RESPOSTAS DE EMERGÊNCIA PARA ACIDENTES COM
CARGAS PERIGOSAS EM CURSOS D’ÁGUA: ANÁLISE DE
CENÁRIOS ATRAVÉS DO SOFTWARE SIAQUA-IPH
Ayan Santos Fleischmann – [email protected]
Instituto de Pesquisas Hidráulicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Av. Bento Gonçalves, 9500
9150-970 – Porto Alegre – Rio Grande do Sul
Arthur Tschiedel – [email protected]
Instituto de Pesquisas Hidráulicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Fernando Mainardi Fan – [email protected]
Instituto de Pesquisas Hidráulicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Walter Collischonn – [email protected]
Instituto de Pesquisas Hidráulicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Resumo: A crescente expansão da malha rodoviária brasileira faz com que haja um aumento da
demanda por estudos ambientais relacionados à instalação e operação de rodovias, e com estes a
necessidade do desenvolvimento de programas que lidem com a identificação e gestão de acidentes
com cargas perigosas. Este trabalho propõe uma metodologia para análise de vulnerabilidade dos
corpos hídricos a jusante de pontos de lançamento de cargas perigosas, considerando hipotéticos
acidentes em cruzamentos de rodovias com rios. Foram simulados no modelo SIAQUA-IPH cenários
de lançamentos instantâneos de 4.000 e 15.000 L de cargas de pesticidas solúveis no trecho final do
Rio Taquari, Rio Grande do Sul, no seu cruzamento com a BR-386. Os resultados analisados foram
os gráficos de passagem dos polutogramas pelas captações de água bruta da Companhia
Riograndense de Saneamento (CORSAN) e os mapas de concentrações limites modelados, com os
quais se avaliou a distribuição espacial da poluição gerada pelos acidentes. Os resultados indicaram
que qualquer cenário levaria a consequências extremas na comparação com a legislação vigente
(CONAMA 357), com concentrações de pico de 9.15 e 34.33 mg/L na captação de água de Bom
Retiro de Sul e 3.36 e 12.59 mg/L na captação de Taquari, com polutogramas defasados na ordem de
seis horas entre estes dois pontos. O método apresentado se mostrou uma poderosa ferramenta para
a elaboração de Planos de Ação de Emergência, sendo importante na delimitação de pontos críticos
de risco ao longo da rodovia, bem como na análise de cenários de acidentes relacionados a estes
pontos.
Palavras-Chave: Planos de Emergência, Simulação de Cenários, Cargas Perigosas, Rodovias,
Cursos Hídricos
EMERGENCY RESPONSE PROGRAM FOR ACCIDENTS WITH
DANGEROUS GOODS IN WATER COURSES: SCENARIOS
ANALYSIS WITH SIAQUA-IPH SOFTWARE
Abstract: The growing expansion of Brazilian road network has been creating and increasing demand
for environmental studies related to installation and operation of these roads, and a necessity for the
development of programs that deal with the identification and management of accidents with
dangerous goods. This work proposes a methodology for vulnerability analysis of water courses
located downstream of dangerous goods releasing points, considering hypothetical accidents in
crossing points between rivers and roads. Three scenarios were simulated with SIAQUA-IPH model,
considering instantaneous releases of 4.000 and 15.000 L of soluble pesticides in the final stretch of
River Taquari (Rio Grande do Sul state) in its crossing point with BR-386 road. Analysed results were
(i) pollutogram graphs passing through the Riograndese Sanitation Company (CORSAN) raw water
abstraction points and (ii) maximum concentration maps, with which the spatial distribution of the
pollution caused was assessed. Results indicated that any scenario would lead to serious
consequences in terms of current legislation (CONAMA 357), with peak concentrations of 9.15 and
34.33 mg/L in Bom Retiro do Sul abstraction point, and 3.36 and 12.59 mg/L in Taquari point.
Pollutographs presented a difference in arrival times of around six hours between these two points.
