A PULSÃO DE MORTE E VIDA EM JOÃO CABRAL DE MELO NETO:
UMA CRITICA SOBRE O SUJEITO NORDESTINO NA OBRA MORTE E
VIDA SEVERINA.
Tatiana da Silva Manêra
Prof. Marcio do Prado (Orientador)
RESUMO
João Cabral de Melo Neto propõe uma reflexão da realidade social
brasileira. Neste sentido, pesquisar sua obra (Morte e Vida Severina)
implica em abordar também aspectos políticos e culturais da região do
Nordeste. A cultura Nordestina destaca-se pelo seu povo, que mesmo
diante da morte, busca a todo o momento a vida. Portanto, analisar esta
obra a partir da visão freudiana permite uma compreensão psíquica dos
sofrimentos e esperanças de um retirante que convive com a sua
realidade. A morte é usada para conscientizar o leitor acerca dos
problemas sociais brasileiros, especificamente dos nordestinos. Ao ler a
obra por inteira, concluímos que a todo tempo Severino, o personagem
retirante, é seguido, com uma pulsão, ou, talvez com seu próprio destino;
a morte. O objetivo é analisar criticamente a obra, e tecer sobre ela uma
proposta de eu - lírico sofredor. Assim, podemos através de uns trechos
selecionados e analisados, observar a pulsão de morte, e a pulsão de vida,
já que esta é tão retratada e influenciada no poema estudado.
Palavras-chave: Morte e Vida Severina; sujeito nordestino; morte e
vida.
2017
INTRODUÇÃO
Um bom texto literário tem um importante papel de trazer para o
leitor refletir sua realidade social, e de certo modo, fazer com que haja um
posicionamento social. Através do poeta João Cabral de Melo Neto, em sua
obra Morte e Vida Severina, é possível verificar uma valorização da figura
do nordestino, como um sujeito sofredor. Morte e Vida Severina retrata a
típica realidade do Pernambucano que foge da seca em busca do Recife e
acaba morando numa favela ribeirinha. ―Severino, o emigrante que sai da
caatinga em busca de uma vida melhor no litoral, é o estereótipo do
nordestino oprimido pela seca, pela fome e pela exclusão social‖.
Embora o sendo, nunca perde a valorização da vida, a começar
pelo título da obra, que logo, já nos remete essa ideia e que segundo a
teoria de Freud, acredita-se que há duas pulsões que exercem no
individuo: a de morte; e a de vida.
Na obra percebe-se que embora diante da seca, o sujeito
caminha para a morte, há em contraposição, a outra pulsão; que a remete
literalmente para a vida.
A questão da pulsão de morte faz parte do segundo dualismo
pulsional proposto e encontra-se em oposição às pulsões do ego ou da
(autoconservação) que constituem as chamadas pulsões de vida ou de
Eros. Este último é mais um dentro de muitos termos retirados da
filosofia, poesia e mitologia, utilizados por Freud para designar e
representar algum conceito. Na psicanálise, designa o conjunto das
pulsões de vida que têm uma tendência a constituir e conservar unidades
cada vez maiores, com o objetivo de preservar a existência do organismo.
A pulsão de morte propriamente dita visa à redução completa
dessas tendências e tensões, a um (re) conduzir o ser vivo para um
2018
estado inorgânico, que seria a forma mais primitiva do ser: o estado
inanimado. Freud afirma que as formas primitivas de vida não teriam em
si mesmas, desejo de mudar, então elas simplesmente permaneceriam
repetindo o mesmo curso de vida, caso nenhuma exigência externa viesse
a modificar esse quadro.
Então, se “tudo o que vive morrer por causas internas, logo o
objetivo de toda vida é a morte” (p. 56). Assim, a função das pulsões de
vida seria o de garantir, ou descobrir caminhos, para que o organismo
siga sua rota até a meta final da vida sem ser interrompido por causas
externas, podendo retornar ao estado inorgânico à sua própria maneira:
“o que nos resta é o fato de que o organismo deseja morrer apenas do
seu próprio modo” (p. 57).
É interessante notar a incansável insistência de qualquer pulsão,
mesmo que reprimida, para alcançar a satisfação representativa de
alguma experiência primária que foi prazerosa. É muito claro dentro do
pensamento freudiano a exigência dualista proposta no caso das pulsões e
o conflito interno que essas duas tensões exercem num individuo.
DISCUSSÃO
João Cabral de Melo Neto propõe uma reflexão da realidade social
brasileira. Neste sentido, pesquisar sua obra (Morte e Vida Severina)
implica em abordar também aspectos políticos e culturais da região do
Nordeste. A cultura Nordestina destaca-se pelo seu povo, que mesmo
diante da morte, busca a todo o momento a vida.
