CONSIDERAÇÕES SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE ÉTICA
ECOLÓGICA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL
CONSIDERATIONS ON THE RELATIONS BETWEEN ECOLOGICAL ETHICS AND
ENVIRONMENT EDUCATION
Nelcinéa Cairo do Amparo*
Resumo
Considerando a crise ambiental, cujas conseqüências atravessam o meio físico e caminham em direção à
humanidade, abarcando na verdade todo o planeta, este artigo busca, inicialmente, analisar as bases éticas que têm
apoiado as ações da nossa civilização nos últimos anos e suas respectivas conseqüências. Em seguida, aborda o
aspecto ético presente na Educação Ambiental, destacando a chamada relação "simbiótica", existente entre a Ética
Ecológica e a Educação Ambiental. Concluindo, traça considerações sobre o que tem sido a Educação Ambiental no
atual contexto e que papel poderá lhe ser reservado, caso a sociedade assuma novos valores éticos.
Palavras-chave: Ética, Educação Ambiental, Ética Ecológica.
Abstract
Considering the environmental crisis, the consequences of which extrapolate physical aspects and tend to influence
the whole of humanity, reaching out to the planet, this article tries, at first, to analyze the ethical bases which have
supported the actions of our civilization in late years and its consequences. Then it approaches the ethical aspects
existing in Environment Education, highlighting the so-called "symbiotic" relation between Ecological Ethics and
Environment Education. Lastly it speculates on what Environment Education means in the present context and the
role it may play in case society assumes new ethical values.
Key words: Ethics, Environment Education, Ecological Ethics.
1 Introdução
Atualmente, é consenso social que existe uma crise ambiental que, mesmo podendo ser compreendida de
formas diferenciadas e abordada segundo interesses específicos, é uma pauta que todos compartilham. Por
estar associada ao modelo organizacional de nossa sociedade, em seus aspectos econômicos, políticos e
sociais, além dos culturais, estudiosos acabam por reconhecê-la como um sintoma de uma crise que
extrapola a nossa civilização e alcança também o planeta como um todo.
Essa situação resulta do grande erro disseminado no mundo moderno que nos faz sentir intrinsecamente
separados do universo, de nossos semelhantes e dos demais seres vivos. A conseqüência é que nos
impulsiona a nos contrapor uns contra os outros, a tentar submeter os demais seres, a destruir aspectos da
natureza que nos molestam e, por extensão, a nos apropriarmos de tudo aquilo que nos dá prazer e bemestar, além de benefícios econômicos. São cada vez mais evidentes os indícios de alterações que trazem
complicações à convivência humana, irradiando-se por sistemas e processos ecológicos básicos para a
diversidade da vida.
As crises que nas últimas décadas têm impactado os modos de crescer e desenvolver-se das sociedades
chamadas avançadas, a busca de iniciativas de solução que se projetam nos diversos planos do "que fazer"
político e social, quase sempre acabam por remeter a algum tipo de resposta alternativa que encontra
respaldo e acolhida na educação. Diante dos múltiplos desafios do futuro, a educação surge como um trunfo
indispensável à humanidade em sua construção dos ideais de paz, de liberdade e de justiça social, razão pela
qual nela se tem encontrado guarida para muitas das reflexões e inquietudes quando se trata de questões
como a igualdade, a oportunidade social, a função econômica do sistema educativo no mercado de trabalho,
a participação e democratização da vida política, a preservação do meio ambiente e, sobretudo, a formação
de valores.
Não obstante, a tentativa de obedecer aos desafios internacionais dirigidos cada vez mais para a expansão
de possibilidades de educação, especialmente naqueles países ditos em desenvolvimento, tem levado a que a
educação venha concentrando seus recursos mais especificamente a dar respostas à crescente busca de
instrução escolar, e empurrando para segundo plano a qualidade da educação ministrada. Busca-se
quantidade em detrimento da qualidade. O que se tem como resposta são escolas com número de alunos
maior do que sua capacidade permite, métodos de ensino ultrapassados, aprendizagem centrada na
memorização, professores sem formação adequada e incapazes de adaptar-se a métodos mais modernos
que permitam a participação democrática na aula, a aprendizagem cooperativa e a preparação e a
conscientização dos alunos para enfrentar e resolver problemas.
Nesse contexto, a Educação Ambiental emerge com abordagens que vão desde a formação de hábitos de
preservação da natureza até os que compreendem a questão ambiental também como uma questão ética.
Nesta última, importa desenvolver processos coletivos que permitam educar para a responsabilidade,
transformando os indivíduos em consumidores moderados, criando uma consciência ambiental na qual o ser
humano é parte da natureza e sua sobrevivência, como espécie, depende da relação que estabeleça com ela;
e, sobretudo, despertar valores de solidariedade e respeito, convertendo a relação com o meio ambiente e
com os semelhantes em uma questão ética.
Poder-se-ia perguntar: a solução de tantos problemas virá realmente de programas de Educação Ambiental
ou de novas tecnologias conhecidas ou por conhecer? Qual é a Educação Ambiental que poderá trazer
mudanças realmente significativas aos rumos do capitalismo e a seus mecanismos de produção que pouco
caso fazem das discussões e propostas de melhorar os impactos ambientais tão destrutivos à natureza? Será
que o modelo de desenvolvimento necessitará que os riscos e as conseqüências dos impactos ambientais
cheguem a todos os níveis sociais do planeta com o mesmo grau de destruição para que possa assimilar-se a
necessidade de uma mudança de paradigma que desencadeie mudanças reais em todos os níveis? Terá a
Educação Ambiental condições reais de promover uma efetiva mudança de valores quando, em geral, segue
sendo desenvolvida pelos mesmos professores e sistemas antigos e obsoletos, que guardam em si mesmos
valores arraigados da ética tradicional e que resistem fortemente às mudanças?