The method presented in this work proved a powerful tool for the elaboration of Emergency Action
Plans, and is important for the delineation of critical risk points along the road, as well as for the
scenario analysis of accidents related to these points.
Keywords: Emergency Plans, Scenarios Analysis, Dangerous Goods, Roads, Water Courses
1. INTRODUÇÃO
Sabe-se que obras rodoviárias tendem a acarretar impactos variados no meio ambiente,
destacando-se, neste estudo, aqueles relacionados aos cursos hídricos que cruzam o traçado de obras
desta categoria. Estes impactos podem ocorrer tanto na fase de construção (destacando-se o aporte de
sedimentos ocasionado pelo nivelamento do corpo estradal) como na fase de operação da mesma, em
que se destacam aqueles relacionados a eventos acidentais envolvendo transporte de cargas perigosas
nas proximidades de mananciais. Neste sentido, considerando a acelerada expansão da malha
rodoviária observada nos últimos anos, criou-se uma demanda relacionada à inclusão de, nos estudos
ambientais que fazem parte do licenciamento ambiental de rodovias, programas que trabalhem com a
identificação, gestão e atendimento emergencial para locais de ocorrência de acidentes envolvendo
cargas perigosas. Essa demanda parte não só dos órgãos ambientais responsáveis pelo licenciamento
de obras desta categoria, como também por parte do próprio Departamento Nacional de Infraestrutura
de Transito (DNIT), que exigem, em âmbito de aplicação do PBA (Plano Básico Ambiental,
necessário para obtenção da Licença de Instalação - LI), a existência tanto do “PGR” (Programa de
Gerenciamento de Riscos) como do “PAE” (Programa de Ação Emergencial).
Paralelamente à existência da necessidade de identificação imediata da propagação de cargas
perigosas oriundas de acidentes em corpos hídricos, ressalta-se a diversa literatura científica referente
a modelos computacionais que focam diretamente a simulação e o comportamento de poluentes
diversos em corpos hídricos, de forma que podem ser destacados modelos como o QUAL-2E, QUAL2K, SIMCAT e SWAT (TSCHIEDEL, 2013). Ainda, destaca-se o modelo SIAQUA-IPH, proposto
por FAN (2013), que, dentre outras aplicabilidades, pode ser utilizado para calcular a dispersão,
propagação e decaimento de determinado poluente despejado em um curso hídrico.
O propósito deste artigo é, portanto, avaliar a inserção da utilização do SIAQUA-IPH no
âmbito de Programas de Ações Emergenciais, para que se possa, através de cenários acidentais
hipotéticos envolvendo cargas perigosas em cruzamentos de rodovias com mananciais, estimar
conservadoramente o comportamento do polutograma gerado para jusante.
Assim, espera-se contribuir para a gestão emergencial do uso de águas em manchas urbanas,
ou ETAs (Estação de Tratamento de Águas) que por ventura se encontrem a jusante destas hipóteses
acidentais e que possam ser prejudicadas pela pluma de poluição gerada no manancial.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
2.1. PROGRAMA DE GERENCIAMENTO DE CARGAS PERIGOSAS E PLANO DE AÇÃO
EMERGENCIAL (PGR/PAE)
O Programa de Gerenciamento de Cargas Perigosas e Plano de Ação Emergencial
(PGR/PAE) são sub-programas que devem pertencer ao escopo de PBAs, para fins de licenciamento
em rodovias.
Tradicionalmente, o PGR é composto por 3 níveis de informações: (i) áreas sócioambientalmente sensíveis, em que se destacam, por exemplo, áreas de mananciais e áreas de
preservação permanente; (ii) áreas críticas: em que se destacam as áreas ou segmentos da estrada em
que há maior probabilidade de acidentes, dadas as condições de trafegabilidade e; (iii) mapeamento
das cargas: em que são identificadas e caracterizadas as cargas perigosas de maior probabilidade de
tráfego na rodovia de estudos. A partir da identificação de cada um dos itens é possível, então, definir
quais partes da rodovia devem ter sinalização que diminuem a probabilidade de acidentes ou
estruturas que protejam as áreas sensíveis, para as características das cargas usualmente encontradas
no fluxo de veículos pesados na rodovia.
