SANEANTES DOMISSANITÁRIOS E SAÚDE: UM ESTUDO SOBRE A EXPOSIÇÃO DE EMPREGADAS DOMÉSTICAS LILIA MODESTO LEAL CORRÊA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA MESTRADO EM SAÚDE COLETIVA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: PRODUÇÃO, AMBIENTE E SAÚDE ORIENTADOR: PROF. DR. VOLNEY DE MAGALHÃES CÂMARA Professor Titular da Faculdade de Medicina/UFRJ Professor Titular do NESC/UFRJ RIO DE JANEIRO 2005 II UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA SANEANTES DOMISSANITÁRIOS E SAÚDE: UM ESTUDO SOBRE A EXPOSIÇÃO DE EMPREGADAS DOMÉSTICAS LILIA MODESTO LEAL CORRÊA Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva Área de concentração: Produção, Ambiente e Saúde ORIENTADOR: PROF. DR. VOLNEY DE MAGALHÃES CÂMARA RIO DE JANEIRO 2005 III SANEANTES DOMISSANITÁRIOS E SAÚDE: UM ESTUDO SOBRE A EXPOSIÇÃO DE EMPREGADAS DOMÉSTICAS Lília Modesto Leal Corrêa Dissertação submetida ao corpo docente do Núcleo de Saúde Coletiva da UFRJ como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre. Aprovada por: __________________________________ Prof. Dr. Volney de Magalhães Câmara – Orientador Professor Titular da Faculdade de Medicina/UFRJ Professor Titular do NESC/UFRJ _______________________________________ Prof. Dra. Heloisa Pacheco Ferreira Professora Adjunta do Departamento de Medicina Preventiva/UFRJ Professora Adjunta do NESC/UFRJ ________________________________________ Profa. Dra. Laís de Carvalho Professora Adjunta do Departamento de Histologia e Embriologia/UERJ RIO DE JANEIRO 2005 IV 614.07 C824 Corrêa, Lília Modesto Leal Saneantes domissanitários e saúde: um estudo sobre a exposição de empregadas domésticas/ Lília Modesto Leal Corrêa. – Rio de Janeiro: UFRJ, 2005. xi, 94 f.; il. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva – NESC. Orientador: Volney de Magalhães Câmara Inclui referências bibliográficas: f. 69 – 74 1. Saúde Pública 2. Empregadas Domésticas – Saúde 3. Saneantes Domissanitários I. Câmara, Volney de Magalhães (Orientador) II. Universidade Federal do Rio de Janeiro – Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva (NESC) III. Título. V RESUMO Os agentes químicos utilizados nos saneantes domissanitários têm provocado fortes impactos ambientais e sérios danos à saúde humana. Nossa pesquisa pretende realizar uma investigação preliminar tomando como universo um grupo de empregadas domésticas que estudam numa mesma instituição de ensino. Por meio de entrevistas organizadas a partir de um questionário pré-elaborado, investigamos a percepção de risco que essas profissionais desenvolvem à medida que acumulam experiência no desempenho de sua função. Fizemos também um levantamento das principais atividades realizadas, e dos principais produtos de limpeza utilizados, averiguando, ademais, numa amostra selecionada aleatoriamente, o nível de compreensão das informações técnicas contidas nos rótulos das embalagens, bem como a adesão dos sujeitos às orientações de segurança aí presentes. Na variável relacionada ao relato de risco à saúde, 23,9% das trabalhadoras entrevistadas afirmaram terem tido algum problema já no primeiro emprego; 61,6% perceberam algum risco durante o segundo emprego; e 77,3% reconhecem que durante o terceiro emprego tiveram algum problema de saúde associado ao uso de produtos de limpeza. Quanto à leitura e entendimento das informações contidas nos rótulos das embalagens, 24,8% do nosso universo o fazem; 23,6% declararam que apenas às vezes; e 51,6% das trabalhadoras afirmaram que nunca consultam as instruções para manuseio do produto. A variável referente à compreensão das informações presentes no rótulo também apresentou um percentual significativo (52,2%) para aquelas que nunca entendem o que está escrito; 31,2% declararam que compreendem às vezes, e apenas 16% compreendem freqüentemente. Palavras-Chave: saneantes domissanitários, empregadas domésticas, riscos à saúde VI ABSTRACT Chemical agents used in household cleaning materials have produced strong environmental impacts and caused serious damage to their users’ health. Our research is directed toward a preliminary investigation of these impacts on a universe of domestic servants who are all studying at the same institution. Conducting interviews based on a prepared questionnaire, we investigate the extent to which these employees develop a perception of the inherent risks as they accumulate experience with the cleaning materials. We look additionally at the principal tasks involved as well as the main cleaning products used, and evaluate at the same time the level of understanding in a randomly selected group of the technical information supplied on the labels and the degree to which precautionary suggestions about their use are followed. Perception of health risks were discovered in a sampling of 23.9% of servants on their first job; 61.6% were aware of some risk by the time of their second job; and 77.3% realized that they had incurred some health problem arising from use of the detergents by their third job. 24.8% of the respondents said the read and understood information on the labels, whereas only 23.6% claimed to do so occasionally. 51.6% of the servants said that they never consult instructions on the product labels. Insofar as understanding what is written on the labels, a significant portion (52.2%) said they never understood such printed information, whereas 31.2% claimed to understand the precautions occasionally and 16% frequently. Key words: household cleaning products, household servants, health risks VII AGRADECIMENTOS Ao doutor Volney de Magalhães Câmara, meu querido orientador, pela acolhida, paciência e respeito por saber compreender o tempo de amadurecer as idéias, e também pelo incentivo nestes dois anos de convivência. À doutora Heloisa Pacheco, querida amiga, pelas orientações nos momentos iniciais que me ajudaram a trilhar o caminho para realização de um sonho. À doutora Laís de Carvalho, amiga de longa data, pela disponibilidade e contribuição como membro da banca neste trabalho. Ao doutor Herling Gregório Aguilar Alonzo, pelas sugestões durante a construção deste trabalho. À Maria Izabel de Freitas Filhote, pela solidariedade nas incógnitas horas de solidão, quando me encontrava perdida num turbilhão de idéias... Obrigado por ensinar a fazer da realidade uma fonte de aprendizagem. À Maria Imaculada Medina Lima, a força para começar e a luz para um caminho, sua ajuda foi de grande importância. À Sigrid Haikel, amiga e colaboradora, sempre presente nos caminhos tortuosos que me levaram a este tema. À Delvaci, sempre com seu sorriso e paciência para comigo durante toda a nossa convivência ao longo desses anos. Ao Geraldo de Oliveira e ao João Cruz, pela presteza e carinho que sempre me acolheram nas horas difíceis. A todo o pessoal do NESC, doutores, mestres e funcionários, pelo apoio e amizade, e também por terem me agüentado por todo esse tempo. Aos colegas de turma , pela acolhida nesta jornada tão preciosa da minha vida. Ao Colégio Santo Inácio e ao Professor Carlos Alberto Gomes dos Santos, Diretor do Curso Noturno, por mais uma vez acolher a idéia de uma pesquisa na instituição. Obrigado pela oportunidade, confiança e credibilidade na construção desse trabalho. VIII À Neusa Maria Gonçalves Rocha, Coordenadora do Serviço de Orientação do Curso Noturno do Colégio Santo Inácio, e toda sua equipe pelo carinho, ajuda e presteza de criar a possibilidade para esta pesquisa acontecer. A todos os educadores do Curso Noturno do Colégio Santo Inácio, sempre disponíveis, compartilhando momentos de intenso trabalho. A todas as alunas do Curso Noturno do Colégio Santo Inácio, que com suas alegrias e sofrimentos, em momento algum se recusaram a atender qualquer solicitação para que esta pesquisa acontecesse... Este trabalho é de vocês! Ao Toni Faria, um anjo que caiu do céu, grande incentivador para concretização deste trabalho. À Regina Guariglia, pelo apoio pessoal e por me ajudar a buscar forças dentro de mim quando muitas portas pareciam se fechar na minha frente. Ao André Rapozo, pelos agradáveis momentos em sua companhia durante as nossas reflexões pelas serras cariocas. Aos meus grandes amigos que me suportaram nestes anos de luta, e sem os quais não teria concluído este trabalho. A todos, muito obrigada!!! IX “O que provém unicamente do coração conquistará para si o coração dos outros” Goethe X LISTA DE GRÁFICOS, QUADROS E TABELAS Página Gráfico 1. Principais casos de intoxicação no Brasil, por agentes (2001)......................................12 Gráfico 2. Principais casos de intoxicação na região Sudeste, por agentes (2001)........................13 Quadro 1. Principais substâncias químicas encontradas em domissanitários, com indicação de danos causados ao organismo humano............................................14 Tabela 1. Vendas de domissanitários, por país latino-americano, em bilhões de US$ (1996-2000)....................................................................................................................17 Tabela 2 . Previsão de venda de produtos domissanitários, por país latino-americano, em bilhões de US$ (2000-2005)......................................................................................18 Tabela 3 . Vendas de produtos domissanitários, por setor, em bilhões de dólares (1996-2000).....................................................................................................................19 Tabela 4a. Distribuição de variáveis selecionadas sobre exposição a saneantes domissanitários segundo trabalhadoras domésticas estudadas........................................54 Tabela 4b. Distribuição de variáveis selecionadas sobre exposição a saneantes domissanitários segundo trabalhadoras domésticas estudadas........................................58 Tabela 5a. Distribuição de variáveis selecionadas de identificação segundo associação de risco para a saúde pela manipulação de saneantes domissanitárisos no último emprego das trabalhadoras domésticas estudadas................................................63 Tabela 5b. Distribuição de variáveis selecionadas de exposição segundo associação de risco para a saúde pela manipulação de saneantes domissanitárisos no último emprego das trabalhadoras domésticas estudadas................................................65 XI SUMÁRIO INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................... 1 CAPÍTULO 1 - A GUERRA CONTRA A SUJEIRA: UMA GUERRA LIMPA?.................................... 5 1.1 DOMISSANITÁRIOS: AGENTES DE LIMPEZA OU “ARMAS-SUJAS”?........................................................ 8 1.2 EMPREGADAS DOMÉSTICAS: ATRIZES COADJUVANTES OU COMBATENTES VITIMADAS? .................... 20 1.3 OBJETIVOS DA PESQUISA .............................................................................................................. 24 1.4 JUSTIFICATIVA .............................................................................................................................. 25 1.5 MATERIAIS E MÉTODOS ................................................................................................................. 27 CAPÍTULO 2 - REVISÃO BIBLIOGRÁFICA....................................................................................... 35 2.1 O USO DE DESINFETANTES NO AMBIENTE DOMÉSTICO .................................................................... 39 2.2 O DEBATE ENTRE AUTORIDADES ALEMÃES E HIGIENISTAS .............................................................. 42 2.3 ASMA, PRODUTOS E ATIVIDADES DE LIMPEZA E SAÚDE OCUPACIONAL ............................................ 45 CAPÍTULO 3 - ANÁLISE DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO........................................................ 53 CAPÍTULO 4 - CONCLUSÕES ........................................................................................................... 66 BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................................... 69 ANEXOS .............................................................................................................................................. 75 INTRODUÇÃO Segundo reportagem da revista Cosméticos e Perfumes (2001), desde o início da Idade Média a fabricação de sabão é uma atividade bem estabelecida e regulamentada, e os segredos de sua fabricação muito bem guardados. Porém, até meados do século XIX o sabão era taxado pesadamente como artigo de luxo, e somente quando as taxas foram suprimidas o produto ficou mais acessível à população. O primeiro grande passo para a fabricação comercial do sabão foi a descoberta, em 1791, do processo de fabricação do carbonato de sódio, ou barrilha, o componente alcalino que se mistura com as gorduras, o material que servia de base no preparo do sabão. Os custos de produção foram ainda mais reduzidos com a descoberta, na segunda metade do século XIX, do processo da amônia. No início do século XX, começaram a aparecer os sabões de toalete, os sabões em escama, os sabões em pó, e os primeiros detergentes domésticos surgiram no início dos anos 1930. Mas foi somente com o fim da Segunda Guerra Mundial que a sua indústria realmente se desenvolveu. Antes disso, por volta de 1918, aparece na Alemanha o primeiro surfactante, em função da falta de gorduras de origem animal no mercado. Os surfactantes (do inglês, surface active agents) são produtos químicos orgânicos que modificam as propriedades da água, ao diminuir a sua tensão superficial e facilitar o processo da lavagem. Essas substâncias são hoje também conhecidas como tensoativos, e são fabricadas por síntese, ou seja, juntadas quimicamente a partir de uma grande variedade de matérias-primas, exercendo a função de agente de limpeza nos sabões. Em 1946, nos Estados Unidos, surgiu o primeiro detergente reforçado, contendo um surfactante e um adjuvante, componente essencial para limpeza e eficiência da lavagem, como os fosfatos complexos ou polifosfatos, que favorecem a capacidade de lavar roupas extremamente sujas. Atualmente, os surfactantes de síntese encontram-se em todos os detergentes, e para desenvolverem eficazmente as funções para as quais são destinados, muitos produtos de limpeza contêm, pelo menos, dois surfactantes. 2 Desde 1950, o mais famoso produto, o alquilbenzeno sulfonato de sódio, utilizado em detergentes líquidos, em pó e em barras, demonstrou ser muito eficiente, tanto em termos de diminuir a tensão superficial da água, quanto para a remoção e o isolamento de sujeiras oleosas e de diversas naturezas. No entanto, demonstrou-se ser este um produto poluidor de águas residuais despejadas em rios e córregos, uma vez que nelas ele não se degrada naturalmente. O avanço das pesquisas permitiu que essa substância fosse modificada, agregando às suas funções de limpeza a capacidade de ser biodegradável. Hoje em dia, para comporem os produtos comerciais são adicionados diversos outros agentes químicos, tais como os coadjuvantes ou auxiliares do processo de lavagem – abrasivos, ácidos, solventes, álcalis, enzimas, hidrotópicos, anticalcários, reguladores de espuma (estabilizantes e supressores), reforçadores, antiredepositantes e amaciantes –, os aditivos inibidores de corrosão e inibidores de manchas, os branqueadores (óticos e químicos) e os abrilhantadores de tecido (de ação amaciante), os agentes antimicrobianos, os conservantes, os opacificantes, os corantes e perfumes, e demais materiais inertes. Por conseguir conciliar aumento na eficiência da lavagem com redução do custo global, esses agentes químicos têm promovido um rápido incremento da aceitação dos detergentes entre os consumidores. No entanto, muitos deles provocam fortes impactos ambientais, e – como têm provado as recentes pesquisas científicas –, sérios danos à saúde humana, exigindose limitações legais contra sua utilização exagerada na composição da fórmula final do produto de limpeza. Inicialmente acreditou-se que as reações alérgicas e as síndromes respiratórias de diversos tipos pudessem ser derivadas apenas de susceptibilidades individuais, não se constituindo propriamente problemas de saúde pública. Com o desenrolar das pesquisas, os cientistas têm conseguido relacionar a exposição aos saneantes domissanitários com riscos de desenvolvimento de doenças associadas a atividades de limpeza, sendo a asma a principal delas. Trabalhadores de escritório, profissionais de ambiente hospitalar e faxineiros, e, mais recentemente também, empregadas domésticas e donas-de-casa têm sido investigados no intuito de estabelecer relações mais precisas entre variáveis selecionadas no ambiente de trabalho e decorrentes de hábitos comportamentais. Nossa pesquisa se alinha com as preocupações desses pesquisadores internacionais, e de organizações governamentais e não-governamentais envolvidas nas investigações sobre os possíveis danos que os agentes químicos presentes em domissanitários provocam em trabalhadores submetidos à sua exposição. Em virtude da 3 inexistência no Brasil de trabalhos sobre o tema (salvo aqueles relacionados com a exposição a agrotóxicos e a inseticidas), procuramos realizar uma investigação preliminar tomando como universo amostral um grupo de empregadas domésticas, alunas de uma mesma instituição de ensino. Por meio de entrevistas organizadas a partir de um questionário pré-elaborado, investigamos a associação de risco que essas profissionais desenvolvem à medida que acumulam experiência no desempenho de sua função. Fizemos também um levantamento das principais atividades realizadas, e dos principais produtos de limpeza utilizados, averiguando, ademais, numa amostra selecionada aleatoriamente, o nível de compreensão das informações técnicas contidas nos rótulos das embalagens, bem como a adesão dos sujeitos às orientações de segurança aí contidas. Os dados coletados sugerem que as autoridades governamentais deveriam realizar mais campanhas educativas, no sentido de esclarecer a população (e não apenas as empregadas domésticas) acerca dos riscos envolvidos e da necessidade do uso de equipamentos de segurança durante a manipulação de domissanitários. Acreditamos também que as autoridades deveriam prestar mais atenção aos procedimentos de rotulagem, procurando tornar mais acessível a linguagem excessivamente técnica que eles apresentam. Para efeito de apresentação, organizamos esta dissertação em quatro capítulos. No primeiro, procuramos construir nosso objeto de pesquisa, apresentando aos leitores as informações disponíveis sobre os domissanitários, os principais agentes químicos neles contidos, e os principais danos à saúde humana que eles comportam. Fornecemos também alguns dados sobre o mercado latino-americano dos produtos de limpeza na última década, e tratamos de refletir sobre o mercado de serviços domésticos remunerados no Brasil. Discutimos, ainda, os objetivos principais e específicos de nossa pesquisa, bem como a sua justificativa e a metodologia empregada. Aí também apresentamos dados sobre a população de estudo e a instituição em que realizamos a investigação. No segundo capítulo, realizamos a revisão da bibliografia específica sobre o nosso tema, apresentando um trabalho que organizou as primeiras pesquisas, efetuadas nas décadas de 1950, 1960 e 1970, sobre o uso de desinfetantes no ambiente doméstico. Focamos igualmente a arena discursiva internacional em que se trava hoje a batalha entre 4 higienistas e ambientalistas a respeito do uso de biocidas, e as contribuições recentes de pesquisadores das áreas de Saúde Ocupacional e Epidemiologia. No capítulo III, organizamos os dados coletados em duas tabelas, e procedemos à sua análise. Procuramos também fornecer alguns resultados, ainda que iniciais, de nossa pesquisa, cotejando nossas informações com os principais trabalhos brasileiros sobre serviço doméstico remunerado existente no país desde a nossa perspectiva (Melo, 1998; e Santana et al., 2003a). O último capítulo traz as principais conclusões, além de algumas sugestões para o desenvolvimento da pesquisa num momento posterior. 