2 Qual a Ética Que Tem Respaldado Nossas Ações?
A humanidade vem resolvendo sua relação com a natureza de diferentes modos, segundo lugares, épocas e
éticas dominantes. Nas comunidades primitivas, o homem estabelecia com a natureza uma relação de
totalidade e a sacralidade era um atributo que poderia ser ou estar manifesto em tudo. A utilização da terra
se reduzia ao uso primário de seus recursos ou a uma agricultura de subsistência. A terra era a Terra-Mãe
criada pelos deuses e, em conseqüência, impregnada de sacralidade. Durante a sua evolução científica, a
humanidade foi adquirindo instrumentos de potência cada vez maiores e devastadores que lhe permitiam
ocupar e manipular os espaços naturais; foi, ainda, introduzindo formas que ocasionaram em decorrência a
modificação dos ecossistemas; foi construindo cidades e "vias de comunicação... que definiram tudo: o
desenvolvimento sustentável e a responsabilidade global" (Novo, 1995, p. 65).
Nessa "evolução", a revolução industrial gerou um processo em que impera a idéia de que o
"desenvolvimento industrial é sinônimo de progresso humano de melhoria geral das condições de vida"
(Sosa, 1985). Em conseqüência, grande parte da deterioração criada no planeta tem a ver com as
conseqüências do desenvolvimento tecnológico. Desenvolvimento este que, se, por um lado, funcionou
como determinante para o progresso alcançado pela humanidade, por outro, tem sido o responsável pela
alteração dos equilíbrios ecológicos globais, alguns com caráter de irreversibilidade, e também pelo
incremento das desigualdades globais sobre a base de uma "super-elite" tecnológica e econômica, criadora
de valores e modelos de vida (Barrón, 2002).
Resulta daí o que Nicolás Sosa (1988), Leonardo Boff (2004) e outros vêm chamando de "crise civilizatória",
de âmbito planetário que transcende esta geração e resulta do modelo econômico, baseado em profundas
desigualdades de consumo de recursos, entre os povos da terra. Por um lado, o chamado "Norte rico",
consumista e desenvolvido, consumidor de recursos de forma ilimitada; enquanto do outro lado se
encontram os povos pobres, do chamado Sul, que são obrigados a sobre-explorar recursos que são
consumidos de forma irresponsável nos mercados internos e externos, sem possibilidades de sair do estado
de pobreza em que vivem, causado, entre outras razões, pelas dívidas externas geradas por esse processo.
Para entender-se melhor a problemática ambiental em que vivem os países do Sul, Angela Barrón (2002)
coloca que é necessário
tomar consciência das múltiplas imposições/dependências a que são submetidos pelo domínio econômico do
Norte, gerando-lhes a necessidade de sobre-explorar seus recursos para o beneficio de multinacionais
estrangeiras com relações de intercâmbio e custo benefícios injustos e desiguais, imposição de modelos de
exploração de monoculturas para satisfazer necessidades de consumo do Norte, ocasionando, em contrapartida,
uma forte dependência deste. Dependência esta que se configura na importação de sementes, nos abonos, em
venenos para combate às pragas, na tecnologia, nos créditos, etc., no estabelecimento de preços, ou ainda, na
difícil competição que estabelece o livre mercado internacional (p. 23).
Nesse tipo de concepção, impera uma ética (Sosa, 1998) elaborada por e para um tipo de sujeito moderno:
"indivíduo varão, ocidental, racionalista proprietário, adulto, possuidor dos instrumentos para dominar e
submeter a natureza, colonizador, crente, fixado no progresso e no crescimento como dogmas indiscutíveis"
(p. 118). Nessa ética não se considera a relação do homem com a natureza como problema "moral" uma vez
que se encontra centrada numa perspectiva antropocêntrica1.
Comungamos da opinião de Angela Barrón (2002), ao afirmar que essa ética tradicional também tem
participado da ruptura inerente à tradição-cristã e à racionalidade científico-técnica da cultura ocidental
dominante: a dissociação humanidade-natureza, a fragmentação da complexidade sistêmica unitária da
realidade ambiental, que conduziu a uma consideração do meio humano como estrutura independente do
meio natural, ignorando suas interdependências.
A conseqüência de tudo isso, como foi visto, é uma crise ecológica ou planetária, a qual não é mantida
somente por uma minoria social conscientizada e preocupada com os problemas ambientais, e, sim, por uma
constatação compartilhada por cientistas, políticos e administradores. Há muito vem sendo destacada a
gravidade da deterioração ambiental, as degenerações que já produziu e segue produzindo o nosso
crescimento desorganizado, como também é urgentemente solicitada uma ação internacional e uma revisão
das atuais relações do homem com a natureza, de acordo com a magnitude da ameaça. Como afirma Angela
Barrón (2002), "frente a um mundo cada vez mais globalizado, a humanidade necessita enfrentar o desafio
de globalizar a dignidade humana, devendo usar seus recursos, incluídas as novas tecnologias, a serviço de
uma humanização mundial" (p. 23).
Como conseqüência da escassa integração do homem com a natureza, do descaso do âmbito moral na ética
tradicional, da racionalidade técnico-científica como dogma para o progresso do mundo e "bem-estar" da
humanidade, da ausência de sentimentos de solidariedade, justiça, compaixão etc., vários estudiosos do
tema, como Molero (1996), Novo (1995), Sosa (1985, 1995, 1998) e Barrón (2002) têm defendido a
necessidade de se analisar a ética2 que tem embasado a hierarquia de valores imperantes, como um
elemento essencial caso se pretenda enfrentar o problema ecológico. Convém recordar que essa demanda
foi feita há muitos anos atrás por Aldo Leopold em sua obra A sand country almanac (1949), quando
proclamava a necessidade de uma "ética da terra".