Já a elaboração do PAE está vinculada ao atendimento emergencial de acidentes com cargas
perigosas, sendo necessário, sucintamente: (i) definição de um Grupo de Controle Operacional
(GCO); (ii) definição de um Centro de Controle Operacional (CCO) e; (iii) definição dos
procedimentos a serem executados para o atendimento de sinistros envolvendo cargas perigosas.
Ainda, as metodologias majoritariamente utilizadas para estes levantamentos são as
preconizadas no Manual para Implementação de Planos de Ação de Emergência para Atendimento a
Sinistros Envolvendo o Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos - IPR 716 (IPR/DNIT, 2005) e
no Programa de Gerenciamento de Riscos para Administradores de Rodovias para o Transporte de
Produtos Perigosos da CETESB (2012). Ressalta-se que as cargas perigosas são ordenadas de acordo
com o grau de periculosidade, sendo divididas em dois grupos: Classe e Sub-Classe. A Tabela 1
apresenta estes grupos.
Tabela 1 - Classes e Sub-Classes de Substâncias Perigosas (adaptado de IPT/DNIT, 2005)
SUB
CLASSIFICAÇÃO
DEFINIÇÕES
CLASSE
1.1
Substância e artigos com risco de explosão em massa.
Substância e artigos com risco de projeção, mas sem
1.2
risco de explosão em massa.
Classe 1
Substâncias e artigos com risco de fogo e com pequeno
Explosivos
1.3
risco de explosão ou de projeção, ou ambos, mas sem
risco de explosão em massa.
Substância e artigos que não apresentam risco
1.4
significativo.
CLASSIFICAÇÃO
SUB
CLASSE
1.5
1.6
2.1
Classe 2
Gases
2.2
2.3
Classe 3
Líquidos Inflamáveis
Classe 4
Sólidos Inflamáveis;
Substâncias sujeitas à combustão
espontânea; substâncias que, em
contato com água, emitem gases
inflamáveis
-
4.1
4.2
Classe 4
Sólidos Inflamáveis;
Substâncias sujeitas à combustão
espontânea; substâncias que, em
contato com água, emitem gases
inflamáveis
4.3
5.1
Classe 5
Substâncias Oxidantes e
Peróxidos Orgânicos
5.2
DEFINIÇÕES
Substâncias muito insensíveis, com risco de explosão
em massa.
Artigos extremamente insensíveis, sem risco de
explosão em massa.
Gases inflamáveis: são gases que a 20°C e à pressão
normal são inflamáveis quando em mistura de 13% ou
menos, em volume, com o ar ou que apresentem faixa
de inflamabilidade com o ar de, no mínimo 12%,
independente do limite inferior de inflamabilidade.
Gases não-inflamáveis, não tóxicos: são gases
asfixiantes, oxidantes ou que não se enquadrem em
outra subclasse.
Gases tóxicos: são gases, reconhecidamente ou
supostamente, tóxicos e corrosivos que constituam
risco à saúde das pessoas.
Líquidos inflamáveis: são líquidos, misturas de líquidos
ou líquidos que contenham sólidos em solução ou
suspensão, que produzam vapor inflamável a
temperaturas de até 60,5°C, em ensaio de vaso fechado,
ou até 65,6ºC, em ensaio de vaso aberto, ou ainda os
explosivos líquidos insensibilizados dissolvidos ou
suspensos em água ou outras substâncias líquidas.
Sólidos inflamáveis, substâncias auto-reagentes e
explosivos sólidos insensibilizados: sólidos que, em
condições de transporte, sejam facilmente
combustíveis, ou que por atrito possam causar fogo ou
contribuir para tal; substâncias auto-reagentes que
possam sofrer reação fortemente exotérmica;
explosivos sólidos insensibilizados que possam
explodir se não estiverem suficientemente diluídos.