5 CAPÍTULO 1 A GUERRA CONTRA A SUJEIRA: UMA GUERRA LIMPA? As décadas de 1950 e 1960 são consideradas pelos historiadores como “Os Anos Dourados” da civilização ocidental (Hobsbawm, 2001, pp. 253-81). Sobretudo nas principais sociedades européias, o processo de reconstrução dos países devastados pela Segunda Guerra Mundial foi acompanhado por um grande crescimento econômico, o que tornou possível à grande parte da população acesso aos bens e serviços que até então eram privilégios apenas dos ricos. Durante esse período também foram construídos os sistemas de seguridade social e previdenciária que vieram a ser conhecidos como Estados do Bem-Estar Social, ou Welfare States. O crescimento explosivo da economia mundial é hoje principalmente representado pela revolução tecnológica, e pela produção mundial de manufaturas (que segundo o historiador inglês, quadruplicou em duas décadas), bem como o seu comércio (que aumentou dez vezes). Igualmente, a produção agrícola disparou graças ao aumento da produtividade por hectare durante o mesmo período, assim como as capturas da indústria de pesca (idem, p. 257). De acordo com a ideologia do progresso que dominou aquela época, “o crescente domínio da natureza pelo homem era a mesma medida do avanço da humanidade” (ibidem). Esse desenvolvimento vertiginoso gerou, nas palavras de Hobsbawm, um “subproduto ameaçador” que nos afeta a todos, bem como deixará suas marcas para as gerações futuras. A poluição e a deterioração ecológica que pouco chamou a atenção durante a Era de Ouro são hoje um fato preocupante. Entre 1950 e 1973, o tráfego movido a petróleo fez quase triplicar as emissões de dióxido de carbono que aquecem a atmosfera, e a produção de clorofluorcarbonetos, produtos que afetam a 6 camada de ozônio, cresceram quase verticalmente. Logo, era de se esperar que a poluição atmosférica fosse se transformar numa das primeiras preocupações dos ecologistas (p.258). Segundo Hobsbawm, “as principais inovações que começaram a transformar o mundo assim que a guerra acabou talvez tenham sido as do setor químico e farmacêutico” (p. 265). Se as essas últimas só se fizeram sentir mais tarde, possibilitando nas décadas de 1960 e 1970 a eclosão da revolução sexual graças aos antibióticos e a pílula anticoncepcional, as primeiras são, por um lado, grandes conquistas se pensarmos nos avanços para a indústria alimentícia e no setor químico; mas também grandes responsáveis por malefícios de variada índole, tanto para os seres humanos, como para o meio ambiente que nos abriga desde sempre. Como afirma o eminente historiador inglês: “A revolução tecnológica entrou na consciência do consumidor em tal medida que a novidade se tornou o principal recurso de venda para tudo, desde os detergentes sintéticos (que passaram a existir na década de 1950) até os computadores laptop. A crença era que ‘novo’ equivalia não só a melhor, mas ao absolutamente revolucionário” (p. 261). Essa enorme sedução pelo novo e suas diversas manipulações pela indústria cultural serviram de fonte de inspiração para outro grande humanista europeu. Entre os anos 1954 e 1956, o estudioso francês Roland Barthes dedicou-se a escrever uma série de textos, que em 1957 foram reunidos e publicados sob o título de Mitologias. Tentava, na época, o autor, como ele próprio afirma, “refletir regularmente sobre alguns mitos da vida cotidiana francesa. O material dessa reflexão veio a ser muito variado (um artigo de jornal, uma fotografia de semanário, um filme, um espetáculo, uma exposição) e o assunto muito arbitrário: tratava-se evidentemente da minha atualidade” (Barthes, 1987, p. 7). Dentre a série de pequenos ensaios, há um artigo surpreendente intitulado “Saponáceos e detergentes”. Passados 50 anos percebemos que os comentários do pensador francês, suscitados pela observação do seu cotidiano, ainda hoje são instigantes e sugestivos. Naquela ocasião, Barthes insistia na necessidade de se investigar o universo da publicidade de alguns produtos de limpeza disponíveis no mercado francês, opondo, num efeito de retórica, três “psicanálises”: a dos líquidos purificadores, a dos saponáceos em pó, e a dos detergentes. A cada uma dessas “psicanálises” corresponderia uma potência contida nos diferentes produtos de limpeza, tematizadas pelos publicitários ora 7 como “guerra”, ora como “ação libertadora”, ora como “transformação da matéria”, todas marcadas fortemente pelo sentido civilizatório da ação. No primeiro caso, destaca-se o poder dos abrasivos, tais como o cloreto de sódio e a amônia, que “’matam’ a sujeira”. No caso dos saponáceos em pó, destaca-se seu poder de separação: “’expulsa-se’ a sujeira”. Em ambos o prestígio do produto de limpeza está fundamentado no resultado, representado pelo objeto imaculado e livre de impurezas. No terceiro caso, a publicidade desloca o foco de atenção do consumidor para o processo de limpeza, que se dá em duas dimensões sensuais: a limpeza em profundidade, e através da espuma produzida pelos detergentes. Apela-se para o imaginário coletivo, culturalmente codificado, associando o processo de limpeza com um certo caráter de “espiritualidade da espuma”, que mascara a função abrasiva do detergente ao mesmo tempo em que evoca sensações e motivos positivamente valorizados pela sociedade ocidental. O autor chama a atenção dos leitores para a maneira como os publicitários manipulam valores, incorporando à matéria “estados-valores” que a matéria em si não possui. É costumeiro referir-se aos produtos de limpeza (cleaning products) de forma diversa, e, poderíamos dizer, em função daquilo que se quer neles destacar. Os fabricantes, segundo a sua utilidade, classificam em lavadores de roupa e louça, limpadores de superfície, alvejantes, purificadores do ar, polidores, produtos de higiene pessoal e repelentes (inseticidas, raticidas e outros). Os órgãos estatais de vigilância e os especialistas acadêmicos, por outro lado, enfatizam a sua dimensão saneante, desinfetante, higienizante, isto é, anti-infecções e infestações de todo tipo, e empregam no Brasil o nome genérico “domissanitários”. Seguindo a sugestão de Barthes, notamos que esses produtos também tendem ser classificados, mormente pela indústria publicitária, segundo a natureza do mal que se pretende combater, e contra o qual se dirige a ação de limpeza. Assim, valorizam-se as suas funções de remoção da sujeira em geral, desde manchas de gordura, a acúmulos e sobreposição de pós e demais resíduos invasores dos ambientes que deveriam ser resguardados, enfim, a sua função de remoção daquilo que nos é visível. Por outro lado, destacam seu poder de higienização e desinfecção, sua ação sobre os micróbios e microorganismos oportunistas que se proliferam invisivelmente nos ambientes domésticos e coletivos. A atuação eficaz dos produtos de limpeza decorre, aqui, de sua capacidade de penetração nos mais recônditos espaços, onde se esconderiam os germes e demais 8 patógenos nocivos à saúde humana. Há, portanto, dois discursos que estão articulados por uma idéia comum, sendo que a limpeza surge como resultado físico-químico de uma guerra vitoriosa. Em relação à sujeira visível, as adjetivações empregadas na classificação tendem a ressaltar a capacidade de transformação da superfície inanimada que será objeto de conservação e/ou manutenção. Nesta classe estão os alvejantes (geralmente à base de cloro, e responsáveis pelo branqueamento), os abrasivos (tais como os removedores e produtos à base de amoníaco, verdadeiros “fogos líquidos”, na expressão de Barthes, que agem por atrito, arrancando as partículas de forma devastadora), os detergentes, os saponáceos e seus congêneres (que dissolvem as gorduras, clareiam e purificam); e também os polidores, tais como ceras e lustra-móveis (que “arrematam” a limpeza, tornando as superfícies brilhosas e perfumadas).1 No grupo dos higienizadores, que combatem a “sujeira invisível”, estão os desinfetantes (e biocidas em geral), os esterelizantes e os desodorizantes. Acreditamos que essa oposição – visível / invisível – pode nos ser útil para desenvolvermos nossa reflexão sobre os efeitos nocivos, e não previstos, decorrentes da exposição contínua aos produtos de limpeza de uma população específica que os utiliza como instrumento de trabalho, isto é, mulheres que exercem serviço doméstico remunerado, também conhecidas como “empregadas domésticas”. 1.1 Domissanitários: agentes de limpeza ou “armas-sujas”? Os agentes de limpeza são empregados no intuito de tornar possível e facilitar a remoção de contaminantes de superfícies, e são utilizados em grandes quantidades ao redor do mundo. Tipicamente são compostos de um componente ativo (ou alguns componentes, dependendo da função técnica do agente de limpeza), aditivo e usualmente água. Embora um amplo espectro de exposição a agentes químicos resulte em problemas de saúde, tais como alergias, eczemas e asma reportados entre trabalhadores em limpeza, somente um reduzido número de estudos sobre agentes de limpeza têm sido realizados. Dado o grande número de problemas de saúde que podem ser derivados dos componentes 9 utilizados como princípio ativo, aditivos, conservantes, solventes ou função desinfetante, caberia perguntar, como faz Janice Hughes (2004), até que ponto estamos convertendo nossos lares em “fábricas químicas em miniatura”. Por meio de campanhas publicitárias, a cada dia novos produtos de limpeza lutam para conquistar a preferência dos consumidores, apelando para cores reluzentes, aromas refrescantes e embalagens sedutoras. Ressaltando o “brilho” e o “cheiro” da limpeza (“casa perfumada é sinônimo de casa limpa”; “produto com agradável perfume de longa duração”), antropomorfizando os seus agentes (como o poder dos “maridos ideais” de uma recente marca de saponáceo), ou convertendo em monstros animados a sujeira invisível (que se torna “rebelde”, “difícil”), a publicidade tenta ganhar a visibilidade num mercado hiper-competitivo, sem mencionar, ou mesmo mascarando, poderíamos dizer, ao tornar invisíveis (como os germes que afirma combater) os inúmeros males que os mesmos produtos podem causar à saúde humana, conforme veremos na próxima seção. Mais recentemente, segundo uma nova tendência que se fortalece nos países europeus, na sua composição os produtos de limpeza vêm sendo adaptados no sentido de se empregarem ingredientes “ecologicamente corretos” (ecologically friendly), isto é, que adotam os requisitos da biodegradabilidade e a não toxidade, ou, ao menos, uma toxidade mínima para os organismos vivos. A introdução do eco-selo europeu, e do Swan-labelling, na Escandinávia, tem acelerado este processo.2 1.1.1 Principais componentes dos agentes de limpeza3 Os surfactantes (detergentes e tensoativos) são os principais componentes da maior parte dos agentes de limpeza. A sua função é incrementar o efeito do agente de limpeza ao diminuir a tensão de superfície da água. Os detergentes são considerados responsáveis por um conjunto de problemas de pele entre trabalhadores em limpeza. 1 Como veremos adiante, mais recentemente uma nova subclasse de produtos contra a sujeira visível vêm ganhando uma importante fatia do mercado. São os chamados “limpadores multiuso”, cuja capacidade de conjugar várias potências de ação removedora os tem convertido no sonho de consumo daquele(a)s que se dedicam a essas tarefas domésticas. 2 De acordo com Wolkoff et al. (1998, p. 141), para obter o eco-selo, por exemplo, as ceras e polidores em geral não podem ser classificados como muito tóxicos, tóxicos, danosos à saúde, corrosivos, irritantes, alergênicos, carcinogênicos, teratogênicos ou mutagênicos. Eles não podem ainda provocar risco ambiental, risco de incêndio ou serem passíveis de provocar explosões. 3 Baseamo-nos largamente nesta seção nas informações técnicas contidas em Wolkoff et al., 1998. 10 Além deles, são empregados substâncias ácidas ou alcalinas que têm o poder de dissolver o cálcio e as gorduras, respectivamente, e funcionam na regulação do pH da solução resultante. Os compostos alcalinos também inibem a corrosão das superfícies de metal, e alguns ácidos também agem como desinfetantes. Agentes complexos ou “amaciantes” (water softeners) são adicionados para dissolver e dar liga ao cálcio, magnésio e outros íons metálicos, que diminuiriam o efeito do surfactante. Muitos deles são prejudiciais à saúde e provocam efeitos ambientais adversos, e têm sido evitados ou eliminados nos países desenvolvidos nos últimos anos como os fosfatos. Os aditivos são inibidores de corrosão e protegem as superfícies metálicas. Também entram nessa classe os perfumes e fragrâncias, que são usados para emprestar ao produto um odor agradável ou mascarar um cheiro desagradável. Eles não são essenciais para a função técnica do produto. Muitos são alergênicos, logo o risco de exposição dos trabalhadores em limpeza a essas substâncias é freqüentemente desnecessário. O mesmo se pode dizer dos corantes e dos pigmentos. Também são considerados aditivos as substâncias conservantes, que inibem o crescimento microbiano durante a estocagem e o uso de um produto, e servem, portanto, para prolongar a sua vida útil. Os conservantes freqüentemente criam problemas ambientais, uma vez que muitos deles são sensibilizadores de organismos vivos. Isto acontece com as isotiazolinonas, os formaldeídos e os compostos liberadores de formaldeídos, que além do efeito alergênico, também é classificado como carcinogênico. Os solventes dissolvem as substâncias gordurosas. Eles são usados para promover a homogeneidade do produto final. Os solventes mais típicos são os álcoois (propanol e etanol), e os éteres glicóis. Os polidores em geral são produtos que “tratam as superfícies” (Surface care produtcs ou ‘Film-formers’). Eles são agentes que combinam as funções de limpeza e manutenção das superfícies em que são aplicados, uma vez que formam uma película de proteção nas superfícies (‘care film’), cuja função é proteger o piso ou móveis contra a destruição química ou o desgaste pelo uso, ao mesmo tempo em que facilitam a limpeza devido ao efeito antiestático que alguns possuem. Além dos seus componentes básicos (emulsões e ceras), os polidores tipicamente contêm um polímero de dispersão, plastificadores e solventes. Geralmente é necessária a aplicação de removedores antes de se aplicar uma nova camada de cera. 11 Os removedores são emulsões aquosas de etanolaminas, éteres glicóis e sais alcalinos, ou metasilicatos e conservantes. A maior parte dos produtos empregados como polidores e removedores contêm substâncias potencialmente perigosas, tais como alergênicos, carcinogênicos, neurotóxicos ou tóxicos para a reprodução humana. Os desinfetantes são substâncias ativas que destroem bactérias e outros microrganismos. Eles são usados sobre superfícies caso seja necessário um ambiente especialmente limpo, ou estéril, como nos hospitais. Os componentes ativos nos desinfetantes são liberadores de cloro (hipocloritos, álcoois (etanol e isopropanol), aldeídos (formaldeídos e glutaraldeídos) e compostos quaternários de amônia. Compostos liberadores de oxigênio e enzimas também são utilizados para esse fim. O hipoclorito de sódio é classificado como corrosivo e muitos exemplos de efeitos danosos à saúde devido à exposição aos produtos que contêm hipoclorito são mencionados pela literatura médica. A maior parte dos casos notificados têm sido descritas como dermatites alérgicas de contato. Os formaldeídos e os glutaraldeídos são bem conhecidos como alergênicos, e também foram identificados como causadores da asma ocupacional. Os desinfetantes podem conter outros componentes que causam problemas crônicos de saúde, tais como boratos que são considerados tóxicos para a reprodução humana . 12 O gráfico abaixo, elaborado a partir de dados do Sinitox sobre casos de intoxicação registrados no Brasil em 2001, permite-nos perceber que dentre os oitos principais agentes de intoxicação, os domissanitários representam o segundo maior índice de ocorrência (9%) das internações por esse motivo, seguidos respectivamente por picadas de escorpiões (7,83%), agrotóxicos de uso agrícola (7,15%), raticidas (6,79%), picadas de serpente (6,28%), produtos químicos industriais (6,09%), e animais não peçonhentos (5,72%). As possíveis causas por esta elevada percentagem de domissanitários seriam a ingestão por acidente, o risco ocupacional e mesmo o intencional onde são muito utilizados na tentativa de suicídio. As mais freqüentes intoxicações em crianças são causadas por remédios, produtos de uso doméstico, como alvejantes, querosene, polidores de móveis, detergentes e inseticidas pois, de modo geral, elas encontram esses produtos em local de fácil acesso. Deste modo as crianças também contribuem com uma maior participação neste percentual. Em função disto, estes produtos devem ser bem guardados, trancados e fora de alcance das crianças. Gráfico 1 Principais casos de Intoxicação por Agente Brasil - 2001 30 20 15 10 5 Agentes Fonte: MS/FIOCRUZ/Sinitox, 2004. pe ço nh en to s ai s An .n ão .In du st ri Pr od .Q uí m er pe nt es id as An .P eç ./S R at ic ol a Ag ríc Ag ro t/U so sc or pi õe s io s An .P eç ./E D om is sa ni tá r ed ic am en to s 0 M % dos casos 25 13 Quando comparamos com o total de casos para a região Sudeste, observamos uma incidência ainda mais significativa, uma vez que podemos considerar que os casos de picadas de animais peçonhentos são mais comuns nas áreas rurais. De fato, como podemos observar no gráfico 2, abaixo, a porcentagem de casos de intoxicação por domissanitários na região Sudeste sobe para quase 12%, mantendo a segunda posição entre os oitos principais, enquanto que os agrotóxicos de uso agrícola são responsáveis por 8,43% dos casos de internação, seguidos respectivamente pelos produtos químicos industriais (6,43%), os raticidas (6,02%), as picadas de escorpião (5,04%), os agrotóxicos de uso doméstico (4,14%), e os animais não peçonhentos (3,25%). Gráfico 2 Principais Casos de Intoxicação por Agente Região Sudeste - 2001 40 % dos casos 35 30 25 20 15 10 5 nt os pe ço nh e o és tic An .n ão D om Ag ro t/U so sc or pi õe s da s An .P eç ./E R at ic i .In du st ria is ol a Pr od .Q uí m Ag ríc io s Ag ro t/U so D om is sa ni tá r M ed ic am en to s 0 Agentes Fonte: MS/Fiocruz/Sinitox, 2004. O quadro 1, apresentado a seguir, indica de forma esquemática os principais perigos para seres humanos representados por alguns agentes químicos presentes em produtos domissanitários utilizados para a limpeza dos ambientes domésticos, segundo a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. 14 Quadro 1. humano Principais substâncias químicas encontradas em domissanitários, com indicação de danos causados ao organismo Hipoclorito de sódio (alvejantes) Destilados do petróleo. (polidores de metais) Provoca irritação de olhos e pulmões. Dentre os alvejantes domésticos é aquele que mais comumente é ingerido acidentalmente pelas crianças. Se misturado com amônia ou outro detergente de base ácida (incluindo o vinagre), libera o gás cloroamina, altamente tóxico. Uma pequena exposição a este gás pode causar sintomas asmáticos brandos ou problemas respiratórios mais sérios. (Fonte: Children's Health Environmental Coalition) Mesmo uma exposição por curto espaço de tempo pode causar temporariamente embaçamento dos olhos. Uma exposição por período mais longo pode afetar o sistema nervoso, pele rins e olhos. Amônia (limpa-vidro) Pode causar irritação de pele e pulmões. Se misturado com cloro libera o gás tóxico cloroamina. A exposição a este gás mesmo por curto período pode causar tosse, parada respiratória e danos aos pulmões. Os asmáticos são particularmente vulneráveis aos vapores deste gás. (Fonte: Children's Health Environmental Coalition) Fenol e Cresol (desinfetantes) Nitrobenzeno (lustra-móvies e ceras para o chão) Formaldeído (material prima de muitos produtos caseiros, tais como móveis de madeira compensada) Percloroetileno ou solventes 1-1-1 tricloroetano (lavagem à seco, removedores de manchas, limpadores de carpete) Naftaleno ou paradiclorobenzeno (bolinhas de naftalinas, e sapólios, utilizados para limpar pias e vasos sanitários) Ácido hidroclorídrico ou sulfato ácido de sódio (sapólios) Formaldeído, fenol e pentaclorofenol (sprays) Corrosivo. Pode causar diarréia, vertigem, tonteira e danos aos rins e ao fígado. Pode provocar dificuldades na respiração, vômitos, e mesmo morte. Esta substância está associada com o câncer e defeitos de nascimento. Provável carcinógeno humano. Um nível de formaldeído no ar tão baixo quanto 0,1 p.p.m (parte por milhão) pode causar lacrimejamento, sensação de ardência nos olhos, nariz e garganta, dificuldades para respirar, náusea, tosse, pressão no peito, rachaduras na pele e reações alérgicas. (Fonte: U.S. Consumer Product Safety Commission) Provoca irritações nos olhos, pele e pulmões. Pode prejudicar o fígado e os rins se for ingerido. O percloroetileno pode causar câncer em alguns animais de laboratório e é considerado um provável carcinógeno humano. Pode se acumular e persistir nos tecidos gordurosos humanos e nas lactantes. Os vapores do naftaleno podem irritar os olhos, a pele e o sistema respiratório. A exposição crônica ao naftaleno pode causar danos ao fígado, rins, pele e sistema nervoso central. O paradiclorobenzeno é um provável carcinógeno que também pode afetar o sistema nervoso central, fígado e rins. Uma alta concentração dos seus vapores pode irritar os olhos, nariz garganta e pulmões. (Fonte: Children's Health Environmental Coalition) Ambos podem causar queimaduras na pele, vômitos, diarréia e queimação no estômago se ingeridos. Também podem causar cegueira se descuidamente caírem nos olhos. Qualquer tipo de aerossóis. Podem irritar os pulmões. Fonte: Adaptado de U.S. Environmental Protection Agency, 2004. 