UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO ALICE FERES KÁTIA PATRÍCIA FERREIRA RODRIGUES UM CLICK SOBRE A VIDA DOS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS NO LIXÃO DE VILHENA VILHENA –RONDÔNIA 2012 FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - JORNALISMO ALICE FERES KÁTIA PATRÍCIA FERREIRA RODRIGUES UM CLICK SOBRE A VIDA DOS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS NO LIXÃO DE VILHENA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção de grau de Bacharelado em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal de Rondônia, sob a orientação da Profa. Dra. Elisabeth Kimie Kitamura. VILHENA – RONDÔNIA 2012 3 ALICE FERES KÁTIA PATRÍCIA FERREIRA RODRIGUES UM CLICK SOBRE A VIDA DOS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS NO LIXÃO DE VILHENA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção de grau de Bacharelado em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal de Rondônia, sob a orientação da Profa. Dra. Elisabeth Kimie Kitamura. Aprovada em ____________________ BANCA EXAMINADORA _______________________________________________ Profa. Dra. Elisabeth Kimie Kitamura – UNIR (Orientadora) _______________________________________________ Prof. Ms. Francisco Emanoel Silveira – UNIR (Membro) _______________________________________________ Profa. Dra. Lilian Reichert – UNIR (Membro) Vilhena – RO 2012 4 AGRADECIMENTOS Agradecemos em especial à professora/orientadora Elisabeth Kimie Kitamura pelos conselhos recebidos, por ter nos apontado os caminhos a seguir durante o decorrer deste Projeto Experimental e pela dedicação na orientação do mesmo. À professora Lilian Reichert, pela orientação na elaboração do pré-projeto, durante a disciplina de Preparação e Revisão de Originais III, no 8º semestre. Aos catadores de materiais recicláveis, Genivaldo Assis Santana e esposa Maria do Espírito Santo Balesti, que abriram as portas da sua casa e nos permitiram a aproximação necessária para que fosse possível a conclusão desta pesquisa. Aos demais catadores que autorizaram serem fotografados, Maria José Ferreira, José Cândido (Zé Goiano) e esposa Maria e demais catadores que fazem parte do corpo deste trabalho. Aos maridos, Marcus Fiori (Kátia) e Bruno de Lara (Alice) pela paciência nos momentos em que estivemos ausentes, e pelo apoio durante a produção da parte prática e teórica deste projeto. Aos pais, Dulce e Gilberto (Alice) e Sebastian e Terezinha (Kátia), pela força e incentivo à educação, do início da jornada escolar até hoje. Agradecemos ainda ao Dejor – Departamento de Jornalismo e à amiga e também formanda, Caroline Silvano Barros, pelo empréstimo das câmeras fotográficas quando se fez necessário para a produção de imagens no Lixão Municipal de Vilhena. À Deus, por ter atendido nossas preces, quando as dificuldades surgiram e tudo parecia perdido. À todos, o nosso reconhecimento e agradecimento pelo apoio recebido. Alice Feres e Kátia Patrícia Ferreira Rodrigues 5 “[...] quando se trata de recordar, a fotografia fere mais fundo. A memória congela o quadro; sua unidade básica é a imagem isolada. Numa era sobrecarregada de informação, a fotografia oferece um modo rápido de apreender algo e uma forma compacta de memorizá-la.” Susan Sontag 6 RESUMO O fotodocumentário “Um click sobre a vida dos catadores de materiais recicláveis no lixão de Vilhena”, tem por objetivo mostrar, através de fotografias, a realidade dos catadores que ganham a vida no Lixão Municipal de Vilhena, Rondônia, suas peculiaridades e, principalmente, que são pessoas comuns no dia a dia do trabalho que exercem e personagens fundamentais na cadeia da reciclagem e na proteção do meio ambiente. Para a elaboração e construção deste fotodocumentário, as pesquisadoras buscaram referências teóricas com o objetivo de conhecer o presente objeto da pesquisa para posterior execução do trabalho em campo composta por entrevistas, observação in loco desta realidade e a produção de imagens que compõem este trabalho. A rotina de nossos personagens catadores foi observada no período de um ano, na tentativa de captar seus problemas, suas alegrias e, por fim, suas inquietações e incertezas quanto ao fim do lixão que será substituído pelo Aterro Municipal que, durante a execução deste trabalho, já estava em obras. Sob esta circunstância, esta pesquisa e registro imagéticos parecem fundamentais como documentos históricos do trabalho realizado por essas pessoas no Lixão Municipal de Vilhena. Através do contato com esta realidade, foi possível conhecer e refletir sobre as condições sociais destes trabalhadores que sobrevivem da economia retirada do lixão e também como estes se relacionam com os objetos descartados por outros, o que possibilitou a construção das imagens deste fotodocumentário. Como resultado, apresentamos uma série composta por 31 (trinta e uma) imagens, feita inicialmente com o objetivo de Trabalho de Conclusão de Curso, mas que, pela importância da abordagem realizada, abre a possibilidade para a execução de um projeto para exposição. Palavras-chaves: Catadores de materiais recicláveis; Lixão de Vilhena/RO Fotojornalismo e Fotorreportagem. 7 ABSTRACT The fotodocumentário "A click on the lives of the pickers of recyclable materials from the landfill Vilhena," aims to show, through photographs, the reality of scavengers who make a living on Dump Municipal de Vilhena, Rondônia, their peculiarities, and especially they are ordinary people in everyday of their work and key characters in the chain of recycling and protecting the environment. For the design and construction of this fotodocumentário, the researchers sought theoretical references in order to know the object of this search for subsequent execution of field work consisting of interviews, on-site observation of this reality and the production of images that make up this work. The routine of our characters scavengers was observed during one year, in an attempt to capture their problems, their joys and, ultimately, their worries and uncertainties about the end of the landfill that will be replaced by Municipal Landfill that during the execution of this work , was already in the works. Under this circumstance, this research and record imagery seem as fundamental historical documents the work performed by such persons Dump Municipal de Vilhena. Through contact with this reality, it was possible to know and reflect on the social conditions of the workers who survive the economic recession of the landfill and also how they relate to the objects discarded by others, which enabled the construction of images of this fotodocumentário. As a result, we present a series consisting of thirty (31) images, originally made for the sole purpose of Labor Completion of course, but that the importance of the approach taken, opens the possibility to implement a project to exhibit. Keywords: Collectors of recyclable Photojournalism and Photoreport. materials; Lixão de Vilhena / RO 8 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ................................................................................................9 ANÁLISE DE SIMILARES ....................................................................................11 LISTA DE ILUTRAÇÕES ..................................................................................... 13 1. CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS ............................................... 14 1.1 O catador brasileiro .........................................................................................14 1.2 A importância dos catadores para o meio ambiente....................................... 19 1.3 Catador: Quem é? De onde veio?.................................................................. 23 1.4 Catadores de materiais recicláveis do Lixão Municipal de Vilhena................ 29 1.4.1 Perfil dos catadores...................................................................................... 29 2. FOTORREPORTAGEM.................................................................................... 39 2.1 O gênero jornalístico fotorreportagem............................................................. 39 2.2 Breve história do uso da fotografia no jornalismo............................................40 2.3 Elementos e características da produção da fotorreportagem........................ 43 2.3.1 O texto na fotorreportagem...........................................................................44 2.3.2 A linguagem fotográfica e os elementos da composição............................. 44 2.3.3 Foco de atenção........................................................................................... 48 2.3.4 Relação figura-fundo.................................................................................... 49 2.3.5 Equilíbrio e desequilíbrio.............................................................................. 49 2.3.6 Profundidade de campo............................................................................... 49 2.3.7 Velocidade ou movimento............................................................................ 50 2.3.8 Colorido e Preto e Branco............................................................................ 50 2.4 Fotorreportagem e problemas sociais............................................................. 51 2.5 Produto Final................................................................................................... 53 3. METODOLOGIA DA PRODUÇÃO....................................................................76 3.1 Processo de produção..................................................................................... 76 3.2 Orçamento....................................................................................................... 81 3.3 Câmeras utilizadas na produção fotográfica................................................... 81 3.4 Produção e escolha das imagens....................................................................81 4. RELATOS DE EXPERIÊNCIA.......................................................................... 84 4.1 Uma realidade que ainda não conhecia (Alice Feres)..................................... 84 4.2 Uma grande experiência (Kátia Rodrigues).....................................................86 CONCLUSÃO........................................................................................................88 REFERÊNCIAS..................................................................................................... 90 APÊNDICES.......................................................................................................... 93 ANEXOS................................................................................................................95 9 APRESENTAÇÃO O objetivo desta fotorreportagem é mostrar a realidade das pessoas que trabalham e vivem em contato direto com o lixo, como é realizado o processo de separação do lixo que é utilizado para consumo próprio e o que é destinado reciclagem, conhecer suas dificuldades e como é lidar com o preconceito das pessoas e do mundo por trabalharem em um lugar insalubre. As fontes deste trabalho, em primeiro plano, serão os trabalhadores e moradores do lixão municipal de Vilhena. Através de questionários, aplicados diretamente ao catador, objetivamos conhecer seu grau de escolaridade, sua função anterior, por que optou por essa profissão e quais são os problemas e benefícios advindos dessa atividade. Trata-se de uma pesquisa de caráter social, pois busca conhecer a realidade de determinado grupo, no caso, os catadores de materiais recicláveis. Este trabalho será composto por entrevistas em profundidade qualitativas, pois visa dialogar a respeito da realidade com especialistas, sendo estas semiestruturadas, com um roteiro, para que não seja desviada a atenção do foco do trabalho. Nessa parte, serão entrevistados sociólogos e médicos infectologistas e ortopedistas. As entrevistas com os catadores também serão qualitativas, semiestruturadas, abertas, com uma questão central, com abordagem em profundidade, e busca como resultado respostas indeterminadas (GIL, 1999). A mídia escolhida foi a fotorreportagem por ser um meio atraente e de fácil acesso pelo público-alvo, que são, preferencialmente, jovens e adolescentes, e sociedade interessada. Acreditamos que falte ainda uma divulgação adequada da profissão de catador, que foi reconhecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, segundo a CBO - Classificação Brasileira de Ocupações - Portaria 397 de 9/out/2002. Segundo cálculos do IBGE, estima-se que exista hoje no Brasil, um catador para cada mil brasileiros, e três de cada dez catadores, mesmo se tivessem outras oportunidades de trabalho, gostariam de continuar trabalhando na cadeia produtiva da reciclagem. 10 Os catadores de materiais recicláveis exercem uma tarefa notavelmente insalubre e, ao mesmo tempo, importante, tanto do ponto de vista econômico quanto do ecológico e, mesmo assim, são vítimas de atitudes preconceituosas por parte da sociedade. Como declara Romansini (2005, p. 17), o catador “É um ator social de extrema relevância, aliás, como a maioria dos trabalhadores de funções extremamente simples e pouco valorizados, mas que são de vital importância para o funcionamento da sociedade [...]”. A trajetória desses trabalhadores se confunde com a própria história da colonização agrícola de Rondônia, pois milhares de trabalhadores sem-terra vieram para o “Eldorado Brasileiro dos anos de 1970” em busca de terras, mas não tiveram acesso a ela. De acordo com Cemim (1992), grande parte desses colonos fugiu do perfil do “colono modelo”, restando a eles as periferias das cidades, então embrionárias, os subempregos e as subocupações – exatamente onde se localizam os catadores dos lixões. 11 ANÁLISE DE SIMILARES Este capítulo mostra, através da análise realizada nos seguintes trabalhos, um panorama técnico da fotorreportagem realizada. Dentre muitos trabalhos que serviram de base para a constituição deste Projeto Experimental, estes destacamse, sendo os que mais foram utilizados em sua elaboração, tendo como base seus conteúdos e abordagens. SOARES, Charlene Carvalho. Rosário dos pretos, tradição na contemporaneidade. Salvador, 2008. Em 2008, a aluna do Curso de graduação em Comunicação Social/Jornalismo, da Faculdade Social da Bahia, apresentou este Projeto Experimental, como requisito parcial para obtenção de grau de Bacharelado em Jornalismo. A pesquisa, constituída de 80 (oitenta) páginas, retratou, em 30 imagens, as tradições seculares da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos às Portas do Carmo, atual Pelourinho, na cidade de Salvador, Bahia, apresentando também, um pouco das práticas religiosas da confraria. As imagens realizadas pela pesquisadora apresentam diversos planos, como por exemplo: plano geral, quando fotografa um culto de cima para baixo; plano de conjunto, identificando o personagem na ação realizada; plano médio, focando o personagem de forma objetiva; grande plano, que focaliza detalhes, visando mais expressar do que informar; entre outros. Este trabalho assemelha-se à presente pesquisa pela abordagem dada, e as fotografias buscaram a riqueza dos detalhes, aproximando o olhar do leitor destas imagens sobre alguns aspectos do Pelourinho destacando, deste modo, os detalhes do cotidiano de seus personagens na fotorreportagem “Um click sobre a vida dos catadores de materiais recicláveis no lixão de Vilhena busca mostrar.” PRADO, Marcos. Estamira. Documentário. Brasil: Rio filme/Zazem produções Áudio visuais, 2006. Duração 115 min. 12 No documentário Estamira, Marcos Prado, fotógrafo, poeta, músico, ator, jornalista, produtor e diretor de documentários aborda de uma forma diferente e próxima a exclusão dos indivíduos que recolhem lixo para garantir a sua sobrevivência. Prado teve como foco a miséria e a loucura e, mesmo que a abordagem dos dois trabalhos seja diferente, pois busca-se na presente pesquisa retratar a realidade dos catadores, os enquadramentos utilizados nos renderam ótima experiência, quando observamos o que foi importante, em termos de enquadramento, para a constituição e sucesso do documentário, que através de pequenos detalhes conseguem mostrar a vida da catadora Estamira, suas indagações e sua relação familiar. Prado mostra muito bem o indivíduo que não tem a oportunidade de mostrar seus talentos e aplicá-los na vida profissional e que vive às margens da sociedade. Muitos deles se submetem à catação nos grandes lixões brasileiros como forma de garantir o sustento. Apesar da loucura, Estamira demonstra lucidez e preocupação quanto ao desperdício liberado pelo consumismo da sociedade capitalista- esse é um detalhe importante e evidente na vida e o dia a dia de alguns catadores do Lixão Municipal de Vilhena. 