Substâncias sujeitas à combustão espontânea:
substâncias sujeitas a aquecimento espontâneo em
condições normais de transporte, ou a aquecimento em
contato com ar, podendo inflamar-se.
Substâncias que, em contato com água, emitem gases
inflamáveis: substâncias que, por interação com água,
podem tornar-se espontaneamente inflamáveis ou
liberar gases inflamáveis em quantidades perigosas.
Substâncias oxidantes: são substâncias que podem, em
geral pela liberação de oxigênio, causar a combustão de
outros materiais ou contribuir para isso.
Peróxidos orgânicos: são poderosos agentes oxidantes,
considerados como derivados do peróxido de
hidrogênio, termicamente instáveis que podem sofrer
decomposição exotérmica auto-acelerável.
CLASSIFICAÇÃO
Classe 6
Substâncias Tóxicas e
Substâncias Infectantes
SUB
CLASSE
6.1
6.2
Classe 7
Material radioativo
-
Classe 8
Substâncias corrosivas
-
Classe 9
Substâncias e Artigos
Perigosos Diversos
-
DEFINIÇÕES
Substâncias tóxicas: são substâncias capazes de
provocar morte, lesões graves ou danos à saúde
humana, se ingeridas ou inaladas, ou se entrarem em
contato com a pele.
Substâncias infectantes: são substâncias que contém ou
possam conter patógenos capazes de provocar doenças
infecciosas em seres humanos ou em animais.
Qualquer material ou substância que contenha
radionuclídeos, cuja concentração de atividade e
atividade total na expedição (radiação), excedam os
valores especificados.
São substâncias que, por ação química, causam severos
danos quando em contato com tecidos vivos ou, em
caso de vazamento, danificam ou mesmo destroem
outras cargas ou o próprio veículo.
São aqueles que apresentam, durante o transporte, um
risco não abrangido por nenhuma das outras classes.
2.2. MODELO SIAQUA-IPH
O Simulador Analítico de Qualidade da Água (SIAQUA-IPH) é um modelo de qualidade de
água que tem sido desenvolvido nos últimos anos pelo Instituto de Pesquisas Hidráulicas da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IPH/UFRGS), o qual permite simular diferentes cenários
de impacto de lançamentos de efluentes em rios com grandes bacias hidrográficas (> 1.000 km2) em
situações de carência de dados. O modelo utiliza uma técnica de simulação baseada em soluções
analíticas da equação de dispersão longitudinal aplicada a cada trecho de rio de uma rede de drenagem
vetorial, e funciona como um plugin do software MapWindow®, que é um programa de Sistema de
Informação Geográfica (SIG) de circulação livre. Do ponto de vista hidrológico, o SIAQUA-IPH
utiliza um regime permanente de vazões (não variam com o tempo), além de adotar a hipótese de
escoamento unidimensional, com mistura completa dos poluentes nos nós de afluências de rios.
O modelo permite a simulação de cenários de diferentes vazões, referentes a situação de
cheia, seca ou vazões intermediárias, baseando-se em valores de referência (por exemplo: Q90, Q70,
Q50, Q30 e Q10). Além disso, é permitida a inserção de diferentes tipos de lançamentos de poluentes, de
acordo com sua distribuição temporal: (i) instantâneo; (ii) intermitente; (iii) contínuo; e (iv)
permanente. Para o caso de descargas acidentais, o tipo adotado é de lançamento instantâneo, em que
se assume que toda a carga é despejada no mesmo momento dentro do corpo hídrico. Para descargas
mais longas, como o de o rompimento de uma barragem de rejeitos, um lançamento intermitente seria
mais representativo. A Figura 1 ilustra os diferentes tipos de lançamento possíveis.
Figura 1. Tipos de lançamento de poluentes disponíveis no SIAQUA-IPH.
