Ter436.qxd 06.12.2008 13:20 Page 1 www.terramerica.com.br MEIO AMBIENTE E CIDADANIA Edição 436 - 8 de dezembro de 2008 Desenvolvimento com café verde ANÁLISE A mudança climática e os perdedores do amanhã O AQUECIMENTO GLOBAL ABRE A OPORTUNIDADE DE INDUZIR AS MUDANÇAS NECESSÁRIAS EM FAVOR COMÉRCIO JUSTO, PRODUÇÃO ORGÂNICA, IGUALDADE DE GÊNERO E EDUCAÇÃO DE UMA ORDEM MELHOR TAMBÉM PARA FAZEM PARTE DAS ESTRATÉGIAS DE CAFEICULTORES SUL DOMINICANOS OS POBRES, QUE, COM OU SEM MUDANÇA CLIMÁTICA, PARA SAIR DA POBREZA E TRAZER PROSPERIDADE PARA SUAS COMUNIDADES. SÃO OS PERDEDORES DO AMANHÃ, AFIRMA NESTE POR VALERIA VILARDO ARTIGO O ECONOMISTA s comunidades de dez províncias do sul da República Dominicana sentem os avanços da colaboração de pequenos produtores de café orgânico. As mulheres participam da produção e da venda, e os filhos estudam para melhorar a produtividade do setor. A vida de 10% da população dominicana gira em torno do café. E, para 700 mil pessoas, este cultivo representa seu modo de subsistência e única fonte de renda. Mas os cafezais não trazem prosperidade para a maioria. Segundo o Instituto Dominicano de Pesquisas Agropecuárias e Florestais, 78% dos produtores são pequenos e têm terrenos de um a 50 hectares. O Banco Central afirma que foram exportados 90.880 quintais de café orgânico em 2007, com preço unitário de US$ 35 acima do da Bolsa de Nova York. Os produtores estão nas regiões montanhosas deste país caribenho, onde a pobreza é mais grave. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), 74% da população das montanhas é pobre. A renda por pessoa dos pequenos agricultores de café chega a apenas US$ 0,80 por dia, o que os coloca abaixo da linha de pobreza. Nos últimos anos, a situação dos mercados internacionais e as pragas obrigaram muitos cafeicultores dominicanos a emigrar ou substituir o café por cultivos de ciclo curto. Segundo diagnóstico do estatal Conselho Dominicano de Café, em 20 anos, aproximadamente 25 mil famílias abandonaram esta produção e migraram em busca de melhores condições de vida. Diante destes desafios, a Federação de Cafeicultores da Região Sul (Fedecares) trabalha para representar os pequenos e médios produtores de dez províncias. Formada por 7.500 cafeicultores agrupados em 215 associações, a Federação produz entre 10% e 12% do total de café do país. Os pequenos produtores do sul e do norte produzem em conjunto 30% do café nacional. POR MARCEL CLAUDE mundo enfrenta uma crise econômica de envergadura, que diz respeito a práticas financeiras incorretas que canalizam enormes recursos para a especulação. Isto acarretará, entre outras coisas, um relaxamento das medidas para reduzir os nocivos impactos sobre o aquecimento global. Porém, vale fazer presente os efeitos econômicos que este fenômeno global terá na sociedade, para evitar decisões que possam agravar a situação de penúria econômica que sempre está presente na consciência universal. Uma quantidade crescente de evidência prática e teórica indica que o estado climático global continua perturbado pela expansão econômica, porque desde o começo do século XVIII a sociedade moderna iniciou o uso maciço de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás, que têm grandes quantidades de carbono liberado na atmosfera pelo processo de combustão. A evidência científica indica que a temperatura aumenta e mostra uma tendência ao aquecimento de 0,6 graus. Hoje sabemos que o nível atual de gases causadores do efeito estufa na atmosfera equivale a 430 partes por milhão (ppm) de dióxido de carbono, em comparação com as 280 ppm estimadas para o período anterior à Revolução Industrial. A União Européia calcula que os rendimentos agrícolas poderiam cair entre 1,9% e 22,4% no horizonte do ano 2080 nos países do sul da Europa, e prevê para então cerca de 86 mil mortes anuais adicionais no conjunto do bloco, devido ao calor. Em Wall Street acredita-se que um furacão tão destrutivo quanto o Andrew, que golpeou Miami em 1992, representaria