Seguramente, essa é, na verdade, uma tarefa ética e teremos que buscar soluções e obrigações para atender
a estas questões: no momento em que nos predispomos a enfrentar problemas que foram gerados e
provocam a chamada crise ambiental ou planetária3, a tarefa prioritária dessa ética será o estabelecimento
de novos critérios morais que permitam dar respostas condizentes com o mundo e com os problemas que
atualmente enfrentamos.
3 O Aspecto Ético da Educação Ambiental
Conhecemos os danos que temos causado ao meio ambiente e podemos intuir os perigos a que estamos
expostos. É ainda evidente que já tomamos consciência de que a ilusão da certeza é coisa passada e que
teremos que aprender a conviver com a incerteza e o risco. E, ainda assim, teremos que tomar decisões
com a consciência de que não podemos deixá-las totalmente nas mãos da ciência, tão pouco da força, do
poder, do azar ou do destino.
Em resumo, a cada dia se apresentam mais evidências de que os problemas ambientais são, no fundo,
problemas de cosmovisão, são problemas filosóficos. No entanto, tudo parece indicar, como diz Nicolás Sosa
(1995a), que "... a grande ausente na reflexão ética que constitui nosso acervo filosófico-moral, tem sido a
relação do homem com seu meio" (p. 128).
4 Ética Ecológica e Educação Ambiental: relação simbiótica...?
As indicações e alusões ao plano ético, na opinião de Nicolás Sosa (1995b), destacam a necessidade de se
fazer uma revisão das concepções éticas, que incluiria, inicialmente, a obrigatoriedade de sair de uma visão
do mundo e da vida fortemente antropocêntrica que tem dominado nossa civilização, pelos menos nos
últimos quatro séculos. Isso resultaria em uma mudança de postulado ético, que traria como conseqüência a
necessidade de uma adequada definição ou redefinição de conceitos centrais da ética tradicional que vem
respaldando nossas ações como valor, interesse4 e direitos; campo das responsabilidades morais a
dimensões, que transcendem aquelas contidas exclusivamente nas relações entre os homens. Significa
admitir a existência de interesses moralmente relevantes que extrapolam o mundo humano; e, finalmente,
uma fundamentação do conceito de solidariedade diacrônica, que nos faria colocar no mesmo plano de
prioridades os interesses das atuais comunidades humanas e das gerações futuras5.
Isso somente é possível a partir do momento em que se desenvolva a chamada "consciência ética", que seria
atualmente a forma concreta da "consciência moral". A consciência ecológica resulta do exame e
consideração dos fins da atividade humana, seja científica, econômica, política, individual ou coletiva; do
exame e consideração do que podemos entender hoje pelos interesses gerais e do que possamos
estabelecer hoje como valores compartidos argumentativamente (Sosa, 1995b).
Melhor dizendo, a formação de uma consciência ecológica supõe, como nos diz Nicolás Sosa (1998),
repensar e reformular: a) o humano como parte do mundo; b) o princípio ético regulativo que postula não
somente a sobrevivência humana, mas, especificamente, a sobrevivência do ser humano e do meio do qual
este é parte; c) as necessidades, a noção de vida boa; d) as possibilidades que em uma tecnosfera, como a
que a humanidade construiu, contenha ainda o homem para desenvolver sua liberdade, perseguir sua
felicidade e materializar seus ideais de justiça, noções estas que sempre têm permeado o horizonte do
pensamento ético (cf. p. 141).
Hoje, mais do que nunca, é necessário buscar uma ética ecológica que, ao contemplar o fenômeno moral
como algo humano, não estabeleça ali seus limites. Ao contrário, que o posicione em um meio global onde o
humano se constitui e se desenvolve. Assim, afirma Sosa (1998):
Ainda assim a tarefa de "ecologização" irá requerer importantes mudanças na definição social do sujeito
moderno, mudanças estas que repercutiriam no estado do mundo e de nossas sociedades atuais. O que significa
dizer o reconhecimento da imperfeição, da sua percepção como sujeito humano, finito, imperfeito, limitado,
incompleto, ser vivo entre os demais seres vivos, membro contido no movimento de vida, não fora e nem
superior... (p. 118).
É preciso ter claro que uma ética ambiental, assim concebida, implica uma perspectiva moral com pelo
menos um princípio moral. Isso porque explicitar o compromisso ético é o primeiro passo para submetê-lo
à valoração crítica ou justificação. E, como defende Robin Attfield (1997), é importante destacar que, para se
estabelecer um princípio moral, é importante ter claro quais são as coisas que devem ser consideradas do
ponto de vista moral. Isso significa buscar que coisas merecem relevância moral. A relevância moral (Sosa,
1995a), ou o merecimento de consideração moral, é próprio de tudo quanto possua um bem em si mesmo,
e a moral é a dimensão em que se constroem os projetos mais pessoais de vida, em que o sujeito humano
se implica e se responsabiliza. É o lugar dos ideais de vida, do que podemos entender pela "boa vida", por
justiça, por felicidade. A ética - como discurso racional - e o moral não pertencem ao mundo do que é, e,
sim, ao mundo do que deve ser.
