra, os Estados Unidos da América, imediatamente após conquistarem a sua independência, procuraram erigir num curto espaço de tempo um sistema financeiro moderno. Alexander Hamilton, o primeiro Secretário do Tesouro dos Estados Unidos da América entre 1789 e 1795, desempenhou um papel crucial nesta matéria9. No final do seu mandato, em 1795, os Estados Unidos da América apresentam i) finanças públicas sólidas, ii) uma moeda estável, iii) um sistema bancário, iv) um banco central e v) mercados de capitais e de dívida em diversas cidades. Este foi o ponto de partida de uma economia que viria a suceder à Inglaterra como maior potência económica do mundo. Durante estes três séculos, os mercados de capitais e de dívida por todo o mundo subsistiram sem o contributo da actividade de notação de risco. De facto, a primeira agência de notação de risco surgiu apenas no século XX, mais precisamente em 1909, nos Estados Unidos da América. Duas perguntas se impõem: por um lado, o que levou ao surgimento da actividade de notação de risco? Por outro, porquê nos Estados Unidos da América? O facto de os mercados terem perdurado tanto tempo sem o auxílio da notação de risco deveu-se, em grande medida, à circunstância de os mercados de dívida no período acima considerado se caracterizarem por ter por base, essencialmente, dívida de origem pública ou soberana. Assim, os investidores confiavam na vontade séria e capacidade dos entes públicos e Estados de fazerem face aos seus compromissos. No entanto, a situação dos Estados Unidos da América apresentava-se diferente. A dívida soberana, federal e estatal eram diminutas10 e a necessidade de capital durante o século XIX prendia-se com o financiamento da construção da rede ferroviária, fundamental para alargar e 9 De entre os seus méritos, merece particular destaque a fundação do First Bank of the United States, em 1791, que se caracterizava por ser um banco nacional de carácter semi-público, tendo-se revelado essencial na economia americana e na construção do sistema financeiro. 10 De facto, a título de exemplo, refira-se que, em 1836, os Estados Unidos da América liquidaram por inteiro a sua dívida soberana. RICARDO FALCÃO interligar uma economia americana em crescendo que se estendia por um vasto território de dimensões continentais. Apesar de alguma ajuda governamental, muitas das empresas do sector ferroviário eram organizadas e angariavam fundos como entidades privadas. A partir de meados do século XIX, estas empresas cresceram significativamente, reclamando uma maior necessidade de capital e alargando-se a territórios até então inabitados e subdesenvolvidos onde, evidentemente, existiam poucos bancos e investidores locais para financiar a sua actividade. A solução encontrada para o problema de financiamento das empresas do sector ferroviário foi o desenvolvimento de um importante mercado de dívida destas empresas, quer no plano interno quer internacionalmente. Não foi, portanto, um acaso que a primeira agência de notação surgiu nos Estados Unidos da América pelas mãos de John Moody, em 1909, dedicando-se à notação de risco das dívidas das empresas de caminhos-de-ferro americanas, respondendo, desta forma, à procura do público por mais e melhor informação sobre a qualidade desses instrumentos11 12. 11 RICHARD SYLLA, A Historical Primer on the Business of Credit Ratings, 2001, p. 4-10, disponível em http://www1.worldbank.org/finance/assets/images/Historical_Primer.pdf. 12 Igualmente nos Estados Unidos da América, antes do surgimento das agências de notação de risco, os investidores obtinham informação sobre os emitentes e valores mobiliários, essencialmente, através das seguintes realidades: - agências de credit reporting: enquanto o comércio se desenvolveu num plano fundamentalmente local, as transacções eram baseadas na relação de confiança entre comprador e vendedor. No entanto, com expansão do comércio pelo vasto território dos EUA, muitas das transacções passaram a efectuar-se sem que comprador e vendedor travassem conhecimento pessoal pelo que foi sentida a necessidade de criar instrumentos que atestassem a idoneidade e credibilidade das partes. Foi neste contexto que surgiu a primeira agência de credit reporting (que não se confunde com agência de notação), em 1841, criada por Lewis Tappan. Lewis Tappan era um comerciante de Nova Iorque que, no exercício da sua actividade, compilou vasta informação sobre a credibilidade dos seus clientes. Vendo nisto uma oportunidade de negócio, decidiu especializar-se na venda de informação comercial a subscritores através de uma rede de agentes por todo o país. - imprensa especializada financeira/de negócios: o negócio ferroviário apresentava-se à época como a actividade onde se concentravam as maiores empresas dos Estados Unidos da América. Em 1832, surge o primeiro jornal especializado na indústria dos caminhos-de-ferro denominado The American Railroad Journal. Este jornal tornar-se-ia numa verdadeira publicação dirigida a investidores quando Henry Poor assumiu a função de editor em 1849. O jornal passou a reunir e publicar informação sobre a propriedade dos caminhos-de-ferro, dos seus activos, receitas e encargos. Mais tarde, Henry Poor e o seu filho Henry William Poor criaram uma empresa de escopo semelhante que preparava e publicava o anuário Manual of the Railroads of the United States, cujo primeiro volume foi lançado em 1868. A empresa Poor viria a entrar no negócio da notação de risco em 1916 e depois a fundir-se com a Standard Statistics (uma RICARDO FALCÃO A consolidação da actividade de notação de risco acontece já na década de 30 quando os ratings passaram a ser incorporados pelas autoridades norte-americanas na legislação enquanto instrumento de avaliação da qualidade de determinados investimentos13. Mais tarde, já na década de 70, dois acontecimentos foram decisivos para configurar o novo paradigma das notações de risco que sobrevive, no essencial, até aos nossos dias: por um lado, as agências de rating passaram a cobrar aos emitentes e não aos investidores como vinha fazendo até à data, dando origem ao issuer pays model; por outro lado, a Securities and Exchange Comission (SEC) – regulador norteamericano para a área dos valores mobiliários - passou a reconhecer determinadas sociedades como Nationally Recognized Statistical Ratings Organizations (NRSROs), contribuindo para a formação do oligopólio entre a Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch que subsiste até hoje. 3. Enquadramento legislativo Após a breve introdução histórica sobre a origem e consolidação da notação de risco, procuraremos nesta secção escrutinar os moldes regulamentares em que actualmente se desenvolve aquela actividade e, deste modo, aferir da importância da notação de risco no plano legislativo internacional e particularmente ao abrigo da legislação nacional. outra empresa de notação) já na década de 1940, dando assim origem a uma das mais importante agências de notação ainda em actividade - a Standard & Poor’s. - bancos de investimento: os bancos de investimento funcionavam como intermediários financeiros que adquiriam e distribuíam os valores mobiliários das empresas ferroviárias, colocando a sua própria reputação em jogo a cada negócio. Por este motivo, os bancos de investimento exerciam pressão junto dos emitentes no sentido de prestarem toda a informação relevante concernente à actividade, de forma contínua, informação esta que era utilizada pelos bancos para atestar a qualidade dos investimentos. (Cfr. RICHARD SYLLA, A Historical Primer on the Business of Credit Ratings, 2001, p. 7-10) 13 TIMOTHY J. SINCLAIR, The New Masters of Capital, 2008, p. 26, e RICHARD SYLLA, A Historical Primer on the Business of Credit Ratings, 2001, p. 23. RICARDO FALCÃO 3.1. Quadro Internacional A actividade da notação de risco dificilmente se circunscreve a um âmbito puramente nacional. De facto, estamos num estádio da nossa evolução em que os mercados são globais, onde as fronteiras são cada vez mais ténues, e em que as operações se fazem em fracções de segundo e, muitas delas, já sem intervenção humana. A informação, essencial à tomada de decisão de contratar, espalha-se a uma velocidade vertiginosa pelo que uma qualquer notação de risco, independentemente da sua origem, tem impacto quase instantâneo nas operações do mercado de valores mobiliários. Sendo a notação de risco um assunto de dimensão global, os problemas inerentes a esta actividade reclamam soluções a uma escala supranacional de modo a superar as dificuldades colocadas pela diversidade de tratamento das mesmas situações pelos diferentes ordenamentos jurídicos. Neste contexto merecem particular destaque dois diplomas: o Código de Conduta da IOSCO e o Regulamento (CE) n.º 1060/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Setembro de 2009. 3.1.1. Código de Conduta da IOSCO O Código de Conduta da International Organization of Securities Commissions (IOSCO) data de Dezembro de 200414 e resultou do reconhecimento do papel importante das agências de notação de risco nos modernos mercados de capitais. Este Código de Conduta veio concretizar uma publicação anterior do Comité Técnico da IOSCO (Statement of Principles Regarding the Activities of Credit Rating Agencies) onde se previam princípios orientadores da actividade das agências de notação de risco, datada de Setembro de 2003, e resulta de uma discussão alargada que contemplou membros da IOSCO, agência de notação de risco, representantes do Comité de 14 O Código de Conduta na sua versão originária (Dezembro de 2004) está disponível em www.iosco.org/library/pubdocs/pdf/IOSCOPD180.pdf. RICARDO FALCÃO Basileia sobre Supervisão Bancária, Associação Internacional de Supervisores de Seguros, emitentes de valores mobiliários e o público em geral. O Código de Conduta tem como objectivo principal a protecção do investidor através da salvaguarda da integridade do processo de notação. No entanto, este Código de Conduta não é vinculativo per se, servindo tão-só de orientação para os códigos de conduta a adoptar pelas agências de notação, devendo estas i) divulgar como cada umas das disposições do Código de Conduta são transpostas para os seus próprios códigos de conduta; ii) explicar se e como as disposições neles constantes se desviam dos princípios do Código de Conduta; e iii) esclarecer as situações em que, apesar do desvio, os objectivos do Código de Conduta são preservados. Estruturalmente, o Código de Conduta divide-se em três secções principais: Qualidade e Integridade do Processo de Notação (The Quality and Integrity of the Rating Process), Independência das Agências de Rating e Prevenção de Conflitos de Interesses (CRA Independence and the Avoidance of Conflicts of Interest), e Responsabilidades das Agências de Rating perante Investidores e Emitentes (CRA Responsibilities to the Investing Public and Issuers)15. Na sequência da recente crise financeira mundial, o Código de Conduta da IOSCO foi objecto de revisão em Maio de 200816 nomeadamente para dar resposta aos problemas suscitados pela avaliação dos produtos financeiros complexos. De entre as principais alterações destacamos i) a proibição dos analistas participarem no desenho de produtos financeiros estruturados sobre os quais a agência faça notação de risco; ii) necessidade de adopção de medidas razoáveis por parte da agência de notação que garantam que a informação utilizada tem qualidade suficiente para suportar um rating credível e, caso o rating incida sobre produtos com um historial limitado, a agência deve fazer menção a esse facto em lugar destacado; iii) o dever de tomar medidas para desencorajar o «rating shopping» e divulgar nas notas de rating se o emitente dos produtos financeiros estruturados objecto de notação tornou pública toda a 15 Neste contexto do Código de Conduta, a expressão “responsabilidades” surge no sentido de obrigações/deveres e não enquanto incumbência de ressarcir os prejuízos causados a emitentes ou investidores. 16 A versão modificada do Código de Conduta da IOSCO (Maio de 2008) encontra-se disponível em: http://www.iosco.org/library/pubdocs/pdf/IOSCOPD270.pdf. RICARDO FALCÃO informação relevante sobre os mesmos; iv) a obrigação de divulgar se o emitente, subscritor ou qualquer outro cliente relacionado com os produtos analisados são responsáveis por 10% ou mais das receitas da agência; v) a necessidade de rever periodicamente a política e as práticas de remuneração dos analistas da agência de notação para assegurar que estas não comprometem a objectividade do processo de rating; vi) o dever de publicar informação histórica verificável e quantificável sobre a performance dos ratings da agência de notação de forma a possibilitar aos investidores efectuar comparações entre as várias agências de rating; vii) necessidade de diferenciar o rating de produtos estruturados do de outros produtos financeiros, preferencialmente mediante a adopção de símbolos de notação de risco diferentes; e viii) dever de indicar os atributos e limitações de cada opinião de rating e em que medida a informação fornecida pelo emitente dos produtos financeiros foi verificada. 3.1.2. Regulamento (CE) n.º 1060/2009 Dada a necessidade de regulação da actividade de notação de risco ao nível da União Europeia e uma vez que o mecanismo de auto-regulação empreendido pelo Código de Conduta da IOSCO se demonstrou manifestamente insuficiente no contexto da crise mundial de 2008, o Parlamento Europeu e o Conselho aprovaram, a 16 de Setembro de 2009, o Regulamento (CE) n.º 1060/2009 que visa introduzir uma abordagem regulamentar comum a toda a União Europeia destinada a reforçar a «integridade, a transparência, a responsabilidade, a boa governação e a fiabilidade das actividades das agências de notação de risco», de modo a contribuir para a qualidade das notações de risco emitidas em território europeu e, assim, auxiliar o funcionamento eficiente do mercado interno, garantindo um elevado nível de protecção dos consumidores e dos investidores. Para tal, o Regulamento (CE) n.