A metodologia do modelo SIAQUA-IPH envolve cinco etapas: (i) o pré-processamento de
dados geoespaciais; (ii) a definição de atributos hidráulicos; (iii) a inclusão de lançamentos; (iv) o
cálculo de propagação; e (v) o pós-processamento para visualização dos resultados. Estas etapas serão
explicadas a seguir.
Nas etapas de pré-processamento de dados geoespaciais e de definição de atributos
hidráulicos, os dados gerados para a simulação são (1) dados de geometria da bacia (comprimento e
declividade de cada trecho de rio que compõe a bacia hidrográfica); (2) um shapefile da rede de
drenagem da bacia, que pode ser obtido através de ferramentas de geoprocessamento (como os
pacotes ArcHYDRO do ArcGIS® e TauDEM) (MAIDMENT, 2002; TARBOTON, 2013); e (3)
dados hidráulicos (vazões e velocidades de referência e largura dos trechos de rio). Os dados de
geometria podem ser obtidos através de ferramentas de SIG, sendo que o SIAQUA-IPH dispõe de um
programa de pré-processamento de dados chamado PrePro_SIAQUA-IPH que permite a obtenção
destes dados através da inserção de quatro arquivos raster oriundos de geoprocessamento (Raster de
Modelo Digital de Elevação, de Direção de Fluxo, de Rede de Drenagem e de Minibacias). As vazões
e velocidades de referência podem ser obtidas através de modelagem hidrológica ou de regionalização
de vazões, a partir das vazões de referência de um posto fluviométrico inserido na bacia. A largura
dos trechos pode ser estimada através de equações empíricas, relacionando, por exemplo, o valor da
vazão de referência à largura. Para a inserção dos lançamentos de poluentes, é necessário que se
realize uma etapa de segmentação da rede de drenagem, dividindo esta em diversos trechos de rio
(gerando um trecho para cada confluência de trechos).
Na etapa de inserção de lançamentos, o usuário seleciona o trecho de rio desejado e escolhe
um dos quatro tipos anteriormente citados - descargas instantâneas, intermitentes, contínuas e
permanentes. Para cada lançamento inserido, informações referentes ao poluente e a características da
descarga devem ser fornecidas, como a massa ou concentração da carga despejada, coeficiente de
decaimento de primeira ordem, intervalo de tempo e localização (na margem ou no centro do rio) do
lançamento, e dados de vazão do efluente (para casos que não sejam instantâneos).
Para a propagação das plumas de contaminação, o modelo simula a dispersão longitudinal, a
advecção e o decaimento do poluente trecho a trecho, considerando os dados geométricos e
hidráulicos destes e o cenário escolhido (por exemplo, ao escolher um cenário de cheia, a Q10 de cada
trecho será utilizada para os cálculos). Os resultados são visualizados para o exutório de cada trecho
de rio. No SIAQUA-IPH pode-se optar para entre uma calha retangular ou trapezoidal, sendo que a
profundidade de cada trecho de rio é calculada de acordo com uma equação que relaciona este
atributo com a vazão de referência do trecho. Para a dispersão, advecção e decaimento de poluentes,
diferentes derivações da equação de transporte de solutos são utilizadas para cada tipo de lançamento,
considerando escoamento unidirecional e decaimento de primeira ordem. Além disso, para a
propagação da pluma entre cada trecho foi adotada uma estratégia de convolução de polutograma,
sendo que a visualização dos resultados só é permitida a partir de certa distância do lançamento,
referente ao ponto de mistura completa, que é calculado através de equacionamentos que relacionam
esta distância a valores de velocidade, largura e profundidade do trecho. Por fim, o modelo dispõe de
um módulo de simulação de lançamentos permanentes de esgotos domésticos, utilizando o modelo de
Streeter-Phelps para a simulação de matéria orgânica. Detalhes dos modelos matemáticos utilizados
no SIAQUA-IPH estão descritos em FAN et al. (2013).
