Conflicts of interest Em 1980, o Congresso dos EUA aprovou a Lei de Patentes e Marcas (Bayh-Dole Act) propiciando a colaboração de pesquisadores financiados pelo National Institutes of Health com a iniciativa privada, o que proporcionou maior relacionamento entre pesquisadores e indústria, mas aumentou os relatos sobre conflitos de interesses e conseqüências potencialmente adversas 1 para os cientistas. Segundo informações do Comitê de Ética do American College of Obstetrics and Gynecology (ACOG), a indústria farmacêutica investiu 11,5 bilhões de dólares em amostras grátis para os médicos em 2002. Um percentual de 65% da pesquisa biomédica tem financiamento privado, dos quais 70% são diretamente mantidos pela indústria farmacêutica; 50% da educação médica 2 continuada têm principal financiamento a partir de verbas educacionais dessas empresas. Apesar de não existir definição precisa sobre o que seja um conflito de interesse, o mesmo ocorre quando obrigações legais ou normas profissionais amplamente reconhecidas são comprometidas pelos interesses de outro. Existe uma discrepância entre os interesses pessoais e as responsabilidades profissionais de alguém em posição de confiança - uma situação na qual o julgamento profissional de um interesse primário (por exemplo, o bem-estar do paciente ou a validade de uma pesquisa) tende a ser influenciado excessivamente por um interesse secundário 1 (por exemplo, um ganho financeiro). Mesmo escolas médicas reconhecidas internacionalmente, como Harvard (EUA), demonstraram não estar imunes a tal preocupação. Em 1988, um fellow em oftalmologia conduziu pesquisa sobre pomada à base de vitamina A no tratamento do ressecamento ocular, sendo que o mesmo e seu mentor possuíam ações na indústria farmacêutica responsável pelo medicamento. O fellow vendeu suas ações antes de tornar pública a ineficácia do medicamento.3 Outro exemplo é o caso Gelsinger ocorrido em 1999 na Universidade da Pensilvânia, cujo Instituto de Terapia Gênica Humana realizou tratamento com adenovírus contendo o gene da ornitinina transcarbamilase em um homem de 18 anos, portador desse defeito genético do metabolismo da amônia. Após quatro dias, ocasionou arritmia, confusão mental e morte do paciente. O investigador principal do instituto tinha investimento financeiro na empresa produtora do 1 adenovírus. Atualmente, muito se fala no acondicionamento em longo prazo de sangue de cordão umbilical para possível uso futuro pelo mesmo indivíduo num transplante autólogo (chance de cerca 1 2 E D I T O R I A L Conflitos de interesse Rubens Lene Carvalho Tavares1 Aroldo Fernando Camargos1,2 Laboratório de Reprodução Humana do Hospital das Clínicas da UFMG Editor Científico da Revista Femina FEMINA | Julho 2008 | vol 36 | nº 7 Femina_Julho.indb 403 403 17.09.08 09:41:04 E D I T O R I A L de 1 para cada 2.700 indivíduos). Nestes casos, os profissionais envolvidos no recrutamento de pacientes para bancos privados devem deixar claro qualquer interesse financeiro ou outros 4 possíveis conflitos de interesse. Da mesma forma, a veiculação atual de novos tratamentos e venda de produtos médicos em sites na internet muitas vezes promete curas e taxas de sucesso questionáveis, podendo até mesmo causar danos à saúde dos pacientes. Assim, por exemplo, um dono de serviço de ultra-sonografia ou mamografia não deverá aumentar o número de pedidos desses exames sem indicação científica. A coleta do exame citopatológico do colo uterino ou exame ginecológico com freqüência superior à necessária seriam mais relacionados a ganho financeiro do profissional assistente do que propriamente ao bem-estar do paciente. Esses fatos levaram a Agência Americana para a Proteção da Pesquisa em Humanos (U.S. Office for Human Research Protections) a publicar em 2001 diretrizes sobre conflitos de interesse. Ainda em 2001, o Comitê Executivo da Associação Americana das Escolas Médicas (AAMC) aprovou 5 o 1º Relatório sobre o tema, cujas atualizações estão disponíveis on-line. Por outro lado, alguns conflitos de interesse não apresentam problema maior que justifique uma ação. Nestes casos, a parcela financeira envolvida está num patamar mínimo e produz pouco efeito, sem necessidade de intervenção, principalmente se não há participação de sujeitos humanos na pesquisa, o que, por sua vez, não dispensa a observação de medidas protetoras. Como é uma situação verificada em várias pesquisas científicas, encontra-se aí um importante papel dos Comitês de Ética em Pesquisa (COEP), os quais, de acordo com a Food and Drug Administration (FDA), asseguram a proteção dos direitos e bem-estar dos sujeitos numa pesquisa. Os membros do COEP devem se abster na tomada de decisão quando houver interesse 6 pessoal, direto ou indireto, na pesquisa em discussão. Conflitos de interesses podem ser evidenciados numa publicação científica em que taxas de sucesso de tratamento excedem as encontradas na literatura e, também, a potencialidade diagnóstica de um exame complementar é estabelecida como uma indicação precisa e indiscutível e, muitas vezes, se presta única e exclusivamente ao aspecto comercial de seus autores. Nesse âmbito, as revistas científicas têm solicitado que os autores reconheçam por escrito qualquer associação