15 1.1.2 O mercado de domissanitários As associações e federações internacionais dos fabricantes dos produtos domissanitários (Abipla, 2004; AISE, 1997)4 costumam classificá-los, segundo a sua utilidade, em: 1. Produtos para lavagem de roupas (Textile washing products): Inclui entre outras categorias sabões em barra, detergentes em pó, amaciantes e removedores de manchas. Segundo o Market Overview (Euromonitor, 2000), uma publicação destinada às empresas do ramo, trata-se de um subsetor relativamente maduro em termos do mercado latino-americano, que apesar de demonstrar um considerável potencial de crescimento para os detergentes em pó, à medida que cresce a demanda por máquinas de lavar, tem sustentado a demanda por sabões em barra devido a tradicional popularidade das práticas de lavagem manual, e a disponibilidade de mão-de-obra barata. 2. Produtos para lavagem de louças (Dishwashing products): Inclui saponáceos em geral, sabão em pastas e detergentes líqüidos (lavagem manual) e em pó (para máquinas). Este subsetor é dominado pelos detergentes manuais em virtude dos baixos níveis de penetração de lavadoras automáticas na América Latina. Nos anos mais recentes os fabricantes têm se dedicado ao lançamento de produtos com formulações e extensões que visam a agregar maior valor aos produtos já existentes, oferecendo maior poder bactericida e propriedades biodegradáveis, além de investirem em fórmulas que supostamente protegem a pele e evitam irritações cutâneas. 4 A Ablipla (Associação Brasileira dos Produtos de Limpeza e Derivados de Plástico) é o principal órgão de representação dos industriais brasileiros. “As empresas associadas da AISE [Association Internationale de la Savonnerie, de la Detergence et des Produits d'Entretien – Associação Internacional de Fabricantes de Sabões, de Detergentes e de Produtos de Manutenção] no mercado Industrial e Institucional [I & I] oferecem uma grande variedade de produtos e serviços, que tornam suas atividades fundamentalmente diferentes daquelas do mercado de produtos domésticos. Conhecido como segmento I&I, seus clientes típicos são profissionais [o que o diferencia do mercado doméstico] e os produtos e serviços oferecidos satisfazem às suas necessidades de limpeza e higiene” (AISE, 1997). 16 3. Limpadores de superfícies (Surface cleaners): Inclui os limpadores à base de amoníaco, desinfetantes, produtos para tirar limo e outras categorias. Atualmente, devido à demanda crescente, vêm sendo desenvolvidas pesquisas para oferecer uma maior gama de produtos que possam ser empregados em diferentes superfícies, tais como cerâmica, pisos de madeira, etc., os chamados “limpadores multiuso”. 4. Alvejantes à base de cloro (Chlorine bleach): Basicamente o hipoclorito de sódio, também conhecido como água sanitária. Além de sua usual função germicida sendo,por isso, bastante utilizado na limpeza de banheiros, os consumidores freqüentemente misturam o hipoclorito de sódio com outros produtos de limpeza, tais como saponáceos e sapólios, para produzir limpadores de superfície alternativos. Os fabricantes têm incrementado as vendas desses produtos graças à introdução de fragrâncias diversas que têm sido bem recebidas pelo público consumidor e têm ajudado a manter a demanda por esses produtos. 5. Produtos para higiene pessoal (Toilet care products): Inclui os sabonetes, condicionadores e xampus. Geralmente tais produtos são considerados pelo público como não essenciais e mesmo supérfluos. 6. Polidores (Polishes): Ceras, graxas, lustra-móveis e demais produtos empregados em polimentos. Trata-se de um subsetor bastante tradicional devido às características culturais dos latino-americanos, que valorizam as roupas limpas e bem passadas, bem como os sapatos e pisos brilhantes, tal como avalia o relatório supracitado. 7. Purificadores de ar (Air fresheners): Aerossóis e fragrâncias do tipo “Bom Ar”. São pouco consumidos na região, uma vez que o clima por aqui favorece a ventilação natural, o que pesa contra às fragrâncias artificiais. A baixa renda da população combinada com oferta irregular de eletricidade impedem a expansão do mercado de purificadores de ar elétricos. No entanto, como aponta o relatório que vimos citando, uma área de potencial crescimento para esses produtos são os purificadores de ar para automóveis, dado o grande número de carros existentes na região. 17 8. Inseticidas (Insecticides): Trata-se de um mercado sujeito às variações sazonais. As maiores vendas desses produtos ocorrem entre novembro e fevereiro (coincidindo com o verão no hemisfério sul). Os formatos elétricos não são comuns, devido ao preço elevado. Os consumidores tendem a preferir os mais baratos, e a conveniência e o efeito imediato dos sprays e aerossóis. As inovações mais recentes neste subsetor têm focado na questão de incremento da segurança, com a introdução de novos ingredientes ativos que são menos perigosos tanto para humanos quanto para animais domésticos. As tabelas a seguir demonstram a variação no crescimento do volume de vendas de certos domissanitários entre 1996-2000, e a sua previsão para os anos 2000-2005. O Mercado dos Domissanitários Tabela 1. Vendas de domissanitários, por país latino-americano, em bilhões de US$ (1996-2000) 1996 1997 1998 1999 2000 4,59 1,51 1,13 0,91 0,50 0,41 1,15 5,16 1,61 1,23 0,98 0,52 0,43 1,17 5,44 1,82 1,32 0,93 0,50 0,43 1,17 4,08 1,99 1,40 0,87 0,46 0,41 1,15 4,11 2,24 1,38 0,64 0,44 0,40 1,14 10,20 11,10 11,61 10,36 10,35 Brasil México Argentina Colômbia Chile Venezuela Outros países da região TOTAL Fonte: Euromonitor, www.euromonitor.com, 2000. Na última década o mercado de domissanitários se ampliou consideravelmente na América Latina e, sobretudo no Brasil, que é responsável por quase metade das vendas totais de produtos de limpeza na região (valores destacados em negrito). Como verificamos pela tabela acima, em 1998, ano de maior consumo destes produtos, a indústria de produtos de limpeza na América Latina 18 faturou cerca de US$ 11,6 bilhões. O mercado brasileiro movimentou na mesmo ano cerca de US$ 5,4 bilhões. Tamanho crescimento é creditado pela Euromonitor ao maior poder aquisitivo dos consumidores, que conseqüentemente são capazes de trocar produtos mais simples por aqueles de maior valor agregado, e também ao grande investimento em propaganda por parte das grandes multinacionais. Segundo a Abipla (2004), “a Argentina é o único país com gasto per capita em produtos de limpeza doméstica maior que o Brasil. No entanto, devido ao tamanho de sua população, muito menor que a brasileira, seu total de vendas foi bem menos significativo, totalizando em um pouco mais de US$ 1,3 bilhões em 1998. O México, ao contrário da Argentina, teve como responsável por valor de venda a sua grande população, de aproximadamente 97 milhões em 1998, apesar do gasto per capita nestes produtos ser o menor da região”. A partir de 1999, com a desvalorização do real, as vendas sofreram uma queda, mas houve uma leve recuperação a partir de 2000, com previsão de retomada no crescimento para os anos subseqüentes, como se pode observar na tabela 2, abaixo. Tabela 2. Previsão de venda de produtos domissanitários, por país latinoamericano, em bilhões de US$ (2000-2005) Brazil Mexico Argentina Colombia Chile Venezuela Outros países da região TOTAL Fonte: Euromonitor, 2000. 2000 2001 2002 2003 2004 2005 4,11 2,24 1,38 0,64 0,44 0,40 1,14 4,27 2,24 1,41 0,63 0,43 0,37 1,12 4,44 2,25 1,44 0,63 0,43 0,37 1,12 4,62 2,27 1,48 0,64 0,43 0,37 1,14 4,81 2,31 1,52 0,67 0,43 0,39 1,17 5,00 2,37 1,56 0,71 0,43 0,40 1,21 10,35 10,47 10,68 10,95 11,30 11,68 19 Observando a tabela 3, a análise por setor demonstra que a maior parte dos gastos com domissanitários está concentrada em produtos para lavar roupas, seguidos pelos limpadores de superfície, que incluem os desinfetantes, os limpadores multiuso, os limpadores especializados (como os xampus para tapete, os produtos para tirar limo, os limpadores de canalizações, os limpa-vidros, os limpa-fornos, etc.) e outras categorias. Tabela 3. Vendas de produtos domissanitários, por setor, em bilhões de dólares (1996-2000) 1996 1997 1998 1999 2000 Produtos para lavar roupas Limpadores de superfície Alvejantes à base de cloro Polidores Produtos para lavar louças Inseticidas Purificadores de ar Produtos de higiene pessoal 5,73 1,26 0,69 0,85 0,64 0,71 0,19 0,14 6,21 1,44 0,75 0,92 0,68 0,75 0,21 0,16 6,50 1,53 0,81 0,95 0,72 0,75 0,21 0,16 5,70 1,45 0,81 0,76 0,71 0,62 0,20 0,13 5,43 1,53 0,88 0,75 0,75 0,67 0,21 0,13 TOTAL Fonte: Euromonitor, 2000. 10,21 11,12 11,63 10,38 10,35 O setor de produtos para lavar roupas (que inclui entre outras categorias detergentes, amaciantes e removedores de manchas) foi aquele que apresentou melhor desempenho, movimentando US$ 6,5 bilhões em 1998, o equivalente a quase 56% do mercado total. Este setor deve ter sido beneficiado, entre outras fatores, pela substituição por parte do consumidor da água sanitária por limpadores multiusos e desinfetantes para a limpeza geral. Dentre as classes de maior poder aquisitivo, cresce a participação de produtos mais específicos, como aqueles para limpar vidros, cozinhas ou contra o limo. Segundo o relatório da empresa Euromonitor (1999), “o uso de limpadores multiuso ainda prevalece na região, sendo a categoria responsável por 35% das vendas totais do setor em 1998, seguida pela categoria de desinfetantes, com 33%”. 20 1.2 Empregadas domésticas: atrizes coadjuvantes ou combatentes vitimadas? A guerra contra a sujeira é travada todos os dias nos lares brasileiros. Contra as manchas e os germes, as donas-de-casa contam com importantes auxiliares que ainda são consideradas coadjuvantes nessa batalha. São as empregadas domésticas, um exército de trabalhadoras invisíveis para a mídia e apenas pouco visíveis para as estatísticas oficiais, conforme veremos abaixo. O trabalho doméstico no Brasil tem suas raízes no escravagismo do período colonial e ainda hoje é considerado imprescindível na maioria das famílias, tanto nas áreas urbanas como rurais, pois permite uma redução da sobrecarga do trabalho de casa, liberando as mulheres, outrora exclusivamente dedicadas a essas tarefas, para o mercado de trabalho formal. Num dos primeiros trabalhos de avaliação da participação dessa categoria profissional no seio das atividades econômicas – e que traça um quadro da realidade do serviço doméstico remunerado no país e nas suas grandes regiões –, Melo (1998) afirma que: “A história do serviço doméstico no Brasil não difere muito da acontecida nos Estados Unidos. Aqui como lá, antes da abolição da escravatura, escravos domésticos eram encarregados das tarefas do lar. Ao longo do século XIX, as famílias tinham além das escravas domésticas a possibilidade de contar com mocinhas para uma espécie de ‘ajuda contratada’. Essa era uma fonte adicional de trabalho doméstico que no Brasil e nos Estados Unidos, depois da Abolição, tornou-se a maior fonte de trabalho feminino. A ajudante era enviada pela sua família para outra casa, como um passo intermediário entre a casa de sua família e o matrimônio” (p. 1). Como decorrência dessa herança cultural, a maioria da sociedade não vê a empregada doméstica como uma profissional: ainda hoje não há isonomia de tratamento dessa categoria em relação às demais; e o serviço doméstico remunerado é uma profissão desvalorizada. Segundo a Melo, o serviço doméstico é um verdadeiro “bolsão de ocupação” para a mão-de-obra feminina no Brasil, do qual participavam, em 1995, 19% das mulheres da população economicamente ativa. Dada a peculiaridade dessa atividade profissional, a autora afirma que: “é difícil fazer uma análise econômica do serviço doméstico remunerado, porque os indicadores econômicos não permitem captar as sutilezas ideológicas e culturais que essa questão envolve. Essas atividades não são organizadas de forma capitalista, porque se realizam no interior de residências particulares e as patroas/patrões não são empresários. O contrato de trabalho firmado, seja verbal ou escrito, define que as 21 empregadas realizam tarefas cujo produto — cozimento de alimentos (bens) ou lavagem de roupas e pratos (serviços) — é consumido diretamente pela família. Esses bens/serviços não circulam no mercado e não se mobiliza capital para a realização dessas tarefas, mas rendas pessoais. (idem, pp. 1-2). O trabalho doméstico também funciona como porta de entrada para as jovens migrantes rural-urbanas e existe uma forte presença de crianças do sexo feminino exercendo essas atividades em casas de família. O mais grave é que esse trabalho infantil doméstico é muito mais difícil de fiscalizar do que outras formas de trabalho infantil, uma vez que é invisível porque ocorre no âmbito do privado. Mas não só ele. Segundo a Secretaria Especial de Promoção de Políticas de Igualdade Racial (SEPPIR, 2005), as trabalhadoras no serviço doméstico remunerado representam: “um exército formado por oito milhões de trabalhadores, sendo que 95% são mulheres e 82% mulheres negras. Todas elas sofrem com a precariedade na regulamentação do seu trabalho. Cerca de 300 mil têm carteira assinada. No árduo dia-a-dia são desconsideradas e tratadas de maneira pouco profissional. Muitas são vítimas ainda de violência sexual e racismo. Sofrem em silêncio. Esse pequeno quadro é uma amostra da situação invisível dos trabalhadores domésticos no Brasil (SEPPIR, 2005, grifo nosso). A jornada de trabalho dessas trabalhadoras também costuma ser ainda maior do que a média brasileira, sendo que muitas trabalham de 9 a 10 horas diárias, e algumas até mais do que isso. Segundo Melo (1998): “A jornada de trabalho no Brasil é muito superior aos padrões internacionais embora tenha declinado nos últimos anos. Essa categoria tem uma jornada de trabalho definida por uma relação de trabalho mesclada por trabalho assalariado com um certo regime servil”. Embora as empregadas domésticas formem uma categoria profissional que possui grande dificuldade para se organizar, já que exercem um trabalho extremamente atomizado, as reivindicações dessa categoria vêm de longa data. A Associação de Empregadas Domésticas do Brasil foi fundada em 1936, mas somente na década de 1970, elas conquistaram o direito de ter Carteira de Trabalho e Previdência Social assinada. Porém, ainda falta muito para que essas profissionais participem dos direitos de cidadania como as demais categorias: o trabalho doméstico é regulado 22 pelo artigo 7 da Constituição Federal, e não pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Hoje essas trabalhadoras ainda se encontram desamparadas, pois a Constituição reconhece apenas alguns de seus direitos trabalhistas: elas não têm direito à hora-extra, têm assegurado apenas 20 dias por ano de direito a férias, e os patrões só recolhem o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) se quiserem. Conforme dados recentes do IBGE (2004), em 2003 o total de trabalhadores domésticos no país era de 6.081.879, sendo que 397.891 homens (6,6%) e 5.683.988 mulheres (93,4%). Menos de 30% deles têm registro em carteira. Além disso, como afirma Melo (idem): “Não se pode esquecer que existe uma heterogeneidade de situações dentro do serviço doméstico remunerado. Existem as empregadas domésticas residentes, que vivem no local de trabalho, recebem salário mensal, mais casa e comida — as mensalistas. No outro extremo, as diaristas, isto é, empregadas que não residem no local de trabalho, trabalham em várias casas de famílias, recebem salário diário ou semanal/mensal” (p. 2, grifo no original). Até 1985, a classificação utilizada pelo IBGE para a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) não permitia uma análise mais precisa do serviço doméstico remunerado, pois a categoria utilizada pelo órgão oficial abrangia tanto os serviços de ama, ama-de-leite, arrumadeira, babá, como os de camareiro, caseiro, copeiro, cozinheiro, criado, dama-de-companhia, doméstica, governanta, mordomo, pajem e servente. A partir de 1995, “essas atividades foram abertas em várias ocupações, num total de seis, o que possibilitou separar cozinheiras de babá, diarista, lavadeira, doméstica polivalente e governanta. No entanto, um aspecto importante para o seu estudo seria a separação das empregadas domésticas que residem no local de trabalho e as chamadas diaristas. Seria possível, assim, afirmar que a “profissionalização” dessas relações favorece o crescimento das diaristas, enquanto as domésticas que residem na casa da patroa estão fadadas a desaparecer. Infelizmente os dados não permitem claramente essa separação. Nos grandes centros urbanos tudo indica que há provavelmente uma tendência de contratar domésticas mensalistas ou diaristas, mas que tenham domicílio próprio” (Melo, 1998, p. 3). Ao que parece, de modo geral as empregadas domésticas são trabalhadoras solteiras, provavelmente em função da dificuldade de conciliar esta atividade com as demandas por atenção de suas próprias famílias. Segundo a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), do Dieese, 17% das empregadas domésticas são analfabetas e 64,3% não completaram o Ensino Fundamental. 23 Como vemos, a maioria das vagas de empregada doméstica é ocupada por mulheres e parece ser esta uma das poucas opções de trabalho para aquelas com baixa escolaridade. De todo modo, empregar-se como doméstica significa para muitas delas uma “possibilidade de autonomia relativa” em termos de dinheiro e de acesso a um mundo cultural e social diferente do seu meio. A antropóloga Jurema Brites (2003) esclarece que o serviço doméstico remunerado não pode ser considerado uma ocupação preferida no espectro de escolhas profissionais das trabalhadoras. Quando outras opções de inserção no mercado de trabalho se mostram inatingíveis, o serviço doméstico surge como uma possibilidade, inexistente no mercado de trabalho formal. Além disso, vantagens de negociar adiantamentos, faltas, horários e as ajudas materiais advindas da casa dos patrões foram apontadas pelas informantes da pesquisa antropológica como “o que vale a pena neste tipo de serviço”. A falta de assinatura da carteira também pode significar outra coisa. Grande parte das pessoas que trabalham como empregadas domésticas vêem a ocupação como temporária, sendo, por isso, refratárias à assinatura em carteira para não “sujar” o documento. A baixa escolaridade e o baixo nível socioeconômico das mulheres que trabalham como empregadas domésticas dificultam a escolha de outras opções no mercado de trabalho. Esses fatores alimentam um ciclo vicioso iniciado pela precariedade das condições nos estágios iniciais da vida e o restrito acesso à educação e qualificações profissionais, reforçados pelo ingresso em idades muitos jovens no mercado de trabalho. O emprego precário e o trabalho insalubre e pouco seguro, por sua vez, favorecem o adoecimento e acidentes de trabalho, e, como um grande número dessas trabalhadoras não possuem carteira assinada (ou outra forma de cobertura por seguro social), o afastamento do trabalho em decorrência do adoecimento produz mais empobrecimento e piores condições de saúde em geral. Embora o emprego em atividades domésticas tenha sido abordado em alguns estudos sociológicos, antropológicos, econômicos e feministas,5 poucas são as pesquisas voltadas para a saúde dessas trabalhadoras, conforme veremos no 5 Ver, por exemplo, Mota, 1977; Saffioti, 1984; Chaney & Castro (eds.), 1989; Melo, 1989 e 2002; Senes, 1996; Barros et al., 1997; e Brites, 2003. 24 próximo capítulo. E a falta de dados de morbidade em acidentes de trabalho para essas profissionais dificulta a implantação de medidas de controle e prevenção. Em um dos raros trabalhos existentes no Brasil (Santana et al., 2003a), estimou-se que a ocupação em serviços domésticos proporciona um risco maior de envolvimento em acidentes não fatais do que as demais profissões, e que esse risco tende a aumentar com o tempo de trabalho medido pela jornada diária ou semanal das empregadas domésticas. Também foi observado que a maioria dos casos ocorreram sempre na casa do patrão, confirmando as expectativas de ser o ambiente doméstico fonte de muitos riscos ocupacionais. 