Uma das vantagens do acoplamento com um software de SIG é a fácil e interativa
visualização dos resultados. O programa dispõe de diversas ferramentas de apresentação destas
simulações, como as curvas de passagem do polutograma no trecho de rio selecionado, o perfil
longitudinal da dispersão/atenuação do poluente para um dado intervalo de tempo e o mapa de
concentrações da simulação, indicando qual trecho de rio teve concentrações de pico superiores a
determinado limite (por exemplo, os padrões de classe do CONAMA 357).
O modelo foi desenvolvido visando à simulação de grandes bacias (com área de drenagem
superior a 1000 km²), utilizando simplificações na modelagem matemática e exigindo poucos dados
para a sua utilização. Os dados de entrada do SIAQUA-IPH são um shapefile da rede de drenagem
segmentada, um arquivo de dados geométricos (comprimentos e declividade de cada trecho de rio),
um arquivo contendo os dados hidráulicos (vazões e velocidades de referência e largura de cada
trecho de rio) e as informações referentes ao lançamento.
2.3. ÁREA DE ESTUDO
A área de estudo selecionada para as simulações de lançamento acidental de cargas perigosas
está localizada no trecho final do Rio Taquari, próximo à sua foz no Rio Jacuí, na região nordeste do
estado do Rio Grande do Sul (Figura 3). A bacia do rio Taquari possui aproximadamente 27.000 km²,
e abrange cerca de um milhão de habitantes (COMITÊ TAQUARI-ANTAS, 2014), passando por
cidades importantes do estado como Vacaria, Caxias do Sul, Bento Gonçalves e Lajeado. O tamanho
da bacia faz com que a utilização do modelo SIAQUA-IPH seja satisfatória.
Diversas estradas cruzam a bacia do Rio Taquari, sendo que das oito rodovias com mais
acidentes com carga perigosa do estado, cinco passam nesta região: BR-386, RS-122, BR-116, BR285 e BR-153 (Figura 2). Para este estudo, o cruzamento da BR-386 com o Rio Taquari (próximo à
cidade de Lajeado) foi selecionado para as simulações devido à proximidade deste com as captações
de água bruta para abastecimento da Companhia Riograndense de Saneamento (CORSAN). Além
disso, identificou-se as principais cargas transportadas nesta rodovia, sendo elas combustíveis,
pesticidas e solventes. Optou-se pela simulação de acidentes com pesticidas solúveis.
Figura 2. Análise das rodovias gaúchas com mais acidentes com carga perigosa no período
1994-2014 (Fonte: FEPAM).
Figura 3. Localização da bacia do Rio Taquari, no estado do Rio Grande do Sul.
2.4. SIMULAÇÕES REALIZADAS NO SIAQUA-IPH
Foram realizadas simulações no SIAQUA-IPH para a análise do lançamento acidental de
cargas perigosas. Optou-se pelo teste com um pesticida solúvel. Utilizou-se duas diferentes cargas
deste poluente despejadas no centro do rio: 4000 e 15000 L. Considerando uma densidade de 1.47
kg/l, foram inseridas as massas 5880 kg e 22050 kg de pesticida. O coeficiente de decaimento de
primeira ordem utilizado foi 0.0355 d-1, baseado nos resultados obtidos por KARPOUZAS et al.
(2006) para o agroquímico Cinosulfuron.
Os dados de SIG utilizados para este trabalho foram shapefiles referentes a (i) rodovias
brasileiras,
obtidas
no
site
do
Ministério
do
Meio
Ambiente
(http://mapas.mma.gov.br/i3geo/datadownload.htm); (ii) localização das captações de água bruta da
CORSAN e sede dos municípios da bacia, obtidos junto ao Departamento de Recursos Hídricos da
Secretaria de Meio Ambiente do RS (DRH); e (iii) rede de drenagem e polígono da bacia do Rio
Taquari obtidos através do pacote ArcHYDRO do ArcGIS®. O arquivo de entrada dos dados
geométricos para o SIAQUA-IPH foi gerado utilizando-se o PrePro-SIAQUA-IPH, usando como
entrada os arquivos raster do modelo de elevação digital, direção de fluxo, minibacias e rede de
drenagem.