danos equivalentes a um terço do capital do setor dos seguros contra acidentes. A Organização das Nações Unidas prevê que as secas afetarão principalmente a população desnutrida do mundo, calculada em cerca de 830 milhões de pessoas, composta por pequenos agricultores, pecuaristas e trabalhadores de fazendas. As projeções para as áreas do leste da África que dependem das chuvas, que já estão sofrendo secas e fome, indicam perdas potenciais de rendimentos de 33% para o milho. Duzentos milhões de pessoas serão deslocadas pelo aumento do nível do mar e estima-se o desaparecimento de um sexto da população mundial, isto é, um bilhão de pessoas. Assim também poderiam desaparecer entre 15% e 40% das espécies, e as populações de peixes se veriam severamente ameaçadas. Os pobres do mundo serão os mais afetados, e a mudança climática constitui uma séria ameaça à possibilidade de reduzir a pobreza. Segundo o Instituto Alemão de Pesquisa Econômica, as catástrofes naturais dos últimos dez anos causaram prejuízos superiores a US$ 33 bilhões. Esta quantia é seis vezes maior do que os danos causados há 50 anos, e os custos para as seguradoras se multiplicaram por dez nesse período. O Informe sobre a Economia da Mudança Climática, feito por Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial, diz que o custo da falta de ação ficaria entre 5% e 20% do produto interno bruto mundial. O aquecimento global seria mais prejudicial do que a Primeira ou a Segunda Guerra Mundial, podendo despertar uma crise equivalente à grande depressão de 1930. Segundo Stern, são quatro as formas de baixar as emissões de gases de efeito estufa: redução da demanda por bens e serviços intensivos em emissões, aumentar a eficiência energética, evitar o despovoamento florestal e usar tecnologias mais baixas em emissões de carbono. Isto poderia criar novas oportunidades em uma ampla gama de indústrias e serviços já que, até 2050, é provável que os mercados de produtos energéticos baixos em carbono tenham um valor mínimo de US$ 500 bilhões anuais, ou mais. Por outro lado, a erradicação das ineficiências energéticas abriria oportunidades de economia para as empresas, eliminaria os subsídios que produzem sinais econômicos equívocos e que custam anualmente aos governos do mundo cerca de US$ 250 bilhões, além de reduzir o custo por doenças e mortes devidas à poluição atmosférica. Um dos principais instrumentos econômicos propostos por Stern é o estabelecimento de um preço para o carbono, mediante a imposição de impostos ou regulamentações. Em termos econômicos, os gases de efeito estufa são uma demonstração externa negativa, isto é, quem produz emissões desses gases contribui para a mudança climática e impõe um custo não menor ao mundo e às futuras gerações, sem que tenha de enfrentar plenamente as conseqüências de suas ações. A destinação de um preço apropriado ao carbono –por meio de um imposto, por exemplo– significaria fazer os emissores de dióxido de carbono pagarem o custo que repassam ao mundo. Outras medidas propostas por Stern têm relação com políticas que apóiem o desenvolvimento de uma gama de tecnologias altamente eficientes e baixas em carbono, bem como políticas voltadas a eliminar as barreiras à mudança de práticas e costumes, como as que impedem o uso maciço de energias renováveis. O interessante é que, apesar dos enormes custos estimados por Stern, não existe um olhar catastrófico, e afirma que reduzir as emissões de dióxido de carbono agora representaria o custo de apenas 1% do PIB. O aquecimento global é um problema grave, mas também nos dá a oportunidade para as mudanças necessárias em favor de uma ordem melhor e mais segura, não apenas para os 10% mais ricos da humanidade, mas também para os pobres, que, nas atuais circunstâncias, com ou sem mudança climática, são os perdedores do amanhã. * O autor é economista da Universidade do Chile. Direitos exclusivos Terramérica. A Fedecares coleta o café verde (selecionado e descascado antes de ser