FACULDADE CÁSPER LÍBERO
TÂNIA A CÂMARA BAITELLO
GOVERNANÇA CORPORATIVA E COMUNICAÇÃO
ORGANIZACIONAL: INTERFACES POSSÍVEIS
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade
Cásper Líbero, para obtenção do grau de Mestre em
Comunicação com concentração na área de
Comunicação na Contemporaneidade.
Orientação: Prof. Dr. Cláudio Novaes Pinto Coelho
São Paulo – SP
2007
Baitello, Tânia A Câmara.
Governança Corporativa e Comunicação Organizacional: interfaces possíveis/Tânia A Câmara
Baitello – São Paulo, 2007, 170 p.
Bibliografia: p.
Orientador: Prof. Dr. Cláudio Novaes Pinto Coelho.
Dissertação (Mestrado) – Faculdade Cásper Líbero, Programa de Pós-Graduação em Comunicação
com ênfase em Comunicação na Contemporaneidade.
1. Comunicação Organizacional – 2. Relações Públicas – 3. Governança Corporativa – 4.
Administração – 5. Sociedade de Mercado. I. Coelho. Cláudio Novaes Pinto. II. Faculdade Cásper
Líbero. Programa de Pós-Graduação em Comunicação na Contemporaneidade. III. Título.
TÂNIA A CÂMARA BAITELLO
GOVERNANÇA CORPORATIVA E COMUNICAÇÃO
ORGANIZACIONAL: INTERFACES POSSÍVEIS
Dissertação submetida a comissão examinadora
designada pelo curso de Pós Graduação em
Comunicação como requisito parcial para obtenção do
grau de Mestre em Comunicação pela Faculdade
Cásper Líbero. Aprovada em 30 de Maio de 2007.
Assinatura:________________________________________
Nome: Prof. Dr. Cláudio Novaes Pinto Coelho
Titulação:
Instituição:
Assinatura:________________________________________
Nome: Prof. Dr. Luiz Alberto Beserra de Farias
Titulação: Doutor em Comunicação
Instituição: Universidade de São Paulo
Assinatura:________________________________________
Nome: Profa. Dra. Vera Chaia
Titulação:
Instituição:
Chegar até aqui só foi possível por contar com seu amor e apoio incondicional, mãe,
a Dna. Cida, exemplo fundamental de força, ética e determinação.
Por contar com sua figura, pai, Sr. José Câmara, que tendo me deixado tão cedo
esteve sempre junto comigo. Você me ensinou a amar o trabalho, a amar as
pessoas, a ser idealista e acreditar num mundo mais justo e mais humano. Tal como
o Rui, meu pequeno grande irmão......sempre ao meu lado, ao lado de todos.
Ao Eduardo, meu marido, às minhas filhas, Bruna e Beatriz, também não podia
deixar de dedicar algo que me roubou deles tantas e tantas vezes. Agradeço a
compreensão, o carinho, o apoio operacional, enfim....o amor de família.
Aos amigos inesquecíveis: Júlio César Barbosa, Sérgio José Andreucci Jr.,Tatiane
Moreira Rodrigues, Sandra Regina Medeiros Braga e Regina Lúcia Zacharias
Aguiar.
Finalmente, dedico tudo a você, Mônica, minha irmã: um pequeno gesto diante de
tudo o que eu queria poder fazer por você.
Agradecimentos
À Faculdade Cásper Líbero, agradeço a oportunidade.
Ao orientador Cláudio Novaes Pinto Coelho, é impossível agradecer tudo: o
profissionalismo, o saber, a disponibilidade, a amizade sincera. Mais que agradecer,
registro aqui minha infinita admiração.
À orientadora Heloiza Mattos, que não pode me acompanhar até o final, por motivos
mais do que justos: Helô, obrigada por não me deixar desistir, por acreditar em mim.
Em você me espelho muito além do intelectual: como não perder a alegria, como
sobreviver aos momentos difíceis, como tentar levar a vida com mais leveza.
Ao Prof. Dr. Sidney Ferreira Leite e Profa. Dra. Lucia Montezuma, mestres
fundamentais.
Às profissionais Cleide Rovai Castellan e Meire Fidélis, do Grupo Abril, que me
receberam para o estudo de caso e são companheiras na crença e na atitude ética e
determinada em Relações Públicas. Exemplos de profissionais.
Ao Prof. Ms. Sérgio José Andreucci Jr., companheiro de Mestrado: terminamos.
Obrigada pelo incentivo e apoio, em todas as horas.
Ao Prof. Dr. Luiz Alberto Beserra de Farias, agradeço pela inspiração e por
desmistificar para mim o universo acadêmico.
Ao Prof. Ms. Júlio César Barbosa, meu companheiro de gestão na Coordenadoria de
Relações Públicas da Faculdade Cásper Líbero, por anos, agradeço o apoio de
todas as horas, profissionais, acadêmicas e pessoais, para que eu pudesse terminar
este trabalho.
A Deus, por não me deixar perder a fé mesmo diante dos muitos obstáculos e por
potencializar o meu talento com a sorte necessária ao sucesso de todos nós,
simples e meros seres humanos.
RESUMO
Este trabalho dedica-se a identificar as principais interfaces entre a comunicação
organizacional e a temática da Governança Corporativa, já que considera
Governança Corporativa como uma filosofia de gestão e, por isso, elemento
incorporado à cultura corporativa das organizações. Adotando a metodologia de
estudo de caso para a pesquisa empírica e baseando-se nos princípios de
Governança estabelecidos pelo IBGC (Instituto Brasileiro de Governança
Corporativa) – transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade
social corporativa – o trabalho defende que os princípios e instrumentos de
Governança Corporativa somente efetivam-se pela comunicação e, em especial,
através da gestão de Relações Públicas, especialidade da comunicação que tem
entre suas principais funções a de mediar o relacionamento entre as organizações e
seus stakeholders, administrando os conflitos de interesse inerentes a esse
relacionamento e direcionando seus esforços de planejamento e ação para que
públicos e organizações encontrem a convergência necessária para cumprir seus
objetivos estratégicos com base em uma atuação mais equilibrada e responsável. O
estudo mostra, ainda, que Governança Corporativa é mais uma das instituições
criadas pela sociedade de mercado para responder às externalidades negativas
criadas pela própria natureza do sistema capitalista, baseadas em demandas que
que, incorporadas pelas organizações, funcionam como mecanismos de
perpetuidade do sistema. De forma mais específica, o trabalho conclui identificando
as interfaces entre a gestão de Governança Corporativa, comunicação
organizacional e Relações Públicas em duas frentes: estratégica, dado que
Governança é fator de geração de valor agregado de reputação; e funcional, onde
os mecanismos e instrumentos de Governança se efetivam através das técnicas de
comunicação dirigida. O estudo conclui, ainda, que a atuação dos profissionais de
comunicação nos processos de gestão de Governança Corporativa são
extremamente relevantes para que esta seja efetivada como filosofia de gestão, pois
depende de uma comunicação de conscientização, de mediação, de efetiva
transparência, longe de qualquer tratamento mercadológico da informação. Porém,
isto depende de uma cultura corporativa mais sólida e madura em termos do
entendimento da comunicação como estratégia de relacionamento pois que, como
atividade-meio, subordina-se ao planejamento estratégico de negócios da
organização e depende do melhor acesso à alta gestão para cumprir sua função.
Palavras-chave: 1. Comunicação Organizacional. 2. Relações Públicas. 3.
Governança Corporativa. 4. Sociedade de Mercado.
ABSTRACT
Este trabalho dedica-se a identificar as principais interfaces entre a comunicação
organizacional e a temática da Governança Corporativa, já que considera
Governança Corporativa como uma filosofia de gestão e, por isso, elemento
incorporado à cultura corporativa das organizações. Adotando a metodologia de
estudo de caso para a pesquisa empírica e baseando-se nos princípios de
Governança estabelecidos pelo IBGC (Instituto Brasileiro de Governança
Corporativa) – transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade
social corporativa – o trabalho defende que os princípios e instrumentos de
Governança Corporativa somente efetivam-se pela comunicação e, em especial,
através da gestão de relações públicas, especialidade da comunicação que tem
entre suas principais funções a de mediar o relacionamento entre as organizações e
seus stakeholders, administrando os conflitos de interesse inerentes a esse
relacionamento e direcionando seus esforços de planejamento e ação para que
públicos e organizações encontrem a convergência necessária para que as
organizações contemporâneas cumprir seus objetivos estratégicos com base em
uma atuação mais equilibrada e responsável. O estudo mostra, ainda, que
Governança Corporativa é mais uma das instituições criadas pela sociedade de
mercado para responder às externalidades negativas criadas pela própria natureza
do sistema capitalista, movimentos esses que, incorporados pelas organizações,
funcionam como mecanismos de perpetuidade do sistema. Em âmbito específico, o
trabalho conclui identificando as interfaces entre a gestão de Governança
Corporativa e a comunicação organizacional em âmbito estratégico, dado que
Governança é fator de geração de valor agregado de reputação, e também
funcional, através das técnicas de comunicação dirigida; em outro âmbito, mais
abrangente, o estudo conclui que a atuação dos profissionais de comunicação nos
processos de gestão de Governança Corporativa são extremamente relevantes para
que Governança Corporativa seja efetivada como filosofia de gestão, pois depende
de uma comunicação de conscientização, de mediação, de efetiva transparência,
longe de qualquer tratamento mercadológico da informação. Porém, isto depende de
uma cultura corporativa mais sólida e madura em termos do entendimento da
comunicação como estratégia de relacionamento pois que, como atividade-meio,
subordina-se ao planejamento estratégico de negócios da organização e depende
do melhor acesso à alta gestão para cumprir sua função.
Palavras-chave: 1. Comunicação Organizacional. 2. Relações Públicas. 3.
Governança Corporativa. 4. Sociedade de Mercado.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.......................................................................................... 11
2. CAPÍTULO I – As organizações e a Sociedade de Mercado.................... 19
2.1 Conceituando “Organização”.............................................................. 20
2.2 Organizações & Comunicação............................................................. 22
2.3 Capitalismo e Sociedade de Mercado................................................. 24
2.3.1 A Sociedade de Mercado..................................................... 25
2.4 Nem apocalípticos, nem integrados: o papel do comunicador............ 30
2.5 Ética e Responsabilidade Social Corporativa: demandas sociais
incorporadas........................................................................................ 32
3. CAPÍTULO II – Governança Corporativa................................................... 37
3.1 Contexto.............................................................................................. 38
3.1.1 Surgem as companhias de capital aberto........................... 39
3.1.2 O poder dos gerentes.......................................................... 41
3.1.3 Os anos 2000: a era dos escândalos corporativos.............. 45
3.2 Natureza e Conceitos........................................................................... 48
3.3 Objetivos e Princípios........................................................................... 58
3.4 A Governança Corporativa no Brasil nos últimos 10 anos....................61
3.5 Governança Corporativa, geração de valor agregado e reputação....... 69
3.6 Relações com Investidores................................................................... 74
4. CAPÍTULO III – Comunicação Organizacional e Relações Públicas.......... 79
4.1 Cultura e Cultura Organizacional.......................................................... 80
4.1.1 Cultura................................................................................... 80
4.1.2 Cultura Organizacional.......................................................... 82
4.2 Comunicação Organizacional e Cultura Corporativa........................... 84
4.2.1 As Organizações................................................................... 85
4.2.2 Comunicação Organizacional............................................... 87
4.3 Relações Públicas: gestão dos relacionamentos e mediação de
conflitos................................................................................................. 91
5. CAPÍTULO IV – Estudo de Caso: Grupo Abril.......................................... 97
5.1 Estudo de Caso: processos de Governança Corporativa no Grupo Abril
S/A....................................................................................................... 98
5.1.1 Grupo Abril.......................................................................... 99
5.1.2 Da intenção de abrir o capital à venda de participação ao Grupo
Naspers..............................................................................
102
5.1.3 Mapeamento de instrumentos e mecanismos de Governança
Corporativa no Grupo Abril................................................. 105
5.1.3.1
Órgãos de Gestão..................................................... 106
5.1.3.2
Quadros Analíticos de comparação por Princípios de
GC............................................................................
5.1.3.3
108
Quadro Analítico de comparação por Mecanismos de
Gestão...................................................................... 111
5.2 Roteiro de Entrevistas......................................................................... 113
5.2.1 Metodologia de Coleta de Dados.......................................
113
5.3 Sumário das Entrevistas....................................................................
114
6. CAPTÍTULO V – Interfaces Estratégicas e Funcionais........................
124
6.1 Considerações Gerais....................................................................
125
6.2 Interfaces Estratégicas...................................................................
130
6.3 Interfaces Funcionais......................................................................
136
6.4 Conclusão Final...............................................................................
139
7. Referências.............................................................................................
141
1. INTRODUÇÃO
A origem desse trabalho remonta à minha trajetória profissional que, com seu
aparente início na Administração, por circunstâncias financeiras, culminou mesmo na
Comunicação Social, especialmente nas Relações Públicas.
No estudo da Administração, suas teorias, pressupostos e conceitos, já se
identificam as interfaces freqüentes e necessárias entre o âmbito organizacional e a
comunicação, pois a administração trata basicamente da gestão de recursos (físicos,
financeiros, tecnológicos e talentos humanos) através de pessoas mobilizadas em
torno da missão de uma organização; portanto, não há administração sem
comunicação.
As organizações contemporâneas precisam desenvolver, manter e consolidar
relacionamentos numa era marcada por radicais transformações dos paradigmas
sócio-culturais, pela volatilidade econômica e por uma segmentação de públicos
talvez sem paralelo na história da comunicação.
Isto se dá principalmente pela intensificação dos processos decorrentes da
globalização,
um processo que, embora, se acelere hoje, deve ser entendido de uma forma
ampla e multifacetada. Ela vem se desenvolvendo desde o início da vida social da
espécie humana, ainda que de forma parcial, por meio da articulação de um número
cada vez maior de formações sociais.(...) Ela se realiza em todas as dimensões da
vida
social
(econômica,
política,
artística,
religiosa,ideológica,
etc.).
(Domingues,1999:150)
E, ainda, no tocante às tecnologias de comunicação, que resultaram em
mudanças profundas nas relações de poder da informação entre as organizações e
seus públicos de interesse, notadamente nos últimos 15 anos.
Cada sociedade é uma sociedade de informação e cada organização é um
mecanismo de informação, assim como todo organismo é um organismo de
informação. A informação é necessária para organizar e fazer funcionar qualquer
coisa, da célula à General Motors.”( Bell, 1979 appud Martins e Silva, 2004:105).
Historicamente, as organizações privadas formaram-se a partir de duas raízes
estruturais: o desenvolvimento das sociedades anônimas, nos países do Hemisfério
Norte, ícones representativos do capitalismo e, conseqüentemente, com uma cultura
organizacional que obrigatoriamente teve que evoluir para a melhoria do
relacionamento e prestação de contas aos seus públicos, devido ao caráter aberto
de sua constituição; e, especificamente no Brasil, nosso objeto comparativo direto,
as organizações privadas formaram-se a partir de estruturas familiares e, via de
regra, de caráter patrimonialista e fechado, que só recentemente, devido aos fatores
comentados acima – democratização do acesso à informação e o conseqüente
aumento de poder dos públicos – têm procurado modificar sua postura de rigidez,
formalismo e distanciamento do universo social.
Porém, independente de seu processo de formação, as organizações da
sociedade contemporânea estão sujeitas a fortes e novas demandas sociais. Neste
contexto, as organizações privadas, como sustentáculos do capitalismo, não só
sentem e refletem tais demandas como, num mecanismo de perpetuidade
característico do sucesso do sistema capitalista, personificam e direcionam essas
demandas que acabam por se traduzir como as principais transformações do
sistema capitalista.
A esse respeito, é ilustrativo citar Mattelart (2003), a respeito do processo de
globalização e a transformação do papel das organizações neste contexto:
Não somente a empresa se converteu em um ator social de pleno direito,
exprimindo-se cada vez mais em público e agindo politicamente sobre o conjunto dos
problemas da sociedade, mas, também, suas regras de funcionamento, sua escala de
valores e suas maneiras de comunicar foram, progressivamente, impregnando todo o
corpo social. A lógica `gerencial` institui-se como norma de gestão das relações
sociais. Estado, coletividade territoriais e associações foram penetrados pelos
esquemas de comunicação já experimentados por esse protagonista do mercado.
Com a evolução das organizações globais, dentro do sistema capitalista que
hoje se reconhece na sociedade de mercado, a cada ano novos conceitos e
propostas surgem no cenário organizacional, porém, dentre elas, muitas são
modismos descartáveis e não representam tendências duradouras. Porém, outras,
que surgem como resultado da interação entre Estado, organizações e sociedade,
chegam para ficar e para modificar as relações existentes até então.
Dentre essas, uma merece atenção especial por seu potencial de apresentar
uma nova compreensão e possibilidades de atuação entre a administração e a
comunicação, especialmente através das Relações Públicas. É a filosofia de
Governança Corporativa, surgida com este nome na Inglaterra, ao final dos anos
1980.
Assim, este trabalho estrutura-se a partir do que se considerou como
principais eixos de desenvolvimento temático dessa pesquisa, identificados e
alinhados conforme sua contribuição para as questões centrais deste trabalho:
1.
Posicionar Governança Corporativa como uma das demandas
incorporadas
pelas
organizações
contemporâneas
como
expressão da sociedade, absorvendo esta “demanda” como mais
um movimento estratégico de correção de desequilíbrios e de
sustentação do capitalismo e da sociedade de mercado.
2.
Compreender a atuação da comunicação nesse processo,
identificando as interfaces possíveis e necessárias entre
Governança Corporativa e Comunicação e, especialmente,
posicionar as Relações Públicas como vetor estratégico de
gerenciamento desta comunicação dado que as Relações
Públicas, em uma de suas principais funções, a de mediação,
atua no sentido de buscar o melhor entendimento entre os
objetivos das organizações e seus stakeholders.
Para tanto, foi necessário compreender, mesmo que brevemente, os
principais movimentos constitutivos e evolutivos das organizações e da sociedade de
mercado que as suporta, passando pelos conceitos que fundamentam a filosofia e
as práticas de Governança Corporativa, até as características da comunicação
organizacional e das relações públicas para, finalmente, identificar as interfaces
possíveis.
O Capítulo I dedica-se, então, a contextualizar as organizações na sociedade
de mercado, atributo do capitalismo contemporâneo. Para isso, aborda as principais
transformações geradas pelas próprias organizações no processo de consolidação
da passagem do capitalismo tradicional (fordista) para o capitalismo flexível (Harvey,
2005) e a sociedade de mercado (Polanyi, 1980).
Neste capítulo, observa-se que mesmo considerando a lógica predominante
da sociedade de mercado em escala global no pós 1990, este cenário traz em seu
escopo novas demandas institucionais e de regulação necessárias para que os
ajustes ao sistema sejam feitos pelas próprias organizações, minimizando as
externalidades negativas1 (Kuttner, 1998), de forma a garantir não só a perpetuidade
das organizações como, em escala mais fundamental, os pilares de continuidade do
próprio sistema capitalista.
1
Externalidades: custos ou benefícios sociais, como poluição ou saúde pública, que não se refletem
completamente no preço da transação comercial direta, ou seja, que não se encaixam, simplesmente, nas relações
puras de mercado.
Assim, encontramos esses mecanismos de continuidade – ou instituições, “as
regras do jogo em uma sociedade, ou mais formalmente, as restrições criadas para
moldar a interação humana e assim estruturar incentivos para ações de natureza
política, social ou econômica”. (Nóbrega, 2005:68)
O capítulo posiciona Governança Corporativa como uma dessas “instituições”
e avança, ainda, nos desdobramentos em relação ao advento das plataformas de
ética e responsabilidade social corporativa como respostas às tensões do sistema
capitalista,considerando estas duas temáticas como fatores fundamentais e
inerentes à Governança Corporativa. Por fim, este capítulo discute o segredo do
sucesso do capitalismo: a capacidade de se recriar através de mecanismos de
perpetuação, ajustados a cada momento histórico da sociedade, atenuando
externalidades negativas e consolidando as externalidades positivas e insere, nesta
discussão, o papel do comunicador como mediador no processo entre as
organizações e a sociedade de mercado.
Já o Capítulo II destina-se a esmiuçar a Governança Corporativa e
proporcionar ao leitor uma visão abrangente dessa “instituição”, desde o contexto
que tornou capaz o seu surgimento, passando por sua natureza e principais
conceitos, objetivos e princípios básicos (estes, fundamentais para identificar as
interfaces possíveis com a comunicação) e termina com um panorama da evolução
de Governança Corporativa no Brasil, nos últimos 10 anos, contando, inclusive,
como a comunicação é usualmente trabalhada em Governança no campo das
Relações com Investidores.
Este capítulo traz, também,
compreensão
de
como
Governança
teorias e conceitos importantes para a
Corporativa
significa
um
dos
novos
sustentáculos para o discurso de perpetuidade do capitalismo, entre eles os
conceitos de stokeholders e stakeholders, de instituições, teoria de agência, teoria
dos incentivos, entre outros.
A abordagem da Comunicação Organizacional, como conceito e prática, e
sua identificação com a cultura organizacional, bem como a análise desse processo
a partir das estratégias e técnicas das Relações Públicas, são os objetivos do
Capítulo III. Afinal, a cultura organizacional carrega todo o depositário de identidade
das organizações que, trabalhada pela comunicação, subsidia os processos de
criação, manutenção e consolidação de imagem e reputação, essenciais no
processo de Governança Corporativa. Aqui também se insere as Relações Públicas
e suas funções, com destaque para a atuação de Relações Públicas na gestão dos
relacionamentos com os públicos de interesse e como mediadora de conflitos
organizacionais.
Para a identificar as interfaces possíveis entre Governança Corporativa e
comunicação e a verificar as hipóteses levantadas no projeto de pesquisa, adotou-se
a metodologia de Estudo de Caso, tendo como objeto o processo de implantação e
gerenciamento de Governança Corporativa no Grupo Abril, desde final de 2004,
antecipando a intenção de abertura de capital, processo este dirigido por
profissionais de Relações Públicas sendo que, um deles, com assento no Conselho
de Administração da companhia, tornando relevante a escolha como objeto de
estudo. A análise desse estudo encontra-se no Capítulo IV.
Por fim, o Capítulo V, identificadas as interfaces possíveis entre Governança
Corporativa e comunicação, conclui defendendo a idéia de que as Relações
Públicas, por suas funções estratégicas e ferramental específico, é a opção mais
adequada de gestão multidisciplinar dos processos de comunicação para que
Governança Corporativa cumpra seus objetivos com credibilidade, oferecendo às
organizações e ao mercado uma plataforma de atuação mais completa que a
tradicionalmente realizada por Relações com Investidores.
Este trabalho objetiva, com isso, gerar uma contribuição efetiva para
estudiosos e profissionais das áreas de Comunicação, Relações Públicas, Relações
com Investidores e Administração, para que todos possam atuar de forma mais
consistente em prol de uma melhor simetria de relações entre as organizações, seus
públicos e a sociedade.
2. Capítulo I – As Organizações e a Sociedade de Mercado
As organizações têm sofrido grandes e profundas mudanças desde que a
Idade Moderna iniciou o processo de transformação das formas de organização de
pessoas e coletividades e intensificou um movimento e uma lógica que, denominada
por capitalismo - sistema que se tornou hegemônico e dominante em termos de
proposta econômica em todo o mundo - chegou até o século XXI com uma série de
dilemas existenciais que se refletem também nas demandas da comunicação
organizacional e, conseqüentemente, na atuação do profissional de comunicação.
Já não se trata mais de escolher entre apocalípticos e integrados2. É preciso
pensar qual papel cabe ao comunicador na sociedade de mercado3 para que,
através de funções mediadoras, este profissional consiga trabalhar para um dado
equilíbrio entre os atores sociais. Como sustenta Kuttner (1998), se somente uma
das pontas for preponderante, neste caso o que aprendemos a identificar como
“mercado”, teremos uma sociedade desequilibrada.
2.1 - Conceituando “Organização”.
Segundo Philip Selzinick (apud Kunsch, 2005:33) aponta os conflitos de
abordagem conceitual que ainda cercam as definições de organização:
A organização é simplesmente um instrumento técnico, racional, utilizado
para canalizar a energia humana na busca de objetivos pré-fixados, cuja
sobrevivência depende exclusivamente da sua capacidade de atingir os resultados e
de adaptar-se às mudanças ambientais para evitar a obsolência técnica. É uma
ferramenta e, como tal, gasta e acaba. A instituição, ao contrário, é um organismo
vivo, produto de necessidades e pressões sociais, valorizada pelos seus membros e
pelo ambiente, portadora de identidade própria, preocupada não somente com lucros
ou resultados mas com a sua sobrevivência e perenidade, e guiada por um claro
2
Título da obra de Umberto Eco, publicada no Brasil em 1979 pela editora Perspectiva, denominando de apocalípticos
aqueles que, principalmente via Escola de Frankfurt, colocam-se como essencialmente críticos à cultura de massas e de
integrados aqueles que buscam nas teorias da comunicação a justificação e defesa do sistema.
3
Segundo Polanyi (1980), é a naturalização da ótica do mercado como regulador de todas as interações sociais.
sentido de missão. As pessoas constroem suas vidas em torno delas, identificam-se
com elas e tornam-se dependentes delas.
E corporação? Este conceito pode comportar várias interpretações: em língua
espanhola, aproxima-se de instituição; em inglês, o adjetivo corporate está ligado
aos fenômenos da vida empresarial e corporation refere-se a um tipo de sociedade
mercantil. Assim, a tendência tem sido identificar “corporativo” com “empresarial”.
Porém, as corporações também não são mais as mesmas: de estruturas
agigantadas, construídas para concentrar o maior índice de atividades e, com isso, a
otimização dos chamados custos operacionais, tal como foram concebidas a partir
da Ford Motor Company, nos anos 20, e ainda, na seqüência,
sob modelos
similares na Europa e no Japão, as corporações entram no século XXI com vários
paradigmas quebrados, reconhecendo-se hoje no modelo Wal-Mart, ou seja, em
estruturas transnacionais baseadas na capilaridade em rede, com menor número de
funcionários em tempo integral, distribuídos por múltiplas bases, utilização intensiva
da tecnologia, produção baseada em terceirização e quarteirização.