1.3 Objetivos da pesquisa 1.3.1 Objetivo geral da pesquisa Caracterizar a exposição e os possíveis efeitos nocivos à saúde de trabalhadoras domésticas devido à manipulação rotineira de saneantes domissanitários em seu local de trabalho. 1.3.2 Objetivos específicos 1 Investigar variáveis que possam contribuir para explicar os eventuais efeitos à saúde identificados em um grupo de empregadas domésticas que manipulam cotidianamente produtos saneantes domissanitários em domicílios urbanos. 2 Avaliar a compreensão do material informativo, presente nos rótulos de embalagens de produtos saneantes domissanitários quanto à clareza das informações, à forma de apresentação e à linguagem utilizada na descrição das informações técnicas. 3 Fornecer subsídios para propor medidas de prevenção aos possíveis agravos de saúde dessas trabalhadoras, considerando as relações que as mesmas estabelecem com os saneantes domissanitários nos seus afazeres diários. 25 1.4 Justificativa Em geral, as atividades econômicas são reguladas apenas de acordo com o desenrolar das forças produtivas. No cotidiano essas práticas não estão orientadas segundo princípios ambientalmente corretos, e na maior parte das vezes elas são desfavoráveis à natureza. Na manipulação dos domissanitários sem a dimensão do cuidado preventivo, o trabalhador doméstico acaba por tornar-se susceptível à exposição a substâncias químicas, além de ser um agente poluidor ambiental. As atividades que envolvem a manipulação e utilização de substâncias químicas geram riscos de intoxicação que podem conduzir a processos de enfermidades. Nestes casos o trabalhador acaba se prejudicando ao se converter num potencial produtor de doenças para si mesmo. Como essas substâncias estão presentes na vida moderna quase sempre de forma imperceptível, elas acabam por comprometer a qualidade de vida de toda a sociedade. Como, acertadamente, afirmam Druck e Franco (1995): A incorporação de milhares de novas substâncias químicas, o aumento das plantas industriais, dos volumes produzidos e transportados e da aplicação de diversas formas de energia trouxeram, indubitavelmente, a ampliação da grandeza e do alcance dos impactos sócio-ambientais das atividades humanas nas sociedades contemporâneas. Assim, os padrões de produção e de consumo passaram a redefinir, cada vez mais profundamente, tanto o estado das águas, do ar, dos solos, da fauna e flora, quanto às próprias condições da existência humana: seus espaços de moradia e de trabalho, seus fluxos migratórios, as situações de saúde e morte. A evolução desta relação – entre riscos industrial, meio ambiente e saúde das populações – é particularmente forte e perceptível quando focalizamos certos ramos industriais, altamente poluentes e de maior risco, como o nuclear, o petroquímico, o químico e o siderúrgico (p. 120). A poluição do meio ambiente por saneantes domissanitários – cujo consumo, aliás, aumenta maciçamente ano após ano, devido à falta de controle no seu emprego e a disseminação de seu uso – nos expõe a todos a substâncias químicas perigosas e aos efeitos nocivos que elas trazem. Como vimos acima, ao longo dos anos os produtos químicos têm se tornado cada vez mais populares entre os contaminantes do meio ambiente. A liberação química pode ocorrer numa determinada fase do ciclo de vida de um produto, seja durante sua manufatura, durante seu uso, ou após ele entrar na cadeia residual para ser lançado no meio. Alguns dos produtos mais comuns já são detectados nas mais remotas áreas do 26 planeta, tais como o Ártico e nas profundezas dos oceanos (Greenpeace, 2004). Porém, este risco tende a passar quase despercebido pelo usuário de tais produtos, seja por falta de esclarecimento na sua utilização, seja pela própria negação da existência do risco, como prática de convivência em um processo de trabalho injurioso (Dejours, 1994). Muitos dos produtos que consumimos ou com os quais entramos em contato diariamente, em casa ou no trabalho, contêm substâncias químicas perigosas, e é inegável o impacto que eles exercem em nossa sociedade. Logo, poderíamos perguntar qual a utilidade de tantos aditivos químicos para manter limpos os bens de consumo cotidiano, uma vez que ao mesmo tempo em que nos livram de certos agentes patogênicos eles também podem causar danos desconhecidos à nossa saúde? É importante ressaltar que alguns dos produtos mais comumente encontrados nas prateleiras dos supermercados são nocivos ao ser humano, e que, freqüentemente, quando liberados no meio doméstico ou lançados descuidadamente no meio ambiente estes produtos não se transformam facilmente em outros menos tóxicos. Seus compostos podem simplesmente se dispersar no meio externo, levados pelas correntes de ar ou água, e, em função de sua degradação natural, podem cair na cadeia alimentar, se acumulando durante anos nos corpos dos animais e dos seres humanos. No entanto, praticamente inexiste informação sobre a presença e a quantidade de substâncias químicas em nosso meio, e a isto não é dado o devido valor. Como então, desenvolver ações no sentido de criar uma abordagem interdisciplinar entre ambiente e a saúde na perspectiva de construir alternativas para o desenvolvimento sustentável? Como afirma Akerman (2002), se "promover a saúde é fortalecer potenciais e desenvolver capacidades", o trabalho que não é um estímulo de potencialidades pode se converter em um produtor de doenças. É fundamental, portanto, que a coletividade elabore conjuntamente medidas de promoção da saúde ambiental que não apenas reduzam o risco, a exposição e os agravos à saúde individual e coletiva, mas que também desnudem as potencialidades daqueles que participam ativamente dos processos produtivos e de consumo. 27 Além de seu consumo, também são questões para a Saúde Coletiva os resíduos destes produtos. Dentro da lógica do processo produtivo que contempla elementos da extração da matéria prima, consumo dos produtos e os resíduos finais (Tambellini & Câmara, 1998), os recursos do ambiente são explorados infinitamente como insumos para a produção de acordo com as imposições do mercado, na produção de bens e do lucro. Trata-se, na verdade, de um consumo predatório da água, das fontes de energia e das riquezas minerais. Além disso, uma externalidade negativa do processo produtivo em si é a produção de dejetos, de qualquer tipo e em qualquer quantidade, que são lançados na natureza sem um mínimo de cuidado ou critério. Os limites impostos pela natureza e sua incompatibilidade com a lógica capitalista são discutidos por Stahel (1995): “A busca de expansão constante é inerente ao próprio capitalismo, é sua”. base de funcionamento. A eficiência produtiva, uma necessidade de sobrevivência do capitalismo de mercado, é priorizada e mensurada sem levar em conta os custos sociais ou ambientais da produção”. 1.5 Materiais e Métodos Para cumprir os objetivos, foi realizado um estudo descritivo através de entrevistas semi-estruturadas aplicadas a uma população de empregadas domésticas que enfatizava dados sobre exposição a domissanitários. Todas as entrevistas foram realizadas pela pesquisadora principal deste estudo. Mais especificamente, através de questionários, buscou-se a freqüência de relatos de exposição aos saneantes domissanitários, bem como uma proporção de efeitos à saúde relatados pelas pessoas, os quais poderiam estar associados a este tipo de exposição. 1.5.1 População estudada A população alvo constituiu-se de todas as empregadas domésticas matriculadas numa instituição de ensino que exerciam sua atividade laboral na limpeza geral em ambientes domésticos. A intenção foi investigar o universo dessas trabalhadoras, observando se através da manipulação dos saneantes domissanitários elas faziam algum tipo de associação com possíveis riscos à sua saúde. Como 28 percebemos de início, nossos sujeitos podiam ser/estar expostos aos saneantes domissanitários de diversas maneiras, e por períodos variados de tempo. Foram estudados um total de 159 trabalhadoras dentre todas as empregadas domésticas existentes na instituição e que se dispuseram participar da pesquisa. A seleção da população estudada foi feita a partir de um levantamento sobre a situação econômica de todos os estudantes do curso noturno para fins de adequação à lei da filantropia. Desta enquete foram aproveitados todos os alunos que declararam a sua profissão como empregada doméstica, o que equivaleria uma população de 190 mulheres. Gostaríamos de ressaltar, entretanto, que ao longo do período letivo muitas delas desistiram do curso, abandonaram ou trancaram sua matrícula por motivos diversos, tais como, mudança de endereço de trabalho, cansaço físico, desemprego, depressão e falta de dinheiro para pagar o transporte público. Além disso, havia algumas mulheres que se incomodaram de serem chamadas de “empregadas domésticas”, e, por isso, se recusaram a fazer parte da pesquisa. Na realidade, foram consideradas apenas aquelas que voluntariamente responderam o questionário durante a entrevista (n=159, o que corresponde a 83% da população total). Consideramos a amostra aleatória na medida que não ocorreu entrevista diferenciada para qualquer trabalhadora que constituía a população alvo. Conforme classificação usualmente utilizada por pesquisadores desta categoria profissional (Melo, 1998), definimos empregada doméstica como aquela trabalhadora que exerce seu ofício em residências, diariamente, em tempo integral ou parcial, ou por jornada diária. A doméstica que mora/dorme no próprio emprego, de modo geral, possui longas jornadas de trabalho, sem horário fixo para começar e terminar suas atividades. Já as funções da diarista e de faxineira são um pouco distintas. As residentes, que vivem no local de trabalho recebem salário mensal, mais casa e comida, são as mensalistas. No outro extremo, encontramos as diaristas, isto é, empregadas que não residem no local de trabalho pois trabalham em várias casas de família, recebendo salário diário ou semanal/mensal. Em relação à formação escolar, o grupo estudado englobou tanto empregadas que estavam matriculadas no Ensino Fundamental, quanto aquelas que freqüentavam o Ensino Médio, ou o Profissionalizante. Isto porque optamos por investigar como era realizada (e/ou, se realmente o era) a leitura dos rótulos dos 29 produtos de limpeza, e qual o nível de compreensão dos termos presentes nos rótulos em função do tamanho das letras. Esses foram, por assim dizer, nossos “indicadores ideais” de investigação. Inicialmente o estudo foi explicado claramente a cada uma das participantes e dada a oportunidade de se esclarecerem eventuais dúvidas a partir dos questionamentos que surgiram. Todos os integrantes do grupo leram e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo 1), demonstrando sua disponibilidade para participar deste projeto de pesquisa. 1.5.2 O local do estudo O presente estudo foi realizado em uma instituição prestadora de serviços de caráter sócio-educativo, localizada no coração do Bairro de Botafogo, zona sul do município do Rio de Janeiro. Essa escola oferece um curso diurno com cerca de 3.500 alunos e um curso noturno que possui, atualmente, cerca de 1.300 alunos, sendo a população noturna constituída basicamente pela classe trabalhadora de diferentes categorias profissionais. A escolha da instituição teve como principal critério ser a escola que concentra o maior número de empregadas domésticas de uma área do município do Rio de Janeiro, onde trabalham a maior parte das profissionais dessa categoria. Além disso, pudemos contar com a facilidade de acesso à população estudada, em virtude da pesquisadora trabalhar na mesma instituição. O curso noturno dessa instituição, direcionado para jovens e adultos trabalhadores com pouca ou nenhuma escolaridade, foi fundado em março de 1968 com o objetivo de oferecer cursos de Alfabetização, Ensinos Fundamental e Médio, além de Educação Profissional no sentido de criar oportunidades para o mercado de trabalho. A clientela do curso noturno é constituída, em sua grande maioria, por pessoas provenientes do fluxo migratório das zonas rurais, ou ainda de outros centros urbanos, oriundos de famílias sem recursos econômicos, as quais tiveram que lançar mão de seus filhos em idade escolar como força de trabalho. A instituição enfatiza também ações preventivas, desenvolvendo junto aos alunos programas de educação para a saúde. Ela possui uma estrutura profissional composta de 76 educadores, sendo que 54 são docentes e 22 não docentes. O 30 serviço de orientação é composto de quatro assistentes sociais, dois pedagogos, um médico e um psicólogo. A manutenção de uma equipe de Serviço de Orientação, constituída por oito educadoras, é um sinal evidente das dificuldades e dos problemas especiais em que vivem estes alunos. Essa equipe trabalha interdisciplinarmente, acompanhando os alunos tanto em suas dificuldades relativas ao processo ensino-aprendizagem, quanto também existenciais, procurando auxiliá-los em suas dificuldades momentâneas, isto é, que afetam diretamente seu rendimento escolar, como perda de emprego, doenças, problemas financeiros, problemas com familiares ausentes, problemas de moradia, de alimentação, passagens, problemas emocionais e afetivos. As idades do alunado variam desde adolescentes de quinze anos (idade mínima para ingresso na instituição), até adultos na terceira idade. Numa pesquisa realizada pelo serviço social da instituição, no segundo semestre de 2003, alguns dados foram levantados: a) em relação ao sexo, observa-se uma predominância do sexo feminino sobre o masculino: 67,3% nos quatro primeiros anos do Ensino Fundamental; e, 63,3% nos últimos quatro anos restantes. b) em relação à idade, verifica-se que a faixa etária predominante situa-se entre os 19-35 anos, com maior incidência entre os 20 e 25 anos. Podemos perceber com isso que os alunos estão eqüitativamente distribuídos nas faixas de jovens e adultos. Esta predominância de idade na faixa etária entre os 19 e 35 anos ocorre em todo Ensino Fundamental. c) em relação ao estado civil, predominam os alunos solteiros sobre os casados, com cerca de 84,4%. d) em relação à procedência, podemos perceber que os alunos provêm de diferentes estados da Federação, sendo em maior número do Rio de Janeiro, Paraíba, Ceará, Maranhão e Minas Gerais. e) em relação à residência, observa-se que aproximadamente 51% dos alunos moram em apartamento, seguido de 26,7%, residentes em casa. Esse dado encontra-se relacionado com a atividade profissional dos alunos. 31 f) em relação à profissão, das 70 atividades profissionais computadas, a maior incidência se encontra nos trabalhos domésticos: 41,7% nos quatro primeiros anos do Ensino Fundamental e 22% nos quatro últimos anos. Observamos, portanto, que na medida em que vai crescendo o nível de escolaridade, diminui o percentual de alunos nestas ocupações. Ainda como uma caracterização da clientela, podemos dizer que muitos apresentam dificuldades na área da aprendizagem, dificuldades estas relacionadas provavelmente à deficiência alimentar e outros fatores decorrentes da dura infância. Para muitos deles estas dificuldades persistem até hoje devido à jornada de trabalho estafante, além de más condições de habitação e falta de lazer. 1.5.3 Instrumentos de pesquisa Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Núcleo de Estudo de Saúde Coletiva (NESC-UFRJ), incorporando os aspectos éticos recomendados pela resolução 196/96 sobre pesquisa envolvendo seres humanos. Após sua aprovação houve um esclarecimento a cada trabalhadora dos objetivos e benefícios deste estudo, sendo então apresentados a elas os termos de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo 1), que cada uma assinou por livre e espontânea vontade. Na segunda etapa da pesquisa, cada indivíduo foi submetido a uma entrevista com um questionário semi-estruturado (Anexo 2) aplicado pela pesquisadora com a finalidade de levantar aspectos ocupacionais relacionados à saúde desta população de empregadas domésticas e possíveis implicações derivadas da utilização dos saneantes domissanitários, sempre levando em consideração a relação saúde e trabalho que vimos discutindo nos capítulos anteriores. Estas entrevistas representaram a principal fonte de dados do presente estudo. Foi realizado um piloto para teste deste instrumento aplicado em 10 trabalhadoras, sendo este precedido de explicação dos objetivos da pesquisa. Selecionamos ainda um grupo de 16 entrevistadas, para as quais foi solicitado que lessem três rótulos de produtos de limpeza. A pesquisadora assinalou à margem das questões a clareza da leitura e os termos que não foram lidos ou compreendidos pelas entrevistadas. A escolha dessas informantes recaiu nos múltiplos de dez (aleatória) e os produtos de limpeza foram também escolhidos 32 aleatoriamente. A sala onde foi aplicado o referido instrumento era clara, ampla e bem iluminada, de modo a facilitar a leitura dos rótulos. Outras questões que se fizeram relevantes, além daquelas contidas no questionário, também foram abordadas pela pesquisadora, de acordo com a natureza dos desdobramentos das respostas obtidas. Na tentativa de traçar alguns parâmetros, o presente estudo levou em consideração as seguintes variáveis: Identificação: nome, estado civil, naturalidade, idade e formação escolar. História ocupacional pregressa: foram solicitadas informações sobre o primeiro e os dois últimos empregos. Tratamos de identificar a idade em que a informante começou a trabalhar, atividade(s) que realizava, tempo que permaneceu em cada um dos respectivos empregos, motivo(s) da(s) demissão(ões), percepção de risco e tempo de afastamento. História ocupacional atual: foram solicitadas informações sobre a data de admissão, situação funcional, jornada de trabalho em horas, benefícios, moradia, carga horária e atividades desenvolvidas no trabalho. Morbidade geral: Por meio dessas questões buscamos informações sobre algum problema de saúde que a informante tenha apresentado nos últimos quinze dias que antecederam a entrevista, e quais foram estes problemas. Avaliação: Tentativa de estabelecer relações entre o nexo ocupacional do sujeito, a utilização de saneantes domissanitários e os possíveis problemas de saúde mencionados pelas informantes, além da avaliação na compreensão da leitura dos rótulos. 1.5.4 Armazenamento e análise dos dados Com os dados coletados através dos questionários, foi criado, com a utilização do software EPIINFO 6.04, um banco de dados por meio do qual foram 33 obtidas freqüências simples de cada uma das variáveis selecionadas com o objetivo de descrevê-las. As variáveis consideradas importantes foram cruzadas para uma melhor caracterização da população em estudo. O tempo de atividade nos empregos e a manipulação de saneantes domissanitários foram as variáveis independentes consideradas mais importantes para a análise de associação. Como a atividade da trabalhadora doméstica tem como especificidade a manipulação destes produtos de limpeza ou atividades afins, o tempo de exposição foi considerado igual ao tempo de atividade na manipulação desses produtos. 1.5.5 Outros aspectos éticos Como citado anteriormente, este projeto incorporou os aspectos éticos recomendados pela Resolução 196/96 sobre Pesquisa Envolvendo Seres Humanos e não apresentou atividades que pudessem acarretar danos às dimensões físicas, psíquicas, morais, intelectuais, sociais, culturais ou espirituais de nossos informantes. Trata-se de um estudo que pode se reverter em recomendações para diminuir a exposição do grupo estudado aos saneantes domissanitários. Os dados que foram coletados referentes aos sujeitos da pesquisa foram de uso exclusivo da equipe de pesquisa, e a pesquisadora responsável garantiu que nenhum estranho tivesse acesso a essas informações e que foi preservado a confidencialidade necessária. Não obstante, a divulgação dos resultados da pesquisa deverá ser pública, e, em primeiro lugar, endereçada aos sujeitos da pesquisa. Os sujeitos da pesquisa tiveram garantia de livre consentimento após total esclarecimento de todos os benefícios e possíveis riscos que poderão advir do desenvolvimento da pesquisa. A pesquisadora principal foi a pessoa responsável pela coordenação e realização da pesquisa e pela integridade e bem-estar dos sujeitos envolvidos. Vale também considerar que a equipe contou com o apoio da direção da instituição onde foi realizada a pesquisa. Vale acrescentar que a mestranda é funcionária da referida instituição onde foi realizado o estudo. 