13 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Esquema aterro sanitário..................................................................... 22 Figura 2 – Distribuição dos catadores por faixa etária......................................... .. 32 Figura 3 – Renda dos catadores advinda dos materiais coletados....................... 34 Figura 4 – Tempo de trabalho como catador de materiais recicláveis.................. 35 Figura 5 – Distribuição das profissões antes de os catadores entrarem na cadeia da reciclagem.........................................................................................................35 Figura 6 – Quilos coletados por catador em um dia de trabalho........................... 36 Figura 7 – Doenças relatadas pelos catadores..................................................... 37 Figura 8 – (Foto) Catadores em plena atividade no Lixão Municipal de Vilhena................................................................................................................... 45 Figura 9 – (Foto) A catadora Maria Balesti, 52, durante a separação do material coletado................................................................................................................. 46 Figura 10 – (Foto) A catadora Jaíne flagrada em momento de descanso e descontração no Lixão Municipal de Vilhena........................................................ 46 Figura 11 – (Foto) Detalhe das mãos protegidas da catadora Maria Balesti durante a jornada de trabalho............................................................................................. 47 Figura 12 – (Foto) A manequim enfeitada no quintal da casa de Maria e Genivaldo representa o bom humor da família....................................................................... 47 Tabela 1 – Tempo de decomposição de produtos................................................ 21 Tabela 2 – População residente em Rondônia por censo, segundo situação de domicilio................................................................................................................. 26 Tabela 3 – Renda mensal e número de dependentes de cada catador................ 34 14 1. CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS 1.1 O catador brasileiro O objetivo deste trabalho é relatar, através de imagens fotográficas, a realidade dos catadores de lixo do lixão de Vilhena. Essas pessoas são personagens sociais importantes para a preservação ambiental porque, com o seu trabalho de reciclagem, ajudam a coletividade em um momento em que enfrentamos a crise ambiental, decorrente da histórica transformação da natureza pelo homem. Nos lixões do Brasil está inserido um personagem do cenário da poluição e da degradação do meio ambiente, o catador de materiais recicláveis. Segundo o site lixo.com.br1, no Brasil, existem aproximadamente 500 mil catadores, e dois terços deles estão no estado de São Paulo. Historicamente, o catador é um trabalhador que retira do lixo o seu sustento. Essa coleta pode ser feita através da seleção do lixo junto a parceiros que o doam ou diretamente das ruas e lixões. Assim, toneladas de materiais reaproveitáveis deixam de ser depositados na natureza como poluentes e tornam-se matéria prima para outros produtos. Além do benefício para o meio ambiente, diminuindo a poluição, a reciclagem desses materiais reduz a extração da matéria-prima virgem, que são recursos naturais esgotáveis. Se pensarmos em termos ambientais e também econômicos, pode-se afirmar que os catadores são de valor socioeconômico para a sociedade porque contribuem para o desenvolvimento sustentável. De acordo com o site lixo.com.br, existem quatro tipos de catadores: - Trecheiros: São catadores que vivem no trecho entre uma cidade e outra, catam lata para comprar comida. - Catadores do lixão: Catam lixo diuturnamente, fazem seu horário, catam há muito tempo ou só quando estão sem serviço de obra, pintura, etc. - Catadores individuais: Catam por si, preferem trabalhar independentes, puxam carrinhos muitas vezes emprestados pelo comprador que é o sucateiro ou deposista. 1 <www.lixo.com.br> Acesso em: 11 de set. 2011 às 15h23. 15 - Catadores organizados: Em grupos autogestionários, onde todos são donos do empreendimento, legalizados ou em fase de legalização, como cooperativas, associações, ONGs, etc. Com o passar das décadas e com o surgimento das campanhas de economia de recursos naturais, percebe-se melhora na vida dos catadores que, hoje, já são conhecidos como catadores de materiais recicláveis. Dessa forma, os catadores estão conquistando reconhecimento como categoria profissional, oficializada na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), no ano de 2002, registrado pelo número 5192-05. De acordo com essa classificação, a ocupação foi reconhecida como catador de material reciclável. Suas atividades estão descritas na CBO, segundo a qual os catadores “[...] catam, selecionam e vendem materiais recicláveis como papel, papelão e vidro, bem como materiais ferrosos e não ferrosos e outros materiais reaproveitáveis”.2 Por outro lado, o preconceito da sociedade com os personagens dos lixões não mudou muito. Segundo Medeiros e Macedo (2006), além do preconceito e da exclusão de ambientes sociais, existe uma enorme precariedade nas relações de trabalho desses profissionais. Devido ao trato diário com o lixo, os catadores podem desenvolver doenças relacionadas à atividade, desde dores corporais até doenças infecciosas. O estudo questiona também se a criação do Movimento Nacional de Catadores traz a real inclusão social ou apenas representa uma forma transmutada de exclusão. O trabalho aponta para a necessidade de políticas públicas que garantam a inclusão social com qualidade de vida. Muitas vezes, ultrapassa doze horas ininterruptas; um trabalho exaustivo, visto as condições a que estes indivíduos se submetem, com seus carrinhos puxados pela tração humana, carregando por dia mais de 200 quilos de lixo (cerca de 4 toneladas por mês), e percorrendo mais de vinte quilômetros por dia, sendo, no final, muitas vezes explorados pelos donos dos depósitos de lixo (sucateiros) que, num gesto de paternalismo, trocam os resíduos coletados do dia por bebida alcoólica ou pagam-lhe um valor simbólico insuficiente para sua própria reprodução como catador de lixo. (MAGERA apud MEDEIROS& MACEDO, s/d, p. 34). Os países ricos possuem uma política de conscientização - que já vem embutida na educação dos cidadãos - da reciclagem. Possuem uma infraestrutura 2 <www.mtecbo.gov.br> Acesso em: 11 de ago.2011, às 19h20. 16 para recolhimento e destinação dos resíduos, como lugares específicos para armazenamento do chamado “lixo rico” (sofás, geladeiras, etc). Os catadores possuem hábitos diferentes, e este “lixo rico” é utilizado para mobiliar casas ou para substituir utensílios domésticos. Em alguns países, caso do Brasil, esse “lixo rico” quase não existe e, quando aparece, na maioria das vezes, as pessoas responsáveis pela coleta acabam ficando com ele para si.3 Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, (2000), “no Brasil, coleta-se diariamente 125,281 mil toneladas de resíduos domiciliares e 52,8% dos municípios dispõem seus resíduos em lixões”4. Milhares de trabalhadores brasileiros vivem e trabalham nesses lixões, sustentam suas famílias e tiram de lá produtos para suprir suas necessidades. É nele que os catadores encontram no que já não tem mais utilidade para a sociedade uma forma de garantir seu sustento. Esses trabalhadores, por estarem em contato com o lixo, são discriminados e rejeitados, levando-os assim a viver às margens da sociedade. O fato é que os excluídos, aparentemente postos à margem do processo produtivo e do circuito econômico tradicional, são no momento considerados ‘desnecessários’. Mas não apenas isso. O segundo traço, aquele que mais imprime força e sentido à própria ideia de exclusão, tem a ver com o fato de que sobre eles se abate um estigma, cuja consequência mais dramática seria a sua expulsão da própria “órbita da humanidade”, isso na medida em que os excluídos, levando muitas vezes uma vida considerada subumana em relação aos padrões normais de sociabilidade, “passam a ser percebidos como indivíduos socialmente ameaçantes e, por isso mesmo, passíveis de serem eliminados”. (OLIVEIRA, 1997, p. 5). A palavra “preconceito”, no dicionário Aurélio de Língua Portuguesa, significa: Forma de pensamento na qual a pessoa chega a conclusões que entram em conflito com os fatos por tê-los prejulgado. O preconceito existe em relação a quase tudo e varia em intensidade da distorção moderada a um erro total.5 São variados os tipos de preconceito: racial, contra mulheres, políticos, religioso, contra gays, de classes, entre outros. O que nos cabe aqui é identificar 3 <http://www.gpca.com.br/gil/art127.htm>. Acesso em: 16 de abr. 2012, às 13h31. <www.lixo.com.br>. Acesso em: 16 de abr. 2012 às 14h04. 5 <www.aurelio.com.br/Preconceito.http>. Acesso em 24 de abr. 2012 às 11h45 4 17 o que leva a sociedade ao preconceito de classes, que é o que os catadores de materiais recicláveis sofrem, por estarem inseridos em uma realidade, muitas vezes, com características sub-humanas. Para enfrentar essa condição, em nosso país, devemos sempre lembrar também que a exclusão social é racializada, engendrada, etarizada e espacializada, ou seja, tem cor, gênero ou sexo, idade e localização. A pobreza mais extrema tende a ser preta, feminina, bastante jovem ou idosa e localiza-se nas periferias urbanas e nos bolsões de economia de subsistência rural. (SCHERERWARREN, 2004, p. 58). Além da exclusão social e do preconceito, a vida nos lixões traz riscos para a saúde desses trabalhadores. Os lixões são áreas de disposição final de resíduos sólidos, sem nenhuma preparação prévia no solo. O chorume (líquido preto que escorre do lixo) penetra na terra, levando substâncias contaminantes para o solo e lençol freático. Animais como moscas, pássaros e ratos dividem os espaços com crianças, adolescentes e adultos, que catam comida e materiais recicláveis para vender. Esse comportamento traz consequências ambientais e sociais negativas. Além disso, o manejo com o lixo, o contato sem a devida proteção e a carga física, expõem esses trabalhadores a diversos tipos de doenças, como dores corporais, problemas osteoarticulares e hipertensão, segundo dados da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).6 Apesar de todos esses problemas, o catador ainda não possui devida proteção governamental. E, conforme Sherer-Warren, é com a ajuda da sociedade que esse panorama pode mudar: Assim sendo, será apenas através de uma ação conjunta, articulada pelas várias forças da sociedade civil organizada e em parceria com um governo democrático, aberto a esse potencial e sensível à transformação social, que esse desafio poderá ser enfrentado. (SHERER-WARREN, 2004, p. 58). E ainda: Em outras palavras, consideramos que um projeto político que vise à superação das múltiplas faces da exclusão social precisa contar com a articulação em rede dos diversos atores organizados da sociedade civil – que representam as várias lutas contra a discriminação e (ou) contra a desigualdade – e cuja rede tem base no plano local, mas se conecta com os planos regionais, nacionais e transnacionais. (SHERER-WARREN, 2004, p. 60). 6 <www.fapesp.br>. Acesso em: 11 de set. 2011 às 23h03. 18 André Monteiro de Alcântara Oliveira, clínico geral, atuante em Vilhena/RO confirma os dados da Fapesp. Segundo o médico, no lixão, no período das chuvas, o risco de contaminação da hepatite A aumenta de forma significativa, devido ao contato dos catadores com materiais orgânicos em locais alagados. Existe também o risco do catador se ferir com metais e contrair o tétano, além da leptospirose, doença transmitida através da urina do rato, e infecções alimentares, por bactérias em geral, já que os catadores selecionam do meio do lixo alguns alimentos para consumo próprio. Apesar de todos os riscos, os motivos que levam uma pessoa e iniciar-se como catadora de lixo são diversos. “A ‘opção’ – que é, na verdade, uma falta de opção – por ser catador de lixo decorre de condições sociais específicas.” (VIANA, 2000, p. 10). As crescentes exigências do mercado de trabalho e a falta de qualificação são motivos que levam um trabalhador ao desemprego. Romansini (2005) aponta que, às vezes, existem vagas, mas o que não há é mão de obra especializada para ocupar tais espaços e, em um país subdesenvolvido como o Brasil, isso traz prejuízos no que se refere às alternativas de sobrevivência. Conforme exposto, o trabalho do catador de material reciclável, devido à sua importância para o meio ambiente, aponta a necessidade de políticas públicas para a inclusão social e a qualidade de vida. Segundo pesquisadores da Fapesp, “Os trabalhadores são a base de um processo produtivo lucrativo, mas não obtêm ganho que lhes assegure uma sobrevivência digna”. O documentário Ilha das Flores (1989), de Eduardo Coutinho, exibe o processo, da produção ao consumo de um tomate produzido pelo descendente de japoneses Suzuki. O curta, que é considerado um dos melhores já produzidos no Brasil, narra com criatividade e forte senso crítico como esse tomate sai da plantação de Suzuki, passa por uma dona de casa de classe média, que rejeita os frutos inapropriados para o consumo de sua família. Estes considerados lixo chegam à Ilha das Flores, um lugar onde os porcos consomem os tomates rejeitados pela classe média antes dos humanos que vivem também do alimento retirado do mesmo lixão. Finaliza o documentário que os porcos comem antes dos humanos, majoritariamente composta por mulheres e crianças, porque estes não possuem dinheiro nem dono. Os porcos não possuem dinheiro, mas eles têm um 19 dono que cronometra quanto tempo os seres humanos de Ilha de Flores podem coletar seus alimentos. Ao assistirmos às cenas do documentário, podemos observar o notório descaso das autoridades com esses seres humanos. Portanto, procuramos textos que fornecessem aparato teórico para as seguintes nomenclaturas recorrentes ao universo dos catadores de lixo: incluídos, excluídos e preconceito. Uma questão instigante permeia o preconceito: Onde começa o preconceito? Pode começar por lá mesmo, dentro dos lixões. Boca de lixo (1992) intercala depoimentos de pessoas que demonstram gostar de trabalhar ali e outras que se envergonham mas, mesmo as que dizem gostar, estão sempre buscando uma justificativa para o que fazem, o que leva a pensar que, por vergonha, precisam sempre justificar o motivo de estarem ali. A atividade de coleta de lixo é retratada pelos seus praticantes de forma auto-justificadora. A coleta de lixo é vista como uma atividade vital, como único meio de sobrevivência, que, porém, é insuficiente. Ele é apresentado como o único recurso possível e assim se vê justificado, pois não há outra alternativa. Também é desqualificado pelos próprios catadores, pois no trecho acima vemos algumas expressões no diminutivo (“papelzinho”, “dinheirinho”, “feirinha”) que retratam esta desqualificação (desvalorização). (VIANA, 2000, p. 12). 