Com isso, dada a complexidade e risco de dispersão desse formato,
necessitam aproximar-se do que as modernas teorias administrativas classificam de
organizações, ou seja, organismos estruturais imbuídos de valores e que mobilizam
seus públicos à consecução de objetivos determinados, objetivos esses que se
situam tanto no campo mercadológico quanto no social, retirando as organizações
empresariais do isolacionismo que marcou a categoria praticamente até os anos 80.
O entendimento acima, e que traduzirá o termo “organização” para os fins
deste trabalho, assume o revisionismo de vários autores da administração e do
desenvolvimento organizacional, considerando que:
As
organizações
constituem
aglomerados
humanos
planejados
conscientemente, que passam por um processo de mudanças, se constroem e
reconstroem sem cessar e visam obter determinados resultados. São inúmeras as
organizações, cada uma perseguindo os seus próprios objetivos, dotada de
características próprias, com uma estrutura interna que lhes possibilita alcançar os
objetivos propostos, mas dependente, como um subsistema, de inúmeras
interferências do ambiente em geral, numa perspectiva sistêmica. (Kunsch, 2005:27)
2.2 Organizações e Comunicação
A intensificação do processo de industrialização e urbanização pós Revolução
Industrial, a divisão do trabalho e sua realização por especialização, conforme
preconizado por boa parte das primeiras teorias administrativas, a reorganização da
produção para a orientação de massa e o conseqüente aumento da competitividade
na segunda metade do século XX e a transformação do modus operandi do sistema
capitalista por meio do desenvolvimento globalizado da tecnologia de informação,
em proporções antes nunca vistas, da década de 1990 em diante, podem ser
apontados como os principais fatores de mudança que, impactando o cenário sócioeconômico,
influenciaram também as principais
mudanças estruturais nas
organizações e, conseqüentemente, as demandas de informação e necessidades de
comunicação com os públicos.
Partindo das grandes linhas desenhadas acima, a comunicação evoluiu da
simples necessidade de compreensão e otimização de processos operacionais para
as demandas da comunicação de marketing advindas do pós-guerra (produção em
massa, aumento da competitividade e necessidade de conhecimento das
preferências de produto), e daí para a era do aumento da demanda por informações
sobre o negócio como um todo que, neste início de século XXI, torna fundamental o
exercício da comunicação nas organizações, que devem ainda dar conta de sua
inserção social responsável e, mais recentemente, implantar, compartilhar e
comunicar seus mecanismos de Governança Corporativa4, objeto deste trabalho.
Após essa breve panorâmica histórica sobre os paralelos de evolução da
comunicação
organizacional
e
os
principais
movimentos
estruturais
das
organizações e seus mercados, é preciso também entender a ótica da comunicação
organizacional como ciência que se vale de outras ciências para se desenvolver, tais
como a Sociologia, a Antropologia e a própria Teoria Geral da Administração. É
híbrida por natureza. Nasceu e cresceu através da fragmentação. Como nos diz
Munmby (2004):
O termo “comunicação organizacional” denota tanto um campo de estudos
quanto um conjunto de fenômenos empíricos. O primeiro é amplamente uma subdisciplina americana do campo de estudos da comunicação. O último refere-se a
práticas de comunicação complexas e variadas, de gente engajada em
comportamento coletivo, ordenado e orientado.
Para complicar um pouco mais, nasceu, como ciência, nos idos dos anos 50,
com caráter instrumental, inicialmente ligada aos mecanismos de persuasão e
manipulação, seja da opinião pública, seja de públicos dirigidos.
Porém, à medida que as organizações evoluíram e se tornaram mais
complexas, em estrutura e como sustentáculo operacional da sociedade de
mercado, a comunicação organizacional transformou-se de funcional à estratégica,
inserindo uma importante função mediadora e se misturando ao próprio ambiente
social.
4
Governança corporativa são as práticas e os relacionamentos entre os Acionistas/Cotistas, Conselho de Administração,
Diretoria, Auditoria Independente e Conselho Fiscal, com a finalidade de otimizar o desempenho da empresa e facilitar o
acesso ao capital. A expressão é designada para abranger os assuntos relativos ao poder de controle e direção de uma
empresa, bem como as diferentes formas e esferas de seu exercício e os diversos interesses que, de alguma forma, estão
ligados à vida das sociedades comerciais. Extraído do site do IBGC – Instituto Brasileira de Governança Corporativa, em 08
de Janeiro de 2004.
Seu dilema atual é adequar sua identidade e imagem aos novos tempos,
descolando-se daquela que praticamente nasceu da divisão racional do trabalho
para aquela que deve ser, ao mesmo tempo, fator estratégico para o negócio e
instrumento de conscientização e informação dos públicos, possibilidade esta que
norteará a conclusão deste trabalho.
2.3 Capitalismo e Sociedade de Mercado
A defesa de idéias acima contém, com certeza, elementos tradicionais do
discurso organizacional moderno e as principais justificativas para que qualquer
profissional envolvido com o estudo e a prática da comunicação organizacional se
dedique a ir mais a fundo na compreensão das relações da mesma com aquilo que
se convencionou chamar de “mercado”.
A comunicação organizacional tem relação direta com os elementos de
cultura organizacional (missão, visão, valores, objetivos estratégicos e processos
comunicados no discurso organizacional), que reflete, por sua vez, o caldo cultural
de sustentação do sistema econômico representativo da sociedade moderna: o
capitalismo, expressão que, séculos depois de sua origem, ainda causa
generalizadas polêmicas e lançando mão, inclusive, de processos de comunicação
institucional destinados à melhoria de imagem, estabelece mecanismos sutis de
transformação através dos sinônimos “sociedade de mercado”, “economia de
mercado” e demais derivados.
À primeira vista, se não parecer ilógico, parece impossível qualquer
contestação ou análise mais profunda sobre o capitalismo vigente, tal como o
conhecemos hoje. Realmente, é refletindo a partir de interessantes e instigantes
leituras sobre o assunto que percebemos os mecanismos de naturalização do
processo de condicionamento das relações sociais ao mercado, o papel fundamental
das organizações para a perpetuidade do sistema e, conseqüentemente, o papel da
comunicação organizacional.
Para
o
entendimento
e
a
prática
da
comunicação
organizacional
contemporânea é preciso, então, inseri-la e compreendê-la como parte fundamental
do sistema econômico vigente e suas particularidades.
2.3.1 - A Sociedade de Mercado
As dificuldades do capitalismo vão além da problemática semântica, embora
esta também seja significativa, conforme propõe John Kenneth Galbraith, um dos
mais influentes pensadores americanos sobre economia e política no século XX que,
na obra A Economia das Fraudes Inocentes, analisou o papel das empresas na
sociedade da economia moderna e as conseqüências para o capitalismo do
deslocamento do centro de poder dos donos, os acionistas, para os administradores
profissionais.
Para tanto, o autor apoiou-se na argumentação de que academia e mercado,
cada um a seu modo, a partir de pressões pecuniárias e políticas e dos modismos
de cada época, cultivam sua própria versão da verdade, que não tem,
necessariamente, relação alguma com a realidade e dão origem a verdadeiros
“mitos” modernos, ou ao que chama de “fraudes inocentes”.
Galbraith, discutiu, justamente, as conexões históricas responsáveis pelo
surgimento das expressões capitalismo mercantil, capitalismo industrial e capitalismo
financeiro, para chegar aos tempos atuais onde academia, mercado e seus
principais artífices sutilmente efetivaram uma mudança de nomenclatura: “economia
de mercado” ou “sistema de mercado”, expressões indolores que além de passar ao
largo das percepções negativas da palavra “capitalismo”, contribuem para naturalizar
o processo de domínio tácito do mercado sobre a ordem das coisas. É o que o autor
classificou de primeira grande fraude.
Para além da semântica, existem os dilemas essenciais do próprio
capitalismo, manifestos desde a conjugação de seu ideário por Adam Smith, ícone
ideológico do chamado liberalismo, teoria formada no século XVIII a partir do
desenvolvimento das forças produtivas da sociedade de então e que se tornou o
esteio ideológico da sociedade de mercado.
Para Smith, como base dessa teoria, o mercado é o componente regulador da
sociedade, o ambiente onde o homem se reconhece; a necessidade e o interesse
regem as relações entre os homens, dando origem ao “homo economicus” de
Frederick Taylor5, no início do século XX.
Daí por diante, a ideologia liberal e a ética protestante, unidas e fortalecidas
nos Estados Unidos da América, exportaram para o mundo um modelo vencedor de
capitalismo, vigente até nossos dias e que se atualiza de variadas maneiras, posto
5
Engenheiro norte-americano que, no início do século XX, criou a chamada Escola de Administração Científica, nome que
recebeu por causa da tentativa de aplicação dos métodos da ciência aos problemas de administração de empresas da época. O
homo economicus de Taylor pressupõe que as pessoas são motivadas exclusivamente por interesses salariais e materiais. Para
conseguir o engajamento do operariado no sistema e sua participação no aumento de eficiência, criou os primeiros planos de
incentivos salariais e prêmios de produção.
que é um sistema de acumulação de capital que necessita de um arcabouço
institucional – regulamentação social e política – para que sejam dadas as condições
de continuidade.
Pós Administração Científica, o capitalismo viveu, até meados da década de
70, sob o signo do chamado “fordismo”.
A data inicial simbólica do fordismo deve por certo ser 1914, quando Henry
Ford introduziu seu dia de oito horas e cinco dólares como recompensa para os
trabalhadores da linha automática de montagem de carros que ele estabelecera no
ano anterior em Dearborn, Michigan.(...)O que havia de especial em Ford (e que, em
última análise, distingue o fordismo do taylorismo) era a sua visão, seu
reconhecimento explícito de que produção em massa significava consumo de massa,
um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e
gerência do trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo
tipo de sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista. (Harvey,
2005:121)
A sociedade capitalista do fordismo significou uma sociedade que vivia sob
um padrão único de produção, extremamente extensivo e homogêneo, que afetou
toda a configuração da infra-estrutura social do século XX, notadamente até meados
da década de 1970. Um mercado orientado pela produção homogênea o advento da
distribuição em escala mundial, trabalhadores orientados pela especialidade; uma
sociedade orientada pela regulamentação das relações sociais e produtivas, um
Estado ainda subsidiador e formador das políticas de bem-estar social. Resposta,
sem dúvida eficiente, para o ambiente mundial pós 2a. Grande Guerra.
Porém, extremamente rígido e concentrador, o fordismo gerou uma série de
descontentamentos
e
controvérsias
infraestruturais
(mercados
de
trabalho
monopolizados com conseqüente aprofundamento de desigualdades sociais,
pressão pelos benefícios complementares do Estado, estrangulamento da
produtividade) que encontrou na grande recessão econômica de 1973, aprofundada
pelo choque do petróleo, o momento para mais um ciclo de renovação do sistema,
significando o início do que Harvey (2005) chama de período de acumulação flexível,
ou capitalismo flexível, pano de fundo para a acomodação ideal da expressão
“sociedade de mercado”.
A acumulação flexível é:
Marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na
flexibilidade de processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e
padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção
inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos
mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial,
tecnológica e organizacional. (Harvey, 2005:140)
Tipicamente pós-moderno e fragmentado, o capitalismo flexível desloca o
controle do Estado para o mercado, tanto representado nas corporações como nas
entidades não governamentais de defesa do consumidor, por exemplo, diluindo as
instâncias oficiais de regulação.
O Estado regulador e subsidiador é substituído pelo Estado empreendedor e
intensifica-se a privatização dos benefícios sociais, levando o Estado ao afastamento
das políticas de bem-estar social; o mercado de trabalho troca a especialização pela
capacidade de ser multifuncional, multitarefa, multimercado. A homegeneidade dá
lugar ao sem número de opções, variedades, multiplicidade de produtos, serviços e
mercados regionais, integrados globalmente pela tecnologia que possibilita a
integração de plataformas de trabalho e a movimentação do capital financeiro.
Por isso, ainda segundo Harvey:
A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do
desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas,
criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado “setor de
serviços”, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até
então subdesenvolvidas (tais como a “Terceira Itália”, Flandres, os vários vales e
gargantas do silício, para não falar da vasta profusão de atividades dos países recémindustrializados). Ela também envolve um novo movimento que chamarei de
“compressão do espaço-tempo” no mundo capitalista – os horizontes temporais da
tomada de decisões privada e pública se estreitaram, enquanto a comunicação via
satélite e a queda dos custos de transporte possibilitaram cada vez mais a difusão
imediata dessas decisões num espaço cada vez mais amplo e variado. (2005:140)
O capitalismo flexível é irmão do neoliberalismo que vigorou, ativamente, até
o início do século XXI ou, mais precisamente, até a falência de grandes corporações
que personificavam o sucesso acrítico desse sistema, como Enron e WorldCom, e
até o ataque às torres gêmeas do World Trade Center. Mais uma vez, o ambiente
criado por mais um inegável ciclo de crescimento do capitalismo, o flexível, levou ao
quase esgotamento dos sustentáculos do sistema ao levar a extremos a filosofia
neoliberal.
Porém, é preciso lembrar que as críticas à sociedade de mercado também
não são movimentos tão recentes. Karl Polaniy, logo no início da década de 1980,
se propôs a entender o contexto e os problemas de uma época onde a ótica do
mercado é a lógica de pensamento dominante.
Polanyi chama a atenção sobre o processo de naturalização desta ótica do
mercado em todas as esferas sociais e, inclusive, aborda a questão semântica da
sociedade de mercado e os tênues limites entre o público e o privado, em termos de
presença e ausência do Estado na regulação das sociedades, centrando seu foco de
crítica justamente na propalada auto-regulação do mercado, “um sistema capaz de
organizar a totalidade da vida econômica sem qualquer ajuda ou interferência
externa” (1980:59), somente possível na chamada sociedade de mercado. Diz,
ainda, o autor:
Não se compreendeu que a engrenagem de mercados num sistema autoregulável de tremendo poder não foi o resultado de qualquer tendência inerente aos
mercados em direção à excrescência e, sim, o efeito de estimulantes altamente
artificiais administrados ao corpo social, a fim de fazer frente a uma situação não
menos artificial da máquina. (1980:72)
São as “fraudes inocentes” apontadas, recentemente, por Galbraith.
Vejamos:
Assim como o voto dá autoridade ao cidadão, na vida econômica a curva de
demanda confere autoridade ao consumidor. Nos dois casos, há uma dose
significativa de fraude. Tanto no caso de eleitores como de consumidores , existe um
formidável e bem financiado controle da resposta do público. Isso se acentuou na era
da propaganda e das modernas promoções de vendas. Eis uma fraude aceita,
inclusive no ensino universitário. (...) Acreditar numa economia de mercado em que o
consumidor é soberano é uma das formas de fraude mais difundidas. Que ninguém
tente vender sem administração e controle do consumidor. (2004:28;30)
É dessa dimensão que fala, reiterando a contemporaneidade das colocações
dos autores acima, o editorial da revista Exame, um dos veículos mais
representativos do empresariado brasileiro:
As pessoas parecem não enxergar o capitalismo como um sistema que tenha
elevado a qualidade e a expectativa de vida ou que tenha distribuído a muitos bens
antes reservados a poucos. Ainda se vê o capitalismo como um mecanismo criado
para enriquecer os capitalistas. Rever conceitos distorcidos como esse é premissa
para que a sociedade encare o ganho coletivo como a soma de lucros individuais6.
Se tentássemos criar citações que espelhassem, em sua íntegra, as análises
críticas de Polanyi e Galbraith, ou um texto que poderia ter sido criado no século
XVIII pelo próprio Adam Smith, talvez não conseguíssemos chegar a tanto.
2.4 Nem apocalípticos, nem integrados: o papel do comunicador
Porém, não se pretende, neste trabalho, colocar mais lenha na fogueira da
imagem do capitalismo ou, ainda, corroborar uma visão totalmente cáustica do
processo. É preciso retomar o objetivo principal, de correlacionar a importância, para
o produtor de comunicação, de estar aberto a leituras críticas do sistema em que
6
Revista Exame, São Paulo, 6, Editorial.
atua, em nome e para as organizações modernas, como forma não só de
compreender melhor seu ambiente de atuação, mas também de ajudar a modificá-lo
pelo seu trabalho.
O problema não é reconhecer o poder do mercado, posto que está mais do
que reconhecido; o problema também não é criticar o sistema capitalista
hegemônico, apresente-se este com que nome quiser, tendo em vista que não há
alternativa visível, em longo prazo, para tal sistema, dada a absoluta falência das
propostas alternativas; o problema é encontrar alternativas viáveis de atuação dentro
deste sistema, reconhecendo que se a lógica do mercado hoje regula a sociedade e
suas organizações, pode caber ao comunicador um importante papel de
conscientização e mediação entre as organizações, seus públicos e a sociedade.
Isto porque fica claro que a sociedade de mercado auto-regulável produz,
continuamente, “instituições”, ações e modelos que agem ante os sinais de
esgotamento do sistema, justamente para que haja a perpetuação do mesmo. É
neste sentido que podemos perceber que as contestações cada vez mais intensas
em relação ao domínio da lógica do mercado, em todas as instâncias sociais, e o
sentido de auto-preservação, têm provocado um mecanismo reverso nas instâncias
que detém o poder de ditar os rumos deste sistema: organizações, poderes públicos
e a emergência do chamado terceiro setor7.
7
A grosso modo, o terceiro setor é constituído por organizações sem fins lucrativos e não governamentais, que
têm como objetivo gerar serviços de caráter público. O governo e seus órgãos formam o primeiro setor e a
iniciativa privada, o segundo setor.
2.5 Ética e Responsabilidade Social Corporativa: demandas sociais
incorporadas
Ética
e
Responsabilidade
Social
Corporativa
também
podem
ser
consideradas como “instituições” incorporadas pelo discurso vigente a partir de
legítimas demandas sociais.
É do que tratam, por exemplo, autores como Robert Kuttner e Gilles
Lipovetsky.
Tal como Galbraith, estes autores reconhecem a situação desmedida em que
se encontra a sociedade contemporânea devido ao esgotamento do tecido social e
suas instituições, justamente pela intensidade e abrangência do poder do mercado
em todas as esferas de vida pública e privada.
Porém, importante, não são contestadores do sistema, não querem a sua
extinção. Apresentam quase que uma terceira via, tomando a liberdade de uso desta
expressão, surgida no contexto político da Inglaterra do século XX com o novo
trabalhismo de Tony Blair8, propondo formas alternativas de visão política ao
tradicional direita-esquerda.
Kuttner, Lipovetsky e Galbraith podem ser considerados autores que apontam
caminhos alternativos para a sociedade de mercado, identificando a necessidade de
ajustes em suas superestruturas e, assim, podem apontar para o profissional de
comunicação organizacional outros caminhos a trilhar ao se pensar o planejamento
estratégico de comunicação das organizações.
8
Primeiro-ministro da Grã-Bretanha, eleito pela primeira vez em 1997. Ficou conhecido como o “pai” da proposta da
Terceira Via, uma filosofia de governo que se baseia em princípios como: desregulação, descentralização e redução
de carga tributária.
Kuttner, por exemplo, faz críticas contundentes ao comportamento desmedido
e, muitas vezes, desregrado, do sistema. Mas o faz, justamente, para apontar a
possibilidade de correção de rumos necessária à preservação do modelo. O livro
adota a
hipótese de trabalho de que o sistema capitalista é uma forma superior de
organização econômica, mas que, mesmo numa economia de mercado, existem
esferas da vida humana em que os mercados são imperfeitos, inapropriados ou
inatingíveis. Muitas formas de motivação humana não podem ser reduzidas a um
modelo mercadológico do ser humano. (Kutnner, 1998:28)
O autor acredita na possibilidade de um “equilíbrio entre o mercado, o Estado
e a sociedade civil” (Kutnner, 1998:28).
Sob um outro ângulo, mas com a mesma essência, Lipovetsky (2004),
notadamente em “Os tempos hipermodernos” e “Metamorfoses da cultura liberal”,
reconhece o mercado como fundamento da modernidade, tal como a conhecemos.
Porém, na visão do autor, durante a maior parte do tempo histórico decorrido, o
mercado esteve sob alguma forma de controle. Já naquilo que chama de
hipermodernidade, ou seja, o entendimento do autor sob o tempo da sociedade
contemporânea, que já não comporta nem o termo pós-modernidade, de forma
inédita, o mercado é que controla a sociedade, que detém a supremacia e tal estado
de coisas é insustentável. Ou seja, o autor refere-se ao chamado “esgotamento do
sistema”.
Nas obras, Lipovestsky também pontua com caminhos alternativos,
chamando atenção para o que classifica de uma reação das organizações,
notadamente as de âmbito privado, não como ações essencialmente imbuídas de
valor social, mas por sobrevivência. É uma resposta a um tempo que encontra
ressonância no comportamento da própria sociedade, que ao reconhecer seu
comportamento hiperindividualista e hiperconsumista, por exemplo, e suas
conseqüências no meio orgânico e social, volta-se à defesa das questões sócioambientais, preocupada agora com sustentabilidade e sobrevivência.
Um bom exemplo das propostas alternativas do autor, está na clareza e
objetividade com que o mesmo expõe a necessidade de, diante do dilema das
organizações junto à sociedade agora tecnologicamente globalizada, “hierarquizar
os níveis de imperatividade ética”, por exemplo, propondo o que chama de três
níveis de ética organizacional:
•
a facultativa, onde nem tudo que é bom moralmente deve ser
obrigatório para uma organização;
•
a indeterminada, onde se é levado a decidir remetendo a um
engajamento ou ética pessoal e, por isso, assume-se os riscos
inerentes às decisões a elas correlatas;
•
e a ética absoluta, que se contrapõe ao facultativo por reconhecer que
existe, também, um nível obrigatório de comportamento ético,
incondicionável e inviolável, afeito ao âmbito da moral, do respeito às
pessoas, da proteção à vida e à dignidade, por exemplo.
Notadamente após os escândalos corporativos iniciados com Enron e
WorldCom e os atentados de 11 de setembro de 2001, o discurso do comportamento
ético, alimentado pela confusão conceitual, comprometeu-se bastante ao quase virar
sinônimo da chamada Responsabilidade Social Corporativa:
A evolução do discurso é um problema, diz a socióloga Rosa Maria Fischer,
professora da Faculdade de Economia e Administração da USP. “Se, de um lado,
propiciou que as empresas acordassem, de outro lado criou uma cortina de fumaça
que dificulta enxergar a prática real da “responsabilidade”. Segundo Cecília Arruda,
coordenadora do Centro de Estudos de Ética nas Organizações, da Fundação Getúlio
Vargas, de São Paulo, existe hoje um discurso que impinge a ética como mercadoria,
onde ações de responsabilidade social vêm sendo usadas como esforço de
propaganda, e as verbas normalmente saem do departamento de marketing. O
problema surge quando se confundem essas ações, geralmente externas e marginais
ao negócio, com o que é o cerne da atitude ética: o modo de enfrentar os dilemas
9
cotidianos.
É importante, então, conceituar Responsabilidade Social também como
filosofia de gestão e não como filantropia ou qualquer tipo de ação social de caráter
mais mercadológico ou com objetivos simples de exposição de marca, o que
diferencia prática e conceito do chamado “marketing social”:
Responsabilidade Social Empresarial é a forma de gestão que se define pela
relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se
relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o
desenvolvimento da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as
gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das
desigualdades sociais. 10
Note-se que o conceito acima incorpora Responsabilidade Social não só
como filosofia de gestão mas, também, como princípio de comunicação (relação
ética e transparente com todos os públicos), bem como forma de atuação política e
social das organizações.
O fato é que, retomando as primeiras colocações deste capítulo, o produtor
de comunicação não pode estar dissociado das grandes tensões contemporâneas
entre o público e o privado; assim, é preciso entender o papel do mercado na
sociedade contemporânea e os caminhos alternativos que são propostos, em
diversas instâncias, em outras áreas do conhecimento, posto que a comunicação
não constrói seu saber isoladamente; é preciso conhecer com maior profundidade as
características e as demandas da sociedade de mercado e suas conseqüências; é
preciso entender o novo, e ao mesmo tempo antigo, contexto político, econômico e
9
Cohen, David. Os dilemas da ética. Revista Exame, São Paulo, 792, 07/05/2003.
Disponível em www.ethos.org.br.
10
social do capitalismo, agora tido como “flexível”, que cria e recria contextos e
movimentos que se traduzem em “instituições” sociais capazes de perpetuar o
sistema ao assimilar e dar respostas às demandas mais críticas geradas pela ação
do próprio sistema.
Por trabalhar com projeções futuras de expectativas e comportamentos que
expressem as organizações, oriundas de qualquer setor, e seus públicos, e
especialmente nos processos de formação da opinião pública, a comunicação
possui extrema ligação com o contexto da sociedade de mercado.
O próprio pano de fundo de atuação, o mercado, ao levar a extremos sua
proposta, traz a necessidade de amplos ajustes estruturais no funcionamento do
sistema
e,
conseqüentemente,
no
funcionamento
e
relacionamento
das
organizações que traduzem o sistema.
A comunicação organizacional, fortalecendo-se como ciência e como prática,
tem aí um papel fundamental e, conseqüentemente, um grande desafio: o de
conscientizar e articular os interesses primariamente conflitantes de todos os atores
sociais em prol de entendimentos comuns como parte fundamental do processo de
consolidação/reconsolidação estrutural do sistema, porém, através de um trabalho
que concilie os interesses das organizações com o exercício da ética e da cidadania.
Não há como deixar de observar que num mundo de consciências
relativizadas, isso não se configure como um imenso desafio.
3. Capítulo II – Governança Corporativa
3.1. Contexto
Neoliberalismo.
Economia
de
Mercado.
Capitalismo
flexível.
Ética
empresarial. Responsabilidade Social Corporativa. Fusões e Aquisições. Tomada
hostil
de
capital.
Nova
Economia.
Globalização.
Governança
Corporativa.
Relacionamento com públicos de interesse. Stakeholders. Desenvolvimento social.