Entenda-se, no entanto, que tais mudanças não podem ser criadas a partir de um ato de vontade. Por outro
lado, para que a mudança individual possa ser exercida em sua plenitude, é fundamental que seja assumida
por toda a sociedade para que resulte em verdadeira mudança social. E, como tal, deve ser decorrente de
mudanças estruturais nos âmbitos econômico, político, social, educacional etc.; não resulta imediato, mas
ocorre gradualmente e provém da soma das mudanças de conduta de cada indivíduo até alcançar uma
mudança global.
Esse processo não é fácil de ser desenvolvido e deve estar centrado, principalmente, em uma profunda
revisão do antropocentrismo como referencial último para os valores que têm respaldado as éticas
tradicionais. Nesse postulado, os interesses supremos seriam os interesses comuns a todos - humanos e
não humanos -, uma vez que o sujeito moral no momento em que se apropria de uma ética ecológica passa
a reconhecer-se habitando uma casa que é de todos; uma casa planetária onde não há limite para nenhum
dos moradores. E, mais ainda, uma casa onde o homem ao assumir-se como possuidor do mais alto grau de
organização e consciência entre as demais espécies, conseqüentemente, assumiria a responsabilidade maior
ante os bens que são de todos. Evidentemente, que, ao construir seus sistemas de valores, ao dotar-se de
normas morais para sua existência cotidiana, não iria restringir o valor moral unicamente a seus membros aos seres racionais - mas, sim, dotaria tal valor a todo o conjunto de espécies com as quais está
intrinsecamente relacionado (Sosa, 1998).
Estamos, então, diante de um enfoque que postula uma mudança radical na concepção dos seres humanos
como eco-dependentes e responsáveis moralmente perante os outros seres não-humanos (Novo, 1995).
Significa, para o homem, passar a ser "alguém" na natureza e desenvolver-se em harmonia com as demais
espécies. Para isso, é necessário potencializar os valores que levam o homem a se comunicar
harmoniosamente com a natureza. Nesse contexto, está inserida, como bem nos diz Habermas (1984), a
subjetividade da natureza que, da forma como está encadeada, tem sua liberação condicionada a que a
comunicação dos homens entre si se veja livre do domínio. Ou seja, somente no momento em que os
homens consigam comunicar-se sem coações e que cada um possa reconhecer-se no outro, haverá
liberdade para que a espécie humana possa reconhecer a natureza como sujeito.
Desse ponto de vista, é claro, então, que nossas relações intra-específicas devem também ser revisadas sob
novos critérios para o uso e divisão dos recursos, como condição inevitável para o desenvolvimento de
novas formas de relação entre nós mesmos e com o meio natural. Isso pressupõe uma ética ecológica
aberta e debatida entre todos na sociedade para que possa ser assumida e gerar implicações sociais fortes.
Evidentemente que o questionamento inicial mais importante referente ao nosso modelo de
desenvolvimento se refere às desastrosas conseqüências que trouxe para a natureza e às enormes
desigualdades sociais para, finalmente, estar em condições de se falar em uma real sustentabilidade.
Da mesma forma, é impossível falar de uma ética num contexto ambiental sem falar de economia, posto
que, nos princípios que determinam o comportamento econômico dos grupos, estão inseridos aspectos
éticos que os inspiram ou justificam. Rapidamente, sem aprofundar o assunto, que não é proposta deste
estudo, vale a pena recordar que o sistema econômico industrial avançado arrasta, entre suas muitas
implicações sociais e políticas, o grave problema de excedente de trabalho. Os critérios de maximização de
produção e competitividade que orientam a automação dos processos produtivos, por razões econômicas,
tendem a eliminar a mão-de-obra humana, trazendo como conseqüência altas taxas de desemprego que, em
última instância, se transformam em bolsões de miséria. O robô substitui o homem tornando-o peça
supérflua na cadeia produtiva. A expansão do "bem-estar" está condicionada à produção em massa que gera,
conseqüentemente, injustiça e falta de solidariedade. Dentro da ameaça dos valores, encontra-se inserida a
necessidade de recuperação daqueles valores ético-políticos, como a qualidade de vida, solidariedade com
as gerações futuras e, essencialmente, justiça social.
Resumindo, poder-se-ia dizer que a direção de uma ética ambiental seguramente nos leva para uma ética
holística ecológica. Sosa (1995a) afirma:
Os conteúdos aos quais deverá se direcionar tal ética não são exclusivamente os de justiça (âmbito em que
caberia a discussão a respeito dos direitos, interesses e as reciprocidades). Também, haverá de integrar-se
conteúdos de felicidade, de bem-estar e qualidade de vida - incluindo os sentimentos, as emoções, os afetos que não podem estar ausentes da dimensão moral humana porque também eles contribuem para nos
conformarmos como somos. E, efetivamente, se somos seres morais, o somos nesse meio e com ele; com tudo
que nos rodeia. O meio, a paisagem, o mundo inanimado, está estritamente unido à nossa percepção deste
mesmo meio e forma parte integrante do que somos (p. 143).
Cabe, então, a pergunta: o que poderá ser agente e veículo da formação dessa consciência ecológica nos
indivíduos humanos? Qual pode ser a forma de levar os indivíduos a questionar os modelos econômicos e
os sistemas de valores nos quais se baseiam? Como levar os indivíduos a conhecerem a qualidade de vida
que têm e perceberem qual delas é a mais adequada? De onde se pode esperar a contribuição para a
formação de uma verdadeira consciência ecológica?
A melhoria da qualidade ambiental, e conseqüentemente da vida, está relacionada com a capacidade que tem
cada pessoa de modificar e intervir em seu entorno, assim como nos comportamentos específicos que
mantém com respeito aos elementos que o compõem. Comportamentos estes que são influenciados e
influenciáveis culturalmente e dependem diretamente do processo educativo a que são submetidos ao longo
de suas vidas.