financeira ou financiamento de pesquisa com a indústria biomédica e que os artigos 7 a serem publicados não estejam sendo influenciados por tais afiliações. O fato é que, mesmo ocorrendo manipulação de resultados, autores, editores e revisores, alguns casos são descobertos e tornados públicos. Um dos exemplos mais recentes é o caso 8 do rofecoxibe. Descobriu-se que alguns ensaios clínicos e artigos de revisão relacionados a este antiinflamatório não-esteróide foram escritos por autores desconhecidos empregados de empresas privadas de informação e então atribuídos a investigadores acadêmicos que tiveram pouco envolvimento no estudo ou revisão ou não declararam financiamento da empresa envolvida 9 com o medicamento. Avaliando-se os dados de artigos publicados, informações providas pela empresa à FDA e a análise interna da própria empresa, demonstrou-se como a mesma pode ter falsificado a taxa de mortalidade do rofecoxibe em ensaios clínicos envolvendo pacientes com 10 doença de Alzheimer ou demência. Na maioria dos casos, o público se beneficia da relação academia/indústria. A academia obtém vantagens por meio de fundos para programas de desenvolvimento de drogas, eventos científicos, programas de educação em graduação e pós-graduação. Tem ocorrido aumento do grau de 1 entendimento entre essas duas “culturas” , entretanto, deve-se manter cautela no relacionamento com a indústria e seus produtos, sendo os médicos obrigados a buscar informações baseadas 404 FEMINA | Julho 2008 | vol 36 | nº 7 Femina_Julho.indb 404 17.09.08 09:41:05 E D I T O R I A L em evidências científicas. Investigadores que estão ou possam se tornar envolvidos na pesquisa de uma empresa não podem comprar ou vender ações até que termine seu envolvimento e a 2 pesquisa seja publicada ou amplamente conhecida. O ensino da Medicina requer interação nas áreas de ensino, pesquisa e extensão, os quais podem entrar em confronto com interesses pessoais secundários como, por exemplo, ganho financeiro, promoção, aquisição de verbas para pesquisa, publicação dos resultados da pesquisa em revistas de alto impacto, desejo de fama, obrigações familiares, entre outros. Estes últimos não devem dominar, influenciar inadequadamente, distorcer ou corromper a integridade do julgamento 1 de um médico em relação à saúde do paciente, à pesquisa clínica ou à educação médica. Por fim, a definição ampla de conflito de interesse nos conduz a uma situação de alerta contínuo, já que seu aparecimento talvez seja inevitável, principalmente em projetos de pesquisa, mas devemos ter o cuidado de evitar ao máximo sua influência também durante o atendimento médico. Referências 1. Emanuel EJ, Crouch RA, Arras JD, Moreno JD, Grady C, editors. Ethical and regulatory aspects of clinical research. Baltimore: The Johns Hopkins University Press; 2003. 2. American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) Committee on Ethics. ACOG Committee Opinion No. 401: Relationships with industry. Obstet Gynecol. 2008; 111:799-804. 3. Booth W. Conflict of interest eyed at Harvard. Science, New Series 1988; 242:1497-9. 4. Committee on Obstetric Practice, Committee on Genetics. ACOG committee opinion number 399, February 2008: umbilical cord blood banking. Obstet Gynecol. 2008; 111:475-7. 5. Association of American Medical Colleges (AMMC). Report of the AAMC Task Force on Industry Funding of Medical Education to the AAMC Executive Council. [Cited 2008 June 07]. Available from: http://www.aamc.org/research/coi/start.htm. 6. Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (COEP - UFMG). Resolução no 08/2007, de 14 de Junho de 2007. [Citado em 07 jun. 2008]. Disponível em: http://www.ufmg. br/bioetica/coep. 7. Drazen JM, Curfman GD. Financial associations of authors. N Engl J Med. 2002; 346:1901-2. 8. DeAngelis CD, Fontanarosa PB. Impugning the integrity of medical science: the adverse effects of industry influence. JAMA. 2008; 299:1833-5. 9. Ross JS, Hill KP, Egilman DS, Krumholz HM. Guest authorship and ghostwriting in publications related to rofecoxib: a case study of industry documents from rofecoxib litigation. JAMA. 2008;299:1800-12. 10. Psaty BM, Kronmal RA. Reporting mortality findings in trials of rofecoxib for Alzheimer disease or cognitive impairment: a case study based on documents from rofecoxib litigation. JAMA. 2008; 299:1813-7. FEMINA | Julho 2008 | vol 36 | nº 7 Femina_Julho.indb 405 405 17.09.08 09:41:05 Eu quero engravidar Um novo olhar sobre a concepção programada. Nos melhores dias, as maiores chances Monitor da ovulação através da saliva Prático REUTILIZÁVEL por 6 meses Pode ser utilizado a qualquer hora do dia1 Preserva a intimidade e a individualidade da mulher Preciso 98% de efetividade na determinação dos momentos férteis2 Cristalização em forma de samambaia1 Ovatel não é contraceptivo (não fornece nenhum tipo de proteção contra gravidez) e não indica ou fornece proteção contra Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs). Referências Bibliográficas: 1. Folheto informativo de Ovatel. 2. Galati G, et al. A new test for human female ovulation diagnosis. Inter Rev Med Sci 1994;6(1). www.elaonline.com.br Femina_Julho.indb 406 MAOV-EC08 AN 210x275.indd 1 17.09.08 11.08.08 09:41:06 17:31:53