Interesse público x interesse privado. Maior ou menor intervenção de governos na
sociedade e na economia.
Com certeza, uma rica plataforma de expressões vinculadas ao contexto
econômico contemporâneo. Para o bem ou para o mal, expressam hoje, para a
maioria das pessoas, o cenário do capitalismo pós-globalização tecno-econômica,
notadamente após os anos 90 do século XX.
Para entender uma dessas expressões, que se tornou significante e
significado - Governança Corporativa - é preciso conhecer, mesmo que brevemente,
os principais movimentos que marcaram a história de formação das organizações
contemporâneas e suas estruturas de gerenciamento, notadamente as companhias
de capital aberto que, mesmo longe de representar a totalidade da estrutura
societária das empresas brasileiras, representam hoje as principais organizações
globais – e, entre elas, muitas de origem brasileira – que sinalizam para o ambiente
corporativo as práticas que se tornarão os principais modelos de gestão.
3.1.2 - Surgem as companhias de capital aberto
Pode-se afirmar que as origens da empresa moderna remontam ao final do
século XIX, com o surgimento do modelo operacional das ferrovias. Entre 1850 e
1950, nos EUA, Grã-Bretanha, Japão e Alemanha, deu-se – embora a partir de
diferentes estruturas – o surgimento e a expansão de companhias gigantes, cuja
característica básica seria a alavancagem de capital externo em detrimento aos
recursos oriundos de seus proprietários, dando origem à separação entre
propriedade e gestão.
As ferrovias não foram apenas as grandes promotoras dos negócios
modernos; foram também o primeiro negócio moderno. (...) As ferrovias tampouco
poderiam ter deixado de ser as primeiras firmas a empregar grandes exércitos de
gerentes em tempo integral. Transportar enormes quantidades de carga pelo país
sem que os trens se chocassem exigia muita administração. Copiando inicialmente o
exemplo britânico (onde as ferrovias eram em geral dirigidas por militares
reformados), as grandes estradas de ferro começaram a formar hierarquias
sofisticadas, empregando 50 a 60 gerentes já em 1850, e muitas centenas mais
depois disso. Esses gerentes eram figuras novas numa sociedade agrícola: pessoas
que não eram proprietárias da organização em que trabalhavam, mas que mesmo
assim dedicavam a elas toda a sua carreira. (....) Enquanto isso, as vorazes
exigências de capital por parte das ferrovias determinaram, mais do que qualquer
outro fator, a criação da moderna Bolsa de Valores de Nova York. (Micklethwait;
Wooldridge, 2003:97).
Com as ferrovias, deu-se o início da expansão vertiginosa do mercado
moderno, pois seu modelo de investimento possibilitou o surgimento
da
comunicação via telégrafo e telefone, a revolução dos correios e abriu caminho para
o início do varejo e a distribuição em escala. Na administração, para acompanhar
essa movimentação e garantir produtividade à indústria nascente, surgem, nas duas
primeiras décadas do século XX, as teorias científica e clássica de Frederik Taylor e
Henry Fayol, subsidiando o surgimento da produção em série do modelo Ford T, em
1914, por Henry Ford, este sim precursor do mercado de massa.
O sucesso de Ford não ocorreu somente por saber construir automóveis mais
rapidamente e sim também por haver juntado na mesma organização a produção em
massa e a distribuição em massa. Uma firma industrial “integrada” era capaz de
encontrar economias de escala em todos os setores, desde as compras até a
publicidade, a fim de manter uma infindável produção de cigarros, fósforos, cereais
para o café da manhã, filmes, máquinas fotográficas, sopas e leites enlatados e
expedi-la para todo o país. O segredo era ser tanto quanto possível proprietário de
todas as fases do processo. (...) As companhias integradas, que em realidade não
existiam na década de 1860, dominavam as indústrias mais vitais dos Estados Unidos
na virada do século. Tipicamente, como no caso da Ford, combinavam inovação
tecnológica com a agressividade no mercado. (Micklethwait;Wooldridge, 2003:103).
Até praticamente 1950, houve um grande período de consolidação entre as
empresas da época, dando origem aos trustes e ao surgimento das chamadas
“multinacionais”, mesmo com um mercado acionário que pode ser considerado, à
ótica de hoje, incipiente, mas responsável pela viabilidade de aporte de recursos
para os novos modelos de negócio.
É importante registrar também que o surgimento dessas grandes estruturas
organizacionais, companhias gigantes com alto poder de impacto no mercado de
trabalho e na sociedade, gerou, neste período, a necessidade inescapável de
interação social das organizações com seus públicos, tendo em vista a pressão de
movimentos organizados, tais como os sindicatos, imprensa e comunidade, em torno
do impacto já considerável dessas companhias na sociedade.
Durante este período, a formação do modelo empresarial e de mercado que
desaguaria na globalização como a conhecemos hoje seguiu os mesmos moldes no
que até cerca de 1990 se configurava como os principais eixos de poder e de
mercado, formado por EUA, Grã-Bretanha, Alemanha e Japão.
Porém, deve-se notar que a consolidação da produção e do mercado dentro
do mesmo sistema, o capitalismo, se deu de maneira diferenciada entre estes países
que formam, ainda hoje, mesmo com o advento da China, o grande conjunto de
influência política e econômica mundial: os EUA, basicamente neoliberal, no sentido
de Estado mínimo e o máximo de poder à iniciativa individual; a Grã-Bretanha, e sua
eterna luta em torno do poder perdido, a difícil arte de se libertar das estruturas do
capitalismo industrial que ajudou a inventar; a Alemanha, e seus direcionamentos
paradigmáticos para a construção do que se entende por sociedade de mercado e o
papel do governo e das companhias na sustentação do modelo de bem-estar social;
e o Japão, com a revolução da especialização e suas incompatilibidades culturais
com a íntegra do modelo neoliberal vigente.
3.1.3 - O poder dos gerentes
O que ficou conhecida como a revolução administrativa levada a cabo por
Alfred Sloan, que se tornou presidente da General Motors em 1923, ao criar as
unidades de negócio que se baseavam na descentralização das atividades
operacionais ligadas por uma estratégia central de negócios dada pela corporação,
abriu caminho para a escalada de poder das gerências.
Nas primeiras décadas do século XX, iniciou-se uma conquista silenciosa: a
separação gradual entre propriedade e o controle. Sem dúvida, os “ladrões nobres”
conservaram o domínio sobre as grandes decisões estratégicas, mas não podiam
controlar pessoalmente todos os detalhes de seus gigantescos impérios de negócios.
(...) Gente como King, Gillete, Willian Wrigley, H.J. Heinz e John D. Rockefeller
contrataram hordas de gerentes vestidos de ternos escuros a fim de organizar seus
caóticos impérios. (...) Gradualmente, esses “Homens da Companhia” começaram
igualmente a tomar as decisões estratégicas. Todas as fusões exigiam do grupo
gerencial central a racionalização da nova firma. Cada “ladrão nobre” que morria
libertava-os um pouco mais. Cada emissão de ações dispersava a propriedade. (...)
Esse era o pano de fundo da firma multidivisional da qual Alfred Sloan (1875-1966) foi
pioneiro na General Motors. (...) A estrutura multidivisional, que ia sendo
progressivamente adotada pelas principais corporações americanas, inclusive a
General Eletric, a United States Rubber, a Standard Oil e U.S. Steel, era um
instrumento ideal para gerenciar o crescimento. (Micklethwait;Wooldridge, 2003:146148)
Modelo dominante em termos mundiais até a década de 1970, foi
fundamental para o movimento de internacionalização das companhias através das
multinacionais, que levaram à forte expansão dos conglomerados empresariais e
também à mistificação do poder e competência dos especialistas profissionais em
detrimento da experiência e tradição dos fundadores, e do conhecimento, relevância
e interesse dos acionistas, germinando posturas que contribuíram significativamente
para os escândalos de gestão administrativa do início do século XXI.
A despeito da Guerra Fria e da separação do mundo entre dois blocos
ideológicos, os europeus, de maneira geral, inclusive na Europa oriental comunista,
aprendiam com os americanos. Por volta de 1970, “mais da metade das 100 maiores
companhias industriais britânicas havia utilizado os serviços da McKinsey para
reorganizar suas estruturas gerenciais”. (Micklethwait;Wooldridge, 2003:165).
Também
as
companhias
nacionalizadas
na
Europa
Oriental
foram
consolidadas de forma a serem grandes o suficiente para gerar economias de
escala, mobilizar recursos e adotar as novas tecnologias, corroborando o modelo de
Alfred Sloan.
A questão entre a separação entre propriedade e controle nas organizações
modernas foi acentuada em artigo clássico dos autores Berle e Means (1932),
analisando o crescimento das empresas norte-americanas na década de 1920, com a
pulverização do capital das organizações e o controle disperso. Esse artigo ocupa
posição de destaque no desenvolvimento da teoria das organizações, que se
aprofundou posteriormente com o desenvolvimento, por Jensen e Meckling (1976), da
teoria da agência, que trata dos conflitos quando um determinado agente age em
nome de outro, o chamado principal, e os objetivos de ambos não coincidem
integralmente. (Machado Filho, 2006: 77-78)
Notadamente a partir do início da década de 1980, as coisas começaram a
mudar. As enormes e complexas estruturas multinacionais diversificadas, que
fizeram o poder dos gerentes, já não mais suportavam os custos decorrentes de sua
operação e num cenário econômico mundial adverso, passaram a ser ícones de
inflexibilidade, de falta de agilidade.
O mundo estava mudando novamente. O modelo até então vencedor das
multinacionais e as transformações radicais em seu contexto de operação
ocasionadas por mudanças sociais e inovações tecnológicas no bojo da tecno-
globalização que tanto as beneficiaram, ao propiciar seu crescimento exponencial e
a facilidade na movimentação do capital, também as prejudicaram, já que
possibilitaram que empresas menores e mais ágeis pudessem disputar o mercado
em condições de quase igualdade com a redução das barreiras tarifárias, a
expansão da desregulamentação e a queda nos custos do transporte e das
comunicações que marcaram a década de 1990.
A história da empresa no último quartel do século XX é a de uma estrutura
em simplificação. Gradualmente, as companhias foram obrigadas a concentrarem-se
em suas “competências essenciais”. A exigência que Ronald Coase fazia às
companhias – a de que tinham de ser mais eficientes do que o mercado – estava
sendo testada ainda mais dolorosamente. Os gerentes das grandes companhias
gostavam de dizer que a nova tecnologia tornava mais eficiente juntar tudo em uma
única empresa. Em certos casos, isso mostrou ser verdade. (...) Mas o mundo em
geral caminhava na direção oposta. (...) Uma quantidade maior de pessoas deixou as
grandes firmas para estabelecer-se por conta própria: na Grã-Bretanha, por exemplo,
o número de empresas cresceu em 50% entre 1980 e 1996. E à medida que as
grandes companhias eram obrigadas a reconcentrar-se naquilo que eram capazes de
fazer mais barato ou melhor do que os de fora, descobriram que essas “competências
essenciais” não estavam nas coisas tangíveis, como o equipamento industrial, e sim
em valores intangíveis: a cultura da descoberta na Glaxo Wellcome, por exemplo, ou
as tradições da engenharia na Mercedes-Benz. (Micklethwait;Wooldridge, 2003:172179)
Porém,
esse
movimento
de
simplificação
estrutural
dos
grandes
conglomerados e a alteração profunda no modelo de negócios e mercado – que se
deslocou da produção para os serviços e deste para o capital intelectual, entre as
décadas de 1970 a 1990 – não enfraqueceu o mercado acionário, pelo contrário,
apenas modificou radicalmente a pulverização e o controle das ações das
companhias.
Três fatores foram fundamentais para o processo de simplificação das
estruturas organizacionais e acabaram por preparar o cenário para a revisão do
papel regulador dos governos na esteira dos escândalos corporativos do ano 2000,
preponderantes para que os mecanismos de governança corporativa ganhassem a
dimensão atual:
•
os japoneses, deslocando o sistema de produção para o just-in-time11, um
dos ícones do capitalismo flexível e fator de corrosão do poder dos
gerentes, ao dar voz ativa e poder de decisão aos escalões operacionais;
•
Wall Strett e o surgimento de um mercado acionário sofisticado e
sustentado
pelos
fundos
de
pensão
(entidades
privadas
de
complementação de aposentadoria) e grandes fundos de investimento
globais, acelerando o acesso e a pulverização do capital; surgem as
tomadas hostis de capital, as aquisições alavancadas por troca de ações,
os programas de opção de ações (stock options) como forma de
participação nos lucros de presidentes, diretores e gerentes das
companhias, numa tentativa do mercado de controlar o poder dos
gerentes fazendo com que os mesmos se sentissem “donos do negócio”.
Porém, essa experiência foi pervertida mediante o uso excessivo de
opções para compra de ações, num esquema de enriquecimento rápido e
de privilégio de informações que abalaram o mercado.
11
O Just in Time surgiu no Japão, no princípio dos anos 50, sendo o seu desenvolvimento creditado à Toyota
Motor Company, a qual procurava um sistema de gestão que pudesse coordenar a produção com a procura
específica de diferentes modelos de veículos com o mínimo atraso. Esta filosofia de produzir apenas o que o
mercado solicitava passou a ser adoptada pelos restantes fabricantes japoneses e, a partir dos anos 70, os veículos
por eles produzidos assumiram uma posição bastante competitiva.Desta forma, o Just in Time tornou-se muito
mais que uma técnica de gestão da produção, sendo considerado como uma completa filosofia a qual inclui
aspectos de gestão de materiais, gestão da qualidade, organização física dos meios produtivos, engenharia de
produto, organização do trabalho e gestão de recursos humanos. O sistema característico do Just in Time de
"puxar" a produção a partir da procura, produzindo em cada momento somente os produtos necessários, nas
quantidades necessárias e no momento necessário, ficou conhecido como o método Kanban. Disponível em:
http://www.cev.pt/servicos/Ginformacao/jit.htm.
•
o Vale do Silício12 e a miniaturização da produção, que possibilitou a
consolidação da sociedade em rede13 e a democratização da informação
via Internet e alterou a ideologia administrativa com suas estruturas
alternativas de organização.
Em meados dos anos 1990, a nova configuração das companhias e do
mercado, agora em conexão global e em tempo real, trouxe novas dimensões para o
mundo do trabalho (enxugamento de estruturas, terceirização, downsizing14, para o
mercado financeiro (deslocamento automático de grandes fluxos de recursos
financeiros de um mercado para outro, sem compromisso com as conseqüências
locais/globais) e para as corporações (aceleração dos processos de fusão e
aquisição, principalmente via troca de ações).
Essas mudanças começaram a suscitar indagações sobre o relacionamento
entre a empresa e o Estado. Na altura do ano 2002, a atitude da sociedade em
relação ao setor empresarial parecia ter dois aspectos. Por um lado, os governos
haviam libertado a empresa, desregulamentando os mercados, afrouxando as
barreiras comerciais e privatizando companhias estatais. Por outro, a sociedade –
não somente o governo, mas um amplo espectro de grupos de pressão – procurava
formas de dirigir as empresas para objetivos sociais. (...) Enquanto isso, os governos
da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos começaram também a diluir uma das
premissas básicas do capitalismo acionário: a idéia de que as empresas devem ser
geridas em proveito de seus acionistas. Durante a década de 1980 cerca de metade
dos 50 estados dos Estados Unidos introduziram leis que permitiam aos gerentes
levar em consideração outros grupos interessados, além dos acionistas.
(Micklethwait;Wooldridge, 2003:201-202)
12
Vale do Silício é como é conhecido, na Califórnia EUA, o Silicon Valley, um conjunto de empresas
implantadas a partir da década de 1950 com o objetivo de inovar científica e tecnológica, destacando-se na
produção
de
Chips,
na
eletrônica
e
informática.
Disponível
em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Vale_do_Sil%C3%Adcio.
13
Expressão cunhada pelo sociólogo espanhol Manuel Castells, na década de 1980, na obra “Sociedade em Rede
- A Era da informação: Economia, sociedade e cultura". O autor mapeia um cenário mediado pelas novas
tecnologias de informação e comunicação e analisa como estas interferem nas estruturas sociais.
14
Nos anos 80, as grandes empresas cresceram de forma desordenada através da diversificação para novos
negócios. Criaram estruturas gigantescas para competir numa era em que a velocidade e a flexibilidade são os
dois requisitos-chave. Por isso, nos anos 90 foram forçadas a reestruturar-se, um processo designado downsizing
(um termo importado da informática). Aplicado à gestão significa a redução radical do tamanho da empresa,
geralmente através do delayering (redução dos níveis hierárquicos) ou da venda de negócios não estratégicos. As
empresas ganham flexibilidade e perdem burocracia e ficam mais próximas do mercado e dos clientes.
3.1.4 - Os anos 2000: a era dos escândalos corporativos
Durante mais de um século, considerando-se o início da formação das
empresas modernas, as empresas se tornaram grandes conglomerados globais,
conquistando mercados e nações; mesmo com a revisão das estruturas
organizacionais gigantes e complexas entre as décadas de 1980/1990, as
companhias consolidaram seu poder de atuação em nível mundial através do
mercado de capitais e das possibilidades da tecno-globalização. Até o início dos
anos 2000, eram percebidas como ícones inabaláveis do sucesso capitalista. Mas....
Em dezembro de 2001, o mundo, ainda abalado pelos atentados terroristas
ocorridos em 11 de setembro, foi surpreendido por outro evento com proporções
globais: a descoberta de manipulações contábeis em uma das empresas mais
conceituadas dos Estados Unidos: a Enron. Essa descoberta deu início a um efeito
dominó, com a constatação de práticas de manipulação em várias outras empresas,
não só norte-americanas, mas no resto do mundo, resultando em uma crise de
confiança em níveis inéditos desde a quebra da bolsa norte-americana em 1929. (...)
A cada dia se constatava que o mercado aparentemente eficiente da maior economia
do mundo era extremamente vulnerável. O grau de confiança nas informações
fornecidas aos investidores se tornou preocupante para o mundo inteiro.
(Borgerth,2007:XV)
Os escândalos corporativos que vieram na esteira do caso Enron são
considerados, por alguns historiadores e também por vários estudiosos da
economia, como o verdadeiro marco que dá início ao século XXI. Na esteira do caso
Enron, a Arthur Andersen, tradicional empresa de auditoria com 89 anos de atuação
e que validava os balanços da companhia, desapareceu em apenas 3 meses.
Outros casos similares se seguiram: a WorldCom, até julho de 2002, com o
pedido de falência, era conhecida como a segunda maior empresa de telefonia de
longa distância nos Estados Unidos, além de ocorrências de menor impacto, porém,
derivadas da mesma situação de graves ocorrências no controle contábil e
assimetria de informação aos mercados e aos stakeholders, com outras companhias
de imagem até então quase inabaláveis, como Merck (2001), Xerox (2002), BristolMyers Squibb (2002) e ainda a quebra da gigante Parmalat (2003).
Tal como no ideograma chinês, toda crise representa uma oportunidade. A
série de escândalos corporativos que abalou os mercados no início da década de
2000, ao demonstrar a fragilidade e a assimetria no poder de informação das
organizações em relação aos seus stakeholders, fez com que os Estados e seus
órgãos reguladores retomassem um papel mais ativo no controle das corporações,
ratificando que os mercados não podem simplesmente ser deixados à autoregulação, dado o conflito de interesses inerente aos que detém o capital, aos que
controlam o poder de gestão e os públicos que são direta e indiretamente afetados
pelas corporações. A principal medida, adota nos EUA, teve repercussão a nível
global, dado o nível de internacionalização das companhias e dos mercados:
Nesse contexto, uma série de medidas regulatórias foi introduzida ao longo
de 2002, tanto nos Estados Unidos quanto no mundo, inclusive no Brasil. Dentre
estas medidas, destaca-se a Lei Sarbanes-Oxley, de 30 de julho de 2002. O grande
objetivo da Lei Sarbanes-Oxley é restaurar o equilíbrio dos mercados por meio de
mecanismos que assegurem a responsabilidade da alta administração de uma
empresa sobre a confiabilidade da informação por ela fornecida.(Borgerth, 2007: XVI)
Os pressupostos da Lei Sarbanes-Oxley e as conseqüências sofridas por todo
o mercado com a quebra de confiança dos investidores e da opinião pública nas
informações geradas pelas corporações, com a conseqüente queda do valor de
mercado de muitas companhias, levou o próprio mercado, mais uma vez, a criar e
recriar mecanismos e instituições, como a Governança Corporativa, para resgatar
sua credibilidade e imagem na sociedade e, com isso, garantir rentabilidade e
sustentabilidade adequadas ao perfil das corporações do século XXI.
3.2 Natureza e Conceitos
Tal como vimos na primeira parte desse capítulo, a necessidade de
estabelecer políticas e instrumentos de regulação e controle das atividades de
gestão das organizações privadas passou a existir principalmente após a separação
entre o capital e o controle das companhias e se acentuaram à medida que as
estruturas organizacionais e de capital se tornaram mais complexas.
O economista Maílson da Nóbrega resume o advento das firmas – primeiras
instituições jurídicas criadas para acomodar as necessidades dos mercados do início
do século XX – e o advento da corporação:
A invenção da firma criou uma ficção, a pessoa jurídica, separada da pessoa
física. Ela seria fundamental para viabilizar as operações da era capitalista, que
exigiam recursos acima das possibilidades dos empreendedores.
(...) A corporação surgiu no início do século XIX nos países desenvolvidos,
nos quais foram aprovadas leis que regulamentavam sua criação e seu
funcionamento. Depois, o conceito se generalizou. (...) Para movimentar capitais em
grande volume, a forma corporativa oferece muitos benefícios. Além de os
investidores não correrem o risco de perder mais do que investiram, as ações da
corporação podem ser transferidas sem necessidade de sua reorganização legal. O
conceito de pessoa jurídica permite à empresa autonomia para iniciar ações legais,
mover e sofrer processos, realizar contratos, etc. o que protege a pessoa física dos
investidores. Finalmente, a duração da corporação não está limitada pela duração da
participação de qualquer um de seus investidores.
A partir do início do século XX, as corporações adquiriram maior importância,
trazendo benefícios e desvantagens. Por um lado viabilizaram grandes
empreendimentos. Por outro, favoreceram a criação de conglomerados cuja
dimensão pode levar ao domínio dos mercados e ferir a livre concorrência. Seu
gigantismo criou o ambiente para fraudes em vários momentos, como os que
ocorreram recentemente nos Estados Unidos envolvendo a Enron, WorldCom e
outras empresas. (Nóbrega, 2005:151-152)
Governança Corporativa, mais do que um conjunto de normas e
procedimentos, pode ser considerada como uma filosofia de gestão. Sua natureza
está intrinsecamente ligada às finalidades das organizações e a incorporar
instrumentos que façam a gestão trabalhar por uma melhor simetria de informações
e pela minimização dos conflitos de interesse entre seus públicos constituintes.
Para cumprir os objetivos deste trabalho, é preciso analisar Governança
Corporativa sob duas dimensões. Uma, de percepção inquestionável: a que se
refere ao âmbito administrativo e de gestão com os acionistas e investidores, os
chamados stokeholders, detentores do capital. A outra, aquela que extrapola esse
limite justamente por considerá-la filosofia de gestão e, como tal, parte fundamental
da cultura corporativa e, por isso, se inter-relaciona com a comunicação no que se
refere ao âmbito de informação, relacionamento e mediação de conflitos entre a
organização e os públicos direta ou indiretamente afetados pela atuação da mesma,
os stakeholders.
Assim, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) define
governança corporativa do seguinte modo:
É o sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e monitoradas, envolvendo
os relacionamentos entre acionistas/cotistas, Conselhos de Administração, diretoria,
auditoria independente e Conselho Fiscal. As boas práticas de governança
corporativa têm a finalidade de aumentar o valor da sociedade, facilitar seu acesso ao
capital e contribuir para sua perenidade. Fonte: IBGC (Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa) 15
Lido de forma simples, governança corporativa relaciona-se à ótica da lógica
econômica. Assim, alguns estudiosos defendem que governança corporativa nada
mais é do que uma reação literal das organizações “aos problemas de agency, ou os
conflitos de interesse resultantes do afastamento dos acionistas da administração
cotidiana das empresas.” (Borgerth, 2007:67). É dessa maneira que pensa, por
exemplo, Alexandre de Miceli da Silveira em seu estudo denominado “Governança
Corporativa e Estrutura de Propriedade”:
A discussão sobre a necessidade de aprimoramento da governança
corporativa nas empresas surgiu como resposta a diversos registros de expropriação
da riqueza dos acionistas por parte dos gestores em empresas com estrutura de
propriedade pulverizadas e dos acionistas minoritários por acionistas controladores
em empresas com estrutura de propriedade concentrada. Esses registros decorrem
do problema de agência dos gestores, que ocorre quando os gestores tomam
15 Disponível em: http://www.ibgc.org.br.
decisões com o intuito de maximizar sua utilidade pessoal e não a riqueza de todos
os acionistas, motivo pelo qual são contratados. (Silveira, 2006:45)
Outros dão à governança corporativa, através do mesmo conceito, uma
dimensão mais abrangente:
Já existe consenso sobre o fato de que quanto maior o valor da empresa
mais facilmente se exercem a cidadania e o envolvimento dos stakeholders (públicos
de interesse). Há quem resuma tudo isso numa frase: criar um ambiente de controle
dentro de um modelo balanceado de distribuição de poder.
É um engano imaginar que praticar boa governança implica quase que
somente acatar regulamentos. Governança tem tudo a ver também com a qualidade
de atitude e escala de valores no mais puro sentido humano. Daí alguns
considerarem que a boa governança depende de alinhar o pensamento entre
acionistas, controladores e stakeholders. (Steinberg, 2003:18)
Essa também parece ser a visão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM),
que “em sua cartilha publicada em 2002, define Governança Corporativa como um
conjunto de práticas que otimizam o desempenho de uma companhia protegendo
todas as partes interessadas, sejam elas investidores, empregados ou credores”.