1.2 A importância dos catadores para o meio ambiente Os catadores de materiais recicláveis realizam, direta ou indiretamente, o trabalho de limpeza urbana. Além disso, desempenham um papel fundamental na economia de recursos naturais pois, quando o material é reutilizado através da reciclagem, o homem deixa de retirar da natureza toneladas de matéria-prima virgem que, como referido anteriormente, são recursos naturais esgotáveis. A produção exagerada de lixo traz à tona a necessidade de se pensar em políticas que amenizem os impactos negativos dos dejetos, e assim, a necessidade de gestões sustentáveis dos resíduos sólidos urbanos, o que requer soluções em níveis socioambientais, de saúde e econômico. A grande quantidade desses rejeitos se dá em virtude do constante aumento populacional, das melhorias nas condições socioeconômicas, do 20 acelerado processo de urbanização, onde homens deixam o campo e vão para as cidades, e das mudanças tecnológicas. A popularização das embalagens descartáveis nos últimos anos, tudo em busca de praticidade e de maior agilidade na vida das pessoas, tem contribuído de forma exagerada para o aumento da poluição e dos resíduos depositados nos lixões pelo mundo. O lixo nos últimos anos vem se tornando um problema seriíssimo do ponto de vista sanitário, ambiental, econômico e social. É muito lixo sendo produzido e não se sabe mais onde colocá-lo, principalmente nos grandes centros. Os aterros sanitários estão se esgotando rapidamente e está cada vez mais difícil encontrar áreas adequadas próximas dos centros urbanos. (ROMANSINI, 2005, p. 6). Apesar de a sociedade estar ciente da importância dos catadores para o meio ambiente, essas pessoas, na maioria das vezes vivem nas periferias, marginalizadas e vitimadas pelo preconceito, o que reforça sua invisibilidade perante a sociedade capitalista em que vivemos, o que acaba por diminuir as chances e a esperança de se formalizarem no mercado de trabalho e de possuírem renda digna. No ramo da reciclagem, o catador é o que menos ganha. Os intermediadores, como os atravessadores e as indústrias da reciclagem, ficam com a maior parcela do valor do material reciclado, enquanto o catador recebe apenas uma pequena parte. “É através do sucateiro, seu intermediário e comparsa que as indústrias ficam com o maior valor primário extraído dos catadores de lixo”. (MAGERA, 2003, apud ROMANSINI, p.18). Para entender um pouco a importância dessas pessoas para a sociedade e o meio ambiente, é necessário lembrar que o trabalho do catador de lixo só existe pelos hábitos consumistas da sociedade em que vivemos. Os produtos consumidos geram grande quantidade de resíduos e embalagens, que se deixadas por conta do meio ambiente, levariam centenas e milhares de anos para que houvesse a decomposição total, o que acarretaria em um grave problema para a sociedade, que não teria onde armazenar tamanha quantidade de resíduos, assim como para o meio ambiente, que ficaria tomado – e já está – por tanta poluição. 21 Tabela 1 - Tempo de decomposição de produtos Material Tempo de Degradação Aço Mais de 100 anos Alumínio 200 a 500 anos Cerâmica Indeterminado Chichetes 5 anos Corda de nylon 30 anos Embalagens Longa Vida até 100 anos (alumínio) Esponjas Indeterminado Filtros de cigarros 5 anos Isopor Indeterminado Louças Indeterminado Luvas de borracha Indeterminado Metais (componentes de equipamentos) cerca de 450 anos Papel e papelão cerca de 6 meses Plásticos (embalagens, equipamentos) até 450 anos Pneus Indeterminado Sacos e sacolas plásticas mais de 100 anos Vidros Indeterminado Fonte: http://ambientes.ambientebrasil.com.br/residuos/reciclagem.html A maioria dos municípios brasileiros dispõe seus rejeitos nos lixões, que são áreas de disposição final de resíduos sem preparação prévia no solo. Como salienta Romansini (2005), o chorume, que possui uma carga poluidora muito alta, penetra e contamina o solo e os lençóis freáticos. No lixão não há fiscalização, assim qualquer pessoa pode depositar o que quiser por lá. Não somente ao lixo domiciliar, mas os lixões estão sujeitos aos resíduos hospitalares, veterinários e industriais. Além disso, animais circulam livremente e, assim, tornam-se vetores de doenças, para os que ali vivem e consequentemente para toda a população. Uma alternativa encontrada para diminuir os impactos ambientais do lixo é a reciclagem. E é aqui que o objeto de pesquisa – o catador de materiais recicláveis – recebe seu valor. Essas pessoas retiram do que foi recusado pela sociedade o seu sustento. E transformam, assim, o material que só poluiria e degradaria o meio ambiente em renda e sustento para suas famílias. Diante da evidência da poluição que os lixões causam para o planeta, algumas cidades estão adotando os aterros sanitários, o que se acredita que diminuirá o impacto do lixo contra o meio ambiente. Os aterros são locais onde foram empregadas técnicas para a disposição de resíduos sólidos no solo, sem 22 causar danos ou riscos à saúde pública e à segurança, minimizando os impactos ambientais. Esquema de um aterro sanitário7 Figura 1: Esquema de um aterro sanitário De acordo com o site lixo.com.br, antes de iniciar a disposição do lixo, o terreno é preparado previamente, com o nivelamento de terra e com selamento da base com argila e mantas de PVC, extremamente resistentes. Assim, com a impermeabilização do solo, o lençol freático não é contaminado pelo chorume. Diariamente o lixo é coberto por uma camada de terra, que evita a proliferação de vetores de doenças, assim como o mau cheiro e a poluição visual. Além disso, o chorume, quando atinge um padrão e uma quantidade adequada, é encaminhado 7 <http://www.rc.unesp.br/igce/aplicada/ead/residuos/res13.html> Acesso em 23 de abr. 2012 às 14h24 23 para uma estação de tratamento de efluentes, evitando ainda mais a poluição ambiental.8 Porém, apesar de todos os benefícios de um aterro sanitário para o meio ambiente, não podemos esquecer da dificuldade em se encontrar lugares que possuam espaço suficiente para uma estrutura que compense os custos da sua implantação. De acordo com o site rondoniadigital.com.br, o aterro sanitário em Vilhena será localizado a 25 quilômetros da cidade, na estrada de Colorado do Oeste, numa área de 500 hectares. O local tem capacidade para atender a cidade por tempo indeterminado. Quanto à situação dos catadores que dependem da reciclagem no lixão de Vilhena, a empresa responsável pelo aterro sanitário pretende estabelecer uma parceria com a prefeitura e instalar junto ao aterro uma usina de reciclagem, que atenderia as famílias, em parceria com a iniciativa privada. “O município poderá e deverá implantar coletores que possibilitem a seleção do lixo na própria residência para facilitar o trabalho na ponta final do processo de tratamento dos resíduos.”9 1.3 Catador: Quem é? De onde veio? A ocupação do espaço rondoniense se iniciou por volta dos anos de 1750 por bandeirantes10 que buscavam índios (para serviços na lavoura na condição de escravos), ouro, prata e drogas do sertão. Entretanto, tratava-se de iniciativas esporádicas que não contribuíram para o efetivo povoamento da região. Ao se falar de Rondônia até o início do século XX, tem-se de levar em conta que está se falando de uma das regiões mais isoladas do planeta. A única via de acesso era a rede hidrográfica e o principal rio, o Madeira, estava repleto de cachoeiras que 8 <www.lixo.com.br> Acesso em: 20 de abr. 2012 às 17h15 <http://rondoniadigital.com/municipios/vilhena> Acesso em 1 de mai. 2012 às 20:45 10 Indivíduo que, no Brasil, faz parte dos bandos, destinados a explorar os sertões, atacar selvagens, etc. (FONTE: Dicionário Web) 9 24 praticamente inviabilizava a navegação no trecho entre os municípios de Porto Velho e Guajará-Mirim. Conforme Silva (1979), o primeiro processo de povoamento mais consistente se deu a partir de 1877, quando se iniciou o Primeiro Ciclo da Borracha. Neste ano, a grande procura internacional pelo látex, casado com uma monumental seca que assolava o Nordeste, principalmente o Estado do Ceará, motivou uma intensa imigração dessa região para o Norte do país. No espaço que constitui o hoje Estado de Rondônia, tais imigrantes aportaram às margens dos principais rios – Madeira, Mamoré, Guaporé, Machado e Jamari–, formando povoados que viriam a ser futuras cidades. Terminado o Primeiro Ciclo da Borracha por volta de 1914, ocasião em que a atividade extrativista da colheita da hévea brasilienes11 entrou em franca decadência por conta de seringais cultivados na Malásia, a partir de sementes contrabandeadas da Amazônia pelos ingleses, os seringueiros foram abandonados à própria sorte. Aprenderam a conviver na floresta após se apropriar de práticas indígenas de sobrevivência e estabeleceram práticas harmoniosas com a floresta, de modo que essa população bem pouco alterou o cenário natural amazônico. Esses imigrantes constituem a hoje população ribeirinha de Rondônia. No início do século XX, dois importantes eventos marcaram a retomada da povoação do espaço rondoniense. O primeiro deles foi a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM), que trouxe para a região dezenas de milhares de trabalhadores de aproximadamente 50 nacionalidades, muitos dos quais ficaram definitivamente em Rondônia. O segundo foi a abertura, entre 1907 e 1915, das Linhas Telegráficas Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas (CLTEMTA). Quando foi inaugurada, em 1915, o telégrafo de Rondon já estava obsoleto, visto que o rádio assumia a superioridade dos sistemas de comunicação na época. Entretanto, ainda que precariamente, o picadão de 45 metros de largura aberto pela Comissão Rondon permitiu uma movimentação inédita em terras rondonienses – além de que esse picadão, anos mais tarde, serviria para demarcar a abertura da BR-364. “A mais importante das expedições, para Rondônia, foi exatamente a terceira, pois aquela coluna varou todo o sertão do 11 Nome científico da árvore da seringueira. 25 atual Estado em travessia que durou 237 dias – de maio a dezembro, numa expedição superior a 800 km”. (SILVA, 1979, p. 91). Depois de mais algumas décadas, um novo processo migratório aconteceu a partir de 1942. Dessa vez, foi o Segundo Ciclo da Borracha desencadeado pela Segunda Guerra Mundial. Com os caminhos que levavam aos seringais da Malásia bloqueados pelas forças armadas japonesas que lutavam ao lado do Eixo, os exércitos Aliados viram seus estoques de borracha – matéria prima primordial para o esforço de guerra – em situação crítica. A alternativa seria retomar a produção da borracha amazônica. Isso foi feito através do “Acordo de Washington”: “[...] os chamados ‘soldados da borracha’ foram enviados para a região. [...] Com a criação dos territórios federais em 1943, pelo presidente Getúlio Vargas, surgiu o Território do Guaporé, com dois municípios: Porto Velho e Guajará-Mirim”. (SILVA, 1979, p. 72). Em 1945, com o fim do conflito mundial e o restabelecimento das rotas dos seringais malaios, termina o Segundo Ciclo da Borracha na Amazônia e, mais uma vez, dezenas de milhares de seringueiros são abandonados à própria sorte em meio à floresta. As movimentações humanas descritas até aqui formaram a população ribeirinha tal qual a conhecemos hoje. Essa população conviveu com as populações indígenas locais sem grandes problemas – houve assimilação dos dois lados, conforme atesta Sandro Colferai: Quanto à ocupação da região que viria a ser Rondônia ainda durante a primeira metade do século XX poucos eram os núcleos urbanos e os moradores estavam distribuídos preferencialmente às margens dos principais rios e, muitas vezes, se confundiam com a população indígena nas suas práticas e na relação com a floresta. (COLFERAI, 2009, p. 75). Foi a abertura da BR-364, feita pelo então presidente da República, Juscelino Kubitscheck de Oliveira, a grande responsável pela ocupação do espaço de Rondônia. O quadro mostra a evolução populacional do Estado a partir deste empreendimento: 26 Censo Urbana % Rural % Total 1950 13.816 37,4 23.119 62,5 36.935 1960 30.186 43,2 39.606 56,7 69.792 1970 59.564 53,6 51.500 46,3 111.064 1980 228.539 46,5 262.530 53,4 491.069 1991 659.327 58,2 473.365 41,8 1.132.692 Tabela 2 – População residente em Rondônia por censo, segundo situação de domicílio Fonte: Anuário Estatístico do Brasil – 1996. IBGE: Rio de Janeiro, 1997. A ocupação da Amazônia Ocidental foi resultado das tensões sociais geradas nas cidades do Sul e Sudeste brasileiro pela Revolução Verde 12. A mecanização da agricultura nessas regiões formou uma massa de agricultores sem trabalho que se aglomeraram nas periferias das cidades, gerando tensões sociais. A solução encontrada pelo governo militar da época foi abrir uma nova frente de agricultura e levar para ela essa massa humana ociosa – homens sem terra em busca de terra. Como alvos preferenciais dessa estratégia estavam o noroeste de Mato Grosso e o então Território Federal de Rondônia. O Ibra (Instituto Brasileiro de Reforma Agrária) foi implantado em território rondoniense em 1968. Em 1970 o órgão foi transformado em Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), justamente para desenvolver projetos específicos de colonização para a região Amazônica. Nos últimos anos, a relação social do homem com a natureza, em Rondônia, vem sendo condicionada pela colonização agrícola, implantada no Estado a partir de 1970. (...) A partir do período citado, o campesinato que se dirigiu ao Estado foi composto basicamente por camponeses excluídos de regiões já incorporadas à expansão tecnológica (revolução verde, mecanização agrícola). (CEMIN, 1992, pp. 11-12). 12 Revolução verde é uma expressão criada em 1966 em uma conferência em Washington (EUA) para designar a mecanização da agricultura mundial e o consequente aumento da produção agrícola, com o objetivo – não alcançado – de erradicar a fome no planeta. 27 No início dos anos de 1970, o Incra delimitou sete unidades territoriais – cinco PIC’S (Projetos Integrados de Colonização), que veio a beneficiar algo em torno de 24 mil famílias em lotes de 100 hectares – e dois PAD’s (Projetos de Assentamento Dirigido), esses com lotes de 250 hectares com o objetivo de atrair investimento de capital privado. O órgão regularizou posses de projetos fundiários e promoveu a destinação de terras públicas mediante licitações públicas com certames de abrangência nacional. O Incra implantou também, entre 1980 e 1988, seis PA’s (Projetos de Assentamentos). Em lotes de 50 hectares foram assentadas 8,5 mil famílias. Uma outra modalidade, os PAR’s (Projetos de Assentamento Rápido) foi desenvolvida para assentar 16 mil famílias. De acordo com dados do PLANAFLORO (1989), graças a ação do governo federal, Rondônia recebeu cinco PIC’s, dois PAD’s, 21 PAR’s, três projetos financiados pelo Polonoroeste, um financiado pelo Finsocial e mais 13 projetos resultantes do I PNRA, beneficiando 47.683 famílias que foram distribuídas em 45 projetos de colonização (OLIVEIRA, 2010, pp. 35, 36). Os projetos de assentamento do Incra eram precedidos dos NUAR’s – Núcleo Urbano de Apoio Rural –, uma pequena estrutura urbana que deveria agregar a infraestrutura de segurança, saúde e educação para apoiar a atividade de colonização e que era, em última instância, o embrião das cidades rondonienses – até 1977 Rondônia tinha dois municípios, Porto Velho e GuajaráMirim. Entre 1977 e 1995, outros 50 municípios foram criados, perfazendo as 52 cidades existentes hoje no Estado. (OLIVEIRA, 2010, p. 32). Desordenada, a ocupação de Rondônia logo escapou ao controle do Incra, que estava sempre a reboque dos sem terra em busca de terra: A intensa atuação da população em Rondônia induz à conclusão de que o Estado tem uma participação irrisória no surgimento e crescimento das cidades. [...] A ação dos migrantes se configura em múltiplas formas: da pressão política à luta armada; e desta à implantação de roças, à abertura de picadas e estradas e à construção de pontes e de cidades. [...] Ambos, campo e cidade, denunciam, pela ausência quase total de infra-estrutura física e social, o caráter predatório do processo da colonização agrícola induzido pelo governo autoritário implantado no país em 1964. [...] Esse consumo predatório das forças produtivas, humanas e naturais, é impossível de ser mensurado. (CEMIN, 1992, pp. 57, 58). 28 Os PAR’s foram concebidos juntamente com o governo do Território Federal. Pelo acordo, o Incra entraria com a terra, demarcação topográfica e titulação dos lotes e o governo territorial dotaria as glebas de estradas, escolas, postos de saúde e serviços de assistência técnica e desenvolvido rural. Aconteceu, porém, que o governo territorial não cumpriu a sua parte no acordo. Sem infraestrutura, os colonos terminaram por abandonar os lotes e se instalaram precariamente nas nascentes cidades, iniciando um processo de favelização das mesmas. Em 1988, de acordo com Cemin (1992), as áreas de colonização mais antigas já apresentavam processos simultâneos de fragmentação e reconcentração fundiária, motivadas por dificuldades econômicas ou por redistribuição da terra no interior da própria família camponesa, fazendo com que o “excedente” familiar se deslocasse em busca de novas áreas, visando à reconstituição da unidade de produção familiar. Cemin (1992), partindo de estudos de Max Weber, defende a tese do “colono ideal”. Por essa tese a colonização se valeu de mecanismos de seleção para o controle do espaço e controle dos homens, produzindo, com isso, a noção de “colono modelo” – o sujeito com maior grau de instrução e de capital – o médico, o advogado, o engenheiro ou o grande fazendeiro – e que tem acesso às modernas técnicas agrícolas e ao crédito rural, além de ser politicamente submisso aos ditames das agências de colonização. Esse sujeito se torna ativo na colonização agrícola do Estado, iniciando um processo de concentração fundiária que transformaria as pequenas propriedades de produção familiar em grandes propriedades de pecuária extensiva e monocultura mecanizada, gerando assim novo contingente de homens sem terra que se aglomeravam nas periferias das cidades rondonienses. [...] No mesmo sentido, como contraparte necessária, esses mesmos mecanismos de “seleção” produziram um processo de “exclusão social”, perpetuando-se após os assentamentos, através de precárias condições de vida, expressas principalmente na quase total ausência de infra-estrutura social. Tal processo continua forçando os colonos a abandonar os lotes e retornar suas trajetórias de migrações, passando, então, de forma plena, à classificação oficial de “especuladores”, “arrivistas”, “ociosos” e “vagabundos”. (CEMIN, 1992, pp. 84, 85). 