Conseqüentemente, a Educação Ambiental pode desempenhar um papel importante na solução da crise
ambiental. Para isso, deve funcionar como instrumento: de conscientização e sensibilização social, de
transmissão dos conceitos e vivências necessárias que permitam desenvolver e adquirir atitudes mais
responsáveis sobre as implicações dos distintos comportamentos do homem frente a seu entorno natural e
humano e, principalmente, de auxílio aos indivíduos na resolução de problemas concretos (Bernayas del
Álamo e Barroso, 1995).
Por sua vez, a Educação Ambiental necessita da Ética Ecológica para que a ajude a superar a concepção
restrita e ambientalista da Ética Meio Ambiental - centrada unicamente no uso harmonioso do meio
ambiente natural -, para substituir, assim, a razão instrumental e antropocêntrica em que tem se baseado
nossa relação com o meio. E tanto a Educação Ambiental como a Ética Ecológica necessitam de uma nova
epistemologia que nos ajude a perceber a realidade de uma forma relacional, interdependente e biocêntrica,
tendo como base o pensamento ecológico (Barrón, 2002). Poderíamos dizer, então, que há uma relação
simbiótica entre as duas, na medida em que a Ética Ecológica ajuda a Educação Ambiental a conformar os
caminhos que esta pode e necessita avançar, enquanto a Educação Ambiental funciona como canal que
permite a disseminação dos valores morais e éticos. E as duas juntas podem conspirar para que a noção de
desenvolvimento possa se desvincular da sua dependência absoluta ao crescimento econômico e possa,
enfim, apresentar um novo modelo de vida e desenvolvimento que seja ecologicamente sustentável.
Em qualquer proposta educativa em que se considera que educar significa dar condições a que as pessoas
não apenas conheçam a razão instrumental de seus atos, mas, sobretudo, possam compreender qual é a
base ética que as orienta (Novo, 1995), "correr o risco" deve ser decisão da coletividade, de todas as
pessoas envolvidas que, por sua vez, deveriam inserir no rol de suas inquietações assuntos cruciais como: a
preservação ecológica da biosfera, a melhoria de suas qualidades de vida ou os direitos das gerações futuras
(Guerra, 2001). Dessa forma, a ética vem a se constituir no pilar básico da Educação Ambiental,
transformando-se, antes de tudo, em um referencial que tenta adequar as atitudes humanas ao uso dos
recursos de forma harmoniosa.
Nesse sentido, poderíamos talvez considerar o que Etxeberría (1994 citado por Caride e Meira, 2001, p.
231) sugere como "ética de mínimos" com base na qual seria possível restabelecer ou orientar o
restabelecimento das relações humanas:
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não destruir os equilíbrios ecológicos nem os recursos naturais que atentam contra as possibilidades de
vida digna e plena das atuais gerações humanas ou das futuras.
Intervir na natureza guiados apenas por razões saudáveis", e não por arbitrariedades.
Adotar as decisões dos acordos obtidos pelas relações dialógicas argumentadas entre todos os implicados
nelas.
Dada a exigência de igualdade e simetria na busca de consensos, é de vital importância construir essa
igualdade ali onde não existe, desde os níveis mais locais aos mais globais.
Qualquer opção deverá supor distribuição eqüitativa das cargas e benefícios ambientais resultantes de
nossa intervenção na natureza.
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Reprova-se a crueldade sobre outras expressões de vida.
Dada nossa posição privilegiada de "seres humanos na natureza", devemos tratar os seres naturais como
análogos dos sujeitos; ou seja, não vê-los como meros objetos, mas, ao contrário, nos constituirmos de
algum modo em seus advogados e defensores.
Dessa maneira, é tarefa da Educação Ambiental contribuir para o restabelecimento do valor moral das
ações humanas no meio, ajudando-as a rastrear as convicções profundas que regem ou devem estabelecer
nossos impactos em todos os níveis, especialmente os econômicos, em que estariam tomando corpo as
enormes possibilidades de um movimento educativo em direção a uma mudança realmente substancial. É
crucial, portanto, refletir sobre as chaves éticas que deverão orientar os programas educativos em coerência
com seus aspectos conceituais e metodológicos, de forma a proporcionar verdadeiro exercício crítico dos
valores que intervêm como referencial para as ações e possam, assim, tornar-se efetivos.
4 Considerações Finais
Consoante com Caride e Meira (2001), entendemos que a Educação Ambiental que vem se propondo como
alternativa de solução à crise ambiental acaba, na verdade, atuando como legitimadora de estruturas
socioeconômicas, políticas e sociais que, por sua vez, geram políticas e atuações ambientais que, na prática,
estão pouco ou nada predispostas a trazer mudanças ao rumo empreendido pela humanidade. A prova
maior disso está na constatação, diária e em todos os lugares, da proporção em que crescem e se avolumam
os problemas ambientais, os quais se apresentam com mais e maiores obstáculos ao direito à existência
humana. Isso ocorre, embora o poder ambientalista institucionalizado dos governos nacionais e
internacionais venha, nas últimas décadas, ativando uma série sem fim de assembléias, conferências,
seminários, reuniões, tratados, pactos, além de empreender sucessivas e exaustivas análises e avaliações da
situação ambiental do planeta.
Aqui, vale considerar aspectos importantes como o fato de que integrar a Educação Ambiental no processo
educativo não constitui uma tarefa fácil. Poderíamos destacar como causas disso, inicialmente, a dificuldade
em educar na complexidade resultante do próprio conceito de meio ambiente, que é obscuro, complexo e
mesmo difícil de se definir. O meio é um sistema caracterizado por possuir um grande número de
componentes de natureza diferente, em interação contínua, e o fundamental, em seu estudo, são as relações.