º 1060/2009 define as condições de emissão de notações de risco bem como as regras aplicáveis à organização e conduta das agências de notação de risco com vista a promover a sua independência e evitar conflitos de interesses. RICARDO FALCÃO Este Regulamento apenas se aplica às notações de risco emitidas por agências de rating registadas na União Europeia o que, à primeira vista, desde logo suscita o problema das duas maiores agências de notação de risco mundiais estarem sediadas nos Estados Unidos da América – Standard & Poor’s e Moody’s. A eventualidade do Regulamento não se aplicar a estas agências retirar-lhe-ia muita da sua eficácia pois o mercado mundial da notação de risco caracteriza-se por ser um oligopólio entre a Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch. Para obviar a esta situação, o Regulamento faz depender a utilização das notações de risco para fins regulamentares na União Europeia da concretização do registo. Este mesmo princípio aplica-se às agências de notação sediadas fora do território da União, as quais, para serem reconhecidas como instituições externas de avaliação de crédito (ECAI) nos termos da parte 2 do anexo VI da Directiva 2006/48/CE e beneficiar do «passaporte comunitário», devem igualmente requerer o registo nos termos do Regulamento (art. 2.º/3 do Regulamento). Além disso, o Regulamento permite a utilização de notações de risco emitidas em países terceiros para fins regulamentares na União Europeia, desde que tais notações sejam validadas por uma agência de notação de risco registada na União Europeia e satisfaçam os requisitos previstos no art. 4.º/3 do Regulamento. Ao validarem notações de risco emitidas num país terceiro, as agências de notação de risco deverão apurar e verificar, a título permanente, se as actividades de notação de risco que resultaram na emissão dessas notações obedecem a requisitos de emissão de notações de risco tão estritos como os previstos no Regulamento, atingindo o mesmo objectivo e os mesmos efeitos práticos (cfr. Considerando 13 do Preâmbulo do Regulamento). Em suma, a utilização de qualquer notação de risco para fins regulamentares na União Europeia, independentemente da sua origem, terá necessariamente que passar pelo crivo do registo ou validação prévios nos termos do Regulamento. Sendo o mercado europeu atraente para qualquer agência de notação, todas elas, ou pelo menos as mais importantes, preferirão registar-se e sujeitar-se às normas europeias do que verem as suas notações excluídas do uso regulamentar na União Europeia. Novidade importante foi introduzida pelo Regulamento (UE) n.º 513/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio de 2011, ao estabelecer que a Autoridade Europeia dos RICARDO FALCÃO Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA) poderá aplicar sanções às agências de notação que cometam alguma das infracções elencadas no novo Anexo III ao Regulamento (CE) n.º 1060/2009, sanções estas que poderão consistir i) no cancelamento do registo da agência de notação de risco; ii) na proibição temporária de emissão de notações de risco pela agência de notação, com efeitos em toda a União, enquanto não for posto termo à infracção; iii) suspensão da utilização, para fins regulamentares, das notações de risco emitidas pela agência de notação de risco, com efeitos em toda a União, enquanto não for posto termo à infracção; iv) exigência à agência de notação de risco que ponha termo à infracção; v) emissão de comunicações públicas (art. 24.º do Regulamento). Caso se apure que as infracções foram praticadas com dolo ou negligência, o art. 36.º-A do Regulamento prevê a aplicação de multas que variam consoante a infracção cometida e da aplicação dos respectivos coeficientes de ajustamento em função das circunstâncias agravantes ou atenuantes da situação fixados no novo Anexo IV ao Regulamento. Com estas alterações, está dado um passo importante na temática da responsabilização das agências de notação ao nível da União Europeia. No entanto, o Regulamento continua omisso quanto à possível responsabilidade das agências de rating perante terceiros prejudicados por notações defeituosas. Este tema será por nós abordado adiante17. 3.2. Quadro Nacional Nesta secção faremos um périplo, necessariamente breve, pela legislação nacional concernente à notação de risco. Visamos com isto perceber a amplitude da densificação normativa desta actividade. Para maior clareza na exposição, procuraremos enquadrar as normas nas seguintes categorias: i) normas institucionais que respeitam à regulação da actividade de notação de risco as quais, por sua vez, se subdividem em normas organizacionais (normas que respeitam à organização da actividade em si) e normas comportamentais (normas que impõem condutas às agências de notação de risco no exercício da sua actividade) e ii) normas remissivas (normas que 17 Vide 5. infra. RICARDO FALCÃO incorporam a notação de risco no processo de decisão, que fazem depender da notação de risco a realização de determinadas operações ou que simplesmente remetem para a notação de risco). 3.2.1. Normas Institucionais a) Organizacionais — art. 12.º/1 do CVM: as sociedades de notação de risco estão sujeitas a registo junto da CMVM; — art. 12.º/2 do CVM: apenas as sociedades de notação de risco que estejam «dotadas dos meios humanos, materiais e financeiros necessários para assegurar a sua idoneidade, independência e competência técnica» poderão ser registadas; — Regulamento da CMVM n.º 7/2000: na sequência do art. 12.º/1 e 2 do CVM, estabelece os elementos que deverão instruir o pedido de registo junto da CMVM. — art. 359.º/1 al. f) e 2 do CVM: estabelece que as sociedades de notação de risco registadas na CMVM estão sujeitas à supervisão da CMVM. Além disso, «as pessoas ou entidades que exerçam actividades de carácter transnacional» estão sujeitas à supervisão da CMVM sempre exista conexão relevante com mercados regulamentados, sistemas de negociação multilateral, operações ou instrumentos financeiros sujeitos à lei portuguesa. — Instrução do Banco de Portugal n.º 9/2007 (alterado pela Instrução n.º 3/2011): define os requisitos a que deve respeitar o processo de reconhecimento de Agências de Notação Externa (ECAI). — 5.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 5/2007 (alterado pelo Aviso n.º 8/2010): prevê que o reconhecimento de uma agência de notação externa (ECAI) depende da certificação do Banco de Portugal de que a respectiva metodologia de avaliação cumpre os requisitos estabelecidos na Parte 3 do Anexo III deste Aviso. Caso a ECAI esteja registada como agência de notação de risco nos termos do Regulamento n.º 1060/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Setembro de 2009, relativo às agências de notação de risco, o Banco de Portugal deve considerar como cumpridos os requisitos de objectividade, independência, actualização permanente e transparência relativamente à sua metodologia de avaliação. RICARDO FALCÃO b) Comportamentais — art. 7.º/1 e 2 do CVM: impõe que a informação respeitante a «instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes» que constem de relatório de notação de risco deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita; — art. 12.º/3 do CVM: exige imparcialidade na prestação de serviços de notação de risco e impõe a obediência às classificações dominantes segundo os usos internacionais; — art. 359.º do CVM: obriga as sociedades de notação de risco a prestar à CMVM toda a colaboração solicitada. — art. 27.º do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro, e art. 3.º do Regulamento da CMVM n.º 2/2002, de 17 de Janeiro: estabelecem o conteúdo dos relatórios de notação de risco a juntar ao pedido de autorização para a constituição de fundos de titularização de crédito com recurso a subscrição pública. De entre o conteúdo exigido, merece particular destaque a necessidade de apresentação de uma declaração relativa ao grau de independência entre a sociedade de notação de risco responsável pela elaboração do relatório e a sociedade gestora do fundo de titularização de créditos objecto de análise; e a periodicidade de revisão da notação atribuída ao fundo, periodicidade esta que, desejavelmente, deverá ser inferior a um ano. — n.º 7 da Parte 3 do Anexo III do Aviso do Banco de Portugal n.º 5/2007 (alterado pelo Aviso n.º 8/2010): exige que as ECAI divulguem ao público os princípios subjacentes às metodologias utilizadas, com o objectivo de permitir que utilizadores potenciais possam verificar a respectiva fundamentação. — n.º 3 do 13.º e Anexo II do Aviso do Banco de Portugal n.º 7/2007 (alterado pelo Aviso n.º 8/2010): prevê que as notações das ECAI elegíveis para efeitos para efeitos do cálculo dos montantes das posições ponderadas pelo risco devem observar os princípios de credibilidade e transparência. 3.2.2. Normas Remissivas — art. 306.º-C/6 e 7 do CVM: a propósito da aplicação do dinheiro entregue pelos clientes a empresas de investimento, este artigo faz depender a «elevada qualidade» de um instrumento do mercado monetário da obtenção de notação de risco por uma sociedade de notação de risco competente e receber a notação de risco disponível mais RICARDO FALCÃO elevada por parte de todas as sociedades de notação de risco competentes que tenham sujeitado esse instrumento a notação. Uma sociedade de notação de risco é considerada «competente» para efeitos deste artigo se emitir notações de risco relativas a fundos do mercado monetário numa base regular e profissional ou se for uma sociedade de notação de risco elegível na acepção do n.º 1 do artigo 81.º da Directiva n.º 2006/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Junho, relativa ao acesso à actividade das instituições de crédito e ao seu exercício. — art. 4.º/1 b) do Decreto-Lei n.º 69/2004, de 25 de Março: estabelece como requisito para a emissão de papel comercial a apresentação de notação de risco da emissão ou do programa de emissão, ou notação de risco de curto prazo do emitente, as quais deverão ser atribuídas por sociedade de notação de risco registada na CMVM. — art. 17.º do Decreto-Lei n.º 69/2004, de 25 de Março, e art. 2.º do Regulamento da CMVM n.º 1/2004, de 6 de Maio: os emitentes de papel comercial devem elaborar uma nota informativa que tem por objecto a emissão ou o programa de emissão, de onde deverá constar informação sobre a notação de risco atribuída, caso exista. 18 — art. 12.º do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro : estabelece que os fundos de titularização de crédito podem, a título acessório, adquirir valores mobiliários cotados em mercado regulamentado e títulos de dívida, pública ou privada, de curto prazo, que não alterem a notação de risco que tenha sido atribuída às unidades de titularização. — art. 27.º do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro: o pedido de autorização dirigido à CMVM para a constituição de fundos de titularização de crédito com recurso a subscrição pública deverá ser instruído com um relatório elaborado por uma sociedade de notação de risco registada na CMVM. — art. 60.º do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro: prevê que a oferta pública e a oferta particular de obrigações titularizadas estão sujeitas às normas do prospecto constantes do Título III do CVM, devendo o pedido de aprovação do prospecto de oferta pública de distribuição de obrigações titularizadas ser instruído com relatório de notação de risco. — art. 12.º do Regulamento da CMVM n.º 12/2002, de 18 de Julho: obriga as sociedades de titularização de créditos a enviar à CMVM, imediatamente após a sua recepção, cópia dos relatórios de sociedades de notação de risco, caso existam, bem como de sucessivas alterações que se verifiquem. 18 Para melhor compreensão do fenómeno da titularização de activos, vide JOÃO FILIPE MONTEIRO PINTO e MANUEL OLIVEIRA MARQUES, Movimento de Titularização de Activos em Portugal, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 26, Abril de 2007, onde, entre outras informações relevantes, se conclui que «para a generalidade dos processos de titularização, são pedidas notações de risco de crédito para as várias classes de títulos emitidos a uma ou mais agências internacionalmente reconhecidas». RICARDO FALCÃO — art. 11.º al. c) do Decreto-Lei n.º 60/2002, de 20 de Março: veda às sociedades gestoras de fundos de investimento imobiliário a aquisição, por conta própria, de outros valores mobiliários de qualquer natureza, com excepção dos de dívida pública, de títulos de participação e de obrigações admitidas à negociação em mercado regulamentado que tenham sido objecto de notação, correspondente pelo menos à notação A ou equivalente, por uma empresa de rating registada na CMVM ou internacionalmente reconhecida. — art. 34.º/6 al. d) do Decreto-Lei n.º 252/2003, de 17 de Outubro: estabelece que a entidade gestora do organismo de investimento colectivo, que não seja instituição de crédito, apenas poderá adquirir, por conta própria, dívida pública e obrigações admitidas à negociação em mercado regulamentado que tenham sido objecto de notação correspondente pelo menos a A ou equivalente por uma sociedade de notação de risco registada na CMVM ou internacionalmente reconhecida. — art. 45.º/5 al. c) do Decreto-Lei n.º 252/2003, de 17 de Outubro: estipula a atribuição de, pelo menos, uma notação de risco como um dos critérios para determinar se uma emissão ou emitente é objecto de regulamentação para efeitos de protecção dos investidores ou da poupança, assegurando uma supervisão prudencial pelo menos tão rigorosa como as previstas pelo direito comunitário. — art. 46.º/8 al. a) do Decreto-Lei n.º 252/2003, de 17 de Outubro: define como «valores mobiliários com incorporação de um derivado» aqueles instrumentos financeiros que, cumpridos determinados critérios, contenham um activo subjacente variável em função de uma notação de risco de crédito. — Anexo n.