As vazões de referência foram obtidas através de regionalização de vazões, utilizando os
dados do posto fluviométrico Muçum, disponíveis no site HidroWeb da Agência Nacional de Águas.
Baseou-se em uma proporção de áreas, considerando a relação entre a área de drenagem deste posto e
a área de drenagem do exutório de cada trecho de rio. As velocidades de referência, larguras e
profundidades foram obtidas respectivamente pelas relações empíricas Vref=0.2694.Qref0.3825,
B=3.2466.A0.4106 e H=0.285.Q0.5833, sendo Vref a velocidade de referência, B a largura, A a área de
drenagem do exutório do trecho, Qref a vazão de referência e H a profundidade de cada trecho de rio.
Neste estudo, considerou-se para os três testes um regime de vazão intermediário, referente à Q50.
A metodologia para os três testes seguiu os seguintes passos: (i) inserção de lançamento
instantâneo do pesticida no cruzamento entre a BR-386 e a rede de drenagem do Rio Taquari; (ii)
análise dos polutogramas gerados nas captações próximo às cidades de Cruzeiro do Sul e Taquari; e
(iii) análise do mapa de concentrações gerado, indicando a concentração de pico encontrada em cada
trecho de rio, a fim de se avaliar a extensão da poluição oriunda do lançamento.
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
A seguir são apresentados os resultados das simulações realizadas no SIAQUA-IPH para os
dois cenários de acidentes de carga perigosa com pesticida solúvel no cruzamento da BR-386 com o
Rio Taquari.
A interface do modelo permite a visualização das curvas de passagem do polutograma em
cada trecho de rio da rede de drenagem segmentada. As Figuras 4 e 5 mostram os resultados da
simulação para os testes com 5880 e 22050 kg de pesticida, respectivamente, para dois pontos de
captação de água da CORSAN (nas cidades de Cruzeiro do Sul e Taquari). Os gráficos apresentam de
forma clara os processos de advecção (levando aproximadamente seis horas para a concentração de
pico partir de Cruzeiro do Sul a Taquari) e de atenuação da pluma (dispersão e decaimento).
Concentrações de pico para os dois pontos foram de 9.15 e 3.36 mg/L para a descarga de 5880 kg e
34.33 e 12.59 mg/L para o lançamento de 22050 kg.
Figura 4. Interface do modelo SIAQUA-IPH: Propagação da Descarga Acidental de 5880 kg (4000L).
Figura 5. Interface do modelo SIAQUA-IPH: Propagação da Descarga Acidental de 220500 kg
(15000 L).
Outros resultados importantes são os mapas de concentração gerados, em que se analisou a
concentração máxima encontrada em cada trecho de rio para cada simulação (Figuras 6 e 7).
Observou-se que para o lançamento de 5880 kg, apenas uma captação de água estaria em trechos com
mais de 20 mg/L de pesticida solúvel, ao passo que para o cenário de 22050 kg, duas captações se
encontrariam nesta situação. É importante notar que todos os resultados apresentados seriam
catastróficos para o curso d’água, a considerar que concentrações-limite da CONAMA 357 para
pesticidas estão na ordem de microgramas por litro, muito abaixo de qualquer valor gerado nestas
simulações. Cabe salientar também que na fase de escolha de cenários a vazão de referência é uma
variável fundamental na determinação dos polutogramas de saída, sendo que os valores de
concentração de pico encontrados podem variar significativamente entre situações de seca ou cheia.
Os produtos acima apresentados têm o potencial de agregar qualidade aos programas de
respostas de emergência para acidentes em rodovias com cargas perigosas. As formas de visualização
temporal (polutogramas) e espacial (mapas de concentração) podem ser utilizadas de forma
complementar em um plano de emergência.
Por exemplo, na posse de um polutograma, os responsáveis pela tomada de decisão
relacionada com o fechamento das captações nos cursos de água afetados podem utilizar a informação
de tempo de passagem da pluma para balizar a tomada de decisão em relação a interrupção do
bombeamento.