Por estarmos acostumados a poder seccionar o conhecimento, quando nos deparamos com um tipo de
estudo com um alto nível de mutação e complexidade como este, acabamos por ficar sem o próprio objeto
de estudo, pois se nos escapam os referenciais para fazê-lo. Além do mais, os conceitos, como a Teoria Geral
de Sistemas ou a Teoria do Caos, são bastante complexos e difíceis de serem tratados em classes
convencionais. Finalmente, as respostas aos problemas ambientais não são únicas. Sequer é possível
estabelecer a solução ótima do que seja mais adaptável a tal complexidade; educar sem proporcionar um
objeto elaborado, sem comunicar uma certeza; melhor dizendo, uma educação que venha do contexto e
vida cotidiana dos educandos e não de respostas prontas, impostas e dirigidas por um sistema educacional
externo a estes.
Ao não existir qualquer resposta objetivamente válida aos problemas ambientais, conseqüentemente, todas
as respostas que possam ser dadas estão carregadas de valor. O que significa dizer que, consciente ou
inconscientemente, o que se acaba por transmitir é "aquilo que consideramos bom" do ponto de vista de
nossa subjetividade e de nossos próprios valores. E, mais ainda, existem casos em que os valores que vão
sendo infundidos se fazem claros e perceptíveis; porém, em muitos outros casos, não se apresentam tão
evidentes.
Por outro lado, a Educação Ambiental que acaba por se organizar ou se tenta reorganizar, encontra-se
referendada nos mesmos moldes da educação que arrasta uma tradição de muitos anos de ensino que
poderia ser chamada de transmissiva. Nesta, espaço e tempo foram organizados, estruturados e construídos
de forma a estarem perfeitamente adaptados à estrutura da "lição" que a educação tradicional se propunha.
Assim, se a ação é o objetivo da Educação Ambiental, é difícil ou impossível supor que possamos realizar
ações ambientais como meio de educar tendo como referencial períodos de tempos previamente definidos,
com grandes grupos de alunos arrumados literalmente de forma que a cada um somente lhe reste do outro
a visão de sua nuca, além de se encontrarem apertados entre si em salas de aulas diminutas e inadequadas.
Embora não se possa deixar de destacar a importante função motivacional para a educação, urge cuidar
para não limitar a Educação Ambiental, entre outras atividades semelhantes, apenas ao segmento dos hortos
escolares, plantação de árvores em datas comemorativas, permanência de alguns poucos dias em centros
específicos, perfazendo trilhas ecológicas, ou a realização de ações reduzidas em favor do meio ambiente.
Qualquer que seja a situação, trata-se de desencadear uma educação que de fato possa ser prática, vivencial
e que assuma como necessidade constante participar e intervir em todos os níveis para conquistar e pôr
em prática todos os tipos de medidas que signifiquem melhorar os problemas ambientais e a qualidade de
vida das pessoas. Especificamente, tem que caminhar na direção de fugir dos perigos da teorização e
memorização e buscar criar sempre situações que facilitem a participação e a intervenção tanto na
identificação quanto na resolução de problemas que reflitam nossos entornos.
Dessa forma, a base do ensino-aprendizagem será a vida real, os problemas de conservação que repercutem
no entorno de todos os seres. Nesse processo, é necessário estar claro que: se queremos desenvolver nas
escolas, colégios e centros educativos ou em lugares onde se pretenda uma educação verdadeiramente
ambiental que nos faça dignos da racionalidade que estamos dotados, teremos que ter como certo que a
prioridade não é a formação acadêmica. Ainda que não possamos deixá-la de lado, pois a aquisição de
conceitos é parte integrante do processo educativo, o principal objetivo a ser alcançado deve ser a
formação de valores e comportamentos sobre o meio que nos rodeia. Somente isso nos levará a um
desenvolvimento de forma harmônica com todos os demais seres e, finalmente, à formação da pessoa no
sentido mais amplo, mais natural.
Importa entender que essa não é uma ação para ser desenvolvida somente na atuação com os alunos. Nós,
como professores, também temos a responsabilidade de intervir nesse processo de ensino. E uma das
melhores ações ambientais que podemos realizar é transmitir aos demais nossa experiência, refletindo
sobre ela e abrindo-nos à crítica. Não podemos esquecer que, como diz Maria Novo (1995), o educador
ambiental deve estabelecer um "vínculo de compromisso de educar com compromisso de ser". Isso porque
seu compromisso ético se estende para além de sua capacitação ou atuação profissional em direção a uma
busca constante e permanente de revisão das razões e ações que configuram o ser de cada um de nós no
meio e com os demais. Educar educando-se será a única forma de conseguir chegar ao final do caminho que
queremos propor. Melhor dizendo, devemos encarar o desafio de que a Educação Ambiental supõe a
necessidade de investigar, a partir de duas diferentes perspectivas: a investigação sobre o âmbito da ação,
guiando, ajudando os alunos na construção de seu conhecimento, e a investigação docente, ajudando a
nossos companheiros com o nosso trabalho.