º 1 e n.º 2 do Regulamento da CMVM n.º 16/2002, de 21 de Novembro: estabelece que o prospecto relativo a ofertas públicas ou admissão à negociação de valores mobiliários condicionados por eventos de crédito deverá incluir a indicação da existência ou não de rating por uma sociedade de notação de risco registada na CMVM relativa aos valores mobiliários ou activos e, caso a notação tenha sido atribuída, identificação da sociedade de notação de risco, da notação atribuída e do significado sintético da mesma, bem como, se for o caso, indicação de potenciais factores de conflitos de interesses (existência de participação do emitente no capital da sociedade de notação de risco ou de participação desta no capital do emitente ou do facto de qualquer titular dos órgãos sociais ou accionista do emitente participar no capital ou ser membro dos órgãos sociais da sociedade de notação de risco). — art. 17.º do Decreto-Lei n.º 59/2006, de 20 de Março: estipula que os depósitos à ordem ou a prazo constituídos junto de instituições de crédito com notação de risco igual ou superior a «A-» ou equivalente podem servir de garantia às obrigações hipotecárias. RICARDO FALCÃO — art. 18.º do Decreto-Lei n.º 59/2006, de 20 de Março: estabelece que as instituições de crédito hipotecário podem contratar linhas de crédito irrevogáveis para enfrentar necessidades temporárias de liquidez apenas com instituições de crédito com notação de risco igual ou superior a «A-», ou equivalente. — art. 20.º do Decreto-Lei n.º 59/2006, de 20 de Março: no âmbito das obrigações hipotecárias, prevê que podem ser realizadas operações sobre instrumentos financeiros derivados, exclusivamente para efeitos de cobertura de riscos, desde que tenham por contraparte instituições de crédito com notação de risco igual ou superior a «A-» ou equivalente. — art. 3.º e 4.º do Regulamento da CMVM n.º 5/2008, de 2 de Outubro: exige que os emitentes de valores mobiliários previstos no n.º 1 do artigo 244.º do CVM divulguem a atribuição de notação de risco ao emitente ou aos valores mobiliários e quaisquer subsequentes alterações. — 1.1. do Anexo III ao Aviso do Banco de Portugal n.º 8/2007: considera as posições longas e curtas em activos aos quais possa ser atribuída uma notação por uma ECAI reconhecida correspondente a um grau da qualidade do crédito igual ou superior a 3 como instrumentos elegíveis para fundos próprios de cobertura dos riscos de mercado. — n.º 34 da Parte 3 do Anexo I ao Aviso do Banco de Portugal n.º 9/2007: impõe que o prestador de serviços de seguro e resseguro, autorizado a prestar esses serviços, deve possuir uma avaliação de crédito em função da respectiva capacidade de liquidação de sinistros, concedida por agência de notação externa (ECAI) reconhecida, igual ou superior ao grau 3 da qualidade de crédito. — Aviso do Banco de Portugal n.º 10/2007 e art. 8.º do Decreto-Lei n.º 104/2007, de 3 de Abril: Para o cálculo dos montantes dos requisitos de fundos próprios para cobertura do risco de crédito e do risco de redução dos montantes a receber as instituições de crédito podem aplicar o método padrão, ou o método das notações internas («método IRB»), os quais foram desenvolvidos pelo Aviso do Banco de Portugal e onde as agências de notação externa (ECAI) assumem papel de relevo. — Instrução do Banco de Portugal n.º 1/99: define os parâmetros de referência do Eurosistema relativamente aos requisitos mínimos para os elevados padrões de crédito no âmbito do Mercado de Operações de Intervenção (MOI), onde as notações da Fitch, da Standard & Poor’s, e da Moody’s são expressamente incorporadas no diploma. Como se pode constatar desta análise, ainda que a actividade de notação de risco não esteja densamente regulada num plano nacional, a verdade é que a nossa legislação contém um RICARDO FALCÃO vasto conjunto de normas que fazem apelo à notação de risco, criando desta forma dependência em relação à actuação das agências de rating na medida em que a realização de determinadas operações ou o acesso a um conjunto mais alargado de investidores está condicionado pela notação de risco atribuída. Na prática, e salvo algum exagero, o legislador coloca nas mãos das agências de notação os destinos dos mercados e, por conseguinte, de empresas, Estados e investidores. 4. Condicionantes da Qualidade dos Ratings A notação de risco, conforme referido acima, não é mais do que uma opinião sobre a qualidade de um emitente ou determinada categoria de valores mobiliários, opinião esta baseada na análise de diversos elementos informativos, alguns deles de complexidade assinalável. Para além da dificuldade inerente à própria natureza da actividade, as agências de notação de risco estão rodeadas de variadíssimos circunstancialismos que podem colocar em causa a qualidade do rating. Nesta secção iremos analisar, de forma sucinta, aqueles que julgamos ser os factores que poderão influir negativamente na notação de risco, nomeadamente em sede de conflitos de interesses. a) Comissões Contrariamente ao que sucedia nos primórdios da notação de risco, onde eram os investidores interessados na obtenção de informação adicional sobre uma determinada entidade ou valor mobiliário a pagar pela notação de risco, desde a década de 70 do século XX as agências de notação passaram a cobrar o serviço aos próprios emitentes (issuer pays model). Este novo paradigma surgiu como resposta à evolução dos meios de comunicação que possibilitavam que a notação prestada a um potencial investidor rapidamente se tornasse do domínio público sem que a agência de notação recolhesse benefícios. Além disso, os instrumentos classificados apresentavam-se cada vez mais complexos e a reclamar a participação do emitente para um rating RICARDO FALCÃO de qualidade. Como consequência desta nova lógica, estreitaram-se as ligações entre os emitentes e as agências de notação a tal ponto de poderem ser potenciais fontes de conflitos de interesses. Como exemplos clássicos destas situações apontam-se: i) o elevado peso que um determinado emitente tem no cômputo geral das receitas da agência de notação19, o qual pode motivar que esta resolva o conflito de interesses em favor do emitente de forma a não colocar em risco as futuras relações contratuais entre as partes. Vendo do prisma do emitente, este poderá encontrar nas comissões que paga às agências de notação uma forma de exercer pressão e obter ratings mais favoráveis; ii) a intervenção directa dos analistas na negociação das comissões e eventual variabilidade das suas remunerações em função das comissões recebidas, o que poderia levar um analista a «negligenciar o rigor do trabalho a realizar face à 19 A propósito desta situação, o Código de Conduta da IOSCO (após a revisão de Maio de 2008) prevê no ponto 2.8 da secção B. (CRA Procedures and Policies) que as agências de notação de risco deverão divulgar a natureza geral das remunerações fixadas com as entidades objecto de notação («A CRA should disclose the general nature of its compensation arrangements with rated entities»), além de estabelecer que as agências de notação devem divulgar as entidades que representam 10% ou mais da sua receita anual («A CRA should disclose if it receives 10 percent or more of its anual revenue from a single issuer, originator, arranger, client or subscriber (including any affiliates of that issuer, originator, arranger, client or subscriber)»). Na mesma linha, o Regulamento (CE) n.º 1060/2009, na redacção dada pelo Regulamento (UE) n.º 513/2011, ainda se revela mais rigoroso ao estipular no n.º 2 da Secção B do Anexo 1 que «as agências de notação de risco devem divulgar publicamente os nomes das entidades objecto de notação ou dos terceiros com elas relacionados dos quais recebam mais de 5 % das suas receitas anuais», cuja violação implica uma multa entre 150.000 e 300.000 Euros para a agência de notação (al. g) do n.º 2 do art. 36.º-A do Regulamento). Além disso, a Secção E do Anexo 1 prevê que as agências de notação divulguem anualmente à ESMA, até 31 de Março, «uma lista dos 20 maiores clientes da agência de notação de risco em termos de receitas geradas» e «uma lista dos clientes da agência de notação de risco cuja contribuição para a taxa de crescimento das receitas da agência geradas durante o exercício financeiro anterior tenha excedido em mais de 50 % a taxa de crescimento das receitas totais da agência durante o exercício em causa. Esses clientes só podem ser incluídos na referida lista caso representem mais de 0,25% das receitas totais da agência de notação de risco a nível mundial». Ademais, à semelhança do disposto no Código de Conduta da IOSCO, as agências de notação deverão divulgar «a natureza geral da sua política de remunerações» (parte I Secção E do Anexo 1) estabelecendo-se, igualmente, uma multa entre 150.000 e 300.000 Euros para as agências de notação que não divulgarem integralmente ou não actualizarem imediatamente esta informação. RICARDO FALCÃO expectativa de poder obter benefícios»20. No fundo, estas situações podem colocar em causa a independência do analista.21 b) Notching As sociedades de notação podem fazer uso do rating para procurar reforçar a sua quota de mercado. Para tal recorrem a técnicas como o notching que «consiste em reduzir ou recusar a atribuição de notação de risco a certos valores mobiliários se a notação de outros valores mobiliários, integrados na mesma ou noutra operação, não for realizada pela sociedade de notação de risco em causa ou se for contratada outra sociedade de notação de risco a posteriori para a mesma tarefa»22. Este fenómeno tem a particularidade de não só afectar o emitente, na medida em que este se vê compelido a alargar o leque de valores mobiliários que terá que submeter à análise da agência de notação, como também atinge os outros concorrentes do mercado da notação de risco já que esta prática poderá levar à perda de negócio e consequente diminuição da quota de mercado a favor da sociedade que recorre ao notching. c) Tying As sociedades de notação de risco não estão obrigadas a dedicarem-se exclusivamente à actividade de notação de risco. Aproveitando este regime de não exclusividade, o tying consiste na 20 HUGO MOREDO SANTOS, A Notação de Risco e Conflitos de Interesses, Conflito de Interesses no Direito Societário e Financeiro, Almedina, 2010, p. 541-542. 21 Quanto a estes casos, o Código de Conduta da IOSCO estabelece na secção C. (CRA Analyst and Employee Independence) um conjunto de princípios que visam garantir a independência dos analistas, merecendo particular destaque aquele segundo o qual o analista não deve ser avaliado ou remunerado com base nas receitas geradas pelas suas avaliações («A CRA’s code of conduct should also state that a CRA analyst will not be compensated or evaluated on the basis of the amount of revenue that the CRA derives from issuers that the analyst rates or with which the analyst regularly interacts») e os analistas que se envolvam na negociação da remuneração dos serviços com a entidade notada não deverão participar no processo de avaliação («A CRA should not have employees who are directly involved in the rating process initiate, or participate in, discussions regarding fees or payments with any entity they rate»). Já o art. 7.º/5 do Regulamento (CE) n.º 1060/2009, na redacção dada pelo Regulamento (UE) n.º 513/2011, estabelece que «a remuneração e a avaliação do desempenho dos analistas de notação de risco e das pessoas que aprovam as notações de risco não devem ser em função das receitas que as agências de notação de risco obtenham da sua relação com as entidades objecto de notação ou com terceiros com ela relacionados», prevendo-se a aplicação de uma multa entre 500.000 e 750.000 para as agências de notação infractoras. 22 HUGO MOREDO SANTOS, A Notação de Risco e Conflitos de Interesses, Conflito de Interesses no Direito Societário e Financeiro, Almedina, 2010, p. 544-546. RICARDO FALCÃO prática através da qual a agência de rating estimula a prestação de outros serviços às entidades que contratam a obtenção de notação de risco, sendo este facto potencialmente originador de conflitos de interesses. Na verdade, a entidade poderá sentir que através da contratação destes serviços conexos criará pressão sobre a agência de notação no sentido de atribuir uma notação de risco mais favorável. Do mesmo modo, quanto maior for a importância global dos serviços adquiridos por um determinado cliente na facturação da agência de notação, menor será a independência desta e, consequentemente, maiores serão os riscos de ocorrerem notações erróneas23. d) Relações com a sociedade alvo de notação de risco Uma agência de notação de risco poderá ter interesses na sociedade objecto de notação, seja de modo directo por deter participações em tal sociedade, seja indirectamente através dos membros dos seus órgãos sociais que poderão cumular funções em ambas as sociedades (de 23 A propósito desta temática, o ponto 2.5 da secção A. (General) do Código de Conduta da IOSCO defende que o serviço de notação de risco e os seus analistas deverão ser separados, de um ponto de vista legal e operacional, dos outros serviços prestados pela agência de notação que possam consubstanciar um conflito de interesses («A CRA should separate, operationally and legally, its credit rating business and CRA analysts from any other businesses of the CRA, including consulting businesses, that may present a conflict of interest. A CRA should ensure that ancillary business operations which do not necessarily present conflicts of interest with the CRA’s rating business have in place procedures and mechanisms designed to minimize the likelihood that conflicts of interest will arise. A CRA should also define what it considers, and does not consider, to be an ancillary business and why») e o ponto 2.8 desta mesma secção contém um princípio de transparência quanto à origem da remuneração dos diferentes serviços («Where a CRA receives from a rated entity compensation unrelated to its ratings service, such as compensation for consulting services, a CRA should disclose the proportion such non-rating fees constitute against the fees the CRA receives from the entity for ratings services»). Por sua vez, a secção B do Anexo 1 do Regulamento (CE) n.