29 A concentração de terras nas mãos de uma minoria privilegiada é outro fator agravante para a expulsão das pessoas para os grandes centros urbanos. Sem lugar para morar, nem terra para produzir, acabam por se concentrar nas periferias, conforme José de Souza Martins: O ponto de partida para começar a entender essa questão das lutas no campo é, no meu modo de ver, a alta concentração da propriedade da terra no Brasil. Apesar de haver legislação específica a respeito, muito noticiário, informes oficiais etc., não está havendo uma atenuação do processo de concentração da propriedade. Ao contrário, a tendência é crescer a concentração da propriedade. Pouca gente com muita terra, 1% com 50% de terra e muita gente com pouquíssima terra; praticamente metade dos estabelecimentos agrícolas no Brasil têm pouco mais de 1% da terra. (Martins, 1984, p. 63). Eis aí o homem a ser estudado nessa pesquisa. Excluído da terra pelo capital, se transformou, segundo Cemin (1992), em “especulador”, “arrivista”, “ocioso” e “vagabundo”. Na ausência de opções de sobrevivência nas jovens cidades rondonienses, esse homem se transformou no “Exército de Reserva de Mão de obra”, na concepção marxista do termo, para os grandes empreendimentos agropecuários que se desenvolviam em Rondônia. Os deserdados da colonização agrícola que não eram absorvidos por esse mercado passaram a viver de atividades marginais na economia das cidades. Uma delas: catar lixo. É lícito pensar, então, que o catador de lixo das cidades rondonienses é, originalmente, o agricultor que não teve acesso à terra. Ou o ribeirinho e extrativista que teve a sua terra negada ou tirada pela colonização agrícola de Rondônia. 1.4 Catadores de materiais recicláveis do Lixão Municipal de Vilhena 1.4.1 Perfil dos catadores A presente pesquisa tem como objeto de estudo os catadores de materiais recicláveis do lixão de Vilhena. A partir daí, procura-se conhecer o perfil pessoal e profissional desses trabalhadores, assim como entender quem são esses sujeitos, e verificar através da análise e participação como elas realmente vivem. 30 Vilhena, Rondônia, está localizada na BR 364, na divisa do estado com o Mato Grosso. Sua área, de acordo com dados do IBGE 2010, é de 11.519 km2, e possui 76.202 habitantes. No lixão, o mau cheiro – tanto gerado pela decomposição dos resíduos quanto da queima dos mesmos, que gera fumaça – é quase insuportável e podemos ver claramente a contaminação do solo pelo chorume que, consequentemente, contamina os lençóis freáticos. Ainda como agravante da situação, ali estão presentes animais transmissores de doenças como o caramujo africano, estes em grandes quantidades. Cães, galinhas, moscas e garças também dividem o espaço com os catadores. Apesar de a maioria relatar que não tem medo do trabalho com o lixo, um catador, em especial, nos contou um pouco sobre sua experiência na profissão e as doenças que herdou. José Cândido, 54, ex-lavrador, de acordo com seu depoimento, ele vive do lixo há 34 anos. Analfabeto, tenta a aposentadoria ou outro benefício do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), mas por ter trabalhado a vida toda na informalidade, não tem direito. José nos contou que o trabalho no lixo já o deixou doente com hanseníase, do que está curado. Hoje, ainda segundo seu depoimento, o exlavrador está com Elefantíase e foi proibido pelos médicos de trabalhar no lixo, mas devido à necessidade de sobrevivência, é obrigado a continuar a lida como catador. Além disso, não pode pegar sol, o que complica ainda mais a sua vida. Nas visitas feitas ao lixão municipal, as pesquisadoras se depararam com profissionais diferentes daqueles que, na maioria das vezes, são mostrados pela mídia comercial, pelos filmes, novelas e documentários. O catador de materiais recicláveis de Vilhena é um personagem da cadeia de reciclagem responsável, e em sua grande maioria, digno – maioria porque tivemos relatos de que alguns roubam os materiais, principalmente ferro e cobre, recolhidos pelos colegas, durante a noite. Realizam o trabalho com orgulho, mesmo que alguns se escondam de câmeras. São pessoas humildes, mas trabalhadores que demonstram ter vontade de melhorar de vida. A maioria possui casa própria e alguns têm carro ou moto – como será documentado mais a frente neste trabalho. Muitos trabalham e vendem os materiais recicláveis independentes, já que ali, qualquer pessoa pode trabalhar. Outros dependem da venda ao “carroceiro”. Mas, o que interessa aqui, é mostrar quem, de fato, é esse catador. 31 Para conseguir entrevistar as pessoas, foram necessárias algumas conversas informais. A primeira visita foi no dia 17 de setembro de 2011, conforme o relatório. As pesquisadoras tiveram como base um questionário, com vinte e nove perguntas, aplicado em uma amostra de 15 catadores (30%) de um total de mais ou menos cinquenta pessoas que vivem da renda do lixão. Algumas pessoas se negavam a falar e a responder ao questionário, o que dificultou o trabalho, e fez com que as acadêmicas só terminassem as entrevistas na terceira visita para a aplicação dos mesmos. Na visita para aplicação dos questionários, 19 de abril, foi aplicado um único questionário, pois devido à forte chuva, não foi possível se locomover no local, além disso, os catadores foram todos embora. Na segunda visita, 24 de abril, foram aplicados seis questionários, e na terceira, 30 de abril, oito, finalizando essa atividade. Para conhecer melhor e entender quem são esses catadores, organizamos os dados coletados em gráficos, mostrando seu perfil. Determinou-se que trabalham no lixão municipal de Vilhena 15 catadores, sendo que 10 são mulheres e 5 são homens. As mulheres mostraram-se mais receptivas, porém sempre demonstrando algum receio em responder as questões, mas os homens, respondiam com mais firmeza, mostrando sempre mais certeza e exatidão nas respostas. Quanto à idade, a maioria se situa na faixa etária que vai de 31 a 40 anos, conforme mostra a figura 1: 32 Faixa etária 3 2 16 a 30 31 a 40 1 41 a 50 5 51 a 60 mais de 60 4 Figura 2: Distribuição dos catadores por faixa etária Segundo os catadores, são vários os motivos que os levam ao trabalho com o lixo. As duas pessoas mais jovens são homens, de 16 a 30 anos, e ambos alegaram ser o desemprego o motivo por estar trabalhando no lixão. Já na faixa que vai de 31 a 40 anos, duas mulheres relataram que os maus-tratos no trabalho como doméstica fizeram com que optassem pelo trabalho de catadoras. Segundo elas, no lixão ninguém manda e são independentes, fazem seu horário e, consequentemente, ganham de acordo com o quanto trabalham. Uma pessoa alegou o desemprego, outra o fácil acesso ao lixão, por morar nas proximidades, e ainda outra alegou estar cuidando da chácara da mãe, falecida recentemente, além do desemprego e da distância da cidade. Já na faixa que vai de 41 a 50 anos, três pessoas alegaram gostar do trabalho no lixo, além da independência, e uma relatou que precisa do trabalho para complementar a renda da família. O único homem com idade entre 51 e 60 anos, seu José, citado anteriormente, que trabalha como catador há 34 anos, alega a idade e o desemprego como motivos para continuar trabalhando com o lixo. Segundo ele, com o aparecimento de diversos problemas de saúde adquiridos no lixão e a necessidade de parar de trabalhar com o lixo, percebeu também que a idade 33 avançada é um agravante para o desemprego. Os catadores com mais de 60 anos também alegaram o desemprego, agravado pela idade avançada. Quanto ao estado civil, nove são casados, dois solteiros, três estão separados e um é viúvo. A maioria dos catadores (13) possui casa própria, somente dois moram de favor ou em casa alugada, 12 moram nas proximidades do lixão municipal e três moram na cidade. Quanto à infraestrutura das residências, somente três possuem coleta de lixo, 11 catadores possuem energia elétrica e quatro, não. Quando iniciamos a pesquisa, as residências (chácaras) ainda não tinham energia elétrica, mas já durante a aplicação dos questionários, presenciamos a instalação pelo programa Luz Para Todos do governo federal. A maioria dos catadores (oito) possui ensino fundamental incompleto, 5 são analfabetos, um possui ensino fundamental completo e um, ensino médio completo, o que mostra que o baixo índice de escolaridade também é um fator agravante ao desemprego e, consequentemente, os levam para o subemprego. Quanto à educação dos filhos, todos os catadores afirmaram que, das crianças em idade escolar, todas frequentam a escola, o que mostra uma preocupação com a educação. Vale lembrar que, conforme os próprios catadores nos informaram, com os filhos frequentando a escola, essas famílias recebem o auxílio do governo, o Bolsa Escola, que complementa a renda. A renda dos catadores varia, conforme a figura 2. 27% ganham menos de um salário mínimo e 73% recebem até dois salários mínimos. De acordo com os próprios catadores, a renda varia de acordo com o trabalho de cada um. Alguns trabalham o dia todo e por isso a renda é maior. 34 Renda 27% Menos de um salário mínimo De um até dois salários mínimos 73% Figura 3: Renda dos catadores advinda dos materiais coletados Sete catadores vivem somente com a renda da reciclagem. Oito recebem auxílio do governo, Bolsa escola, duas pessoas complementam a renda com o programa Bolsa Família, cinco pessoas com pensão e três com aposentadoria. A renda de 13 dos 15 catadores pesquisados é responsável pelo sustento de dependentes. Veja a tabela a seguir: Catador Renda mensal como catador Nº de dependentes Adonias da Silva Até dois salários mínimos 8 Carreirinha Até um salário mínimo 2 Cleonice Conceição Até um salário mínimo 2 Cleusa da Silva Até um salário mínimo 4 Eni Silva Até dois salários mínimos 4 Genivaldo Santana Até um salário mínimo 1 José Cândido Até dois salários mínimos 3 Maria Gomes Até um salário mínimo 3 Maria Sabanê Até um salário mínimo 4 Miriam da Silva Até um salário mínimo 6 Neusa da Silva Até dois salários mínimos 4 Pedro Rocha Até um salário mínimo 4 Zeneide Ribeiro Até um salário mínimo 2 Tabela 3: Renda mensal e número de dependentes de cada catador 35 Outro dado significativo é que muitos catadores (47%) trabalham há mais de dez anos com o lixo. Tempo de trabalho como catador 5; 33% 7; 47% Menos de três meses Seis meses Um ano e meio Mais de 10 anos 2; 13% 1; 7% Figura 4: Tempo de trabalho como catador de materiais recicláveis A distribuição das profissões antes de trabalhar na catação, está na figura a seguir: Profissão anterior a de catador de material reciclável Sempre foi catador 2 3 Desempregado 2 1 Doméstica Vendedora Lavrador Pedreiro 2 3 1 1 Manicure Dona de casa Figura 5: Distribuição das profissões antes de os catadores entrarem na cadeia da reciclagem 36 No que se refere às dificuldades para a realização do trabalho, as opiniões se dividem entre os catadores. A maioria deles, (nove) não encontra dificuldade no desempenho da função. Os outros seis relataram a chuva, o sol forte, a dificuldade em vender o material coletado, a distância de casa, pois alguns moram na cidade, o serviço pesado e cansativo e a falta de costume com o lixo como fatores que dificultam a realização do trabalho. Os materiais reciclados são, na maioria das vezes, o plástico e alumínio (este em formato de latinhas de refrigerante/bebida). O ferro, o papel e o cobre também são coletados, mas em menores quantidades. A maioria dos catadores vende o lixo selecionado para o balanceiro, conhecido como Gaúcho (11 catadores). Os outros quatro disseram que vendem para qualquer um que se dispõe a comprar. Em conversa com Gaúcho (que não quis ser fotografado e nem gravado, conforme o relatório), ele informou os valores que paga aos catadores por alguns materiais. O plástico vale, segundo eles, R$ 0,40 e as latas variam de R$ 1,80 a R$ 2,00. Os valores informados tanto pelos catadores quanto pelo carroceiro foram parecidos. Alguns catadores disseram às pesquisadoras não terem ideia de quantos quilos de materiais coletam por dia. Porém, entre os que responderam, as diferenças são grandes. Variam de três quilos a 200 quilos. Veja no gráfico: Quilos coletados por catador/dia 3 7 2 Não sabe De três a cinco quilos De 90 a 130 quilos 3 Figura 6: Quilos coletados por catador em um dia de trabalho De 150 a 200 quilos 37 O peso dos materiais e das bolsas, que os catadores chamam de bag´s, e os movimentos repetitivos, segundo o Dr. Newton Pandolpho, médico ortopedista, podem trazer alguns problemas, como LER (Lesão por Esforço Repetitivo) e outras doenças osteoarticulares. A maioria dos catadores – nove deles – relatou não ver perigo na realização do trabalho no lixão. Os que relataram algum medo disseram ser de cortes, fogo e explosões. Quanto ao incômodo causado pelo cheiro do lixo ou da fumaça, cinco catadores disseram não se sentirem incomodados e dez relataram que o mau cheiro e, principalmente, a fumaça, além de atrapalhar o trabalho, causam irritação nos olhos e dificuldade na respiração. Quanto aos acidentes de trabalho, cinco catadores relataram que já sofreram cortes nas mãos. Os outros dez, disseram que realizam o trabalho com cuidado, usam luvas e botas, que reduzem os danos causados pelos acidentes. Apesar de a maior parte dos trabalhadores pesquisados não ver riscos em seu trabalho, alguns relataram problemas de saúde, que podem ser consequências do trato diário com o lixo. Apenas um dos 15 catadores pesquisados reconhece que está doente em consequência de seu trabalho, conforme mostra a figura 6. Possui algum problema de saúde? 1 1 Não 1 Osteoporose Coluna 1 Alergia, rins e coluna 8 2 Bronquite Elefantíase e hanseníase 1 Figura 7: Doenças relatadas pelos catadores Reumatismo 38 Este é o perfil do catador de materiais recicláveis do lixão municipal de Vilhena, em partes, parecido com o catador mostrado na mídia local e, em outras, diferente, um ser humano digno, que busca condições para viver, tirando do meio do lixo materiais que garantem sua sobrevivência, contribuindo assim, para a manutenção e preservação do meio ambiente. 