34 Finalmente, caso ocorresse algum motivo imprevisto, a suspensão ou encerramento da pesquisa deveria ser decidido após discussão com todos os atores sociais envolvidos, e sujeita à análise das razões pelos responsáveis deste projeto. 35 CAPÍTULO 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA O estudo das relações entre saúde e ambiente requer um tratamento interdisciplinar, isto é, trata-se de um processo que pressupõe pensar estratégias e diretrizes que devem ser construídas a partir de referenciais teóricos acerca da saúde, do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável. Isso quer dizer que para solucionar problemas complexos precisamos atuar não apenas nas suas partes constituintes, mas, ao contrário, investir na compreensão sobre o todo do problema. Para tal, é requerida a contribuição de diversas áreas e especialidades, pois quando reconhecemos a complexidade dos problemas coletivos da saúde, do ambiente e da qualidade de vida, somos levados a construir um modelo de compreensão e de atuação interdisciplinar. Os ambientes de trabalho vêm despertando interesse nos pesquisadores, seja devido às situações de risco específicas para a saúde, seja por conta do crescimento das estatísticas de acidentes, e/ou doenças que têm acometido os trabalhadores. Segundo Câmara e Corey (1992), embora os ambientes de trabalho apresentem comumente situações de risco que podem ser categorizadas como físicas, químicas, mecânicas, biológicas, ergonômicas e psicossociais, os fatores de risco em determinadas situações ultrapassam os limites dos ambientes de trabalho e atingem também a população não trabalhadora. Tambellini (1996) define a Saúde do Trabalhador como uma das áreas presentes na Saúde Coletiva, um campo de práticas teóricas e de intervenção concreta na realidade que tem como objeto os processos de saúde e de doença nas coletividades. As relações entre saúde, doença e trabalho têm como ponto de partida a investigação dos riscos para a saúde, presentes no âmbito da produção e do consumo de bens e serviços, no meio ambiente e no modo de viver dos indivíduos. 36 Entre as diferentes situações de risco para a saúde originadas por processos produtivos deve-se destacar a elevada toxicidade das substâncias químicas. O uso indiscriminado destas substâncias propicia um processo intenso de exposição das populações a esses produtos e uma deterioração ambiental crescente. Como afirmam Tambellini & Câmara (2002): [como] o ambiente pode de muitas maneiras afetar a saúde humana, é fundamental o conhecimento das situações de risco de origem no ambiente e suas conseqüências para a saúde (p. 86). No ambiente circula um elevado número de substâncias químicas, e para a grande maioria delas ainda não estão disponíveis conhecimentos toxicológicos, ecotoxicológicos, metodologias e tecnologias, tanto para o diagnóstico de situações de risco para a saúde quanto para o desenvolvimento de atividades de vigilância que visem sua prevenção e controle (Geo-Brasil, 2002). Além disso, um grande número de produtos é elaborado pelas indústrias ano após ano, mas geralmente o público consumidor não dispõe de informações mais claras sobre o seu possível impacto na saúde humana e ambiental. Ainda que as indústrias aleguem que estes produtos estão diluídos em outras substâncias e, deste modo, não representam ameaças aos consumidores, cientistas e grupos ambientalistas têm demonstrado uma preocupação crescente em virtude da falta de controle mais efetivo por parte das autoridades públicas, visto que uma exposição prolongada, mesmo em pequenas doses, a estes produtos, pode virtualmente causar sérios danos à saúde: A cada ano são incorporadas aos processos produtivos milhares de novas substâncias. Mas é escasso, quanto aos efeitos sobre a saúde, o conhecimento sobre a grande maioria das substâncias químicas (Câmara et al., 2003). A própria lógica do desenvolvimento industrial e inovações tecnológicas no ramo químico vêm possibilitando um crescimento dos riscos numa velocidade bem maior do que a capacidade científica e institucional de analisá-los e gerenciá-los. Embora diversos produtos sejam comprovadamente prejudiciais à saúde humana, seu consumo ainda é incentivado pelos meios de propaganda, sem, acreditamos, adequada orientação técnica. E conforme indica um recente estudo do Greenpeace (2004), os estudos que investigam a associação de agravos à saúde com o uso de 37 saneantes domésticos são escassos e baseados apenas em casos de intoxicação aguda. À medida que as pesquisas em Epidemiologia avançam, 6 sobretudo nas instituições de ponta dos chamados países desenvolvidos, vem sendo constituído um conhecimento mais sólido que tem permitido aos pesquisadores estabelecer relações mais precisas entre algumas doenças respiratórias, gastrointestinais, dérmicas e outras (tais como conjuntivites e otites) e a exposição a agentes químicos presentes em produtos domissanitários, ou por compostos gerados a partir de sua aplicação nos ambientes internos, ou mesmo decorrentes da própria atividade de limpeza. No Brasil, entretanto, ainda é freqüente que se subestimem as várias conseqüências desses casos de enfermidades e intoxicações no que tange à saúde coletiva e à economia.7 O que se nota é que existe uma certa tendência para considerar certas infecções que afetam a coletividade como secundárias, mesmo sabendo-se que elas representam um sério problema que afeta tanto indivíduos adultos, que compõem a população economicamente ativa, quanto crianças em fase escolar. Nos indivíduos pertencentes aos grupos de risco os casos podem ser ainda mais sérios, requerendo até hospitalização, o que ocasiona custos adicionais para a coletividade. Além disso, como veremos adiante, apesar de haver uma grande variação na incidência de doenças pulmonares ao redor do mundo, seja com relação à asma, à pneumonia, à tuberculose, ou mesmo ao câncer de pulmão, todas essas doenças podem ser causadas pela exposição a agentes nocivos no ambiente de trabalho, ou seja, terem em sua origem uma causa de tipo ocupacional, o que requer atenção das 6 A Epidemiologia descritiva mostra a freqüência de uma determinada doença nos diferentes grupos populacionais, considerando o local e o momento em que isto é observado. Procura, também, esclarecer as causas da variabilidade de uma doença na população. As vantagens deste tipo de estudo consistem na sua facilidade de execução, simplicidade da análise dos dados, apresentando um custo relativamente baixo e, suas desvantagens seriam o baixo poder analítico (inadequado para testar hipóteses causais) e o tempo, pois se o estudo for muito prolongado poderá apresentar sérias alterações metodológicas (Klein & Bloch, 2002). 7 De um levantamento realizado na Revista Brasileira de Saúde Ocupacional entre os anos de 1974 e 1994, foram encontrados poucos trabalhos. Em 1974, Goelzer chamava a atenção para um componente cancerígeno (o cloreto de vinila) presente nos aerossóis, o qual poderia vir a comprometer a saúde de cabeleireiros. Em 1979, Morita e outros publicavam um trabalho sobre casos de intoxicação com inseticidas organofosforados, seguido por Lombardi e outros (1983), que pesquisaram os inseticidas de uso doméstico. Mais recentemente, começam a surgir alguns trabalhos sobre contaminações com agrotóxicos, e destacam-se os trabalhos de Câmara Neto (2000), que estudou as relações entre condições sanitárias do ambiente urbano e o uso de pesticida doméstico; e de Diel e outros (2003), que estabeleceram relações entre o consumo de inseticidas e a renda per capita. Porém, pouca relevância tem sido dada aos problemas decorrentes da exposição aos produtos de limpeza e/ou demais domissanitários, a não ser 38 autoridades para encarar o desafio de converter os dados da pesquisa epidemiológica em informação específica o bastante no sentido de iniciar mudanças nas práticas de trabalho. Como afirma o editorial do volume 26, do ano de 2000, do Scandinavian Journal of Work, Environment & Health, “as causas etiológicas precisas das doenças pulmonares têm recebido mais atenção do que aquelas relacionadas a outras enfermidades, particularmente porque a resposta dos pulmões aos agentes externos pode ser monitorada com mais precisão do que muitos outros órgãos, e parcialmente porque a maior parte das doenças pulmonares podem se derivar de substâncias inaladas, e essas substâncias podem ser medidas no ar que nós respiramos”. Ainda segundo o mencionado editorial, o exame de raio-x foi o primeiro método objetivo para o acesso aos pulmões. As reações fibróticas e inflamatórias, provocadas pela retenção de poeira nos pulmões, são freqüentemente visíveis nas radiografias do tórax, e as pneumocistoses foram as primeiras doenças pulmonares de origem ocupacional bem estabelecidas. É necessário, entretanto – segundo os editores –, distinguir entre as causas de doenças ocupacionais e não-ocupacionais. Embora o câncer pulmonar e a doença crônica de obstrução pulmonar podem ser provocados por fatores ocupacionais, somente pode ser atribuída uma causa particular a uma determinada doença através das estimativas de risco derivadas de uma abordagem epidemiológica. De todo modo, o estudo epidemiológico de doenças crônicas no ambiente de trabalho é notoriamente difícil, pois os trabalhadores que desenvolvem uma doença crônica geralmente se afastam (ou são afastados), e somente aqueles que são relativamente resistentes aos efeitos da exposição ocupacional permanecem para serem estudados.8 Conforme veremos mais adiante, os estudos observacionais em base de coortes, utilizando usualmente mensurações feitas durante surveys seguidos de follow-up, têm sido empregados para lidar com os problemas que surgem em função das dificuldades inerentes à pesquisa em ambientes de trabalho. O acompanhamento dos sujeitos da pesquisa durante um período de tempo permite algumas denúncias publicadas em revistas especializadas (Gonçalves, 2003), e jornais de grande circulação (Santos, 2005). 8 Esse risco de deturpar os dados da pesquisa devido a uma contingência temporal e espacial específica é chamado pela literatura especializada como healthy worker effect, ou o “efeito do trabalhador saudável”. 39 avaliar potenciais fatores de risco ocupacionais ou ambientais, isto é, potenciais causas de uma dada condição clínica (Hulley et al., 2003, pp. 113-25). 2.1 O uso de desinfetantes no ambiente doméstico Como demonstra nosso recenseamento da literatura especializada no assunto, os estudos relativos ao uso de saneantes domissanitários em ambientes domésticos eram escassos até algumas décadas atrás. Num primeiro esforço de organizar as pesquisas realizadas até meados da década de 1970, Saly Bloomfield (1978) procurou passar em revista ao conjunto dos produtos desinfetantes destinados ao uso doméstico e tentou estabelecer o valor potencial do seu emprego em várias áreas do lar. Porém, apesar do foco no ambiente doméstico, a autora nos alerta, já no início do seu artigo, que os dados disponíveis até aquele momento se baseavam, na sua maioria, em pesquisas realizadas em hospitais. A autora relata que a partir da década de 1950 foram sendo desenvolvidas investigações em microbiologia aplicada e áreas afins, e realizados testes de laboratório e simulações para demonstrar a atividade dos desinfetantes como agentes de redução da contaminação ambiental e controle de infecções em ambiente hospitalar, onde o risco de disseminação mais freqüentemente ocorre via a contaminação cruzada (de um paciente a outro), e essencialmente via mãos ou vestimentas dos enfermeiros e médicos, ou ainda através do ar e das partículas de poeira.9 As pesquisas usualmente diferenciavam as chamadas áreas “secas” e “molhadas”, procurando estabelecer em cada uma delas a capacidade de sobrevivência de microorganismos potencialmente patogênicos: bactérias, vírus, fungos e outros germes. Com relação às áreas secas, descobriu-se que os pisos e material de forração do solo (carpetes e tapetes) são mais fortemente contaminados do que 9 Uma avaliação microbiológica de desinfetantes químicos de uso doméstico foi realizada no Brasil por Timenetsky (1990). O Grupo Técnico de Saneantes Domissanitários (GTSAN), da FioCruz, realiza um relevante trabalho de análise de saneantes domissanitários, alertando os órgãos de vigilância sanitária para a importância da inspeção das empresas fabricantes e do monitoramento desses produtos, consumidos de forma constante e rotineira pela população. 40 outras áreas nas mesmas condições (paredes, janelas e teto; vestimentas e roupas de cama e banho), e que, apesar de efetivo após a aplicação, o uso de desinfetantes era em geral de pouca valia, uma vez que essas áreas voltavam a se contaminar poucas horas após a atividade de desinfecção. Recomendava-se, simplesmente, o controle da poeira, complementando a rotina por meio da limpeza com água quente e detergente, considerados suficientes para a descontaminação; ou o acréscimo de uma certa proporção de hipoclorito de sódio, no caso do emprego de água fria nos procedimentos de lavagem de roupa. As chamadas áreas molhadas, por outro lado, onde pode haver acúmulo de líqüidos de diversos tipos, representam as principais áreas em que o uso de desinfetantes é recomendado. Mesmo aí, no entanto, “as evidências de hospitais e outros locais indicam que a aplicação per se de desinfetantes produz pouca ou nenhuma permanente redução na contaminação bacterial em situações que estão expostas à contínua recontaminação do ambiente. Consistentemente, baixos níveis de contaminação podem ser alcançadas em áreas molhadas somente pela limpeza com água quente e detergentes, e a aplicação de desinfetantes onde for apropriado” (p. 16). É impressionante pensar que o conjunto desses estudos apontava que a eficácia da limpeza e descontaminação era derivada mais dos cuidados com os utensílios e métodos de limpeza empregados, do que propriamente com o acréscimo de produtos químicos, tais como desinfetantes. E, de fato, em 1976, um documento sobre o uso de alvejantes e desinfetantes no lar, do Public Health Laboratory da GrãBretanha, recomendava “o uso de água quente e detergente para a maioria dos processos de limpeza, e sugeria também, quando fosse possível, que itens tais como roupas e outros utensílios de limpeza deveriam ser descontaminados por fervura; em certos casos o uso adicional de alvejante era recomendado, mas apenas em situações em que fosse considerado que esse produto químico fosse trazer alguma contribuição para o controle da infecção no lar, e apenas quando acompanhado por todos os procedimentos de limpeza” (apud Bloomfield, p. 17; grifo nosso). Bloomfield afirma que, como existem várias áreas molhadas dentro de uma casa, os níveis e os tipos de contaminação que elas abrigam variam consideravelmente. Em função do conhecimento existente até aquele momento, a autora elenca uma série de situações em que os desinfetantes poderiam ser de grande valia no controle das infecções. Certos recipientes, tais como pias e lavatórios, 41 utensílios de limpeza, banheiras, vasos sanitários e ralos mereceriam uma atenção especial. Além disso, em virtude do alto risco de contaminação existente em banheiros e cozinhas (sobretudo no preparo de alimentos crus), recomendava-se para esses locais o uso de desinfetantes. Tanto a higiene pessoal, quanto o que autora denomina de “situações de alto risco” (isto é, primeiros socorros e cuidados com pessoas idosas e enfermas, e higiene infantil), também são objeto de sua atenção. No que tange à higiene pessoal, afirma Bloomfield que há relatos conflitantes na literatura sobre a relação entre os efeitos dos produtos empregados e a possível redução na incidência de infecções. Em geral, as pessoas sadias são adequadamente resistentes contra organismos patogênicos que se depositam na superfície da pele, a chamada “flora transiente”, e o uso de sabões, sabonetes e xampus com propriedades bactericidas e/ou fungicidas é somente recomendado em casos específicos, pois reações adversas, tais como irritação e fotossensibilidade, podem ocorrer. Normalmente, o cuidado com a lavagem regular das mãos com água e sabão é suficiente para conter a contaminação cruzada no ambiente doméstico. Quanto às situações de alto risco, recomenda-se, no primeiro caso, cuidado na administração de desinfetantes, porque eles podem estar incorretamente diluídos, ou mesmo contaminados, transformando-se em reservatórios de infecções. No que se refere à higiene infantil, a utilização de água fervida juntamente com a imersão em solução com hipoclorito tende a surtir bons resultados, ainda que não inteiramente satisfatórios. Nas décadas seguintes foram realizadas várias pesquisas – muitas das quais conduzidas por Bloomfield10 –, que permitiram avançar no conhecimento dos potenciais riscos de infecção no ambiente doméstico, e novas recomendações foram traçadas. Como veremos na próxima seção, o uso de desinfetantes passou a ser indicado em certas situações específicas, sendo que os cuidados com a higiene do lar, a higiene dos alimentos e a higiene pessoal têm adquirido uma importância vital, na opinião dos higienistas, no sentido de conter o avanço das infecções na coletividade. Em publicação recente (IFH, 2002b), o Fórum Internacional de Higiene Doméstica credita o sucesso do controle das doenças infecciosas, sobretudo nos 10 As referências bibliográficas podem ser encontradas em IFH, 2002b; e 2002c. 42 países em desenvolvimento, a uma política pública de saúde que combina saneamento ambiental (tratamento da água e esgotos) e políticas educacionais de higiene doméstica. 2.2 O debate entre autoridades alemães e higienistas Em 2000, o Instituto Alemão de Proteção à Saúde do Consumidor e à Medicina Veterinária, juntamente com a Autoridade Alemã do Meio Ambiente e o Instituto Robert Koch publicaram um relato em que se afirmava que no ambiente doméstico o processo de limpeza com um detergente convencional era suficiente para reduzir o risco de contaminação a um nível seguro e saudável, isto é, que o uso de bactericidas e demais saneantes domissanitários eram nitidamente desnecessários. Também afirmava que a utilização de produtos desinfetantes neste meio acarretava potenciais riscos a saúde, tais como alterações na flora natural da epiderme e o favorecimento de mecanismos de resistência dos germes (IFH,2002b). Além disso, as autoridades alemães estavam preocupadas com os efeitos adversos promovidos pelos agentes que contêm fenóis ou halogênios, tanto sobre a funcionalidade do tratamento biológico do esgoto, como sobre os equipamentos de tratamento da água potável. Em 2002, o Fórum Internacional de Higiene Doméstica (IFH, 2002a) questionou essas colocações, que, segundo os pesquisadores reunidos, estavam baseadas em dados desatualizados de pesquisas realizadas na década de 1970. O IFH traçou outras recomendações, visto que as questões levantadas pelos alemães poderiam confundir a percepção do público em relação aos riscos de doenças infecciosas no ambiente doméstico e sobre a importância de medidas eficazes no controle de tais riscos. O Fórum Internacional acredita, como as agências alemãs, que em muitas situações o processo de limpeza com um detergente básico é suficiente no controle de riscos à saúde. No entanto, reitera que existem situações em casa nas quais o uso de desinfetantes é recomendável. Segundo os pesquisadores ali reunidos, para ser efetiva, a política de higiene doméstica precisa estar baseada na relação entre a taxa de risco e a prevenção do risco. O IFH destaca, ainda, a importância de se escolher 43 um produto próprio de acordo com a necessidade, de modo a evitar o uso excessivo de agentes químicos dentro do ambiente doméstico. O Fórum se propôs também a elaborar uma política de higiene doméstica baseando-se em estudos mais recentes, que indicam as principais fontes de contaminação doméstica: o manuseio de comidas cruas; a existência de pessoas doentes em casa; e a presença de animais de estimação em ambientes domésticos (IFH, 2002b). Segundo essas pesquisas, a contaminação pode ser disseminada a partir dessas fontes através de atividades cotidianas via manuseio de alimentos, superfícies e outras rotas, e de pessoa a pessoa dentro de uma mesma família. O IFH concluiu que a interrupção das rotas de transmissão através de uma boa política de higiene doméstica poderia reduzir significantemente a incidência de infecções na comunidade e no ambiente doméstico (IFH, 2002c). Os pesquisadores estabeleceram uma diferença entre as atividades de limpeza rotineiras e a prevenção de uma contaminação cruzada. A higiene doméstica, diária ou semanal, reduz o risco de infecção, evitando a reprodução dos germes. Mas em alguns casos o uso de desinfetante é recomendável; isto é, mesmo que as autoridades alemães afirmassem que a atividade de limpeza por si só poderia estar associada com a disseminação de germes no ambiente doméstico, em relação ao desenvolvimento de mecanismos de resistência dos germes nada ainda foi comprovado. De modo geral, as bactérias resistentes a antibióticos são trazidas para o ambiente doméstico por animais, mas os agentes virais também podem provocar não somente infecções gastrointestinais como também respiratórias. Como as infecções virais não são tratadas com antibióticos, deve-se, segundo o IFH, reforçar a necessidade de prevenção através da higiene. Estudos têm apontado ainda a disseminação de um grande número de vírus e bactérias potencialmente infecciosas a partir de comidas infectadas, pessoas ou animais doentes, e também através das mãos, roupas e outras superfícies. No ambiente doméstico também pode ocorrer a disseminação de vírus respiratórios, como o rinovírus e o vírus sincicial respiratório durante as preparações de alimentos crus na lavagem de roupas, ou por meio de lenços, maçanetas de portas e telefones. Os experimentos indicam que o vírus é transferido pelos dedos à mucosa nasal ou conjuntiva, e isto possibilita uma infecção. 