(Borgerth,2007:69)
Tais diferenças de percepção sobre a natureza da governança corporativa,
com ardorosos defensores de ambas as partes, encerram também as diferentes
visões de teóricos e estudiosos do mercado sobre o papel das organizações
privadas na sociedade, em abordagens que convergem para o reconhecimento de
que há uma dimensão ética a ser respeitada na gestão das organizações e sua
relação com a sociedade e divergem radicalmente em relação às formas como isso
pode se dar.
Entretanto, o consenso desfaz-se quando se aprofunda o enfoque sobre a
natureza dessa dimensão ética. Alguns compartilham a “visão dos stockholders16”: os
gestores têm a atribuição formal de incrementar o retorno dos acionistas ou cotistas
da empresa. Para atingir tais objetivos, eles deveriam atuar somente de acordo com
as forças impessoais do mercado, que demandam eficiência e lucro.
16
Stockholders são formados por sócios e acionistas, majoritários e minoritários, detentores dos direitos sobre os
lucros do empreendimento. (Machado Filho, 2006: 3)
Outra corrente de pensamento argumenta com base na “visão dos
stakeholders17”: os gestores têm a atribuição ética de respeitar os direitos de todos os
agentes afetados pela empresa e promover o seu bem, incluindo nesse conjunto os
clientes, fornecedores, funcionários, acionistas ou cotistas (majoritários e
minoritários), comunidade local, bem como gestores, que devem ser agentes a
serviço desse grupo ampliado. (Machado Filho, 2006:2-3)
Percebe-se que as abordagens refletem as duas principais correntes
contemporâneas que buscam interpretar a relação do capitalismo com a sociedade:
•
a visão neo-liberal, que tem no economista e Prêmio Nobel Milton
Friedman um de seus principais ideólogos, que atribui o benefício social
a uma conseqüência direta da boa gestão de negócios da empresa, que
acaba por compartilhar em forma de empregos e geração de renda o
valor agregado gerado, promovendo de forma agregada o bem-estar
social por conseqüência, e sem dispersar os esforços e concentração
das companhias em ações que não estejam diretamente relacionadas
com suas atribuições principais e com a busca da lucratividade;
•
e perspectivas de cunho social, representadas – por exemplo - por John
Kenneth Gailbrath e Amartya Sen, também economistas laureados com
o Prêmio Nobel de Economia, que criticam o chamado conceito da
racionalidade maximizadora neo-clássica e inserem a gestão das
companhias num contexto social mais abrangente, que as coloca além
da questão da maximização do lucro pois defendem que a gestão que
incorpora os interesses dos stakeholders na condução dos negócios
gera maior valor agregado, maior valor de reputação e melhores
resultados financeiros, mobilizando os públicos com maior potencial de
17
Stakeholders são constituídos, além de pelos próprios stockholders, por funcionários, fornecedores, clientes,
consumidores, investidores, comunidades, governos, entre outros agentes que – direta ou indiretamente – afetam
a empresa ou são por ela afetados. (Machado Filho, 2006: 3)
engajamento e lealdade ao promover o compartilhamento de objetivos
comuns.
Em favor das teorias que privilegiam a inserção dos stakeholders, deve-se
lembrar aqui que a sociedade contemporânea é formada por uma tipologia muito
mais diversificada de organizações do que aquelas que pertenciam ao ambiente da
primeira metade do século XX, dominado pelas organizações privadas com fins
lucrativos, que caminhavam para o gigantismo que as caracterizou de 1970 em
diante.
Porém, de 1990 para cá, o ambiente institucional convive com outras e
poderosas formas de organização; também muitas vezes gigantes e detentoras de
vultosos recursos, as organizações não-governamentais e as sem fins lucrativos, por
exemplo, que demandam a necessidade de gestão, mediação de conflitos de
interesses e uma série de prerrogativas presentes nos mecanismos de governança,
tal como grandes organizações privadas.
Até o Estado, através de seus governos, volta-se à prática da Governança
Corporativa já que a mesma traz mecanismos de mediação de conflitos e prérequisitos de informação adequados ao exercício de governo do século XXI:
De forma geral, a governança se refere aos pré-requisitos institucionais para
a otimização do desempenho administrativo – instrumentos técnicos de gestão que
assegurem a eficiência e a democratização das políticas públicas. Já a
governabilidade, que para muitos autores é a outra face da moeda da governança,
refere-se à capacidade do Estado de obter apoio e articular alianças entre os vários
grupos sociais com o objetivo de viabilizar a implementação de seu projeto de
Estado.18
De qualquer maneira, às organizações não resta simplesmente optar entre
uma e outra abordagem. Não é tão simples assim. Orientar a gestão de uma
18
Novelli, Ana Lúcia C. Romero. O papel institucional da comunicação pública para o sucesso da governança.
Organicom. ECA/USP: 2006, ano 3, número 4.
organização essencialmente para suas finalidades econômicas e com isso
contemplar os interesses dos acionistas, ou orientá-la para o desenvolvimento social
ao contemplar também os interesses dos demais públicos de interesse na gestão da
organização, depende fortemente do ambiente institucional em que as mesmas
estão inseridas.
Para compreender melhor o ambiente institucional precisamos conhecer
alguns conceitos-chave, como a chamada Nova Teoria Institucional, formulada por
Ronald Coase, em 1937, com a publicação do trabalho The Nature of the Firm,
consolidando a tese de que o desenvolvimento das organizações relaciona-se
fundamentalmente com as mudanças institucionais. Assim, o ambiente institucional
condiciona os tipos de organização e as formas como as mesmas são gerenciadas,
bem como sua relação com a sociedade, de onde emanam as pressões e demandas
incorporadas pelas instituições formais e informais criadas pela sociedade para
regular o jogo de mercado.
O ambiente institucional (formal e informal) define conjuntos de direitos de
propriedade sobre ativos de valor, o que, por sua vez, definirá ações estratégicas das
corporações. Um exemplo é a lei norte-americana de responsabilidade civil, que
prevê multas para empresas que afetarem a sociedade, o que as leva a ações
focalizadas de estabelecimento de normas e códigos de ética internos. Ou seja,
instituições afetam organizações. (Machado Filho, 2006:13)
É preciso, ainda, conhecer o conceito de Instituições:
Na definição hoje clássica de Douglas North, que ganhou o Prêmio Nobel de
Economia de 1993, instituições são as regras do jogo em uma sociedade ou, mais
formalmente, as restrições criadas para moldar a interação humana e assim
estruturar incentivos para ações de natureza política, social ou econômica. As
instituições são formais ou informais. As primeiras são as regras criadas pelos
governos. As últimas são as convenções e os códigos de conduta estabelecidos
pelos indivíduos. (Nóbrega, 2005:68)
Nóbrega (2005) esclarece ainda que alguns autores incluem as organizações
como parte do contexto institucional, porém, destaca que Douglas North as têm
como instâncias complementares aos mecanismos das “instituições”, pois a
existência das mesmas é que decorre do arcabouço institucional. Acrescenta
também que “as instituições abrangem também as crenças da sociedade e a mídia”,
já que os resultados às “instituições” estabelecidas pela sociedade serão fruto das
crenças dessa mesma sociedade, para determinar o sucesso ou o fracasso das
restrições estabelecidas para mediar os conflitos de interesse inerentes às
organizações.
As crenças correspondem ao lado interior da paisagem humana. Já as
instituições são as estruturas que impomos sobre esta paisagem de modo a produzir
os resultados que buscamos. Crenças são a representação interna; instituições são
sua manifestação externa. (North,Douglas apud Nóbrega, 2005: 69)
Nóbrega (2005) também destaca que a mídia, entendida como todos os
meios de transmissão de informação, especialmente os jornais, rádio, TV e Internet,
também fazem parte importante do contexto institucional por constituirem-se em
canais pelos quais os diversos grupos sociais exercem pressão em favor de
mudanças nas “instituições” reconhecidas pela sociedade. Por fim, há o Estado que,
segundo a Nova Teoria Institucional, sem ele sequer existiriam as regras do jogo, ou
seja, é dele, pelo menos em grande parte, a função de definição e controle das
normas que direcionam o sucesso ou o fracasso do desenvolvimento da economia
de um país.
Por sua vez, as instituições estão diretamente ligadas à teoria dos conflitos de
agência e à questão dos incentivos. As instituições, formais e informais, funcionam
como mecanismos gerados pelo próprio sistema capitalista para manter sua
hegemonia e seus sustentáculos principais, principalmente, a sociedade de
mercado. Desta forma, as instituições funcionam de duas maneiras:
•
Maximizam oportunidades, à medida que ao criar um ambiente de maior
segurança e confiança contribuem para aumentar o valor agregado
gerado, por exemplo, pelo valor de reputação, que fideliza clientes, abre
portas e maximiza o interesse de acionistas e potenciais investidores.
•
Diminuem os chamados custos de transação (custos de funcionamento do
sistema econômico), já que, ao contrário da visão essencialmente liberal, o
mercado e seus agentes não são perfeitos.
Assim, em um contexto em que o comportamento dos indivíduos é
caracterizado pela busca de maximização de riqueza (auto-interesse) e por
informações assimétricas, as instituições devem ter o papel de reduzir os custos de
transação. Como conseqüência, as instituições, para serem efetivas, devem atuar
especialmente no sentido de ressaltar as soluções cooperativas para que os ganhos
potenciais envolvidos nas transações se realizem. (Machado Filho, 2006:59)
Os problemas de gestão orientada para o interesse individual em detrimento
dos acionistas (principals), detentores do capital, e/ou em detrimento dos interesses
da sociedade, bem como os problemas de assimetria da informação, acentuaram-se
à medida que os mercados e a gestão das organizações ficaram sob poder quase
que incontrolável dos administradores profissionais (agentes) na alta administração
das
companhias,
tal
como
apresentado
anteriormente,
problemática
esta
contemplada com a teoria de agência: “Em economia, o “problema agente-principal”
se refere à questão de como motivar um indivíduo (o agente) a agir sob a ordem de
outro (o principal)”. (Nóbrega, 2005:99)
Destaca-se, assim, a questão da assimetria de informação em conseqüência
das instâncias de poder que separam também os interesses primários não somente
de acionistas e seus gestores, bem como dos atos por eles representados e os
públicos de interesse.
Inicialmente, os objetivos e interesses desses três segmentos são
divergentes: aos acionistas interessa a maximização da lucratividade com o mínimo
de investimentos e de riscos; aos gestores, a maximização de sua remuneração em
função de suas performances; e uma série de objetivos distintos em relação à
organização distinguirá as múltiplas categorias de públicos de interesse.
Porém, é nítido que dois grupos se destacam nessa relação de forças: os
acionistas, pela força do capital; e os gestores, por deterem as estratégias e
instrumentos de gestão, e por isso as informações mais privilegiadas do processo,
as quais muitas vezes nem sequer os acionistas – representados nos Conselhos –
têm acesso em tempo hábil; o que se dirá, então, quanto à divulgação espontânea
de informações complexas e relevantes para os públicos de interesse, parte mais
frágil desta relação.
A esse respeito, diz Steinberg (2003:18-19):
(...) é preciso deixar claro que uma das grandes deficiências das
organizações – com fins lucrativos ou não, privadas ou públicas – é a existência de
agendas ocultas. É preciso ter como alvo a existência de apenas uma agenda, de
conhecimento de todos os envolvidos, que atenda ao interesse coletivo. (...) Mas está
ficando cada vez mais difícil trabalhar com dupla agenda – a oficial e a oculta. É
preciso, cada vez mais, que as pessoas envolvidas nos projetos abram aos demais
seus sonhos e objetivos pessoais e conciliem esses impulsos com a necessidade de
a organização desenvolver boa gestão, alcançar resultados plausíveis e garantir sua
perenidade.
Assim, “instituições” que monitorem e mobilizem stokeholders, agentes e
stakeholders em torno de objetivos comuns e de um grau determinado de consenso
tornam-se fundamentais para o aproveitamento das oportunidades e para minimizar
os custos e os conflitos de agência.
O que este trabalho defende é que Governança Corporativa, com seu
conjunto de objetivos e ao estipular e formalizar uma série de princípios, normas de
conduta e procedimentos, torna-se uma das “instituições” fundamentais para a
preservação do capitalismo flexível e para a perenidade das organizações da
sociedade de mercado.
Porém, tal como será visto nos próximos capítulos, para que Governança
Corporativa seja não só entendida como filosofia de gestão, mas também para que
suas normas e condutas sejam admitidas como práticas consensuais e relevantes
por todos os atores do processo acima relatado – acionistas, gestores e públicos de
interesse – necessita das estratégias e técnicas da comunicação organizacional,
especialmente das Relações Públicas, para que possa funcionar como uma
“instituição” positiva19.
19
Segundo Nóbrega (2005), instituições geradoras de comportamentos adequados podem aumentar, portanto, o
potencial de crescimento de uma economia, Já incentivos incorretos podem, em contrapartida, gerar perdas de
bem-estar geral. Segundo o autor, incentivos bem estruturados através de instituições tendem a gerar efeitos mais
positivos do que a mera imposição de penalidades. Más instituições acarretam conseqüências negativas.
3.3 - Objetivos e princípios
“A base de toda a idéia de Governança Corporativa é a fidúcia, a fé20”.
Com base nesse pressuposto, pode-se identificar objetivos implícitos em
Governança Corporativa, tais como dotar o ambiente institucional e as organizações,
de qualquer cunho, de mecanismos que possibilitem a arbitragem entre os
interesses dos diversos atores envolvidos com os objetivos das organizações,
possibilitando torná-los convergentes e consensuais e
instituir mecanismos que
promovam o equilíbrio de poder entre eles, maximizando as oportunidades de
geração de valor e minimizando perdas ocasionadas pelos conflitos de gestão.
É o que embasa, certamente, os objetivos de Governança Corporativa
inseridos no Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa, publicado
pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC: aumentar o valor da
sociedade, melhorar seu desempenho, facilitar o acesso ao capital a custos mais
baixos e contribuir para a sua perenidade da organização.
E, para Borgerth (2007:68):
Para Braga (2005), a Governança Corporativa é uma prática empresarial
resultante de preceitos jurídicos e políticas societárias e financeiras com objetivos que
vão desde captar recursos para as empresas ou cumprir suas metas estratégicas até
a preocupação de, em longo prazo, gerar valor para os acionistas e para a própria
sociedade.
Nota-se, da leitura dos objetivos derivados das duas abordagens acima, o
conflito, ou a evolução, da visão de Governança Corporativa como acepção de um
20
Sapoznik, Ralph e Dequech, Luciano. Governança Corporativa e Direito de Acionistas. Revista RI – Relações
com Investidores. IMF Editora Ltda,167, novembro de 2005.
instrumento, ou “instituição”, voltado ao aprimoramento do que a teoria neoclássica
considera o único objetivo das organizações privadas – o lucro - para a visão mais
alinhada com as demandas da sociedade contemporânea, inserida num contexto
amplo de relações e conseqüências sociais, visão esta que pode-se chamar de
dominante entre os órgãos reguladores, organizações sociais e privadas e
associações
diretamente
relacionadas
ao
desenvolvimento
da
Governança
Corporativa.
Para cumprir seus objetivos, Governança Corporativa, ainda de acordo com o
Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa, estrutura-se em princípios
básicos, que valem sua transcrição literal visto que demonstram claramente, em seu
conteúdo, as vinculações diretas com elementos essenciais da cultura corporativa e
a necessidade da comunicação para que possa realmente efetivar-se como filosofia
e prática.
•
Transparência
Mais do que “a obrigação de informar”, a Administração deve cultivar “o
desejo de informar”, sabendo que da boa comunicação interna e externa,
particularmente quando espontânea, franca e rápida, resulta um clima de confiança,
tanto internamente, quanto nas relações da empresa com terceiros. A comunicação
não deve restringir-se ao desempenho econômico-financeiro, mas deve contemplar
também os demais fatores (inclusive intangíveis) que norteiam a ação empresarial e
que conduzem à criação de valor.
•
Equidade
Caracteriza-se pelo tratamento justo e igualitário de todos os grupos
minoritários, sejam do capital ou das demais “partes interessadas” (stakeholders),
como colaboradores, clientes, fornecedores ou credores. Atitudes ou políticas
discriminatórias, sob qualquer pretexto, são totalmente inaceitáveis.
•
Prestação de Contas (Accountability)
Os agentes da governança corporativa devem prestar contas de sua atuação
a quem os elegeu e respondem integralmente por todos os atos que praticarem no
exercício de seus mandatos.
•
Responsabilidade Social Corporativa
Conselheiros e executivos devem zelar pela perenidade das organizações
(visão de longo prazo, sustentabilidade) e, portanto, devem incorporar considerações
de
ordem
social
e
ambiental
na
definição
dos
negócios
e
operações.
Responsabilidade Social Corporativa é uma visão mais ampla da estratégia
empresarial, contemplando todos os relacionamentos com a comunidade em que a
sociedade atua. A “função social” da empresa deve incluir a criação de riquezas e de
oportunidades de emprego, qualificação e diversidade da força de trabalho, estímulo
ao desenvolvimento científico por intermédio da tecnologia, e melhoria da qualidade
de vida por meio de ações educativas, culturais, assistenciais e de defesa do meio
ambiente. Inclui-se neste princípio a contratação preferencial de recursos (trabalho e
insumos) oferecidos pela própria comunidade.
3.4 - A Governança Corporativa no Brasil nos últimos 10 anos
O histórico e a evolução da Governança Corporativa no Brasil estão ligados
às questões de estrutura de propriedade da empresa brasileira. Por mais que se
tenha avançado em termos de globalização de mercados, o ambiente empresarial
brasileiro ainda reflete uma história calcada na empresa familiar e patrimonialista.
A família brasileira tem a sua história própria, e é nela que podem ser
encontrados traços identificadores de sua cultura. Trata-se, no caso, de uma cultura
ajustada às condições de um país que desconheceu a Revolução Industrial durante
quase todo o século XIX, mantendo-se numa economia agrário-exportadora, usando
mão-de-obra escrava, sob a tutela de uma Coroa que governava para os “senhores
de engenho” e para os “barões do café”. (...) Um patriarcado mergulhado no
patrimonialismo que fazia de todas as pessoas e de todos os bens propriedades do
patriarca. Em grande parte, o patriarca foi sucedido pelo coronel, a soma destes
compondo as oligarquias que, por sua vez, tendo a sua autoridade reforçada pelo
federalismo consagrado pela Constituição republicana, controlavam os estados e
assim detinham todo o poder.
(...) No âmbito da família empresária, o patrimonialismo, como regra,
conservou-se como componente essencial de sua cultura. E foi assim que a própria
empresa familiar moderna prosseguiu sendo entendida pelos seus membros como a
sua “fazenda”, isto é, propriedade exclusiva, com direito ao uso e ao abuso.
(Gonçalves,2000:XI)
Estatísticas do Sebrae de julho de 2005 revelaram que 85% das empresas
brasileiras são familiares.
Embora muito se tenha avançado da década de 1990 para cá, a
intensificação da globalização e o capitalismo financeiro, baseado fortemente no
mercado de ações globalizado, encontrou o mercado acionário brasileiro bastante
distorcido em termos de estrutura de propriedade, regulações de poder e posse das
ações. Em termos de estrutura de propriedade, podemos dizer que ainda boa parte
das companhias brasileiras, segundo Silveira (2006), apresentam o seguinte modelo:
1. Alta concentração das ações com direito a voto (ordinárias).
2. Alto nível de utilização das ações sem direito a voto (preferenciais).
3. Empresas fundamentalmente de controle familiar ou controladas por poucos
investidores.
4. Não reconhecimento dos interesses dos acionistas minoritários.
5. Acionistas minoritários pouco ativos.
6. Alta sobreposição entre propriedade e gestão.
Ainda segundo o autor, este modelo gera uma combinação de muito poder
com baixa alocação de investimentos próprios na empresa, diminuindo os benefícios
de se ter um acionista controlador.
Em contraponto, é interessante acrescentar um estudo, retirado de Steinberg
(2003), sobre os estágios de evolução dos modelos estruturais das empresas
brasileiras. Nele, o autor comenta que há um consenso entre os conhecedores do
assunto de que a maioria das empresas brasileiras ocupa um estágio de transição
do modelo tradicional para um modelo emergente, e que poucas organizações
encontram-se definidas como praticantes do modelo de mercado, conforme
transcrição dos modelos, conforme segue:
Modelo atual – Empresa gerenciada por poucos acionistas controladores com
práticas informais de governança.
Modelo emergente – Empresa liderada por poucos acionistas controladores com
governança formal e acesso ao capital para executar suas estratégias.
Modelo de mercado – Empresa com controle compartilhado e governança
formal com aspirações e capacidade financeira para competir globalmente. Nesse
estágio, consolidam-se as práticas de compartilhamento de controle, valores e ideais,
bem como se tornam mais maduros o conceito e a prática da responsabilidade social.
Porém, é um quadro que muda, felizmente, e a favor das empresas
brasileiras. Matéria publicada na revista Exame em junho de 2006 dá conta que
No grupo das 100 (companhias) emergentes há 12 companhias brasileiras –
de debutantes no mercado global, como a Natura e a Braskem, até veteranas como a
Embraer e a Vale do Rio Doce e as previsões dão conta que as companhias
brasileiras sintonizadas com as melhores práticas de gestão e de regulação em
âmbito global tendem a aumentar substancialmente sua participação no mercado
mundial.21
A década de 1990 trouxe várias mudanças para os mercados mundiais com
conseqüências positivas para o início de uma forte reconfiguração na estrutura do
mercado acionário brasileiro, abrindo caminho para que, atualmente, o Brasil se
posicione como um dos países mais avançados em termos de evolução e regulação
de Governança Corporativa.
Dentre essas mudanças, que funcionaram como fatores geradores e
impulsionadores das práticas de Governança Corporativa, estão:
•
O aumento da competitividade dos mercados mundiais, ocasionado
pelas possibilidades da tecnologia, impactando o fluxo financeiro de
capitais e a alocação de mão-de-obra;
•
A intensificação da globalização dos mercados, com o aumento
substancial das transações comerciais globais ocasionadas pela
desregulamentação de vários mercados, bem como de fusões e
aquisições de companhias em todo o mundo;
•
A estabilização econômica de vários países, incluindo o Brasil,
suportada por uma onda de crescimento econômico que após alguns
abalos nos mercados asiáticos e da América Latina, já dura mais de 10
21
Blecher, Nelson. As 100 emergentes do mercado global. Portal Exame, 15 de Junho de 2006. Disponível em:
http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0870/economia/m0082500.html.
anos; a série de privatizações, notadamente nos países em
desenvolvimento e no Leste Europeu;
•
E, finalmente, o engajamento dos Estados através da instituição de
vários tipos de incentivos e iniciativas institucionais que tornaram
possível à atividade empresarial uma atuação mais abrangente e mais
segura, tais como, no caso brasileiro, a aprovação da nova lei das S/As
(2001), criação dos códigos de governança corporativa do IBGC (1999)
e da CVM e a criação dos Níveis Diferenciados de Governança
Corporativa da Bovespa (2001).
Tal como foi dito anteriormente, um ambiente institucional melhor regulado,
com instituições positivas, contribui para o desenvolvimento dos mercados.
Destaque deve ser dado, nesta evolução, para a criação do Instituto Brasileiro
de Governança Corporativa, o IBGC. Segundo depoimento de Bengt Hallqvst (apud
Steinberg,2003), um dos fundadores e principais articuladores do Instituto, a
iniciativa teve início como forma de reunir um grupo de profissionais que ajudassem
a pensar como melhorar a atuação dos conselhos administrativos das empresas de
capital aberto,
dando origem ao IBCA (Instituto Brasileiro de Conselheiros de
Administração), em 1995.
Porém, segundo Hallqvst (apud Steinberg, 2003), ficou claro que pensar em
melhores práticas de gestão das organizações envolvia um escopo muito maior de
públicos,demandas e conflitos de interesse. Então, em 1999, a entidade muda sua
denominação para IBGC, incorporando ao seu nome a expressão Governança
Corporativa e com o objetivo de não só melhorar a governança corporativa no Brasil
mas, principalmente, de fazê-lo através da conscientização e informação sobre algo
que ainda estava muito distante das práticas das companhias brasileiras e, em certo
sentido, também recente a nível mundial (a expressão governança corporativa surge
apenas no final dos anos 1980, na Inglaterra).
Lançado em 1999 e revisado por duas vezes, a mais recente em 2004, o
Código de Melhores Práticas em Governança Corporativa consolidou o IBGC não só
como liderança do movimento no Brasil mas como uma referência a nível mundial,
pois seu texto incorporou, já em 2001, assuntos relacionados a acionistas, diretorias
e auditorias independentes além da preocupação com os stakeholders.
Destaca ainda que “embora o conceito de governança corporativa tenha
chegado ao Brasil por meio do IBGC, a Bovespa e a CVM tiveram papel fundamental
para que as grandes empresas se interessassem pelo tema” (Hallqvist apud
Steinberg, 2003:112-113), bem como importantes entidades associativas do setor
como Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas) e Apimec
(Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais),
e ressalta, ainda, que o grande interesse inicial sobre o assunto partiu das
companhias familiares e de porte médio.
Outro fator de extrema importância para o avanço das práticas de
Governança Corporativa foi a implantação dos Níveis Diferenciados de Governança
Corporativa da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), em 2001, iniciativa que
visa “destacar as empresas comprometidas com maior transparência e melhores
práticas de governança corporativa, sendo a adesão voluntária, via contrato entre as
partes”. (Silveira, 2006:70)
-
Nível 1: onde as companhias se comprometem, principalmente, com melhorias na
prestação de informações ao mercado e com a dispersão acionária (percentual
mínimo de 25% de ações em circulação e realização de ofertas públicas de ação).
-
Nível 2: onde as companhias se comprometem a cumprir as regras aplicáveis ao
Nível 1 e, adicionalmente, um conjunto mais amplo de práticas de governança
relativas aos direitos societários dos acionistas minoritários.
-
Novo Mercado: é um segmento de listagem destinado à negociação de ações
emitidas por companhias que se comprometem, voluntariamente, com a adoção de
práticas de governança corporativas adicionais em relação ao que é exigido pela
legislação e que realizam apenas emissão de ações ordinárias (com direito a voto)
e/ou conversão das ações preferenciais em ações ordinárias.