º 1060/2009 proíbe uma série de práticas relativas à prestação destes serviços complementares («As agências de notação de risco não devem prestar serviços de consultoria ou de aconselhamento a entidades objecto de notação ou terceiros com elas relacionados no que diz respeito à estrutura empresarial ou jurídica, activo, passivo ou actividades dessas entidades objecto de notação ou terceiros com elas relacionados» - primeiro parágrafo do ponto 4 - e «devem assegurar que a prestação de serviços complementares não implique conflitos de interesses relativamente à sua actividade de notação de risco e divulgar nos relatórios finais das notações todos os serviços complementares prestados à entidade objecto de notação ou a terceiros com ela relacionados» - terceiro parágrafo do ponto 4) e quanto à estruturação de instrumentos financeiros («As agências de notação de risco devem assegurar que os analistas de notação de risco ou as pessoas que aprovam as notações não apresentem, formal ou informalmente, propostas ou recomendações no que respeita à concepção de instrumentos financeiros estruturados sobre os quais seja provável que a agência emita uma notação de risco» - ponto 5). A multa para a violação do primeiro parágrafo do ponto 4 e do ponto 5 situa-se entre os 300.000 e os 450.000 Euros ao passo que a infracção do terceiro parágrafo do ponto 4 é punida com multa entre os 500.000 e os 750.000 Euros. RICARDO FALCÃO notação de risco e sociedade alvo)24. Nestes casos, o incentivo à não realização de notações de risco imparciais é bastante elevado na medida em que uma avaliação negativa do emitente ou do valor mobiliário irá ter repercussões imediatas no património da agência de rating ou daqueles que têm poder de decisão quanto às políticas desta25. e) Notação de risco não solicitada Conforme teremos oportunidade de melhor analisar adiante26, as notações de risco nem sempre são solicitadas pelo emitente, podendo partir da iniciativa da própria agência de rating. Se num cenário de normalidade esta situação não suscita problemas de maior, já a eventual utilização da notação de risco não solicitada como forma de forçar a entidade visada a pagar comissões para evitar uma notação de risco desfavorável, ou até como vingança pela opção por um concorrente, apresenta-se como um instrumento de pressão inaceitável por violar os mais elementares princípios éticos que norteiam o exercício desta actividade27. 24 FRANK PARTNOY, How and why credit rating agencies are not like other gatekeepers, 2006, p. 13, disponível em http://www.nomurafoundation.or.jp/data/20050928_Frank_Partnoy.pdf, refere que, por exemplo, a WorldCom partilhou um administrador com a Moody’s e recebeu notações favoráveis mesmo após os seus títulos estarem a ser transaccionados no nível non–investment grade. 25 O ponto 2.9 da secção B. do Código de Conduta da IOSCO estabelece que a agência de notação e os seus funcionários não poderão celebrar negócios que tenham por base os valores mobiliários que impliquem um conflito de interesses com as actividades da agência de notação («A CRA and its employees should not engage in any securities or derivatives trading presenting conflicts of interest with the CRA’s rating activities») e, caso a titularidade daqueles valores seja anterior, deverão abster-se de emitir a notação de risco (ponto 2.13 da secção C.) Solução semelhante é apresentada no n.º 3 da secção B e no n.º 2 da secção C do Anexo 1 ao Regulamento (CE) n.º 1060/2009. Este Regulamento sanciona a violação destas imposições com pena de multa de 500.000 a 750.000 Euros. 26 Vide 5.2.1. 27 O Código de Conduta da IOSCO prevê que as agências de notação devem identificar os ratings não solicitados e divulgar as suas políticas e procedimentos relativamente a esta prática («For each rating, the CRA should disclose whether the issuer participated in the rating process. Each rating not initiated at the request of the issuer should be identified as such. A CRA should also disclose its policies and procedures regarding unsolicited ratings»). Na mesma linha, o art. 10.º/4 e 5 e a al. a) da secção B do Regulamento (CE) n.º 1060/2009 estipulam que «as agências de notação de risco devem divulgar as políticas e procedimentos que aplicam em relação a notações de risco não solicitadas». Além disso, «caso emitam uma notação não solicitada, as agências de notação de risco devem declarar de forma evidente nessa notação se a entidade objecto de notação ou terceiros com ela relacionados participaram no processo de notação de risco e se a agência de notação de risco teve acesso às contas e outros documentos internos relevantes da entidade objecto de notação ou dos terceiros com ela relacionados. As notações de risco não solicitadas RICARDO FALCÃO Chegados a este ponto, facilmente se conclui que as agências de notação estão expostas a diversas condicionantes que poderão influir na qualidade do rating. Uma das manifestações mais típicas da ocorrência de conflitos de interesses decididos a favor do emitente é o fenómeno do overrating que consiste na atribuição de uma notação mais favorável ao emitente ou aos valores mobiliários por este emitidos na medida em que são realçados os aspectos mais positivos e ocultados os mais negativos da situação objecto de avaliação. Uma outra manifestação comum da resolução de um conflito de interesses a favor do emitente é o adiamento pela agência de rating da divulgação da redução de uma notação de risco anteriormente atribuída28. Estas práticas têm um importante impacto uma vez que, conforme vimos acima no ponto 3.2.2., existe um vasto leque de normas que fazem depender a realização de determinadas operações da obtenção de uma notação mínima. Assim, seja porque a notação atribuída foi inflacionada pela agência de notação, seja por esta manter artificialmente uma notação mais elevada, adiando um downgrade, o emitente beneficia de um regime mais favorável porquanto os valores mobiliários por si emitidos estão habilitados a integrar um conjunto mais abrangente de operações tendo, por isso, um maior valor no mercado. Este benefício do emitente faz-se à custa dos investidores que acabam por adquirir valores mobiliários cujo valor real não corresponde ao rating atribuído. Para fazer face a estas situações, exige-se um maior controlo a montante da actividade das agências de notação de risco através da regulação, sendo o Regulamento (CE) n.º 1060/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Setembro de 2009, entretanto alterado pelo Regulamento (UE) n.º 513/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio de 2011, um importantíssimo passo nesta matéria. No entanto, quanto a nós, este controlo prévio deverá ser complementado por um mecanismo de responsabilização das agências de rating perante os terceiros prejudicados pelas notações defeituosas. Voltaremos a este assunto adiante. devem ser identificadas como tais». A infracção destas imposições levará à aplicação de uma multa entre 50.000 e 150.000 Euros. 28 HUGO MOREDO SANTOS, A Notação de Risco e Conflitos de Interesses, Conflito de Interesses no Direito Societário e Financeiro, Almedina, 2010, p. 528-532. RICARDO FALCÃO 5. A Responsabilidade das Agências de Notação A discussão sobre a responsabilidade das agências de notação de risco tem-se intensificado nos últimos anos fruto de escândalos financeiros como a ENRON, WORLDCOM e, mais recentemente, a crise do sub-prime onde o papel das agências de rating foi seriamente criticado. Conforme tivemos oportunidade de referir anteriormente, as agências de notação emitem meras opiniões e, com base neste argumento, estas agências têm-se conseguido escudar da responsabilização pelos ratings defeituosos perante investidores ao abrigo das leis dos Estados Unidos da América alegando a sua protecção da First Amendment29. Na verdade, a jurisprudência norte-americana consolidou o entendimento de que uma notação de risco, enquanto opinião, merece o mesmo tratamento jurídico de uma peça jornalística. De facto, à semelhança do jornalista que recolhe informações, analisa-as e depois publica o texto jornalístico, também o processo de notação se inicia pela recolha de informação com origem nas mais diversas fontes, para posteriormente ser analisada e, de seguida, sintetizada num rating que mais não é do que a publicação da opinião da agência de notação sobre o risco de crédito inerente ao objecto analisado. Esta semelhança levou os tribunais norte-americanos a considerar, desde o célebre caso Jaillet v. Cashman (1923), que as agências de rating estão também elas abrangidas pela First Amendment e apenas poderão ser responsabilizadas nos mesmos moldes dos jornalistas. Assim, tendo por base decisões anteriores do Supreme Court norte-americano, um jornalista (e, por conseguinte, uma agência de notação) apenas poderia ser responsabilizado se se conseguisse provar a falsidade das suas afirmações mas se a peça jornalística representar uma mera opinião do jornalista então tal opinião não poderá ser provada falsa e, como tal, é protegida pela First Amendment. Desta forma, as condutas negligentes do jornalista relacionadas com aquela opinião ficariam resguardadas de qualquer punição. Fazendo o paralelo com a notação de risco, as 29 O texto da First Amendment à Constituição dos Estados Unidos da América é o seguinte: «Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to petition the Government for a redress of grievances». RICARDO FALCÃO agências de rating apenas poderiam ser responsabilizadas por ratings «de natureza pública»30 caso os terceiros prejudicados conseguissem provar actual malice (dolo) da agência de notação com intenção de lhes causar danos31. Dada a dificuldade desta prova, as agências de notação norte-americanas têm vindo a desenvolver a sua actividade imbuídas de um sentimento de impunidade. Este paradigma de impunidade está paulatinamente a ser alterado. Desde logo, a importante novidade introduzida recentemente pelo Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act (2010), o qual prevê expressamente a possibilidade dos investidores demandarem as agências de rating na eventualidade de estas não levarem a cabo, de forma consciente ou negligente, uma investigação razoável dos factos sujeitos a análise. Através da eliminação da excepção constante da Rule 436 (g) do Securities Act de 1933, as NRSROs passam a ficar sujeitas a expert liability se as suas notações forem utilizadas pelo emitente nas notificações perante a SEC. No fundo, isto significa que as agências de notação poderão ser responsabilizadas se atribuírem um rating elevado a um valor mobiliário de fraca qualidade. Por outro lado, a jurisprudência mais recente tem demonstrado maior exigência no reconhecimento do privilégio da protecção ao abrigo da First Amendment pelas agências de notação. A título de exemplo, citamos o caso American Savings Bank FSB v. UBS PaineWebber Inc. (2003) no qual se analisou a alegação da protecção da First Amendment pela Fitch. Aqui o tribunal considerou que a Fitch não se limitara a emitir um rating, tendo participado na própria estruturação da operação, pelo que não poderia ser equiparada à actividade jornalística. Por seu turno, no caso Commercial Financial Services, Inc. v. Arthur Andersen LLP (2004) o tribunal destacou as diferenças entre o jornalismo e a notação de risco concluindo que a partir do 30 Ainda que não haja decisões do Supreme Court norte-americano que abordem especificamente a temática da aplicabilidade da First Amendment às agências de notação em geral, existe uma decisão do Supreme Court no caso Dun & Bradstreet vs. Greenmoss Builders, 472 U.S. 749 que considerou que o rating em causa não merecia protecção ao abrigo da First Amendment porquanto a notação não revestia interesse público na medida em que aquela se destinava apenas a cinco subscritores que não tinham a possibilidade de difundir a informação por terceiros. 31 RACHEL JONES, The Need for a Negligence Standard of Care for Credit Rating Agencies, 1 Wm. & Mary Bus. L. Rev. 201, 2010, p. 209-213, disponível em: http://scholarship.law.wm.edu/wmblr/vol1/iss1/8/. RICARDO FALCÃO momento em que uma agência de rating é paga para emitir uma notação não se poderá arrogar a protecção ao abrigo do press privilege. Na verdade, a protecção do jornalista ao abrigo da First Amendment assenta na defesa da sua liberdade de expressão pelo que um jornalista estará, em regra, coberto por aquela protecção se, por exemplo, escrever uma peça no jornal sobre os produtos financeiros emitidos por uma determinada instituição. No entanto, se esse mesmo jornalista for contratado por aquela mesma instituição para escrever um relatório interno sobre os produtos financeiros, então os princípios aplicáveis a esta segunda situação gravitam em torno da relação contratual estabelecida entre ambos pelo que o jornalista deixa de merecer a protecção da First Amendment. Esta lógica é reiterada no caso In re Abu Dhabi Commercial Bank (2009) que também reafirma que o facto de um rating se destinar a um grupo restrito de investidores, e não ao público em geral, prejudica o reconhecimento da protecção ao abrigo da First Amendment32. Feita esta nota introdutória à responsabilidade das agências de notação com base na experiência norte-americana, faremos agora uma breve análise às eventuais fontes de responsabilidade ao abrigo da legislação portuguesa nas suas várias vertentes: criminal, contratual e delitual. 