44 Em alguns casos o ambiente doméstico, por ter se tornado um meio de cuidados médicos, vem se transformando num fator de risco bem semelhante ao de um hospital. Em função do envelhecimento da população, um maior número de pessoas carecem de serviços de saúde em casa, e nesse caso em particular o uso de desinfetantes tem sido considerado indispensável para a higiene doméstica, e recomendado como política de saúde para o controle de situações de risco. Quanto à possível correlação entre a utilização de biocidas e à resistência aos antibióticos, os estudos até o presente momento concluíram que não há evidências suficientes na prática clínica, mesmo porque, talvez seja a prescrição demasiada de antibióticos a principal responsável pela resistência dos germes. Outro argumento dos higienistas a favor do uso de desinfetantes no ambiente doméstico, seria que os biocidas utilizados na higiene poderiam contribuir para reduzir o impacto da resistência ao antibiótico pela diminuição do número de infecções, o que levaria, conseqüentemente, a uma menor taxa de prescrição aos antibióticos. No que se refere às questões ambientais, estudos recentes provaram que os desinfetantes baseados nos aldeídos, cloro e álcool, quando usados no ambiente doméstico, são degradáveis e não contaminam o tratamento do esgoto ou da água potável. Embora o hipoclorito produza traços de substancias organocloradas (cerca de 1,5% do cloro original), essas substâncias são geralmente biodegradáveis e solúveis em água tornando-se improvável que causem sérios danos ao meio ambiente. Para se ter uma idéia, o consumo de hipoclorito doméstico na Inglaterra é cerca de dez vezes maior que o consumo na Alemanha, e mesmo assim o Comitê Técnico da Inglaterra para Detergentes e Meio Ambiente concluiu que não há nenhum relato de que os biocidas contendo halogênios exerçam efeitos adversos nos trabalhos de tratamento de esgotos. O impacto dos componentes biocidas no meio ambiente deve ser avaliado caso a caso, visto que o comportamento e a natureza de cada um varia dentro de uma faixa muito grande. Mas com relação à experiência em países onde o consumo destes produtos é elevado e utilizado há muitos anos, nada tem sido sugerido que tais produtos possam trazer riscos significativos para a saúde coletiva. No entanto, afirmam os higienistas, é importante elaborar dossiês detalhados e atualizados de 45 cada componente químico destes produtos, para uma melhor avaliação sobre o seu impacto ambiental.11 Em suma, ao se pensar num balanço de probabilidades entre os riscos de biocidas e a necessidade de um processo efetivo de higiene para reduzir riscos de infecção no ambiente doméstico, o IFH concluiu que os benefícios da utilização no ambiente doméstico de processos de desinfecção em determinadas situações de risco devem ser considerados, e que esta medida representa uma importante atitude na proteção da saúde, no controle de infecções e da disseminação de microorganismos que são resistentes aos antibióticos. 2.3 Asma, produtos e atividades de limpeza e Saúde Ocupacional A relação entre alergênicos existentes no ambiente doméstico e a asma tem sido extensivamente estudada por especialistas médicos, mas apenas recentemente estudos têm sugerido a possibilidade do papel de poluentes químicos no ambiente interno relacionado com a gênese da asma. Dados da pesquisa bibliográfica que realizamos nos sugerem que foi nos países escandinavos que surgiram as primeiras investigações sobre o tema, em parte motivados pelo que se convencionou chamar de “Síndrome dos Edifícios Doentes”; em parte devido ao grande número de casos de problemas respiratórios decorrentes do clima gélido e da necessidade de contar com equipamentos de isolamento térmico e aquecimento central. Neste sentido, a preocupação com a poluição dos interiores (indoor pollution) se tornou um problema de saúde pública que motivou pesquisadores de vários países.12 O estudo de Burge & Richardson (1994) é um exemplo de um dos primeiros trabalhos a relatar um grave caso de asma ocupacional desenvolvido pela exposição a um agente químico (lauryl dimethyl benzyl ammonium chloride) presente 11 Ver a respeito a publicação da OMS (2000). Em 1993, S. Meredith (apud Medina-Ramón et al., 2003) já investigava casos de asma ocupacional notificados no Reino Unido. Nos EUA, trabalho semelhante foi desenvolvido por Jojosky R. et al. (1999, apud Medina-Ramón et al., idem) entre os anos de 1993 e 1995. Reinisch et al. (2001, apud Zock et al., 2002) analisaram casos de notificação de asma ocupacional na Califórnia entre os anos de 1993 e 1996. Na Finlândia, Karjalainem, A. et al. (2002 apud Zock et al., idem) estudaram a incidência de asma entre trabalhadores em limpeza em diferentes indústrias. 12 46 em um produto de limpeza utilizado para a desinfecção do piso de um local de trabalho. Trata-se de um estudo de caso individual de um farmacêutico de 44 anos que se viu ameaçado de perder seu emprego. Seu caso foi confirmado por uma série de medidas dos picos de fluxo respiratório, tanto em casa como no trabalho. A substituição deste produto de limpeza por um simples detergente levou a um substancial melhora da sua situação clínica. Em 1998, Wolkoff e outros publicaram um trabalho que fornecia uma abrangente introdução aos agentes de limpeza, e tratava do impacto da atividade de limpeza sobre os trabalhadores domésticos e ocupantes de ambientes fechados. Os agentes de limpeza são usualmente agrupados em diferentes categorias em função de suas funções técnicas e a intenção de uso (isto é, desinfetantes e limpadores de superfície, por exemplo), mas o estudo também indica que existe uma relação entre efeitos adversos de saúde ou desconforto associados com esses agentes em conexão com o processo de limpeza. Em virtude de conterem tanto substâncias voláteis como não voláteis, os desinfetantes foram identificados pelos autores como o mais perigoso grupo dentre os agentes de limpeza. Os seus constituintes mais significantes são os compostos orgânicos voláteis (COVs). Partículas de sujeira também contêm uma grande variedade, tanto de substâncias voláteis como não voláteis, incluindo alergênicos. Enquanto a fração volátil pode consistir de mais de 200 diferentes COVs, incluindo formaldeídos, a fração não volátil pode conter consideráveis quantidades de sais de gordura ácida e tensoativos, tais como sulfonatos alquil benzeno lineares. Como o nível dessas substâncias pode ser alto imediatamente após o processo de limpeza, é provável que elas se originem parcialmente do uso dos agentes de limpeza. No entanto, as atividades de limpeza também geram poeira, principalmente por ressuspensão, assim como outras atividades desenvolvidas nos ambientes internos, as quais podem ressuspender a poeira por longos períodos de tempo. De acordo com Wolkoff et al. (1998), um dos mais extensivos estudos sobre agentes de limpeza foi realizado na Dinamarca, no final dos anos 80, em virtude de uma notificação de registro compulsório, emitida em 1986, pela Agência de Proteção Ambiental Dinamarquesa para agentes utilizados em processos de lavagem e limpeza em geral (Børglum & Hansen, 1994, apud autores). Foram coletadas informações sobre quantidades manufaturadas e importadas, bem como sobre a total 47 composição química de agentes de limpeza em uso naquele ano: um total de 2.567 agentes, num montante de aproximadamente 250 mil toneladas! Também na Dinamarca, entre os anos de 1989 e 1991, Nielsen & Bach (1999) realizaram um estudo de coorte prospectivo com faxineiras empregadas em enfermarias, escolas e escritórios. O trabalho foi conduzido de forma a descrever a incidência de sintomas oculares, nasais ou de garganta derivados da asma e da bronquite entre faxineiras de diferentes faixas etárias, e diferentes experiências profissionais, com relação ao uso de sprays.13 Os estudos basearam-se em questionários, tendo sido acompanhado um grupo de 1.011 mulheres durante o período. A média de idade em 1989 era de 45 anos e a média de anos de trabalho entre as mais experientes era de 10 anos. Concluiu-se que o risco para desenvolver sintomas respiratórios era o mesmo entre as menos e as mais experientes trabalhadoras. O uso de sprays durante o período da investigação, no entanto, foi associado a um risco incremental de ocorrência de sintomas oculares e respiratórios. Apesar de estudos realizados com indivíduos ter mostrado que alguns biocidas e aditivos causam asma ocupacional tanto em faxineiros como em trabalhadores cujos ambientes de trabalho foram limpos enquanto eles não estavam presentes, o Survey da Comunidade Européia para a Saúde Respiratória (SCESR), predominantemente investigando a asma, descobriu que trabalhadores em limpeza têm um maior risco para desenvolver asma. As investigações ainda estão sendo realizadas, buscando identificar entre os diferentes tipos desses profissionais (domésticos, industriais, comerciais, etc.) os tipos particulares de exposição no seu ambiente de trabalho. Exemplos desses estudos são os trabalhos de Zock et al. (2001; 2002) e de Medina-Ramón et al. (2003), que foram realizados no sentido de aprofundar os conhecimentos sobre a incidência de doenças respiratórias de origem ocupacionais, sobretudo a asma, que afetam os trabalhadores em limpeza em ambientes fechados. A originalidade desses estudos decorre do fato de, além de ser particularmente difícil realizar uma investigação com trabalhadores domésticos (como se trata de uma 13 Segundo consta, J. Nielsen também realizou o primeiro trabalho em Saúde Ocupacional de empregados em limpeza, intitulado “The health of cleaners”, apresentado como tese PhD na Universidade de Copenhagen, em 1995. Infelizmente seu trabalho ainda não foi traduzido do dinamarquês (Nielsen, J., 1995, apud Wolkoff et al., 1998). 48 ocupação com alto grau de informalidade, mesmo nos países europeus não estão disponíveis registros oficiais), estão sendo encontradas evidências de que a própria natureza da atividade ocupacional, bem como a exposição a produtos químicos pode estar associada ao risco do desenvolvimento da asma. O primeiro deles (Zock et al., 2001) trata-se de um estudo transversal a partir de dados coletados com trabalhadores em limpeza na Espanha, como parte do SCESR. Os autores afirmam que até que os primeiros trabalhos do grupo de pesquisadores do Survey começassem a vir à luz, em 1999, as atividades de limpeza não eram geralmente associadas como uma ocupação de alto risco com relação à asma ocupacional. Os estudos baseados em uma determinada categoria profissional (work-force based studies), e os estudos de comunidade (community-based studies) haviam identificado algumas profissões de risco, tais como pintores que utilizam sprays, padeiros e confeiteiros, soldadores, agricultores, técnicos de laboratório que lidam com animais, cabeleireiros e enfermeiras. Apesar de não haver até aquele momento nenhum estudo epidemiológico focado nos trabalhadores em limpeza, alguns trabalhos anteriores haviam sugerido que agentes químicos presentes em produtos de limpeza poderiam causar asma, tais como os derivados de cloro e amônia, os compostos quaternários de amônia, e as etanolaminas. Os pesquisadores se propuseram então a investigar o uso de produtos de limpeza específicos em determinadas atividades de limpeza, procurando estabelecer as condições de risco para essa população contrair asma ocupacional, se comparados com um grupo de referência formado por trabalhadores de escritório. Os próprios autores reconhecem, entretanto, que a amostra muito pequena (21 sujeitos) e bastante seleta era uma limitação potencial do trabalho realizado. De todo modo, segundo eles, o risco excessivo para asma foi confirmado usando informações específicas sobre a atividade de limpeza e questões sobre sintomas respiratórios relacionados com o trabalho. Além disso, foram investigados os determinantes da asma entre trabalhadores em limpeza de ambientes fechados, que foram predominantemente atribuídos à limpeza de domicílios particulares. A limpeza de banheiros e cozinhas, a aplicação de lustra-móveis, e o uso de limpa-fornos em spray e polidores surgiram como os principais fatores de risco para asma ocupacional entre trabalhadores de limpeza domésticos. 49 Algumas hipóteses foram traçadas a partir dos resultados encontrados (p. 79-80). Em primeiro lugar, o fato de a asma ocupacional estar relacionada com a limpeza de cozinhas deve dizer respeito ao uso de compostos de amônia e sprays limpa-forno, cujo componente ativo é a soda cáustica. Inclusive, algumas queimaduras de pele devido ao uso desses produtos já tinham sido reportadas. Além disso, o uso de produtos de limpeza na forma de sprays facilitam a inalação da soda cáustica contida em aerossóis, possivelmente similar ao que ocorre com a amônia. Em segundo lugar, o polimento de móveis e o uso de lustra-móveis em spray também já foram relacionados com a asma. Esses produtos contêm uma variedade de compostos químicos que podem agir como irritantes das vias respiratórias. E, sobretudo, alguns deles possuem uma fragrância à base de pinho ou limão que contém (mono) terpenos, os quais têm potencialmente propriedades sensibilizadoras. Finalmente, os trabalhadores domésticos também apresentavam maior propensão a desenvolver alergias do que trabalhadores de limpeza em outros ambientes, para as quais os autores apontam um mecanismo plausível de agravamento da asma em virtude das atividades ocupacionais: irritantes, aditivos, conservantes, biocidas e inibidores de corrosão em metais, todos esses compostos podem provocar problemas de saúde de diversa índole, conforme vimos no primeiro capítulo (Wolkoff et al., 1998). O uso de luvas de borracha também podem introduzir o risco de sensibilização e asma devido a alergênicos do látex, e a mistura de compostos de cloro e amônia produz um gás altamente tóxico, a monocloramina, que provoca a síndrome reativa de disfunção das vias respiratórias. O trabalho seguinte de Zock et al. (2002) foi um estudo epidemiológico de base comunitária internacional (international community-based epidemiological study) a partir de amostras aleatórias selecionadas em países de diferentes continentes. Embora, conforme afirmam os autores, não tenha sido possível estabelecer o papel desempenhado por características específicas do trabalho em limpeza, o estudo demonstrou que os casos de asma de trabalhadores em limpeza apresentam grande similaridade com a asma em trabalhadores que sabidamente correm o risco de adquirir asma ocupacional. Além disso, os resultados alcançados destacam o fato de que os trabalhadores em limpeza têm uma excessiva prevalência para apresentar bronquite crônica, sendo importante, como indicam os autores, desenvolver estudos 50 posteriores “cujo foco recaia na identificação da exposição (química), incluindo irritantes, e a sensibilização específica a agentes de limpeza, e o diagnóstico clínico dos casos” (p. 683). O artigo de Medina-Ramón et al. (2003), realizado a partir dos estudos epidemiológicos acima, afirma que aqueles pesquisadores haviam mostrado uma associação entre o trabalho em limpeza e a asma, mas reconhece que os fatores de risco ainda eram incertos, uma vez que tais estudos se basearam numa pequena e seleta amostra populacional, sob a qual poderia ter incidido um viés específico (recall bias). Assim, o objetivo dos autores era estabelecer o risco de mulheres empregadas em serviços domésticos de limpeza adquirirem asma, pois não havia, até aquela data, estudos epidemiológicos publicados que estabelecessem uma associação precisa entre esses fatores (p. 952). Dado o cuidado metodológico com que foi conduzida a pesquisa, acreditamos também ser importante nos determos um pouco mais sobre este artigo. O trabalho do grupo de pesquisadores de Medina-Ramón trata-se de um estudo transversal (cross sectional) que foi conduzido em Cornellà, uma cidade da área metropolitana de Barcelona, na Espanha. Utilizando um censo municipal, selecionou-se uma amostra aleatória de 5.390 mulheres residentes (37%), com idades variando entre 30 e 65 anos, e com menos de oito anos de educação formal. A partir de um questionário padrão elaborado no seio da pesquisa para a Comunidade Européia (Burney, P. et al., 1994; e Galobardes. B. et al., 1998 apud Medina-Ramon et al., 2003), foram selecionadas as variáveis-teste em base de questões sobre sintomas relacionados à presença de asma (current asthma), à asma em estágio inicial (adult onset asthma), à bronquite crônica (chronic bronchitis), à rinite (rhinitis), e a sintomas respiratórios relacionados com atividades ocupacionais (work related respiratory symptoms). Questões mais detalhadas acerca do trabalho em limpeza seguiram as perguntas sobre sintomas respiratórios. Os sujeitos foram classificados de acordo com o tempo de trabalho e o tipo de atividade de limpeza realizado, tornando possível a distinção entre trabalhadores mais e menos experientes. Distinguiu-se também entre as faxineiras domésticas e não domésticas. Por meio da análise estatística, utilizando modelos de regressão, foram estimados as freqüências desviantes (odd ratios) e um intervalo de confiança de 95% para cada grupo de trabalhadores em limpeza segundo a classificação em 51 função do status respiratório. Freqüências desviantes foram ajustadas para grupos de idade e situação em relação ao hábito de fumar. As mulheres que nunca tinham trabalhado em limpeza foram usadas como grupo de referência. As evidências do trabalho foram conclusivas: 25% dos casos de asma na população em estudo foram atribuídos ao histórico de trabalhos em limpeza doméstica (p. 953). O incremento significativo no risco de apresentar asma e outros sintomas respiratórios foram encontrados em mulheres que correntemente trabalhavam como faxineiras domésticas, bem como entre aquelas que tinham trabalhado em atividades de limpeza no passado. A variável exposição ocupacional foi considerada igualmente relevante para a alta prevalência de asma em faxineiras domésticas seja como um líquido incremento na sua incidência entre elas, seja como resultado de uma exposição de longo prazo em casos de asma pré-existente. Além disso, e para o que nos interessa particularmente, como os trabalhadores em limpeza em ambiente doméstico são expostos a uma grande variedade de produtos de limpeza, contendo tanto irritantes, como sensibilizadores, bem como alergênicos de ambientes fechados (indoor allergens), os autores sugerem a hipótese de que a asma em estágio inicial, ou o agravo da asma em empregadas domésticas podem estar relacionados com um mecanismo indutor de irritação (irritant induced mechanism) ou a uma sensibilização específica (specific sensitisation) (p. 952). O estudo sugere ainda que esse tipo de atividade tem um importante impacto em saúde pública, provavelmente envolvendo não apenas os seus respectivos profissionais, mas também demais pessoas que assumem essas tarefas no lar, como as donas-de-casa. Apesar de relativamente abrangente, nossa pesquisa bibliográfica não identificou a existência no Brasil de estudos sobre problemas de saúde em trabalhadoras domésticas derivados da exposição contínua a produtos de limpeza. Um trabalho que tangencia nosso objeto de estudo, no entanto, merece ser citado em virtude da originalidade da investigação em Saúde Ocupacional com relação às trabalhadoras domésticas. O trabalho de Santana et al. (2003a) trata da incidência de acidentes não fatais entre trabalhadoras em serviços domésticos, o qual foi estimado em 5% maior entre as empregadas em serviços domésticos (7,3%), do que entre as demais trabalhadoras. Afirmam os autores que “metade dos acidentes entre empregadas em 52 atividades domésticas causou efeitos, freqüentemente não incapacitantes, mas que levaram 38,1% dessas mulheres a faltar ao trabalho” (p. 65). O estudo conclui que como “mulheres com emprego em atividades domésticas representam um contingente expressivo da força de trabalho (...) a alta incidência de acidentes ocupacionais não fatais entre elas revela sua importância em saúde pública, o que requer ações apropriadas de prevenção” (idem). Noutro trabalho (Santana et al, 2003b) a equipe de pesquisadores já havia demonstrado preocupação com as freqüências de acidentes de trabalho não fatais e investigaram se diferenças de gênero e tipos de contrato de trabalho poderiam ser destacados como variáveis explicativas para essas ocorrências. Segundo eles, “no Brasil, trabalhadores sem vínculo formal de trabalho representam mais da metade da força de trabalho, cuja maioria é composta por mulheres”. Os autores observaram uma incidência anual de acidentes “discretamente maior entre os homens (6,05%) do que entre as mulheres (5,53%), ou entre trabalhadores sem contrato formal de trabalho (5,92%) do que no grupo de comparação (5,67%)”, diferenças, estas, consideradas não estatisticamente significantes. No entanto, os autores afirmam que “a semelhança entre as freqüências de acidentes de trabalho entre mulheres e homens independentemente do tipo de contrato de trabalho apontam para a necessidade de maior atenção a estes eventos no sexo feminino, e entre os trabalhadores informais, amplamente ignorados nas estatísticas oficiais do país”. 