39 2. FOTORREPORTAGEM 2.1 O gênero jornalístico fotorreportagem O espaço editorial de um periódico é dedicado, em sua maior parte, ao gênero reportagem. Em jornalismo, reportagem é, grosso modo, uma narrativa dos fatos que compõe expressa a atualidade da publicação. Dentre tais reportagens em texto, é possível também se valer da reportagem em fotografias. As histórias em fotografias são, de alguma forma, o gênero nobre do fotojornalismo. Em todo o caso, são, pelo menos, uma peça importante no portfólio de qualquer fotojornalista. Seriam para o fotojornalismo aquilo que a reportagem é para o redator. (SOUSA, 2004a p. 127). Segundo Sousa (2004), para a constituição de uma história em fotografias, o jornalista precisa de tempo para pesquisar, planejar e executar os passos que devem ser realizados antes de iniciar o registro de imagens. Para o autor, as fotohistórias debruçam-se sobre problemas sociais, sobre a vida das pessoas ou sobre um acontecimento. Não é raro abordar-se um problema social seguindo-se a vida quotidiana que uma determinada pessoa leva. É como converter em fotografias a técnica redatorial que consiste em personalizar o começo de uma história (relatar o que está a suceder a uma pessoa e passar, a partir daí, para a abordagem de uma situação geral). (SOUSA, 2004a, p. 128). Portanto, para que uma fotorreportagem seja completa, o primeiro passo importante a ser tomado é conhecer a temática selecionada, para levantar dados através da documentação coletada, verificar trabalhos já existentes sobre a temática, programar entrevistas com especialistas ou pessoas envolvidas. Ainda conforme Sousa, (2004), estes primeiros procedimentos são necessários para uma melhor compreensão dos possíveis elementos constituintes da fotorreportagem para legitimar o trabalho; para isso, a consulta e a contestação de fontes é fundamental. Neste processo de coleta de informações, os indivíduos entrevistados devem autorizar o fotojornalista assinando o termo apropriado providenciado pelo próprio repórter fotográfico. É importante observar que, a programação dos contatos com os possíveis entrevistados deve ser feita com antecedência para evitar futuros problemas, 40 como agendas cheias. Neste passo é importante informar qual é o objetivo da fotorreportagem (apresentar-se como graduando do curso de Jornalismo e de qual escola) e como as imagens serão veiculadas para então apresentar o pedido de autorização do uso de imagem. Este procedimento é indispensável porque evita problemas judiciais futuros, pois não é raro, na fotorreportagem a necessidade de captar imagens do indivíduo e do seu meio ambiente, sua casa, de seus parentes, do seu trabalho. Em sua primeira visita, nesses casos, é preferível que o fotojornalista não leve a câmera, o que pode intimidar a pessoa a ser fotografada (SOUSA, 2004b). O objetivo da fotorreportagem é, geralmente, situar, documentar, mostrar a evolução e caracterizar uma situação e as pessoas que dela participam. Nesse gênero jornalístico, o objetivo não é demarcar e manifestar um ponto de vista ou julgar a realidade em foco (SOUSA, 2000b). Salienta ainda o autor que, como o trabalho da fotorreportagem narra uma história por meio de imagens, esta, portanto, deve conter todas as etapas: começo, meio e fim. A fotografia de encerramento deve sumariar a essência da história que foi contada e fechá-la com chave de ouro. No meio de tantas fotografias-tipo, quando fotografa, o fotojornalista deve esforçar-se para imaginar como é que a sua história vai ser contada e, portanto, como é que ela vai ser paginada. As histórias em fotografias devem ter um princípio, um meio e um fim. (SOUSA, 2000, p. 130). 2.2 Breve história do uso da fotografia no jornalismo O ambiente positivista do século XIX permitiu o nascimento da fotografia, que foi beneficiada por descobertas e inventos anteriores, como as câmeras escuras e claras. Isso ocorreu como resultado da necessidade e da vontade de se encontrar um meio que permitisse a reprodução mecânica da realidade visual. Com o aparecimento da fotografia, houve uma “crise de readaptação no universo representacional, “privada” do realismo por um outro realismo.” (SOUSA, 2004b). 41 A inserção da fotografia no jornalismo é notada quando os primeiros aficionados em fotografia apontaram a câmera para um acontecimento, visando que essa imagem chegasse a um público, com intenção testemunhal. Nos Estados Unidos, a primeira fotografia de um acontecimento público foi em 1844, quando William e Fredecrik Langenheim, fotografam uma multidão reunida em Filadélfia por ocasião da eclosão de uma série de motins anti-imigração. Na França, em 1843, é publicada a segunda revista ilustrada. O registro fotográfico da cerimônia de assinatura de um tratado de paz entre França e China torna conhecida a figura do pré-fotorrepórter e as fotografias do incêndio de Hamburgo e de uma cerimônia protocolar. Estas imagens ficam para a história como indícios daquilo que, mais tarde, se confirmaria como alguns dos temas configuradores de rotinas produtivas e convenções no fotojornalismo (SOUSA, 2004b). Para Sousa (2004) o fotojornalismo é uma atividade sem fronteiras claramente delimitadas, que usa a fotografia como veículo de observação, informação e de análise de opinião. É através dela, que a informação ganha maior credibilidade. Com o passar dos anos, a evolução tecnológica permitiu que as câmeras reproduzissem os fatos da realidade de forma cada vez mais perfeita. Conforme Sousa (2004b), como consequência dessa perfeição, alimentou-se a ideia de que a fotografia seria o espelho da realidade. Em meados da década de cinquenta do século XIX, quando a fotografia já havia se beneficiado de muitos avanços tecnológicos, esta abandona os estúdios e avança para a documentação imagética do mundo com o realismo que a pintura não conseguia ilustrar (SOUSA, 2004b). Para que se chegasse aos moldes em que a fotografia está hoje, a história do fotojornalismo foi marcada por invenções como, por exemplo, a câmera Kodak, menor e mais leve, que democratizou o uso de câmeras, pois permitiu que qualquer pessoa fotografasse; a descoberta do flash de magnésio também contribuiu para a evolução do ato fotográfico porque possibilitou a captação de imagens em ambientes fechados e sem iluminação (SOUSA, 2004b). A utilização da fotografia como registro de acontecimentos, fez com que as guerras nunca mais fossem as mesmas. Os fotojornalistas passaram a dar 42 atenção e registrar os conflitos, arriscando suas vidas em busca de registros que viessem a ilustrar o que ocorria da forma mais real possível. Depois da fotografia a guerra nunca mais seria a mesma. Com o médium emergente, o observador era projetado num mundo mais próximo, mais real, mas por vezes mais cruel. No mundo da imprensa, com as fotos, o conhecimento, o julgamento e a apreciação deixaram de ser monopolizados pela escrita. (SOUSA, 2004b, p. 40). Já na Segunda Guerra Mundial, a fotografia era um fator importante para animar a moral. As fotos das atrocidades da guerra foram mostradas apenas no fim do conflito, mesmo que os fotógrafos as tivessem feito durante a ação. Depois da hostilidade, fotos de prisioneiros voltando para casa também causavam comoção. Assim, a Segunda Guerra (1941-1945) serviu para que a imprensa sentisse o poder da fotografia, algumas vezes maior do que o do texto (SOUSA, 2004b). Nos anos 60 do século XX, alguns fotógrafos provaram que o bom jornalismo poderia ser feito com o uso da cor, passando esta a dominar as revistas e entrando com força nos jornais, principalmente nas primeiras páginas, a partir da década de 80. Nessa mesma década, houve um aumento no interesse das revistas pela imagem fotográfica, que ganhou mais espaço dedicado somente à fotografia (SOUSA, 2004b). Após a Segunda Guerra Mundial, três tipos de equipamentos fotográficos passaram a fazer parte da história do fotojornalismo. A câmera Rolleiflex 6x6cm, de negativo quadrado e focalização com a câmera no umbigo, a Leica 24x36mm e a Nikon também 24x36mm com o fotômetro incorporado (LIMA, 1989). A modificação de atitudes e ideias sobre a imprensa contribuiu para a emergência do moderno fotojornalismo na Alemanha dos anos vinte. A aparição de máquinas fotográficas como a Leica, mais pequenas e providas de objetivas luminosas, possibilitou a obtenção de imagens espontâneas e de fotografias de interiores sem iluminação artificial, o que permitiu a aparição da “fotografia cândida” (candidphotography). O valor noticioso sobrepôs-se, pela primeira vez, à nitidez e à reprodutibilidade enquanto principal critério de seleção. (SOUSA, 2004a, p. 14-15). O nascimento do fotojornalismo moderno pode se situar na Alemanha, após a primeira Guerra. Nesse período, a arte, as letras e as ciências florescem, e este ambiente repercute na imprensa. A Alemanha torna-se então, dos anos 1920 43 aos 1930, o país com mais revistas ilustradas. Depois disso, surgem publicações, baseadas nas publicações Alemãs na França, Reino Unido, Estados Unidos e Portugal (SOUSA, 2004a). O surgimento da fotografia desencadeou uma busca, sem fim, em aperfeiçoar a tecnologia para imprimir, cada vez melhor, a realidade. Por volta dos anos 1980, os fotógrafos iniciam o uso generalizado do computador para manipular as imagens quanto ao enquadramento, contrastes etc. A imagem totalmente ficcional tornou-se, assim, mais rápida e fácil de se criar (SOUSA, 2004a). 2.3 Elementos e características da produção da fotorreportagem É no fotojornalismo, segundo Lima (1989) que a fotografia pode mostrar sua capacidade de transmitir informações, que podem ser elaboradas, ganhando beleza, através do simples enquadramento que o fotógrafo pode fazer. Para ele, informação e impacto são fundamentais para a fotografia de informação, que também é uma forma de escrever com imagens e componentes. O fotojornalismo preenche uma função bem determinada e tem características próprias. O impacto é elemento fundamental. A informação é imprescindível. O repórter fotográfico não se aprofunda em considerações estéticas, pois o seu objetivo é comunicar informações e transmitir mensagens informativas de interesse do leitor, que é objetivamente um leitor definido. Um jornal atinge uma população específica, uma camada social definida. Ao repórter fotográfico cabe se expressar numa linguagem icônica que deve ser clara, onde não existe nenhum jogo de decodificação. (LIMA, 1989, p.16). Na fotografia, existem elementos essenciais para a adequação e utilização da imagem capturada. Muitos manuais adotam regras, que com o anos passaram a ser utilizadas no fotojornalismo. A regra dos terços, por exemplo, é um recurso utilizado em fotografia para dar equilíbrio à imagem e consiste em traçar duas linhas horizontais e duas linhas verticais, dividindo a imagem em nove partes. O motivo a ser destacado deve ficar sobre o cruzamento dessas linhas imaginárias. Porém, salienta o autor que esta regra é um facilitador para a produção de boas imagens, não é regra obrigatória. 44 2.3.1 O texto na fotorreportagem Segundo Sousa (2004a), o texto é um elemento imprescindível da mensagem fotojornalística. Para o autor, não existe fotografia sem texto, pois uma imagem sem uma legenda que a ancore pode ter vários sentidos, dependendo de quem a lê, de seu conhecimento, da época etc. Entre as várias funções que a fotografia exerce no fotojornalismo estão: Chamar a atenção, complementar, ancorar, conotar, analisar, interpretar ou comentar a imagem. Ivan Lima, 1989, concorda com o autor acima citado: [...] Como o caráter polissêmico da fotografia é muito grande, ela permite interpretações diversas, desde que essa fotografia não seja precisa em seus objetivos. O contexto pode ter uma influência determinante na reação que a notícia terá junto aos leitores. (LIMA, 1989, p. 57). A informação visual contém, na maioria das vezes, elementos concretos e abstratos. Apenas os concretos podem ser visualizados e é muito difícil uma fotografia falar por si só. Assim, é importante informar o leitor, sobre os aspectos abstratos da fotografia, e também as questões concretas que não ficaram claras na imagem (Lima, 1989). Para o jornalismo em particular, a fotografia está sempre associada à escrita, e é a escrita que na comunicação da notícia faz a relação entre a imagem não verbal e o relato escrito da notícia. E isso é feito pela legenda. (LIMA, 1989, p. 55). 2.3.2 A linguagem fotográfica e os elementos da composição Segundo Jorge Pedro Sousa (2004), o enquadramento corresponde ao espaço visível da realidade representado na fotografia. Quem dita de que forma de dará o enquadramento é o fotógrafo. No fotojornalismo, é comum o reenquadramento de fotografias, para assim, retirar da imagem elementos desnecessários e que desviem a atenção do observador e concentrar a 45 observação no motivo principal. O enquadramento concretiza-se no plano, que se divide, de acordo com SOUSA (2004), em: Planos gerais: Esses planos são abertos e servem, principalmente, para informar e situar o observador no ambiente em que ocorre um o fato, mostrando uma localização concreta. Muito usado para fotografar paisagens e eventos de massas, o plano geral é o enquadramento em que o espaço é dividido entre o ambiente e o sujeito (SOUSA, 2004a). Para o presente trabalho, as pesquisadoras utilizaram esse plano para destacar o ambiente em que se passavam os fatos, e situar o objeto de pesquisa no local em que trabalha. Figura 8: Catadores em plena atividade no Lixão Municipal de Vilhena Planos de conjunto: São os planos gerais mais fechados. O uso desse enquadramento facilita e identificação do personagem e da ação na imagem capturada. As pesquisadoras utilizaram o plano de conjunto quando as cenas reproduziam ações importantes dentro do acontecimento. 46 Figura 9: A catadora Maria Balesti, 52, durante a separação do material coletado Plano médio: Serve para focar e relacionar o personagem ou objeto de forma mais objetiva. Quanto mais aberto pode se tornar um plano de três quartos ou Pano Americano, e quanto mais fechado, caracteriza um plano próximo (SOUSA, 2004a). Figura 10: A catadora Jaíne flagrada em momento de descanso e descontração no Lixão Municipal de Vilhena Grande plano: Esse plano enfatiza particularidades, e é, frequentemente, mais expressivo do que informativo. Focaliza detalhes, como, por exemplo, um rosto ou um objeto. Se estiver muito fechado, este plano é chamado de muito grande plano ou plano de pormenor (SOUSA, 2004a). 47 Figura 11: Detalhe das mãos protegidas da catadora Maria Balesti durante a jornada de trabalho Plano Normal: É quando a captação da imagem se dá paralelamente à superfície, dando uma visão objetiva do motivo representado na fotografia (SOUSA, 2004a). Figura 12: A manequim enfeitada no quintal da casa de Maria e Genivaldo representa o bom humor da família 48 Plano picado: Este plano tende a desvalorizar o motivo fotografado, pois a tomada de imagem se faz de cima para baixo (SOUSA, 2004a). Plano contrapicado: Este plano tende a valorizar o motivo, pois a captação da imagem é feita de baixo para cima (SOUSA, 2004a). A disposição dos elementos nas fotografias são chamados de composição. Segundo SOUSA (2004a), a disposição dos elementos busca a obtenção de um efeito unificado, que em princípio é a transmissão de uma ideia ou sensação. É a forma como os elementos que compõem a fotografia competem pela atenção do leitor. A forma mais comum de composição em fotografia é a centralização do motivo. Essa forma cria uma composição simétrica, o que cria uma imagem equilibrada. Para uma boa composição, deve-se distinguir o centro visual do centro geométrico da fotografia. O centro visual se situa logo acima do centro geométrico e é para ele que o olhar tende a se dirigir, devendo assim ser privilegiado na composição. Quando o fotógrafo pretende uma imagem mais dinâmica, composições que explorem o desequilíbrio devem ser privilegiadas. A assimetria da imagem, obriga o leitor a mover-se pelo enquadramento. Além do foco principal da imagem, o fotógrafo deve mostrar o restante dos elementos que contribuem para passar uma mensagem, como os objetos, por exemplo, que são chamados de focos secundários de atenção (SOUSA, 2004a). 2.3.3 Foco de atenção É o motivo principal, a zona da imagem que deve ser privilegiada pelo fotógrafo, visando chamar a atenção para tal elemento. Organizar os estímulos é fator condicionante do tempo em que o observador vai mobilizar para o foco de atenção, para só então, ir buscar em novos focos outras informações, que devem ser organizadas e hierarquizadas a fim de gerar sentido (SOUSA, 2004a). 49 2.3.4 Relação figura-fundo Segundo SOUSA (2004), a psicologia de Gestalt ensina-nos que percebemos no contexto configurações globais e não unidades dispersas. Sendo assim, a figura é percebida sobre um fundo, a menos que preencha todo o enquadramento. No fotojornalismo, os motivos devem se destacar claramente no seu fundo, pois um fundo confuso pode fazer com que o motivo principal perca a importância, o que dificulta a construção de uma imagem clara. Essa relação figura-fundo é dinâmica e os elementos do fundo contribuem para a atribuição do sentido, por parte do observador, à mensagem final. O que se coloca em primeiro plano, nos planos secundários e no plano de fundo torna-se, assim, extremamente importante, quer para dar força visual à imagem, quer para realçar certos conteúdos. (SOUSA, 2004 p. 85). 2.3.5 Equilíbrio e Desequilíbrio Quando as linhas que conduzem o olhar na imagem se distribuem de maneira equilibrada, simétrica, falamos em equilíbrio, que pode ser estático, que gera sensações de estatismo, ou dinâmico, que produz uma certa tensão na imagem (SOUSA, 2004a). 2.3.6 Profundidade de campo É a distância entre os pontos nítidos, mais próximo e mais afastado, do ponto focado, é a zona nítida da imagem, em termos de profundidade. Esse é um elemento muito utilizado em fotojornalismo. Uma pequena profundidade de campo pode relevar objetos em relação ao fundo e aos primeiros planos, já uma grande profundidade é importante, por exemplo, na fotografia de paisagens (SOUSA, 2004a). 