Quadro 1 Níveis Diferenciados de Governança Corporativa - Bovespa
A Bovespa tem apresentado, nos últimos anos, níveis crescentes de
solicitação de abertura de capital por parte dos mais diversificados segmentos e
portes de companhias. Como foi dito anteriormente, isso se dá pela evolução e
maturidade regulatória do mercado, pela necessidade de buscar financiamento
mais barato para escapar das altíssimas taxas de juros ainda praticados no
mercado brasileiro e, também, por conseqüência de uma maior conscientização
do empresariado brasileiro em relação às práticas e benefícios de Governança
Corporativa. A adesão das companhias já listadas aos Níveis Diferenciados de
Governança Corporativa é crescente, principalmente em relação ao Novo
Mercado.
A adesão a um dos níveis de governança da Bovespa é opcional, mas
segundo analistas não é possível mais conceber uma abertura de capital fora do
Novo Mercado, a não ser em casos como o da Gol e da ALL. Ambas entraram na
Bolsa em 2004, no Nível 2, porque atuam em setores cuja regulamentação esbarra
em algumas normas do Novo Mercado. Hoje, se uma empresa quiser abrir o capital
emitindo ações preferenciais, encontrará muita dificuldade. Algumas instituições
financeiras não aceitarão participar da oferta. No exterior, a empresa nem será
recebida. E o preço final não será tão bom quanto seria no Novo Mercado. 22
Segundo matéria publicada em O Estado de S.Paulo, em 16/09/2006, o
Brasil lidera um ranking de transparência de dados e relações com investidores
no mercado financeiro entre 32 países emergentes, elaborado pelo Institute of
International Finance (IFF). 23
E, ainda:
O México mira-se no modelo brasileiro para tentar alavancar seu mercado de
capitais. O convite dos mexicanos reflete bem a percepção dos órgãos reguladores
do mercado de capitais local quanto ao papel exercido pela governança no sentido de
elevar o número de empresas listadas em Bolsa. No período de 2005-06, a Bovespa
registrou 26 estréias, sem contar outras sete que chegaram ao pregão em 2007.
Todas ajudaram a reforçar os níveis de governança criados pela Bovespa em 2001,
hoje com 112 representantes. Embora representem ¼ das empresas listadas, esse
grupo responde por mais de 60% do giro diário.24
O quadro apresentado a seguir mostra o nível atual de adesão aos Níveis
Diferenciados de Governança da Bovespa. É interessante ressaltar que,
corroborando o raciocínio nos parágrafos imediatamente anteriores, o aumento
de companhias listadas em bolsa de valores na Bovespa tem sido constante
desde 2006 e que a maior parte das “novatas” abriu suas ações diretamente no
Novo Mercado.
22
www.cliponline.com.br, em 27/09/2005.
O Estado de S. Paulo, Caderno de Economia, 16/09/2006.
24
Gazeta Mercantil, 16/03/2007.
23
Quantidade Total de Companhias Listadas Nível 1
Nível 2
(Dez/2006): 397
Novo
Mercado
Quantidade
38
15
62
Participação no total:
9,6%
3,8%
15,6%
Quadro 2 Companhias Listadas nos Níveis Diferenciados de Governança Corporativa da Bovespa
(Bolsa de Valores de São Paulo). Base: maio/2007. Disponível em www.bovespa.com.br
Embora as companhias listadas nos Níveis Diferenciados de Governança
Corporativa não sejam maioria, seu desempenho é bastante representativo:
juntas, representam, segundo dados da Bovespa, 58% do volume financeiro
negociado e 67% da quantidade de negócios no mercado à vista.
Nesta evolução, destaque deve ser dado às empresas familiares, não só
no Brasil, como em todo o mundo. A visão das empresas familiares como
organizações não profissionalizadas e que não conseguem resolver seus
conflitos de gestão atenua-se a cada vez mais, pois não são raros os casos de
adesão voluntária às práticas de governança corporativa, apresentando
desempenho financeiro, rentabilidade e inserção na comunidade muito maiores
que as companhias de controle pulverizado.
Pesquisa realizada pelo IBGC em 2006, segundo a revista Exame,
estudou as estruturas e práticas de governança de 15 grandes companhias
familiares de capital aberto – que juntas representam 8,5% do produto interno
bruto (PIB) nacional e tinham, no final de maio, data do fechamento parcial do
estudo, valor de mercado superior a 156 bilhões de reais. São empresas
consideradas avançadas do ponto de vista de governança. Entre elas, há grupos
centenários (ou quase), como Klabin, Gerdau e Saraiva, e empresas criadas nos
últimos cinco anos, como a Gol e a Suzano Petroquímica. Analisados seus
resultados no último ano, constatou-se que elas são mais rentáveis, apresentam
maior liquidez e pagam mais dividendos a seus acionistas do que a média das
companhias listadas na Bovespa25.
Há consenso, ainda, que a aplicação de práticas de governança
corporativa em empresas familiares pode diferenciá-las competitivamente de
seus concorrentes e que fazem com que a convivência familiar seja regida dentro
de parâmetros definidos e pré-estabelecidos, permitindo a profissionalização da
empresa. 26
3.5 - Governança Corporativa, geração de valor agregado e reputação.
A Bovespa mantém em seu site diversos tipos de estudos e informações a
respeito do mercado de capitais no Brasil e no mundo e avaliações sobre os
impactos
positivos
da
adoção
de
práticas
de
Governança
Corporativa,
Responsabilidade Social e Sustentabilidade.
No estudo “Efeitos da migração para os níveis de Governança da Bovespa” 27,
de autoria de Antonio Gledson de Carvalho, realizado em Janeiro de 2003, a
conclusão foi que:
Muito se tem ressaltado sobre a importância de uma boa governança
corporativa para o desenvolvimento do mercado de capitais. No entando, reformas
legislativas para o aumento dos direitos dos minoritários sempre encontram sérios
obstáculos políticos. Mecanismos de adesão voluntária aparecem como uma
alternativa mais factível. Neste sentido, o Novo Mercado e os níveis diferenciados de
governança corporativa da Bovespa aparecem como alternativa (grifo nosso).
25
Mautone, Silvana. O triunfo das empresas familiares. Portal Exame, 13/07/2006. Disponível em:
http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0872/gestaoepessoas/m0083170.html
26
Disponível em www.amcham.com.br/update/2006/update2006-10-03b_dtml
27
Disponível em www.bovespa.com.br/pdf/uspniveis.pdf
Diferentemente da experiência do Neuer Markt alemão, a iniciativa da
Bovespa por permitir a migração das empresas que já são de capital aberto, constitui
um experimento natural para testar o efeito do compromisso com melhores práticas
de governança sobre os papéis das empresas. Neste estudo, detectamos que a
migração tem impacto sobre a valoração das ações (existência de retornos anormais
positivos), aumenta o volume de negociação e aumenta a liquidez.
Os grifos acrescidos ao primeiro parágrafo da citação acima, que não
constam no texto original, conseguem mostrar claramente um dos pilares de
argumentação desenvolvidos até aqui: mostra a percepção da sociedade e até da
academia sobre o poder do mercado ante o papel do Estado; o mercado, em busca
de mecanismos de correção que garantam a perenidade do sistema que se autoregula em face da incapacidade dos governos de fazê-lo.
Voltando à questão da geração de valor financeiro agregado para as
companhias que aderem às práticas de Governança Corporativa, dados recentes de
performance das ações refletidos na comparação entre as cestas de índices da
Bovespa, conforme ilustrado abaixo, mostra o crescimento da rentabilidade do índice
composto por ações de companhias listadas nos segmentos especiais da Bovespa
(IGC) acima da média dos outros índices, de forma crescente de 2003 até 2006.
Figura 1 Evolução Ibovespa
Fonte: disponível em www.bovespa.com.br/empresas/publicações/boletins.
A relação entre Governança Corporativa, reputação e valor pode ser
analisada também a parttir de uma pesquisa sobre atuação sustentável das
companhias em atuação no Brasil, recém divulgada pelas consultorias Management
& Excellence, de Madri e Grow Associates, do Brasil, em parceria com a revista
Razão Contábil.
A pesquisa baseou-se em dados divulgados sobre os diversos componentes
de Sustentabilidade nos websites corporativos das empresas pesquisadas e
posterior checagem com as próprias companhias sobre as práticas de ética,
responsabilidade social corporativa, sustentabilidade e governança corporativa
desenvolvidas, em 47 empresas cujas ações formam a carteira teórica do Ibovespa,
principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa); reunidas, o valor de
mercado delas superou meio trilhão de dólares no final de 2006.
Já a análise do Quadro III, a seguir, mostra que as companhias nacionais, ou
seja, aquelas onde grupos ou famílias de brasileiros concentram o controle do capital
acionário, são maioria nas 10 primeiras posições do ranking, com índices, em todos
os quatro indicadores (Governança Corporativa, Ética, Responsabilidade Social
Corporativa e Sustentabilidade) muito superiores à média das 20 melhores, que foi
da ordem de 61,73% considerando-se toda a amostra.
Além disso, mostra uma grande coincidência entre as companhias que
ocupam os 10 primeiros lugares nos quatro índices específicos, demonstrando a
exata relação entre governança corporativa e ética, responsabilidade social e gestão
sustentável, comprovando que tais práticas somente geram valor agregado quando
admitidas como filosofia de gestão pelo alto nível da administração.
Governança Corporativa
Cia.
Controle do Índice
capital
1 Itaú
Nacional
2 Aracruz
Nacional
Ética
Cia.
100% Braskem
Controle
do capital
Nacional
RSC
Cia.
Controle
do capital
Índice
Sustentabilidade
Cia.
Controle
do capital
Índice
100% Arcelor
Estrangeiro
100% Petrobras
Pública
98,00%
Pública
100% Bradesco
Nacional
97,96%
Nacional
100% Itaú
Nacional
97,96%
100% VCP
100% Perdigão
Nacional
Nacional
95,92%
91,84%
Nacional
87,76%
3 Banco do
Pública
Brasil
4 Bradesco
Nacional
5 Eletropaulo Estrangeiro
91,67% Itaú
Nacional
100% Banco do
Brasil
100% Itaú
91,67% Petrobras
91,67% Aracruz
Pública
Nacional
80% Natura
80% Petrobras
Nacional
Pública
6 Gol
Nacional
91,67% Arcelor
Estrangeiro
80% Aracruz
Nacional
95,24% Aracruz
7 Petrobras
Pública
91,67% Bradesco
Nacional
80% Bradesco
Nacional
95,24% Eletropaulo Estrangeiro
85,71%
8 ALL
Nacional
Pública
80% VCP
Nacional
95,24% Arcelor
Estrangeiro
83,67%
9 Braskem
Nacional
83,33% Banco do
Brasil
83,33% CCR
Rodovias
83,33% Copel
Nacional
80% Copel
Pública
90,48% Klabin
Nacional
81,63%
Pública
80% Eletropaulo Estrangeiro
85,71% Unibanco
Nacional
81,63%
10 Cyrela
Nacional
91,67% Eletropaulo Estrangeiro
Índice
Quadro: III Comparativo
Fonte: Revista Razão Contábil - Fev/2007
Tais resultados podem, ainda, ser correlacionados aos valores de
marca. A consultoria inglesa Interbrand faz, historicamente, um cálculo sobre o valor
das marcas comerciais e corporativas em todo o mundo. Dados publicados em 2006
mostram que, no Brasil, o Banco Itaú foi considerado a marca mais valiosa (US$ 1,3
bilhão), seguido do Bradesco (US$ 859 milhões), Banco do Brasil (US$ 601
milhões), Natura (US$ 573 milhões), Skol (US$ 562 milhões) e Petrobrás (US$ 554
milhões).28
Por fim, podemos citar o último ranking da empresas mais admiradas no
Brasil, publicado há 10 anos pela revista Carta Capital, a partir de pesquisa realizada
pela TNS Interscience a partir de 11 critérios que moldam o atributo admiração:
notoriedade, inovação, responsabilidade social, compromisso com o País,
capacidade de competição global, compromisso com os recursos humanos,
qualidade da gestão, solidez financeira, qualidade de produtos e serviços, respeito
pelo consumidor e ética. A última edição da pesquisa foi feita com 1.023
profissionais de empresas nacionais ou com negócios no Brasil e entre as 10 Mais
Admiradas em 2005 trouxe, pela ordem, Natura, Nestlé, Vale do Rio Doce, Gerdau,
TAM, Votorantim, Embraer, Petrobrás, Microsoft, GE e Itaú.
Destas, estabelecendo um comparativo para os fins específicos desse
trabalho, podemos notar que Petrobrás e Itaú pontuam também entre as 10
primeiras quanto às práticas de governança corporativa, ética, responsabilidade
social e sustentabilidade. A título informativo, considerando o ranking de governança
corporativa pela pesquisa de M&E/Grow Associates, Votorantim aparece em 15o.
lugar (75%), Embraer em 24o (58,33%), mesmo índice da TAM, em 26o lugar e de
Vale do Rio Doce, no 27o; destas, apenas a Natura recebeu um índice muito abaixo
28
Petrobrás dá salto no ranking das marcas. O Estado de S.Paulo, Caderno de Economia, xxxxxxx
da média (43o. lugar, com 33,33%) e Nestlé, que não pontuou no levantamento da
M&E/Grow Associates.
Por fim, ainda pouco explorado, os benefícios da adoção e divulgação das
práticas de Governança Corporativa para a reputação das organizações que estão
além do ganho financeiro no desempenho das ações ou valor de marcas também
começam a ser melhor trabalhados. Neste sentido, trata-se dos benefícios de longo
prazo, geradores de credibilidade para que as organizações possam minimizar os
efeitos de crises de imagem, das próprias organizações ou do setor em que atuam,
além de agirem como fatores positivos para o gerenciamento de riscos de imagem.
Depois do bolso dos acionistas, a reputação de uma empresa é o mais
afetado quando vêm à tona problemas contábeis e financeiros. No início de
dezembro, por exemplo, o poderoso fundo de pensão dos professores da Califórnia,
considerava retirar seu investimento da China National Petroleum, responsável por
um dos maiores vazamentos químicos na história do país, em novembro. “Nosso
investimento nesta empresa não apenas coloca nosso dinheiro em risco,mas também
nossa reputação”, declarou à imprensa o tesoureiro do Estado da Califórnia, Phil
Angelides.
De olho nesse filão, foi fundado em 1997 nos EUA o Reputation Institute, que
utiliza uma série de variáveis – dentre elas a governança – que prometem ajudar uma
empresa a antecipar danos à sua imagem. O instituto existe em 17 países e acaba de
abrir uma representação no Brasil. 29
3.6 – Relações com os Investidores
Praticamente durante todo o período de desenvolvimento dos mercados
acionários, a comunicação entre as companhias de capital aberto com os
investidores e com os profissionais do mercado financeiro foi atribuição quase que
exclusiva dos profissionais de relações com os investidores.
Segundo pesquisa30 recentemente publicada pelo IBRI (Instituto Brasileiro de
Relações com os Investidores), realizada em conjunto com a FIPECAFI/FEA/USP,
esses profissionais são, em sua maioria (64%) oriundos da administração e da
29
O Valor da Transparência. Revista AmericaEconomia, 13/12/05.
3ª. Pesquisa sobre o Profissional de RI. Disponível em
http://www.ibri.com.br/home/novidades/Pesquisa_Profissional_de_RI_3.pdf
30
economia, sendo os restantes graduados em contabilidade, engenharia e outras
formações, porém, em participações menos expressivas no volume de profissionais,
quadro este que também espelha o perfil dos profissionais de RI nos EUA, por
exemplo, berço da profissão.
À medida que cresce, exponencialmente, a força do mercado acionário
mundial e, conseqüentemente, que organizações privadas de vários países,
inclusive os emergentes como Brasil, Índia e países do Leste europeu, abrem seu
capital nas bolsas de valores de origem e, muitas vezes, nas principais bolsas do
mundo, ficando sujeitas às demandas regulatórias e sociais globais por
sustentabilidade, ética e governança corporativa, e até mesmo aos pressupostos da
Lei Sarbannes-Oxley, cresce a demanda por profissionais de RI.
No Brasil, por exemplo, até o primeiro semestre de 2006 as ofertas públicas
de ações na Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo) somaram R$ 14,3 bilhões,
considerado mais um recorde. Porém:
Para a novata no mercado há, no entanto, uma zona de sombra a vencer: se
sua existência foi percebida previamente, o sucesso é mais provável; se não foi, pode
significar um aprendizado da forma mais dura com as perdas. Pois a empresa recémaberta, qualquer que seja seu ramo, começará a lidar com uma mercadoria intangível
chamada Comunicação – cuja utilização poderá determinar bom ou mau desempenho
no pregão. 31
Até meados da década de 1990, conforme já relatado, as organizações e,
naquele contexto, suas áreas de Relações com os Investidores e os profissionais de
RI tinham por objetivo manter um relacionamento de informação ao mercado
financeiro e aos acionistas principais da organização.
O objetivo maior era a manutenção dos índices de rentabilidade das ações e
a comunicação concentrava-se, principalmente, nos itens de desempenho
31
Alves, Aluisio. Terreno com Limites Claros. Revista Razão Contábil, setembro de 2006.
econômico-financeiro, com exceção de ações de comunicação mais abrangentes
praticadas por um pequeno número de empresas visionárias, de cultura de
comunicação bastante forte, que iam além desse escopo básico de informações.
Com as mudanças nos ambientes macroeconômico e social advindas da
integração dos mercados e sociedades através da tecnologia e de regulações de
âmbito global, as conseqüências dos escândalos financeiros Enron e Worldcom para
o mercado acionário e para as companhias de capital aberto com um todo e uma
maior exigência e consciência dos stakeholders sobre o deslocamento do poder de
informação, bem como com a preponderância dos atributos de imagem para a
formação da precificação dos valores das ações das companhias, as áreas de RI
contemporâneas têm que dar conta de uma comunicação muito mais complexa e
abrangente que não só foge ao padrão de formação acadêmica dos profissionais de
RI, bem como trazem a eles um volume muito maior de demandas de informação,
exigindo muito mais de equipes bastante enxutas em termos de estrutura
organizacional.
Nos EUA, o volume de trabalho exigido do RI em atender a demanda por
informações pelos diversos públicos leva grandes corporações a criar uma área de
relações públicas só para cuidar do assunto. Mas o assunto já começa a florescer por
aqui. “Temos de lidar com analistas e jornalistas, que têm preocupações diferentes”
diz Marco Giovanne, gerente de Relações com Investidores do Banco do Brasil. 32
E ainda conforme Argenti (2006)
Dessa forma, os profissionais de relações com os investidores precisam
relacionar a comunicação à estratégia e à visão da empresa tão freqüentemente
quanto possível. A função de relações com investidores (RI) está se envolvendo com
atividades tradicionalmente tratadas pelos profissionais de Relações Públicas (RP) e
de mídia e está se comunicando com muitos públicos iguais. Portanto, além de
precisarem de um sólido conhecimento de finanças, os profissionais de RI também
precisam ter habilidade em comunicação.
32
Alves, Aluisio. Terreno com Limites Claros. Revista Razão Contábil, setembro de 2006.
A pesquisa realizada pelo IBRI, citada há pouco, confirma as tendências ora
apontadas e, ao mesmo tempo, mostra que essa habilidade em comunicação passa
a fazer parte das exigências de competências do profissional de RI, porém, indica
que os caminhos trilhados têm sido a parceria e a terceirização com os profissionais
de comunicação, como forma de responder a esta nova configuração sem deslocar o
profissional de RI de suas competências básicas de formação e do importante
trabalho em torno da comunicação de âmbito financeiro há tempos desenvolvida por
esses profissionais.
Comprovando a tendência de aumento de demanda, a pesquisa mostra um
crescimento muito grande do número de empresas que possuem área exclusiva de
Relações com Investidores, sendo que 42% dos respondentes encontram-se em
áreas constituídas nos últimos 6 anos.
Evidenciando também a vinculação da essência de RI com os aspectos
econômico-financeiros do negócio, as áreas estão alocadas, em sua ampla maioria
(86%), subordinadas à Vice-Presidência/Diretoria Financeira e Controller; a pesquisa
aponta, também, um alto índice de terceirização, explicado pelas equipes bastante
enxutas das áreas de RI, terceirização esta que se dá, por exemplo, em itens e
ações diretamente ligadas a canais/ferramentas de comunicação como atualização
do site, produção dos relatórios anuais e realização de teleconferências.
Já como atividades específicas de RI a pesquisa aponta a realização de
reuniões públicas, apresentações para a APIMEC (Associação dos Analistas e
Profissionais de Investimento no Mercado de Capitais) e realização de road-shows
(eventos de apresentação institucional e de resultados das companhias abertas ou
em processo de abertura de capital) para investidores internacionais.
A preocupação do IBRI com a complementação de formação de seus
associados, compostos prioritariamente por profissionais das áreas de RI e mercado
financeiro, vai da realização de eventos e cursos específicos sobre comunicação até
a efetivação mais regular de parcerias com entidades e profissionais de
comunicação, como a ABRACOM.
Em 2006, o IBRI realizou 89 eventos entre congressos, simpósios, reuniões
temáticas, encontros e workshops, sendo que 4 deles foram dedicados
exclusivamente à temática da comunicação (Melhores Práticas de Divulgação de
Informações, Relações com Investidores e Públicos Estratégicos, Governança
Corporativa e Comunicação e apoio ao 9º.
Congresso Brasileiro de Jornalismo
Empresarial, Assessoria de Imprensa e Relações Públicas), além de 5 eventos
temáticos específicos sobre Governança Corporativa e 4 diretamente ligados à
temática da Sustentabilidade.
O IBRI, em pesquisa feita com seus associados, apontou o aperfeiçoamento
na comunicação com a imprensa como o segundo maior desafio da categoria, atrás
apenas do item legislação internacional. Algumas consultorias preenchem o vácuo.
(...) Mas há carências de profissionais que reúnam, além de todas as especialidades
exigidas para a área, a boa comunicação com investidores e mídia.33
Os dados apresentados deixam clara a necessidade da comunicação no
âmbito das relações entre as organizações e seus stokeholders, seus investidores,
um dos públicos de interesse de caráter estratégico. Há necessidade é por uma
comunicação que está muito além dos informes financeiros, mas sim daquela que dê
conta de comunicar os aspectos diferenciados da organização e da inserção do
negócio no meio social e do nível de interação da companhia com os outros públicos
de interesse, uma comunicação que foge ao âmbito da configuração original da
comunicação com investidores praticada, em geral, pelos profissionais de RI.
33
Idem anterior.
4. Capítulo III – Comunicação Organizacional e Relações Públicas
4.1 - Cultura e Cultura Organizacional
4.1.1 Cultura
Para compreender a comunicação organizacional e a atuação das
Relações Públicas como artífices da cultura corporativa através de seus
conceitos, é importante entender, em primeiro lugar, os conceitos de cultura e
cultura organizacional e quais melhor se encaixam para os fins desse trabalho.
Há várias interpretações para o conceito de cultura, partindo da
antropologia
e
da
sociologia
até
às
ciências
aplicadas
ao
universo
organizacional. O certo é que todos os conceitos de cultura convergem para
subsidiar a estruturação dos conceitos de cultura organizacional, tendo em vista
que as organizações são hoje, praticamente, uma sociedade em si mesma.
Lembrando a abordagem antropológica, Renato Ortiz (1998) fala que não
é simples pensar a cultura em tempos de globalização e suas conseqüências na
sociedade, visto que a tendência geral, advinda da antropologia, é pensar cada
povo como uma entidade, um mundo diverso de outros. Assim, a antropologia
representa o estudo das diferenças e a cultura, na antropologia, é interpretada a
partir da pluralidade dos modos de vida e de pensamento.
Já a perspectiva sociológica estende a interpretação de cultura, por
exemplo, para “a forma comum e aprendida de vida, que compartilham os
membros de uma sociedade, e que consta da totalidade dos instrumentos,
técnicas, instituições, atitudes, crenças, motivações e sistemas de valores que o
grupo conhece”. (Lakatos, 1985)
Já Clifford Geertz (apud Marchiori, 2006:60) traz uma outra abordagem,
mais contemporânea, sobre o conceito de cultura, que tem sido referendada por
vários antropólogos nos últimos anos.
Segundo o autor, cultura
É um sistema de concepções expressas herdadas em formas simbólicas por
meio das quais o homem comunica, perpetua e desenvolve seu conhecimento sobre
atitudes para a vida. Portanto, a função da cultura na concepção do autor, é impor
significado para o mundo, tornando possível seu entendimento.
Com esta abordagem, os conceitos começam a se aproximar dos pontos
de interesse e convergência deste capítulo, as relações entre cultura
organizacional, construção simbólica, comunicação e as funções e técnicas das
Relações Públicas.
Num contexto ainda mais aproximativo, é preciso conhecer as relações
entre cultura e a simbologia das coletividades:
Mantida a especificidade e a autonomia relativa das dimensões econômica e
política, podemos entender cultura como equivalente à dimensão simbólica das
coletividades, porque as representações imaginárias formam seu substrato. Ela
comporta um conjunto de padrões que permitem a adaptação dos agentes sociais à
natureza e à sociedade a qual pertencem, e faculta o controle sobre o meio ambiente.
Dirige-se a toda atividade humana cognitiva, afetiva, motora, sensorial, uma vez que
todo comportamento humano é simbólico. Não se circunscreve ao mundo abstrato
das idéias porque, embora pensadas, as idéias são sobretudo vividas e praticadas. A
cultura é aprendida, transmitida e partilhada. (Srour, 1998:74)
Vejamos, agora, como tais conceitos convergem para a construção dos
conceitos que permitem entender a cultura organizacional e suas manifestações.
4.1.2 Cultura Organizacional
O entendimento da cultura organizacional, suas manifestações e práticas,
pressupõe a união entre os sentidos de padrões referenciais presentes na
sociologia, no aspecto coletivo, à força da simbologia antropológica na
representação de idéias e reprodução de atitudes. E simbologia, construção de
significados, de idéias compartilhadas e de consentimentos em torno de
representações ideais, falam de comunicação.