53 CAPÍTULO 3 ANÁLISE DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO A análise da base de dados foi realizada a partir das respostas obtidas no questionário padrão, o que nos possibilitou a construção de um perfil das empregadas domésticas que estudaram nesta instituição e que também manipularam saneantes domissanitários em seus respectivos empregos. Com esse material, elaboramos as tabelas 4 e 5. As tabelas 4a e 4b trazem uma caracterização das trabalhadoras de acordo com algumas variáveis selecionadas do nosso questionário. Nas tabelas 5a e 5b, nós selecionamos uma amostra de 123 trabalhadoras que declararam possuir uma percepção de risco à saúde associada à exposição aos saneantes domissanitários no último emprego. Em seguida, nós verificamos o comportamento desta variável em relação a algumas variáveis independentes selecionadas, como veremos adiante. A tabela 4a apresenta a caracterização individual das trabalhadoras domésticas segundo a idade, escolaridade, estado civil, inicio da vida produtiva, residência e carga horária diária. Essa tabela evidenciou que 40,3% das entrevistadas se encontravam na faixa etária entre 29 a 39 anos de idade, e 32,7% entre 18 e 28 anos, as quais somadas representam 73% do nosso universo. A presença de jovens nessa ocupação pode ser uma pista para a afirmação de que essa atividade é a porta de entrada para o mercado de trabalho menos qualificado. Quanto ao nível de escolaridade, observou-se que apenas um pequeno contingente do universo estudado (3,1%) possui o Ensino Fundamental Completo, enquanto 80% não completaram este segmento. A grande maioria do nosso universo, 54 TABELA 4a: Distribuição de variáveis selecionadas sobre exposição a saneantes domissanitários segundo trabalhadoras domésticas estudadas. Rio de Janeiro, Brasil – 2005. Variáveis selecionadas Idade (anos) 18 a 28 29 a 39 40 a 49 50 ou mais Total Escolaridade Ensino Fundamental incompleto Ensino Fundamental completo Ensino Médio incompleto Acima destes níveis Estado civil Solteira Casada Separada Início da vida produtiva 7 a 11 anos 12 a 17 anos 18 a 23 anos 24 anos ou mais Residência no local de trabalho Sim Não Carga horária diária 6 a 8 horas 9 a 10 horas Sem informação N (%) (n = 159) 52 (32,7%) 64 (40,3%) 20 (12,6%) 23 (14,4%) 159 (100 %) 127 (79,9 %) 5 (3,1 %) 18 (11,3 %) 9 (5,7 %) 93 (58,5 %) 48 (30,2 %) 18 (11,3 %) 31 (19,5 %) 99 (62,3 %) 20 (12,6 %) 9 (5,7 %) 109 (68,6 %) 50 (31,4 %) 40 (25,9 %) 113 (73,4 %) 6 (0,7 %) 55 portanto, não possui elementos necessários e suficientes para a leitura e compreensão da linguagem verbal, configurando um perfil de escolaridade que nos parece extensivo à classe das trabalhadoras domésticas. A grande presença de jovens e a baixa escolaridade nesta categoria profissional reforça a afirmação de que essa atividade é a principal fonte de emprego de mulheres que têm opções limitadas de inserção no mercado de trabalho em função de seu baixo nível de qualificação. Como vimos no primeiro capítulo, o serviço doméstico tem um papel fundamental na absorção das mulheres de menor escolaridade e sem experiência profissional no mercado de trabalho (Melo, 1998). Esse fato é importante quando comparamos os dados que retratam o início da vida produtiva dessas trabalhadoras. 81,8% dessas trabalhadoras começaram a trabalhar muito cedo, justamente no período que deveriam estar desenvolvendo atividades escolares. Como este tipo de trabalho funciona como a porta de entrada para as jovens migrantes rural-urbanas no mercado informal, existe uma forte presença de crianças do sexo feminino exercendo essas atividades de diferentes maneiras. Quanto ao estado civil, evidenciou-se que a maioria das trabalhadoras são solteiras (58,5%), as casadas representando 30,2%, e uma pequena parcela de mulheres separadas (11,3%). Esse dado confirma a sugestão de Melo (1998) de que a maior parte das trabalhadoras em atividades domésticas são solteiras, provavelmente em função da dificuldade de conciliar este emprego com as demandas por atenção das suas próprias famílias. Um aspecto importante, como pudemos observar na tabela 4a, foi que a percentagem de trabalhadoras domésticas que residem no local de trabalho alcançou 68,6% nesta amostra, apesar da tendência à “profissionalização” desta profissão. Atualmente, nos grandes centros urbanos, tudo indica que há uma tendência a empregar domésticas, mensalistas ou diaristas que tenham domicílio próprio, pois não oferecer alojamento e todas as refeições é uma maneira de cortar custos para a classe média (Melo, 1998). Além disso, a situação das trabalhadoras diaristas representa uma forma mais clara para demarcar as relações de classe, definindo melhor a relação patroa/empregada e separando mais facilmente a jornada de trabalho. 56 As formas como essas relações patroa-empregada se conjugam têm influenciado nas condições da vida social, de trabalho e de saúde dessas trabalhadoras, embora pouca atenção é dada para saúde desta categoria.14 Com relação à carga horária trabalhada notou-se que as trabalhadoras domésticas têm uma jornada laborativa diária de aproximadamente 9-10 horas (73,4%), confirmando os dados de Melo (1998), que afirma que as relações de trabalho do serviço doméstico são inscritas num contexto mais amplo do que as simples relações estritamente empregatícias. A tabela 4b apresenta a caracterização individual das trabalhadoras domésticas segundo diversas variáveis: os principais tipos de saneantes utilizados, o hábito de ler o rótulo, o entendimento das informações do rótulo, o manuseio correto do produto conforme as informações do rótulo, o local de armazenamento dos saneantes, o hábito de alimentar-se durante a exposição a saneantes, a associação de problemas de saúde ao uso de saneantes, o afastamento do trabalho por problemas de saúde, a escolha do produto, e relato de risco à saúde na manipulação. Vejamos abaixo como se distribuem as freqüências. Os dados indicaram que toda a população estudada (100%) havia sido exposta aos saneantes domissanitários no ambiente de trabalho. A maioria das trabalhadoras tinha de 11 anos até 21 anos ou mais de exposição (71%). Também foi observada a preferência das 159 trabalhadoras entrevistadas em relação aos produtos de limpeza empregados no ambiente de trabalho. Por categoria de uso, o consumo preferido foi dos limpadores multiuso (100%), seguidos bem próximo pela água sanitária (83%), e sabões em pó e amaciantes (70,4%) e os detergentes à base de formol (47,8%). Abaixo dessa freqüência encontramos outros produtos, tais como outros clorados (32,7%), sabão de coco (19,5%), e os removedores (7,5%). Quanto à rotulagem, investigamos três variáveis: o hábito de ler o rótulo, a compreensão das informações nele contidas, e a correta utilização do produto segundo as indicações prescritas, oferecendo às informantes uma gradação de 14 No estudo de Santana et al. (2003), foi observado que a ocupação em serviços domésticos proporcionou um risco maior do que as demais profissões, e esse risco aumentou com o tempo de trabalho, medido pela jornada diária ou semanal nas empregadas domésticas, levando ao afastamento por cerca de duas semanas (22,7%) ou mais semanas (18,2%). 57 intensidade representada pelas alternativas “freqüentemente”, “às vezes”, e “nunca”. Nosso objetivo era investigar não somente se o rótulo cumpria sua função, mas também se a linguagem era adequada para a população a que se destina. Da mesma maneira, subentende-se por “correta utilização do produto” não apenas o cuidado na sua aplicação, sua dosagem e especificidades técnicas, mas também se os equipamentos de segurança indicados pelos produtores estavam sendo utilizados pelas trabalhadoras. 24,8% do nosso universo lêem freqüentemente as informações do rótulo. 23,6% declararam que apenas às vezes o fazem, e 51,6% das trabalhadoras afirmaram que nunca consultam as instruções para manuseio do produto. A variável referente à compreensão das informações presentes no rótulo também apresentou um percentual significativo (52,2%) para aquelas que nunca entendiam o que estava escrito no texto do rótulo. 31,2% declararam que compreendem às vezes, e apenas 16% compreendem freqüentemente. Cruzando os dados, percebemos que embora quase ¼ da nossa população lêem freqüentemente os rótulos, mais da metade não compreende o que está escrito. Da mesma forma, um grande número de trabalhadoras (54,4%) nunca seguiu as instruções dos rótulos, enquanto que 27,8% as seguem às vezes e apenas 17,7% afirmam que aplicam o produto corretamente. Quanto ao local de armazenamento, a cozinha despontou como o principal cômodo da casa utilizado para esse fim (52,2%). Bem abaixo desse percentual, seguem o quarto (15,7%) e o banheiro (11,9%). Não obstante, outros locais (fora da casa, área de serviço, dispensa, etc.) alcançam um percentual significativo (20,1%). 58 TABELA 4b: Distribuição de variáveis selecionadas sobre exposição a saneantes domissanitários segundo trabalhadoras domésticas estudadas. Rio de Janeiro, Brasil – 2005. Variáveis selecionadas Exposição a saneantes domissanitários no ambiente de trabalho Tempo de exposição aos saneantes 2 a 10 anos 11 a 20 anos 21 anos ou mais Principais tipos de saneantes utilizados Detergentes multiuso Água sanitária Sabão em pó e amaciantes Detergentes à base de formol Outros clorados Sabão de coco Removedores Hábito de ler o rótulo Freqüentemente Às vezes Nunca Entendimento das informações do rótulo Freqüentemente ou às vezes Nunca Manuseio do produto conforme as instruções do rótulo Freqüentemente Às vezes Nunca Local de armazenamento dos saneantes Cozinha Quarto Banheiro Outros Alimentação durante exposição a saneantes Freqüentemente Às vezes Nunca Problemas de saúde decorrentes do uso de saneantes Sim Afastamento do trabalho por problemas de saúde (n=62) Sim Escolha do produto Empregador Trabalhadora Doméstica Relato de risco à saúde na manipulação No Primeiro Emprego No Segundo Emprego No Último Emprego N (%) (n = 159) 159 (100%) 46 (28,9 %) 71 (44,6 %) 42 (26,4 %) 159 (100 %) 132 (83,0 %) 112 (70,4 %) 76 (47,8 %) 52 (32,7%) 31 (19,5 %) 12 (7,5 %) 39 (24,8 %) 37 (23,6 %) 83 (51,6 %) 75 (47,2 %) 84 (52,2 %) 28 (17,7 %) 44 (27,8 %) 87 (54,4 %) 83 (52,2%) 25 (15,7%) 19 (11,9 %) 32 (20,1%) 30 (18,9 %) 45 (28,3 %) 84 (52,2 %) 62 (39,0 %) 10 (16,1 %) 52 (33,1 %) 107 (66,9 %) 38 (23,9 %) 98 (61,6 %) 123 (77,3%) 59 Felizmente, a maior parte de nossas informantes (52,2%) procuram nunca fazer suas refeições enquanto manipulam os saneantes domissanitários. No entanto, a soma daquelas que o fazem com freqüência e às vezes correspondem a quase metade do nosso universo (47,2%), o que é preocupante. É impressionante perceber que 66,9% das trabalhadoras são responsáveis pela escolha do produto, enquanto que a patroa/patrão (ou empregador) o fazem em 33,1% dos casos. Durante as entrevistas, fomos informados que essa escolha é realizada em função de preferências não necessariamente relacionadas com a função técnica do produto, e sim com variáveis subjetivas, tais como a fragrância, a beleza da embalagem (cores, formas, etc.) e a propaganda veiculada nos meios de comunicação. Parece, ademais, que outras empregadas domésticas, eventualmente colegas de nossas informantes, também exercem forte influência no quesito escolha. Elas relataram ainda que quando a patroa vai perguntar sobre os produtos a serem usados, é sugerido que se faça uma listagem, sempre a partir de um conhecimento supérfluo e da falsa idéia acerca da existência de produtos inócuos à saúde. Ora, o papel das campanhas publicitárias, com suas mensagens de cunho apelativo e embalagens atrativas, são influenciar a preferência do consumidor, e atraílo para escolher um determinado produto, sem necessariamente demonstrar preocupação em alertá-lo adequadamente sobre os possíveis riscos a que está exposto: limpeza e desinfecção do ambiente e dos utensílios domésticos são garantidos; aromas agradáveis e outros atrativos criam motivações para o uso destes produtos. Mas não podemos esquecer que essa forma de escolher os produtos pode acarretar forte impacto na saúde não somente da trabalhadora, como também em todo âmbito domiciliar. O mais freqüente é que boa parte dos consumidores não procura no rótulo as informações para a aquisição do produto. Isso é preocupante, já que a maioria dos indivíduos não sabe nada sobre os riscos a que estão sujeitos, ou não se preocupam com eles. Por isso é fundamental um critério de escolha que não leve em consideração somente aparência do produto, mas também a sua qualidade e eficácia na limpeza doméstica e menor risco à saúde e ao ambiente. Quanto a afastamento do trabalho por motivos de saúde, do total de 159 informantes, 62 delas declararam ter tido algum caso de afastamento do trabalho devido à manipulação de saneantes domissanitários, o que compreende 39% de 60 nosso universo, ou seja, mais de 1/3 das mulheres entrevistadas. Dessa amostra de 62 (100%), 10 (16,1%) foram efetivamente afastadas por motivo de doença comprovadamente relacionada com a exposição aos produtos de limpeza. Na variável relacionada ao relato de risco à saúde pela manipulação de saneantes domissanitários, 23,9% das trabalhadoras entrevistadas afirmaram terem tido algum problema já no primeiro emprego. 61,6% perceberam algum risco durante o segundo emprego, e 77,3% reconhecem que durante o terceiro emprego tiveram algum problema de saúde associado ao uso de produtos de limpeza. Isso quer dizer que quanto maior a experiência das trabalhadoras, e tanto maior o tempo de manipulação desses produtos, maior é a percepção das empregadas domésticas dos riscos a que estão sujeitas. Se, por exemplo, durante o primeiro emprego um caso de alergia poderia estar associado a outras razões, durante o segundo e o terceiro empregos, a associação parece ser evidente por parte de nossas informantes. Dentre os problemas de saúde associados a manipulação dos produtos domissanitários, os sintomas mais citados foram alergias de contato, alergias respiratórias devido a inalação de produtos, coceiras no nariz e nas mãos, rinites alérgicas, crise de espirros, asma, ardência nos olhos e no rosto, lesões de pele e dores de cabeça. Porém, existem os “riscos invisíveis”, aqueles que não são percebidos conscientemente, de difícil diagnóstico associativo, tais como: a tristeza, o hipotireodismo, depressão, labilidade emocional, irritabilidade, alteração do ciclo menstrual dentre outros. Acreditamos poder considerá-los como distúrbios sentinelas de intoxicação que se manifestam em cargas laborais e padrões de desgaste constitutivos dos ambientes e das condições de trabalho, que precisam de maior investigação clínica e epidemiológica. Outra questão relevante é que sendo a maioria das entrevistadas solteiras e residindo no local de trabalho (uma vez que das mensalistas se exige a permanência por dias seguidos no local do emprego), é importante levar-se em consideração que ao tempo de exposição nesses casos se acrescenta um grande desgaste na saúde física e psíquica destas trabalhadoras. Também é importante registrar que a jornada de trabalho diária é estafante, e que existem situações em que o descanso está planejado, mas não é usufruído. O trabalho de Santana et al. (2003a), estimou uma incidência anual de 33,78/1000 acidentes de trabalho não fatais entre diaristas e, de 41,11/1000 em mensalistas. 61 Há algumas questões que não foram aproveitadas na confecção das tabelas, mas gostaríamos de fazer alguns comentários em torno das freqüências que achamos mais relevantes. Em primeiro lugar, o local onde as residentes no emprego dormem: 76% dormem no quarto situado na área de serviço, e 20,2% em outro cômodo anexo à casa; 2,8% dormem em locais onde também se armazenam os produtos de limpeza, mas essas trabalhadoras não percebem nenhum problema com relação a isso. Essas trabalhadoras são expostas desde o momento em que acordam até sua hora de deitar e dormir. Em segundo lugar, quando entrevistadas sobre o treinamento ou qualquer esclarecimento sobre o uso destes produtos, 100% delas afirmaram que nunca receberam qualquer tipo de instruções ou informações sobre os cuidados na manipulação dos saneantes. Poucas trabalhadoras domésticas relataram que alguns informes foram adquiridos ao longo da vida laboral, por iniciativa própria, lendo os rótulos das embalagens dos produtos. Com relação às embalagens vazias, todas foram unânimes em afirmar que não as utilizam para outros fins. 46,1% das trabalhadoras separam as embalagens para uma futura reciclagem, mas 53,9% ainda misturam as embalagens com outros tipos de lixo. No que diz respeito aos equipamentos de proteção individual que foram citados (luvas e botas), apenas 21% utilizam esse material para sua proteção, enquanto 79% não fizeram nenhuma referência ao fornecimento de uniformes, luvas, botas ou qualquer material que lhes protegesse, e confirmaram que apenas utilizam bermuda e camiseta para fazer a faxina diária. Quanto à periodicidade da limpeza, as respostas apresentaram uma grande variação, embora a maioria das trabalhadoras tenham dito fazê-la diariamente, ou pelo menos três vezes por semana. Especificamente quanto aos riscos à saúde e de outros indivíduos, 93% das entrevistadas afirmaram ter informações de que os saneantes domissanitários são prejudiciais à sua saúde, ou a da comunidade, do ambiente e de seus familiares, principalmente com o uso prolongado. Durante a aplicação do questionário, foi selecionada, aleatoriamente, uma amostra equivalente a 10% do nosso universo. Para essas 16 trabalhadoras, pedimos 62 que realizassem a leitura dos rótulos de três diferentes produtos. Para aquelas que conseguiram ler todo o texto foi pedido que explicassem o que haviam compreendido das respectivas leituras. 