50 2.3.7 Velocidade ou movimento Na fotografia, é possível travar um movimento ou fazer um “escorrido”. São técnicas utilizadas, que podem congelar um movimento, e isso se dá através da velocidade do obturador. Para que isso seja possível, é necessário usar uma velocidade de obturação apropriada, que deve ser maior, quanto mais rápido é o movimento do objeto que se pretende capturar (SOUSA, 2004 a). Para o fotojornalismo, a conquista do movimento revelou-se de importância vital, uma vez que permitiu “congelar” a ação, impressioná-la numa imagem quase real, capturar o imprevisto, chegar ao instantâneo, e com ele, acenar com a ideia de verdade. (SOUSA, 2004b, p. 20, 30). 2.3.8 Colorido e Preto e Branco Segundo LIMA (1989), a fotografia em cores é mais atraente que a fotografia em preto e branco, mas permite uma representação mais limitada da realidade. Além de criar uma sensação maior de fantasia, as cores diminuem o impacto da fotografia. Do ponto de vista técnico a fotografia em cores é mais complexa do que a fotografia em preto e branco, pois para esta última, o tipo de luz importa pouco e o mais importante é a quantidade de luz (LIMA, 1989). A fotografia em cores apresenta um grande interesse na medida em que ela está aparentemente mais próxima do nosso modo de ver do que a fotografia em preto-e-branco. Na fotografia em pretoe-branco a representação é mais acentuada do que na fotografia em cores. Uma visão em cores é representada em tons negros, cinzas e brancos. Na fotografia em cores aparecem acentuadas as cores que vemos. Estamos acostumados e ver em cores e a fotografia realça essas mesmas cores, tornando-as mais vivas, mais puras. Enquanto a fotografia em preto-e-branco é uma representação, pois ela transforma a força das cores em tons neutros que vão do negro (ausência de luz) ao branco (união de todas as luzes), passando por uma gama de cinzas, a fotografia em cores está mais próxima do que vemos em termos de cor. (LIMA, 1989, p. 80). 51 2.4 Fotorreportagem e problemas sociais A fotografia é um documento testemunhal fiel. Não demorou até que a imprensa percebesse que a fotografia não era apenas uma arte, mas também contribuiria para que o leitor se sentisse dentro do acontecimento, se sentisse a própria testemunha. “Era um registro do real – incontroverso como nenhum relato verbal poderia ser, por mais imparcial que fosse –, uma vez que a máquina fazia o registro. E as fotos davam testemunho do real – uma vez que alguém havia estado lá para tirá-las.” (SONTAG, 2003, p. 26). Susan Sontag (2003), também questiona quais são os efeitos que as imagens chocantes provocam ou não nas pessoas, pois todos os dias a audiência é bombardeada com imagens que exprimem dor, o que pode torná-las cenas comuns. Comenta também que estamos vivendo um momento em que a informação é atropelada por uma avalanche de informações, com isso a fotografia oferece uma forma simples e rápida de informar e mais ainda, a imagem fixa e permanece na memória do leitor. O fluxo incessante de imagens (televisão, vídeo, cinema) constitui o nosso meio circundante, mas, quando se trata de recordar, a fotografia fere mais fundo. A memória congela o quadro; sua unidade básica é a imagem isolada. (SONTAG, 2003, p. 23). Em meados do século XIX, a fotografia conquistou avanços tecnológicos, foi então que diretores e “proto-jornalistas” perceberam que as guerras não poderiam deixar de merecer devida atenção. Nesse momento também percebe-se que a fotografia havia deixado de ser o registro da verdade para se tornar apenas uma imagem credível. As fotos da Guerra da Crimeia realizadas por Roger Fenton possuem, de fato, um condicionalismo que ultrapassa o dos limites definidos pelas tecnologias. Sendo uma expedição encomendada pelo empresário Thomas Agnew, com a primeira cobertura ‘fotojornalística’ de guerra nasce a censura prévia ao fotojornalismo. Daí serem imagens que nada revelam da dureza dos combates. Em vez disso, mostram a ‘falsa guerra’, os soldados bem instalados, longe da frente. É ainda a guerra vestida com a sua auréola de heroísmo e de epopeia, como tradicionalmente era representada pela pintura. (SOUSA, 2004b, p. 34). 52 “Depois da fotografia a guerra nunca mais seria a mesma.” (SOUSA, 2004b, p. 40). Para Sousa, o observador seria como um médium emergente, ele seria levado para um mundo mais próximo do real, mas também do mais cruel. A fotografia torna tudo mais real, principalmente para quem está acompanham o fato à distância. O fato ocorrido no dia 11 de setembro de 2001 com o Word Trade Center foi classificado como um fato surreal ou irreal, mesmo por quem estava lá e viu tudo de perto. As provas de que o desastre era real, estavam gravadas em forma de fotografia, além da transmissão televisiva em tempo real. O sofrimento dos que perderam entes queridos, o olhar apavorado de quem assistia a tudo, mas nada podia fazer, olhares e gestos de pessoas assustadas, são imagens que permanecem gravadas na memória dos que estavam lá, e dos que viram tudo de longe através de imagens. Para Sontag (2003), fotografias que mostram o sofrimento de um povo, são mais do que memórias de morte, derrota ou vitimação, elas também revelam o milagre da sobrevivência. Ter por objetivo a perpetuação das memórias significa, de forma inevitável, que se assumiu a tarefa de continuamente renovar e criar memórias – com a ajuda, sobretudo, da marca deixada por fotos exemplares. As pessoas querem ser capazes de visitar – e revigorar – suas memórias. (SONTAG, 2003, p. 74). Depois das primeiras coberturas fotojornalísticas nas guerras, a dramaticidade nas fotografia, passou a ser essencial, ela conferia veracidade aos acontecimentos captados pelas lentes. A partir dos anos 1960, os conflitos e guerras passam a ser registrados e publicados com menos censura que os conflitos anteriores. “Nessas guerras, tal como em acidentes e em ocasiões dramáticas, o fotojornalismo tendeu a explorar os caminhos da sensibilidade, dirigindo-se, frequentemente, à emoção, e utilizando, amiúde, a foto-choque.” (SOUSA, 2004a, p. 24). A fotografia, inclusive a de guerra, por mais forte que seja, é vista por cada pessoa de forma diferente, cada um carrega consigo uma opinião, e um 53 espectador pode encarar da mesma forma que outro uma imagem, mas a forma como vai gravar em sua mente depende da vivência de cada um. 2.5 Produto Final Narrativa 1 - Ambiente Em meio à poluição, esperança de dias melhores O lixo que a sociedade rejeita vai para um lugar que muitos desconhecem. Muitos de nós já ouvimos a respeito, mas sabemos pouco sobre a realidade destes personagens que vagam pelo lixão de Vilhena. Neste local, descobrimos trabalhadores que sobrevivem desta atividade e organizam suas vidas marcadas pelos objetos descartados pelo consumismo desenfreado de outros. Os rejeitos sólidos produzidos em Vilhena são transportados para o Lixão Municipal onde são formados centenas de montes que, para alguns são simplesmente lixo, mas para outros, é o sustento operado da coleta seletiva (foto 3). No lixão também convivem garças, corvos, cachorros que circulam entre os seres humanos (foto 6). Entre as toneladas de lixo produzidas diariamente em Vilhena, trabalham pessoas fundamentais para a reciclagem, pessoas que labutam contra as dificuldades, contra o preconceito e a exclusão social (foto 4). O trabalho transcorre, principalmente, quando o sol brilha. Entre os catadores, alguns já se acostumaram com o mau cheiro exalado pelos montes, outros reclamam que, por mais esforço que se faça, não se adaptam. Na época das águas, o chorume se acumula em alguns locais, formando verdadeiras piscinas formadas pelo líquido pegajoso de odor forte (fotos 1 e 2). O cheiro nessa época é insuportável, mas a fumaça resultante das queimadas da seca incomoda ainda mais, como as pesquisadoras experienciaram. A respiração torna-se difícil – quase impossível e os catadores parecem trabalhar normalmente, sem apresentar dificuldades (fotos 5,6,7 e 8). 54 Para descansar e se proteger do sol que acompanha a rotina dos catadores, barracos improvisados servem de refúgio e é sob esta proteção que os catadores compartilham momentos agradáveis entre seus pares. É nestas horas que todos parecem esquecer a sujeira, o mau cheiro e o trabalho pesado (foto 9). Não existem flores no lixão, como já representou bem o diretor Jorge Furtado no seu filme Ilha das Flores (1984). No entanto, ainda existe lugar para a esperança e alegria, pois a bola corre solta, ganha espaço e alimenta os sonhos das crianças que vivem do lixo produzido em Vilhena (foto 10). Foto 1 ISO – 125 - Tempo exposição 1/1000 s - Abertura 3 - Distância focal 12 mm 55 Foto 2 ISO – 100 - Tempo exposição 1/800 s - Abertura 3,4375 - Distância focal 5 mm Foto 3 ISO – 100 - Tempo exposição 1/640 s - Abertura 3,4375 - Distância focal 5 mm 56 Foto 4 ISO – 125 - Tempo exposição 1/1000 s - Abertura 3 - Distância focal 35 mm Foto 5 ISO – 125 -Tempo exposição 1/1000 s - Abertura 3 - Distância focal 35 mm 57 Foto 6 ISO – 100 - Tempo exposição 1/400 s - Abertura 4 - Distância focal 35 mm Foto 7 ISO – 100 - Tempo exposição 1/320 s - Abertura 3,6 - Distância focal 18 mm 58 Foto 8 ISO – 100 - Tempo exposição 1/200 s - Abertura 4,8 - Distância focal 46 mm Foto 9 ISO – 360 - Tempo exposição 1/125 s – Abertura 5 - Distância focal 55 mm 59 Foto 10 ISO – 100 - Tempo exposição 1/250 s - Abertura 4,8 - Distância focal 45 mm 60 Narrativa 2 – Personagens “O que para a sociedade é lixo, para nós é trabalho!” Maria Balestre - catadora No Lixão Municipal de Vilhena trabalha um sujeito fundamental para a cadeia de materiais recicláveis: o catador. São pessoas marcadas pelo tempo e pela exposição aos diversos fatores que compõem este lugar insalubre: o mau cheiro, o contato com produtos químicos não identificados, a inalação da fumaça proveniente dos incêndios etc. Todos estes fatores são ainda aliados ao trabalho braçal pesado e, muitas vezes, sob condições climáticas desfavoráveis. Para os catadores, o lixo não é lixo. É dele que retiram quase tudo o que precisam para viverem o seu cotidiano: roupas, móveis, agasalhos, sapatos, objetos de decoração e muito mais. Um momento de alegria que marca um certo aceite pelo trabalho realizado está estampado nos rostos e nas atitudes das pessoas que, descontraídas, sorriem quando são fotografadas (fotos 01, 02, 04 e 06). Para aquele que os fotografa, a impressão que fica é de que estes catadores são sujeitos conscientes de suas atividades, que colaboram para reciclar o que a sociedade descarta, para preservar o meio ambiente; os riscos que podem comprometer a saúde destes catadores estão presentes e muitas vezes são ignorados por eles que se empenham em sobreviver deste trabalho. Apesar dos problemas, a maioria dos catadores utiliza, na rotina do lixão, itens de proteção indispensáveis à atividade, como luvas, chapéu, botas e protetores para o sol (fotos 01, 02, 03, 04, 05 e 06), que são itens que expressam uma certa preocupação pela saúde e autoestima. Entre os inúmeros sacos de rejeitos, observa-se que a vaidade não fica de lado, principalmente entre as mulheres. Brincos, piercing, aparelho nos dentes, o colorido das unhas pintadas. Estas mulheres mostram que, mesmo sob o sol que castiga a pele e os olhos em meio à fumaça e chorume, a preocupação pela beleza se manifesta (fotos 06 e 07). Estas imagens parecem representar a 61 dignidade de mulheres sonhadoras, como qualquer outra, que lutam por uma qualidade de vida ainda que reciclando o que não é mais útil aos outros. Para quem os vê de longe, parece “gente coitada”. Mas quem os conhece de perto, logo percebe a riqueza de seus trabalhos e de suas almas. Quanto mais perto, a vontade é de conhecê-los ainda mais, fotografar ainda mais: sentar sob um entulho qualquer e passar horas e ouvir seus testemunhos e boas histórias. Desta experiência resultaram imagens (fotos 08 e 09) de semblantes marcantes que exprimem uma vida marcada pelo trabalho no lixão. Pessoas interessantes e surpreendentes como o “Seu Zé Goiano” (fotos 08 e 09). Um catador dedicado que há 38 anos coleciona objetos encontrados no lixo. Para cada objeto da coleção, acompanha o relato também de uma doença contraída resultante da falta de informação e proteção na sua lida diária. Zé Goiano e sua esposa posam orgulhos ao lado da placa expressando a felicidade que há no lar. (foto 9). Foto 11 ISO – 100 - Tempo exposição 1/200 s - Abertura 3,7 - Distância focal 20 mm 62 Foto 12 ISO – 100 - Tempo exposição 1/640 s - Abertura 4,8 - Distância focal 44 mm Foto 13 ISO – 125 - Tempo exposição 1/1600 s - Abertura 3 - Distância focal 18 mm 63 Foto 14 ISO – 100 - Tempo exposição 1/200 s - Abertura 4.4 - Distância focal 29 mm Foto 15 ISO – 100 - Tempo exposição 1/200 s - Abertura 5 - Distância focal 48 mm 64 Foto 16 ISO – 360 - Tempo exposição 1/125 s - Abertura 5 - Distância focal 55 mm Foto 17 ISO – 250 - Tempo exposição 1/125 s - Abertura 4.8 - Distância focal 40 mm 65 Foto 18 ISO – 100 - Tempo exposição 1/100 s - Abertura 3,07- Distância focal 6 mm Foto 19 ISO – 100 - Tempo exposição 1/160 s - Abertura 5 - Distância focal 55 mm 66 Narrativa 3 - Família Reciclando sonhos Família reunida é o que os catadores Maria e Genivaldo mais apreciam. É comum encontrar a filha do casal, Jaíne e sua filhinha, Mariana, nas dependências da casa, em total harmonia, antes ou depois do trabalho no lixão (foto 1). O cheiro do café é convidativo. É nessa hora que Maria, semi-analfabeta, olha a revista na qual foi citada. Orgulhosa, mostra o depoimento dado à respeito do fim do lixão, do qual é favorável, enquanto na mesma mesa, Genivaldo toma, tranquilamente, um reforçado café antes de ir ao trabalho (foto 2 e 3). Os detalhes da casa impressionam. Na cozinha, as panelas encontradas no lixão brilham com o reflexo da luz, muito limpas e organizadas (foto 4). Na sala, réplicas das obras da Mona Lisa e, segundo o casal, do quadro “Girassóis”, de Van Gogh, ao lado de uma imagem da Bíblia Sagrada. São detalhes que revelam muito da personalidade dos catadores – apreço pelas artes e religiosidade (foto 6). Como ali tudo vem do lixo, Maria mostra as roupas que veste no momento em que confessa que todas vieram da coleta seletiva e mostra indignação com tal desperdício. “Depois de lavadas e ‘aviadas’, ficam como novas e eu não entendo como as pessoas descartam tantas coisas boas”. O amor fica mais evidente através da imagem do coração talhado na árvore (foto 11) e ao flagrar a avó com a neta no colo em momento de total entrega. Um gesto simples, mas que reflete o verdadeiro sentido de família existente na casa (foto 7). Já no pátio, as árvores frutíferas mostram o zelo pela pequena produção de frutas, café, verduras e legumes (foto 8). Perto dali, uma manequim em trajes de inverno mostra que nessa casa há muito bom humor (foto 10). Alguns metros à frente, um galpão repleto de livros, dos mais diversos autores, os quais Genivaldo diz: “vou estudá-los e depois vendê-los” (foto 9). 67 A família se despede com alegria e em uma clara demonstração de confiança (foto 12). Essa realidade só vem provar que a felicidade é possível mesmo em situações adversas. A união no trabalho faz a força da família, que constrói a cada dia uma vida mais digna, e vai, aos poucos, despedindo-se do trabalho no Lixão Municipal, que está há poucos meses de ser desativado, ficando assim uma questão: o que vai ser quando isso acontecer? 