Essencialmente, temos que considerar que à Educação Ambiental cabe a tarefa de reforçar suas funções de
serviço à sociedade, e mais concretamente suas atividades encaminhadas a erradicar a pobreza, a
intolerância, a violência, o analfabetismo, a fome, a deterioração do meio ambiente e as enfermidades. Isso
implica uma proposta de ação interdisciplinar, ou melhor, transdisciplinar, para analisar os problemas e as
questões propostas. A esse respeito, poderíamos concordar com Nicolescu6, quando afirma que a visão
transdisciplinar é uma perspectiva que propõe considerar uma realidade multidimensional estruturada em
múltiplos níveis, que substitua a visão de uma realidade unidimensional do pensamento clássico. Os diversos
níveis de realidade resultam da interpretação harmoniosa do conhecimento e da percepção; porém, a
realidade e seus níveis de percepção são múltiplos e complexos. Ademais, a realidade é uma unidade aberta
que engloba o sujeito, o objeto e o sagrado, que seriam três facetas de uma só e mesma realidade. Na
medida em que a realidade reduzida ao sujeito destrói as sociedades tradicionais, a realidade reduzida ao
objeto conduz aos sistemas totalitários e a realidade reduzida ao sagrado conduz aos fanatismos e
reducionismos religiosos. Assim, a transdisciplinaridade é, em definitivo, uma atitude que implica uma
mudança espiritual equivalente a uma conversão da alma. Na prática, evoca o cruzar e ir além de diferentes
disciplinas e áreas de conhecimento. É necessário impulsionar uma Educação Ambiental nesses moldes para
que esta substitua o tipo de educação fragmentada baseada na divisão de disciplinas.
Sabemos que o ritmo e a velocidade de desenvolvimento de cada país ocorrem de forma diferenciada e
desigual, tendo em vista suas condições materiais, sua história, o grau de desenvolvimento das instituições e
de seus cidadãos. É possível que uns tenham condições de ir mais depressa e velocidade que outros,
assimilando rapidamente as mudanças. Isso, por sua vez, gera desigualdades sociais, manifestos na pobreza, na
intolerância, na violência, no analfabetismo, na fome, na deterioração do meio ambiente e nas enfermidades.
Por conseguinte, cabe-nos concordar com Angela Barrón (2002), ao afirmar que, "frente a um mundo cada
vez mais globalizado, a Humanidade necessita encarar o grande desafio de globalizar a dignidade humana,
devendo usar seus recursos, incluídas as novas tecnologias a serviço de uma humanização da mundialização"
(p. 23).
Nesse cenário, importa assinalar que a Educação Ambiental não deve se integrar a discursos vãos e práticas
da educação global que, na verdade, não contribuem a avançar em direção a mudanças significativas que
permitam ao ser humano contribuir a alcançar uma melhora substancial do bem-estar humano, do entorno
que torna possível a vida. A Educação Ambiental precisa buscar de fato cooperar na criação de uma
consciência crítica, na promoção de modelos sociais e estilos de vida alternativos, em que a equidade e a
justiça se constituam em princípios irrenunciáveis do que fazer pedagógico. Significa dizer: não se acomodar
às neutralidades ideológicas que acabam por legitimar a ordem ambiental, social e econômica estabelecida,
sobre os desafios que o atual horizonte planetário apresenta (Caride e Meira, 2001).
Este é o momento de desenvolver uma efetiva Educação Ambiental, pois, como nos diz Fritjof Capra,
estamos no "Ponto Crucial" que se caracteriza pelo surgimento de uma nova visão da ciência que tenta
resistir, continuar fechada no esquema newtoniano, excessivamente mecanicista, e nos orienta para um
paradigma muito mais aberto, flexível, holístico e ecológico, que exige de nós um exercício de transformação
de nossos pensamentos, percepções e valores. Este pensamento de paradigma emergente traz consigo uma
mudança da mentalidade ocidental e, conseqüentemente, uma profunda modificação da maioria das relações
sociais, assim como das formas de organização. Uma mudança que significa ir muito mais além de medidas
superficiais que proponham apenas reajustes econômicos e políticos considerados pelos atuais dirigentes e
responsáveis pelo poder.
A "mudança de paradigma" supõe um modo nitidamente novo de enfocar antigos problemas que, ainda que
sejam antigos, exigem a necessidade de buscar soluções novas. E mesmo quando ainda não estejamos
totalmente preparados, não devemos estar paralisados em soluções antigas, do passado, porque isso estaria
indicando nossa incongruência e, talvez, nossa teimosia e falta de ética com nós mesmos e com os demais. A
solução não está em remendar os problemas em um lugar ou outro e esperar que o sistema educativo
continue funcionando: importa redesenhar todo o sistema. Inventar tudo de novo que possamos imaginar
sobre como serão as novas estruturas, para que, quando, enfim, se desmoronem as antigas, possamos estar
preparados para substituí-las dignamente.
É cada dia mais claro que o destino da humanidade depende da capacidade que tenhamos de assumir o
desafio frente aos novos modos que tenhamos de ser, de sentir, de pensar, de valorar, de atuar, até mesmo
de rezar ou de estabelecer nossa relação como nossa dimensão espiritual. Dimensão esta que Leonardo
Boff (1996) defende em seu livro Ecología: grito de la tierra, grito de los pobres, como levando necessariamente
a "novos valores, novos sonhos e novos comportamentos assumidos por um número cada vez maior de
pessoas e comunidades".
Este é, de fato, o momento de desenvolver uma Educação Ambiental impregnada de valores de uma ética
ecológica, como defende Nicolás Sosa (1995a), que atenda a conteúdos de felicidade, de bem-estar, de
qualidade de vida repensados nos valores que incluem bem-estar integral e vida digna. Haveria, ainda, que
incluir também uma dimensão moral, os sentimentos, as emoções e os afetos que nos conformam a todos: o
que nos rodeia, o meio, a paisagem, o mundo inanimado que está estreitamente unido à nossa percepção
desse meio e que, por conseguinte, forma parte integrante do que somos.