5.1. Responsabilidade Criminal Pela importância que as notações de risco têm na actual estrutura do mercado financeiro, bem patentes na quantidade de normas remissivas elencadas acima33, aquelas apresentam-se como um instrumento poderoso, capaz de influenciar de forma determinante os destinos de um produto, de uma empresa e, de um modo geral, toda a economia. 32 Para uma melhor compreensão da evolução da responsabilidade das agências de rating ao abrigo da legislação norte-americana, em particular quanto a produtos estruturados, vide HYEON TAK SHIN, Legal Liabilities of Credit Rating Agencies in Structured Finance: Based upon the Business Ethics for Investor Protection, 2009, disponível via internet em http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1549225. 33 Vide 3.2.2. supra. RICARDO FALCÃO Por força da aplicação do art. 379.º do CVM, uma agência de notação poderá incorrer em responsabilidade criminal por manipulação de mercado caso «divulgue informações falsas, incompletas, exageradas ou tendenciosas, realize operações de natureza fictícia ou execute outras práticas fraudulentas que sejam idóneas para alterar artificialmente o regular funcionamento do mercado de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros» (n.º 1), considerando-se como idóneo para alterar artificialmente o regular funcionamento do mercado, designadamente, «os actos que sejam susceptíveis de modificar as condições de formação dos preços, as condições normais da oferta ou da procura de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros ou as condições normais de lançamento e de aceitação de uma oferta pública» (n.º 2)34. Este artigo insere-se no espírito da Directiva n.º 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro de 2003, relativa ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado, vulgo «Directiva Abuso de Mercado». Esta Directiva procurou reforçar a confiança dos investidores através da garantia da integridade e transparência dos mercados financeiros, aplicando-se também às agências de notação de risco como aliás se comprova pela referência expressa feita no Considerando 1035 do Preâmbulo da Directiva n.º 2003/125/CE da Comissão, de 22 de Dezembro de 2003, a qual estabelece as modalidades de aplicação da Directiva 2003/6/CE no que diz respeito à apresentação imparcial de recomendações de investimento e à divulgação de conflitos de interesses. Isto significa que já antes da aprovação do Regulamento (CE) n.º 1060/2009 as agências de notação de risco viam a sua actividade indirectamente regulada pelas disposições da Directiva Abuso de Mercado, podendo incorrer em responsabilidade criminal caso as suas práticas consubstanciassem uma situação de manipulação de mercado. 34 Foi com base neste crime que um grupo de economistas apresentou na Procuradoria-Geral da República, em Abril de 2011, uma queixa contra a Moody´s, Fitch e Standard & Poor’s na sequência dos downgrades da dívida pública portuguesa levadas a cabo por estas entidades e que, segundo estes economistas, não apresentavam justificação razoável pelo que representariam uma situação de manipulação do mercado. 35 O Considerando 10 do Preâmbulo da Directiva n.º 2003/125/CE estabelece que «as agências de notação do risco emitem pareceres sobre a solvência de um emitente ou de um instrumento financeiro concretos numa determinada data. Enquanto tal, estes pareceres não constituem uma recomendação na acepção da presente directiva. No entanto, as agências de notação do risco devem considerar a possibilidade de adopção de políticas e procedimentos internos, destinados a garantir que as notações do risco que publicam sejam apresentadas de forma imparcial e que revelam adequadamente os interesses ou conflitos de interesses importantes relacionados com os instrumentos financeiros ou com os emitentes a que se referem as suas notações do risco». RICARDO FALCÃO 5.2. Responsabilidade Contratual 5.2.1. Considerações preliminares Antes de proceder à caracterização do contrato de notação de risco, convém fazer algumas considerações prévias. A actividade de notação nem sempre tem origem numa solicitação por parte da entidade que pretende ser objecto de notação (notação de risco de entidades públicas ou privadas) ou do emitente que visa obter uma avaliação do risco de crédito associado aos valores mobiliários por si emitidos (notação de risco de valores mobiliários representativos de dívida simples ou estruturados). Posto isto, há que distinguir a notação de risco solicitada da não solicitada36. Na notação de risco não solicitada, a iniciativa de notação cabe à própria agência de rating e o emitente ou entidade visada não têm qualquer intervenção no processo de notação. A notação é levada a cabo com base em informação disponibilizada ao público em geral com o óbvio inconveniente de, muitas vezes, tal informação não ser suficientemente vasta que permita ter uma percepção fidedigna da situação real da entidade objecto de notação ou do risco associado a valores mobiliários emitidos. Por se reconhecer a maior fragilidade destas notações, os investidores deverão ser devidamente alertados para a circunstância de uma dada notação não ter sido solicitada de modo a terem este factor igualmente em conta na hora de investir37. A notação de risco solicitada consubstancia um contrato entre a agência de notação e o emitente – quanto aos valores mobiliários por este emitidos – ou a entidade objecto de avaliação. Nesta modalidade, a agência de notação conta com a participação da entidade notada ou do emitente que disponibilizam informação que não é do conhecimento público. Convém realçar que, 36 HUGO MOREDO SANTOS, A Notação de Risco e Conflitos de Interesses, Conflito de Interesses no Direito Societário e Financeiro, Almedina, 2010, p. 495-496. 37 Vide nota n.º 27 supra. RICARDO FALCÃO contrariamente aos auditores, a agência de notação não está obrigada a verificar nem a assegurar a confiabilidade da informação disponibilizada38. Assim, apenas na notação de risco solicitada existe um contrato. Na relação entre as partes, este contrato em nada se distingue dos restantes pelo que, em caso de incumprimento ou de cumprimento defeituoso do mesmo, haverá lugar à respectiva responsabilização nos temos gerais do art. 798.º e ss. do Código Civil. E não se poderá invocar o art. 485.º do Código Civil para isentar a agência de notação de responsabilidade porquanto o n.º 2 deste artigo estabelece que a obrigação de indemnizar os danos existe «quando haja o dever jurídico de dar conselho, recomendação ou informação e se tenha procedido com negligência ou intenção de prejudicar», podendo este dever jurídico ser imposto por lei ou ter a sua fonte num contrato39. No entanto, convém ter presente que, independentemente da existência ou não de contrato, ambas as modalidades de notação poderão ter por objecto as mesmas realidades e influenciar (quase) do mesmo modo o comportamento de terceiros, nomeadamente dos investidores que confiam na notação para determinar as respectivas condutas. Estamos, deste modo, perante uma relação tripartida que assenta num contrato (eventual) de prestação de serviços de notação celebrado entre duas partes – a agência de rating e o emitente/entidade notada – mas cujos efeitos se manifestam num número indeterminado de terceiros – os potenciais investidores - com a mesma ou maior intensidade do que no próprio credor da prestação - o emitente/entidade notada. Perante este cenário, cabe averiguar se aos terceiros, maxime os investidores, ainda que não sejam parte do contrato de notação de risco, assiste o direito a serem ressarcidos por eventuais prejuízos causados por uma notação de risco defeituosa. A resposta a esta questão obriga a uma incursão pela dogmática da relatividade dos contratos. 38 PAULO CÂMARA, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Almedina, 2009, p. 305. Neste sentido, PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª Edição, Coimbra Editora, 1987, p. 486-487, que defendem, ainda, que a obrigação de indemnizar aproveita apenas à pessoa perante quem o agente estiver vinculado e não a terceiros eventualmente lesados com a informação prestada de forma incorrecta. 39 RICARDO FALCÃO 5.2.2. Princípio da Relatividade dos Contratos O princípio da relatividade estabelece que as obrigações apenas produzem efeitos entre o credor e o devedor40. Aliás, segundo o artigo 406.º/2 do Código Civil, um contrato só produz efeitos em relação a terceiros nos casos e termos especialmente previstos na lei41. Conforme refere MENEZES CORDEIRO, «a relatividade corresponde à natural selectividade das relações humanas. O relacionamento, quando minimamente consistente, estabelece-se entre pessoas determinadas». Ademais, tendo em conta a presunção estabelecida no artigo 799.º do Código Civil, a responsabilidade civil obrigacional é mais severa para o incumpridor do que em sede de responsabilidade delitual, obrigando aquele a ilidir a referida presunção de forma a evitar a condenação. Por estas razões, e citando novamente MENEZES CORDEIRO, «os deveres ínsitos na obrigação devem ser preexistentes e cognoscíveis, o que exige a relatividade». Seríamos, portanto, à partida tentados a concluir que um investidor não teria direito a qualquer pretensão com respeito ao contrato de notação de risco por não ser parte do mesmo. Além disso, conforme vimos acima, o princípio da relatividade exige que as obrigações e as pessoas perante quem as partes se vinculam sejam previamente determinadas, o que verdadeiramente não acontece relativamente ao conjunto indeterminado de investidores que fundam na notação de risco a sua decisão de investir. No entanto, o princípio da relatividade não é um valor absoluto e poderá, no caso concreto, ceder por força da aplicação dos princípios subjacentes ao instituto da boa fé, seja com base em deveres acessórios ou perante situações de abuso de direito. No fundo, a boa fé 40 ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, II, Tomo II, Almedina, 2010, p. 59-60. O Ilustre Professor escreve que este princípio se retira de normas como os artigos 397.º, 398.º/1, 405.º/1, 406.º/2 e 424.º, todos do Código Civil. 41 O exemplo paradigmático é o do contrato a favor de terceiro cujo regime consta dos artigos 443.º a 451.º do Código Civil. RICARDO FALCÃO apresenta-se como elemento enformador da actuação dos sujeitos durante as negociações preliminares (art. 227.º/1 do Código Civil), na própria execução do contrato (art. 762.º/2 do Código Civil), bem como, de modo geral, no exercício de quaisquer direitos (art. 334.º do Código Civil)42. Para a matéria agora em análise, interessam-nos particularmente os deveres acessórios. Ainda que um contrato seja meramente bilateral, as partes (credor e devedor) não se podem abstrair do facto de estarem inseridas no meio social e, portanto, o exercício das respectivas prestações contratuais poderá colidir com terceiros pois o vínculo obrigacional apresenta-se como uma realidade complexa que extravasa o círculo contratual. Esta realidade pode dar origem a injustiças que cabe ao sistema evitar. É nesta sede que os deveres acessórios assumem um importante relevo impondo às partes deveres para além daqueles que são inerentes às prestações principal e secundárias inerentes ao contrato. Estes deveres traduzem-se em imperativos de lealdade, informação e segurança que visam, entre outros, proteger terceiros que tenham uma especial ligação às obrigações contratuais43. Os deveres acessórias brotam do princípio geral da boa fé e são indissociáveis das obrigações mas não se confundem com o dever de prestar porquanto este visa dar cumprimento à obrigação, ao passo que o dever acessório procura prevenir danos colaterais na própria prestação ou em bens ou pessoas circundantes. Existem, porém, contratos onde, pela sua natureza, estas necessidades se apresentam como mais prementes e nos quais a imposição de deveres acessórios para defesa dos interesses não só do credor como também de terceiros se faz sentir com maior intensidade, por tal se revelar essencial à protecção de valores fundamentais do Ordenamento Jurídico44. É neste contexto que se desenvolveu a doutrina dos contratos com protecção de terceiros. 42 ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, II, Tomo I, Almedina, 2009, p. 299. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, II, Tomo I, Almedina, 2009, p. 465-485. 44 ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, II, Tomo I, Almedina, 2009, p. 362. 43 RICARDO FALCÃO 5.2.3. O Contrato de Notação de Risco: Eficácia de Protecção de Terceiros? A figura do contrato com eficácia de protecção de terceiros foi desenvolvida pela jurisprudência e doutrina alemãs no início do século XX, nomeadamente após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e foi sendo construída e consolidada, a tal ponto que, após praticamente um século de activa discussão, o legislador alemão verteu a protecção de terceiros no § 311/3 do BGB45. A temática da protecção de terceiros teve aceitação entre nós através de Autores como MENEZES CORDEIRO46, JORGE F. SINDE MONTEIRO47 e MANUEL CARNEIRO DA FRADA48. O contrato com eficácia de protecção de terceiros apresenta-se como uma fonte de paracontratualidade, expressão proposta por MENEZES CORDEIRO para designar as situações de «constituição de obrigações através de formas que não podem, em termos rigorosos, ser reconduzidos ao contrato mas que, com ele, mantenham uma proximidade suficiente para que se lhes aplique, pelo menos, uma parte razoável do seu regime», levando à extensão de regras contratuais a quem não é parte no contrato49. Este alargamento justifica-se, conforme referido acima, pela aplicação do princípio geral da boa fé e consequente imposição de deveres acessórios às partes também perante terceiros que estejam numa relação de proximidade tal que legitime aquela extensão. Assim, os deveres acessórios vêm conferir aos terceiros uma tutela que não 45 Este preceito estabelece que: «Também pode surgir uma relação obrigacional com deveres no sentido do § 241/2 perante pessoas que não sejam, elas próprias, partes no contrato. Semelhante relação obrigacional surge, particularmente, quando o terceiro deposite uma especial confiança e através disso as negociações estruturais ou a conclusão do contrato sejam consideravelmente influenciadas». 