Portanto, analisar esta obra a partir da visão freudiana permite
uma compreensão psíquica dos sofrimentos e esperanças de um retirante
que convive com a sua realidade. A morte é usada para conscientizar o
leitor acerca dos problemas sociais brasileiros, especificamente dos
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nordestinos.
Ao ler a obra por inteira, concluímos que a todo tempo Severino,
o personagem retirante, é seguido, com uma pulsão, ou, talvez com seu
próprio destino; a morte.
ANÁLISE
Esta pesquisa demonstra através do poema Morte e Vida
Severina, de João Cabral de Melo Neto; a reflexão histórica e social da
realidade da população nordestina do Brasil a partir do conceito freudiano
de pulsão de vida e morte.
Para dar suporte a minha pesquisa, selecionei algumas cenas no
poema estudado que de fato seja esclarecedor à minha proposta. Para dar
seguimento, foram analisadas as cenas 1, 5, 7, 9,13, e 18.
Cena 1: Severino se apresenta ao público
―O meu nome é Severino...
Somos muitos Severinos
Iguais em tudo na vida:
Na mesma cabeça grande
Que a custo é que se equilibra,
No mesmo ventre crescido
Sobre as mesmas pernas finas,
E iguais também porque o sangue
Que usamos tem pouca tinta.
E somos Severinos
Iguais em tudo na vida,
Morremos de morte igual,
Mesma morte severina :
Que é a morte severina:
Que é a morte de que se morre
De velhice antes dos trinta,
De emboscada antes dos vinte,
De fome um pouco por dia ...
Somos muitos Severinos
Iguais em tudo e na sina:‖ ·
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Neste
primeiro
trecho,
quando
Severino
se
apresenta,
o
pessimismo flui com sua identidade, ou talvez, com sua falta dela. A de se
perceber no trecho a seguir, que há uma sina a todo Severino, não
somente do personagem, e sim de todos que habitam no sertão.
Cena 5: Cansado da viagem o retirante pensa em interrompê- la
uns instantes e procurar trabalho por ali onde se encontra.
— ―Desde que estou retirando
só a morte vejo ativa,
só a morte deparei
e às vezes até festiva;
só a morte tem encontrado
quem pensava encontrar vida,
e o pouco que não foi morte
foi de vida severina
(aquela vida que é menos
vivida que defendida,
e é ainda mais severina
para o homem que retira).
Penso agora: mas porque
parar aqui eu não podia
e como o Capibaribe
interromper minha linha?
ao menos até que as águas
de uma próxima invernia
me levem direto ao mar
ao refazer sua rotina?
Na verdade, por uns tempos,
parar aqui eu bem podia
e retomar a viagem
quando vencesse a fadiga‖.
Logo embora, Severino, em meio a tantas decepções, enfim
chega a zona da mata, e o que faz pensar numa vida nova, compara seu
sertão e sua sina de onde lá vivia. Há a pulsão de vida, pois Severino se
encanta e pela primeira vez se vê numa vida mais viva, por isso pensa
logo em interromper a viagem.
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Cena 7: O retirante chega à Zona da Mata, que o faz pensar, outra
vez, em interromper a viagem.
— ―Bem me diziam que a terra
se faz mais branda e macia
quando mais do litoral
a viagem se aproxima.
Agora afinal cheguei
nesta terra que diziam.
Como ela é uma terra doce
para os pés e para a vista.
Os rios que correm aqui
têm a água vitalícia.
Cacimbas por todo lado;
cavando o chão, água mina.
Vejo agora que é verdade
o que pensei ser mentira.
Quem sabe se nesta terra
não plantarei minha sina?
Não tenho medo de terra
(cavei pedra toda a vida),
e para quem lutou a braço
contra a piçarra da Caatinga
será fácil amansar
esta aqui, tão feminina.
Mas não avisto ninguém,
só folhas de cana fina;
somente ali à distância
aquele bueiro de usina;
somente naquela várzea
um banguê velho em ruína.
Por onde andará a gente
que tantas canas cultiva?
Feriando: que nesta terra
tão fácil, tão doce e rica,
não é preciso trabalhar
todas as horas do dia,
os dias todos do mês,
os meses todos da vida.
Decerto a gente daqui
jamais envelhece aos trinta
nem sabe da morte em vida,
vida em morte, severina;
e aquele cemitério ali,
branco na verde colina,
decerto pouco funciona
e poucas covas aninha.‖.
2022
As esperanças vão morrendo – Severino apressa o passo. A
morte é a mesma em toda à parte. Novamente reitera os propósitos de
sua viagem.
Cena 9: O retirante resolve apressar os passos para
chegar logo ao Recife.
— Nunca esperei muita coisa,
digo a Vossas Senhorias.