50% leram (8) e 50% (8) declararam não serem capazes de ler os rótulos por afirmarem, entre outras coisas, que as letras eram muito pequenas ou que não entenderam os termos técnicos utilizados pelos fabricantes. Estas questões, juntamente com a baixa escolaridade, constituem uma barreira na compreensão das informações apresentadas nos rótulos das embalagens dos produtos saneantes domissanitários. As minúsculas letras, além da quantidade de informações apresentadas nos conteúdos dos rótulos, e a dificuldade de interpretação das informações técnicas são as principais queixas relatadas pelas trabalhadoras domésticas. Dentre aquelas que conseguiram ler, somente três (37,5%) declararam compreender o conteúdo. As demais cinco que leram mas não compreenderam o que dizia no rótulo,somadas com as oito que não conseguiram ler, perfazem um total de 13 entrevistadas nessa amostra, o que corresponde a 81,3% desse microuniverso. Parece que as informações contidas nos rótulos desses produtos, aparentemente se destinam a um grupo de pessoas que tenham um grau de instrução melhor, podendo assim entender o emprego da linguagem técnica usada para construir os conteúdos presentes nas embalagens. 63 TABELA 5a: Distribuição de variáveis selecionadas de identificação segundo associação de risco para a saúde pela manipulação de saneantes domissanitárisos no último emprego das trabalhadoras domésticas estudadas. Rio de Janeiro, Brasil – 2005. Variáveis selecionadas Idade (anos) 18 - 28 29 - 39 40 - 49 50 ou mais Total Escolaridade Ens. Fund. Incompleto Acima deste Nível Total Estado civil Solteira Casada Separada Total Início da vida produtiva 7 a 11 anos 12 a 17 anos 18 a 23 anos 24 anos ou mais Total Residência no local de trabalho Sim Não Total Carga horária de trabalho diária 6 a 8 horas 9 a 10 horas Sem Informação Total Associação de risco Não associação de pela exposição aos risco pela exposição saneantes no último aos saneantes no emprego (n=123) último emprego (n=36) n % n % 39 (31,7) 13 (36,1) 53 (43,1) 11 (30,6) 14 (11,4) 6 (16,7) 17 (13,8) 6 (16,7) 123 (77,4) 36 (22,6) Total (n=159) n % 52 64 20 23 159 (32,7) (40,3) (12,6) (14,5) (100,0) 93 30 123 (75,6) (24,4) (77,4) 34 2 36 (94,4) (5,6) (22,6) 127 5 159 (79,9) (3,1) (100,0) 70 38 15 123 (56,9) (30,9) (12,2) (77,4) 23 10 3 36 (63,9) (27,8) (8,3) (22,6) 93 48 18 159 (58,5) (30,2) (11,3) (100,0) 22 81 15 5 123 (17,9) (65,9) (12,2) (4,1) (77,4) 9 18 5 4 36 (25,0) (50,0) (13,9) (11,1) (22,6) 31 99 20 9 159 (19,5) (62,3) (12,6) (5,7) (100,0) 82 41 123 (66,7) (33,3) (77,4) 27 9 36 (75,0) (25,0) (22,6) 109 50 159 (68,6) (31,4) (100,0) 30 90 3 123 (24,4) (73,1) (2,5) (77,3) 10 23 3 36 (27,8) (63,8) (8,4) (22,7) 40 113 6 159 (25,2) (71,0) (3,8) (100,0) Foi realizada ainda uma tentativa de associação entre dois grupos de empregadas domésticas, o primeiro grupo representado pelas trabalhadoras que associavam risco pela exposição aos saneantes no último emprego e aquelas que não faziam esta associação. Nas tabelas 5a (acima) e 5b (a seguir) foram feitos cruzamentos destes dois grupos com diversas variáveis estudadas, observando-se entre outros, uma associação estatisticamente significante para as variáveis: 64 “Escolaridade” (Teste Qui Quadrado Yates Corrected = 6,15; p < 0,01) e “Problemas de saúde decorrentes do uso de saneantes” (Teste Qui Quadrado Yates Corrected = 27,66; p < 0,000). Com relação ao grau de escolaridade (tabela 5a, variável destacada em negrito), é possível afirmar que existe uma significativa correlação entre aqueles que atingiram níveis mais avançados (acima do Ensino Fundamental Incompleto) e a percepção de risco à saúde. Dentre as 36 que não associaram risco à saúde pela exposição aos saneantes no último emprego, apenas duas (5,6%) estavam entre as mais escolarizadas. Quando observamos a coluna daquelas que declaravam perceber o risco a saúde, 30 informantes (24,4%) dentre as 123, tinham grau de escolaridade mais elevado. Isso comprova que o acesso a educação formal fornece elementos para julgar com maior propriedade os riscos que os agentes químicos representam no cotidiano laboral dessas trabalhadoras. Era nosso objetivo verificar se os danos à saúde percebidos pelas trabalhadoras domésticas estavam associados por elas a alguns dos produtos manipulados em seu cotidiano. Isso quer dizer que, provavelmente, com o tempo de exposição crescente, a observação no próprio corpo levou-as a estabelecer uma relação causa-efeito com determinados produtos. De fato, quanto à variável problemas de saúde decorrentes do uso de saneantes (tabela 5b, destacada em negrito), de 123 que associam o risco à saúde no último emprego, 62 (50,4%) afirmaram ter efetivamente tido algum problema de saúde, enquanto que as demais 61 (49,6%) não reconheceram ter tido ainda nenhum dano associado à exposição aos domissanitários. Isso quer dizer que é possível que toda vez que essas mulheres se sentem mal, tendem a averiguar se a sua causa foi devido à manipulação de produtos de limpeza. Na outra coluna, por sua vez, todas as 36 entrevistadas (100%) afirmam nunca terem tido problemas de saúde pelo mesmo motivo. Provavelmente, isso se deva ao fato de que muitas doenças percebidas no trabalho doméstico apresentam sintomas comuns a outras patologias, tornando-se difícil identificar os processos que as geraram, bem mais amplos que a simples exposição a um agente exclusivo. 65 TABELA 5b: Distribuição de variáveis selecionadas de exposição segundo associação de risco para a saúde pela manipulação de saneantes domissanitárisos no último emprego das trabalhadoras domésticas estudadas. Rio de Janeiro, Brasil – 2005. Associação de risco Não associação de risco pela exposição aos pela exposição aos Variáveis selecionadas Total saneantes no último saneantes no último (n = 159) emprego (n = 123) emprego (n =36) % n % n % n Tempo de exposição aos saneantes 2 a 10 anos 37 (30,1%) 9 (25,0%) 46 (28,9%) 11 a 20 anos 54 (43,9%) 17 (47,2%) 71 (44,7%) 32 (26,0%) 10 (27,8%) 42 (26,4%) 21 anos ou mais Total 123 (77,4%) 36 (22,6%) 159 (100,0%) Hábito de ler o rótulo Freqüentemente 30 (24,4%) 9 (25,0%) 39 (24,5%) As vezes 27 (22,0%) 10 (27,8%) 37 (23,3%) Nunca 66 (53,7%) 17 (47,2%) 83 (52,2%) 123 (77,4%) 36 (22,6%) 159 (100,0%) Total Entendimentos das instruções do rótulo Freqüentemente 18 (14,6%) 8 (22,2%) 26 (16,4%) As vezes 38 (30,9%) 11 (30,6%) 49 (30,8%) 67 (54,5%) 17 (47,2%) 84 (52,8%) Nunca Total 123 (77,4%) 36 (22,6%) 159 (100,0%) Seguimento das instruções do rótulo Freqüentemente 21 (17,1%) 7 (19,4%) 28 (17,6%) 34 (27,6%) 10 (27,8%) 44 (27,7%) As vezes Nunca 68 (55,3%) 19 (52,8%) 87 (54,7%) Total 123 (77,4%) 36 (22,6%) 159 (100,0%) Local de armazenamento dos saneantes Cozinha 67 (54,5%) 16 (44,4%) 83 (52,2%) Quarto 17 (13,8%) 8 (22,2%) 25 (15,7%) 16 (13,0%) 3 (8,4%) 19 (11,9%) Banheiro Outros 23 (18,7%) 9 (25,0%) 32 (20,2%) 123 (77,4%) 36 (22,6%) 159 (100,0%) Total Alimentação durante exposição a saneantes Freqüentemente 23 (18,7%) 7 (19,4%) 30 (18,9%) 33 (26,8%) 12 (33,3%) 45 (28,3%) As vezes Nunca 67 (54,5%) 17 (47,2%) 84 (52,8%) 123 (77,4%) 36 (22,6%) 159 (100,0%) Total Problemas de saúde decorrentes do uso de saneantes Sim 62 (50,4%) 0 (0,0%) 62 (39,0%) Não 61 (49,6%) 36 (100,0%) 97 (61,0%) 123 (77,4%) 36 (22,6%) 159 (100,0%) Total Afastamento do trabalho por problema de saúde (n = 62) Sim 10 (16,2%) 10 (16,2%) 52 (83,8%) 52 (83,8%) Não 62 (100,0%) 62 (100,0%) Total Escolha do produto Empregador 40 (32,5%) 12 (33,3%) 52 (32,7%) 83 (67,5%) 24 (66,7%) 107 (67,3%) Trabalhadora Doméstica Total 123 (77,4%) 36 (22,6%) 159 (100,0%) 66 CAPÍTULO IV CONCLUSÕES Dentre as diferentes categorias profissionais no Brasil, o serviço doméstico remunerado é um dos que apresenta um dos maiores graus de informalidade e precariedade em termos de relações de trabalho. Algumas pesquisas têm abordado esse tipo de serviço, mas poucas são as investigações voltadas para a saúde de mulheres, que em sua maioria desempenham essas funções. A falta de dados de morbidade centrados em doenças de ordem química nesta profissão dificulta a implantação de medidas de controle da saúde dessas trabalhadoras, não contribuindo para a melhoria de suas condições de vida e trabalho. Essa lacuna tem alimentado um ciclo vicioso, que, como vimos, se inicia com a precariedade de condições durante a infância dessas profissionais, se reforça com o restrito acesso à educação e qualificação profissional, e conduz essas mulheres ao ingresso em idades muito jovens no mercado de trabalho, em cujo ambiente estão sujeitas ao adoecimento ou aos acidentes ocupacionais, muitas vezes sem cobertura médica ou previdenciária, o que acaba por gerar mais empobrecimento dessa parcela da população. É importante reconhecer que a falta de informação em relação aos riscos e ao agravo potencial à saúde pela exposição aos produtos saneantes domissanitários, somados aos efeitos não muito claros sobre a saúde dos trabalhadores domésticos em geral, e de outros tipos de trabalho informal que são exercidos por um grande número de mulheres, provocam transtornos relacionados com determinadas enfermidades, que por vezes podem resultar em posterior afastamento do emprego. Por isso é preciso pensar estratégias para intervir nos processos que afetam, particularmente, a saúde da mulher que realiza o serviço doméstico remunerado, avaliando riscos invisíveis comprovadamente existentes. Como vimos acima, a maioria delas associam os problemas de saúde ao uso ou à exposição aos produtos de limpeza, porém, em geral, não se preocupam com sua toxicidade. 67 Como sugestão, deveria haver um incentivo junto às associações e sindicatos da categoria no sentido de esclarecer os danos à saúde quando se manipulam estes produtos inadequadamente, explicar o manuseio adequado dos produtos, e reforçar a importância da leitura dos rótulos para minimizar os riscos de exposição a esses produtos. As mudanças necessárias devem incorporar a participação das empregadas domésticas, pois elas são as principais conhecedoras do processo de trabalho, que inclui diversos saberes. Deve-se buscar, portanto, conjugar o saber-fazer adquirido através da experiência profissional acerca da eficiência de certas atividades e certos produtos de limpeza, com o conhecimento sobre os possíveis danos à saúde e ao ambiente, procurando internalizá-los no seu cotidiano. O uso adequado dos produtos de limpeza no lar é fundamental para que sua função seja atingida, seja na chamada “limpeza pesada”, seja na higienização, desinfecção e/ou desinfestação. Neste sentido, as informações contidas nas embalagens têm importante papel para alertar o consumidor sobre o uso correto de um determinado produto. Porém, acreditamos que as embalagens, de modo geral, não empregam uma linguagem adequada para o público ao qual se destina, nem esclarece cuidadosamente sobre os riscos decorrentes da exposição a determinados agentes químicos. Além disso, as informações contidas nos rótulos, em letras miúdas, não são de fácil consulta. Por isso seria importante que os órgãos públicos tornassem mais eficaz a vigilância na produção, comercialização, e utilização destes produtos tão empregados na “guerra contra à sujeira”. Gostaria de sugerir a elaboração de um manual ou cartilha de fácil compreensão tanto para as empregadas domésticas quanto para os patrões. Este documento poderia conter formas alternativas de limpeza com substancias mais simples e caseiras que desempenhassem a mesma eficiência dos produtos comerciais. Parece-nos cada vez mais evidente que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da Saúde deveriam prestar mais atenção na fiscalização dos atuais e novos produtos domissanitários à venda nos supermercados, bem como na elaboração de campanhas de esclarecimento sobre os riscos que esses aparentemente inofensivos produtos podem representar para a saúde de todos aqueles que os manipulam com maior freqüência, sejam empregadas domésticas, 68 donas-de-casa ou faxineiras eventuais. É necessário também pensar estratégias específicas para intervir nos processos que afetam particularmente a saúde da trabalhadora doméstica, submetida a riscos invisíveis. As questões ambientais, por seu lado, encontram-se intrinsecamente relacionadas ao grau de desenvolvimento industrial e populacional de um país. E não se pode esquecer que, concomitantemente ao desgaste e degradação ambientais, cresce também o número de trabalhadores agredidos pelo próprio ambiente de trabalho. Mas também são possíveis transformações nas formas de organização e nos processos de trabalho. Acreditamos ser necessário trazer para uma ampla discussão, um “outro” meio ambiente, que muitas vezes passa despercebido, mas que polui, desgasta e adoece homens e mulheres: o ambiente do trabalho. Trabalhar integradamente as questões relacionadas à saúde do trabalhador e ao meio ambiente é fundamental para desenvolver novas abordagens teórico-metodológicas que possibilitam avançar nos processos de análise e intervenção sobre as situações e eventos de riscos que são colocados para trabalhadores e para o meio ambiente como um todo. 69 BIBLIOGRAFIA ASSOCIATION INTERNATIONALE DE LA SAVONNERIE, DE LA DETERGENCE E DES PRODUITS D'ENTRETIEN (AISE) (1997) Annual Review of AISE. 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O principal objetivo deste estudo é avaliar os problemas de saúde que podem ser causados pelo uso de domissanitários durante o trabalho em domicílios urbanos e, para sua realização as pessoas que participarão do estudo serão submetidas a perguntas sobre saúde que serão feitas numa população de empregadas domésticas. A participação nesta pesquisa é voluntária e a realização destas atividades não oferece riscos para a saúde dos participantes da pesquisa, que a qualquer momento podem recusar esta participação. Os dados colhidos serão inteiramente sigilosos, avaliados apenas pelos pesquisadores e seu orientador e a identidade dos participantes do estudo será preservada. Entretanto, os resultados, em sua totalidade, serão publicados em literatura científica especializada. Será marcada uma data para divulgação dos resultados e, caso seja detectada alguma anormalidade, os participantes da pesquisa serão encaminhados para avaliação clínica. Em caso de 76 alguma dúvida, os pesquisadores podem ser contatados pelos telefones citados abaixo. Atenciosamente, Lilia Modesto Leal Corrêa / Psicóloga e Pesquisadora. Volney de M. Câmara / Prof. Titular e Orientador da Pesquisa. Eu, _______________________________________________RG no__________, certifico que lendo as informações acima concordo com o que foi exposto e autorizo a minha participação nesta pesquisa. Rio de Janeiro, ____ de _____________________ de 2004. Assinatura 77 ANEXO 2 QUESTIONÁRIO Pesquisa sobre a utilização de domissanitários por empregadas domésticas A) Perfil da população Nome: ____________________________________________ Idade: ________ Estado civil: ( ) solteiro ( ) casado ( ) separado Natural (UF): ________ Grau de escolaridade: ( ) ensino fundamental incompleto ( ) ensino fundamental completo ( ) médio incompleto ( ) médio completo ( ) técnico incompleto ( ) técnico completo 78 B) História ocupacional B.1.a. História pregressa ♦ Com que idade começou a trabalhar? ____ anos. ♦ Que atividades realizava na primeira moradia? _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _________________________________________________________ ♦ Tempo que ficou no trabalho? ( ) meses ( ) anos ♦ Motivo(s) da saída do trabalho? ( ) desentendimento c/ patrões ( ) insatisfação salarial ( ) gravidez ( ) doença (1 – familiar; 2 – própria) ( ) contenção de despesas ( ) outros:__________________________________________________________ ♦ Você percebia algum risco para sua saúde quando usava algum produto de limpeza? ( ) sim ( ) não Qual:_____________________________________________________________ B.1.b. ♦ Com que idade começou a trabalhar? ______ anos. ♦ Que atividades realizava na segunda moradia? _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _________________________________________________________ 79 ♦ Tempo que ficou no trabalho? ( ) meses ( ) anos ♦ Motivo(s) da saída do trabalho? ( ) desentendimento c/ patrões ( ) insatisfação salarial ( ) gravidez ( ) doença (1 – familiar; 2 – própria) ( ) contenção de despesas ( ) outros:__________________________________________________________ ♦ Você percebia algum risco para sua saúde quando usava algum produto de limpeza? ( ) sim ( ) não Qual: _____________________________________________________________ B.1.c. ♦ Com que idade começou a trabalhar? ______ anos. ♦ Que atividades realizava na terceira moradia? _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _________________________________________________________ ♦ Tempo que ficou no trabalho? ( ) meses ( ) anos ♦ Motivo(s) da saída do trabalho? ( ) desentendimento c/ patrões ( ) insatisfação salarial ( ) gravidez ( ) doença (1 – familiar; 2 – própria) ( ) contenção de despesas ( ) outros:_________________________________________________________ ♦ Você percebia algum risco para sua saúde quando usava algum produto de limpeza? ( ) sim ( ) não Qual: ____________________________________________________________ 80 ♦ Nestes empregos ocorreu algum tipo de afastamento? ( ) sim ( )não ♦ Motivo(s) do(s)afastamento(s):_______________________________________ ♦ Qual o benefício? ( ) doença ( ) acidentário ( ) invalidez ♦ Tempo de afastamento: ( ) dias ( ) meses ( ) anos B2. História ocupacional atual ♦ Data da admissão:________________________________________________ ♦ Situação funcional: ( ) em atividade ( ) afastado em benefício previdenciário/ auxílio-doença ♦ Mora no emprego: ( ) sim ( ) não ♦ Onde? ( ) quarto anexo à casa ( ) quarto na área de serviço ( ) quarto com produtos de limpeza ( ) outros:_________________________________________________________ ♦ Carga Horária diária: __________ hs. ♦ Atividade desenvolvida no trabalho: Como faz? _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ ______________________________________________________ 81 Quando faz? _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ ______________________________________________________ Por que faz? _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ ______________________________________________________ ♦ Você apresentou problemas de saúde nos últimos 15 dias? ( ) sim ( ) não ♦ Você sofreu alguma internação nesse último ano? ( ) sim ( ) não ♦ Que problemas apresentou? __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ ___________________________________________________ C) Avaliação 1. Na sua atividade, você trabalha com produtos químicos/limpeza? ( ) sim ( ) não 2. Há quanto tempo trabalha com estes produtos?_________________________ 3. Quais são os produtos que você mais utiliza no seu trabalho? _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ ________________________________________________ 82 4. Você recebe algum tipo de orientação sobre como usar estes produtos? ( ) sim ( ) não 5. Quem dá essa orientação?_________________________________________ 6. Como é dada?___________________________________________________ 7. Você sabe para que serve o rótulo do produto? ( ) Ensina a aplicar / usar o produto. ( ) Mostra o tipo de proteção para o manuseio do produto ( ) Fala sobre saúde ( ) Fala sobre ambiente ( ) Outros: ________________________________________________________ 8. Você tem o hábito de ler o rótulo das embalagens dos produtos que você utiliza? ( ) freqüentemente ( ) às vezes ( ) nunca 9. Você entende as informações presentes nos rótulos? ( ) freqüentemente ( ) às vezes ( ) nunca 10. Você costuma seguir as instruções contidas no rótulo? ( ) freqüentemente ( ) às vezes ( ) nunca 11. Qual o destino que você dá as embalagens vazias dos produtos? ( ) Joga no lixo (1- separadas / 2- misturadas) ( ) Recicla esse material ( ) Utiliza embalagem vazia para outros fins 12. No seu trabalho, onde ficam guardados os produtos que você usa na limpeza geral? ( ) na cozinha ( ) no quarto ( ) no banheiro ( ) em outro ambiente da casa: Qual? ____________________________________________________________ 13. Você tem acesso a toda casa? ( ) sim ( ) não 14. Você costuma alimentar-se quando está usando estes produtos? ( ) freqüentemente ( ) às vezes ( ) nunca 15. Qual a roupa que você usa para trabalhar? ____________________________ 16. Você usa luvas/botas quando está lavando/limpando algo? ( ) sim ( ) não 83 17. Você acredita que o produto pode fazer mal para sua saúde e de outros? ( ) sim ( ) não 18. Você já teve alguma doença relacionada com o uso de substância química? ( ) sim ( ) não 19. Você ficou afastado do emprego por este problema? ( ) sim ( ) não 20. Você acha que o uso destes produtos pode fazer mal a comunidade, para os vizinhos ou familiares? ( ) sim ( ) não 21. O que você acha que pode ser feito para melhorar esta situação? _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ ________________________________________________ 22. Quem escolhe o produto a ser comprado? ( ) patroa ( ) empregada ( ) indiferente