46 ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Da Boa Fé no Direito Civil, Almedina, 1984, p. 619-625; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, II, Tomo I, Almedina, 2009, p. 356-364; e ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, II, Tomo II, Almedina, 2010, p. 650-657. 47 SINDE MONTEIRO, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, Almedina, 1989, p. 518-529. 48 MANUEL CARNEIRO DA FRADA, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, 2004, p. 135-153, notas de rodapé 108-109. 49 ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, II, Tomo II, Almedina, 2010, p. 629630. RICARDO FALCÃO encontra guarida no dever de prestar – que apenas existe inter partes – mas antes na violação de outros deveres que integram a relação obrigacional em sentido lato50. Como já havíamos afirmado anteriormente, a relação obrigacional é uma realidade complexa que comporta, por um lado, os deveres principais e secundários de prestação e, por outro lado, os deveres acessórios independentes do dever de prestar. De forma hábil, CARNEIRO DA FRADA vê nesta distinção a justificação para a não ruptura do princípio da relatividade pois este ficará limitado à relação de prestação ao passo que a chamada «relação de protecção» poderá abranger terceiros, não se aplicando aquele princípio51. Acompanhando uma vez mais MENEZES CORDEIRO, um terceiro poderá arrogar-se protecção ao abrigo de um contrato quando: - tenha uma proximidade visível perante a prestação principal e em face do credor; - a prestação principal, pela sua natureza, venha bulir com os seus interesses ou possa levar a isso; - tenha depositado, de modo razoável, uma confiança legítima no bom desenrolar da prestação52. Cabe agora verificar se estes pressupostos se verificam nas situações de notação de risco. A) Começando pelo primeiro daqueles pressupostos, no âmbito da notação de risco a «prestação principal» corresponde à própria notação e o «credor» será o emitente que contrata os serviços da agência de rating. Quanto a nós, os terceiros – maxime os investidores – têm uma clara proximidade perante a notação de risco. Na verdade, ainda que a notação de risco se funde num contrato entre a agência de rating e o emitente, a classificação destina-se a ser divulgada ao público em geral, constituindo um elemento informativo relevante para os agentes do mercado. 50 MANUEL CARNEIRO DA FRADA, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, 2004, p. 135-144, nota de rodapé 108. 51 idem. 52 ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, II, Tomo II, Almedina, 2010, p. 650657. RICARDO FALCÃO Não raras vezes, as decisões de investimento fundam-se essencialmente na notação de risco atribuída por uma agência de rating. Existindo esta estreita ligação entre a prestação objecto do contrato e o terceiro, e fazendo uso das palavras de CARNEIRO DA FRADA, «a necessidade de tutelar eficientemente a posição do titular efectivo do interesse protegido pelo contrato» justifica que seja ultrapassada «a rigidez das posições jurídicas contratuais e conceder a quem não é parte no acordo uma pretensão indemnizatória»53 sempre que verificada uma violação da relação obrigacional em sentido lato (isto é, abrangendo deveres acessórios). Relativamente à proximidade com o credor, na nossa opinião, esta também é evidente porquanto a confiança dos terceiros na notação de risco se manifesta, em regra, no investimento em valores mobiliários do emitente. No entanto, discute-se na doutrina se essa proximidade entre credor e terceiro também se deverá manifestar ao nível dos interesses. Neste sentido, CARNEIRO DA FRADA defende que o credor e o terceiro deverão estar do «mesmo lado», tendo ambos interesses equivalentes. Contudo, o próprio admite que «credor e terceiro surgem normalmente com interesses contrapostos»54. Contrariamente, SINDE MONTEIRO, na esteira de MUSIELAK, defende que a análise da posição do terceiro deverá fazer-se relativamente à prestação contratual e não propriamente em relação ao credor da mesma pelo que a eventualidade de interesses contraditórios não obsta a que opere a protecção de terceiros55. Concordamos com este último Autor. Na verdade, não vislumbramos motivos ponderosos que justifiquem que a protecção de terceiros se deva restringir às situações de coincidência de interesses entre credor e terceiro. Uma tal interpretação seria inclusive fonte de tremendas injustiças na medida em que um terceiro com interesses contrapostos aos do credor mas com estreita ligação à prestação contratual (ao ponto de ser o alvo da própria prestação contratual) não mereceria protecção ao passo que um outro 53 MANUEL CARNEIRO DA FRADA, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, 2004, p. 135-144, nota de rodapé 108. 54 MANUEL CARNEIRO DA FRADA, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, 2004, p. 143-144, nota de rodapé 108, p. 174-175, nota de rodapé 122. Este Autor baseia a necessidade de coincidência de interesses no facto de ser difícil de admitir uma protecção de terceiros através de interpretação e integração do negócio havendo interesses contrapostos. 55 SINDE MONTEIRO, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, Almedina, 1989, p. 525-527. RICARDO FALCÃO terceiro com uma proximidade menos intensa mas com interesses iguais aos do credor já beneficiaria de protecção. Transpondo estas considerações para a notação de risco, tal interpretação significaria, na prática, a não aplicabilidade do instituto da protecção de terceiros aos contratos de notação de risco pois, por inerência, os interesses do credor (p. ex., o emitente que pretende a melhor classificação dos valores mobiliários por si emitidos de modo a serem mais atractivos aos olhos dos potenciais investidores) são contraditórios relativamente aos do terceiro (o investidor que pretende que a notação reflicta, com rigor, a real valia dos valores mobiliários). Propendemos, assim, para que o critério determinante seja, neste particular, o da proximidade à prestação contratual, não devendo a contrariedade de interesses impedir o recurso ao contrato com eficácia de protecção de terceiro. B) Quanto à susceptibilidade da prestação principal poder bulir com os interesses de terceiros, parece-nos manifesto que uma notação de risco defeituosa que iluda o mercado sobre a qualidade de um emitente ou dos valores mobiliários por este emitidos representa uma potencial fonte de malefícios, particularmente quando os terceiros baseiam a sua decisão de investir exclusiva ou principalmente naquela notação de risco defeituosa. C) Por último, a confiança que os terceiros depositam nas classificações das agências de rating são razoáveis e legitimadas por uma reputação que aquelas agências construíram ao longo de mais de um século de existência. As agências de notação contam com os meios e o know-how para interpretar, como ninguém, a imensidão de elementos informativos disponíveis sobre uma determinada entidade e as tendências do mercado para depois codificar tudo numa classificação padronizada, facilmente entendível pelo público em geral. Esta especialização das agências de rating permite assumir que estas não se deixarão «enganar por documentos ou outros dados inexactos que lhe sejam fornecidos»56, factor que reforça a confiança dos terceiros. Esta confiança é patrocinada pelas próprias agências de notação pois é pela confiança que constroem a sua 56 533. SINDE MONTEIRO, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, Almedina, 1989, p. RICARDO FALCÃO reputação e através desta última que, em boa parte, criam uma barreira à entrada de novos concorrentes no mercado da notação de risco57. Como reverso da medalha desta confiança, SINDE MONTEIRO destaca que «a especial posição de confiança que o lesante detém e utiliza parece assim dever excluir, pelo menos em princípio, a possibilidade de invocação, perante terceiro, da conculpabilidade do seu mandante ou pessoa que encomendara o serviço». Transpondo esta afirmação para a realidade do contrato de notação de risco, isto significará que, em regra, perante o terceiro, a agência de rating não poderá imputar as responsabilidades de uma notação defeituosa à conduta do emitente (p. ex., pela entrega de documentos fraudulentos) pois a experiência e nível de sofisticação destas agências deverá permitir-lhes que não se deixem enganar por documentos inexactos ou outros dados imprecisos que lhes sejam facultados58. Julgamos, portanto, que o contrato de notação de risco poderá ser encarado como um contrato com eficácia de protecção de terceiros, possibilitando a responsabilização contratual das agências de rating por danos causados a terceiros. No entanto, esta solução não está isenta de dificuldades. Desde logo, existe a complexidade, já assinalada, da exacta delimitação dos terceiros abrangidos pelo círculo de protecção do contrato59. Conexa com esta questão, deverá ainda evitar-se um desmesurado risco 57 A reputação desempenha um papel crucial na actividade das agências de rating. De facto, uma avaliação defeituosa é sempre alvo de muito maior destaque do que uma boa avaliação pelo que parte da doutrina entende que as agências de notação não têm incentivos a produzir ratings enganosos pois tal situação seria facilmente percepcionada pelo mercado e resultaria em custos reputacionais que, no limite, poderão conduzir à perda de clientela. 58 SINDE MONTEIRO, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, Almedina, 1989, p. 533. 59 Além da proximidade do terceiro relativamente ao credor e/ou prestação, a doutrina tem avançado outras pistas como «do conhecimento ou patente cognoscibilidade do fim de utilização e da pessoa ou círculo delimitado de pessoas cujas decisões irão ser influenciadas» e «seja cognoscível o tipo de negócio em causa», de modo a que o autor da informação possa determinar o risco envolvido. Vide SINDE MONTEIRO, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, Almedina, 1989, p. 528 e MANUEL CARNEIRO DA FRADA, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, 2004, p. 143-144, nota de rodapé 108, p. 141. Se quanto à notação de risco, o segundo requisito não levanta dificuldades (conhecimento do tipo de negócio), já o primeiro deles causa complicações na parte correspondente à definição do círculo restrito de pessoas que poderão ser influenciadas pela informação. Tendo em conta o negócio em causa, uma notação de risco está apta a influenciar milhões de pessoas e operações. Dada a RICARDO FALCÃO de responsabilidade para as agências de notação sob pena de tal factor poder originar efeitos perversos no mercado. Abordaremos os reflexos da responsabilização das agências de rating mais adiante60. 5.3. Responsabilidade Delitual Conforme vimos acima, nem sempre a notação de risco tem por base um contrato, podendo partir da iniciativa da agência de rating (a chamada notação de risco não solicitada). Quid juris quanto à possível responsabilidade das agências de rating perante terceiros relativamente a esta modalidade de notação? Neste caso, inexistindo contrato, os terceiros terão que fundar a obrigação de indemnizar das agências de notação no art. 483.º ou no art. 485.º, ambos do Código Civil61. Começando por este último preceito, a responsabilidade poderá fundar-se no facto de o comportamento da agência de notação constituir um evento criminalmente punível (art. 485.º/2 in fine do CC)62. Isto significa que sempre que a agência de notação seja condenada, por exemplo, pelo crime de manipulação de mercado acima abordado, os terceiros lesados poderão reclamar o ressarcimento dos prejuízos advenientes da conduta da agência de rating. extensão de pessoas potencialmente influenciadas por uma notação, julgamos que este critério não deverá ser o determinante. Aquilo que se exige, em nosso entender, é que, de entre esta vastidão de terceiros, se determine aqueles que merecem efectivamente ser alvo de protecção tendo em conta os diversos factores em jogo. Por exemplo, um gestor de conta que decide investir a título individual num determinado produto financeiro, usando o rating apenas como mais um elemento informativo para a decisão de investimento, merece uma menor protecção do que o “leigo” que decide investir baseado única e exclusivamente na notação de risco atribuída ao produto em causa. 60 Vide 7. infra. 61 Defendendo a responsabilidade delitual das agências de notação, embora com uma linha argumentativa diferente, vide MARGARIDA AZEVEDO DE ALMEIDA, A Responsabilidade Civil perante os Investidores por Realização Defeituosa de Relatórios de Auditoria, Recomendações de Investimento e Relatórios de Notação de Risco, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 36, Agosto 2010, p. 27-28. 62 Neste sentido, PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª Edição, Coimbra Editora, 1987, p. 486-487. RICARDO FALCÃO Por seu turno, a responsabilidade delitual baseada no art. 483.º do Código Civil poderá, quanto a nós, assentar na violação ilícita de «disposição legal destinada a proteger interesses alheios» (art. 483.º/1 2ª parte do CC). Na verdade, conforme vimos acima, o Regulamento (CE) n.º 1060/2009 vem regular a actividade das agências de notação de risco no espaço da União Europeia, impondo um conjunto de deveres às agências com o objectivo de «reforçar a integridade, a transparência, a responsabilidade, a boa governação e a fiabilidade das actividades das agências de notação de risco, contribuindo para a qualidade das notações de risco emitidas na Comunidade e dessa forma para o funcionamento eficiente do mercado interno e garantindo um elevado nível de protecção dos consumidores e dos investidores» (sublinhado nosso). Fazendo uso das palavras dos Ilustres Professores PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, poderemos estar aqui perante uma ilicitude fundada na infracção de normas que, «tutelando certos interesses públicos, visam ao mesmo tempo proteger determinados interesses particulares»63. Assim, a partir do momento que uma agência de notação viola algum dos deveres constantes do Regulamento (CE) n.