O que me fez retirar
não foi a grande cobiça;
o que apenas busquei
foi defender minha vida
de tal velhice que chega
antes de se inteirar trinta;
se na serra vivi vinte,
se alcancei lá tal medida,
o que pensei, retirando,
foi estendê-la um pouco ainda.
Mas não senti diferença
entre o Agreste e a Caatinga,
e entre a Caatinga e aqui a Mata
a diferença é a mais mínima.
Está apenas em que a terra
é por aqui mais macia;
está apenas no pavio,
ou melhor, na lamparina:
pois é igual o querosene
que em toda parte ilumina,
e quer nesta terra gorda
quer na serra, de caliça,
a vida arde sempre, com
a mesma chama mortiça.
Agora é que compreendo
porque em paragens tão ricas
o rio não corta em poços
como ele faz na Caatinga:
vivi a fugir dos remansos
a que a paisagem o convida,
com medo de se deter
grande que seja a fadiga.
Sim, o melhor é apressar
o fim desta ladainha,
o fim do rosário de nomes
que a linha do rio enfia;
é chegar logo ao Recife,
2023
derradeira ave-maria
do rosário, derradeira
invocação da ladainha,
Recife, onde o rio some
e esta minha viagem se fina.
Em contraposição, com a pulsão da morte, nada mais natural,
aparecer para em conflito, a pulsão da vida, que através deste trecho, o
renascimento, a vida, nos é proposta.
Cena 13: Uma mulher, da porta de onde saiu o homem, anuncialhe o que se verá.
— Compadre José, compadre,
que na relva estais deitado:
conversais e não sabeis
que vosso filho é chegado?
Estais aí conversando
em vossa prosa entretida:
não sabeis que vosso filho
saltou para dentro da vida?
Saltou para dento da vida
ao dar o primeiro grito;
e estais aí conversando;
pois sabei que ele é nascido.
Este traz um símbolo muito forte, é o anuncio do nascimento do
filho do seu José, o renascimento de um ser.
E no final do poema, Severino tem a resposta de Mestre Carpina, ―se não
vale mais saltar fora da ponte e da vida?‖
Cena 18: O Carpina fala com o retirante que esteve de fora, sem
tomar parte em nada.
— Severino retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida;
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga;
é difícil defender,
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só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, Severina;
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.
E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida Severina.
Entendemos deste trecho à exaltação à vida, e nos deparamos
mais uma vez, com a pulsão da vida.
CONCLUSÃO
A situação conflituosa já nos apresenta no início do poema,
quando Severino encontra dificuldades para diferenciar-se dos outros
tantos Severinos , filhos de tantas outras Marias, que, além de possuírem
o mesmo nome e biotipo, são também marcados pela mesma sina da
seca, oprimidos pela mesma realidade e fadados à mesma vida (e morte).
Severino não consegue estabelecer sua individualidade e seu nome passa
a designar todo e qualquer retirante que foge da seca. São todos
severinos com as mesmas origens e com o mesmo destino. Não há,
portanto, para quem vive uma vida severina , condições para estabelecer
uma identidade particular. Todos os sertanejos vão se tornando severinos,
isto é, adquirindo a mesma atitude de alheamento diante da realidade,
impotência diante da vida e impassividade diante da morte.
2025
A vida e a morte representam inicio e fim, ou só fazem parte de
um ciclo inacabado.
Cremos que João Cabral a partir desta tensão consegue retratar
o quanto as amarguras e o quadro de opressão da vida sertaneja podem
desumanizar e despersonalizar o homem do sertão.
Contudo, quando a esperança parece finalmente sucumbir ante
esta seqüência de decepções, mais um contraste se apresenta: surge uma
vida, que encerra em si um otimismo latente. É a renovação do ciclo.
Quando tudo parece perdido, nasce mais uma vida Severina que passará
pelas mesmas severinidades do Nordeste, que terá as mesmas esperanças
e sofrerá as mesmas desilusões.
2026
REFERÊNCIAS
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de Janeiro: 34 1994.
MELO NETO, J.C. 1942-1982 – São Paulo: Nobel, 1987.
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BOSI, Alfredo. Cultura brasileira. Série Fundamentos. 4 edição. São
Paulo/SP. Àtica , 1999.
MELO NETO, J.C. Morte e Vida Severina e outros poemas para vozes. 4
edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
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____________. Poesias Completas: 1940-1965. 2.ed. Rio de Janeiro, José
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BARBOSA, João Alexandre. A Lição de João Cabral. IN: Cadernos de
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ALMEIDA, Bruno Henrique Prates. Pulsão de Morte: Convergências e
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Reichiano, 2007.
FREUD, S. Além do princípio do prazer, psicologia de grupo e outros
trabalhos. E.S.B.
FREUD, S. Além do Princípio de Prazer. Em Edição Standard das Obras
Completas de
Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1920/1976, vol. XVIII pp. 13-85.
2027
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