68 Foto 20 ISO – 3200 - Tempo exposição 1/60 - Abertura 3,8 - Distância focal 20 mm 69 Foto 21 ISO – 2200 - Tempo exposição 1/60 s - Abertura 3,8 - Distância focal 20 mm Foto 22 ISO – 3200 - Tempo exposição 1/60 s - Abertura 5 - Distância focal 55 mm 70 Foto 23 ISO – 1100 - Tempo exposição 1/60 s - Abertura 3,6 - Distância focal 18 mm Foto 24 ISO – 3200 - Tempo exposição 1/60 s - Abertura 4,6 - Distância focal 34 mm 71 Foto 25 ISO – 1000 - Tempo exposição 1/60 s - Abertura 3,6 - Distância focal 18 mm Foto 26 ISO – 450 - Tempo exposição 1/60 s - Abertura 4,8 - Distância focal 46 mm 72 Foto 27 ISO – 400 - Tempo exposição 1/320 s - Abertura 5 - Distância focal 55 mm Foto 28 ISO – 200 - Tempo exposição 1/125 s - Abertura 3,6 - Distância focal 18 mm 73 Foto 29 ISO – 360 - Tempo exposição 1/125 s - Abertura 5 - Distância focal 55 mm 74 Foto 30 ISO – 200 - Tempo exposição 1/125 s - Abertura 5 - Distância focal 55 mm 75 Foto 31 ISO – 360 - Tempo exposição 1/125 s - Abertura 4,5 - Distância focal 32 mm 76 3. METODOLOGIA DA PRODUÇÃO 3.1 Processo de produção O primeiro contato com os catadores foi no dia 17 de setembro de 2011, em uma visita de reconhecimento ao local. Compartilhamos as experiências do cotidiano, conversamos com alguns trabalhadores e coletamos um pouco de suas histórias. Fomos até uma casa onde diversos catadores estavam reunidos à espera do caminhão de lixo, que estava prestes a chegar. Nesse primeiro contato, alguns catadores falaram do preconceito que enfrentam, principalmente oriundos de crianças, que são levadas até lá por professores das escolas de Vilhena. Uma senhora (M. S.), que não quis ser citada no trabalho, relatou ainda que os catadores não gostam de ser fotografados, e que a maioria das pessoas que ali realiza algum tipo de pesquisa chega com uma visão preconceituosa sobre como é a vida de um catador. Essa mesma senhora também nos contou que eles não se alimentam do lixo, porém, a nossa observação constatou que essa informação não era precisa. Após a afirmação desta mulher, chegou um caminhão e avistamos algumas senhoras selecionando repolhos e frutas – provavelmente descartados pelos supermercados -, em condições de serem aproveitados para o consumo próprio. A partir desta constatação, percebemos que alguns catadores se envergonham do trabalho que exercem, mas outros se orgulham, por terem um trabalho que lhes garante renda para sobreviverem honestamente e longe da criminalidade. Os trabalhadores relataram ainda que vários veículos de comunicação de Vilhena publicaram matérias sobre o lixão da cidade mas que, na maioria das vezes, davam enfoque ao lado degradante da profissão e informaram que faltavam formas de explicar à sociedade a importância do trabalho de catador de materiais recicláveis, o que é justamente o objetivo desta pesquisa. Esse primeiro contato foi importante para a elaboração do projeto porque nos deu um panorama do que é um lixão e a vida destes catadores em Vilhena. Tivemos a oportunidade de conhecer as condições de vida dessas pessoas, bem 77 como as dificuldades e obstáculos que teríamos para a conclusão de nossa pesquisa, como, por exemplo, convencê-los a fazer parte desse trabalho, pelo fato de que esses catadores já estão saturados com o olhar preconceituoso da sociedade. Poucos catadores foram receptivos conosco. Poucos permitiram ser fotografados, conversaram e nos explicaram como funciona a coleta, outros se escondiam e se mostravam incomodados com nossa “invasão” em seu cotidiano – principalmente um senhor, que parecia ser um dos mais velhos e respeitados ali. Após a primeira visita, constatamos ser um desafio executar uma fotorreportagem com os catadores do lixão de Vilhena, pois, além de eles não serem muito receptivos, é difícil encontrar materiais acadêmicos como livros e pesquisas, sobre o nosso enfoque, que é mostrar, através da fotorreportagem, a realidade de se trabalhar como catador e a importância dessa profissão para o meio ambiente. Para o primeiro capítulo utilizamos, além de pesquisas em sites, leituras de livros, artigos e dissertações de pesquisadores citados sobre o assunto. As principais leituras que nortearam nossa pesquisa e fotografias foram: A ilusão especular - introdução a fotografia, de Arlindo Machado – Mostra que na fotografia, é possível que o observador se coloque no lugar do autor. O livro nos faz refletir sobre como devemos nos portar ao fotografarmos as situações, no sentido do que queremos mostrar e como devemos captar as imagens, para dar mais sentido e coerência ao trabalho fotográfico. Diante da dor dos outros, de Susan Sontag - Mostra a importância da imagem, mais especificamente da imagem fotográfica, usando como exemplo diversas guerras ocorridas pelo mundo, assim como as abordagens feitas pelos fotógrafos e os objetivos que buscam alcançar com essas fotografias de atrocidades e devastações causadas pela guerra. As múltiplas faces da exclusão nas lutas pela cidadania, de Ilse SchererWarren – O artigo tenta esclarecer com base nos Fóruns Sociais Mundiais (FSMs) I, II e III, ocorridos em Porto Alegre em 2001, 2002 e 2003, e também nos movimentos sociais do Brasil, como a exclusão social se expressa nas formas dos movimentos sociais do nosso país e do mundo em busca da cidadania. 78 Catador de material reciclável: uma profissão para além da sobrevivência?, de Luiza Ferreira Rezende de Medeiros; Kátia Barbosa Macêdo – O artigo mostra a importância do trabalho dos catadores de lixo de Goiânia e a relação destes com empresas e organizações de reciclagem. Relata a necessidade dessa atividade diante dos movimentos em benefício do meio-ambiente que se tornaram constantes nos últimos anos. Entrevistas com 10 catadores de lixo dão uma noção da realidade e da falta de condições de trabalho, assim como a periculosidade, a discriminação e a exclusão de alguns ambientes sociais. A militarização da questão agrária no Brasil, de José de Souza Martins, páginas 62-74 – O capítulo intitulado “A questão da terra na Amazônia” procura mostrar quais os motivos das disputas de terras no Brasil a partir de 1970. A concentração da terra nas mãos de poucos e muita gente com pouca terra. Com base no livro Entrevista: O diálogo possível, de Cremilda Medina, realizamos as entrevistas com os médicos e questionários aplicados aos os catadores. No dia 16 de abril de 2012, às 15h00, foi realizada a entrevista com o Dr. Nilton Pandolpho, médico ortopedista, em seu consultório, na Acqua Med. A entrevista foi gravada (celular LG) e decupada, conforme anexo III. No dia 18 de abril de 2012, às 10h00, foi realizada a entrevista com o Dr. André Monteiro Alcântara de Oliveira, clínico geral, no SAE/CTA (Serviço de Assistência Especializada/Centro de Testagem e Acompanhamento de Vilhena). A entrevista foi gravada (celular LG) e decupada, conforme anexo III. A segunda visita ao lixão municipal foi no dia 19/04/2012. Chegamos ao local às 13h00. Neste dia, assim que chegamos, começou a chover, o que impediu o nosso trabalho. Entramos em uma residência para escondermos da chuva, lá havia uma catadora também se protegendo da chuva, foi aí que aproveitamos para aplicar pelo menos um questionário (anexo III). No dia 23/04/2012 realizamos uma pauta fotográfica e, no dia 24/04/2012 fizemos a terceira visita ao lixão quando, pelas dificuldades de acesso aos catadores, só conseguimos aplicar seis questionários (anexo III). Passamos a tarde inteira no lixão e fotografamos (câmera SONY DSC-HX1) os catadores e o ambiente em que trabalham, conforme pauta (anexo III). 79 No dia 26/04/2012, às 14h30, procuramos o comprador dos materiais recolhidos pelos catadores, dono de uma indústria de reciclagem da cidade, mas o mesmo inicialmente se recusou a falar conosco. Depois de uma conversa e explicação sobre o nosso trabalho, “Gaúcho”, como é chamado, aceitou falar, mas recusou a gravação e também fotografias. As informações que conseguimos dele, foram sobre o valor que paga aos catadores pelos materiais recolhidos: Plástico R$ 0,40 o quilo, lata R$ 2,00 e papel R$ 0,35. Relatou ainda que várias empresas de Vilhena compram materiais dele e fabricam suas próprias embalagens. No dia 25/04/2012, às 19h15, pegamos emprestada uma câmera da universidade para a produção de mais uma pauta fotográfica. Ao chegarmos em casa fomos ligá-la para fazermos alguns testes e constatamos que a câmera estava com problema no disparador. No dia 30/04/2012 chegamos ao lixão às 8h00 da manhã, mas não havia nenhum catador por lá. Esse dia havia amanhecido frio, chovia fraco e fazia 16º graus conforme o termômetro do centro da cidade. Constatamos que, por esse motivo, não apareceu nenhum catador no lixão - que estava muito molhado e com alguns alagados. Nesse mesmo dia, voltamos no período da tarde, às 13h00, estávamos apenas com nossas câmeras particulares (Sony Cyber-shotDSCW310 e FujifilmFinePix AV150), que não são profissionais, mas, mesmo assim, produzimos algumas fotos e conseguimos aplicar mais oito questionários, completando assim a amostra do nosso trabalho, que são 15 catadores. 03/05/2012 – Fomos ao lixão cumprir mais uma pauta fotográfica, porém. Neste dia os catadores não estavam amigáveis. Um deles chegou a nos ameaçar, disse que ia tomar nossas câmeras se não parássemos de fotografar ali. Fotografamos algumas pessoas que permitiram e fomos à casa do “Seu Zé”, onde fizemos mais algumas fotografias. 18/05/2012 – Visitamos o lixão em busca de dois personagens, Seu Zé Goiano e Seu Genivaldo. Constatamos que nenhum dos dois estava trabalhando. Fomos até a casa do Zé e depois pedimos várias informações até encontrarmos a residência do Genivaldo. Marcamos um encontro para o dia 25 de junho e aproveitamos a oportunidade para fotografá-lo em sua residência com a esposa, Maria. No lixão, tivemos a oportunidade de fotografar uma catadora, que também se chama Maria e já havia sido entrevistada pelas pequisadoras. 80 04/06/2012 – Fomos à casa de Genivaldo a Maria, como havíamos combinado, porém, ao chegarmos, fomos informados pela filha de Maria, Jaíne, que sua mãe estava com Dengue, e por isso saíra com o esposo, Genivaldo para procurar tratamento no Hospital Regional de Vilhena. 13/07/2012 – Visitamos o lixão, novamente, em busca de casal, Genivaldo e Maria, mas não encontramos nenhum dos dois, nem no lixão e nem na casa. Alguns catadores se mostraram hostis e não quiseram conversar, por isso naquele dia não pudemos fotografar. 20/07/2012 – Voltamos ao lixão com a intenção de fotografar a família, mas só Maria estava em casa, porém, operada da visícula, o que a deixava impossibilitada de trabalhar no lixo. Fomos à casa do seu Zé Goiano e marcamos para a segunda-feira próxima (dia 23) à noite, para o fotografarmos em plena a atividade de catação. Seu Zé ficou de conversar com os colegas para que permitissem que fizéssemos das fotografias. 23/07/2012 – Fomos ao Lixão Municipal à noite, aproximadamente às 21:30. Ao chegarmos, fomos recebidas por um catador que portava um pedaço de madeira, como forma de defesa. Os catadores pensavam que éramos do Conselho Tutelar, conforme nos relatou o motorista do caminhão de lixo da Prefeitura Municipal de Vilhena, que não quis de identificar. Ficamos amedrontadas, pois a única iluminação que tínhamos era de uma lanterna e nos acompanhava, Bruno, marido da pesquisadora Alice. O ambiente era totalmente escuro, e mais de 300 metros à dentro do Lixão, estavam por volta de 10 catadores. Pedimos pelo Seu Zé Goiano, mas ele não estava. A imagem era linda, mas os catadores não permitiram que fotografássemos. Ficamos ali por mais de 20 minutos tentando uma aproximação para os convencer, mas foi em vão. Fomos à casa do Zé Goano, que, segundo sua esposa. Maria, estava viajando. 11/10/2012 – Fomos, no horário do meio dia, à casa de Genivaldo e Maria, mas fomos informados que estavam no lixão. A intenção inicial era somente arcarmos um café da manhã para o dia seguinte, mas a descontração em que estavam nos permitiu a realização de boas fotografias, inclusive com a filha de Maria, Jaíne, que em uma visita anterior, havia nos dito que não era catadora de 81 lixo. Os três nos receberam muito bem e marcamos o café para a manhã seguinte, nos propondo a levar o pão. 12/10/2012 – No horário marcado (8 horas), chegamos à casa de Genivaldo e Maria. Os dois nos aguardavam para o café. Sentamos à mesa junto a eles e simultaneamente, uma e outra fotografava, de acordo com diversas situações. Depois do café, Maria nos mostrou os cômodos da casa e diversos materiais recolhidos no lixão, como roupas, cobertores, pedaços de colchões, livros etc. Ela nos informou ainda, que tudo o que tem dentro da sua casa vem do lixo, inclusive todas as roupas do seu roupeiro, calçados, panelas, etc. 3.2 Orçamento Ampliação em papel adesivo 30x40 – R$ 10,00 cada / R$ 10,00 x 31 fotos = R$ 310,00. Ampliação em papel fotográfico fosco 30x40 – R$ 26,00 cada / 26,00 x 31 fotos = R$ 806,00. 3.3 Câmeras utilizadas na produção fotográfica Sony DSC-HX1 NIKON D3100 NIKON D40X Sony Cyber-Shot DSC-W310 FujifilmFinePix AV150 3.4 Produção e escolha das imagens Durante o período da pesquisa in loco foram realizadas 862 (oitocentas e sessenta e duas) imagens fotográficas. O longo período se deu em decorrência dos dois extremos climáticos no ambiente fotografado – a época das chuvas e a época da seca. Após a realização de todas as imagens fundamentais para a conclusão do presente Projeto Experimental, foi realizada uma pré seleção, onde as pesquisadoras escolheram 138 (cento e trinta e oito) imagens. Na seguinte 82 etapa, uma minuciosa triagem escolheu 31 (trinta e uma) imagens, que compõem o Projeto Experimental resultante “Um click sobre a vida dos catadores de materiais recicláveis no lixão de Vilhena”. Esta edição de imagens foi dividida em três partes subtemáticas, sendo: 1ª. Parte: Em meio à poluição, esperança em dias melhores, que mostra o ambiente onde estão inseridos os catadores do lixão; 2ª.Parte: O que para a sociedade é lixo, para nós é trabalho, Maria Balesti – catadora, que retrata os personagens do Projeto Experimental, os catadores de materiais recicláveis; e 3ª. Parte: Reciclando sonhos, que representa através de imagens a realidade de uma família de catadores que trabalham no lixão e também residem nas imediações. A definição dos três subtemas foi realizada de acordo com as informações obtidas pelas pesquisadoras no decorrer do tempo do desenvolvimento do trabalho. No primeiro momento foram desenvolvidas atividades de reconhecimento do ambiente no qual seria desenvolvida a pesquisa. No segundo momento, os primeiros contatos com os catadores e posterior aproximação para manter uma relação de confiança; somente no terceiro momento, as pesquisadoras foram recebidas na residência do casal de catadores Maria e Genivaldo que consentiram retratar em detalhes a vida cotidiana e familiar desses personagens. A edição das fotos da primeira parte foi realizada com base nos dois períodos do ano – tempo das águas e seca. Foi possível, deste modo, retratar em detalhes, a paisagem; o meio ambiente e o catador quando foi possível captar na estação das águas (inverno amazonense) a ocorrência de alta quantidade de chorume (substância líquida originária da putrefação de matérias orgânicas com forte odor e alto potencial de contaminação). Na época da seca, foi possível registrar em imagens, a fumaça resultante pela queima dos gases liberados da decomposição do lixo e por incêndios provocados pelos próprios catadores em busca de ferro e alumínio. Na segunda parte de imagens, a foto que abre esta sequência transmite a alegria, a satisfação, ou a resignação pelo trabalho realizado. As próximas imagens mostram alguns personagens e detalhes, como a proteção necessária – pelo uso de luvas, a vaidade e o cuidado, no aparelho nos dentes, brinco e 83 piercing no nariz, unhas pintadas e aliança da catadora. A foto de encerramento desse bloco mostra dois catadores posando com orgulho ao lado da placa que a neta escreveu, em frente à casa. No terceiro e último bloco, a foto da família reunida, seguindo com detalhes da casa, mostrando apreço pelas artes, na réplica de quadros da Mona Lisa, de Leonardo da Vinci e outro que, segundo os catadores é uma pintura dos girassóis de Van Gogh, assim como a religiosidade, presente em um quadro da Bíblia Sagrada. A descontração é retratada através de uma manequim no quintal e o encerramento ocorre com uma fotografia da família em frente à casa, passando uma sensação de despedida às pesquisadoras. 84 4. RELATOS DE EXPERIÊNCIA 4.1 Uma realidade que ainda não conhecia Alice Feres O Projeto Experimental “Um click sobre a vida dos catadores de materiais recicláveis no lixão de Vilhena”, tem como objetivo mostrar, através de fotografias, a realidade das pessoas que vivem do lixo coletado no lixão de Vilhena. Para que isso fosse possível, inicialmente foi realizada uma pesquisa aprofundada sobre o tema “lixo” para só depois conhecer mais de perto o personagem deste trabalho: “o catador de materiais recicláveis”. As primeiras visitas ao Lixão ocorreram no ano passado (2011), durante a época da seca. A fumaça e o cheiro do lixo incomodavam muito e havia grande dificuldade em estar entre os catadores, tentando obter sucesso na aproximação, nessas condições. Porém, as visitas foram acontecendo naturalmente e criava-se uma relação de amizade com alguns catadores. Outros demonstravam agressividade e raiva, mas descobriu-se que aquelas reações eram resultado das inúmeras visitas da mídia local, que utilizava a imagem dos catadores em matérias que denegriam suas imagens. Essas investidas midiáticas foram criando uma barreira entre mídia, pesquisadores e estudantes com os catadores, mas fomos explicando o verdadeiro cunho desta pesquisa e alguns abriram caminho para que produzíssemos as imagens. Em certa ocasião, em que fomos agredidas verbalmente e um catador ameaçou usar de violência e quebrar as câmeras, apuramos que, recentemente, alunos de Jornalismo da Unir haviam prometido cestas básicas aos catadores em troca da liberdade para que tirassem fotografias. Porém, segundo eles, não foi o eu ocorreu. Dias depois, ao conversarmos na universidade sobre o fato, nos informaram que, as cestas básicas que deveriam ter sido entregues aos catadores, foram destinadas a outra instituição. Tal atitude veio a prejudicar a nós, que passamos a ter mais dificuldade no trabalho e também às pessoas que queiram realizar outro trabalho sério com os catadores do Lixão Municipal. 