º 1060/2009 que visem a protecção dos consumidores/investidores estará, em princípio, preenchido o requisito da ilicitude, devendo o lesado fazer ainda prova dos restantes pressupostos da responsabilidade civil delitual – i) o facto, ii) a imputação do facto ao lesante, iii) o dano e iv) o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Diga-se, ainda a propósito da responsabilidade delitual, que o direito civil não convive bem com espaços de irresponsabilidade. Havendo um dano, o ordenamento jurídico procura dar soluções com vista ao ressarcimento do lesado pelo prevaricador. Tendo por base esta tendência, a doutrina tem desenvolvido diversas teorias visando alargar a responsabilidade a situações que parecem cair em zonas cinzentas. É neste contexto que a doutrina erigiu a ideia da responsabilidade profissional64 segunda a qual, sempre que actue no exercício da profissão, o agente deverá respeitar a diligência exigível ao exercício daquele actividade mesmo perante quem 63 PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª Edição, Coimbra Editora, 1987, p. 470- 476. 64 Sobre esta temática, essencialmente com recurso à doutrina alemã, vide MANUEL CARNEIRO DA FRADA, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, 2004, p. 146-153 e SINDE MONTEIRO, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, Almedina, 1989, p. 478-486. RICARDO FALCÃO ele não se encontre contratualmente ligado, sob pena de ser obrigado a indemnizar os danos causados. No entanto, concordamos com CARNEIRO DA FRADA quando este Autor afirma que o exercício de uma profissão não constitui por si só um fundamento geral de responsabilidade, autónomo e auto-suficiente, apenas relevando quando existam normas aplicáveis à profissão que possam interpretar-se como normas de protecção para efeito do art. 483.º/1 2ª parte do Código Civil65. Isto significa que a responsabilidade profissional não deverá ser encarada como uma categoria individual, devendo, ao invés, ser integrada na categoria da responsabilidade delitual por violação de normas profissionais protectoras de interesses alheios, de que são exemplo as disposições constantes do Regulamento (CE) n.º 1060/2009. 5.4. Limitação da Responsabilidade das Agências de Notação Cientes de que a sua actividade se afigura como potencialmente danosa aos interesses de terceiros, as agências de notação divulgam disclaimers onde, entre outros aspectos, procuram limitar (ou, no limite, excluir) a sua responsabilidade perante terceiros por danos ou prejuízos resultantes da publicação de um rating. A título de exemplo, a Fitch publica no seu website: «(…) Ratings do not comment on the adequacy of market price, the suitability of any investment, loan or security for a particular investor (including, without limitation, any accounting and/or regulatory treatment), or the tax-exempt nature or taxability of payments made in respect to any investment, loan or security. ANY PERSON OR ENTITY WHO USES A RATING DOES SO ENTIRELY AT HIS, HER OR ITS OWN RISK. SHOULD ANY SUCH PERSON OR ENTITY BE ENTITLED TO RECOVER DAMAGES FROM FITCH UNDER ANY LEGAL THEORY, SUCH PERSON OR ENTITY AGREES, TO THE EXTENT PERMITTED BY LAW, THAT THE TOTAL LIABILITY OF FITCH IN CONNECTION WITH SUCH RATING IS LIMITED TO ACTUAL DIRECT DAMAGES THAT CAN BE PROVEN UP TO AN AMOUNT NOT TO EXCEED THREE TIMES THE NET FEES RECEIVED BY FITCH WITH RESPECT TO SUCH RATING (…)». (sublinhado nosso) Por sua vez, a Standard & Poor’s publica um disclaimer nos seguintes termos: 65 MANUEL CARNEIRO DA FRADA, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, 2004, p. 331-339. RICARDO FALCÃO «(…) S&P Parties are not responsible for any errors or omissions, regardless of the cause, for the results obtained from the use of the Content, or for the security or maintenance of any data input by the user. The Content is provided on an “as is” basis. S&P PARTIES DISCLAIM ANY AND ALL EXPRESS OR IMPLIED WARRANTIES, INCLUDING, BUT NOT LIMITEDTO, ANY WARRANTIES OF MERCHANTABILITY OR FITNESS FOR A PARTICULAR PURPOSE ORUSE, FREEDOM FROM BUGS, SOFTWARE ERRORS OR DEFECTS, THAT THE CONTENT’SFUNCTIONING WILL BE UNINTERRUPTED OR THAT THE CONTENT WILL OPERATE WITH ANYSOFTWARE OR HARDWARE CONFIGURATION. In no event shall S&P Parties be liable to any party for any direct, indirect, incidental, exemplary, compensatory, punitive, special or consequential damages, costs, expenses, legal fees, or losses (including, without limitation, lost income or lost profits and opportunity costs) in connection with any use of the Content even if advised of the possibility of such damages. Credit-related analyses, including ratings ,and statements in the Content are statements of opinion as of the date they are expressed and not statements of fact or recommendations to purchase, hold, or sell any securities or to make any investment decisions (…)». (sublinhados nossos) Conforme se pode constatar da análise destes disclaimers, as agências de rating procuram limitar a sua responsabilidade perante os terceiros que utilizam a notação de risco para fundamentar a sua decisão de investimento. Esta preocupação das agências de rating é, de certo modo, legítima dada a natureza muito particular da sua actividade e a quantidade imensa de terceiros que poderão ser afectados. No entanto, de um ponto de vista jurídico, e de acordo com o ordenamento nacional, consideramos que estas cláusulas de limitação não poderão ser consideradas válidas. As cláusulas de limitação de responsabilidade são admitidas no direito português ao abrigo da autonomia privada com base no art. 405.º e por argumento a contrario do art. 809.º, ambos do Código Civil66. Assim, apenas as partes do contrato poderão estabelecer os limites às respectivas responsabilidades e não impor essas limitações a terceiros alheios ao acordo pois tal hipótese representaria uma violação do princípio da relatividade dos contratos acima analisado67 68. Muito 66 LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Vol. II, 3ª Ed., Almedina, 2005, p. 277. Vide 5.2.2. supra. 68 Aparentemente em sentido contrário, SINDE MONTEIRO, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, Almedina, 1989, p. 534-535, ao considerar as cláusulas de limitação ou exclusão de responsabilidade válidas perante terceiros na mesma medida em que o são nas relações internas entre os contratantes. 67 RICARDO FALCÃO menos serão de admitir as cláusulas que excluam ou limitem a responsabilidade unilateralmente ou apenas em relação a terceiros69. No caso específico da notação de risco, em nada choca o facto de os investidores eventualmente ficarem em melhor posição que a própria parte contratual pois, como julgamos ter demonstrado, eles são os destinatários últimos do rating e, na maioria das ocasiões, é neles que os efeitos da prestação se manifestam com maior intensidade. 6. Um Lugar Paralelo: As Sociedades de Classificação de Navios A notação de risco apresenta especiais desenvolvimentos teóricos e práticos no campo marítimo, maxime no que respeita à classificação de navios70. Também nesse quadro se tem colocado, com crescente intensidade, a questão da responsabilidade civil das entidades que desenvolvem a actividade de avaliação, certificação e classificação de navios71. Reveste, portanto, interesse para a nossa investigação atentar brevemente no modo como o problema tem sido abordado. 69 SINDE MONTEIRO, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, Almedina, 1989, p. 534. 70 Sobre a classificação de navios e, em particular, sobre a responsabilidade civil das sociedades de classificação de navios, cf., entre nós, por todos, MÁRIO RAPOSO, Responsabilidade extracontratual das sociedades de classificação de navios, ROA, 59, 3, 1999, pp. 833-848. Na doutrina estrangeira veja-se, v.g., MICHEL FERRER, La responsabilité des sociétés de classification, Aix-en-Provence, Presses Universitaires d'Aix-Marseille, 2004; JÜRGEN BASEDOW / WOLFGANG WURMNEST, Third-Party liability of classification Societies. A comparative perspective, Berlin/Heidelberg/New York, Springer, 2005; JUAN LUIS PULIDO BEGINES, La responsabilidad frente a terceros de las sociedades de clasificación de buques, Vitoria, Servicio Central de Publicaciones del Gobierno Vasco, 2006; NICOLAI LAGONI, The liability of classification societies, Berlin/Heidelberg/New York, Springer, 2007; WOLFGANG WURMNEST, Third party liability of classification societies in the context of shipping accidents, em II Jornadas internacionales de seguridad marítima y medio ambiente, pp. 110 ss., disponível em www.observatoriodellitoral.es/subido/_documentos/publicaciones/obras_materias_maritimas/actas_ii_jornadas_interna cionales_seguridad_maritima_y_medio_ambiente/Estudios_files/Wurmnest.pdf. 71 JÜRGEN BASEDOW e WOLFGANG WURMNEST, Third-Party liability of classification Societies. A comparative perspective, Berlin/Heidelberg/New York, Springer, 2005, p. 1, referem ser este um dos temas mais debatidos do Direito marítimo moderno. RICARDO FALCÃO A actividade de classificação de navios tem larga tradição no mundo marítimo, podendo situar-se historicamente no século XVII72. Com o desenvolvimento da actividade de navegação e dos seguros marítimos modernos foram sendo criadas e progressivamente generalizadas entidades especificamente vocacionadas para a avaliação de diversos parâmetros relacionados com a qualidade dos navios e respectivos riscos de navegação. Tais entidades podem designar-se — numa terminologia hoje em dia relativamente estabilizada — por sociedades de classificação («Classification Societies»). As sociedades de classificação remontam essencialmente aos séculos XVIII e XIX: entre as maiores, a Lloyd’s Register of Shiping foi fundada em 1760, a Bureau Veritas em 1828 e a American Bureau of Shipping em 186273. Em geral, pode afirmar-se que estas sociedades foram especialmente criadas por impulso das empresas seguradoras: sendo o estado físico dos navios um dos elementos que maior influência apresenta na determinação do nível do risco de sinistro, pretendiam as seguradoras qualificar esse risco através da categorização e classificação dos navios74. Essa categorização teria de obedecer a critérios precisos75 e, naturalmente, ser levada a cabo por entidades neutras face às partes envolvidas76. Hoje em dia, a relevância das sociedades de classificação mantém-se num patamar elevado. Numa perspectiva programática, a actividade de classificação de navios visa garantir a segurança de pessoas e de coisas deslocadas por via marítima por referência a padrões de concepção, construção e manutenção de navios comerciais e não comerciais77. Em termos de Direito marítimo material, verifica-se ainda que inúmeros contratos típicos como os de construção 72 NICOLAI LAGONI, The liability of classification societies, Berlin/Heidelberg/New York, Springer, 2007, p. 8, com indicações. 73 MÁRIO RAPOSO, Responsabilidade extracontratual das sociedades de classificação de navios, ROA, 59, 3, 1999, p. 834. 74 JÜRGEN BASEDOW / WOLFGANG WURMNEST, Third-Party liability of classification Societies. A comparative perspective, Berlin/Heidelberg/New York, Springer, 2005, p. 5. 75 Para mais pormenores sobre o conceito de classificação e respectivos critérios veja-se, por exemplo, NICOLAI LAGONI, The liability of classification societies, Berlin/Heidelberg/New York, Springer, 2007, p. 5 ss.. 76 JÜRGEN BASEDOW / WOLFGANG WURMNEST, Third-Party liability of classification Societies. A comparative perspective, Berlin/Heidelberg/New York, Springer, 2005, p. 5. 77 Idem. RICARDO FALCÃO e compra e venda de navios, de transporte e fretamento ou de seguro marítimo continuam a formar-se com base em dados fornecidos pelas sociedades de classificação78. As tarefas de classificação e certificação de navios foram sendo desenvolvidas pelas sociedades de classificação com base em critérios técnicos e de independência. Esta razão levou a que as sociedades de classificação fossem encaradas como uma espécie de polícias não oficiais do mundo marítimo79. Neste quadro, a actividade das sociedades de classificação desenvolveu-se e estabilizou-se de modo firme e em 1968 foi inclusivamente criada uma associação internacional que as congregou: a International Association of Classification Societies (IACS)80. Esta base de credibilidade e de reputação deixou durante décadas as sociedades de classificação a salvo de acções de responsabilidade expressivas. O cenário veio, no entanto, a alterar-se, estando a questão da responsabilidade destas sociedades no centro do debate do Direito marítimo moderno81. Embora a fiabilidade das sociedades de classificação não tenha sido posta em causa de forma significativa, a verdade é que a sua reputação tem sofrido algum decréscimo, maxime porque estas sociedades são as mais das vezes escolhidas e pagas pelos armadores82. No que respeita especificamente à responsabilização das sociedades de classificação, podem detectar-se diversas constelações típicas de acções judiciais de responsabilidade civil. Uma primeira — mais imediata e tradicional — corresponde às situações em que os compradores de navios demandam as sociedades de classificação em resultado da descoberta de defeitos no navio 78 Assim, MÁRIO RAPOSO, Responsabilidade extracontratual das sociedades de classificação de navios, ROA, 59, 3, 1999, p. 833. 79 JÜRGEN BASEDOW / WOLFGANG WURMNEST, Third-Party liability of classification Societies. A comparative perspective, Berlin/Heidelberg/New York, Springer, 2005, p. 6. 