Alguns conceitos de cultura organizacional:
um conjunto de valores e pressupostos básicos expresso em elementos
simbólicos, que em sua capacidade de ordenar, atribuir significações, construir a
identidade organizacional, tanto agem como elemento de comunicação e consenso,
como ocultam e instrumentalizam as relações de dominação. (Fleury e Fischer, apud
Marchiori: 2006:80)
e
(...) um conjunto de representações imaginárias sociais (...) construídas e
reconstruídas nas relações cotidianas dentro da organização, que são expressas em
termos de valores, normas, significados e interpretações, visando a um sentido de
direção e unidade, e colocando a organização como a fonte de identidade e de
reconhecimento de seus membros. (Castoriadis apud Marchiori, 2006: 80)
Ainda trabalhando com o ponto de vista da identidade organizacional, vale
conhecer a visão de cultura de Srour (1998:175):
A cultura organizacional exprime então a identidade da organização. É
construída ao longo do tempo e serve de chave para distinguir diferentes
coletividades (...) Na organização, a cultura impregna todas as práticas e constitui um
conjunto preciso de representações mentais, um complexo muito definido de saberes.
Forma um sistema coerente de significações e funciona como um cimento que
procura unir todos os membros em torno dos mesmos objetivos e dos mesmos
modos de agir.
Assim, percebe-se que os elementos da cultural organizacional servem
para transcender a simples idéia de organização, entendendo identidade como
tudo aquilo que a organização é ou tem, seus atributos tangíveis, bem como seu
conjunto de representações, seus atributos intangíveis, e como a mesma se
define perante seus públicos e relacionamentos.
A cultura organizacional atua como elemento catalisador de identidade e
união, mecanismo de desencaixe das identidades individuais em prol de uma
representação e ideais coletivos e argamassa dos atributos percebidos na
formação de imagem.
É claro que a cultura organizacional cumpre suas funções através da
comunicação, pois sem ser percebida, compreendida e vivenciada, na
reprodução de atitudes, seria apenas um elemento em si mesmo.
Há, ainda, que se mencionar as duas dimensões de construção e
interação dos elementos de cultura organizacional, os níveis formal e informal.
A cultura formal é entendida como o conjunto de conhecimentos e
significados
construídos
organizacional,
seus
pela
objetivos,
organização,
processos,
contemplando
tecnologia,
a
normas,
estrutura
códigos,
procedimentos e controles. Podemos estender esta interpretação às formas
como a organização simboliza, padroniza, comunica e interpreta tudo aquilo que
ela é ou tem, sua missão, valores, filosofias e objetivos de longo, médio e curto
prazo.
Já a cultura informal resulta da iniciativa de todos os indivíduos que
compõem o grupo social de determinada organização; não é escrita, sendo
gerada por meio da interação de seus elementos, assumindo formas particulares
nos diferentes subgrupos que a cultura formal cria, provocando uma
estratificação semelhante à sociedade.
Um dos desafios da comunicação organizacional, em todas suas
vertentes, é mediar os interesses daqueles que postulam e representam a
cultural formal (o nível institucional das organizações, sua alta administração e
instâncias formais de poder) com o conjunto daqueles que formam a cultura
informal (os níveis intermediários e operacionais), numa época onde a
instantaneidade e disponibilidade da informação subvertem os processos lineares
de transmissão das mensagens.
Assim, a compreensão das relações entre a cultural formal e informal
torna-se fundamental para a consolidação da cultura organizacional e para que a
organização possa cumprir com sucesso sua missão e objetivos estratégicos e
possuir elementos confiáveis de atributos que serão utilizados para formação de
sua imagem e reputação.
4.2 - Comunicação Organizacional e cultura corporativa
Cultura organizacional é o depositário da identidade da organização,
formando um sistema de valores, símbolos e práticas destinadas a unir os
públicos direta e indiretamente ligados à organização em torno de uma visão
comum e a mobilizá-los, gerando atitudes pró-ativas que contribuam para o
sucesso dos objetivos estratégicos e a perenidade da organização.
Portanto, para que se cumpra esse papel, a comunicação detém papel
fundamental nesse processo pois é preciso informar, conscientizar, mediar,
persuadir e motivar os públicos de interesse em relação aos componentes
primários da estratégia empresarial.
E a cultura organizacional é a base de onde parte todo o discurso comum,
calcado em instrumentos específicos, cujos conteúdos e conceitos devem ser
trabalhados no âmbito da comunicação organizacional e suas vertentes.
4.2.1 - As organizações
Os estudos e conceitos de cultura organizacional embutem as diversas
interpretações sobre os conceitos e finalidades das organizações. Para fins
desse trabalho, será admitida a perspectiva organicista, que considera as
organizações sistemas estruturados por indivíduos em torno de objetivos
comuns, porém, que fazem parte e interagem com o todo social, influenciando e
sendo influenciadas por ele, dentro das duas grandes correntes básicas sobre o
conceito de organização:
A dos racionalistas, que concebem as organizações como estruturas
racionalmente ordenadas destinadas a fins específicos; e a dos organicistas, que
vêem as organizações como organismos sociais vivos, que evoluem com o tempo,
sejam elas uma empresa privada ou uma burocracia governamental. (Pereira apud
Kunsch, 2003:23).
E ainda, com relação às companhias, às organizações privadas, também
serão admitidos os conceitos que resgatam a estas sua “razão social”, ou seja,
aqueles em que as organizações privadas são entendidas como um sistema que
vai além do objetivo imediato da lucratividade, fugindo das teorias neoclássicas
da administração, e admitindo sua versão contemporânea, onde “a organização
deve alcançar dois objetivos básicos: sustentar a sua própria existência e
melhorar a vida daqueles os quais se relaciona” (Marchiori, 2006:145),
interpretação esta que guarda semelhança com os princípios de Governança
Corporativa e com a visão da organização conforme o Código de Melhores
Práticas do IBGC.
Como unidade sócio-econômica voltada para a produção de um bem de
consumo ou serviço, a empresa é um sistema que reúne capital, trabalho, normas,
políticas, natureza técnica. Uma empresa não apenas objetiva gerar bens
econômicos, para uma relação de troca entre produtor e consumidor, mas procura
também desempenhar papel significativo no tecido social, missão que deve cumprir
qualquer que seja o contexto político. (...) Uma empresa não é apenas resultante de
componentes concretos do microcosmo organizacional, mas é conseqüência de
forças, pressões, recursos e situações, nem sempre fáceis de detectar, presentes no
corpo social. (Rego, 1986:13)
Assim, para dar conta de suas principais dimensões, quais sejam, unir o
público interno que constitui a organização formal em torno de objetivos comuns,
superando a divergência inicial de interesses, bem como interagir de forma a
entender as motivações de seus demais públicos de interesse em âmbito
externo, contemplando suas necessidades e interagindo com o todo social de
modo a beneficiá-lo, a partir dos elementos de sua cultura, está a comunicação
organizacional.
Mas há uma profusão de conceitos no universo da comunicação. Como
selecioná-los?
4.2.2 – Comunicação Organizacional
Na verdade, os principais conceitos têm muitos pontos em comum, dado
que todos eles falam do propósito de mediar o relacionamento entre as
organizações e seus públicos de forma a contribuir para a consecução dos
objetivos estratégicos da organização sem dissociá-los do interesse da
sociedade e de seus grupos representados.
O conceito de comunicação organizacional pode ser contemplado a partir
da ótica essencialmente acadêmica, como objeto de pesquisa, e do ponto de
vista de sua prática, onde torna-se sinônimo de comunicação corporativa e
comunicação empresarial, representando o todo de estratégias e ações de
comunicação que a organização pode fazer para relacionar-se com seus públicos
e atingir seus objetivos, em âmbito institucional, mercadológico e interno.
Fenômeno inerente aos agrupamentos de pessoas que integram uma
organização ou a ela se ligam, a comunicação organizacional configura as diferentes
modalidades comunicacionais que permeiam sua atividade. Compreende, dessa
forma, a comunicação institucional, a comunicação mercadológica, a comunicação
interna e a comunicação administrativa. (...) Trata-se, na verdade, da comunicação
“corporativa”, que no Brasil, em grande parte, ainda se chama “comunicação
empresarial”. A nosso ver, o termo comunicação “organizacional”, que abarca todo o
espectro das atividades comunicacionais, apresenta maior amplitude, aplicando-se a
qualquer tipo de organização – pública, privada, sem fins lucrativos, ONGs,
fundações, etc., não se restringindo ao âmbito do que se denomina “empresa”.
(Kunsch, 2003:150)
Para os objetivos desse estudo, tendo em vista identificar a Governança
Corporativa e suas práticas como interfaces possíveis da comunicação
organizacional, serão trabalhadas as principais modalidades da comunicação
organizacional, baseadas em Margarida Kunsch (2003):
Comunicação administrativa: aquela que se processa dentro da
organização, no âmbito das funções administrativas; é a que permite viabilizar
todo o sistema organizacional, por meio de uma confluência de fluxos e redes.
Administrar uma organização consiste em planejar, coordenar, dirigir e controlar
seus recursos, de maneira que se obtenham alta produtividade, baixo custo e o
maior lucro ou resultado, por meio da aplicação de um conjunto de métodos e
técnicas. Isso pressupõe um contínuo processo de comunicação para alcançar
tais objetivos.
Comunicação interna: a ela compete viabilizar toda a interação possível
entre a organização e seus empregados, usando ferramentas de comunicação
institucional e até da comunicação mercadológica (para o caso do endomarketing
ou marketing interno). Para conceituá-la, Kunsch reproduz a visão formulada pela
Rhodia, em 1985: ferramenta estratégica para a compatibilização dos interesses
dos empregados e da empresa, através do estímulo ao diálogo, à troca de
informações e de experiências e à participação de todos os níveis.
Comunicação mercadológica: responsável por toda a produção
comunicativa em torno dos objetivos mercadológicos, tendo em vista a
divulgação publicitária dos produtos ou serviços de uma empresa. Está vinculada
diretamente ao marketing de negócios. A comunicação mercadológica ou de
marketing se encarrega, portanto, de todas as manifestações simbólicas de um
mix integrado de instrumentos de comunicação persuasiva para conquistar o
consumidor e os público-alvo estabelecidos pela área de marketing.
Comunicação institucional: é a responsável direta, por meio da gestão
estratégica das relações públicas, pela construção e formatação de uma imagem
e identidade corporativas fortes e positivas de uma organização. Está
intrinsecamente ligada aos aspectos corporativos institucionais que explicitam o
lado
público
das
organizações,
constrói
uma
personalidade
creditiva
organizacional e tem como proposta básica a influência político-social na
sociedade onde está inserida.
Com base no escopo de cada modalidade, é possível identificar
claramente a atuação da comunicação organizacional em dimensões de público
de interesse específicos e essenciais para as práticas da Governança
Corporativa:
Modalidades
Dimensão
Administrativa
Fluxos
comunicação
Públicos
de
Público
intra- entendido
organizacionais
interno,
como
integrantes
dos
necessários à gestão e administrativos:
operacionalização
todos
os
níveis
institucional,
da intermediário e operacional. .
organização.
Interna
Mediação
de
Público
interno:
conflito de interesses, funcionários e colaboradores,
conscientização
mobilização
e independente
da
relação
por jurídica, participantes diretos e
objetivos comuns.
co-responsáveis
pela
consecução dos fins a que se
propõe a organização.
Mercadológica
Comunicações
Clientes, investidores,
de negócio
consumidores,
fornecedores,
parceiros de negócios.
Institucional
Formação,
Todos os públicos.
manutenção
e
consolidação
de
imagem e reputação.
Quadro 4 Funções de Relações Públicas x Públicos de Interesse
S
t
a
k
e
h
o
l
d
e
r
s
4.3 - Relações Públicas: gestão dos relacionamentos e mediação de conflitos.
Tradicionalmente, a atividade de Relações Públicas sempre ocupou um lugar
de destaque nas estratégias de comunicação das organizações que formam o
mercado norte-americano e europeu, notadamente nos Estados Unidos, de onde
surgiram a partir “da administração de conflitos vividos por empresários norteamericanos com a opinião pública, que lhes era desfavorável em função de posturas
empresariais alheias aos interesses comuns no começo do século XX”. (Farias,
2004:58).
A formação histórica dessas sociedades, pautadas no exercício democrático
contínuo do poder governamental, sem dúvida, foi o maior motivo de expansão do
setor num ambiente onde a liberdade de expressão levava à necessidade
automática de mediação de conflitos.
No Brasil, o desenvolvimento e a prática da comunicação organizacional e
notadamente das Relações Públicas foram sensivelmente prejudicados por um
contexto de formação histórica durante muito tempo calcado no patrimonialismo, no
intervencionismo de Estado, por anos e anos de governos autoritários, reservas de
mercado e falta de mecanismos consistentes para a livre expressão dos diversos
grupos que formam a sociedade.
Não por coincidência, a intensificação da globalização e o advento da
sociedade em rede nos anos 1990 impactaram de forma altamente benéfica a
atuação das Relações Públicas no Brasil. A estabilização financeira levada a cabo
desde 1994, aliada à percepção de um grande mercado consumidor e ao fato do
marketing ter perdido, em todo o mundo, seu espaço como único agente fidelizador,
agregados a fatores como o reconhecimento da transparência e da responsabilidade
social corporativa como pré-requisitos para as relações de mercado na sociedade
contemporânea, formaram o cenário ideal para a consolidação de uma atividade que
durante muito tempo sofreu com o estigma de estar ligada essencialmente ao
ferramental, ao funcional, e não à mediação real e ao nível estratégico das
organizações. Como define Kunsch (2003:89): “As relações públicas, como disciplina
acadêmica e atividade profissional, têm como objeto as organizações e seus
públicos, instâncias distintas que, no entanto, se relacionam dialeticamente”.
A prática integrada da comunicação é inerente à atividade de Relações
Públicas e a mesma é o campo da comunicação mais intrinsecamente ligado às
práticas administrativas e de gestão, ao planejamento estratégico organizacional e,
com isso, à própria comunicação organizacional. A questão do relacionamento com
os segmentos de públicos nunca foi novidade para as Relações Públicas, e sim seu
maior paradigma. A interpretação de Farias (2004:59) para as Relações Públicas é
bastante interessante, dada sua contemporaneidade:
As Relações Públicas podem ser definidas como gestoras do processo de
comunicação organizacional no momento em que são capazes de aproximar o
processo de comunicação da cúpula diretiva, o que é cada vez mais necessário como
elemento facilitador do processo de aproximação dos interesses da empresa com os
de seus públicos. Sua atuação deve ser ágil e permanente. Além de participar no
processo de qualificação e assessoramento do staff, devem criar vínculos efetivos
com os diversos públicos, trazendo para dentro da organização as questões da
comunidade, de modo a criar interação da cultura organizacional com os públicos
circunvizinhos, adequando a organização à realidade do compromisso social,
necessidade crescente para as empresas cujo objetivo é o bom relacionamento com
a opinião pública.
Kunsch (2003:95) ainda sintetiza as Relações Públicas como atividade
profissional, lembrando que faz parte do escopo de atuação de RP:
•
Identificar os públicos, suas reações, percepções e o que pensam em
relação às estratégias comunicacionais geradas pela organização,
formulando-as de acordo com a possibilidades de convergência com as
demandas sociais e o ambiente organizacional.
•
Supervisionar e coordenar programas de comunicação com públicos,
entendidos como grupos de pessoas que se auto-organizam quando uma
organização os afeta ou vice-versa.
•
Prever e gerenciar conflitos e crises que podem despontar e ocorrer com
diversas categorias de públicos e seus grupos de pressão.
Assim, as Relações Públicas têm papel fundamental na comunicação
organizacional por atuar profundamente na definição e mediação da cultura das
organizações junto aos públicos de interesse, traduzindo a esses grupos e suas
instâncias de pressão e, conseqüentemente, à opinião pública, os objetivos e
estratégias organizacionais para angariar não somente “boa vontade”, o clássico
goodwill, mas sim uma imagem forte e competitiva, capaz de funcionar como
principal diferencial de relacionamentos e fator de perenidade.
Retomando os objetivos deste trabalho, para identificar as possibilidades
de atuação das Relações Públicas nas interfaces entre Governança Corporativa
e comunicação, as quatro funções essenciais no processo de planejamento e
gestão das RP, segundo Kunsch (2003), serão analisadas a seguir.
Segundo a autora, a atividade de Relações Públicas é suportada por
quatro funções essenciais, derivadas dos estudos de vários autores e
embasadas por teorias comunicacionais específicas. Segue:
Função administrativa: por meio de suas atividades específicas, atingem
toda a organização, fazendo as articulações necessárias para maior interação
entre setores, grupos, subgrupos, etc...
Função estratégica: significa ajudar as organizações a se posicionar
perante a sociedade, demonstrando qual é a razão de ser do negócio, bem como
missão, valores, crenças, bem como auxiliar na definição dos elementos de
identidade e como a organização pretende ser vista no futuro. Mediante a função
estratégica, abre canais entre a organização e seus públicos, em busca de
confiança mútua, construindo credibilidade e fortalecendo seu lado institucional.
Função mediadora: entende o verdadeiro trabalho de Relações Públicas
além de informar, mas como aquele que propicia o diálogo. A comunicação,
através de seus meios e atividades específicas, é um instrumento vital e
imprenscindível para mediar relacionamentos organizacionais com a diversidade
de públicos, a opinião pública e a sociedade em geral.
Função política: porque lidam com as relações de poder dentro das
organizações e com a administração de controvérsias, crises e conflitos sociais
que acontecem no ambiente do qual as organizações fazem parte. Para tanto,
dedica-se a compreender, em profundidade, como se processam as relações de
poder no interior das organizações e sua influência nas relações com o ambiente
externo.
Pode-se, então, identificar nos núcleos de atuação das Relações Públicas
grande sinergias entre as funções de RP em relação aos objetivos, princípios e
instrumentos de Governança Corporativa, conforme segue:
Funções
Núcleos
Administrativa
Fluxos de informação, normas e
(Accountability)
processos entre a organização e seus
públicos de interesse.
Tratamento
Estratégica
(Transparência e
Responsabilidade Social Corporativa)
da
dimensão
de
imagem/reputação: a razão de ser da
organização: missão, visão, crenças e o
negócio.
Admissão, identificação e atuação
Mediadora
(Transparência e Equidade)
nos
conflitos
de
interesse
entre
a
organização e públicos de interesse.
Política
(Equidade)
Identificação e posicionamento da
organização em relação às instâncias de
poder no interior da organização e nos
advindos do ambiente externo (controles,
regulamentações e forças sociais) e seus
impactos
no
relacionamento
com
os
públicos de interesse.
Quadro 5 Funções de RP x Princípios de GC e núcleos de atuação
E, ainda, a correlação entre os elementos do processo de formação de
imagem e reputação corporativas pode ser ilustrada conforme segue:
Cultura
Significados
IMAGEM
IDENTIDADE
REPUTAÇÃO
Comunicação
Organizacional
Relações
Públicas
Figura 2 Elementos do processo de formação de imagem e reputação
Por enquanto, conclui-se que a identidade organizacional, elemento principal
de construção de imagem, e seus atributos baseados nos elementos constitutivos
advindos da cultura corporativa, são trabalhados pela comunicação organizacional,
em especial pelas Relações Públicas, para que possam contribuir para a
consolidação de uma imagem sólida, gerando um capital reputacional de
credibilidade, que são elementos fundamentais para a consecução dos objetivos e
práticas da Governança Corporativa, tal como ilustrado a seguir:
5. Capítulo IV – Estudo de Caso: Grupo Abril
5.1 - Estudo de Caso: processos de Governança Corporativa no Grupo Abril
S/A.
(...) TULL (1976,p. 323) afirma que “um estudo de caso refere-se a uma
análise intensiva de uma situação particular” e BONOMA (1985, p.203) coloca que o
“estudo de caso é uma descrição de uma situação gerencial”. YIN (1989,p.23) afirma
que “o estudo de caso é uma inquirição empírica que investiga um fenômeno
contemporâneo dentro de um contexto da vida real, quando a fronteira entre o
fenômeno e o contexto não é claramente evidente e onde múltiplas fontes de
evidência são utilizadas. (Bressan,2000).
Para
a
identificação
das
interfaces
possíveis
entre
Governança
Corporativa e comunicação, em termos de estudo primário, escolheu-se a
metodologia de Estudo de Caso, tendo como objeto o processo de implantação e
gerenciamento de comunicação em Governança Corporativa pelo Grupo Abril,
desde o ano de 2003, processo este que se iniciou com a previsão de abertura
de capital do Grupo Abril em bolsa de valores e terminou com a venda de 30% do
capital acionário para o Naspers, grupo de mídia sul-africano que tornou-se sócio
estratégico.
Este estudo parte da hipótese de que a organização colheu resultados
significativos neste processo, em resumo, a compreensão e aceitação dos
públicos estratégicos sobre a estratégia empresarial (venda de parte do controle
acionário) porque esta foi suportada pela adoção de Governança Corporativa
como uma filosofia de gestão e por ter colocado o profissional de comunicação
com participação direta no órgão central de formulação de estratégia, o Conselho
de Administração.
O objetivo deste Estudo de Caso é conhecer os principais passos e
mecanismos de Governança Corporativa do Grupo Abril, implantados em
decorrência desse processo e entender a atuação da comunicação corporativa
através das profissionais Cleide Rovai Castellan, alçada a membro do Conselho
Administrativo, e Meire Fidelis, Gerente de Comunicação Corporativa, ambas
com formação e histórico de atuação em Relações Públicas.
5.1.2 – Grupo Abril
Faz-se necessário, em primeiro lugar, conhecer um pouco mais sobre o
Grupo Abril, sua história, perfil, missão, valores e objetivos estratégicos,
conforme segue. As informações encontram-se disponíveis no site corporativo
(www.abril.com.br/empresa) para todos os tipos de público e encontram-se
reproduzidas, na íntegra.
Perfil
A Abril está presente no dia-a-dia de milhões de brasileiros
O Grupo Abril é um dos maiores e mais influentes grupos de comunicação da América Latina, fornecendo
informação, educação e entretenimento para praticamente todos os segmentos de público e atuando de forma
integrada em várias mídias.
Baseada nos princípios de integridade, qualidade, liderança e inovação a Abril foi fundada em 1950. Emprega
hoje cerca de 6.500 pessoas e atua nas áreas de revistas, livros escolares, conteúdo e serviços online, internet
em banda larga, TV segmentada e por assinatura e database marketing.
A Editora Abril publica, anualmente, mais de 300 títulos, sendo líder absoluta em todos os segmentos em que
opera. Suas publicações vendem perto de 164 milhões de exemplares por ano e atingem um universo de 22
milhões de leitores. Sete das dez revistas mais lidas do país são da Abril, sendo que Veja é a quarta maior
revista semanal de informação do mundo e a maior fora dos Estados Unidos.
A Abril também detém a liderança do mercado brasileiro de livros escolares com as editoras Ática e Scipione,
que, em conjunto, tem mais de 4.000 títulos em catálogo e chegam a produzir 37 milhões de livros por ano.
A MTV, lançada em 1990, foi a primeira TV segmentada do Brasil. Em 1991 a Abril foi pioneira com o
lançamento da TVA, a primeira operação de televisão por assinatura do país. Na internet, a Abril tem mais de
cinqüenta sites e portais com suas marcas e conteúdos.
A Fundação Victor Civita, criada em 1985 e desde então dedicada à melhoria do ensino fundamental no país,
deu início aos projetos de responsabilidade social da Abril. Com a revista Nova Escola a Fundação atinge
mensalmente 1,5 milhão de professores em praticamente cada escola do país.
A Abril ainda disponibiliza recursos, além do trabalho voluntário e do talento de seus profissionais, para várias
iniciativas que reforçam os laços da empresa com a comunidade, promovendo educação, cultura, preservação
do meio ambiente, saúde e voluntariado em diversos projetos de cidadania e participação social de cidadania.
Histórico
Fundado em 1950 por Victor Civita como Editora Abril, o Grupo Abril é hoje um dos maiores e mais
influentes grupos de comunicação da América Latina. Ao longo de sua história expandiu e diversificou
suas operações, e hoje fornece conteúdo de qualidade em multiplataformas.
A Editora começou com a publicação O Pato Donald num pequeno escritório no centro de São Paulo.
Ao todo, tinha meia dúzia de funcionários. Victor Civita chamou a empresa de Abril porque na Europa
esse mês dá início à primavera. "A árvore é a representação da fertilidade, a própria imagem da vida. O
verde é a cor da esperança e do otimismo."
No fim da década de 1950, a Abril começou sua grande transformação. Nos anos seguintes, atrairia os
profissionais mais talentosos do país e investiria em treinamento e tecnologia, inaugurando uma cultura
jornalística brasileira em texto, fotografia, edição e produção.
Em 1960, num empreendimento inovador e ousado, Victor Civita resolveu publicar obras de referência
em fascículos. Foi um fenômeno editorial. O conhecimento antes restrito às bibliotecas e livrarias
chegava às bancas. Ao mesmo tempo, o crescimento da família Disney e o lançamento de Zé Carioca,
em 1961, estimularam os quadrinhos nacionais. Recreio, lançada em 1969, levou mais adiante a
proposta de educar divertindo com suas histórias e atividades. Circulou por 12 anos e em 2000 foi
relançada com uma proposta editorial atualizada. Atualmente a Editora Abril publica mais de 30 títulos
infanto-juvenis e cerca de 20 edições especiais infantis por ano.
A Abril esteve presente nas principais transformações da sociedade brasileira. O crescimento do
turismo e da indústria automobilística, por exemplo, fez nascer Quatro Rodas, Guias Quatros Rodas e
Viagem e Turismo. Futebol e sexo ganharam revistas sobre o assunto com Placar, Playboy, Vip e Mens
Health. E Veja, hoje a maior revista do país e a quarta maior revista semanal de informação do mundo,
foi responsável por algumas das melhores reportagens publicadas na imprensa nacional.
A Abril também acompanhou de perto a mulher brasileira nas últimas cinco décadas com o lançamento
de revistas femininas. Capricho começou com fotonovelas e em 1981 foi reformulada para falar com as
adolescentes. Manequim, a primeira revista de moda da Abril, hoje é uma das mais vendidas no Brasil.
Claudia, que nasceu em 1961, focalizava inicialmente a dona-de-casa. Ao longo dos anos, para manter
a liderança no setor, recebeu sucessivas adaptações e tratou de temas polêmicos, como o feminismo.