Se considerarmos a afirmação de Humberto Maturana (1990), no seu livro El árbol del conocimiento, teremos
que as condutas humanas se constituem a partir dos desejos, das aspirações, das invejas, das ofensas, do
amor; ou seja, são constituídos a partir das emoções, e não da razão. O potencial existencial está dentro de
cada um de nós mesmos, como o estão os fluxos cíclicos de matéria e energia geradoras da enorme
possibilidade que, como "co-criadores devemos trazer a existência". Da mesma forma, se considerarmos o
que assegura Fritjof Capra em La teia de la vida, de que todos os membros de um ecossistema estão
interconectados em uma vasta e complicada rede de relações que conformam "a trama da vida", então, nós,
os seres humanos, da mesma forma que os demais seres, "somos o que somos, como conseqüência destas
relações". Resulta daí conveniente reforçar o que Leonardo Boff defende em seu livro Ecología: grito de la
tierra, grito de los pobres: existe uma urgência em não permanecermos surdos nem diante da agressão
ecológica de nosso planeta Terra e nem diante da feroz agressão frente aos excluídos.
Concluindo, teríamos que "no coração das dificuldades do homem atual está seu desconhecimento de
conhecer" (Maturana, 1990, p. 210). Isso porque, diante do que foi exposto, fica evidente que os problemas
ambientais vêm sendo evidenciados, assim como suas conseqüências para o planeta e para o futuro da
humanidade; foram também apresentados os valores, as ações necessárias para fazer frente aos problemas.
Efetivamente, todos aqueles que têm nas mãos os destinos da humanidade sabem o que devem e o que é
necessário fazer. Não o fazem porque estão impregnados de egoísmo e desamor, e atuar significaria olhar o
outro como igual, admitir uma condição de igualdade ao outro e aos demais seres, os quais o homem, "todo
poderoso do universo", não quer admitir. Não o faz porque lhe falta vontade ou atitude positiva para atuar
de maneira responsável. Finalmente, não o faz, porque lhe falta a capacidade de recuperar sua relação de
sacralidade com a natureza e com os demais seres do planeta.
Notas
Entenda-se Antropocentrismo como um conjunto de valores e ações que se respaldam na dominação do homem sobre o resto do
mundo vivo e não-vivo. Nessa corrente se inscrevem muitas das idéias conservacionistas de nosso tempo, nas quais se insere a idéia
de conservação e desenvolvimento dos bens naturais; porém, o fazem respaldado no valor ético que julga a Natureza
essencialmente como recurso a serviço do desenvolvimento humano. Em conseqüência, todo o mundo inanimado e os seres vivos
(animais e plantas) ficam fora do campo das relações morais com os humanos (Novo,1995).
1
Entenda-se como ética "a percepção que o sujeito tem de seu mundo e entorno, passando pela experiência de suas necessidades, a
determinação do que considera valioso e digno de ser defendido, o que gerará nele certas convicções que servirão de base para
conformar suas atitudes e comportamentos" (Sosa, 1995, p. 122).
2
Por exemplo, a inadequada gestão dos recursos naturais, a constante e progressiva exploração e destruição de bens materiais
primários, ou dos conflitos existentes entre as relações do homem com o homem e deste com o meio.
3
Contrário aos que negam a possibilidade de uma ética meio ambiental, interesse aqui seria entendido por um conjunto de
necessidades básicas que é pertinente e conveniente para satisfazer aos homens, aos animais e aos interesses ou direitos da
biosfera.
4
É evidente que falar em gerações futuras é adentrar-se em um problema de difícil solução porquanto significa admitir a existência
de direitos por parte de seres que nem sequer existem, mas de quem se supõe fundamentalmente tendo interesses em um espaço
vital, ar limpo, e, finalmente, condições que lhes permitam desenvolver uma vida que se poderia qualificar de humana. Nesse aspecto,
Nicolás Sosa (1990) coloca que os filósofos que intervêm na discussão ecológica são muito mais inclinados a admitir um tipo de
obrigação moral com respeito a essas gerações, baseados em que o egoísmo desconsiderado das gerações é tão contrário à razão
como o é o dos grupos. Para Robin Attfield (1997), quando aceitamos como plausíveis o ponto de vista de que tudo o que possui
interesse possui também relevância moral, estamos aceitando que quase todos os seres humanos mereceriam relevância moral. Por
outro lado, se as pessoas atuais possuem relevância moral e as do futuro serão praticamente iguais às atuais, a conclusão a que se
chega é que as pessoas do futuro também merecem consideração moral. Também, se entendemos que atualmente nossas ações
podem afetar para o bem ou para o mal um grande número de pessoas, seja preservando o planeta, seja empobrecendo-o ou
contaminando-o, então o que venha a piorar as perspectivas das gerações futuras precisa ser evitado a qualquer custo. É necessário
considerar ainda que somos responsáveis por grande parte do mal e do bem relativo às vidas de tudo que esteja vivo. Significa dizer
que todas e cada uma das pessoas possuem relevância moral tendo em vista o benefício ou o prejuízo que possamos causar-lhe
mesmo quando nem todas elas cheguem a viver.
5
Basarab Nicolescu, físico teórico do Center National de la Recherches Scentifique (CNRS) e presidente do CIRET, que investigou
o nascimento do termo "transdisciplinaridade", citado em Motta (2002).
6
Referências
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historia. Madrid: Tecnos, 1997.
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*Dados da autora:
Nelcinéa Cairo do Amparo
Doutoranda – Curso de Medio Ambiente Natural y Humano en las Ciencias Sociales/Universidade de
Salamanca (Espanha)
Endereço para contato:
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Condomínio Rio das Pedras, Edifício Cristal, Apto. 502
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Data de recebimento: 30 jan. 2007
Data de aprovação: 11 jun. 2007
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considerações sobre as relações entre ética