80 NICOLAI LAGONI, The liability of classification societies, Berlin/Heidelberg/New York, Springer, 2007, p. 24 ss. 81 WOLFGANG WURMNEST, Third party liability of classification societies in the context of shipping accidents, cit., p. 111. 82 MÁRIO RAPOSO, Responsabilidade extracontratual das sociedades de classificação de navios, ROA, 59, 3, 1999, p. 835. RICARDO FALCÃO adquirido e previamente classificado83. Mais recentemente, tem-se, todavia, assistido a um significativo desenvolvimento de outras constelações de acções propostas por terceiros: enquadram-se aqui, por exemplo, as acções propostas pelos proprietários da carga transportada, que assim pretendem ser ressarcidos pela perda da carga em resultado do afundamento de navios classificados; as acções propostas por passageiros ou membros da tripulação ou seus sucessores quanto a danos sofridos em acidentes marítimos; e mesmo as acções propostas por Estados em resultado de desastres ambientais84. As razões para o incremento das acções de responsabilidade propostas contra as sociedades de classificação não deve buscar-se no aumento dos acidentes marítimos, uma vez que estes têm em geral decrescido, mas antes na posição e situação das sociedades de classificação face a outros potenciais responsáveis: por um lado, estes últimos beneficiam amiúde de limitações legais de responsabilidade que não serão aplicáveis às sociedades de classificação; por outro, as sociedades de classificação surgem à partida como entidades solventes e com situação patrimonial apetecível, sobretudo em comparação com outros potenciais responsáveis85. Como tem sido então tratada na prática a questão da responsabilidade das sociedades de classificação? Perante quem contrata os seus serviços, a responsabilidade será contratual e não levantará à partida especiais problemas86. O problema coloca-se sobretudo ao nível delitual, até porque não existe um regime específico, nacional ou internacional, apto a regular a matéria. Assim sendo, a responsabilidade das sociedades de classificação perante terceiros tem sido desencadeada a nível nacional perante os pertinentes sistemas jurídicos. Em França, por exemplo, as sociedades de classificação têm vindo a ser responsabilizadas com base na cláusula geral de responsabilidade delitual por faute se ficar demonstrada a existência de culpa grave no 83 WOLFGANG WURMNEST, Third party liability of classification societies in the context of shipping accidents, cit., p. 112. 84 WOLFGANG WURMNEST, Third party liability of classification societies in the context of shipping accidents, cit., p. 112. 85 WOLFGANG WURMNEST, Third party liability of classification societies in the context of shipping accidents, cit., p. 112. 86 MÁRIO RAPOSO, Responsabilidade extracontratual das sociedades de classificação de navios, ROA, 59, 3, 1999, p. 838. RICARDO FALCÃO desempenho da sua actividade87. Em contraponto, a jurisprudência britânica apresenta-se mais benévola face às sociedades de classificação, entendendo, no essencial, que a violação por estas de deveres de cuidado não é, só por si, suficiente para as responsabilizar88. Independentemente das diferenças verificáveis entre os diversos sistemas nacionais e que aqui não podem ser desenvolvidas89, uma perspectiva sumária de Direito comparado permite, no entanto, reter alguns pontos nucleares 90. Em primeiro lugar, é recorrentemente frisado que a navegabilidade das embarcações deve ser em primeira linha garantida pelos respectivos proprietários, não devendo tal obrigação ser de algum modo atenuada em virtude da mera participação das sociedades de classificação. Em segundo lugar, existe a consciência geral de que as sociedades de classificação prosseguem uma actividade de interesse público e que, portanto, não devem estar sujeitas, por definição, a um regime de responsabilidade civil demasiado severo. Acresce que — ao contrário de outros intervenientes marítimos e, nessa medida, potenciais responsáveis pelos danos ocorridos no mar — as sociedades de classificação não beneficiam, à partida, de qualquer regime, nacional ou internacional, que limite ou de algum modo atenue a sua eventual responsabilidade; escapam, por isso, ao sistema de responsabilidade gizado pelo Direito marítimo e que procura equilibrar, em geral, os interesses dos diversos intervenientes no sector, maxime através de convenções internacionais sectoriais. Finalmente, verifica-se que a doutrina e a jurisprudência nacionais estão ainda à procura de soluções que procurem equilibrar o direito dos lesados à compensação por danos e o direito de as sociedades de classificação limitarem ou atenuarem a sua potencial responsabilidade em nome do interesse público. 87 MÁRIO RAPOSO, Responsabilidade extracontratual das sociedades de classificação de navios, ROA, 59, 3, 1999, pp. 838-839; WOLFGANG WURMNEST, Third party liability of classification societies in the context of shipping accidents, cit., pp. 116-117. 88 MÁRIO RAPOSO, Responsabilidade extracontratual das sociedades de classificação de navios, ROA, 59, 3, 1999, pp. 839 ss. 89 Para amplos desenvolvimentos sobre a matéria veja-se, v.g., JÜRGEN BASEDOW / WOLFGANG WURMNEST, Third-Party liability of classification Societies. A comparative perspective, Berlin/Heidelberg/New York, Springer, 2005 pp. 15 ss.; NICOLAI LAGONI, The liability of classification…, cit., pp. 59 ss. 90 Segue-se aqui, no essencial, a síntese apresentada por WOLFGANG WURMNEST, Third party liability of classification societies in the context of shipping accidents, cit., p. 118. RICARDO FALCÃO Parece, pois, evidente que o problema só logrará alcançar resultados satisfatórios se existir um esforço de regulação internacional, na linha, aliás, do que vem sendo feito, nos últimos 100 anos, a propósito de outras problemáticas do Direito marítimo. Esse esforço de regulação tem sido já encetado ao nível do soft law, sob os auspícios do Comité Maritime Internacional (CMI), nomeadamente com a preparação de códigos de conduta e de clausulados padrão91. Deve, todavia, ir-se mais longe e buscar-se uma regulação internacional efectiva, apta a equilibrar os interesses em presença e a afastar as discrepâncias entre os diversos sistemas jurídicos nacionais, que acabam, no limite, por redundar em iniquidades e num indesejável «forum shopping»92. 7. Pistas de Reflexão Tal como referido no ponto anterior a propósito das sociedades de classificação de navios, também a questão da responsabilidade das agências de notação de risco extravasa as fronteiras nacionais e reclama uma solução harmonizada a nível internacional sob pena de se correr o risco de «forum shopping». Recentemente foram dados passos importantes em matéria de responsabilidade das agências de rating com a aprovação da Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act (2010) nos EUA e a recente alteração ao Regulamento (CE) n.º 1060/2009 operada pelo Regulamento (UE) n.º 513/2011. No entanto, a responsabilização das agências de rating não pode ser abordada de ânimo leve pois poderá acarretar efeitos perniciosos. De facto, perante o espectro de uma responsabilidade ilimitada perante os investidores, as agências de notação iriam presumivelmente aumentar os preços dos seus serviços, quer por força de um maior investimento na melhoria da qualidade dos ratings, quer como resultado da constituição de provisões para fazer face a eventuais condenações. O encarecimento da actividade levaria a que apenas os grupos 91 MÁRIO RAPOSO, Responsabilidade extracontratual das sociedades de classificação de navios, ROA, 59, 3, 1999, pp. 845 ss. 92 WOLFGANG WURMNEST, Third party liability of classification societies in the context of shipping accidents, cit., p. 118. RICARDO FALCÃO económicos de maiores dimensões estivessem em condições de adquirir os serviços de notação, o que, por sua vez, levaria a que apenas estes grupos estivessem habilitados a colocar no mercado os produtos financeiros para os quais a regulamentação exige a atribuição de uma notação mínima. Facilmente se percebe que esta situação originaria um acréscimo de dependência entre as partes, agravando-se a susceptibilidade para a ocorrência de conflitos de interesses. Além disso, a responsabilidade ilimitada das agências de rating poderia, no limite, levar ao total colapso da actividade se o nível de financiamento não for suficiente para fazer face ao nível de responsabilidades. Está bom de ver, portanto, que a solução para os problemas inerentes à actividade de notação de risco não passa apenas pelo aumento da responsabilidade das agências. Quanto a nós, seriam necessárias três medidas fundamentais. Em primeiro lugar, a criação de uma autoridade internacional que supervisione a actuação das agências de rating em todo o espaço mundial e não apenas a nível nacional ou continental como agora acontece. Esta solução garantiria, por um lado, uma resposta harmoniosa aos diversos problemas que a actividade suscita e, por outro, evitaria o «forum shopping». Em segundo lugar, a consagração expressa da responsabilidade das agências de rating perante os investidores e a imposição de limites a essa mesma responsabilidade. Deverá definir-se com clareza os requisitos para a responsabilidade civil podendo-se, no limite, e dada a especificidade desta actividade, reequacionar-se os pressupostos da responsabilidade civil das agências, nomeadamente no que toca ao nexo de causalidade entre facto e dano, através de processos causais virtuais. Por outras palavras, poder-se-ia isentar a responsabilidade civil das agências de rating atribuindo relevância negativa às causas virtuais, isto é, tendo em conta que o rating é apenas mais um componente do mercado, as agências poderiam afastar a sua responsabilidade se conseguirem demonstrar que o dano seria igualmente causado por um outro fenómeno93. Além desta medida, a própria legislação haveria de estabelecer os critérios de 93 LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Vol. I, 3ª Ed., Almedina, 2003, p. 348-350. RICARDO FALCÃO limitação quantitativa da responsabilidade das agências de notação perante os investidores de modo a mitigar os efeitos adversos que poderiam advir para o mercado, acima descritos. Por último, deverá ser posto termo ao actual modelo das «regulatory licenses» que resulta da dependência relativamente às notações criada pela legislação aplicável. De facto, no panorama vigente, os ratings funcionam como bilhete de entrada no mercado para os emitentes cabendo, por força da lei, a uma entidade privada (agência de notação) classificar uma determinada situação e com isso definir o acesso ou não ao mercado. Na prática, os Estados estão a atribuir funções «quase-regulatórias» às agências de rating. Acompanhando FRANK PARTNOY94, deverá eliminar-se ou, pelo menos, reduzir-se a dependência legislativa em relação à actuação das agências de notação. Tal dependência confere um poder desmedido às agências de rating, incentivando um sem número de situações de conflitos de interesse. No limite, no actual status quo, não é de excluir a hipótese de um emitente, independentemente da real valia da situação objecto de notação, poder comprar a sua entrada no mercado através do rating. Por outro lado, esta dependência também impede que o mecanismo reputacional funcione em pleno pois, ainda que os ratings sejam de fraca qualidade, as agências continuam a ser solicitadas por força da necessidade de procura imposta pela lei e reforçada pela estrutura oligopolista do mercado. Posto isto, a eliminação das «regulatory licenses» permitiria, em abstracto, uma melhoria da qualidade dos ratings, e não esvaziaria as notações de risco de importância pois elas continuariam a desempenhar o papel (importante) de codificar uma panóplia extensa e complexa de informações num simples símbolo, facilmente entendível pelo mercado em geral e pelos investidores em particular, sendo por isso uma forma de publicidade de valor inestimável que os emitentes, com toda a certeza, não quererão prescindir. 94 The Siskel and Ebert of Financial Markets?: Two Thumbs Down for the Credit Rating Agencies, Washington University Law Quarterly, Vol. 77, n.º 3, 1999, p. 624, disponível em http://lawreview.wustl.edu/inprint/77-3/773619.pdf, onde o Autor escreve: «the solution I offer for this problem is simple, perhaps bitter, medicine. The SEC and other regulatory agencies should remove each of these regulatory licenses by excising the portions of their rules that depend substantively on credit ratings. Regulators also should resist the temptation to include such regulatory licenses in new regulation». RICARDO FALCÃO A solução proposta não passa de um singelo contributo para a discussão da responsabilidade das agências de notação, procurando-se com ela um justo equilíbrio entre os vários interesses em jogo. RICARDO FALCÃO BIBLIOGRAFIA ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Da Boa Fé no Direito Civil, Almedina, 1984 ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, Almedina, 2010 FRANK PARTNOY, The Siskel and Ebert of Financial Markets?: Two Thumbs Down for the Credit Rating Agencies, Washington University Law Quarterly, Vol. 77, n.º 3, 1999 FRANK PARTNOY, How and why credit rating agencies are not like other gatekeepers, 2006 HUGO MOREDO SANTOS, A Notação de Risco e Conflitos de Interesses, Conflito de Interesses no Direito Societário e Financeiro, Almedina, 2010 HYEON TAK SHIN, Legal Liabilities of Credit Rating Agencies in Structured Finance: Based upon the Business Ethics for Investor Protection, 2009 JOÃO FILIPE MONTEIRO PINTO E MANUEL OLIVEIRA MARQUES, Movimento de Titularização de Activos em Portugal, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 26, Abril de 2007 JUAN LUIS PULIDO BEGINES, La responsabilidad frente a terceros de las sociedades de clasificación de buques, Vitoria, Servicio Central de Publicaciones del Gobierno Vasco, 2006 JÜRGEN BASEDOW / WOLFGANG WURMNEST, Third-Party liability of classification Societies. 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