torrado) para vendê-lo principalmente aos mercados do Canadá, Espanha, Estados Unidos e França. “Toda produção do nosso café se enquadra em iniciativas de comércio justo, e 90% da nossa produção é orgânica e amigável com o meio ambiente”, porque não emprega produtos químicos sintéticos para fertilizar nem combater pragas, disse o dirigente da Fedecares, Refino Herrera. Os membros da Federação produziram, este ano, entre 20 mil e 25 mil quintais de café. O salário mínimo no setor, tanto para homens quanto para mulheres, ainda é muito baixo, cerca de US$ 185 mensais. Melhorar as condições de vida implica esforços educacionais. Para promover a formação universitária dos filhos das famílias produtoras, sobretudo dos que têm menos recursos, a Fedecares criou um programa de bolsas financiado por universidades dominicanas e cubanas. Em 2007, foram entregues dez bolsas de centros de estudos dos dois países, das quais 25% para trabalhadores do setor cafeeiro e de desenvolvimento rural. “Foi extremamente importante ter acesso a essa bolsa, não apenas pela minha educação e inserção no mercado de trabalho, mas porque estou utilizando meus conhecimentos para impulsionar o desenvolvimento da minha comunidade”, disse Cesarina Encarnación, gerente comercial da Agroesa, empresa cafeeira do município de Los Cacaos, a 70 quilômetros de Santo Domingo. Para incentivar boas práticas produtivas, a Fedecares iniciou um concurso anual de comércio justo para pequenos produtores. O prêmio consiste em uma quantia extra de dinheiro, além da parte que cabe a cada cafeicultor pelas exportações. “Este dinheiro não vai para o ganhador, mas é utilizado para obras sociais, para o desenvolvimento da comunidade, como infra-estrutura, educação e saúde”, afirmou Juan Lugo Franco, que trabalha no setor cafeeiro desde os 13 anos de idade. “Fazemos reuniões mensais na Fedecares onde nos informam sobre o andamento do mercado. Homens e mulheres decidem nesses encontros as políticas a serem implementadas”, disse Franco. As mulheres estão ocupando um papel mais ativo na produção e venda. “Capacitamos 40 famílias par que houvesse uma distribuição igual das terras entre homens e mulheres”, explicou Viviana Martes Lorenzo, ativista da Associação de Mulheres em Ação (AMA). “Quando começamos com a AMA, decidimos tentar obter de nossos maridos parte das terras. Falamos com eles explicando que com o trabalho em conjunto poderia haver mais progresso”, disse Felicia Lorenzo, de 53 anos e proprietária de cafezais. “Desde que tenho minha terra para cuidar, sou mais autônoma e sinto que meu trabalho é mais reconhecido”, explica esta mãe de oito filhos. A AMA colabora com a Fedecares para fomentar projetos femininos de café e dar poder às mulheres. Hoje, 50 mulheres já são proprietárias de terras e 25 fazem parte do programa feminino de café em Los Cacaos, Barahona, Polo e San Cristóbal, no sul do país. “Um dos melhores resultados de nosso trabalho é o maior poder das mulheres. Antes, elas não manejavam os recursos. Agora, têm a oportunidade de gerir seu trabalho e administrar sua renda”, disse Herrera. As exportações de café de nove dos principais produtores da América Latina, com exceção do Brasil, aumentaram, em média, 3,77% ao fim do ano cafeeiro, entre outubro de 2007 e setembro de 2008, informou a Associação Nacional do Café da Guatemala. Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Colômbia, México, Peru e República Dominicana exportaram nesse período 29,3 milhões de sacas de 60 quilos, superando em quase 4% as vendas ao exterior no período anterior. * A autora é correspondente da IPS. FOTO: VALERIA VILLARDO/IPS O A MARCEL CLAUDE. Trabalhadores de cafezais em Los Cacaos, comunidade do sul da República Dominicana. Editor: Adalberto Wodianer Marcondes - realizado pela IPS, sob os auspícios do Pnuma e do Pnud. No Brasil é produzido pela Agência Envolverde – Rua Simpatia, 179 – Vila Madalena – São Paulo – SP – CEP 05436-020 – Tel/Fax: (11) 3034.4887 – [email protected]