Nas décadas seguintes, surgiriam inúmeros títulos, entre eles Nova e Elle, e, mais recentemente,
Estilo.
Para continuar na liderança, a Abril diversificou sua atuação. Investiu em televisão e internet. Colocou
no ar a TVA, TV digital, internet em banda larga e Voip e a MTV, com programação de qualidade
dirigida ao jovem. Na internet, a primeira iniciativa foi o BOL, Brasil On-Line, lançado em 1996 e logo
incorporado ao UOL. Em 1999 foi lançado o Ajato, provedor de internet em banda-larga. Hoje a Abril
possui mais de 50 sites e todos podem ser acessados por intermédio do Portal Abril, www.abril.com.br .
A educação, cada vez mais importante na era do conhecimento, é também uma das áreas de negócio
da Abril. Com a aquisição em 1999 de parte das Editoras Ática e Scipione e em 2004 da totalidade das
ações, lidera o mercado brasileiro de livros escolares com 30% de participação do mercado.
A Abril continua em plena transformação e, com o habitual pioneirismo, anunciou a sociedade com o
grupo de mídia sul-africano Naspers, em maio de 2006, que passou a deter 30% do capital do Grupo,
incluindo a compra dos 13,8% que pertenciam aos fundos de investimento administrados pela Capital
International, desde julho de 2004.
A liderança que exerce no mercado e os impressionantes números comprovam que o sonho de Victor
Civita era um grande negócio. Hoje a Abril publica mais de 350 títulos, que chegam a 23 milhões de
leitores. A Gráfica utiliza processos digitais e imprime cerca 350 milhões de revistas por ano. Com
todos os seus sites, atinge cerca de 1 bilhão de pageviews ao mês, e os jovens espectadores da MTV
chegam a 7 milhões ao mês. As editoras Ática e Scipione produziram mais de 4.300 títulos e venderam
37 milhões de livros em 2005 e a TVA está testando a tecnologia WiMAX de forma pioneira na
América Latina. O WiMAX Móvel é apontado como importante ferramenta para a convergência digital e
permitirá ao usuário acesso a banda larga sem fio, em longa distância, com mobilidade e portabilidade.
Missão, valores, princípios e visão
Missão
A Abril está empenhada em contribuir para a difusão de informação,
cultura e entretenimento, para o progresso da educação,
a melhoria da qualidade de vida, o desenvolvimento da livre iniciativa
e o fortalecimento das instituições democráticas do país
Maio, 1980
Valores
Excelência, Integridade, Pioneirismo e Valorização das Pessoas
Princípios
Foco no cliente, Rentabilidade e Competitividade
Visão
Ser a companhia líder em multimídia integrada, atendendo aos segmentos mais rentáveis e de maior
crescimento dos mercados de comunicação e educação
Fonte: disponível em www.abril.com.br
5.1.3 – Contexto: da intenção de abrir o capital à venda de parte do controle
acionário ao Grupo Naspers.
Segundo informações publicadas no portal corporativo do Grupo Abril, desde
maio de 2002 , quando houve aprovação de Emenda Constitucional permitindo a
parrticipação de pessoas jurídicas no capital de empresas jornalísticas, teve início,
na organização, uma grande reorganização societária. Com isso, criou-se uma nova
Abril S/A, controladora das demais empresas do Grupo, como também constituiu-se
o Conselho de Administração e outras instâncias de gestão e informação alinhadas
com as melhores práticas de Governança Corporativa.
Essa intenção já estava presente desde 2001, quando os membros da família
Civita afastaram-se dos cargos executivos e contrataram o executivo Maurizio Mauro
como Presidente Executivo, com o objetivo de levar à frente esta transformação,
preparando a organização para a abertura de capital através da viabilização de uma
estrutura organizacional mais enxuta, focada na racionalização da maior parte dos
processos, melhoria de rentabilidade e no fortalecimento de uma cultura focada em
resultados e em avaliação de desempenho.
Em virtude desse processo, em julho de 2004, o Grupo Abril anunciou a
transação com o Capital International, Inc, um fundo de investimento em empresas
de capital privado (chamados, no jargão do mercado financeiro de private equity).
Por R$ 150 milhões, correspondentes a 13,8% do capital da Abril, o Capital passou
a deter 13,8% do capital da nova estrutura acionária. Os recursos permitiram a
empresa melhor sua condição econômica, garantindo, segundo as informações
publicadas na época, que a Abril continuasse produzindo seus conteúdos de
informação, cultura, educação e entretenimento conforme seu histórico, tradição e
valores.
O acordo foi o primeiro realizado por um grande grupo de comunicação no
país após a mudança constitucional que permitiu a entrada de investidores
estrangeiros com até 30% de participação nas empresas do setor.
Mesmo com o novo sócio com assento no Conselho de Administração, à
época, e com acesso à prestação de contas, acompanhamento de orçamentos,
normas e políticas para investimentos e desinvestimentos, o Grupo Abril e seus
executivos brasileiros continuaram a ter o controle de todo o conteúdo produzido
pelos veículos e negócios, sem qualquer ingerência do Capital Group na condução
das políticas editoriais do Grupo Abril. Outro detalhe do acordo é que este também
selava um compromisso do Grupo Abril em realizar uma futura abertura de capital.
Em fevereiro de 2006, com o processo de reorganização societária e
estrutural consolidado, o executivo Maurizio Mauro deixou a Presidência Executiva
do Grupo Abril, que volta a ser exercida por Roberto Civita, acumulando também a
Presidência do Conselho de Administração.
Continuando com o planejamento de abrir o capital da companhia na bolsa de
valores, em 5 de abril de 2006, o Grupo publicou Fato Relevante anunciando o
protocolo de pedido junto à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) de registro de
oferta pública de ações preferenciais e, em 14 de abril, complementando o pedido
com solicitação de pedido de registro de oferta pública de distribuição primária e
secundária de ações preferenciais.
Porém, em 5 de maio do mesmo ano a companhia publicou mais um Fato
Relevante, desta vez anunciando o recebimento de um aporte de capital procedente
do Naspers Limited, grupo sul-americano de mídia, que passou a deter, a partir de
então, 30% das ações da empresa, incluindo os 13,8% até então pertencentes ao
Capital Group e, assim, suspendendo o processo de abertura de capital em bolsa de
valores. Novamente, o acordo firmado agora entre Abril e Naspers contemplou a
permanência da família Civita no controle do Grupo e do conteúdo editorial das
publicações.. O Naspers ganhou assento no Conselho de Administração, mas não o
direito de exercer influência na gestão de conteúdos e negócios.
Fundado em 1915, o Naspers é hoje um dos maiores grupos de mídia da
África do Sul. A companhia tem negócios nas áreas de internet, TV aberta e a cabo,
além de mídia impressa. O segmento mais lucrativo do Naspers é o de mídia
eletrônica, composto por operações de TV a cabo e internet. Além da África do Sul,
de onde provém cerca de 70% do seu faturamento, o Naspers possui operações
ainda na Grécia, Holanda, Estados Unidos, Tailândia, Chipre e China. As ações da
companhia são listadas na JSE Limited, bolsa de valores da África do Sul, e na bolsa
norte-americana Nasdaq. Também segundo as informações publicadas, a compra
de 30% do capital da Abril faz parte do perfil agressivo da Naspers, que capitaliza
seus negócios por meio de investidas em outros mercados.
Em 19 de março de 2007, como mais uma ação de aperfeiçoamento de
governança, Roberto Civita deixou a Presidência Executiva do Grupo Abril para
permanecer na Presidência do Conselho de Administração e assumiu, também, a
presidência da Editora Abril. Já Giancarlo Civita, membro da terceira geração da
família Civita, tomou posse como Presidente Executivo do Grupo Abril.
Conforme release publicado no site corporativo, “o objetivo da mudança é
preparar cada vez mais o Grupo Abril para um crescimento futuro.(...) e promover
uma clara separação entre a Corporação e as Operações, algo que nunca tínhamos
feito antes e que agora reconhecemos ser essencial para um maior desenvolvimento
do Grupo”.
5.1.4 - Mapeamento de instrumentos e mecanismos de Governança
Corporativa no Grupo Abril
O exercício de Governança Corporativa, tal como já relatado, implica não só
em implantar uma série de mecanismos e ações específicas de informação, gestão e
controle entre os acionistas e seus stakeholders, bem como em fazê-los tendo os
princícipios de Governança Corporativa (transparência, equidade, prestação de
contas e responsabilidade social corporativa) como filosofia de gestão.
Este estudo parte da premissa que para cumprir tais princípios, a gestão de
Governança Corporativa, suas ações, ferramentas e canais de comunicação
precisam ser suportados por comunicação, garantindo acesso dos públicos às
informações publicadas bem como posicionando-as em relação aos objetivos
estratégicos da organização.
Abaixo, baseando-se no Guia de Melhores Práticas de Governança
Corporativa do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), segue
mapeamento dos mecanismos de Governança presentes na gestão do Grupo Abril.
Este mapeamento tem o objetivo posicionar a gestão de governança corporativa do
Grupo Abril frente os princípios e recomendações do IBGC, conforme quadros
analíticos apresentados no item 5.1.4.3 e, com isso, subsidiar a análise final deste
Estudo de Caso.
5.1.4.1 – Órgãos de gestão
Presidência
Presidência Executiva: Giancarlo Civita
Vice-Presidência Corporativa: Douglas Duran
Vice-Presidência de Recursos Humanos e Desenvolvimento Organizacional:
Marcio Ogliara.
Vice-Presidentes Editora Abril: Jairo Leal e Mauro Calliari
Conselho de Administração
Presidente: Roberto Civita
Vice-Presidente: Giancarlo Citiva
Conselheiros:
ƒ
Cláudio Haddad: membro independente do Conselho; é presidente
da Veris Educacional S/A, que controla os IBMECs de São Paulo.
ƒ
Fábio Barbosa: membro independente do Conselho; é presidente
do Banco ABN Amro Real.
ƒ
José Augusto Moreira: membro externo do Conselho; foi executivo
da Abril por 37 anos.
ƒ
Marcel Telles: membro independente do Conselho; é também
membro do Conselho de Inbev, onde preside os Comitês de
Convergência e de Recursos Humanos.
ƒ
Thomaz Souto Corrêa: há 40 anos no Grupo Abril, é vice-presidente
do Conselho Editorial da Editora Abril desde 2003.
ƒ
Victor Civita: Há 17 anos no Grupo Abril, é diretor geral da Abril
Digital desde 2006.
ƒ
Hein Brand: tornou-se membro do Conselho em maio de 2006; é
diretor geral da Media24 e membro do Conselho do Grupo Nasper,
onde iniciou em 1998.
ƒ
Jim Volkwyn: tornou-se membro do Conselho em maio de 2006;
ingressou no Grupo Nasper em 1991, onde é Presidente das
operações globais da MIH.
ƒ
Cleide Rovai Castellan: há 27 anos no Grupo Abril, é Assessora
Executiva do Conselho de Administração.
Comitê Executivo
ƒ
Roberto Civita: presidente do Conselho de Administração do Grupo
Abril e presidente e editor da Editora Abril.
ƒ
Giancarlo Civita: presidente executivo do Grupo Abril.
ƒ
Claudia Costin: vice-presidente da Fundação Victor Civita.
ƒ
Douglas Duran: vice-presidente de Serviços Compartilhados e de
Finanças e Controle do Grupo Abril.
ƒ
Marcio
Ogliara:
vice-presidente
de
Recursos
Humanos
e
Desenvolvimento Organizacional do Grupo Abril.
ƒ
Aby McMillan: diretor executivo de Planejamento Estratégico,
Relações Internacionais e Novos Negócios do Grupo Abril.
ƒ
André Mantovani: diretor geral do Grupo TV.
ƒ
Arnaldo Tibyricá: diretor jurídico corporativo.
ƒ
Jairo Leal: vice-presidente da Editora Abril.
ƒ
João Arinos: diretor-geral da Abril Educação.
ƒ
Leila Loria: diretora geral de distribuição eletrônica do Grupo Abril.
ƒ
Mauro Calliari: vice-presidente da Editora Abril.
ƒ
Sidnei Basile: diretor secretário Editorial e de Relações Institucionais.
ƒ
Thomaz Roberto Scott: diretor de Auditoria Corporativa.
ƒ
Victor Civita: diretor geral da Abril Digital.
ƒ
Cleide Rovai Castellan: assessora executiva do Conselho de
Administração.
ƒ
Comitê de Auditoria e Risco
ƒ
Taiki Hirashima: membro efetivo do Conselho Fiscal da companhia; é
sócio-diretor da empresa de consultoria Hirashima & Associados.
ƒ
Hedley Peter Griggs: membro efetivo do Conselho Fiscal da
companhia; trabalhou nos bancos Chase Manhattan e J.P.Morgan.
ƒ
Agilio Leão de Macedo Filho: membro efetivo do Conselho Fiscal da
companhia; é diretor-presidente da Ficap S/A, empresa de produção
de cabos de energia e telefônicos.
5.1.4.2 – Quadros Analíticos de comparação por Princípios de GC
5.1.4.4 – Quadro analítico de comparação por Mecanismos de Gestão
5.1.5 – Roteiro das entrevistas
(1) Processo de tomada de decisão sobre abertura de capital/venda de
participação acionária ao grupo Naspers.
(2) Percepção e entendimento do Grupo Abril sobre Governança
Corporativa.
(3) A comunicação de Governança Corporativa no Grupo Abril:
(a) Participação na estratégia
(b) Processos
(4) Opinião sobre a comunicação em Governança Corporativa:
(a) Percepção de necessidade
(b) Governança e comunicação: interfaces
(c) Perspectivas: tendência ou modismo.
5.1.6 – Metodologia de coleta de dados
Entrevistas realizadas na sede do Grupo Abril, em São Paulo, em 23 de
janeiro e 23 de fevereiro de 2007, respectivamente, com as profissionais:
Cleide Rovai Castelan: Assessora Executiva do Conselho de Administração
da Abril S.A. Atua no Grupo há 27 anos, tendo ocupado a Gerência de Comunicação
Corporativa e a Diretoria de Relações Corporativas. Formada em Relações Públicas
pela Faculdade de Comunicação de Santos e em Sociologia e Política pela Escola
de Sociologia e Política de São Paulo.
Meire Fidelis: Graduada em Relações Públicas pela Faculdade Integrada
Alcântara Machado e pós-graduada em Marketing pela ESPM é gerente de
Relações Públicas do Grupo Abril há 5 anos, empresa na qual iniciou sua carreira
profissional, há 20 anos. Hoje, responde pela área de Relações Corporativas,
responsável pela gestão da imagem corporativa, comunicação corporativa como
instrumento de apoio aos negócios da Abril, assessoria de imprensa institucional,
projetos de relações com a comunidade e responsabilidade corporativa.
Em 2004, atuou na comunicação do aumento de capital da Abril, como coresponsável pela estratégia definida e criação do programa de comunicação. Na
área de responsabilidade corporativa, criou e implantou o Programa de Apoio ao
Voluntariado na Abril – Mãos à Obra.
5.2 – Sumário das entrevistas
Tendo em vista a extrema similaridade de grande parte das informações
fornecidas pelas duas profissionais nas entrevistas conforme o roteiro estruturado,
optou-se, aqui, pela sumarização do resultado das mesmas, consolidando as
respostas similares em parágrafos únicos de informação e destacando, através de
aspas, as colocações individuais de cada uma delas quando pertinente, conforme
segue:
Sumário das Entrevistas
A redação de missão do Grupo Abril, reflete, na opinião das profissionais, as
mesmas bases que formam a Governança Corporativa:
A Abril está empenhada em contribuir para a difusão de informação, cultura e
entretenimento, para o progresso da educação, a melhoria da qualidade de vida, o
desenvolvimento da livre iniciativa e o fortalecimento das instituições democráticas do
país. Disponível em www.abril.com.br
As entrevistadas destacam que a Abril é uma companhia com tradição
familiar, liderada e gerida por uma família que tem uma participação marcante na
história editorial do país, principalmente com a revista Veja. Segundo Cleide, “a Abril
ensinou com Veja, que consolidou o sistema de assinaturas de revistas no país”.
Tomada de Decisão
Cleide Castellan destaca que “ao final dos anos 90, o Grupo Abril já era um
grande complexo editorial multimídia, tendo incorporado a operação de TV por
assinatura e fazendo parte de um contexto econômico globalizado que passou a
exigir cada vez mais competitividade e recursos das empresas que atuam no setor.”
Assim, Meire Fidélis lembra que “no início dos anos 2000, a família Civita teve
a coragem, a ousadia, de dar outros rumos administrativos para a organização,
como forma de responder aos novos desafios organizacionais e de mercado, e
contratou executivos externos para ´arejar´, para trazer um outro tipo de visão sobre
as possibilidades de operação da companhia. Foi quando se deu a contratação do
executivo Maurizio Mauro, que imprimiu uma nova característica de gestão e trouxe
a possibilidade, avaliada como pertinente pela família proprietária do negócio, de
abrir o capital do Grupo Abril ao mercado acionário.” Esta orientação estratégica
exigiria, então, uma outra estrutura de companhia.
Segundo as executivas, de 2001 a 2003 a organização concentrou-se em
preparar suas estruturas e operação para a abertura de mercado e, entre esses
processos, dedicou-se também a modelar bases, políticas e procedimentos de
Governança Corporativa, incluindo as demandas trazidas pela promulgação da Lei
Sarbannes-Oxley (SOX), em função dos escândalos corporativos do ano 2000 nos
EUA (casos Enron, Worldcom, entre outros), sendo que todas as organizações com
perfil de negócios globais adequaram suas bases aos pressupostos da SOX, como
forma de garantir competitividade global para suas ações.
Direcionando a entrevista para as informações disponíveis no site corporativo,
lembram que já em meados de 2004 o Grupo Abril realizou a primeira negociação de
capital, evoluindo em direção ao compartilhamento do capital acionário, com a venda
de 13,8% do capital do Grupo Abril para o Capital International, Inc. Segundo elas, a
intenção continuava a ser a abertura de capital em bolsa de valores, porém, em maio
de 2006, o Grupo optou por aceitar a oferta do Naspers Limited, grupo sul-africano
de mídia, que passou a deter, desde então, 30% do capital do Grupo Abril, conforme
limites impostos ao setor para a participação de capital estrangeiro em negócios de
mídia no Brasil.
As profissionais chamam a atenção para a complexidade do processo de
abertura de capital para um grupo de mídia cioso de seu conteúdo editorial, cujo
histórico prima, segundo elas, pelo exercício do jornalismo independente. Ressaltam
que Durante o período em que a organização se preparava para colocar ações no
mercado, havia uma preocupação muito grande do nível institucional da organização
com a pulverização do controle acionário e suas conseqüências na postura editorial
das publicações devido a, por exemplo, possíveis choques entre a visão dos
acionistas
controladores,
dos
gestores
do
negócio
e
investidores
não
necessariamente comprometidos com a isenção e a qualidade editorial, exigindo,
muitas vezes, o sacrifício de margens de lucro operacional.
Além disso, segundo elas, a opinião pública era notadamente desfavorável a
qualquer operação do gênero, mesmo à que foi concretizada com a venda dos 30%
de participação no controle acionário para um fundo de investimento estrangeiro,
conforme previsto em lei. Porém, não havia alternativas mais interessantes e viáveis
ao Grupo Abril, dado o nível de competitividade do setor, em termos inclusive
globais, e a necessidade de novos e vultosos investimentos.
As profissionais destacam que ao Grupo Abril restava conduzir esse processo
da melhor maneira possível, aproveitando as vantagens de contar com um sócio
estrangeiro sem perder o controle da gestão do negócio e, principalmente, da gestão
editorial que fez a credibilidade das publicações do Grupo Abril. Isto foi feito,
principalmente, com a conciliação da gestão às necessidades e contexto de
mercado e de um sócio-investidor estrangeiro à preservação da tradição, valores e
visão editorial do Grupo Abril.
Planejamento de Comunicação
Segundo as entrevistadas, durante todo o período de estruturação dos
mecanismos de governança para a abertura de capital culminando com a opção pela
venda de parte do controle acionário sem passar pela venda de ações em bolsa de
valores, a comunicação fez parte integrante, estratégica e essencial de todo o
processo; até porque, destacam, isso está arraigado na cultura corporativa do Grupo
Abril.
Cleide Castellan informa que, como Assessora Executiva do Conselho de
Administração, não foi a responsável pelo processo de comunicação, mas sim pela
interface e aconselhamento estratégico do Conselho e Presidência Executiva. O
planejamento e operacionalização das demandas de informação aos públicos e das
ações de comunicação foram de responsabilidade de Meire Fidélis, Gerente de
Comunicação Corporativa do Grupo Abril e também profissional de Relações
Públicas.
Meire Fidelis informa que “o trabalho de comunicação contou com um escopo
completo de estratégias, canais e ferramentas de comunicação, incluindo divulgação
de informações em tempo real pelo site corporativo do Grupo Abril até treinamentos
com os funcionários e, inclusive, com o nível institucional (presidência e membros do
Conselho). Quando da comunicação da venda de parte do controle acionário houve
controle
diário
das
mensagens,
mais
uma
mobilização
característica
de
gerenciamento de crises.”
A estratégia de comunicação, ainda segundo Meire Fidelis, foi “atuar de forma
sinérgica e integrada para preservar a imagem do Grupo Abril neste momento de
transição, no país e fora dele, tanto para o público interno quanto para público
externo e, tão importante quanto, garantir o entendimento correto da situação e dos
objetivos do Grupo Abril.”
A reestruturação societária e organizacional do Grupo Abril encerrou-se no
ano de 2006, com o retorno da família às funções executivas através da presidência
do Sr. Roberto Civita que, recentemente, deixou a função de Presidente Executivo
do Grupo Abril, agora à cargo de Giancarlo Civita, mas permanece Presidente do
Conselho de Administração e da Editora Abril S/A .
O status de Governança no Grupo Abril, hoje.
Cleide Castellan destaca que “não houve retrocesso em relação aos
instrumentos de Governança criados quando do período em que a organização se
preparava para a abertura de capital na bolsa de valores”.
Ambas, porém,
concordam que há diferenças fundamentais nas demandas de Governança
Corporativa quando se tem apenas um sócio estratégico, que é a configuração atual
da Abril, e quando se tem capital aberto, pulverizado e suas ações negociadas no
mercado aberto.
Por exemplo, informam, os comitês de gestão criados por conseqüência da
primeira fase do processo, que previa a abertura de capital e pressupostos básicos
de Governança, continuam a existir, continuam atuantes e foram, ainda,
aprimorados. Segundo Meire Fidelis, “toda a reestruturação do site, completada
recentemente, foi pensada em função da melhoria do acesso e do conteúdo
informacional corporativo, dentro dos princípios de transparência e equidade
exigidos pelas plataformas de Governança. A edição de Relatórios Anuais de
resultados também, embora esta publicação tenha ganho, atualmente, um caráter
mais institucional, pois não se submete às regras rígidas sobre o detalhamento dos
resultados da organização, tal como uma empresa de capital aberto. Há toda a
continuidade da política de porta-vozes, bem como a organização encontra-se em
fase de implantação de seu Código de Conduta Ética.”
Ambas concordam que a implantação e/ou continuidade dos mecanismos de
Governança Corporativa, embora a organização não tenha concretizado a abertura
de capital, é algo natural para o Grupo Abril, pois trabalhar a disponibilidade de
informação faz parte da sua cultura e, como dito por elas em vários momentos, faz
parte da própria missão da organização.
Governança Corporativa e Comunicação
As profissionais vêem a comunicação como processo fundamental para a
implantação de Governança Corporativa nas organizações. Porém, destacam que a
adequação das organizações aos princípios e práticas de Governança não é nada
fácil e, por isso, depende de uma comunicação capaz de gerar conscientização
sobre o valor desta postura; da eficácia da comunicação em deixar claros os
princípios-chave de GC e trabalhá-los como parte do relacionamento entre a
organização e seus públicos; a comunicação deve ser parte de todo o processo de
estratégia e implantação das práticas de GC para que os públicos, especialmente o
público interno, acreditem e se comprometam com o processo. Nas palavras de
Meire Fidelis, “não se deve olhar a árvore, mas a floresta”.
Para tanto, Meire Fidelis destaca que é preciso que a comunicação tenha
uma leitura clara sobre os propósitos da empresa e lembra que isso foi crucial para
todo o processo de comunicação do Grupo Abril durante a transição acionária;
afinal, era uma empresa de jornalistas falando para jornalistas, numa comunicação
difícil, que esbarrava numa clara resistência, principalmente pelo envolvimento com
o capital estrangeiro. Assim, na visão da profissional, a comunicação em
Governança deve, além de resolver os desafios e as demandas imediatas do dia-adia, também trabalhar pelos resultados de comunicação esperados a médio e longo
prazo, já que é um processo de conscientização.
Ambas ressaltam a importância de que a comunicação em GC deve ser uma
atividade multidisciplinar. Cleide acredita que o fato de ser alçada à Assessora
Executiva do Conselho de Administração deu-se em decorrência do reconhecimento
da importância do trabalho realizado até então na área de comunicação e de
relacionamento do Grupo Abril e por ser um recurso humano com conhecimento
profundo da cultura organizacional da companhia, conhecimento este essencial para
o processo de mudança que se desenhava; isso, na opinião dela, foi mais essencial
do que sua formação em Relações Públicas, pelo menos como critério.
Governança Corporativa: a importância percebida
Para Meire Fidelis, “uma das grandes contribuições da comunicação em
Governança é que um planejamento estratégico e ações efetivas de comunicação
voltadas ao processo e mecanismos de GC ajudam a criar percepção favorável para
a organização junto a públicos estratégicos como a mídia, o governo, público interno
e em seu segmento de negócios. É uma atitude que, a longo prazo, se reflete no
valor, na precificação das ações”. Porém, lembra que há que se tomar muito cuidado
para não criar uma falsa percepção sobre a organização neste processo.