Figura 6. Resultado da propagação da descarga acidental de 5880 kg (4000 L) de Pesticida Solúvel no
cruzamento da BR-386 com o Rio Taquari.
Figura 7. Resultado da propagação da descarga acidental de 22050 kg (15000 L) de Pesticida Solúvel
no cruzamento da BR-386 com o Rio Taquari.
Na posse dos dois mapas de concentração dos poluentes, onde as cores estão relacionadas
com as concentrações de pico nos rios afetados, é possivel selecionar quais seriam os trechos de rio
onde seria necessária a tomada de providências para uma ação emergencial, e a partir de onde os
fenômenos de diluição, decaimento e dispersão fariam com que estas concentrações não sejam tão
significativas.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em termos de análise de riscos ambientais, o Manual para Implementação de Planos de Ação
de Emergência do DNIT (IPR/DNIT, 2005) lista as seguintes etapas no que tange à determinação de
pontos críticos de riscos ao longo da rodovia: (i) levantamento do movimento de produtos perigosos
na rodovia; (ii) avaliação do risco dos acidentes postulados e de suas possíveis consequências; e (iii)
caracterização dos pontos críticos com alta possibilidade de ocorrência de acidentes. Os resultados
apresentados neste trabalho estão relacionados com estas três etapas. Durante a elaboração do plano,
os produtos perigosos mais frequentemente transportados devem ser identificados (nesta pesquisa
foram levantados dados de acidentes com carga perigosa disponíveis no site da FEPAM), e o risco
ambiental associado a estas substâncias analisado. Cabe salientar que a disponibilidade de registros
históricos de acidentes com carga perigosa no Brasil é ainda baixa, sendo fundamental a expansão
destas bases de dados (NARDOCCI & LEAL, 2006).
Em termos de qualidade de água em rios, um ponto crítico fundamental são as pontes, sendo
que o ressalto formado na junção entre a seção de pavimento flexível da rodovia e o pavimento rígido
da ponte pode acarretar um solavanco, com consequente acidente. Assim, a simulação de descargas
acidentais no cruzamento de rodovias com cursos d’água é essencial em um Plano de Emergência.
Além disso, os possíveis efeitos destas cargas em captações de água para abastecimento ou outros
usos devem ser analisados, bem como o percurso da pluma de contaminação até outros pontos de
interesse (como manchas urbanas). O uso de um modelo de qualidade da água acoplado a SIG é muito
útil na realização destes planos, permitindo uma avaliação de forma integrada dos pontos
determinados críticos e dos cenários simulados a partir destes.
Finalmente, um software como o SIAQUA-IPH poderia estar disponível na sala do Grupo de
Controle de Operações, que é responsável pela gestão e atendimento de acidentes nas rodovias, de
acordo com a estrutura dos Planos de Ação de Emergência. Normalmente, diversos órgãos participam
deste grupo, com destaque para a Defesa Civil Estadual ou Municipal, Corpo de Bombeiros, IBAMA,
Conselhos Municipais de Meio Ambiente, Prefeituras, além de entidades relacionadas à rodovia,
como concessionárias. Para o caso de um acidente com carga perigosa, uma simulação poderia ser
rapidamente realizada através do modelo, provendo a informação necessária para tomadas de decisões
relacionadas a possíveis cortes de captação de água e demais ações no que tange à dispersão da pluma
de contaminação.
Apesar dos benefícios aqui apresentados, também é importante que sejam mencionadas as
limitações na adoção das técnicas aqui apresentadas, sendo as principais delas as incertezas nos dados
de entrada utilizados e as simplificações matemáticas na modelagem. Assim, para se ter mais
segurança em relação aos resultados, é conveniente que eles sempre sejam interpretados considerando
margens de segurança.
REFERÊNCIAS
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TAQUARI-ANTAS,
2014.
Quem
somos.
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