85 Em uma próxima etapa, aplicamos os questionários aos catadores. Já estava na época das águas e o lixo estava molhado, exalando muito cheiro e liberando uma grande quantidade de chorume. Nessa mesma ocasião, fotografamos os catadores e enquanto uma pesquisadora entrevistava, a outra fazia as imagens, que viriam a constituir o que é hoje o presente Projeto Experimental. As visitas continuavam e a cada dia conhecíamos mais a fundo essas pessoas, seus vícios, vontades, indagações, curiosidades, necessidades, crenças. Era fácil de perceber a tristeza e o sofrimento no rosto de alguns, mas em outros era visível a satisfação e a sensação de dever cumprido por ajudar o meio ambiente, reduzindo a poluição e em estar trabalhando por conta própria, ganhando o quanto trabalhavam, apesar do serviço pesado e insalubre do qual dependem para viver. O trabalho foi tomando forma, com muitas visitas e encontros nas casas das pesquisadoras. Algumas discussões se fizeram necessárias, mas sempre objetivando alcançar um resultado melhor. Pessoas como Maria e Genivaldo, nos recebiam calorosamente em sua residência, onde em uma ocasião, após um café da manhã, realizamos fotografias em diversas situações, com tal liberdade e acolhimento, que nem nós esperávamos. Tais situações muitas vezes emocionavam, por vermos a felicidade e a realidade dessas pessoas de tão perto, o que nos deu a percepção de que aquele lugar, continha muito mais do que lixo. No decorrer deste ano, o presente trabalho ganhou uma dimensão maior. Com a exigência governamental da implantação do Aterro Sanitário, o fim do Lixão Municipal se aproximava e víamos crescer a insegurança e o medo dessas pessoas que ainda não sabem ao certo o que será do futuro. Com isso, a presente pesquisa ganhou maior importância, pois é um trabalho aprofundado, que mostra de perto a realidade dos catadores de materiais recicláveis do lixão de Vilhena e serve como relato histórico sobre o que realmente existe, e no futuro, existiu, naquele local. 86 A presente pesquisa trouxe a mim um grande crescimento, como ser humano e social que sou. Muitas vezes reclamamos sem ter do que reclamar e temos tudo o que precisamos e as condições essenciais para viver. Essas pessoas tem menos que nós e, mesmo que a maioria esteja lá por necessidade, elas são felizes com o que fazem, tratam com carinho e zelo o trabalho que tem e tiram, do que nós rejeitamos, o que vestir, seus móveis, decoração, enfim, tiram de lá o sustento da família e orgulham-se do trabalho que fazem. Como profissional da área em que já atuo, o Jornalismo, pude tirar muitas lições. A pesquisa exigiu a aplicação de grande parte do que aprendi durante o curso, unindo os conhecimentos adquiridos nas diversas matérias tidas durante o curso. Uma das mais importantes, que aprimorei durante essa trajetória, foi a abordagem ao entrevistado. Percebi que uma aproximação amigável é o caminho para o sucesso no trabalho, que a humildade é fundamental, que devo somente me portar como uma pessoa comum e ouvir o que as pessoas tem a dizer. Percebi o quanto são importantes as questões sociais para a mídia e que essas devem ser apuradas profundamente, pois só assim, pode-se falar de uma vida, uma profissão ou uma pessoa. Somente com aprofundamento prático e teórico é possível falar corretamente sobre um fato, ou sobre um personagem, neste caso, com tamanha riqueza de detalhes, que impede que hajam distorções, falando sempre o e que, de fato, é verdade. Divulgações sobre as causas e os problemas sociais são fundamentais, em uma sociedade que não conhece o que está por trás do dia a dia, que vê só o que está por cima, e esquece-se de que, por trás dos bastidores existem personagens coadjuvantes, que por um motivo ou outro, participam ativamente do que hoje chamamos de “sociedade.” 4.2 Uma grande experiência Kátia Patrícia Ferreira Rodrigues Durante um ano, Alice e eu acompanhamos a vida dos catadores que trabalham no Lixão Municipal de Vilhena, no decorrer desse tempo vimos algumas pessoas abandonarem o trabalho, simplesmente não apareceram mais, 87 mas vimos muitas outras começaram, umas por desemprego e outras que declaravam que queriam ser seu próprio patrão. Ouvimos muitas histórias, umas tristes, outra alegres. Sorrimos juntos com nossos personagens e também lamentamos junto com eles. Vimos algumas pessoas adoecerem, mas mesmo debilitadas iam trabalhar embaixo de sol ou chuva. Mesmo frequentando quase que semanalmente o lixão e com muita humildade, nós quase nunca éramos bem recebidas, apenas alguns poucos catadores aceitavam nossa “intromissão”, e esses poucos catadores se tornaram nossos personagens. Alguns desses personagens nos chamaram mais atenção, como por exemplo, o Sr. Zé Goiano, um homem simples, batalhador, que trabalha como catador em lixão há mais de 34 anos e carrega em suas mãos calejadas e em uma trombose adquirida na labuta diária com o lixo, toda a sua história. Conhecemos e frequentamos a casa de uma família maravilhosa e receptiva que mora nos arredores do lixão e todos trabalham por lá, Sr. Genivaldo, dona Maria, Jaíne e sua filhinha Mariana de quase dois anos. Graças a esta família conseguimos concluir esta pesquisa fotográfica, eles nos abriram as portas de sua casa, tomamos um maravilhoso café da manhã, ouvimos mais histórias e rimos muito com eles. E como já diz a música “o que se leva da vida, é a vida que se leva”, essa família nos ensinou que com muita humildade e força de vontade que independente de riqueza financeira, pode-se ser muito feliz. Para a profissão de jornalista, que sonho em seguir, adquiri muita experiência durante o processo de produção desta pesquisa. Percebi que a humildade deve vir sempre á frente das minhas metas (pautas), além da grande experiência na prática fotográfica, e nossa evolução que percebemos do início ao fim. Conhecer novas pessoas, novas histórias e viver uma nova rotina, foi uma grande experiência que vou levar por toda a vida. Foi muito gratificante. 88 CONCLUSÃO Esta pesquisa buscou conhecer e retratar, através da fotorreportagem, o ambiente e o cotidiano de pessoas que trabalham e vivem nos arredores do Lixão Municipal de Vilhena. Durante mais de um ano, os catadores foram observados em sua rotina de trabalho e alguns em suas residências. “Um click sobre a vida dos catadores de materiais recicláveis no lixão de Vilhena” apresenta uma síntese de quem são, como vivem esses catadores, como é o ambiente de trabalho assim como os riscos à saúde que esses trabalhadores estão expostos diariamente. O preconceito da sociedade com relação aos trabalhadores que lidam com o lixo também foi apresentado através de autores como Medeiros e Macedo (2006) que comentam que, além do preconceito e da exclusão de ambientes sociais, existe uma enorme precariedade nas relações de trabalho desses profissionais. O preconceito e a vergonha dos catadores com relação ao trabalho que exercem, foi percebido bem de perto, já que a maior parte não se permitiu fotografar de forma alguma, chegando a alegar vergonha e medo de serem reconhecidos como catadores de lixo. Superar esses preconceitos próprios que partiam dos catadores foi a maior dificuldade das pesquisadoras, já que eles e seu ambiente de trabalho (o lixão), eram os objetos principais desta fotorreportagem. A fotorreportagem “Um click sobre a vida dos catadores de materiais recicláveis no lixão de Vilhena” pretende, também, dar mais visibilidade ao trabalho dos catadores de recicláveis, já que mesmo exercendo uma função em um ambiente insalubre, colaboram com a reciclagem, principalmente em um momento que tanto se fala de preservação e meio ambiente. Segundo pesquisadores da Fapesp (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo), “Os trabalhadores são a base de um processo produtivo lucrativo, mas não obtêm ganho que lhes assegure uma sobrevivência digna”. 89 Apresentar a rotina desses catadores em 31 imagens foi um processo difícil, já que no final de quase 13 meses de pesquisa e captação de fotografias, um acervo de importantes imagens estavam nas mãos das autoras. Segundo Sousa (2000b), o trabalho da fotorreportagem narra uma história por meio de imagens, esta, portanto, deve conter todas as etapas: começo, meio e fim. Para isso, as autoras organizaram a apresentação da fotorreportagem em três narrativas, sendo que a primeira apresenta o ambiente, a segunda os personagens e finaliza apresentando a casa de uma das famílias que residem nos arredores do lixão e vivem do trabalho da catação de recicláveis. Através de questionários e convívio diário, as pesquisadoras constataram que a maior parte dos catadores examinados possuía, mesmo que pequena e humilde, casa própria e veículo (carro ou moto). Ao contrário do que afirma o senso comum e as grandes mídias nacionais sobre os lixões dos grandes centros, os catadores do Lixão Municipal de Vilhena são pessoas que vivem dignamente mesmo com dificuldades como o preconceito e a falta de reconhecimento social da importância do trabalho do catador de materiais recicláveis. 90 REFERÊNCIAS BONELLA, D. S.; FRANTZ, D. Ditadura dos Excluídos. Universidade de Santa Cruz do Sul, s/d. CEMIN, Arneide Bandeira. Colonização e natureza: Análise da relação social do homem com a natureza na colonização agrícola em Rondônia. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 1992. 327 p. COLFERAI, Sandro Adalberto.Jornalismo e identidade na Amazônia: As práticas culturais legitimadas no jornal Diário da Amazônia como representações identitárias de Rondônia. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre (RS), 2009. 196 p. GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed, São Paulo: Atlas, 1999. IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico 2010. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla. Acesso em: 10 de abril. 2012, às 18h06. LIMA, Ivan. 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Acesso em 23 de abr. 2012 às 14h24. rondoniadigital.com/municipios/vilhena. Acesso em 1 de mai. 2012 às 20:45. Entrevistas OLIVEIRA, André Monteiro de Alcântara. Clínico Geral. Vilhena: 18 abr. 2012. Celular (7min.) PANDOLPHO, Newton. Ortopedista. Vilhena: 16 abr. 2012. Celular (3min.) 93 APÊNDICES Apêndice A Decupagem 1 Entrevista Dr. André Monteiro de Alcântara Oliveira, Clínico Geral Das pessoas que trabalham no lixão, alguém já procurou vocês pra tratamento de alguma doença adquirida lá? Em relação a eles procurarem a unidade. Eu te falo quenão, eles não procuram a unidade para atendimento especifico. Bom... Mexer com o lixo... né? Você tem diversos riscos potenciais, você tem o risco físico, né? Riscos dos próprios materiais perfurantes que pode ta no lixo e dependendo tipo de material no caso do metal, a pessoa se corta... é o tétano. Então... A gente sabe que a pessoa não estiver imunizada contra o tétano, pode existir o tétano. E outra coisa são os materiais carregados de bactérias pelo processamento natural biológico, então aí pode ter infecções de pele, o que pode ser comum. Dependendo do corte da área a pessoa pode ficar com lesão mecânica. Agora em relação ao material orgânico, ao lixo biológico, as doenças mais comuns são principalmente a hepatite A, principalmente nos lugares onde tem muita água. Então no período das chuvas o risco de contaminação aumenta? No período das chuvas pode aumentar os riscos do surto da hepatite A. Bom... Se tiver ratos, tem a leptospirose, doença do rato. Então, tem tétano, hepatite, leptospirose, é... E quanto ao lixo hospitalar? Então é... Em relação ao lixo hospitalar é material perfurante que tem lá no ambiente, é mais provável a hepatite B, porque ele é o que mais resiste no meio ambiente, esse tipo de vírus...Ele sobrevive até por uma semana. O vírus do HIV? O HIV em duas horas já tá morto no ambiente natural. Então esse risco de contaminação é improvável. E em relação à contaminação através de...? Então... Nós temos lá... Como esse lixo não é selecionado tem pilhas, baterias. E a contaminação pelos alimentos? Olha... Como a maioria que mora lá faz uma seleção pra se alimentar do que tem la, aí é infecção por bactérias em geral, tem salmonela... e bactérias que causam as infecções alimentares. Decupagem 2 Entrevista com Dr. Nilton Pandolpho, Ortopedista. 94 Quais são as principais doenças osteoarticularesque um catador do lixão pode adquirir?São vários tipos de doenças, principalmente por causa da sobrecarga física carregando peso muito grande ou curvando o tronco de modo vicioso... É... Eles ficam curvados o tempo todo. Então, isso é postura viciosa, isso não postura normal... Então, isso pode trazer um anormalgesia uma cervicalgia, e pode também dependendo do modo com ele trabalha, no modo de catar o lixo, ele pode também apresentar lesões articulares, tendinite, artrite... E acidentes físicos? Sim acidentes o tempo todo em função do local. O senhor já atendeu alguém que já tenha sofrido algum acidente no lixão? Não, eles nunca falariam também. Mesmo quando eu trabalhava no posto de saúde, eles não alegavam que haviam se machucado no lixão, falavam que pegavam peso, ou isso... mas no lixão mesmo eles não dizem, eles nunca se identificam como catador, não. Até por uma questão de preconceito deles mesmo. Eu até mesmo fui levar um amigo pra fazer uma matéria lá e encontrei um paciente que tinha um problema sério no ombro, mas nunca tinha me falado que trabalhava lá. Eu falei com ele... “Ô rapaz, se ta fazendo esforço aqui, mas não pode”. Então eles não falam mesmo. Inclusive eles trabalham às vezes até doze horas seguidas carregando peso. Então, tem isso mesmo, eles nunca chegam lá e dizem que trabalham no lixão, pode até ter uns que falam, mas tem outro que não falam. Às vezes falam que trabalham de gari, a não ser que você já conheça e saiba de onde ele é, aí ele pode até te dar um toque. “foi no caminhão de lixo... e tal...” 95 ANEXOS Anexo A - Pautas PAUTA ENTREVISTA MÉDICOS Retranca Saúde / Catador de material reciclável no Lixão de Vilhena Ver com os médicos quais são os maiores riscos à saúde que os catadores de matérias recicláveis do lixão estão expostos ao executares seu trabalho. Entrevistar os médicos André Monteiro de Alcântara Oliveira - clínico Quais são as principais doenças osteoarticulares que um catador geral e Newton Pandopho do lixão pode adquirir? médico - ortopedista. Já atendeu alguém com problema de saúde acarretado do trabalho Dr. Newton Pandolpho 16 de catador? abr. às 16h00 e Dr. André Monteiro 18 abr. de 2012 No período das chuvas o risco de contaminação aumenta? às 14h00 . Que tipo de contaminação pode haver no contato com restos de Contatos: Dr. Newton na Clinica Aqua Med e Dr. André no SAE/CTA materiais orgânicos? 96 PAUTA FOTOGRÁFICA Retranca Lixão / Ambiente ao redor Fotografar o lixão em geral, o chorume, a forma como é acumulado o lixo, fumaça. / Pessoas trabalhando Local: Lixão Municipal de Vilhena Fotografar os catadores, como eles executam seu trabalho, como é separado e depositado o material coletado até a chegada do balanceiro (homem que compra os recicláveis). Fotografar os catadores transitando entre o lixão. Fotografar o horário de descanso e interação entre os catadores. Fotografar as chácaras e casas ao redor do lixão. 97 PAUTA FOTOGRÁFICA Retranca Família em casa e no trabalho (lixão) Fotografar a casa, os detalhes no quintal, os objetos que a família encontra no lixão e reutiliza. Fotografar a família em um café da manhã. Local: Lixão e chácara próxima ao lixão Fotografar a família trabalhando no lixão, separando o lixo, conversando e horário de descanso. Data: 12/10/2012 a partir das 8h00am