A executiva acredita que há sim percepção da alta gestão do Grupo Abril
sobre a importância da comunicação nesses processos. No caso do Grupo Abril
essa percepção pôde, segundo ela, materializar-se através da análise da cobertura
da mídia, onde houve clara identificação dos objetivos e mensagens trabalhadas e
contempladas pela comunicação em quase todas as matérias publicadas sobre o
assunto: “O Grupo Abril tem exata noção de quanto a comunicação corporativa foi e
é importante para os relacionamentos que a Abril tem com seus públicos
estratégicos. Com o público final, o desafio de criar essa percepção corporativa, da
imagem do Grupo Abril, é cumprido pelas revistas, pelos produtos editoriais, que
possuem alto nível de fidelidade do seu público final; o desafio da comunicação
corporativa é com os públicos estratégicos e, no caso da Abril, trabalhar a percepção
dos atributos de uma grande marca (verdade, contribuição social, compromisso). A
Abril possui posicionamentos diferentes de marcas, nos seus produtos editoriais. A
comunicação corporativa é elemento de cultura organizacional na Abril, processo
que se intensificou com a entrada do profissional Sidnei Basile como Diretor de
Relações Institucionais, em 2004”.
Governança Corporativa: perspectivas
Na visão de ambas as profissionais, quando uma organização inicia o
processo de implantação dos mecanismos de Governança Corporativa é um
caminho sem volta. Nunca mais a organização será a mesma empresa após iniciar
esse processo. Por isso não vêem o risco de Governança Corporativa transformar-
se em moda, tal como parece ter acontecido com o conceito de Responsabilidade
Social.
Meire Fidelis destaca que “comprometer-se com os processos de Governança
Corporativa é algo que mexe fundo nas estruturas da organização; ela tem que ter
consciência sobre este ato, que implica em considerar os benefícios de falar
(transparência) e, conseqüentemente, estar consciente sobre a responsabilidade de
quem vai decidir o que falar e como falar”.
Porém, Meire ressalva que “toda organização tem o direito de decidir se esse
é um passo adequado ou não, pois significa um compromisso profundo e de longo
prazo. Iniciado o processo, não há como reconsiderar. É o resultado de uma
evolução da sociedade. No Grupo Abril o que se reconsiderou não foi a opção pela
transparência, pela disponibilidade da informação, mas sim reconsiderou-se o
modelo de negócios; os responsáveis pela organização reconsideraram sua opção
pela abertura de capital ao mercado, escolhendo a captação de recursos via
admissão de um sócio estratégico estrangeiro, preservando a gestão do negócio e
dos produtos finais nas mãos da família que criou esta organização e seus valores,
justamente pensando em preservar as características que fizeram a credibilidade do
Grupo Abril”.
6. Capítulo VI – Interfaces Estratégicas e Funcionais
6.1 Considerações Gerais
Sem dúvida, são tempos interessantes, marcados pela velocidade, pela
aceleração do desenvolvimento tecnológico, fator preponderante para o sucesso do
capitalismo como modelo econômico vencedor no contexto mundial e que faz com
que, historicamente, a sensação de passagem do chamado capitalismo industrial
para o capitalismo flexível seja de que tudo aconteceu realmente muito rápido, ou
melhor, que tudo ficou já muito distante no tempo e que convivemos com o tempo
presente desde sempre.
Em meio a tudo isso, o homem contemporâneo continua, ao mesmo tempo
desesperada e inconscientemente, a buscar algo que o ajude a ter a sensação de
segurança, de perenidade, mesmo que relativa.
Até aqui, também, parece já não haver nenhuma novidade. A publicidade
descobriu isto em seu nascimento e transformou nossos instintos primários em
matéria-prima para fazer com que meros objetos pudessem estar carregados de
desejo. Técnica de comunicação fundamental para o sucesso da indústria de massa,
unindo forças com o marketing, foi responsável pela criação do império das marcas,
dotando as mercadorias de uma força extra, já que as simples características
funcionais dos produtos há muito tempo deixaram de ser argumento de venda. Não
possuem poder de sedução. Não têm personalidade. Não se identificam com
ninguém.
Sintoma de uma cultura que se tornou cada vez mais voltada à produção de
imagens, para os milhões de produtos e serviços que passaram a ser criados ao
redor do globo, concentrados, principalmente, por grandes estruturas produtivas e
financeiras transnacionais, a publicidade pôde, até meados dos anos 90, usar sua
força de produção simbólica para a criação e consolidação de marcas comerciais,
“criando uma associação entre os produtos oferecidos e certas características
socialmente desejáveis e significativas”. (Kellner, 2001:317)
Porém, nem tudo é fácil, mesmo num sistema tão poderoso. O
questionamento sobre a sociedade de consumo e seus pressupostos parece ter
saído das trincheiras acadêmicas e ter invadido a sociedade e o mundo empresarial.
O desenvolvimento tecnológico que tanta mobilidade deu ao capital e às
condições de produção de bens e serviços também possibilitou o maior acesso à
informação daquele que é fator crítico para o mercado: o consumidor. Para
complicar mais ainda, o consumidor passou a exigir um outro papel. Diz que quer ser
reconhecido como cidadão, quer saber sobre as condições de produção, exige um
envolvimento dos fatores produtivos com as comunidades, exige satisfações do
capital financeiro que ajuda a sustentar.
As marcas comerciais, até então simplesmente atreladas a produtos, por mais
promessas que a publicidade podia fazê-las carregar em sua dimensão simbólica,
parecem sucumbir e, junto com elas, a publicidade. Afinal, não foram os gurus do
século XXI que anunciaram “o fim da publicidade”, significando aí a tomada de
consciência do chamado público-alvo para falsas promessas e discursos ilusórios,
por imagens vazias de significado real?
Portanto, temos aqui a ruptura. Será? Ou se finda aqui mais um ato do
espetáculo? Afinal, segundo Debord, “o espetáculo é o discurso ininterrupto que a
ordem atual faz a respeito de si mesma, seu monólogo laudatório.” (2003, pg.20)
Portanto, pressupõe mecanismos de continuidade que podem muito bem estar
escondidos em aparentes movimentos de ruptura.
Como se pôde ver até aqui, não há ruptura. Há perpetuação e continuidade. À
luz do capitalismo, as organizações têm se adaptado eficazmente às diversas e
profundas transformações ocorridas no âmbito comercial, tecnológico, econômico e
social, continuando responsáveis pela sustentação do sistema. Assim, as
organizações transformaram-se de pequenas estruturas em grandes estruturas, de
organizações nacionais em multinacionais, em transnacionais, e hoje se discute até
a validade de classificar uma organização presente em vários países como marcada
por uma identidade nacional específica.
Porém, também parece nítido que isso não se dá sem regulação e o destaque
é que essa regulação também tem sido definida, antecipada, pelo próprio mercado,
como forma de responder às tensões e distorções geradas pelo capitalismo,
resolvendo-as na forma de “instituições”, ou seja, a incorporação das pressões e
demandas da sociedade em regras formais ou informais para regular a sociedade de
mercado e que acabam por contar com o conhecimento e o consentimento desta
mesma sociedade. Assim, tomaram forma e se consolidaram as plataformas de
atuação ética nas organizações, a responsabilidade social corporativa e a
governança corporativa.
Nota-se também que tais “instituições” não servem ao terreno da publicidade,
da comunicação de caráter meramente persuasivo, ou até manipulativo, dadas as
características de interação e informação dessa própria sociedade, altamente
conectada pela tecnologia. Essas “instituições” só têm conseguido gerar valor
agregado para as organizações e, mais do que isso, funcionar como mecanismos de
perpetuidade do sistema ao serem definitivamente assimilados como filosofias de
gestão. Aqui, não pode haver o discurso sem a prática, sob a pena de corrosão
desses recursos como sustentáculos.
Como filosofia de gestão, notadamente a Governança Corporativa, incorporase aos elementos de cultura organizacional e passa a fazer parte preponderante do
sucesso ou fracasso das estratégias de perenidade e dos conseqüentes índices de
resultados financeiros das organizações.
Torna-se, como elemento de cultura, a argamassa que ajuda a unir indivíduos
e personalidades distintas em torno de objetivos comuns, papel da cultura
corporativa que só se efetiva através da comunicação corporativa, tendo em vista
que pressupõem convencimento por conscientização dos diversos atores sociais
envolvidos em torno de interesses e objetivos, em primeiro grau, conflitantes;
pressupõe também um maior grau de qualidade e transparência possível da
informação, informação esta que não enquadra-se somente em atributos positivos e,
por isso, foge ao âmbito do marketing e da publicidade. Trata-se de uma
comunicação destinada a mediar e não a publicizar.
Os dados apresentados no Capítulo II e o estudo de caso do processo de
Governança Corporativa no Grupo Abril, por meio da opinião das profissionais
entrevistadas, corroboram a percepção de que Governança Corporativa ainda é
percebida como agregadora de valor para as companhias privadas de capital aberto,
apesar de, como filosofia de gestão e de relacionamento transparente e ético com os
diversos públicos, pode servir como modelo para a gestão de qualquer tipo de
organização.
Porém, é inegável que, diante de todos os dados levantados e a partir das
regras que foram criadas nos últimos 10 anos pelo mercado de capitais global e
suas instâncias reguladoras, a percepção sobre a necessidade de adotar os
princípios e práticas de GC bem como seus benefícios diretos mais relevantes
(principalmente a maximização do valor das ações), Governança Corporativa tem se
desenvolvido e aprimorado nas companhias de capital aberto; em menor grau,
funciona como um indicador de boas práticas de gestão para aquelas empresas que
ainda não possuem capital aberto mas pretende fazê-lo ou têm clara a necessidade
de buscar um sócio estratégico ou, ainda, financiamentos expressivos em órgãos
bancários e de fomento.
Este foi, inclusive, o caso do Grupo Abril, que mesmo tendo optado por
vender parte do negócio para um sócio estratégico, aponta e valida os benefícios do
processo de Governança Corporativa e vem aprimorando sua GC, mesmo sem
rígidas obrigatoriedades regulatórias, mas como um componente estratégico de
gestão administrativa e de reputação.
Justamente pelos benefícios em relação à gestão (maximização do valor dos
papéis e ganhos de imagem e reputação) optar por aderir ao modelo e práticas de
Governança Corporativa é uma atitude de grande impacto e que muda o perfil de
relacionamento de qualquer organização.
Por isso, também confirmando as impressões das profissionais entrevistadas
no estudo de caso, Governança Corporativa não corre o risco de transformar-se
apenas num discurso vazio de publicidade institucional.
Governança Corporativa possui mecanismos muito precisos de atuação,
pautados pelo Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC
(Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), por exemplo, além de vários outros
indicadores internacionais, como o GRI (Global Reportting Initiative)34 , fazendo com
que institutos, órgãos reguladores e entidades da sociedade possam verificar
exatamente a qualidade e efetividade das ações de GC apregoadas pelas
organizações, contribuindo para que, neste caso, a prática dos princípios e
mecanismos tenha que corresponder à divulgação dos mesmos.
Antes da prática, como se viu, é preciso mobilizar os públicos pela
conscientização, começando pela alta administração da organização, já que os
mecanismos de GC mexem na essência do funcionamento da estrutura
organizacional, visando equalizar justamente a distribuição de poder entre quem
detém a propriedade, os gestores da organização e os públicos impactados pela
atuação da mesma.
O estudo de caso com o Grupo Abril pode, assim, demonstrar as interfaces
não só possíveis, mas hoje claramente existentes e necessárias entre governança
corporativa e comunicação, bem como corroborar os diversos dados secundários
levantados para este trabalho, conforme apontadas a seguir.
6.2 Interfaces Estratégicas
Em princípio, há a convergência natural pelo escopo de atuação da
comunicação corporativa e o contexto de Governança Corporativa:
34
A Global Reporting Initiative (GRI) é uma organização não-governamental internacional, com sede em
Amsterdã, na Holanda, cuja missão é desenvolver e disseminar globalmente diretrizes para a elaboração de
relatórios de sustentabilidade utilizadas voluntariamente por empresas do mundo todo.
Desde seu início, em 1997, a GRI tem focado suas atividades no desenvolvimento de um padrão de relatório que
aborde os aspectos relacionados à sustentabilidade econômica, social e ambiental das organizações.
Agora, não somente os resultados econômicos e os dividendos importam,
mas também a maneira como foram obtidos, os impactos sócio-ambientais
produzidos para sua obtenção, a ética e as práticas de governança corporativa
adotadas pela empresa, a qualidade e a conceituação do produto no mercado, os
outros valores ativos e passivos intangíveis (não contabilizados em balanço), o
controle de riscos de toda ordem, o grau de sustentabilidade dos negócios e toda
gama de fatores que a influenciam. A somatória de fatores que atualmente são
levados em consideração pelo mercado investidor, para determinar o valor da
companhia, é tão ampla que abrange praticamente tudo aquilo que o público em geral
considera importante na formação da imagem corporativa.35
As interfaces possíveis estão localizadas tanto no nível estratégico de
atuação do comunicador, quanto no nível funcional. Assim, é possível identifica-las
em dois eixos básicos de atuação.
Em princípio, no nível estratégico de atuação da Comunicação e das
Relações Públicas, pois Governança Corporativa, como filosofia, necessita dos
processos de:
a) Conscientização: admitindo-se Governança Corporativa como algo
mais do que práticas de gestão, dado que tem por princípios a
Transparência (desejo de informar), a Equidade (igualdade de
tratamento e acesso à informação), a Prestação de Contas accountability (prestação de contas com regularidade, disponibilidade e
responsabilidade)
e
a
Responsabilidade
Social
Corporativa
(consciência sobre os impactos da atividade da organização e a
criação de mecanismos de contrapartida, como forma de gestão de
negócio), GC precisa ser plenamente compreendida como tal para que
qualquer um de seus mecanismos possa atuar conforme os princípios
estabelecidos, gere valor, forme imagem e consolide reputações. Essa
conscientização refere-se, em primeiro lugar, como já dito, ao alto nível
da administração (Conselhos e Presidência Executiva) e estende-se a
35
Marçal, Rubens A R. Comunicação Integrada e Governança Corporativa. Revista RI. Novembro/2005.
todos os níveis de público interno, pois precisa estar contemplada na
raiz do planejamento estratégico da administração e de comunicação
até a forma de cada funcionário/colaborador atuar pela organização.
b) Mediação: atuar mediante os princípios de Governança Corporativa e
trabalhar pela execução dos mecanismos conforme esses princípios
pressupõem que os vários stakeholders envolvidos possam negociar
diversos conflitos de interesses em torno de uma plataforma comum de
atuação que garanta a reputação e a perenidade da organização.
Novamente, desde o alto nível de administração, que tem ali regulados
cada instância de poder, até os códigos de conduta ética que estipulam
direitos, deveres e regras de comportamento admitidas entre todos
aqueles que trabalham, direta e indiretamente, para a organização, é
necessária a intermediação da comunicação para identificar os pontos
de convergência e não só transitar as informações necessárias para o
funcionamento dos mecanismos como identificar, com isenção, as
informações que irão circular e garantir a credibilidade de todo o
processo.
É preciso lembrar que é a organização que define seus rumos, que dita
os valores, que traça as políticas, que define a missão. Por mais que
tais
itens
sejam
compartilhados
com
públicos
estratégicos
(funcionários, parceiros, fornecedores,....), e inegável a preponderância
da visão da administração da organização, de seus proprietários,
sócios,
administradores,
administração.
acionistas,
enfim,
da
chamada
alta
Por outro lado, os stakeholders, com seus interesses específicos e
expectativas em relação à organização, são hoje parte fundamental
para a perenidade daquelas, possuem informações e meios e esperam
por ser cada vez mais inseridos nos processos de sustentabilidade das
organizações pois são por ela impactados.
Portanto,
o
papel
do
comunicador
na
intermediação
desse
relacionamento é essencial, para que discursos e práticas não só
guardem reconhecimento com a imagem trabalhada, mas também
respeite as relações de força entre a organização, seus públicos e o
interesse social. Será preciso não só intermediar o entendimento do
conjunto de valores e práticas da organização para seus públicos,
como tentar fazer com que estes comunguem, o mais possível, da
postura trabalhada.
c) Reputação:
O desafio de proteger a marca, o valor e a reputação passam por
transparência, comunicação e ética empresarial. Defender tais ativos intangíveis vai
garantir estabilidade e fontes diversificadas de crescimento sustentável.36
A comunicação corporativa tem como objetivo principal o processo de
formação, manutenção e consolidação de imagem positiva da
organização junto aos públicos e, principalmente, à opinião pública,
como forma de gerar reputação. Ao reunir a aplicação dos princípios de
transparência e ética e estimular a responsabilidade social empresarial
como filosofia de gestão, faz de Governança Corporativa um
direcionador objetivo também para as estratégias de comunicação
36
Dias, Bruno Gonçalves. Transparência na gestão corporativa. O Estado de S. Paulo, caderno de Economia.
Dez/05.
corporativa que, conforme dados elencados neste estudo, são
considerados como critérios para a avaliação de reputação corporativa.
Para atuar no nível estratégico e alcançar os objetivos de uma comunicação
de efetivo relacionamento e agregadora no processo de reputação corporativa,
medido pela compreensão e prática de Governança Corporativa na organização, o
profissional de comunicação deve ter acesso estratégico à alta gestão.
O envolvimento da comunicação e de profissionais de comunicação na
efetivação dos princípios, práticas e processos de Governança Corporativa no Grupo
Abril foram potencializados pela qualidade e acesso de seus profissionais de
comunicação, além de, como bastante destacado pelas profissionais entrevistadas,
o estudo de caso ter se dado em uma organização que tem como missão a
informação, que tem a cultura de comunicação como seu dia-a-dia.
Já se destacou, neste estudo, o fato do Grupo Abril ter realizado todo o
processo contando com duas profissionais de relações públicas na interface entre a
alta gestão, as demandas de GC e os stakeholders. Apesar de não ter havido uma
escolha específica em função da formação de Relações Públicas quando da escolha
da profissional Cleide Castellan para a Assessoria Executiva do Conselho de
administração, pode-se perceber, pela entrevista e pelos requisitos de Governança
Corporativa, que o processo fica extremamente fortalecido ao contar com um
profissional que tem, em sua atuação e formação, o exato entendimento e
percepção de valor sobre a informação, conscientização, mediação e comunicação
de médio e longo prazos, ou seja, sem caráter imediatista.
As vantagens de ter um profissional de comunicação nas instâncias de
formulação de estratégias da organização é algo que vem sendo detectado por
pesquisas recentes, realizadas por agências de comunicação de porte global. É uma
tendência ainda tímida, porém, forte, que aos poucos sinaliza a consolidação de
uma outra ótica da comunicação.
Caderno especial sobre comunicação corporativa do informativo Meio &
Mensagem, publicado em outubro de 2005, informa que pesquisa realizada no início
deste mesmo ano pela Burson Marsteller examinou as composições dos conselhos
de administração de 500 empresas do mundo todo e descobriu que em apenas 15%
há profissionais de comunicação corporativa como parte integrante dos conselhos.
Porém, enquanto no conjunto total o preço médio das ações caiu cerca de
2,3% ao ano entre 1999 e 2004, no grupo desses 15% houve valorização anual de
6,6%. O caderno traz ainda depoimento de Ramiro Prudêncio, relações-públicas e,
então, presidente da Burson Marsteller Brasil, afirmando que reconhece a dificuldade
de transposição desses resultados para a realidade nacional – na qual nem sequer
estão disseminados os conselhos de administração profissionalizados – mas cita a
globalização e as exigências associadas aos métodos de governança corporativa
como fatores que valorizarão esse profissional também no contexto interno.37
Defende-se, aqui, então, que justamente pela interface estratégica o
profissional de Relações Públicas encontra-se, dada sua base conceitual e sua
formação acadêmica generalista e mais próxima ao universo conceitual e funcional
da administração, melhor posicionado para atuar como gestor de comunicação nos
processo de Governança, o que não exclui a necessidade de, com isso, contar com
equipes multidisciplinares onde, por exemplo, o profissional de Relações com
37
Meio & Mensagem Especial Comunicação Corporativa; 31 de outubro de 2005.
Investidores também tem papel fundamental, pelos mesmos motivos de formação
conceitual e prática em relação à demandas específicas da administração, economia
e mercado financeiro.
6.3 Interfaces Funcionais
Há também a interface no nível do fazer, que contempla o plano de ação de
comunicação para Governança Corporativa, justamente para efetivar as propostas
máximas contidas na filosofia de GC e conseqüência dos processos conscientização
e mediação, realizados em âmbito estratégico. A interface funcional objetiva:
•
Fazer saber aos públicos de interesse sobre a essência da
organização.
•
Disponibilizar e aumentar o nível de acesso dos públicos de
interesse às informações da organização.
•
Ouvir os públicos de interesse e suas demandas.
Tais objetivos precisam estar contemplados no planejamento estratégico de
comunicação de forma a nortear instrumentos, canais e ferramentas específicas de
comunicação dirigida que cumpram seu papel de equalizar o desequilíbrio de
informação entre organização e públicos, um espectro muito mais amplo de públicos
e suas idiossincrasias do que está habituado o profissional de Relações com
Investidores.
Pesquisa do IBRI, mencionada no capítulo II, dá conta do alto índice de
terceirização de atividades de comunicação nas áreas de relações com investidores,
bem como traz informações sobre a questão ser considerada um dos principais
desafios pelos profissionais dessa área.
Se claro está, conforme já discutido acima, a convergência entre
comunicação corporativa, governança e relações com investidores, na interface
estratégica, o mesmo raciocínio vale para a interface funcional. Para corroborar esta
visão, é interessante conhecer a proposta de Farias (2006) sobre as interfaces entre
comunicação organizacional38 e Relações Públicas, apresentada a seguir:
Grande área: Ciências Sociais Aplicadas – Ciências da Comunicação
Área do pensamento
Comunicação Organizacional
Área de atuação
Relações Públicas
Instrumentos
Assessoria de imprensa, eventos,
lobby, publicações empresariais,
Saber
Apoio a Responsabilidade Social etc.
Atividade-meio
Planejamento estratégico
Objetivo
Apoio da opinião pública
P Ú B L I C O S
Interfaces
Fazer
Saber
. Publicidade
. Marketing
. Jornalismo
. Recursos
Fazer
Humanos
. Administração
E S T R A T É G I C O S
Figura 3 Interfaces entre Comunicação Organizacional e Relações Públicas
Fonte: FARIAS, 2006, p. 173.
Explicado pelo autor:
Entende-se, desse modo, como Comunicação Organizacional a área do
pensamento responsável pela busca de teorias e pela transformação dessas teorias
em modos interpretáveis pelos agentes da comunicação, representados pela área de
Relações Públicas. Relações Públicas, por sua vez, são as teorias, as estratégias e
os conjuntos de técnicas e de instrumentos – estes utilizados de forma articulada
entre si – que buscam a opinião pública favorável a um determinado objetivo (Farias,
2006:173)
38
Comunicação organizacional e comunicação corporativa são sinônimas e escopo de atuação. A expressão
comunicação organizacional é freqüentemente utilizada em âmbito acadêmico e comunicação corporativa
utilizada comumente no mercado.
É uma interessante proposta para demonstrar as relações de interface entre a
comunicação corporativa e as relações públicas, como saber teórico e base
conceitual de atuação que se traduzem em instrumentos específicos – nível
funcional - aplicados no universo das relações com investidores e também para os
demais públicos de interesse, adequando os discursos via comunicação dirigida,
bem como para demonstrar a interface com as áreas afins da comunicação e da
administração
(publicidade,
marketing,
jornalismo,
recursos
humanos,
administração), demonstrando claramente as possibilidades e interfaces de
multidisciplinaridade, neste caso, aplicáveis aos processos de comunicação em
Governança Corporativa.
Por fim, não se está falando aqui de uma atuação do comunicador meramente
funcionalista ou relativista. Está se falando na oportunidade que o profissional de
comunicação tem de se fazer ouvir no cerne da organização, em seus conselhos
decisores, e junto aos públicos de interesse, intermediando o entendimento entre
eles através das estratégias, técnicas e instrumentos de relações públicas colocadas
a serviço da informação gerada com consciência, que respeite os valores de
instituição e de seus públicos, e que gere relacionamentos efetivos e mais maduros,
de forma a contribuir fundamentalmente para a reputação das organizações e para a
geração de valor agregado via governança corporativa.
6.4 Conclusão final
Parece claro, então, o esgotamento do tratamento mercadológico da
informação corporativa, notadamente no que tange às temáticas apropriadas pelas
organizações como pilares institucionais de relacionamento e de construção de
imagem e reputação.
O próprio mercado, ao levar a extremos a proposta neoliberal, trouxe a
necessidade de amplos ajustes estruturais ao funcionamento do sistema. A
valorização de missão e valores como essenciais e sua aplicação aos princípios de
Governança Corporativa, nada mais é do que a volta a valores básicos, pertencentes
à ética filosófica. O resgate da organização privada como entidade com fins sociais
não exclui o lucro e, mais do que isso, é crucial para a perpetuação do sistema
capitalista e da sociedade de mercado.
Porém, não é algo que se dá sem traumas, reconhecido imediatamente pelos
gestores como a natureza das organizações. Essa mediação entre organizações
mais sustentáveis, onde lucro e interesses da sociedade convivam de forma mais
harmônica, é a oportunidade e o desafio dos profissionais de comunicação que
ainda não têm, em sua maioria, o acesso efetivo à alta gestão e decisões
estratégicas
das
organizações,
dificultando
o
correto
entendimento
e
operacionalização de filosofias de gestão como a governança corporativa, que
depende de conscientização para gerar atitude.
São inegáveis os avanços da comunicação e a contribuição das Relações
Públicas na atuação em Governança Corporativa, porém, a comunicação, como
atividade-meio, está subordinada às decisões estratégicas de negócios das
organizações.
Os avanços se dão porque as organizações, justamente para preservar os
pilares da sociedade de mercado, precisam incorporar as demandas da sociedade e
transformá-las em “instituições” consensuais e geradoras de valor e, aí sim, a
comunicação de Relações Públicas pode vir a exercer suas funções, estratégicas e
funcionais, especialmente no que tange a mediação de conflitos de interesse entre
organizações e seus públicos, mobilização com consciência para consecução de
objetivos comuns e, com isso, criar processos sólidos de formação de imagem e
manutenção de reputação.
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Governança corporativa e comunicação organizacional